Transposição didática: Uma proposta de ensino da ...
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PONTÍFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
Damares Souza Silva
Transposição didática:
Uma proposta de ensino da referenciação na produção escrita
DOUTORADO EM LÍNGUA PORTUGUESA
São Paulo
2017
Damares Souza Silva
Transposição didática:
Uma proposta de ensino da referenciação na produção escrita
Tese apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo como exigência parcial para obtenção
do título de DOUTOR em Língua
Portuguesa, sob a orientação do Professor
Doutor João Hilton Sayeg de Siqueira.
São Paulo
2017
Autorizo exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial
desta Tese de Doutorado por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos.
Assinatura______________________________________________
Data___________________________
e-mail_________________________________________________
Damares Souza Silva
Transposição didática:
Uma proposta de ensino da referenciação na produção escrita
Tese de doutorado apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia da Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para a obtenção do título DOUTOR
em Língua Portuguesa, sob a orientação do
professor doutor João Hilton Sayeg de
Siqueira.
Aprovado em: ____/____/____
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________
Professor Doutor João Hilton Sayeg de Siqueira – PUC-SP
_________________________________________________
Professora Doutora Dieli Vesaro Palma – PUC-SP
_________________________________________________
Professora Doutora Leonor Lopes Fávero – PUC-SP
_________________________________________________
Professor Doutor Marcelo de Abreu César – UNICID
_________________________________________________
Professora Doutora Rosana Valiñas Llausas – Faculdade Drummond
Ao Nazareno e ao Nicolas, com amor.
À dona Delza, minha amada mãe.
Ao Mey e ao Molizanio, meus queridos irmãos.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus por não me deixar perder a fé.
À Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, pela oportunidade para cursar o
doutorado em Língua Portuguesa.
À CAPES pelo incentivo financeiro.
Ao Programa de Língua Portuguesa pela oportunidade de crescimento intelectual.
Ao querido professor Dr. João Hilton Sayeg de Siqueira por me permitir ser eu mesma neste
percurso.
À professora Dra. Dieli Versaro Palma e à professora Dra. Leonor Lopes Fávero pela leitura
atenta e pelas valiosas sugestões.
Aos alunos participantes desta pesquisa pela acolhida e oportunidade.
Aos companheiros de estudo do programa pelas genuínas interações.
Ao professor Dr. Khalil Salem Sugui (amigo genuíno) por me mostrar esperança.
RESUMO
O tema deste estudo está centrado no ensino da referenciação e seus respectivos efeitos de
sentido na produção do texto escrito, tendo como perspectiva as regras que orientam o
conceito de transposição didática de Chevallard. As questões que norteiam o estudo são: de
que modo as intervenções de ensino do conceito de referenciação podem favorecer o
domínio da referida atividade discursiva proporcionando ao estudante a capacidade de
produzir e desenvolver efeitos de sentidos na sua produção escrita? Quais aspectos podem
colaborar para que o professor desenvolva, aprofunde e potencialize a capacidade de
converter a teoria em prática no que diz respeito ao ensino da escrita? O objetivo geral da
presente investigação buscou analisar os efeitos de sentido da referenciação nas cartas de
leitor produzidas pelos alunos do nono ano do ensino fundamental após uma intervenção de
ensino acerca do conceito de referenciação. Consideramos quatro objetivos específicos:
identificar qual a relação do aluno com a produção textual; aplicar uma proposta de ensino
sobre o conceito de referenciação e seus respectivos efeitos de sentido; explicitar as
potencialidades dos efeitos do sentido da referenciação no gênero carta do leitor; orientar o
participante a compor uma carta do leitor visando o uso da referenciação como recurso para
compor o argumento. A investigação está balizada em estudos de Mondada e Dubois (2003),
Koch (1987; 1989; 1996; 1997; 2002; 2004), Koch e Elias (2009; 2012), Marcuschi (1983;
2001; 2005; 2007), Cavalcante (2004; 2005; 2010; 2014), Soares (1997; 2002), Pietri
(2010), Abrão (2009), Chevallard (1991) e Vygotsky (1984). Partimos das seguintes
hipóteses: o aluno pode aprender e aprofundar seus conhecimentos sobre a língua escrita
articulando aspectos de sua vivência em sociedade com novos conceitos ensinados na
escola; o professor é capaz de apreender conceitos atualizados desenvolvidos no espaço
acadêmico e, em posse do referido arcabouço teórico, ser autor da sua prática de ensino da
língua portuguesa, convertendo a teoria em prática à medida que lhe seja garantido o acesso
direto ao conhecimento teórico atualizado acerca do ensino da língua; o conhecimento dos
aspectos históricos da constituição da disciplina curricular da língua portuguesa pode
contribuir para identificar possíveis caminhos para desenvolver, analisar e erigir propostas
com a finalidade de sanar problemáticas do ensino da língua materna nos dias atuais.
Analisamos 15 produções textuais. Partindo do resultado da análise das referidas produções,
concluímos que as duas perguntas que erigiram esse trabalho mais o objetivo proposto e
aplicado nos ajudaram a reconhecer que é possível ensinar ao aluno o conceito de
referenciação, oferecendo condições de ensino que considerem a heterogeneidade discente,
de modo que o estudante possa usar as várias possibilidades de interação potencializadas
pelo processo de referenciação para produzir efeitos de sentido em sua produção escrita.
Palavras-chave: Referenciação. Ensino da escrita. Transposição didática.
ABSTRACT
The subject of this study is centered on the teaching of referencing and its respective effects
of meaning in the production of written text, having as perspective Chevallard's rules that
guide the concept of didactic transposition. The questions that guide the study are: what
historical factors related to the the formation of Portuguese language discipline can facilitate
the understanding of features that permeate the practice of first language teaching nowdays?
How teaching interventions of the referentiation concept can promote the field of this
discursive activity by providing students the ability to produce and develop the sense effects
on their written work? Which aspects can help the teacher develop, deepen and enhance the
ability to convert theory into practice with regard to the teaching of writing? The overall
objective of the present research sought to examine the effects of referentiation in the letters
written by ninth grade students of elementary school after educational intervention about the
concept of referentiation. We consider four specific objectives: identify what is the
relationship of the student with the textual production; apply a proposal for teaching the
referentation concept and its respective meaning effects; clarify the potential effects of
referentiation meaning in the letter writing; guide the participant to compose a reader letter
aiming at referentiation as a resource for argument. The investigation is beaconed in authors
such as Mondada and Dubois (2003), Koch (1987; 1989; 1996; 1997; 2002; 2004), Koch
and Elias (2009; 2012), Marcuschi (1983; 2001; 2005; 2007), Cavalcante (2004; 2005;
2010; 2014), Soares (1997; 2002), Pietri (2010), Abrão (2009), Chevallard (1991) and
Vygotsky (1984). We start with the following assumptions: the students can learn and
deepen their knowledge of written language by articulating aspects of their own experiences
in society with new concepts taught in school; the teacher is able to grasp updated concepts
developed in the academic area and, in possession of that theoretical framework, be the
author of his Portuguese language teaching practice, converting theory into practice as is
guaranteed him direct access to updated theoretical knowledge about language teaching; the
knowledge of the historical formation aspects of the Portuguese language curricular
discipline can help to identify possible ways to develop, analyze and build proposals in order
to fix first language teaching problems nowdays. We analyzed 15 textual productions. Based
on the result of the analysis of these productions, we concluded that the three questions that
erected this work more the proposed objective helped us to recognize that it is possible to
teach students the referentiation concept, offering edcation policies that take in consideration
the students heterogeneity so that the student can use the various possibilities of interaction
increased by the referral process to produce meaning effects on his written work.
