Transformações culturais a arquitetura neoclássica - História crítica da arquitetura moderna

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E FACULDADE DO VALE DO IPOJUCA ARQUITETURA E URBANISMO TEORIA E HISTÓRIA DA ARQUITETURA E URBANISMO II PROFESSORA AMANDA CASÉ MARCELLA RAYSA TÔRRES DE VASCONCELOS FONTE: Transformações culturais: a arquitetura neoclássica, 1750-1900. In: FRAMPTON, Kenneth. História crítica da arquitetura moderna. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008. A arquitetura neoclassicista surgiu de duas evoluções diferentes, porém conectadas, que mudaram a relação entre homem e a natureza. A primeira deu-se a partir do aumento da capacidade humana em controlar a natureza, e a segunda a partir da mudança na natureza da consciência humana, em resposta às transformações que estavam ocorrendo na sociedade. As mudanças tecnológicas levavam a uma nova infraestrutura e à maior exploração da capacidade produtiva e a consciência humana produzia novas categorias de conhecimento. O excesso da linguagem arquitetônica nos interiores rococós e o pensamento iluminista da época fizeram com que os arquitetos do século XVIII buscassem por um novo estilo autêntico. Essa busca foi feita a partir de uma reavaliação precisa da Antiguidade. O que os motivavam era principalmente obedecer aos princípios que existiam nas obras, e não simplesmente copiar. O primeiro impulso foi questionar em qual das quatro culturas mediterrânicas – egípcia, etrusca, grega ou romana – deveriam procurar o estilo autêntico. O primeiro passo foi ir além das fronteiras de Roma, estudando sua periferia e as culturas em que a arquitetura romana se baseava. As escavações levaram a sítios mais distantes, chegando assim a locais antigos na Sicília e na Grécia. Le Roy foi o primeiro a defender a origem grega para o estilo autêntico, o que despertou a ira chauvinista do arquiteto Giovanni Battista Piranesi. Em suas obras, com ataque direto à Le Roy, ele afirmava que os etruscos eram anteriores aos gregos e que eles, junto aos romanos, elevaram a arquitetura ao seu mais alto nível de refinamento. No fim da década de 1750, os britânicos já buscavam instruir-se na própria Roma. Entre os principais expoentes do Neoclassicismo estão Piranesi, Winckelmann, Le Roy, James Stuart e George Dance. O desenvolvimento do Neoclassicismo britânico se deu principalmente pela obra de John Soane, que sintetizou de forma satisfatória as várias influências dos principais expositores. O contexto social da época induziu Claude Perrault a questionar a validade das proporções vitruvianas e o modo em que elas foram assimiladas pela teoria clássica. Assim, ele elaborou sua própria tese. Falando na beleza positiva (função normativa de padronização e perfeição), e na beleza arbitrária (função expressiva). A contestação da ortodoxia vitruviana foi codificada pelo abade de Cordemoy. Ele substituiu os atributos vitruvianos da arquitetura – utilidade, solidez e beleza – por ordem, distribuição e

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Fichamento/resumo do capítulo 1 "Transformações culturais a arquitetura neoclássica" do livro "História Crítica da arquitetura moderna" de Kenneth Frampton

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E FACULDADE DO VALE DO IPOJUCAARQUITETURA E URBANISMO

TEORIA E HISTÓRIA DA ARQUITETURA E URBANISMO IIPROFESSORA AMANDA CASÉ

MARCELLA RAYSA TÔRRES DE VASCONCELOS

FONTE: Transformações culturais: a arquitetura neoclássica, 1750-1900. In: FRAMPTON, Kenneth. História crítica da arquitetura moderna. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

A arquitetura neoclassicista surgiu de duas evoluções diferentes, porém conectadas, que

mudaram a relação entre homem e a natureza. A primeira deu-se a partir do aumento da capacidade

humana em controlar a natureza, e a segunda a partir da mudança na natureza da consciência

humana, em resposta às transformações que estavam ocorrendo na sociedade. As mudanças

tecnológicas levavam a uma nova infraestrutura e à maior exploração da capacidade produtiva e a

consciência humana produzia novas categorias de conhecimento.

