Transcri es - Armazenamento de Perfis Gen ticos · ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS...

306
Supremo Tribunal Federal AUDIÊNCIA PÚBLICA ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS RECURSO EXTRAORDINÁRIO 973.837 MINISTRO-RELATOR GILMAR MENDES

Transcript of Transcri es - Armazenamento de Perfis Gen ticos · ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS...

Supremo Tribunal Federal

AUDIÊNCIA PÚBLICA

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR

CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 973.837

MINISTRO-RELATOR GILMAR MENDES

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Sumário

1. O SENHOR DOUGLAS HARES (DEPARTAMENTO FEDERAL DE INVESTIGAÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS) ........................................................................................................................................................................... 11

2. A SENHORA DEBBIE SMITH (HEART - HOPE EXISTS AFTER RAPE TRAUMA) ............................................. 31

3. O SENHOR INGO BASTISCH (BUNDESKRIMINALAMT -BKA, AGÊNCIA FEDERAL DE INVESTIGAÇÃO DOS GOVERNOS DA ALEMANHA E DA ÁUSTRIA) ............................................................................................. 39

4. O SENHOR JOÃO COSTA RIBEIRO NETO (ACADEMIA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS FORENSES) .............. 55

5. O SENHOR GUILHERME JACQUES (PERITO CRIMINAL).................................................................................... 69

6. A SENHORA MEIGA MENESES (PERITA DO INSTITUTO NACIONAL DE CRIMINALÍSTICA) .................. 91

7. O SENHOR MAURO MENDONÇA MAGLIANO (PERITO CRIMINAL FEDERAL DO INSTITUTO NACIONAL DE CRIMINALÍSTICA) ......................................................................................................................... 121

8. O SENHOR RONALDO CARNEIRO DA SILVA JÚNIOR (PERITO CRIMINAL FEDERAL DO INSTITUTO NACIONAL DE CRIMINALÍSTICA) ......................................................................................................................... 143

9. A SENHORA MARIA CHRISTINA MARINA (ENGENHEIRA BIOMÉDICA) ................................................... 166

10. A SENHORA HELOÍSA HELENA KUSER (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA) ............................................................ 192

11. O SENHOR JOZEFRAN FREIRE (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE MEDICINA LEGAL E PERÍCIAS MÉDICAS) ...................................................................................................................................................................... 209

12. A SENHORA DENISE HAMMERSCHIMIDT (JUÍZA DE DIREITO E PESQUISADORA DA UNIVERSIDADE DE BARCELONA) - ....................................................................................................................................................... 238

13. O SENHOR RENATO BRASILEIRO LIMA (ACADEMIA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS FORENSES) ............. 247

14. A SENHORA TAYSA SCHIOCHET (CLÍNICA DE DIREITOS HUMANOS - UFPR - BIOTECJUS)................. 259

15. O SENHOR CARLOS AFFONSO PEREIRA DE SOUZA (INSTITUTO DE TECNOLOGIA E SOCIEDADE DO RIO DE JANEIRO - ITS) ................................................................................................................................................ 272

16. O SENHOR VICTOR SIMONES (CLÍNICA DE DIREITOS HUMANOS DA UFPR - BIOTECJUS) .................. 283

17. O SENHOR GUSTAVO GRANDINETTI CASTANHO DE CARVALHO (ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS DEFENSORES PÚBLICOS) .......................................................................................................................................... 293

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA

(PRESIDENTE) – Bom dia a todos. Podemos nos assentar, por favor.

Bom dia a todos mais uma vez. Bom dia, Senhor Ministro

Gilmar Mendes, Relator do Recurso Extraordinário que versa sobre o tema

objeto desta Audiência Pública; Senhor Subprocurador Doutor Odim, Senhora

Secretária, Senhores Especialistas, Senhores Participantes desta Audiência.

Está aberta a 20ª Audiência realizada por este Supremo

Tribunal Federal na busca de ouvir a sociedade sobre o tema, como disse,

objeto de recurso extraordinário com repercussão geral, que poderá, por meio

das opiniões, dos ensinamentos que venham nos trazer os estudiosos da

matéria, proporcionar a este Tribunal um acervo de informações necessárias

para que haja um julgamento mais célere e mais fecundo sobre um tema da

maior gravidade, da maior seriedade, que é a Identificação e Armazenamento

de Perfis Genéticos de Condenados por crimes violentos ou hediondos.

O Supremo Tribunal, mais uma vez, abre as portas à

sociedade para ouvir exatamente aqueles que podem proporcionar essas

informações, esses dados, esses estudos, a fim de que o julgamento se faça com

base não apenas jurídica, mas com toda a multiplicidade de conhecimentos

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

necessários para que se tenha, então, uma decisão coerente com o que se tem

de mais avançado e mais necessário para a prestação da Justiça.

Eu cumprimento o Ministro-Relator Gilmar Mendes pela

iniciativa. E, como disse, pela vigésima vez, o Supremo Tribunal, que agora já

tem integrada à sua providência a abertura a estas oitivas de especialistas, faz

com que assim a sociedade toda possa ser ouvida, e que nós possamos

também ter, com os dados que nos sejam apresentados, melhores condições de

um julgamento mais profundo e, principalmente, mais coerente com o que se

tem de mais avançado na Bioética, no Direito e especialmente na matéria aqui

versada, que é objeto deste recurso a ser submetido ao Plenário.

Eu não apenas cumprimento o Ministro-Relator, como

agradeço a Sua Excelência por essa iniciativa. E agradeço, em nome do

Supremo Tribunal Federal, de uma forma especial, a todos os que aqui

participam, em especial àqueles que vão se fazer ouvir e nos aportar essas

informações, esses estudos tão necessários para que os juízes possam atuar de

maneira, portanto, muito mais aprofundada na matéria.

Passo a palavra, então, ao Senhor Ministro Gilmar Mendes,

Relator do recurso extraordinário.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) –

Bom dia a todos, cara Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministra

Cármen Lúcia, caro Subprocurador Doutor Odim Brandão, Senhores Experts

que participarão da audiência de hoje, Senhoras e Senhores.

Os limites dos poderes do Estado de colher material

biológico de suspeitos ou condenados por crimes, de traçar o respectivo perfil

genético, de armazenar os perfis em bancos de dados e de fazer uso dessas

informações são objeto de discussão nos sistemas jurídicos dos países

democráticos.

No caso brasileiro, a Lei 12.654/2012 introduziu a coleta de

material biológico para a obtenção do perfil genético em duas situações: na

identificação criminal, artigo 5º, LVIII, da Constituição, regulamentado pela

Lei 12.037/2009, e na execução penal por crimes violentos ou por crimes

hediondos, Lei 7.210/84, artigo 9º-A.

Cada uma dessas hipóteses tem um regime diferente. Na

identificação criminal, a investigação deve ser determinada pelo juiz que

avaliará se a medida é essencial às investigações – artigo 3º, IV, combinado

com o artigo 5º, parágrafo único. Os dados poderão ser eliminados ao término

do prazo estabelecido em lei para a prescrição do delito. Os dados dos

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

condenados, por outro lado, serão coletados como consequência da

condenação. Não há previsão de eliminação de perfis.

Em ambos os casos, os perfis genéticos são armazenados em

banco de dados. Os dados podem ser usados para instruir investigações

criminais, artigo 9º-A, § 2º, da Lei 7.210, e para a identificação de pessoas

desaparecidas, artigo 8º do Decreto 7.950/2013.

São instrumentos de proteção da privacidade o caráter

sigiloso dos dados e a vedação da inclusão de informações relativas aos traços

somáticos ou comportamentais, salvo quanto ao gênero.

O presente recurso extraordinário trata especificamente do

uso da técnica na execução penal por crimes violentos ou por crimes

hediondos. De um lado, o sequenciamento e armazenamento do perfil

genético busca incrementar a tutela de direitos fundamentais básicos como a

vida e a segurança, por meio de prevenção e investigação de crimes violentos.

A própria liberdade é fortalecida, visto que a comparação com vestígios

encontrados na cena do crime reduz a chance de condenação de inocentes.

Por outro lado, o sequenciamento de DNA tem o potencial

de vulnerar direitos de liberdade, como o direito de não produzir prova contra

si mesmo, o direito do identificado a não passar por identificação criminal e o

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

direito à privacidade, aqui compreendido não só como direito a não passar

pela intervenção física para coleta do material, mas também de não ter

reveladas as informações sobre sua pessoa constantes de seu código genético.

Ao reconhecer a repercussão geral desta questão, o Tribunal

se dispôs a ponderar esses direitos, verificando se a decisão do legislador é

proporcional. Para cumprir essa missão, o Tribunal precisa de informações

que não estão fundamentalmente nos livros de Direito. Por isso, foi convocada

esta audiência pública. Alguns dos maiores especialistas do Brasil e do mundo

em genética forense se dispuseram a investir seu tempo e conhecimentos para

esclarecer à Corte e à sociedade como um todo sobre aspectos fáticos do

conflito.

Conforme roteiro divulgado, esta audiência pública, que,

Vossa Excelência já disse, Ministra Cármen Lúcia, é a vigésima que nós

realizamos nesses macros, atingindo não só os processos de controle abstrato

de normas, mas também os processos de controle concreto em sentido geral –

o sistema difuso também vem se beneficiando desse modelo –, será dividida

em duas etapas. Nesta quinta, ouviremos principalmente técnicos

internacionais. Na sexta-feira pela manhã, falarão especialistas brasileiros e, na

sexta à tarde, amanhã, ouviremos juristas estudiosos do tema.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Em meu nome, e creio, Presidente, em nome de Vossa

Excelência, quer dizer, na verdade, em nome do Tribunal, nós estamos

agradecendo, desde já, aos palestrantes, aos ministros da Corte, ao

representante do Ministério Público Federal, aos advogados, a todos os que

estão presentes e aos que acompanham, pela TV ou Rádio Justiça, esta

audiência, que está sendo transmitida pela Rádio e pela TV Justiça para todo o

Brasil, como sói acontecer também em todas as audiências públicas.

Gostaria de registrar, especialmente para os Colegas que

vêm da Alemanha, que a audiência pública entre nós tem um marco teórico

nos trabalhos do Professor Peter Häberle, que é um dos defensores da ideia da

sociedade aberta dos intérpretes da Constituição em sentido geral. E ele

destaca, em seus últimos estudos, esta vivência, esta prática da Corte

Constitucional brasileira.

Eu agradeço especialmente a Vossa Excelência, Presidente,

por ter deferido minutos preciosos do seu tempo, em momentos tão difíceis,

para estar presente nesta audiência, que é extremamente importante para o

Direito Constitucional brasileiro, para o Direito brasileiro, e, ao Cerimonial,

pelo denodo na organização do evento. E, desde logo, agradeço a presença de

Vossa Excelência.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA

(PRESIDENTE) - Vou pedir licença a todos, porque tenho outras atividades.

Agradeço, mais uma vez, como já foi dito pelo Ministro

Gilmar Mendes, aos especialistas, por terem se deslocado e se prontificado a

nos beneficiar com as lições que aqui deixarão.

Apenas para lembrar: tudo o que se passa nesta Audiência é

aportado a todos os Ministros do Supremo, que se aproveitarão, então, de

todos os ensinamentos, todas as informações, todos os dados ao preparar os

seus votos quando tiver de ir a julgamento este processo. Portanto, mesmo não

estando os onze Ministros aqui, a condução do Ministro Gilmar fará com que,

na sequência, toda a Audiência seja devidamente registrada e entregue em

cópia a cada qual dos Ministros, o que beneficiará todos os Juízes que

participarão do julgamento.

Mais uma vez agradecendo e pedindo licença ao Ministro-

Relator, agradecendo também ao Subprocurador, eu peço licença para me

retirar.

Muito obrigada! Um excelente trabalho a todos!

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) -

Abertos os trabalhos desta audiência pública, convido para falar, em nome da

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Procuradoria-Geral da República, o Doutor Odim Brandão, Subprocurador-

Geral da República.

O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-

GERAL DA REPÚBLICA) - Eminente Presidente, doutos especialistas,

senhoras e senhores, registro, em primeiro lugar, o agradecimento da

Procuradoria-Geral da República brasileira à gentileza do convite para aqui

estar. Resolve melhor um caso quem conhece melhor os fatos, e temos aqui

fatos legislativos bastante complexos. Tenho certeza de que, em razão disso,

sairei daqui com muito mais conhecimentos do que entrei.

Serei breve e, embora pegando um pouco, talvez, os

expositores de surpresa, se pudesse pedir-lhes algo, pediria que abordassem,

eventualmente, a importância dos estudos forenses examinados nesta

audiência para os casos de reincidência especificamente em relação a

criminosos com determinados perfis psicológicos.

Como disse, sairei daqui muito mais bem instruído do que

cheguei.

Agradeço muito a gentileza do convite.

Muito obrigado.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) -

Muito obrigado ao Subprocurador-Geral.

Eu passo, desde logo, a palavra ao Doutor Douglas Hares,

do Departamento Federal de Investigação dos Estados Unidos. O senhor

disporá de quarenta e cinco minutos.

O SENHOR DOUGLAS HARES (DEPARTAMENTO

FEDERAL DE INVESTIGAÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS) Transcrição baseada

em tradução simultânea - Eu gostaria de dividir algumas experiências que nós

tivemos ao criar o nosso banco de dados nos Estados Unidos.

Eu tenho sido a pessoa que tem a custódia desse banco de

dados por onze anos. Eu estou no FBI há dezessete anos, trabalhando com

DNA. Então, as experiências que eu dividirei com o senhor são experiências

que nós tivemos nos Estados Unidos e vão ajudá-lo a tomar suas decisões.

Apenas para lhe dar uma ideia do que eu vou falar hoje, eu

gostaria de mostrar uma fundamentação para o nosso banco de dados,

algumas das leis que foram aprovadas. O programa CODIS, que é utilizado

para trocar e cruzar as informações. Vou falar um pouquinho sobre a nossa lei

federal também e alguns dos requerimentos de privacidade associados.

Alguns procedimentos operacionais, que são públicos. Vou dividir também

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

algumas informações com vocês. E gostaria também de falar sobre a amplitude

da coleta de informações. E esses são alguns desafios que nós vimos nos

Estados Unidos. E, claro, existe a nossa 5ª Emenda, que fala sobre a

autoincriminação. E vou mencionar algumas estatísticas de nossos dados

nacionais.

Bom, talvez o melhor local para começar seja uma breve

linha do tempo de como chegamos dos Estados Unidos a uma base de dados.

Assim, começando no final da década de 1980, o DNA

tornou-se muito popular. E então, os estados começaram a aprovar leis nos

EUA para coleta de banco de dados no final da década de 1980. O FBI viu a

importância do DNA e pensamos que seria bom ser capaz de fazer um projeto

para ver se poderíamos fazer o intercâmbio de informações entre estados e

resolver crimes. E então fizemos esse projeto em 1990. (Inaudível) nossa

primeira lei sobre banco de dados de DNA foi chamada de Lei de Identificação

de DNA de 1994 e permitiu ao FBI estabelecer esta base de dados nacional e

também criou um conselho para criar padrões mínimos de qualidade para

nossos laboratórios forenses. Seguindo isso, temos uma lei de privacidade, por

meio da qual quando coletamos informações como esta, e devemos publicar

como manteremos informações mínimas.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Então, nós publicamos isso em 96, chama-se "A Nota da Lei

de Privacidade", onde nós mantemos os perfis de DNA e as informações de

identificação pessoal. Nenhuma outra identificação além do perfil no banco de

dados.

Então, em 1998, nós tivemos o software desenvolvido, onde

nós colocamos todas as informações. Isso ocorreu em outubro de 98. E

começamos com apenas nove estados, na ocasião. Os estados tinham que

atender a certos requerimentos de qualidade para fazer parte do banco

nacional de dados. Em 98, começamos com nove estados e, agora, todos os

cinquenta estados participam.

Nós fomos capazes de fazer esse banco de dados, mas os

criminosos federais não foram permitidos nesse banco de dados até o ano

2000, quando eles aprovaram a Lei de Ofensas Federais. Desde então, eles

expandiram as leis de coleta.

Então, em 2004, eles adicionaram um requerimento para

credenciamento, onde todos eles têm que participar de programas de

credenciamento. Isso ocorreu em 2004. E, também, adicionaram todos os

crimes no programa.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Em 2005, nós aumentamos o escopo para também os presos

federais, para serem incluídos nesse banco de dados. Eles também

determinaram que amostras usadas para eliminação não seriam permitidas no

banco de dados. Essa foi a primeira vez que isso foi mencionado na lei. Mas o

programa em si nós começamos em 1990 com o projeto piloto, e o FBI também

publicou as diretrizes legislativas em 91. E queríamos ter certeza de que os

estados que iniciaram seus programas de DNA se alinhavam com o que o

Governo Federal queria fazer. Então, nós publicamos essas diretrizes e, nessas

diretrizes, nós falamos sobre as informações que eram estocadas, a

privacidade, a importância da privacidade da informação, dividindo essas

informações somente com os oficias da lei. E também o controle da

propriedade, que era mantido no laboratório que tinha. Nós não tínhamos

controle do FBI, então, quem tinha controle do sistema eram os próprios

laboratórios.

E nós também criamos um sistema de checagem e equilíbrio

para que não houvesse misturas. Fizemos isso antes de liberar essa informação

sobre os casos. Então, nós criamos esse sistema de checagens e equilíbrio.

Leis estaduais começaram a ser aprovadas mesmo antes da

lei federal, mas uma das coisas que nós percebemos, inicialmente, no nosso

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

banco de dados é que as leis cobriam pessoas que eram sentenciadas por

ofensas sexuais. Depois, isso foi expandido para crimes violentos. Mas isso não

parou lá. Nós continuamos expandindo as leis. Nós coletamos elas de roubos e

todos os outros crimes nos 50 estados. O chamado felony é um crime menor e

ele é sentenciado com menos de um ano em prisão. Mas também é muito

importante que, quando os estados estavam estabelecendo seus programas,

nós queríamos ter certeza de que todos seríamos capazes de dividir

informação uns com os outros. Então, nós solicitamos que eles seguissem as

leis federais o máximo possível e é exatamente isso que acabou acontecendo.

Mas as proteções de privacidade são muito importantes.

Então, essa foi uma das duas coisas que eram mais importantes para nós. Nós

utilizamos os marcadores de identificação. Isso não previne nenhuma doença

médica ou nenhum outro traço fenotípico, cor do olho ou coisa parecida. E

também nós queríamos ter certeza de que havia um acesso limitado a esses

dados, para efeitos de identificação somente.

Então, desde a criação do programa, é assim que nós temos

operado. Desde 1994, nós sempre tivemos isso em efeito. Somente quatro itens

da informação que são estocados: o perfil do DNA; a agência que é

responsável por aquele perfil; algum tipo de código numérico para esse perfil

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

(um número de identificação) e, também, nós gostamos de ter o analista que é

responsável por aquele perfil. Então, essas são as quatro partes da informação

que nós estocamos, e eles têm que ser colocados no novo banco de dados. Nós

acabamos incluindo o nome das pessoas, mas não outros dados de

identificação.

Também, a lei nos determinou que tipo de requerimento de

acesso eram necessários - para ter acesso a esses dados -, e nós, todas as

agências da lei acabaram se alinhando com isso. E, assim, um pouco dessa lei

federal original diz que a primeira lei criou o comitê conselheiro. E isso

ocorreu durante cinco anos. E esse comitê foi desenhado para cientistas e

também alguns advogados, juízes e especialistas em defesa, para criar um

número de padrões mínimos de qualidade. E essa foi a responsabilidade dos

primeiros cinco anos.

Claro, como eu mencionei anteriormente, eles autorizaram

o FBI a criar esse índice nacional de DNA e também especifica o que é elegível

para a estocagem dos dados. Então, eu vou mostrar um outro slide sobre essas

categorias.

Impõe um mínimo de requerimentos para assegurar a

qualidade e começou com um teste de proficiência. Depois, acumulou também

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

requerimentos de acreditação e audiência. Restringe o acesso aos dados e

também requer se a condenação foi eliminada ou foi revertida e também

requer a remoção de, no caso, uma prisão, se as queixas forem removidas,

também isso é levado em consideração.

Também para a abertura não autorizada há penalidades

previstas, se alguém libera informação quando não tem autorização para isso.

A qualidade dos padrões que mencionei anteriormente é

muito importante, e eles são mais específicos do que somente o

credenciamento. Eles são específicos para a tipificação do DNA, onde o

Governo e todos os operadores de perfis de DNA que eu mencionei na lei

anterior são mantidos pelo nosso grupo científico sobre o método de análise

de DNA, e eles recomendam qualquer mudança a esses padrões diretamente

ao Diretor do FBI.

Nesse slide, eu não vou mostrar os padrões que estão

colocados, mas só para demonstrar a qualidade do nosso sistema de DNA. E o

que isso faz? Ele realmente determina a legitimidade de procedimentos

validados, assegura o treinamento apropriado, e os analistas que trabalham

nesse caso passam por testes de proficiência.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Na tipificação do DNA, existem diretrizes de interpretação.

Essa é uma forma mínima de dizer que, se o seu laboratório atender a esses

padrões - é necessário um certo nível de expectativa nos Estados Unidos -,

você será capaz de colocar as coisas dentro do banco de dados.

Nós também temos um Manual de Procedimentos

Operacionais e temos que seguir esses procedimentos determinados pelo FBI.

É claro, eles requerem que esses requerimentos sejam seguidos, mas vamos

um passo adiante. Esses laboratórios são auditados, com relação a esses

padrões, a cada dois anos, e eles têm que submeter as ações corretivas da

auditoria para o FBI, para podermos assegurar que eles estão aplicando os

procedimentos apropriadamente. E também listamos todos os requerimentos

para esses laboratórios, a fim de buscarmos esses registros e, quando houver

um dado encontrado, precisamos ter certeza de que temos a pessoa certa e

podemos liberar a informação, desde que seja confirmada.

Os laboratórios têm que ser uma agência de Justiça

Criminal, e a função do laboratório no sistema tem que ser credenciada. Eles

precisam obedecer aos padrões de qualidade e manter os requerimentos de

privacidade, que fazem parte da lei. E eles assinam um memorando de

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

entendimento com o FBI para assegurar que seguem essas políticas,

procedimentos e leis.

Uma coisa que nós temos visto que nos ajudou muito a

sermos bem-sucedidos nos Estados Unidos com o nosso Banco de Dados

Nacional é que há uma governança dividida, partilhada. Nós trabalhamos

muito próximos da comunidade e asseguramos que todos tenham voz no

sistema. Mas, assim como construir um prédio, é muito importante ter uma

ótima fundação, uma ótima base. Se você tiver uma ótima base, pode construir

uma estrutura forte. A nossa base está na nossa lei, as leis são fortes. Os

padrões de qualidade são muito importantes também, assim como os

requerimentos de credenciamento e os memorandos de entendimento com os

laboratórios, e o software CODIS provê essa base forte para o nosso

procedimento.

Os pilares que vão segurar a cobertura da nossa estrutura

são as pessoas que nós buscamos feedback. Existe um grupo científico de

trabalho nos métodos de DNA e temos também administradores do CODIS,

são as pessoas responsáveis pelo banco de dados do estado, e nós nos

reunimos com eles duas vezes por ano.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Nós temos também um comitê de procedimentos, que

reflete as ações das pessoas nos laboratórios e no FBI, que nós usamos para

tomar as decisões sobre as políticas.

As auditorias também são importantes. Nós geralmente

saímos da nossa unidade do CODIS e acessamos como eles estão usando o

software, por causa dos índices. E temos então a certeza de que eles estão

usando o software corretamente. E aí nós vamos para o topo. É importante ter

essa comunicação com os nossos participantes no banco de dados.

Agora, eu gostaria de falar um pouco sobre as leis, sobre a

coleta de material feita nos Estados Unidos. A primeira mostra todos os 50

estados, todos os estados em vermelho. Eles coletam o material dos

condenados por todos os crimes, então qualquer crime que seja punível com

um ano ou mais em prisão é considerado um felony. Em todos os estados

coletam essa informação.

Se nós olharmos para crimes menores ou contravenções,

contravenções são punidas com penas de menos de um ano. São ofensas

menores, mas algumas delas ainda são sérias. Então muito dos estados aqui,

nós vamos ver trinta e três estados aprovaram leis para coletar DNA de

condenados por ofensas menores, como contravenções, se eles forem

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

condenados. Nós, na verdade, não determinamos quais deles serão sujeitos à

coleta. Mais isso aqui representa os presos, aqueles que aprovaram a legislação

para os presos; nós temos trinta e um estados que aprovaram leis onde uma

amostra pode ser coletada após o indiciamento, após as queixas serem

requisitadas; então isso varia de estado para estado, e as leis variam de estados

para estados. Mas nós coletamos, alguns vão coletar de todos os crimes e

outros vão coletar o material somente de alguns crimes, a tendência é sempre

para os crimes mais sérios.

Agora, eu gostaria de mostrar a vocês alguns desafios

constitucionais que nós temos nos EUA. Esta seção mostra no mapa quarenta e

dois estados, ambos desafios nacionais e estaduais que ocorrem em todos esses

estados aqui em vermelho; mas mais importante ainda é que a maior dos

desafios que nós temos são relacionados a 4ª Emenda que é busca e apreensão;

e também a da 5ª Emenda sobre autoincriminação. Cada um desses desafios é

possível de ser mantido no nosso banco de dados, mais de duzentos e vinte

cinco casos demonstraram isso, representando quarenta e dois estados.

Eu quero apontar o terceiro ponto lá: todo os treze, todas as

cortes de recursos federais, todas elas nos Estados Unidos já tiveram esse

banco de dados de condenados como constitucional. E nós não tivemos

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

nenhum caso sendo submetido ao Supremo Tribunal norte-americano, talvez

possa haver uma razão para isso, porque todas as treze Cortes Federais já

concordaram que é constitucional e talvez nós não saibamos, mas, nesse

ponto, nós ainda não vimos nenhum caso sendo enviado ao Supremo, eles

sempre negaram ouvir o caso.

Então, um dos casos que eu gostaria de dividir com vocês

hoje, desses duzentos e vinte e cinco, é o Estados Unidos contra o Kincade, isso

em 2004. Foi um caso onde o desafio era o perpetrador que gostaria de ter suas

amostras removidas do banco de dados. E, por uma questão de segurança

pública ou considerações de privacidade, nos Estados Unidos, um condenado

tem o direito à privacidade, porque ele foi sentenciado. Então, esse equilíbrio

foi considerado e uma decisão foi de que era constitucional manter os dados

no banco de dados mesmo depois deles terem sido liberados da prisão

preventiva.

Neste caso, isso chegou até o Supremo, mas era o caso

Maryland contra o King, talvez vocês já tenham ouvido este caso, se a lei

federal permite ou não a coleta de material de sentenciados, e a decisão foi

bem próxima, foi uma decisão de quatro contra cinco votos, mas eles

concordaram que era constitucional coletar os dados do preso. Podemos ver

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

aqui, em negrito, que "a Corte conclui que a identificação de DNA dos presos é

uma busca razoável que pode ser considerada parte do procedimento

rotineiro." E nós comparamos isso com a fotografia ou com a coleta de

impressões digitais para o perfil.

O último caso que eu gostaria de dividir com vocês é um

caso que desafiou a 5ª Emenda, de autoincriminação, que é o Wilson versus

Collins, em 2008. Este foi um caso no Estado de Ohio; e tanto a 4ª quanto a 5ª

Emenda foram consideradas. Mas, com relação ao desafio da 5ª Emenda, o

DNA foi testemunhal, porque ele revelava informação pessoal; e o Tribunal

determinou que a 5ª Emenda não estava sendo violada e que a coleta do DNA

não era autoincriminatória. Esse caso ocorreu na 6ª Vara. Tem aqui em negrito

que "a extração do DNA não implica o privilégio contra a autoincriminação,

porque essas amostras do DNA são evidências físicas, e não evidência

testemunhal".

Nós temos um caso ali que é um caso que até chegou ao

Supremo, que não era para DNA, mas para toxicologia - foi para álcool ou

conteúdo de álcool no sangue. A questão era se a 5ª Emenda considerava

autoincriminação, ou não, no caso de um exame de bafômetro. Apesar de não

ser um caso de DNA, a referência, neste caso, foi considerada na decisão. E,

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

por último, a sentença reconheceu que as amostras eram exatamente iguais a

uma fotografia ou impressão digital e que não fugiam ao escopo da proteção

da 5ª Emenda.

Eu gostaria de finalizar com algumas estatísticas sobre o

nosso banco de dados e quão bem-sucedido ele tem sido nos Estados Unidos.

Nós temos quase duzentos laboratórios que alimentam dados no nosso

sistema. Eles são colocados em três diferentes níveis. Nós temos laboratórios

criminais, nas grandes cidades americanas, que servem às cidades e às áreas

metropolitanas. Eles usam o sistema para comparar cena de crime contra a

cena de crime nas suas jurisdições. Esses dados são levados até o nível

estadual e, em um nível estadual, eles são comparados com dados de outras

cidades, para que eles possam comparar crimes em cidades diferentes, mas

também para incriminar os ofensores de crimes maiores. Nós vamos ver dados

que ocorrem em um estado sendo comparados com dados de crimes que

ocorrem em outros estados. E isso é levado a um nível nacional, onde nós

comparamos todos os perfis de um estado com os outros estados, para que nós

possamos “linkar” cenas de crime num estado com ofensores em outro estado

e resolver crimes; mas também podemos ligar cenas de crime em um estado

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

com cenas de crime em outro estado para ver ofensas seriais. É muito bom

poder ter esses três níveis diferentes.

Nós vemos 85% dos nossos acertos ocorrendo em um nível

estadual - para que o crime de um estado seja comparado entre estados. Nós

vemos que 15% dos casos é exatamente isso que ocorre.

Como eu falei mais cedo, nós operamos o nosso banco de

dados autorizados e nós usamos uma série de índices: nível de ofensa, índice

de ofensor - nós fomos autorizados a fazer isso com os presos, com os detidos

e com espécies legais definidas pela lei estadual -, temos as nossas categorias

forenses, que são divididas em três; perfil forense que é dividido

diferentemente; e, por último, as pessoas desaparecidas, onde nós podemos

identificar os vestígios de pessoas ou restos de indivíduos que estavam

desaparecidos.

Esse slide aqui realmente mostra o poder do banco de

dados. Eu quero mostrar algumas coisas. Se vocês olharem lá para cima, são

12.753.664 perfis. Nós temos quase 3 milhões de perfis de presos e mais de 770

mil perfis forenses. Mas o número para o qual eu quero chamar a sua atenção

está na parte de cima, à direita: as investigações auxiliadas. Significa que o

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

software CODIS auxiliou na investigação. Isso ocorreu 358 mil vezes nos

Estados Unidos. É um número impressionante.

Eu gostaria de focar um pouco mais na parte de baixo, na

caixinha de baixo do slide, porque isso nós vemos todos os anos. Esses são

números acumulativos ao longo de 20 anos, mas, cada ano, nós vemos quase

600 mil perfis sendo adicionados ao banco de dados. Nós vemos 375 mil perfis

de presos, sendo alimentados também no mesmo bancos de dados, e em torno

de 75 mil perfis forenses. Mas o número que nós estamos buscando são as 40

mil investigações criminais auxiliadas pelo nosso banco de dados. São 3 mil

investigações por mês. Isso é muito importante: olhar para a eficácia desse

banco de dados.

Nós também somos bastante transparentes. Nós temos um

website - eu coloquei um link aqui - que contém informação sobre os padrões

de qualidade mencionados, o manual de procedimentos operacionais e

perguntas feitas frequentemente. Tem muita informação ali e esse é um website

público. Vocês podem olhar para esse site para obter qualquer informação

adicional que vocês queiram.

E isso é tudo que eu tenho para falar com vocês hoje. Eu

ficarei feliz de responder qualquer pergunta, caso haja.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-

GERAL DA REPÚBLICA) - Eu gostaria, por favor, que abordasse a questão da

importância desse tipo de investigação quando se trata de reincidência, ou

seja, pessoas que cometem diversas vezes o mesmo delito, especialmente a

importância disso quando o delinquente, o criminoso tem certos perfis

psicológicos que, em princípio, talvez, tenderiam a se repetir. Muito obrigado.

O SENHOR DOUGLAS HARES (DEPARTAMENTO

FEDERAL DE INVESTIGAÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS) Transcrição baseada

em tradução simultânea - Bom, nós vimos algumas coisas acontecerem nos

Estados Unidos. Uma coisa que nós notamos, e especialmente com roubo e

com invasão domiciliar: eles repetem esse crime várias vezes. E o que nós

vemos aqui é que eles ficam mais sérios uma vez que eles repetem esses

crimes. Então, se nós pudermos interrompê-los antes, nós podemos impedir

esses futuros crimes. E é por isso que nós fazemos a coleta de perfis desses

criminosos que comente roubos, para poder utilizar esses dados e identificar

quem são esses criminosos em série, para não deixar que eles aconteçam

novamente. E esse crime acontece com frequência nos Estados Unidos.

Estupro é outro crime grave nos EUA. E nós vemos isso

também. Um caso que me vem à memória toda vez que penso sobre estupro é

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

um caso que, de fato, aconteceu na década de 1970. Mas eles foram capazes de

voltar e encontrar algumas evidências desse caso e testá-lo. Havia uma série de

estupros graves e todos tinham o mesmo perfil. Finalmente, essa pessoa

realmente tentou comprar uma arma na década de 1990, e temos muitas

verificações de antecedentes pessoais quando você compra uma arma. E eles

descobriram que ele um foragido desde a década de 1970. Quando eles

analisaram sua amostra na base de dados, indicou 31 vezes. Foram 31 crimes

que não foram resolvidos, todos estupros, todos não resolvidos, em 8 estados

diferentes. Essa amostra ligou todos os casos. Sabemos que nos EUA temos

criminosos em série e, ao ter seu perfil no banco de dados, somos capazes de

resolver crimes do futuro e do passe, porque muitas vezes o crime pode ter

acontecido antes da tecnologia de DNA estar disponível, como esse caso que,

originalmente, começou na década de 70, e os EUA começou a usar a

identificação por DNA mesmo no início dos anos 90. Então, nós temos

conseguido resolver tanto crimes do passado como crimes futuros também.

O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-

GERAL DA REPÚBLICA) - Gostaria que esclarecesse um pouco mais quais

são os mecanismos de proteção do cidadão para que ele não tenha,

ilicitamente, vasculhados os seus dados genéticos. Quais são as medidas que o

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

sistema tem para evitar que o cidadão seja alvo de uma prática ilegal.

Obrigado.

O SENHOR DOUGLAS HARES (DEPARTAMENTO

FEDERAL DE INVESTIGAÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS) Transcrição baseada

em tradução simultânea - Bom, duas coisas. O nosso sistema, o nosso banco de

dados está ligado a um reforço da lei. Então, não é aberto para qualquer

pessoa fora dessa network que possa acessar esses dados. Então, nós temos

muito cuidado em nossos procedimentos para saber quem são os elegíveis

para o banco de dados. Quando entramos, por exemplo, com uma amostra de

um crime, tem que ser da cena do crime. Não vamos observar uma amostra

que não esteja na cena do crime, elas não são as evidências que nós estamos

procurando. Nós estamos procurando pela arma ou talvez um chapéu

descartado, alguma coisa que tenha o perfil da pessoa que, de fato, cometeu o

crime, não aquilo que está em volta da cena do crime.

Então, depois, temos as proteções dos cidadãos também e

isso está na lei federal e na Constituição. Então, não podemos informar um

perfil que não esteja numa cena do crime e não podemos compartilhar essas

informações com o público também. Esse é o tipo de proteção ou de

privacidade, porque as pessoas podem pedir informações e se uma pessoa for

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

julgada, mas outras pessoas que não estejam no crime não podem ser

perfiladas e colocadas… Elas são protegidas pela lei.

O SENHOR ODIM BRANDÃO FERREIRA

(SUBPROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA) - Quando se captura alguém e

tem a indicação de que as amostras são compatíveis, é comum realizar uma

nova amostra se ao menos o acusado aceitar? Ou se confia cegamente nos dois

dados de arquivo, o coletado na cena do crime e o arquivado no sistema?

O SENHOR DOUGLAS HARES (DEPARTAMENTO

FEDERAL DE INVESTIGAÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS) Transcrição baseada

em tradução simultânea - Uma excelente pergunta. Parte do nosso procedimento

de confirmação, no qual não entrei em detalhes, é que, quando achamos as

compatibilidades, aquela informação é apenas uma pista para conseguir uma

outra amostra, porque nós queremos uma amostra coletada diretamente da

pessoa e comparar com a cena do crime mais uma vez, para o processo

judicial. Esse é parte do nosso procedimento de confirmação que garante que

não temos amostras misturadas. Nós solicitamos uma nova amostra. Nos

Estado Unidos, o banco de dados não é levado para o julgamento porque

mostraria que se condenou previamente ou algo assim. Não queremos que

haja um erro de julgamento porque se trouxeram crimes passados. Na maior

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

parte do tempo, não podemos fazer isso nos Estados Unidos. Essa segunda

amostra permite prevenir que isso aconteça. Diretamente da pessoa é

comparada com a amostra da cena do crime, não com o banco de dados.

Obrigado.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) –

Passo a palavra agora à senhora Debbie Smith.

A SENHORA DEBBIE SMITH (HEART - HOPE EXISTS

AFTER RAPE TRAUMA) Transcrição baseada em tradução simultânea - Muito

obrigada, senhoras e senhores, por me permitir estar aqui neste país

maravilhoso e me dar a oportunidade de falar com vocês hoje. Eu sou dos

Estados Unido, mas hoje eu não vou representar o meu país. Eu estou

representando as vítimas de crime sexual. Eu me beneficiei de todas as coisas

que o Senhor Hares apresentou para vocês hoje.

A minha experiência pessoal como vítima de estupro me

permitiu entender a devastação causada por esse tipo de crime. Então, com o

entendimento creio que vem o conhecimento e eu acredito que com qualquer

conhecimento vem a responsabilidade. E eu posso dizer que o entendimento

desse tipo de conhecimento e a responsabilidade mudou a minha vida para

sempre, e é essa a razão de eu estar aqui no momento para falar com vocês.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Faz parte da minha missão de vida compartilhar esse

conhecimento com os outros, na esperança de fazê-los poder entender melhor

e poder ajudar essas vítimas de estupro e suas famílias, porque isso é um

crime que não só afeta a vítima primária, mas também todas as vidas que

fazem parte da sua vida, especialmente os seus familiares mais próximos.

Bom, eu respeitosamente peço para que saiam um pouco de

suas posições de Juízes da Suprema Corte e entrem no papel de pai, marido e

filho ou uma mãe, uma filha e uma esposa, porque a minha história é muito

pessoal, é uma história familiar.

De fato, eu acreditei que no dia 3 de março de 1985 seria o

último dia que eu iria sentir o amor do meu marido ou que ouviria a voz dos

meus filhos falando "mãe, eu te amo". Porque foi naquela tarde que um

estranho entrou na minha casa e ameaçou matar-me se eu gritasse. Ele entrou

pela porta dos fundos que ficou destrancada por cinco minutos. Ele me

sequestrou, colocou-me uma venda nos olhos, levou-me para um matagal

atrás de minha casa onde ele me roubou e repetidamente me estuprou.

No dia em que fui estuprada também foi o dia que esta

cesta entrou na minha vida. Essa é a "cesta nº 6", e ela não havia guardado

nada de muita importância até aquele momento, nela não havia nada de

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

valioso, tampouco de valor monetário. Havia um par de tênis Reebok dentro

dela. Nada demais, exceto por ser o meu primeiro par de tênis de marca,

porque, depois de comprar os calçados das crianças, parecia que não haveria

muito dinheiro para comprar os meus próprios. Havia também uma bolsa e

uma carteira dentro dela. Não havia muito dinheiro no interior delas; mas

eram presentes de natal do meu marido, que trabalhou bastante para poder

dar-me esses presentes. Essa "cesta nº 6" ainda tinha um par de calças jeans,

que também não eram muito caras. Para mim, no entanto, elas ficavam tão

bem em minha cintura que eram extremamente importantes para mim. E nela,

ainda, tinha envelopes com pelos pubianos e par de roupas íntimas manchada

de sêmen. Definitivamente nada de muito valor. Todas essas coisas estavam

guardadas nesta simples cesta de arame. Nenhum desses itens comuns tinham

valor a não ser pelo fato de que pertenciam a mim.

Depois de ser estuprada, eu tive muitos problemas em lidar

com esse episódio. Fiquei seis anos e meio sentindo o cheiro desse homem,

com aquela saliva ao redor do meu pescoço, aquela imagem de suas botas de

borracha e o som de sua voz no meu ouvido, falando "lembre-se que eu sei

onde você mora e, se falar para qualquer pessoa, vou voltar aqui e matar você

e sua família". Todas essas coisas ficaram na minha mente, sem poder serem

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

descartadas. Eu precisava de paz e desesperadamente me sentir normal

novamente.

Eu posso dizer a vocês que eu não tinha nenhuma

esperança naquele período e achava que nunca conseguiria o alívio que eu

precisava. Eu tinha um destino pior do que a morte: viver com essa memória,

com esse medo de que aquele homem iria realmente cumprir sua promessa de

voltar e me matar. Desculpem-me, mas o pior de tudo era pensar que ele

poderia se vingar em meu marido e minhas duas crianças.

Eu somente existia durante seis anos e meio, com um medo

que já fazia parte do meu coração e da minha alma e não me deixava ser feliz

novamente. Eu até passei a ter pensamentos suicidas, tentando conseguir a

paz e ficar livre dessas memórias.

Essa "cesta nº 6" sempre estava cheia de itens

insignificantes; mas ela mesma estava com o kit de evidências do meu estupro,

o que me deixaria ter paz no futuro, permitindo-me viver novamente. Nela

havia fragmentos de uma vida vivida, uma resposta para as minhas

perguntas, soluções para os meus medos e paz para a minha alma. Todas essas

resoluções faziam parte de uma cesta de 11x12, com as evidências do meu

estupro.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Em 26 de julho de 1995, recebemos a notícia de que o código

de DNA tinha revelado o nome de meu estuprador. Eu era a quarta pessoa a

receber essa resposta. Nós descobrimos que ele fora preso, e o tormento

finalmente acabou para mim. Eu sabia onde ele estava. E, finalmente, todos

sabiam que estava dizendo a verdade, ele não podia machucar mais ninguém.

E a "cesta nº 6" finalmente poderia falar. A "cesta nº 6" agora fica na minha

estante, na minha casa e não guarda mais nada de muito valor, mas no meu

coração ela guarda a memória do dia que foi extremamente horrível, o dia que

eu achava que nunca mais conseguiria superar. Mas, antes de voltar para

minha casa, essa "cesta nº 6" estava atrás de uma porta, como outras parecidas,

guardadas em prateleiras, em um quarto escuro, fazendo exatamente aquilo

para que elas foram criadas: estava separando diferentes itens. A "cesta nº 6"

está vazia de seus itens originais e agora está no meu escritório como um

lembrete permanente de centenas de milhares outras cestas, caixas e sacolas

que guardam os pedaços da vida de alguém. E é para elas que falo hoje. Eu

não quero que elas passem pelo mesmo exame terrível que fazem para coletar

evidências de uma vítima de estupro.

Quando uma vítima passa por esse exame, ela fez tudo o

que o que ela pensa ser o correto a fazer, ela fez o que a sociedade pediu que

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

ela fizesse sabe que ela precisa levar essas evidências, ela apresentou o seu

corpo como evidência. É uma pena deixar essa evidência sem que se permita

que ela fale, porque a pessoa acredita que esses itens insignificantes que estão

dentro de uma cesta já trouxeram à vida toda essa verdade e que essa verdade

eventualmente faz justiça.

Por causa de alguém que continuou a fazer o seu trabalho, a

"cesta nº 6" ficou vazia, um estuprador foi identificado, a justiça foi feita e suas

futuras vítimas foram poupadas.

Nos Estados Unidos, em média, um criminoso cometerá

estupros oito a doze vezes antes de ser preso. E esses homens devem ser

identificados o mais rápido para não fazerem tanto estrago. Eu sou uma

sobrevivente por causa do DNA e por causa de um banco de dados, uma

sobrevivente que descobriu uma nova felicidade, uma família que foi

restaurada, e a uma comunidade que reunimos. Todas as vítimas

representadas por essas cestas, caixas e sacolas com evidência viáveis merecem

ter voz, e a evidência de DNA pode ser a suas vozes.

Agora eu peço para vocês se colocarem de volta os seus

papéis de juízes da Corte Suprema, porque isso dá o poder a vocês de fazerem

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

a diferença na vida de vítimas, não somente de pessoas que passaram por

estupro, mas de outros crimes também com um todo.

Eu queria que vocês entendessem uma coisa. Porque

mesmo quando uma vítima de agressão sexual vê justiça e mesmo quando o

agressor recebe as sentenças máximas, ele ainda não pode devolver à vítima o

que ele (ininteligível). Como você consegue devolver dignidade, sua inocência

e sua paz de espírito? Como você pode remover essas imagens que vêm à sua

cabeça sem aviso? Eu estou aqui para dizer que não se pode fazer isso. Uma

vítima de estupro não consegue ter de volta a sua vida como era

anteriormente, porque ela sempre será mudada. E, agora, terá que viver com

esse conhecimento do mal que ela viveu e que não conhecia antes.

Por justiça, que preço a se pagar. O DNA estruturalmente

liberta. Esse maravilhoso pedaço da ciência quebra as correntes da prisão

emocional sentida por muitas vítimas e se torna uma prisão para aqueles que

violaram cidadãos inocentes. E o DNA não tem a perda de memória, não fica

confuso e não vai ser intimidado. O DNA dá vida e administra a justiça,

oferece paz e validação, liberta o inocente. E eu acredito que é a melhor

ferramenta de prevenção que nós temos no momento. Assim como as

impressões digitais, o DNA não é sobre incriminar, é para ajudar a identificar.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

A identificação pelo DNA realmente revela a verdade. E essa verdade é muitas

vezes incriminadora para o criminoso. E esse sistema deveria fazer sempre

isso: encontrar a verdade. Todas as vítimas de crime merecem esse presente

que eu recebi por meio de um banco de dados: a vida nova. E eu sei que o

DNA pode oferecer esse presente para muitos, que é dar justiça às vítimas.

Estou muito feliz e honrada de representar as vítimas de

estupro e outras vítimas de crime. E eu espero que eu esteja representando a

esperança de uma justiça prometida.

Eu agradeço e estou disposta a responder qualquer

pergunta.

O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-

GERAL DA REPÚBLICA) - Nenhuma questão, apenas a minha mais profunda

admiração pela sua coragem pessoal e civil.

A SENHORA DEBBIE SMITH (HEART - HOPE EXISTS

AFTER RAPE TRAUMA) - Muito obrigada.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) -

Todos nós quedamos extremamente, vivamente, impressionados com o

depoimento da senhora Debbie Smith, que demonstrou a importância desse

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

trabalho e dessa técnica de investigação para o combate a esses tipos de crimes

e de outros crimes.

Passo a palavra agora ao Doutor Ingo Bastisch,

Bundeskriminalamt (BKA), Agência Federal de Investigação dos Governos da

Alemanha e da Áustria.

O senhor tem quarenta e cinco minutos.

O SENHOR INGO BASTISCH (BUNDESKRIMINALAMT -

BKA, AGÊNCIA FEDERAL DE INVESTIGAÇÃO DOS GOVERNOS DA

ALEMANHA E DA ÁUSTRIA) Transcrição baseada em tradução simultânea -

Senhor Ministro, muito obrigado por me apresentar.

Eu tenho que fazer uma pequena correção. Eu estou falando

apenas em nome do Governo alemão, e não do Governo austríaco, mas

estendo minha palavra aqui a toda a situação europeia.