Keywords: Referentiation. Writing teaching. Didactic transposition.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 9
1 REFERENCIAÇÃO: ENSINO DA ESCRITA ........................................................... 18
1.1 Referenciação e a construção de sentidos: coesão e coerência ............................. 18
1.1.1 Processamento textual e a construção de sentidos ............................................. 18
1.1.2 Coesão e referenciação ..................................................................................... 20
1.1.3 Coerência e referenciação ................................................................................. 25
1.2 Escrita e referenciação .......................................................................................... 30
1.2.1 Referenciação e produção de sentidos .............................................................. 31
1.2.2 Estratégias de referenciação e escrita ................................................................ 34
1.2.3 Introdução de referentes no modelo textual ...................................................... 35
1.2.4 Formas de progressão referencial ..................................................................... 38
1.2.5 Funções das expressões nominais ..................................................................... 42
2 TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA E CURRÍCULO ....................................................... 48
3 METODOLOGIA ....................................................................................................... 58
3.1 Operando com a regra 1 e a regra 2 ..................................................................... 58
3.2 Os sujeitos participantes ........................................................................................ 60
3.3 Caracterização dos instrumentos e procedimentos para a coleta de dados ......... 61
3.4 O plano de atividades para o ensino do conceito de referenciação: operando com
a regra 5 ................................................................................................................ 66
3.5 O plano de atividades para o ensino da produção da carta do leitor: operando
com a regra 3 e a regra 4 ...................................................................................... 72
3.6 Tratamento da análise ........................................................................................... 76
3.6.1 Procedimentos de análise ................................................................................. 76
3.6.2 Apresentação dos resultados ............................................................................. 76
4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS ......................................................... 78
4.1 Carta do leitor 1 ..................................................................................................... 78
4.2 Carta do leitor 2 ..................................................................................................... 82
4.3 Carta do leitor 3 ..................................................................................................... 85
4.4 Carta do leitor 4 ..................................................................................................... 87
4.5 Carta do leitor 5 ..................................................................................................... 90
4.6 Carta do leitor 6 ..................................................................................................... 92
4.7 Carta do leitor 7 ..................................................................................................... 94
4.8 Carta do leitor 8 ..................................................................................................... 95
4.9 Carta do leitor 9 ..................................................................................................... 97
4.10 Carta do leitor 10 ................................................................................................. 99
4.11 Carta do leitor 11 ............................................................................................... 101
4.12 Carta do leitor 12 ............................................................................................... 103
4.13 Carta do leitor 13 ............................................................................................... 105
4.14 Carta do leitor 14 ............................................................................................... 107
4.15 Carta do leitor 15 ............................................................................................... 109
CONCLUSÃO ................................................................................................................ 111
REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 113
ANEXO 1 – ATIVIDADES REFERENTES AO ENSINO DO CONCEITO DE
REFERENCIAÇÃO .................................................................................................. 118
ANEXO 2 – ATIVIDADES DE FIXAÇÃO DA APLICAÇÃO DO CONCEITO DE
REFERENCIAÇÃO .................................................................................................. 119
ANEXO 3 – ATIVIDADES PARA IDENTIFICAR COMO A REFERENCIAÇÃO
PODE CONTRIBUIR PARA ESTABELECER O SENTIDO DA
ARGUMENTAÇÃO NA CARTA DO LEITOR ...................................................... 126
ANEXO 4 – ENTREVISTA DA REVISTA VEJA ....................................................... 130
ANEXO 5 – ATIVIDADES DE LEITURA REFERENTE À ENTREVISTA............. 133
ANEXO 6 – ATIVIDADE DE PRODUÇÃO TEXTUAL 4 .......................................... 136
9
INTRODUÇÃO
O tema deste estudo está centrado no ensino da referenciação e seus respectivos
efeitos de sentido na produção do texto escrito tendo como perspectiva as regras que
orientam o conceito de transposição didática.
Compreendendo que a transformação da teoria em prática é um dos grandes
problemas que envolvem o ensino da língua na atualidade, erigimos as seguintes indagações:
1. De que modo as intervenções de ensino do conceito de referenciação podem
favorecer o domínio da referida atividade discursiva proporcionando ao estudante
a capacidade de produzir e desenvolver efeitos de sentidos na sua produção
escrita?
2. Quais aspectos podem colaborar para que o professor desenvolva, aprofunde e
potencialize a capacidade de converter a teoria em prática no que diz respeito ao
ensino da escrita?
Estudos recentes têm mostrado que o ensino da leitura e da escrita no Brasil vem
enfrentando grandes dificuldades no que diz respeito à compreensão da teoria. Esses
resultados aparecem nos dados do Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional (INAF) do
período entre 2012 e 2015, calculados pelo Instituto Paulo Montenegro, em parceria com a
ONG Ação Educativa.
Os dados mostram que entre a população brasileira de 14 a 65 anos, a alfabetização
plena (capacidade de ler textos mais longos, relacionando suas partes, comparar e interpretar
informações, distinguir fato de opinião, realizar inferências e sínteses) não foi desenvolvida
totalmente nem mesmo por estudantes do ensino superior: apenas 22% dos indivíduos com
esse grau de instrução apresentaram pleno domínio das habilidades de leitura e de escrita.
Entre aqueles que cursaram um ou mais anos do ensino médio, somente 9% atingiram o
nível de alfabetização plena. No ensino fundamental, o cenário é mais precário: entre os
alunos que estão cursando do 6º ao 9º ano do ensino fundamental ou que já finalizaram essa
etapa de ensino, 32% estão no nível rudimentar (capacidade de localizar uma informação
explícita em textos curtos e familiares, como um anúncio ou pequena carta), e somente 3%
são considerados plenamente alfabetizados. Dos que estudaram até o 5º ano do ensino
fundamental, 49% atingem, no máximo, o grau rudimentar de alfabetismo, e 19% são
considerados analfabetos absolutos.
10
Pesquisas recentes identificam as especificidades das dificuldades acerca do ensino e
da escrita. Entre elas estão as de Duarte (2009), Kusiak (2012), Mesquita (2013) e Brainer
(2012).
Duarte (2009) estabeleceu uma articulação entre o que preconizam os documentos
oficiais e o que efetivamente acontece na sala da aula. Nesse sentido, coordenou o projeto de
pesquisa O papel da linguística na formação do professor das séries iniciais: leitura e
escrita, no período de 2009 a 2011, no Campus Universitário do Baixo-Tocantins, e
investigou como o ensino e a aprendizagem da leitura e da escrita se desenvolviam em
escolas daquela região.
Os dados da pesquisa foram coletados por meio da observação em três classes (salas
de aula) de séries iniciais e de entrevistas com 20 professoras que atuavam na fase da
escolarização. A autora comparou os indicadores oficiais com a realidade sobre o ensino e a
aprendizagem da leitura e da escrita em escolas de Abaetetuba, Moju e Igarapé-Miri,
fazendo, ao mesmo tempo, uma articulação entre a formação inicial dos professores com
suas respectivas práticas pedagógicas. O referencial teórico-metodológico teve como base os
estudos de Smolka (2003) e Bakhtin (1988), autores que consideram a linguagem como
atividade discursiva.
Duarte partiu do pressuposto de que avaliar a proficiência em leitura e escrita é muito
mais do que computar números, resultados, indicadores. Segundo a autora, avaliar a
proficiência nesse sentido é, principalmente, analisar qual concepção de linguagem ancora o
ensino e a aprendizagem de língua portuguesa na escola. É também compreender o que se
espera do aluno quando se almeja que ele seja proficiente em leitura e escrita e quais
conhecimentos são exigidos do professor para que este possibilite ao aluno o domínio da
leitura e da escrita como práticas discursivas.
No que se refere aos alunos, ainda que os dados oficiais demonstrem que a
proficiência em leitura e escrita tenha avançado, Duarte identificou que a realidade das
escolas do Baixo-Tocantins não correspondeu a esse suposto progresso, pois os alunos
apresentaram um baixíssimo desempenho em atividades de compreensão, interpretação e
produção de textos sob uma concepção discursiva da leitura e da escrita. E no que se refere
ao professor, a investigadora concluiu que a formação inicial do professor faz
correspondência com sua prática pedagógica, pois o conhecimento do educador determina a
forma como ele lida com os fenômenos da linguagem no momento de trabalhar com a leitura
e a escrita.
11
Além de mostrar a não correspondência entre os resultados oficiais da avaliação
externa com a realidade do domínio da escrita do aluno, o estudo de Duarte apontou para
uma outra problemática: a ausência do conhecimento apurado sobre concepção discursiva e
o ensino da leitura e escrita por parte do professor; algo que, consequentemente, explica as
razões por que o aluno não aprendeu tais conhecimentos. A constatação de Duarte nos
permite inferir que ou há ausência de políticas públicas voltadas para a formação do
professor de língua portuguesa ou as que existem são insuficientes para atender à demanda.
Outro aspecto que agrava ainda mais esse cenário é observado na pesquisa de Kusiak
(2012): de acordo com a referida autora, a avaliação externa é aplicada para analisar
somente uma perspectiva do ensino da língua materna, e tal instrumento de avaliação
externa diagnostica apenas o ensino da leitura, não contemplando uma análise (nem mesmo
por amostragem) do ensino e da aprendizagem da língua escrita.
Kusiak chegou a essa conclusão por meio da análise da Prova Brasil. A autora define
a Prova Brasil como um instrumento que tem a função de dimensionar os problemas da
educação básica brasileira e orientar a formulação, a implementação e a avaliação de
políticas públicas educacionais que conduzam à formação de uma escola de boa qualidade;
além de poder servir ao professor como objeto de reflexão sobre sua prática escolar e sobre o
processo de construção do conhecimento dos alunos, considerando a aquisição de
conhecimentos e o desenvolvimentos das habilidades necessárias para o alcance das
competências exigidas na educação básica.
A investigadora constatou que, embora as funções da Prova Brasil se voltem, na
teoria, para contribuir para melhorar a qualidade de ensino, ainda assim tal instrumento
apresenta inadequação em relação ao seu propósito, pois não avalia a aquisição da
linguagem escrita: o foco da análise da referida avaliação verifica somente a aquisição da
capacidade leitora dos alunos.