O excesso da linguagem arquitetônica nos interiores rococós e o pensamento iluminista da

época fizeram com que os arquitetos do século XVIII buscassem por um novo estilo autêntico. Essa

busca foi feita a partir de uma reavaliação precisa da Antiguidade. O que os motivavam era

principalmente obedecer aos princípios que existiam nas obras, e não simplesmente copiar. O

primeiro impulso foi questionar em qual das quatro culturas mediterrânicas – egípcia, etrusca, grega

ou romana – deveriam procurar o estilo autêntico.

O primeiro passo foi ir além das fronteiras de Roma, estudando sua periferia e as culturas

em que a arquitetura romana se baseava. As escavações levaram a sítios mais distantes, chegando

assim a locais antigos na Sicília e na Grécia.

Le Roy foi o primeiro a defender a origem grega para o estilo autêntico, o que despertou a

ira chauvinista do arquiteto Giovanni Battista Piranesi. Em suas obras, com ataque direto à Le Roy,

ele afirmava que os etruscos eram anteriores aos gregos e que eles, junto aos romanos, elevaram a

arquitetura ao seu mais alto nível de refinamento.

No fim da década de 1750, os britânicos já buscavam instruir-se na própria Roma. Entre os

principais expoentes do Neoclassicismo estão Piranesi, Winckelmann, Le Roy, James Stuart e

George Dance. O desenvolvimento do Neoclassicismo britânico se deu principalmente pela obra de

John Soane, que sintetizou de forma satisfatória as várias influências dos principais expositores.

O contexto social da época induziu Claude Perrault a questionar a validade das proporções

vitruvianas e o modo em que elas foram assimiladas pela teoria clássica. Assim, ele elaborou sua

própria tese. Falando na beleza positiva (função normativa de padronização e perfeição), e na beleza

arbitrária (função expressiva).

A contestação da ortodoxia vitruviana foi codificada pelo abade de Cordemoy. Ele substituiu

os atributos vitruvianos da arquitetura – utilidade, solidez e beleza – por ordem, distribuição e

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conveniência. As duas primeiras estão relacionadas à proporção e disposição corretas das ordens

clássicas, e a última ao uso adequado dos elementos clássicos. Cordemoy antecipou a preocupação

de Jacques-François Blondel, com relação à expressão formal adequada e uma fisionomia que se

ajustasse ao caráter social variável de diferentes tipos de construção.

Além da preocupação com a aplicação justa dos elementos clássicos, Cordemoy prezava

pela pureza geométrica e afirmava que a ornamentação também deveria ser submetida à adequação.

E sustentava ainda que muitas edificações não necessitavam de nenhum ornamento.

A proposta de Cordemoy foi reinterpretada pelo abade Laugier. Ele propôs uma arquitetura

“natural” universal, que era constituída pela “cabana primitiva” baseada no formato de uma árvore.

Quatro troncos de árvore sustentando um telhado rústico em vertente. Segundo ele, essa seria a

forma primitiva base para uma arquitetura gótica classicizada.

O arquiteto Jacques-German Soufflot queria aplicar os termos clássicos numa recriação da

leveza, amplidão e proporção da arquitetura gótica. Para isso, ele adotou o plano em cruz, utilizado

pelos gregos, com a nave e as alas formadas por um sistema de cúpulas planas e arcos

semicirculares.

Coube a Jacques-François Blondel a tarefa de integrar a proposta de Cordemoy e a de

Soufflot à tradição acadêmica francesa. Blondel era o mestre da geração “visionária” de arquitetos.

Na mesma categoria estavam Étienne-Louis Boullée, Jacques Godoin, Pierre Matte, Marie-Joseph

Peyre, Jean-Baptiste Rondelet, e o mais visionário de todos, Claude-Nicolas Ledoux. Os conceitos

fundamentais de Blondel estavam aplicados à composição, ao tipo e ao caráter. Seus princípios de

simplicidade e grandeza vão impregnar nas obras de muitos de seus discípulos.

