TRANSFORMAÇÕES POLÍTICAS E AS CAMADAS … - DANNIEL... · Em primeiro lugar agradeço a Deus e a...

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DANNIEL FERREIRA COELHO TRANSFORMAÇÕES POLÍTICAS E AS CAMADAS POPULARES: UMA ANÁLISE DAS ELEIÇÕES MUNICIPAIS DE MONTES CLAROS DA DÉCADA DE 1980 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS UNIMONTES MONTES CLAROS/MG JULHO/2014

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DANNIEL FERREIRA COELHO

TRANSFORMAÇÕES POLÍTICAS E AS CAMADAS POPULARES:

UMA ANÁLISE DAS ELEIÇÕES MUNICIPAIS DE MONTES CLAROS

DA DÉCADA DE 1980

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS – UNIMONTES

MONTES CLAROS/MG

JULHO/2014

DANNIEL FERREIRA COELHO

TRANSFORMAÇÕES POLÍTICAS E AS CAMADAS POPULARES:

UMA ANÁLISE DAS ELEIÇÕES MUNICIPAIS DE MONTES CLAROS

(MG) DA DÉCADA DE 1980

Dissertação de mestrado apresentada ao programa de pós-

graduação em História, da Universidade Estadual de

Montes Claros, como parte dos requisitos para a obtenção

do título de Mestre em História.

Área de concentração: História Social

Linha de Pesquisa: Poder, Trabalho e Identidades

Orientadora: Drª Ilva Ruas de Abreu

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS

JULHO/2014

C672t

Coelho, Danniel Ferreira.

Transformações políticas e as camadas populares [manuscrito] : uma

análise das eleições municipais de Montes Claros da década de 1980 / Danniel

Ferreira Coelho. – 2014.

148 f. : il.

Bibliografia: f. 141-148.

Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Montes Claros -

Unimontes, Programa de Pós-Graduação em História/PPGH, 2014.

Orientadora: Profa. Dra. Ilva Ruas de Abreu.

1. Política – Montes Claros (MG). 2. Movimentos populares. 3. Hegemonia.

4. Coronelismo. 5. Populismo. I. Abreu, Ilva Ruas de. II. Universidade Estadual

de Montes Claros. III. Título. IV. Título: Uma análise das eleições municipais

de Montes Claros da década de 1980.

Catalogação Biblioteca Central Professor Antônio Jorge

DANNIEL FERREIRA COELHO

TRANSFORMAÇÕES POLÍTICAS E AS CAMADAS POPULARES:

UMA ANÁLISE DAS ELEIÇÕES MUNICIPAIS DE MONTES CLAROS

DA DÉCADA DE 1980

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________________

Professora Drª Ilva Ruas de Abreu -Orientadora (UNIMONTES)

___________________________________________________________

Professora Dr Marcos Fábio Martins de Oliveira (UNIMONTES)

___________________________________________________________

Professora Drª Aparecida Maciel da Silva Shikida (Faculdades Santo Agostinho)

Data: ____/____/____

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS

MONTES CLAROS – MG

JULHO 2014

Para Marina, minha principal fonte de motivação.

AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos que me ajudaram a tornar essa empreitada menos árdua,

principalmente, àqueles que estiveram ao meu lado.

Em primeiro lugar agradeço a Deus e a Nossa Senhora, por intervirem, por mim, em

todos os momentos em que mais precisei (e foram vários).

A minha esposa, Fabíola, pela imensa paciência e companheirismo, nos momentos

mais difíceis.

Aos meus pais, que são à base de minha formação, em especial ao meu pai, Tarciso,

pelos infinitos debates políticos e pela revisão que sempre se dispõe a fazer dos meus

trabalhos.

A todos os professores e colegas, que me acompanharam, nessa longa caminhada no

programa de pós-graduação em História.

Ao servidor do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais em Belo Horizonte, Luiz

Carlos Dutra de Moura, que muito gentilmente me atendeu.

Ao professor Marcelo Walmor Ferreira, pela sua dissertação e, principalmente, pelas

conversas que muito me ajudaram nas minhas reflexões.

E, por fim, à minha querida orientadora e amiga, Profa. Dra. Ilva Ruas de Abreu, que

com extrema paciência me acompanhou em absolutamente todas as etapas deste trabalho,

certamente sem ela nada disso teria sido possível. Todos os acertos que porventura esta obra

tiver foram oriundos de sua orientação; já os equívocos, que ocasionalmente podem ter

ocorrido, aconteceram apesar dela.

RESUMO

A política, como objeto de estudo acadêmico das Ciências Sociais, é um tema absolutamente

controverso, cujo papel na vida societária é constantemente alvo de inúmeros questionamentos e,

devido a estes, sua relevância ora se impõe enquanto prioritária, ora se coloca como obsoleta.

Diferentes perspectivas que entendem a política como centro da visão social coabitam no meio

acadêmico e defendem posicionamentos teóricos que a entendem como, exclusivamente, um

epifenômeno de outros fatores, especialmente de viés econômico. Neste ínterim, o presente trabalho

almeja o equilíbrio entre tais perspectivas, buscando demonstrar como os grandes fazendeiros

hegemonizaram o processo político em Montes Claros durante 150 anos, desde sua elevação à

condição de vila até o pleito de 1982, quando as camadas populares se articularam e conseguiram

ampliar sua representatividade, com a eleição de vereadores oriundos dos movimentos populares e de

um prefeito a elas relacionado. Contudo tal representatividade não se manteria no pleito seguinte, em

1988, quando os parlamentares de origem popular não obtiveram êxito em suas reeleições e o

executivo voltou a ser chefiado por um fazendeiro. Este resultado ocorre devido a ação populista da

prefeitura durante legislatura 1983-1989, que amparado por vultuosos recursos federais cria

mecanismos de diálogo direto com a população o que desarticula a atuação daqueles vereadores

enquanto intermediários bem como de outras organizações representativas.

PALAVRAS-CHAVE: Política, movimentos populares, hegemonia, coronelismo, populismo.

ABSTRACT

Politics as an object of academic study of social sciences is an absolutely controversial topic,

whose role in society life is constantly the target of numerous inquiries, and due to this its

relevance now imposes itself as a priority, now stands as obsolete. Visions who understand

politics as social vision center cohabit in academia with prospects who understand it as

exclusively an epiphenomenon of other factors especially economic bias. This paper will seek

a balance between these perspectives to demonstrate how the large rural capital had control

the political process in Montes Claros for 150 years, since its elevation to the status of village

until the 1982 election, when the lower classes got together and managed to enlarge their

representation in the election of city councils that came of popular movements and a mayor

related to them. However such a representation would not hold the next election in 1988,

when lawmakers of popular origin have failed in their reelection and the executive was again

headed by a farmer. This result occurs because of populist action Prefecture during 1983-1989

legislature, that any significance supported by federal funds creates mechanisms for direct

dialogue with the population which dismantles those councilors acting as intermediaries and

other representative organizations.

KEYWORDS: Politics, Popular Movements, Hegemony, Coronelism, Populism.

LISTA DE SIGLAS

ACI – Associação Comercial e Industrial de Montes Claros

ALN – Ação Libertadora Nacional

ARENA – Aliança Renovadora Nacional

COOPAGRO – Cooperativa Agropecuária de Montes Claros

CUT – Central Única dos Trabalhadores

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas

MDB – Movimento Democrático Brasileiro

MR8 – Movimento Revolucionário Oito de Outubro

PCB – Partido Comunista Brasileiro

PCdoB – Partido Comunista do Brasil

PCPM – Programa Cidade de Porte Médio

PDS – Partido Democrático Social

PDT – Partido Democrático Trabalhista

PFL – Partido da Frente Liberal

PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro

PSD – Partido Social Democrático

PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira

PT – Partido dos Trabalhadores

PTB – Partido Trabalhista Brasileiro

SUDENE – Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste

Lista de tabelas

Tabela 1: Vereadores eleitos em 1982 ............................................................................ 67

Tabela 2: Vereadores eleitos em 1988 ...........................................................................135

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 10

CAPÍTULO I

MUDANÇAS E CONTINUIDADES – CAPITAL RURAL, ORGANIZAÇÕES

POPULARES E AS ELEIÇÕES MUNICIPAIS DE 1982 EM MONTES CLAROS (MG)

................................................................................................................................................ 20

1.1 - O capital rural enquanto organizador do poder político local ...................................... 21

1.2 - O Regime Civil-Militar suas consequências em Montes Claros e o capital rural

................................................................................................................................................ 36

1.3 - O MDB, as camadas populares e as eleições municipais de 1976 e 1982 .................... 49

CAPÍTULO II

O INÍCIO DO MANDATO – A DISPUTA DA HEGEMONIA, AS NOVAS PRIORIDADES

E O PROGRAMA CIDADES DE PORTE MÉDIO ........................................................... 70

2.1 – O início da legislatura 1983/1988 – o executivo, o legislativo e a hegemonia (ainda) em

disputa .................................................................................................................................. 71

2.2 – As relações com o governo Federal, o Programa Cidade de Porte Médio e as novas

prioridades ............................................................................................................................ 82

CAPÍTULO III

O FINAL DO MANDATO E AS ELEIÇÕES DE 1988 – POPULISMO, A NOVA

REPÚBLICA E O NOVO PMDB ..................................................................................... 95

3.1 – A Nova República e o novo PMDB – o Governo Sarney e o fim de uma “Frente” .... 98

3.2 – O conceito “populismo” e sua utilização para a análise de Montes Claros na década de

1980 ..................................................................................................................................... 109

3.3 – As eleições de 1988 e o retorno ao antigo perfil dos representantes institucionais ... 120

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 137

REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 141

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INTRODUÇÃO

A política, enquanto objeto de estudo das Ciências Sociais, é um tema absolutamente

controverso, cujo papel na vida societária é constantemente alvo de inúmeros

questionamentos e, devido a estes, sua relevância ora se impõe enquanto prioritária, ora se

coloca como obsoleta. Visões que entendem a política enquanto centro da visão social

coabitam no meio acadêmico a partir de perspectivas que a entendem como, exclusivamente,

um epifenômeno de outros fatores especialmente de viés econômico. O presente trabalho

buscará o equilíbrio entre estas perspectivas.

Antes, porém, destacamos o debate que empreendemos, nas próximas páginas,

inspirado nos apontamentos do historiador francês Pierre Rosanvallon, quando este

determinou um “retorno do político”, do ponto de vista da produção historiográfica (2010,

p.39). Mais adiante, aprofundaremos sobre as razões que o levaram a esse retorno, por ora,

interessa-nos apresentar os motivos que o levaram primeiramente ao abandono do político.

Neste quadro, a política é compreendida enquanto mecanismo de acesso à gestão do

Estado, ponto de vista defendido desde a Idade Moderna, aludindo a Maquiavel e a Hobbes,

passando ainda por Locke e Montesquieu, sendo primeiramente criticada a partir de Marx. É

ainda no jovem Marx que se encontrará o cerne fundamental que o norteará (além dos

marxistas, daí em diante) em torno da questão da política e do Estado.

Tal perspectiva despontou no sentido de se contrapor a definição hegeliana que estava

em voga na época. O ponto central dessas obras parte da construção da representação,

personificada no Estado, como neutra e coletiva, isto é, de toda a sociedade. Tal abordagem

partia da visão de que o Estado era a representação inequívoca de toda a sociedade, e,

portanto, agiria na busca do bem comum. (BRANDÃO, 2002)

Para compreender melhor essa questão, Hegel (1770-1831) dividirá o conjunto da

sociedade em dois âmbitos, o da sociedade civil e o do Estado Político, sendo que a primeira

esfera (a da sociedade civil) seria a representação dos interesses privados antagônicos entre si,

e a segunda (do Estado) seria a representante do interesse público. A sociedade civil seria a

fragmentação e o Estado seria a unidade (BRANDÃO, 2002).

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Já Marx, que em suas origens se identificara enquanto um “Hegeliano de esquerda”,

rompe com tal perspectiva, e demonstra esse rompimento, especialmente a partir de seu

panfletário “Manifesto Comunista”, de 1848. Nesse “Manifesto”, Marx expressa claramente

sua divergência com qualquer ideia de ser o Estado representante da coletividade e do bem

comum, ao afirmar que “o executivo do Estado moderno nada mais é do que um comitê para

administrar os assuntos comuns de toda burguesia”. (MARX e ENGELS, 1999, p.12)

Como vimos, o Estado tem, para Marx (e para os marxistas), um caráter classista, o

que representou uma ruptura com a visão liberal que propunha a existência de um Estado que

representasse o conjunto da sociedade, que se colocasse acima dos interesses particulares e

fosse o representante-mor do bem comum. Para Marx, o Estado era em essência o agente

reprodutor das relações sociais vigentes, e com tal função reproduzia também as relações de

dominação intrínseca do sistema capitalista de produção. (MARX, ENGELS, 1999)

Nesta direção, o Estado seria visto pelo marxismo apenas como “instrumental”, ou

seja, instrumento de dominação de classe, “repressivo” e “reflexivo”. (BOBBIO, 1980, p.154)

Sendo, pois, o Estado um reprodutor das relações sociais, fazia-se mais importante estudá-las,

do que o Estado em si. Dentro dessa concepção, a política seria um epifenômeno das demais

relações.

Cabe ressaltar, entretanto, que, apesar de não ser nem a política nem o Estado os

aspectos principais da teoria marxista, não é correto afirmar que esses temas não foram

tratados por Marx, haja vista a obra “O 18 Brumário de Louis Bonaparte”.(1852)

Somente no decurso do século XX é que autores marxistas se dedicaram, de forma

mais aprofundada, a questão do Estado, em especial o italiano Antônio Gramsci (1897-1937),

cuja contribuição se tornará referencial obrigatório para os marxistas que se engajarão no

tema que, possivelmente, constitui a principal lacuna do pensamento de Karl Marx.

(BOBBIO, 1979)

Em que pese Gramsci partir do mesmo norte que unifica o pensamento marxista em

relação à questão do Estado, isto é, considerado enquanto um elemento vinculado às classes

dominantes, o intelectual italiano avança ao não considerá-lo apenas sob a ótica de aparelho

repressivo, mas sim como um “aparato jurídico-político, cuja organização e intervenção

variam de acordo com a organização social, política, econômica e cultural da sociedade

mediada pelas correlações de força entre as frações de classes vigentes”. (SILVA, 2005)

Para Gramsci, o Estado é constituído através da organização da própria sociedade,

sendo esta constituída de instituições complexas (públicas e privadas) que se articulam entre

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elas, e cujo papel histórico varia de acordo com as lutas em busca da garantia da hegemonia

de seus interesses. (SILVA, 2005) Hegemonia, nesse contexto, deve ser entendida como a

direção moral e intelectual de uma classe, ou fração de classe, sobre as outras.

(PEREIRA,2012)

Essa hegemonia se dá no âmbito do que o autor chama de “sociedade civil” que,

segundo Gramsci, é o conjunto das “organizações coletivas às quais se aderia

espontaneamente, e que desempenhavam papel decisivo na formação e difusão de ideias e

valores” características de Estados ocidentais. É sob essa lógica da sociedade civil que surge o

elemento central da perspectiva gramsciana de Estado ampliado, que distingue sociedades

ocidentais das orientais. (PEREIRA, 2012, p. 9)

As sociedades orientais, de acordo com o esquema de Gramsci, seriam aquelas em que

a sociedade civil é frágil, ou até mesmo não existe. Neste caso, Gramsci afirma que ocorre o

“Estado-Coerção”, que seria a existência apenas de uma “sociedade política”, e, portanto, a

classe que dirige tal Estado faria através da dominação, da coerção, e não da hegemonia.

(PEREIRA, 2012, p. 9) Já nas sociedades ocidentais, o Estado, além da presença da sociedade

política, se acresceria a sociedade civil, o que consequentemente faz com que o poder em si

não só se localize no Estado, mas também no seio da sociedade civil, onde se localiza a

hegemonia. (PEREIRA, 2012)

Neste contexto, faz-se imperativo destacar ainda que a distinção de Gramsci não foi

feita de acordo com os cânones geográficos que dividem o Ocidente do Oriente pelo

meridiano de Greenwich (até porque se assim o fosse, a própria Itália, seu país natal, seria

oriental), isto é, tal “distinção não é meramente espacial, mas sim temporal e diacrônica”, pois

sob a ótica gramsciana, é possível afirmar que “todas as sociedades teriam sido orientais em

tempos mais afastados, e aquelas que ainda o eram poderiam se ocidentalizar”. (PEREIRA,

2012, p.9) Esse conceito de Estado ampliado se tornou um marco no arcabouço marxista,

possibilitando, assim que essa vertente se tornasse mais apropriada ao estudo da política.

Além do marxismo, outros autores clássicos, tais como Emile Durkheim (1858-1917)

e Max Weber (1864-1920) também abordaram esse tema, embora a partir de outras

perspectivas. Assim como em Marx, tanto em Weber quanto em Durkheim o tema “Política”,

apesar de não ser o elemento fundamental, foi abordado. (QUINTANEIRO, BARBOSA e

OLIVEIRA, 2002)

A esse respeito, vejamos a posição de Weber, o conceito de dominação, essencial em

Marx, também aparece em Weber, porém, de outra forma. A dominação é fundamental em

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Weber, tanto para se compreender o Estado, quanto à sociedade como um todo. O Estado é

oriundo de um exercício de dominação, que possui o monopólio legítimo do uso da força.

Portanto, o Estado, e consequentemente a política, também se encontra sob a lógica da

dominação, todavia diferentemente de Marx, que o via sob a ótica de que esta era exercida por

uma classe sobre outra. Weber, entretanto, não vê dessa forma, pois a dominação para ele é do

homem sobre o homem, forjando assim a situação em que este é a única fonte de uso da

violência. (WEBER, 1991)

Nessa relação de dominação tem de haver dois elementos que, segundo Weber,

constituem o Estado, que são a autoridade e a legitimidade. A partir desses dois elementos, o

autor cria o seu mecanismo analítico, chamado de “tipos ideais puros de dominação legítima”,

que, por sua vez, geram outros “tipos” de autoridade. Vale ressaltar que esses “tipos puros”

criados por Weber são abstrações que somente se apresentam no interior de sua teoria, já que

na realidade concreta o que ocorre são combinações de cada um desses. (WEBER, 1991, p.

33)

Assim, o primeiro tipo de dominação proposto por Weber é denominada tradicional.

Para o autor, a dominação tradicional é aquela em que a obediência dos indivíduos ao agente

público ocorre oriunda do seu enraizamento cultural. Em sociedades com tal situação as

pessoas não são cidadãos, mas sim súditos, e não obedecem a um estatuto instituído, e sim a

uma pessoa cuja autoridade foi instituída pela tradição, sendo, portanto, todos os seus atos

legítimos por natureza, pois é sua prerrogativa exclusiva determinar essa legitimidade

(WEBER, 1991).

O segundo tipo de dominação é a carismática. Esse tipo de dominação se assenta no

fato de aqueles que se subordinam acreditarem na superioridade daquele que os lidera, que

pode ser fruto de algo sobrenatural ou de características inigualáveis, tais como coragem ou

inteligência. Assim como na dominação tradicional, na carismática também não há a

constituição de um ordenamento jurídico racional e estável – a ordem está inserida

exclusivamente nas afirmativas propostas pelo tal chefe carismático. (WEBER, 1991)

E, por fim, apresenta o tipo de dominação legal, também chamada de racional ou

burocrática. Nesse tipo ocorre, a priori, a definição de um conjunto de normas legais que

regem a gestão da coletividade, e em que repousa a autoridade estatal sobre todo o conjunto

de pessoas inseridas nesse contexto. Neste caso, a legitimidade se assenta na premissa de que

o ordenamento jurídico vigente fora criado apenas sob a lógica da racionalidade. O cidadão,

nesse caso, não é dominado pelo soberano, seja ele um monarca ou um presidente, mas sim

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pela lei. O exercício desta autoridade racional se vincula a um corpo administrativo

hierarquizado do Estado, composto por profissionais que Weber designa como burocracia.

(WEBER, 1991)

Weber afirma ser este último tipo o mais adequado para a gestão do Estado moderno,

além também de ser o melhor modo de se gerir empreendimentos empresariais privados.

Diferentemente de Marx, para Weber a dominação não necessariamente é algo negativo, pois

o tipo racional-burocrático pode atuar enquanto mecanismo de integração social. (1991)

Já Durkheim, assim como Weber e Marx, parte de um pressuposto valorativo de

Estado, isto é, em sua produção ele aponta características que fazem com que este seja mais

ou menos adequado. Contudo, devemos assinalar que para Durkheim, assim como para Marx

e ao contrário de Weber, o Estado se subordinava à sociedade. (QUINTANEIRO, BARBOSA

e OLIVEIRA, 2002)

Dentro dessa lógica, Durkheim acreditava ser o Estado, na sociedade moderna, o

substituto da Igreja, enquanto agente responsável pela disciplina e pela organização moral dos

membros de determinada sociedade. Para o autor, inclusive a individualidade moral é fruto do

Estado, pois este “tende a assegurar a individuação mais completa que o estado social

permite. Longe de ser o tirano do indivíduo, é ele quem o resgata da sociedade”.

(DURKHEIM, 2002, pg. 96) A visão durkheimiana, em suma, propõe que a própria existência

do indivíduo, portanto, é fruto da atuação estatal porque é dele, e de seus conflitos, que

nascem “as liberdades individuais”. A partir desta ótica, o exercício da política será então

fundamental para a busca da liberdade. (DURKHEIM, 2002, pg. 88) E é na crítica a essa

perspectiva que superlativa o papel do Estado, e consequentemente o da política, que ocorre o

“abandono” ao qual nos referimos nas primeiras linhas desta introdução.

De acordo com Pereira (2012), as críticas que geraram esse abandono são fruto do que

ele denomina “inventário de erros”, exposto por Jaques Julliard.

A história política é psicológica e ignora os condicionantes; é elitista, talvez

biográfica, e ignora a sociedade global e as massas que a compõem; é qualitativa e

ignora as séries; o seu objetivo é o particular e, portanto, ignora a comparação; é

narrativa, e ignora a análise; é idealista e ignora o material; é ideológica e não tem

consciência de sê-lo; é parcial e não o sabe; prende-se ao consciente e ignora o

inconsciente; visa os fatos precisos, e ignora o longo prazo; em uma palavra, uma

vez que essa palavra tudo resume na linguagem dos historiadores, é uma história

factual. (JULLIARD, 1976, pp. 180-181)

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Ainda em relação a essa questão, outro a apontar os principais motivos para o

abandono do político é o intelectual francês François Dosse. Ele atesta que é a ascensão da

chamada “Escola dos Annales”, como corrente historiográfica preponderante, a partir da

década de 30, tornou-se o fator fundamental para tal virada, pois os “pais fundadores”, Lucien

Febvre e Marc Bloch, ao iniciarem seu periódico em 1929, elegem novas prioridades para o

conhecimento científico. (DOSSE, 2003)

Essa virada é um dos traços mais marcantes dos Annales. Essa escola historiográfica

nasce ao criticar a produção anterior, de caráter positivista, influenciada pela metodologia

durkheimiana, que se centrava em uma história eminentemente biográfica, política e factual.

Em outros termos, a vertente anterior se ligava aos grandes feitos, dos grandes líderes,

acreditando serem esses aspectos os pontos fundamentais. O ponto de fixação dos Annales é a

oposição sistemática a essa historiografia positivista. Bloch e Febvre destroem esses “três

ídolos” (DOSSE, 2003, pg.372) e traçam seu percurso “centrado nos aspectos econômicos e

sociais, abandonando completamente o campo político, que para eles se torna supérfluo,

anexo, ponto morto”. (DOSSE, 2003, p.39) Ao abandonarem o político, consequentemente,

rejeitaram o Estado e suas esferas, o “jogo político, a vida parlamentar, em suma, os partidos

políticos são postos de lado por esses intelectuais”. (DOSSE, 2003, p.38) Dosse prossegue e

conclui esse raciocínio afirmando que o Estado, para os Annales, é rejeitado como sendo algo

exterior à sociedade, “como corpo alógeno”. (DOSSE, 2003, pg.38)

Essa característica de recusa do político é uma das principais continuidades entre as

chamadas “gerações” dos Annales. Na segunda geração dos Annales, liderada por Fernand

Braudel, essa característica se torna mais evidente. (DOSSE, 2003)

A constatação de que os ideários são transmitidos através de gerações alarga uma

importante concepção histórica, conforme nos ensina braudeliana, o conceito de tempo.

Segundo Braudel, história seria a principal ciência social, por ser a única capaz de dialogar

com os três tipos de duração; o curto, do evento; o médio, da conjuntura; e o longo, da

estrutura. A história seria a “ciência humana mais completa e complexa”, pois é a única que

considera a “interação entre estrutura, conjuntura e evento”. (BARROS, 2010, p.15)

Por esta visão, Braudel fortalece a perspectiva da importância da história se focar na

longa duração, isto é, em uma história que seja estrutural. Por esta razão, o evento de curta

duração, local onde se encontram os acontecimentos da esfera do político, é cada vez mais

desvalorizado. Em Braudel, potencializa-se a ambição de construção de uma história total, já

apregoada pela primeira geração. E, nessa lógica braudeliana, o tempo curto da política seria

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apenas “vagalumes que se encaixam no tempo médio da estrutura”, que, por sua vez, se

apoiam no tempo longo das estruturas articuladas”. (BARROS, 2010, p.16)

Mais tarde, a partir 1969, ascende uma nova geração à frente dos Annales (a 3ª), que

se autointitula “Nova História” e propõe novas abordagens na construção da produção

historiográfica. Essa “Nova História” rompe com diversos pressupostos defendidos pelas

gerações anteriores, rompendo inclusive, de acordo com Cardoso (1997), com o paradigma

moderno que norteava a produção dos Annales. A 3ª geração produz uma história,

denominada por Cardoso (1997) de pós-moderna, que se caracteriza pelo rompimento com o

pressuposto fundamental que havia marcado o grupo desde 1929, denotando a ambição, já

citada, de uma história total. Esta “Nova História” abandona o “analítico, o estrutural, a

macroanálise e a explicação”, em favor da “micro-história, das interações e da história como a

narrativa literária”. (CARDOSO, 1997, p.17)

Em síntese, a 3ª geração intensifica ainda mais a negação do político, presente nas

gerações anteriores. A nova geração “analista” desloca suas preocupações historiográficas

cada vez mais para o campo da cultura, passando de uma “história geoeconômica” para uma

“história das mentalidades” ou “antropologia histórica”, cada vez mais voltada aos fragmentos

do que para a totalidade. Em outras palavras, eles abandonaram a perspectiva de uma história

do todo, para uma história de tudo. (DOSSE, 2003, p. 370)

Todavia, concomitantemente a essa nova abordagem dos novos diretores dos

“Annales”, ocorre o movimento que Rosanvallon chamou de “retorno ao político”. De acordo

com Pereira (2012), esse retorno se inscreve em uma transformação que é um processo maior,

pelo qual toda história esteve envolvida.

Dentre os aspectos que levaram a essa concepção, destacamos o “alargamento das

categorias: política e poder”, que teve como um dos principais artífices o francês Michel

Foucault, que concebe o poder como algo que circula e que funciona em cadeia. (PEREIRA,

2012) Apesar do argumento de Foucault, Rosanvallon deixa claro que o entendimento desse

acerca do político ainda é “bastante limitado”, já que Foucault seria “prisioneiro de uma

abordagem ainda muito estrita”, que pensa o político somente relacionado à questão do poder.

(2010, pp. 60- 61)

Em contrapartida, Rosanvallon, por sua vez, é partidário de uma visão amplificada

que percebe a política, a filosofia e a história de maneiras interligadas, para assim promover o

que ele entende como “história filosófica do político”, cujo objetivo seria propiciar o

entendimento em torno do modo pelo qual são projetados e se desenvolvem os sistemas

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representativos, que permitem conceber não só a instância estatal e de poder, mas também

toda a vida comunitária, de forma que se identifiquem as “constelações históricas em torno

das quais novas racionalidades políticas e sociais se organizam”. (2010, p.44)

Nesse sentido, por mais paradoxal que pareça, o autor acredita que essa proposta da

história filosófica do político representa “uma tentativa de dar um novo significado ao projeto

de Fernand Braudel de uma história total”, de forma que se construa o sentido do político em

toda a sua complexidade. (ROSANVALLON, 2010, p. 47) Na mesma linha de raciocínio,

René Remond afirma que “o político não é um setor separado: é uma modalidade da prática

social”. (2003, p.35)

E foi recorrendo a essa vertente teórica, que compreende a política como elemento

articulado da vida social, que desenvolvemos o tema desta dissertação.

Em outras palavras, nosso intuito foi analisar as eleições municipais de Montes Claros

(MG) da década de 1980, considerando o contexto em que estas ocorreram, e entendendo-as

não como evento central da vida do povo da cidade, ou ainda apenas como um reflexo do

momento econômico e social vivido, pelo contrário, buscamos analisar e evidenciar os

aspectos que possibilitaram a ocorrência das eleições da forma como ocorreram, destacando,

especialmente, sua ação nas camadas populares, organizadas ou não, mediante o

protagonismo efetivo, por diversas vezes, reivindicado pelas lideranças estabelecidas.

Para atender o objetivo apresentado, a primeira etapa da produção desta dissertação se

constituirá de uma profunda pesquisa bibliográfica que se caracteriza “pela utilização de

informações, conhecimentos e dados que já foram coletados por outras pessoas em pesquisas

anteriores, e demonstrados de diversas formas” (MATTOS, ROSSETTO JÚNIOR,

BLECHER, 2003), com o propósito de delinear de maneira mais precisa os questionamentos

presentes. Foram objeto dessa revisão, obras relacionadas aos seguintes temas: elites políticas,

representação política, movimentos sociais e populares, populismo, coronelismo,

clientelismo, regime militar no Brasil, lideranças carismáticas. A fim de sistematizar melhor o

que estamos tratando, organizamos este trabalho em três capítulos, a saber:

No primeiro capítulo, buscamos construir uma análise das eleições de 1982 a partir de

fontes documentais, tais como jornais, atas, tanto de instâncias governamentais (por exemplo,

a Câmara Municipal), como de documentos oficiais, como leis e dados do Instituto Brasileiro

de Geografia e Estatísticas (IBGE). Dessa forma, chega-se àquela fase que Bloch designa

como uma das mais difíceis do trabalho do historiador, que é a da definição dos documentos

necessários para a sua pesquisa. (BLOCH, 2001) É ainda nessa fase que também ocorrem os

18

maiores riscos do fazer histórico, que embasam as teses que defendem a incapacidade da

história de produzir algo verdadeiro. José Carlos Reis (2006), admitindo o caráter “muito

problemático epistemologicamente” do conhecimento histórico, apresenta os principais

argumentos para tais problemas.

Primeiramente, Reis (2006) observa que o conhecimento histórico é produzido

exclusivamente através de vestígios do passado, sempre precários e lacunares, e, às vezes,

também estrategicamente colocados. Logo, o passado se torna uma “abstração”, pois é um

“conhecimento indireto do passado”, e, portanto, a “linguagem da história” não é em nada

distinta da “linguagem do mentiroso”. O conhecimento histórico é, sem dúvida, apenas uma

“retrodicção pouco rigorosa”, pois é fruto apenas da escolha do historiador na hierarquização

das causas e escolha dos eventos. (REIS, 2006, p.99).

Da mesma forma é fundamental não incorrer na ingenuidade de acreditar na

veracidade dos documentos, pois bem afirma Le Goff (2003) que todo documento é também

um monumento fruto de fatores intrínsecos ao poder vigente. Porém, apesar de tais riscos,

essa metodologia se justifica na medida em que a “análise documental favorece a observação

do processo de maturação ou de evolução de indivíduos, grupos, conceitos, conhecimentos,

comportamentos, mentalidades, práticas, entre outros”. (CELLARD, 2008, p.59)

Além do devido levantamento documental, caberá uma profícua interpretação destes,

pois, segundo May (2004), os “documentos não existem isoladamente, mas precisam ser

situados em uma estrutura teórica, para que o seu conteúdo seja entendido”.

Esses mesmos cuidados serão também tomados no decurso do segundo e do terceiro

capítulos, que debaterão respectivamente a organização dos movimentos populares e a disputa

pela hegemonia no decurso da legislatura 1983-1988 e as eleições de 1988. Com vistas a

atender este intento, as fontes consultadas auxiliaram a determinar as condições em que tais

momentos ocorreram.

Assim, ao longo do primeiro capítulo, primeiro, apresentaremos um levantamento

histórico de Montes Claros, após discutiremos o caráter conceitual da ação das lideranças

políticas da cidade, confrontando-a com a ação dos movimentos populares, buscando

explicitar de que forma estes atuaram com o propósito de resistir à dominação local. Nesse

capítulo demonstraremos que, em que pese à ausência de candidaturas de sucesso eleitoral de

caráter popular anteriormente a 1982, já havia traços de resistência. O fenômeno de ruptura

com as lideranças tradicionais, ocorrido em 1982, somente acontece devido a um acúmulo

19

histórico, demonstrado a partir da “crise de hegemonia da classe dominante”, cuja expressão

mais evidente foi a do pleito, mas que certamente não foi a única. Demonstrar esse acúmulo e

as formas de atuação das lideranças intelectuais populares que culminaram na vitória eleitoral

em 1982 é o objetivo principal desse capítulo. (GRAMSCI, 1976)

Já, o segundo capítulo, almejamos a dois objetivos, no primeiro, demonstraremos os

aspectos dessa legislatura, atípica tanto pelo perfil socioeconômico dos eleitos quanto pela

extensão de seis anos em que se mantiveram no poder, denotando a ação dos movimentos

populares diante de uma conjuntura política em que vários agentes políticos eram oriundos

destes. No segundo, analisaremos a participação dos setores, em crise de hegemonia,

derrotados no pleito de 1982 na vida pública da cidade, seja em palanques oposicionistas, seja

nas esferas governamentais. Como isso, mostraremos, afinal, quem cooptou quem, indicando

que a questão da hegemonia ainda estava em disputa em Montes Claros a partir de 1983, além

de reconhecer a importância de recursos oriundos do governo federal, ainda sob o regime

militar, na gestão local.

Na sequência, o terceiro capítulo, por sua vez, buscará sintetizar esses momentos e

compreender se o pleito seguinte, apesar de ocorrer uma continuidade partidária no executivo

municipal, representa uma continuidade de poder daqueles grupos populares que ascenderam

às esferas públicas seis anos antes. E também demonstrar de que forma tais movimentos se

organizaram, ou não, visando às eleições, e entender se a ação das lideranças legislativas

atuou no sentido de que estas perdessem a legitimidade obtida eleitoralmente no pleito

anterior, ou se as camadas extirpadas dos cargos públicos pela via eleitoral se reagruparam de

forma a retomar a hegemonia, entendida na perspectiva da liderança intelectual que exercia

espontaneamente sobre o restante da sociedade, outrora perdida. (GRAMSCI, 1976)

Por fim, nas considerações finais demonstraremos que a eleição de 1982 representou

um marco no processo político local em Montes Claros (MG), a partir da eleição de vários

elementos estranhos à elite local para os cargos representativos, todavia esses não

permaneceram no pleito seguinte, em 1988, quando há um retorno ao perfil socioeconômico

tradicional dos representantes tanto no poder legislativo quanto no executivo, apesar da

continuidade política da sigla partidária na chefia do executivo e da condição de possuidora

da maior bancada na Câmara Municipal.

20

CAPÍTULO I

MUDANÇAS E CONTINUIDADES – CAPITAL RURAL, ORGANIZAÇÕES

POPULARES E AS ELEIÇÕES MUNICIPAIS DE 1982 EM MONTES CLAROS (MG)

Com o propósito de compreender o fenômeno político ocorrido em Montes Claros, em

1982, torna-se fundamental contextualizá-lo em relação aos eventos políticos que ocorriam

concomitantemente no restante do país, com a intensificação do movimento de distensão pelo

qual a sociedade brasileira vivia, que teria como resultado concreto o fim do Regime Militar

em 1985, que vigorava desde 1964.

A década de 1980 foi um momento de profundas transformações em todo o globo,

com a aproximação não apenas do fim de um “conflito internacional”, a Guerra Fria, mas com

o “fim de uma era” (HOBSBAWN, 1999, p.252). Os primeiros sinais do colapso do regime

soviético e de seus países satélites emergem logo na aurora desta década, como, por exemplo,

com a ascensão política de Lech Walesa e a formação de seu comitê sindical “Solidariedade”,

na Polônia, após a primeira greve operária naquele país, que fora motivada pela decisão do

Partido Comunista local de aumentar o preço da carne. (KLEIN, 2008)

Essas mudanças provocam seus reflexos mundo afora e, em especial, em países

periféricos, alinhados com uma das duas potências, como era o caso do Brasil, que, engajado

com o bloco ocidental liderado pelos Estados Unidos da América, assim como outros países

latino-americanos, vivia sob a égide de um regime de exceção conduzido pelos militares, mas

que, desde o final da década anterior, já vinha tendo demonstrações concretas de

distensionamento político, com a extinção dos atos institucionais, a extinção do

bipartidarismo e, principalmente, com a anistia aos opositores do Regime.

21

Entretanto, antes de compreender o cenário político em que Montes Claros estava

envolto, é fundamental que se apresente um levantamento histórico da cidade até este

momento, de modo que se aprofunde sobre as raízes do poder local, entendendo-o

conceitualmente, a fim de responder a questões como, por exemplo, se o poder dos

representantes do capital rural pode ser definido como coronelista e, politicamente, se estes

eram defensores de plataformas políticas mais ou menos avançadas, além de buscar integrá-

los sob a ótica das elites nacional e estadual.

1.1 O capital rural enquanto organizador do poder político local

O desenvolvimento de Montes Claros e do restante do Norte de Minas Gerais

aconteceu de maneira diferente do padrão estabelecido no restante da província mineira. A

primeira atividade econômica que prolifera na região é a da pecuária, motivo inclusive,

conforme nos ensina Reis (1997), do povoamento inicial. Contudo, a integração do Norte com

o restante da província ocorreu devido à produção de gado, cuja finalidade era atender às

necessidades das regiões mineradoras. (REIS, 1997)

O povoamento da região em que se localiza Montes Claros ocorreu da mesma

maneira, com a constituição da grande fazenda de gado, visando a produção especialmente do

charque, de modo a atender às antigas vilas mineradoras, tais como Diamantina, Ouro Preto e

Sabará. (COSTA, 1997)

Além da produção do gado, destaca-se também a cultura do algodão, empreendida

desde o final do sec. XVIII. É a partir do desenvolvimento destas duas modalidades que a

localidade começa a se consolidar como núcleo populacional, em decorrência da ampliação da

mão de obra escrava que posteriormente se tornou agregada dessas fazendas. Esses

trabalhadores residiam no entorno das propriedades rurais, formando os primeiros grupos de

camponeses sem vínculo empregatício, mas que sobreviviam das relações de troca que

mantinham com elas. (COSTA, 1997)

É, portanto, nesse contexto que as relações no Arraial das Formigas, nome do vilarejo

que, mais tarde, se tornará Montes Claros, se organizam, a partir da figura do representante do

22

capital rural no centro. A grande fazenda não se encontra apenas no centro das relações

econômicas, mas também no das ações políticas que se institucionalizarão a partir da primeira

Câmara Municipal, instituída em 1831 pelo decreto da Regência, em nome do imperador Dom

Pedro II, que também eleva o Arraial à condição de Vila, e o rebatiza como Montes Claros

das Formigas. (BRITO, 2006)

Apesar de instituída em 1831, é apenas no ano seguinte que a Câmara Municipal é

efetivamente formada e, de acordo com Brito (2006), é nesse momento que se consolida a

formação da elite local.