A referida autora sugere que, mesmo no que diz respeito à competência leitora, a
Prova Brasil mostra-se ineficiente para atingir os propósitos para que foi criada, uma vez
que analisa o conhecimento dos alunos apenas por recortes de habilidades como localizar,
identificar, distinguir, estabelecer, inferir, interpretar e reconhecer aspectos de variados
gêneros textuais. A conclusão a que a autora chega é que a Prova Brasil teria seus objetivos
atingidos, com êxito, se fosse organizada considerando a aprendizagem como um processo
complexo que contemplasse o processo de avaliação da escrita e, simultaneamente,
12
mostrasse novas possibilidades educativas que pudessem ser aproveitadas para qualificar o
processo da linguagem escrita.
Mesquita (2013), considerando os problemas comuns relativos ao ensino de Língua
Portuguesa no Brasil e em Portugal, objetivou, a partir de uma perspectiva interacionista
sociodiscursiva (BRONCKART, 1999; 2008; SCHNEWLY; DOLZ, 2004), apresentar e
discutir alguns aspectos da situação da escrita nas salas de aula de escolas públicas de
Portugal comparando-a com a realidade brasileira atual.
Para tanto, Mesquita partiu da hipótese de que as diretrizes propostas pelos
documentos oficiais, divulgadas por meio da publicação e da distribuição dos Parâmetros
Curriculares Nacionais – PCN (BRASIL, 1998), no Brasil; e por meio do Programa
Nacional do Português – PNEP e das Metas Curriculares (BUESCU et al., 2012), em
Portugal.
A autora crê que tais diretrizes não foram tão significativas a ponto de fazerem com
que houvesse uma mudança de concepção tanto de texto quanto de escrita no cenário escolar
e que o texto ainda não se configura como objeto de ensino nas aulas de Língua Portuguesa,
de modo que a escrita se caracteriza ainda como atividade realizada com base em moldes
tradicionais.
Mesquita compreende que, a despeito do cumprimento a diferentes diretrizes
nacionais destinadas a orientar o aluno à produção escrita, os resultados não se mostram
diferentes num país e noutro, o que permite que a autora suponha que apesar de boas
propostas para se trabalhar a escrita em sala de aula, apresentadas e defendidas por
pesquisadores da área e mesmo pelos documentos oficiais, os métodos utilizados pelos
professores não têm apresentado o resultado positivo esperado e a escrita continua sendo
usada como veículo para a transmissão dos conteúdos que interessam somente ao espaço
escolar.
Os dados foram coletados a partir de observação de aulas de Língua Portuguesa dos
alunos do ensino básico (5º ao 9º anos) de escolas públicas portuguesas da cidade de Braga.
O interesse central de observação foi o processo de produção escrita. Além da observação
das aulas, houve a coleta e a análise de textos produzidos pelos alunos por parte dos
professores, cujas aulas foram também alvo de observação. A partir da análise desses dados,
Mesquita almejou responder aos seguintes questionamentos: qual (ou quais) estratégias são
mais eficazes para esse propósito? A partir da análise dos dados coletados, a pesquisadora
concluiu que os professores utilizavam os mesmos métodos para levarem os alunos à
13
produção escrita e que a reescrita não era entendida como etapa do processo de escrita. A
autora justifica que esses resultados podem estar associados ao modo como professores e
alunos concebem a entidade texto, o que, indiretamente, revela o modo como esses sujeitos
concebem a escrita.
Mesquita conclui seu estudo sugerindo que o desenvolvimento da habilidade da
escrita do aluno requer a adoção de uma concepção interacionista de linguagem, com a qual
o aluno possa ser orientado a perceber que a linguagem não é um produto que se apresenta
pronto, mas que se trata de um processo dialógico e que todas as ações de linguagem são
desenvolvidas a partir das interações sociais. A referida autora parte da premissa de que a
produção textual é uma atividade especial, a partir da qual todo o processo de ensino e
aprendizagem é construído e que, para que essa atividade seja produtiva e se concretize
como o espaço ideal para a pluralidade discursiva em sala de aula, é necessário que o
professor saiba conduzir as aulas de modo que, neste dado momento, o aluno tenha, de fato,
sobre o que falar; saiba como proceder linguisticamente e tenha um interlocutor com o qual
possa dividir suas intenções discursivas.
Assumimos assim a necessidade da adoção de uma perspectiva interacionista
sociodiscursiva, uma vez que legitimar essa postura significa considerar a linguagem como a
essência humana.
Mesmo estudos da área da educação que mostram avanços quanto às transformações
das práticas docentes em relação ao ensino da leitura e escrita não apresentam perspectivas
positivas em relação ao conhecimento linguístico do professor. É o caso da pesquisa de
Brainer (2012), cujo principal objetivo foi investigar os conhecimentos usados por
professores ao ensinar a leitura e a escrita aos alunos dos anos iniciais (2º, 3º e 4º anos do
ensino fundamental), em cujas turmas encontram-se crianças sem autonomia para ler e
escrever.
A investigadora procurou responder às seguintes questões: como os professores
ensinavam a ler e a escrever? Por que motivos eles ensinam da maneira que ensinam? De
que conhecimentos eles lançam mão ao escolher ou preferir ensinar do jeito que fazem?
Brainer adotou como fonte de dados questionários, entrevistas, observações de aulas e
análise de atividades elaboradas e ou selecionadas pelas docentes destinadas aos alunos. O
eixo principal da investigação foram os saberes docentes e a alfabetização. Considerando a
perspectiva dos saberes docentes, a autora dialogou com autores do currículo, da didática e
da formação, entre eles: Monteiro (2010, 2007, 2003), Shulman (1987, 1986), Tardif (2002,
14
2000) e Moreira (2000, 1998). Buscando fomentar a perspectiva da alfabetização, dialogou
com estudiosos da psicolinguística, da linguística e da educação: Ferreiro e Teberosky
(1985), Kleiman (1995), Schneuwly e Dolz (2004), Solé (1998), Marcuschi (2005; 2007),
Chartier (2007, 2000), Smolka (1996), Carvalho (2005), Morais (2003, 2005), Mortatti
(2006), Sampaio (2008) e Soares (1997; 2002).
Os principais resultados mostraram que críticas aos professores sobre a permanência
de uma prática de ensino alicerçada numa pedagogia tradicional ou em antigos métodos de
alfabetização restrita à proposição de exercícios repetitivos e enfadonhos não são raras. No
entanto, os discursos e as práticas das professoras participantes do estudo em questão
contrariam essa perspectiva.
Segundo Brainer (2012), no momento de praticar o ensino da leitura e da escrita, as
professoras consideravam os saberes das suas próprias experiências práticas como
suficientes. A referida constatação da atitude das docentes nos permite inferir que as
educadoras não possuíam conhecimento teórico aprofundado sobre a alfabetização a ponto
de trazê-lo para amparar e orientar suas práticas.
Ao focalizarmos o ensino da leitura e da escrita, as professoras dos terceiro e quartos anos identificavam os saberes da experiência como aqueles
fundamentais para alfabetizar e, para elas especificamente, eram
insuficientes tendo em vista suas trajetórias profissionais. Associar a
alfabetização à experiência prática nos levou a questionar o reconhecimento pelas professoras da especificidade do objeto de
conhecimento envolvido no processo de ensino. Entendemos que para
ensinar o conhecimento da matéria ensinada constituísse um dos elementos fundamentais, o que implica no aprofundamento teórico dos estudos
produzidos na área específica. Dada à especificidade da alfabetização,
assumir uma identidade de professor alfabetizador implica maior qualificação à profissional, e consequentemente capacidade de crítica mais
apurada para escolhas metodológicas. (BRAINER, 2012, p. 191).
A observação de Brainer no que se refere à preferência das docentes em embasar o
ensino da alfabetização apenas em suas práticas, deixando de considerar concepções teóricas
que fundamentam tal prática, é um forte indício da falta de políticas assertivas de formação
inicial e continuada para o ensino da língua.
Os índices de alfabetização apresentados pelo INAF e os estudos sobre o ensino e a
aprendizagem da escrita evidenciam que o desempenho insatisfatório apresentado pelos
alunos brasileiros em língua portuguesa demonstra que, embora na atualidade um grande
número de estudantes adentre a escola, em menor escala lhes é garantido um nível
apropriado quanto ao conhecimento da linguagem escrita.
15
Dessa forma, a análise dos resultados das investigações sobre a competência
escritora demonstram que os direitos de ensino e aprendizagem da leitura e escrita na escola,
espaço onde se deve garantir a concretização da realização desses benefícios, não tem
atendido seus interessados de modo a garantir e aprofundar a capacidade leitora e escritora
do discente.
E muitos são os motivos que contribuem para a não realização de tais objetivos.