Gostaria de começar com algumas observações gerais com

relação à análise do DNA na Alemanha e em outros países. O uso da

tecnologia de DNA é parte do nosso trabalho diário, da Polícia e do Sistema

Judicial, e é muito aceito em todos os países europeus. Esse método nos

permite a investigação de crimes e o processo de um número de crimes que,

sem o uso do DNA, não poderiam ser investigados e resolvidos. Também é

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

mostrado que o DNA não é só utilizado com a capacidade de resolver crimes,

mas tem sido mostrado nas comunidades que o uso mais extenso do DNA

pode também prevenir crimes.

Então, se vocês olharem para a legislação europeia com

relação aos tipos de crimes que se permitem incluir no banco de dados, a

legislação varia muito de país para país. Isso é parte da história, parte das

Constituições diferentes, que são parte da história, e é parte do processo de

discussão na sociedade, mas nós podemos ver que, nos Estados Unidos e na

Europa, quando a análise de DNA começou, sempre nos crimes de menor

potencial ofensivo, foi uma história bem-sucedida e permitiu a inclusão de

outros tipos de crime, porque não somente os crimes mais sérios fazem parte

do trabalho policial ou do papel do sistema judiciário e do sistema policial.

Até mesmo no nível da União Europeia, foi reconhecido

que o uso da tecnologia de DNA é tão bem-sucedido. Quando a Europa abriu

as suas fronteiras, foi também antecipado que isso não somente leva a pessoas

normais que viajam de um país para o outro mais facilmente, mas o crime

também se move de um país para o outro mais dificilmente. Isso cria a

possibilidade de troca de dados, que é o que eu vou apresentar no final da

minha apresentação.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Eu gostaria de apresentar a Alemanha e a legislação alemã

como um exemplo do que é similar em muitos outros países europeus, com

algumas diferenças, é claro, mas a Alemanha é o país onde eu trabalho agora.

Eu tenho que dizer que eu não sou um especialista em lei;

eu tenho que lidar com a lei e com a aplicação da lei no meu trabalho. Eu sou

um biólogo, eu trabalho num laboratório desde 1990 e o meu trabalho foi

criado como resultado da implementação do banco de dados de DNA. Eu

trabalho lado a lado com o desenvolvimento do banco de dados de DNA.

Já em 1990, a Suprema Corte determinou que fazer a análise

de DNA somente na parte não codificada do genoma humano é baseado nos

processos admissíveis geralmente e só pode ser usado para procedimentos nos

tribunais. Esse foi um primeiro passo relativo ao uso da tecnologia de DNA.

Cinco anos depois, o Tribunal Constitucional Federal

determinou que essa análise não violava os direitos humanos e, por isso,

estava de acordo com a Constituição, mas era restrita somente à parte não

codificada do genoma. Mas, quando você interfere nos direitos humanos, você

tem que aprovar uma lei, e esse foi um requerimento, isso foi feito pelos

legisladores na ocasião.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Então, a legislação do DNA faz parte do nosso Código de

Procedimentos Criminais, que foi mudado no ano de 97, e introduziu a análise

do DNA de acordo com o Adendo nº 81, que já coletava amostras de pessoas.

Então, houve uma base legal para a primeira lei para que a análise de DNA

fosse usada apenas para propósitos de identificação, e excluiu o uso de

informação genética codificada, utilizando genes que permitissem a previsão

de qualquer comportamento médico ou aparência.

E uma terceira restrição foi que a análise de DNA só

poderia ser desempenhada quando fosse ordenada por um juiz. Naquela

ocasião, a ordem de juiz era também necessária para amostras de evidências

coletadas nas cenas de crimes. Isso também foi mudado e eu vou mencionar

isso. Então, houve algumas questões organizacionais para salvaguardar os

dados.

Primeiro, nós temos que dizer que o banco de dados de

DNA é considerado uma ferramenta de investigação. E é uma regra geral que

o conhecimento forense e a investigação devem ser separados para que o

conhecimento forense não fosse enviesado, para que o especialista fosse relatar

isso no tribunal e que não fosse mencionado por uma outra pessoa que não

fosse um especialista.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

E, para ser menos enviesado ainda, as amostras que nós

recebemos são pseudonominadas, você não pode dizer o nome, somente as

iniciais e o ano de nascimento.

Nós temos alguns requerimentos, que eu vou mencionar

mais tarde, mas esses requerimentos têm um limite de acordo com o tipo de

crime e não são válidos para as investigações correntes, somente para o uso do

banco de dados para propósitos de investigação, quando você requer o banco

de dados. Então, em qualquer investigação criminal, o uso da evidência de

DNA é geralmente permitido.

Em 1997 e 1998, houve alguns casos de crimes sexuais de

alto perfil, onde jovens garotas, em torno de dez a onze anos de idade - não

tenho certeza -, foram severamente estupradas e mortas. E este caso atraiu

muita atenção pública e da mídia. Houve um desejo geral da mídia e da

população de que agora essa tecnologia de DNA fosse disponibilizada, e por

que o país não fazia mais para prevenir os crimes. Se não havia um criminoso,

o perfil estava lá, e, se isso tivesse sido visto antes, as pessoas poderiam ter

tirado um potencial criminoso das ruas, prevenir um segundo crime.

Então, o que aconteceu foi que o Governo criou uma lei

para determinação de um perfil. E o Ministro do Interior, na cidade onde eu

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

moro, implementou esse banco de dados como geral, e o principal foi a ideia

da prevenção ou da resolução de crimes futuros. E isso incluía também a

possibilidade de incluir as amostras de DNA e dos perfis de DNA de

ofensores já previamente condenados. Então, havia um requerimento legal

para a estocagem do perfil de DNA de uma pessoa e, na ocasião, tinha que ser

para um crime de significação substancial. Mas isso, na verdade, era deixado

para que o juiz decidisse qual era o procedimento a ser adotado.

Para estar no banco de dados, você tem que atender a

outros requerimentos, o que significa que o indivíduo que deveria estar no

banco de dados tem algum histórico criminal que permite a perspectiva de que

essa pessoa poderia cometer novos crimes no futuro. Então, isso tem de ser

levado em consideração, mas não é que uma pessoa simplesmente cometa um

crime e tem que haver mais informação sobre essa pessoa, tipo uma avaliação

de risco, e, aí, a pessoa pode ser colocada no banco de dados. Também está

conectado com o histórico policial da pessoa, por exemplo: quando o histórico

policial de uma pessoa é apagado, isso apaga automaticamente o perfil de

DNA da pessoa no nosso banco de dados.

Alguns anos depois, em 2000/2001, houve uma decisão pelo

Tribunal Constitucional Federal, mais uma vez confirmando que a análise do

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

DNA era constitucional. Mas eles também disseram, especialmente a respeito

do prognóstico futuro, das possibilidades futuras de um novo crime que, aí, os

juízes precisariam fazer uma avaliação melhor e decidir que as pessoas

deveriam ser incluídas no banco de dados.

Em 2002, a Corte Constitucional Federal também deixou

claro que o perfil de DNA não era um perfil da personalidade. Era apenas...,

porque existe um código onde a individualização tem o conteúdo comparado

com uma impressão digital, e isso evitava qualquer outra questão futura.

Mais tarde, devido ao sucesso, o Código de Crimes Sexuais

foi emendado novamente, e o que aconteceu foi que isso facilitou a inclusão de

todos os times, de todos os tipos de ofensores criminais no banco de dados,

mais uma vez com prognóstico, e incluindo a possibilidade do marcador

sexual e do marcador de gênero, que não eram regulados pela lei anterior.

Em novembro de 2005, uma nova emenda aconteceu, e foi a

inclusão de voluntários no banco de dados, o que tem sido aplicado em alguns

dos nossos estados federais, mas não foi regulamentado por lei. Essa foi uma

área meio cinzenta ainda, onde os legisladores deixaram bem claro que teria

que haver uma permissão escrita, incluída no banco de dados sem a ordem de

um juiz.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

E também o limite do nível do crime foi baixado um

pouquinho, eles disseram: "Ok, não tem que ser um crime de significação

substanciosa, mas pode ser um número maior de pequenos crimes que todos

juntos sejam comparáveis, ou seja, comparável a um crime de significação

mais substanciosa. E, naquela ocasião, houve um estudo da BKA onde

histórico dos ofensores sexuais revelavam ou dos estupradores, revelando que

uma média de pessoas que já tinham um histórico criminal, incluindo cinco

cenários diferentes de crimes. Então, não era só que pessoas que estavam lá e

que foram estupradores num dia, que tinham um histórico criminal

desconhecido da polícia, eram considerados crimes regulares, e, aí, as suas

amostras teriam que ser coletadas também. E, nesta parte da lei, foi incluída a

possibilidade de uma triagem de massa ou uma triagem inteligente.

Isso aí é relativo a um número muito pequeno de crimes

considerados, só os crimes mais violentos, onde o juiz requer ou faz a ordem

de uma análise de DNA, e você tem que restringir o número de pessoas que

são solicitadas a doar amostras, porque esse trabalho seria teoricamente

voluntário e as pessoas têm que dar uma permissão escrita.

De qualquer forma, apesar desses voluntários, essa triagem

de massa tem uma boa taxa de sucesso. Há muitos anos atrás, nós fizemos um

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

levantamento e, até onde me lembro, 60% ou 70% dessas triagens levaram ao

criminoso verdadeiro.

O conteúdo do banco de dados que temos no nosso país

inclui as pessoas acusadas, os ofensores já condenados e material de evidência

coletado nas cenas dos crimes. E também temos pessoas desaparecidas, mas

num banco de dados separado, sem conexão com o banco de dados dos

criminosos. O que faz o sucesso aqui é que nós tentamos ter um banco de

dados com criminosos ativos.

Os dados - pelo fato de se referir ao escritório onde

trabalho, o da BKA - seguem as leis aplicadas e são checados, se ainda devem

ser estocados por dez anos, para adultos, e, para crianças, por cinco anos. Isso

não significa que os dados são apagados após esse prazo, mas eles irão checar

se essa pessoa ainda está ativa criminalmente, e se o registro policial está lá,

senão o dado terá que ser apagado.

Agora chegamos à base legal, quando mostramos as seções

diferentes da nossa lei. Para o exame físico, vocês veem em azul que se retira o

material oral, que deve ser coletado pela polícia. Não é necessário um doutor,

na verdade, eles são instruídos sobre como fazer isso, e, aí, podem fazer. Mas,

se as pessoas se negam a dar a amostra, não há nenhum problema; se um juiz

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

ordenar, a pessoa é levada a um médico para tirar uma amostra sanguínea

sem a autorização ou sem a permissão escrita.

O que também diz é que, uma vez a amostra seja coletada e

usada, ela tem que ser destruída. Ainda existe a possibilidade de tirar

amostras de vítimas ou de testemunhas, mesmo se elas não derem a

permissão, mas, pelo que sei, isso normalmente não acontece, porque as

vítimas e as testemunhas geralmente são bastante colaboradoras e permitem

fazer isso.

A Seção E-81 determina que a análise genética, que o

material retirado na Seção 81-E possa ser usado para exames moleculares por

duas razões: primeiro, para determinar a descendência e, segundo, para ter

certeza se os traços encontrados na cena do crime são originados dele. E isso

tem que expressar explicitamente que nenhum outro achado deve ser feito.

Isso também é aplicável para traços que o juiz determina serem analisados, e,

aí, não é mais necessário.

Então, a ordem e a condução dos exames genéticos

moleculares, como eu disse antes, com a permissão ou com a autorização de

um juiz, e o especialista tem que ser nomeado publicamente, ou um oficial do

Governo especialista na área, e tem que haver, também foi mencionado, uma

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

separação, pelo menos de forma organizacional, entre uma investigação e um

exame. E a amostra seria transferida, como vocês veem aqui, seria o IB 1965,

este foi o ano em que nós recebemos as amostras.

Então, com relação as análises, a análise é para

procedimentos criminais futuros, se a ofensa for um crime violento, ou se for

uma autodeterminação contra uma autodeterminação (ininteligível), ou

ofensas menores, ou os prognósticos que eu mencionei antes, e é requerido

que o material seja destruído por autorização ou por ordem judicial; a mesma

coisa para com os ofensores. E os dados são lidados de acordo com a lei

federal pela polícia e para a avaliação de massa, que eu mencionei.

Então, o conteúdo do nosso banco de dados de DNA, como

você vê, começou em 98, foi a data de início; cresceu agora para um milhão de

perfis, incluindo pouco mais de oitocentos e cinquenta mil pessoas e amostras

de trezentos e cinco mil locais de crimes, cena de crime. No total nós temos

duzentos e quarenta mil combinações, que o doutor mencionou anteriormente,

de investigações auxiliadas. Na sua maioria, uma combinação entre a

evidência coletada na cena do crime e da pessoa que teve a amostra coletada,

mas a polícia tem um outro passo para seguir na investigação, pelo menos tem

que haver uma razão para esse perfil ter sido encontrado na cena do crime.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Isso significa que cada terceira amostra que nós

recolocamos no banco de dados se combina com uma pessoa. E essa é uma

taxa de sucesso excelente.

Há apenas duas semanas atrás, eu conversei com um colega

que estava investigando um carro com produtos roubados, e eles encontraram,

nas evidências, dentro do carro, seis combinações. Há um banco de dados para

seis ofensores diferentes.

Então, é muito difícil ler isso, eu entendo, mas isso mostra o

uso do DNA em países europeus diferentes. E o que vocês podem ver é que

esses são os países de onde nós temos informação, isso foi tirado de um

levantamento feito pelo King's College, em Londres, onde cada país que

tivesse informação disponível sobre o DNA do suspeito fosse tirada. E você vê

algum X, essas são as informações que não eram explícitas, mas eu concluo

que, do contexto, esses, os ofensores estavam lá, e a pergunta, o sinal de

interrogação é onde não havia informação. Mas, em quase todos os países

europeus, essas amostras são colocadas no banco de dados.

O último país que entrou no grupo foi, após um longo

histórico de discussões legais, a Itália, que agora estava coletando as amostras

de ofensores condenados. Quatro semanas atrás quando encontrei esse colega

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

italiano, ele disse: "Nós agora temos quinhentos perfis no nosso banco de

dados." Então, esse foi um dos grandes passos que nós tivemos no nosso

cenário europeu.

Bom, eu mencionei no meu primeiro slide que a troca de

dados na Europa também foi favorecida, e que havia um Tratado de Prüm,

que foi muito famoso no mundo da ciência forense, mas isso ocorreu para

auxiliar a investigação criminal para a troca de dados de DNA e outros dados.

E, assim, o sucesso começou com os primeiros testes entre a Áustria e a

Alemanha, onde nós tivemos mais de mil combinações. O que vocês podem

ver aqui é que a Alemanha tem, como outros países europeus, e mostra o

potencial que o banco de dados dá para a solução de crimes, que é incrível.

Então, eu gostaria de concluir, com esses últimos slides aqui,

com uma visão geral do uso do uso do DNA, da análise de DNA em todo o

mundo. O que vocês vêm aqui nesse slide é um levantamento internacional de

países que estavam usando o DNA para investigações, onde os países que

estão em branco não significam que não fazem, mas significa que eles não

participaram do levantamento. Olhando para o uso do banco de dados, vocês

podem ver esses países que nós vemos, algo que é globalmente aceito, e assim

eu gostaria de finalizar a minha apresentação.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Agradeço pela oportunidade de falar aqui.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) -

Muito obrigado.

O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-

GERAL DA REPÚBLICA) - Inicialmente, eu teria duas perguntas. Eu faço uma

a uma. Gostaria que o senhor nos esclarecesse a mesma questão que fiz ao

colega americano. A Polícia alemã e a austríaca confiam cegamente nos seus

arquivos ou, havendo a comparação e um resultado positivo, ela retoma a

amostra daquele que seria suspeitamente criminoso para fazer nova

comparação?

O SENHOR INGO BASTISCH (BUNDESKRIMINALAMT -

BKA, AGÊNCIA FEDERAL DE INVESTIGAÇÃO DOS GOVERNOS DA

ALEMANHA E DA ÁUSTRIA) Transcrição baseada em tradução simultânea - Eu

posso explicar o nosso procedimento um pouquinho mais.

O que acontece quando nós temos uma combinação no

banco de dados é que, inicialmente, a combinação volta para o laboratório ou

laboratórios que criaram o perfil e eles checam os arquivos e checam se não

houve, por exemplo, uma mistura, uma contaminação, no caminho entre o

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

laboratório até o banco de dados. Eles checam se o dado é consistente e se

existe alguma contradição. E, aí, a informação é depois dada à investigação.

A coleta de uma segunda amostra não é obrigatória. Os

advogados podem solicitar, se necessário, mas isso acontece muito raramente.

Existem alguns Estados onde o promotor quer ter isso de forma geral, mas

essa é uma prática que é determinada pelos Estados federativos, não é

determinada pela lei. Mas há a possibilidade de fazer o teste de novo, se for

necessário, mas não é um procedimento regular, é só em caso de exceção.

O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-

GERAL DA REPÚBLICA) - A segunda pergunta é ainda mais técnica. Eu vi

que, pela lei alemã, só se armazena a parte não codificada do DNA. O senhor

poderia explicar os motivos disso, qual a diferença entre a parte codificada e a

não codificada e os motivos pelos quais só se armazena essa parte? Isso tem a

ver com a privacidade do cidadão?

O SENHOR INGO BASTISCH (BUNDESKRIMINALAMT -

BKA, AGÊNCIA FEDERAL DE INVESTIGAÇÃO DOS GOVERNOS DA

ALEMANHA E DA ÁUSTRIA) Transcrição baseada em tradução simultânea - Sim,

isso tem a ver com a privacidade do cidadão e tem a ver com uma das

primeiras decisões da nossa Constituição, do nosso Tribunal Constitucional,

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

porque eles disseram que é constitucional, se for a parte não codificada. O que

eu não disse é que eles disseram que, se, em tempo futuro, alguém quiser

chegar até a parte codificada, terá que coletar de novo. Eles não permitem isso

normalmente. Mas disseram: "Se você não usar a parte codificada, é

permitido." Então, é claro que a razão é a privacidade.

Se você olhar para os genes, é muito difícil dizer, sob uma

perspectiva biológica, quais os genes que realmente significariam. Um gene

pode sempre significar uma característica física e psicológica, e você tem que

olhar de forma mais cuidadosa sobre o que você pode ou não pode fazer. E o

propósito da lei é a identificação. E, para a identificação, você não precisa

entrar nos genes. É até mesmo não entrar nos genes, porque os genes mostram

mais similaridades entre os indivíduos na parte não codificada.

Muito obrigado!

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) -

Muito obrigado!

Agradecemos a ilustrativa exposição do Doutor Ingo

Bastisch, do Bundeskriminalamt, e passamos em seguida a palavra ao Doutor

João Costa Ribeiro Neto, pela Academia Brasileira de Ciências Forenses.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

O SENHOR JOÃO COSTA RIBEIRO NETO (ACADEMIA

BRASILEIRA DE CIÊNCIAS FORENSES) - Excelentíssimo Senhor Ministro-

Relator, Excelentíssimo Senhor Subprocurador-Geral da República, em suma,

a questão fulcral que se coloca é: o banco nacional de perfis genéticos é ou não

constitucional? É constitucional a coleta de DNA de condenados por crimes

violentos ou hediondos? E de investigados? Estou convencido de que a Lei é

constitucional.

Em primeiro lugar, pode-se indagar: a Lei viola o direito de

não produzir prova contra si mesmo? A mim me parece óbvio que não.

Conforme o STF, o direito de não produzir prova contra si mesmo veda

apenas duas coisas: em primeiro lugar, que o acusado seja obrigado a

colaborar por meio de comportamentos ativos à produção de provas; e, em

segundo lugar, meios de extração de provas invasivos. Não se pode exigir, por

exemplo, que o réu participe da reconstituição do crime, porque isso exigiria

uma colaboração ativa do acusado contra seus próprios interesses. Também

não se pode extrair sangue do acusado coercitivamente, já que a extração é

considerada invasiva e diz respeito diretamente à integridade corporal do

acusado.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Mas a extração de DNA pelo chamado swab bucal não é

nem invasiva, nem demanda comportamento ativo por parte do acusado.

Logo, não fere o direito à não autoincriminação. Da mesma forma que se pode

obrigar um acusado a participar de um reconhecimento de pessoas, pode-se

também obrigar o acusado a permitir que um cotonete seja levemente passado

no céu da sua boca. É só isto que o swab bucal envolve: passar um cotonete no

céu da boca de uma pessoa. Diferentemente da extração de sangue, o cotonete

não penetra no corpo do acusado. A colheita de provas é totalmente

superficial. Com efeito, não se trata de meio invasivo.

Em segundo lugar, pode-se indagar: mas o que acontece,

afinal de contas, se o acusado se recusar a permitir a colheita do material

genético? Os críticos do banco nacional de perfis genéticos afirmam que não se

pode obrigar o acusado a permitir que seu material seja colhido. Afirma-se que

isso seria degradante e que violaria a dignidade da pessoa humana. Esse

argumento, a meu ver, não procede e merece uma análise aprofundada.

Caso o acusado, ou o condenado, se recuse a permitir a

coleta de seu material genético, surgem três alternativas. Primeira alternativa:

colheita compulsória do material genético. A primeira parte do interrogatório

do réu é de resposta obrigatória. Essa primeira parte do interrogatório compõe

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

o dever de identificar-se e, portanto, não admite a invocação do direito à não

autoincriminação. Assim como o acusado não pode usar documento falso, sob

pena de responder por crime, também não pode recusar-se a responder às

perguntas do interrogatório referentes à sua identificação civil. O acusado

pode, inclusive, ser conduzido coercitivamente ao interrogatório para

responder a essa primeira parte, conforme os artigos 187, § 1º, e 260, ambos do

CPP. A jurisprudência nunca entendeu que esses dispositivos violariam o

direito ao silêncio. Muito ao contrário, existem diversos precedentes que

admitem a condução coercitiva, seja como cautelar pessoal atípica, seja como

meio de obrigar o condenado a comparecer ao próprio interrogatório.

Nada disso fere direito de o acusado permanecer em

silêncio, porque esse direito não dá ao acusado, conforme entendem, tanto o

STF quanto o STJ, o direito de furtar-se a sua identificação criminal. O

acusado, como nós sabemos, tem direito a ampla defesa, a par de sua defesa

técnica; ele pode oferecer a sua versão dos fatos, direito de audiência; pode

ajudar seus advogados na inquirição de testemunhas, direito à confrontação; e

pode até mesmo recorrer autonomamente do decreto condenatório, tendo

capacidade postulatória autônoma.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Nenhum desses direitos, entretanto, impede que o acusado

seja obrigado a comparecer a um reconhecimento de pessoas. A jurisprudência

é pacífica ao admitir que o acusado seja coercitivamente enfileirado, junto de

outras pessoas, para que a vítima ou uma testemunha possa indicar se, dentre

os presentes, está aquele que teria cometido o crime. A jurisprudência sempre

entendeu que o reconhecimento do réu é um comportamento passivo. Não

está protegido, pois, pelo direito a não autoincriminação.

O mesmo vale para colheita de DNA. O DNA não é prova

invasiva, ao contrário da seleção forçada de sangue, e não exige

comportamento ativo parte do acusado. Logo, a colheita de material genético é

constitucional, e o acusado pode ser compelido a fornecer seu material

genético. Da mesma forma que sempre se entendeu que o acusado pode ser

obrigado a comparecer a seu reconhecimento pela vítima, deve-se entender

que o acusado pode ter recolhido seu material genético à força. Essa solução,

como não poderia deixar de ser, parece excessiva a muitos. Mas, se é assim,

precisamos alterar a jurisprudência consolidada a décadas nos Tribunais

superiores.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Existe, entretanto, uma alternativa à colheita forçada, que é

mais amena, é bastante factível e é também compatível com a jurisprudência

do STF.

Passo, então, à segunda alternativa. Obtenção do material

genético por outros meios. Sabe-se que o réu não é obrigado a oferecer

material para exame grafotécnico ou para espectrograma de voz, já que isso

exigiria comportamento ativo da sua parte. Entretanto, diante da recusa do

réu, pode o juiz determinar a busca e apreensão de utensílios pessoais, como

cadernos, escritos e gravações de voz do acusado. Se o acusado não fornece

um documento escrito por si voluntariamente, serão recolhidos documentos

que estejam em sua casa ou mesmo em poder de terceiros. O STF já admitiu

esse tipo de conduta nos casos "Pedrinho" e "Gloria Trevi".

No caso do DNA, o juiz poderia, portanto, determinar a

busca e a apreensão de bens pessoais, como escova de dentes, roupas de cama

e restos orgânicos, a fim de que seja recolhido o perfil genético do condenado,

ou investigado. Essa é uma solução simples e também aceita pela

jurisprudência dominante do STF e do STJ. Além de assegurar a integral

constitucionalidade da Lei nº 12.654, não envolve o uso de força contra o

acusado.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Passo então à terceira possibilidade, caso o acusado ou o

investigado se recuse. Aplicação de sanção por infração média ou leve dos...,

no caso, apenas dos que cumprem pena com base na Lei de Execuções Penais,

na LEP, e em lei específica.

A competência para legislar sobre Direito Penitenciário é

concorrente. Portanto, além da União, Estados e Municípios também legislam

sobre a matéria. Nada impede, portanto, que sejam editadas leis estaduais

para sancionar administrativamente, por infração média ou leve, o condenado

que se recusa a cumprir a determinação legal de permitir a colheita de seu

material genético. As infrações graves estão previstas nos artigos 50 e 51 da

LEP, mas o próprio artigo 49 da LEP autoriza a legislação local a especificar as

infrações leves e médias, bem assim as respectivas sanções.

Existem, portanto, três alternativas à recusa do acusado em

síntese.

Em primeiro lugar, é possível colher a amostra à força, o

que se compatibiliza com a jurisprudência do STJ e do STF, porque a colheita

não exige comportamento ativo do investigado e não configura prova

invasiva.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Em segundo lugar, é possível também aceitar que o acusado

não pode ser compelido a fornecer o material, admitindo-se, entretanto, que

sejam apreendidos objetos pessoais seus para a colheita do material genético.

E, com uma terceira hipótese, pode-se permitir que os

Estados fixem que a recusa - no caso de condenado - configurará falta média

ou leve com base em lei específica.

Em terceiro lugar, pode-se indagar: a colheita de material

genético de investigado - este é um problema neste caso - afronta à

Constituição? A resposta é não. No caso do condenado, a colheita do material

genético configura verdadeiro efeito extrapenal genérico da condenação. Se o

Estado pode tomar a liberdade e a propriedade do condenado por crime, se

pode impedi-lo de dirigir e impedi-lo de exercer sua profissão, então, é certo

que o Estado também pode obrigar o condenado a fornecer material genético

em nome de interesses coletivos cogentes. Mas e no caso do investigado? No

caso do investigado, a colheita do material genético, que se submete à reserva

de jurisdição, o famoso Richtervorbehalt do Direito alemão, é uma verdadeira

medida cautelar probatória. Se o juiz, após pedido do MP, pode determinar a

apreensão de escritos do acusado para realizar o futuro exame grafotécnico,

também pode determinar, de maneira circunstanciada e com base na

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

gravidade concreta do crime, que seja recolhido o material genético do

acusado, seja na investigação, seja no processo penal.

A essa altura, é comum que os opositores da lei invoquem o

caso "S. and Marper v. the United Kingdom". Neste célebre caso, o Tribunal

Europeu de Direitos Humanos entendeu inconvencional a conduta do Reino

Unido de armazenar o material genético de todo e qualquer acusado que já

tenha sido investigado naquele país. O Tribunal Europeu entendeu que, no

caso do investigado, a colheita de material genético não pode ser

indiscriminada e genérica. Isso porque o investigado, diferentemente do

condenado, não pode ser tratado como culpado. Trata-se de decorrência da

própria regra de tratamento do princípio da presunção de inocência.

Impõe-se notar, todavia, o óbvio: a Lei brasileira não padece

dos vícios da legislação do Reino Unido. No Brasil, aquele que ainda não foi

condenado só poderá ter o material genético recolhido se o juiz, em decisão

adequadamente fundamentada, entender que esse material é importante para

a investigação ou para o processo penal em curso. Não se trata de recolher

material genético de forma indiscriminada. A reserva de jurisdição oferece

uma garantia ao réu, que poderá, inclusive, impugnar a decisão nas instâncias

superiores, se o juiz agir de forma arbitrária.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Na investigação e no processo penal, a colheita de DNA

ostenta natureza jurídica de verdadeira medida cautelar probatória. Se uma

testemunha está prestes a morrer, admite-se a sua oitiva antecipada, para que

não desapareça o que ela sabe sobre o suposto crime. Ora, desde que

preenchidos os requisitos, o juiz pode determinar a prisão do acusado, pode

antecipar a oitiva de testemunhas e pode outras tantas coisas. Faria sentido

impedir que o juiz autorize o recolhimento de DNA em casos excepcionais

após circunstanciada decisão judicial, fundada em uma necessidade concreta e

passível de impugnação nas instâncias superiores? Parece-me que não.

Também se cita o caso "R. v. R.C.". Neste caso, a Suprema

Corte do Canadá decidiu que a retenção de amostras de DNA de um menor

infrator contraria a Charter of Rights and Freedoms do Canadá. Entendeu-se que

a retenção desses dados estigmatizaria o menor infrator e que não havia

interesse significativo por parte do Estado que o autorizasse a reter dados tão

pessoais como os contidos em uma amostra de DNA. Note-se que o DNA,

nesse caso, era de um menor infrator. No Brasil, a Lei nº 12.654 aplica-se

apenas a adultos e não a menores - até porque cometem ato infracional, e não

crime. No Brasil - é importante chamar também a atenção para isso -, a

prevenção de crimes é um interesse mais do que suficiente para autorizar a

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

colheita de DNA. Logo, o argumento da Suprema Corte do Canadá não se

aplica ao caso brasileiro.

O STF já decidiu várias vezes, inspirado no Tribunal

Constitucional Federal Alemão, que a máxima da proporcionalidade inclui o

princípio da proibição de proteção insuficiente, o famoso "Untermassverbot".

Isso significa que cabe ao Estado desincumbir-se do seu dever de proteção, e

esse dever de proteger a população obriga o Estado a instituir mandamentos

de criminalização, a combater o crime e a efetivar todos os meios ao seu

alcance que permitam o esclarecimento de infrações penais, a exoneração de

inocentes acusados injustamente e também a condenação dos culpados.

A Lei nº 12.654 não é apenas constitucional, ela é uma

exigência da própria Constituição. O Estado tem o dever de usar a tecnologia

para punir criminosos e proteger inocentes injustamente acusados.

Gostaria, Excelências, de compartilhar alguns casos

concretos já solucionados, graças ao banco de dados. O banco de dados ainda

está em um estágio de incipiente. A verdade é que há muita dificuldade de se

implementarem as suas disposições, seja pelo ceticismo de operadores do

Direito, seja pela falta de estrutura do Estado, mas já há casos de sucesso.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Relato, então, dois casos do perito criminal de Polícia Civil do DF, Samuel

Ferreira.

No dia 1º de janeiro de 2007, uma mulher de vinte e quatro

anos, com uma filha de apenas sete meses, foi estuprada e roubada. A mulher

estava sozinha em um ponto de ônibus quando foi abordada por um

desconhecido que utilizava uma faca. Não havia testemunhas. Ainda naquele

ano, a delegacia de polícia responsável pelo caso indicou dois suspeitos do

crime, ambos foram inocentados após exames de DNA. Durante oito anos, não

houve mais suspeitos para o caso. Em 2015, nove anos depois, portanto, foram

coletadas amostras genéticas de setenta condenados que cumpriam pena, em

regime semiaberto no Centro de Progressão Penitenciária, aqui no DF. A partir

da inserção das informações coletadas dos condenados no Banco Nacional,

houve um match, uma coincidência entre o perfil genético masculino e a

amostra coletada na vítima em 2007. Identificou-se, então, o autor dos crimes

de estupro e roubo, depois de nove anos, graças ao Banco Nacional de Perfis

Genéticos. Descobriu-se também que o condenado havia aproveitado a saída

temporária de Natal e Ano Novo de 2006/2007 para cometer os crimes.

O Banco Nacional de Perfis Genéticos permite que a

tecnologia seja utilizada para combater o crime, facilita, por exemplo, a

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

coordenação das diferentes polícias brasileiras, e, assim, torna-se mais fácil

identificar criminosos que cometem crimes em diferentes Estados. Dou-lhes

um exemplo. Entre setembro e outubro de 2014, em um intervalo de dezenove

dias apenas, foram praticados três estupros em Brasília. Todos ocorreram entre

seis e meia e sete e meia da manhã. Nos três casos, o estuprador abordava as

vítimas de carro e usava uma faca. Ainda em 2004, as três delegacias que

investigaram esses três diferentes estupros enviaram as respectivas amostras

genéticas colhidas nas vítimas para a perícia. Com base nas amostras, dois

suspeitos deixaram de ser injustamente acusados e foram liberados ainda

naquele ano. A perícia detectou que as três amostras coincidiam entre si, o que

demonstrava que os três crimes foram praticados por um estuprador em série.

Em 2015, mais um suspeito foi inocentado e havia sido injustamente acusado,

e, graças ao DNA, foi liberado. Finalmente, em 2016, a Polícia Civil de Minas

Gerais incluiu, no Banco Nacional, o perfil de um investigado que fora preso

em flagrante em julho de 2015. Percebeu-se, então, que o estuprador preso em

Minas Gerais era também autor dos três estupros praticados em Brasília. Esse

fato foi ainda corroborado pelos modus operandi e pelas características do

acusado. São três estupros que só foram solucionados, porque, no caso

concreto, o juiz de direito de Belo Horizonte entendeu, em decisão

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

circunstanciada e fundamentada à luz do caso concreto, que o perfil genético

desse investigado deveria ser recolhido. Em março de 2017, ele foi, inclusive,

transferido para Brasília. O sucesso trazido pelo DNA, que só não é maior,

porque ainda há muita resistência à aplicação da Lei, não se limita ao DF.

Na Paraíba, por exemplo, a equipe liderada pelo Perito

Criminal Sérgio Lucena identificou, com base no Banco Nacional, que um

mesmo criminoso em série praticou, com certeza, mais de cinco estupros e

possivelmente trinta estupros em apenas quatro meses. Se não fosse o DNA,

esses crimes ou jamais teriam sido solucionados, ou teriam sido imputados a

algum inocente.

Em Goiás foram 23 casos de sucesso, em São Paulo, 39 e, no

Paraná, 27. Só na Polícia Federal são 67 casos.

Por outro lado, nunca houve esse tipo de match, de

coincidência, de achado em Estados como Amazonas, Ceará, Pernambuco e

Rio de Janeiro, que têm índices altos de violência e que não se utilizam de

forma adequada, ainda, dessa tecnologia.

O uso de DNA para solucionar crimes não é só permitido

pela Constituição; é imposto por ela. Se existem recursos tecnológicos aptos a

solucionar crimes graves, o Estado tem o dever de usá-los para proteger as

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

vítimas e a sociedade em geral. O DNA permitirá que o atraso tecnológico da

investigação no Brasil seja, em parte, remediado. E permitirá também que

inocentes não sejam colocados injustamente na cadeia e que não sejam

processados e condenados.

Declarar inconstitucional a Lei nº 12.654 significaria rever

cem anos de jurisprudência do STF e revogar o Código de Processo Penal. Não

há nada na Lei que seja incompatível com a Constituição Federal. A Lei não

viola o que se tem chamado no exterior de privacidade informativa,

informational privacy, ou mesmo a autodeterminação informativa, a

informationelle Selbstbestimmung, do Direito alemão.

Não é segredo que o Brasil padece de um grave atraso

civilisatório. Fala-se muito mal do Congresso Nacional, sobretudo, na

atualidade.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) -

Pediria que encerrasse.

O SENHOR JOÃO COSTA RIBEIRO NETO (ACADEMIA

BRASILEIRA DE CIÊNCIAS FORENSES) - Concluindo, Excelência.

Mas a Lei nº 12.654, que é impecável tecnicamente, foi fruto

de debate de alto nível tratado no Congresso. A utilização de técnicas como o

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

DNA tem o potencial de promover uma revolução na forma como entendemos

a investigação criminal. Todos os holofotes se voltam, portanto, para o

Supremo, que vem, nós vimos, em curtíssimo intervalo de tempo, enfrentando

o ceticismo de vários juízes. Crimes terríveis já foram solucionados graças ao

Banco Nacional de Perfis Genéticos.

Cabe agora, então, ao STF decidir se condena o Brasil ao

anacronismo investigativo e tecnológico. Espera-se que isso não ocorra. O

Congresso deu um passo à frente, espera-se, então, que o STF não dê dois

passos atrás.

Muito obrigado. Fico à disposição para eventuais

perguntas.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) -

Obrigado, Doutor João. Passamos agora a palavra ao Doutor Guilherme

Jacques, Perito Criminal Federal.

O SENHOR GUILHERME JACQUES (PERITO CRIMINAL)

- Bom dia.

Meu primeiro slide traz justamente uma questão levantada

pelo Doutor Subprocurador-Geral da República, que pergunta exatamente

isso, sobre por que são armazenados dados não codificantes. Essa pergunta é

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

relevante, e se faz bastante confusão entre esses temas. É por isso, então, que

meu primeiro slide busca exatamente esclarecer, pontuar, definir isso, para

deixar muito claro e para que não haja esse tipo de confusão na Suprema Corte

deste país.

Então, o primeiro conceito é material biológico. Material

biológico é aquilo que é obtido a partir das células. Então, quando eu encosto

aqui nesta mesa eu deixo meu material biológico. Quando eu doo sangue, eu

deixo meu material biológico. Hoje, quando vocês voltarem para casa e

tirarem seus óculos, tirarem suas roupas, vocês vão deixar nelas seu material

biológico que contém as células e contém, além do DNA, outras coisas, contém

gorduras, contém proteínas. Mas é verdade que todo esse material biológico

tem uma molécula muito especial que é o ácido desoxirribonucleico, que

contém muitas informações. São cerca de três bilhões de letras que essa

molécula tem, e ela diz muitas coisas. Versa sobre como se faz um ser humano,

versa sobre como são codificadas as proteínas e assim por diante. Mas

também, no meio desses três bilhões de letras, existem informações que não

estão relacionadas com características físicas ou de saúde. São regiões

altamente variáveis. E, como o Dr. Ingo Bastisch explicou muito bem, elas são

utilizadas em todo o mundo para identificação humana por dois motivos

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

principais. O primeiro deles é que essas regiões são variáveis e elas permitem

que nós façamos o discernimento, a identificação de pessoas, e, em segundo

lugar, porque, também por serem muito variáveis, essas regiões não estão

associadas a características físicas ou de saúde.

E por que o Brasil, então, chegou a esse resultado? Por que

o Brasil armazena os perfis genéticos? Por que nós somos melhores e nós

somos inovadores? Não! Porque o Brasil entrou muito tardiamente nisso, o

Brasil entrou nisso em 2012, e nós temos as lições aprendidas em todo o

mundo, como Estados Unidos, como Alemanha, como toda a comunidade

internacional, como as convenções internacionais que regem esse assunto e

falam sobre a proteção de dados genéticos e também a lei brasileira, que está

perfeitamente adequada a esse entendimento. Então, o que existe no Brasil, o

que existe nos Estados Unidos, o que existe na Alemanha, não é um banco de

dados de DNA nem um banco de dados de material biológico, é um banco de

dados de perfis genéticos. É isso que existe na esfera nacional; é isso que é

armazenado no banco de dados.

Cabe citar que, aqui nesta audiência, está presente, na

primeira fileira, o Interpol DNA MEG - Interpol DNA Monitoring Expert Group.

A Dra. Susan Hitchin é chefe da unidade de DNA de Lyon, a sede da Interpol,

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

e ela é responsável por essa pesquisa que mostra todos os países do mundo

que utilizam banco de dados de DNA, mas nós temos representantes da África

do Sul, dos Emirados Árabes, do Marrocos, de Cingapura, da Áustria, e todos

procedem da mesma forma. Eu tenho orgulho de fazer parte desse grupo

representando o Brasil.

Nas segunda, terceira e quarta fileiras, estão os

administradores dos bancos de DNA estaduais, porque são eles os

responsáveis pela análise dos casos de estupros, de homicídios, junto a suas

instâncias estaduais, uma vez que a segurança pública, no Brasil, é em grande

parte responsabilidade estadual. E são eles, em última análise, que têm essa

responsabilidade, são eles os guardiões e só submetem ao Banco Nacional de

Perfis Genéticos esses perfis genéticos que não estão associados a nenhuma

característica física ou de saúde.

Quando essa técnica foi inventada, em 1985, ela foi batizada

de DNA fingerprinting - impressão digital de DNA - e a imagem à direita, essa

imagem branca com discos pretos, mostra justamente isto: que se fazia uma

análise visual, assim como se faz com impressão digital. Em vez de ser nas

impressões digitais daqueles círculos, no DNA, quando foi descoberto,

analisavam-se esses padrões de bandas. Então, visualmente, você observa que

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

o perfil genético, que a impressão digital de DNA do local de crime, à

esquerda, é exatamente igual ao do suspeito nº 2 nesse caso aqui, que é aquele

perfil do meio.

Mas a tecnologia evoluiu muito, de forma que nós podemos

hoje saber exatamente qual é a região do DNA que foi analisada; saber em que

posição do DNA ela está. Esses marcadores genéticos são avaliados, são

estudados, são estudados não apenas no Brasil, mas em todo o mundo, e se

verifica que eles não estão associados a essas características físicas ou de

saúde. Então, por isso, eles são usados e é por isso que hoje nós podemos

representá-los com esses números e nós podemos facilmente alimentar banco

de dados com esses números.

Para vocês terem uma ideia, aquele perfil genético

15169.32832.2 é o meu perfil genético. Eu o estou expondo aqui publicamente

perante o Supremo, em uma audiência pública, para demonstrar que a

exposição de um perfil genético não me expõe de nenhuma forma, que eu

esteja contrário a isso. Vocês não vão encontrar, aqui nesta minha

apresentação, o número do meu telefone celular nem o meu CPF, que eu não

estou disposto a compartilhar, mas o meu perfil genético eu compartilho sem

problema nenhum, porque ele simplesmente diz quem sou eu; ele

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

simplesmente é um identificador, é como se fosse um código de barras que

pertence a mim e não pertence a nenhuma outra pessoa nesta plateia. Seria

mais ou menos como se eu estivesse expondo aqui a minha impressão digital

ou a minha fotografia.

Como que o perfil genético é usado? Simplesmente de

forma comparativa. Compara-se o perfil genético de um vestígio encontrado

no local de crime com o perfil genético do suspeito. Então, nesse exemplo que

está no slide, existem dois suspeitos com perfis genéticos diferentes. O

suspeito nº 1 tem o perfil genético idêntico ao do vestígio do local de crime. O

suspeito nº 2, não, tem um perfil genético diferente. Então, isso me permite

afirmar que o suspeito nº 1 foi quem deixou o vestígio no local de crime, e não

o suspeito nº 2.

Ao mesmo tempo em que se identifica corretamente quem

foi a pessoa, também se mostra que a outra pessoa não deixou. Inclusive, o

primeiro exame de DNA, no mundo, foi usado - num caso criminal -, foi usado

justamente para demonstrar a inocência de um réu confesso. A pessoa

confessou o crime, o DNA dele foi recolhido, levado para o laboratório que

desenvolveu essa técnica, e o Alec Jeffreys, o inventor do exame de DNA,

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

voltou para a polícia com o seguinte resultado: não foi ele, não foi ele que

cometeu esse crime. E ele já tinha confessado.

Então, quando existem suspeitos, essa comparação é muito

direta. Essas fotos são fotos da internet, que ilustram, por exemplo, esse

recente assalto que aconteceu, esse mega-assalto que aconteceu no Paraguai, e

diversas pessoas foram presas. Então, é possível fazer uma comparação direta

entre os presos e os locais de crime em questão.

Mas o grande problema é quando não há suspeito. E esse

problema é muito sério para o Brasil. A criminalidade no Brasil está

diretamente associada a isso. Porque vocês sabem, melhor que eu, que oitenta

por cento dos inquéritos de homicídios são arquivados. E eles são arquivados

porque não tem prova, não tem autoria. É simplesmente uma descrição que

um corpo foi encontrado e não se sabe nada sobre aquilo.

Então, a não existência de suspeitos é um problema que... O

DNA só tem uma forma de auxiliar: usando o banco de dados. E os bancos de

dados são utilizados dessa forma, construindo-se um banco de dados de

vestígios, onde são cadastrados perfis genéticos de diferentes locais. A

comparação entre esses locais permite a detecção de criminosos seriais. Mas a

funcionalidade máxima desse banco de dados ocorre quando é alimentado um

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

banco de padrões, um banco com as referências, um banco de dados de

pessoas identificadas. E esse, sim, é que objeto dessa discussão.

Para ilustrar o funcionamento de banco de dados, eu

gostaria de trazer um caso que aconteceu aqui, no nosso País, que foi a

primeira vez que o Estado do Rio Grande do Sul usou o Sistema CODIS, esse

sistema que foi desenvolvido pelo FBI, nos anos 90, que o Brasil usa também.

Nós trouxemos para o Brasil e o Instituto Geral de Perícias do Rio Grande do

Sul instalou e inseriu nesse sistema - e aqui eu me baseio em informações

públicas que estão na imprensa -, o que o Estado do Rio Grande do Sul fez foi

alimentar esse banco de dados com cento e oitenta e sete perfis genéticos

relacionados a agressões sexuais. Fez isso. E vejam que esses dados estavam

disponíveis no laboratório. Simplesmente foi colocado num sistema. Uma

pessoa, olhando esses cento e oitenta e sete laudos, teria chegado à mesma

conclusão. Mas é difícil. E o sistema faz isso de forma automatizada.

Identificou que três desses casos tinham exatamente o mesmo perfil genético,

mostrando imediatamente que provavelmente aquelas três agressões têm o

mesmo autor. Mas vejam que, nesse momento, não se sabia nada.

Simplesmente esses três. É o caso número mil seiscentos e dois, caso número

dois mil e não sei quanto, ponto. É só isso que está no Sistema CODIS. Depois

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

que o CODIS te diz isso, você tem que voltar para a papelada, voltar para a

solicitação de exame e ver, ali, o que era cada uma dessas ocorrências. O que

os peritos concluíram, imediatamente, foi que essas três ocorrências

aconteceram na mesma região, na região de Lajeado, no interior do Rio

Grande do Sul. Viram que, no primeiro caso, havia um suspeito. Esse suspeito

havia sido excluído pelo exame de DNA. Ou seja, não era compatível o

vestígio com o perfil genético do suspeito. No segundo caso, havia uma

compatibilidade entre o perfil genético do crime e o perfil genético do

suspeito. Só que o suspeito, nesse caso, que se chamava Jackson, ele admitiu

ter mantido relação sexual com essa vítima, de forma que o DNA não trazia

nenhuma informação nova para esse caso. O DNA, ele diz que aquele sêmen

pertence àquela pessoa, mas ele não diz se aquilo foi uma relação consentida

ou não.

No terceiro caso, o suspeito chamava-se Israel e ele,

também, assim como no primeiro caso, havia sido excluído pelo DNA - o

perfil genético dele era diferente. Diante dessa informação, dessa ligação dos

casos, o que se conclui? O perfil genético, nesses três casos, é do Jackson. Fica

claro, fica evidente. Talvez a relação, no segundo caso, tenha sido uma relação

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

consentida? Talvez. Mas a hipótese de se tratar de um estuprador serial,

obviamente, ganha bastante relevância neste caso.

Então, o Instituto Geral de Perícias chamou a Polícia Civil,

passou esses resultados a eles e a Polícia Civil, num primeiro momento,

adorou, mas, num segundo momento, voltou dizendo que tinha um problema.