Boullée foi o mais notável discípulo de Blondel. Representou, de acordo com os

ensinamentos de Blondel, o caráter social de suas criações, além de colocar emoções de terror e

tranquilidade através da grandeza de suas concepções. Apossou-se da arquitetura como forma de

passar sensações, desenvolvendo uma forma no qual a imensidão da perspectiva, e a pureza

geométrica sem adornos de forma monumental, se combinavam de maneira a promover sensações

de alegria e angústia. Ele também destacava o poder que a luz tinha de evocar o divino.

Suas ideias foram consideravelmente influentes em toda a Europa, e se refletiu

principalmente na atividade de Jean-Nicolas-Louis Durand, seu discípulo. Durand reduziu as ideias

extravagantes de Boullée a uma tipologia normativa e econômica da edificação.

O início da era napoleônica trouxe a necessidade de construção de estruturas úteis, de

grandeza e autoridades apropriadas, e que fossem realizadas de maneira mais econômica possível.

“Durand, primeiro professor de arquitetura da École Polytechnique, procurou estabelecer uma metodologia universal da edificação, contrapartida arquitetônica do Códio Napoleônico, mediante a qual estruturas econômicas e apropriadas poderiam ser criadas pela permutação modular de tipos fixos de plantas e elevações alternativas.” (FRAMPTON, 2008, p. 7)

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Dessa forma, a vontade e a obsessão de Boullée por vastos volumes foi explorada como

forma de obter representação apropriada e ainda com custos razoáveis.

Com o fim de sua carreira e da revolução, Ledoux voltou a desenvolver o projeto da fábrica

de sal, que construíra para Luís XVI em Arc-et-Senans em 1773-79. A fábrica pode ser considerada

como um dos primeiros experimentos da arquitetura industrial, pois Ledoux integrou,

conscientemente, unidades produtivas e alojamentos de operários. Cada elemento do projeto foi

pensado e colocado em conformidade com seu caráter. Desse modo, Ledoux ampliou a ideia de uma

“fisionomia” arquitetônica para simbolizar a intenção social de suas formas. Isso seria feito através

de símbolos convencionais ou isomorfismos.

Após a revolução, o Neoclassicismo foi utilizado como forma de adaptar as novas

instituições da sociedade burguesa e demonstrar o surgimento do Estado republicano. Em Paris, foi

utilizado para criar a herança de uma dinastia republicana. Na Alemanha, o estilo foi utilizado na

necessidade de encontrar uma forma adequada para expressar o triunfo do nacionalismo prussiano.

“A combinação de idealismo político e orgulho militar parece ter exigido um retorno ao clássico”.

(FRAMPTON, 2008, p. 9). Ou seja: de uma forma ou de outra, o Neoclassicismo era utilizado

como representação de poder.

O Neoclassicismo de Blondel foi retomado em meados do século XIX por Henri Labrouste.

Ele passou cinco anos Itália, dedicando seu tempo para estudar os templos gregos em Pesto, e foi

um dos primeiros a sustentar que essas estruturas eram originalmente coloridas.

Com a chegada do século XIX, a herança neoclássica sofreu uma ruptura. Duas linhas de

desenvolvimento surgiram: o Classicismo Estrutural de Labrouste e o Classicismo Romântico de

Schinkel. Elas diferiam bastante na forma de realizar as qualidades representativas. Os classicistas

estruturais - representados por Cordemoy, Laugier e Souffot - prezavam principalmente pela

estrutura, enquanto que os classicistas românticos, representados por Ledoux, Boullée e Gilly,

tendiam a destacar o caráter fisionômico da própria forma. Enquanto uma escola se concentrou em

obras como hospitais, estações ferroviárias e prisões, a outra voltou-se mais para estruturas

representativas, como museus e bibliotecas.

Em termos teóricos, o Classicismo Estrutural começou com o Traité de l'art de bâtir

[Tratado da arte de construir] (1802), e atingiu seu ápice no fim do século com os escritos do

engenheiro Auguste Choisy. Ele afirmava que o fundamental da arquitetura é a construção, e as

transformações estilísticas são consequências do desenvolvimento tecnológico. “Era na sugestão da

construção que o arquiteto das grandes épocas artísticas encontrava sua mais autêntica inspiração”

(FRAMPTON, 2008, p. 11).

Foi com o ensino da École des Beaux-Arts que os princípios da composição “elementarista”

clássica foram passadas para os arquitetos pioneiros do século XX.