Entre eles estão: resultados de avaliações externas que demonstram êxito na aquisição da
aprendizagem de leitura de alunos de uma determinada região (que, entretanto, não
convergem com a realidade do local, uma vez que investigações acadêmicas erigidas no
mesmo espaço identificam uma grande dificuldade do aluno); avaliações externas que
avaliam a competência leitora dos alunos da escola pública, mas que não consideram toda
complexidade que envolve tal saber; escassez de avaliações externas que que diagnostiquem
a qualidade de ensino e a aprendizagem da escrita dos alunos das escolas públicas;
insuficiência e/ou ineficiência de políticas públicas voltadas para formação inicial e
continuada para o professor e que garanta a este a apreensão do conhecimento e
compreensão das transformações epistemológicas da língua, bem como a adequada
aplicação do referido saber em sua prática.
Assim sendo, considerando as dificuldades que permeiam o ensino e a aprendizagem
da escrita, propomos um estudo que busca identificar quais estratégias de ensino podem
contribuir para que o aluno domine verdadeiramente os conceitos de língua escrita a ponto
de saber usá-los de modo compatível com suas inúmeras situações de interação.
Justifica-se o presente estudo à medida que apresenta uma proposta de ensino da
produção escrita articulando conhecimentos teóricos desenvolvidos no ambiente acadêmico
com a prática de ensino desenvolvida no espaço escolar, além de buscar identificar e
compreender fatores históricos relacionados à constituição da língua portuguesa que possam
identificar as transformações pelas quais passaram o ensino da língua portuguesa a fim de
compreender quais aspectos favoreceram o aparecimento de uma das grandes problemáticas
que circundam o ensino da língua na atualidade, ou seja, a grande dificuldade em articular o
conhecimento teórico atualizado acerca do ensino da língua com a prática de ensino na
escola.
O objetivo geral da presente investigação buscou analisar os efeitos de sentido da
referenciação nas cartas de leitor produzidas por alunos do nono do ensino fundamental após
uma intervenção de ensino acerca do conceito de referenciação.
16
Consideramos quatro objetivos específicos; são eles:
1. Identificar qual a relação do aluno com a produção textual;
2. Aplicar uma proposta de ensino sobre o conceito de referenciação e seus respectivos
efeitos de sentido;
3. Explicitar as potencialidades dos efeitos do sentido da referenciação no gênero carta
do leitor;
4. Orientar o participante a compor uma carta do leitor visando o uso da referenciação
como recurso para compor o argumento.
As hipóteses que elencadas neste trabalho são:
a) O aluno pode aprender e aprofundar seus conhecimentos sobre a língua escrita
articulando aspectos de sua vivência em sociedade com novos conceitos ensinados
na escola;
b) O professor é capaz de apreender conceitos atualizados desenvolvidos no espaço
acadêmico e, em posse do referido arcabouço teórico, ser autor da sua prática de
ensino da língua portuguesa, convertendo a teoria em prática à medida que lhe seja
garantido o acesso direto ao conhecimento teórico atualizado acerca do ensino da
língua.
O estudo está dividido em quatro capítulos:
O capítulo 1 é intitulado “Referenciação: ensino da escrita”, e está dividido em duas
partes:
1.1 Referenciação e a construção de sentidos: coesão e coerência: que apresenta
os conceitos de coesão e coerência, identificando de que forma esses elementos podem
contribuir para construção de sentidos do texto, e divide-se em três subitens:
1.1.1 Processamento textual e a construção de sentidos
1.1.2 Coesão e referenciação
1.1.3 Coerência e referenciação
1.2 Escrita e referenciação: busca detalhar o conceito de referenciação e a
contribuição desses elementos para a construção de sentido na escrita. Está subdivido em
cinco partes:
1.2.1 Referenciação e produção de sentidos
1.2.2 Estratégias de referenciação escrita
1.2.3 Introdução de referentes no modelo textual
1.2.4 Formas de progressão referencial
17
1.2.5 Funções das expressões nominais
O capítulo 2, “Transposição didática e currículo”, apresenta o conceito de
transposição didática e suas implicações no que tange ao currículo escolar.
O capítulo 3, “Metodologia”, detalha os procedimentos metodológicos abarcados
nesta investigação e dá a descrição do material e do método utilizado, bem como
informações sobre os participantes da pesquisa, o local onde foi realizado o estudo, o
delineamento deste e os instrumentos e procedimentos adotados.
O capítulo 4, intitulado “Apresentação e análise dos dados”, apresenta a descrição e a
análise de 15 produções textuais feitas pelos participantes da pesquisa.
Após as seções “Conclusão” e “Referências”, temos anexos relativos às atividades e
outros documentos usados para esta pesquisa.
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1 REFERENCIAÇÃO: ENSINO DA ESCRITA
Estudos acerca da referenciação evidenciam a relevância da referida atividade
discursiva para promover a progressão do texto e estabelecer efeitos de sentido, por sua vez
a coesão e a coerência são elementos que estão estreitamente relacionados ao processo de
referenciação do texto, e colaboram para que ocorra o processamento textual e composição
dos efeitos de sentido, assim apresentamos, neste capítulo, algumas características dos
referidos conceitos.
1.1 Referenciação e a construção de sentidos: coesão e coerência
Antes de introduzirmos o conceito de referenciação, vamos expor brevemente a
definição do processamento textual, conceito da Linguística de Texto que garante com
grande eficácia a compreensão de como ocorre a atribuição de sentidos ao texto.
1.1.1 Processamento textual e a construção de sentidos
O processamento textual, como dito, é um fenômeno que ampara a construção de
sentidos do texto, e de acordo com Koch (1996, p. 36):
Para o processamento textual contribuem três grandes sistemas de
conhecimento: o linguístico, o enciclopédico e o interacional (cf.
HEINEMMAN; VIEHWEGER, 1991).
A referida autora explicita a características de cada um deles da seguinte forma:
• Conhecimento linguístico: engloba o conhecimento gramatical e o lexical,
cabendo-lhe a função de articular som-sentido. É o conhecimento linguístico
que define, por exemplo, a organização do material linguístico na superfície
textual, a seleção dos meios coesivos de que a língua dispõe para elaborar a
remissão ou a sequenciação textual, e a escolha lexical adequada ao tema e/ou
aos modelos cognitivos ativados.
• Conhecimento enciclopédico (ou conhecimento de mundo): é o que está
armazenado na memória de cada indivíduo, e pode se referir ao conhecimento
do tipo declarativo (proposições a respeito dos fatos do mundo), ou do tipo
procedural (os “modelos cognitivos” socioculturalmente determinados e
adquiridos através da experiência). Esses modelos não só contribuem para
elaborar hipóteses sobre o conteúdo do texto partindo, por exemplo, de um
título ou de uma manchete, mas também favorecem o ato de criar
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expectativas sobre o(s) campo(s) lexical(ais) a ser(em) explorado(s) no texto
e a ação de elaborar as inferências que permitem completar as lacunas ou
incompletudes encontradas na superfície textual.
O conhecimento interacional, segundo Koch (1996, p. 36) “é o conhecimento sobre
as ações verbais, isto é, sobre as formas de interação através da linguagem. Engloba os
conhecimentos do tipo ilocucional, comunicacional, metacomunicativo e superestrutural”.
O conhecimento ilocucional favorece o reconhecimento dos objetivos ou das
intenções que um falante, em determinada situação de interação, deseja atingir. Trata-se, nas
palavras de Koch (1996, p. 36):
[…] de conhecimentos sobre tipos de objetivos (ou tipos de ato de fala),
que costumam ser verbalizados por meio de enunciações características,
embora seja também frequente a sua realização por vias indiretas.
O conhecimento ilocucional por via indireta, de acordo com a referida pesquisadora,
exige dos interlocutores o conhecimento necessário para captação do objetivo ilocucional.
O conhecimento comunicacional está relacionado às normas comunicativas gerais, e
de acordo com Koch (1996, p. 36):
O conhecimento comunicacional é aquele que diz respeito, por exemplo, às
normas comunicativas gerais, como as máximas descritas por Grice (1968);
à quantidade de informação necessária numa situação concreta para que o parceiro seja capaz de reconstruir o objetivo do produtor do texto; à seleção
da variante linguística adequada a cada situação de interação e à adequação
dos tipos de texto às situações comunicativas.
É por meio do conhecimento metacomunicativo que o produtor do texto pode evitar
perturbações previsíveis na comunicação, orientando o interlocutor na construção do sentido
ou para resolver possíveis conflitos. Segundo Koch (1996, p. 37), para evitar perturbações
na comunicação, é necessário introduzir no texto:
[…] sinais de articulação ou apoios textuais, marcadores ou operadores discursivos, macroposições temáticas, etc.; no segundo caso, realiza
atividades metaformulativas específicas, como repetições,
parafraseamentos, resumos, correções, complementações, explicações, entre outras. Trata-se de ações linguísticas com as quais procura assegurar
a compreensão do texto e aceitação dos objetivos com que é produzido,
monitorando com elas o fluxo verbal (cf. MOTSCH; PASCH, 1985).