O Israel, que havia sido excluído pelo exame de DNA, foi reconhecido pela

vítima e condenado a treze anos de prisão. Está aqui uma foto do Israel. Como

é possível isso? Como é possível o exame de DNA estar dizendo que não foi

aquela pessoa e a vítima ter reconhecido? Bom, é preciso se dizer que o

reconhecimento equivocado é a principal causa de condenações equivocadas

em todo o mundo. Isso se sabe há muitos anos. Essa foto, por exemplo, que eu

trago aqui, é do Vinícius Romão, um ator da Globo, que passou dezesseis dias

preso e só saiu da prisão porque os amigos e a repercussão na mídia foram

bastante grandes. Sabe-se lá o que teria acontecido com ele se ele não fosse

uma pessoa com bastante suporte, uma pessoa conhecida. Dias depois, a

polícia apresentou como verdadeiro responsável por aquela ocorrência o

senhor Dione Mariano.

Caso mais dramático, muito mais dramático - e aqui,

também, eu me baseio em informações da imprensa -, aconteceu em relação ao

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

maníaco do Anchieta. Uma série de crimes sexuais seriais acontecidos nesse

bairro de Belo Horizonte, o bairro do Anchieta e região, que aconteceu,

principalmente, nos anos 90. A partir dos relatos das vítimas, a polícia chegou

a um retrato falado, esse retrato falado que consta no meio da imagem, e, a

partir desse retrato falado, então, a polícia localizou, inicialmente, um porteiro

chamado Paulo Antônio Souza. Esse porteiro foi condenado a 30 anos de

prisão, ficou mais de cinco anos em regime fechado. Só que os crimes

continuaram acontecendo. O que foi feito então? Paulo Antônio Souza foi

solto? Não. A polícia, de posse do mesmo retrato falado, voltou às ruas e

encontrou um artista plástico chamado Eugênio Fiúza, que tinha

características físicas semelhantes, sobrancelhas grossas, bigode, barba. Ele foi

preso e foi condenado também, baseado no mesmo retrato falado.

Recentemente, uma das vítimas estava andando na rua e

olhou para o rosto de um homem e de forma, aí sim, acredita ela, de forma

inequívoca, olhou para o olhar desse homem e bateu aquela certeza nela. E ela

olhava para esse homem, o Pedro Méier. E aí ela teve a convicção de que

aquele sim era o agressor dela e nenhum dos outros dois. Então, vejam, que se

acredita que, no Brasil, uma série de crimes sexuais tenha levado à condenação

de duas pessoas que, hoje, acredita-se que não cometerem esses crimes.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Infelizmente, esses casos aconteceram numa época em que os exames de DNA

não eram feitos com tanta frequência de forma que, isso é o que se acredita, eu

não tenho como dizer 100%, mas é o que tudo indica.

Em relação à legislação que é necessária para que se decida

quais são as pessoas que serão cadastradas pelo banco de dados de DNA, é

importante, também, que se diga que o projeto legislativo que se tornou

exitoso no Congresso Nacional não foi o primeiro. A primeira proposta data

de 1999 e ela previa, justamente, o cadastramento de condenados por crimes

hediondos. Esse projeto de lei foi arquivado. O projeto de 2003 foi arquivado

também. Apenas o de 2011 é que foi para a frente e acabou sendo aprovado.

Por quê? O que aconteceu no Brasil, entre 99 e 2011, que fez com que os

legisladores mudassem a sua conduta em relação a isso?

E um dos casos mais importantes, que teve essa repercussão

junto ao Congresso Nacional, foi o do Maníaco de Contagem, que envolveu

uma série de vítimas, a primeira delas chamada Adna Feitor Porto, que

desapareceu em 16 de janeiro de 2009 e foi encontrada, alguns dias depois,

sem vida, com marcas de estrangulamento e de violência sexual. A segunda

vítima, Ana Carolina Menezes Assunção, tinha 26 anos, características físicas

semelhantes, cabelo preto, pele clara, foi encontrada sem vida dentro do carro,

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

com as mesmas marcas de agressão sexual e de estrangulamento. Mas, no caso

da Ana Carolina, a situação era mais dramática ainda, porque o filho dela, com

poucos meses de idade, foi encontrado com vida. Esse caso provocou uma

grande comoção. Mas continuaram acontecendo e, ao longo de todo o ano de

2009, pelo menos cinco vítimas foram mortas, violentadas e estranguladas pelo

mesmo agressor. Apenas após o quinto, ele foi identificado e preso, e, quando

ele chegou à delegacia, foi rapidamente reconhecido como Marcos Antunes

Trigueiro, uma pessoa que já tinha passagem pela polícia e já tinha sido

condenada por latrocínio, um crime hediondo.

Diante dessa informação - todas as vítimas já morreram -, os

familiares das vítimas se deram conta de que, se aquela lei de 1999 tivesse sido

aprovada, o que teria acontecido? Como acontece nos Estados Unidos, na

Alemanha ou em qualquer dos países civilizados que usam essa tecnologia? A

primeira vítima não teria como se evitar, a Adna, mas, uma vez que o corpo

dela é encontrado, vai para o IML, é feita a perícia, o material biológico vai

para o laboratório de DNA e, confrontando com o banco de dados, identifica-

se Marcos Antunes Trigueiro. Prenda-se.

Com a simples utilização de uma lei, as vidas da Ana

Carolina, da Maria Helena, da Natália e da Edna poderiam ter sido salvas.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Então vejam que nós estamos tratando, aqui, exatamente do direito à vida. A

aprovação dessa lei estava diretamente relacionada à possibilidade de se

salvar a vida dessas quatro mulheres. Foi por isso que os familiares das

vítimas do maníaco de Contagem foram ao Congresso Nacional, contaram as

suas histórias, histórias tão dramáticas quanto a que a Debbie contou aqui,

histórias que impactam não apenas as vítimas, mas todas as suas famílias. Eu

não teria condições de descrever todos os detalhes nem de transmitir toda a

emoção desses casos, mas essa Audiência Pública aconteceu no Congresso

Nacional e fez com que o Congresso tivesse o compromisso de aprovar essa

lei.

Essa lei então inovou bastante a possibilidade de utilização

de exames de DNA no Brasil, a possibilidade de se criar o Banco Nacional de

Perfis Genéticos, mas, ao se comparar com as leis de outros países, ainda pode

ser considerada uma lei bastante restritiva, bastante, digamos assim, limitada,

não no mal sentido, mas um caráter bastante conciso. Por quê? Porque, para

identificação criminal de suspeitos, de investigados, sempre é necessário um

crivo do Judiciário, e, nos casos dos condenados, são apenas condenados por

crimes hediondos e crimes violentos contra a pessoa. Por exemplo, nos Estados

Unidos, qualquer crime que tenha mais de um ano de prisão leva ao

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

cadastramento da pessoa, em todos os Estados americanos, é um consenso.

Então, comparativamente com outros países, a lei brasileira é bastante

limitada.

Mas ela não pode ser olhada exclusivamente. Ela foi

regulamentada por um decreto que criou o Banco Nacional de Perfis

Genéticos, criou a Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos e criou um

comitê gestor, justamente para entrar nos detalhes técnicos necessários para

que todos esses direitos sejam observados. E esse comitê gestor não apenas é

composto por especialistas, mas por representantes da OAB, da Defensoria

Pública, do Ministério Público, da Comissão Nacional de Ética em Pesquisas.

Então é um comitê multidisciplinar que foi concebido justamente para que

todos os olhares fossem observados, inclusive um representante da Secretaria

de Direitos Humanos.

Esse comitê trabalha por meio de resoluções, o Manual de

Procedimentos desse comitê é totalmente público, e está tudo disponível na

internet, no site do Ministério da Justiça, está aqui o endereço, todas as

resoluções podem ser vistas. E de forma a dar transparência são publicados

relatórios semestrais com todos os dados que compõem essa rede.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Então, como eu havia dito antes, aqui está uma figura da

rede nacional de Bancos de Perfis Genéticos. O banco nacional apenas recebe

perfis genéticos, e é nos laboratórios, em cada laboratório, que é feito o exame

de DNA. No âmbito nacional, não se faz nenhum exame de DNA, apenas se

recebe o perfil genético destes Estados. Então, em relação a essa discussão que

se traz ao Supremo Tribunal Federal, o que nós temos para dizer é que, sim,

todos esses aspectos são observados, eles estão constantes na nossa lei.

Aqui, tem uma foto do Tony Blair, primeiro ministro

britânico, fornecendo seu material biológico, mostrando que isso não é

nenhuma afronta à dignidade.

A nossa lei, ela traz, ela diz, expressamente, que as

informações não poderão revelar traços somáticos ou comportamentais, ou

seja, não podem estar associadas a nenhuma característica física ou

comportamental das pessoas. E ela ainda coloca como crime qualquer uso

indevido desse banco de dados ou dessas informações. A gente tem que

lembrar também que a identificação criminal é feita rotineiramente pelo

processo de impressão digital e de fotografia e que o DNA é apenas mais uma

forma de identificação.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Mas, por fim, eu gostaria de salientar o seguinte: não bastar

olhar, nesta questão, apenas o direito à dignidade, privacidade e intimidade. É

necessário também levar-se em consideração o direito à vida, o direito à

segurança e à proteção de inocentes. Não existe pior atentado que um Estado

que se diga democrático e de Direito possa cometer do que a condenação

equivocada de pessoas que são inocentes. Isso, sim, é um problema sério! E se

nós retrocedermos nesse sentido, o que tem gente que não está vendo é que,

no momento em que você desvaloriza a prova pericial, desvaloriza a prova

científica, o que você vai estar valorizando? As confissões, que nós sabemos

que são irmãs de condutas do tipo tortura - tortura física, tortura psicológica -,

ou então favorecendo o reconhecimento, que nós sabemos que é a principal

forma de condenações equivocadas. Nós vamos continuar trabalhando com

retratos falados e duas pessoas sendo condenadas baseadas no mesmo retrato

falado, ou nós vamos avançar nesse sentido? E é preciso que se diga também

que, embora estejamos falando de casos concretos para ilustrar nesta Corte,

isso já foi estudado, essa utilização de banco de dados de DNA é uma

tecnologia extremamente eficiente para o combate à criminalidade.

Uma economista chamada Jennifer Doyle comparou

quanto custa evitar crimes usando essa tecnologia com técnicas tradicionais,

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

quanto ao aumento de pena ou quanto ao aumento de policiamento. E ela

demonstrou que é muito mais barato você alimentar banco de dados de perfis

genéticos do que você usar essas outras abordagens. Além disso, ela

demonstrou algo muito impressionante que é o seguinte: se a gente perguntar

para as pessoas, na rua, o que deve ser feito para modificar a criminalidade no

Brasil, todo mundo vai dizer que tem que ser aumentada a pena, tem que

aumentar a pena disso, as pessoas têm que ficar cinquenta anos presas, todo

mundo diz isso, que tem que aumentar a pena. E ela conclui que isso é algo

extremamente ineficiente para o combate à criminalidade. O criminoso, no

momento em que ele vai cometer o crime, ele não está preocupado se ele vai

pegar vinte ou trinta anos de prisão! Não é isso que vai impedi-lo de cometer o

crime. Agora, ele olhar para os lados e ver que todos os vizinhos dele, que

mataram, nenhum deles foi condenado, isso sim é problemático!

Então, o exame de DNA e o banco de dados de DNA têm

um efeito dissuasor, ele tem um efeito de inibir a pessoa de cometer o crime.

No momento em que a pessoa sabe que ela está cadastrada no banco de dados

de DNA, ela vai pensar duas vezes antes de voltar a matar e a estuprar,

porque ela sabe que ela está cadastrada e ela sabe que a probabilidade de ela

ser pega é muito grande.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Então, vejam que essa tecnologia ela tem uma capacidade

de agir diretamente na impunidade e diretamente no efeito inibitório da

criminalidade. E isso sim é que é uma política criminal correta, adequada. É

tentar agir no efeito inibitório, para que os crimes diminuam no nosso País.

Então, permito-me uma breve observação em relação a algo

que consta nos autos: um pedido de ingresso de amicus curie - mais de um, na

verdade. Existem informações que eu acredito que cabem a mim esclarecer,

porque elas não são informações verídicas. A primeira, eu trago aqui um

exemplo, é a seguinte: não representa qualquer avanço científico na seara da

segurança pública. Bem, acabamos de ver a apresentação do Dr. Douglas

Hares, mostrando mais de 350 mil investigações auxiliadas, nos Estados

Unidos. No Reino Unido, 62,5% de todos os vestígios coletados e confrontados

com o banco são imediatamente identificados. Mais de 578 mil matches já

foram localizados no Reino Unido. A economista Jennifer Doyler mostrou isso

de forma sistemática, mostrando que não apenas é eficiente do ponto de vista

de resultados, mas também do ponto de vista de custo-benefício. É uma

ferramenta extremamente interessante para o combate à criminalidade. E a

gente acabou de escutar aqui o relato da Debbie Smith, em relação ao caso

concreto, o caso dela, onde o criminoso foi encontrado e isso trouxe paz à vida

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

dela, uma vez que ela morria de medo de o criminoso voltar, porque ele a

tinha ameaçado nesse sentido. Então dizer que isso não é um avanço para a

segurança pública, eu sinto muito, não corresponde à verdade.

Em segundo lugar, essas afirmações têm dito também que

esse tipo de tecnologia faz remissão ao nefasto positivismo criminológico, que

fala de higienização social, fala de Lombroso, esse tipo de argumento. É

preciso que eu destaque, mais uma vez, que a nossa própria lei já impede o

uso de qualquer região do DNA. Ela prevê a criminalização de qualquer

conduta indevida e mais que isso: Lombroso, criminoso nato, higiene social,

positivismo criminológico, todo esse tipo de pensamento ultrapassado tentava

prever o futuro. Ele tentava olhar para uma pessoa e dizer: "Ah, essa pessoa,

no futuro, de repente, vai cometer um crime". Então, há de haver alguma

estigmatização nesse sentido. Isso obviamente é condenável. Eu perguntei

para os meus colegas do grupo da Interpol se eles já ouviram falar em Cesare

Lombroso, a maioria deles nem ouviu falar em Cesare Lombroso.

O que essa técnica faz é identificar quem deixou vestígio

biológico no local de crime, no passado. No passado: ontem, anteontem,

semana passada. O que vai ser feito é a identificação desse vestígio. É isso.

Não é nenhuma estigmatização, não é nada disso. O que é higiene social é o

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

que é feito hoje. É reconhecer equivocadamente uma pessoa, porque ela é

trazida aqui, e se diz: "Ah, olha, esse cara tem passado, antecedentes criminais,

esse cara aqui já foi reconhecido por outras". Isso é higiene social. Higiene

social é o que se faz com a violência no País. Estão os relatórios aí sobre a

violência, mostrando que quem são as vítimas de homicídios e de crimes com

armas de fogo são os pobres, são os negros. O que está acontecendo, no País,

essa criminalidade solta e desenfreada, sim, é higiene social. Agora, a

implantação de uma tecnologia correta vai justamente impedir condenações

equivocadas, vai indicar a autoria correta.

O que essa Suprema Corte, no meu ponto de vista, deveria

fazer nesse cenário é o contrário: é cobrar a aplicação dessa lei. Cobrar. Cobrar

do Executivo, cobrar dos Estados, e, se não for competência dessa Corte, que

se converse com o CNJ, para que se cobre, para que essa lei seja integralmente

cumprida, porque é isso o que o nosso País precisa.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) -

Eu gostaria de agradecer a presença de todos os experts e também da doutora

Debbie Smith e dizer que as informações aqui trazidas foram extremamente

importantes para a análise, tanto por parte das partes envolvidas aqui –

Ministério Público e os recorrentes. É um processo com repercussão geral.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Portanto, certamente, teremos muitos amici curiae. Portanto, é uma decisão que

terá efeito sobre outros casos que estão em tramitação no Brasil. E, certamente,

todas as contribuições serão de muito valor para a avaliação que o Tribunal

fará, criteriosamente, sobre a questão em julgamento.

Agradecendo a presença de todos e as manifestações aqui

trazidas, declaro encerrados os trabalhos desta audiência para o dia de hoje.

Bom dia a todos. Boa tarde. Obrigado.

DIA 26/05/2017 - MANHÃ

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) -

Bom dia a todos!

Declaro abertos os trabalhos do segundo dia desta vigésima

Audiência Pública - Identificação e Armazenamento de Perfis Genéticos de

Condenados por Crimes Hediondos ou Violentos – RE 973.837.

E hoje nós começamos os trabalhos ouvindo a Doutora

Meiga Áurea Mendes Menezes, perita criminal do Instituto Nacional de

Criminalística, que disporá de 40 minutos para sua exposição.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

A SENHORA MEIGA MENESES (PERITA DO INSTITUTO

NACIONAL DE CRIMINALÍSTICA) - Primeiramente, bom dia a todos.

Gostaria de agradecer a oportunidade de participar da audiência pública,

contribuindo para o esclarecimento do funcionamento da Rede Integrada de

Banco de Perfis Genéticos. Meu nome é Meiga Áurea, sou perita criminal

federal. Eu exerço a função de administradora do Banco Nacional de Perfis

Genéticos, e, também, exerço a função de coordenadora do Comitê Gestor da

Rede Integrada de Banco de Perfis Genéticos.

Eu vou dividir a minha exposição em quatro partes, sendo a

primeira a história e criação da Rede, de que nós conhecemos hoje; o

funcionamento atual dela; os principais resultados e a importância da lei no

funcionamento dessa rede.

Os primeiros diplomas legais em relação à Rede em

funcionamento dos bancos de dados do Brasil surgiram com a Lei de 2012, Lei

2.654, e, posteriormente, regulamentada pelo Decreto 7.950/2013. Quando nós

olhamos essas datas, nós temos talvez uma falsa sensação de que isso é uma

inovação recente no país, uma ferramenta que foi inserida há pouco anos no

Brasil. Entretanto, essa história precede alguns anos de esforços e inovações,

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

no sistema técnico-científico no país, que trouxe a ferramenta de exame de

DNA para o sistema brasileiro.

Eu não posso me furtar a passar rapidamente pela história

do exame de DNA. Como nós vimos ontem em algumas exposições nesse

sentido, essa tecnologia surge em 1984 no meio acadêmico, onde foi descoberta

a potencialidade de regiões do DNA não codificantes em individualizar

pessoas. O descobridor é o Alec Jeffreys, e essa tecnologia não surgiu em um

ambiente de segurança pública. Ela surge dentro do ambiente científico,

acadêmico.

Dado o impacto dessa descoberta, foi solicitado que ele

usasse pela primeira vez em um caso forense, embora não criminal, de

esclarecimento de um caso de imigração, um caso de vínculo materno, onde se

queria confirmar um vínculo entre mãe e filho. Esse caso acabou sendo tão

impactante que, durante essa época, também tinham ocorrido dois crimes no

Reino Unido e, dada a eficácia do exame no DNA nesse caso de maternidade,

foi pensado, pela primeira vez, se esse exame de DNA não seria útil também

em casos criminais, em casos de identificação por meio do exame de DNA.

Então, em 1983, duas meninas foram mortas no Reino

Unido, estupradas e assassinadas em Leicester, na Inglaterra. É um caso bem

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

complexo, eu vou tentar resumir aqui. Naquela época, não existia o exame de

DNA na área de segurança pública, e existia um suspeito cujo sangue - na

época se usava o tipo sanguíneo apenas - era compatível com o sangue

encontrado nas duas cenas de crime, sendo que ele só confessava um dos

crimes, ele não confessava ser o autor dos dois. A polícia tinha evidências de

que se tratava de um mesmo modus operandi, o mesmo autor, e estava confiante

de que tinha encontrado a pessoa certa, sendo que ele não confessava os dois

crimes. Então a polícia chegou a um certo impasse nessa situação. O detetive,

na época - foi bastante reverberada a inovação do exame de DNA no Reino

Unido -, fez contato com o Alec Jeffreys e pediu que ele atuasse nesse caso pela

primeira vez.

Eu trouxe esse caso agora justamente para a gente ver o

simbolismo do primeiro uso criminal do exame de DNA, que é justamente a

capacidade de o DNA inocentar pessoas. Muitas vezes se confunde a

identificação por meio do DNA com incriminação. E, por uma característica

desse caso, fica bastante evidenciado que, na primeira vez que esse exame é

usado no mundo, a tecnologia de comparação do perfil genético desse possível

suspeito com o material que foi encontrado nas duas cenas de crime excluiu,

confirmando o que a polícia já sabia. O que eles evidenciaram foi que os dois

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

materiais das duas cenas de crime pertenciam, sim, à mesma pessoa, o que

corroborava a tese da polícia. Não só foi possível inocentar o suspeito, que em

uma outra situação poderia ser imputado pelo menos no crime que ele

confessara, mas também se chegou à autoria do verdadeiro culpado.

Então, mostra um simbolismo muito importante que o

DNA é capaz de inocentar falsos acusados como também identificar os

verdadeiros autores e tirá-los do seio da sociedade, a fim de evitar novas

mortes, novos crimes.

E no Brasil? Nós estamos falando dos anos 80, quase os

anos 90, sendo que o Brasil era muito tímido nessa área. Essa tecnologia acaba

se espalhando, esse caso foi bem conhecido - ontem tivemos a exposição da

Alemanha, do Reino Unido -, e nós vemos que, mais ou menos na época dos

anos 90, essas tecnologias já existiam, inclusive os bancos de DNA já existiam

nesses países. Mas, no Brasil, isso ganha mais força nos anos 2000, ou seja,

praticamente 15 anos depois, com os programas do Ratinho, com o caso

Pedrinho, caso Glória Trevi, onde o próprio STF atuou, autorizando a retirada

do material da placenta para comparação. E esse exame de DNA acaba vindo

com muita força no inconsciente da sociedade, sendo bastante publicitado.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Nessa época, em 2003 também, em relação à atuação dos

exames de DNA na segurança pública, também existiam muitos poucos

laboratórios. Esse aqui é um retrato da época, no Brasil. Existiam apenas seis

laboratórios oficiais de genética forense em funcionamento, que faziam apenas

casos fechados, o que nós chamamos de casos... O DNA, ele é comparativo,

então, ele precisa de um suspeito. Então, esses laboratórios, eles não tinham

bancos de DNA, em que pese vários países já terem esses bancos; eles não

intercambiavam perfis genéticos entre os Estados, o que impedia o

esclarecimento de crimes interestaduais; e havia uma atuação bem limitada em

relação a essa tecnologia no país. Sendo que os casos de sucesso,

principalmente internacionais, eram tantos e era tão importante, e os

profissionais de segurança pública, os gestores de segurança pública já tinham

consciência disso, que trouxeram, em 2002 e 2003, pela primeira vez, uma

política de implantação de bancos de DNA no país. Então, nós estamos

falando aí de praticamente quinze anos, que o país vem discutindo a aplicação

dessa ferramenta no nosso cotidiano.

O que é um banco de perfis genéticos? Eu comento

bastante, então, eu gostaria de só esclarecer que o banco de perfis genéticos -

nós falamos agora do exame, que é comparativo -, e o banco de perfis

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

genéticos nada mais é que um gerenciador de perfis genéticos, que tem uma

busca automatizada desses perfis. Como o meu colega explicou ontem, ao

invés de você sentar e comparar manualmente os perfis, o que seria impossível

pelo ponto de vista inclusive do tempo, existem mecanismos de software e de

buscas automatizadas que permitem essa comparação automática. Então, para

isso, você precisa de dois repositórios. Um, o banco de vestígios, que é o banco

de material coletado em cena de crime, por peritos, e o banco de referência, o

banco de padrões, onde você tem pessoas que estão ali cadastradas para fins

de comparação.

Então, do que o Brasil precisava? A gente estava falando aí

de 2003, já se sabia bastante da eficiência da tecnologia, e o Brasil resolveu

pensar numa política pública, uma política nacional de genética forense em

todos os Estados. E começou-se a investir em três engrenagens principais:

massa crítica, nessa época existiam muito poucos peritos capacitados, peritos

oficiais capacitados nos laboratórios; a infraestrutura, o parque tecnológico

também era muito tímido, muitos Estados sequer tinham laboratórios; e

também na parte legislativa. Não adiantaria investir pesadamente no aumento

da capacidade operativa dos laboratórios, se não se olhasse também a parte

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

dos bancos de referência, o banco de padrão com os quais os vestígios

precisam ser comparados.

O primeiro passo começou nos anos 2003, 2004, por meio do

Ministério da Justiça, através da Secretária de Segurança Pública, que, nessa

época, tinha uma aplicação, um projeto de implantação dos bancos e da

expansão desses laboratórios. Então, foram feitos vários convênios, vários

acordos de cooperação com os Estados, com universidades, para a capacitação

dos peritos e para implantação dos laboratórios. Então, isso é o embrião do

que nós conhecemos hoje como a rede integrada de bancos de perfis genéticos.

Então, já mostra um caminho longo, de pelo menos treze anos de trabalho do

Brasil nessa temática.

A primeira padronização, esse grupo, já tinham vários

laboratórios sendo criados e vários peritos reunidos, pensando já no futuro,

como que o Brasil iria estruturar sua rede. O primeiro passo, é importante aqui

esse marco, que a preocupação da perícia, na época, e dos profissionais de

segurança pública já era padronizar a tecnologia no país. Para quê? Para que

no futuro próximo se pudesse intercambiar os perfis, como se fosse uma

mesma linguagem. Não adiantaria cada laboratório ter a sua técnica, a sua

linguagem se o que se pretendia com esses esforços era justamente a criação de

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

bancos e o intercâmbio e o compartilhamento de perfis genéticos em todo o

país. Isso aqui é uma foto do site da Senasp, do Ministério da Justiça, está

disponível até hoje a padronização.

Nessa época, o Brasil já tinha uma previsão sobre a

qualificação técnico-científico dos peritos, já tinha uma padronização de como

seriam feitas essas coletas, sobre o uso das regiões não codificantes, sobre as

quais conversarmos bastante ontem - a diferença entre perfil genético e DNA -,

sobre os exames de proficiência, já estimulando que os laboratórios

participassem de exames internacionais como se fossem, basicamente, exames

cegos em que você não sabe o resultado. Então, uma agência que promove

esses exames distribui esses exames sem ninguém saber o resultado, e os

resultados são mandados para ela, que compara se o laboratório tem a

proficiência ou não de acordo com o resultado apresentado. E também já foi

previsto, nessa época, como seriam as apresentações de resultado. Então, todo

um esforço para todos os laboratórios já conversarem e já falarem a mesma

linguagem.

Isso aqui são duas fotos da época, em 2007, que era a Rede

de Genética Forense, era um nome informal que nós tínhamos. E esse é o

grupo de profissionais na época. Aqui tem foto de professores, peritos, oficiais

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

que já se reuniam em debates, se aproximavam de atores da persecução penal,

para justamente dizer o seguinte: "Bom, estamos nos estruturando para trazer

o exame de DNA para a segurança pública, para os laboratórios; precisamos

também discutir a importância de bancos para a comparação desses perfis

genéticos".

Em 2009, esse grupo decide usar a tecnologia de banco de

DNA que é oferecida pelo FBI, que é conhecida também como CODIS, por

meio de um letter of agreement entre o FBI e a Polícia Federal. O CODIS hoje é

distribuído gratuitamente. Hoje, 60 países utilizam essa tecnologia que o Brasil

utiliza.

Essas aqui são duas fotos da época. Em 2010, foi o primeiro

treinamento. Especialistas do FBI vieram a Brasília, treinaram já nessa época.

De 6 laboratórios que eu citei anteriormente, em 2003; em 2010, com todos os

esforços de política pública de genética forense, nós já tínhamos 15

laboratórios - praticamente o dobro - e também o laboratório da Polícia

Federal, fazendo o total de 16. Então, 16 peritos oficiais de cada um desses

laboratórios vieram a Brasília e tiveram treinamento para o gerenciamento

desse software conhecido como CODIS.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Paralelamente, vários esforços citados ontem, sobre o

começo da Lei nº 12.654, eram feitos no Legislativo para a sensibilização de

que era importante não só andar com a parte de vestígio, a parte de local de

crime e o software, mas também na parte legislativa, para poder alimentar os

bancos de referência. Então isso aqui é o marco da lei em 2012.

Eu já contei um pouco da história e dei uma noção maior de

que não foi a partir de 2012 e 2013 que o Brasil começou a investir, começou a

pensar nessa tecnologia, começou a entender como algo importantíssimo.

Vários países utilizam essa tecnologia, como pudemos ver ontem, há muitos

anos. O Brasil, na verdade, começa muito tardiamente a implantação dessa

rede no país.

Então, na segunda parte da apresentação, eu começarei a

falar sobre o funcionamento atual da RIBPG.

A lei prevê que os perfis genéticos serão armazenados em

banco de dados conforme regulamento a ser expedido pelo Poder Executivo. E

foi justamente isso que o Decreto 7.950, que eu já citei anteriormente, dispõe,

regulariza. Ele formaliza a Rede, batiza o nome formal dessa Rede, que

começa, como falei, lá nos anos de 2004, 2005, como Rede Integrada de Bancos

de Perfis Genéticos - RIBPG, ele cria o Banco Nacional de Perfis Genéticos, que

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

é um banco vinculado ao Ministério da Justiça, e institui um Comitê Gestor da

RIBPG, para regulação dessa Rede.

Esse é um panorama geral de como é a estrutura, a

arquitetura dessa Rede no Brasil. Existe um Banco Nacional, que é um

repositório de todos os bancos locais, hoje são dezoito laboratórios oficiais de

genética forense e o laboratório da Polícia Federal. São dezoito peritos

criminais também, administradores, em cada um desses bancos abaixo. Existe

um administrador, são bancos que têm autonomia, que têm um gerenciamento

local pelo Estado ou, no caso da Polícia Federal, pela Polícia Federal. E todos

esses perfis genéticos que não são solucionados nesse banco são colocados no

Banco Nacional, para verificar se esses crimes são interestaduais.

Como é que os Estados entram nessa Rede? É só inaugurar

um laboratório? Não. Como eu disse anteriormente, a Rede sempre esteve

muito atenta a requisitos de qualidade, a requisitos técnicos para o

compartilhamento desses perfis. Então são firmados acordos de cooperação

técnica entre os laboratórios interessados, os Estados, a Polícia Federal e o

Ministério da Justiça para a implantação desses novos laboratórios. Este ano

nós temos a perspectiva de entrarem mais três laboratórios: Rondônia,

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Maranhão e Alagoas. Acho que, até o final do ano, estaremos com vinte e dois

laboratórios na Rede.

E o Comitê Gestor? Ontem também falamos um pouco

sobre isso, nesta Audiência. O Comitê Gestor é justamente um colegiado que

foi normatizado no Decreto, mas ele já era uma comissão, um comitê

colegiado, desde a criação da Rede. Nós tínhamos a participação de várias

opiniões, sempre tentamos abrir as discussões para vários parceiros da

segurança pública ou envolvidos, de alguma forma, com essa ferramenta.

Hoje, o Decreto prevê a participação de cinco membros do

Ministério da Justiça, dentre eles alguns gestores da Senasp, peritos criminais,

peritos criminais federais, cinco membros das perícias estaduais, um por

região geográfica, um membro da Secretaria dos Direitos Humanos - já

denotando a preocupação de se dar maior transparência, a maior participação

possível dentro do Comitê, com um olhar direto dos direitos humanos no

gerenciamento desse Comitê -, e também convidados, como a própria OAB, a

Defensoria Pública, o Ministério Público Federal e o Conselho de Ética em

Pesquisa. Então um Comitê bem robusto, com uma participação bastante rica e

multidisciplinar, com vários pontos de vista, justamente para o gerenciamento

desse Banco não passar por nenhuma dúvida de transparência, com intenção

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

de isso obedecer toda a constitucionalidade, todo o Estado Democrático que

nós vivemos.

O Decreto também pormenoriza as competências do

Comitê, que são, basicamente, promover a padronização, a definição de

medidas e padrões, medidas de segurança - uma preocupação muito premente

hoje em dia, inclusive em várias outras áreas, sempre a segurança dos dados.

A padronização, como falei anteriormente, é sempre uma preocupação desde

o início, embrionária, da Rede, e a definição de requisitos técnicos de

auditoria, de qualidade desses perfis, para que tudo que esteja dentro do

Banco tenha a maior eficiência possível.

A intenção não é popular o banco de amostras que não

tenham eficiência nenhuma no esclarecimento de crimes, ou vão resultar em

provas muito frágeis. A ideia é justamente fazer o aporte de material oriundo

de cena de crime, dentro de uma legislação, dentro da constitucionalidade,

para não se questionar o que vier de resultado desse banco, posteriormente.

O comitê gestor atua desde de 2013 em reuniões bimensais.

A cada dois anos, seus participantes são renovados, o que dá também um

caráter rotativo, participativo, com oportunidade de várias pessoas

participarem disso. Até hoje, esse comitê publicou seis resoluções - eu vou

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

aqui falar rapidamente do tema dessas resoluções, que é o Regimento Interno

dele, o funcionamento, o manual de procedimentos operacionais, que atinge

todos os laboratórios, a coleta compulsória. O comitê pormenoriza o que a lei

prevê, como que isso vai se dar, o formulário de preenchimento, o que vai ser

solicitado do condenado, como vai ser organizada essa coleta que a Lei 12.654

prevê. Os requisitos de realização de auditoria dentro dos bancos, a

recomendação de pessoas desaparecidas, que é uma outra área dos bancos de

DNA, que a gente não vai explorar aqui, mas que é muito utilizada, não só no

Brasil, inclusive a primeira vez que nós usamos foi no caso da Air France, o

caso da tragédia do voo 447, em 2009 - hoje não é o nosso foco, mas vale

registrar que o banco também serve para identificação de pessoas

desaparecidas - e a Resolução nº 6, que também é uma versão do próprio

manual da Resolução nº 1.

Aqui eu vou destacar os temas que esse manual versa só

para mostrar a riqueza e todo o espectro de atuação do manual. Ele fala,

basicamente, dos critérios de admissibilidade, quais são as amostras que

podem entrar, os requisitos técnicos dos laboratórios, a formação dos peritos, a

apresentação de resultados, os tipos de classificação das amostras dentro

banco, as coincidências, os cruzamentos de dados de perfis genéticos e

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

também um fluxograma, que é bastante importante aqui ressaltar, que é um

fluxograma que mostra claramente que o que entra no banco hoje só pode ser

oriundo de cena de crime.

Não há dúvida de que todos os laboratórios recolhem

materiais, os vestígios são coletados, de cena de crime e que possam pertencer

aos autores, pela dinâmica da perícia de local. Então, aqui ele mostra muito

claramente, didaticamente, o que entra e o que não entra no banco de perfis

genéticos.

Todas essas padronizações, essas mesmas do manual, são

corroboradas por todos os componentes do comitê, que, como eu citei

anteriormente, tem representante dos direitos humanos, tem representante da

Defensoria, tem representante do Ministério, da OAB, da perícia, de vários

atores. Como eu citei anteriormente, eles corroboram e, se houver alguma

pessoa que seja contra algum texto, alguma estratégia de utilização, isso não é

colocado como uma resolução do comitê. O comitê precisa dos votos de todos

os presentes, de todos os participantes.

Além disso, além de já ter um olhar crítico de toda a

regulação que é feita pelo próprio comitê multidisciplinar, as publicações,

todas, não são lançadas a bel prazer no site, distribuídas para os laboratórios

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

sem uma oficialidade; pelo contrário, todas elas passam pela Advocacia-Geral

da União, através da Conjur, do Ministério da Justiça, que faz um parecer

jurídico, olha, à luz da constitucionalidade, do arcabouço jurídico, se há

alguma resolução do comitê que fira o Estado Democrático de Direito e nos

entrega esse parecer. Nós, às vezes, adaptamos uma coisa ou outra. E nós,

depois de aprovados, todas essas resoluções, todos os manuais são publicados

em Diário Oficial da União. Então, a eles é dada a maior publicidade, o maior

filtro possível dentro de um Estado Democrático.

Além disso, para facilitar as buscas e o acesso, em que pese

estarem em Diário Oficial da União, nós colocamos todas essas resoluções no

nosso repositório oficial - qualquer um dos presentes pode acessar agora esse

site no próprio celular. E nós temos um portal do Ministério da Justiça em que

temos um hotsite da RIBPG, da Rede, onde estão todas as resoluções, todos os

manuais e também os nossos relatórios semestrais. A cada seis meses, todos os

dezenove laboratórios param, registram os resultados de seus bancos locais e

consolidam isso tudo em um relatório semestral, que é divulgado também

nesse site.

Com base nesses resultados dos relatórios, eu vou passar à

terceira parte da apresentação. Aqui é um gráfico, bem simples, para mostrar a

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

evolução dos perfis genéticos dentro do banco nacional. Esse aqui é um retrato

de todos os perfis genéticos presentes, oriundos de todos os laboratórios do

País, que estão dentro do banco nacional. Nós podemos ver que é uma curva

ascendente, uma reta que está crescendo a cada ano. A cada seis meses, nós

verificamos que ela tem crescido, mas de uma maneira muito tímida ainda.

Nós vimos ontem, aqui, o FBI falar em 12 milhões de perfis genéticos. A

Alemanha, com uma população bem menor que o Brasil, milhões de perfis

genéticos. O Brasil, hoje, em que pese esse ser o último relatório de 2016 -

mesmo nesse de 2017 -, não vai passar de dez mil. Nós estamos muito tímidos

na utilização dessa ferramenta.

Esse aqui é um gráfico, também de pizza, onde cada cor

pertence a um laboratório membro da RIBPG, que mostra, entre parêntesis,

após a sigla do Estado e da Polícia Federal, a quantidade de perfis genéticos

dentro do banco. Percebam que os últimos colocados têm grande dificuldade

no aporte de perfis genéticos, por vários fatores, e ainda não participam

ativamente. Mesmo os que estão participando, ainda participam com números

muito tímidos, perto do número de casos criminais, do impacto de violência

que nós sabemos que existe no País. Era para esse banco estar muito mais

alimentado do que está hoje.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Em que pese ele estar com oito mil amostras, que é

realmente um número bem baixo, nós já temos resultados bem otimistas, bem

animadores. Aqui é uma tabela de resultados: coincidências confirmadas é o

que a gente chama de match. Então a gente coloca um perfil genético de uma

cena de crime, um outro laboratório coloca o seu perfil genético de uma cena

de crime, e quando o CODIS faz uma busca, ele pode chegar à conclusão de

que esses dois perfis têm a mesma fonte, o que nós chamamos de match, ou

também - o que não é muito comum no caso brasileiro e eu vou explicar o

porquê -, se você tiver um cadastrado criminalmente ou um condenado, esse

vestígio pode dar coincidência com essa pessoa que está cadastrada no banco,

o que também é um match, um ofender hit, que nós chamamos em inglês.

Até hoje, esses relatórios também apontam que mais de 190

matches foram encontrados dentro do banco - e eu vou falar um pouco da

natureza desses matches -, cerca de trezentas investigações auxiliadas, ou seja,

bem grosseiramente explicando, um match, você tem dois perfis no banco.

Duas cenas de crime, tempos diferentes, modi operandi muitas vezes diferentes,

deu match. Dois inquéritos ou dois processos podem estar correndo, ligados a

esses casos. Cada match que é encontrado no banco impacta a duas

investigações e é isso que nós contabilizamos nesse relatório. Até hoje, o Brasil

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

conseguiu impactar 350 investigações auxiliadas, com o uso dos bancos

ligados à RIBPG. A maioria desses casos envolve crimes sexuais e patrimônio.

A primeira coincidência confirmada foi já em 2014, logo

depois que nós implantamos a rede, o banco nacional, ligando dois crimes

totalmente diferentes. Havia um crime, um vestígio de cena de crime de 2010,

oriundo de um assalto à um avião pagador, em Caruaru/PE, e os peritos da

Polícia Federal coletaram vestígios desses criminosos. Esses vestígios foram

alimentados dentro do banco da Polícia Federal e ficaram ali. Eles não deram

coincidência com nenhum vestígio ali existente. Em 2014, foi verificada uma

coincidência com outro vestígio oriundo de cena de crime, de 2012, da Polícia

Técnica e Científica de São Paulo, oriundo de um caso de crime à residência,

de crime a patrimônio, de um roubo à residência, onde um dos meliantes

havia deixado um iogurte para trás, onde ele havia bebido, aberto a geladeira,

e deixado ali no local. A Polícia Técnica e Científica coletou aquela evidência,

alimentou no banco, e, em 2014, dois anos depois, no caso de São Paulo,

quatro anos depois, no caso da Polícia Federal, foi dada a coincidência destes

perfis. O que aponta que a mesma pessoa atuou nesse crime, que é totalmente

diferente a dinâmica, o modus operandi - um é assalto a residência, o outro é

assalto a avião pagador - a quase 2.500 km de distância. Esses crimes jamais

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

seriam relacionados entre si pelos investigadores. Tanto pelo fato de não

serem ligados pelo modus operandi, mas também pela distância, porque muitos

dos nossos dados de segurança pública não são integrados. Então, a rede

integrada, o nome é bem justo, porque, realmente, ele integra as informações

de todo o Brasil, de todos os participantes.

O primeiro caso no banco nacional envolvendo estupro

também resultou, inclusive, numa matéria no fantástico, foi uma situação bem

parecida com a que eu descrevi, sendo que, desta vez, se trata de crime de

estupro. Dois casos totalmente separados, 2.000 km de distância, um caso de

Belém, um caso de Luziânia, dois casos de estupro, sendo que, no caso de

Luziânia, por sorte, a polícia tinha chegado à autoria. Havia um suspeito

ligado a essa cena de crime, o que beneficiou a investigação de Belém. Caso o

banco não tivesse ligado esses dois crimes, jamais o investigador e a equipe

investigadora de Belém teriam ciência de que o autor se tratava da mesma

pessoa. Para quem quiser, também, eu botei o link aqui do programa que

detalha bastante esse caso no Fantástico.

Ontem, também foi falado do primeiro caso que nós

detectamos, de uma não compatibilidade com uma pessoa que havia sido

condenada por ser responsável por um estupro e esse caso foi bastante

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

debatido ontem. Da incongruência de uma pessoa, que o DNA conseguiu

excluir, que os bancos de DNA viram que não estão relacionados a ela, estar

respondendo por um dos crimes, se eu não me engano, até hoje, nesse caso.

Outro dado importante ressaltar aqui, o primeiro caso de

estuprador serial. Nós falamos agora de um crime de dois estupros, mas está

sendo cada vez mais comum vermos, no banco nacional, matches seriais,

matches múltiplos, matches que ligam três, quatro, cinco casos de estupro. Esse

caso aqui também deu origem a um artigo, que eu tirei uma foto, que é um

estuprador serial. Ele estava respondendo por um estupro em Rondônia, mas

ele foi vinculado a mais oito estupros de Mato Grosso e Manaus. Uma atuação,

praticamente, em todo o território nacional. Há uma suspeita, inclusive, que

ele passou por mais de treze estados e que ele tem mais de cinquenta estupros.

Então, ele não só hoje está imputado com o crime de Rondônia, mas mais

crimes que ele cometeu no banco. E, quiçá, se nós continuarmos a alimentar,

ao longo do tempo, esse banco com mais vestígios, podem mais crimes que ele

cometeu no passado serem esclarecidos.

E eu passo à quarta parte agora sobre a importância da Lei

nº 12.654 para a rede, para o funcionamento da rede. Como eu falei

anteriormente, o banco existe por um propósito, que é a comparação

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

automática de vestígios de perfis genéticos, de vestígios de cena de crime e de

referências que estão ali aportadas à luz da lei. O nosso retrato hoje é um

banco que ainda está muito vazio e um banco que, basicamente, é de vestígios.

Há muito poucos perfis genéticos oriundos de suspeitos e de condenados, o

que dá uma ajuda entendermos este gráfico. Este gráfico aqui é um

acompanhamento dos matches que existem no banco nacional. Os matches

interestaduais, os matches ou entre os estados, ou entre eles e a Polícia Federal.

Nós podemos ver que a evolução dos bancos mostra um grande número de

matches, coincidências entre crimes contra o patrimônio e crimes sexuais. E a

identificação desses crimes ainda segue em aberto, com a exceção dos crimes

que eu citei aqui, em que existe já uma pessoa suspeita por aquele crime e ele é

correlacionado aos demais. Mas, na realidade brasileira, nós sabemos que a

maioria dos crimes não apresenta suspeitos, então muitos desses crimes

apresentam só o impacto para as investigações, que não chegam a nenhuma

pessoa e não conseguem tirar essa pessoa do seio da sociedade.

Esses casos têm relacionados - eu fiz um levantamento geral

de 2006 a 2016 - crimes antigos e crimes recentes, sendo que vários laboratórios

já foram beneficiados desses resultados. Cerca de 13 laboratórios, de 19, já têm

match, já tem coincidências no banco nacional.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Aqui também é um retrato do tipo de coincidências que nós

temos no banco nacional. Ontem, o Doutor Ingo, da Alemanha, mostrou um

gráfico bem parecido com esse, onde se mostra justamente o contrário do

Brasil. Mais de 80% de um gráfico-pizza que ele mostrou, ele mostra que o

banco alemão tem matches, coincidências, entre pessoas condenadas ou

indiciadas e identificadas e cenas de crime, o que é o mais natural em um

banco. O Brasil, entretanto, tem um desenho bem diferente. Como eu falei

antes, como nós não estamos usando a lei em sua totalidade, nós temos um

déficit muito grande de identificados. Então, os resultados que estamos

obtendo hoje são apenas entre cenas de crime: patrimônio-patrimônio,

patrimônio-sexual. Os outros são um caso ou outro de crime contra o

patrimônio, que deu coincidência com crime sexual, ou identificado, que são

muito poucos. Isso nada mais é do que uma previsão do que está acontecendo

no país.

A Lei 12.654, se nós olharmos, ela prevê a entrada de perfis

genéticos de condenados pela Lei de Crime Hediondos. Se nós olharmos o

último relatório do DEPEM, que mostra 700 mil presos no sistema carcerário

brasileiro, e os dados da bibliografia de que 10% desses criminosos são

responsáveis por crimes hediondos, só em uma matemática básica, nós

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

deveríamos ter hoje, no Brasil, 70 mil presos cadastrados em toda a estrutura

do banco, sendo que, na totalidade, temos hoje tímidos 1.300 perfis oriundos

da coleta da Lei 12.654.

Nós tivemos uma reunião de todos esses administradores

de bancos de dados do Brasil durante o Interforensics. Eu pedi para a

administradora do Pará se ela poderia nos ceder, para apresentar aqui na

audiência, um dado bem otimista da eficácia da coleta de condenados no

sistema carcerário com a comparação com os perfis genéticos que estão

presentes no banco. Então, isso aqui são duas fotos - o crédito é da perita

Elzemar, que nos cedeu esses slides -, isso aqui é uma foto da coleta no

presídio, que mostra também o que falamos ontem sobre a coleta indolor,

coleta rápida, que é prevista na lei, não invasiva, de um swab bucal de 240

presos no Sistema Penitenciário do Pará.

O que eles viram? Dos 248 condenados que eles colocaram

recentemente no banco, eles já viram agora, no mês de abril, duas

coincidências, dois esclarecimentos de casos de estupro, mostrando dois

resultados promissores em relação a esse pequeno aporte de 240 presos, já

esclarecendo 2 casos de estupro, de pessoas reincidentes.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Eu farei o fechamento com esse slide mostrando o que foi

falado ontem: o Brasil segue com uma grande taxa de impunidade, uma boa

parte dos casos ainda sem suspeito - daí a importância da identificação

criminal -, vários inquéritos que seguem sem prova material, arquivados,

porque não têm uma prova contundente, um grande número de backlogs,

amostras não processadas no banco. Estimam-se hoje 30 mil amostras em mais

de 10 estados, que estão paradas esperando processamento. Há o grande

investimento agora do Ministério da Justiça na expansão do DNA no plano

nacional.