Essa visão vai de encontro à perspectiva de autores clássicos do tema “Elite”, dentre

eles o italiano Gaetano Mosca, que afirma que esta é fruto de um agrupamento formado para

gerir os interesses da coletividade. Este agrupamento instituído é formado por uma minoria

que recebe um mandato para esta gestão, de uma maioria de mandantes desprovida de outros

recursos no decurso desta, o que faz com que esta minoria goze efetivamente do poder

político e dos privilégios a ele inerentes, impondo sua vontade àqueles que outrora se

encontravam na condição de mandantes. (MOSCA, 1968)

Esta posição, obviamente, gerou efetiva controvérsia no meio acadêmico, com efeito,

a partir de então se debruçou com maior ênfase sobre o tema “Elite”. Em relação a essa

questão, podemos atestar que autores das mais variadas matrizes discutiram sobre a validade

teórica de tal abordagem. Dentre eles, destaca-se o francês Michel Foucault que aborda o

assunto sob outra perspectiva, em que afirma que não existem aqueles que, a priori, possuem

e aqueles que, a priori, se encontram alijados do poder, mas sim que este se exerce a partir de

relações.

Não existem de um lado os que têm poder e de outro aqueles que dele se

encontram alijados. Rigorosamente falando, o poder não existe; existem sim

práticas ou relações de poder. O que significa dizer que o poder é algo que se

exerce, que se efetua, que funciona. E que funciona como uma maquinaria,

como uma máquina social que não está situada em um lugar privilegiado ou

exclusivo, mas se dissemina por toda a estrutura social. Não é um objeto, ou

uma coisa, mas uma relação. E esse caráter relacional do poder implica que

as próprias lutas contra seu exercício não possam ser feitas de fora, de outro

lugar, do exterior, pois nada está isento de poder. (FOUCAULT, 1984, p.14)

23

Da mesma forma, contudo, o intelectual marxista Antonio Gramsci também analisa o

poder enquanto relacional, isto é, exercido de acordo com as circunstancias históricas postas.

Na perspectiva gramsciana, o debate acerca do poder é feito de modo a compreender que este

é relacional, isto é, não existem aqueles que detêm e os que são alijados, mas sim os que

exercem de forma dominante ou hegemônica, isto é, de forma coercitiva ou de forma

consentida. (GRAMSCI, 1976)

Tal definição seria submetida à existência e ação do que o autor determina sociedade

civil, que seriam organizações das quais as pessoas participariam de maneira espontânea, a

fim de atuarem no sentido de difundir valores para o conjunto da sociedade, na busca pela

hegemonia, compreendida, aqui, como a capacidade de subordinar intelectualmente o restante

da sociedade, e de se apresentar como o segmento que representa e atende ao interesse

coletivo obtendo, portanto, o consentimento e a adesão espontânea. (GRAMSCI, 1976)

Dessa forma Pereira (2012) afirma que Gramsci:

localiza o poder não apenas no Estado estrito – aparelho coercitivo – mas

também em todas as “associações na vida civil”, onde se constrói e se

disputa a hegemonia. A sociedade civil é uma arena de conflitos não

armados. É onde classes e frações de classe disputam a direção moral e

intelectual de uma sobre as outras. E a hegemonia é precisamente essa

direção. Embora relacionadas como visto antes, sociedade política e

sociedade civil têm materialidade própria. O poder está presente nas duas e a

sua conquista e exercício significam, portanto, um trabalho processual e não

um golpe de força em um momento específico. (PEREIRA, 2012, p.10)

É sob esta ótica que o presente trabalho analisará as relações de poder constituídas em

Montes Claros, que terão como figura central, desde o momento de institucionalização da

política em 1832, o grande proprietário rural. Certamente, Montes Claros desde o segundo

quarto do século XIX se enquadrava na situação exposta por Gramsci. Em outros termos,

tratava-se de uma coletividade com uma sociedade civil inexistente, em que o poder se

exercia de maneira dominante, nos moldes como este autor conceitua as sociedades orientais.

Essa denominação não tinha conotação geográfica, mas sim política e temporal, pois

conforme nos ensina Pereira (2012), a respeito da obra gramsciana: “A rigor, todas as

24

sociedades teriam sido orientais em tempos mais afastados e aquelas que ainda o eram

poderiam se ocidentalizar”. (PEREIRA, 2012, p.9)

Tal constatação se aplica e reflete o grupo que constituía a elite da localidade, formada

pela presença de religiosos, comerciantes, advogados, médicos, farmacêuticos e mestres da

instrução pública. Todavia, todos esses vinculados à figura do fazendeiro, que exerceria o

papel de protagonista nas complexas relações de poder de então.

A ação do grande fazendeiro, que receberá a alcunha de “coronel” a partir da criação

da Guarda Nacional em 1831, é descrita por LEAL (1978) como executora de um poder, umas

vezes dominante, outras hegemônico, sobre as camadas populares, que substituía o Estado, e

cujo centro estava nas trocas de favores que buscavam solucionar uma gama de necessidades

pessoais ou de parentela, e, em decorrência, a figura do coronel se constituía como mediador

entre o Estado, o camponês e seu agregado e, ao mesmo tempo, era o “próprio” Estado na

localidade que estava sob seu jugo. (LEAL, 1978).

Corroborando com a manutenção do poderio do coronel, foi criada a Guarda Nacional,

que de acordo com Costa (1999), surgiu com o propósito de impedir insurreições e rebeliões,

“colocando à disposição da classe proprietária uma força policial que seria usada na

manutenção do poder local”. (COSTA, 1999, p.8). Os seus propósitos eram claramente

expostos já no primeiro artigo da lei que instaurava essa nova instituição, afirmando que os

objetivos da Guarda Nacional eram a defesa da “Constituição, da liberdade e da integridade

do Império”. Além disso, era sua atribuição “manter a obediência às leis, conservar, ou

reestabelecer a ordem”. (FAUSTO, 2008)

A Guarda se organizava nos municípios e se subordinava aos juízes de paz, aos juízes

criminais, aos presidentes de províncias e, em última instância, ao Ministro da Justiça. O seu

processo de alistamento era o mais amplo possível: ocorria dentre todos os cidadãos de 18 a

60 anos, que tinham direito ao voto nas eleições primárias. O alistamento era obrigatório e

não remunerado. (CASTRO, 1977)

Tal organização era o que possibilitava à liderança local da Guarda Nacional, sempre

ligada a um grande proprietário de terra, o controle do processo político local, transformando

essa instituição, desde seu surgimento, em instrumento de exercício da autoridade local, sendo

também um mecanismo de barganha em relação ao poder central. (CASTRO, 1977)

25

Em relação a essa questão, há de se destacar que o domínio político desse segmento

em Montes Claros se apresenta desde a primeira eleição para a presidência da Câmara

Municipal, em que se elege o fazendeiro Francisco Pinheiro Neves, que logo depois também

assumiria o posto como membro da Guarda Nacional, adotando daí em diante o título de

“coronel”. (BRITO, 2006)

O domínio que o grande ruralista exercia na política também se demonstraria em

outras frentes, como, por exemplo, na religião, com a nomeação de Antônio Gonçalves

Chaves como primeiro vigário em 1835, quando Montes Claros se eleva à condição de

paróquia. (BRITO, 2006) O cônego Chaves, possivelmente, é um dos melhores exemplos de

como o grande fazendeiro atuava, articulando as instituições em torno dos seus interesses

classistas. Além de chefe da igreja local, também se tornou um prestigioso chefe político,

vinculado ao Partido Liberal. Assumiu o cargo de vereador e foi eleito presidente da Câmara,

se tornando também o chefe dos poderes legislativo e executivo local, já que na época o

presidente da Câmara se tornava agente executivo, o equivalente ao atual cargo de prefeito

municipal. Com passar do tempo, o cônego alça voos maiores, sendo eleito deputado

provincial. (BRITO, 2006)

É fato que a formação desse cenário fora favorável aos embates políticos que, na

época, eram intraclassista, com a aglutinação em torno dos principais fazendeiros, que

chefiavam os dois partidos políticos em atuação. O já citado Partido Liberal possuía, além de

Chaves e seu clã, os representantes das famílias Sá e Prates, também chefiadas por

fazendeiros. Já o seu concorrente, o Partido Conservador, era composto por representantes das

famílias Versiane, Veloso e Alves. Neste contexto, os dois partidos se revezariam na gestão

municipal, com certa preponderância do grupo liberal. (BRITO, 2006)

Esse antagonismo perdura até o fim do Segundo Reinado, pois, com o início da

República, os antigos partidos se desfazem, e novas legendas irão abrigar as velhas disputas.

Todavia, destaca-se que, tanto antes quanto durante a Primeira República, as disputas políticas

serão feitas por grupos que não possuíam nenhuma distinção ideológica visível. (BRITO,

2006)

Antes de iniciar a abordagem em torno da ação política das duas facções rivais em

Montes Claros, torna-se imperativo apresentar uma breve contextualização acerca do

ambiente político em que essas estavam inseridas. O final do século XIX, no país, foi um

26

momento de intensas modificações sociopolíticas, com o fim da escravidão em 1888 e o início

da República em 1889, e com a deposição de Dom Pedro II. Tais transformações foram

objetos de diversos estudos nas áreas da história e das demais ciências sociais, e culminaram

com a formação de novos preceitos e conceitos, dentre eles o tão conhecido “coronelismo”,

conceito criado inicialmente por Vitor Nunes Leal, como já expusemos aqui. Deve-se a Nunes

Leal a realização de uma ampla análise sobre o período compreendido de 1889 a 1930,

chamado de “Primeira República”, em que aparece pela primeira vez a categoria coronelismo.

Após a publicação de sua obra é que a academia dispõe de referencial que lhe permite

debruçar mais atentamente sobre a figura do “coronel” e sua participação na vida política

brasileira.

De acordo com Leal, com a mudança do regime, surge uma nova categoria sistêmica:

o coronelismo, que é, nessa perspectiva, o real sistema em vigência. Trata-se de uma

“complexa rede de relações que vai desde o coronel até o presidente da República”. (LEAL,

1978) Esse sistema surge a partir da junção de dois fatores: a instauração do federalismo e a

decadência econômica dos fazendeiros. (CARVALHO, 2005)

O federalismo republicano nasce a partir da premissa da existência de entes federados

autônomos, os Estados, que substituem as antigas províncias e criam uma estrutura política

descentralizada do poder nacional. Com a instauração desse modelo, surge a figura do

governador do Estado, que goza constitucionalmente de amplos poderes dentro de suas

fronteiras, em contraposição aos antigos presidentes das províncias, que eram indicados pelo

imperador e tinham seus poderes limitados por ele, se tornando efetivamente o chefe político

do Estado, em torno de quem os oligarcas locais, isto é, os coronéis, deveriam se aglutinar, de

modo a ter acesso aos recursos do poder. (CARVALHO, 2005)

Do mesmo modo que os governadores se tornam a figura-chave da política local,

também passam a exercer papel destacado no cenário nacional, especialmente a partir de

1898, com o início do governo do presidente Campos Sales, em que se consolida

nacionalmente a denominada “política dos governadores”. (CARVALHO, 2005)

A premissa básica dessa política consistia em uma ampla articulação que se inicia a

partir da Presidência da República, que, de maneira recíproca, se sustentava e dava

sustentação às elites estaduais que chefiavam o Executivo local, que, da mesma maneira, se

relacionava com os coronéis, que eram as principais lideranças regionais. Em retribuição, ao

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apoio político, os coronéis davam como garantia os votos a esses mandatários, além de

assegurar a eleição de parlamentares dóceis ao governo, tanto no plano federal quanto no

estadual. O governador, por sua vez, além de garantir a chegada de escassos recursos

públicos, também ofertava aos coronéis a indicação dos cargos públicos locais, “desde o

delegado de polícia até a professora primária”. O coronelismo, portanto, seria essa política de

compromissos existentes entre o poder público e o poder privado. (CARVALHO, 2005, p.

132)

Em decorrência dessa relação, Montes Claros terá as suas especificidades

demonstradas, a partir das características intrínsecas às ações das duas correntes antagônicas.

Antes, porém, é importante ressaltar que ambas as facções estavam vinculadas às elites

estaduais que se organizavam com o Partido Republicano Mineiro (PRM). Essa vinculação

ocorre devido a uma clara relação de dependência do município para com o governo do

Estado de Minas Gerais, e o da União, reflexo da política dos governadores, criando o que

Oliveira (2000) denomina de “política de compromissos”, que em Montes Claros sobreviverá

a essa característica conjuntural nacional, entre a elite local e a estadual, demonstrando uma

aliança existente entre os fazendeiros locais com o capital rural das instâncias superiores, o

que nos possibilita afirmar que as rusgas provenientes das disputas eventuais são sobrepostas

pela clara convergência dos interesses classistas.

Todavia, apesar das semelhanças programáticas, essas disputas geraram momentos de

intenso embate, em que fica claro o caráter dominante do poder principalmente pelo uso de

mecanismos como a violência, e até mesmo o rompimento da ordem institucional. Nesse

cenário, a violência tornou-se protagonista, conforme atestam dois exemplos marcantes

ocorridos durante as disputas políticas. Vejamos:

O primeiro data de 1918 e se deu após a vitória de Honorato Alves, herdeiro do antigo

grupo “Conservador”, sobre Camilo Prates, líder dos remanescentes e descendentes dos

“Liberais”. Nessa ocasião, ocorre uma batalha campal na porta da residência de Prates,

envolvendo as duas facções. Deste confronto resultaram 4 mortos e 7 feridos (OLIVEIRA,

2000).

Outro evento, que exemplifica a violência como recurso, ocorreu em razão da disputa

presidencial de 1930, quando o grupo dos Alves, no poder em Montes Claros, em acordo com

o presidente do Estado de Minas Gerais, Antônio Carlos, apoiava a candidatura de Getúlio

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Vargas. Já os opositores se organizaram em torno da chamada “Concentração Conservadora”,

que dava respaldo à candidatura de Júlio Prestes. Quando da ocasião da realização de um

congresso de produtores de algodão no decurso da campanha eleitoral, este se torna motivo

para a visita do então candidato a vice-presidente de Prestes, Fernando de Melo Viana, a

Montes Claros, o que culmina em uma nova batalha a partir da reação do grupo dos Alves,

que inicia um intenso tiroteio contra os partidários conservadores. Do confronto resultam

alguns mortos, e dentre os feridos estava o próprio Melo Viana. (OLIVEIRA, 2000)

Já o principal momento de rompimento da ordem institucional ocorre em 1915, logo

após o pleito estadual em que o grupo dos Alves sai vitorioso nas eleições para a Assembleia

Estadual, através da candidatura de Antônio Augusto Spyer, ao mesmo tempo em que o grupo

rival controlava a presidência da Câmara, com o coronel Joaquim Costa, aliado de Camilo

Prates, e este buscava retaliar, demitindo dois funcionários ligados a Honorato Alves, chefe da

facção primeiramente citada. (OLIVEIRA, 2000)

A partir desses episódios, formam-se duas Câmaras Municipais, que funcionavam no

mesmo prédio, mas em salas diferentes, cada uma ligada a um dos grupos em conflito. A

divergência somente é solucionada através da intervenção do governo estadual, que prorroga

por mais um ano o mandato do Coronel Joaquim Costa, e define que a escolha do próximo

presidente ocorreria por sorteio. Quando este é realizado, o nome que sai é o do Dr. João

Alves, filho de Honorato. (OLIVEIRA, 2000)

O antagonismo entre esses grupos, e a sua consequente alternância no domínio do

poder local, dura de maneira estável até 1930, quando o movimento liderado por Getúlio

Vargas alcança o poder nacional e realiza uma grande transformação institucional, o que trará

consequências diretas ao poder do “coronel” em todo o país, inclusive em Montes Claros.

(OLIVEIRA, 2000)

De acordo com a abordagem de Leal, essas mudanças representaram o fim do

coronelismo no Brasil. De acordo com Carvalho (2005), que compactua com a visão de Leal,

o coronel só existe devido à vigência de um sistema que permite com que esse ator exerça de

maneira privada a dominação sobre determinada população, através de atribuições que

deveriam ser ligadas ao poder público. As transformações que ocorreram a partir do

movimento de 1930 implodem esse sistema, o que permite, nessa perspectiva, afirmar que o

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coronelismo é uma característica exclusiva da Primeira República e, portanto, “o coronelismo

não existiu antes dessa fase, e não existe depois dela”. (CARVALHO, 2005, p. 132)

Nesta acepção, podemos afirmar que qualquer traço de semelhança entre o

coronelismo e os momentos anteriores à Primeira República seriam, de acordo com Carvalho

(2005), exemplos do conceito de mandonismo, que, diferentemente do conceito anterior, não

é um sistema, mas sim “uma característica da política tradicional”. (CARVALHO, 2005,

p.133) O mandonismo, para esse autor, já vigorava anteriormente ao período republicano. Ele

ainda vai além, identificando a perspectiva mandonista como característica da política

brasileira desde o “período colonial”. (CARVALHO, 2005, p. 133) Da mesma maneira, o que

ocorre após o término do primeiro período de Getúlio Vargas, em 1945, também não seria

coronelismo e, na maioria das vezes, tampouco mandonismo, mas clientelismo.

(CARVALHO, 2005)

Para Carvalho, clientelismo “indica um tipo de relação entre atores políticos, que

envolve a concessão de benefícios públicos (...) em troca de apoio político”. Portanto, da

mesma forma que o mandonismo, o clientelismo não é um sistema, mas uma característica

deste. Carvalho vaticina que o clientelismo é “o mandonismo do ponto de vista bilateral”, e

difere deste porque, enquanto ele “tende a diminuir e até mesmo a desaparecer” com o

decurso do tempo e a ampliação da cidadania, o clientelismo não possui uma trajetória tão

linear, e a sua incidência pode variar ao longo do tempo. (CARVALHO, 2005, p. 134) De

acordo com essa perspectiva, qualquer análise que busque identificar o coronelismo após

1930, em áreas urbanas, estaria cometendo um equívoco conceitual, pois estaria tratando de

clientelismo. (CARVALHO, 2005)

E esse autor ainda vai além, ao afirmar que o fim do coronelismo possibilitou o

aumento do clientelismo, pois a partir do momento em que os líderes locais perdem o controle

do voto “eles deixam de ser parceiros interessantes para o governo, que passa a tratar com os

eleitores, transferindo a estes a relação clientelista”. (CARVALHO 2005, p. 135)

Essa abordagem gerou uma intensa polêmica no interior da academia, com diversos

autores buscando refutar tal visão. Para Pereira (2002), é plenamente possível tratar de

coronelismo após 1930, e ele o faz ao analisar as relações políticas em Montes Claros das

décadas de 1940 e 1950. Na sua perspectiva, o conceito de coronelismo serviria perfeitamente

para denominar as relações existentes entre povo, lideranças locais e lideranças estaduais e

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nacionais, que estavam inseridas em um contexto de relações recíprocas de dependência e

dominação. (PEREIRA, 2002)

A análise de Pereira (2002) foi embasada em autores como Queiroz (1969), Janotti

(1997), Souza (1995) e Gualberto (1995), que compartilham a opinião de que, apesar de ser

correta a afirmativa de que a Revolução de 1930 promoveu diversas transformações no

cenário social, político e jurídico brasileiro, é um equívoco imaginar que tais transformações

acabaram de vez com os coronéis locais.

Para Queiroz, há uma clara linha de continuidade nas características das práticas

políticas pós-30, com a continuação do controle político em áreas rurais através das formas de

organização do trabalho que possibilita o voto de cabresto e os currais eleitorais, e a

ampliação da atuação do Estado, que ocorre com a criação e propagação de políticas públicas,

somente terá um papel de mediação dessas relações. Além disso, tal continuidade é o que

possibilita, inclusive, a perspectiva de mutações no coronelismo, que acompanha as

transformações sociais, como, por exemplo, a expansão da urbanização, que permite a

vigência de um “coronelismo urbano”. (QUEIROZ, 1969, p.29). Compartilha dessa mesma

opinião, Janotti (1997), ao defender a ideia de que o coronelismo nunca deixou de existir,

porque ele possui uma grande capacidade de se adaptar às novas realidades políticas.

(JANOTTI, 1997)

Souza (1995) também defende a permanência do coronelismo na política brasileira,

afirmando que ele se encontra em “mutação”, pois especialmente no Nordeste brasileiro ainda

existe uma política assistencialista, paternalista e clientelista no âmbito do exercício do poder

municipal, o que impossibilita uma “distribuição impessoal dos recursos de competência

burocrática da máquina administrativa”. (SOUZA, 1995, p. 325)

O motivo pelo qual o coronelismo permanece, de acordo com Gualberto (1995), é

porque, em que pese Getúlio Vargas ter de fato atentado contra o poder dos coronéis,

inclusive com a prisão dos coronéis baianos, que é, segundo Carvalho, o momento do fim

simbólico do coronelismo, ele não atentou contra os “elementos centrais da instituição

imaginária do coronelismo”, e o presidente então se torna nada menos que “o grande coronel

nacional”. (GUALBERTO, 1995, p.192)

31

Os elementos acima descritos, que ainda permanecem, seriam o uso da violência como

elemento de coerção política em consonância com o paternalismo, que gerariam a exclusão

política e de cidadania da população. (GUALBERTO, 1995)

É a partir dessa constatação que o presente trabalho buscará compreender as relações

políticas que vigoraram em Montes Claros, destacando as práticas coronelistas, inclusive a

partir de 1930 e reconhecendo que o coronelismo fora profundamente alterado, contudo não

excluído. A esse respeito, vale mencionar que a diminuição do poder dos coronéis será

inclusive refletida a partir do novo arcabouço jurídico que reordenará as relações entre as

elites da cidade e os entes federados. (OLIVEIRA, 2000)

A partir da nova legislação, surgirá a figura do Interventor Federal que dirigirá os

estados, e dentre suas prerrogativas estará a indicação dos prefeitos municipais, destituindo a

população, e os seus líderes, do poder de escolha de seus dirigentes. Fruto dessa legislação, os

prefeitos indicados nos primeiros anos da década de 30, para Montes Claros, não possuíam

maiores vínculos com as elites locais, fato que motiva uma aliança oligárquica para fazer

frente ao chefe do Executivo municipal, alheia aos interesses destas elites. A formação dessa

Aliança contava com as lideranças, principalmente, do Dr. João Alves, filho de Honorato

Alves, e do coronel Filomeno Ribeiro, antigos rivais políticos, demonstrando mais uma vez a

convergência pragmática entre as facções locais. (OLIVEIRA, 2000)

A aliança fora bem sucedida, de modo que em 1936, o Interventor cede às pressões

locais e nomeia o então presidente do legislativo municipal, Dr. Santos, médico e fazendeiro,

ao posto de prefeito de Montes Claros. Ele será sucedido em 1937 pelo também médico e

fazendeiro Dr. Alpheu de Quadros, que possuía em seu currículo o importante posto de genro

de Camilo Prates e permanecerá no cargo até o final do período varguista, em 1945.

(PEREIRA, 2002)

Cabe também destacar que, oriunda dessa nova relação entre as elites locais e as

esferas públicas, entre 1930 e 1945, tornou-se imperativo o desenvolvimento de novos

mecanismos de atuação e defesa dos interesses classistas. Como fruto disso, é fundada em

1944 a Sociedade Agropecuária (posteriormente chamada Sociedade Rural), que atuará como

entidade máxima da defesa dos interesses da elite agrária. A Sociedade Rural agirá

efetivamente em todos os pleitos que ocorrerão a partir de sua fundação, garantindo a

representação das oligarquias agrárias em todas as esferas de poder, seja a nível nacional, seja

32

estadual e principalmente municipal. O mesmo não ocorreu com as classes alijadas do poder,

pois apesar de terem surgido entidades para representar os trabalhadores entre 1030 e1950,

essas apenas ocorreram por força de determinação legal, introduzida pela legislação

trabalhista varguista, entretanto, não se consolidaram como “espaços de representação dos

interesses populares”. (OLIVEIRA, 2000, p.50)

Essa nova lógica de ação se aprofunda, sem, contudo, alterar a lógica de dominação

patrimonial clientelista e coronelista, a partir do final do primeiro momento varguista, com a

inauguração do chamado período pluralista a partir da nova Constituição de 1946, que

reorganiza o arcabouço jurídico do país, inclusive das relações políticas, refinando os métodos

de atuação das elites. (OLIVEIRA, 2000)

Dentre as mudanças mais profundas advindas da nova Constituição destaca-se a nova

legislação, ampliando a representação política com a instauração de novos partidos. Entre as

agremiações criadas nacionalmente, instalam-se, em Montes Claros, os diretórios municipais dos

seguintes partidos: Partido Social Democrático (PSD), organizado por figuras influentes do antigo

momento, incluindo os antigos interventores estaduais e os novos industriais de São Paulo, além da

maioria dos chefes oligárquicos de todo o país; a União Democrática Nacional (UDN), herdeira dos

setores oposicionistas, sendo a facção mais vinculada ao ideário liberal; o Partido Trabalhista

Brasileiro (PTB), criado por Getúlio Vargas, organizado a partir de uma base ligada aos sindicatos de

trabalhadores e o Partido Republicano (PR), partido conservador herdeiro direto do antigo Partido

Republicano existente desde os tempos da Primeira República, que, nas esferas nacional e estadual,

não figurava como uma organização que possuísse maiores possibilidades de ascensão à chefia do

Poder Executivo. (PEREIRA, 2002).

Apesar de esta última agremiação, o PR, não se caracterizar como alternativa factível

para a chefia dos executivos estadual e nacional, ela se tornou a organização mais influente de

Montes Claros, elegendo um número significativo de prefeitos e vereadores na cidade, sendo

principalmente confrontada pelo PSD na busca do domínio político do município, que, por

sua vez, era divido em duas alas: a ortodoxa e a liberal. (PEREIRA, 2002) Contudo,

novamente cabe destacar as palavras de Pereira (2002), quando defende que é “praticamente

impossível detectar diferenças programáticas entre os mesmos. Na realidade, suas

divergências remontavam a velhos conflitos familiares”. (p.25).

Neste cenário, a primeira eleição municipal em Montes Claros, sob a égide da nova

legislação, é disputada por pessoas ligadas familiarmente aos antigos coronéis que

33

dominavam a cidade desde o período imperial, confirmando a tese de Pereira, que observa

que a origem das disputas eleitorais vem de antigas disputas familiares, demonstrando a

ausência de mudanças significativas nos projetos de poder opostos. (PEREIRA, 2002)

É inclusive a partir dessa constatação que este autor é contundente ao identificar a

manutenção do coronelismo nesse momento histórico pós-Vargas, contrariando a tese clássica

de Leal (1948), e afirmando que, nesse momento, as pequenas distinções nas práticas dos

chefes políticos não representavam a ausência de coronéis, mas a existência de dois tipos

diferentes. Pereira afirma ainda, através do que ele denomina de “esforço de esquematização

não rígido”, que havia em Montes Claros dois tipos de coronéis que dominavam a política

local e que estavam presentes em todos os partidos constituídos; os “Tradicionais” e os

“Modernos”. (p.114)

O primeiro tipo era o fazendeiro e o grande comerciante. Em suas práticas,

estariam mais acentuados elementos como a violência, a fraude e o menor

recurso à oratória. O segundo tipo, o moderno, era o advogado, o

engenheiro, o médico e as lideranças “populares” (construtores e pequenos

comerciantes). Suas práticas políticas ressaltavam mais o conhecimento

técnico, a capacidade administrativa, a utilização mais efetiva do recurso à

oratória, a importância de se modernizar a cidade e a valorização das

atividades e obras “culturais” (biblioteca, banda de música, desfiles).

(PEREIRA, 2002, pp.113-114)

Nesse sentido, de acordo com o esquema de Pereira, as eleições de 1947 opõem dois

coronéis modernos: o então prefeito Dr. Alpheu de Quadros (PR) e o engenheiro Simeão

Ribeiro (PSD), sobrinho do Coronel, tradicional, Filomeno Ribeiro. Quem venceu o pleito foi

Quadros. (GUIMARAES, 1997)

Já no pleito seguinte, em 1950, a disputa se dará entre o médico e fazendeiro Hermes

de Paula, um coronel moderno, que contava com o apoio de Quadros e seu grupo político,

contra o paraibano Enéas Mineiro, empreendedor nordestino que se transfere para o Norte de

Minas Gerais, atraído por oportunidades de negócios, instalando-se inicialmente na cidade

vizinha Francisco Sá. Lá é eleito prefeito municipal e, tempos depois, se transfere para

Montes Claros em busca do mesmo cargo, contando com o apoio de Filomeno Ribeiro.

(PEREIRA, 2002)

34

Enéas, ou Capitão Enéas, como era popularmente conhecido, foi um típico exemplar

do que Pereira denominou de “coronel tradicional”, pois, além de grande fazendeiro, a sua

campanha se destacou pelo uso constante da violência e da coação, como recursos de

dominação, fatores que foram fundamentais para o seu êxito naquela eleição, tornando-se

então o segundo prefeito de Montes Claros no período pós-redemocratização. (FERREIRA,

2002) Cabe destacar que, além da eleição do prefeito, esse pleito elegeu 14 grandes

fazendeiros ou comerciantes “fortemente ligados ao setor agropecuário”, para 15 vagas de

vereadores. (FERREIRA, 2002, p.27) Essa foi a primeira vez que a chefia do executivo

municipal se encontrara nas mãos de alguém de fora dos arranjos tradicionais locais, criados

visando à manutenção do poder político.

A eleição seguinte, por sua vez, será um importante exemplar de como esses arranjos

ocorriam. A eleição do paraibano para a prefeitura de Montes Claros fez com que se tornasse

imperativa a reorganização da elite, em busca da retomada do domínio político. Essa

reorganização contará inclusive com a intervenção de instâncias superiores, de modo a

garantir a manutenção da chamada “política de compromissos”, assim caracterizada por

Oliveira. (2000) Para o pleito seguinte, o então governador de Minas Gerais, Juscelino

Kubitschek intervém pessoalmente, condicionando qualquer ação estadual à unificação dos

dois grupos antagônicos do diretório municipal do seu partido, o PSD. (PEREIRA, 2002)

Dessa forma, os dois grupos, o ortodoxo e o liberal, se viram obrigados a se unirem

para o pleito de 1954. Outra mudança que também ocorreu nas hostes pessedistas foi a saída

de Simeão Ribeiro, que se candidataria nessa eleição pelo PR. A saída de Ribeiro ocorre após

o falecimento de seu tio, em 1952, o antigo Coronel Filomeno Ribeiro, fato que fez com que o

sobrinho perdesse o controle da legenda. A saída de Ribeiro também dá espaço à entrada de

Alpheu de Quadros ao partido de Kubitschek, demonstrando mais uma vez a ausência de

projetos políticos e ideológicos distintos entre os grupos antagônicos das disputas locais.

(PEREIRA, 2002)

Dentro dessa conjuntura, Quadros será parte fundamental do arranjo criado pelos

grupos organizados dentro do PSD, para o retorno ao controle da municipalidade. Visando a

vitória na eleição de 1954, que seria obtida, Quadros empresta seu nome ao PSD para a

disputa pela prefeitura, de forma a ser um candidato de consenso entre ortodoxos e liberais.

Contudo, nos primeiros momentos de seu novo mandato, se afastará da chefia do executivo

almejando que seu vice-prefeito, o engenheiro, e também grande fazendeiro, João Ferreira

35

Pimenta, da ala ortodoxa pessedista, seja de fato o prefeito municipal. O acordo ainda previa

que Pimenta chefiaria o município apenas por metade do mandato, sendo que deveria se

afastar para dar lugar ao então presidente do legislativo local, o líder ruralista e ex-presidente

fundador da Sociedade Rural, o “liberal” pessedista Geraldo Athayde, que governaria a cidade

pelo restante do período para o qual Alpheu de Quadros havia efetivamente sido escolhido

pela população. Quadros apenas retornaria ao cargo de prefeito por um breve momento, para

possibilitar que Athayde fosse candidato a sua sucessão em 1958. (PEREIRA, 2002)

Athayde disputa o cargo de prefeito pelo PSD, contra o veterano candidato Simeão

Ribeiro, que convida para vice, na sua chapa, também uma figura estranha às disputas

seculares do município, o médico e fazendeiro Pedro Santos, que era oriundo da cidade

vizinha de São João da Ponte, e havia se mudado durante a juventude para o Rio de Janeiro,

onde estudou medicina. Essa chapa garante a Ribeiro a tão esperada vitória e o eleva à

condição de prefeito municipal, após duas derrotas nas eleições de 1947 e 1954.

(GUIMARÃES, 1997)

Esta união, porém, não se manteria na eleição seguinte, a última sob o período

inaugurado em 1946, e desse rompimento também se elegerá o primeiro prefeito de fora da

alternância PR/PSD. O PR de Simeão Ribeiro indicará para a sua sucessão o médico e

vereador João Valle Mauricio. Já o PSD buscará retomar ao executivo através da candidatura

do ex-prefeito Enéas Mineiro, e ambos serão derrotados pelo então vice-prefeito Dr. Pedro

Santos, que se candidatará avulsamente pelo inexpressivo Partido Social Progressista, cujo

diretório municipal lhe havia sido concedido pessoalmente pelo então governador Adhemar

de Barros, do Estado de São Paulo, na época o principal líder nacional dessa agremiação.

Pedro Santos se elege, mas não consegue garantir uma maioria na Câmara de Vereadores.

Pelo contrário, de sua coligação apenas um candidato é eleito, fato que o motiva a buscar um

amplo pacto com os setores alijados do poder, garantindo o retorno desses à gestão da

municipalidade. (GUIMARAES, 1997)

A atitude de Santos demonstrou, mais uma vez, o caráter homogêneo das lideranças

políticas locais do ponto de vista de projetos políticos ideológicos. O caráter de tal

homogeneidade denota que os interesses classistas se sobrepunham às rugas advindas das

disputas políticas pelo exercício do domínio do poder local, com isso, fica claro que as

facções antagônicas, na verdade, eram faces da mesma moeda e, em outros termos,

representantes dos mesmos propósitos e agentes da mesma classe.

36

1.2 O Regime civil-militar suas consequências em Montes Claros e o capital rural

É importante destacar que, apesar da organização do poder em Montes Claros inibir,

de acordo com Oliveira (2000, p.127), “pelo autoritarismo oligárquico, pela política de

coronéis e ainda através de lideranças populistas” a real “expressão de interesses populares”,

havia sim algumas iniciativas de resistência à dominação, desde a chamada política do favor,

assim denominada por Pereira (2002), em que as pessoas agiam e se submetiam de maneira

racional em busca de seus interesses, até a instituição de entidades representativas como o

Diretório Estudantil de Montes Claros (DEMC), que realiza um trabalho assistencialista em

vários bairros da cidade. (OLIVEIRA, 2000) Porém, mesmo com essas ações de resistência

não tendo um caráter revolucionário, elas já eram objeto de repressão da classe dominante, o

que foi intensificado a partir do Regime Militar, implantado em 1964.

As razões para a eclosão do movimento civil-militar que tomou de assalto o governo

central brasileiro não são de maneira alguma analisadas de forma consensual, dentro do

debate historiográfico nacional. Autores como Delgado (2004) chamam a atenção para as

condições excepcionais que em que o líder trabalhista João Goulart assume a presidência da

República, tornando-se depositário da tradição política varguista e, consequentemente,

herdando os seus adversários. Além disso, destaca-se que essa posse ocorre em momento de

crise política advinda da renúncia de seu antecessor, e também com a instalação de regime

parlamentarista, casuísmo que ocorre estritamente para limitar seus poderes presidenciais.

(DELGADO, 2004)

Essa mesma autora, em artigo anterior, destaca também a existência de pelo menos

quatro vertentes de discussão em torno das efetivas razões para a sua deposição. A primeira

corrente seria aquela que observa a preponderância do caráter econômico como motivação

para a ação dos revoltosos, compreendendo que as intervenções do presidente João Goulart

eram divergentes com as aspirações econômicas de setores da sociedade. (DELGADO, 2004)

A segunda preconiza a existência de motivações preventivas daqueles que

organizaram a retirada de Goulart, entendendo que aquelas lideranças acreditavam que era

37

realmente necessária a derrocada do regime, a fim de impedir alterações bruscas na ordem

social nacional. (DELGADO, 2004)

Já a terceira vertente busca, em um viés explicitamente conspiratório, as razões para a

queda de Goulart, com destaque especial para a participação de agentes externos no seio do

movimento que depôs o presidente. Essa perspectiva entende que, em que pese o caráter

reformista do governo de Jango, setores contrariados com suas ações buscaram se organizar

de forma a desestabilizar a presidência. Dentre eles, destaca-se a União Democrática Nacional

(UDN), como representante institucional desses grupos oposicionistas, apoiada por setores

das Forças Armadas, da ala conservadora da Igreja Católica, de entidades classistas do

empresariado, e também dos grandes proprietários rurais, além, é claro, de financistas

internacionais. (DELGADO, 2004)

E, por fim, a autora apresenta aquela que ela entende como a quarta vertente. Ela

defende que a ocorrência do golpe se deu devido a um momento de intensa radicalização

política, em que tanto grupos de esquerda quanto os de direita atuavam sem nenhum

compromisso com os preceitos democráticos, e em decorrência de tal radicalização se criaram

as condições objetivas, que possibilitaram a instauração do Regime Militar, que governaria o

Brasil pelos próximos vinte anos. (DELGADO, 2004)

Todas essas vertentes certamente se diferenciam pela maior ênfase que dão a

determinados aspectos que estiveram presentes no DNA do golpe de 1964. Fato é que não se

pode negar que o golpe foi oriundo desse conjunto de fatores – tanto os militares entendiam

que estavam dando um golpe preventivo, quanto esse entendimento foi fruto da atividade

conspiratória da qual participavam agentes externos – e isso só foi possível devido à

radicalização política do momento. Não é uma questão de definir qual corrente está correta e

qual está equivocada, mas sim de destacar qual a ênfase que o pesquisador quer dar ao seu

trabalho. Entendemos o golpe como resultado direto de todos esses fatores, por essa razão,

torna-se imperativo buscar compreender as consequências desse momento em Montes Claros.

Oliveira (2000) defende que, a partir da década de 1960, Montes Claros começa a

“mudar de feição”: “seus novos traços dizem respeito ao desenvolvimento socioeconômico e

à urbanização, que refletem em toda a região do Norte de Minas”. (p.72) A autora também

afirma que, do ponto de vista político, as transformações que ocorrem nessa década em todo o

país significaram um aprofundamento da política de compromissos e “das relações de

38

dependência entre o município e os governos estadual e central”, e, da mesma forma, as

instâncias superiores atuaram no sentido de fortalecer as lideranças locais, estabelecendo o

caráter recíproco destas, e inserindo-as no contexto de uma “política de clientela”.