O conhecimento superestrutural refere-se ao conhecimento sobre estruturas ou
modelos textuais globais, e favorece o reconhecimento de textos como exemplares de classe
ou tipo específico. Está relacionado também ao conhecimento sobre as macrocategorias ou
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sequenciação, e sobre o alinhamento entre objetivos, bases proposicionais e estruturas
textuais globais.
O conhecimento sobre o processamento textual, na conclusão de Koch (1996, p. 37),
agrupa
[…] o saber sobre as práticas peculiares ao meio sociocultural em que
vivem os interactantes, bem como o domínio das estratégias de interação, como a preservação das faces, representação positiva do “self”, polidez,
negociação, atribuição de causas e mal-entendidos ou fracassos na
comunicação, entre outras.
Contribui para o processamento textual um fenômeno denominado textualidade, que,
segundo Costa Val (1991, p. 1), é o “conjunto de características que fazem com que um
texto seja um texto, e não apenas uma sequência de frases”. Além disso, nas palavras da
referida autora, “Beaugrande e Dressler (1983) apontam sete fatores responsáveis pela
textualidade de um discurso qualquer”.
Dois desses fatores que alavancam a textualidade, identificados por Beaugrande e
Dressler, são a coesão e a coerência, elementos que estão relacionados ao material
conceitual e linguístico do texto. Os outros cinco fatores são a intencionalidade, a
informatividade, a aceitabilidade, a situcionalidade, a informatividade e a intertextualidade,
que estão relacionados aos fatores pragmáticos inseridos no processo sociocomunicativo.
Focalizamos, no presente estudo, os aspectos da coesão e coerência relacionados à
referenciação, conforme descrito nos itens a seguir.
Nas duas próximas seções procuramos erigir os conceitos de coesão e coerência
examinando de que forma esses elementos podem contribuir para a construção de sentidos
do texto.
1.1.2 Coesão e referenciação
A coesão deve ser um elemento textual capaz de contribuir para o construto de
sentidos. Em razão da relevância desse conceito é que procuramos identificar as
características da coesão e suas possíveis características na superfície do texto, e ao mesmo
tempo buscamos analisar como a referenciação se relaciona com os aspectos coesivos
textuais.
Fávero (2012) e Koch (1989), tendo como base os estudos sobre coesão da clássica
obra de Halliday e Hassan, autores que compreendem a coesão como um conceito semântico
que se refere às relações de sentido existentes no interior do texto e que o definem como um
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texto, descrevem que a referência, a substituição, a elipse, a conjunção, e a coesão lexical
são os principais fatores de coesão. Beaugrande e Dressler (1981, apud KOCH, 1989)
afirmam que a coesão é possível por meio de dependências de ordem gramatical, de forma
que as palavras e frases, no texto, conectem-se entre si numa sequência linear.
Ao conceituar a coesão, Koch (1989, p.14 ) afirma que “[…] um texto não é apenas
uma soma ou sequência de frases isoladas”. Segundo a referida autora, para que se constitua
a coesão do texto é necessário que as perguntas que possam emergir da produção escrita
possam ser respondidas adequadamente pelos leitores. Para exemplificar sua definição, a
pesquisadora faz uma análise da seguinte fábula de Rubem Alves:
Os urubus e sabiás
(1) Tudo aconteceu numa terra distante, no tempo em que os bichos
falavam… (2) Os urubus, aves por natureza becadas, mas sem grandes dotes para o para o canto, decidiram que, mesmo contra a natureza, eles
haveriam de se tornar grandes cantores. (3) E para isto fundaram escolas e
importaram professores, gargarejaram dó ré mi fá, mandaram imprimir diplomas, e fizeram competições entre si, para ver quais deles seriam os
mais importantes e teriam a permissão de mandar nos outros. (4) Foi assim
que eles organizaram concursos e se deram nomes pomposos, e o sonho de
cada urubuzinho, instrutor em início de carreira, era se tornar um respeitável urubu titular, a quem todos chamavam por Vossa Excelência .
(5) Tudo ia muito bem até que a doce tranquilidade da hierarquia dos
urubus foi estremecida. (6) A floresta foi invadida por bando de pintassilgos tagarelas, que brincavam com os canários e faziam serenatas
com os sabiás… (7) Os velhos urubus entortaram o bico, o rancor
encrespou a testa, e eles convocaram pintassilgos, sabiás e canários para
um inquérito. (8) “– Onde estão os documentos dos seus concursos?” (9) E as pobres aves se olharam perplexas, porque nunca haviam imaginado que
tais coisas houvessem. (10) Não haviam passado por escolas de canto
porque o canto nascera com elas. (11) E nunca apresentaram um diploma para provar que sabiam cantar, mas cantavam simplesmente… “(12) –
Não, assim não pode ser. Cantar sem a titulação devida é um desrespeito à
ordem.” (13) E os urubus, em uníssono, expulsaram da floresta os passarinhos que cantavam sem alvarás… (14) MORAL: Em terra de
urubus diplomados não se ouve canto de sabiá (ALVES, 1984 apud
KOCH, 1989, p. 13-14, grifo da autora).
Koch destaca vários termos no texto de Rubem Alves para elaborar uma série de
perguntas a fim de identificar os aspectos coesivos da fábula:
Veja-se o início tudo aconteceu: “Tudo aconteceu…”. Que “tudo” é esse?
Que foi que aconteceu numa terra distante, no tempo em que os bichos falavam? Em (3) temos o termo isto; “E para isto fundaram escolas...” Isto
o quê? De que se está falando? Ainda em (3) qual é o sujeito dos verbos
fundaram, importaram, gargarejaram, mandaram, fizeram? É o mesmo de
teriam? Fala-se em quais deles: deles quem? E quem são os outros? Qual é o referente de eles em (4)? Em (5), tem se novamente a palavr tudo: “Tudo
ia muito bem...Será que essa segunda ocorrência do termo tem o mesmo
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sentido da primeira? Em (7), a quem se refere o pronome eles? E, seus, em
(8) Quais são as pobres aves de que se fala em (9)? E as tais coisas? E as tais coisas? Elas, em (10), refere-se a pobres aves ou a tais coisas? De que
passarinhos se fala em (13)? (KOCH, 1989, p. 14).
A coesão do texto é comprovada pela autora que responde às referidas perguntas com
base em informações presentes na fábula: assim, tudo em (1) remete a toda a sequência do
texto, sendo, pois um elemento catafórico. Já isto em (3) e tudo em (5) remetem ao
enunciado anterior; o que os caracteriza como elementos anafóricos. Deles em (3) remete a
urubus de (2); que são, por sua vez, os urubus do sujeito (elíptico) da sequência de verbos
(fundaram, importaram, gargarejaram, mandaram, fizeram) em (3).
A pesquisadora, em sua análise, faz um destaque para a questão hierárquica (grau de
importância) dos personagens, identificando que o verbo teriam não se refere a todos os
urubus, e sim a “um subconjunto do conjunto dos urubus, que exclui o complemento
formado por outros”. Já em (4), a autora observa que eles pode remeter a urubus de (2), ou
“ao primeiro subconjunto citado anteriormente”. Semelhante fator ocorre em (7) quando
“eles retoma os velhos urubus que, por sua vez, retoma os urubus citados anteriormente”.
“Seus, em (8), remete a pintassilgos, sabiás e canários. Tais coisas refere-se aos
documentos de que se fala em (8)”. E, por fim, “Os passarinhos, em (13), remete a elas de
(10), que, por seu turno, remete a pobres aves, de (9) e esta expressão a pintassilgos, sabiás
e canários de (7) que retoma (6)” (KOCH, 1989, p.15 ).
Há outro conjunto de elementos, destacado por Koch, que indica relações de sentidos
entre enunciados ou partes de enunciados:
[...] oposição ou contraste (mas, em (2) e (11); mesmo, em (2); finalidade
ou meta (para, em (3) e (11); consequência (foi assim que, em (4); e, em
(7); localização temporal (até que, em (5); explicação ou justificativa (porque, em (9) e (10); adição de argumentos ou ideias em (11) […]
(KOCH, 1989, p.15 , grifo da autora).
Os mecanismos identificados por Koch por meio da fábula de Rubem Alves
contribuem para explicitar como esses elementos tecem o “tecido” (tessitura do texto). Tal
fenômeno, conclui a referida autora, é o que se denomina coesão textual, ou seja,
[…] é possível conceituar a coesão como o fenômeno que diz respeito ao modo como os elementos linguísticos presentes na superfície textual se
encontram interligados entre si, por meio de recursos também linguísticos,
formando sequências veiculadoras de sentidos. (KOCH, 1997, p. 45).