Dado o meu tempo ter expirado, agora eu só vou agradecer

a oportunidade e passar a palavra ao próximo.

Coloco-me à disposição para as perguntas.

O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-

GERAL DA REPÚBLICA) - Eu tenho uma pergunta bem técnica. Nós

sabemos, e sempre se alardeia, o grau de certeza dos exames de DNA: 99,999 -

isso na fase laboratorial. Mas há um problema que interfere aí, salvo engano -

e daí eu gostaria do seu esclarecimento, por gentileza -, que é a coleta do

material na cena do crime.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Daí a minha pergunta: Uma coleta material culposamente

malfeita - com imperícia, imprudência e negligência - pode gerar um resultado

adverso ao réu; ou, inequivocamente, ela sempre gerará um resultado

inconclusivo e, portanto, na melhor das hipóteses, anódino ao réu e nunca

prejudicial a ele?

A SENHORA MEIGA MENESES (PERITA DO INSTITUTO

NACIONAL DE CRIMINALÍSTICA) - Só um esclarecimento: o senhor poderia

dar um exemplo de amostra mal coletada?

O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-

GERAL DA REPÚBLICA) - Não sei, misturada com o próprio DNA do coletor,

misturada de terceiros circunstantes alheios à condição do delito e assim por

diante. Obrigado.

A SENHORA MEIGA MENESES (PERITA DO INSTITUTO

NACIONAL DE CRIMINALÍSTICA) - Perfeito. É bem interessante essa

pergunta. Realmente o caso de misturas é bastante debatido dentro da

comunidade de genética forense, não só do Brasil, mas do mundo inteiro.

Ontem, inclusive, eu estava com um pessoal do FBI, e esse é um dos temas

mais debatidos até hoje lá, sobre a exceção e a interpretação de misturas.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-

GERAL DA REPÚBLICA) - Se me permite um complemento, não apenas a

mistura. Ontem eu conversava com o Professor Scheithauer, que foi o

especialista da Comunidade Europeia, depois de terminada a Audiência, e ele

me explicou: por exemplo, é praxe no serviço austríaco de coleta de dados,

similar a esse, que cada perito se ocupe em uma mesa com um único caso. Ele

não pode ter sobre sua mesa nada que diga respeito, por exemplo, a um

segundo ou terceiro caso. Ele não acumula papéis, de sorte a trocar perfis -

vamos dizer - em papel, já processada a informação.

Então, a pergunta que faço é nesse aspecto pré-laboratorial

e pós-laboratorial, por assim dizer. Isso é que eu queria saber: se isso pode

gerar danos ao réu ou não.

A SENHORA MEIGA MENESES (PERITA DO INSTITUTO

NACIONAL DE CRIMINALÍSTICA) - Existe todo um cuidado, dada a

sensibilidade. E todos nós temos materiais biológicos; os investigadores, os

outros presentes na cena de crime também. O DNA já nasce com essa

preocupação. Então, eu falei que, em 2005, nós já tínhamos a primeira

padronização de como seria feita a coleta; já se recomendava o uso de luvas.

Não é uma coleta tão simples. Tanto é que, no começo, quando se implanta nas

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

cenas de crime, nas equipes locais, as padronizações de DNA, há uma grande

resistência. Porque o DNA detalha bastante como que esse vestígio pode ser

coletado, justamente para evitar ao máximo a contaminação ou a coleta

equivocada.

Dentro dos laboratórios, também há um grande cuidado.

Inclusive, o da Polícia Federal tem uma certificação ISO 17025, justamente

porque há uma grande preocupação de que esses laboratórios tenham a maior

higidez, a maior preocupação possível, os melhores protocolos, os melhores

mecanismos de rastreamento, para que justamente, se houver alguma dúvida,

possa se chegar à origem dela. Mas, grosso modo, o que eu posso explicar para

o senhor é que toda essa coleta, todo esse procedimento - tanto antes do

laboratório, como depois, dentro dele - estão previstos em todos os nossos

protocolos, dentro da rede.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) –

O defensor teria alguma pergunta?

O SENHOR FLÁVIO LELLIS (DEFENSOR PÚBLICO) - Eu

gostaria de insistir nessa questão do ilustre Procurador, em relação ao

momento da coleta. Porque nós temos casos como o de Luques Anderson, que

foi atendido pela equipe médica antes; e posteriormente essa mesma equipe

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

foi para a cena do crime e o perfil genético dele é que foi identificado. Então,

dentro do laboratório, é uma coisa; mas nossa preocupação é essa. Se, no

momento da coleta, é possível outros casos, como esse que encontramos

narrados na doutrina.

A SENHORA MEIGA MENESES (PERITA DO INSTITUTO

NACIONAL DE CRIMINALÍSTICA) - Sim. Foi como disse anteriormente, há

um grande esforço, e isso não é desde o surgimento da lei, nem da rede, mas

desde a entrada do exame de DNA. Da segurança pública, há um grande

esforço e cuidado para o treinamento dessas equipes de locais de crime,

justamente para evitar essa coleta com contaminação, equivocada. Mas

lembrando uma coisa também, muitas vezes esses perfis são inseridos no

banco e só vão dar a matches... Por exemplo, uma pessoa que não tenha relação

nenhuma como o crime, dificilmente será imputado alguma coisa a ela se não

cometeu algum crime. O cadastramento, a inserção de perfis genéticos - não

sei se estou certa na sua pergunta, só para esclarecer -, por exemplo, o meu

perfil genético está no banco hoje, o perfil da minha equipe, inclusive para ver

casos de contaminação, está cadastrado. Nós temos todos os cadastros dos

nossos perfis dentro do banco, e, em nenhum momento, isso quer dizer a

minha incriminação dentro banco.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

O SENHOR FLÁVIO LELLIS (DEFENSOR PÚBLICO

FEDERAL) - A senhora ou a sua equipe já participou de alguma coleta de

pessoa presa?

A SENHORA MEIGA MENESES (PERITA DO INSTITUTO

NACIONAL DE CRIMINALÍSTICA) - De pessoa presa? A minha equipe sim.

Hoje, sou destacada pelo Ministro da Justiça para exercer a função de

administradora do Banco Nacional e coordenação do comitê. Mas sou oriunda

do laboratório da Polícia Federal de Brasília, do INC, e nós participamos da

coleta em Catanduvas. E eu, particularmente, não fui, mas dois colegas foram.

O SENHOR FLÁVIO LELLIS (DEFENSOR PÚBLICO

FEDERAL) - Nesse momento da coleta, faz-se um esclarecimento do motivo

daquele ato?

A SENHORA MEIGA MENESES (PERITA DO INSTITUTO

NACIONAL DE CRIMINALÍSTICA) - Sim. Como falei, eu não participei

pessoalmente, mas sim.

O SENHOR FLÁVIO LELLIS (DEFENSOR PÚBLICO

FEDERAL) - Para identificação de perfis genéticos.

A SENHORA MEIGA MENESES (PERITA DO INSTITUTO

NACIONAL DE CRIMINALÍSTICA) - A coleta geralmente, do que sabemos

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

dos presídios, inclusive dos Estados, é uma coleta em que a VEP atua - no caso

de Catanduvas, foi o Juiz Sérgio Moro, na época, era Corregedor de

Catanduvas -, já se organiza toda a seleção dos presos e se esclarece isso, para

que possamos entrar lá apenas para coletar.

O SENHOR FLÁVIO LELLIS (DEFENSOR PÚBLICO

FEDERAL) - Estou satisfeito, Excelência.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) -

Obrigada, Doutora.

Ouviremos o Doutor Mauro Mendonça Mariano, Perito

Criminal Federal do Instituto Nacional de Criminalística, que também disporá

de 40 minutos.

O SENHOR MAURO MENDONÇA MAGLIANO (PERITO

CRIMINAL FEDERAL DO INSTITUTO NACIONAL DE CRIMINALÍSTICA) -

Excelentíssimo Senhor Ministro Gilmar Mendes, Excelentíssimo Senhor Odim

Brandão, representante do Ministério Público, Excelentíssimo Senhor Flávio

Lellis, representante da Defensoria Pública. Muito obrigado pelo convite para

participar dessa audiência pública e tentar apresentar o ponto de vista da

criminalística da Polícia Federal e também o ponto de vista da Polícia Federal

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

e da Segurança Pública quanto ao aspecto da criação e da formação e do uso

da rede do Banco de Perfis Genéticos.

O Banco de Perfis Genéticos tem uma importância muito

grande por ser mais uma ferramenta de segurança pública. E o Instituto

Nacional de Criminalística é o responsável pela coordenação do trabalho de

perícia criminal de toda a Polícia Federal e tem auxiliado também perícias

estaduais em diversos treinamentos e atuações. A Polícia Federal também tem

sido chamada para trabalhar em casos de grande repercussão, mesmo quando

a atribuição formal é de outras polícias. Então, o Instituto Nacional de

Criminalística tem esse papel e trata de diversas áreas das ciências. A

criminalística é a aplicação de ciência no esclarecimento da justiça, na

produção de justiça, usando a ciência. A área de genética forense nos encanta

muito - aproveito para dizer que não sou especialista em DNA, não é minha

área de formação -, e, como gestor desse sistema nacional de criminalística,

percebo a grande paixão dos profissionais que trabalham com essa questão,

porque são cientistas e eles se movem pelos resultados que conseguem

confirmar pela aplicação da ciência. Então, como os resultados do DNA

produzem dados e produzem informações muito valiosas para a solução de

crimes, esses profissionais se apaixonam por isso. A Genética, não só a

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Genética Forense, é apaixonante, porque nos mostra a nossa origem, explica

uma série de coisas, mas na Genética Forense encontro, como gestor,

profissionais extremamente dedicados e que conferiram ao nosso Instituto a

Certificação ISO 17025, que é uma acreditação internacional do nosso trabalho.

Vamos avançar um pouco para falar de investigação

criminal no aspecto restrito à questão da investigação técnico-científica,

porque um crime, ao ser estudado, ao ser apurado, deixando vestígios, ele

passa necessariamente pela questão da produção de prova material, trazer

ciência para a explicação. Então, na investigação técnico-científica nós temos

essa questão.

Em termos de bancos de dados, nós podemos perceber que

toda a estratégia de Inteligência de segurança pública é feita a partir de bancos

de dados. Por exemplo, se nós tomarmos uma apreensão de cocaína com um

usuário, teremos lá uma análise feita por um laboratório de química, e essa

análise vai determinar o grau de pureza dessa cocaína. Ao determinar esse

grau de pureza, percebe-se que uma parte é cocaína e uma parte não é cocaína,

uma parte são adulterantes. Se nós estudarmos os adulterantes dessa cocaína,

a gente começa a perceber o rastro de formação daquela droga, daquele

produto. Então, a partir de um dado, que é um dado contaminante, nós temos

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

uma informação, essa informação gera um conhecimento, que eu posso

perceber quais são os fornecedores de adulterantes, eu posso perceber quais

são as indústrias formais, indústrias legais que fornecem, que estão de alguma

maneira fornecendo material para essa quadrilha de tráfico de drogas, e vamos

ter um conhecimento, por exemplo, de como é que funciona o processo de

lavagem de dinheiro com a droga. Então, a partir de um dado, a gente pode

chegar a um conhecimento, a uma inteligência e é um trabalho integrado. A

Polícia Federal tem feito e trabalhado nisso. Ela não trabalha no dado mais

primário. Ela trabalha com a inteligência e trabalha com a formação de

compreensão dos crimes e atua diretamente na cabeça do crime muitas vezes.

Esses bancos de dados geram estatísticas que são muito

úteis para nós. Nós temos o Sistema Nacional de Estatística e de Segurança

Pública e Justiça Criminal, SINESPJC. Ele mostra algumas ocorrências

policiais. Eu trouxe aqui alguns números para nós refletirmos sobre a

gravidade da situação do país.

Nós temos, entre 2011 e 2014, 185 mil casos de homicídio

doloso, que gera um número mais ou menos de 50 mil homicídios em média

por ano. Latrocínio, 6.700; lesão corporal seguida de morte, 4 mil; estupros, 181

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

mil nos últimos cinco anos; roubo de veículos, 800 mil; furto de veículos, 900

mil, gerando 2 milhões de ocorrências de crimes.

Esses são números de apenas seis tipos de crimes. Temos

todo o resto do Código Penal não computado. Não temos informações. Se nós

pensarmos isso por hora, porque em quatro anos fica meio fluido, nós, desde

que começou essa Audiência Pública, já tivemos cinco estupros, cinco casos os

que a Debbie Smith mostrou ontem aqui nesta Audiência. Cinco casos, cinco

histórias, cinco vidas modificadas. Então, nós temos aí essa situação: a cada

doze minutos, um estupro ocorre no Brasil - registrado, porque um dos crimes

mais subnotificados é o estupro por toda a condição que ocorre pós-situação.

Muitas mulheres preferem não falar. Nós também, acostumados que estamos

com o furto de veículo, muitos de nós não vamos mais registrar uma

ocorrência numa delegacia. Portanto, estes números não são muito válidos

como números absolutos. Eles são amostras da verdade. Então, não há dados

sistematizados a nível nacional para todos os demais tipos de crime.

Por exemplo, o tráfico de drogas, que não está naquela lista,

e é o maior participante das prisões, responde hoje por 32% de todas as prisões

no país segundo levantamento independente feito pelo G1, porque, como não

tem dado, eles correram atrás desses dados, e temos, então, 182 mil pessoas

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

presas por tráfico de drogas, mais de um terço da população carcerária.

Portanto, temos, sim, muitos crimes que podem ser auxiliados pelas técnicas

de investigação criminal e pela produção de prova técnico-científica. Então, é

muito importante que nós lancemos mão e utilizemos todas as provas

científicas, tudo o que a ciência pode nos oferecer para a solução desses

crimes, porque o País não pode conviver com tantos crimes. A questão

criminal é tão disseminada no nosso País que a própria Corte Constitucional,

esta Casa, tem-se ocupado, muito mais do que deveria, com a solução de

crimes. E nós, na perícia, contribuindo com o esclarecimento desses crimes em

tudo aquilo para o qual fomos requisitados.

Um fato importante, que também não temos boas

estatísticas, é a questão da reincidência. Isso é muito importante para a

questão dos bancos de dados em geral e, particularmente, para o banco de

dados dos perfis genéticos.

A resistência criminal é um conceito, há vários conceitos e,

por isso, não temos números muito bons. A resistência criminal é quando mais

de um crime, uma pessoa comete mais de um crime e tem a condenação em,

pelo menos, dois deles, independente do prazo legal de cinco anos, que se fala

em reincidência.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

A reincidência penitenciária é o reingresso da pessoa no

sistema penitenciário para cumprir pena ou medida de segurança, ou seja,

alguém que é preso provisoriamente vai a um presídio e volta, ele é registrado

como reincidente, mesmo que não haja prova suficiente para condená-lo. A

reincidência penal é quando há uma nova condenação, mas não

necessariamente para o cumprimento de pena de prisão. Ele é condenado

novamente pelo mesmo crime, mas, por algum atenuante, ele não vai a prisão

- se for muito idoso, ou alguma coisa nesse sentido. E a reincidência

penitenciária, considerando presos condenados provisórios com passagem

anterior pelo sistema prisional.

A partir daí, desses diversos conceitos, o CNJ encomendou

uma pesquisa ao IPEA, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, e, nessa

pesquisa, mostrou que 24,4% das pessoas que cometem crimes reincidem

naqueles crimes. Isso é o número da resistência criminal, ou seja, com

condenação.

Considerando o número de ocorrências policiais com

prisão, mas não necessariamente com condenação, esse número pode chegar a

70%, que é a reincidência penitenciária. Então, são números que nos convidam

a pensar: "Bom, se uma pessoa comete um crime e tem 70% de chances de ela

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

voltar a cometê-lo, é bom eu monitorar essa pessoa, é bom eu ter atenção a

isso, porque a impunidade é um grande problema." Nos lugares, onde a

certeza da punição é grande, as pessoas cometem menos crimes. No Brasil, a

impunidade é um fato que incomoda muito o País, e a gente vê, nas próprias

operações policiais recentes, que as pessoas continuam cometendo crimes, os

mesmos crimes dos quais já estão sendo investigadas.

Então, a reincidência é um ponto importante para que nós

pensemos sobre a manutenção, a criação e a utilização de bancos de dados,

porque já tem o perfil da pessoa, já tem os dados daquela pessoa e, se ela

reincidir, e ela tende a reincidir - é o que mostram os dados, em alguns crimes

particularmente -, se ela tende a reincidir, fica mais fácil de nós apurarmos os

crimes e reduzirmos a impunidade.

A reincidência não será conhecida se ela não for

investigada, ou seja, um traficante de drogas, um jovem, uma criança que, aos

12 anos, começa a traficar drogas, ele faz isso hoje, faz isso amanhã, faz isso no

mês que vem, daqui a dois anos, até o dia em que ela vai presa. Então, o crime

por tráfico de drogas, ela não fez por um estado de necessidade daquele dia,

passa a ser uma prática, passa a ser um meio de vida. Então, nós não

consideramos reincidência quando a pessoa comete aquilo reiteradamente.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Para um contrabandista, por exemplo, é o meio de vida dele. A reincidência

tem de ser vista num ponto de vista mais amplo, embora existam os conceitos

de crime continuado e crimes permanentes, eu não saberia dizer sobre eles,

mas é preciso investigar essa reincidência.

A falta de provas materiais contribui para que ocorrências

policiais não se convertam em condenações. Como nós não apuramos

apropriadamente os crimes - a perita, amiga, apresentou um dado, 6% dos

homicídios são investigados; e 80% desses 6% são arquivados, salvo engano -,

nós temos muito pouco, uma amostragem muito baixa de quem são os

criminosos e da falta de reincidência. E a falta de prova material, de pesquisa

do local de crime, de investigação, de coleta de dados e informações, e registro

disso em banco de dados, compromete ainda mais essa questão. Então, a

perícia criminal pode identificar a reincidência mesmo não ocorrendo a prisão,

ou mesmo não ocorrendo a condenação.

Naqueles quatro tipos de reincidência, aquelas que não

foram nunca investigadas, ou cadastradas, podem ser percebidas e registradas

pela perícia criminal, por quê? Porque as pessoas que cometem crime deixam

vestígios. Todo contato deixa vestígio, deixa marcas. E a perícia criminal pode

registrar reincidências de uma pessoa que nunca foi lembrada, nunca foi

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

acionada pelo sistema de justiça criminal. Então, essa é a importância da

perícia na produção de prova e na redução da impunidade.

A perícia aplica método científico para demonstrar a

materialidade do crime, visando a evitar controvérsia sobre a verdade dos

fatos. Tudo o que a Justiça não quer é ter controvérsia. Ela quer esclarecer, ela

quer resolver uma controvérsia. Então, a perícia traz, com o método científico,

demonstrações da materialidade do crime, tentando evitar a controvérsia. E

contribui também na identificação biométrica de autoria. Por que eu preciso

da tipicidade, da autoria e da materialidade. A perícia pode contribuir com a

materialidade, sim, sempre. E a autoria em muitos casos. Então, quando nós

identificamos biometricamente o autor, mesmo que não tenha ainda nome -

porque a identificação, nós identificamos por nome, por imagem, por várias

maneiras -, mas ainda que não tenhamos o nome, temos um autor registrado

num banco de dados de perfis genéticos, por exemplo. E essa identificação tem

que ser inequívoca, sob pena de se condenar inocentes ou trazer insegurança à

Justiça. Nós já vimos alguns exemplos aqui, nessa Audiência Pública.

Bom, e como é que a perícia, então, mede ou usa a

biometria? Nós temos pelo menos uns seis tipos de biometria, que nós

utilizamos para chegar à autoria de crimes. A primeira feição que nos

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

identifica é a nossa face. Em geral, nos conhecemos pela face que temos.

Podemos nos conhecer também e registrar isso em impressão digital. Podemos

ter isso na antropologia. Ou seja, mesmo depois de falecidos, nós ainda temos

uma identidade a ser recuperada. Em muitos casos, é assim que se faz. A

assinatura também é uma outra forma de nós nos identificarmos. O nosso

perfil de voz também é uma forma de identificar. E o DNA a forma mais

precisa, sem dúvida, de identificação de pessoas.

E como é que a gente utiliza isso na solução de casos

criminais? Nós, de alguma maneira, registramos e deixamos guardadas as

nossas identificações. Ao chegar aqui, até chegar aqui, a esta Casa, esta sessão,

eu devo ter sido filmado diversas vezes, porque todo o complexo do Supremo

Tribunal Federal é filmado naturalmente, por questão de segurança. Então,

minha face foi registrada em banco de dados diversas vezes. Ao tocar esse

púlpito, deixo aqui minha impressão digital e deixo também DNA,

especialmente se eu arrastar minha mão aqui.

A questão da minha voz também pode ser gravada. E se

alguém contestar se a voz é minha ou não, há parâmetros matemáticos para

determinar se há alguém com a voz igual a minha. Ou se essa voz é realmente

minha, se eu tiver o padrão de comparação. A assinatura também. Há exames

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

grafoscópicos que levam à comparação de pessoas. A gente registra a nossa

assinatura em diversas situações. Nossos celulares, hoje em dia, nos

reconhecem pelo rosto, pela íris, nos reconhece pela impressão digital. Então,

estamos guardando identificações em diversas situações. E a perícia usa - no

esclarecimento de um crime -, todos os meios disponíveis para chegar à

autoria, porque o contato deixa marca, deixa vestígios.

Os dados que são analisados não são dados que falam sobre

nós. Eu poderia dizer aos senhores, não é verdade, mas poderia dizer que

essas marcas, essas minúcias papiloscópicas são minhas. Eu não conheço as

minhas minúcias papiloscópicas. Eu não sei. Se eu olhar para as fotos delas, eu

não reconheço. Não é algo que me identifique diretamente. Só a comparação

desse dado com o banco de dados é que é possível identificar.

Então, muitas vezes, nós temos a preocupação da

privacidade num mundo em que é todo filmado, todo registrado, cheio de

logs, de informações e, às vezes, não percebemos que a nossa informação está

circulando. Eu não sou reconhecido, não há nenhuma privacidade na minha

impressão digital, porque nem eu mesmo a conheço. Eu não conheço o meu

perfil genético. Aquele DNA profile, aquele perfil genético, ele poderia ser

meu, eu não conheço meu perfil genético. E se eu olhar para ele duas vezes

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

seguidas, não vou reconhece-lo. Então, não há privacidade nisso. Mas

deixamos nossas marcas em diversas situações.

Então, o que a perícia analisa são as minúcias

papiloscópicas de impressão digital. Quantos pontos de encontro, quantas

deltas, quantas curvas. É isso que a gente está contando. Se houver dezessete

coincidências, pelo menos, há uma garantia bastante forte de que é a mesma

pessoa que tem a mesma marca digital. E o perfil genético é muito mais

preciso que isso, chegando acima de noventa e nove por cento de precisão,

como os senhores já viram.

Então, o que o perito faz é tentar tirar marcas. Num punho

de uma arma, por exemplo, eu vou tirar material genético aqui; aqui eu vou

coletar impressão digital; e vão ser analisados os dados que não são

efetivamente identificadores das pessoas, apenas em bancos de dados.

Bom, já deve ter sido comentado o caso Pedrinho, muito

famoso em Brasília e também no Brasil, que, em 2003, tivemos aí a situação de

que uma pessoa subtraiu um menor, no hospital - e não era a primeira vez, era

reincidente também -, então, ela subtraiu um menor em 1979 e em 1986. O

Pedrinho foi de 1986. E, a partir de uma suspeita, de uma investigação

genética, a perícia conseguiu demonstrar que aquela pessoa que a ré dizia ser

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

sua filha, não era sua filha; que ela também havia subtraído a filha sobre a qual

não tinha nenhuma suspeita. Mas que o Pedrinho também não era filho dela,

foi de fato subtraído. Então, a perícia contribui na investigação criminal; e os

resultados de exame de DNA são extremamente esclarecedores e

contundentes. Não é nada perfeito; não há nenhum sistema perfeito, mas é

muito próximo; é de uma precisão muito grande essa questão.

Eu queria até fazer um aparte, tentando complementar a

resposta da Meiga em relação aos locais de crime. Quando um perito criminal

se aproxima de um local de crime, como princípio, nós desejamos que esse

local de crime esteja isolado; que a autoridade policial isole essa área para que

ninguém mais tenha contato com a cena do crime e não deixe outras marcas,

porque todo contato deixa marcar. Claro que, eventualmente, uma equipe

socorrista pode ter tido contato com a vítima; um policial pode ter tentado

verificar se havia vida ou não; e pode ter tido contato, sim, com a vítima,

deixando ali marcas, deixando ali DNA.

O que acontece quanto à pergunta específica do senhor, é

claro que mais marcas na cena do crime podem confundir, podem colocar

mais pessoas naquela cena do crime. O que nós percebemos, com toda a

biometria que nós podemos medir, é quem esteve próximo ou quem teve

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

contato com a cena do crime. A presença de mais DNA só pode beneficiar o

réu, nunca o comprometer mais, porque ele vai ter mais pessoas suspeitas.

Então, ele sempre vai beneficiar o réu, porque tem mais suspeitos.

Uma vez que o perito coletou adequadamente o vestígio

certo, ele provavelmente vai ter contato; ele vai ter extraído ali o DNA do

suspeito. Mas se ele coletar outro DNA, ele está, na verdade, salvaguardando

o autor do crime e nunca prejudicando ele. O que há é, por exemplo, a suspeita

de que pode haver o material genético do socorrista. E havendo assim,

naturalmente que... bom, se é um socorrista, que tem o registro de onde estava

a ambulância em cada data e hora, não é possível ele tenha estado antes ali

para matar a pessoa. Os nossos peritos, todos eles que lidam com DNA - e

muitos daqueles que lidam com local de crime - eles todos têm o perfil

genético no bando de dados para eventuais exclusões, ou seja, olha: apareceu

aqui o dado de um perito criminal, que, no caso de Roraima, o perito nunca foi

a Roraima e apareceu o DNA dele. Pode haver uma contaminação e, na

possibilidade remota de haver isso, já existe o registro do perfil genético,

inclusive das pessoas que limpam o laboratório, todas as pessoas têm perfil

genético cadastrados no banco, deve ter sido falado já, senão o perito Ronaldo

vai comentar também.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Então, na solução de crimes, o registro da identidade de

cada um de nós, ou de cada suspeito, é feito por diversas formas de biometria.

Hoje, a impressão digital é a mais conhecida, mais utilizada. Os bancos de

dados, nós temos então, na segurança pública, acho que a Meiga já mostrou

esse quadro, e eu queria destacar, então, a participação da Polícia Federal, por

quem eu respondo na perícia criminal: em 63 coincidências confirmadas, nós

auxiliamos 143 investigações, ou seja, mais de duas investigações, em média,

para cada amostra confirmada. Isso relaciona crimes, como a perita Meiga

comentou, relaciona crimes absolutamente improváveis de estarem

relacionados.

Num cenário absolutamente subnotificado de dois milhões

de crimes nos últimos cinco anos, de um estupro a cada doze minutos, esse

tipo de coisa não tem condição de nós, a Polícia Federal e as polícias estaduais

e as perícias estaduais apurarem tudo. É preciso investir na redução da

impunidade; é preciso investir em meios para desincentivar quem comete

crimes ou tem o crime como meio de vida. Isso é muito importante.

Então, as coincidências vinculam diferentes crimes,

relacionando seus autores e viabilizando a adequada responsabilização.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Nós já temos então, na segurança pública, diversos bancos

de dados de biometria; e temos então vinte e sete sistemas diferentes de

registro geral de identidade onde tem fotografias e impressões digitais. Isso

tudo vai ser reunido, agora, no projeto que o Tribunal Superior Eleitoral está

coordenando da identificação civil nacional, na Lei 13.444, promulgada na

semana passada, e cuja biometria vai ser definida por um conselho.

O AFIS, sistema de impressões digitais e cadastro de

eleitores, também está sendo usado; o Sinpa, sistema de passaporte com

fotografias; tudo isso está sendo usado. E nós temos outros sistemas, por

exemplo, o Sistema de Movimentação Internacional, a Polícia Federal

monitora, quem passa o passaporte fica registrado no sistema. Então a

biometria é registrada em diversos sistemas e é com ela que fazemos a

investigação criminal. E, sempre que há dúvida sobre a questão da

identificação, a perícia vai usar esses bancos de dados. O INFOPEN também é

um sistema de informações penais, registra preso com fotografia, impressão

digital, tatuagens e diversos aspectos físicos, cor dos olhos, cor da pele, para

ter uma garantia de que quem está preso é quem deveria estar preso.

Esses são os pontos que a criminalística tem a contribuir na

questão da formação e da utilização de banco de dados. O Banco de Dados de

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Perfis Genéticos auxilia a identificação inequívoca, em busca da verdade,

contribuindo para a redução da impunidade e para a proteção dos direitos

humanos.

O Brasil tem uma demanda muito importante em relação à

segurança pública. Hoje, ao lado da saúde pública, que também está um tanto

quanto caótica, a principal preocupação dos cidadãos brasileiros é quanto à

segurança pública. As pessoas têm medo de sair de casa, as pessoas têm medo

de parar o carro, as pessoas têm medo de tantas coisas, de sequestros, de

crimes cibernéticos, de pedofilia, de tantos crimes que não são apurados

adequadamente.

Não podemos abrir mão desse meio de prova, que é um dos

mais precisos que nós temos, sujeito a diversas confirmações e conferências. O

exame de DNA não é uma condenação, porque o perito no local do crime não

coleta apenas DNA, ele coleta diversos aspectos, coleta filmagem de câmaras

de circuito fechado de TV, coleta dados da arma que produziu o crime, coleta

uma série de dados, e o próprio DNA não é condenação. Então, ter mais um

meio de provas é essencial num país que carece tanto de justiça e de segurança

pública.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Essa é a nossa contribuição, reduzida, em função até da

minha pouca especialidade no tema Genética Forense, mas, como gestor da

área de criminalística, é uma defesa, sem dúvida, da utilização de mais bancos

de dados para a perícia criminal.

Obrigado.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) -

Obrigado, Doutor Mauro. Senhor defensor.

O SENHOR FLÁVIO LELLIS (DEFENSOR PÚBLICO) - Eu

gostaria de saber a opinião da perícia, no Brasil, sobre qual modelo seria o

ideal para nós adotarmos aqui: o modelo alemão, onde há uma separação do

policial para o cientista; ou o modelo americano, que é o próprio FBI que tem a

investigação e também a parte da perícia.

O SENHOR MAURO MENDONÇA MAGLIANO (PERITO

CRIMINAL FEDERAL DO INSTITUTO NACIONAL DE CRIMINALÍSTICA) -

Eu acredito que cada país deva ter boas razões para ter separado, ou não, a

investigação da produção de prova. O Brasil tem um histórico de - pelo menos

posso falar pela Polícia Federal - atuação conjunta e de isenção que nos dá a

certeza de que isso só traz benefícios para o país, porque, com a burocracia que

temos hoje, se eu tivesse que mandar de um órgão para o outro, transferir

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

amostra, imagine o risco que é transferir amostras biológicas de um órgão para

o outro em quantidades absurdas, porque são volumes muito grandes. A

Polícia Federal, hoje, produz cinquenta mil laudos por ano. Então imagina que

todo esse material, e praticamente todos os laudos têm materiais a serem

transportados, vestígios a serem transportados, o número de vestígios é muito

mais de cinquenta mil, porque uma cena de crime é muito grande. Então o

modelo, no Brasil, ainda, apesar de haver alguns Estados que começam um

trabalho de distinção, o modelo federal certamente é mais adequado com a

investigação próxima da perícia, ou seja, a perícia tem uma agilidade e uma

integração com a equipe que nos autoriza a ter certeza de que isso é o melhor

para o Brasil, na esfera federal.

O SENHOR FLÁVIO LELLIS (DEFENSOR PÚBLICO) - Em

relação àquela exposição inicial do senhor, a respeito da paixão pela perícia, e

que deu um exemplo aqui da investigação da cocaína, da droga, o tanto que se

pode avançar a partir de um material, chegando inclusive em evasão de

divisas. Nós não corremos o risco de, por conta dessa paixão, no momento do

acesso ao material genético, o perito invadir para área que não poderia ser

analisada? Desculpe-me, eu não tenho conhecimento técnico, mas o que pude

perceber ontem, aqui, foi isto, que há uma parte que é preservada, não se entra

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

nela. Como é que se poderia limitar isso? Essa legislação que nós estamos

questionando tem elementos para isso?

O SENHOR MAURO MENDONÇA MAGLIANO (PERITO

CRIMINAL FEDERAL DO INSTITUTO NACIONAL DE CRIMINALÍSTICA) -

Eu acredito que a forma de trabalho hoje na Polícia Federal - e acho que, na

maioria dos estados, também é assim -, os peritos de genética forense, pela sua

especialidade - e são raros, são poucos peritos que têm essa formação -,

raramente -acho que nenhum caso, provavelmente, até porque o comitê gestor

solicita e, praticamente, exige que as pessoas tenham dedicação exclusiva

àquela atividade, pelos menos quatro peritos têm dedicação exclusiva ao

laboratório de genética forense -, esses peritos não são os peritos que coletam

informação no local de crime. Esse material é coletado. O perito de local de

crime, geralmente, nos lugares onde há mais ocorrências, eles são especialistas

naquilo, eles coletam evidências e mandam, para a balística, o projétil,

mandam o corpo, naturalmente, para o IML, mandam roupas ou outros

materiais que tenham uma análise de caracterização física para outro

laboratório. Então, ele é apenas um coletor de informação e ele manda para

laboratórios distintos. Todas as polícias do mundo têm um coletor, alguém

que se responsabilize por coletar esses vestígios, e esses são policiais sempre.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Se os laboratórios são ou não vinculados, é outra questão,

mas acredito que não tenha nenhum vínculo, a paixão pela ciência - porque a

paixão é pela ciência -, com a questão de achar culpados ou inocentes. Para a

perícia, a gente quer saber qual resultado que o equipamento vai dar, qual a

interpretação da estatística do dado de genética. Pouco importa quem é, se é

culpado ou não. É o que eu percebo do trabalho. A gente não fica triste porque

não deu uma coincidência, a gente simplesmente atua com um dado.

O SENHOR FLÁVIO LELLIS (DEFENSOR PÚBLICO) -

Talvez, eu não me fiz entender bem, eu digo, no momento em que está sendo

feita a análise, não da coleta, mas do material genético, há um limite. Até onde

que esse perfil genético pode, o que pode ser identificado? Nós não podemos

ultrapassar esse limite. O que garantiria que não se ultrapassaria esse limite?

O SENHOR MAURO MENDONÇA MAGLIANO (PERITO

CRIMINAL FEDERAL DO INSTITUTO NACIONAL DE CRIMINALÍSTICA) -

Nossos laboratórios, por serem acreditados, eles têm todos os procedimentos

operacionais padrão publicados e registrados. E esses procedimentos

determinam, inclusive, as técnicas de análise, ou seja, a partir de qual

momento eu vou considerar - desculpa eu não sou especialista - uma mistura,

em que não é conclusivo, e vou dizer no laudo que não é conclusivo, porque é

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

mistura, e a partir de que momento a gente vai ter no laudo um critério

positivo. Isso está tudo registrado em procedimentos operacionais padrão que

se baseiam na literatura científica disponível. Então, não há, não vejo um

limite, assim, onde o perito pode forçar a conclusão de um dado. É como uma

perícia de laboratório: o equipamento vai dar o resultado. Antigamente, era

com pipetas e vias úmidas, mas hoje em dia são equipamentos calibrados, e

nós temos que calibrar os equipamentos e os auditores externos fazem essa

verificação. E isso pode dar errado? Pode, mas mantemos contraprovas e isso

pode ser feito por nós mesmos, novamente, ou ser enviado para outro

laboratório. E nós temos teste de proficiência, em que nós medimos a

proficiência de cada laboratório, de cada perito, e verificamos se há uma

necessidade de capacitação ou algum erro. Essa é a nossa forma de trabalhar.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) -

Obrigado. Agora, chamarei o Doutor Ronaldo Carneiro da Silva Júnior, Perito

Criminal Federal do Instituto Nacional de Criminalística. Também disporá de

40 minutos.

O SENHOR RONALDO CARNEIRO DA SILVA JÚNIOR

(PERITO CRIMINAL FEDERAL DO INSTITUTO NACIONAL DE

CRIMINALÍSTICA) – Bom dia a todos, senhoras e senhores, excelentíssimos!

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Agradeço a oportunidade de apresentar um pouco do trabalho do nosso

laboratório, Laboratório de DNA da Polícia Federal. Espero complementar as

informações já passadas aqui, que foram de grande valor, sanando algumas

dúvidas que, eventualmente, ainda persistam.

Bom, fazendo uma rápida introdução - sendo da área

técnica, não poderia me furtar a isso -, o DNA é uma molécula que contém

informações genéticas e está presente na maioria das células.

O DNA de cada pessoa - isso daí já são dados conhecidos -

é único, à exceção de gêmeos idênticos, e cada pessoa recebe metade do seu

material genético do seu pai e a outra metade da sua mãe. Esses são alguns

dados científicos, que baseiam toda a técnica que realizamos no laboratório.

O DNA humano é composto de 23 pares de cromossomos, o

que equivale a 3.2 bilhões de pares de base. É uma quantidade enorme de

informação que, a princípio, poderia estar ali codificada. O conjunto de

características de DNA que individualizam uma pessoa é chamado de perfil

genético ou perfil de DNA. O processo em que se obtém esse perfil genético e

a comparação é chamado de exame de DNA. Esse nome, exame de DNA se

tornou muito popular, apesar de que o que de fato analisamos no laboratório é

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

um perfil genético. E daí eu começo a explicar um pouco a diferença entre

esses dois termos.

Perfil genético é utilizado na investigação criminal para

relacionar suspeitos a vestígios - é uma forma de identificação, como diversos

já colocaram aqui. Podemos identificar alguém por antropologia, por

biometria, por impressão digital e por perfil genético. Pode ser utilizado tanto

para condenar quanto para inocentar. Já foram apresentados também casos de

ambos os tipos aqui, e eu vou apresentar alguns também, claro. Também serve

para identificar vítimas e restos mortais por meio da comparação com o perfil

genético de seus familiares. Foi o caso do voo Air France, por exemplo, 447,

onde a Polícia Federal atuou e foi feita toda a identificação dos corpos. Aqui

vai fazer falta um pouco o gráfico que não está aparecendo, mas eu posso

explicar. O genoma humano, como eu mostrei, é composto de 23 pares de

cromossomos. Dentro de todo esse DNA, existe uma parte codificante e uma

parte não codificante. O que isso significa? A parte codificante é aquela que

está relacionada à produção de alguma característica, não necessariamente

característica física, mas a composição do próprio corpo humano. Sabemos que

um elevadíssimo percentual do DNA, mesmo o codificante, é comum a todos

nós, porque nosso corpo funciona da mesma forma, nossos órgãos são os

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

mesmos. A forma de funcionamento do corpo é igual. Um pequeno percentual

é o que nos diferencia. Seria a cor dos olhos, a cor da pele, a altura, o formato

do rosto. Mas o que nos interessa quando a gente fala de perfil genético não

tem nada a ver com isso, porque o que nos interessa são as regiões não

codificantes. Por quê? Uma região codificante tem que ser mais ou menos

igual, senão nós seríamos muito diferentes em termos de sistema, em termos

de funcionamento. A região não codificante que, na verdade, não influencia

nas características físicas e comportamentais das pessoas, ela sim tem interesse

científico, porque ela varia muito de pessoa para pessoa, sem, contudo, variar

o funcionamento do nosso corpo. Como está ali no gráfico, o que a gente

analisa de todo o DNA, separado em vários grupos, é uma pequena parcela

chamada de microssatélites ou STRs. O que são os STRs? São repetições em

tandem, repetições de uma dada sequência genética de um DNA não

codificante. Esse gráfico mostra como pode ser. Ali a gente tem, no primeiro

círculo, uma repetição em tandem, cada quadradinho seria uma repetição. Você

a tem em sequência. Uma pessoa com esse perfil teria em algum marcador o

número 4, quer dizer que aquele perfil repetiu quatro vezes. Já, no segundo

círculo, você tem dispersos, que não significa nada para gente em termos de

perfilagem, em termos de perfis genéticos. Sendo ainda mais específico, por

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

exemplo, uma pessoa que tem dois alelos, um que veio do pai e um que veio

da mãe. Ela tem um alelo 1, onde tem sete repetições da sequência ATCG. Um

alelo 2, que tem oito repetições da mesma sequência. Então, para aquele

marcador, a pessoa vai ser uma pessoa 7-8. Infelizmente, não está aparecendo

a imagem, mas isso significaria que a pessoa tem, em determinados

marcadores, uma sequência que se repete. Então, também, quando a gente fala

que a pessoa é 7-8, ou 9-10, ou 8-8, isso nem ao menos significa a sequência

genética de que estamos falando: se ela é ATCG, se é CTGA, se é AAAA. A

gente não está falando nem da sequência genética que a pessoa possui.

Simplesmente, que ela se repete. Então, mostrando aí uma pessoa, num

determinado marcador, é 7-8. E isso daí a gente faz para vários marcadores. Os

kits, atualmente, mais utilizados utilizam mais de vinte marcadores. Então,

quando você tem mais de vinte marcadores e vai calcular a estatística, qual a

probabilidade de uma pessoa ser 7-8? É uma. Se é 7-8 e 8-8 no outro marcador,

vai crescer a probabilidade de ser aquela pessoa. Quando você faz isso vinte

vezes para cada um dos marcadores, a estatística fica tão alta que seria

praticamente impossível não ser aquela pessoa. Por isso que se diz que exame

de DNA, ele dá um resultado tão confiável. Então, hoje em dia, a gente

trabalha, no nosso laboratório, com estatísticas que chegam à ordem de

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

octilhões, nonilhões de ver de ser mais provável que aquela pessoa é

relacionada ao vestígio do que ser qualquer outra pessoa da população

mundial.

Então, no final, o que temos na nossa perfilagem, na nossa

análise é um perfil genético. Esse é o gráfico que o aparelho nos apresenta. É

um gráfico onde mostra uns picos e esses picos são os alelos. Abaixo dos picos,

vocês podem ver que tem um número, esse número é, então, convertido numa

sequência numérica. Então, ali, essa pessoa XY é um homem, tem uma

sequência ali dos marcadores 7-8, 15-17, 23-27, que não diz absolutamente

nada sobre essa pessoa. Mesmo eu sendo um cientista, eu também não consigo

decifrar o que isso quer dizer. Por quê? Porque esse código, como eu disse, só

diz a quantidade de repetições que tem em cada marcador. Mesmo sabendo a

quantidade e qual fosse a sequência que está se repetindo, mesmo assim eu

estou falando de um DNA não codificante, que não me diz absolutamente

nada sobre essa pessoa.

Então, por fim, resumindo, quando a gente fala de perfil

genético, estamos falando de uma quantidade de 5 mil a 20 mil pares de base

de regiões não codificantes que estão sendo analisadas. É isso que eu analiso

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

no laboratório. Eu não estou analisando todo o DNA daquela pessoa. Eu estou

analisando uma pequena parte.

Já quando a gente fala de DNA, no meio científico, a gente

está falando de todo o genoma. São 3.2 bilhões de pares de base. Em resumo,

quando faço uma perfilagem, eu analiso só 0,0007% do perfil genético dele em

regiões que não dizem absolutamente nada sobre aquela pessoa.

Como que é feito o nosso trabalho na Polícia Federal? Todo

trabalho começa na coleta. Eu vi a preocupação dos senhores com relação ao

procedimento de coleta. Os Colegas já adiantaram alguma coisa, mas eu acho

que cabe a mim, sim, explicar, porque cada laboratório tem seus

procedimentos, suas instruções e lá nós temos a nossa instrução técnica, que

fala da coleta de material biológico. Então, nós temos a Instrução Técnica nº

29/2016 - essa daí já é uma nova edição. Então, sempre quando tem alguma

atualização, nós publicamos internamente uma nova instrução técnica - essa

não é, de longe, a primeira - e essa instrução técnica dispõe sobre

padronização de procedimentos de coleta, identificação, preservação e envio

de material biológico para exame de genética forense. Então, ela tenta abarcar

toda a atividade do perito de local de crime, desde a coleta no local até os

procedimentos que ele terá que realizar para enviar esse material para o nosso

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

laboratório. Com isso a gente tenta fechar uma boa cadeia de custódia e nós só

vamos processar e inserir em qualquer banco que seja esse perfil genético se a

cadeia de custódia foi bem realizada dentro dos procedimentos que nós

mesmos normatizamos e, claro, procedimentos esses que estão de acordo com

a rede de integrada de banco de perfis genéticos.

Então isso aqui é uma parte da nossa IT - como chamamos -,

Instrução Técnica nº 29, ela fala exclusivamente da coleta de materiais de

referência. Aqui já fala os diversos tipos de amostras de referências que

podemos ter, inclusive os tipos para fins de identificação genética previstos na

Lei nº 12.037/2009 e na Lei nº 7.210/1984, que foram as legislações modificadas

pela Lei nº 12.654.

E já colocamos, logo de início, nos primeiros artigos que a

coleta do material biológico de referência deve ser realizada ou orientada por

um Perito Criminal Federal - no nosso caso Perito Criminal Federal. Ou seja,

para que essa coleta seja feita dentro dos melhores procedimentos possíveis já

normatizados pela nossa área e de acordo com a rede.

Em seguida, no art. 20, a gente diz que: A coleta

compulsória de material biológico deve ser realizada com técnica adequada,

indolor - como já foi dito aqui por outros palestrantes -, e não deve,

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

determinantemente não deve ser realizada a técnica de coleta de sangue.

Então, para a Polícia Federal, nós só trabalhamos com swab oral, no caso.

A coleta compulsória de material biológico para fins de

identificação criminal, ela deve ser realizada mediante despacho da

autoridade Judiciária, em conformidade com o disposto no inciso IV do art. 3º

da Lei nº 12.037/2009.

Então, qualquer caso de investigação onde você tem um

suspeito para ser inserido esse perfil genético, além de todos os cuidados que a

gente tem com a técnica, para ser esse perfil ainda ser inserido, a autoridade

judicial tem que dar despacho favorável.

No art. 23, nós dizemos que, antes da realização da coleta

do material biológico, a pessoa a ser submetido ao procedimento deve ser

informada sobre sua fundamentação legal, na presença de, pelo menos, uma

testemunha, além do responsável pela coleta. E essa informação não é só oral;

essa informação é feita através também de um termo onde a pessoa vai

assinar, vai estar tudo descrito. O que o perito vai fazer então? É simplesmente

ler e esclarecer qualquer dúvida que ainda reste daquela pessoa que está

identificada e a pessoa, então, estando de acordo, assina. A gente tem o termo

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

para coleta compulsória onde a pessoa também vai tomar conhecimento de

todos os aspectos legais que estão envolvidos ali.

Então a gente padronizou um termo, de modo que, em todo

Brasil, nas Unidades de Criminalística da Polícia Federal, todos os peritos vão

utilizar o mesmo procedimento.

Então, no art. 25, nós dizemos que, em caso de recusa, o

procedimento de coleta de material biológico não deve ser realizado, e o fato

deve ser consignado em termo lavrado no momento da coleta, assinado pela

testemunha e pelo responsável pela coleta. E parágrafo único: o responsável

pela coleta deve comunicar a recusa à autoridade competente.