(OLIVEIRA, 2000, p.72) Nessa mesma direção, ela preconiza que a ação estatal, desse

momento, é norteada por um “duplo caráter do estado brasileiro, autoritário e paternalista”, e

essas duas características são fundamentais na legitimação do processo recíproco aqui

exposto. (p. 72)

Portanto, é no contexto deste Estado (autoritário, paternalista e clientelista) que

ocorreram profundas transformações nas estruturas econômicas decorrentes de um processo

de modernização que, por sua vez, também trará consequências na política. Entretanto, não

ocorrerão “modificações expressivas em relação à composição do grupo de poder local”, pelo

menos até o início da década de 1980. (OLIVEIRA, 2000, p. 104)

O Regime Militar, nesse momento, atuava de modo a intensificar a influência e a

dominação dos grandes proprietários rurais, que não só se restringiam ao controle dos seus

empregados, mas também ao controle daqueles trabalhadores que se encontravam no entorno

de suas propriedades, como, por exemplo, “trabalhadores sem terras que ficam à espera de

serviços esporádicos” e também “pequenos e médios produtores que dependem do mercado

monopolizado pelos grandes proprietários”. (OLIVEIRA, 2000, p. 103) Esse apoio estava

vinculado à lógica da modernização econômica levada a cabo pelo Regime Militar, que em

Montes Claros se expressará de duas formas: a primeira, a modernização conservadora do

campo e a segunda, a industrialização da cidade. (OLIVEIRA, 2000)

A modernização conservadora do campo se dá com a transformação da grande fazenda

em complexo agroindustrial. O termo modernização conservadora, de acordo com Pires e

Ramos (2008), foi utilizado pela primeira vez por Moore Junior, para designar um processo

de desenvolvimento da atividade econômica industrial na Alemanha e no Japão durante suas

revoluções burguesas, “como um pacto político tecido entre as elites dominantes

condicionando o desenvolvimento capitalista nestes países, conduzindo-os para regimes

políticos autocráticos e totalitários”. (p. 412) A ideia central era afirmar que as revoluções

burguesas, nesses países, não haviam sido acompanhadas de transformações nas estruturas

políticas e sociais, mantendo o status quo do antigo regime. Portanto, a ascensão da nova

burguesia à condição de classe dominante se deu a partir de uma aliança em que se manteria a

39

participação daqueles que teoricamente deveriam ser alijados, isto é, a classe dos produtores

rurais. (PIRES e RAMOS, 2009)

Essa análise de Moore Junior será corroborada por diversos outros pesquisadores,

dentre eles Poulantzas (1986) e Bendix (1996), que também concordam que esse processo de

modernização é conservador, pois retiraram completamente trabalhadores e camponeses da

estrutura do poder político e, em decorrência, essas nações se consolidaram como sociedades

com um complexo industrial moderno, todavia com política excludente, “fato que as conduziu

ao nazi-fascismo”. (PIRES e RAMOS, 2009, p. 415)

Essa perspectiva foi aplicada analogamente por pesquisadores, para explicar o

processo de transformação da atividade agrária no Brasil. Florestan Fernandes (1991) foi um

daqueles que apresentou semelhanças entre o caso brasileiro e o prussiano. De acordo com

esse autor, o processo de transformação econômica liderado pela burguesia, a partir de 1930,

também foi alicerçado por um pacto com as classes agrárias, constituindo as bases para a

consolidação de um capitalismo dependente no Brasil. Isto resultou em um processo de

industrialização que inclusive norteou o desenvolvimento da atividade agrícola no país, com

a busca do incremento de técnicas que aumentaram a produtividade, de modo a ampliar a

produção agropecuária, demonstrando que o projeto burguês não foi antagônico aos interesses

dos grandes produtores rurais. (PIRES e RAMOS, 2009)

Além disso, cabe destacar que, como fruto da implementação dessas técnicas que

incrementaram a produtividade, ocorreu uma ampla liberação de mão de obra do campo,

levando consequentemente à ampliação da concentração fundiária no país e à conclusão de

que “a chamada modernização conservadora da agricultura nasceu com a derrota do

movimento de reforma agrária”. (DELGADO, 2005, p. 34) Todo esse processo irá refletir

efetivamente em todo o Norte de Minas Gerais, e especialmente em sua cidade mais

importante.

As transformações econômicas em Montes Claros, que começam no final da década de

1960 e se expandem durante toda a década de 1970, produziram mudanças profundas na

organização do capital rural e nas suas ações políticas. De acordo com Oliveira (2000), em

relação à agropecuária, dois movimentos acontecem decorrentes da modernização da

economia. O primeiro é a “implantação de projetos que refletem a capitalização deste setor”, e

o segundo é a manutenção apenas das “médias e grandes fazendas criadoras de gado”. (p.74)

40

Para comprovar esse pensamento, Oliveira apresenta uma tabela em que demonstra a

queda do número de estabelecimentos e de pessoal ocupado na agropecuária local. Em 1960,

existia, de acordo com os dados coletados pela autora nos Censos de 1960, 1970 e 1980, além

de documentos do Incra, 6.284 estabelecimentos, que empregavam 26.393 trabalhadores e

trabalhadoras. Já em 1970, o número de estabelecimentos havia caído para 3528, e o número

de pessoas trabalhando era de 17.993, e em 1980 ainda existia 2424 estabelecimentos que

empregavam 13.087 funcionários. (OLIVEIRA, 2000)

Um dos principais fatores que incidem para a ocorrência dessa diminuição é a ação

sobre o pequeno proprietário de terras, que é destituído do direito de posse e expulso do

campo. A ação contra esses pequenos agricultores somente é possível devido ao já citado

duplo caráter do estado brasileiro que não ocorre de forma pacífica. Além disso, esses

agricultores não dispunham de nenhuma rede coesa para articulá-los, pois o Sindicato dos

Trabalhadores Rurais do município somente os auxiliavam com assistência jurídica, enquanto

o aparato repressivo do Estado já havia atuado de forma a impedir que se organizassem.

(OLIVEIRA, 2000) Por esse motivo, naquele momento, desprovidos de sua atividade

econômica, eles rumaram para a área urbana, onde foram incluídos no processo de

industrialização pelo qual passava a cidade e, em alguma medida, todo o Norte de Minas,

através da implantação da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), a

partir da instituição do órgão em 1959. (OLIVEIRA, 2000)

De acordo com Oliveira (2000), a instituição da Sudene ocorre devido à existência de

dois fatores principais de preocupação do governo central para com o Nordeste brasileiro: o

crescimento dos movimentos populares e a necessidade de expansão capitalista. (OLIVEIRA,

2000) E, dentro dessa lógica desenvolvimentista em que a Sudene se inseriu, o ponto central

que garantiria a sua eficácia, segundo Marcos Fábio de Oliveira (1996), tornou-se a

industrialização. Conforme o autor, a política de desenvolvimento não se restringiria à

industrialização, “que por sinal deveria ser altamente de mão de obra intensiva e absorvedora

de matéria-prima e insumos regionais, para ampliar os seus efeitos multiplicadores”. Contudo,

fica claro a prioridade da industrialização do Nordeste como “elemento capaz de conciliar

uma economia com alta produtividade a ser construída, ao mesmo tempo, em uma região

densamente povoada”. (OLIVEIRA, 1996, p. 15)

Nesse contexto, o Norte de Minas Gerais foi incluso na área de abrangência da Sudene

desde sua origem, através da Lei 3692, de 1959, que entendia como Nordeste, além dos

41

respectivos estados dessa região, os estados da Bahia e Sergipe (estados que na divisão

regional oficial brasileira de 1938 faziam parte da antiga região Leste, assim como Minas

Gerais, fato somente alterado em 1969, portanto, já sob a atuação desse órgão), além do

chamado Polígono da Seca, criado em 1936 pela Lei 175/36, que não citava a área mineira,

depois revisto pelo Decreto-Lei 9857 de 1946, que pela primeira vez incluía Minas Gerais,

situação que se consolidou em 1951 através da Lei 1348, que estabelecia os limites deste

estado que se iniciam desde a cidade de Barras na Bahia até as cidades de Pirapora, Bocaiuva,

Salinas e Rio Pardo. (OLIVEIRA, 1996)

Essa lei foi levada a êxito em razão de compreender essa região como “conceito de

Nordeste”, devido à vigência de “objetivos específicos em termos de planejamento econômico

e relativa homogeneidade”. Portanto, essa região foi vinculada, a partir deste momento, “num

programa de combate à seca (...) e em uma situação de subdesenvolvimento agravado pelo

fenômeno da seca”. (OLIVEIRA, 1996, p. 101) Dessa forma, Montes Claros passará por um

processo de transformações de acordo com a lógica imposta pela Sudene em todo o Nordeste,

decorrente dos incentivos e principalmente da industrialização.

Prosseguindo, Oliveira (1996) ainda chama a atenção, dizendo que esse processo teve

duas fases distintas de orientação, no sentido de localização dos investimentos, sendo que na

primeira fase, de 1960 a 1970, “predominou a recuperação e diversificação industrial” com a

prevalência de indústrias de pequeno e médio porte, já entre 1970 e 1980 predominaram as

grandes indústrias “voltadas para insumos básicos”. (OLIVEIRA, 1996, pp. 21-22) Contudo,

a industrialização não representou desenvolvimento, se este for entendido sob a ótica de

transformações mais profundas nas estruturas sociais, e este fato é inclusive relatado por

documentos governamentais, como “Sudene vinte anos, 1959-1979”, publicado já sob a égide

do Regime Militar, conforme demonstra Oliveira (1996), destacando que a própria Sudene

afirmava que este processo não tinha beneficiado a população, apenas uma parcela “pouco

significativa”. (OLIVEIRA, 1996, p. 22)

Apesar dessa constatação, novos documentos oficiais, ainda sob o governo dos

militares, afirmavam que era “natural” que os benefícios do crescimento econômico

demorassem a ser difundidos. (OLIVEIRA, 1996, p.22) Mesmo com esses apontamentos, a

Sudene compreendeu que estava liderando um exitoso processo de transformação do

Nordeste, o que permite concluir que os indicativos sociais não eram fundamentais para esse

organismo. (OLIVEIRA, 1996) Essa opção clara de privilegiar os aspectos puramente

42

econômicos em detrimento dos indicativos sociais também se reproduz na atuação dessa

superintendência em Montes Claros, e em toda a área mineira.

Uma das principais modificações na cidade, em decorrência do processo intensificado

pela Sudene, abrangendo a resolução dos problemas sociais oriundos dessa nova realidade,

diz respeito à questão demográfica e sua transição que menosprezaram as atividades ligadas

ao campo em favor da consolidação da urbanização. Em virtude dessa situação em conjunto

com a já citada modernização conservadora do campo foram expulsos os trabalhadores e

pequenos produtores rurais, não somente de Montes Claros, mas também de toda a região,

devido ao fato de se ter ampliado a relevância da cidade como importante centro comercial

regional. Como consequência, os trabalhadores mudaram para as periferias da cidade, criando

uma nova realidade, o que traria também consequências para as relações políticas locais.

Vejamos o efeito dessa nova realidade, como exemplo, citamos o crescimento

demográfico que se destaca na década de 1970, apresentando um crescimento populacional de

52,21%, e uma taxa de urbanização que salta de 40,66% em 1960 para 73,10% em 1970, e se

consolida em 87,60% em 1980. (OLIVEIRA, 1996) Outro dado que comprova a

transformação em Montes Claros surge em relação às estatísticas que comprovam que o setor

agrário, que em 1960 era o maior empregador, com 66,8% da população economicamente

ativa (PEA) atuando, se torna gradativamente minoritário quando, em 1970, esse setor

empregava já próximo da metade do percentual de outrora, com 33,74%, e em 1980 o nível de

emprego no setor rural já era de apenas 14,44% da PEA. (OLIVEIRA, 1996)

Portanto, a situação em que Montes Claros enfrenta ao longo das décadas de 1960 e

1970, com o crescimento demográfico e a urbanização, criaria novos agentes e novas

demandas populares que contribuíram para transformações políticas e o aparecimento de

novos atores políticos, que atuaram em conflito com os representantes políticos ligados às

elites tradicionais agrárias que conduziam a municipalidade desde sua institucionalização em

1832.

Entretanto, até esse processo de transformação ocorrer, o que se viu no início do

período militar em Montes Claros, politicamente, foi a ampliação do poder das elites locais. A

partir da instauração do Regime Militar em 1964, as principais transformações nas estruturas

políticas do país irão ocorrer através dos chamados atos institucionais, que serão

43

imperativamente impostos pelo poder executivo central, aos demais poderes e ao conjunto da

sociedade.

O Ato Institucional II realizou as principais modificações no sistema político

brasileiro. Através dele, o poder executivo dissolve todos os partidos políticos brasileiros e

estabelece as regras para a criação de novos partidos, o que culminará na criação do

bipartidarismo, com a existência apenas da governista Aliança Renovadora Nacional

(ARENA) e do oposicionista Movimento Democrático Brasileiro (MDB). (DELGADO,

2006)

Em Montes Claros, seguindo uma tendência nacional, as lideranças políticas ligadas

aos antigos partidos se enquadram na nova norma, aderindo maciçamente ao regime e

consequentemente ao seu partido de apoio, a ARENA. Todas as lideranças ligadas ao antigo

PR, a maioria do PSD e da UDN, além do prefeito Pedro Santos, eleito pelo PSP, irão

organizar a nova agremiação governista na cidade. Já o MDB será formado inicialmente por

políticos veteranos ligados ao antigo PTB, além de novos atores ligados a setores menos

tradicionais da política local. (OLIVEIRA, 2000) Dentre desse novo quadro político ocorre

o pleito em 1966, o primeiro durante o Regime Militar, que demonstra claramente o quanto o

golpe reforçou o domínio das elites tradicionais locais, com o amplo domínio da ARENA, o

que é cristalinamente exemplificado através da candidatura única a prefeito do fazendeiro

Antonio Lafetá Rebello, apoiado inclusive pelo MDB. (FERREIRA, 2002)

Além da eleição do novo prefeito, a ARENA também elege 11 dos 15 vereadores, o

que representou 73,5% dos novos legisladores. Ainda cabe destacar que a ARENA teria em

seus quadros o candidato a deputado estadual mais votado da cidade1, além dos três

candidatos majoritários a deputado federal2. Já o MDB teria como resultado mais expressivo

deste pleito a eleição do vereador mais votado da cidade3. (OLIVEIRA, 2000)

Os resultados do primeiro pleito do Regime civil-militar em Montes Claros apontam

para uma absorção desse novo contingente populacional pelos grupos tradicionais da política

1 Humberto Guimarães Souto, ARENA, foi o deputado estadual mais votado da cidade com 5.039 votos

(OLIVEIRA, 2000)

2 Os três deputados federais mais votados de Montes Claros nesta eleição foram respectivamente; Luiz de Paula

Ferreira (3.677 votos), Edgar Martins Pereira (3.334 votos) e Teofilo Pires (2.010 votos) (OLIVEIRA, 2000)

3 O vereador mais votado deste pleito foi José da Conceição Santos (851 votos)

44

local. O novo regime atua no sentido de ampliar a concentração de poder e recursos nas mãos

daqueles que já os detinham, “facilitando sua penetração no conjunto da sociedade civil”.

(OLIVEIRA, 2000, p.135)

Seria essa penetração que possibilitaria inclusive o lançamento de figuras populares,

“pequenos produtores rurais e pessoas ligadas à Igreja e à assistência social” para a Câmara

Municipal, através da ARENA nas eleições seguintes. (OLIVEIRA, 2000, p.136)

Essa adesão de setores populares ao projeto das elites tradicionais, através da sigla

governista, era uma consequência da ausência de um projeto alternativo capitaneado pelos

oposicionistas. Um dos fatos mais marcantes que corroboram essa vertente era o chamado

“Plano Diretor” apresentado pelo prefeito Antônio Rebello, no último ano de seu mandato, em

1970, como o projeto da Montes Claros do futuro. Tal plano buscava reorganizar

prioritariamente a região central da cidade, preparando-a para o fluxo de uma população

prevista pelo poder executivo de 500 mil pessoas em “meados dos anos noventa”. O MDB

não somente apoiou como contribuiu para a construção desse projeto, inclusive com a

ascensão de um suplente de vereador ao exercício do mandato, pelo simples fato de ele

possuir formação acadêmica na área de engenharia, o que o possibilitaria contribuir de

maneira mais adequada às discussões em torno desse projeto4. (GUIMARÃES, 1997, p.163)

A principal crítica feita a esse plano de Rebello consistia efetivamente no fato de

priorizar ações na região central, em detrimento das áreas periféricas em que se concentrava a

imensa maioria daqueles que se mudaram para a zona urbana, seja vinda da zona rural de

Montes Claros ou de alguma cidade da região, em consequência do processo de modernização

conservadora do campo e da industrialização a partir da SUDENE, que gradativamente se

tornavam a porção numérica majoritária da cidade. (GUIMARAES, 1997)

Tal crítica foi encampada junto aos moradores das áreas periféricas por lideranças

ligadas a grupos dissidentes arenistas liderados pelos ex-prefeitos Pedro Santos e Simeão

Ribeiro, e este último atuava como vereador nessa legislatura. O discurso de ambos defendia a

ideia de que os escassos recursos do município deveriam priorizar os bairros periféricos,

porque assim beneficiariam a maioria da população. (GUIMARÃES, 1997)

4 Sobre essa questão Guimarães(1997) afirma que “O MDB, partido da oposição, tal qual os correligionários do

Prefeito, abraçou também o plano diretor, fazendo parte do bloco de discussão do mesmo, substituindo inclusive,

alguns dos vereadores titulares pelos suplentes com formação acadêmica na área, como foi o caso de João Carlos

Sobreira, que assumiu o cargo para estudar, com detalhes, o projeto de lei.” (p. 163)

45

Como consequência da atuação desses juntamente aos setores periféricos, Santos

consegue retornar à chefia do executivo municipal nas eleições no final do ano de 1970, e

Ribeiro reelege-se como o segundo parlamentar mais votado da cidade. Já o MDB vê a sua já

reduzida bancada de vereadores diminuir ainda mais, caindo de 4 vereadores eleitos em 1966,

para apenas 3 em 19705. (GUIMARAES, 1997)

Outra demonstração da busca de Ribeiro em se credenciar como porta-voz desses

grupos marginalizados da política local se encontra em um requerimento de sua autoria,

datado de 05 de maio de 1971, em que dá entrada a uma proposição encaminhando

requerimento a um ministro de estado, com o seguinte teor:

como pólo de convergência que é Montes Claros, na sofrida região norte

mineira, e como um dos pontos geográficos das comunicações do norte para

o sul do país.

Desde longos anos, tem-se preocupado esta edilidade com levas de

milhares de retirantes da região e do nordeste que, atingindo nossa cidade,

minguados de recursos, se amontoam famintos na plataforma da estação da

Central do Brasil, em busca de passes.

As cenas de miséria, o número de pedintes com crianças, e todos

famintos, têm levado o povo de nossa cidade a dar a ajuda de que pode

dispor (...) acreditamos, se os retirantes que vêm constituindo um problema

social para a nossa coletividade, todos eles corridos de uma lavoura

queimada pelo sol, estão a merecer, do fundo rural ou órgãos equivalentes

uma atenção especial, solicitamos de V. Exa. providências no sentido de

determinar a quem de direito a construção de uma hospedaria ou albergue-

triagem para o devido encaminhamento para onde se fizer necessário.

V. Exa. com a clara visão nacional que possui dos nossos problemas,

não há de ficar indiferente à gravidade da situação de miséria e fome a que

assistimos.6

5 Em 1966 o MDB elegeu os seguintes vereadores: José da Conceição Santos (851 votos), Aroldo Costa

Tourinho (727 votos), Pedro Narciso (518 votos) e Manoel Messias Machado (351 votos); em 1970 José da

Conceição Santos (561 votos) e Pedro Narciso (550 votos) foram reeleitos e acompanhados de José Maria de

Oliveira (494 votos) compunham a bancada do MDB no parlamento municipal. (OLIVEIRA, 2000)

6 Arquivo da Câmara Municipal de Montes Claros - Ata da Reunião da Câmara municipal, 05/05/1971

46

Já em relação a Pedro Santos, em que pese ter sido eleito fora dos arranjos dos grupos

tradicionais, não se pode considerar que durante os seus mandatos houve qualquer ruptura

com os interesses dos grandes fazendeiros, primeiro por ser ele também um fazendeiro, e

segundo pela amplitude, em seus dois mandatos, da presença de lideranças tradicionais na

Câmara dos Vereadores. No primeiro mandato, elas estavam ligadas aos hegemônicos PR e

PSD, e no segundo eram oriundas das hostes arenistas. Esse eleitorado, localizado nas zonas

periféricas da zona urbana, eleva Santos novamente ao paço municipal, mas não se organiza a

ponto de garantir a eleição de nenhum vereador oriundo de situações econômicas e sociais

semelhantes às suas. (OLIVEIRA, 2000)

O segundo mandato de Santos ficou marcado por dois aspectos: a sua curta duração,

pois foi de apenas dois anos, por determinação do governo militar, e a intensa oposição que

recebeu daqueles setores que no mandato anterior buscavam a aprovação do plano diretor. E,

além disso, durante todo esse curto período, ele teve que conviver com a oposição sistemática

da maioria da Câmara dos Vereadores, ancorando-se principalmente em sua base de apoio nas

periferias da cidade, a que atendia gratuitamente como médico. (OLIVEIRA, 2000) Tal

oposição dos setores vinculados aos grupos tradicionais da política local inclusive, tentou

criar condições para a destituição de Santos do cargo de prefeito, o que teria acontecido se

“não fosse o pulso firme de notáveis vereadores, seus companheiros”. (GUIMARAES, 2000,

p.274)

No pleito seguinte, em 1972, os grupos tradicionais, umbilicalmente ligados à

propriedade rural, retornam o protagonismo da eleição do médico e fazendeiro Moacir Lopes.

O MDB, por sua vez, mantém sua bancada de três vereadores apenas, sendo que inclusive

foram reeleitos os mesmos parlamentares que já compunham o legislativo7, demonstrando que

mais uma vez a agremiação oposicionista não conseguiu ampliar sua representatividade e se

apresentar como porta-voz dessa nova periferia urbana, ampliada pelo processo de

industrialização. (GUIMARÃES, 1997)

Paradoxalmente ao fato da vinculação de Lopes ao campo, é em seu mandato que

ocorre uma intensificação do processo de industrialização, beneficiada pelo aprofundamento

da política de compromissos, citada por Oliveira (2000), feita com os representantes

estaduais. Decorrente das relações entre o município e o Estado, durante esse período, ocorre 7 Em 1972 Pedro Narciso foi o vereador mais votado da cidade com 2.160 votos, José da Conceição obteve 1.050

votos e José Maria de Oliveira foi reeleito com 633 votos. (OLIVEIRA, 2000)

47

a “implantação da Companhia de Distritos Industriais e a aprovação de um grande número de

projetos pela Sudene”. (OLIVEIRA, 2000, p. 169) Isso ocorre de maneira integrada ao

processo nacional pelo qual a Sudene passava, com a implantação de uma nova orientação

que estimulava a criação de grandes unidades industriais, a partir de 1974. (OLIVEIRA,

1996)

Inclusive, é durante essa legislatura que, pela primeira vez, ocorre em Montes Claros

uma reunião do Conselho Deliberativo da Sudene, instância máxima desse órgão, que reúne

os governadores dos estados membros, ministros federais e também a Presidência da

República. (GUIMARÃES, 1997) É nesse momento que começa a intensificar a presença

de uma nova classe média, vinculada à burocracia estatal e ao comércio que emerge devido às

demandas impostas pela indústria. Essa classe média “atua na economia de forma secundária,

mas no plano político ambiciona espaços maiores”. (FERREIRA, 2002, p. 41)

Já os setores populares se tornam ainda mais alvo dos políticos ligados à

municipalidade. Durante o seu mandato, Lopes busca intensificar o domínio às camadas

populares, através de ações de cooptação, tanto na área rural como na crescente zona urbana.

(OLIVEIRA, 2000) Nesse momento, por iniciativa da municipalidade, é criado o Sindicato

dos Trabalhadores Rurais com o objetivo de ecoar o trabalho do poder público no campo,

como a criação de escolas e melhorias das estradas. Já na área urbana, compreendendo a sua

amplitude, buscou-se atrelar as nascentes reivindicações dessas novas massas, através da

criação de uma Federação de Associações de Bairros. (OLIVEIRA, 2000) Essas iniciativas

estavam subordinadas ao projeto de poder da elite, e não à busca de inclusão dessas pessoas,

devido ao fato de Lopes ser, de acordo com o esquema de Pereira, (2002) mencionado acima,

um típico exemplo de um coronel tradicional.

Dessa forma, um bom exemplo para caracterizar Lopes é recorrer ao recurso da

violência como instrumento de dominação. Durante o seu mandato, ele sofreu uma tentativa

frustrada de assassinato e, depois do ocorrido, o autor do ato aparece “morto nas águas do Rio

São Francisco”. (GUIMARÃES, 1997, p. 167) Além desse fato, vale destacar que, durante o

mandato, o executivo municipal, instrumento de dominação dos grupos tradicionais, busca

ampliar sua “margem de controle social e político, através do empreguismo público”, com o

crescimento da estrutura administrativa “através de uma excessiva contratação de

funcionários”. (FERREIRA, 2002, p. 43)

48

Todo esse quadro em transformação desde o início da década de 1960 começará a

refletir na transformação do perfil dos representantes políticos apenas no pleito seguinte, em

1976, quando se intensificará a ação reivindicatória e de resistência da população. Os grupos

tradicionais, que se consolidavam enquanto gestores da coletividade, atuavam

ininterruptamente na condução da municipalidade, desde 1832. É na década de 1970 que essa

dominação alcança o seu ápice, através do processo de industrialização conjuntamente com a

modernização conservadora do campo. Oliveira (1996) afirma que neste momento,

A ação do Estado (autoritário), apesar do papel positivo como promotor do

desenvolvimento (crescimento), privilegiou as classes dominantes,

beneficiárias das políticas adotadas. O Estado agia como promotor da

acumulação privada de capital. Esse mesmo Estado pouco fez em termos de

programas sociais e, quando o fez, agiu mais no sentido de beneficiar grupos

privilegiados. Simultaneamente, através da repressão política, desorganiza os

trabalhadores e prejudica o seu poder reivindicatório. (OLIVEIRA, 1996, p.

24)

É importante destacar que, apesar de o próprio Estado reconhecer em diversos

documentos oficiais as insuficiências deste modelo, especialmente sob a perspectiva social,

ele acreditava que a resolução desses problemas se encontrava na “intensificação do modelo

em vigor, como podemos constatar no (documento) Sudene 20 ANOS”. (OLIVEIRA, 1996,

p.31)

Contudo, esse processo de transformação econômica começará a entrar em crise, com

a falência e o fechamento de diversos empreendimentos. E a conclusão é de que embora esse

processo gerasse desenvolvimento econômico, ele possuía sérias limitações do ponto de vista

de desenvolvimento social, iniciado a partir da perspectiva de geração de empregos. Até

mesmo documentos oficiais preconizavam que este possuía uma capacidade limitada, nesse

aspecto. Além disso, esses mesmos documentos oficiais concluíram que houve “exclusão

política da maioria da população”, o que incentivou a ação de movimentos reivindicatórios

que buscavam a inclusão de demasiados setores populares às condições básicas de cidadania,

iniciando a disputa pelos rumos da cidade. (OLIVEIRA, 1996)

Essa disputa permeará o cenário político local pela próxima década e também auxiliará

na existência de um distensionamento por parte do Regime Militar então em vigor.

49

1.3 O MDB, as camadas populares e as eleições municipais de 1976 e 1982

O final da primeira metade da década de 1970 foi um momento de transformações em

todo o país, com a derrota dos movimentos guerrilheiros de resistência armada, seja na área

urbana seja na rural. Acrescenta-se a isso, a consequente aglutinação de novos setores

oposicionistas nas hostes do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), até então chamada

pejorativamente de consentida.

Dentre as diversas organizações de oposição que se formaram em todo o país após

1964, dois movimentos de guerrilha se destacam como exemplos das estratégias diferenciadas

que permeavam no seio dos inúmeros grupos de resistência ao Regime, demonstrando que a

esfera institucional fora abdicada por inúmeros setores, especialmente no período de 1968 até

meados da década de 70: a Ação Libertadora Nacional (ALN); e a guerrilha do Araguaia,

organizada pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Ambas as organizações surgiram a

partir de dissidências do Partido Comunista Brasileiro (PCB), liderado por Luis Carlos Prestes

desde a década de 1930. (CARONE, 1984)

Com o fim das guerrilhas, tanto da área urbana quanto da rural, as lideranças iniciaram

um processo de rediscutir suas estratégias. No caso do PCdoB, por exemplo, com o fim da

guerrilha do Araguaia, fato inclusive que o partido demora a admitir, é iniciado um processo

de discussão que culminará na definição de novas linhas de atuação, que serão exemplares e

nortearam o final da década de 1970. Neste contexto, O PCdoB buscará retomar uma

atividade na esfera institucional, e o mesmo ocorrerá com outras instituições e militantes. A

partir de 1975, o partido destacará como centro de suas reivindicações as chamadas “três

bandeiras”, que eram a luta por “assembléia constituinte livremente eleita, abolição de todos

os atos e leis de exceção, e anistia geral”. (RODRIGUES SALES, 2007, p. 6)

Como se pode observar, a partir dessas bandeiras, o PCdoB direciona seus esforços

para ações que focam a esfera institucional. Entretanto, o partido ainda iria além e, a partir de

1975, começa a organizar a participação de seus militantes nas hostes do Movimento

Democrático Brasileiro (MDB), inclusive, orientando o lançamento de suas candidaturas a

cargos eletivos por essa legenda, e onde não fosse possível o lançamento de candidaturas,

ainda assim o partido orientava seus militantes a votarem e apoiarem os candidatos

50

emedebistas. (RODRIGUES SALES, 2007) Esse movimento feito pelo PCdoB, além de

outras organizações e também de outras personalidades, auxiliará o crescimento do MDB.

Com o fim da luta armada, a esfera institucional se tornará o principal front de todos

aqueles que se propunham a atuar contra o Regime Militar, e como o MDB era o único

partido de oposição legalizado no país, ele será extremamente impulsionado com a entrada

desses novos militantes, que resultará em números expressivos que essa agremiação teve nas

eleições de 1974, 1976 e 1978 – a última que ocorrerá sob a égide do bipartidarismo no

Brasil. E esse crescimento do MDB no país também terá seus reflexos em Montes Claros.

Em relação ao êxito que obteve o Movimento Democrático Brasileiro, o resultado

das eleições gerais de 1974, demonstra uma expressiva vitória com a eleição de 16 senadores,

num pleito que teve vinte duas cadeiras em disputa, ampliando sua presença na Câmara dos

Deputados, saltando de 87 deputados eleitos em 1970 para 161. Já a ARENA, apesar de ainda

ser a maior bancada na Câmara, elegeu apenas seis senadores e 203 deputados, 30 a menos

que nas eleições de quatro anos antes. (LAMOUNIER, 1980)

Cabe destacar ainda que as eleições de 1970 ocorreram em um momento de

intensificação da repressão por parte do Governo Militar. Além disso, Wanderley Guilherme

dos Santos aponta que esse pleito foi também atípico, devido às altas taxas de abstenção, e de

votos brancos e nulos, consideradas, por ele, como as maiores de todos os pleitos até então.

Este autor estima que aproximadamente metade da população não votou em nenhum

candidato em 1970. (SANTOS, 1978)

O cientista político Bolivar Lamounier considera que esse resultado, em 1974, deve-se

a uma intensificação da crise econômica oriunda da escassez de petróleo de 1973 e do

crescimento dos problemas financeiros de parte da população. Esses fatos auxiliaram o

partido de oposição, e fez com que este conseguisse aumentar sua identificação com as

camadas trabalhadoras e assalariadas da população, fazendo com que sua vitória se tornasse

uma demonstração classista. (LAMOUNIER, 1980) Contudo, essa visão de Lamounier é

duramente contestada por um conjunto de outros acadêmicos que também analisaram esse

período.

Desta forma, compreende-se que a principal motivação apontada como fundamental

para o bom resultado do MDB no pleito de 1974 esbarra em aspectos que são entendidos

como mais profundos do que simplesmente a crise econômica.

51

Para Maria Helena Alvez (1985), o motivo da catalisação do MDB, em 1974, não foi

apenas a oposição que fazia ao governo, mas o questionamento que fazia do regime como um

todo, e isso era muito mais abrangente do que a representação de um segmento, ou classe da

sociedade. Seria esse o motivo que possibilitou que o MDB congregasse lideranças que, no

espectro ideológico, ia dos comunistas até lideres empresariais liberais e democratas. Essa

visão de Alvez é compartilhada por outros estudiosos que veem na resistência ao regime a

principal razão que dá capilaridade aos emedebistas em 1974.

Corroborando com Alvez, Eliézer Rizzo de Oliveira (1994) defende que as eleições

de 1974 significaram muito mais um voto de protesto contra o regime militar, do que um voto

de identificação com o MDB. O MDB estaria capitalizando, portanto, em cima dessa

insatisfação, e inclusive de forma não planejada, isto é, estes resultados foram surpreendentes

aos oposicionistas, bem como aos membros da ARENA. (OLIVEIRA, 1994)

Já em Montes Claros o MDB obterá resultados expressivos, contudo não suplantará a

ARENA enquanto principal partido do município. A esse respeito, Oliveira (2000) afirma

que,

O MDB, que pretendeu ser para todo o país alternativa de poder durante o

regime militar, em Montes Claros mantém baixos percentuais de votação

entre 1966 e 1978, com fortes traços conservadores, seus deputados mais

votados não mantêm vínculos com o movimento popular e sua prática

política, com honrosas exceções, não se distingue daquela desenvolvida pelo

partido da situação. (OLIVEIRA, 2000, p.133)

A autora ainda alude à evolução do percentual de votação dos dois partidos em Montes

Claros, para a Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais (ALMG) e para a Câmara

dos Deputados (CD). Em 1970, a vitória arrasadora da ARENA também se reproduz na

cidade, tendo esse partido obtido impressionantes 96,3% do total de votos para a ALMG,

contra 3,7% de votos aos oposicionistas, e para a CD, os arenistas obtêm 85,7% dos votos,

contra 14,2% de votos ao MDB. (OLIVEIRA, 2000)

Já em 1974, há uma elevação do percentual de votos do MDB em Montes Claros, mas

que ainda não acompanha a média nacional. Para a Assembleia Legislativa de Minas Gerais, o

52

MDB recebe 34,2% dos votos montesclarense, percentual próximo da quantidade recebida

para a Câmara dos Deputados, que foi de 31,7%. (OLIVEIRA, 2000)

Além disso, o MDB alcança a façanha de eleger pela primeira vez o então vereador

Pedro Narciso para o cargo de deputado estadual, e Mário Genival Tourinho para deputado

federal. (OLIVEIRA, 2000) Contudo, Oliveira (2000) faz questão de frisar que esses dois

“além de representarem famílias tradicionais, não têm vínculos imediatos com a

industrialização”. Apesar desse depoimento, a autora afirma que “as origens petebistas de

Genival Tourinho lhe asseguram ascendência sobre a classe trabalhadora”, todavia “suas

bases eleitorais não se concentram em Montes Claros”. (OLIVEIRA, 2000, p 139)

Cabe destacar ainda que Itamar Franco, candidato a senador pelo MDB, que fora

eleito, também foi o mais votado em Montes Claros. (OLIVEIRA, 2000) Portanto, apesar de

as eleições de 1974 não terem representado a vitória do MDB na cidade, elas demonstram que

as bases para o crescimento oposicionista já estava se consolidando.

Verificamos assim que as mudanças no perfil sócio-econômico da cidade e a

estrutura político-partidária criaram formas de fortalecer o grupo de poder

local, mas, ao mesmo tempo, propiciaram tanto o crescimento do chamado

movimento popular (termo difuso, mas que aqui pretende chamar a atenção

para várias iniciativas como sindicatos, democratização dos serviços

públicos, movimentos de mulheres, etc) quanto confirmam lideranças

partidárias não majoritárias em relação à elite local, como Narciso e

Tourinho. Esta posição secundária irá, progressivamente se modificando, do

ponto de vista local, atraídos pelas direções que seus partidos vão tomando,

não só em Minas, mas em todo o país. (OLIVEIRA, 2000, p. 139)

Adiante, as eleições de 1976 iriam demonstrar ainda mais essa movimentação, com a

eleição de um jovem de 23 anos para o cargo de vereador, obtendo a maior votação da história

de Montes Claros. A esse respeito, Ferreira (2002) esclarece que

É na década de 1970 que Luiz Tadeu Leite, notadamente a partir de 1974,

inicia um programa de rádio no qual as críticas aos descasos da

administração municipal com os bairros da cidade serão feitas, configurando

um caminho que o conduzirá ao cargo de vereador mais votado da cidade de

Montes Claros até então. (FERREIRA, 2002, p. 18)

53

Portanto, é durante o mandato de Moacir Lopes que o jovem radialista Luiz Tadeu

Leite, de origem pobre, filho de um “pequeno sitiante” e “órfão aos 12 anos” que ainda fora

“porteiro da faculdade” para poder custear a graduação em Direito, inicia um programa de

rádio que obterá muita audiência, o que o credenciará à disputa de uma cadeira no legislativo

municipal. (FERREIRA, 2002, p. 46)

Esse programa se pautará em buscar expor os anseios dos setores marginais da

sociedade, “quando fustiga os grupos dirigentes com reiteradas denúncias de empreguismo e

descaso com a população carente”, o que englobará essa grande leva atraída a Montes Claros

pelos empregos gerados através dos empreendimentos incentivados pela SUDENE, “pelas

secas de 1970, 1973 e 1975, e por fim, a alta concentração fundiária verificada na região”

fenômeno que foi “fortalecido a partir do golpe militar de 1964”. (FERREIRA, 1964, p. 33)

Essa grande quantidade de migrantes ocupa as áreas periféricas da cidade, que não são

priorizadas pelos gestores municipais, e, portanto, têm escassez de serviços públicos de

qualidade. É a consequência já apontada inclusive pelos documentos oficiais da Sudene, que

atentam para o déficit dos indicadores sociais, conforme afirma Marcos Fábio Martins de

Oliveira. (1996)

Ainda sobre a ocupação dos bairros periféricos, Braga (1985) esclarece que a

população alocada nesses bairros em Montes Claros, em 1960, era de 5020 habitantes; já em

1970, esse número já chegava a 25127, e em 1980, esse grupo seria de 79.496. Essa autora

corrobora a tese do grande número de migrantes, e vai além ao afirmar que, em 1980, os

migrantes já representavam mais da metade da população. (BRAGA, 1985)

Portanto, o programa “Boca no Trombone” dialoga com essa massa desarticulada dos

demais setores da sociedade, inclusive desvinculada das elites dirigentes. A eficácia do

programa de rádio de Tadeu, como instrumento de mobilização política, é apontada também

por Evelina Antunes F. de Oliveira, quando afirma que

o MDB local, como partido mais afinado às demandas populares naquele

momento, é também um partido de lideranças conservadoras (obedecendo a

lógica nacional), que consegue uma razoável resposta do eleitorado. Em

termos de penetração popular, este partido se torna um pouco mais eficiente

quando seu vereador eleito em 1976, Luiz Tadeu Leite, advogado e

54

radialista, inicia um programa de rádio de muita audiência, Boca no

Trombone. (OLIVEIRA, 2000, p.140)

Luiz Tadeu Leite constrói um discurso, nesse momento, que se intensificará no

decurso de sua carreira política, especialmente na década de 1980, em torno de sua figura,

assemelhando à construção feita por Raoul Girardet (1987), acerca da criação da mitologia na

política, em sua obra clássica “Mito e mitologias políticas”. Girardet deixa claro que o mito,

em sua perspectiva, nada tem a ver com fábula ou falseamento da realidade, tampouco como

algo inerente a sociedades menos desenvolvidas ou tidas enquanto primitivas. Pelo contrário,

esse autor defende a construção inclusive de uma lógica por dentro do discurso mítico.

É em um código que se tem o direito de considerar como imutável em seu

conjunto que ela transcreve e transmite sua mensagem. Ao olhar do analista,

o fato não pode deixar de ganhar particular importância, já que fica claro no

mesmo lance que é também em função de uma mesma chave que essa

mensagem será suscetível de ser decifrada. Sem dúvida, convém levar em

conta o caráter muito singular dessa “sintaxe” associativa, como convém

levar em conta a originalidade do complexo psíquico no qual ela se insere.