Marcuschi (1983) expõe um ponto de vista semelhante ao de Koch no que se refere à
coesão. Para o referido autor, os fatores de coesão são elementos que garantem a
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sequenciação superficial do texto, ou seja, são mecanismos formais de uma língua que
permitem estabelecer, entre os elementos do texto, relações de sentido.
Destacam-se duas importantes modalidades de coesão: a remissão e a sequenciação.
A coesão por remissão pode ter dois significativos papéis no texto: pode desenvolver a
função de:
1. (re)ativação de referentes; e
2. “sinalização” textual.
A reativação de referentes no texto é possível por meio da referenciação anafórica e
catafórica, conforme o exemplo destacado por Koch na fábula de Rubem Alves: “Assim
tudo em (1), remete a toda sequência do texto, sendo, pois um elemento catafórico” (KOCH,
1989, p.15 ). Já isto em (3) e tudo em (5) remetem ao enunciado anterior; o que os
caracteriza como elementos anafóricos. A reativação de referentes pela referenciação
anafórica e/ou anafórica constituem cadeias coesivas. As cadeias coesivas que retomam
referentes principais ou temáticos (protagonistas e antagonistas, na narrativa; ser que é
objeto de uma descrição; tema de uma discussão, em textos-opinião) como, por exemplo, na
fábula “Os urubus e sabiás”, em que os protagonistas urubus eram personagens
constantemente retomados no conjunto do texto.
Esse tipo de remissão pode ser efetuado por meio de recursos de ordem “gramatical”
– pronomes pessoais de terceira pessoa (retos e oblíquos) e os demais pronomes (os vários
tipos de numerais, advérbios pronominais (aqui, aí, lá, ali) e artigos definidos; ou em razão
de recursos de natureza lexical, como sinônimos, nomes genéricos, descrições definidas ou
mesmo por reiteração de um mesmo grupo nominal ou parte dele, e, por fim, por meio da
elipse. Nos próximos itens deste capítulo apresentaremos exemplos textuais de como ocorre
a reativação de referentes por recursos de ordem gramatical.
Algumas vezes a (re)ativação de referentes a partir de “pistas” expressas no texto
ocorre por meio da inferiação. É possível inferir, por exemplo, o todo a partir de uma ou de
algumas partes; um conjunto com base em um ou mais subconjuntos, como ocorreu na
análise elaborada por Koch (1989, p.15 ): “o verbo teriam não se refere a todos os urubus, e
sim a um subconjunto do conjunto dos urubus, que exclui o complemento formado por
outros”.
Também é possível inferir o gênero ou a espécie a partir de um indivíduo; enfim,
conhecimentos que compõem um mesmo “roteiro”, tendo como base um ou vários de seus
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elementos explícitos na superfície textual, conforme veremos nos exemplos expostos ao
longo deste capítulo.
A catáfora – “remissão para frente” – ocorre comumente por meio de pronomes
demonstrativos ou indefinidos neutros (isto, isso, aquilo, tudo, nada) ou de nomes genéricos,
e também através dos demais tipos de pronomes, de numerais e de advérbios pronominais.
A “sinalização textual” tem como função básica a de garantir a organização do texto,
tornando explícito ao interlocutor “amparos” para o processamento textual através de
“orientações” ou indicações para cima, para baixo (no texto escrito), para frente e para trás,
ou garantindo uma organização entre segmentos textuais ou partes do texto.
Para exemplificar as ocorrências de “apontamento” para trás, podemos incluir os
tipos de remissão com função “distributiva”, conforme o exemplo descrito por Koch (1997,
p.48 ): “Paulo, José e Pedro deverão formar duplas com Lúcia, Mriana e Renata,
respectivamente.”
Koch (1997, p. 49) defende um ponto de vista em relação à “sinalização textual”:
“Sou de opinião que, nesses casos de “sinalização”, seria mais adequado falar de ‘dêixis
textual’, como tem postulado, entre outros, K. Ehlich”.
Sobre o referido ponto de vista, Koch esclarece:
Segundo Ehlich (1981), as expressões dêiticas permitem ao falante obter
uma organização da atenção comum dos interlocutores com referência ao
conteúdo da mensagem. Para consegui-lo, o produtor do texto tem necessidade de focalizar a atenção do parceiro sobre objetos, entidades e
dimensões de que se serve em sua atividade linguística. Assim sendo, o
procedimento dêitico constitui o instrumento para dirigir a focalização do ouvinte em relação a um item específico, que faz parte de um domínio de
acessibilidade comum – o espaço dêitico. Os procedimentos dêiticos
atualizam-se através do uso de expressões dêiticas. Como as atividades de
orientação dêitica são atividades sobretudo mentais, ouso de expressões dêiticas em procedimentos dêiticos constitui uma atividade verbal com fins
cognitivos e, quando bem-sucedida, com consequências de ordem
cognitiva para o interlocutor. (KOCH, 1997, p. 49).
O que Ehlich busca, de acordo com a referida análise de Koch, é contrapor à noção
de anáfora, defendida na maior parte da literatura, ao que se chama de “dêixis textual”,
direcionando seu estudo. Para Ehlich, a “dêixis textual” é identificada como um uso
anafórico ou catafórico específico, e em virtude de tal perspectiva não tem sido considerada
uma “dêixis” propriamente dita. Com base nos pressupostos de Ehlich, Koch apresenta a
seguinte descrição:
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1. A anáfora estabelece uma relação de correferência ou, no mínimo, de
referência, entre elementos presentes no texto ou recuperáveis através da inferenciação; ao passo que a dêixis textual aponta, de forma
indicial, para segmentos maiores ou menores do contexto, com o
objetivo de focalizar neles a atenção do interlocutor.
2. Nos casos de anáfora tem-se, com frequência, instruções de congruência (concordância), o que raramente acontece na dêixis textual, efetuada em
geral por meio de formas neutras e de advérbios ou expressões
adverbiais, portanto invariáveis. 3. Através da remissão anafórica, estabelecem-se no texto cadeias coesivas
ou referenciais, o que não ocorre nos casos de dêixis textual. (KOCH,
1997, p. 51)
Se no caso de ocorrência de anáfora, Koch concorda com o ponto de vista de Ehlich
sugerindo que a dêixis textual não corresponde, integralmente, ao caráter anafórico.
Ao tratar da catáfora, a Koch (1997, p. 51) não defende o mesmo ponto de vista:
“parece-me que fica meio caminho ente os dois fenômenos” (dêixis textual e catáfora); e
apresenta dois exemplos concernentes ao seu ponto de vista: “1. Observem bem isto: não
lhes parece um tanto estranho? 2. Não estava habituado a coisas como estas: ser servido,
receber atenções e homenagens” (KOCH, 1997, p. 51).
A coesão sequenciadora contribui para o texto progredir, oferecendo-lhe a
continuidade dos sentidos. O sequenciamento de elementos textuais pode ocorrer de forma
direta (sem retornos ou recorrências), ou, por vezes, ocorrem na medida em que o texto
progride por meio de recorrências distintas, como de termos ou expressões, de estrutura
(paralelismo), de conteúdos semânticos (paráfrase), de elementos fonológicos ou prosódicos
(similicadência, rima, aliteração, assonância) e de tempos verbais.
A conclusão é que o conceito de coesão textual está relacionado a todos os processos
de sequencialização que garantem ou recuperam uma relação linguística significativa entre
os elementos contidos na superfície textual.
Em suma, entendemos através do conceito exposto que a coesão é um dos fenômenos
mais relevantes para se estabelecer sentido ao texto, e que a referenciação é uma atividade
discursiva que pode contribuir para o construto da coesão e estabelecer sentido ao texto.
1.1.3 Coerência e referenciação
Para Beaugrande e Dressler (1981 apud Koch, 1989, p. 17):
[…] a coerência diz respeito ao modo como os componentes do universo
textual, ou seja, os conceitos e relações subjacentes ao texto de superfície, são mutuamente acessíveis e relevantes, entre si, entrando numa
configuração veiculadora de sentidos.
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Marcuschi (1983), ao se referir aos aspectos da coesão, faz referência à importância
de distinguir coesão e coerência no construto de sentidos do texto. O referido autor concorda
com a opinião de muitos estudiosos dos referidos fenômenos de que os elementos coesivos
são relevantes para o estabelecimento de sentidos, todavia afirma que a coesão não é um
contingente necessário ou suficiente. Além disso, segundo o referido autor há textos cujos
recursos coesivos são inexistentes, mas que ainda assim demonstram continuidade que se dá
ao nível do sentido e não ao nível das relações entre os constituintes linguísticos. Em
contrapartida, há textos que trazem a ocorrência de um sequenciamento coesivo de fatos
isolados que permanecem isolados, e com isso não têm condições de formar uma textura. As
conclusões de Marcuschi levam a considerar as diferenças entre coesão e coerência.
A coerência, de acordo com o referido autor, é identificada como a totalização de
uma complexa rede de fatores de ordem linguística, cognitiva e interacional em que a
simples justaposição de eventos e situações em um texto pode ativar operações que
recobrem ou criam relações de coerência.