Então, até a recusa, nós também fizemos uma previsão para

que também fosse padronizado o procedimento a ser realizado. De modo

nenhum, vai se obrigar a coleta; apenas vai se fazer constar aquela situação, e a

autoridade competência vai ser informada sobre a situação para que, aí, ela,

sim, tome as medidas consideradas cabíveis. Para perícia o trabalho finalizou

naquele momento.

A coleta de material biológico - então padronizada em

nosso laboratório, em toda a Polícia Federal - é a coleta por meio de swab que

nada mais é do que um cotonete grande, estéril - que passa por um

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

procedimento de esterilização -, e que é vendido por empresas especializadas

da área.

Agora, eu vou precisar da imagem. Há um pequeno vídeo

aqui que demonstra a coleta de material biológico e a simplicidade dela.

Acho que não há problema, porque eu também trouxe um

material para fazer isso. Talvez seja até mais esclarecedor. Posso colocar o

vídeo? Então, vocês podem escolher se querem ver o vídeo ou ao vivo.

Então, nós temos o porta-swab, que também é padronizado

para toda a Polícia Federal. Ele é muito simples e é feito para, inclusive, evitar

eventuais contaminações. Se você pega um swab sem cuidado, ele pode ser

contaminado no transporte. Para isso, nós tomamos esse cuidado.

Toda a coleta é feita com um paramento adequado. No caso

aqui, eu trouxe apenas uma luva, porque é uma demonstração. Mas vocês

viram pelas fotos ali da Perita do Pará, que a Doutora Meiga colocou, que se

toma um cuidado extremo com a pessoa que está sendo coletada e com o

próprio coletor. Então, nós pegamos o swab, que é estéril. Nós temos uma

ponta onde vai haver o algodão e a outra extremidade onde está a ponta

plástica. Rasgamos, retiramos e fazemos a coleta.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Então, nesses poucos segundos, eu já tenho o material

necessário para um exame de DNA, na verdade, um exame de perfilagem

genética. Nós, depois, colocamos no porta-swab, com todo cuidado, e aqui está

um material pronto para ser encaminhado para o nosso laboratório.

Isso é feito para cada pessoa. No caso, por exemplo, de uma

coleta em presídio, cada pessoa teria um kit desse aqui. Todo material é

descartado depois; ou seja, nós utilizamos só materiais descartáveis. A única

coisa que vai permanecer da coleta é o swab e o porta-swab, que será

identificado com todas as informações e encaminhado juntamente com toda a

documentação daquele condenado ou até do suspeito, no caso de uma

investigação em curso, quando temos uma autorização judicial para realizar a

coleta. Espero que tenha sido ilustrativo.

Então, continuando, como é o processamento em nosso

laboratório? Esse swab vai ser aberto e retirado desse porta-swab, para

fazermos o que chamamos de "amostragem", que simplesmente é pegar a

parte que interessa do swab. Aquela haste plástica não é necessária. Nós

pegamos, então, um microtubo e colocamos só a parte do algodão.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Vamos aproveitar enquanto o gráfico está na tela. Nós

temos esse gráfico onde a amostragem está ilustrada. Uma pessoa colocando a

ponta do swab dentro do tubo e vai deixar só a parte do algodão lá dentro.

A próxima etapa é extração. Nós pegamos aquele tubo e

passamos esse tubo por alguns procedimentos químicos. Há kits vendidos por

empresas também acreditadas e mundialmente reconhecidas - não são muitas,

poderia até citá-las, mas não faria sentido -, que inclusive têm essa

preocupação de que sejam materiais isentos de qualquer contaminação. Assim,

essa extração é realizada com esses kits.

Em um terceiro momento, nós temos uma técnica chamada

amplificação, para a qual, no meio acadêmico, utilizamos a sigla PCR, que é a

reação em cadeia de polimerase, no qual você pega aquela pequena

quantidade de DNA - não podemos imaginar que tem muito DNA naquele

swab. Tem pouco DNA; mas a técnica chamada amplificação permite que você

faça centenas de milhares de cópias daquele DNA. O mais importante: ela só

vai amplificar aquelas regiões não codificantes que eu citei lá no início.

Então, quando amplifico, não estou criando milhares de

réplicas do genoma inteiro daquela pessoa, mas simplesmente replicando a

parte que me interessa, só vou ler a parte que me interessa, que é uma região

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

não codificante e que não trará nenhuma informação a mais sobre aquela

pessoa.

E, por fim, a análise que nada mais é a do eletroferograma,

aquele gráfico que já apresentei, onde aqueles picos que vêm com o número

que diz qual o número de cópias daquela sequência que a pessoa teria naquele

marcador.

E, com relação ao armazenamento, também é uma

preocupação. Como produto desse trabalho, temos o produto biológico, o

DNA da pessoa, e temos um resultado que também é um produto. Na

verdade, aquele resultado que servirá para a investigação ou processo em

curso. Então, o que fazemos? Aquele DNA que foi doado, o que sobrou será

guardado como contraprova em nosso laboratório, sob refrigeração, por quê?

Porque é necessário, para qualquer laboratório - o CPP já diz isso -, para

qualquer perícia de laboratório é necessário que haja a guarda de

contraprovas. Então, nós fazemos isso. E o processamento daquele dado, que é

gerado pela a análise do perfil genético, nada mais será do que pegar o gráfico,

chamado de eletroferograma, que sai do equipamento e, automaticamente,

gerar um arquivo, com uma sequência numérica, que resume o dado do

eletroferograma, e, por fim, a inserção disso em bancos de dados. O software

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

que utilizamos como banco de dados, na Polícia Federal, é o CODE, que é

software utilizado no Brasil inteiro e em todos os laboratórios da rede. E, a

partir desse software, a partir do nosso banco interno, então nós temos um

banco interno, que é o Banco Federal de Perfis Genéticos, são encaminhados os

perfis genéticos que estão dentro daquelas regras da rede integrada de banco

dos perfis genéticos. Somente aqueles que estão dentro das regras permitidas

são encaminhados para o Banco Nacional e, através do Banco Nacional, é feito

o confronto com todos os perfis genéticos dos demais laboratórios que

pertencem à rede. Então, vejam que são vários processos, várias etapas onde se

tenta tomar todos os cuidados e regrar-se todas as atividades que estão sendo

realizadas.

Então, tenho alguns dados do Banco Federal de Perfis

Genéticos, vou narrá-los para vocês. Em 2014, nós tivemos um número de 222

perfis genéticos inseridos no total. Isso ocorreu quando estávamos iniciando o

nosso trabalho. Em 2015, tivemos 306; em 2016, 269; e, em 2017, já

conseguimos inserir 69 perfis genéticos. No total, sem dúvida, no caso da

Polícia Federal, o trabalho maior é com os crimes contra o patrimônio.

Colocarei alguns exemplos ao final da apresentação. E já se mostram

cadastradas no BFPG - Banco Federal de Perfis Genéticos - um total, em todos

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

esses anos de trabalho, 1.516 amostras cadastradas no Banco Federal de Perfis

Genéticos, o que nos resultou, até o momento, 96 matches, 96 confrontos

positivos, sejam vestígio/vestígio, vestígio/suspeito. Agora, apresentarei

alguns casos de repercussão. O primeiro caso de repercussão que gostaria de

citar é um caso recente - peguei um recente exatamente por estar na memória

de todos -, aquele ocorrido na fronteira de Foz do Iguaçu, no Paraguai, na

Cidade Del Leste. A explosão de uma central da Prosegur, empresa de valores,

onde foram roubados o equivalente a 120 milhões de reais, um pouco mais de

quarenta milhões de dólares. Esse caso resultou numa operação conjunta na

fronteira, porque a investigação já apontou que a quadrilha vinha do lado

brasileiro. Então foi necessário um trabalho conjunto. E, muito rapidamente, os

peritos de Foz do Iguaçu realizaram diversas diligência para analisar os locais

de crime. Um dos locais de crime foi a residência que foi utilizada pelos

criminosos como quartel-general. Então, era um local de crime muito

importante para a investigação, porque, teoricamente, senão todos, mas quase

todos os envolvidos poderiam ter passado por aquele quartel-general, era a

base deles.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Além disso também foram arrecadados alguns veículos,

veículos abandonados, veículos que poderiam estar relacionados com o caso,

veículos em fuga, e todos esses materiais foram coletados.

Então, ao todo, foram mais de 300 vestígios biológicos.

Além de todos os vestígios encontrados em local que poderia ter outra relação,

vestígios balísticos, vestígios vários, só de vestígios biológicos, nesse único

caso, foram mais de 300. Então, que outra técnica poderia ajudar a fazer uma

análise de 300 vestígios e de uma forma rápida? No caso, a aposta foi o DNA.

Em dez dias de trabalho contínuo - ainda continua o trabalho -, mas, em dez

dias, já conseguimos confirmar seis suspeitos. Foi o trabalho realizado até

semana passada. Já temos seis suspeitos confirmados, pessoas que já estavam

presas provisoriamente e que agora o juiz tem mais confiança em mantê-las

presas.

Além do mais, o mais importante, o diferencial do banco de

dados, através do banco de dados e da inserção dos perfis oriundos dos

materiais biológicos, nós já conseguimos fazer uma correlação desse caso com

outro caso, também no âmbito da Polícia Federal, demonstrando que a gente

pode, dessa forma, desarticular uma grande quadrilha. Eu não estou falando

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

de um único criminoso. A gente está falando de uma quadrilha de crime

organizado que tem um potencial muito grande de dano para a sociedade.

Também citando, lá em Foz do Iguaçu, eles estão com um

problema muito grande com relação ao PCC. Por exemplo, ano passado,

também teve uma outra investigação ajudada nesse âmbito que, inclusive,

culminou com a morte de um agente penitenciário na mesma cidade. Isso

ocorreu provavelmente entre outubro e novembro do ano passado.

Novamente a perícia em genética ajudou a correlacionar suspeitos daquele

caso.

Por fim, um último caso que eu gostaria de apresentar é um

caso demonstrando como o DNA também inocenta. Foi um caso um pouco

mais antigo, um caso de estupro ocorrido em Tocantins, com a Senhora Isabel

Barbosa Pereira, um estupro seguido de homicídio. Isabel tinha 34 anos à

época e foi assassinada com sinais de violência sexual. O corpo foi encontrado

no dia 28 de junho de 2009 num terreno baldio, na cidade de Xambioá, cidade

onde ela morava no Tocantins. Nós recebemos no nosso laboratório alguns

materiais. Na verdade, boa parte deles eram as vestes da própria vítima, a

blusa, a saia e a peça íntima que ela utilizava naquela data. Para o caso,

existiam cinco suspeitos que a investigação apontava como prováveis ou

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

possíveis agentes desse crime. Fizemos, então, a perfilagem, fizemos a análise

de perfil genético do material encaminhado e encontramos na peça íntima

material compatível com um perfil masculino. Fizemos a correlação confronto

com os perfis obtidos daqueles cinco suspeitos. O que foi concluído? Nenhum

dos cinco suspeitos era de fato o agente, ou pelo menos agente do estupro.

Poderiam estar até relacionados de qualquer outra forma, mas não com o

estupro. O estupro era uma outra pessoa que não estava até o momento

identificada.

Esse caso levou muitos anos para ser elucidado. Era um

caso muito complexo. Depois, verificou-se que havia diversas frentes aí. Na

verdade, ela foi assassinada como queima de arquivo num processo de eleição

municipal. Foi um crime planejado pelo próprio marido, Sérgio Mendes da

Silva - isso é público, retirei de algumas reportagens. Foi executado por

Anderson de Araújo Souza e Roseli Francisco Alves da Silva - foram as

pessoas contratadas pelo próprio marido para assassiná-la. E a motivação foi

queima de arquivo. Então, Sérgio havia recebido 40 mil reais para depor em

processo de compra de votos contra o Prefeito da cidade, e a Isabel teria

ameaçado revelar todo o esquema planejado pelo marido. Por conta disso, ela

foi assassinada.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Concluo a minha apresentação trazendo alguns dizeres da

Doutora Jennifer Doleac, economista americana, que fez, em 2016, um

apanhado, um estudo sobre os efeitos dos bancos de dados de DNA no crime,

na investigação criminal. E, nos Estados Unidos, segundo o estudo dela, houve

um aumento equivalente a 10% no banco de dados, um aumento equivalente a

10%; a inserção de dados nesses bancos de dados leva a uma redução de 5.2%

dos homicídios 5.5% dos estupros. Então, a cada 10% de amostras biológicas

que se processa e envia os perfis genéticos, tem-se essa redução efetiva.

O custo para evitar um crime hediondo nos Estados

Unidos, aumentando o policiamento, seria de vinte e seis mil dólares para

cada crime violento; aumentando as penas, seria um custo de,

aproximadamente, sete mil e seiscentos dólares; e, alimentando o banco de

DNA, ter-se-ia um custo de seiscentos dólares por crime violento elucidado.

E, por fim, ela também disse que há um efeito dissuasor; ela

observou que diminui a reincidência. Como o Mauro Magliano trouxe bem

aqui, a taxa de reincidência no Brasil é altíssima. Fazendo um paralelo, nos

Estados Unidos, ela conseguiu observar que há esse efeito dissuasor e diminui

a reincidência e aumenta a taxa de detecção do reincidente. Então, quando há

reincidência, também há uma maior probabilidade de identificar esse

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

reincidente, porque os seus dados já estão disponíveis num potencial

confronto.

Por fim, gostaria de agradecer, em nome do nosso

laboratório, a oportunidade mais uma vez e de me colocar à disposição para

sanar eventuais dúvidas.

O SENHOR FLÁVIO LÉLLIS (DEFENSOR PÚBLICO

FEDERAL) - Gostaria de saber qual a empresa que fornece esse material, se é

uma empresa nacional.

O SENHOR RONALDO CARNEIRO DA SILVA JÚNIOR

(PERITO CRIMINAL DO INSTITUTO NACIONAL DE CRIMINALÍSTICA) -

Não, são empresas multinacionais.

O SENHOR FLÁVIO LÉLLIS (DEFENSOR PÚBLICO

FEDERAL) - Sabe o custo, mais ou menos, do kit?

O SENHOR RONALDO CARNEIRO DA SILVA JÚNIOR

(PERITO CRIMINAL DO INSTITUTO NACIONAL DE CRIMINALÍSTICA) -

O custo dos kits?

O SENHOR FLÁVIO LÉLLIS (DEFENSOR PÚBLICO

FEDERAL) - Isso.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

O SENHOR RONALDO CARNEIRO DA SILVA JÚNIOR

(PERITO CRIMINAL DO INSTITUTO NACIONAL DE CRIMINALÍSTICA) -

Na verdade, hoje em dia, a gente não trabalha com custo de kit, a gente

trabalha com custo de amostra, porque o exame de DNA, como foi visto ali,

tem diversas etapas. Então, um kit, existem kits, por exemplo, o kit mais

utilizado hoje em dia, de amplificação, é um kit que vem quatrocentas reações,

ou seja, a princípio, você conseguiria fazer quatrocentas amplificações. O custo

de um exame de DNA, hoje em dia, está chegando em torno de cem dólares.

Então, tem-se um perfil chegando a este valor de cem dólares. Está ficando,

cada vez mais, acessível também.

No nosso laboratório, a gente trabalha no sistema de placas,

então, não se trabalha apenas com uma amostra, faz-se sequencialmente várias

amostras, reduzindo ainda mais o custo, e fazemos isso de forma

automatizada; adquirimos já, desde 2015, um robô que faz toda essa parte de

pipetagem, amostragem e criação das placas. É um robô calibrado, está dentro

do nosso sistema de qualidade. É mais um ponto que fortalece o nosso exame,

tendo em vista que afastamos um potencial erro humano dentro do

laboratório, utilizando essas novas tecnologias.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Então, no exame de DNA, principalmente, o avanço da

tecnologia, o acompanhamento desse avanço é muito importante porque traz

ainda mais segurança à informação que a gente está transmitindo para os

senhores.

O SENHOR FLÁVIO LÉLLIS (DEFENSOR PÚBLICO

FEDERAL) - Só para encerrar, Senhor Presidente, falou-se muito da

reincidência e, pelo que pude perceber, a maior preocupação de vocês é com o

serial killer. Se entende que o serial killer, no estupro, que só pratica o estupro,

ou que, depois, mata as vítimas, que ele se desmotivaria em relação à

existência desse banco de dados?

O SENHOR RONALDO CARNEIRO DA SILVA JÚNIOR

(PERITO CRIMINAL DO INSTITUTO NACIONAL DE CRIMINALÍSTICA) -

Qual seria o efeito? Ele saberia, por exemplo, se ele já tivesse sido condenado,

ou sido um suspeito daquele crime de estupro, por exemplo, se a autoridade

judicial nos permite inseri-lo no Banco, ou se ele já foi condenado, e,

compulsoriamente, o perfil dele foi para o Banco, ele sabendo que o perfil dele

está no Banco, ele sabe da chance, aliás altíssima no caso de estupro, porque

quase que inevitavelmente você tem o sêmen ou até outros materiais

biológicos oriundos do estuprador, então, ele, ao menos, saberia que o perfil

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

genético dele está disponível, e que, a menos que ele sumisse com a vítima,

mas, havendo ali o corpo da vítima, seria quase que inevitável a gente chegar à

conclusão de que ele seria o agressor. Então, nesse ponto, sim, agora, a mente

humana tem diversas formas de pensar e não há como você garantir. Agora,

que isso daí tem um efeito dissuasor, o estudo dos Estados Unidos apresentou.

O SENHOR FLÁVIO LÉLLIS (DEFENSOR PÚBLICO

FEDERAL) - Muito obrigado.

O SENHOR RONALDO CARNEIRO DA SILVA JÚNIOR

(PERITO CRIMINAL DO INSTITUTO NACIONAL DE CRIMINALÍSTICA) -

De nada.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) -

Passo agora a palavra à Doutora Maria Christina Marina, perito criminal,

também pelo prazo de 40 minutos.

A SENHORA MARIA CHRISTINA MARINA

(ENGENHEIRA BIOMÉDICA) - Bom dia a todos. Meu nome é Cristina, eu sou

perita criminal do Estado do Paraná e eu estou deslocada para o Ministério da

Justiça como colaboradora para assuntos de DNA. Eu vim para tentar ajudar

os Estados que têm mais necessidade a comprar material de DNA, a se

equipar e entrar no banco de dados, na RIBPG

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

A minha apresentação talvez se prejudique um pouco para

vocês, porque eu precisaria de imagens para vocês entenderem o que eu vou

falar. Mas, assim mesmo, eu vou tentar fazer com que vocês entendam e que

não seja enfadonho para ninguém.

Eu vou dividir a minha apresentação em dois assuntos bem

distintos. Eu vou falar um pouco do Plano Nacional de Segurança Pública,

porque eu estou representando o MJ, aqui. E não sei se é do conhecimento de

todos que, a partir de fevereiro, março, foi instituído um Plano Nacional de

Segurança Pública, onde pessoas sentaram e tentaram levantar necessidades

para toda a nossa nação.

Os objetivos principais seriam a redução de homicídios

dolosos, o feminicídio, violência contra a mulher.

Se eu falasse só desse objetivo, já encerraria a minha

apresentação em relação a importância do DNA no Plano Nacional de

Segurança Pública, pois o que que a gente viu até agora, de ontem para hoje?

Nós vimos tentativa de reduzir homicídio através do levantamento de perfis

genéticos, feminicídios e a violência contra a mulher, que é o nosso principal

mote nesse caso.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Então, se a minha apresentação se encerrasse nisso, em

relação ao Plano Nacional, eu já estaria satisfeita.

Outro objetivo é a racionalização, modernização do sistema

penitenciário, combate à integração. Eu só coloquei outros objetivos para

ilustrar, para também não puxar só para o nosso lado essa explanação.

Eles dividiram em três ações principais: capacitação,

inteligência e atuação conjunta. Dentro da capacitação, eles decidiram chamar

vários diretores de academia, com o objetivo de formular matrizes, de tentar

estipular princípios para a formação policial; elaboração de estatísticas de

mensuração de eficácia de atividade da polícia judiciária, entre outros tantos

objetivos. Está no site da Justiça isso, qualquer pessoa pode acessar.

Dentro do que eles chamaram de inteligência, eles

resolveram que o mais importante seria compartilhamento de informações

georeferenciadas de câmaras nos estados todos. Se nós tivéssemos essas

câmaras no Estado do Paraná, na minha cidade, em Curitiba, hoje estaria

elucidado aquele crime da menina da mala. Não sei se todos recordam da

Raquel, que nós já levantamos o perfil genético de mais de 140 suspeitos. Uma

menina que foi violentada, foi deixada numa mala na rodoviária em Curitiba.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Então, se a gente tivesse já esse georeferenciamento, hoje nós estaríamos com

esse crime parcialmente elucidado.

E entre as eficiências de inteligência, o compartilhamento de

dados decorrentes de operações conjuntas. Como o senhor perguntou, eu

acredito que a gente tenha que trabalhar conjuntamente com todas as polícias.

Nós, dentro da nossa investigação, e a polícia judiciária com a investigação

deles. Eles nos solicitam e a gente faz o exame que eles nos solicitarem.

Dentro do que eles chamam de atuação conjunta, além de

outras tantas coisas, existe o que eles chamaram de DNA das armas, que não

tem nada a ver com o nosso DNA. É o DNA do objeto arma de fogo, para que

esse objeto seja conhecido dentro de um banco de dados, para que possa ser

rastreado.

Outra ação que nos faz importante, para nós

particularmente, é a instalação de laboratórios centrais de perícia criminal,

para apoio dos estados. Isso já está sendo orçado. Nós estamos numa ação

conjunta. A doutora Claudine, que trabalha comigo, está ajudando nisso

também. A gente está fazendo um orçamento para que a gente consiga instalar

laboratórios centrais para ajuda de todos os estados.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

E, por fim, que é o do nosso interesse, ampliação da

inserção dos perfis genéticos no banco de dados de DNA. Ou seja, o Plano

Nacional de Segurança Pública, estipulado por pessoas conhecedoras, que

sentaram e "vamos estipular as necessidades de segurança pública para a

nossa nação", chegaram à conclusão que um dos pontos principais na atuação

conjunta deste plano seria ampliação da inserção dos perfis genéticos no banco

de DNA. Pronto. Eu estou satisfeita em relação a isso. É o que nós precisamos,

é o que nos dá voz na palavra dos nossos dirigentes. Para mim, é o que eu

preciso que eles me digam: vocês estão certos, vamos ajudar, vamos investir

em vocês.

Até o momento, doze estados já assinaram um pacto

federativo de participação do Plano Nacional. A ideia é que, até o final do ano,

vinte e seis estados e o Distrito Federal estejam incluídos. Vamos pedir em

Deus que isso aconteça.

As metas desse plano são: a redução em 7% de homicídios

nos municípios abrangidos pelo plano, que não são todos, a princípio; e, até

2017, em todas as capitais. Ou seja, como eu às vezes digo nas nossas reuniões,

não é um plano feito por um espasmo do planificador: "Ah, vamos fazer

alguma coisa!" Não, é um plano que está sendo jogado para o ano que vem,

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

para o outro ano, com metas que podem ser alcançadas. E, dentro da violência

doméstica, aumento da celeridade das investigações, processos em 20% dos

municípios.

Então, em relação ao Plano Nacional de Segurança Pública,

eu gostaria até que vocês pesquisassem na internet, ele está todo descrito no

site da Justiça, é bem interessante, e o Banco de Perfis Genéticos nos coloca em

evidência.

Eu vou falar um pouco sobre identificação humana, que é o

meu mote, o meu conhecimento um pouco maior, porque a gente nunca sabe

nada, só vai aprendendo ao longo do tempo. E gostaria muito que

aparecessem as imagens, porque ilustraria bastante o que vou falar.

A identificação humana não se faz em um objeto, ela se faz

num processo de identificação, ela se faz em várias etapas de identificação. A

identificação é uma soma de caracteres que individualizam uma pessoa.

Talvez eu seja um pouco acadêmica, é uma aula que dou no mestrado, mas é

bem ilustrativa.

O processo de identificação vai determinar a identificação

ou a não identificação, como nós já vimos aqui, os nossos colegas falaram da

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

não identificação da pessoa, ou seja, aquela pessoa não é quem nós estamos

procurando. Então são alguns processos.

Dentre os processos de identificação, existem as

identificações conclusivas e as não conclusivas. As conclusivas são as

absolutas. A impressão digital é conclusiva, como o nosso colega disse, eu

estou deixando a minha impressão digital em tudo, vocês também. A arcada

dentária - e uma das minhas formações é em odontologia, sou odontóloga

legal também - é um processo de identificação maravilhoso que pode ser

utilizado. O desenho do palato é como uma impressão digital, nós nascemos

com o desenho do palato e morremos com esse desenho. Desenhos dos seios

faciais, eu posso utilizar a radiografia dos seios faciais para fazer um

confronto. As impressões labiais também são únicas, e o nosso DNA.

As não conclusivas. Tipagem sanguínea, porque é comum a

várias pessoas, eu posso ter a mesma tipagem sanguínea que qualquer um de

vocês. Marcas e tatuagens, que também podem ser comuns a várias pessoas. A

identificação visual e as medidas antropométricas, a antropometria. A

identificação visual, como nós vimos aqui ontem, dois casos foram resolvidos

com um mesmo retrato falado, visualmente, não teve mais nenhum tipo de

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

ajuda nisso. É uma identificação não conclusiva. Existem duas pessoas presas

por esse tipo de identificação.

Uma coisa importante são os requisitos técnicos para uma

identificação ser válida. Um dos requisitos é a imutabilidade. O que você usa

para identificar uma pessoa tem que ser imutável. Os meus olhos são

castanhos, eles não vão mudar ao longo da minha vida, mas vão mudar depois

que eu morrer, então não é uma característica imutável. O que eu uso tem que

ser perene, tem que nascer comigo, morrer comigo e continuar depois da

minha morte. E precisa ter praticabilidade, ou seja, eu tenho que ter uma

possibilidade de utilizar: custo, facilidade de obtenção, etc.

Classificabilidade. Como eu falei, a odontologia legal é

perfeita, só que não posso ter um armário com todos os modelos de todas as

pessoas que eu precisar identificar. Não é classificável, você pode identificar,

mas não é prático.

Então os métodos e os processos de identificação são estes

quatro: a antropometria - que cabe a antropologia e a biometria -, a

papiloscopia, a odontologia legal e o DNA. Eu vou tentar falar rapidamente

sobre todos eles que já está complicando aqui.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

A antropometria, a gente usa de características

morfológicas, de características cromáticas, implantação de sobrancelha,

medidas do corpo, medida da envergadura, medidas de membros. É o que vai

fazer com que eu diferencie a mim de uma outra pessoa qualquer, ou o senhor

de uma outra pessoa qualquer que esteja aqui dentro. Eu olho e digo: a

implantação da sua sobrancelha é diferente, a cor da sua pele é diferente. Isso

que vai me dar a antropometria.

É uma pena agora que vocês não tenham acesso às imagens,

porque seria bastante interessante que vocês vissem essas imagens que eu vou

colocar aqui para a frente.

Eu tirei umas imagens do General Douglas Macarthur e de

um ator de filmes - se vocês tiverem a oportunidade de procurar na internet é

muito interessante. O General Douglas Marcarthur é idêntico ao Bruce Willis!

Eles são extremamente parecidos, e é uma coisa que a gente poderia olhar e

confundi-los.

Existe um psiquiatra alemão, Hermann Rorschach, que

inventou aquela técnica das manchas - que é você olhar a mancha, e ele

identificar que tipo de personalidade você tem, isso em 1800. Ele é idêntico ao

Brad Pitt! Então, se você olhar para um e para o outro, você pode confundi-los,

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

como aconteceu nos casos que nós verificamos aqui. Isso seria muito

interessante vocês verem.

Um retrato falado. Eu tenho uma imagem de 1650, do Rei

Filipe IV, é uma imagem, uma pintura - não existia fotografia aquela época,

era uma pintura-, ele é absolutamente idêntico - se eu fizer o retrato dele - ao

Mark Zuckerberg, que inventou o Facebook. Eles são idênticos! Então, eu

poderia confundi-los perfeitamente numa imagem escrita.

Eu coloquei aqui também aquela imagem do rapaz que foi

confundido. Uma mulher foi assaltada e reconheceu aquele ator, como se fosse

o seu agressor. Ele ficou dezesseis dias preso. Ela dizia, no depoimento, que

ele era negro, tinha o cabelo black power e estava vestindo roupa preta. É

aquele? É aquele. Ele ficou preso dezesseis dias!

Eu me lembro dessa reportagem. Ele saiu careca da

penitenciária. Em dezesseis dias, ele emagreceu uns nove ou dez quilos dentro

da penitenciária. Uma pessoa de bem, uma pessoa honesta que, se ficasse mais

tempo na cadeia, como que ele ia sair? Honesto ainda? De bem? Ou teria

aprendido alguma técnica nova que nós desconhecemos? Por sorte, a pessoa se

retratou, ele ficou só dezesseis dias preso.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Tem um outro caso de um rapaz do Mato Grosso que ficou

dois anos preso injustamente. Ele foi confundido com o irmão. O irmão dele

tomou a moto dele para passear e assaltou várias pessoas. Uma das pessoas, a

primeira pessoa, reconheceu que era ele. A segunda reconheceu que se

enganou. E a terceira não tinha certeza. O reconhecimento foi só visualmente,

só antropometricamente que ela teve acesso a isso. Esse rapaz ficou dois anos

na cadeia, dois anos na cadeia! Um menino que tinha família, que tinha

emprego e ficou injustamente dois anos na cadeia. E o irmão dele quieto,

enfim.

Também é uma pena que não apareçam as imagens!

Tem um caso - nessa busca que a gente quer convencer ou

mostrar a importância de outros métodos de identificação - de 1901, numa

penitenciária do Kansas. Existia uma forma antropométrica de se identificar as

pessoas que entravam na penitenciária. Isso é muito emblemático, porque era

a forma como era usada. A pessoa, quando entrava numa penitenciária, era

identificada como? Por fotografias, medidas de envergadura, altura e

membros e por implantações. Faziam várias medidas e faziam fotografias. Aí o

arquivista dessa penitenciária foi fazer a medição de uma pessoa que estava

entrando e falou assim: não, você já esteve aqui. Ele falou: não, eu nunca estive

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

preso. Não, você já esteve preso, as medidas são muito semelhantes e a

fotografia é muito semelhante. Ele falou: não, eu nunca estive. Foram procurar

nos arquivos, era uma outra pessoa, muito parecida, por coincidência, negro,

alto, forte e pobre. E era outra pessoa que já estava internada, ou seja, poderia

ser confundida. A partir desse momento emblemático, começou-se a usar mais

a impressão digital.

Foi pela impressão digital que viram que esse menino não

era esse menino, era o outro. Eram pessoas diferentes - é uma pena, a imagem

é bem interessante. Aí começou-se a usar a papiloscopia. A papiloscopia,

ótimo, resolveu nosso problema, para que que a gente vai perder tempo com

DNA? Vamos para casa. A papiloscopia resolve todos os nossos problemas. A

gente pode tirar a impressão digital, que é tirada hoje. Quando um condenado

entra na penitenciária, é tirada a sua fotografia dele e a impressão digital.

Pronto. Nós não precisamos de mais nada.

Só que a gente vai se deparar com um caso que - eu vou ser

repetitiva, é uma pena, porque a imagem é muito interessante - eu atendi, em

Curitiba, numa época em que eu fazia local de morte, onde foi encontrado um

homem decomposto, em que, antropometricamente e biometricamente, não se

poderia ver quem ele era e ele estava com as mãos decepadas. Cadê a nossa

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

papiloscopia tão valente e tão eficaz? Acabou-se aí. Eu tenho um corpo inteiro,

cheio de DNA, eu não preciso das mãos dele, mas, enfim, é o que temos para

hoje.

Outro problema - que também a imagem é muito

interessante - são as amputações. Eu tenho uma imagem aqui, com uma mão

com três pedaços de dedo. Tenho outra mão com dois dedos e outras mãos,

que nós conhecemos, que têm um pouco mais de dedos, o que também

dificulta a papiloscopia. Existem relatos de presos ou de suspeitos que chegam

a destruir as suas próprias cristas papilares, para que não sejam identificados

papiloscopicamente. Existe uma síndrome, chamada Síndrome de Nagali, em

que a pessoa nasce sem as cristas papilares. Existem produtos químicos que

fazem com que você perca as cristas papilares. A minha crista papilar é muito

difícil, porque eu tive contato com consultório odontológico por muitos anos.

E eu usei luva talcada. O talco fez com que as minhas papilas fossem

apagadas, elas são rasas, então eu sempre tenho dificuldade para ser

identificada assim.

Eu gostaria que vocês vissem - só para falar da odontologia

legal, que é um dos processos de identificação - a imagem de um carbonizado -

é uma imagem do Dr. Maltus, que trabalha aqui no DF. É um corpo

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

carbonizado em um DVI, disaster victim identification, onde eu, como dentista,

consigo ver que, em uma arcada carbonizada, tem vários implantes e que, se

eu tiver uma radiografia da família - em casos de DVI a família traz

fotografias, sorriso, radiografias -, eu poderia identificar essa pessoa. Eu tenho

uma imagem da radiografia que a família trouxe e do corpo, e os implantes

são na mesma posição. O dentista que tem o seu arquivamento bem feito vai

ter o número desse implante, que vai estar no implante colocado na pessoa. Já

está identificado, mas, como eu disse, não é classificável, não é armazenável

isso. Só para falar da odontologia legal.

Tem uns outros casos de uma moça que morreu e que foi

identificada através de um sorriso. A única coisa que a pessoa tinha na época

era uma fotografia com um sorriso bem amplo dela, e foi feito o desenho dos

defeitos dos dentes que ela tinha, que todos nós temos - uma fratura, um

desgaste por abrasão - e ela foi identificada só por uma fotografia, porque na

época não tinha o DNA também. Foi encontrado o corpo dela depois, depois

de muito tempo, decomposto; e ela foi identificada apenas pelo sorriso.

Eu tenho um caso aqui bastante chocante de violência

doméstica, de uma criança que chegou ao IML de Curitiba com marcas de

mordida pelo corpo inteiro. É bem chocante as fotos que eu tenho. Nós

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

fizemos a medição dessas marcas, nós fizemos a moldagem dessas marcas com

um material que moldagem que, provavelmente, todos vocês já passaram por

isso no dentista. E aí se chegou à conclusão, pela profundidade dessas marcas

e pela extensão das marcas, que a pessoa usava aparelho. E foi identificado

que o pai usava aparelho, mas, no corpo dessa criança, onde ela tem a

bochecha com uma sucção muito grande, tem marcas de cigarro, tudo isso

aparece aí, nessa sucção ficou o DNA do agressor. Então, nós identificamos, a

princípio, a gente afunilou essa investigação para pessoas que usavam

aparelho e chegamos no pai dessa criança, que era o pai, mas não era presente.

Aí, dentro da odontologia legal, coisas que a gente poderia

falar. O que que a odontologia legal vai ajudar em identificação humana?

Ajuda em marcas de mordida e identificação em DVI. Bom, e daí eu falei tudo

isso para quê? O último processo de identificação é o DNA. O que que fala o

DNA? O DNA me coloca uma célula do meu pai e uma célula da minha mãe,

que vão entrar em contato. Essa célula do meu pai tem metade do DNA e da

minha mãe tem metade do DNA, porque a multiplicação é diferente: é mitose,

não é meiose. Essa célula, o espermatozoide, entrou em contato com o ovócito

da minha mãe. É metade e metade. Formou-se um DNA, que metade é da

minha mãe, metade é do meu pai. A partir do zigoto, que é essa primeira

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

célula que vocês veem ali, a partir desse momento, eu já tenho um DNA. É

meu, único, imutável, perene. Todas as outras células que vocês estão vendo

ali, das divisões, são todas idênticas, não vão mudar. A partir do meu zigoto,

que é a primeira célula, até a minha esqueletização. Lógico, tudo se acaba no

tempo. Mas vai demorar um tempo bastante razoável. E nós temos técnicas

hoje para fazer com que a gente consiga, de um fragmento muito pequeno de

DNA, a gente vai conseguir tirar um DNA que identifique aquele fragmento

de osso, aquele fragmento de pó que alguém ache que possa ser um osso.

Então, o DNA da minha primeira célula até a minha completa esqueletização

vai ser o meu DNA. Ele não vai mudar, ninguém vai poder amputar isso,

cortar pela metade, ou deteriorar a ponto de a gente não conseguir isso. A

gente tem estudos de DNA com carbono, de séculos, e as tecnologias vão

melhorar.

O doutor Ronaldo já mostrou como é feita a coleta bucal. É

feita com aquilo que a gente chama de bolt, ou um swab, é feito em coleta, um

armazenamento, a discrição disso tudo já foi feito, e aqui está o DNA. Isso aqui

é o eletroferograma, que infelizmente na apresentação do Dr. Ronaldo não

apareceu. Quando a gente joga isso num sequenciador, depois de todas as

etapas, é isso que nós temos: uma sequência de números. A única coisa que

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

identifica que isso é um perfil de uma mulher, porque é XX. O primeiro pico

diz que eu sou uma mulher, porque esse é o meu DNA também. Vocês podem

fazer o que vocês quiserem com ele; ele está no banco de dados, porque, como

a Debbie falou ontem com muita propriedade, é uma coisa emocionante o que

ela falou, mas se você extrair coisas pequenas do que ele falou, ela disse que o

DNA, o meu perfil genético não me incrimina, ele me identifica. Eu posso

pegar esse DNA e colocar num banner e levar a uma manifestação. É só a

minha identificação; é o meu nome genético; não está me incriminado; não

está me ligando a crime nenhum; só está dizendo que eu sou filha do meu pai

e da minha mãe e que eu sou eu; e esse perfil é único, é meu e não vai acabar

mesmo depois da minha esqueletização.

E como se falou ontem, também com bastante propriedade,

o DNA é como uma impressão digital, só que não deteriora e não envelhece

como a gente infelizmente. A gente podia ser (ininteligível)

Mas, enfim, o nosso DNA, foi bastante coincidente essas

duas falas, tanto da Debbie quanto do Doutor Ingo, porque era uma coisa que

eu iria dizer: o meu DNA, assim como de todos os meus colegas, está no banco

de dados; está lá o meu perfil, porque nós fazemos parte de um staff que

trabalha com isso. O senhor havia perguntado o que que a gente faz para as

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

misturas, ou para não contaminar. Já houve casos, há dezenas de anos atrás,

talvez não tantas dezenas, que houve a contaminação de uma impressão

digital de uma pessoa, de um perito, há muito tempo atrás. Então, erros, como

o Doutor Mariano falou, existe, existem erros. Má intenção? Eu acredito que

todo mundo está trabalhando como eu: com boa intenção. Assim como eu

acredito nas instituições desse nosso país. Eu acredito aonde estou pisando; eu

acredito na Defensoria; eu acredito na Procuradoria; eu acredito na Justiça.

Todo mundo está trabalhando para que dê certo, não para que dê errado. Os

meus colegas estão fazendo tudo, como já falado por outros colegas aqui, os

colegas que trabalham no local, eles estão fazendo tudo dentro de um

protocolo, e dentro de um padrão; e o DNA deles está tipado e foi jogado no

também CODIS também, no bando de dados também. Se acontece algum

problema, que nunca aconteceu, graças a Deus, a gente sabe que houve um

problema e vamos refazer, porque, como falou o Doutor Ronaldo, nós

mantemos a contraprova que a gente pode repetir o material.

Um dos protocolos de quando a gente tem uma exclusão é

repetir o material, porque pode ter sido contaminado. Excluiu, não é o pai,

vamos refazer, eu posso ter contaminado. E como o Doutor Ronaldo falou que

nós estamos chegando a um número de oito, nove octilhões de vezes mais

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

provável que aquele DNA que estou levantando é daquela pessoa e não de

outra qualquer do mundo, significa mais ou menos assim: somo quantos? Sete

bilhões no mundo todo? Sete octilhões é a passagem como se eu tipasse todo

mundo, várias e várias vezes, e dissesse: realmente, entre todos os sete bilhões,

várias vezes, faça uma conta de 7 bilhões dividido por sete octilhões, eu passei

várias vezes no mundo inteiro e é esse o DNA dessa pessoa; não existe

possibilidade de ser de outro; pode ser que seja de um alienígena.

Então, desculpem a minha forma enfática de falar, era mais

ou menos o que eu tinha que falar.

E em relação às tecnologias, só para ilustrar, não sei se eu

ainda tenho um pouco de tempo. O que são as tecnologias? "Ah, a gente não

precisa de tecnologia, temos a impressão digital, a visualização!"

Eu li um artigo uma vez sobre tecnologia que falava que, no

manual do Ford "bigode" de 1929, a última frase era "conserve este manual,

pois a tecnologia nunca vai conseguir superá-lo". Portanto, a tecnologia vai

avançar sempre. Já temos notícias - temos um perito no Paraná que está

fazendo doutorado nisso - de que existem equipamentos e formas de levantar

o DNA que, de um fragmento muito pequeno dele, nós conseguimos

identificar uma pessoa.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Então, é a defesa que eu faço do meu trabalho emocionado

por relatos como o que a Debbie fez, sobre o qual falei para ela "você é a voz

de muitas meninas". Há duas semana - e faz dois meses que estou no Distrito

Federal -, duas meninas foram estupradas aqui, e não tiveram a voz que teve a

Debbie. É um drama para a mulher. Como o doutor (ininteligível) falou "é só

sexo!" Mas não é só sexo! É uma violência para a mulher. É uma violência

pensar que alguém possa fazer isso. E nós estamos trabalhando para que isso

seja minimizado. Acabar não vai, porque a raça humana de boa não tem

grande coisa, e nós sabemos disso. Nós não somos bons. Mas nós podemos

tentar minimizar com nosso trabalho, com as tecnologias que estão crescendo.

Eu respeito muito o meu trabalho e o de todo mundo que está aqui que lida

com isso.

Obrigada!

O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-

GERAL DA REPÚBLICA) - Por favor, eu gostaria de fazer umas perguntas

breves.

Do ponto de vista jurídico - talvez o Ministro Gilmar por

ora não possa se manifestar -, acho que a classificabilidade das informações é

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

muito relevante para nós, da perspectiva da necessidade na

proporcionalidade.

Eu queria que a senhora fizesse uma explanação, e não

precisa ser muito complexa, para explicar por que é preferível e factível

classificar - ou seja, guardar, ter amostras de DNA -, guardá-las e as ter em

milhões; e não o é os outros métodos, não só quanto ao armazenamento, mas à

busca. Queria, por favor, essa informação.

A SENHORA MARIA CHRISTINA MARINA

(ENGENHEIRA BIOMÉDICA) - Nós temos casos, por exemplo, de locais que

têm uma pegada, uma impressão plantar. Eu me lembro que, quando eu entrei

no instituto de criminalística, nós tínhamos essa pegada em um molde de

gesso. Por muitos anos, ela ficou lá. O senhor imagine se nós tivéssemos que

guardar todas as pegadas em um armário, ou se nós fizéssemos um modelo

com a minha envergadura, o meu tamanho, a minha máscara facial, mortuária,

como existem pessoas que as fazem. Em vez de guardar isso em um armário,

eu guardo em um pen drive. Esse perfil genético que vocês estão vendo sou eu

e não outra pessoa - não existe essa possibilidade. Isso vocês guardam em um

pen drive, em um mínimo armazenamento.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Então, eu acho que a classificabilidade entra nisso. É

classificável e absoluto, já que muitas pessoas têm 1,72 m como eu tenho - isso

não é classificável.

Não sei se fui clara, desculpe.

O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-

GERAL DA REPÚBLICA) - Foi bem clara.

Então, eu posso fazer afirmação de que, de todas as

informações de precisão absoluta, o DNA é aquela de maior classificabilidade?

A SENHORA MARIA CHRISTINA MARINA

(ENGENHEIRA BIOMÉDICA) - Até hoje - lembre-se do Ford 1929 -, sim. É a

forma de mais fácil armazenamento, classificabilidade, imutabilidade,

perenidade que nós podemos ter.

Mesmo quanto à impressão digital, há muito tempo - hoje

também se pode digitalizar isso -, tínhamos aqueles arquivos decadáctilos, que

ocupavam salas e salas com os nossos dez dedos ali.

O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-

GERAL DA REPÚBLICA) - A pesquisa, a recuperação do dado do DNA é

mais eficaz, mais rápido que todos os outros métodos também?

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

A SENHORA MARIA CHRISTINA MARINA

(ENGENHEIRA BIOMÉDICA) - A pesquisa que o senhor diz é do começo ao

fim?

O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-

GERAL DA REPÚBLICA) - Uma vez tendo duas amostras. Não, não, a

comparação de amostras.

A SENHORA MARIA CHRISTINA MARINA

(ENGENHEIRA BIOMÉDICA) - Sim, é muito visual. Porque, quando eu faço...

O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-

GERAL DA REPÚBLICA) - Não. Perdão, eu digo velocidade. Quando eu

precisar informaticamente, rapidamente, saber se essa amostra do local do

crime corresponde a um suspeito, é a de todas a mais rápida? Por exemplo, se

eu tiver que fazer uma pesquisa, uma varredura no catálogo inteiro.

A SENHORA MARIA CHRISTINA MARINA

(ENGENHEIRA BIOMÉDICA) - Sim. Se tiver no banco de dados, ainda é mais

rápida, como o Doutor Jaques falou, porque ele vai buscar o match para nós.

O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-

GERAL DA REPÚBLICA) - E há alguma coisa que, estando satisfeita essa

condição, dê a mesma velocidade ou ainda estará aquém?

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

A SENHORA MARIA CHRISTINA MARINA

(ENGENHEIRA BIOMÉDICA) - Se houver algum método, e Deus permita que

tenha, está além.

O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-

GERAL DA REPÚBLICA) - Não, eu digo dos existentes. Dos existentes, esse é

o mais rápido?

A SENHORA MARIA CHRISTINA MARINA

(ENGENHEIRA BIOMÉDICA) - É o mais rápido e o mais eficaz. Porque,

quando fazemos a comparação, para se ter uma ideia, há uns quatro ou cinco

meses atrás, nós tivemos um caso de DVI no Paraná - DVI, como falei, Desaster

Victim Verification -, um ônibus, onde vários senhores e senhoras estavam indo

para uma outra cidade fazer a verificação da cirurgia para catarata. Eram

todos homens e mulheres com mais de setenta e oito, setenta e nove anos, cada

um com seu filho ou sua filha. O ônibus bateu e vinte corpos foram

absolutamente carbonizados. Foram todos os corpos para o meu laboratório.

Nós fizemos uma ação de guerra praticamente. Esse processo não é bonitinho,

é complicado. Nós temos que pegar a cabeça do fêmur, uma caixa que o

criador colocou ali para dizer que assim: essa caixa terá muito DNA para vocês

utilizarem, hoje ou quando ele se deteriorar. Quando cortamos ele ao meio, ele

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

mantém o material biológico muito farto. Foram todas as cabeças de fêmures

para nós. Vinte pessoas mortas e ninguém sabia quem era quem. Nós picamos

aquele osso, pulverizamos aquele osso, extraímos o DNA. Foi uma ação de

duas, três semanas. Nós sentamos, entre quatro peritos: "Fulano, filho de

fulano. Pronto, faz o laudo". "Fulano, filho de fulano". Foi uma tarde para

identificarmos vinte corpos. Foi uma vitória para nós conseguirmos

identificar, inclusive os filhos estavam lá dentro. Quando vamos fazer uma

comparação, colocamos, em cada cor - vocês estão vendo ali -, o objeto e a

referência e vai vendo se batem os alelos, aquele 3, 4, 14, 15, 16 e 17. Então, é

muito rápido.

O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-

GERAL DA REPÚBLICA) - Muito obrigado.

A SENHORA MARIA CHRISTINA MARINA

(ENGENHEIRA BIOMÉDICA) - Desculpe se não fui clara.