No entanto, do mesmo modo que Freud fundamenta sua interpretação do

sonho nas “engrenagens particulares” que descobre em seu desenrolar, nas

“relações íntimas” que consegue estabelecer entre os elementos

aparentemente incoerentes de que ele se compõe, assim também a existência

reconhecida de uma lógica do imaginário representa a oportunidade de um

primeiro ponto de apoio oferecido à inteligência crítica, de uma primeira

possibilidade de leitura proposta à vontade de compreensão objetiva. Nesse

desconcertante labirinto que constitui a realidade mítica, para aquele que

teve a audácia de nele penetrar, ela fornece pelo menos a promessa de um fio

condutor. (GIRARDET, 1987, p. 18)

Dentro dessa perspectiva, Girardet deixa claro que a construção do mito ocorre pela

repetição e reelaboração, e afirma que “quanto mais o mito ganha amplitude, mais se estende

por um largo espaço cronológico e se prolonga na memória coletiva”. Dessa forma, o fato de

Tadeu Leite possuir um programa de rádio popular contribui sobremaneira na difusão desse

mito. (GIRARDET, 1987, p.82) O mito criado em torno de Tadeu Leite é o do homem

simples, do povo, e que se propõe a representá-lo, percepção essa que será constantemente

repetida por ele, e que vai de encontro à visão de Girardet, pois “o mito não pode deixar de

55

conservar a marca da personagem em torno da qual ele se constrói”. (GIRARDET, 1987, p.

82) Além disso, Girardet aponta que o mito se consolida especialmente em momentos de

crise, em que as certezas dão lugar às agitações e angústias, o que ocorria, naquele momento,

em todo o país e que tinha consequências também em Montes Claros. (GIRARDET, 1987)

Dessa forma, Tadeu Leite consegue se eleger no pleito de 1976, com 3051 votos, no

mesmo pleito que consagra Antônio Lafetá Rebello, da ARENA, como prefeito pela segunda

vez. A ARENA mantém-se enquanto maior bancada do legislativo municipal, com a eleição

de 11 vereadores.8 Já o MDB, além de Leite, elege outros três parlamentares para a legislatura

iniciada em 19779. (OLIVEIRA, 2000)

Contudo, cabe frisar que, apesar de Tadeu de fato vir de uma família de baixo poder

aquisitivo, ele se agrupa com determinadas figuras de grande poder econômico que não eram

vinculadas às elites dirigentes, como o médico Mário Ribeiro, constantemente investigado

pelas forças policiais do regime, pelo fato de atuar politicamente contrário ao regime militar e

por ser irmão do antigo ministro da Casa Civil de João Goulart, o antropólogo Darcy Ribeiro,

e ainda por ter ligações com o empresário Elias Siufi, mato-grossense radicado em Montes

Claros, dono da Rádio Sociedade, onde Leite apresentava o “Boca no Trombone”. Este será

inclusive citado no discurso em que Tadeu profere, na primeira reunião ordinária da nova

legislatura, em 02 de fevereiro de 1977, conforme consta em ata, as palavras de

agradecimento “pelo apoio e incentivo que dele recebera quando da campanha eleitoral”.

Tadeu conduz seu mandato sempre buscando reforçar a sua imagem de homem do

povo, como se pode constatar em seu discurso na Câmara, na reunião ordinária de 04 de abril

de 1978, quando afirma que não traz “títulos de doutorado (...) ou honrarias que possam me

qualificar (...) trago apenas uma orfandade de pai e mãe e a vontade de trabalhar pelo povo”.10

O mandato do vereador Luiz Tadeu Leite se torna uma extensão do programa de rádio em que

busca articular esses segmentos excluídos, impulsionando o crescimento do MDB nessa

8 Os vereadores eleitos pela ARENA neste pleito foram: Juarez Antunes dos Santos (1480 votos); Domingos

Hamilton Lopes (1325 votos); Aristóteles Mendes Ruas (1289 votos); Geraldo Correa Machado (1255 votos);

Deosvaldo Santos Pena (1.169 votos); Alberto Walter de Oliveira (1.167 votos); Carlos Pimenta (929 votos);

Ivany Martins Pereira (924 votos); Ronald de Carvalho Freire (883 votos); Arnaldo Benicio Ataide Dias (876

votos); e Vivaldo Macedo (871 votos). (OLIVEIRA, 2000)

9 Os vereadores eleitos pelo MDB foram; Luis Tadeu Leite (3.051 votos); José Adão Machado (743 votos);

Marcelino Mota (620 votos); e José Gonçalves de Freitas (544 votos). (OLIVEIRA, 2000)

10 Ata da Reunião da Câmara Municipal, 04/04/1978

56

parcela da população. Guimarães (1997) afirma que, nesse momento, em Montes Claros “as

forças que mais cresciam dentro do partido vinham das lideranças comunitárias, dos

estudantes e da representatividade popular”. (p.168) O primeiro ano do mandato de Leite

possuiu algumas características, que perduraram até o inicio dos anos 80.

Um dos fatos que se pode extrair da leitura dessas atas diz respeito à atuação da

Companhia de Saneamento do Estado de Minas Gerais (COPASA), então recém instalada no

município, iniciando suas operações em novembro de 1976. (GUIMARÃES, 1997)

Leite elege a autarquia estadual como seu principal alvo. A primeira referência de

criticas à atuação da COPASA é encontrada na ata da reunião ordinária do dia 16 de maio de

1977, quando o vereador aponta deficiências na oferta de água ao bairro periférico Vila

Mauricéia11. Já na reunião do dia 30 de abril, o edil cita que os mesmos problemas estão

ocorrendo também nos bairros Santo Antonio e Jardim Palmeiras.12 Cabe destacar que todos

esses três bairros são localizados em áreas periféricas, com a prevalência de moradores de

baixo poder aquisitivo.

O nível das críticas à atuação da companhia se elevará nas reuniões de 1º e 08 de

junho. Na primeira reunião de junho de 1977, o vereador “taxou a (tarifa) de verdadeira

extorsão” e afirmou que “o procedimento daquela companhia parece até mesmo uma

brincadeira de mau gosto”13. Já na reunião de 08 de junho, Leite novamente critica o “preço

da tarifa” e a “total falta de investimentos em rede de esgotos”14.

As críticas à autarquia ainda aparecem nas Arquivo da Câmara Municipal de Montes

Claros - Atas das Reuniões dos dias 13 de abril, 29 de junho, 19 de outubro e 03 de

novembro, com colocações de teor semelhante às feitas no início de junho, com a utilização

recorrente de termos fortes como “extorsão”.15

11 Arquivo da Câmara Municipal de Montes Claros - Ata da Reunião da Câmara Municipal, 16/05/1977

12 Arquivo da Câmara Municipal de Montes Claros - Ata da Reunião da Câmara Municipal, 30/04/1977

13 Arquivo da Câmara Municipal de Montes Claros - Ata da Reunião da Câmara Municipal, 01/06/1977

14 Arquivo da Câmara Municipal de Montes Claros - Ata da Reunião da Câmara Municipal, 08/06/1977

15 Arquivo da Câmara Municipal de Montes Claros - Atas das Reuniões da Câmara Municipal, 13/04/1977,

29/06/1977, 19/10/1977, 03/11/1977

57

As criticas à COPASA perdurarão pelo restante do período em que ele exerceu o seu

mandato parlamentar.

Do ponto de vista de demandas populares, ainda se destacam as críticas à atuação da

Companhia de Habitação do Estado de Minas Gerais (COHAB), especialmente à falta da

liberação de residências já prontas no Bairro das Lages.

Além desses dois pontos, também é possível encontrar referências de falas de Tadeu

em relação a direitos trabalhistas, em especial o dos comerciários. Leite, em três reuniões

consecutivas, aborda o assunto com críticas a uma lei aprovada, que permitia o fechamento de

supermercados nos domingos. Segundo o vereador, “a lei é boa para os patrões e ruim para os

empregados”, pois a partir desta ocorreram várias demissões justificadas pela nova medida.16

Tal afirmação ocorreu na reunião do dia 27 de abril. Na reunião seguinte, em 04 de maio,

novamente o edil abordou o tema, com as mesmas críticas da reunião anterior17. Contudo, em

11 de maio, Leite aborda novamente o tema para afirmar que “na semana em curso não se

verificou caso de demissão nos supermercados”18. Após essa reunião, o tema não mais foi

abordado.

Ainda é possível encontrar algumas referências a falas do vereador acerca da situação

nacional, com críticas à SUDENE e ao regime civil-militar. Sobre esta autarquia a principal

constatação do vereador era em relação ao norte de Minas Gerais, que, na sua opinião, não

recebia a mesma quantidade de recursos que outras regiões. Tadeu aborda essa questão nas

reuniões de 11 e 25 de maio.

Sobre o Regime civil-militar como um todo, o parlamentar expõe sua opinião nas

reuniões de 08 de junho e em 23 de novembro. Na reunião de junho, ele critica a repressão do

regime a movimentos estudantis em Belo Horizonte, e afirma que “é preciso redemocratizar

esse país”19. Em 23 de novembro, o parlamentar faz um discurso defendendo “a posição do

MDB em favor de uma nova constituinte”, e ainda ponderou que,

16 Arquivo da Câmara Municipal de Montes Claros - Ata da Reunião da Câmara Municipal, 27/04/1977

17 Arquivo da Câmara Municipal de Montes Claros - Ata da Reunião da Câmara Municipal, 04/05/1977

18 Arquivo da Câmara Municipal de Montes Claros - Ata da Reunião da Câmara Municipal, 11/05/1977

19 Arquivo da Câmara Municipal de Montes Claros - Ata da Reunião da Câmara Municipal, 08/06/1977

58

a Constituição de 67 não foi feita pelo povo, mas outorgada por uma junta

militar, deixando por isso mesmo de ser a lei das leis. Acrescentou que a

convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte, com a histórica

missão de elaborar uma Constituição soberana é uma solução global,

imposta pela lógica da política, pela coerência, pela integração dos ideais das

varias seções do corpo social brasileiro. Finalizou dizendo que a proposição

de uma constituinte é a proposição da paz, com fulcro na lei, com liberdade,

é a paz com justiça social.20

Em face do exposto, embora a atuação do vereador tenha sido marcada em 1977 por

críticas a diversos segmentos, dois fatos chamam a atenção na leitura das atas: primeiro, a

defesa de interesses do setor agropecuário, e segundo a relativa ausência de críticas mais

contundentes à administração municipal, da qual ele se apresentava como opositor, sendo

inclusive o líder da bancada do MDB.

Em relação aos interesses dos setores ruralistas, os apontamentos do vereador eram

ligados à falta de investimentos do governo federal em ações de prevenção aos efeitos da

seca, tanto por parte da SUDENE, quanto de outros órgãos governamentais.

Além disso, fazia críticas, na reunião do dia 08 de junho, ao Exército, pela falta de

pagamento de terras que haviam sido expropriadas para serem integradas à sua unidade local,

e ao governador do Estado que havia “demagogicamente” afirmado que assumiria tais

dívidas.21

Sobre a administração do prefeito Antonio Rebello, o que há são diversas menções

genéricas solicitando melhorias em bairros e ruas, mas sem nenhuma crítica mais

contundente.

Pelo contrário, há inclusive elogios ao prefeito, como ocorreu na reunião do dia 24 de

agosto, quando o edil elogia a abertura que o prefeito tem com a bancada do MDB, e na

reunião de 15 de setembro, quando Luiz Tadeu Leite “manifestou confiança que doravante os

20 Arquivo da Câmara Municipal de Montes Claros - Ata da Reunião da Câmara Municipal, 23/11/1977

21 Arquivo da Câmara Municipal de Montes Claros - Ata da Reunião da Câmara Municipal, 08/06/1977

59

problemas dos bairros serão tratados com maior dedicação e interesse por parte da

administração”22.

Ainda há menções elogiosas na reunião de 03 de novembro, quando felicita a

administração pelas “melhorias no cemitério”23, além de frisar, em 09 de novembro, que a

“oposição do MDB não vem sendo feita de forma sistemática, mas sim de forma

independente”.24

A principal polêmica envolvendo o vereador e a administração municipal se deu no

debate acerca do contrato de concessão da Rodoviária Municipal. Na reunião do dia 26 de

outubro, ele critica o modelo proposto pelo município, mas em 09 de novembro demonstra

concordância com a nova proposta, apresentada pelo prefeito municipal através da imprensa.25

Essa relação amistosa de Leite com a administração municipal ainda se manterá

durante o ano de 1978.

Um dos principais projetos colocado em pauta na Câmara Municipal no primeiro

semestre desse ano diz respeito à criação pelo executivo municipal de um Conselho Municipal

de Política Administrativa. Tal conselho, submetido à Câmara através de projeto de lei de 11

de fevereiro de 197826, visava, de acordo com o executivo municipal, dar dinamismo à

administração pública, garantindo inclusive à minoria parlamentar o direito de participar das

decisões, conforme exposto pelo porta-voz do governo, vereador Augusto Vieira27.

Contudo, tal projeto se torna objeto de intensa discussão, inclusive na base governista.

Alguns vereadores governistas discordam do mérito do projeto, afirmando que ele poderia

retirar atribuições do poder legislativo.

22 Arquivo da Câmara Municipal de Montes Claros - Ata da Reunião da Câmara Municipal, 15/09/1977

23 Arquivo da Câmara Municipal de Montes Claros - Ata da Reunião da Câmara Municipal, 03/11/1977

24 Arquivo da Câmara Municipal de Montes Claros - Ata da Reunião da Câmara Municipal, 09/11/1977

25 Arquivo da Câmara Municipal de Montes Claros - Atas das Reuniões da Câmara Municipal,26/10/1977,

09/11/1977

26 Arquivo da Câmara Municipal de Montes Claros - Ata da Reunião da Câmara Municipal, 11/02/1978

27 Montes Claros, Jornal de Montes Claros, 21/02/1978, p. 03

60

Matéria da época afirmava em sua manchete que a “Bancada da Arena quer afastar

porta-voz do prefeito”28. No decorrer dela há relato de “bate-boca” entre o porta-voz e o

vereador arenista Aristóteles Mendes Ruas, sobre o conteúdo do projeto de criação do referido

conselho.

O projeto será objeto de críticas por vários vereadores governistas, dentre eles

Aristóteles Mendes Ruas, Carlos Pimenta, Hamilton Lopes e Geraldo Machado. Além dos

governistas, a bancada do MDB também será contrária, à exceção de Luiz Tadeu Leite, que

afirma na matéria citada que “não poderia votar contra, pois assim estaria se recusando ao

diálogo, (pois) ele seria um dos integrantes do novo órgão”29.

Tal debate demonstra de maneira clara que, mesmo Leite sendo um vereador de

oposição, ele fazia questão de ter um “diálogo” aberto com a administração, o que explica de

alguma forma a relativa ausência de críticas desse parlamentar ao governo municipal nos

primeiros anos da legislatura, fato que iria se modificar nos anos finais daquela administração.

A partir de 1978, contudo, duas situações irão fortalecer ainda mais o vínculo desse

vereador com os setores desprovidos da população: a falência de diversos empreendimentos

ligados à SUDENE, o que o aproximará dos movimentos de trabalhadores, e a sua atuação na

criação de associações de bairro.

Sobre a questão das empresas falidas, Ferreira (2002) afirma que essa situação “é

lenha que será queimada até 1982”, quando ocorrerão novas eleições municipais.

José Paulo Ferreira Gomes, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos à época, em sua

monografia de conclusão do curso de Ciências Sociais em 2003, afirma que o parque

industrial de Montes Claros se torna um “cemitério de indústrias”, a partir de 1978.

Matéria de 20 de agosto de 1978, do Diário de Montes Claros, destaca que “o

desemprego contrasta com a industrialização”30.

Gomes (2003) afirma, portanto, que devido a essa situação ocorre o crescimento do

movimento sindical em Montes Claros, a partir de 1978.

28 Montes Claros, Jornal de Montes Claros, 25/02/1978, p. 01

29 Montes Claros, Jornal de Montes Claros, 25/02/1978, p. 01

30 Montes Claros, Diário de Montes Claros, 20/08/1978, p. 01

61

De acordo com esse autor, até 1978 existiam apenas quatro entidades de trabalhadores

no município, e elas se dedicavam apenas ao “ao assistencialismo e festividades, não podendo

esboçar qualquer reação mais crítica em favor dos membros de suas categorias profissionais”.

(GOMES, 2003, p. 24)

É, portanto, devido a essa nova realidade local, conjugada com a eclosão de novos

movimentos de trabalhadores pelo Brasil afora, que os trabalhadores começam a se organizar,

visando a criação de entidades classistas.(GOMES, 2003)

Oliveira (2000) é outra autora a apontar o início desse fenômeno em Montes Claros, a

partir do final da década de 1970.

O novo sindicalismo que surge no final da década de setenta se caracteriza

pela não dependência exclusiva das entidades patronais e busca uma maior

participação de seus filiados. Depois do Sindicato dos Metalúrgicos e dos

Comerciários, surge o Sindicato dos Trabalhadores em Transportes

Rodoviários, e dos Trabalhadores na Construção Civil. (OLIVEIRA, 2000,

p. 158)

Contudo, tal organização não ocorreu sem a resistência dos patrões. Gomes (2003)

aponta que a demissão em massa daqueles que se envolviam com a atividade sindical era

recorrente dentre todas as categorias em Montes Claros.

Então, o desemprego, que já era crescente devido à quebra de empresas, ainda será

ampliado devido à reação patronal à movimentação sindical.

O vereador Luiz Tadeu Leite atuará tanto com suporte político através de seu mandato

parlamentar, como com apoio jurídico, através de sua formação acadêmica como advogado.

O professor Irineu Ribeiro Lopes (2012) aponta a atuação de Leite como advogado de

uma série de trabalhadoras da empresa de confecção TOK, que era uma das principais

empregadoras de mão de obra feminina na cidade, e que viria a fechar as portas no início da

década de 80.

O caso da TOK é exemplar, pois, além de Tadeu atuar como advogado trabalhista

dessas antigas funcionárias, ele também denunciará politicamente, através de seu mandato

parlamentar, as situações vividas por essas trabalhadoras. (LOPES, 2012)

62

O caso das associações de moradores é uma outra questão também apontada por

Tadeu Leite, desde 1978. A primeira menção de Leite acerca desse tema data da reunião

ordinária de 28 de março de 1978, quando ele pleiteia “a possibilidade de se reativar as

associações dos amigos dos bairros dessa cidade”31 que, segundo ele, poderiam atuar de forma

a auxiliar na solução de vários problemas e que poderiam “até mesmo facilitar o trabalho da

prefeitura”.

O trecho acima demonstra claramente que neste primeiro momento o discurso do

vereador não era de reestruturação das associações como instrumento de oposição ao prefeito.

Pelo contrário, o tom conciliatório fica claro nessa passagem, e é intensificado em declaração

ao noticiário local. Nessa matéria o vereador afirma que no mandato anterior de Rebello ele

próprio fora um incentivador de tal medida, pois “ele próprio (Rebello) incentivou a

organização de modelo bastante eficiente aqui em Montes Claros”32.

A partir de então, Tadeu utiliza o seu mandato para construir diversas associações de

bairro nas principais regiões da cidade, em especial nas áreas mais populosas, como os bairros

Santos Reis e Maracanã, cujas entidades serão lideradas respectivamente por Conrado Pereira

dos Santos, um pequeno comerciante, e Osmar Pereira da Silva, um sapateiro. (FERREIRA,

2002)

Osmar Pereira da Silva, em entrevista a José Paulo Gomes, exposta na monografia

deste último, afirma que “Tadeu Leite era um vereador muito atuante e que representava o

sentimento dos moradores de bairros de periferia.(...) A eleição de Tadeu foi muito

importante, e Tadeu se transformou no intérprete dos anseios do povo naquela época”

Além desses movimentos, registra-se também a adesão de setores ligados às classes

médias ao projeto oposicionista que terá Leite como um dos principais protagonistas, como,

por exemplo, movimentos progressistas da Igreja Católica e profissionais da área da saúde.

Esses setores auxiliaram o MDB, e consequentemente também auxiliaram Leite a

garantir capilaridade em setores em que ele não entraria de outra forma, e também ajudam a

intensificar a sua presença nas camadas populares.

31 Arquivo da Câmara Municipal de Montes Claros - Ata da Reunião da Câmara municipal, 28/03/1978

32 Montes Claros, Jornal de Montes Claros, 30/03/1978, p. 03

63

Oliveira (2000) aponta que tanto os religiosos quantos os profissionais da saúde

tinham uma atuação prioritária nas áreas mais populares. Sobre os grupos católicos, ela afirma

que formaram “núcleos nos bairros periféricos na área urbana da cidade, onde grupos de

jovens atuavam em associações de bairros” e, além disso, “mantinham um serviço de

denúncia de arbitrariedades contra trabalhadores rurais e urbanos”. (OLIVEIRA, 2000, p.

159)

Já sobre os profissionais da saúde essa autora afirma que

em 1978 chega um grupo de médicos e enfermeiros, contratados pela

Gerencia Regional de Saúde, para desenvolver trabalho comunitário nos

postos de saúde espalhados pela região,(foi uma das experiências pioneiras

do sistema integrado de saúde com participação popular).A proposta era

envolver, de forma crítica, os usuários dos serviços numa perspectiva de

conscientização política. Além deste trabalho, de certa forma fragmentário,

porque disperso por vários municípios, atuam de maneira mais intensa junto

às CEB´s (Comunidades Eclesiais de Base da Igreja Católica), mas já se

articulam partidariamente.(OLIVEIRA, 2000, p. 159)

Concluindo, é com a força de todo esse conjunto: movimentos sindicais, movimentos

comunitários, e setores médios, notadamente religiosos e ligados à saúde, é que o MDB e

Luiz Tadeu Leite chegaram à década de 1980, com o intuito de disputar a hegemonia em

Montes Claros. Retrocedendo, ainda na década de 1970 haveria mais uma mudança no

processo político do Brasil, que produziria efeitos em Montes Claros.

Já no final da década de 1970, mais precisamente em 1979, o regime civil-militar,

fragilizado com a ascenção de movimentos reivindicatórios e o sucessivo crescimento do

MDB nos pleitos de 1974 e 1978, promove ações de distensionamento com a extinção dos

atos institucionais, como a extinção do bipartidarismo através da Lei 6767/79 e,

principalmente, com a anistia aos opositores do regime. Além dessas mudanças, e em

decorrência delas, adia as eleições de 1980 para 1982. (DELGADO, 2006)

Sobre a extinção do bipartidarismo cabe destacar que ela deve ser vista sob a ótica de

distensionamento do regime, já que possibilitou inclusive a formação do Partido dos

Trabalhadores, de Luis Inácio Lula da Silva, que havia liderado as greves dos metalúrgicos do

ABCD paulista. Porém, não se deve deixar de compreendê-la também como uma ação que

64

visava à desarticulação do MDB, a principal força política institucionalizada de oposição aos

militares. (DELGADO, 2006)

É sob esse contexto que as eleições brasileiras, para a Câmara Federal, Senado,

Governos Estaduais, Assembléias Estaduais, Prefeituras e Câmaras Municipais, são

transferidas de 1980 para 1982.

A partir da sanção da Lei 6767/79 surgirá um novo quadro partidário no país,

rompendo o antagonismo ARENA X MDB, que daria lugar a seus herdeiros diretos, o Partido

Democrático Social (PDS) e o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), além

de novas legendas, como o Partido Trabalhista Brasileiro (sob a liderança de Ivete Vargas,

sobrinha-neta de Getúlio Vargas, que havia ganhado de Leonel Brizola o direito à legenda, na

justiça); o Partido Democrático Trabalhista (fundado por Brizola, após a derrota judicial); o

Partido dos Trabalhadores (liderado pelo líder sindical Luiz Inácio Lula da Silva); e o Partido

Progressista, fundado pelo mineiro Tancredo Neves. (DELGADO, 2006)

Essas mudanças no quadro partidário também refletirão em Montes Claros. As

principais lideranças da antiga ARENA migrarão em quase a sua totalidade para o novo PDS.

Já no antigo MDB ocorreram mudanças mais expressivas. Além de Tadeu, as principais

lideranças do partido naquele momento eram os deputados Genival Tourinho e Pedro Narciso.

Com a mudança na legislação, Tourinho filia-se ao PDT de Leonel Brizola, e Narciso

acompanha Tancredo Neves no seu Partido Progressista. Além de Narciso, o PP filia outra

liderança importante do município, o ex-prefeito e então deputado federal Moacir Lopes,

oriundo das hostes arenistas. (OLIVEIRA, 2000)

Com essas mudanças Tadeu Leite se consolida como a principal figura do novo

PMDB na cidade.

É nesse novo cenário que ele, juntamente com esse grupo citado, inicia uma nova

estratégia, cujo diferencial é um discurso mais agressivo contra o poder executivo municipal.

Essa nova tática de Tadeu Leite pode ser observada já nas primeiras reuniões da

Câmara na década de 1980, como se pode constatar na ata da reunião ordinária do legislativo

de 05 de fevereiro de 1980, quando ele afirmava que “os bairros Vila Guilhermina, Santa

Rita, Ipiranga, Renascença e Vera Cruz estão em estado caótico”33. Da mesma forma ocorreu

33 Arquivo da Câmara Municipal de Montes Claros - Ata da Reunião da Câmara municipal, 05/02/1980

65

em 1981, quando na reunião da Câmara de 05 de março, ele afirmava que “a prefeitura nada

tem feito para os bairros da cidade”34.

Este novo tom irá marcar os próximos anos do mandato legislativo de Tadeu Leite,

bem como será utilizado pelos instrumentos midiáticos que estão a seu serviço, notadamente o

programa de rádio “Boca no Trombone” e o Jornal do Norte, impresso utilizado para

amplificar as denúncias e críticas do vereador.

O Jornal do Norte será uma espécie de porta-voz do grupo oposicionista, suas matérias

e editoriais serão absolutamente críticos ao prefeito e a seu grupo político. O editorial deste

jornal do dia 08 de agosto de 1982, portanto já no calor do processo eleitoral, é um bom

exemplo da postura deste impresso. Nesse editorial, o jornal afirmava que “A grande maioria

dos habitantes de Montes Claros tributa ao prefeito a péssima administração essencialmente

voltada para obras elitistas, megalomaníacas, faraônicas”35.

É nesse contexto que PMDB chega às eleições de 1982, em Montes Claros, que

elegeriam todos os novos representantes do povo, desde o vereador e o prefeito, até os

senadores e governadores estaduais.

Luiz Tadeu Leite, que ainda não tinha 30 anos, candidata-se a chefe do executivo

municipal, tendo como seu vice o médico Mário Ribeiro, e o PMDB apresenta uma lista de

candidatos a vereadores basicamente composta de lideranças oriundas daqueles segmentos já

citados, que aderem, desde o final da década de 1970, à sigla oposicionista.

A candidatura de Luiz Tadeu Leite para prefeito, em uma disputa com sete

candidaturas, ocorria sob a vigência do mecanismo da sublegenda, que possibilitava a um

partido lançar mais de um candidato aos cargos executivos, o que era outro casuísmo que

visava enfraquecer o PMDB, pois se acreditava que essa medida iria expor os antagonismos

ideológicos presentes na legenda. Sob a égide dessa regra, não utilizada em Montes Claros

pelo PT e PDT, que apresentaram apenas uma candidatura (Ruy Muniz e José Wilson), PDS e

PMDB (herdeiros diretos do bipartidarismo anterior) lançam três (Crisantino Borém,

Hamilton Lopes e Pedro Santos) e duas candidaturas (Tadeu Leite e Moacir Lopes),

respectivamente.(OLIVEIRA, 2000)

34 Arquivo da Câmara Municipal de Montes Claros - Ata da Reunião da Câmara municipal, 05/03/1981

35 Montes Claros, Jornal do Norte, 08/08/1982, pg.2

66

Todos os candidatos do PDS eram lideranças tradicionais da cidade, vinculadas aos

grupos políticos que se revezavam no comando do município exercendo a hegemonia, que é

entendida no sentido de que possuíam a capacidade de subordinar intelectualmente o restante

da sociedade, pois se apresentavam como o segmento que representava e atendia ao interesse

coletivo obtendo, portanto, o consentimento e a adesão espontânea. (GRAMSCI, 1978).

Eram eles: Pedro Santos, ex-prefeito por dois mandatos, e ex-vereador também por

dois mandatos; Domingos Hamilton Lopes, ex-presidente da Câmara Municipal, então

vereador no exercício do terceiro mandato e genro do ex-prefeito Alpheu de Quadros; e

Crisantino Borém, então vice-prefeito, que contava com o apoio da administração municipal

chefiada por Antonio Lafetá Rebello, que exercia seu segundo mandato à frente da prefeitura.

(GUIMARÃES, 1997)

Já no PMDB havia, além de Tadeu Leite, como concorrente, o ex-prefeito e ex-

deputado Moacir Lopes, que havia conquistado todos os seus mandatos sob a legenda

ARENA, que dava sustentação ao regime civil-militar. (OLIVEIRA, 1994).

Lopes adere ao PMDB juntamente com Narciso, após a decisão de Tancredo Neves de

fundir o seu PP com este.

E, mesmo com diversas ações governamentais que visavam o enfraquecimento das

oposições (como a proibição de coligações, a vinculação do voto e a vigência da Lei Falcão,

que proibia o debate entre candidatos na televisão), nada impediu importantes vitórias dos

adversários do regime, que se sagraram vencedores em 10 estados, com a eleição de nove

governadores do PMDB, e um do PDT. Dentre esses estados estavam dois maiores colégios

eleitorais do país: São Paulo, com Franco Montoro, e Minas Gerais, com Tancredo Neves.

(DELGADO, 2006)

A vitória de Tancredo Neves para governador de Minas é também um dos fatores que

influenciarão para a vitória do PMDB em Montes Claros, com a eleição de Luiz Tadeu Leite

para o cargo executivo, com mais votos do que todos os outros candidatos somados, e também

a eleição de 10 vereadores em uma Câmara composta então por 17 cadeiras. Além disso, cabe

lembrar ainda que todos os 10 vereadores eleitos eram ligados à sublegenda liderada por

Tadeu Leite. (OLIVEIRA, 2000)

67

Nesse contexto, cabe destacar que outra questão marcante deste pleito foi a renovação

de quase que a totalidade da Câmara de Vereadores (somente um vereador da legislatura

eleita em 1976 foi reeleito no pleito de 1982).36 (GUIMARÃES,1997).

TABELA 1 – Vereadores Eleitos em 1982

Vereador Partido Votação Profissão

José Nardel PMDB 2559 votos Radialista

Milton Cruz PMDB 2553 votos Funcionário Publico

Geraldo Honorato PMDB 2205 votos Professor

José Paulo Gomes PMDB 1660 votos Mecânico

Conrado Pereira PMDB 1432 votos Comerciante

Maria Aparecida Bispo PMDB 1419 votos Professora

Osmar Pereira PMDB 1354 votos Sapateiro

José Maria Oliveira PMDB 914 votos Comerciante

Marco Antônio Pimentel PMDB 894 votos Comerciante

Sérgio Rocha. PMDB 875 votos Médico

Claudio Pereira PDS 1467 votos Médico/Fazendeiro

Carlos Pimenta PDS 1373 votos Médico

Manoel Soares PDS 1155 votos Cartorário

Joel Guimarães PDS 974 votos Contabilista

Alvimar Guimarães PDS 939 votos Médico/Fazendeiro

Afonso Brandão PDS 799 votos Advogado/Fazendeiro

Fabricio Juliano PDS 778 votos Dentista Prático

FONTES: TRE-MG, seção de estatística in: Oliveira 2000, p. 174

Essa vitória do PMDB em Montes Claros é explicada, segundo Oliveira (2000), por

três fatores: a campanha estadual do candidato a governador Tancredo Neves, a desarticulação

36 O único vereador reeleito foi Carlos Pimenta (PDS).

68

local do PDS (partido oficial do regime, que substituiu a ARENA) e a ascensão do

movimento popular. Esse último fator é de fundamental importância, principalmente quando

se analisa a composição do conjunto de vereadores eleitos, pois diversos deles são oriundos

do que Oliveira (1994, p.171) classifica enquanto “extração mais popular”.

Quando se analisa o perfil dos vereadores eleitos, tendo como base a sua ocupação

pretérita, se observa mais claramente essa representação “mais popular”, pois se encontravam

entre os parlamentares, por exemplo, um metalúrgico (José Paulo Ferreira Gomes), um

sapateiro líder comunitário (Osmar Pereira da Silva), um pequeno comerciante líder

comunitário (Conrado Pereira dos Santos) e pela primeira vez uma legislatura contará com a

presença feminina, através de uma professora negra (Maria Aparecida Bispo). (OLIVEIRA,

1994, p.174)

Apesar de já termos ressaltado, conforme atesta Ferreira (2002), a efetiva participação

de alguns setores da elite municipal na eleição de Tadeu Leite, que não eram devidamente

articulados com as tradicionais lideranças agrárias, devemos destacar, de modo especial, a

importância do seu vice-prefeito, o médico Mário Ribeiro da Silveira, irmão de Darcy

Ribeiro, o qual retornava à vida pública e se elegia como vice-governador do Rio de Janeiro,

em 1982, na chapa de Leonel Brizola.

Retornando novamente a análise sobre a eleição de Montes Claros, não podemos

deixar de mencionar, aqui, que o principal amparo do PMDB, conforme aponta Oliveira, foi o

“movimento popular local”, isto é, “as associações de bairros, alguns setores da igreja,

sindicatos de profissionais liberais e de funcionários públicos”. São esses segmentos,

principalmente, que garantem a maior derrota das elites tradicionais na disputa pela

Prefeitura, em toda a história do município. Esse apoio conjunto fez com que a candidatura

vitoriosa de Leite obtivesse 30.325 dos votos em um pleito cujo comparecimento às urnas fora

de 66.071 eleitores e contou com sete candidaturas, sendo cinco delas ligadas às elites

tradicionais. (OLIVEIRA, 2000)

Entretanto, é imperativo que se faça outra discussão, que diz respeito a que grupo de

fato participou da gestão da municipalidade na legislatura iniciada em 1983. Até que ponto

essas lideranças populares, e principalmente seus respectivos movimentos, tiveram efetiva

participação na definição dos rumos da cidade, e de que forma puderam garantir que os

recursos do município fossem utilizados prioritariamente para a solução dos problemas que

69

afligiam os setores marginalizados da sociedade montesclarense, que construíram essa vitória

eleitoral. O segundo capítulo deste trabalho buscará essas respostas.

70

CAPÍTULO II

O INÍCIO DO MANDATO – A DISPUTA DA HEGEMONIA, AS NOVAS

PRIORIDADES E O PROGRAMA CIDADES DE PORTE MÉDIO

As eleições gerais brasileiras de 1982 apresentaram uma mudança política em

diversos estados com a vitória vigorosa da oposição ao regime militar, com o êxito do Partido

do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) em nove unidades da federação, incluindo os

dois maiores colégios eleitorais do país – São Paulo, com Franco Montoro, e Minas Gerais,

com Tancredo Neves – além da eleição de Leonel Brizola, tendo como vice o montesclarense

Darcy Ribeiro, do Partido Democrático Trabalhista (PDT) no Rio de Janeiro. (DELGADO,

2006).

Essas eleições amplificaram institucionalmente as atuações antirregime militar, que já

vinham crescendo em todo o país, desde as eleições legislativas de 1974, e seriam

fundamentais no processo de transição, com a eleição indireta no Colégio Eleitoral, em 1985,

do primeiro presidente civil desde 1964. Foram, em grande parte, os representantes eleitos em

1982 que votaram no Colégio Eleitoral, quase três anos depois, e alçaram Tancredo Neves ao

cargo (que ele não exerceria) de Presidente da República. (DELGADO, 2006)

Essas vitórias oposicionistas se replicaram em várias das principais cidades desses

estados, devido à vigência do elemento casuístico do voto vinculado, que obrigava o eleitor a

votar em candidatos do mesmo partido, desde o governador estadual ao senador da República,

até o vereador municipal. (DELGADO, 2006)

Em Minas Gerais, especificamente, o PMDB se torna a principal força política com a

eleição de Tancredo para governador, e de Itamar Franco para o Senado, além de se sagrar

vitorioso nas principais cidades mineiras, pois, além da já citada vitória em Montes Claros, o

partido elege os prefeito de cidades como Uberlândia (Zaire Resende), Juiz de Fora (Tarciso

Delgado) e Governador Valadares (Ronaldo Perim). (DELGADO, 2006)

Apesar de a ARENA ter vencido na maioria dos estados, as vitórias pemedebistas

ocorrem em centros de grande repercussão nacional, e representaram mais um importante

71

passo no desenvolvimento da sigla oposicionista, assim como ocorrera em 1974 e 1978, nas

eleições legislativas. (DELGADO, 2006) Porém, se em 1974 e 1978, os resultados eleitorais

do PMDB lhe permitiam intensificar e aumentar o tom oposicionista pelo incremento de sua

bancada nas esferas legislativas, que de um modo geral permanecia minoritária, a grande

novidade, desse momento, é que a partir de 1983, o PMDB seria o partido do poder em todos

esses municípios, e principalmente nos estados em que ele foi bem sucedido, o que implicaria

uma nova relação com as forças governistas. (DELGADO, 2006)

É nesse cenário, inclusive, que o perfil moderado e conciliador de Tancredo Neves iria

se sobrepor ao do firme e incisivo Ulisses Guimarães, dando um novo realce à atuação do

partido, o que possibilitará alianças incomuns até então, no pleito presidencial indireto de

1985. (DELGADO, 2006) A tônica impressa também iria se refletir nas práticas e ações do

Diretório Municipal do PMDB em Montes Claros, bem como nas ações de seus

representantes nos poderes executivo e legislativo locais.

As relações entre os representantes do PMDB local e os representantes do governo

federal pedessista seriam afetadas sobremaneira e iriam atuar de modo decisivo nas práticas

levadas a cabo pelos peemedebistas. Um bom exemplo disso foi a implantação do Programa

Cidades de Porte Médio, em Montes Claros, pela prefeitura municipal, financiado

principalmente com recursos federais.

Pelo exposto, o presente capítulo demonstrará como atuaram os elementos locais que

disputavam a hegemonia e ainda como estabeleceram as novas prioridades, e analisará, ainda,

o comportamento e as ações do prefeito e dos vereadores oriundos dos movimentos populares,

a fim de buscar entender como estes se posicionaram diante dessa disputa e as quais interesses

serviram.

2.1 O início da legislatura 1983/1988 – o executivo, o legislativo e a hegemonia (ainda)

em disputa

72

Ninguém pode contra o povo organizado. (Mário Ribeiro, médico, vice-

prefeito eleito em 1982, em declaração ao Jornal do Norte de 19 de

novembro de 1982)37

Com a manchete “Tadeu Leite, uma vitória esmagadora”, o Jornal do Norte abria sua

edição de 20 e 21 de novembro de 1982. E basta apenas continuar folheando essa edição do

periódico, para compreender a movimentação dos setores ligados às elites, nessa nova

configuração que se apresentou após o pleito.38 Na matéria intitulada “ACI acredita no

prefeito”, o presidente da Associação Comercial e Industrial de Montes Claros, entidade de

classe ligada aos interesses patronais locais, Valdir Veloso Figueiredo afirmava que Tadeu

“será um bom administrador, pois já mostrou capacidade para isto”. E até o colunista social

Theodomiro Paulino, tradicional voz das elites locais, estampava a manchete: “Tadeu, vitória

da vontade popular”.39

A primeira matéria, referente à atuação da ACI, contrasta sobremaneira com outra,

acerca do ex-prefeito Antônio Lafetá Rebello, datada de agosto de 1978, que afirmava:

... Houve um trabalho muito grande no sentido de reviver o mito, já que uma

parcela considerável dos eleitores jovens era ainda criança quando da

primeira administração Toninho e não tinha conhecimento do que ele era

capaz. Outra grande parcela do eleitorado era constituída de gente de fora,

que havia migrado para Montes Claros há pouco tempo, e que não tinha tido

oportunidade de conhecer a administração que havia colocado o município

como o maior pólo de desenvolvimento do Norte de Minas. Para reviver o

mito, foi preciso um esforço considerável de conscientização de massa,

comandado pela Associação Comercial e Industrial com o apoio

indispensável da Imprensa. (grifo nosso)40

Tais manchetes, além de demonstrarem uma deferência habitual, apresentam também

as estratégias dos setores organizados, na busca por se aglutinarem de modo a interferir no

37 Montes Claros, Jornal do Norte, 19/11/1982

38 Montes Claros, Jornal do Norte, 20 e 21/11/1982, p.01

39 Montes Claros, Jornal do Norte, 20 e 21/11/ 1982 p.01

40 Montes Claros, Diário do Norte, 20/08/1978, p.05

73

processo decisório. Não é por acaso que a mesma ACI, que anos antes havia “comandado” um

esforço de “conscientização” das massas em torno do “mito” Antônio Rebello, já antes

mesmo do novo prefeito (que fora eleito com uma plataforma oposicionista a Toninho) tomar

posse, afirmava acreditar nele e em sua já demonstrada “capacidade”.