Com o objetivo de comprovar que podem existir textos nos quais não haja elementos
coesivos, mas em que a textualidade se dá no limiar da coerência, Koch apresenta o seguinte
exemplo:
Olhar fito no horizonte. Apenas o mar imenso. Nenhum sinal de vida humana. Tentativa desesperada de recordar alguma coisa. Nada. (KOCH,
1989, p. 18).
Ao mesmo tempo, pode haver sequenciamentos coesivos de enunciados que, pela
ausência de coerência, não constituem o texto, como no exemplo a seguir:
O dia está bonito, pois ontem encontrei seu irmão no cinema. Não gosto de
ir ao cinema. Lá passam muitos filmes divertidos.
(KOCH, 1989, p.18).
Antes de seguir com a definição do conceito de coerência, abrimos um espaço para
destacar a importância da coesão para emergir a coerência: é verdadeiro que o aspecto
coesivo textual não compõe condição adequada nem suficiente para que um texto possa ser,
de fato, um texto. Em contrapartida, não podemos deixar de observar que a adequada
aplicação de elementos coesivos potencializa o texto com grande legibilidade, porque
permite que as relações constituídas entre os elementos linguísticos presentes em sua
superfície venham à tona. Prova disso, é que em muitos tipos de textos – científicos,
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didáticos, expositivos, opinativos, por exemplo – a coesão é imprescindível como fator de
manifestação superficial da coerência.
Retomamos o conceito de coerência, que, nas palavras de Koch (1997, p.45 ), “diz
respeito ao modo como os elementos subjacentes à superfície textual vêm a constituir, na
mente dos interlocutores, uma configuração veiculadora de sentidos”.
De acordo com Koch e Travaglia (1990), a coerência é a soma de uma composição
elaborada pelos interlocutores, numa determinada situação de interação, pelo conjunto de
ações de um grupo de fatores de ordem cognitiva, situacional, sociocultural e interacional.
Embora a coerência não se aplique ao texto (ou seja, ela está “na mente dos
interlocutores”), não podemos desconsiderar que ela deve ser construída a partir do texto,
considerando os fatores de coesão contidos na superfície textual, que podem funcionar como
guia para orientar o interlocutor na composição do sentido. E para que possa haver o
desenvolvimento das relações satisfatórias entre tais elementos e o conhecimento de mundo
(enciclopédico), o conhecimento socioculturalmente compartilhado entre os interlocutores e
as práticas sociais acionadas no decorrer da interação, fazendo com que haja a necessidade,
em muitos momentos, de se estabelecer uma análise; recorrendo-se a estratégias de
interpretação, como o ato de inferir, e várias outras estratégias de negociação do sentido.
Koch afirma que a coerência pode ser estabelecida em diversos níveis, entre eles
sintático, semântico, temático, estilístico e ilocucional, colaborando todos eles para a
composição da coerência global.
A posição defendida por Koch (1997, p.53 ) é a de que “sempre se faz necessário
algum tipo de cálculo a partir dos elementos expressos no texto – como acontece na absoluta
maioria dos casos – já se está no campo da coerência”.
Segundo a pesquisadora, para interpretar de modo adequado as relações coesivas que
o texto sugere, nos submetemos a elaborar cálculos específicos considerando o sentido
possível dessas relações. Nessas ocasiões, portanto, é que vêm à tona os limites entre coesão
e coerência. Koch examina, segundo ela, seis zonas de intersecção que favorecem o
construto da coerência:
1. Anáfora semântica, mediata ou profunda – para fazer esse cálculo, é
necessário “extrair” o referente da forma referencial de modelos (“frames”,
“scripts”, “cenários”) armazenados na memória, ou seja, de conhecimentos que
constituem nosso “horizonte de consciência”:
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Como afirma Webber (1980), a relação entre situação discursiva ou
externa, de um lado, e os referentes da anáfora, de outro, é indiretamente mediada pelos modelos dos participantes, de modo que escolher entre os
possíveis antecedentes de uma forma anafórica pode, pois, demandar
habilidades sintáticas, cognitivas, pragmáticas, inferenciais e avaliativas
muito sofisticadas da parte do interlocutor. (KOCH, 1997, p. 54).
A seguir, três exemplos com os aspectos descritos acima:
1. O aposento estava abandonado. As vidraças quebradas deixavam entrar o vento e a chuva.
2. A baleia azul é um animal em vias de extinção. Elas ainda são
encontradas em algumas regiões do globo. 3. Chamaram-me a atenção os lábios vermelhos, os olhos profundamente
azuis, as sobrancelhas bem desenhadas, o nariz fino, a tez morena. Nunca
iria esquecer aquele rosto! (KOCH, 1997, p. 47, grifo da autora).
Os três exemplos exigem que ocorra a introdução contextual de entidades específicas
por meio do conhecimento de mundo comum entre os interlocutores.
2. A forma como é feita a remissão, ou seja, a composição das cadeias coesivas –
a seleção dos elementos linguísticos usados para fazer a remissão, o tom e o
estilo podem constituir índices valiosos das atitudes, crenças e convicções do
produtor do texto, bem como o modo como ele gostaria que o referente fosse
visto pelos parceiros. Remissões por meio de formas diminutivas, por exemplo,
podem sugerir o carinho ou a empatia do produtor pelo referente; ou dependendo
do tom, na fala, certas marcas prosódicas, expressões fisionômicas, gestos, etc.,
uma atitude pejorativa, permitindo, assim, aos interlocutores depreender a
orientação argumentativa que o produtor pretende imprimir ao seu discurso.
3. Referência por meio de expressões definidas – uma das formas de fazer a
remissão são justamente as expressões nominais definidas, ou seja, as descrições
definidas do referente. O uso de uma expressão definida implica sempre fazer
uma opção entre as propriedades ou qualidades que caracterizam o referente. Tal
opção será feita de acordo com aquelas propriedades ou qualidades que, em
específica situação de interação, em função dos objetivos a serem atingidos, o
produtor do texto tem interesse em ressaltar, ou mesmo tornar conhecidas de
seus(s) interlocutor(es). A seguir, Koch (1997, p.55 ) apresenta dois exemplos
desse tipo de remissão:
1. Reagan perdeu a batalha no Congresso. O presidente americano não tem tido grande sucesso ultimamente em suas negociações com o
Parlamento.
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2. Reagan perdeu a batalha no Congresso. O cowboy do faroeste
americano não tem tido grande sucesso com suas negociações com o
Parlamento.
Os exemplos anteriores demonstram que fazer opção por descrições definidas pode
oferecer ao interlocutor dados importantes sobre pontos de vista, crenças, e atitudes do
produtor do texto, amparando-o na composição do sentido. Por sua vez, o locutor pode
também, por meio da descrição definida, garantir ao interlocutor dados que acredita serem
desconhecidos deste, relacionado ao referente textual, com os mais variados propósitos.
Para exemplificar a afirmação anterior, Koch apresenta um exemplo em que o
locutor anuncia ao(s) parceiro(s) que Pedro é o atual namorado de sua irmã ou mesmo
colocar em evidência a troca de namorado da irmã: “Pedro não foi classificado no concurso.
O novo namorado de minha irmã não anda realmente com muita sorte” (KOCH, 1997, p.
55).
4. A seleção dos campos lexicais e a seleção de modo geral – a seleção lexical
mostra-se de grande valia para a construção do sentido. É possível fornecer aos
interlocutores pistas relevantes para compor a interpretação do texto e a
compreensão das finalidades com que é produzido, fazendo o uso de fórmulas de
endereçamento, de uma específica variante da língua, de gírias ou jargões
profissionais, de específicos tipos de adjetivação, de termos diminutivos ou
pejorativos e assim por diante.
5. Ambiguidades referencial – quando, no texto, emergem vários candidatos
possíveis a referentes de uma forma remissiva, torna-se necessário recorrer a um
cálculo para identificação do referente adequado. O referido cálculo terá de levar
em consideração o contexto e as possíveis instruções de congruência oferecidas
pela forma remissiva, isto é: as predicações elaboradas tanto sobre a forma
remissiva, como sobre os eventuais referentes, para só então formalizar a
“união” entre a forma referencial ambígua e o referente considerado adequado.
Assim sendo, torna-se necessário recorrer ao nosso conhecimento de mundo e do
contexto sociocultural em que nos encontramos alocados, além de outros
critérios como a saliência temática.
6. Encadeamento por justaposição – ao fazer o encadeamento de enunciados
apenas por justaposição, ausentando a relação que se pretende garantir entre eles
por meio de sinais de articulação (conectores, termos de relação, partículas de
transição entre segmentos textuais), resta ao interlocutor, com base em seus
30
conhecimentos linguísticos e enciclopédicos, superar essa falta. Koch apresenta
dois exemplos referentes ao encadeamento por justaposição:
1. Não desejava ser vista por ninguém. Estava suja, cabelos em desalinho, o rosto banhado de lágrimas. Poderiam imaginar coisas a seu respeito. Não
queria pôr a perder a boa imagem que tinha dela.