O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-

GERAL DA REPÚBLICA) - Foi precisa, é o que eu queria saber. Muito

obrigado.

A SENHORA MARIA CHRISTINA MARINA

(ENGENHEIRA BIOMÉDICA) - Ótimo. Muito obrigada. Mais alguma coisa?

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

O SENHOR FLÁVIO LELLIS (DEFENSOR PÚBLICO

FEDERAL) - A senhora disse a respeito de aumentar essa base de dados. Eu

queria saber se poderia nos explicar no que consiste essa técnica de pesquisas

familiares?

A SENHORA MARIA CHRISTINA MARINA

(ENGENHEIRA BIOMÉDICA) - Quem falou em aumentar a base de dados,

acho, foi a Doutora Meiga. Ela falou que nós temos poucas amostras,

precisamos aumentar, que estamos muito aquém em relação a outros países,

inserir mais dados no Banco de Dados. Mas, enfim, vou tentar ser clara. O

senhor me interrompa se não for isso que esteja querendo saber.

Existe uma seção no nosso banco de dados que fala sobre

paternidades. Não sei se é isso que está querendo saber.

O SENHOR FLÁVIO LELLIS (DEFENSOR PÚBLICO

FEDERAL) - É sobre um artigo que li. A partir de uma identificação de um pai,

posso chegar no filho, que foi quem praticou o crime.

A SENHORA MARIA CHRISTINA MARINA

(ENGENHEIRA BIOMÉDICA) - Sim. Podemos fazer uma pesquisa, mas

fazemos isso nos nossos laboratórios. Nós não temos ainda esse tipo de coisa

no CODIS. Mas a gente pode fazer, sim, através do pai, identificar. Se tiver a

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

mãe, muito melhor. A gente elimina um e outro e consegue chegar ao DNA do

filho, sim, sem dúvida.

O SENHOR FLÁVIO LELLIS (DEFENSOR PÚBLICO) -

Obrigado.

A SENHORA MARIA CHRISTINA MARINA

(ENGENHEIRA BIOMÉDICA) - Mais alguma pergunta? Eu agradeço

imensamente a oportunidade e espero que tenha sido claro para todo mundo.

Obrigada.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Agora,

ouviremos a Doutora Heloísa Helena Kuser.

A SENHORA HELOÍSA HELENA KUSER (MINISTÉRIO

DA JUSTIÇA) - Bem, meu bom-dia a todos.

Eu estou aqui representando o Ministério da Justiça,

especificamente um departamento dentro do Ministério da Justiça e dentro da

Secretaria Nacional, que é o Departamento da Força Nacional.

Eu vou dar um contextualizada para entender o porquê da

minha representação. Eu sou perita criminal do Rio Grande do Sul. Estou

cedida para SENASP - Secretaria Nacional de Segurança Pública -, assim como

a minha colega do Paraná. Nós trabalhamos em departamentos diferentes,

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

mas nós temos uma grande ligação nas nossas atividades e em busca dessa

qualificação de profissionais de perícia pela Senasp.

A ideia de a Força Nacional estar aqui hoje, apresentando o

trabalho dela a vocês, é porque o Ministério da Justiça entende que a validação

desse comitê, a validação desses trabalhos, toda a participação do Ministério

da Justiça pode, inclusive, na atuação em relação a uma força tarefa ou

atividades, inserindo esse quantitativo de dados dentro de um banco de perfis

genéticos.

Bom, vamos fazer entender.

Em 2001 - contarei uma historiazinha aqui -, foi implantada

a Política Nacional de Segurança Pública, com o objetivo central de reforma

das instituições de segurança. A política também estabelecia como meta a

redução da violência e da criminalidade e deveria fomentar ações integradas e

articuladas entre as esferas distintas governamentais.

Lá em 2001, então, o País buscava, dentro daquela época e

naquela política de segurança, controlar a violência que afetava a preservação

de ordem pública-social. Porém, considerando um diagnóstico daquela época,

havia uma grande dificuldade para o controle de crise, por uma capacidade

técnica insuficiente das forças estaduais. Então, como exemplo, até vem dentro

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

do histórico da Força Nacional, o que aconteceu em Rondônia, a crise do

Presídio Estadual Urso Branco, em Porto Velho, que se destacava no cenário

nacional.

Essa crise fez o Brasil reconhecer e publicizar, junto à Corte

Interamericana de Direitos Humanos, da OEA, que no presídio ocorriam

práticas de vedação de direitos humanos. E, desde 2012, o Brasil respondia ao

processo, na própria OEA, por desrespeito às normas internacionais de

direitos humanos lá em Urso Branco, evidenciado por massacre de presos,

superlotação carcerária, instalações deficientes, entre outros.

Por essa razão, lá em Rondônia, as autoridades locais se

dispuseram a pedir apoio às forças de segurança de São Paulo e do Rio Grande

do Sul, porque eles tinham mais expertise em ações de presídios. Porém, não

tinha nenhum dispositivo constitucional que permitia que aquelas forças do

Sul atuassem fora dos seus estados de origem.

E, nesse contexto, foi reforçada uma ideia de uma criação de

uma cooperação que pudesse atuar em apoio a outros estados em situação de

crise.

Assim, foi concebida a Força Nacional, no âmbito de

aprimorar a capacidade de cooperação entre os entes federados com a União.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Ou seja, ela traduziu uma estratégia de operacionalização da cooperação de

campo da segurança pública. A sua criação foi impulsionada, portanto, pela

necessidade de os estados contarem com um apoio imediato, qualificado e

experiente para a atuação específica de polícia.

O foco inicial da Força Nacional foi um efetivo altamente

qualificado, com representantes de diversos entes federados e com base em

Brasília, estando prontos para um pronto atendimento.

Bom, eu estou falando de uma Força Nacional inicial de

policiais militares. Inclusive, a minha participação aqui é para demonstrar que,

na Força Nacional, não existem somente policiais militares. Nós temos grupos

de peritos criminais, policiais civis, bombeiros; e nós trabalhamos - e o Senhor

Defensor até aqui questionou antes - de uma forma muito integrada, até hoje.

Voltando lá para a criação da Força Nacional, a inspiração

foram as Forças de Paz da ONU, em que a proposta de atuação e cooperação

de distintos países inspirou a conciliação de modelos de cooperação entre os

estados brasileiros, coordenados pelo Governo Federal, para auxiliar esses

estados, então, em uma situação que se faça necessário.

Ela foi criada, então, em 2004, como um programa de

cooperação federativa mediante um convênio, que compreende as operações

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

conjuntas de segurança pública. Ou seja, o efetivo da Força Nacional vai ao

estado e trabalha em apoio e conjuntamente com o efetivo do estado.

A transferência de recursos: o efetivo dos estados vem para

a Força Nacional, pelo acordo de cooperação, é qualificado e, ao retornar para

seus estados, ele leva equipamentos. É o legado, a contribuição do Governo

Federal em relação ao estado. Esses equipamentos são ou da Polícia Militar, ou

Polícia Civil, Judiciária, conforme suas atuações, é o que mesmo usa.

Desenvolvimento de atividades de capacitação e

qualificação dos profissionais em segurança pública. Ao meu ver e ao ver de

todos que estão na Força Nacional, é o maior legado. O legado da convivência,

da troca de experiência, da troca de conhecimento, em que, no momento da

capacitação, são chamados instrutores mais qualificados, dentre todas as áreas

da segurança. Então, o legado de conhecimento e o retorno para os seus

estados são muito importantes.

Em 2008, já foram celebrados formalmente os primeiros

acordos de cooperação entre a federação e a unidades federativas. Nesse

primeiro momento, o recrutamento era voltado somente a policiais militares,

unidades especiais e bombeiros. Mas a demanda entre os estados foi variando.

Com o sucesso que a Força Nacional ia fazendo ao chegar no estado, auxiliar

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

em uma situação de crise, ampliou-se para diferentes grupos de policiais

militares, de ações mais comunitárias, de bombeiros. Teve a Operação

Labrador em Santa Catarina, onde os bombeiros atuaram. Entrou a Polícia

Judiciária em uma demanda de solicitação de apoio à resolução de inquéritos,

principalmente em Alagoas. E quando a Polícia Judiciária entra para auxiliar

na resolução dos inquéritos, é preciso a prova pericial. Para não sobrecarregar

o próprio estado onde a própria Força está indo auxiliar, entra a equipe de

peritos criminais. Então, o primeiro grupo na Força Nacional são de peritos

criminais que auxiliam na balística forense. Eram especialistas, foram

solicitadas as suas vindas, a capacitação, a qualificação de peritos em balística

forense, para auxiliar nos inquéritos não resolvidos em Alagoas.

Então, o decreto de 2004 que cria o programa é alterado

com o decreto de 2010, quando regulamenta a participação da Polícia

Judiciária e da perícia.

E entre as ações da perícia - porque agora eu estou focando

no grupo de peritos que ingressam na Força Nacional -, acrescenta-se como

atividade competente a esses peritos: realização de atividades periciais e

identificação civil e criminal destinada a colher e resguardar indícios ou

provas ocorrentes de fatos ou infração penal. Portanto, peritos da Força

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Nacional - o caminho que eu estou fazendo - são habilitados, por portaria e

por decreto, a trabalhar também com a identificação criminal.

Quando o profissional passa a compor temporariamente e

voluntariamente a Força Nacional, o Ministério da Justiça oficia ao estado que

há vagas e uma necessidade de demanda para deixar um corpo pronto e

qualificado, assim como as Forças de Paz da ONU, para uma situação de

necessidade dos estados.

Nós temos um banco de dados, em que, no geral, temos

mais de 10 mil profissionais já capacitados, disponíveis e prontos para

entrarem em atividade. Quando um profissional, qualquer um que seja,

ingressa na Força Nacional, depois de passar por uma seleção e indicação do

seu estado, ele aqui é capacitado e treinado. E, como eu comentei, ele vai

receber uma instrução de nivelamento de conhecimento, porque nós temos

que pensar que são pessoas com formações diferentes, com histórias,

experiências diferentes, que vão trabalhar em uma outra unidade da

Federação, que tem uma rotina diferente.

Então, nós precisamos trazer esses profissionais para uma

padronização de procedimentos, em que atuarão juntos e respeitando muito a

diversidade profissional e individual.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Bom, passando por essa instrução de nivelamento e sendo

aprovados, eles passam a compor o grupo de profissionais da Força Nacional,

ou em banco de dados, retornando a seus estados, ou sendo mobilizados,

movimentados para as operações que, ora, estão em curso.

Com relação à perícia, desde 2010, foram realizadas nove

instruções de nivelamento de conhecimento. Nós temos quase trezentos

profissionais de perícias, que passaram pelo nosso departamento da Força,

entre eles, papiloscopistas, médicos legistas e uma diversidade de peritos

criminais.

Por ora, até então nós temos, as especialidades em que há

demanda para as operações da Força Nacional são aquelas voltadas à redução

de homicídios, entendendo que nós estamos respondendo aos planos

nacionais de segurança pública. E, neles, as metas são: redução de inquéritos,

que estão represados, para resolução de crimes de homicídio.

Porém, isso não nos impede de, numa solicitação de

demanda dos estados, para inserção no banco de dados, para profissionais

qualificados e que recebam aqui a capacitação, recebam as informações da

padronização de procedimentos do banco de perfis genéticos, eles vão

trabalhar nessa área de ação.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Desde o início do banco, do comitê, a Força Nacional, com

os seus peritos, esteve presente. Porque nós estamos dentro do Ministério da

Justiça e pretendemos trabalhar de uma forma integrada, assim como

trabalhamos com o departamento que faz aquisições. E dessa forma, nós

participamos, desde o início, com a normatização, com o Comitê Gestor, na

elaboração de suas regras e normas e procedimentos padronizados.

Quando uma unidade da Federação faz uma solicitação,

através do Governo Federal ao Ministro da Justiça, existe uma análise, ocorre

uma análise técnica da viabilidade de mandar pessoal especializado para

aquela unidade da Federação.

Antes de mandar essa unidade - e agora estou falando no

nosso trabalho de perícias criminais -, nós precisamos fazer um diagnóstico da

situação, porque nós não podemos mandar dez peritos criminais com

especialidade em genética para atuar lá, se o laboratório não comporta, se não

há equipamentos, se não há implementos.

Então, o primeiro passo para qualquer ação, é nós

entendermos tecnicamente a viabilidade dessa ação junto ao Estado. É

importante. E com isso, eu quero falar que o Ministério da Justiça se preocupa

sempre em ter um panorama e um diagnóstico de qual a situação desses

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

laboratórios, no momento de apoio, onde está o apoio para que todas as

atividades possam ocorrer em sequência.

Existindo a viabilidade, a Força Nacional, então, atua de

forma a cumprir uma meta, e provisoriamente, por um período onde o estado

possa se recompor.

Um exemplo que nós temos dessa atividade - em especial,

entre as dez operações da perícia, na Força Nacional - nós temos uma, em

especial, que atuou na identificação de vítimas, que foi na região serrana, no

Rio de Janeiro, em 2011.

Então, em 2011, durante uma noite, nós tivemos a maior

catástrofe climática no mundo, onde morreram mais de mil pessoas. Há

centenas de desaparecidos e treze mil desabrigados, até hoje, não é?

Quando aconteceu, numa noite, pela madrugada, aquela

catástrofe, à noite a Força Nacional já estava chegando lá.

Por que nós fomos chamados? Porque a catástrofe foi

tamanha, que os próprios peritos da região não teriam condições de

acompanhar a identificação das vítimas.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Quando nós chegamos, havia uma sala muito grande, onde

os corpos chegavam sem parar, e as pessoas faziam o reconhecimento para

liberação e para sepultamento dos seus parentes.

Havia um problema. As pessoas faziam o reconhecimento

de pessoas que tinham passado por uma enchente, estavam sujas de lama, era

à noite, as vestes delas eram roupas de dormir; não eram as famílias, algumas,

todos os familiares estavam ali, nas nossas mesas, para identificação; o

reconhecimento era feito pelos familiares, parentes, vizinhos, alguém que

passava, porque precisava-se liberar o espaço, pois a chegada de corpos era

constante.

Então, por um primeiro momento, o reconhecimento visual

foi danoso. As pessoas foram sepultadas às pressas. E nós precisamos depois

de muito tempo, estou falando trinta dias - nós trabalhamos quarenta cinco

dias em Teresópolis -, nós fizemos uma série de exumações. Porque à medida

que as pessoas saiam dos hospitais e vinham buscar seus familiares, buscar

reconhecer, os corpos não estavam mais ali, porque foram reconhecidos

visualmente. Então, o reconhecimento aconteceu, e depois teve que ser

recuperado para uma identificação.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

A identificação pela equipe da Força foi feita por

papiloscopistas, quando conseguiam resgatar a impressão digital pela

necropapiloscopia, com algumas técnicas muito específicas. Só que, naquela

época, no calor e na situação que estava, a decomposição ela é muito, a

velocidade da decomposição é muito grade, e os corpos estavam muito

enterrados. Então, a forma que nós tínhamos para preservar a identificação

futura, porque aquele não era o momento, era com material genético - era a

coleta de material genético -, a qual foi feita por médicos legistas, que também

compõem a nossa equipe, retirando material dentro do joelho; então, fazem-se

incisões, dentro do joelho, e retirada da cartilagem - era o lugar que não havia

sido contaminado pelo ambiente, pela decomposição -, para futura

identificação dessas vítimas.

Todo esse material foi enviado para o laboratório no Rio de

Janeiro. E lá, à medida que as investigações avançavam, que as famílias

buscavam desaparecidos - fez-se um banco de dados de familiares -, então,

foram identificadas as vítimas e, assim, foram enterrados com seus familiares.

As exumações também fizemos, recolhemos material, para

identificação dos que já haviam sido enterrados, e também foi entregue ao

laboratório para futuras identificações.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Nós tivemos então, sob nossa contabilidade, nos trabalhos

da Força Nacional, 918 mortos, 90 desaparecidos, 35 mil pessoas foram

desalojadas. E é importante trazer que, naquela época, a forma que nós

trabalhamos integradamente com a Polícia Militar, que fazia a segurança da

cidade, com os Bombeiros, que faziam o resgate de corpos, e com a perícia

criminal, que fazia a identificação, e a Polícia Judiciária, que atuou auxiliando

na liberação dos corpos, foi um ciclo completo de polícia que a gente

trabalhou, em que, neste momento, a liderança situacional, que também é um

fator do trabalho da Força, era da perícia. Então - trabalhávamos -, a

prioridade era a liderança da perícia para identificação dos corpos.

A identificação das vítimas. Nós passamos também - eu não

comentei porque a Doutora Cristina falou - pela antropologia, em que eram

trazidas fotografias. Trabalhávamos com a identificação. A identidade por que

não acontecia em Teresópolis? Porque as carteiras de identidades, documentos

das vítimas e as fotografias, todas elas foram por água abaixo: foram sete

cidades que sofreram uma enxurrada e passaram por essa grande catástrofe.

Bom, até hoje, nós tivemos 130 pessoas identificadas pelo

DNA que ficou guardado daquela época.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Bem, então, estou trazendo a vocês que, uma vez deliberada

a constitucionalidade da Lei nº 12.654, o Ministério da Justiça tem plenas

condições de providenciar, pela Força Nacional, recursos humanos para

viabilizar a inserção de material genético em bancos de perfiz genéticos, em

apoio aos Estados com essa demanda reprimida. Lembrando os 7 mil presos

condenados, de que a Doutora Meiga falou, e as 28 mil amostras sem

processamento do backlog como foi contado no quarto relatório do Comitê

Gestor.

Dessa forma, a Força Nacional tem meios para prover

treinamentos, pela sua atividade, para qualificação de peritos criminais de

todas as unidades da Federação, juntamente com a Polícia Federal; promover a

integração entre os profissionais de diversas formações e experiências

embasadas, não só na matriz curricular, que também já foi citada aqui; e

oportunizar também uma ampla divulgação, assim como em todos os

procedimentos operacionais padronizados específicos da genética forense.

Esse momento em que juntamos profissionais, fizemos uma

grande integração e troca de experiência, é a capacidade que eles têm de

retornar aos seus estados e ampliar esse conhecimento.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Para que ocorra ações conjuntas consolidadas em pareceres

técnicos, devemos ter, previamente, diagnóstico - com já falei - e a participação

de profissionais, representando diferentes unidades da Federação, que catalisa

muito o fluxo das informações. Ao chegarmos, se o profissional veio a Brasília,

veio à Força, teve uma experiência de contato, quando nós precisamos chegar

ao estado, essa comunicação já está construída. Então, a velocidade do

trabalho é muito maior.

E a integração dos diversos profissionais promove uma

melhor avaliação das necessidades de equipamentos e de implementos.

Muitas vezes, fornecidas pela Senasp, um outro departamento com o qual

trabalhamos, com implementos.

Portanto, há necessidade de atuação para agilizar, há

necessidade de aquisições de equipamentos, implementados pelo próprio MJ -

onde nós estamos.

As ações de perícia forense são muito reconhecidas no

Ministério da Justiça, tanto que foi elaborada uma proposta, este ano, de

partição da Força Nacional, em que teríamos uma parte dirigida por um gestor

Policial Militar - que é o coronel, hoje -, de polícias militares e bombeiros, e

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

outra porção de peritos e Polícia Judiciária. É uma proposta que hoje está no

Ministério do Planejamento.

Com isso, pela experiência que temos na Força e pela

proposta de trabalho da Força, eu tenho a dizer a todos, assim, que Forças de

Paz da ONU, a Força Nacional, a Rede Integrada de Bancos de Perfis

Genéticos, elas têm muito em comum, quando promovem a integração, a

qualificação, a valorização de profissionais, uma maior resposta da

informação, auxiliando os estados irmãos, em prol da Justiça, um grande

exercício de cidadania de cada um dos profissionais envolvidos.

Era só esse o meu recado. Obrigada!

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) -

Obrigado!

A SENHORA HELOÍSA HELENA KUSER (MINISTÉRIO

DA JUSTIÇA) - Alguma questão?

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) -

Alguma questão?

O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-

GERAL DA REPÚBLICA) - Uma única questão: Qual é, aproximadamente, o

valor de que a União se dispõe a aportar ao sistema, na melhora da perícia?

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

A SENHORA HELOÍSA HELENA KUSER (MINISTÉRIO

DA JUSTIÇA) - Em equipamentos ou profissionais?

O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-

GERAL DA REPÚBLICA) - No DNA, especificamente, para formulação ou

aumento do Banco.

A SENHORA HELOÍSA HELENA KUSER (MINISTÉRIO

DA JUSTIÇA) - Olha, deixa-me ver se compreendi - eu estou falando pela

Força Nacional, não é?

O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-

GERAL DA REPÚBLICA) - Sim.

A SENHORA HELOÍSA HELENA KUSER (MINISTÉRIO

DA JUSTIÇA) - É que nós chamamos ao profissional, aqui ele é qualificado

teoricamente - teórica e praticamente -, mas, quando ele vai trabalhar no

estado, é com o recurso do Estado e o que ele leva do Ministério da Justiça. É

essa a pergunta?

O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-

GERAL DA REPÚBLICA) - Não. A União tem um plano de aportar recursos

para os estados?

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

A SENHORA HELOÍSA HELENA KUSER (MINISTÉRIO

DA JUSTIÇA) - Sim, sim. Tem um planejamento de recursos em relação a

implementos. Esse trabalho é do departamento da minha colega, não da Força

Nacional, é Departamento de Projetos da Secretaria Nacional de Segurança. Eu

não tenho o valor, mas existem, sim, orçamentos semestrais, anuais sobre isso.

O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-

GERAL DA REPÚBLICA) - Muito obrigado!

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) -

Doutor Jozefran, médico legista, que também disporá de 40 minutos.

O SENHOR JOZEFRAN FREIRE (ASSOCIAÇÃO

BRASILEIRA DE MEDICINA LEGAL E PERÍCIAS MÉDICAS) - De início,

agradeço ao Supremo Tribunal Federal, na pessoa do Senhor Ministro Gilmar

Mendes, a nossa presença aqui; ao Subprocurador da República, Doutor

Odim, e ao Senhor Defensor Público, Doutor Flávio Lellis.

Aqui represento a Associação Brasileira de Medicina Legal

e Perícias Médicas, entidade nacional que congrega a categoria dos médicos

legistas e dos médicos peritos desde uma fusão da nossa antiga Associação

Brasileira de Medicina Legal com a Sociedade Brasileira de Perícias Médicas,

em 2011. Reunimos tudo isso num corpo só para dar maior consistência, tanto

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

doutrinária quanto metodológica, aos atos periciais, atribuir maior

cientificidade àquilo que fazemos e deixar, na nossa área científica, essa janela

plenamente aberta às novas tecnologias, àquilo que se pode usar para trazer à

sociedade e à cidadania o que temos de melhor em termos de ciência, já que a

busca - nós vimos isso aqui ontem, estamos vendo agora de manhã e, muito

provavelmente, à tarde - é de se demonstrar a necessidade cada vez mais

premente da prova científica, no caso, em detrimento das outras. Essa busca

da prova científica é algo que permeia a história da Medicina Legal desde,

pelo menos, 1641, com aquela primeira publicação de um texto, de setecentos e

noventa e cinco páginas, do Paolo Zachias, chamado Quaestiones Medico-

Legales.

Então, nós temos uma história, diversas vezes centenária,

em que se mostra que a Medicina Legal é a especialidade médica mais antiga.

Nós tínhamos médico, à época de Paolo Zachias, a época de Fortunato Fedele,

o médico, que era o clínico; o cirurgião, que podia fazer coisas, inclusive, ser o

açougueiro e cortar cabelo; e tinha o médico legisla. Então, eram essas as três

áreas do conhecimento.

Tudo aquilo que a gente fala hoje de perícia, tudo aquilo

que a gente fala hoje de subdivisões de todo esse arcabouço doutrinário,

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

começa lá atrás com este nome, em 1.641, antecedido por alguns historiadores

de um edito da (ininteligível) de Napoli, antecedido por outros, como as

decretais do Papa Gregório IX. Se quiser, leva-se até a morte de Júlio Cesar,

faz-se a regressão que se queira, porém, do ponto de vista da denominação, a

Medicina Legal tem, pelo menos, cinco séculos.

Então, a nossa busca é fundada em algo extremamente

fecundo de produção científica. Para termos ideia, só na Universidade de

Paris, no século XIX, foram cento e cinquenta e três doutorados só sobre

infanticídios, apenas na Universidade de Paris.

Então, nós temos um longo arcabouço de pesquisas

científicas, de fundamentos científicos, de doutrina específica para cada tipo

de coisa, inclusive e principalmente, na questão da identidade humana. E, por

falarmos da identidade humana, nós vamos, necessariamente, chegar à

questão da identidade humana através do ADN - ácido desoxirribonucleico.

Vamos chegar, necessariamente, lá!

Antes disso, eu pediria vênia aos Senhores Ministros,

Senhor Procurador, Senhores Advogados, para fazer referência aos meus dois

colegas, do Estado de São Paulo, o Doutor Luiz Frederico Hoppe e o Doutor

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

João Batista Oba, que são médicos legistas e que estão conosco. E também

pertencem a nossa associação.

Essa busca do estudo da identidade a gente comemora a

longo tempo, desde aquela necessidade que existe na tribo, na família, nos

agrupamentos sociais, nas nações, nos povos, de saber quem são os seus. Essa

é a necessidade que se instala quando se quer identificar algo. Identificar uma

pessoa! Queremos saber quem é! Então, há uma necessidade social em relação

à questão da identidade.

O que se discute, aqui, é uma questão ligada a uma lei que

cria um banco de dados de perfis genéticos e as questões constitucionais e

legais que aí se instalam. Sendo médico legista, e de formação anterior à

Medicina Legal, cirurgião, eu ouso a tocar, muito rapidamente, essa questão

da lei. A gente sabe que, em ciência também, princípios não subsumem outros,

eles se amoldam, na ciência também é assim.

A gente não pode achar que o princípio que determinou,

por Isaac Newton, a lei da gravidade foi plenamente negado pelo princípio da

incerteza, estabelecido por Werner Heisenberg quando estudou as partículas.

Pelo contrário, são coisas que se adequaram. Daí a dificuldade que se tem,

hoje, em ciência, de dizer que a gente quebrou o que Thomas Kuhn - um

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

filósofo alemão, radicado no Estados Unidos - chama de quebrar paradigmas.

Não há algo mais complexo do que se quebrar um paradigma. Você pode

associar a ele coisas, você pode levar ele aonde se queira, numa plena

adaptação dos conhecimentos anteriores, coisas que estão acontecendo agora e

com as possibilidades de conhecimentos futuros.

A Medicina Legal se preocupa o tempo inteiro com esse

tipo de postura chamada científica. A ciência exige, para existir, duas coisas

básicas: ela tem que ter doutrina e tem que ter método próprio. Se uma ciência

não tem doutrina nem método próprio não pode ser chamada de ciência. E

isso é um conhecimento tão antigo quanto os Segundos Analíticos, de

Aristóteles. Então a gente precisa ter muito claro na nossa cabeça, ao

formularmos propostas, proposições, postulados e princípios, exatamente

aonde a gente quer chegar com aquelas doutrinas, para cada tipo de situação

específica, e com que métodos. O que a gente tem que trabalhar muito é o que

se faz enquanto ciência. Nós estamos em uma Casa que julga as questões

constitucionais, o fundamento do próprio Estado de Direito, que é a

Constituição. Nós estamos discutindo se uma lei que cria um banco de dados,

se essa lei fere algum outro princípio constitucional. Em ciência, não ousando

cair no campo do Direito, um princípio chega a ser, no seu extremo,

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

indemonstrável, porque, se ele precisar de demonstração, ele deixa de ser

princípio e passa a ser regra. Então nós temos que saber conduzir essas

questões para que a gente possa depois apresentar à sociedade aquilo que

interessa a ela, mesmo que a gente caia na tentação de usar um pouco do

utilitarismo do Bentham e, com isso, a gente não faça ciência.

A aplicação de métodos científicos é só uma aplicação de

métodos científicos, não é uma ciência. A preocupação da Medicina Legal, o

tempo inteiro, é qual ciência nós temos. Porque a ciência é um bem social. A

gente pode aqui, parafraseando John Rawls, autor de alguns livros, mas um

interessante, A Teoria da Justiça, ele diz que a ciência está em busca da verdade

e a verdade é o maior bem da sociedade. Aliás, a Justiça é o maior bem, assim

como a verdade o é para o pensar. Então que verdade que a gente vai

trabalhar, enquanto ciência, na Medicina Legal? A gente vai trabalhar com a

verdade enquanto a conformação do pensamento com a realidade. É nesse

aspecto que a gente vai trabalhar. E em quais vias? Nós temos, pelo menos,

duas grandes vias dessa verdade científica, que é a verdade na fundamentação

grega da aletheia, que trata do presente, cujo antônimo é o pseudo, e, na

verdade, na vertente latina, do Veritas, cujo antônimo é o mentiri ou a mentira.

O perito transita da constatação da verdade, na vertente grega, no momento

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

do exame, e faz um relato, depois, disso, na vertente latina, e isso numa

organização cerebral que permite com que você misture conceitos, organize

seus conceitos. Os conceitos em ciência vão exigir da gente - cada vez que a

gente vai abordar um tema que mexe com ciência e tecnologia - qual é o

fundamento que a gente tem para que se possa, de verdade, fazer a aplicação

adequada de qualquer técnica científica, com os cuidados para com aquilo que

ela pode gerar à frente, com o uso que se pode fazer dela e assim por diante.

Então, o que é que nós temos? Primeiro, o identificar algo é

a partir de um fenômeno biológico, e o fenômeno é a unidade mais elementar

da consciência. Ele tem que ser objetivado dentro da cabeça da gente para que

se produza, a partir daí, a ação. Então, se a gente olha o fenômeno biológico,

na sua complexidade, e, com essas duas grandes vertentes, o que é que ela

tem, Waddington, em um livro chamado Para uma Biologia Teórica, ele prega

que a gente saiu daquela ciência do eterno, e do que é sempre, e viemos para a

ciência do hipotético e do probabilístico, cuja matemática é a estatística. A

gente não está conseguindo chegar a uma axiomatização adequada da ciência

enquanto fenômeno biológico. No máximo, chegará a uma formalização nos

próximos anos. Se chegar à formalização, a gente vai ter que comemorar

muito. Então, para que a gente possa trabalhar cada vez mais essa ciência, a

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

gente tem que entregar ao Poder Judiciário coisas como certeza. E certeza,

muitas vezes, adjetivada pelo absoluto, que é algo de um extremo risco

científico de se fazer, porque certeza, sendo uma afirmação positiva sem o

receio do erro, já põe um limite enorme em qualquer técnica, porque qualquer

técnica, por mais específica que seja, sempre há a possibilidade do erro. Mais

sábios são os advogados que, depois de um texto de 200 linhas, 200 laudas, mil

laudas, ele termina com três pontos: s.m.j. - salvo melhor juízo. E aí ele conclui.

Por que a gente, no âmbito da ciência, com essa busca que a gente tem focada,

com a metodologia da ciência pelos diversos autores - eu gosto muito de Karl

Popper, não gosto muito do Bacon -, mas, por qualquer um deles, a gente vai

chegar a quê? À aproximação da certeza e jamais se chegará à certeza com essa

definição de sem receio do erro.

Então, o que a gente vai trabalhar o tempo todo é eurexis, a

curva de tendência, uma equação da reta, algo desse tipo, que mostra que

aquilo pode ser usado com os devidos cuidados e, em sendo usado com

aqueles cuidados, isso pode, evidentemente, ser usado na sociedade, se

protegido pela lei e, em consequência, a gente poder trabalhar melhor.

Há algo que fica na cabeça de quem mexe com ciência, que

é uma dúvida metódica. Sempre algo pode ser melhorado, sempre algo pode

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

ser questionado e é por aí que a ciência cresce. Nós temos que saber como

fazer isso sem que a gente faça um debate do ponto de vista ideológico. Não

ideológico no que se tem de senso comum, mas é um debate sobre a

objetividade do caráter científico de qualquer ato nosso. Em cima dessas

reflexões rápidas que fiz aqui com vocês, e me perdoando por repetir coisas

que todos vocês já sabem, é que a gente vai colocar como é que a Medicina

Legal, a Associação Brasileira de Medicina Legal, enxerga a questão da lei, do

Decreto nº 7.950, e da criação desse banco de dados de perfis genéticos aqui,

ou fora daqui.

Óbvio que há dissensões. Há escolas que falam que isso

invade a privacidade do indivíduo. Ela fica exteriorizada no seu ponto mais

íntimo, que é a nossa organização gênica - fica exposta, assim - e, em quanto

isso é prejudicial ou não a cada um. Há uma discussão a ser tratada sobre o

assunto com certeza, e essa é uma função do Tribunal resolver.

Para nós, o que tem que estar claro é que essas coisas têm

que ficar muito abertas para a sociedade, que todo processo de identificação é

invasivo. Ele nos revela. Não tem como não ser invasivo se ele nos revela.

Agora, é ruim ficar revelado? É outra questão. Estou fazendo juízo de valor.

Então, o que a gente precisa ter muito claro é que a Medicina Legal, enquanto

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

nossa associação, por declaração oficial, a gente já comemorou o sistema de

Bertillon, o sistema de Tamassia, já comemoramos a datiloscopia no sistema

Galton e no sistema de Vucetich, já comemoramos o retrato falado

sistematizado do Hugh MacDonald, já comemoramos tudo isso e

comemoramos efusivamente o DNA desde a década de 50, quando Watson e

Crick mostraram a molécula de DNA. Embora ele seja de 1.869, (ininteligível)

Miescher, um bioquímico alemão que o identificou pela primeira vez, nós

comemoramos isso, porque a gente quer discutir, do ponto de vista da

Medicina Legal, é a questão da individualidade do ser humano; queremos

discutir também a questão da segurança pública, da comunidade e também de

cada ser humano; queremos saber como que a gente vai organizar isto para

que a gente não faça nenhum tipo de coisa que depois a gente se arrependa à

frente. O entusiasmo com a técnica é das coisas que a gente faz com

consciência, entusiasmo com a técnica é algo que move a nossa alma no

sentido de continuar pesquisando.

O meu mestrado, muitos anos atrás, foi feito em

antropologia forense. Eu estava com um sonho, na época, de criar um padrão

nacional para que se pudesse fazer medir a estatura dos ossos do ser humano,

a partir da medida dos ossos longos, com referencial científico adequado. À

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

época, eu estava tão focado naquilo que achava que a antropometria ia

resolver o mundo. Tinha lido toda a obra de Ruan Coma, sabia tudo aquilo

muito na minha cabeça; aquilo era um foco de animação de alma. Quem mexe

com a genética humana; quem mexe com a estrutura do RNA, do DNA; quem

já foi até prêmio Nobel, lidou com aquele RNA primevo, aquele RNA

autocatálico, ele mesmo mensageiro, ele mesmo que guarda a informação, que

se diz ter existido há cerca de 3 ou 4 bilhões de anos; quem vai para essa

paliogenética, encontra lá elementos enormes de encantamento. Só que, do

ponto de vista pragmático, nós temos que saber da aplicação de toda essa

tecnologia; os benefícios que isso trará ao conjunto da sociedade e a cada um

de nós em particular. Nós temos que ter isso muito claro.

Então essas coisas todas nos levam a algumas questões. No

momento da coleta - foi objeto de perguntas aqui -, a gente discutiu se havia

risco de se ter acesso ao DNA codificante. Naquela coleta, claro que ele está lá.

Não está lá só o não codificante, está todo! Está todo ele lá. A escolha de

amplificação é que cabe aos órgãos, com a credibilidade dada pelo Estado, da

escolha do que se vai usar daquele material. E é obvio que pode ter mau uso.

O ser humano erra; o ser humano até urde melhor na visão entrópica de

mundo do que na visão entálpica de mundo. Porém, a gente tem que dizer isso

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

bem claro: claro que é um método invasivo sim! Ele mexe com o mais fundo

da nossa identidade. A colega que me antecedeu, a que faz odontologia legal -

meus cumprimentos pelo trabalho -, mostrou aqui ela tem um perfil só dela, e

não na proporção da digital, que é 1 para 70 bilhões de margem de erro, mas

muitas vezes isso. Plena identificação, diz que ela é! Aquela categoria básica

do pensar que diz: aquilo é! Se pode afirmar: este é!

Claro que ela invade. Agora, essa invasão por parte do

Estado é algo ruim? É uma questão de juízo de valor. Como é que a gente

tecnicamente vai trabalhar. Nós queremos, como técnicos, usar instrumento

que me possa trazer soluções para essa coisa da dor intensa que é uma pessoa

violada; de uma criança que é violada todos os dias por membro de família!

Nós temos crimes assim, no nosso país - enquanto legista eu vi isso -, não uma

vez só, nem dez vezes, de meninas e meninos violados, todo dia! Não uma vez

na vida, todo dia era violado! De crianças que são violadas em instituições,

instituições inclusive religiosas e vai por aí, a gente sabe disso. E são crimes

tão duros de serem vistos que a gente fala assim: é normal ser o ser humano

depois de ver uma miséria dessa? Até nem trouxe foto! Perdão até aos meus

colegas. Eu disse "não vou trazer fotos da Medicina Legal, porque não há

imagens mais dantescas do que estas", que revelam a miséria humana.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

O que nós queremos, enquanto peritos, é ter o método mais

sofisticado, que nos permita trabalhar melhor e atingir nossos objetivos.

Agora, temos que reconhecer: cada método desse, dentro da sua

complexidade, da sua invasividade, traz outros problemas de princípio que

devem ser contemplados.

Que há problema, há! Esse problema invalida o método?

Não! Esse problema vai me dizer que o DNA é uma coisa ruim? Pelo contrário,

o conhecimento do DNA é algo excelente que permitiu tanta coisa boa da

metade do século XX para cá que nós só temos que comemorar. O que nós

temos é que ver como nós vamos construir os mecanismos adequados para o

seu devido controle.

O que nós temos de coisas práticas? Ainda bem que o

Ronaldo - acho que é esse seu nome - falou aqui sobre a questão da obrigação

de coleta. No Estado de São Paulo, há um regulamento, de 1999, que diz: "Só

quem pode coletar material biológico é o médico legista"; o que, se mantido

isso e aplicado ao país inteiro, inviabilizaria a criação de um banco de dados,

porque não há legistas suficientes para entrar em todos os presídios e em

todos os locais de crime para coletar material, de swab bucal. Então, havia na

cabeça de quem fez a regra em São Paulo aquela ideia de que, ao se exigir que

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

seja um médico, coloca-se no cenário um profissional com décadas de

treinamento capaz de poder julgar melhor. Pode até ser que tenha sido essa a

intenção, porém ela é não prática. Ela inviabiliza qualquer coisa desse tipo.

Então, o que temos que trabalhar? Eu posso responder

alguma questão da mesa, do Senhor Ministro, do Senhor Procurador, do

senhor advogado sobre: quanto ao que eu faço, eu crio certezas? Não! O perito

busca essa certeza. Muito provavelmente nós passamos da vida, e o outro que

virá também não conseguirá; porque nós não definimos, e toda ciência é

construída como um discurso. Essa é uma tese especial de Gilles-Gaston

Granger, na Universidade de Paris, quando ele fez um tratado enorme sobre a

filosofia e a linguagem, no qual ele define isso muito claramente. O que nós

temos que saber é que normas nós vamos criar, que mecanismos temos à mão

para minimizar o erro, cada vez mais. Se chegarmos em um erro com dez

zeros e um, ótimo! Quanto mais aperfeiçoarmos, melhor.

Eu e a nossa associação entendemos que esse banco de

dados precisa ser criado, gerido, fiscalizado, e que a sociedade civil, ou pelo

menos a científica, o acompanhe, porque estamos lidando com o ser humano.

Eu não quero ser aqui pessimista, como Hobbes foi - para quem leu Leviatã;

não quero ser utilitarista, como John Stuart Mill; nada disso. Eu quero é que,

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

como associação, tenhamos propostas a deixar para vocês e ao Supremo

Tribunal Federal, à Procuradoria-Geral da República e ao Senhor Advogado

da União.

Primeiro, nós entendemos que a criação do banco de dados

é um instrumento, caso contrário não vale a pena todo esse trabalho de se

qualificar pessoas que saibam lidar com a tecnologia, com os contratos de

fornecimento de material, para usar o ADN. Se não houver um banco de

dados de referência, não serve para nada. É a mesma coisa que a digital sem

um banco de dados no instituto de identificação: não serve para nada, se não

há como comparar. O método, por enquanto, que se usa nesta ciência do lado

biológico não é o axiomático, não é matematizado, ele é um método

comparativo, sempre por registro anterior. Portanto, na definição específica do

identificar, que é sempre reconhecer algo. Então, há de se ter um registro

anterior. No caso específico do ponto de vista prático, é um banco de dados

gerido, avaliado, verificado, fiscalizado pela comunidade. Portanto, esse

controle externo pelo menos deveria ter entre ele as nossas universidades,

fonte do local onde estudamos, aprendemos, elas deveriam estar nesse cenário

que algo provi na composição da comissão do comitê gestor - aliás, no comitê,

tenho um amigo pessoal, Doutor Samuel Ferreira, a quem admiro e respeito

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

muito; tenho cinco representantes do Ministério da Justiça, das perícias dos

Estados e, depois, algumas representações da OAB, da sociedade civil, do

Ministério Público Federal e assim por diante.

Entendo que precisamos ter um controle externo dessa

ferramenta fundamental, porque não dá para compararmos realmente a

tecnologia, a especificidade do uso do ADN em relação às demais

metodologias. A distância é muito grande. O que se tem de efetividade é

muito diferente, ou seja, o ADN permite por revelar a nossa identidade última

- no caso, esse último se confunde com a primeira -, ele é fundamental. Agora,

toda essa tecnologia sem um referencial é trabalho perdido, é discussão

acadêmica, a aplicação de algo que fica no mundo das ideias e escapa da

realidade.

Há necessidade, além desse controle externo como

proposição da Associação Brasileira de Medicina Legal e Perícias Médicas, de

revisões periódicas desses dados para ver se nada escapou dele, tipo o mau

uso do DNA, o qual não deveria estar lá. Ah, (ininteligível). É bom revisar. E,

por último, que a legislação também seja adequada ao avanço da

modernidade, da ciência e da tecnologia, porque senão ficamos com regras

legais. Como a lei sempre se refere ao que já passou, deveremos ter como

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

fundamento que as regras legais deverão estar prontas para renovar esse

processo e, assim, termos algo extremamente consistente e benéfico à

sociedade.

Esse Banco de Dados de DNA - Lei 12.654/12 e o Decreto

que a regulou 7.950/13 - é o início de um desafio. Os nossos números de dados

são poucos. Com relação aos que estão presos, é quase nada, não chega a dez

por cento de elementos guardados nesse banco. Em relação ao conjunto da

sociedade, nem se fala. Vamos evoluir, depois, para um controle de DNA

assim que a criança nasça? Isso pode ser entendido, como já foi feito antes, que

colocar o dedinho na digital era desonroso. Nós já sabemos disso, já vivemos

essa experiência. Ser identificado pelo Sistema de Vucetich, no Brasil,

significava, na época, tocar piano na delegacia. Era uma coisa que

desmoralizava o indivíduo. Temos de saber como evoluir com isso, pois, nós

que buscamos a ciência, sabemos que é uma área de limite entre aquilo que é o

desenho legal, constitucional de uma sociedade, e o extremo da questão da

pesquisa científica que deve ser olhada por esse lado.

A noção de átomo, por exemplo, de Leucipo e Demócrito, é

do Século VII antes de Cristo. O primeiro tratado de ética que nos chegou e

que conhecemos mais profundamente é do Século V antes de Cristo, duzentos

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

anos depois. Então, os gregos sabiam o que era átomo, com a definição que se

usa hoje, e sabiam o cuidar, do ponto de vista ético. Eles criaram os

mecanismos para isso.

Em nosso País, estamos com o desafio de se implementar

um banco de dados, uma legislação, alterar, se for o caso, de gerar os

mecanismos de controle externo, de tal maneira que a gente possa ter, de

verdade, algo que seja consistente, bom para a sociedade e cientificamente

bem estruturado. E estrutura - aqui uma ligeiríssima reflexão - contempla

algumas coisas. A estrutura contempla a totalidade, a estrutura contempla a

transformação e a estrutura contempla a autorregulação. Sem a gente observar

isto com toda a assertividade, nós podemos estar errando. Eu, como perito,

como gente que gosta de Ciência, tudo que eu não quero ver é a Ciência mau

usada, e ela já foi mal-usada diversas vezes. A Ciência que não dá o

fundamento para que a sociedade possa ser melhor administrada, de novo, é

ruim. A Ciência, como base para aquilo que a gente está discutindo hoje, que é

a da prova científica, que é aquela que dispensa a questão da tortura e da

coerção e apresenta as provas que mostram a realidade dos fatos, portanto,

respeita, inclusive, o pensar do ser humano.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Em nome da Associação Brasileira de Medicina Legal e

Perícias Médicas, eu agradeço a oportunidade e desculpem pela rapidez no

falar. É que eu comecei a contar o tempo e achei que eu estava começando a

chegar fora dele.

Muito obrigado.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) -

Obrigado, Doutor Jozefran Freire. Agradecemos as contribuições valiosas. As

perguntas.

O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-

GERAL DA REPÚBLICA) - Por favor, nós cuidamos primeiro da primeira

ponta do exame do DNA, que é o local do delito. Esse parece que já está

resolvido. Ontem, eu conversei com o Professor (ininteligível), que me ajudou

muito informalmente, mas eu preciso, então, fazer com que as coisas se fixem

documentalmente e oficialmente aqui e agora. Ele me disse que os problemas

relativos a uma troca de identificação de um suspeito, um arguido, talvez se

resolvam, ele diz, até com muita certeza, pela repetição do exame para se aferir

se a amostra com a qual se comparou a do local do delito é a verdadeira. O

senhor confirma essa ideia?

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

O SENHOR JOZEFRAN FREIRE (ASSOCIAÇÃO

BRASILEIRA DE MEDICINA LEGAL E PERÍCIAS MÉDICAS) - Confirmo,

porque isso é um dos fundamentos do pensamento científico. Todo

pensamento científico tem que ser demonstrado. Como é que você demonstra

isso? Pela primeira exposição? Muitas vezes não. Então, o material para a

contraprova é essencial, porque você precisa, de verdade, de ter como

demonstrar mais uma vez e mais outras vezes a quem precisar saber. Então,

com certeza, se a gente pode repetir exame, se confere segurança àquele tipo

de propositura.

O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-

GERAL DA REPÚBLICA) - Uma segunda pergunta, por favor. O senhor disse

que, de uma amostra razoável, se pode reconstituir o perfil integral de uma

pessoa e que, na verdade, o banco de dados aqui só se determina pela lei que

se colham ou se utilizem partes para identificar.

O SENHOR JOZEFRAN FREIRE (ASSOCIAÇÃO

BRASILEIRA DE MEDICINA LEGAL E PERÍCIAS MÉDICAS) - Sim.

O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-

GERAL DA REPÚBLICA) - Ou seja, eu poderia, isso também é um produto da

conversa do Professor ontem, que também gostaria até de registrar isso para

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

não abusar do direito autoral dele. A pedido de um juiz, eu poderia, então,

com a determinação de um juiz, reconstituir, de qualquer dessas moléculas

usadas no perfil, o perfil completo da pessoa.

O SENHOR JOZEFRAN FREIRE (ASSOCIAÇÃO

BRASILEIRA DE MEDICINA LEGAL E PERÍCIAS MÉDICAS) - Sim.

O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-

GERAL DA REPÚBLICA) - Seria vantajoso - e aí a minha dúvida? Ele disse

que estatisticamente seria uma loucura montar um banco de dados enorme,

monumental para chegar à conclusão, por exemplo, de que, na população

brasileira, o delinquente tem olhos pretos.