Nesse sentido Ferreira (2002) demonstra que a Associação Comercial e Industrial fora,

desde a campanha de 1976, uma das principais base de sustentação do então líder arenista, ao

afirmar que “capitaneada pela Associação Comercial e Industrial de Montes Claros e pela

imprensa local, sua candidatura (Rebello) é apresentada como uma promessa de dias

melhores”.

Na acepção gramsciana estas ações fazem parte da organização de segmentos da

sociedade civil na disputa pela hegemonia, entendida anteriormente como a dominação

consentida do conjunto da sociedade. (GRAMSCI, 1976) Na leitura desse autor, as análises

das relações sociais são levadas a uma nova perspectiva que foge de uma avaliação rasa do

materialismo, vigente especialmente em sua época dominada pelo stalinismo, que meramente

estabelecia que a infraestrutura determinava a superestrutura. Gramsci eleva o papel da

superestrutura e dá uma nova centralidade ao conceito de sociedade civil, bem como à

ideologia como norteadora desta. (GRAMSCI, 1976)

Na visão anterior, a questão da hegemonia e da dominação era observada apenas pela

ótica da coerção, isto é, o dominador se impõe exclusivamente pelo uso da força sobre os

dominados. Tal visão é oriunda especialmente da leitura feita por Lenin acerca do tema, e

aborda a luta da classe operária pela hegemonia, como a luta pela tomada de assalto do poder

e a instalação da chamada ditadura do proletariado. O Estado burguês seria, portanto,

coercitivo em relação aos trabalhadores, da mesma forma que o do proletariado também o

seria, em relação aos burgueses. (GRUPPI, 1978)

A leitura gramsciana avança e, sem contrariar explicitamente Lenin, busca determinar

que existem sociedades em que de fato o poder é exercido de forma exclusivamente

coercitiva. A estas, ele chamava de cidades orientais. Esse seria o caso da Rússia pré-

revolucionária, onde Lenin atuou e sobre a qual orientou seus maiores esforços, como teórico

marxista. (GRUPPI, 1978) Porém, existem também sociedades onde o exercício do poder e

da liderança é consentido e exercido por uma classe dirigente, que impõe os seus padrões

morais, intelectuais e filosóficos ao restante da coletividade. Tal exercício do poder e de

74

liderança é denominado como política, e tais padrões morais e filosóficos nada mais são do

que a ideologia. (GRUPPI, 1978)

Dessa forma, fica clara a diferença entre Gramsci e Lenin, conforme demonstra

Porteli:

o problema essencial para ele [Lênin] é a derrubada, pela violência, do

aparelho de Estado: a sociedade política é o objetivo e, para atingi-lo, uma

prévia hegemonia política é necessária: hegemonia política porque a

sociedade política é mais importante, em suas preocupações estratégicas, do

que a civil [...] Gramsci, ao contrário, situa o terreno essencial da luta contra

a classe dirigente na sociedade civil: o grupo que a controla é hegemônico e

a conquista da sociedade política coroa essa hegemonia, estendendo-a ao

conjunto do Estado (sociedade civil mais sociedade política). A hegemonia

gramscista é a primazia da sociedade civil sobre a sociedade política.

(PORTELLI, 1977, p.65)

E essa política, portanto, não é exercida apenas por representantes eleitos que ocupam

cargos públicos. Pelo contrário, ela é exercida essencialmente por intelectuais em

organizações da sociedade civil, que atuam na disputa cotidiana pela hegemonização de sua

ideologia, o que consequentemente submete o restante da sociedade aos seus preceitos e

interesses. (GRUPPI, 1978) Dessa forma, o conceito de Hegemonia se torna fundamental na

leitura gramsciana e amplia as possibilidades dessa categoria analítica, bem como a do

marxismo como corrente de pensamento. Luciano Gruppi, intelectual italiano marxista, em

sua leitura de Gramsci afirma que,

O conceito de hegemonia apresentado por Gramsci em toda sua amplitude,

isto é, como algo que opera não apenas sobre a estrutura econômica e sobre a

organização política da sociedade, mas também sobre o modo de pensar,

sobre as orientações ideológicas e inclusive sobre o modo de conhecer.

(GRUPPI, 1978, p.3)

Entretanto, devemos destacar que sendo a hegemonia a capacidade de se constituir

alianças entre classes ou frações desta, que são as organizações da sociedade civil, de modo a

guiar consentidamente o restante da sociedade, ela se torna suscetível a variações e a

alterações em sua correlação de forças. Isto posto, identifica-se que hegemonia é algo instável

75

e que os grupos que a exercem podem ser substituídos, de acordo com a dinâmica da política.

(GRUPPI, 1978) O próprio Gramsci aborda diretamente a questão da

crise de hegemonia da classe dirigente, que ocorre ou porque a classe

dirigente faliu em determinado grande empreendimento político pelo qual

pediu ou impôs pela força o consentimento das grandes massas (...) ou

porque amplas massas (...) passaram de repente da passividade a certa

atividade e apresentaram reivindicações. (GRAMSCI, 1976, p.55)

Assim sendo, Gramsci atualiza a teoria marxista e amplia sua aplicação prática, indo

para além de uma visão que hipertrofia o econômico, em detrimento dos demais aspectos da

sociedade. Esse conceito alargado deste autor italiano auxilia inclusive, sobremodo, nas

análises que se seguirão, pois em uma perspectiva marxista vulgar, que discuta as relações de

classe apenas no antagonismo proletariado x burguesia, e a disputa intrínseca entre esses, não

haveria categorias suficientes para dar conta da realidade montesclarense da década de 1980.

Isto porque é possível constatar, a partir do que já foi exposto, que as elites rurais de

Montes Claros possuíram o controle dominante e hegemônico da municipalidade (tanto no

poder executivo quanto no legislativo) ininterruptamente, por aproximadamente 150 anos,

desde a elevação do Arraial das Formigas à condição de vila, com a formação da primeira

Câmara Municipal, entretanto elas foram alijadas do poder em 1982 com a eleição de figuras

estranhas aos arranjos tradicionais, quando ocorre a tal “crise de hegemonia da classe

dirigente”. (GRAMSCI, 1976, p.55)

Apesar disso, mesmo reconhecendo a imensa vitória do grupo pemedebista em 1982,

que era liderado por um jovem, oriundo das camadas populares e que participava de

movimentos estudantis e de comunidades de base da Igreja Católica, além, é claro, da

participação de líderes classistas, como o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos, na chapa

de vereadores, não se pode, de modo algum, caracterizar essa agremiação como proletária,

revolucionária ou qualquer coisa do gênero, até porque o próprio candidato a vice-prefeito era

ligado às classes proprietárias. (GUIMARAES, 1997)

A esse respeito, vejamos como José Paulo Gomes, mencionado neste texto, e na

ocasião presidente do Sindicato dos Metalúrgicos, tendo sido um dos vereadores eleitos nessa

chapa, refere-se a essa questão:

76

As eleições municipais de 1982, em Montes Claros, diante da posição

reacionária das elites locais, longe de ser uma revolução política, cultural e

social, foi um rearranjo político-institucional, reflexo da superposição de

relações sociais conflituosas, numa sociedade que se caracteriza desde a sua

formação pela acumulação de riquezas por uma elite que se deleita as custas

da exploração impiedosa de uma classe extremamente pobre.

Não foi uma luta de classes e nem uma luta contra o estado ou contra as

instituições, mas a tentativa dos novos atores de ocupação e ampliação de

espaços nas arenas públicas, e para isso era preciso descartar os antigos

mandatários. (GOMES, 2003, p. 49)

Este grupo político apresentava, portanto, uma heterogeneidade, conforme expusemos

no capítulo anterior, que certamente influenciava efetivamente na dinâmica interna, desde

antes da eleição, e que se intensificaria após a vitória eleitoral. Todavia, de acordo com

citação acima, do trabalho do então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos, pode se aferir

que o projeto político do PMDB, naquele momento, era algo difuso, e representava

principalmente “a tentativa dos novos atores de ocupação e ampliação de espaços”. (GOMES,

2003, p. 49)

Logo, essa afirmativa vinda da liderança que atuava no segmento que estaria mais à

esquerda no espectro político, isto é, de um movimento tipicamente classista, que é o sindical,

no momento em que se deu, ainda sob a vigência do regime militar, que atuava no sentido de

coercitivamente impedir a organização de trabalhadores, dá mais uma sinalização que os

vitoriosos de 1982 ascenderam ao poder local com uma crítica muito maior à facção de classe

que ocupava a chefia da municipalidade anterior, do que ao projeto por ela capitaneado.

Havia, pois, uma ansiedade, por parte desses novos atores que compunham o grupo

político, que ascendeu ao poder nas eleições de 1982, em participar efetivamente do processo

decisório. Estudantes, sindicalistas, lideranças comunitárias, profissionais da saúde, além de

todo um contingente de migrantes que se mudaram pra Montes Claros, devido às políticas da

Sudene, almejavam participar do processo decisório. A análise de Ferreira (2002) reporta-se a

mesma questão, ao visualizar a vitória do PMDB em 1982 como uma reposta à falta de

atenção que o poder público dava a vastos setores populares: “ele (Tadeu) é, antes de tudo,

uma resposta dos setores sociais ao descaso dos poderes públicos”. (p. 15)

Novamente, as categorias desenvolvidas por Gramsci, já expostas acima, nos ajudam a

compreender de maneira mais clara esse momento. Retomando o conceito gramsciano de

77

“crise de hegemonia da classe dirigente”, é interessante observar como este autor nos

demonstra que ela advém da ocorrência de uma entre duas situações. Ele afirma que a crise de

hegemonia ocorre “ou porque a classe dirigente faliu em determinado grande empreendimento

político”, ou porque “amplas massas passaram de repente da passividade (...) e apresentaram

suas reivindicações”. (GRAMSCI, 1976, p.55)

Dessa forma, fica evidente que, no caso de Montes Claros em 1982, a segunda

hipótese é bem mais provável, fazendo com que o “grande empreendimento político” da

classe dirigente em crise passasse incólume naquele momento. É evidente que as massas

passivas exigem que suas reivindicações sejam priorizadas, mas isso não impede a

rearticulação dos setores derrotados, não mais nos representantes da facção por ora deposta,

mas em torno do projeto político, isto é, a retomada da liderança moral e intelectual da

sociedade, pois as bases ideológicas do projeto anterior não foram devidamente derrubadas

pelos novos atores.

Novamente, podemos buscar indícios dessa questão nos noticiários da época, que

demonstravam o tom conciliatório do novo com o antigo governante, bem como a constatação

pelo novo alcaide de que a derrota do anterior fora por não dialogar com o “Zé Povão”.41 Tal

afirmativa foi feita pelo próprio Tadeu Leite, em seu discurso, na solenidade de transmissão

do cargo, quando recebia de Antônio Rebello a chefia do município. Na sua fala, nessa

ocasião, o novo executivo não questiona a capacidade administrativa ou o projeto

implementado pelo seu antecessor. Pelo contrário, ele afirma que “reconhecia em Rebello um

homem e um administrador que raramente Montes Claros irá ter”, e a crítica que fez a

Rebello, foi que a de havia cometido uma “falha, ao não levar, ao povo dos bairros, os seus

projetos embaixo dos braços, para mostrar o que realmente estava sendo feito na cidade”.42

(grifo nosso)

Quando o novo prefeito afirma que o erro de seu antecessor foi o de não mostrar ao

“povo dos bairros” o que “realmente estava sendo feito na cidade”, fica evidente que os

questionamentos do líder empossado possuíam um viés mais acentuado no método do que no

mérito, o que consolida a ideia que o “grande empreendimento político” da classe dirigente

41 Montes Claros, Jornal do Norte, 02/02/1983, p.03

42 Montes Claros, Jornal do Norte, 02/02/1983, p.03

78

em crise, ainda não havia falido, pois não tinha sido o foco da oposição, que naquele

momento assumia o poder.

Outro aspecto que demonstra a ausência de uma proposta plenamente antagônica é a

predisposição do novo prefeito à conciliação com o antigo. Nesse mesmo evento, o prefeito

empossado afirmava que

Confirmo perante a todos os presentes que realmente eu com meus 29 anos

de idade, dos quais me orgulho bastante, vou necessitar do auxílio e dos

ensinamentos do professor em prefeitura municipal – Antônio Lafetá

Rebello. Não será uma nem duas vezes se necessário for, telefonarei para o

senhor prefeito Toninho ou mesmo pedirei a sua vinda aqui na prefeitura

para me dar umas aulinhas. Falo isto de coração, sério, pois o momento é

realmente de seriedade. E com meus 29 anos, repito, em muitos momentos

vou me sentir inexperiente e necessitado e não me envergonho disso, da

experiência administrativa do senhor. (grifo nosso)43

A essência do discurso do prefeito também é reproduzida por seus auxiliares diretos,

demonstrando uma coerência entre demais representantes do poder executivo. Os recém-

empossados secretários de serviços urbanos, Jorge Tadeu Guimarães, e de educação,

Hamilton Trindade, também vieram a público para, em seus primeiros pronunciamentos,

elogiar os seus antecessores e declarar que “eles contribuíram muito com a comunidade

montesclarense”.44

A tônica conciliatória que se observa na fala do novo chefe do executivo e de seus

assessores é também exposta na nova composição da Câmara Municipal, que seria, nesse

momento, o espaço mais propício para a difusão de um discurso mais voltado àquelas

camadas populares que atuaram no sentido da vitória do PMDB e, consequentemente, na

crítica à gestão anterior (e às gestões anteriores), que havia sido derrotada sob o argumento de

não atender os interesses desses atores.

Confirmando essa intenção, o noticiário da época destaca que na primeira reunião da

Câmara a “tônica principal foi a de trabalhar sem radicalismos, esquecendo as divergências

43 Montes Claros, Jornal do Norte, 02/02/1983, p.3

44 Montes Claros, Jornal do Norte, 06/02/1983, p.03

79

ocorridas”.45 Além disso, é interessante observar que os assuntos que estiveram em pauta

também não priorizavam nenhuma demanda de setores populares. Essa reunião, além de

concluir um rito obrigatório que era a eleição das comissões internas setoriais, aprovou apenas

requerimentos congratulatórios aos representantes eleitos a outras esferas de poder (prefeito e

deputados estaduais e federais), e houve, ainda, a solicitação ao executivo de realização de um

“estudo de viabilidade” para a transferência da sede do poder legislativo para a “antiga

rodoviária”.46

Este fato é sintomático do que viria a partir de então, pois se verifica a ascensão das

novas lideranças com o perfil socioeconômico bem diferente daqueles que se encontravam

nas legislaturas anteriores. A partir desse momento, os líderes comunitários Osmar Pereira e

Conrado Pereira, o sindicalista José Paulo Gomes e a professora Maria Aparecida Bispo,

dentre outros, deixaram de ser elementos da luta reivindicatória popular, para se tornarem

representantes do poder público, agentes políticos no usufruto de mandato eletivo, conferido

por segmentos da população que desejavam que eles atuassem em defesa de seus interesses,

que, na maioria das vezes, eram antagônicos aos de outras camadas da população.

Para se entender a disputa pela hegemonia e a atuação dos principais atores, nesse

contexto, torna-se imperativa a análise acerca dos conceitos de representação e dominação,

para se aferir a relação entre os mandantes (eleitores) e os mandatários (eleitos), pois é a partir

daí que se poderá compreender melhor o desenvolvimento desses representantes “populares”.

Neste momento cabe, inclusive, um diálogo amplo entre matrizes teóricas diferentes,

já que a perspectiva do marxismo tradicional remete principalmente aos fundamentos

econômicos dessa relação e, como já se observou, Gramsci amplia essa visão e a analisa em

termos que vão além. Entretanto, a análise grasmisciana busca entender as questões macros

desse ponto, e não se atém a minúcias deste debate.

Outros autores de diferentes linhas das Ciências Sociais apresentam opiniões que em

muito podem enriquecer essa discussão, sem confrontar alguns conceitos de acordo com as

perspectivas aqui expostas.

45 Montes Claros, Jornal do Norte, 03/02/1983, p.03

46 Ata da reunião da Câmara Municipal de 02/02/1983

80

Um dos principais autores que realizam esse debate sobre a relação entre eleitores e

eleitos, num viés inclusive didático, é Pierre Bourdieu. O sociólogo francês utilizando-se em

boa medida da metodologia weberiana tipológica constrói uma forte e realista argumentação,

acerca da representação política. Esse autor parte do pressuposto da divisão da sociedade,

entre aqueles que são politicamente ativos e aqueles politicamente passivos, e acima deles

paira o que Bourdieu denomina “campo político”, que é o espaço de lutas, onde programas e

projetos, denominados por “produtos políticos”, são apresentados aos cidadãos comuns,

agentes passivos, “reduzidos à condição de consumidores” que devem fazer suas escolhas,

instaurando assim o estatuto da representação política. (BOURDIEU, 2010, p.164)

E essa representação seria, por sua vez, exercida por “profissionais” dotados de

“tempo livre” e “capital cultural”, que atuam em “organizações-permanentes” que se orientam

exclusivamente para a conquista da representação, entendida, nesse contexto, como “poder”.

(BOURDIEU, 2010, p.164-167) Em tal visão, o poder político é fruto de “atos subjetivos (...)

que só existem na representação e pela representação”. (BOURDIEU, 2010, p.188)

A partir da atuação dessa organização, a sociedade se divide em mandantes e

mandatários, isto é, entre aqueles que instituem a representação e aqueles que exercem a

representação, que se relaciona em uma dinâmica simbólica que muito se assemelha a um

teatro. Quando Bourdieu faz tal afirmativa, ele demonstra que, em sua perspectiva, a política,

como campo que institui a representação, não é de forma alguma um epifenômeno das

relações econômicas, mas constitui sim um campo autônomo da vida societária.

(BOURDIEU, 2010)

E é tal existência autônoma que permite que, nesse campo, os interesses que se

sobreponham seja os daqueles que exercem a representação, e não o contrário, rompendo com

determinadas visões que buscavam atribuir características de neutralidade ao Estado,

enquanto personificação da representação. (BOURDIEU, 2010). E Bourdieu vai além, ao

afirmar que os representantes “servem aos interesses de seus clientes na medida em que (e só

nessa medida) se servem ao servi-los”. (BOURDIEU, 2010, p.177)

Não obstante, essa relação deve ser bem medida, pois há regular renovação da

representação, em que os representados opinam sobre a eficácia da ação dos seus

representantes na defesa dos seus interesses. Há uma relação de credibilidade que não pode

ser quebrada, pois o representante, além de receber um poder político, recebe também um

81

poder que é simbólico. A representação, portanto, além de ser política, ela é também

simbólica, o que no caso do legislativo municipal de Montes Claros, na legislatura eleita, em

1982, fora bastante evidente, e também fora fundamental para o entendimento do resultado do

pleito de 1988. (BOURDIEU, 2010)

Nesse cenário, a atuação dos atores do executivo e, principalmente, do legislativo, fora

analisada também a partir desta ótica. A disputa pela hegemonia terá seu caráter concreto,

mas também seu caráter simbólico. Obviamente que sobre a atuação deles não se encontrará

estática ao longo do período de 1982 e 1986. Haverá momentos de conciliação com as facções

tradicionais, mas também ocorrerão enfrentamentos. A atuação destes atores fora em diversos

momentos contraditória e incoerente. Apesar do tom conciliatório, esses vereadores também

iniciaram seus mandatos com iniciativas voltadas aos seus representados.

O vereador José Paulo Gomes, que ainda exercia a presidência do Sindicato dos

Metalúrgicos, propõe, já no início da legislatura, a criação de uma “comissão especial para

atuar junto aos órgãos responsáveis pela colocação de mão de obra no Norte de Minas”. Tal

comissão tinha a finalidade de pressionar as autoridades estaduais e federais a rever as

políticas da Sudene. O edil afirmou que tais empresas ficavam na cidade apenas durante o

período em que tinham os incentivos, e depois poderiam livremente ir embora, o que gerava o

crescimento do desemprego.47

Além disso, José Paulo retoma ações em defesa dos antigos trabalhadores da fábrica

de confecções TOK, que já havia sido uma bandeira levantada pelo mandato do então

vereador Luiz Tadeu Leite.48

Já a vereadora Maria Aparecida Bispo, que também era professora, gera uma crise

com o seu próprio partido, devido a sua discordância em relação à indicação da direção de

uma escola pública. Nessa crise, a acompanham os também vereadores pemedebistas José

Maria de Oliveira e Milton Cruz. A argumentação desta era que a comunidade escolar não

aceitava a diretora indicada que seria uma “desequilibrada” segundo a parlamentar.49

47 Montes Claros, Jornal do Norte, 24/02/1983, p 3

48 Montes Claros, Jornal do Norte, 10/08/1983, p.01

49 Montes Claros, Jornal do Norte, 10/08/1983, p.01

82

Também o poder executivo alterna entre a conciliação e o enfrentamento com os seus

antecessores e aliados. Apesar das trocas de gentilezas iniciais, o chefe do executivo

municipal também demonstra ações que visavam descontruir o tal “mito Toninho”, que havia

sido criado desde a década anterior. Ao instituir uma “comissão especial” incumbida de

produzir um relatório, que antes mesmo de ficar pronto já era denominado pelo prefeito de

“bomba”, pois visava, a priori, demonstrar as “aberrações” recebidas da gestão anterior. Tal

relatório, alardeava o prefeito à imprensa, apresentaria denúncias, como contratações

irregulares, e aumento desproporcional dos funcionários públicos antes da transição, dentre

outras. O noticiário da época afirmava que

o principal objetivo do relatório bomba, segundo assessores (...) é o de

exatamente desfazer a imagem de que o prefeito atual tenha recebido a

municipalidade em condições consideradas excepcionais. 50

Apesar do alarde feito, o referido relatório, se produzido, não foi divulgado pela

imprensa, nem foi objeto de avaliação da Câmara Municipal. Mesmo assim, cumpriu

principalmente o efeito de ajudar a desconstruir a facção política que estava na direção da

municipalidade, especialmente em relação a seus principais atributos simbólicos,

demonstrando que a condução consentida da sociedade montesclarense ainda estava em

disputa.

2.2 - As relações com o governo federal, o Programa Cidade de Porte Médio e as novas

prioridades

Conforme já destacado anteriormente, a vitória da oposição nas eleições municipais de

Montes Claros, em 1982, aconteceu amparada em uma proposta difusa de atendimento às

demandas das camadas periféricas e, embora os vitoriosos estivessem, naquela ocasião,

50 Montes Claros, Jornal do Norte, 24/02/1983, p.3

83

organizados em diversas entidades da sociedade civil, não possuíam um programa claro e

articulado de como resolver tais problemas, bem como não visavam romper com as estruturas

coronelistas e autoritárias que se encontravam vigentes, tanto no âmbito municipal quanto

federal. Prova disso, era o discurso, ora combativo ora conciliador, com as lideranças e

associações tradicionais que evidenciava a falta de maior substância em relação ao projeto

peemedebista montesclarense.

Se na esfera estadual e nacional o PMDB se consolidava como a principal oposição

(especialmente no novo cenário pluripartidário) ao governo federal, chefiado por

representantes das Forças Armadas, em aliança com a elite civil e empresarial, norteando-se

por um discurso crítico, em maior ou menor medida, em Montes Claros, a gestão municipal

possuía estreitos laços com Brasília, e inclusive seria de lá que prioritariamente viriam os

recursos que possibilitariam criar bases concretas e atender as necessidades de redistribuição

dos recursos públicos. Vale destacar que a liderança maior do PMDB mineiro, o então

governador Tancredo Neves, representava uma voz moderada, em contraposição à

contundente oposição peemedebista, no Congresso Nacional, liderada por Ulisses Guimarães.

(DELGADO, 2006)

Tal situação do PMDB mineiro possibilitou que lideranças locais, como o prefeito

Luiz Tadeu Leite, empregassem um diálogo mais ameno com o governo federal. O teor

desses diálogos pode ser observado desde os primeiros momentos da sua gestão municipal na

cidade.

Em junho de 1983, o noticiário local aponta que “Tadeu destaca os méritos de

Andreazza”51, o que significou algo sintomático para se compreender a relação entre o

executivo municipal e o federal, especialmente, tendo em vista que o ministro do Interior,

Mario Andreazza, era uma das mais eminentes de todas as lideranças dos sucessivos governos

militares, tendo sido auxiliar do presidente da República, desde o golpe de 1964, quando,

primeiramente, fora chefe de gabinete do presidente Costa e Silva, e depois ministro dos

Transportes, cargo que ocupou também no governo do presidente Médici. Andreazza,

inclusive, esteve presente também na reunião do Conselho de Segurança Nacional que

aprovou a instituição do Ato Institucional de nº 5, em 1968, o qual intensificou a repressão,

durante o regime militar. (DELGADO, 2006)

51 Montes Claros, Jornal do Norte, 29/05/1983, p. 01

84

Andreazza também disputou a convenção nacional do PDS, buscando se lançar como

candidato a presidente da República nas eleições presidenciais indiretas de 1985, contando até

mesmo com o apoio explícito do então presidente da República, general João Batista

Figueiredo, porém, foi derrotado pelo deputado paulista Paulo Maluf, por 493 a 350 votos.

(DELGADO, 2006)

Retornando ao ano de 1983, o prestígio de Andreazza era a razão de tamanha

deferência mas, certamente, não era despropositada, pois se encontrava vinculada ao ministro

a principal fonte de recursos que o prefeito de Montes Claros disporia para executar seus

objetivos que era o atendimento às demandas dos bairros da cidade, dentro das ações do

Programa Cidades de Porte Médio (PCPM). (FERREIRA, 2002) De acordo com Ferreira

(2002), o Programa Cidades de Porte Médio foi estabelecido “através de um contrato entre o

governo federal e o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento”, e estava

vinculado ao Ministério do Interior, que possuía um “Programa de Apoio às cidades de porte

médio”, vinculado à sua Subsecretaria de Desenvolvimento Urbano. (FERREIRA, 2002, p.

138)

O principal objetivo do Programa Cidades de Porte Médio era o apoio às cidades

selecionadas, de modo a garantir o seu fortalecimento “através da maior dotação de

investimentos”, a fim de “possibilitar a coordenação das diversas ações setoriais que nelas se

realizariam”. (FERREIRA, 2002, p. 139) As ações setoriais, desse programa, atuariam

basicamente em três vertentes: 1ª) Geração de emprego e renda; 2ª) Infraestrutura urbana e

comunitária; 3ª) Administração municipal. (FERREIRA, 2002)

Dessa forma, o Programa Cidades de Porte Médio se estabelecia como o maior aporte

de recursos da história do município, e tinha o ousado objetivo de criar uma “nova ordenação

urbana”, com a “modernização administrativa da prefeitura” e a “intervenção através de

políticas públicas geradoras de emprego e renda para as classes populares”. (FERREIRA,

2002, p. 143) Para cumprir esse propósito, o programa foi criado pela administração central

do país, a partir de sua concepção sociológica que acreditava que a “urbanização do país se

deu de forma concentrada, aliada a uma industrialização ineficiente quanto à oferta de

empregos”. (OLIVEIRA, 2000, p.110)

Conforme Rochefort (1998), a lógica nacional implantada pelo governo federal para o

desenvolvimento das cidades de médio porte era

85

(...) desenvolver, prioritariamente, algumas cidades médias para refrear o

crescimento das metrópoles e, à medida que as cidades são escolhidas no

interior do território, levar para esses espaços subdesenvolvidos atividades e

homens que permitam um desenvolvimento da economia regional.

(ROCHEFORT, 1998, p. 93).

Portanto, a partir dessa ótica “seria necessário provocar o melhor desempenho dos

centros urbanos médios, para não concentrar a população nos grandes centros”. (OLIVEIRA,

2000, p.110) Ainda amparado por esse argumento, as cidades médias passariam a

“desempenhar novos papéis na rede urbana, crescendo em ritmo mais acelerado que as

metrópoles”. (STEINBERGER e BRUNA, 2001, p. 37) Em relação a essa questão, França e

Soares (2007) afirmam que

a definição ou o conceito de cidade média remete aos estudos de

pesquisadores, órgãos governamentais e planejadores urbanos. Do ponto de

vista do nível hierárquico das cidades, uma cidade média é aquela que se

localiza entre a grande cidade e a pequena cidade tendo, dessa forma, uma

posição intermediária. (FRANÇA e SOARES, 2007, p.03)

Dessa forma, a política nacional de intervenção possuiria quatro tipos de áreas de

intervenção, visando o desenvolvimento urbano nacional nas áreas de contenção (São Paulo e

Rio de Janeiro); nas áreas de disciplinamento e controle (Porto Alegre, Belo Horizonte,

Curitiba, Campinas, Brasília, Recife, Salvador, Fortaleza e Belém); nas áreas de dinamização

(polos de desenvolvimento); e nas áreas de promoção. (STEINBERGER e BRUNA, 2001)

Nesse modelo de organização foi dada uma importância estratégica a chamada área de

dinamização, englobando as cidades de porte médio das regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul

do país, devido ao seu potencial de se tornarem “metrópoles regionais interiorizadas”.

(STEINBERGER e BRUNA, 2001, p. 42)

Os centros de porte médio foram entendidos como uma escala funcional

urbana indispensável para apoiar a desconcentração e a interiorização, razão

pela qual se mostrou que deveriam ser escolhidos centros específicos para

cumprir a função de desconcentração, e outros a função de dinamização.

Tais centros desempenhariam papel de relevo na política de ordenamento

territorial, contribuindo para: propiciar a criação de novos pontos de

desenvolvimento do território nacional, estimular a desconcentração de

atividades econômicas e de população, criar novas oportunidades de

86

emprego e reduzir as disparidades inter-regionais e interpessoais de renda.

(STEINBERGER e BRUNA, 2001, p. 48)

Nesse sentido, Montes Claros atenderia perfeitamente a esses critérios, por ser “uma

verdadeira capital regional”, devido a seu processo histórico de crescimento urbano e

econômico, “de modo que passou a assumir uma posição de centralidade intra e inter-urbana,

consolidando-se como núcleo mais expressivo da região em que se insere”. (FRANÇA e

SOARES, 2007, p.03)

Cumpre frisar, todavia, que essas novas diretrizes para a política urbana nacional, além

de obedecerem a critérios técnicos, também serviam aos interesses políticos do regime militar.

O espaço urbano aparecia como palco de problemas e as ações da política

urbana deveriam corrigir os efeitos nocivos do modelo de crescimento

econômico adotado, com características centralizadoras, concentradoras e

excludentes. Portanto, a política urbana tinha função compensatória e

corretiva. Surgiu como uma política de atendimento a carências, isto é,

antidéficit de serviços coletivos. Essa postura também visava responder a um

começo de perda de poder do partido do governo da ditadura (Arena) em

relação à oposição (MDB), especialmente em alguns dos maiores

aglomerados urbanos do país, as regiões metropolitanas. (STEINBERGER e

BRUNA, 2001, p. 46)

Nesse ponto, torna-se imperativo destacar que, apesar de a execução desse programa

se tornar o carro-chefe da administração de Luiz Tadeu Leite, ele fora efetivamente captado

na administração anterior, de Antonio Lafetá Rebello, sob a vigência da lógica do cálculo

político já citado. (FERREIRA, 2002) Tanto isso é fato que no próprio “relatório bomba”, que

o prefeito havia prometido divulgar, uma das “denúncias” apresentadas era a de que havia

sido apurado que o município seria contemplado com somente “2 bilhões e 700 milhões de

cruzeiros” pelo Programa, e não com “5 bilhões”, como tinha sido anunciado pelo seu

antecessor.52

O Programa Especial Cidades de Porte Médio foi criado em 1978 e Montes Claros foi

contemplada desde o primeiro momento, na chamada Fase I do projeto, juntamente com Natal

(PB), Petrolina (PE), Campina Grande (PB), Campo Grande (MS), Pelotas (RS), São José do

52 Montes Claros, Jornal do Norte, 24/02/1983, p.01

87

Rio Preto (SP), Florianópolis (SC), Teresina (PI) Juiz de Fora (MG), portanto, na época da

primeira metade do mandato de Rebello. (STEINBERGER e BRUNA, 2001)

O tempo de execução do Programa foi até o ano de 1986, quando oficialmente foi

encerrado pelo Banco Mundial, que era um de seus principais financiadores.

(STEINBERGER e BRUNA, 2001) Como comprova a própria assinatura do convênio entre a

Prefeitura Municipal de Montes Claros e o governo federal que, investiria essa imensa

quantidade de recursos “a fundo perdido”, ocorrera ainda naquele mesmo ano. (OLIVEIRA,

2000, p. 108)

Durante o decurso de vigência do programa, devemos ressaltar também que um

documento oficial do governo federal apontava que a gestão anterior “opunha resistências” às

suas diretrizes, o que impediu sua implantação. O documento, em questão, era o “Relatório de

Avaliação Institucional: Subprojeto Montes Claros”, de 1983. Nele, estava escrito que

segundo informações colhidas recentemente na prefeitura parece que a

administração municipal de então opunha certas resistências a algumas

intervenções previstas no subprojeto Montes Claros53

O documento ainda relatava que “a administração empossada em 31 de janeiro

de 1983 imprimiu ritmo mais dinâmico ao subprojeto”.54Objetivamente, identifica-se a

sintonia entre as diretrizes do programa e as da nova administração municipal, fato inclusive

destacado pelo “Relatório” do ano seguinte:

O subprojeto Montes Claros - Cidades Porte Médio(CPM) - passou a

constituir o plano de governo da atual administração para a área urbana.

Assim, as características do modelo de planejamento para o município são as

mesmas do subprojeto, destacando-se o atendimento prioritário à população

carente, a integração das obras físicas e a participação da comunidade.

(grifos nossos) 55

Dessa maneira, quando se aponta que a administração municipal vinculou o Programa

ao “atendimento prioritário à população carente” e à “participação da comunidade”. Nota-se

que o prefeito nada mais fez que conectar esse imenso aporte de recursos vindos do governo

53 Relatório de Avaliação Institucional: subprojeto Montes Claros, 1983, p. 10

54 Relatório de Avaliação Institucional: Subprojeto Montes Claros, 1983, p. 39

55 Relatório de Avaliação Institucional: Subprojeto Montes Claros, 1984, p. 24

88

federal militar ao seu projeto de campanha, teoricamente oposicionista, ao inserir os setores

excluídos na vida política e no processo decisório da cidade.

Ficava evidente que o principal suporte concedido ao governo municipal peemedebista

e, consequentemente, a seu projeto de poder, fora oriundo do governo federal, liderado pelo

PDS, o que inclusive geraria uma crise no diretório local desse partido, com a saída de

diversos membros, além da ameaça de desfiliação do próprio presidente, o ex-prefeito Pedro

Santos, que afirmou “que se continuar assim vai mesmo desestruturar-se (o PDS), pois eu

mesmo estou insatisfeito (...) e caso o governo federal não dê mais apoio (...) eu também

abandonarei o partido”.56

O ex-prefeito Pedro Santos vai além e intensifica suas críticas, afirmando ainda que “o

governo federal em nada está contribuindo para manter e soerguer o partido, que está

propenso a acabar, caso não sejam tomadas medidas urgentes”.57 O raciocínio de Santos se

apresentava correto do ponto de vista do cálculo político, pois os recursos advindos do

governo federal possibilitavam que a administração municipal intensificasse o seu projeto

político difuso de redistribuição dos recursos e priorização dos setores excluídos da

participação política em Montes Claros.

Apenas para o ano de 1984, o segundo de nova administração municipal, estava

previsto o montante de “10 bilhões de cruzeiros” para as obras da gestão peemedebistas.58 E,

objetivamente, se estava ocorrendo uma redistribuição e o estabelecimento de novas

prioridades, isso não só representava um golpe nos interesses políticos das facções que

outrora dominavam a cidade, mas também foi um golpe em seus interesses econômicos, o que

aumentavam as insatisfações.

Um bom exemplo disso foi a reforma no Código Tributário, proposta e aprovada pela

administração municipal. O município de Montes Claros era absolutamente deficiente, do

ponto de vista da arrecadação de tributos. Os empreendimentos que se instalaram no

município dispunham de uma série de incentivos e renúncias fiscais, oriundos das diretrizes

da Sudene. (FERREIRA, 2002)

56 Montes Claros, Jornal do Norte, 03/01/1984, p.01

57 Montes Claros, Jornal do Norte, 03/01/1984, p. 01

58 Montes Claros, Jornal do Norte, 07/09/1983, p. 01

89

A aprovação do novo código reverteu essa situação, colocando em êxito seu objetivo

central que era a ampliação da arrecadação do município, com a implantação de uma lógica

de aumentos progressivos, em especial para terrenos não edificados. (FERREIRA, 2002) O

projeto, portanto, atingia sobremaneira aqueles que possuíam lotes que estavam destinados à

especulação imobiliária, prática desenvolvida obviamente pelos que dispunham de maiores

recursos e eram ligados aos setores tradicionais da política local. (FERREIRA, 2002)

Para atestar a veracidade desta prática, o Relatório de Avaliação Institucional:

Subprojeto Montes Claros, apresenta dados que demonstram que mais da metade dos imóveis

de Montes Claros não estavam edificados, e que a maioria estava ligada a pratica especulativa

de um número bem restrito de pessoas. O Relatório de Avaliação Institucional de 1984 ainda

afirma que “das 95000 unidades lançadas pelo IPTU, 55000 constituem lotes vagos, dos quais

80% pertencem a apenas 137 contribuintes”.

Impressiona saber que dos 95 mil imóveis regulares em Montes Claros, no ano de

1983, aproximadamente 44 mil eram lotes vagos de propriedade do restrito contingente de

137 pessoas. Vale mencionar que a proposta do Novo Código Tributário foi duramente

criticada pelas entidades ligadas às elites tradicionais, em especial pela Associação Comercial

e Industrial e o Sindicato Rural. (FERREIRA, 2002)

O tensionamento político chegava também à Câmara Municipal, e as disputas entre os

aliados e os adversários da administração tiveram, a partir desse episódio, uma elevação

considerável de tom, com posicionamentos mais críticos, dos vereadores do PDS. Na reunião

do legislativo do dia 8 de setembro de 1983, o vereador Claudio Pereira (PDS) afirmava que o

prefeito estava “esquecendo-se dos problemas mais sérios da cidade, para de seu gabinete

articular manobras políticas dentro da Câmara Municipal” e que o presidente do poder

legislativo, vereador José Nardel (PMDB), tinha se tornado “uma marionete ou mesmo um

garoto de propaganda a atender a manobras e interesses”.59

Em resposta à agressividade do colega de legislativo, e em defesa dos representantes

de seu grupo político, o vereador Geraldo Honorato, líder da bancada peemedebista, afirmou,

ironicamente, estar “acostumado com as viúvas do PDS de Montes Claros”.60 Desse ponto em

diante, a agressividade se tornou ponto constante nas relações entre os opositores e a 59 Ata da reunião da câmara municipal, 08/09/1983.

60 Montes Claros, Jornal Do Norte, 09/09/1983, p. 03

90

administração. A partir de uma discussão sobre o terreno que serviria para a construção da

nova prefeitura, o vereador Joel Guimarães (PDS) afirmava que tal medida ocorreria para

atender interesses particulares do prefeito, que estaria “construindo duas mansões bem ao lado

do terreno que ele quer desapropriar”, e concluía dizendo que “o prefeito fala em ajudar o

povo, mas é ele que vem se ajudando”.61

Apesar dos tensionamentos e da resistência, o Projeto do Código Tributário foi

aprovado em 15 de dezembro de 1983, por 12 votos a favor e 4 votos contrários.