O SENHOR JOZEFRAN FREIRE (ASSOCIAÇÃO

BRASILEIRA DE MEDICINA LEGAL E PERÍCIAS MÉDICAS) - Beirando

Cesare Lombroso.

O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-

GERAL DA REPÚBLICA) - Não, o que eu digo é que o perfil daquela pessoa,

vou chegar à conclusão de que, o homem a gente já sabe, porque o perfil é

identificado, mas que além disso ele tem olhos negros. Não estou falando

genericamente não. Daquela pessoa que é o arguido ou o suspeito. Chego à

conclusão de que ele tem olhos negros. Bom, 50% da população tem olhos

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

negros. Ele me disse que estatisticamente isso é relevante. Então, esse banco de

dados composto com isso, em princípio, posso dizer que essas informações

seriam de pesquisa inútil, ou de armazenamento? Ele me diz: "Um trabalho

muito grande para colher um resultado muito pequeno".

O SENHOR JOZEFRAN FREIRE (ASSOCIAÇÃO

BRASILEIRA DE MEDICINA LEGAL E PERÍCIAS MÉDICAS) - Veja, o que

está muito claro é que o banco de dados, naquilo que foi proposto, naquilo que

é proposto por ele, é um banco de dados só da área não codificante, que é para

só fazer identificação. É obvio que, no momento da coleta, você coleta todo o

material. Não há como não coletar ou coletar só uma parte dele. Isso não é

real. Agora, quem confere a credibilidade para que esse material não seja

utilizado para outras coisas é o Estado na hora que coloca o perito, que tem a

credibilidade de Estado para trabalhar. Então, essa é a questão.

Agora, a gente sabe que já tem tecnologia para clone. A

gente sabe que tem. Não tem essa história de dizer que não tem. Essa coisa já

existe. Já foram criados, e a gente não tem notícia. Podem ser criados? Podem

sim. Então, a discussão técnica, científica, ética e legal, especialmente, passa

por essas questões. O que fazer com a técnica para que ela não se volte contra

a gente? Agora, o arcabouço para o banco de dados que estamos propondo,

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

que foi criado aqui, que está nesse trabalho de ser implantado e o qual a gente

reverencia, evidencia que ele vai trabalhar com um determinado espaço do

DNA que não permite que você faça replicações outras. Porém, sabemos que

quem confere isso é o Estado quando ele dá a credibilidade a cada perito para

que ele assim o faça. E, é claro, a índole de cada ser humano, como cada ser

humano enxerga, a eticidade de cada ser humano, isso tudo tem que ser

ponderado. Agora, é uma ferramenta belíssima, é uma ferramenta de encantar

a alma do pesquisador, é uma ferramenta que chega ao âmago da identificação

do ser humano e é uma ferramenta que precisa ser bem acompanhada para

que se minimize a possibilidade de problemas à frente, quando se dirá

"porque abriu-se o banco de dados". Não é isso não, gente. Nós não queremos

assim, não é assim que se vê. A nossa instituição enxerga que isso é essencial

para aquilo que é o trabalho de identificação de alguém, porém, sem esses

acompanhamentos que a gente propôs e sem essa abertura, a gente pode, sim,

lá na frente correr o risco. Há necessidade de controle externo. Pelo menos é

assim que nos posicionamos nas nossas reflexões sobre a matéria de hoje.

O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-

GERAL DA REPÚBLICA) - Uma última pergunta.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Essa coisa de que eu poderia usar a amostra colhida pelo

Estado, isso me parece bastante claro. Mas, seguindo esse raciocínio do clone,

eu também poderia extrair isso, por exemplo, de um copo que se usa...

O SENHOR JOZEFRAN FREIRE (ASSOCIAÇÃO

BRASILEIRA DE MEDICINA LEGAL E PERÍCIAS MÉDICAS) – Posso. De

uma ponta de cigarro. Aliás, isso se faz no mundo inteiro. Naquelas séries

americanas, eles pegam de qualquer lugar: passou a mão em um canto,

coletou-se e se faz. Então, esse risco tem. Permanentemente o risco existe. Não

há possibilidade de não existir esse risco. Se a gente entende que a noção de

Estado é algo fundamental para a civilização, é esse Estado quem vai conferir a

credibilidade suficiente para que o ato pericial permaneça dentro daquilo que

são os limites da sua ação, especialmente dentro dos limites da eticidade. Não

há como fazer diferente. Então, há riscos sim, mas onde é que não tem riscos

na sociedade humana? E o que precisa é que uma ferramenta dessas seja

implantada alargando-se o arco de controle dela, porque, aí, trabalharemos no

sentido de minimizar cada vez mais o possível, dentre a teoria das

probabilidades, mau uso da técnica.

O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-

GERAL DA REPÚBLICA) - Só para encerrar, porque minha pergunta ficou um

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

pouco encambulhada com outras. Então eu posso dizer que, do ponto de vista

pelo menos pragmático, não haveria sentido em se montar um grande banco

de dados além daquilo que a lei designa como perfil? Ou seja, com a

informação completa seria, vamos dizer, do ponto de vista prático, inútil?

O SENHOR JOZEFRAN FREIRE (ASSOCIAÇÃO

BRASILEIRA DE MEDICINA LEGAL E PERÍCIAS MÉDICAS) - Veja, para

fazer um banco de dados com todos os dados de cada ser humano, você fazer

um genoma de cada um ao nascer...

O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-

GERAL DA REPÚBLICA) - Não, perdão. Eu diria dos condenados, porque a

lei limita a eles.

O SENHOR JOZEFRAN FREIRE (ASSOCIAÇÃO

BRASILEIRA DE MEDICINA LEGAL E PERÍCIAS MÉDICAS) - Ah, bom. Eu

acho que não, porque esse banco de dados é algo relevante, algo que deve ser

implementado. Ele não seria inútil. Pelo contrário, ele seria útil. Sem esse

banco de dados, toda a tecnologia não tem sentido.

O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-

GERAL DA REPÚBLICA) - Não, eu digo de dados do perfil completo de

pessoas, não só a identificação.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

O SENHOR JOZEFRAN FREIRE (ASSOCIAÇÃO

BRASILEIRA DE MEDICINA LEGAL E PERÍCIAS MÉDICAS) - Aí a gente vai

entrar em uma questão complicada do ponto de vista ético, pelo seguinte: Eu

preciso definir que o indivíduo vai ter uma diabete tipo dois aos setenta anos

de idade? Eu preciso definir se ele vai ter uma miocardiopatia dilatada aos

oitenta anos ou cinquenta anos? Então, só para pensar na doença, sem pensar

nos outros perfis do indivíduo inteiro.

Então, esse histórico todo em um banco de dados

gigantesco, que seria, no caso que o senhor está dizendo, plenamente inútil

para o fim específico que se está buscando, que é a da identificação do agente

criminal. Seria totalmente inútil. Não serviria para nada, a não ser para a gente

fazer brilhantes teses acadêmicas e influenciar a ciência no futuro. Se um dia

vai ter, a gente acha que é provável, que o ser humano vai chegar aí. Vai

querer controlar a gente. E, aí, o meu medo pessoal - não é o medo da

Associação - de um controle absoluto da vida de cada um, a partir do seu

código genético, de ponto de se dizer cada coisa. É difícil. Aí, a gente tem que

refletir muito mais, pensar eticamente muito mais, pensar legalmente muito

mais, para chegar a uma conclusão.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Do ponto de vista daquilo que é o foco de hoje, esse banco

de dados da área não codificante do ADN é essencial para se chegar ao banco.

Agora, os dados gerais, mesmo só da população carcerária, já seria um

investimento sem sentido do Estado.

O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-

GERAL DA REPÚBLICA) - Muito obrigado pela gentileza.

O SENHOR FLÁVIO LELLIS (DEFENSOR PÚBLICO) -

Doutor Jozefran, por gentileza. Permita-me fazer uma breve consideração. A

questão última aqui que se discute, na eventualidade dessa lei ser reconhecida

como constitucional, é que vai se poder submeter os condenados por crimes

graves, que é inclusive uma má definição da lei, forçadamente a retirar deles

esse material genético.

Como é que o senhor avalia, pelo conhecimento que o

senhor tem, pela experiência que o senhor mostrou para nós, que seria esse

procedimento dentro de uma cadeia?

O SENHOR JOZEFRAN FREIRE (ASSOCIAÇÃO

BRASILEIRA DE MEDICINA LEGAL E PERÍCIAS MÉDICAS) - Nós temos

um problema, enquanto legista, seriíssimo. A Resolução 1.931, do CRM,

Conselho Federal de Medicina, nos impede de fazer isso.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Isso não diz que a lei me impeça, mas a Resolução do

Conselho Federal me impede. Eu sou, antes de tudo, médico. Eu não posso

fazer esse tipo de manobra diante de presídio.

O SENHOR FLÁVIO LÉLLIS (DEFENSOR PÚBLICO) -

Qual o fundamento?

O SENHOR JOZEFRAN FREIRE (ASSOCIAÇÃO

BRASILEIRA DE MEDICINA LEGAL E PERÍCIAS MÉDICAS) - O

fundamento é assim, o fundamento é humanístico. Ao médico não cabe

participar de nada que faça com que a pessoa saiba que ele vai levar a

constrangimento tanto físico quanto psíquico de ninguém.

Então, não nos é permitida qualquer atitude, atividade

nessa linha. É uma questão que nos remonta às reflexões sobre a ética da

atividade médica, até aquilo que foi estabelecido no léxico hipocrático e foi,

depois, tratado por Aristóteles - nada menos do que ele - na Ética Nicômaco,

no segundo capítulo dela, quando ele fala do que é o médico. Porque, eu tenho

um vínculo com ele, grande, em nome de ciência. Aristóteles, primeiro,

estudou medicina, com o pai. Então, há algo que a gente tem que avaliar. Ao

médico, a gente vai ter essa dificuldade do ponto de vista de resoluções do

nosso Conselho, em relação a isso.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Então, para se trabalhar isso, o que é que faz? A resolução o

que diz? Você teria que mobilizar esse pessoal todo e levar ao local adequado

de exame. Com toda a logística disso, eu sei que do ponto de vista de logística

militar, de segurança pública, de segurança do policial, de segurança

econômica, torna inviável. Torna inviável, a gente sabe disso. Mas há as

limitações que a gente tem para fazer esse tipo de coisa. Assim como eu dizer

para o indivíduo: "Você é obrigado a coletar". Eu tenho aqui uma ordem

judicial que diz: "Você coleta de fulano de tal". Ele não abre a boca. Eu vou

fazer o que com ele para ele abrir a boca? Não vou poder fazer. Eu não vou

forçá-lo a nada, porque isso nos é impedido também.

Então, o que é que fica? Teria que assinar um termo de

consentimento livre, esclarecido, explicar para ele, pedir a colaboração para ele

poder deixar coletar.

O SENHOR FLÁVIO LÉLLIS (DEFENSOR PÚBLICO) - E

ele vai falar "não".

O SENHOR JOZEFRAN FREIRE (ASSOCIAÇÃO

BRASILEIRA DE MEDICINA LEGAL E PERÍCIAS MÉDICAS) - Pois é, se ele

fala "não", o médico simplesmente não vai coletar, porque ele não vai

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

perpetrar o ato de forçar. Não vai fazer. Isso é uma posição da gente. Nós não

teremos essa condição de fazer isto. Certo?

O SENHOR FLÁVIO LÉLLIS (DEFENSOR PÚBLICO) -

Muito obrigado.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) -

Obrigado.

Bem, vamos dar por encerrada a sessão pela parte da

manhã. Retomamos às 2h30.

DIA 26/06/2017 - TARDE

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) -

Declaro reabertos os nossos trabalhos para dar continuidade à vigésima

Audiência Pública – Identificação e Armazenamento de Perfis Genéticos de

Condenados por Crimes Hediondos ou Violentos – RE 973.837.

Dando sequência, convido, para fazer a sua exposição, a

Doutora Denise Hammerschimidt, Juíza de Direito e Pesquisadora da

Universidade de Barcelona, que disporá de 15 minutos.

A SENHORA DENISE HAMMERSCHIMIDT (JUÍZA DE

DIREITO E PESQUISADORA DA UNIVERSIDADE DE BARCELONA) -

Excelentíssimo Senhor Ministro Gilmar Mendes, Relator da Repercussão Geral

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

no Recurso Extraordinário nº 973.837, de Minas Gerais, perante o Supremo

Tribunal Federal, e também Presidente desta Audiência Pública,

Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral da República, Doutor Odim Brandão,

Excelentíssimo Senhor Flávio Lellis, Defensor Público, doutores, doutoras,

senhores, senhoras, familiares e amigos aqui presentes.

Comparecendo nesta Audiência Pública, honrada por

minha admissão nesta egrégia Corte, a respeito do debate compreendido na

repercussão em epígrafe, tomo a liberdade, como pesquisadora de há muito

tempo no assunto, na magistratura e na academia, de manifestar meu

pensamento, ciente que, diante de sua complexidade e de suas implicações

multidisciplinares, inclusive no campo ético, ele não se encerrará ou se

exaurirá no âmbito de um julgamento, ainda que da dimensão, importância e

influência do Supremo Tribunal Federal.

O tema a ser tratado é a eventual inconstitucionalidade do

artigo 9º-A da Lei de Execução Penal, por violação de direitos da

personalidade e direitos fundamentais.

Pois bem, cada célula do ser humano - olhos, boca, sangue,

saliva, fígado, coração - tem o mesmo DNA, esse DNA é único e irrepetível,

salvo os gêmeos monozigotos ou os gêmeos idênticos.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Desse modo, da mesma amostra biológica, da saliva, por

exemplo, eu posso extrair dois tipos de DNA, um chamado DNA codificante e

outro chamado DNA não codificante, ou DNA lixo, ou perfil genético. A nossa

lei optou por chamar o DNA não codificante o DNA lixo ou basura de perfil

genético.

O DNA codificante, por outro lado, que não é o perfil

genético, possui informação genética do indivíduo e de sua família. São

considerados dados sensíveis e estruturantes, pois revelam predisposições de

doenças comportamentais do indivíduo e também de sua família biológica. O

perfil genético não transmite informação genética, a não ser o sexo.

O artigo 9º da Lei de Execução nos fala que, naqueles

delitos, os condenados por crimes dolosos em que haja violência e/ou em

crimes hediondos serão obrigados à extração do DNA, de forma técnica e

indolor.

Pois bem, alega-se a inconstitucionalidade do referido

dispositivo por violação aos direitos da personalidade, pelo princípio da

dignidade humana, pelo princípio da não incriminação, direito a não produzir

prova contra si mesmo e presunção de inocência.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Com relação aos direitos da personalidade, poder-se-ia

elencar o direito à intimidade genética, integridade física e mental e o direito à

saúde. Segundo a Enciclopédia de Biodireito e Bioética, coordenada pelo

Professor Carlos Romeo Maria Casabona, o direito à intimidade genética

refere-se ao direito de determinar as condições de acesso à informação, seja em

forma de dados, informação ou qualquer elemento orgânico do qual possa

inferir-se essa, excluindo a ingerência de terceiros no conhecimento respectivo

e proibindo-se a sua difusão.

Ora, a intimidade genética não é devassada no caso do

artigo 9º-A e no caso do perfil genético, pois não codifica nada. Não é possível,

através do perfil genético, ter acesso à intimidade genética do indivíduo e da

sua família.

Ademais, a Lei nº 12.654, de 2002, prevê outras medidas no

intuito de auxiliar a intimidade. Uma delas proibiu que, nos bancos de perfis

genéticos, sejam revelados traços somáticos ou comportamentais das pessoas;

previu também que esses dados terão caráter sigiloso, respondendo cível,

penal e administrativamente aquele que permitir ou promover a sua utilização

para fins diversos dos previstos na lei.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

E ainda previu que somente será possível ter acesso a esse

banco de dados se tivermos autorização judicial. O que é, certamente,

suficiente para garantir qualquer tipo de ofensa à intimidade do indivíduo.

Somente a título de esclarecimento, ao tratar a doutrina

espanhol, ao falar sobre o Tribunal Constitucional espanhol e também sobre o

Tribunal europeu de Direitos Humanos, os autores (ininteligível) Victor

Gomes e Fernando Osmus (ininteligível) consideram quatro requisitos para a

obtenção da prova por meio de extração de DNA, qual seja, no trabalho

efetuado por ambos em 2009, após ter saído a Lei espanhola sob perfis de

dados genéticos em 2007.

Assim, menciono os quatro requisitos: primeiro, que

tenham uma finalidade constitucionalmente legítima; interesse próprio da

investigação penal; que se trate de uma prática prevista em lei; que seja através

de um ato judicial motivado; que respeite o princípio da proporcionalidade,

em sentido amplo, em especial, nos três requisitos; idoneidade, que a medida

seja idônea quando útil para consecução do objetivo que se pretende alcançar;

necessidade é necessário quando o objetivo não pode ser obtido por outro

meio menos oneroso para o indivíduo; proporcionalidade em sentido estrito

obriga a realizar uma ponderação entre os interesses em jogo.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Pois bem, analisando todos esses critérios, a doutrinadora

Kyra (ininteligível), sobre o direito a integridade física e moral e o direito à

saúde, nos ensina que, com relação a extração de mostras biológicas para

análise de DNA, deve reconhecer que a afetação a esses direitos é inexiste ou

mínima, podendo sobrepor, segundo os critérios da proporcionalidade, os

limites toleráveis.

Ademais, como referido pela mesma autora, segundo a

jurisprudência da Suprema Corte espanhola, a obtenção de mostras biológicas

para a a realização de provas de DNA tem sido qualificada como intervenção

corporal leve ou levíssima, não apresentando relevante afetação ao bem-estar

do indivíduo nem tampouco a sua saúde.

Portanto, a extração de tais mostras a partir, por exemplo,

de uma simples saliva não representa lesão alguma para a saúde do indivíduo.

Desse modo, respeitado in tontum o princípio da proporcionalidade em

sentido amplo.

Já no que tange a dignidade da pessoa humana, este

princípio deve ser ponderado com o dever de punir do Estado, conjuntamente

com o dever de segurança, art. 144 da Constituição Federal. De tal forma, que

o Estado opta por realizar mais um tipo de identificação do sujeito - assim

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

como tantas outras -, o que garante a oportunidade de apuração de crimes,

reduzindo as chances de processamento de indivíduos inocentes, ou seja, o

erro judiciário.

Ademais, a identificação não representa nenhum

tratamento indigno ou cruel, até porque a lei prevê que o procedimento a ser

adotado deverá ser indolor e por técnica adequada. Nessa linha de raciocínio,

o princípio da dignidade não resta vulnerado quando a extração da mostra

biológica se faz conforme a lex artis e por pessoal qualificado. Nesse sentido, a

Resolução nº 3, de 25 de março de 2014, do Comitê Gestor da Rede Integrada

de Bancos de Perfis Genéticos, apresenta protocolo no sentido de garantir que

a extração do DNA seja feita por técnica adequada e indolor e que a

metodologia seja prescrita em procedimento operacional padrão de colheita de

células de mucosa oral, proibindo-se a utilização de coleta de sangue. Conclui-

se, portanto, que a extração do DNA não se trata de meio indigno ou cruel, ao

se colocar um simples cotonete, de forma passiva, na boca do apenado.

Nas hipóteses de condenações criminais, Senhor Ministro,

Senhores e Senhoras, não se vislumbra também qualquer ofensa ao princípio

da presunção de inocência e ao princípio da não autoincriminação. Por que a

análise deve partir de uma premissa básica? Houve a condenação e essa

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

transitou em julgado. Oh - muitos vão falar -, mas não está escrito no art. 9º

que só deverá ser extraído de condenados, mas não de condenados por

trânsito em julgado. Mas vejam a lógica do raciocínio. Nós não temos,

efetivamente, disposto, no art. 9º, trânsito em julgado, mas nós temos duas

premissas aqui. Primeiro, a própria lei, ao colocar o art. 9º-A no Capítulo que

trata da classificação do condenado e do internado, dentro da Lei de Execução,

pressupõe que sua condenação já tenha transitado em julgado, ora. É

justamente na classificação do condenado e do internado que o condenado

deve ser classificado em face de seus antecedentes e personalidades. O exame

de personalidade e os antecedentes criminais do condenado permitirão não só

que se separe os primários dos reincidentes, mas também que se restabeleça a

terapêutica penal devida ao objetivo principal traçado no art. 1º da Lei de

Execução Penal. Então pergunta-se: resta dúvida de que a sentença não

transitou em julgado com a correta inserção do disposto no art. 9º da Lei de

Execução Penal, dentro do Capítulo de classificação? Claro que a sentença

transitou em julgado. Além disso, nós temos a Resolução de 2014, para que

ficasse mais clara a situação da lisura dos membros e dos profissionais que

trabalham nessa área do Comitê Gestor da Rede Integrada de Bancos de Perfis

Genéticos, ao dispor que, na Resolução nº 3, para cumprir o art. 9º-A, deverá

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

ser apresentada sentença condenatória e guia de recolhimento do apenado.

Quem trabalha com execução, quem já foi juiz de execução, sabe que a guia só

se extrai se já há uma condenação em trânsito em julgado. Com base nesses

dois pressupostos, nesses dois ingredientes, tenho certeza absoluta de que a lei

não viola nem o princípio da presunção de inocência, muito menos o princípio

da não autoincriminação. Por fim, essa Resolução nº 3, do Comitê Gestor,

visando à liberdade do sujeito que será objeto de extração de perfis genéticos,

no caso de recusa, não se tira o DNA à força. Eles vão lavrar um termo

circunstanciado, com testemunha, e encaminharão ao juiz competente, seja da

LEP, da Vara de Execuções Penais, ou outro que seja competente, para que

assim o decida, e o condenado, com certeza, entrará com agravo à execução

penal e, enfim, será decidido qual o desiderato.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) -

Eu pediria que encerrasse.

A SENHORA DENISE HAMMERSCHIMIDT (JUÍZA DE

DIREITO E PESQUISADORA DA UNIVERSIDADE DE BARCELONA) - De

todo impositivo, a criação de um tipo penal - até estou mostrando, Senhor

Ministro - que coíba as distorções na utilização dos dados genéticos, em

especial porque as mostras biológicas geram perfis genéticos e também DNA

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

codificantes. De proposta de lege ferenda seria um tipo penal referente aos

crimes contra inviolabilidade de segredos:

Art.153-A. Utilizar ou divulgar indevidamente conteúdo sigiloso do banco de dados de perfis genéticos.

Pena - Reclusão de 1 a 4 anos e multa. § 1º - Nas mesmas penas incorre quem permite ou

facilita, por qualquer meio, o acesso de pessoas não autorizadas às informações contidas no banco de dados de perfis genéticos.

§ 2º - Se da ação ou omissão resultar dano: Pena - Reclusão de 6 a 6 anos e multa. § 3º - Aumenta-se a pena de um terço se o fato for

cometido por funcionário público. Encerrando, entendo pela plena constitucionalidade do

referido dispositivo legal por sua compatibilidade com o sistema de garantias

de direitos fundamentais da pessoa humana, sem olvidar a defesa social.

Obrigada, Senhor Ministro.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) -

Obrigado.

Doutor Renato Brasileiro Lima, com a palavra para falar

pela Academia Brasileira de Ciências Forenses, também disporá de 15

minutos.

O SENHOR RENATO BRASILEIRO LIMA (ACADEMIA

BRASILEIRA DE CIÊNCIAS FORENSES) - Excelentíssimo Senhor Ministro

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Gilmar Mendes, cumprimento todos os Integrantes da Mesa, Doutor Flávio

Teles, Doutor Odim, nossos Colegas de bancada.

Excelência, aqui estou não como Promotor de Justiça

Militar, nem como ex-Defensor Público da União, falo, na verdade, mais como

um simples autor de processo penal, tentando trazer, modestamente, uma

contribuição para este debate.

Excelências, o ser humano é muito resistente a toda e

qualquer mudança, sobretudo no processo penal. O processo penal representa

o último limite que temos contra e a pretensão punitiva do Estado. E daí esse

ceticismo quanto às novidades. Nosso tempo é muito curto, mas, se formos

listar aqui as várias leis ao longo dos anos, sempre no começo há uma

resistência quanto a elas. Eu lembrava, por exemplo, sobre a Lei dos Juizados,

à época. Quando entrou em vigor em 95, havia quem questionasse como é que

pode se admitir o consenso no processo penal. Hoje é algo muito simples.

Vamos tomar o exemplo da Lei nº 12.850, a Lei das Organizações Criminosas.

Quando ela entrou em vigor, os primeiros comentários quanto a ela, sempre

no sentido da constitucionalidade. Com erros ou acertos, o fato é que o

processo penal hoje é um processo penal completamente diferenciado depois

da Lei nº 12.850. Não há como se imaginar o avanço do processo penal

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

brasileiro sem instrumentos investigatórios, como a colaboração premiada, a

ação controlada, infiltração policial.

E esse ceticismo, senhores, recai hoje sobre a Lei nº 12.654.

Ontem não pude participar, mas hoje, pela manhã, pude acompanhar o

altíssimo nível dos debates aqui e o quanto que a contribuição trazida pelos

peritos é importante para nós operadores do Direito, porque é tudo muito

novo. O que vai ser feito com isso? Qual que é o acesso? O que é DNA

codificante? O que não é DNA codificante? Vamos fazer um clone? Não vamos

fazer o clone? São questionamentos que, inevitavelmente, vão surgir. E o cerne

da questão, senhores, Lei nº 12.654.

A Lei produz duas alterações, e, se me permite, Ministro,

vou comentar não apenas quanto à Lei de Execução Penal, mas também

quanto à Lei nº 12.037, porque acho que uma coisa está diretamente ligada à

outra.

Sem dúvida alguma, a Lei nº 12.654 altera a identificação do

perfil, a questão da identificação criminal, e passa a prever a possibilidade de

coleta do material biológico para fins de identificação do perfil genético. Não

adianta negar, e nesse ponto aqui o Doutor Grandinetti foi muito feliz em sua

peça escrita, na verdade a Lei altera a LEP e altera também a Lei nº 12.037 com

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

um objetivo muito óbvio, não adianta negar, é para fins de utilização de prova.

Foram citados aqui, pelos Colegas da Polícia Federal, do Ministério da Justiça,

vários exemplos do perfil genético sendo usado como prova. E talvez seja esse

o cerne da constitucionalidade ou não dessa mudança. Será que eu posso usar

esse material para fins de prova no processo penal? A questão passa

inevitavelmente, senhores, pela análise do princípio nemo tenetur se detegere e

pela análise da própria Constituição que diz que: o civilmente identificado não

será submetido à identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei.

Quanto à questão da identificação do perfil genético, parece

que não haver nenhuma controvérsia, nada mais é do que uma nova forma de

identificação. Como muito bem exposto pelos peritos aqui presente pela

manhã, aquela ideia da imutabilidade, da ideia da perenidade, da ideia da

própria classificabilidade, aí, muito bem dita pelo doutrinador Mário Sérgio

Sobrinho, quer dizer, eu preciso ter dados que me permitam a identificação

mais precisa do indivíduo, sobretudo no processo penal. Num tempo,

usávamos a identificação fotográfica, péssimo metido de identificação, porque

eu não tenho como fazer essa classificabilidade; há muitos anos, identificação

datiloscópica. E, hoje, temos, com os graus de avanço tecnológico, a

identificação do perfil genético.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Então, quanto a essa questão, facilmente podemos concluir

que a identificação do perfil genético nada mais é do que uma espécie de

identificação criminal que se revela com muita precisão.

Mas o cerne da questão - infelizmente o nosso tempo é

curto -, sobretudo o princípio que veda a autoincriminação. Princípio

constante da Constituição Federal, Convenção Americana sobre Direitos

Humanos, o preso será informado de seus direitos, entre os quais de

permanecer em silêncio. Doutor Flávio colocou muito bem, aqui, pela manhã,

a preocupação, o indivíduo condenado recebe essa informação? É obvio que

ele tem que receber. Na verdade, sabemos o famoso "Aviso de Miranda", quer

dizer, o cidadão não apenas tem o direito de não produzir provas contra si

mesmo, mas ele tem o direito de ser advertido quanto a esse direito. Então, é

importante, esse julgamento é histórico, exatamente para que essas premissas

sejam fixadas.

Eu não posso admitir a coleta de material biológico de

maneira clandestina, sem que o indivíduo tenha ciência. E, como bem colocou

o Doutor Grandinetti, eu não posso dizer que o indivíduo está sendo coletado,

vou negar isso vai ser usado como prova. Vai sim ser usado como prova;

sejamos honestos! Essa é a finalidade da coleta. Pode ser usado, como bem

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

disseram os peritos, à questão de pessoas desaparecidas, é verdade, mas o

cerne aqui da Lei nº 12.654 é exatamente a questão da utilização como prova. E

aí vem o direito ao silêncio, e aí vem o princípio nemo tenetur se detegere.

Senhores, princípio fundamental do processo penal: o

acusado já não mais pode ser tratado como o objeto de investigação; ele é um

sujeito de direitos. Sabemos que, por força desse princípio, em vários julgados,

esta Corte já afirmou isso, o cidadão está protegido pelo direito ao silêncio, ele

não é obrigado a confessar.

Discute-se quanto à mentira, por exemplo. Há

doutrinadores que dizem que o cidadão teria o direito à mentira.

Particularmente, eu vejo num sentido um pouco distinto, eu acho que não

posso dizer que alguém tenha direito de praticar uma conduta antiética e

imoral. Na verdade, talvez, não que a mentira seja um direito; na verdade, é

inexigível a verdade, já que, no Brasil, ao contrário de outros países, não existe

o crime de perjúrio.

Além disso - aí vem o cerne da questão -, por força do nemo

tenetur, a doutrina Rocksim fala sobre isso; caso da Suprema Corte Norte-

americana também, o cidadão não é obrigado a praticar nenhum

comportamento ativo que possa incriminá-lo. E isso é sempre muito bem

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

trabalhado. A Suprema Corte Norte-americana caso Chimeper v. Califórnia; o

próprio Rocksim fala sobre o assunto. E, aí, é sempre importante

diferenciarmos a questão do comportamento ativo do comportamento passivo.

O cidadão não é obrigado a praticar nenhum comportamento ativo que possa

incriminá-lo. Por isso que eu não posso obrigar ninguém a participar de uma

reconstituição; por isso eu não posso obrigar ninguém a fornecer seu padrão

de voz para se sujeitar a um espectograma da voz; por isso que eu não posso

obrigar ninguém a rascunhar no papel para fazer um exame grafotécnico.

Agora, será que isso significa dizer que eu não posso fazer

um grafotécnico? Que eu não posso fazer outro meio de prova? É obvio que

sim. Aliás, Excelentíssimo Ministro Gilmar Mendes, há julgados de Vossa

Excelência: o Habeas Corpus nº 99.245 que fala exatamente sobre a questão do

grafotécnico. Quer dizer, eu não posso obrigar ninguém a fornecer material de

seu pulso escritor, mas eu posso determinar a apreensão desses materiais.

Então, se amanhã eu estou sendo investigado num caso de interceptação

telefônica, eu posso me negar a fornecer meu material, minha voz, não vou

gravar. Só como professor que sou há quase quinze anos, facilmente qualquer

aí canal do Youtube, você vai localizar a minha voz, pode apreender isso e

fazer essa comparação sem problema nenhum.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

E aí chegamos, senhores, à questão da coleta do material

biológico, o famoso swab. Aliás, a exposição aqui do Doutor foi muito feliz.

Tivemos problemas. Inclusive, até havia preparado os slides, mas nem vou usá-

los, porque sempre dá problema. Então, é melhor prosseguirmos aqui na

disposição.

Mas, quanto à questão do grau de invasividade do swab,

quer dizer, você pega um cotonete - e eu sempre me perguntava sobre como

era feita essa coleta - e esfrega no céu da boca do indivíduo. Temos aí

claramente, senhores, as chamadas intervenções corporais. A doutrina

conceitua essas intervenções como:

Medidas de investigação realizadas sobre o corpo das pessoas, sem a necessidade do consentimento destas, e por meio de coação direta, se for preciso, com a finalidade de descobrir circunstâncias fáticas relevantes para o processo.

Essa é exatamente a doutrina de Nicolas Serrano.

Então, o questionamento é: eu posso obrigar alguém a se

sujeitar a essas intervenções corporais? O cerne da questão é exatamente se

essa intervenção corporal é invasiva ou não.

Fui convidado pelo Doutor João Costa, meu querido amigo,

para esta exposição, pela Academia Brasileira de Ciências Forenses, porque

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

falo sobre isso no meu livro. Na verdade, digo o seguinte: depende de como

esse material biológico é coletado. A doutrina e a jurisprudência sempre

analisam isso. Essas intervenções corporais podem ser invasivas ou não. O que

é uma intervenção invasiva? É uma intervenção que implica na penetração no

organismo humano com fins de retirada de alguma parte do organismo.

Então, por exemplo, um exame de reto, da cavidade vaginal e assim por

diante, essas seriam provas invasivas, não podendo ser feita contra a vontade

do indivíduo. Agora, o que é uma prova não invasiva? Como o próprio nome

já diz, é uma inspeção, uma verificação corporal no qual não vai haver

nenhum tipo de penetração no organismo humano.

Nesta Casa, temos vários precedentes nesse sentido; já

foram citados e trabalhados aqui. É óbvio que eu não posso obrigar ninguém a

doar sangue, a me entregar um fio de cabelo. Mas, se esse material é

apreendido, voluntária ou involuntariamente, descartado pelo cidadão, é

óbvio que ele pode ser objeto de apreensão. Como exemplo, um precedente

desta Casa: o caso da Glória Trevi. O caso Pedrinho também é importante. A

partir do momento em que o cidadão descarta uma guimba de um cigarro, não

há falar em proteção à intimidade nem à vida privada. Houve uma renúncia.

Fosse aquilo objeto de proteção, certamente não seria descartado.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Então, aos olhos da melhor doutrina, o ideal é concluir

exatamente no sentido de que a coleta desse material biológico há de se revelar

constitucional, desde que feita de maneira não invasiva.

São extremamente importantes, Ministro, os

questionamentos feitos por Vossa Excelência sobre essa coleta. Vossa

Excelência encaminhou um ofício para a Polícia Federal, que o respondeu no

Parecer nº 1, subscrito pelo Doutor Ronaldo Carneiro da Silva Júnior. Acho

que a grande questão, a pergunta mais interessante, é a de número três;

porque podemos fazer uma interpretação conforme a Lei nº 12.694, à luz do

princípio do nemo tenetur. O indivíduo, Doutor Flávio, tem que ser advertido:

"Você tem o direito ao silêncio e não é obrigado a produzir prova contra si

mesmo; você deseja fazer o exame de maneira espontânea?" "Sim" ou "não". Se

ele não quer fazer o exame de maneira espontânea - acho até que foi objeto de

questionamento ao último expositor da manhã -, eu vou amarrá-lo em uma

cadeira e abrir sua boca à força? Penso que não! Eu, sinceramente, não consigo

visualizar esse tipo de conduta sendo praticado. Seria algo absurdo no Estado

Democrático de Direito em que vivemos.

Agora, dizer que eu não posso fazer o exame? Eu penso que

pode. E, aliás, nesses quesitos que foram encaminhados à Polícia Federal, foi

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

feita exatamente essa pergunta, o quesito de número três: tecnicamente, é

possível a extração do material biológico em caso de resistência? Sim foi a

resposta, tecnicamente é possível. Cita-se aqui primeiro: a coleta desse

material em eventuais exames médicos, de saúde - é o caso da Glória Trevi. E o

outro exemplo, dizendo que, em recusa, é perfeitamente possível a apreensão

de garrafas de água, escova de dentes, talheres. É óbvio que haveria a

necessidade de uma cautela maior para preservar a integridade do material, a

própria cadeia de custódia, mas esse indivíduo poderia ser colocado num

ambiente, sem contato com outros presos, para que esse material fosse

coletado. É evidente que talvez houvesse questionamentos quanto à

idoneidade desse material. Agora, fato é que sempre estará aberta a ele a

possibilidade de se fazer um contraprova. Quer dizer, o indivíduo sabe que,

diante de sua recusa, esse material poderá ser coletado, por meio de uma

busca e apreensão. Diante de sua recusa, faço essa coleta. Se ele quiser

questionar o resultado do laudo pericial, que, voluntariamente, nos forneça o

material para o exame de DNA.

Meu tempo, Ministro, é muito curto. Sinceramente havia me

preparada para falar sobre privacidade e proporcionalidade. Agora, fato é que

precisamos nos perguntar qual é o processo penal que desejamos, se o da

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

década de quarenta do nosso Código. Quem faz audiência, Doutor Flávio sabe

disso, audiências criminais, quantos estupradores não são condenados com

base no reconhecimento. Não é possível que continuemos olhando para o

Código de Processo Penal da década de quarenta e ficar usando esses meios de

prova. São válidos? Sim. A prova pericial é uma prova irrefutável? Não. Mas é

um conjunto. Nós vamos aprimorar; precisamos beber dessa fonte, da

evolução dos métodos científicos, porque é saudável para o processo penal.

Aquele filme famoso "A Condenação", o cidadão permaneceu preso durante

dezoito anos injustamente, até que o exame de DNA revelou a sua inocência.

A Lei 12.654, é bom frisar, não é para condenar exclusivamente pessoas, mas

também servirá, sem dúvida alguma, para inocentar. E o que espera a Polícia

Federal - o Ministério da Justiça está aqui - é exatamente a chancela desta

Corte quanto à constitucionalidade, para que mais e mais materiais sejam

coletados, enriquecendo o banco de dados. Há de se buscar, nas palavras do

querido professor Antônio Scarance Fernandes, um grau maior de eficiência

no Processo Penal brasileiro. Eficiência, diga-se, não como sinônimo de

condenações. Às vezes, falamos em eficiência, parecendo que queremos mais e

mais condenações. Não! O que se busca é uma eficiência para preservar

direitos e garantias fundamentais do condenado e do acusado, conquistadas

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

ao longo de anos, mas, também, através de um sistema que permita aos órgãos

persecutórios agirem para se desincumbir do seu mister que é a pretensão

punitiva.

Agradeço a atenção de Vossas Excelências.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) -

Obrigado, Doutor Renato Brasileiro de Lima.

Agora, vamos ouvir a advogada Doutora Taysa Schiochet,

para falar pela Clínica de Direitos Humanos da Universidade Federal do

Paraná, BIOTECJUS, também disporá de 15 minutos.

A SENHORA TAYSA SCHIOCHET (CLÍNICA DE

DIREITOS HUMANOS - UFPR - BIOTECJUS) – Boa tarde a todos. E

cumprimento na pessoa do ilustríssimo Ministro Gilmar Mendes.

Gostaria de iniciar a minha intervenção, dizendo que será

estruturada em três pontos. O primeiro deles: os pressupostos

interdisciplinares para o debate constitucional; o segundo, quais os problemas

enfrentados pelo STF na análise da constitucionalidade; e, finalmente, o

terceiro ponto, soluções possíveis à constitucionalidade da Lei nº 12.654.

A questão que me parece relevante aqui não é perguntar se

se é constitucional ou não, mas em que condições seria possível a

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

constitucionalidade da Lei que existe hoje. É preciso registrar, como

pesquisadora da Universidade, que acompanhou, desde o processo legislativo

desse projeto de lei, a discussão muito lacônica - eu diria - e sem a participação

efetiva da sociedade e de juristas, o que gera a Lei na situação em que ela se

encontra; e, aí, o Supremo Tribunal com a incumbência, nesse momento, de

fazer um controle de constitucionalidade em relação a essas questões.

O Ministro Gilmar Mendes estabelecerá os limites, muitos

claros e precisos, desta Audiência Pública ou dessa temática, a qual trata dos

limites dos poderes do Estado:

1- Colher o material biológico de suspeitos ou condenados

por crimes;

2 - Traçar o respectivo perfil genético, de armazenar os

perfis em bancos de dados e de fazer usos dessas informações, dizendo que

são objetos de discussão nos diversos sistemas, elencando tantos direitos da

personalidade quanto a prerrogativa de não se autoincriminar, como as

questões que, de alguma maneira, então, orientam essa nossa discussão.

Partindo disso, eu gostaria de situar a intervenção nesse

eixo de análise, ou seja, a discussão aqui não se daria, no nosso entendimento,

sobre segurança pública versus não autoincriminação, o direito ao silêncio. Ela

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

não se restringe a esse conflito ou eventual dilema. A discussão se dá no que se

refere a tutela judicial efetiva. É punição de delitos, e não tanto prevenção de

delitos.

E, aí, por outro lado, no âmbito da esfera privada dos

direitos da personalidade, justamente o que nós temos, mais uma vez, não é

apenas não autoincriminação, não é só não autoincriminação no campo do

Direito Penal, mas de ter uma série de direitos, como a autonomia,

autodeterminação corporal e informacional, privacidade e intimidade que

refletem diretamente na dignidade, no seu sentido de liberdade e igualdade.

Então, pensar a flexibilização ou suspensão de direitos pode

ser, desde que justificada, proporcional e controlada. Não há direitos

absolutos, não há princípios absolutos, não há prerrogativas absolutas, mas

existem critérios para que isso seja feito de maneira controlada, que, no nosso

entendimento, a priori, a lei não atende.

Além disso, é preciso observar nesse padrão de controle, de

justificativa e de proporcionalidade alguns elementos fundamentais.

Primeiro, o DNA é prova. Ele pode ser, do ponto de vista

pericial, identificação, mas, do ponto de vista jurídico, ele tem uma dupla

função. Ele é identificação e ele tem conteúdo probatório. Uma vez que eu

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

considero isso, não tem como eu negar todas as garantias, proteções, direitos,

ou todas as dinâmicas relativas à prova no processo penal. Isso implica em

dois elementos que eu preciso observar em relação a isso durante toda a cadeia

de custódia, ou seja, desde o momento em que eu coleto aquele material na

cena do crime ou de uma pessoa, seja vestígio ou referência, então,

credibilidade científica nesse momento, nessa cadeia de custódia, e licitude do

DNA, até ela chegar no processo penal. Aí os doutrinadores, sobretudo da

União Europeia, vão dividir isso, em geral, em quatro fases, que são

justamente as fases que foram mencionadas pelo Ministro no momento de

sintetizar as principais questões que estão em discussão. E eu vou voltar a

essas quatro fases que são coleta, análise do perfil, armazenamento - em algum

momento, é preciso se dar conta de que esse dado vai ser armazenado, não

simplesmente usado num processo. Existe o armazenamento num banco de

dados. Isso implica outras reflexões para além do Direito Penal - e, por fim, a

fase de valoração dessa prova no processo penal. O que significa ter um perfil

genético num processo penal? O que significa o percentual 99,9 em termos de

probabilidade? O que significa isso na cena do crime? Se essas questões não

forem observadas, eu tenho a nulidade da prova ou a irrefutabilidade da

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

prova, o que me parece difícil levar por esse caminho da irrefutabilidade.

Quais são, então, os pressupostos interdisciplinares para esse debate?

Estamos diante do uso forense da bioinformação. Existem

relatórios, principalmente do Reino Unido, tratando disso. A gente tem, no

STF, o tratamento dessa matéria justamente no âmbito do Direito de Família. E

agora vem a questão do uso forense do DNA no âmbito da política criminal. A

tecnologia não é neutra. A gente parte desse pressuposto. Ela depende dos

usos que eu dou a essa tecnologia. Então, o DNA, a tecnologia, os laboratórios,

o que se produz não é algo neutro em si. Vai depender do uso que eu dou e

das proteções que carregam com ela. Nesse sentido, por exemplo, eu tenho

que estar sempre ciente dos avanços em genética. Foi comentado antes que o

perfil genético não traz informações fenotípicas, que o perfil genético não traz

informações sobre a pessoa. Pois bem. Existem, sim, pesquisas com os

chamados snips que trazem características físicas das pessoas. Existem várias

pesquisas. O evento que teve aqui em Brasília inclusive muitos pesquisadores

peritos estão apresentando os resultados dessas pesquisas, ou seja, eu posso

saber cor de pele, olho, cabelo, quer dizer, se tem covinha ou não. Isso, a priori,

é preciso registrar, está impedido pela lei, porque a lei diz que não podem

apresentar traços somáticos, mas isso é importante frisar, está no perfil

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

genético. Então essa questão técnica é importante também, porque é muito

provável, senhoras e senhores, que a ciência vai avançar e, em algum

momento, isso vai, de alguma forma, ser incorporado ao processo.

Particularmente tenho essa convicção.

Pois bem. Diante desses avanços tecnológicos, é importante

ter uma postura não tecnófila, apaixonada pela tecnologia, e nem tecnófoba,

ou seja, resistente a qualquer forma, e, sim, dar o seu devido enquadramento,

o seu devido dimensionamento, quais são as reais possibilidades e quais são

os reais riscos.

Em relação ao DNA, eles são, portanto, dados pessoais

sensíveis, porque dizem respeito as pessoas, inclusive, aos seus familiares,

como há, em alguns países, a questão das pesquisas familiares, que não estão

proibidas na nossa legislação, mas que são proibidas em diversas legislações.

Isso também é um tema a ser enfrentado.

O principal tema em relação ao DNA, parece-me, é o mito

da infalibilidade. Isso aparece em vários trechos do processo, do recurso

extraordinário, uma crença, eu diria, bastante ingênua, romântica, na ideia da

infalibilidade do DNA, de que o DNA resolveria todos os problemas de erros

no Judiciário, quando, na verdade, sabemos que existem erros - isso foi,

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

inclusive, comentado. Não significa que os peritos não estejam de boa-fé, que

não sejam qualificados, muito pelo contrário, são doutores, têm uma formação

específica nisso, estão trabalhando para ter a ciência na melhor situação. Mas

existem erros, tanto que, nos Estados Unidos, existem eventos periciais

tratando do gerenciamento de erros. E existem vários casos - elenco, eu não

vou comentar os erros aqui - de erros, como o da Amanda Kiosk - há,

inclusive, um documentário sobre isso -, da mulher sem face na Alemanha,

que ficou dezesseis anos achando que era uma assassina, porque ela aparecia

em vários contextos, em várias cenas de crime. Depois, descobriu-se que, na

verdade, era, de fato, uma contaminação de uma mulher que trabalhava na

empresa, que produzia o swabs - isso, na Alemanha.

Então, há uma série de situações que demonstra os casos de

erros. Aqui não é para diminuir o trabalho da perícia, mas é para que,

simplesmente, quando a gente vai tomar uma decisão jurídica, a gente tenha a

real noção dos limites e possibilidades, dos problemas, inclusive, que há em

relação ao DNA.

Vários casos foram reexaminados nos Estados Unidos,

casos, inclusive, tendo pena de morte, onde o próprio FBI admitiu falhas na

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

análise do DNA. Dos trinta e dois casos que teriam de ser reabertos, quatorze

já tinham executadas as sentenças de pena morte.

Então, é preciso levar em consideração que, sim, há

possibilidade de erro. Isso não é um limite, uma contingência da técnica

propriamente, pode ser eventualmente, mas também humano.

Trago aqui algumas outras notícias que foram amplamente

divulgadas sobre erros periciais, sobre a discussão que tem no próprio

Judiciário norte-americano em relação aos erros de genética forense e os

cuidados que, enfim, como superar essas questões.

E aqui quais são os tipos de erros. Existem vários tipos de

erros. Pode ser um erro relacionado a perito; pode ser um erro intencional, na

realidade, uma fraude; pode ser um erro em relação ao método; podem ser

erros em relação aos limites da tecnologia. Hoje a gente bem sabe que o CODIS

mudou os seus marcadores de treze para vinte, para que ele seja mais seguro.

Então, isso é algo positivo, mas isso demonstra que, justamente, a ciência está

em evolução.