(FERREIRA, 2002) Essa resistência, certamente, foi prevista pela administração municipal,

pois antes mesmo de a proposta estar pronta, o prefeito afirmou que “Os impostos serão

mesmo aumentados e teremos que encontrar um mecanismo legal para isto”, e ainda disse que

“os nossos adversários podem reclamar e protestar” e, por fim, “vai haver gritos, protestos e

muito descontentamento, mas é bom que isso aconteça agora do que depois”.62

A administração municipal expunha, inclusive, que esse era um “risco calculado”, pois

“antes assumir um risco agora, do que daqui a dois, três anos, quando não surgir nenhuma

obra, e o povo passar a reclamar”.63 Isto evidencia a predisposição consciente da

redistribuição de recursos e do estabelecimento de novas prioridades, indo de acordo com o

programa político que elegeu o novo prefeito e vários dos novos vereadores em 1982.

O Programa Cidades de Porte Médio seria, portanto, o principal instrumento para

alcançar esse objetivo, evidenciando o paradoxo político exposto por Pedro Santos, de que o

governo federal do PDS estava atuando no sentido de “acabar”, segundo suas próprias

palavras, com o diretório local desta agremiação.64

Paradoxo que é amplificado pelo fato de também o programa ter sido captado

inicialmente pela administração anterior, do também pedessista Antônio Rebello, o que fez,

inclusive, com que as obras de 1983 fossem reivindicadas por vereadores oposicionistas como

realizações deles, conforme relata a fala do parlamentar Claudio Pereira, quando diz que tudo

que “Tadeu Leite realizou em 1983 foi a conclusão de obras (...) (cujos) recursos (foram)

61 Ata da reunião da câmara municipal, 13/09/1983.

62 Montes Claros, Jornal Do Norte, 09/09/1983, p. 01

63 Montes Claros, Jornal Do Norte, 09/09/1983, p.01

64 Montes Claros, Jornal do Norte, 03/01/1984, p. 01

91

alocados pelo prefeito anterior” e que em 1984 o prefeito não faria nada, pois “dependerá

exclusivamente dele para conseguir as verbas do Programa Cidade de Porte Médio –

PCMP”.65 A previsão de Pereira, contudo, não se concretizou. Em 1984, o aporte de recursos

oriundos do programa ampliou, possibilitando a realização de obras nas áreas periféricas.

Diversas obras foram realizadas ao longo do ano de 1984, como a construção de

creches, centros sociais, lavanderias comunitárias, pontos de estacionamentos para carroças,

calçamentos de vias secundárias, viadutos e, principalmente, a “canalização e retificação

incompleta do Córrego do Cintra”. (OLIVEIRA, 2000, p. 109) Somente para as obras

(incompletas, segundo Oliveira, 2000) do Córrego do Cintra, o Programa Cidades de Porte

Médio liberou “582 milhões de cruzeiros”.66

Com a realização dessas obras, a administração municipal intensificou seus

mecanismos de diálogo com a população, estabelecendo inclusive a relação direta da

população com o prefeito, através do programa “converse com o prefeito, que prestava

assistência aos moradores todas as terças e quintas-feiras, atendendo em média 200 a 300

pessoas por dia”. (FERREIRA, 2002, p. 133)

O que ocorria a partir de 1984, ao nível do executivo local, era uma tentativa

de aproximação do prefeito municipal com a população dos bairros, vilas e

favelas, através do atendimento pessoal de suas reivindicações. Ao procurar

estabelecer um contato direto com a população carente, a prefeitura

municipal imaginava estar solucionando um dos problemas que travava a

administração local; a definição de obras prioritárias a partir das reclamações

diretamente levadas pelos moradores dos bairros àquele que, efetivamente,

as resolveria. (FERREIRA, 2002, p. 132)

Além do “converse com o prefeito”, o executivo local desenvolveu a prática de

realizar diversas reuniões, no modelo de assembleias nos bairros, para a definição das ações

prioritárias nesses locais. As propostas, previamente definidas, eram levadas às comunidades,

que elegiam a sua ordem de prioridade, num modelo bastante parecido com o que depois se

convencionou denominar de “Orçamento Participativo”. (GUIMARÃES, 1997, p. 172)

A participação da população, nesse complexo de obras realizadas, se dava desde o

momento da reivindicação até a sua efetiva execução. A administração municipal

65 Montes Claros, Jornal do Norte, 18/01/1984, p. 01

66 Montes Claros, Jornal do Norte, 05/07/1984, p.01

92

desenvolveu o chamado “Programa Mutirão”, que consistia em mobilizar a população

beneficiada, por tais obras, na sua feitura. Neste programa, “as pessoas se disponibilizavam

em determinados dias para efetuar serviços que a rigor eram de competência da Prefeitura

Municipal”. (FERREIRA, 2002, p. 145)

A convocação da população ocorria previamente, com a indicação das ações que

ocorreriam com a sua participação, conforme atesta o noticiário da época.

Começarão nesta quinta-feira as obras do XI Mutirão da Prefeitura,

beneficiando os bairros Francisco Peres, Clarindo Lopes e Santa Rita II. No

domingo será desenvolvido um maior número de realizações, devendo

ocorrer ainda solenidades comemorativas ao mutirão, contando com a

presença do prefeito Luiz Tadeu Leite, seus assessores e vereadores do

PMDB. (...) Dentre as obras que serão executadas pela prefeitura, junto com

os moradores dos bairros beneficiados, destacam-se: a implantação de horta

comunitária na escola estadual Felício Araujo, construção de uma praça

pública, instalação de um telefone público no final da rua Padre Feijó, no

bairro Clarindo Lopes, cobertura de dois pontos de ônibus, vacinação de

crianças, coleta de lixos, limpeza de lotes vagos, patrolamento e abertura de

ruas, instalações de água e serviços hidráulicos e diversas outras pequenas

obras.67

Apesar da participação popular na realização dessas obras, as ações da administração

municipal não significaram descentralização e organização da comunidade, nem através de

associações, nem através dos representantes eleitos para a esfera legislativa, pois o processo

do modo como ocorreu não significou um maior envolvimento desses “atores políticos”, e

nem isso se deu a partir de “regras claramente estabelecidas”. (FERREIRA, 2002, p. 147)

O que de fato esses mutirões significaram ao poder executivo municipal, que este

“passa a ser visto como a salvação, a única fonte de recursos”. (OLIVEIRA, 2000, p. 114)

Dessa forma, tanto as associações comunitárias quanto os vereadores, mesmo os aliados,

perdem sua força enquanto agentes mediadores no processo de gestão dos recursos.

Acrescenta-se a isso que a percepção da população em relação a essas benesses foi distorcida,

pois o povo analisa estas obras “enquanto doadas e não conseguidas, dificultando a definição

de regras adequadas ao processo democrático, e sugerindo possibilidades limitadas de

participação nos negócios públicos”. (FERREIRA, 2002, p.148)

67 Montes Claros, Jornal do Norte, 02/09/1984, p. 03

93

À vista disso, o programa Cidades de Porte Médio apresenta, portanto, características

inerentes ao regime militar que o idealizou. Ele é em sua essência, apesar de apregoar o

contrário, autoritário e centralizador, e incentiva participação popular apenas “dentro de

determinados limites”. (FERREIRA, 2002, p. 148) Os próprios vereadores peemedebistas

percebem isso e se rebelam em diversos momentos, no sentido de buscar “dividir a

responsabilidade da administração de Montes Claros”, conforme exposto por José Paulo

Ferreira Gomes.68

Entretanto, apesar das reivindicações, tais práticas permanecem e inclusive se

intensificam, perpetuando-se pelo restante do mandato, e indo além do Programa Cidades de

Porte Médio, que se encerra juntamente com o regime militar, em 1985.

Desde 1985, com o advento da Nova República, deixou de existir um

discurso oficial de política urbana nacional. Propostas subsidiárias para tal

foram elaboradas antes e depois da instalação do novo governo. Algumas até

incluídas nos sucessivos planos nacionais desse período. Mas o fato é que

nenhuma delas foi assumida como norteadora da ação do Poder Executivo da

União sobre o espaço urbano. (...)

A gestão do CPM/Bird, a partir de 1985, quando se iniciou o governo da

Nova República, coube ao então criado Ministério de Habitação e

Desenvolvimento Urbano (MHU), que deu continuidade ao projeto, nos

moldes antes estabelecidos, até o seu encerramento em fins de 1986. Em

1987, a despeito da decisão de não dar continuidade ao CPM/Bird, o MHU

beneficiou, com um pequeno volume de recursos, 11 cidades

médias/aglomerações urbanas com obras de infra-estrutura e melhoria

institucional. Embora o Programa de Cidades de Porte Médio tenha sido

incluído no I PND da Nova República e no Programa de Ação

Governamental 1987/91,40 sob a forma de um projeto denominado.

Fortalecimento de Núcleos Urbanos Intermediários, que selecionou 50

núcleos a serem objeto de intervenção, nenhuma atuação sistemática foi

efetivada sobre as cidades de porte médio, no final dos anos 80 e nos anos

90. (Steinberger e Bruna, 2001, pp. 49 e 57)

Com o fim do programa Cidades de Porte Médio fica claro que a gestão peemedebista

mantém a essência das práticas que ao invés de reforçar as instâncias de representação

popular, sejam elas ligadas às demais esferas do poder publico, sejam ligadas às associações

coletivas não governamentais, desarticula-as, impossibilitando a intensificação do processo de

tomada de consciência e de disputa da hegemonia, o que paradoxalmente prejudica essa

mesma população beneficiada pelas ações públicas.

68 Montes Claros, Jornal do Norte, 21/09/1984, p.03

94

O modelo de participação implantado em Montes Claros “atende a lógica da exclusão,

o que acaba reforçando aspectos autoritários da administração publica” e demonstra “desprezo

pelas instâncias institucionais de participação popular (...) em detrimento do fortalecimento do

executivo”. (FERREIRA, 2002, p. 146) Dessa forma, o Programa Cidades de Porte Médio

atua de modo a desarticular o processo político iniciado no pleito de 1982, com a eleição de

diversos representantes das camadas populares.

A chamada participação popular, portanto, apresenta um duplo aspecto de

uma mesma face. A eleição de representantes para a Câmara Municipal,

saídos diretamente dos bairros da cidade, para, num segundo momento, a

completa dependência desses mesmos representantes, face ao aspecto

centralizador e autoritário imposto pelo Programa Cidades de Porte Médio e

as diretrizes estabelecidas pela administração pública de então. (FERREIRA,

2002, p. 145)

Tornou-se evidente que o Programa Cidades de Porte Médio, além de representar o

maior contingente de recursos que a administração municipal dispôs, representou também,

mesmo que inconscientemente, as diretrizes do modus operandi que foi implantado pela

gestão local.

Nesse caso, aspectos do regime militar se transpuseram para a gestão peemedebista

local e permaneceram mesmo após o estabelecimento da Nova República, em 1985. Inclusive,

a própria Nova República manteve em boa medida essas diretrizes. Obviamente, não se pode

deixar de reconhecer que houve efetivamente o estabelecimento de novas prioridades, porém,

isso aconteceu obedecendo à lógica de “legitimidade para a administração municipal através

de investimentos feitos em serviços de natureza social”. (FERREIRA, 2002, p. 134)

O entendimento de tais diretrizes será de fundamental importância para a compreensão

dos acontecimentos que se seguirão, em especial com relação aos resultados do pleito

seguinte, em 1988, objeto de discussão do próximo capítulo.

95

CAPÍTULO III

O FINAL DO MANDATO E AS ELEIÇÕES DE 1988 – POPULISMO, A

NOVA REPÚBLICA E O NOVO PMDB

O ano de 1985 marca o fim do regime civil-militar instaurado em 1964 e o retorno do

poder aos setores civis da política brasileira, mais precisamente com a ascensão do Partido do

Movimento Democrático à chefia do poder executivo nacional.

Ainda sob a vigência das eleições indiretas, que se mantiveram após a frustração da

emenda Dante de Oliveira69 que previa o pleito direto, o PMDB lança o mineiro Tancredo

Neves em aliança com a chamada Frente Liberal, dissidência pedessista que não concordou

com a definição da convenção do PDS em torno do deputado paulista Paulo Maluf como

candidato governista à presidência da República, apresentando o nome do maranhense José

Sarney, ex-presidente da ARENA e do PDS, para ser o companheiro de chapa. O pleito de

1985 ainda possui o ineditismo de ter sido a primeira disputa à presidência da República a

possuir uma campanha de rua mais ativa, desde a eclosão do golpe militar. (MENDONÇA,

2005)

Apesar de ter sido definido uma eleição indireta, Tancredo peregrinou boa parte do

Brasil, levando sua mensagem e ampliando o apoio popular à sua candidatura, construindo

uma ligação clara com a campanha de massa que fora as “Diretas Já!” no ano anterior.

(MENDONÇA, 2005) Essa ligação fora fundamental para garantir o apoio popular a um

futuro mandato presidencial, e em especial para apropriar-se do “legado oposicionista anti-

69 A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 05/1983, que propunha o reestabelecimento das eleições

diretas para a escolha do Presidente da Republica, ficou conhecida como Emenda Dante de Oliveira em

referência ao seu autor, o então deputado federal do PMDB pelo Estado do Mato Grosso, e teve grande

repercussão nacional devido a campanha popular que houve pela sua aprovação conhecida como “Diretas Já!”.

Para ser aprovada, e seguir para o Senado, a emenda necessitava do voto favorável de no mínimo dois terços da

Câmara dos Deputados (320) porém na votação que ocorreu em 25 de abril de 1984 somente 298 votaram “sim”,

outros 65 votaram “não” e 3 se abstiveram. Cabe ressaltar ainda que 112 deputados não compareceram a essa

votação. (DELGADO, 2006)

96

regime autoritário”, e fortalecê-lo como o líder político que realizou a transição, assumindo

assim o posto de chefe máximo do PMDB, que até então era ocupado por Ulisses Guimarães.

(MENDONÇA, 2005, p. 164)

A Aliança Democrática, modo como se designou a parceria entre o PMDB e a Frente

Liberal, vence as eleições realizadas pelo Colégio Eleitoral em 15 de janeiro de 1985, com a

ruidosa diferença de 300 votos, sendo 480 a favor de Tancredo, contra 180 dados ao candidato

do PDS, Paulo Maluf, além de 26 abstenções. (DELGADO, 2006) A ampla vantagem obtida

por Tancredo era uma demonstração cabal de que o regime militar tinha caducado e perdera o

amparo na sociedade e no Congresso Nacional. (DELGADO, 2006)

Contudo, se por um lado fica evidente que o PMDB se tornara a principal força

política do país, por outro também é óbvio que a chegada ao poder não seria possível sem a

clara aliança com setores profundamente ligados ao regime inaugurado em 1964. Essa

constatação advém da própria definição do ex-presidente arenista como companheiro de

chapa, e fica mais clara quando se observa que, da votação obtida no colégio eleitoral, 166

votos foram de deputados do PDS, fato que permite conjeturar que sem o apoio da Frente

Liberal, Tancredo não seria eleito. (DELGADO, 2006)

Essa aliança possuía também a sua forma mais concreta, que se expressava em

compromissos efetivos, e em muito pouco lembrava o tal “legado” que Tancredo assumiu.

Figuras exponenciais do regime militar, como Antônio Carlos Magalhães e Aureliano Chaves

(que além de vice-presidente de Figueiredo era um dos principais adversários do PMDB na

política mineira), foram designadas pelo presidente eleito para a composição do ministério da

Nova República. (DELGADO, 2006) Essa transição pactuada com membros do antigo regime

ficará mais clara a partir do falecimento de Tancredo Neves, antes mesmo de sua posse, e a

consequente chegada de José Sarney ao cargo de presidente da República.

Sarney, buscando o apoio político necessário a sua gestão, adere ao PMDB, fato que

influenciará sobremaneira nas práticas e no modo desse partido governar a nação e as demais

instâncias da federação. Acrescenta-se a isso que, com a transição do PMDB ao governismo,

o espaço político oposicionista se encontrará aberto a novas agremiações, em especial ao

Partido dos Trabalhadores, que levará essa disputa também ao campo das organizações da

sociedade civil.

97

Esse novo cenário produzirá seus reflexos em Montes Claros e suas consequências

serão sentidas no pleito de 1988, que renovará a representação local. Como já foi apresentado,

o mandato peemedebista iniciado em 1982 inverte as prioridades administrativas e engloba

amplas camadas populares no processo decisório do município.

De posse dos amplos recursos advindos do Programa Cidades de Porte Médio, a

administração realiza uma série de benfeitorias em regiões antes relegadas ao segundo plano

pelo poder público municipal. Além disso, a população é mobilizada a participar da gestão da

municipalidade, porém, dentro de certos limites determinados a priori. Dessa forma, as

instâncias institucionais de representatividade popular perdem espaço, devido aos

mecanismos de diálogo direto estabelecidos entre o poder executivo municipal e os

munícipes.

Entretanto, a partir de 1985, com o advento da Nova República, o Programa Cidades

de Porte Médio cessa suas atividades, com o seu encerramento oficial acontecendo mais

precisamente no ano seguinte, e Montes Claros perde esse aporte substancial de recursos.

(STEINBERGER e BRUNNA, 2001) Apesar disso, mesmo o seu fim, várias práticas que só

foram possíveis graças a esses recursos terão continuidade e serão aprofundadas no restante

da legislatura.

É também imperativo ressaltar que, apesar do término do Programa Cidades de Porte

Médio, há um fato novo, nesse processo, que é a ligação partidária da administração

municipal com os novos líderes da nação. O fato de o prefeito ser também do PMDB

possibilitará que permaneçam as boas relações, que a prefeitura já tinha com os gestores

palacianos em Brasília, e que os recursos federais continuem auxiliando a administração

municipal.

Da mesma forma, a nova conjuntura política, com mais liberdades inauguradas pelo

governo civil, possibilita o aparecimento e o fortalecimento de novas agremiações políticas

em Montes Claros, superando a relação antagônica que existia apenas entre PMDB e PDS.

Novas legendas, como o Partido dos Trabalhadores e o Partido Democrático Trabalhista, além

do Partido da Frente Liberal, que suplantará o PDS local, buscarão seus espaços nas esferas

governamentais e também nas não governamentais, o que inaugurará um novo momento dos

movimentos populares.

98

Mediante o exposto, o presente capítulo buscará compreender de que forma esse novo

cenário influenciou a gestão da municipalidade, especialmente na análise do modo de governo

do poder executivo, nos reflexos que esse novo PMDB nacional produzirá no diretório local,

na ação dos novos partidos junto aos movimentos populares e consequentemente na disputa

pela hegemonia, e ainda nos dedicaremos a entender e analisar o contexto em que as disputas

locais se deram e os seus resultados nas eleições municipais de 1988.

3.1 A Nova República e o novo PMDB – o Governo Sarney e o fim de uma “Frente”

O nascimento da Nova República com a vitória da Aliança Democrática no Colégio

Eleitoral, em 15 de janeiro de 1985, ainda suscita um intenso debate nos ciclos acadêmicos e

nos meios políticos. Contudo, apesar das várias controversas, há certo consenso de que esta

vitória está inserida num processo de transição pactuado com diversos elementos que davam

sustentação ao regime militar. A própria escolha de Tancredo, em detrimento do nome de

Ulisses Guimarães, atestava esse fato. (MENDONÇA, 2005)

Ulisses Guimarães era a representação maior de um PMDB combativo ao regime

militar. Dono de posições enérgicas e críticas contundentes ao governo dos generais, que

vigorava desde 1964, Ulisses, apesar de ser o principal líder peemedebista, não reunia

condições necessárias para a construção de uma ampla frente, que fosse capaz de vencer em

um Colégio Eleitoral com regras estabelecidas pelo governo de plantão. (MENDONÇA,

2005)

Diferentemente de Ulisses, Tancredo, por sua vez, era tido como um político

confiável, moderado e conciliador, condição sine qua non para uma composição com os

setores do PDS, que seria a única maneira de vencer no pleito do início de 1985.

(MENDONÇA, 2005) O PDS possuía, naquele momento, um total de 356 votos no Colégio

Eleitoral, contra 330 “de toda a oposição reunida”, o que tornava imprescindível uma cisão da

sigla governista. (MENDONÇA, 2005, p.166)

99

Tancredo se tornou um candidato confiável a esses setores do PDS, basicamente por

dois motivos concretos: primeiro, o seu reduzido engajamento na campanha das “Diretas Já!”,

que ocorreu porque ela já havia compreendido que a emenda Dante de Oliveira não seria

aprovada no Congresso Nacional. Sobre o tema, a seguinte declaração do então governador

mineiro é sintomática, “a campanha das Diretas é necessária, porém lírica”. (MENDONÇA,

2005, p. 181) Segundo, efetivamente, a candidatura de Tancredo Neves não se propunha

como efetivamente oposicionista. Pelo contrário, ele apregoava a necessidade de uma ampla

“conciliação nacional”, o que abarcaria teoricamente todos os setores da sociedade, incluindo-

se aí também os militares, fato que era recorrentemente trazido à tona pelo político mineiro,

conforme comprova o trecho abaixo:

Vamos, com a graça de Deus, presidir o momento histórico, e o faremos com

a cooperação e a participação de todas as forças políticas, econômicas e

sociais bem-intencionadas, sem quaisquer preocupações de represálias

quanto ao passado (Isto É n° 413, 21/11/84, “Proclamação da República”:18,

In: MENDONÇA, 2005, p.168 )

Essa posição de Tancredo, exposta em 1984, não era de modo algum novidade, pois o

projeto de constituição de uma força política de centro, que pudesse agrupar oposicionistas e

governistas, já havia sido posto em prática com a criação do Partido Popular (PP).

(DELGADO, 2006) Com a reforma partidária de 1979, que extinguiu o bipartidarismo,

Tancredo, então senador eleito pelo Movimento Democrático Brasileiro, não acompanha seus

correligionários na criação do PMDB e funda, juntamente com seu antigo adversário o ex-

governador mineiro Magalhães Pinto, o PP. (DELGADO, 2006)

O Partido Popular se propunha, já no início da década de 1980, ser a agremiação de

centro, que possibilitaria uma aliança entre setores ligados ao governo militar e moderados

oposicionistas que não se sentiam mais à vontade sob a liderança oposicionista do PMDB de

Ulisses Guimarães. (DELGADO, 2006) Tal empreendimento político não logrou êxito, pois o

regime militar impôs, em 1980, um novo pacote de regras que impossibilitavam as alianças e

coligações nas eleições gerais, que foram transferidas para o ano de 1982, com a implantação

do chamado “voto vinculado”, que obrigava o eleitor a votar nos candidatos do mesmo

partido, desde vereador municipal, governador até senador da República. (DELGADO, 2006)

100

Dessa forma, não houve alternativa a Tancredo, senão aprovar em convenção do seu

partido a incorporação ao PMDB, fato que não foi acompanhado pelas lideranças oriundas das

hostes arenistas, como, por exemplo, o seu antigo adversário Magalhães Pinto. (DELGADO,

2006) Conforme vimos, o seu projeto de “conciliação nacional” já vinha sendo gestado, fazia

alguns anos, antes de efetivamente ser posto em prática por Tancredo, que o fez nos moldes

propostos, haja vista que sem a aliança com setores insatisfeitos do regime, ele não teria sido

eleito.

Tancredo fora habilidoso em compreender o cenário propício à cisão que o PDS vivia

desde a convenção que escolheu Paulo Maluf como seu representante na disputa presidencial

de 1985. O pleito de 1985 teria, dentro das esferas palacianas, uma característica que o

diferenciava das demais disputas presidenciais, desde o advento do regime militar. Naquele

momento, não havia entre os generais uma candidatura sólida para disputar o processo no

Colégio Eleitoral. (MENDONÇA, 2005) Apesar de Mário Andreazza, eminente liderança

fardada desde 1964, ter pleiteado a indicação na convenção partidária do PDS, e ter contado

com o efetivo engajamento de Figueiredo, pairava sobre ele diversas suspeitas, inclusive do

ponto de vista ético, que impediu o maior engajamento da elite das Forças Armadas e dos

setores civis alinhados ao governo. (SKIDMORE, 1988)

Ainda assim, o apoio de Figueiredo impediu que outros membros do governo

disputassem a indicação. Dentre os aspirantes à condição de presidenciável se encontravam

inclusive lideranças civis do partido governista, como o senador pernambucano Marco

Maciel; o governador baiano, Antônio Carlos Magalhães; o ministro da Educação, Rubem

Ludwig, dentre outros. Apesar desses nomes não contar com o apoio de Figueiredo, seu

esforço individual não foi suficiente para alçar, à presidência, o deputado paulista Paulo

Maluf. (MENDONÇA, 2005)

Embora, Maluf fosse uma das principais lideranças do PDS e, consequentemente, da

antiga ARENA, ele não gozava de maior prestígio nos ciclos militares, tanto é que em 1978,

contrariando a opinião do então Presidente da República, general Ernesto Geisel, ele se lançou

candidato na convenção arenista para definição da candidatura ao governo do Estado de São

Paulo, vencendo o candidato oficial do regime, Laudo Natel, e sagrando-se governador

paulista. (MENDONÇA, 2005) Em decorrência, a antipatia a Maluf se estendeu a diversos

aliados do regime, além dos adversários oposicionistas.

101

Maluf provocava quase apoplexia na esquerda, em boa parte do centro e até

em alguns membros do PDS, que o viam como uma ameaça à democracia

emergente. O ex-governador da Bahia Antônio Carlos Magalhães, por

exemplo, declarou, em agosto de 1984, que Maluf era o homem mais odiado

do Brasil e que não podia andar um quarteirão sem arriscar sua vida.

(SKIDMORE, 1988, p.477).

A aversão a Maluf foi, portanto, o estopim que colocou em movimento aquela que

seria a principal cisão da base governista.

Em junho de 1984, lideranças pedessistas anti-Maluf propuseram à

Executiva Nacional do partido, presidido por José Sarney, outro líder anti-

malufista, a realização de uma consulta partidária em todos os estados para

apurar as preferências das bases pedessistas. Tratava-se de uma estratégia

para prejudicar o ex-governador de São Paulo, tendo em vista sua baixa

popularidade partidária no interior dos estados brasileiros. Entretanto, tal

medida não obteve sucesso, visto que Maluf possuía a maioria dos votos da

executiva do partido governista. O insucesso de tal manobra forçou José

Sarney a renunciar a seu cargo de presidente da Comissão Executiva

Nacional do PDS. Um mês depois, Aureliano Chaves retirou sua candidatura

e formou a dissidência no partido, conhecida como Frente Liberal.

(MENDONÇA, 2005, p. 167)

A vitória de Maluf sobre Andreazza fortaleceu ainda mais a dissidência, e finalizou o

processo de adesão da nova Frente à candidatura oposicionista, com a criação da Aliança

Democrática, através do manifesto “Compromisso com a Nação”, preparado pelas duas

legendas e publicado no jornal Folha de São Paulo, em 08 agosto de 1984. (MENDONÇA,

2005) O próprio manifesto era um documento que expunha muito o caráter conciliatório da

candidatura.

O país vive gravíssima crise na história republicana. A hora não admite

vacilações. Só a coesão nacional, em torno de valores comuns e

permanentes, pode garantir a soberania do país, assegurar a paz, permitir o

progresso econômico e promover a justiça social. Este pacto político

propugna a conciliação para a sociedade e o Estado, entre o povo e o

governo. Sem ressentimentos, com os olhos voltados para o futuro, propõe o

entendimento de todos os brasileiros.70

70 O manifesto publicado pela Aliança Democrática no Jornal Folha de São Paulo encontra-se publicado na

íntegra em Meneguello (1998)

102

Contudo, não se pode deixar de destacar que se existem diversos traços conciliatórios

na candidatura da Aliança Democrática, em especial, representados no seu candidato a vice-

presidente, José Sarney, há também aspectos oposicionistas e populares evidentes na chapa

liderada pelo PMDB. Apesar de a disputa ocorrer eminentemente no âmbito do Colégio

Eleitoral, entendia-se desde o primeiro momento que era fundamental se apropriar do capital

político que o PMDB acumulou nos seus longos anos de oposição ao regime militar, em

especial em 1984, com a massiva campanha das Diretas Já. (DELGADO, 2006)

Assim sendo, desde o início do processo da candidatura ao Colégio Eleitoral havia o

desafio de popularizá-la, o que, aliás, não ocorreu de imediato, principalmente pelo fato dela

nascer da frustração da derrota da emenda que restabelecia as eleições diretas para a

Presidência da República. (SOARES, 1993)

A candidatura de Tancredo era relacionada, em um primeiro momento, “do ponto de

vista do público mais amplo” com a “derrota do movimento popular pelas Diretas Já” foi,

portanto, “condenada a carregar o fardo que lhe impôs a imagem pública do mal menor”.

(SOARES, 1993, p.154) A consequência direta dessa perspectiva do “mal menor” foi a

“assimilação popular lenta e pouco entusiástica”. (SOARES, 1993, p.154)

Dessa forma, construiu-se a estratégia de se realizar uma campanha popular nos

moldes das diretas, o que somente seria possível se fosse amparada em um discurso

oposicionista antirregime e de denúncia ao autoritário processo de eleição indireta no Colégio

Eleitoral. (SOARES, 1993) Tal crítica se apresentava no próprio nome que a aliança deu à

transição: Nova República. Essa ampla campanha popular teria dois objetivos claros. O

primeiro foi pressionar os parlamentares a apoiar a candidatura da aliança. Já, o segundo foi

garantir o devido apoio popular ao possível futuro governo de Tancredo e José Sarney.

(MENDONÇA, 2005)

As referências às diretas eram constantes nos comícios que a Aliança realizou em

várias partes do país. Como exemplo, pode-se citar a presença do locutor Osmar Santos, como

mestre de cerimônias, e da cantora Fafá de Belém, entoando o Hino Nacional, ambos eram

considerados ícones populares que se engajaram na Campanha das Diretas. (MENDONÇA,

2005) Outro fator que auxiliou no caráter popular da campanha “de rua” da Aliança, foi o

engajamento efetivo das tendências mais à esquerda do PMDB.

103

Como já demonstrado no primeiro capítulo deste trabalho, com a intensificação da

repressão pelo regime militar no início da década de 1970, e a consequente desarticulação dos

movimentos de resistência armada, facções clandestinas se inserem no MDB, de modo a

continuar atuando politicamente na resistência ao regime. (CARONE, 1984) Essas facções

ainda continuavam, em grande medida, na ilegalidade, e consequentemente ainda atuavam na

principal legenda oposicionista, o PMDB. Partidos como o PCdoB e o PCB, além do MR8,

estavam atuando efetivamente no PMDB. (CARONE, 1984)

Esses grupos participaram efetivamente da campanha da Aliança, buscando dar uma

tonalidade vermelha ao discurso moderado de Tancredo. (DELGADO, 2006) Prova disso é

que em todos os principais comícios da Aliança era possível encontrar diversas bandeiras

vermelhas do PCdoB e do PCB. (MENDONÇA, 2005)

Portanto, a partir desses fatos torna-se claro que, apesar do forte traço moderado da

candidatura da Aliança, havia, sim, elementos que a pressionavam a posições mais efetivas de

enfrentamento ao status quo. (MENDONÇA, 2005) Essa candidatura possuía traços

contraditórios, pois se de um lado a conciliação com elementos do regime foi condição sine

qua non para vitória no Colégio Eleitoral, de outro, ela também representou todo um anseio

popular em torno da perspectiva da mudança.

É esse caráter contraditório que faz com essa transição seja até hoje motivo de intensa

polêmica no âmbito das discussões acadêmicas. Autores como Mainwaring e Sallun Jr.

apregoam que a profundidade da aliança, com a Frente Liberal, e com vários dos líderes civis

do regime militar, retirou o caráter oposicionista da candidatura de Tancredo. Mainwaring,

analisando a preponderância da conciliação como principal característica da Aliança, afirma

que

Embora a eleição de Tancredo tenha marcado o fim do regime militar, a

oposição conseguiu essa vitória apenas com o apoio de grande segmento de

defectores do regime que formou a Frente Liberal. O estilo e conteúdo do

novo governo, pelo menos no início, reconheciam claramente o caráter

negociado da transição (MAINWARING, 1988, p.309).

Já Sallun Jr vai além e declara que

“No interior de uma coalizão política tão ampla como a Aliança

Democrática, a candidatura Tancredo Neves deixara de ser oposicionista;

tornara-se ‘mudancista’ e, sem confronto com o regime militar, apontava

104

para uma Nova República, liberal e democrática” (SALLUM JR., 1996,

p.107)

Rumando em outra direção, outros autores, como Mendonça e Delgado, defendem

posturas mais equilibradas, que apresentam as dicotomias e contradições da candidatura de

Tancredo, sem, porém, deixar de pontuar que ainda havia fortes traços oposicionistas nos

discursos e, principalmente, no amparo popular que legitimava a candidatura da Aliança

Democrática.

Regressando aos fatos, após a vitória no Colégio Eleitoral, em janeiro de 1985,

Tancredo adoece, o que o impede de tomar posse, e José Sarney se torna o primeiro

presidente civil desde 1964. A partir da posse de Sarney, os fortes traços oposicionistas que

marcaram a candidatura da aliança vão se esvaindo, o que alterará em grande medida o

PMDB.

Quando ocorreu a vitória no Colégio Eleitoral em janeiro de 1985, a Frente Liberal

ainda não tinha se institucionalizado como partido político. Ela era apenas um grupo de

dissidentes do PDS, que inclusive ainda estava majoritariamente filiado à agremiação do

governo. (DELGADO, 2006) Para que Sarney pudesse se candidatar, teve que se filiar ao

PMDB, inclusive, esse, foi um dos critérios para sua escolha pela Frente Liberal, pois a

legislação, vigente à época, proibia que uma pessoa eleita em uma legislatura por um partido

saísse candidata, nessa mesma legislatura, por outro partido, o que era uma forma de o regime

militar dificultar defecções. Essa condição deveria ser atendida, já que Sarney havia sido

eleito senador em 1978, pela antiga legenda de sustentação ao governo militar, a ARENA.

(MENDONÇA, 2005)

Entretanto, quando a Frente Liberal recebeu o registro oficial como partido político,

Sarney já estava na presidência e não se filiou à nova agremiação, principalmente pelo fato de

ser o PMDB o “principal instrumento político e fiador” da Nova República. (BRESSER

PEREIRA, 1993, p. 58) A ascensão e permanência de José Sarney no cargo de Presidente da

República, pelo PMDB, produziram como resultado a eminência de uma nova elite política,

nesse partido, fato que irá provocar diversas mudanças nas práticas e no modo como essa

agremiação irá atuar a partir de então. Esse fato é publicamente reconhecido por lideranças

105

oriundas do antigo MDB, como, por exemplo, o então senador Fernando Henrique Cardoso e

o economista Bresser Pereira.

Cardoso afirmou em entrevista que, principalmente a partir de 1986, portanto, ainda na

primeira metade do governo, “quem mandava era a ala moderada do Exército com a ala

liberal do antigo regime (..) e um grupo de amigos do presidente”. (NOBLAT, 1990, p. 48) Já

Bresser Pereira foi além e, ainda antes da morte de Tancredo, em artigo publicado no jornal

Folha de São Paulo, afirmou que caso o impedimento do presidente eleito fosse definitivo,

José Sarney teria duas alternativas: a primeira, seria se manter no governo durante todo o

período para qual foi eleito, como vice. Já, a segunda, seria a “redução de seu mandato para

dois anos e a convocação de eleições diretas em novembro de 1986, juntamente com a

convocação da Assembleia Constituinte”.

Bresser Pereira, nesse mesmo artigo, já afirmava que a “primeira alternativa é a

menos possível”, e que se ela fosse adotada traria “conseqüências desastrosas”, e ainda

ameaçava que se esse fosse o caminho “o PMDB, seja por exigência de suas bases populares,

seja por necessidade eleitoral, não terá condições de dar apoio ao governo”. 71. (BRESSER

PEREIRA, 1993, p.66)

Como demonstração inconteste de que o PMDB mudava muito mais que José Sarney,

durante o primeiro mandato da Nova República, aponta-se o irônico fato de que o próprio

Bresser Pereira, que havia demandado que Sarney somente governasse até 1986, sob pena de

perder o apoio de seu partido, torna-se ministro da Fazenda em 1987, portanto, já no período

considerado, por seu artigo de 1985, de ilegítimo.

Dessa forma, considera-se válida a conclusão de Mainwaring, Meneguello e Power

(2000), de que “o resultado da transição de 1985 dificilmente poderia ser mais favorável à

direita”, pois esta se apodera do principal instrumento de contestação ao regime anterior. (p.

29) Esse novo contexto nacional, com a Aliança Democrática e o posterior governo Sarney,

permitiu que “um expressivo contingente de lideranças políticas egressas do regime militar”

tivesse efetivamente uma “alternativa segura para descolar-se da (...) herança pedessista e

reposicionar sua imagem política diante de um novo contexto” e ainda de “assegurar espaços

importantes no governo central”. (CORBELLINI, 2005, p. 150)

71 Artigo originalmente publicado no jornal Folha de São Paulo em 09 de abril de 1985, publicado na integra in

“A Nova Republica: 1985-1990. São Paulo, edições CEP, 1993.”

106

Essa situação, que propiciou que esse expressivo contingente egresso do antigo regime

pudesse se inserir ao PMDB, teve sua expressão máxima nas eleições gerais de 1986, e

transformou o partido na maior agremiação partidária da história institucional brasileira, com

a eleição de 52,9% da Câmara dos Deputados, 77% das cadeiras em disputas no Senado da

República e a impressionante eleição de 22 dos 23 governadores estaduais, sendo que o único

Estado que não elegeu um peemedebista foi Sergipe, que elegeu o candidato do PFL, que

também dava sustentação ao governo de José Sarney. (CORBELLINI, 2005)

Dentre esses novos eleitos pelo PMDB se encontravam uma série de lideranças

oriundas do PDS, como, por exemplo, Wellington Moreira Franco, no Rio de Janeiro, que

venceu o vice-governador de Brizola, Darcy Ribeiro, e Fernando Collor de Mello, vitorioso

no Estado de Alagoas. (DELGADO, 2006)

O expressivo resultado eleitoral obtido pelo PMDB, nas eleições de 1986, deve-se

principalmente ao significativo apoio popular que o governo de Sarney teve, naquela ocasião,

devido aos resultados advindos do plano de estabilização da economia, que havia sido

implantado no início de 1986, denominado de Plano Cruzado. (DELGADO, 2006) Após as

eleições, com o fracasso do plano, fato constatado, e as discussões da Assembleia

Constituinte, as contradições internas no PMDB, entre os peemedebistas chamados

“históricos” e os novos, ficaram mais evidentes, o que criaria um novo cenário no espectro

partidário nacional, com a possibilidade de fortalecimento das siglas que já atuavam e a

criação de novas agremiações partidárias. (CORBELLINI, 2005)

A atuação do PMDB nos movimentos sociais e populares será diminuída e integrada

principalmente ao Partido dos Trabalhadores (PT), fundado pelo movimento sindical do ABC

paulista e liderado por Luiz Inácio Lula da Silva, deputado federal constituinte eleito em

1986, e aos partidos comunistas (PCB e PCdoB) que serão legalizados na Nova República.

(DELGADO, 2006)

Retrocedendo, a partir da segunda metade da década de 1980, já ficava claro o

protagonismo que o Partido dos Trabalhadores iria ter na direção dos movimentos populares

brasileiros. Tal protagonismo ocorreu em relação diretamente proporcional com a perda de

prestígio do PMDB, em um ambiente em que se deu a decadência do governo de José Sarney.