Para evitar esse efeito (ininteligível) de uma crença à crítica

na infalibilidade do DNA, é preciso ter em conta esses casos reais, esses

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

problemas, para saber os verdadeiros limites em que é preciso colocar isso.

Que experiências a gente teria dos países europeus, dos Estados Unidos?

Criar um banco de DNA requer investimentos legislativos

também. Isso, uma jurista britânica vai dizer: "Se eu não invisto

legislativamente, eu vou ter um banco ineficaz, com longas e caras batalhas

judiciais e com resultados confusos".

Um outro elemento importante, e aqui eu gostaria de frisar,

porque, na regulamentação do nosso banco, existem muitas resoluções que

tratam de temas de matéria penal e de processual penal, o que, de alguma

maneira, não estaria no âmbito da competência de comitê gestor para regular

sobre essa matéria e temas dessa natureza, o que é muito comum no sistema

da common law. Mas nós, ainda que nos comuniquemos com o sistema da

common law, estamos no sistema da civil law e, portanto, é preciso que essas

garantias, esses direitos estejam previstos em lei, e não numa resolução do

comitê gestor, que traz nenhuma segurança jurídica, o que muito frágil do

ponto de vista normativo.

Ainda em relação ao Direito europeu, sempre que gente

cita, houve vários casos de países, e a maioria dos países da Europa, de fato,

permite, tem os bancos de DNA, mas é preciso lembrar que eles partem de um

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

pressuposto: uma rigorosa normativa de proteção de dados pessoais. A

Europa tem regulamentação nesse sentido. Então, todos os bancos de todos os

países já têm isso como um pressuposto: DNA é dado pessoal sensível, seja ele

codificante ou não codificante. O que piora ou agrava essa situação, que coloca

a questão de risco de acesso a esses dados? Bioinformática associada a

armazenamento em bancos. Ou seja, eu tenho uma maior vulneração de

dados, portanto eu preciso de uma lei que traga maior proteção a esses dados

que estão armazenados. Porque lembramos, hoje, no Brasil, a gente tem todo o

DNA armazenado nos bancos de dados. Eles não são, atualmente, hoje, só

banco de perfis. A lei silencia sobre isso. Na prática, a gente tem, na verdade,

verdadeiros biobancos, que foram criados e legitimados pela Lei nº 12.654.

Pois bem, além disso, eu gostaria de citar três impactos

sociais que foram amplamente divulgados nesses dias, nessas sessões de

audiência.

Um deles é o Projeto Inocência, o Innocence Project. O que os

países que já possuem o uso Innocence Project demonstram é que há uma parca

utilização comparada às condenações, isso, no Reino Unido e nos Estados

Unidos, ou seja, existe esse projeto, ele é utilizado, mas comparativamente às

condenações, por óbvio, ele é muito menor. Não há investimento. Em geral,

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

isso fica a cargo das Clínicas de Direitos Humanos para tentar inocentar essas

pessoas.

Em relação aos crimes sexuais, que, em geral, são os crimes

utilizados para legitimar o uso de bancos nesse sentido e que são, de fato, os

crimes para os quais o banco teria maior utilidade, é preciso lembrar que, no

Brasil, a maioria dos crimes cometidos contra mulheres são cometidos por

pessoas conhecidas, ou seja, basicamente, aproximadamente setenta por cento,

segundo o mapa da violência, vai dizer que os agressores são conhecidos da

vítima. Portanto, não há relevância do DNA nesses casos.

Em relação, por último, a impunidade ou criminalidade,

que é um dos argumentos para se legitimar também essa legislação, é preciso

lembrar que prevenção delitiva é um fator muito difícil de ser diagnosticado,

porque é multifatorial. Criminalidade é multifatorial.

Então, não há pesquisas conclusivas sobre a eficiência do

banco de dados. Hoje, esse é o tema que vem sendo discutido, por exemplo, no

Reino Unido e nos Estados Unidos. Qual é de fato, quais são as pesquisas que

demonstram em que grau há eficiência dos bancos de dados? Qual é o

percentual, como eu analiso isso? Os bancos hoje estão buscando esse valor,

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

esse coeficiente, isso vem sendo revisado, inclusive por autores do direito

europeu, da sociologia na Europa.

Finalmente, o problema da estigmatização e que, no caso

britânico, que é o maior banco que se tem, demonstrou que isso, sim, é

possível de acontecer. A gente tem o dobro de negros inseridos no banco de

perfis em relação aos brancos.

Quais seriam os problemas, então, a serem enfrentados pelo

STF em relação a essa questão?

A primeira questão, a não autoincriminação, poderia se

configurar como hard case? Caberia ao STF, portanto, estabelecer o sentido e

extensão do direito de não se autoincriminar, porque ele não está posto na

legislação nem na Constituição.

Do ponto de vista normativo, ele teria que ser avaliado

como um Direito Fundamental, cláusula pétrea e seus reflexos processuais, o

que teria que ser enfrentado, nesse sentido também, os precedentes do próprio

STF, em vários habeas corpus, que estabelecem a ideia de uma imunidade

corporal. E, mesmo em relação a provas menos invasivas, como o bafômetro,

padrões gráficos, se considera que haveria, então, um comportamento ativo.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Pergunto qual seria a grande diferença entre soprar um bafômetro e abrir a

boca para um swab?

A questão aqui também não é só a invasão física, não é a

intimidade física, autodeterminação puramente corporal.

Por fim, questões do aspecto social da nossa realidade;

análise da taxatividade da lei; análise da proporcionalidade, como já foi

mencionada aqui; a questão da integridade física e ampla defesa, que

carregaria, com essa prova, no processo, uma série de garantias que estão hoje

só previstas nessa Resolução nº 3, do Comitê Gestor, que entendemos

inconstitucional por incompetência; e, finalmente, as soluções possíveis, elas

estariam no campo da proteção de dados pessoais, que os próximos Colegas

da Clínica de Direitos Humanos vão mencionar e o ITS.

Então, eu dou por encerrada, no entendimento de que os

Colegas poderão dar continuidade para análise não só da não

autoincriminação, mas os direitos da personalidade na proteção dos dados

pessoais sensíveis, como é o caso do DNA.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) -

Obrigado, Doutora Taysa Schiocchet.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Vamos agora ouvir o Doutor Carlos Affonso Pereira de

Souza, que falará pelo Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro

(ITS).

O SENHOR CARLOS AFFONSO PEREIRA DE SOUZA

(INSTITUTO DE TECNOLOGIA E SOCIEDADE DO RIO DE JANEIRO - ITS)

– Boa tarde a todos! É um prazer poder fazer parte desta Audiência Pública.

De início, gostaria de dar os agradecimentos e boa-tarde ao

Excelentíssimo Ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal; ao

Subprocurador-Geral da República, Doutor Odim Brandão; ao Doutor Flávio

Léllis, Defensor Público; à Doutora Ravena Siqueira, Secretária desta

Audiência.

A minha contribuição hoje aqui vem do Instituto de

Tecnologia e Sociedade. O ITS é uma organização criada há quatro anos, mas

fruto de um trabalho, já há quase quinze anos, dos Diretores que fazem parte

deste Instituto, que trabalha bastante com a discussão sobre direitos e

tecnologia. A equipe do ITS trabalhou bastante nos mais de nove anos de

trabalho envolvendo a criação do chamado Marco Civil da Internet, que é a Lei

nº 12.965/2014. Mais recentemente, o ITS esteve envolvido no lançamento do

aplicativo MUDAMOS, que permite a assinatura de anteprojetos de leis por

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

meio do celular, ou seja, com uma expertise que aqui procura, de forma

interdisciplinar, trazer discussões jurídicas para dentro de um cenário de

desenvolvimento tecnológico.

A minha fala de hoje, a minha contribuição para esta

Audiência Pública, num slide levemente desformatado, seria, de início,

mencionar, como a Professora Taysa estava fazendo, algumas discussões que

levam à discussão, ao debate sobre a infalibilidade do DNA para fins de

prova.

A partir disso, falaremos um pouquinho sobre a expansão

dos bancos de dados de perfis genéticos. Analisaremos, então, a legislação

contestada. E, por fim, falaremos um pouquinho sobre o futuro do que essa

decisão representa para a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

Então, começando, trabalhando com a questão de

fragilidades, disso que parece uma prova perfeita. E aqui é bom deixar claro,

desde o início, para que não haja qualquer engano, para que não haja qualquer

má interpretação, que isso não é um crítica ao trabalho de perícia, não é uma

crítica ao trabalho, enfim, de cientistas forenses, mas é importante perceber,

muito pelo contrário, que, quando trabalhamos com a questão dos perfis

genéticos, da criação de base de dados, temos dois lados da moeda: assim

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

como temos o DNA solucionando uma série de casos, temos situações em que,

pelos mais diversos motivos - como a Professora Taysa mencionou -, podem

levar a situações como a deste Senhor David Butler, um taxista de Liverpool,

que foi incriminado e que passou mais de oito meses na cadeia, porque se

imaginava, através do exame pericial feito sobre o DNA, que ele seria o

assassino de uma situação, de um homicídio ocorrido nessa cidade, quando,

depois, veio a se descobrir que, na verdade, ele era inocente. Ele passou esse

tempo todo na cadeia, porque, ao que parece ser, sendo portador de uma

doença em que faz com que ele acabe deixando rastros que podem levar à

identificação do DNA de forma mais fácil, ele acabou - o que se imagina,

talvez, como é taxista - entregando uma nota de dinheiro para um passageiro,

e esse passageiro, efetivamente, foi aquele que cometeu o assassinato, aquele

que cometeu o crime. É muito interessante esse caso - se vocês buscarem na

internet, é fácil conseguir várias informações sobre ele. O depoimento que dá

esse cidadão dizendo que esse foi, obviamente, o pior período da sua vida; a

solidão do tempo que ele passou na prisão. Mas, talvez, um outro lado, que

acho que diz muito aqui as falas que foram colocadas, brilhantemente, pelos

Colegas nesta Audiência, que é a busca pelo culpado, porque, na medida em

que esse senhor foi absolvido, a família da mãe que foi assassinada se colocou

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

numa situação de desespero, porque o que se achava que existia, que ali estava

o assassino, descobre-se que não estava. E essa confusão se deu por equívocos

que podem ocorrer no processamento do DNA na criação de bancos de perfis

genéticos e da sua manipulação.

Isso em diversos outros casos - e aqui eu deixo a

apresentação depois para a consulta de todos - envolvendo situações que

levam a conclusões, que nos levam a questionar, em última instância, talvez,

até mesmo, de forma geral, como se dá aplicação da perícia envolvendo o

exame de perfis genéticos para a solução de casos concretos. Essa matéria do

The Telegraph chega até a dizer que existe quase que uma nova corrente

especializada em questionar os exames que levam à apresentação de dados

genéticos em situações de julgamentos. E aqui se fala sobre diversas questões,

como erro, contaminação, acidentes, levando a essa percepção de que o

sistema não é infalível.

Essa ideia de que o sistema não é infalível aparece também

na fala de um dos maiores especialistas na área, que é o Professor David Kaye,

da Universidade de Penn State. Ele é o autor deste importante livro,

especialmente no que diz respeito ao regime probatório, que é "The Double

Helix and the Law of Evidence" - A Dupla Hélice e o Direito Probatório -, em que

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

ele diz justamente que existe uma expectativa de que o DNA resolverá todos

os problemas, de que o DNA levará a uma prova concreta, certeira e infalível.

É importante compreender o contexto, entender como o

DNA pode ser uma das provas mais importantes, mas ele precisa ser

conjugado com todo um contexto probatório, ou seja, evitar aqui a ideia de

que o DNA sozinho - como a Senhora Taysa mencionou, muito ligado a séries

norte-americanas -, um pesquisador isolado, fazendo o exame do DNA,

rapidamente chegará ao match e, com isso, caso encerrado. Então é

imprescindível entender esses problemas, e aqui seguem só algumas matérias

que detalham isso.

O segundo ponto da minha fala é a expansão dos bancos de

dados de perfis genéticos. E aqui a Forensic Genetics Policy Initiative, uma

organização que busca traçar diretrizes sobre a formação de bancos de dados

genéticos compatíveis com direitos humanos, alerta que a expansão desses

bancos de dados se dá especialmente por estes três fatores, que seriam:

barateamento da tecnologia de identificação genética, interesses econômicos

no desenvolvimento de laboratórios e, por fim, essa crença que estamos

falando, na fase atual do combate da criminalidade, de que o DNA vai

substituir qualquer subjetividade por uma pretensa objetividade.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Vale dizer, um paralelo rapidamente feito com o último

relatório do relator especial da ONU para a privacidade, que é o relator

(ininteligível). Em seu último relatório, ele chama atenção para a grande

expansão dos bancos de dados genéticos e alerta, de forma bastante

contundente, dizendo ser claro que essas bases de dados podem desempenhar

um papel importante em solucionar crimes, mas também trazem preocupações

no que diz respeito aos direitos humanos, incluindo o potencial mau uso

dessas bases para vigilantismo e monitoramento por parte do governo, o risco

de julgamentos equivocados. E mais, essas bases seriam utilizadas, cada vez

mais, para cartões de identidade e para fins de imigração.

E aqui há uma relação que, é claro, não é o primeiro assunto

que vem à mente quando se pensa no Brasil, mas, em diversos países, a

expansão de bases de dados de perfis genéticos está diretamente relacionada à

questão da imigração, com a situação de refugiados e de tentativas de pessoas

ingressarem ilegalmente naquele país, e se tentar fazer, através do exame de

DNA, uma aferição se essa pessoa tem, de alguma forma, ancestral, se tem

alguma situação na sua própria família que o ligue a esse território, ou, de

outra forma, criar uma verdadeira base de dados de perfis genéticos de

refugiados, de imigrantes.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Isso tem aparecido bastante no debate americano através do

trabalho da Electronic Frontier Foundation, com a discussão envolvendo o rapids

DNA.

Partindo para o final da minha exposição, eu queria

comentar alguns pontos sobre a legislação aqui contestada. Eu não terei tempo

de avançar sobre todos esses pontos, mas queria deixar algumas

recomendações, algumas sugestões de análise.

Como já comentado por alguns dos meus Colegas, e acho

importante repetir esse ponto, o Brasil não possui uma lei geral de dados

pessoais. O Brasil, diferente do que acontece com os países europeus, que

inspiram grande parte dos nossos debates aqui, infelizmente não possui a

proteção da privacidade, da proteção de dados com uma lei geral. Nós temos a

proteção constitucional, é claro, só o artigo 5º da Constituição, em quatro

momentos, trata da proteção da privacidade. No artigo 5º, inciso X fala da

inviolabilidade da privacidade; o XI, do domicílio; o XII, de dados, enfim,

ligados à comunicação; e, por fim, o LXXII, do habeas data. Mas é claro que a

tutela constitucional não esgota toda a série de problemas que envolvem a

tutela dos dados pessoais.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Para só ficar em um ponto muito curto, imaginem, senhores

e senhoras, que uma lei geral de proteção de dados deveria trabalhar com

temas tão importantes como transferências internacionais de dados,

vazamentos de dados.

É importante lembrar que o Brasil, hoje, vive uma situação

em que há diversos casos de vazamentos de dados na imprensa. E as empresas

que são alvo desses vazamentos não sabem o que fazer, porque não existe uma

legislação específica que trace as regras. Devo comunicar aos titulares os dados

pessoais vazados? Devo comunicar à autoridade? Que autoridade é essa?

Nada disso está na legislação.

E isso mostra a falta de uma rede de proteção que,

infelizmente, a Lei nº 12.654, o decreto que regulamenta e as resoluções do

comitê gestor não cumprem, já que grande parte desta proteção deveria

constar da lei e, infelizmente, assim não ocorre.

Eu separaria apenas, rapidamente, um comentário sobre a

lei, dividindo em pontos que me parecem de especial relevo. O primeiro diz

respeito à coleta. E, fazendo menção ao trabalho Forensic Genetics Policy

Initiative, ela traz algumas recomendações sobre coleta, fazendo uma restrição

de categorias de crimes para os quais o DNA pode ser coletado, exigir uma

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

suspeita embasada e exigir a remoção automática da base de dados quando

você tiver a situação de absolvição ou exclusão de um determinado processo.

Os slides a seguir tratam um pouquinho mais

detalhadamente sobre a questão da coleta - que não me parece estar bem

regulamentada, bem disposta na lei em si, especialmente sobre a questão do

armazenamento.

Gostaria de fazer dois comentários. O primeiro diz respeito

à anonimização: é muito importante, e esse é o coração de leis gerais de

proteção de dados, que exista uma forma de se criar uma anonimização clara,

segura, que evite a reidentificação simples, fácil, desses dados. Infelizmente, a

lei não trata de anonimização da forma mais segura, da forma mais correta e,

nesse ponto, ela falha em proteger um aspecto fundamental da privacidade, da

proteção de dados dos titulares de dados genéticos que lhe são tratados.

E ainda no armazenamento, sobre a questão do prazo, acho

que vale lembrar - peço desculpas por passar rapidinho os slides, mas só para

ficar dentro do meu tempo -, no que diz respeito ao artigo 9º-A, que aqui

comentamos, enfim, vale dizer que, no caso de pessoas condenadas e

submetidas à coleta de material biológico nos termos do 9º-A, se quiser é

previsto em lei um prazo para a exclusão desses dados. Esse prazo vai

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

aparecer no decreto - e isso não me parece a melhor salvaguarda para a

exclusão desses dados. Então, isso com relação à coleta, armazenamento.

E, por fim, é bom esclarecer que também existe uma

questão importante com relação ao descarte. A lei, infelizmente, não avança

sobre proteção no que diz respeito ao descarte do material que não se presta

para a identificação criminal, gerando a possibilidade de que este dado venha

a ser utilizado para as mais diferentes funções. Vamos dizer, tudo bem, a lei

proíbe e a lei restringe. Mas qual é a responsabilidade decorrente disso? Qual é

a garantia de que isso vai se dar da forma correta, da forma devida?

Infelizmente, a parte do descarte é um outro problema que encontramos na

legislação, porque não há qualquer disposição a respeito da destinação de

amostra biológicas do identificado criminalmente, enfim, ou do condenado

após a extração do perfil genético.

E, aí, gostaria apenas de concluir dizendo que, pensando no

futuro da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, sabemos que, desde de

lá atrás, enfim, no HC nº 71.373, existe um debate grande sobre a questão da

integridade física, da tutela, da dignidade da pessoa humana, com a discussão

dos exames de reconhecimento de paternidade e sua a recusa lá atrás.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

O debate havido, à época, entre diversos Ministros, no

habeas corpus, é conhecido por todo. Na oportunidade, afirmou -se a

impossibilidade de se obrigar, de se conduzir debaixo de vara, a coleta de um

DNA para reconhecimento de paternidade.

Esse tema volta frequentemente à pauta do Supremo

Tribunal Federal - voltou, como no caso já citado da Glória Trevi. Mas é

importante dizer que a jurisprudência do HC e a jurisprudência que chega ao

caso Glória Trevi são casos de coletas feitas fora do corpo da pessoa. Quando

discutimos a Lei nº 12.654, discutimos a coleta de material genético no corpo

da pessoa. Essa realmente é uma inovação, sobre a qual é importante que se

reflita e se pense, porque ela representaria uma mudança na jurisprudência do

Supremo Tribunal Federal, que foi consolidada a partir do final dos anos 90 -

repetida, respeitada e consolidada nos Tribunais de Justiça dos Estados.

Agora, com a Lei nº 12.654, chega-se em uma situação em que esse

entendimento poderia ser revisto. É importante que se reflita se esse é,

efetivamente, o momento, levando em consideração todas as questões ligadas

à proteção e à privacidade e aos dados pessoais aqui colocados.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Encerro, então, colocando essas questões e fazendo eco a

preocupações ligadas à privacidade e à proteção dos dados envolvendo a

aplicação da Lei nº 12.654.

Agradeço pela atenção e fico à disposição para comentários

e dúvidas, e que possamos continuar esse frutífero debate. Obrigado.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) -

Obrigado, Doutor Carlos Affonso Pereira de Souza.

Passo agora a palavra ao Doutor Victor Simones, que fará a

exposição pela Clínica de Direitos Humanos da Universidade Federal do

Paraná - BIOTECJUS.

O SENHOR VICTOR SIMONES (CLÍNICA DE DIREITOS

HUMANOS DA UFPR - BIOTECJUS) – Boa tarde! Gostaria, primeiramente, de

agradecer a oportunidade de me dirigir a esta Casa, responsável por

resguardar e promover a nossa Constituição, de me dirigir ao Excelentíssimo

Ministro Gilmar Mendes, à Mesa presente e aos demais senhoras e senhores e

também à sociedade brasileira que pode estar me acompanhando pela

televisão.

Em segundo ponto, eu gostaria de situar a minha fala a

partir da minha formação, que é de Cientista Social e Antropólogo

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

especializado em Antropologia da Ciência. A Antropologia da Ciência vem-se

dedicando a pesquisas no campo dos Estudos Sociais e da Ciência e

Tecnologia - campo ainda incipiente no Brasil, mas que, desde a segunda

metade dos anos 80, se tem consolidado internacionalmente.

Gostaria de situar, nesses dois campos de conhecimento, a

pesquisa à qual eu me dediquei nos últimos quatro anos, para a obtenção do

meu doutoramento, sobre o Processo de Introdução da Biotecnologia dos

Bancos de Perfis Genéticos para fins de investigação criminal.

O campo dos Estudos Sociais e da Ciência e Tecnologia tem

a particularidade de ser um campo multidisciplinar, que tem como objetivo

principal entender como os fatos científicos são produzidos na prática

cotidiana e como eles circulam para além dos laboratórios das Universidades.

Um dos principais modos ou um dos principais pontos de análise que permite

tentar entender esses fenômenos é a noção de controvérsia, especialmente as

controvérsias técnico-científicas. As controvérsias são momentos de particular

interesse para a análise da Ciência e da Tecnologia e da sociedade porque são

momentos de flexibilidade interpretativa. São os momentos onde os fatos

estão em disputa; as posições são colocadas; artefatos, metodologias, formas

de obtenção e análise de dados são colocados em disputa.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Nestes momentos, a gente consegue entender como, dessa

disputa, os fatos começam a ficar mais duros, mais estáveis e permitem

aprender sobre as práticas de produção da Ciência e da Tecnologia e como elas

circulam, como esses fatos circulam nas interações sociais com o Direito, com a

Economia, com o mercado, com a ética, enfim, com aquilo que costuma estar

situado no polo da sociedade. Isso permite afirmarmos que não há a

possibilidade de separar a ciência da sociedade e da política.

Feita essa breve introdução, eu gostaria de me dirigir a

algumas controvérsias que fazem parte da história da biotecnologia - que está

em debate aqui. Eu vou ter que ser muito breve, eu vou passar muito

rapidamente por elas para chegar na que eu quero discutir, que é a mais

eminente, a mais recente. Mas, desde 1989, no caso Joseph Castro, três anos

após os primeiros usos da identificação genética, controvérsias sobre os

laboratórios, sobre o uso de desvios-padrões e de populações de referência já

começaram a surgir.

Num célebre caso, os geneticistas Lewontin e Hartl

conseguiram desafiar, no processo de Joseph Castro, a relevância da

população de referência usada pelos cálculos estatísticos naquele momento.

Esse momento foi importante porque, no final da década de 80, os laboratórios

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

responsáveis pela produção dos perfis genéticos eram empresas da Cellmark e

da Lifecode. Foi nesse momento, para tentar resolver essa questão, que o FBI

tomou responsabilidade pelos laboratórios e começou um processo de

multiplicação dos laboratórios pelos Estados Unidos e isso foi seguido em

outros países também.

E, em 94, o caso O. J. Simpson foi um marco da emergência

de uma outra controvérsia sobre a cadeia de custódia, que é um dos principais

debates acerca da credibilidade da prova de DNA, a partir do qual a prova

pode ser contestada por causa da falta de cuidado com a administração e o

circuito que as amostras biológicas fizeram, naquele caso, até o laboratório.

Então, acho que, depois daquele momento, foi publicado esse importante

artigo no qual buscava estabelecer um consenso desses dois tipos de críticas.

Eu estou mencionando essas duas controvérsias para situar

a importância que elas tiveram para o desenvolvimento dessa tecnologia e

como certas controvérsias, nesse período, são superadas, para chegar no ponto

de que estamos num contexto onde há uma proliferação de controvérsias

acerca do uso do banco de dados de perfis genéticos. Temos controvérsias

sobre os critérios de inclusão e a expansão dos bancos de dados. Apesar de

muitos países já terem feito isso, esses debates continuam e continuam

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

transformando a tecnologia. O tempo de permanência do perfil nos bancos; a

ameaça a princípios bioéticos promovidos em outros contextos do uso da

genética. Como alguns autores como o Peter Chow-White e o Troy Duster se

referem a um digital divide, no qual os bancos destinados para pesquisas

médicas e científicas, bancos genéticos destinados para a pesquisa médica e

científica, são compostos por pessoas europeias, brancas, caucasianas, que vão

ser os sujeitos da pesquisa e que contam com diversas proteções amparadas

nos principais princípios da bioética; enquanto os bancos de dados forenses

são povoados pelas minorias, sejam elas como forem definidas em diferentes

países, e onde princípios da bioética e de proteção e direitos que são mais do

que incentivados no outro contexto parecem não chegar da mesma forma.

No entanto, a controvérsia que é muito recente, mas que é

importante - finalmente, se chegou nesse debate, cerca de vinte anos depois

dos primeiros bancos de dados -, é sobre a eficiência dos bancos de dados no

combate ao crime, na redução das taxas, da detecção dos crimes.

Num relatório divulgado o ano passado pela administração

do Banco Britânico, constava esse pequeno trecho, no qual a gente pode ler na

primeira linha, onde diz que "o número de agressores condenados com a ajuda

do DNA, com a ajuda da evidência do DNA, não é registrado". Essa pequena

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

frase tem gerado diversas discussões e também o fato da eficiência dos bancos

de dados estarem amparando e justificando diversas mudanças legislativas ao

redor do mundo; essa pequena frase tem gerado muitos debates acadêmicos.

Esse pequeno parágrafo, no entanto, no relatório deste ano, publicado em

fevereiro, ele não aparece mais. Aparece esse quadro, no qual a administração

do Banco Britânico está tentando dar conta de como tentar computar, contar,

avaliar o impacto dos bancos de DNA na resolução de crimes.

É uma tentativa inicial que eles estão chamando de tentar

identificar os autcomes dos matches, mas que ainda é incipiente, mas que fala

sobre a importância e o esforço que está sendo feito em tentar quantificar e

avaliar essa questão.

Um artigo que foi já citado, aqui, muitas vezes, e é um dos

principais mencionados neste debate é o artigo da Doutora Jennifer Doleac,

economista da Universidade da Virgínia, que circula desde de 2011, a versão

que eu tenho é de 2012, no qual ela afirma, como o Doutor Rodolfo, se não me

engano, já mencionou, que a cada 10%, com o acréscimo de 10% de perfiz

genéticos no banco de dados, há esse tipo de impacto na redução de certos

crimes.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

No entanto, a minha contribuição, aqui, dos Estudos Sociais

da Ciência e Tecnologia, é chamar a atenção de que isso não é um consenso. O

texto da Doutor Jennifer Doleac é importante, mas ele está situado num debate

científico um pouco mais amplo.

Este texto do Doutor Avinash Bhati e da Doutora Caterina

G. Roman, da Temple University na Filadélfia, se propuseram a avaliar e

quantificar especificamente o efeito de dissuasão que um bando de dados

pode ter. Os resultados que os pesquisadores chegaram são misturados. Eles

observaram realmente a diminuição para certos crimes, especialmente no furto

e no roubo, uma redução de 3% na reincidência das pessoas que tinham sido

condenadas por esses crimes e que estavam no banco de dados. No entanto, na

terceira conclusão para crimes mais graves, eles observaram um aumento no

índice de reincidência. Só que obviamente ninguém afirmaria que banco de

dados faz alguém reincidir; é mais uma questão do modelo matemático usado

que mostra que não houve uma redução, não houve um impacto, não houve

um efeito de dissuasão àquelas pessoas que estavam no banco de dados.

Em Portugal, tem uma pesquisa, então só para situar isto,

obviamente que as metodologias usadas nesses artigos têm que ser

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

escrutinadas e comparadas, talvez elas não possam ser comparadas

diretamente.

A questão que eu gostaria de chamar atenção é que há uma

controvérsia sobre isso. Os cientistas estão com dificuldade de conseguir isolar

o efeito de um banco de DNA. Como saber que um indivíduo que foi

condenado e que tem seu perfil no banco de dados não cometeu um outro

crime por estar no banco de dados? Ele pode não ter cometido outro crime,

porque a pena funcionou, pressões familiares, pressões de grupos. O que essa

literatura tem mostrado é que é difícil isolar o efeito do banco de dados no

comportamento de um reincidente.

Isso não quer dizer que não seja possível em algum

momento. A questão é que agora isso não é um consenso; é uma controvérsia

cientifica nesse campo.

Um outro tipo de controvérsia e de tentativa de análise e do

efeito das consequências dos bancos de dados é deste grupo de pesquisadores

da Universidade de Coimbra no qual eles analisam os bancos europeus a

partir de um coeficiente de performance, que é definida a partir de um cálculo

matemático, a partir da quantidade de perfiz e dividido pela quantidade de

match e a quantidade de indivíduos presentes nesses bancos.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

O quadro dos dados desse artigo mostra que, por exemplo,

um banco muito pequeno como o da Suécia tem um coeficiente de

performance muito semelhante ao maior e mais célebre banco de DNA do

mundo que é do Reino Unido.

Então, dependendo como se conta isso, como se tenta isolar

o efeito do banco de DNA, você tem resultados diferentes. Não há um

consenso sobre isso. Todos esses artigos clamam por mais pesquisas na

tentativa de isolar esse efeito.

Então, a conclusão desse artigo da equipe de pesquisa da

Universidade de Coimbra é que, apesar de o esforço de maximizar

teoricamente o número dos indivíduos incluídos em um banco de DNA

forense parecer uma estratégia efetiva para aumentar o seu valor e sua

utilidade, quanto à comparação entre pessoa e amostra na cena do crime, no

seu contexto, esse artigo não indica que a expansão dos bancos de dados

necessariamente implica uma maior eficiência e efetividade desse banco.

Eu tenho muito pouco tempo, então vou encerrar. Só para

tentar mais uma vez situar a contribuição que as controvérsias técnico-

científicas podem ter para este debate, eu acho que a invisibilização dessas

controvérsias tem como efeito a minimização dos problemas e desafios que

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

envolvem o uso dessa biotecnologia, ao mesmo tempo em que produz um

efeito de maximização de suas promessas, estabelecendo o risco de uma

avaliação incompleta, quando se vai decidir sobre a balança entre direitos e

garantias constitucionais e a segurança pública.

Então, eu acho que a minha tentativa de contribuição para o

debate hoje é que nós tenhamos mais atenção para essa controvérsia técnico-

científica, para termos consciência de que, na hora que a gente vai decidir

sobre essa balança - que é sempre a discussão e o argumento -, a gente tenha

claro que isso está sendo colocado em discussão apenas agora e que, ao

mesmo tempo, olhar para esse tipo de controvérsia nos ajuda a entender que

tipo de fato está sendo produzido e como essa tecnologia circula dos

laboratórios das universidades, das instituições forenses até a sociedade.

Agradeço mais uma vez a oportunidade.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) -

Obrigado, Doutor Victor Simones.

Chamamos, agora, o Doutor Gustavo Grandinetti Castanho

de Carvalho para fazer a sua exposição pela Associação Nacional dos

Defensores Públicos, também disporá de 15 minutos.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

O SENHOR GUSTAVO GRANDINETTI CASTANHO DE

CARVALHO (ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS DEFENSORES PÚBLICOS) -

Excelentíssimo Senhor Ministro Gilmar Mendes; Excelentíssimo Senhor

Subprocurador-Geral Odim Brandão; Excelentíssimo Senhor Flávio Léllis,

representando a Defensoria Pública; Excelentíssimos Senhores Professores

componentes da Mesa; senhoras e senhores.

A minha exposição será limitada efetivamente aos quinze

minutos e, portanto, estará restrita ao texto da Lei nº 12.654. Pretendo

desenvolver essa exposição em três blocos bem breves e curtos: o primeiro

sobre a coleta de perfil genético de condenados; o segundo sobre a coleta de

perfil genético no curso de processo ou de investigação; e o terceiro - e último -

bloco sobre a retenção do material genético em bancos de dados até o término

da prescrição.

Voltando aos termos da Lei nº 12.654, se nós apenas

lêssemos o preâmbulo da lei, nós iríamos ser levados a concluir que se trata de

uma lei inofensiva. Diz lá:

“(...) prever a coleta de perfil genético como forma de identificação criminal."

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Parece uma lei que só vai tratar de identificação, como a

impressão digital, a identificação papiloscópica, ou a fotografia do preso ou do

condenado. Na verdade, ela é - e isso foi dito aqui antes - muito mais

importante e muito mais agressiva ao sistema processual e constitucional

brasileiro do que o preâmbulo transmite para um incauto leitor. Ela também

não vai simplesmente possibilitar a apreensão e a perícia em uma amostra

genética encontrada na cena de um crime, como o sêmen, por exemplo, em

caso de estupro. Não irá se limitar só a isso. Essa lei, na verdade, irá romper o

pilar sobre o qual está constituído o sistema probatório brasileiro, romperá o

princípio geral desse edifício que está assentado no princípio que proíbe a não

autoincriminação. Esse princípio, que é acolhido nesta Casa, no Supremo

Tribunal Federal, já foi acolhido em inúmeros vezes, como nas decisões que

não permitiram a colheita coercitiva de padrão vocal, ou a colheita coercitiva

do padrão grafotécnico, ou a coleta de padrão genético; princípio que está

sendo prestigiado, no STJ, em decisões como aquela que não permite a coleta

da exalação do ar para a finalidade bafômetro, que é jurisprudência do STJ.

De modo que essa legislação rompe com todo o sistema

processual brasileiro e é inconstitucional, porque é inadequada, desnecessária

e desproporcional. Inadequada porque, se o propósito da lei for a identificação

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

criminal, como se justifica um condenado não ter identificação criminal até

depois do trânsito em julgado da condenação? Isso é inconcebível. Daí a

inadequação dessa lei para esse fim proposto. Se o fim for outro, for a

aquisição de elementos probatórios, também é inadequada, porque não prevê

a existência de um outro caso penal ou de uma outra investigação para a qual

aquele padrão do condenado possa ser usado para descobrir aquele outro

crime. A lei não prevê a necessidade da existência de um outro processo.

Portanto, o padrão genético será extraído e ficará mantido no banco de dados

até quando for necessário. Logo, a medida também, aqui, é inadequada. Além

do mais, a lei é inadequada porque permite a extração coercitiva de padrão

genético em crimes que não têm a natureza própria desses crimes que

precisam da prova genética. Por exemplo, alguns crimes hediondos, como a

epidemia com resultado morte, ou a falsificação de produtos terapêuticos ou

medicinais. Condenados por esses crimes, por serem crimes hediondos, terão

seus padrões genéticos extraídos, colhidos e mantidos em bancos de dados?

Por quê? Qual o objetivo? Qual a finalidade? Por isso, nesse aspecto, a lei é

inadequada.

Também é desnecessária porque não prevê uma

necessidade objetiva, concreta, específica. Ela é genérica. Uma medida

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

absolutamente genérica, porque atinge boa parte dos condenados deste País

sem uma finalidade concreta. Por isso ela é desnecessária, não há uma

necessidade imediata, não há uma aplicação prática para essa coleta

generalizada em quase todo o sistema penitenciário brasileiro. E é

desnecessária porque não exige a demonstração da inviabilidade de outros

meios de investigação e também outros meios menos invasivos. A lei não

cuida disso, não exige isso, por isso é desnecessária.

E também, concluindo, é desproporcional porque o grau de

lesividade na intimidade é muito maior do que o proveito, o resultado que se

possa auferir por tal medida invasiva.

Mas, se nenhum desses argumentos bastarem, a lei ainda é

inconstitucional pela ausência de parâmetros definidos para a extração do

material genético, para a manutenção temporal em bancos de dados,

ofendendo, portanto, o princípio da legalidade. E também a lei tem mais um

motivo de ser inconstitucional, porque o artigo 2º, que altera o artigo 5º, § 1º,

da Lei nº 12.037, diz que: (...) "não poderão revelar traços somáticos ou

comportamentais das pessoas."

Isso quer dizer que a Lei só permite a manutenção, a

extração do chamado DNA não codificante. Mas os peritos ouvidos, não

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

propriamente nesta assentada, consultados sobre o assunto, atestam que não é

possível chegar ao DNA não codificante sem passar pelo DNA codificante.

Portanto, ao se extrair o DNA não codificante, se terá acesso ao DNA

codificante. O grau de invasão na privacidade das pessoas submetidas a este

teste pericial é muito maior do que o proveito da medida.

Passando ao segundo bloco, que diz respeito à coleta do

perfil no curso de um processo ou de uma investigação e que incorpora todos

os argumentos que eu já mencionei até aqui, há mais um caso de

inconstitucionalidade.

O artigo 1º da Lei nº 12.654 remete ao artigo 3º, IV, da Lei nº

12.037, de modo que permite também aqui que a coleta do perfil genético

possa ser feita de ofício pelo magistrado, o que viola o sistema acusatório,

viola o artigo 129, I, da Constituição, o que já foi proclamado por este Supremo

Tribunal Federal na Ação Direita de Inconstitucionalidade nº 1.570, relatada

pelo Ministro Maurício Corrêa.

Terceiro bloco diz respeito à retenção do material genético

em bancos de dados até o término do prazo prescricional, o que está previsto

no artigo 7º-A.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Para início da análise, é preciso voltar ao assunto que foi

tratado aqui hoje na parte da tarde de que a lei não exige o trânsito em

julgado. Portanto, um condenado sem trânsito em julgado terá o seu perfil

genético extraído e mantido em banco de dados. Basta aplicar a jurisprudência

recente do Supremo Tribunal Federal que permite a prisão quando a

condenação é proferida no segundo grau de jurisdição. Então, vejam os

Senhores, um condenado em duas instâncias, condenado pela segunda

instância, ainda sem o trânsito em julgado, este condenado, quando o processo

baixar para a execução que o Supremo passou a admitir, o juiz vai expedir a

guia de recolhimento, ele será recolhido e terá coletado o seu padrão genético,

e o padrão será inserido no banco de dados. Daí mais uma

inconstitucionalidade que aflora nesta legislação.

Além disso é preciso verificar a possibilidade de extração

do perfil genético ainda no primeiro grau, em fase de ação penal ou de

inquérito, posterior absolvição, e este padrão genético constará do banco de

dados até o término do prazo prescricional. Ou seja, pela legislação, os

absolvidos, mas cujos perfis genéticos foram colhidos e mantidos em banco de

dados, terão os seus perfis genéticos armazenados em banco de dados até o

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

término do prazo prescricional, violando frontalmente os direitos da

personalidade.

Havendo tantas lacunas e tantas violações nesta lei, o que se

propõe é que esta Corte, o Supremo Tribunal Federal, aja como a Corte

Constitucional da Itália, que, diante do mesmo problema, considerou

inconstitucional o art. 224, § 2º, do Código de Processo Penal italiano, que

permitia, de maneira genérica, as medidas que se fizessem necessárias para

submeter o indiciado ou réu a um exame pericial, ou seja, diante da lacuna da

legislação italiana, o Supremo declarou a inconstitucionalidade - Sentença nº

238, de 27 de julho de 1996.

E também o que se espera é que esta Corte observe o

julgamento feito pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos em Peruzzo e

Martens contra a Alemanha, em que aquele Tribunal erigiu, como requisito de

constitucionalidade de lei violadora da privacidade, que seja preenchido o

requisito da qualidade da lei. A lei tem que ter qualidade, tem que ser precisa,

não pode ser uma lei genérica, uma lei vaga, como é a lei que estamos

estudando no dia de hoje.

Assim, cabe concluir afirmando-se que a Lei nº 12.654 viola

o princípio da suficiência da identificação civil previsto no art. 5º da nossa

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Constituição, viola o princípio da proporcionalidade, viola o direito à

privacidade, viola o direito à não autoincriminação e viola o sistema

acusatório.

Muito obrigado pela oportunidade concedida!

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) -

Obrigado, Doutor Grandinetti.

Agradeço as falas dos Doutores Flávio Léllis e Odim e

gostaria de agradecer também a presença da Defensoria Pública de Minas

Gerais e do Ministério Público Federal e a efetiva contribuição que deram ao

debate, colocando questões que direcionaram a participação de todos aqueles

que trouxeram suas ideias e reflexões sobre o tema.

Como todos sabem, o Brasil tem níveis alarmantes de

violência. Vivemos no País com maior número de homicídios no mundo. Vinte

e nove homicídios para cada cem mil habitantes. Mais de dez por cento dos

homicídios do mundo ocorrem aqui. Menos de dez por cento deles são

desvendados e punidos. Isso foi, inclusive, confirmado na palestra da manhã.

A senhora perita chamou a atenção para essa cifra negra que constrange a

todos. A quantidade de inquéritos arquivados sem identificação de autoria

também é alarmante, isso sem falar em condenações injustas baseadas em

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

provas colhidas sem maior cuidado. Aqui, todos nós que temos

responsabilidade nessa questão temos que refletir inclusive sobre a

necessidade de uma melhoria intensa – eu diria que o sistema jurídico penal

brasileiro precisa melhorar muito para ficar ruim, porque, de fato, nós

vivemos um quadro de calamidade.

Eu vou lhes contar um episódio que vivenciei na condição

de Presidente do CNJ. Visitei Alagoas em 2008/2009, acompanhando aquele

quadro de violência que graça naquele pequeno e bonito Estado, belo Estado.

Nós verificamos a existência – estava lá catalogado – de cinco mil homicídios

sem inquérito aberto. Portanto, não é por acaso que o Estado se torna o paraíso

do crime de mando. É o colapso do próprio sistema. Mas esses dados da

impotência do sistema diante da criminalidade certamente contribuem para

que nós vivamos esse estado de coisas.

Lançamos, ainda no final da gestão no CNJ, a Estratégia

Nacional de Segurança Pública – muitas das medidas ainda continuam sendo

mantidas –, que era a ideia de concluir inquéritos que estavam inconclusos,

oferecer denúncias naqueles casos em que havia já a conclusão, mas não havia

a denúncia oferecida, fazer com que os processos tivessem o devido

andamento.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Um dado constrangedor, Doutor Grandinetti, é que, no

Brasil, prescrevem crimes de Júri, em grande escala. Homicídios e tentativas

de homicídios dolosos.

Eu estive em Jaboatão dos Guararapes e, lá, naquele

momento – é uma coisa vergonhosa –, estavam mil casos para serem

prescritos. Tem que se organizar mutirão.

Então, nós temos um colapso do sistema. E hoje, mais do

que ontem, nós temos esses órgãos que permitem uma centralização de

informação, o CNJ e CNMP. Eles poderiam ter uma performance, talvez, mais

ativa no sentido da melhoria do sistema.

Evidente que o sistema tem que ser melhorado, no que diz

respeito à qualidade das provas, é evidente. Mas é inegável que nós temos

falhas básicas em toda a estrutura. Por isso, ainda ontem, o Ministro Celso me

mostrava um caso de alguém preso provisoriamente há onze anos. Uma

decisão – já cumpriu a pena – seja ela qual for. São casos que nos constrangem.

E o que nós estamos fazendo em relação a isso, todos nós?

A quantidade de inquéritos arquivados sem identificação

de autoria, também, como eu dizia, é alarmante. Isso, sem falar em

condenações injustas, baseadas em provas colhidas sem maior cuidado.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Como uma ferramenta de prevenção e investigação, a Lei

passou a prever a identificação do perfil genético de condenados por crimes

violentos e hediondos e seu armazenamento em bancos de dados.

A compatibilidade desta Lei com os direitos fundamentais

do condenado está em julgamento.

Nesta audiência pública, ouvimos profícuas contribuições

sobre o sequenciamento de DNA e os perfis de bancos genéticos.

Conceitos como material genético, DNA, perfil genético,

swab bucal, DNA não codificante, bancos de dados, vestígios, matches, offender

hits, forensic hits, dentre outros, foram esclarecidos à Corte.

Foi-nos demonstrado o método de colheita do material

biológico dos condenados, o swab bucal, e explanada a preocupação em traçar

o perfil em trechos que não revelam características da pessoa, a partir do DNA

não codificante, e as cautelas com o tratamento dado ao perfil genético, pelos

laboratórios e pelo Banco Nacional de Perfis Genéticos e pela Rede Integrada

de Bancos de Perfis Genéticos, para que não haja nenhuma espécie de

exposição indevida das informações.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Tivemos importantes explanações sobre o processamento

do material colhido para identificação do perfil genético, o código numérico

inserido no banco de dados.

Portanto, tivemos realmente importantes informações,

colhemos importantes informações nesses dois dias de trabalho.

Fomos informados sobre como os perfis de DNA auxiliam

nas investigações, tanto para identificar suspeitos quanto para exonerar

inocentes.

Muito relevante também foi o esclarecimento sobre o

impacto diferente para a investigação da testagem do perfil genético de

suspeitos identificados, com a formação de um banco de dados de perfis.

Vimos como os bancos de dados podem permitir a imediata identificação de

pessoas que, de outra forma, não estariam ligadas ao crime.

Por outro lado, recebemos dados relevantes sobre os

potenciais impactos que a identificação do DNA pode ter com relação ao

direito à não autoincriminação e ao direito à privacidade; inclusive, agora.

Nesses dois dias de trabalhos, tivemos a grata oportunidade

de ouvir especialistas internacionais e locais, ativistas e membros da

comunidade jurídica.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Estou certo de que, ao ter acesso a essa pluralidade de

visões em permanente diálogo, o Supremo Tribunal Federal passa a contar

com os benefícios decorrentes dos subsídios técnicos, implicações sociais e

elementos de repercussão jurídica apresentados por verdadeiros "amigos da

Corte". Aqueles que de fato vêm para contribuir para uma melhor e adequada

reflexão.

Essa inovação institucional, além de contribuir para a

quantidade da prestação jurisdicional, garante novas possibilidades de

legitimação dos julgamentos do Tribunal no âmbito de sua tarefa precípua de

guarda da Constituição e também no exercício de sua competência de proteção

do interesse público e uniformização das decisões judiciais. Evidente, assim,

que essa fórmula procedimental constitui um excelente instrumento de

informação para a Corte. É claro que – estamos na vigésima audiência –

estamos aprimorando esse instrumento, mas esse é um resultado importante:

poder dialogar com experts, tanto jurídicos como nas suas diversas áreas

interdisciplinares, e catalogar essas informações, compartilhá-las com a Corte,

para que nós tenhamos de fato um julgamento informado.

Eu tenho muito orgulho de ter sido aquele que propôs, pela

primeira vez, a positivação dessa fórmula no Direito pátrio, inspirando-me,

como já disse na abertura destes trabalhos, nas lições do meu queridíssimo

amigo e professor Peter Häberle.

ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS

Os proveitosos esclarecimentos prestados pela sociedade e

esta audiência pública serão fundamentais no julgamento dos processos sobre

o tema. Nós devemos fazer isto com grande responsabilidade, como se

destacou aqui.

Senhoras e senhores, com estas considerações finais, declaro

encerrada esta audiência pública, agradecendo penhoradamente a todos

aqueles que para ela contribuíram. Muito obrigado!

Declaro encerrada a sessão

* * * * * * * * * * *

Degravação realizada e revisada pelos servidores lotados na Seção de

Transcrição e Revisão de Julgamento.

Brasília, 23 de maio de 2017.

Ângelo Marcelo Costa Caexeta – Matrícula: 1862

Chefe da Seção de Transcrição e Revisão de Julgamento