Na própria gênese dessa agremiação, em 1980, já havia esse propósito, pois diferentemente

das lideranças dos partidos comunistas, em especial do PCB e do PCdoB, que acreditavam na

107

necessidade de continuarem atuando em uma frente oposicionista contra o PMDB, até o final

da ditadura, os petistas já entendiam, amparados em uma ideologia de um socialismo pouco

claro teoricamente, a necessidade de criação de um partido que fosse capitaneado

exclusivamente por trabalhadores. (AARÃO REIS, 2007)

Nesse ínterim, as lideranças comunistas acreditavam que o fim do bipartidarismo, no

final da década de 1970, fora um casuísmo criado pelo regime militar de forma a conter o

avanço do MDB, e, portanto, romper a principal frente política de oposição era “fazer o jogo

da ditadura”. (AARÃO REIS, 2007, p. 03)

Os velhos Partidos Comunistas – o Brasileiro e o do Brasil –, do alto de sua

experiência, reforçavam os argumentos neste sentido: seria uma

inconsequência, no momento delicado da última fase da transição

democrática, alquebrar o MDB, o principal instrumento que, mal ou bem,

fora construído pela sociedade brasileira em suas lutas contra a ditadura.

(AARÂO REIS, 2007, p. 04)

Essa decisão da esquerda comunista abriu um espaço político que o Partido dos

Trabalhadores soube aproveitar muito bem. Os resultados dessa decisão já repercutiram nas

eleições gerais de 1982, quando o PT, cumprindo obrigações da legislação eleitoral e também

atendendo a seus propósitos, obteve uma expressiva votação, elegendo em seu primeiro pleito

8 deputados federais, 12 deputados estaduais, e 117 vereadores. (AARÃO REIS, 2007)

No biênio seguinte, outros dois fatos colaboraram para a ampliação da influência

petista: a criação da Central Única dos Trabalhadores (CUT), em 1983, e a campanha das

“Diretas Já”, em 1984. (AARÃO REIS, 2007) Esses dois eventos intensificaram o processo

que tornaria o PT, o principal partido dos movimentos populares, o que aumentou o seu

capital eleitoral. Mais à frente, nas eleições de 1986, que elegeria os parlamentares

constituintes, o PT dobrou a sua reduzida bancada na Câmara, elegendo 16 deputados

federais, e outros 40 deputados estaduais. (AARÃO REIS, 2007) Nas eleições seguintes, em

1988, o Partido dos Trabalhadores elegeu prefeitos em mais de 30 cidades brasileiras, dentre

elas, na maior do país, São Paulo, pela primeira vez uma mulher, Luiza Erundina, assumia a

chefia do poder executivo local. (AARÃO REIS, 2007)

Já a maioria das lideranças ligadas à oposição institucional ao regime militar, de viés

democrata e liberal, se uniria para fundar o Partido Social Democrata Brasileiro (PSDB) em

1988. (DELGADO, 2006) A diferença, contudo, em relação ao pano de fundo desta criação,

108

de acordo com autores como Coelho (2001) e Roma (2002), é que o PSDB nasce oriundo do

pragmatismo das disputas políticas, iniciadas especialmente a partir da disputa pelo Governo

do Estado de São Paulo, em que os novos peemedebistas ligados ao governo federal

conseguiram emplacar o nome de Orestes Quércia, contra a vontade daqueles que se

intitulavam históricos. (COELHO, 2001)

Dessa forma, o debate ideológico fora colocado em segundo plano, como inclusive

fora admitido por Fernando Henrique Cardoso, que se tornaria a principal liderança do PSDB,

ao afirmar que “bobo é quem quiser ser social democrata”, devido ao fato de no Brasil,

segundo ele, não haver espaço para o modelo clássico europeu. (COELHO, 2001, p. 129)

Coelho (2001) embasa essa afirmação, amparado em artigo produzido pelo próprio Cardoso,

comparando o contexto brasileiro com o espanhol pós-regime franquista.

O que ocorreu na Espanha foi algo que tem a ver com o Brasil; primeiro, que

o regime franquista também se esgotou; houve um cansaço no regime

franquista. Mas em relação à Espanha há duas diferenças, pelo menos. Uma,

que a Espanha está na Europa, integrada no Mercado Comum. [...]. E a outra

diferença, mais importante talvez, é que na Espanha o movimento atual de

redemocratização foi precedido por um intenso movimento das lutas sociais.

Um movimento de trabalhadores nas fábricas, comissões operárias. Temos

que dizer as coisas como elas são: não há movimento social no Brasil neste

momento, comparável ao da Espanha. (Apud COELHO, p. 129)

Dessa forma, a autora conclui que embora houvesse “referências à democracia, justiça

social, participação, cidadania e outras generalidades” fica claro que estas estão sempre

“acompanhadas por argumentos, demonstrando que no Brasil não seria possível, adequado ou

desejável um projeto (...) baseado no modelo social democrata”. (COELHO, 2001, p. 134)

O rompimento que gerou o PSDB ocorreu como uma decisão de lideranças,

especialmente parlamentares, sem maior amparo por “um intenso movimento de lutas

sociais”, e num momento de desgaste do governo de José Sarney, fato inclusive apontado por

Quércia, como um dos motivos das disputas, no momento do ápice da crise do PMDB que

levou à criação da nova legenda. A esse respeito, ele indaga “por que essas pessoas não

falaram em rompimento quando o presidente Sarney estabeleceu o Plano Cruzado (...) (e)

estava muito bem perante a opinião pública?” 72

72 Brasília, Jornal de Brasília, 10/01/1988, p. 03

109

Logo, a partir do exposto, demonstrava-se que aquele PMDB que era fruto de uma

ampla frente de opositores ao regime militar, que congregava desde comunistas até lideranças

empresariais de claro viés liberal, deixava de existir e o seu capital político seria fragmentado

e dividido por diversas agremiações políticas.

3.2 O conceito de “populismo” e sua utilização para a análise de Montes Claros na

década de 1980

O fim do regime militar e a ascensão do PMDB, como o maior partido do país,

provocaram significativas alterações no contexto partidário brasileiro, e elas tiveram seus

reflexos também em Montes Claros. Ainda assim, houve também continuidades que são

fundamentais para a compreensão daquele momento e suas consequências.

Como já exposto, o governo municipal de Montes Claros, eleito em 1982, procurou ter

bom entrosamento com o governo federal desde o seu início, quando estava sob a gestão

pedessista, e como resultado obteve a liberação de significativos recursos, especialmente

através do Programa Cidades de Porte Médio. Com esses recursos em mãos, a administração

introduziu novos mecanismos de gestão, com ênfase no diálogo direto com a população,

especialmente em bairros periféricos. Programas como o “Converse com o Prefeito” e o

“Projeto Mutirão” são exemplares, nesse sentido.

Esse modus operandi permaneceu na atuação da administração municipal até o

restante do mandato, durante a segunda metade da década de 1980, o que leva a um debate

acerca da conceituação dessa prática. Em decorrência, um conceito que vem mente quando se

depara com práticas como as já vistas em relação aos recursos do Programa Cidades de Porte

Médio é o de “populismo”, inclusive autores como Evelina Oliveira (2000) e Marcelo Ferreira

(2002) entendem que certas atitudes do prefeito pemedebista se enquadram no contexto de

lideranças populistas. Este, porém, é um conceito amplo e controverso, que suscitou intensas

polêmicas nos meios acadêmicos, o que torna imperativo uma revisão, de modo a definir se o

caso montesclarense se enquadra nessa categoria.

Primeiramente, é importante destacar que, apesar de esse conceito ser muito citado

para identificar políticos e práticas latino-americanas, outros autores de outros continentes

110

também o usaram dentro de sua visão política. Lênin, por exemplo, utilizava esse termo para

designar uma corrente pequeno-burguesa do movimento popular russo, nas décadas de 1860 e

1870, que, apesar de autoproclamada como socialista, não via o proletariado como a principal

força revolucionária e também não acreditava nas massas populares como construtoras da

história. Tal corrente no fim se desvincula do movimento e se concilia ao czarismo russo.

(LENIN,1979) Ainda sobre esta questão, outro europeu que discutiu o assunto foi o italiano

Norberto Bobbio, que concluiu ser este um conceito impreciso, ambíguo, confuso e

contraditório. (BOBBIO, et al. 1986)

No entanto, apesar de este termo ter sido utilizado em outras realidades, é na América

Latina que ele irá se desenvolver se tornando objeto de reflexão, mais precisamente no debate

teórico feito no Brasil, que muito contribuiu para o seu desenvolvimento.

Atualmente, o populismo como conceito é amplamente utilizado pelas Ciências

Sociais, apesar de haver críticas que o denominam de “consolidado por uma certa sociologia

paulista”, mesmo reconhecendo que ele é de “grande impacto nas Ciências Humanas e na

política brasileira”. (AARÃO REIS, 2007) Essa referência ao Estado de São Paulo é

fundamental para se entender o desenvolvimento desse conceito, que de fato começa a ser

objeto de investigação, a partir de São Paulo e da sua política regional. (GOMES, 2001)

E é em território paulista que, em 1953, um grupo de estudiosos cria o Instituto

Brasileiro de Economia, Sociologia e Política (IBESP). E já no seu primeiro ano começa a

publicar o periódico “Cadernos do Nosso Tempo”, se debruçando sobre o surgimento do

populismo na política brasileira, desde o primeiro momento. O artigo “Que é o

Ademarismo?”, de autor não identificado, publicado por essa revista, é considerado pioneiro

na discussão conceitual brasileira. (GOMES, 2001, p.33) Nele se estabelece as bases que

nortearão o debate conceitual do populismo, ao alinhar o político paulista Adhemar de Barros

às práticas clientelistas e personalistas, porém, sem maior esforço de teorização e

classificação acerca dessas características. (GOMES, 2001)

Entretanto, esse texto refere-se aos três elementos constitutivos do populismo, e estes

permaneceram utilizados por boa parte daqueles que empreenderam o esforço de aprofundar e

buscar teorizar o conceito. (GOMES, 2001) Assim, o primeiro elemento é que o populismo é,

antes de mais nada, um fenômeno de massas “vinculado à proletarização dos trabalhadores na

sociedade complexa moderna” e de tal forma era “indicativo de que tais trabalhadores não

111

adquiriram consciência e sentimento de classe: não estão organizados e participando da

política como classe”. (GOMES, 2001, p.34) O segundo diz respeito à classe dirigente que

perde, nos momentos de expansão do populismo, de certa maneira, a sua representatividade e

poder. (GOMES, 2001) E, por fim, o terceiro elemento preconiza que a junção dos dois

primeiros cria as condições que permitem o surgimento de um líder carismático que mobiliza

essas massas sem consciência de classe, e exerce o poder perdido pelos dirigentes anteriores.

(GOMES, 2001)

Embora não fosse a pretensão do autor, a identificação desses três elementos dialoga

com o conceito de Gramsci, de crise de representação da classe dirigente, já apresentado

anteriormente. Inclusive o próprio Gramsci o analisa sob o viés de uma liderança personalista,

e demonstra também que esse exercício já havia sido feito por Nicolau Maquiavel, cinco

séculos antes. A principal diferença é que, para os dois autores italianos, o “príncipe” poderia

ser de fato um homem que ascende por sua política personalista, mas também poderia ser um

partido político. (GRAMSCI, 1976). O fragmento abaixo reafirma esse ponto de vista.

Para se traduzir em linguagem política moderna a noção de “príncipe”, da

forma como ela se apresenta no livro de Maquiavel, seria necessário fazer

uma série de distinções: “Príncipe” poderia ser um chefe de Estado, um

chefe de governo, mas também um líder político que pretende conquistar um

Estado ou fundar um novo tipo de Estado; nesse sentido, em linguagem

moderna, a tradução de “Príncipe” poderia ser “partido político”. (Gramsci,

1976, p.102).

Portanto, se fossem analisados apenas esses três elementos ficaria claro o

enquadramento da situação de Montes Claros nessa categoria analítica, visão inclusive

defendida por autores (não apenas por esses três elementos) como Oliveira (2000) e Ferreira

(2002). Contudo, da forma como exposto, fica claro que, nesse momento, há pouca inovação

conceitual, pelo contrário, há uma apropriação com a recontextualização do cenário paulista

do século XX. Todavia, tal referência não fica, e nem ficará explícita, apesar do

reconhecimento de certa inspiração marxista. (GOMES, 2001)

Talvez a principal novidade fosse exatamente uma das principais controvérsias que se

encontram nesse conceito, que é a questão valorativa, que estará bastante presente,

especialmente nos embates políticos em que, muitas vezes, se inserem uma forte carga

pejorativa. (GOMES, 2001)

112

Pelo exposto, depois do desenvolvimento teórico do termo, a partir de São Paulo, o

populismo foi estabelecido especialmente nos debates políticos que ocorreram no interior da

sociedade, permitindo com que o termo passasse a ser utilizado para designar um político

enganador, pois “são populistas os políticos que enganam o povo com promessas nunca

cumpridas”, ou que utilizam a “retórica fácil com a falta de caráter em nome de interesses

pessoais”. (GOMES, 2001, p. 31)

Essa valoração atendia a um interesse concreto da elite paulista, que via em Getúlio

Vargas o arquétipo do populista, e do seu governo, principalmente a partir de 1950, como

exemplar de “democracia populista”. Dessa forma, as categorias utilizadas para analisar o

ademarismo foram atualizadas e transportadas para o getulismo, e a conclusão era de que a

ascensão do líder populista era, portanto, a prova definitiva de que o “o povo não sabe votar,

ou, em versão mais otimista, ainda não aprendeu a votar”. (GOMES, 2001, p.32)

Com efeito, o resultado concreto da propagação dessa ideia no interior da sociedade

foi o crescimento gradual de perspectivas que apregoavam ser razoável suprimir o voto, pela

justificativa de que o povo não sabe votar. Esse crescimento possibilitou, inclusive, a

derrubada do regime democrático em 1964, em nome da “boa política”. (GOMES, 2001, p.

32)

A análise do populismo, nesse momento, estava inserida em um processo nacional

mais amplo, que se convencionou determinar de nacional desenvolvimentismo, em que o

Brasil realizava a transição de uma economia de base agrário-exportadora para uma de base

urbano-industrial, fazendo com que o populismo fosse um epifenômeno deste processo.

(FERREIRA, 2001) É a partir desse ponto que novos autores, que se agrupam em torno

desse tema, naquela que ficou conhecida como a primeira geração, dentre eles, o professor da

Universidade de São Paulo, Otávio Ianni afirma que

por um lado há o surgimento de populações recém-chegadas do mundo rural

que não dispõem de condições psicossociais ou horizonte cultural para um

adequado comportamento urbano e democrático, por outro, a sociedade

carece de instituições políticas sólidas, a exemplo de um sistema partidário.

(IANNI, 1989, p. 56)

Ianni, com esse entendimento, transforma o conceito em algo quase universal, como

uma categoria não apenas brasileira ou latino-americana, mas como um aspecto inerente a

113

uma fase intermediária de transformação capitalista. (IANNI, 1989) Fase intermediária esta

que, no caso brasileiro, se inicia em 1945, com o fim do Estado Novo, e termina, segundo

Ianni (1989), com a eclosão do golpe de 1964, que é inclusive o resultado do esgotamento

desse modelo. A respeito dessa questão, Jorge Ferreira (2001) resume a forma como a

primeira geração conceituou o populismo:

o populismo ocorreu, sobretudo, a partir de 1945, pois com o fim do Estado

Novo o país conheceu, no plano político, um mínimo de probidade nas

eleições e, no plano econômico, uma industrialização mais consistente.

Assim, o populismo, como uma ideologia pequeno-burguesa, procurou

mobilizar politicamente “as massas” nos períodos iniciais da

industrialização. Além disso, os assalariados não apresentavam a

“consciência de classe” que caracterizava os trabalhadores providos de

longas tradições de lutas, uma vez que as classes sociais ainda não tinham se

configurado. Resumindo, a classe trabalhadora apresentava-se como “povo

em estado embrionário”. São trabalhadores com escasso “treino partidário” e

“tímida consciência de direitos”, o que os tornava “incapazes” de exercer

influência sobre os políticos populistas. (FERREIRA, 2001, p. 69)

Essa análise pode também ser transposta ao caso de Montes Claros, na década de

1980. Embora tenha sido em outro momento, a cidade teve essa transição intensificada nas

décadas de 1960 e 1970, devido ao advento da Sudene, como já demonstrado anteriormente.

E esse entendimento também se manteve na denominada segunda geração de autores

que se debruçaram sobre o tema populismo, avançando sobre alguns pontos críticos, como

caráter universal, mas mantendo certas premissas. O principal expoente dessa nova geração é

Francisco Weffort, e sua principal obra é “O populismo na política brasileira”, que foi escrita

para compor a revista Les temps modernes, à época dirigida pelo filósofo francês Jean Paul

Sartre. (GOMES, 2001) O primeiro questionamento levantado por essa geração foi no sentido

de se afirmar que essa nova classe operária urbana poderia sim ser agente da história, indo

contra a perspectiva de Ianni, porém, entendendo que ela possuía apenas certo grau de

independência política.(WEFFORT, 1989)

Dessa forma, era necessário um “Estado de Compromisso” entre a liderança populista

e as massas, sendo, portanto, um estilo de governo e uma política de massas. (WEFFORT,

1989) Assim, fica evidente, mais uma vez, a inspiração gramsciana nesse conceito de

“Estado de Compromisso”, conforme demonstra Gomes (2001):

114

Numa perspectiva teórica de sabor gramsciano, o autor proporá o conceito,

que terá largo trânsito, de Estado de compromisso, que é também um Estado

de massas. Ou seja, a idéia do compromisso remeteria a duas frentes que

estabeleceriam, ao mesmo tempo, seus limites e potencialidades. Um

compromisso junto aos grupos dominantes, consagrando um equilíbrio

instável e abrindo espaço para a emergência do poder pessoal do líder que

passa a se confundir com o Estado como instituição; e um compromisso

entre o Estado/Príncipe e as classes populares, que passam a integrar, de

forma subordinada, o cenário político nacional. Estilo de governo e política

de massas integrando o núcleo do que seria o populismo da política

brasileira. (GOMES, 2001, p. 38)

É sob esse cenário que se apresenta a tríade que constituirá na ideia central de Weffort,

de que o sucesso do populismo se deve à repressão estatal, manipulação política e satisfação

de algumas demandas da classe trabalhadora, reforçando a ideia do compromisso e instituindo

o estabelecimento do chamado pacto populista, que era a visão de que os trabalhadores,

devido a tal satisfação, aceitariam a submissão política ao líder. (WEFFORT, 1989) Essa

visão continha uma crítica clara não só aos líderes populistas, mas também à incapacidade da

classe trabalhadora de desenvolver sua consciência de classe, devido ao atendimento de

algumas demandas secundárias. (WEFFORT, 1989)

De tal modo, há um retorno à visão da antiga geração que retira da classe operária a

capacidade de criar a história, pois, de acordo com essa visão, “os setores populares não são

concebidos como atores/sujeitos (...) mas sim como destinatários/objetos”, portanto, as

massas estariam sendo efetivamente “enganadas ou ao menos desviadas de uma opção

consciente”. (GOMES, 2001, p.39) Essa crítica à classe trabalhadora é implicitamente

voltada àqueles que deveriam dirigi-la, ou seja, ao movimento sindical.

A partir dessa premissa desenvolveu-se a chamada teoria do cupulismo, que explicaria

o porquê da passividade da classe trabalhadora frente à liderança populista. A teoria cupulista

afirma que os trabalhadores teriam sido “reféns das políticas ditadas pelas suas lideranças”

que ou eram pelegas, isto é, ligadas ao regime varguista e ao PTB, ou eram dos partidos

comunistas que cometiam o erro de se aliar aos sindicatos petebistas. (COSTA, 1999, p. 90)

Essa teoria cupulista explicaria também a incapacidade do movimento sindical em resistir ao

golpe militar de 1964. (FERREIRA, 2001)

Outra ideia que também será esposada por vários autores que defendem o ideário

clássico do populismo, isto é, são norteados pelas teorias dos autores da primeira e segunda

geração, será a do caráter messiânico do líder populista.

115

A filósofa Marilena Chauí (1994), também oriunda da Universidade de São Paulo,

analisa que o populismo possui suas origens em raízes “teológico-políticas”, em que “há uma

relação de feedback entre mitologia e sociedade, sociedade e mitologia”. (CHAUÍ, 1994, p.

27) Em relação a isso, pode-se depreender que no populismo há necessariamente uma relação

em que existe um ser superior (o líder populista) e um inferior (o povo), o que cria uma

relação de eminente “obediência” entre eles, tal qual na perspectiva teológica. (CHAUÍ, 1994,

p. 27) A autora prossegue esclarecendo, portanto, que o populismo teria seis características

fundamentais; 1) trata-se de um poder sem mediações políticas; 2) existe uma relação de

tutela; 3) caracteriza-se por um poder transcendental; 4) ocorre a dominação carismática nos

moldes tipológicos weberianos; 5) exerce-se esse poder de modo autocrático; e 6) “sendo

despótico, teológico e autocrático, o poder populista é uma forma de autoritarismo”. (CHAUÍ,

1994, p. 20)

A clássica teoria do populismo brasileiro, em suas duas gerações e em vários de seus

adeptos, preconiza, em maior ou menor medida, que este só foi possível devido à existência

de uma classe operária passiva, em um determinado período histórico, ou seja, entre 1945 e

1964, por se encontrar desarticulada e tutelada pelo Estado, devido à satisfação de algumas

demandas pontuais. Essa ideia não só encontrará inúmeros seguidores no universo acadêmico,

conforme já expusemos, mas também será duramente criticada nesse mesmo ambiente.

(GOMES 2001)

Como exemplo, uma das primeiras críticas que atingiu a credibilidade desse conceito

foi a falta de precisão, pois a partir de tais premissas essa categoria abrangeu lideranças das

mais variadas matrizes ideológicas, já que políticos tão diferentes entre si como Getúlio

Vargas e Jânio Quadros foram definidos como populistas. (GOMES, 2001)

Além disso, a flexibilidade do termo possibilitou o seu transporte a outros períodos

históricos, como já visto. Por exemplo, Evelina Oliveira (2000) e Marcelo Ferreira (2002) o

fizeram no caso montesclarense da década de 1980, para tanto, recorreram às demais

premissas de Ianni e Weffort, e também à obra de Saes (1994) que preconiza a “reemergência

do populismo” no Brasil durante a década de 1990. (GOMES, 2001, p. 46)

Entretanto, este não seria o principal problema em relação a esse conceito, pois

transportar um conceito a outros momentos históricos é um exercício de reavivá-lo, de

116

oxigená-lo. O presente trabalho, inclusive, já fez isso com o conceito de coronelismo, como

pode ser observado no primeiro capítulo.

O principal problema do conceito populismo é a condição sine qua non da existência

de um povo apático, passivo e manipulado, que não possui papel ativo no desenvolvimento da

história. Essa crítica, sim, possui maior consistência, e se intensifica a partir das discussões

acadêmicas na década de 1980, envoltas em uma nova inspiração marxista, encontrada

principalmente na obra do autor inglês Edward P. Thompson. (GOMES, 2001)

Da mesma forma Oliveira (2000) e Ferreira (2002) recorreram a essa premissa para

considerar o caso de Montes Claros como exemplo de populismo. A referência de ambos às

obras de Ianni e Weffort também se expressa na maneira em que analisam a participação

popular. Em Oliveira (2000) a referência se dá quando afirma que

“A organização do poder no Norte de Minas inibe, pelo autoritarismo

oligárquico, pela política dos coronéis e ainda através de lideranças

populistas, a expressão dos interesses populares.”(OLIVEIRA, 2000, p. 127)

Já Ferreira (2002) afirma, explicitamente, ter se embasado nos “referenciais teóricos”

de Ianni e Weffort para buscar compreender a realidade montesclarense “a partir do final da

década de 1970”. (FERREIRA, 2002, p. 12)

A evolução desses elementos nos permite identificar um terceiro na

configuração das relações políticas em Montes Claros, isto a partir do final

da década de 1970: a participação dos setores populares nos negócios

públicos via políticas sociais, que se convencionou chamar no Brasil de

“populismo”.

O termo “populismo” nos permite abordá-lo de várias formas. A primeira é a

sua construção como elemento que surge nos períodos de crise política e

econômica, no qual o pacto social/político e a emergência das massas

urbanas requerem um novo tipo de liderança pautada no indivíduo dotado de

qualidades de oratória capaz de seduzir as massas e, ao mesmo tempo,

controlá-las. Essa análise (...) tem como referenciais teóricos básicos as

obras de Octávio Ianni e Francisco Corrêa Weffort. (FERREIRA, 2002, pp.

11-12)

O grave problema da perspectiva clássica é que ela, inspirada em certo marxismo,

invoca uma visão teleológica da classe trabalhadora que, de modo determinista, teria um

caminho natural a seguir, a partir do desenvolvimento da consciência de classe. Tal caminho

seria objetivamente a busca pela revolução socialista, e qualquer coisa diferente disso seria

117

um desvio (inaceitável para muitos desses marxistas) desse caminho. (FERREIRA, 2001)

Logo, a manipulação ocorria na medida em que o povo era desviado desse caminho, e envolto

em novas perspectivas, pelo simples atendimento, ou satisfação, na ótica de Weffort (1989),

de determinadas demandas materiais, como, por exemplo, os direitos trabalhistas garantidos

na era Vargas. (FERREIRA, 2001)

O debate apresentado por Thompson vem para desmitificar esse suposto caminho

natural e apresentar como os aspectos do vivido, isto é, a experiência, por homens e mulheres

que vinham “de baixo”, também era fruto de ações conscientes de sujeitos ativos que

interferiam nos seus destinos. (THOMPSON, 1981) Desse modo, Thompson afirma em

relação à experiência que

os homens e mulheres também retornam como sujeitos, dentro deste termo

[experiência] – não como sujeitos autônomos, “indivíduos livres”, mas como

pessoas que experimentam suas situações e relações produtivas determinadas

como necessidades e interesses e como antagonismos, e em seguida “tratam”

essa experiência em sua consciência e sua cultura [...] das mais complexas

maneiras [...] e em seguida [...] agem, por sua vez, sobre sua situação

determinada. (THOMPSON, 1981, p. 182)

Portanto, Thompson critica a validade do marxismo estruturalista que vê, apenas no

aspecto estrutural, o que determinava as condutas da classe operária, e vê na experiência e,

consequentemente, na cultura, outra maneiras de atingir sua consciência. (THOMPSON,

1981)

Dessa forma a classe operária possuía uma racionalidade em seus movimentos, se

tornando um sujeito ativo da história, e desenvolvendo suas estratégias de modo a atingir seus

objetivos, retirando de certa forma o aspecto manipulador dessa relação com a elite.

(THOMPSON, 1987) Sobre essa questão, vejamos o que diz Thompson:

Quando alguns homens, como resultado de experiências comuns (herdadas

ou partilhadas) sentem e articulam a identidade de seus interesses entre si, e

contra outros homens cujos interesses diferem (e geralmente se opõem) dos

seus (THOMPSON, 1987, p. 9)

Todavia essas estratégias se davam em um contexto de força desigual. Portanto, havia

momentos de avanço e momentos de recuo, mas, em ambas as situações, eles ocorriam devido

118

a uma clara compreensão estratégica, que não era fruto de teorização, mas do efetivamente

vivido, que era para o autor nada mais que a luta de classes. (THOMPSON, 1987) Então, para

esse autor, não era a consciência que precedia a luta de classes, mas o contrário e, nesta, a

classe trabalhadora atuava com as armas que acreditava ter em suas mãos. (THOMPSON,

1987)

Essa perspectiva altera profundamente a maneira com a qual os historiadores analisam

a situação da classe trabalhadora, fenômeno que também ocorre no Brasil e produz como

resultado uma nova visita ao conceito de populismo, desta vez de maneira bem crítica. Dessa

maneira, há uma transformação nos estudos da classe trabalhadora, que, em vez de analisar as

lideranças, os sindicatos e os partidos, lançam o seu olhar efetivamente aos trabalhadores,

inclusive e principalmente, àqueles que não atuavam dentro dessas organizações. (COSTA,

2001)

Tais estudos contribuem para a derrubada da visão de passividade da classe

trabalhadora frente às lideranças vistas como populistas, quebrando o conceito de

manipulação. Dessa forma, se no período da chamada democracia populista tem que se

atender a determinadas demandas da classe trabalhadora, não é para satisfazer a vontade de

quem está na liderança, mas pela pressão ativa e consciente dos trabalhadores. (COSTA,

2001)

Essa nova visão possibilita a novos autores questionar o conceito de populismo como

um todo. Sobre a questão, Gomes (2002) propõe a redefinição dessa perspectiva,

abandonando o populismo e substituindo-o por pacto trabalhista.

O trabalhismo deve ser entendido como se constituindo de um conjunto de

idéias, valores, símbolos, rituais e vocabulários que passa a se solidificar

especificamente a partir da década de 1940. Desde então, começa a circular

num circuito que comunica setores de elite com setores populares, ganhando

sentidos específicos em cada um desses pólos, em diferentes conjunturas

políticas. É evidente que, como ideologia e projeto políticos, o trabalhismo

lança raízes na experiência do movimento operário e sindical da Primeira

República, no sentido thompsoniano. Ou seja, se a tradição é inventada no

pós-1930, não o é de forma fortuita, arbitrária e a partir do nada. Seu poder

de significação e mobilização (a “comunidade de sentidos” que logrou

estabelecer) veio justamente da releitura que as elites políticas do pós-1930

realizaram do que ocorreu no terreno das lutas dos trabalhadores, antes de

1930. [...] Ademais, pode-se verificar que, como tradição, o trabalhismo será

apropriado e reinventado no pós-1945, tanto por setores sindicais e

119

populares, quanto por setores das elites políticas, especialmente as dos

partidos trabalhistas, com destaque para as do PTB (GOMES, 2002, pp. 67-

68).

Para a autora, a substituição por trabalhismo ainda era mais necessária, pois devido à

conotação pejorativa que o termo populismo adquiriu, este passou a rebaixar a política

brasileira, pois sempre esteve vinculado à “desesperança e ao ceticismo”. (GOMES, 2002, p.

67) Tal opinião foi compartilhada por Aarão Reis (2001), que afirmou que a tradição

trabalhista, marcada pelas bandeiras sociais, lutas políticas reformistas e nacionalistas e

principalmente pelo crescente aumento da participação das massas populares nos processos

decisórios, fora rebatizada como populismo de modo a rebaixá-la e estigmatizá-la, por

interesses conservadores que possuíam ojeriza a tais marcas.

No mesmo sentido Ferreira (2001), relembra inclusive que no início da utilização do

termo populismo, este era elogioso e significava que determinado político tinha sensibilidade

social e vínculos com os interesses populares, porém, foi progressivamente sendo

desconstruído a fim de atender aos preceitos daqueles que eram seus opositores. Rumando em

outra direção, outros autores, embasados na teoria de Thompson, buscaram dar nova

significação ao termo populismo.

As análises de Thompson para compreender a classe operária inglesa serviriam para

“reproblematizar os anos populistas”. (SILVA E COSTA, 2001, p. 224)

Por outro lado, a obra de Thompson sobre paternalismo, cultura plebéia e

estilo retórico e ritualístico da justiça na Inglaterra do século XVIII demorou

a ser um convite para reproblematizar os “anos populistas”. Certamente, são

flagrantes as diferenças entre as peculiaridades da sociedade inglesa dos

setecentos e as condições históricas do populismo brasileiro. Porém, alguns

princípios gerais da noção de hegemonia utilizada por Thompson permitem

perceber como os trabalhadores retiravam da ideologia formal do “modelo

paternalista” os recursos necessários às suas demandas e lutas, utilizando-o

como algo que pertencia ao seu patrimônio adquirido. Se tal modelo era mais

generalizante, a apropriação que dele era feita pelos “de baixo” tinha um

caráter seletivo, aproveitando noções de justiça social e re-significando-as

conforme suas experiências e expectativas (SILVA e COSTA, 2001, p. 224)

No mesmo sentido avança Fortes (2010), para quem a perspectiva de Thompson

possibilita que o conceito de populismo denote uma nova significação que represente “uma

ênfase no protagonismo popular, uma perspectiva democrática radical (mas ainda não

120

socialista)”, de modo que possibilite a essa categoria validade, porém, descartando

completamente a ideia de “manipulação ou de desvio de uma consciência política ideal”.

(2010, p. 190)

Baseado em tais perspectivas, o populismo deixa de ser um “fenômeno de fora para

dentro (...) ou uma ideologia que implicaria manipulação externa” e passaria a ser entendido a

partir de agora como um “sistema político, ou seja, uma conjugação complexa e sofisticada de

interesses e disputas entre atores desiguais”, porém, sempre levando em conta a constante

necessidade da “reciprocidade e negociação, na qual as classes populares estiveram presentes

de forma decisiva”. (FONTES e DUARTE, 2004, pp. 111, 112)

Em outros termos, o populismo, portanto, renova-se enquanto conceito e deixa de ser

“a expressão do atraso de uma classe dominada” e torna-se a “expressão do momento em que

o poder articulatório desta classe se impõe hegemonicamente sobre o resto da sociedade”.

(LACLAU, 1979, p. 201) É partir desse novo viés que se julga correto o enquadramento do

caso de Montes Claros, na década de 1980, na categoria de populismo.

3.3 As eleições de 1988 e o retorno ao antigo perfil dos representantes institucionais

O final da legislatura no município de Montes Claros iniciada em 1983 mostra um

quadro bem diferente daquele com a qual os representantes se elegeram em novembro de

1982, e consequentemente os resultados do pleito municipal de 1988 também serão afetados

por tais diferenças. As diferenças vão além do fato de o PMDB, em 1982, ter elegido um

prefeito de oposição, tanto na esfera municipal quanto na estadual e nacional. Como já

expusemos esse partido, ao assumir o comando da nação, se afasta gradativamente dos

movimentos sociais e populares que outrora dirigia, e, por sua vez, se aproxima, cada vez

mais, de agremiações esquerdistas, especialmente do Partido dos Trabalhadores (PT), do

Partido Comunista Brasileiro (PCB) e do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), todos com

militantes e diretórios atuantes na cidade.

Além disso, como já mencionado, também o populismo imperou nas relações entre o

poder executivo, e consequentemente entre o PMDB e a população. Populismo entendido a

121

partir da ótica de Thompson e analisado por vários autores, como Silva e Costa (2001), Fontes

e Duarte (2004) e Fortes (2010), que não retiram o caráter ativo da população no processo

decisório, tampouco o entendem no sentido de fortalecimento de instâncias de representação.

O populismo, nessa ótica, reflete um momento em que a população atuava

efetivamente, sendo representada por associações e sindicatos e muito menos por

parlamentares. (SILVA e COSTA, 2001)

Além disso, há desde o princípio a tentativa de aproximação do prefeito com os

setores tradicionais que haviam efetivamente sido derrotados em 1982. Refletindo sobre a

questão, há em Oliveira (2000) um bom resumo desses dois últimos movimentos citados,

pois, ainda que a opinião da autora refira-se a um conceito de populismo que apresenta graves

problemas, não podemos menosprezar, aqui, o conjunto de seu trabalho. Ao contrário, este

fora de grande valia, conforme comprova o parágrafo transcrito, a seguir:

Na composição inicial de seu secretariado, Tadeu Leite recorre às famílias

tradicionais como Dr. João Carlos Sobreira, Dr. José Sidney de Figueiredo

Chaves e Carlos Antunes Pereira. A chamada participação popular se

transforma rapidamente em atrelamento do movimento dos bairros.

(OLIVEIRA, 2000, p. 170)

O trecho acima comprova essas duas movimentações ao afirmar que o prefeito

recorreu “às famílias tradicionais”. Além disso, a importância por ele concedida à população,

permitiu que essa se juntasse ao “atrelamento do movimento dos bairros”. Sobre o fato de ter

recorrido “às famílias tradicionais” este contato se dá de forma direta, como também de forma

implícita, ao tentar se aproximar das entidades de classe ligadas aos interesses tradicionais.

Essa tentativa de aproximação ocorre em especial sobre duas das principais entidades ligadas

ao projeto que a eleição de 1982 havia derrotado nas urnas: a Associação Comercial e

Industrial, e a Cooperativa Agropecuária.

Em relação à Associação Comercial e Industrial de Montes Claros, apesar das trocas

de gentilezas já demonstradas anteriormente, a ação governista se tornou mais evidente,

quando em julho de 1987, a pouco mais de um ano da sucessão municipal, o prefeito

122

anunciou o convite ao economista Jayme Crusoé, então vice-presidente dessa entidade

classista, para compor o secretariado, chefiando a pasta de Planejamento da prefeitura.73

Tal movimentação do prefeito foi analisada por comentaristas políticos da época como

uma aproximação, visando o pleito de 1988. O jornalista Elton Jackson, em sua coluna, dois

dias antes do anúncio, afirmava que “a idéia do prefeito” era utilizar o então vice-presidente

da ACI como “ponte para chegar ao empresariado”, pois o prefeito, segundo Jackson, “teria

poucas relações dentro da cúpula empresarial de Montes Claros” e seria importante “apostar

nesse setor, mesmo porque as condições financeiras podem influir decisivamente nas eleições

de novembro de 1988”.74

Outro jornalista que comungava das mesmas ideias de Jackson era Jorge Silveira, que

em sua coluna afirmava que o prefeito provocou uma “mudança radical de comportamento” e

abandonou “a ojeriza que tinha até pouco tempo contras as classes mais abastadas”, porém

vaticinava que esse movimento ocorria “direita e esquerda a parte”, pois “parece que (...) Luiz

Tadeu Leite está desde logo se preparando para as eleições do próximo ano”.75

Já em relação à Cooperativa Agropecuária (COOPAGRO), a relação será estabelecida

em outro nível. A Cooperativa foi fundada pela Sociedade Rural em 1955, para ser a principal

entidade de comercialização dos produtos advindos das grandes fazendas da região. Portanto,

era um efetivamente um instrumento de reprodução do capital rural, cujos lideres políticos

haviam sido retirados da gestão da municipalidade em 1982. (OLIVEIRA, 2000)

Esta entidade “defensora dos direitos dos produtores que representava” era à época

presidida pelo fazendeiro Jairo Ataíde Vieira, que era um típico representante desse segmento,

filho de Air Lelis Vieira, que havia presidido a Sociedade Rural, entre os anos de 1969 e

1971. (OLIVEIRA, 2000, p. 51) Contudo, apesar dos claros antagonismos existentes entre o

prefeito e a classe representada pelos Ataíde, o primeiro não se rogou em buscar cooptar e

dirigir tal entidade. Em relação à questão, o prefeito chegou a afirmar que a disputa pela

73 Montes Claros, 09/07/1987, p. 1

74 Montes Claros, Jornal do Norte, 07/07/1987, p. 2

75 Montes Claros, Jornal do Norte, 18 e 19/07/1987, p. 03

123

presidência da Cooperativa seria uma “luta entre PMDB e PFL”, em referência a filiação

partidária de Jairo Ataíde, em demonstração clara do seu engajamento nessa eleição.76

Durante a campanha pela gestão da entidade houve inclusive denúncias do vereador

Joel Guimarães (PFL), de que Tadeu teria utilizado “dinheiro público e a máquina

administrativa” para as ações oposicionistas.77Contudo, em que pesem quaisquer esforços,

lícitos ou não, que a administração tenha feito, eles não foram suficientes para ampliar sua

intervenção junto a esse segmento do qual fora um duro crítico, conforme se vê claramente

através da reeleição de Jairo Ataíde com expressivos “80,6%”, demonstrando, além da

emergência, de um novo líder ruralista, a oposição do capital rural ao gestor que o derrotara

em 1982, pois, segundo um dos membros da chapa vencedora, Afonso Dias, “não era pra

Tadeu entrar, primeiro porque ele sempre foi contra a classe rural, por pura politicagem” e

ainda ameaçou dizendo “ele cutucou a classe com vara curta, acredito ainda que os ruralistas

vão firmar politicamente e trabalhar para a sua derrubada em 1988”.78

A vitória sobre o grupo ligado à administração municipal na eleição da Cooperativa,

em 1987, alça Jairo Ataíde à condição de principal representante da classe e da oposição, e o

conduz ao posto de candidato anti-Tadeu nas eleições de 1988, ao cargo de prefeito

municipal.

Já o movimento de bairros efetivamente se atrela à administração municipal, através

dos mecanismos de diálogo que esta implementou com o “Converse com o Prefeito” e

“Projeto Mutirão”. Ao se atrelar à administração, ele se desvincula de outras instâncias

organizativas, como as associações comunitárias e os vereadores, que tinham um papel

eminentemente mediador entre a população e suas demandas e o poder executivo, que, por

sua vez, tinha os recursos para atendê-las, ou, nas palavras de Weffort (1989), para satisfazê-

las. Essa relação era complexa e desigual, como Fontes e Duarte (2004) vaticinam, porém, era

ativa de ambas as partes, e a negociação era parte integrante nesse processo.

Além disso, ressalta-se que o prefeito somente tinha a capacidade de satisfazer tais

demandas populares devido aos vultosos recursos oriundos do Programa Cidades de Porte

76 Montes Claros, Jornal do Norte, 25/01/1987, p. 3

77 Ata da Reunião da Câmara Municipal, 24/03/1987.

78 Montes Claros, Jornal do Norte, 25/03/1987, p. 4

124

Médio, que, inclusive, em suas diretrizes era autoritário e centralizador, determinando ao

poder executivo a prerrogativa exclusiva para a sua gestão. (FERREIRA, 2002) Porém, tais

práticas permaneceram além do Programa Cidades de Porte Médio, e se intensificaram na

medida em que as eleições se aproximavam, pois foi veiculada notícia na imprensa da época,

em julho de 1987, de que o prefeito recomeçaria “reuniões com o povo, para elaboração do

orçamento do ano que vem”. 79Portanto em 1988, foi o ano em que aconteceria a sua

sucessão.

A partir desta semana começam a acontecer as reuniões envolvendo o

prefeito Luiz Tadeu Leite, secretários municipais e moradores dos bairros.

O objetivo é discutir o orçamento do ano que vem (...) Como acontece todo

ano, o prefeito procura ouvir das comunidades suas principais

reivindicações, para que na montagem do orçamento para o ano seguinte

seja(sic) priorizada as principais necessidades do município. A pretensão de

Tadeu Leite é percorrer todos os bairros de Montes Claros e ouvir dos

moradores suas reivindicações (...) Conforme ficou estabelecido a primeira

fase do programa acontecerá nesta quinta-feira quando o prefeito fará uma

visita ao bairro Santos Reis. Ainda neste mês acontecerão reuniões

envolvendo a prefeitura e a comunidade nos seguintes bairros: sexta-feira

próxima, Major Prates: dia 27, Delfino Magalhães: dia 28 – São Judas

Tadeu; dia 29 – Bairro de Lourdes.80 (grifos nossos)

Assim, quando a população conseguiu o acesso direto ao chefe do poder executivo

municipal para reivindicar suas demandas, ele tinha efetivamente os recursos para atendê-los.

Nesse sentido, pode-se considerar que o papel daqueles que possuíam caráter mediador fora

profundamente afetado, em especial o dos vereadores, aliados ou não ao prefeito, que se

enfraqueceram nessa movimentação.

Ainda sobre a questão, é sintomático, inclusive, que o noticiário afirmasse que se

iniciarão “as reuniões envolvendo o prefeito (...), os secretários (...) e os moradores dos

bairros”, sem nenhuma menção aos vereadores ou às associações comunitárias. Com efeito,

dessa medida, haverá uma ampla renovação dos quadros da Câmara Municipal.

Especialmente afetados, nesse processo, foram os vereadores vinculados a entidades

populares. Os que eram líderes comunitários perderam a sua capacidade mobilizadora, e

aqueles ligados ao movimento sindical se viram envoltos nas disputas internas em que os

79 Montes Claros, Jornal do Norte, 21/07/1987, p. 3

80 Montes Claros, Jornal do Norte, 21/07/1987, p. 03

125

partidos esquerdistas se encontravam. Novamente, Oliveira (2000) demonstra bem essa

movimentação, ao afirmar que com a ascensão do Partido do Movimento Democrático

Brasileiro “os interesses dominantes não se representam apenas nos partidos tradicionais” e

em relação aos movimentos populares de oposição “há um deslocamento, ao final (...) para o

Partido dos Trabalhadores. (OLIVEIRA, 2000, p. 175)

A movimentação petista ocorre em todo o Norte de Minas Gerais, principalmente

através da Central Única dos Trabalhadores (CUT), cuja principal base para tal articulação se

encontrava em Montes Claros, além disso, conta com o apoio efetivo de movimentos de

pastorais católicas que anteriormente se alinhavam ao projeto peemedebista local.

Através da Fetaemg, CUT e participação da Pastoral da Terra, foi fundado

em Riacho dos Machados o Sindicato dos Trabalhadores Rurais. Já foram

sindicalizados mais de 500 trabalhadores. Conforme Alvimar Ribeiro dos

Santos, presidente da CUT em Montes Claros, após a sindicalização foi

eleita diretoria por unanimidade com seis membros.81

Além da participação petista também se encontram referências sobre a participação do

PCB e do PCdoB no movimento social montesclarense, tendo o primeiro, maior participação

no movimento sindical, já o segundo, realizou ações voltadas ao movimento estudantil.

Inclusive, serão desses segmentos que sairão as candidaturas desses partidos ao legislativo

municipal. (GUIMARAES, 1997)

Ainda registra-se que, além do aumento da intensidade da participação de outros

partidos nos movimentos populares, as movimentações nacionais e estaduais do PMDB

também teriam seus reflexos concretos no âmbito do diretório local deste partido. O

antagonismo entre “novos” e “históricos” que, conforme já foi dito, ocorreu nacionalmente, e

também teve sua expressão do ponto de vista local, fez com que setores do diretório

estivessem envolvidos em conflitos públicos e permanentes. Para esclarecer, esses conflitos

entre os pemedebistas se deram entre os próprios vereadores, entre estes e o poder executivo,

e entre outros membros do diretório local, em disputas inclusive contra representantes do

governo estadual.

Dentre os casos mais marcantes dessas disputas desponta a formação de um bloco

entre parte dos vereadores peemedebistas, que afrontavam permanentemente a administração,

81 Montes Claros, Jornal do Norte, 31/01/1986, p. 03

126

e as críticas públicas feitas pelo presidente do diretório local ao governo estadual de Newton

Cardoso, eleito em 1986 pelo PMDB, que foram devidamente rebatidas por membros do

secretariado mineiro.

Em relação às posições de conflito entre os vereadores e o prefeito, o próprio Tadeu

afirmou que havia sido formado um “grupo de pressão” dentro da própria bancada do seu

partido, e afirmou ainda que o principal responsável por isso era seu correligionário Marco

Antônio Pimentel, que, conforme o ex-prefeito, “está seguindo interesses que não sei quais

são, e nem de quem são”.82

O grupo, que já expressava seu descontentamento abertamente desde 1986, ainda

contava com o sindicalista José Paulo Gomes, o líder comunitário Osmar Pereira e a

professora Maria Aparecida Bispo, que efetivamente viria a se desligar do partido, assim

como Pimentel, ambos aderindo à oposição83. Apesar de já haver indícios de insatisfação

desde a primeira metade do mandato, como quando o vereador Osmar Pereira afirmou que a

“na prefeitura reúne-se muito, fala-se muito, mas realiza-se muito pouco”84, as ameaças de

rompimento somente se amplificam em sua segunda metade .

Nessa ocasião, Pereira critica o fato de apesar de ter reiteradamente solicitado ações da

prefeitura em relação à falta de água, o executivo preferiu “instalar ali um subcentro

comunitário, de resultado não se sabe quais”, numa demonstração concreta da ausência de

força do representante institucional, o que seria uma das características do populismo, como já

exposto.85

Curiosamente, quem viria a público demonstrar sua lealdade ao prefeito, apontando a

existência de um grupo querendo “desestabilizar o governo Tadeu”86 seria o vereador Carlos

Pimenta, eleito pelo PDS, e o único vereador reeleito entre aqueles vitoriosos na legislatura

anterior, e que havia recentemente se filiado ao PMDB, enquadrando-se claramente, no

82 Montes Claros, Jornal do Norte, 04/03/1987, p. 01

83 Montes Claros, Jornal do Norte, 04/08/1988, p. 03

84 Montes Claros, Jornal do Norte, 27/01/1984, p. 03

85 Montes Claros, Jornal do Norte, 27/01/1984, p. 03

86 Montes Claros, Jornal do Norte, 16/04/1987, p. 3

127

contexto local, no chamado grupo dos “novos”, em oposição àqueles “históricos” eleitos pela

sigla em 1982.

A questão da oposição entre “históricos” e “novos” também será evocada por João

Avelino, presidente do diretório local do PMDB e secretário municipal de Administração. As

críticas de Avelino ao governo estadual tiveram início devido às mudanças que foram

realizadas em cargos que atuavam na região, ao afirmar que “estava bastante surpreso e

chocado com essas articulações”, e que “o governo de seu próprio partido promovia

perseguições”.87

Sobre a questão, o secretário estadual para Assuntos Municipais, Nilberto Moreira,

tomou a frente na defesa do governador e afirmou que, além de não o considerar mais do

PMDB, desejava o “ver pelas costas o mais rápido possível”, tendo como resposta de Avelino

que ele, diferentemente de Moreira, era “da época em que lutávamos contra o regime militar e

poucos eram os que se diziam pertencentes às fileiras emedebistas”88.

Cabe destacar que acerca deste conflito, mesmo tendo o prefeito desautorizado

Avelino de falar em nome da administração, em suas críticas, ele buscou conciliar, apelando

para o “reentendimento”, e o manteve secretário, apesar da divergência.89

A atuação de Luiz Tadeu Leite, nesse conflito, daria a tônica de sua atuação nos

demais, buscando o entendimento e visando a unidade do partido no pleito de 1988, que,

inclusive, teria vários pleiteantes ao posto de candidato a prefeito. Sobre essa questão, o

prefeito teorizou, apresentando as diferenças entre união do partido e unidade partidária

“A união que seria o ideal para todo mundo é aquela situação em que todos

têm a mesma posição, se isto for difícil vamos tentar a unidade partidária,

que é aquela em que, havendo opiniões diferentes, alguns abrem mão de

alguma coisa em benefício do partido. Isto, pelo menos vamos assegurar,

pois para vencermos as eleições municipais, é preciso que todos tenhamos o

mesmo ideal.” 90

87 Montes Claros, Jornal do Norte, 28 e 29/03/1987, p. 01

88 Montes Claros, Jornal do Norte, 30/09/1987, p. 07

89 Montes Claros, Jornal do Norte, 29/09/1987, p. 01

90 Montes Claros, Jornal do Norte, 19/08/1987, p. 01

128

Dessa forma, buscando sempre unificar o grupo em torno do projeto de manter a

administração municipal nas mãos do partido, o prefeito assume a condução de suas

articulações, visando às eleições municipais, e mantendo-se na situação de liderança

carismática que governa sob a égide do populismo. Dessa maneira, demonstrava que a

unidade se dava em torno de si, e afirmava que “quem não estiver conosco, fica fora do nosso

esquema”, pois “não podemos beneficiar aqueles que não estão com a gente”, ainda que

“alguns vereadores estão apavorados com a possibilidade de não se reelegerem em 1988”,91 já

diagnosticando a perda de representatividade de alguns dos parlamentares, devido ao modus

operandi do seu governo.

Esse processo, que seria liderado por Luiz Tadeu Leite, tinha como principal ação a

definição do nome que se candidataria a sucedê-lo no paço municipal. O partido tinha em

1987, principalmente, três pré-candidaturas às eleições municipais de 1988, que eram o ex-

secretário de governo da administração municipal, Heliomar Valle da Silveira, o ex-presidente

do poder legislativo, vereador José Nardel, e o então vice-prefeito, o médico Mário Ribeiro da

Silveira.

Heliomar manteve por poucos meses sua pré-candidatura, sempre recorrendo ao

discurso de que pleiteava a posição, mas somente levaria o projeto adiante com o apoio

expresso do prefeito, pois “hoje (...) ele é o maior político da cidade”92. Porém, apesar do

apelo eminente, o apoio não ocorreu, e o ex-secretário abandonou a disputa.

Assim, mantiveram-se pleiteando o posto de candidato, a partir da segunda metade de

1987, apenas o vereador José Nardel e o vice-prefeito Mário Ribeiro. Nardel possuía um

passado semelhante ao do prefeito Luiz Tadeu Leite. Assim como ele, também não era

oriundo de famílias tradicionais, era radialista e possuía um vínculo passado com movimentos

comunitários e populares, tendo inclusive iniciado sua carreira no rádio apresentando o

programa “Atualidades Circulistas”, que falava das ações do “Círculo Operário dos

Trabalhadores Cristãos”, e, assim como Tadeu, também fora o vereador mais votado da

cidade na sua primeira eleição. (GUIMARÃES, 1997, pp. 229-230)

Nardel chegou inclusive a realizar, em agosto de 1987, um evento de “lançamento” de

sua candidatura ao cargo de prefeito em 1988. O vereador, porém, diferentemente de 91 Montes Claros, Jornal do Norte, 19/08/1987, p. 01

92 Montes Claros, Jornal do Norte, 17/01/1987, p. 04

129

Heliomar, não buscou amparar sua candidatura na figura do prefeito, mas no âmbito do

coletivo partidário, afirmando que essa “candidatura não é minha, ela vem sendo feita por

companheiros do partido”. 93 Tal atitude era inclusive uma resposta, pois, naquele momento,

já parecia que o tal “esquema” que o prefeito havia falado tinha nome e sobrenome, Mário

Ribeiro. Desde abril de 1987, o prefeito, apesar de afirmar que o nome não estava definido,

dava pistas de que seu preferido seria o seu padrinho e vice- prefeito, o médico Mário Ribeiro,

e ainda, buscando se antecipar a movimentos como o de Nardel, afirmava: “tem gente fazendo

jogo duplo dentro do PMDB, e querem (com isso) prejudicar o Mário”.94

A partir de posições como essa, oriundas do chefe do executivo, a pré-candidatura de

Nardel foi se esvaziando dentro do PMDB. Contudo, na mesma medida em que terminou,

iniciou-se a pré-candidatura de sua esposa, a educadora Marina Queiroz, que efetivamente

saiu candidata à prefeita, em 1988, pelo Partido Democrático Trabalhista, que tinha em

Brizola e Darcy Ribeiro, irmão de Mário, seus principais expoentes nacionais.

(GUIMARÃES, 1997)

A candidatura de Marina inclusive se gestou em uma autodenominada “Frente

Oposicionista”, que reunia, além de seu partido, o PFL de Jairo Ataíde, o Partido Trabalhista

Brasileiro (PTB) e o Partido Liberal. Marina, nessa frente, pleiteou a vaga na chapa como

candidata a vice-prefeita, e advogou o nome do fazendeiro e também pefelista Roberto

Amaral como cabeça de chapa. Porém, a partir do momento em que a “Frente Oposicionista”

aprovou o nome de Ataíde e do então deputado Milton Cruz, que havia sido eleito tanto para

vereador em 1982, quanto para a Assembleia Legislativa mineira em 1986, pelo PMDB, para

representarem o grupo como candidatos a prefeito e vice, Marina se desligou da campanha a

vice-prefeita, e o PDT homologou sua candidatura à chefia do executivo municipal.95

Dessa forma, a convenção do PMDB cumpria uma profecia feita pelo próprio Mário

Ribeiro, que afirmou, ainda em julho de 1987, que “convenção é para homologar e não para

escolher”.96 O próprio momento de definição da chapa liderada por Ribeiro, tendo como vice

93 Montes Claros, Jornal do Norte, 18/08/1987, p. 01

94 Montes Claros, Jornal do Norte, 30/04/1987, p. 01

95 Montes Claros, Jornal do Norte, 01/07/1988, p. 01

96 Montes Claros, Jornal do Norte, 18 e 19/07/1987, p. 01

130

o ex-deputado Pedro Narciso, para a sucessão de Tadeu Leite, ocorreu no gabinete do

prefeito.97

A chapa pemedebista formada para a sucessão de Tadeu Leite, com Mário Ribeiro e

Pedro Narciso, era por si só uma demonstração da diminuição da representatividade dos

setores populares no grupo governista, pois, sem entrar no mérito das posições ideológicas de

ambos, e reconhecendo que os dois são oriundos do antigo MDB, é incontestável o fato de

que os dois fizeram parte da elite política e econômica do município, desde antes da vitória

peemedebista, sendo ambos, inclusive, donos de grandes fazendas, o que representava uma

alteração no perfil socioeconômico da chapa majoritária do partido, em relação ao pleito de

1982. (OLIVEIRA, 2000) É o que comprova o fragmento a seguir:

Afora as atividades desenvolvidas no exercício da medicina, Mário teve

participação muito ativa na sociedade. Foi diretor do Montes Claros Tênis

Clube, ajudou a construir o Estádio João Rebello, foi presidente da

Associação Desportiva Ateneu, participou financeiramente da construção da

praça Coronel Ribeiro, Presidente do Automóvel Clube de Montes Claros,

primeiro presidente do Frigonorte – Frigorífico Norte de Minas S/A, um dos

criadores do Posto Médico do IPASE em Montes Claros (...) Foi assessor da

Fundação Norte Mineira de Ensino Superior e patrono do diretório

acadêmico da Faculdade de Medicina do Norte de Minas. De 1958 a 1962

foi vereador em Montes Claros. Em 1962 foi candidato a vice- prefeito na

chapa do Partido Republicano, nas eleições em que saíram vitoriosos o Dr.

Pedro Santos, para prefeito, e Luis de Paula Ferreira para vice. (grifos

nossos) (GUIMARÃES, 1997, p. 285)

Essa alteração no perfil socioeconômico da chapa do PMDB, se afastando daquela que

seria sua principal base social, foi um fato destacado inclusive por Jairo Ataíde, que afirmou

que os dois candidatos eram fazendeiros igual a ele, e completou dizendo que “meu medo era

sair Mário e João Avelino, porque assim a candidatura deles teria realmente uma fachada de

povão, o que agora ficou descaracterizado”.98As referências feitas por Ataíde quanto ao perfil

socioeconômico da chapa peemedebista seriam recorrentes, conforme atesta seu depoimento:

“não sou como o candidato do PMDB, que está escondido até hoje na toca e

se protege sob o manto do “mentirão”. Do candidato que está dizendo que é

pobrezinho, mas toda Montes Claros sabe que é dono da maioria dos lotes da

Avenida Sanitária, do candidato que é dono dos cinemas de Montes Claros,

97 Montes Claros, Jornal do Norte, 29/07/1988, p. 01

98 Montes Claros, Jornal do Norte, 04/08/1988, p. 03

131

do candidato do PMDB que é fazendeiro como eu, a quem o povo deve

perguntar como ele adquiriu a sua fazenda”. (grifos nossos) 99

Cabe frisar ainda que esta eleição teve mais duas candidaturas, que na época foram de

menor expressão: o do veterano ex-prefeito Pedro Santos, que, em 1988, já tinha 74 anos e

candidatou-se pelo pequeno Partido Social Cristão; e a do advogado petista Luis Chaves,

mantendo a estratégia petista de lançar candidaturas próprias na década de 1980. Porém o

antagonismo maior foi efetivamente entre Mário Ribeiro (PMDB) e Jairo Ataíde (PFL), como

as próprias urnas iriam demonstrar.

E o antagonismo ao PMDB era novamente liderado pelos grandes fazendeiros de

Montes Claros. O apoio dos fazendeiros à candidatura de Jairo Ataíde era extremamente

evidente, apesar de não oficial, como frisado pelo então presidente da União Democrática

Ruralista (UDR), Alexandre Vianna, que afirmava que o “apoio virá, mas dos filiados e não

da UDR”.100 Tanto era assim que o anúncio público da candidatura de Ataíde se deu nas

festividades do aniversário da cidade, durante a tradicional Exposição Agropecuária, que fora

inclusive financiada por recursos da prefeitura, episódio que obviamente gerou protestos de

membros do secretariado municipal.

Prefeitura repudia benefício a Jairo Ataíde na Exposição – A liberação do

parque de exposições para colocação de faixas do candidato da Frente de

Oposição, Jairo Ataíde, foi considerada pelo secretário municipal Hamilton

Trindade como um desrespeito aos ruralistas, aos outros políticos e ao

público em geral que paga pra freqüentar a XVII Exposição Agropecuária. A

prefeitura, segundo o secretário, fez um acordo com o presidente da

Sociedade Rural, Antonio Bessa, que é contra o cunho político-partidário

que a festa está tomando, e este não foi cumprido por causa de uma facção

da Sociedade Rural. Hamilton Trindade lamentou o fato de a programação

do dia 3 de julho ter “sido tomada da prefeitura” quando por tradição a

municipalidade banca e organiza a festa, independente de política. A

colocação de faixas de Jairo Ataíde, sem que outros candidatos tivessem o

mesmo beneficio, gerou protestos e acabou ficando aberto a todos os

candidatos que quiserem se anunciar no parque de exposições. Também o

fato de Antônio Dias ter tecido critica ao prefeito e a paralisação do “show”

de Sidney Magal para que Jairo Ataíde anunciasse sua candidatura não

agradou a prefeitura (...). O presidente da Rural, Antônio Bessa, foi isentado

de qualquer culpa, pelo cunho político partidário que a festa tomou.101

99 Montes Claros, Jornal do Norte, 11/09/1988, p. 03

100 Montes Claros, Jornal do Norte, 04/08/1988, p. 03

101 Montes Claros, Jornal do Norte, 06/07/1988, p. 01

132

Se a candidatura do PFL buscou o amparo de seus tradicionais aliados, também o

PMDB construiu toda a sua campanha sob o mote de ser a “chapa do povo de Montes

Claros”, provocando antagonismo com a outra que seria a de elite, reconstruindo o viés da

disputa ocorrida em 1982.102 Durante a campanha, essa referência foi recorrente, e em todos

os momentos as lideranças peemedebistas ressaltavam o seu caráter popular frente ao elitista

do grupo liderado por Jairo Ataíde.

Esse discurso fora compartilhado pelas três principais lideranças peemedebistas. Os

candidatos Mário Ribeiro e Pedro Narciso, apesar de terem status econômico semelhante ao

de Ataíde, sempre faziam questão de destacar o mesmo tom popular de discurso que fora

empregado pelo prefeito Luiz Tadeu Leite em toda a sua carreira política. Como prova disso,

por exemplo, pode-se aludir ao fato que, durante o lançamento oficial de sua candidatura,

Mário Ribeiro afirmou que a candidatura de Jairo Ataíde representava “a força de um grupo

que sempre dominou as classes menos favorecidas.”103 E foi além, em comício realizado no

bairro São Geraldo disse que “nós aqui somos o povo organizado, e vamos provar que a

verdadeira democracia é o voto do pobre”, e continuou: “vamos provar que o voto do pobre

tem o mesmo valor do voto do rico, do voto dos bacanas.”104 (grifos nossos)

Com essas atitudes, da mesma maneira como ocorreu em 1982, quando Luiz Tadeu

Leite era um jovem vereador que buscava ampliar sua credibilidade, ao se amparar no

veterano médico Mário Ribeiro, agora era a vez de Ribeiro, que buscava se comparar a Tadeu

como homem do povo. Para atingir a seu propósito, ainda frisava, recorrentemente, que os

feitos da administração foram possíveis através do seu trabalho e de sua relação com o

prefeito. A esse respeito, vejamos o depoimento: “nós faremos um governo melhor que o de

Tadeu, por que ele pediu, e acima de tudo porque aprendemos a governar com ele”. E disse

mais: “antes de Tadeu Leite não havia um dentista, hoje temos quarenta, e eu e Tadeu ainda

vamos colocar mais”, e ainda questionou: “Qual o prefeito que deu lotes em Montes Claros?

(...) Só o governo de Tadeu Leite, e vamos fazer mais do que isso, porque foi uma exigência

102 Montes Claros, Jornal do Norte, 30/08/1988, p. 03

103 Montes Claros, Jornal do Norte, 30/08/1988, p. 01

104 Montes Claros, Jornal do Norte, 30/08/1988, p. 03

133

dele”. Por fim, completou: “todos juntos nós venceremos novamente, porque o povo quer um

governo do tipo Tadeu Leite”. 105

Já o candidato à vice, Pedro Narciso, no mesmo comício no bairro São Geraldo,

afirmou que “este pessoal que sempre mandou na cidade está de volta, querendo enganar o

pobre”, e ainda acrescentou: “perguntem a eles o que fizeram por nossa gente, por nossos

bairros, por nossos companheiros pobres que moram nas favelas”.106 (grifos nossos) Ainda

Narciso, em outro comício, chegou a afirmar que se Jairo Ataíde precisasse ir ao bairro

Independência precisaria ser acompanhado por um “guia turístico”.107. Além disso, ele

também utilizou da relação populista do prefeito com a população para garantir o caráter

popular da chapa, dizendo que “o povo dirigiu a prefeitura através do braço firme de Luiz

Tadeu Leite”.108

Apesar da veemência desses depoimentos, quem executou mais frequentemente esse

discurso foi Luiz Tadeu Leite, inclusive pelo fato de ser quem melhor o incorporava, por tudo

que desenvolveu ao longo dos seis anos em que foi prefeito, período em que definitivamente

criou mecanismos de diálogo direto com a população, o que, sem dúvida, fortaleceu a sua

liderança no contexto populista.

Luiz Tadeu Leite mantinha a mesma linha do discurso que o elegera em 1982 e com o

qual governou durante o período, afirmando ser ele e seus aliados os legítimos homens do

povo, já, seus adversários eram os grandes latifundiários que governam a despeito do interesse

popular. A referência aos adversários como latifundiários e representantes dos grandes

fazendeiros e, portanto, inimigos do interesse popular, era constante.

Em uma dessas referências, o prefeito afirmou que “dinheiro pode comprar vaca e boi,

mas não compra a consciência das pessoas”.109Além disso, ele acusou diversas vezes o

candidato Jairo Ataíde, no exercício do cargo de presidente da COOPAGRO, jogar “o excesso

de leite fora”, ao invés de “dar um litro sequer aos pobres”, apenas para especular o seu preço.

105 Montes Claros, Jornal do Norte, 04/09/1988, p. 03

106 Montes Claros, Jornal do Norte, 30/08/1988, p. 03.

107 Montes Claros, Jornal do Norte, 16/09/1988, p. 03

108 Montes Claros, Jornal do Norte, 14/09/1988, p. 04

109 Montes Claros, Jornal do Norte, 16/09/1988, p. 03

134

E, por fim, construía como centro de sua estratégia a reafirmação de seu caráter de homem do

povo, diferentemente de seus adversários:

“Eu quero o apoio de vocês para o Mário Ribeiro, por isso estou vindo aos

bairros. E eu tenho peito de vir aos bairros, pois nós cumprimos o que

havíamos prometido. Eu não tenho ligação com os ricos, com os poderosos

que estão querendo me achincalhar. Vocês nunca viram um prefeito realizar

tantas obras e ser tão achincalhado como acontece comigo. Está é a

estratégia deles, querendo enganar o povo. Eles me classificam até de

moleque de camiseta, simplesmente porque eu uso roupas simples. Vou

continuar assim porque o povo que está comigo também é muito simples.

Esse pessoal que tá lá querendo mandar na cidade novamente, é formado por

latifundiários, e muitos deles até contrataram jagunços para escorraçar o

homem pobre do campo. Eles já tomaram o campo, e agora querem tomar a

cidade. É no linguajar deles o campo e a cidade juntos. Na verdade, eles

querem é mandar na cidade, como acontece no campo, onde estão pisando e

espoliando o pobre”.110 (grifos nossos)

Tadeu, dessa forma, seria a antítese desse grupo e a prova de que para ser prefeito não

era necessário ter “pança, dinheiro, nome, sobrenome importante, ou ter careca”, pois “o povo

vota em quem ele confia”.111

Jairo Ataíde, por sua vez, além de buscar identificar Ribeiro e Narciso como

fazendeiros, assim como ele, centrou sua estratégia em buscar descontruir o prefeito como

homem do povo, tentando demonstrar que era Tadeu que dispunha do poderio econômico,

pois havia se tornado um homem de posses de maneira ilícita, com recursos da prefeitura.

“Tadeu fez muito para a cidade, mas fez muito mais para si próprio”, pois, segundo o

candidato do PFL, o prefeito possuía “uma casa no melhor bairro da cidade, sítio para

reuniões políticas, carro do ano. Será que ele conseguiu tudo isso com o salário de prefeito?”.

Todavia, a estratégia de Jairo esbarrava no amplo “esquema”, conforme palavras do

próprio prefeito, construído ao longo dos seis anos de mandato, que garantia a capilaridade da

candidatura peemedebistas em todos os cantos da cidade, o que fora fundamental para a

vitória de Mario Ribeiro e Pedro Narciso nas eleições municipais de 1988, com a expressiva

votação de 51.797 votos, em um universo de pouco mais de 111 mil eleitores e que

representou 56,96% dos votos válidos. Jairo Ataide (PFL), por sua vez, obteve 29211 votos

110 Montes Claros, Jornal do Norte, 30/08/1988, p. 03

111 Montes Claros, Jornal do Norte, 04/09/1988, p. 03

135

(32,12% dos votos válidos), Marina Queiroz(PDT) recebeu 6518 votos(7,16% dos votos

válidos), Luiz Chaves foi escolhido por 2253 eleitores(2,47% dos votos válidos) e o veterano

Pedro Santos teve apenas 1153 votos(1,26% dos votos válidos).112

O “esquema”, contudo, não incluía os vereadores que deram suporte à vitória de Luiz

Tadeu Leite em 1982 e que foram sua sustentação no poder legislativo municipal.

Rigorosamente, todos os vereadores oriundos dos movimentos populares que haviam sido

eleitos no pleito anterior não conseguiram suas reeleições, apesar de estarem ligados a um

prefeito que chegou a atingir mais de 90% de aprovação popular. (GUIMARÃES, 1997)

Se em 1982 apenas o PMDB e o PDS elegeram vereadores, em 1988 seis diferentes

partidos conseguiram garantir representação no poder legislativo municipal. O PMDB se

manteve com a maior bancada, elegendo 7 vereadores, o PFL se tornou a segunda maior

bancada, com 4 representantes, seguido por PTB e PDT, ambos com três, e PL e PDS se

fariam representados por um vereador cada.

TABELA 2 – Vereadores eleitos em 1988

Vereador Partido votação profissão

Carlos Welth Pimenta do Figueiredo PMDB 1.663 Médico

Gilberto Wagner Martins Pereira Antunes PMDB 1.519 Administrador

Jorge Tadeu Guimarães PMDB 1.445 Zootecnista

Tancredo José dos Santos Macedo PFL 1.272 Médico/Fazendeiro

Eduardo Avelino Pereira PFL 1.165 Médico/Fazendeiro

Édison Alves Martins PTB 1.017 Médico

Manoel Soares Lopes PMDB 991 Cartorário

Ivan José Lopes PMDB 968 Médico

José Correa Machado PL 950 Arquiteto/Empreiteiro

112 Dado obtido através de consulta feita a [email protected], em 27/03/2014.

136

Artur Luiz Pereira Leite PMDB 934 Jornalista

Marlene Tavares Cardoso PMDB 931 Professora

Benedito Paula Said PTB 896 Jornalista

Cláudio Pereira PFL 818 Médico/Fazendeiro

José Gonzaga Pereira PTB 809 Funcionário publico

José Geraldo de Oliveira PFL 664 Dentista

Aurindo José Ribeiro PDT 584 Chefe de Departamento

pessoal de Industria

Edmar Pereira Santos PDS 573 Microempreendedor

José Hélio Guimarães PDT 549 Médico

Gilmar Ribeiro dos Santos PDT 541 Microempreendedor

FONTES: TRE-MG, consultado através de [email protected] em 27/03/2014,

OLIVEIRA 2000; GUIMARÃES 1997

Nesse novo cenário criado pelas urnas nas eleições de 1988, apenas três vereadores

eleitos seis anos antes conseguiram novamente o mandato popular, que foram Carlos Pimenta,

que em 1982 já havia conseguido o feito de ser o único reeleito da legislatura anterior, agora

já convertido ao peemedebismo, assim como Manoel Soares Lopes, que também tinha sido

eleito na disputa anterior, pelo PDS, e o oposicionista Claudio Pereira, que se não estava no

mesmo partido (em 1982 fora eleito pelo PDS) pelo menos se mantinha nas fileiras da

oposição a Luiz Tadeu Leite. (GUIMARÃES, 1997)

Dessa forma os poderes institucionalizados, executivo e legislativo, em Montes Claros

retornam a um perfil socioeconômico e político semelhante ao anterior a 1982, com a

prefeitura chefiada por um fazendeiro e o parlamento com presença reduzida de

representantes efetivamente oriundos dos estratos populares.

137

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho buscou demonstrar que a eleição de 1982 representou um marco

no processo político local em Montes Claros (MG), a partir da eleição de vários elementos

estranhos à elite local para os cargos representativos, todavia esses não permaneceram no

pleito seguinte, em 1988.

Pelo exposto, não é a pretensão deste trabalho de dissertação encerrar essa discussão.

Pelo contrário, o objetivo é apresentar contribuições para a discussão desse rico período que é

a década de 1980, momento em que Montes Claros e todo o país passavam por significativas

transformações.

Montes Claros sempre possuiu uma forte tradição de lideranças vinculadas à grande

fazenda, o que é fruto de seu desenvolvimento histórico, visto que o processo de povoamento

se deu a partir da criação de gado. (COSTA, 1997) A partir desse processo, a elite

agropecuária dominou o cenário político local, e transformou o processo eleitoral em uma

disputa intraclasse, no qual, independentemente de quem fosse o vencedor, os fazendeiros se

manteriam no poder e seus interesses seriam priorizados, em detrimento de outros interesses

de outras classes.

Sem dúvida, esse processo gerou uma permanência de coronéis durante 150 anos à

frente da chefia da municipalidade, que, amparados pelo que Oliveira (2000) denominou de

política de compromissos com a elite estadual, impediu o desenvolvimento da representação

de outros segmentos.

O mando dos coronéis perpassou regimes democráticos e ditatoriais, sendo poucas

vezes contestado. Eles (os coronéis), dispondo dos recursos públicos, foram se fortalecendo

de modo a, inclusive, chegar ao pleito de 1966, sem que ninguém ousasse se candidatar contra

a candidatura oficial da sua classe, que era a de um ex-presidente da Sociedade Rural, a

principal entidade de defesa dos interesses do setor. (OLIVEIRA, 2000)

Apesar disso, tal cenário começa a se modificar através do processo de urbanização

intensificado pelo advento da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste, que trouxe

138

vários trabalhadores rurais para Montes Claros, seja pela expectativa do emprego, seja

principalmente pela expropriação de suas pequenas propriedades rural, o que foi possibilitado

pelo caráter autoritário do regime implantado a partir de 1964, que reprimia qualquer tentativa

de resistência. (OLIVEIRA, 2000)

Com efeito, a periferia da cidade foi amplamente ocupada por esses trabalhadores,

inicialmente desarticulada e desprovida de qualquer infraestrutura. Esse foi o cenário propício

para o crescimento da liderança do jovem radialista Luiz Tadeu Leite, que, articulado com os

incipientes movimentos e utilizando-se de um eficaz instrumento midiático que à época era o

rádio, conseguiu se credenciar como um porta-voz desse povo, o que o tornou aos 23 anos, em

1976, o vereador mais votado da história de Montes Claros. (GUIMARÃES, 1997)

O mandato do vereador Luiz Tadeu Leite não só se tornou um importante instrumento

de articulação e organização das camadas populares, através da luta classista do movimento

sindicalista e do movimento estudantil, como também possibilitou a criação de associações

comunitárias. Essas entidades da sociedade civil seriam o principal amparo de Tadeu Leite em

sua eleição para prefeito, em 1982, finalizando assim um longo ciclo de alternância entre

fazendeiros na chefia do poder executivo local.

Essa ligação do prefeito eleito em 1982, com esses movimentos, teria seu reflexo

também na eleição de vereadores ligados a essas entidades, o que tornaria a legislatura

iniciada nesse mandato atípica do ponto de vista socioeconômico dos parlamentares. A

eleição do presidente do Sindicato dos Metalúrgicos, do presidente Associação Comunitária

do Bairro Maracanã e da primeira mulher, que também era negra e professora de escola

pública, dentre outros, seria o exemplo evidente disso.

Contudo, se o mandato do vereador Luiz Tadeu Leite fora um importante instrumento

para a articulação e organização das camadas populares, o mesmo não se pode dizer do seu

mandato de prefeito. Ainda que seja verdade que o seu mandato como prefeito eleito, em

1982, tivesse proporcionado uma verdadeira mudança de prioridades, estabelecendo a

periferia como o seu centro, também é fato que isso ocorreu em detrimento das demais

instâncias representativas das camadas populares, o que proporcionou, em grande medida, a

derrota dos vereadores populares no pleito seguinte, em 1988.

A legislatura iniciada em 1983 foi marcada pelo populismo, entendido sob a ótica de

uma participação popular ampla, porém desarticulada, possibilitando inicialmente, pelos

139

amplos recursos oriundos do Programa Cidades de Porte Médio, que em sua essência foram

centralizador e autoritário, determinando as características que marcaram as relações do poder

executivo local.

Ações como o “Converse com o prefeito” e o “Projeto Mutirão” possibilitaram à

população o acesso direito ao gabinete do prefeito, o que, em grande medida, retirou a

representatividade dos vereadores populares. O povo não recorreu a estes, como

intermediários no processo decisório. Acrescenta-se a essas ações, outros fatores que

contribuíram para a diminuição da representatividade institucional popular como os vários

acenos que o chefe do executivo fez a setores da elite que haviam sido derrotados em 1982,

além das transformações que o próprio PMDB sofreu, após a sua chegada ao poder nacional,

com o ex-arenista José Sarney.

Tais acenos se concretizaram no próprio perfil da chapa peemedebista do município

lançada em 1988, composta por dois fazendeiros, demonstrando uma mudança de perfil,

quando comparada com a eleição anterior, que, de semelhante, teve o fato de o adversário ter

sido novamente um representante dos grandes fazendeiros, o ex-presidente da Cooperativa

Agropecuária. A eleição de dois fazendeiros pelo PMDB teria efeito claros, inclusive, após a

eleição, pois, segundo Guimarães (1997), o prefeito Mário Ribeiro e o vice Pedro Narciso, no

decurso da legislatura iniciada em 1989, iriam romper politicamente com Luiz Tadeu Leite e

se aliariam a Jairo Ataíde, apoiando o último contra o seu antigo aliado na disputa municipal

de 1992. Porém, esse assunto não faz parte dos objetivos que foram analisados por este

trabalho.

Da mesma forma, o novo perfil peemedebista iniciado no governo Sarney fez com que

outras agremiações, em especial o Partido dos Trabalhadores, se tornem o principal amparo

partidário dos movimentos populares organizados.

Já em Montes Claros, destaca-se novamente a compreensão de, a partir de toda a

pesquisa realizada, que o principal motivo para a diminuição da representatividade

institucional das camadas populares na última eleição municipal da década de 1980 fora o

populismo vigente na legislatura iniciada em 1983.

Face ao exposto, torna-se imperativo reiterar novamente que não é pretensão desta

dissertação encerrar este assunto, nosso propósito incide em apenas apresentar um novo ponto

140

de vista para um debate que ainda se faz atual, visto que alguns dos personagens aqui

retratados ainda, nos dias, atuais atuam efetivamente nas disputas políticas de Montes Claros.

141

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