2. Olhar fixo no horizonte. Apenas o mar imenso. Nenhum sinal de vida humana, Tentativa desesperada de recordar alguma coisa. Nada. (KOCH,
1997, p. 57).
As seis zonas de intersecção examinadas por Koch (1997, p.57 ) evidenciam duas
perspectivas da construção da coerência pelos leitores: a primeira “que o interlocutor, em
geral, não tem dificuldade em reconstruir a conexão do falante”, uma vez que faça uso dos
“processos cognitivos como, por exemplo, a ativação de frames1, a partir dos elementos que
se encontram expressos na superfície textual”; e a segunda é “outros casos existem, os quais
exigem dos interlocutores o recurso a processos e estratégias de ordem cognitiva para
procederem ao ‘cálculo’ do sentido”.
Portanto, o que fica evidente é que coesão e coerência são fenômenos distintos.
Todavia, muitas vezes há um entrelaçamento entre eles em razão do processamento textual e
a referenciação consiste na atividade discursiva realizada por esses dois fenômenos.
1.2 Escrita e referenciação
O conceito de referenciação destacou-se por meio dos estudos erigidos por Mondada
e Dubois (2003). As estudiosas divergem do modelo teórico que compreende as palavras
como uma representação precisa do mundo. Segundo as autoras, ocorre o contrário: ou seja,
não há imutabilidade entre palavra e objeto designado – há, sim, no texto uma mutabilidade
referencial, que muda de acordo com o ato de enunciação no espaço das relações
interpessoais.
Seguindo tal lógica, o referente é construído na interação. Assim, para enfatizar o seu
aspecto processual, procedeu-se chamá-lo de processo de referenciação. Na perspectiva de
Mondada e Dubois, o ato de enunciação cria categorias referenciais que modificam e se
modelam na progressão do texto. Por assim dizer, são retomadas e recategorizadas durante a
produção textual, construindo os objetos de discurso:
[…] as categorias e os objetos de discurso pelos quais os sujeitos
compreendem o mundo não são nem preexistentes, nem dados, mas se
1 De acordo com Bentes (2012, p. 282), frame é o “conhecimento de senso comum sobre um conceito central,
e seus componentes podem ser trazidos à memória sem uma ordem ou sequência”.
31
elaboram no curso de suas atividades, transformando-se a partir dos
contextos. Neste caso, as categorias e os objetos do discurso são marcadas por uma instabilidade constitutiva, observável através de operações
cognitivas ancoradas nas práticas verbais e não verbais, nas negociações
dentro da interação. (MONDADA; DUBOIS, 2003, p. 17).
Concordando com o contínuo construto das expressões referenciais pelos
participantes durante o discurso, Marcuschi complementa a análise de Mondada:
[…] a maneira como dizemos aos outros as coisas é muito mais uma
decorrência de nossa atuação discursiva sobre o mundo e de nossa inserção sociocognitiva no mundo, pelo uso de nossa imaginação em atividade de
integração conceitual, do que simples fruto de procedimentos formais de
categorização linguística. O mundo comunicado é sempre fruto de um agir
comunicativo, construtivo e imaginativo, e não de uma identificação de realidades discretas e formalmente determinadas. (MARCUSCHI, 2001, p.
25).
1.2.1 Referenciação e produção de sentidos
Koch e Elias (2009) apresentam em sua obra Ler e escrever o conceito de
referenciação e sua relevância para a construção de sentidos na produção escrita. As autoras
concordam que o desenvolvimento da atividade de escrita tem em comum com a fala alguns
fazeres, entre eles: fazer continuamente referências a algo, a alguém, a fatos, a eventos, a
sentimentos e assim por diante; manter em evidência os referentes introduzidos por meio da
operação de retomada; e tirar do foco referentes e deixá-los em espera para que outros
referentes possam ser introduzidos no discurso.
Para as referidas autoras, a referenciação é um campo de estratégias “por meio das
quais são construídos os objetos de discursos e mantidos ou desfocalizados na
plurinearilinearidade do texto” (KOCH; ELIAS, 2009, p. 131).
Custódio Filho evidencia a ideia das múltiplas funções da referenciação enfatizadas
por Koch e Elias (2009):
Podemos dizer que a referenciação é uma proposta teórica que fortalece o
“poder” da anáfora. Essa categoria não pode mais ser entendida nos limitados moldes da relação de identificação entre sintagmas presentes
num texto. Ela é, na verdade, a unidade poderosa que revela um complexo
trabalho sociocognitivo-discursivo de abordagem da realidade, passível de retomar elementos os mais diversos e de realizar múltiplas funções
(CUSTÓDIO FILHO, 2012, p. 843).
32
Quadro 1 – Texto de exemplo 1: “Laura procura emprego”
Laura procura emprego
Laura está procurando emprego. Ela fez curso de secretariado, fala inglês intermediário e
concluiu o ensino médio. A adolescente encaminha seus currículos para muitas empresas. As
multinacionais estão na lista de sua predileção. As vantagens que essas empresas oferecem são bem
atrativas: oferecem plano de carreira; investem na formação acadêmica e profissional dos seus
funcionários; e com o objetivo de incentivar o trabalhador a permanecer motivado na realização de
suas tarefas, investem na qualidade de vida dos empregados. Não é sem razão que Laura prioriza
essas empresas na hora de divulgar seu perfil profissional.
Fonte: elaborado pela autora
Na produção anterior, o referente inicial ‘Laura’ é retomado e mantido em evidência
pelo pronome ‘ela’, depois pela expressão ‘adolescente’ e por último pelo pronome
possessivo ‘sua’. O mesmo não acontece com a expressão ‘multinacionais’, que atribui um
caráter predicativo à expressão nominal ‘empresas’.
As autoras explicam a diferença entre referenciação e progressão referencial:
O processo que diz respeito a diversas formas de introdução, no texto, de
novas entidades ou referentes é chamado de referenciação. Quando tais referentes são retomados mais adiante ou servem de base para a introdução
de mais referentes, tem-se o que se denomina de progressão referencial.
(KOCH; ELIAS, 2009, p. 132).
Há duas formas de retomada do referente: a retrospectiva ou anafórica, como o
apresentado no trecho ‘Laura procura emprego’, e a forma prospectiva ou catafórica, como
no Quadro 2 a seguir:
33
Quadro 2 – Texto de exemplo 2: “O esperado de todos os anos”
O esperado de todos os anos
Os preparativos para a chegada do esperado de todos os anos podem iniciar entre fevereiro e
março e seguem doze meses pela frente; mas não pense que é um período entediante – pelo
contrário: durante esse tempo começam as arrumações. Do que sobrou da última estada dele por
aqui, há tentativa de reciclar e reaproveitar os restos, que talvez sirvam como adereços para o
próximo encontro com ele. A seleção das músicas que vão embalar sua visita é criteriosa, os ensaios
altamente organizados, as alegorias demonstram profundo estudo por parte de quem as criou. Para
recepcioná-lo, chegam mulheres lindas, ótimos bailarinos e tudo, tudo é preparado com o maior
rigor, luxo e bom gosto. Até que chega o grande momento, e lá vem ele entrando, sambando pela
passarela afora: é ele, o Carnaval!
Fonte: elaborado pela autora
A noção de referência foi substituída pela noção de referenciação. A referenciação ou
progressão referencial abrange a construção e reconstrução de objetos do discurso. Eles não
representam o mundo real e não são rótulos que nomeiam coisas do mundo: eles se
constroem e se reconstroem no núcleo do próprio discurso considerando nossa percepção de
mundo, nossas crenças, atitudes e propósitos comunicativos.
No exemplo anterior, a expressão ‘O esperado de todos anos’ tem seu sentido
estabelecido somente nesse texto: refere-se ao ‘Carnaval’. Teríamos dificuldades em
identificar o referente fora do contexto, pois ele é constituído no espaço do texto. A
composição textual requer mais do que o conhecimento linguístico e dos conteúdos
inferenciais que podem ser analisados a partir dos elementos nele contidos, como, por
exemplo, os conhecimentos lexicais, enciclopédicos e culturais; e aos espaços comuns de
uma determinada comunidade, essa compreensão também requer os conhecimentos, as
opiniões e os juízos erigidos no momento da interação autor-texto-leitor. Tal análise
evidencia o que afirma Marcuschi sobre o caráter criativo da referenciação:
A referenciação é uma atividade criativa e não um simples ato de
designação. Diante disso, a construção referencial deve ser tida como
central na aquisição da língua, estendendo-se todas as ações linguísticas. Considerando que a língua em si mesma não providencia a determinação
semântica para as palavras e as palavras isoladas também não nos dão sua
dimensão semântica, somente uma rede lexical situada num sistema sócio-
interativo permite a produção de sentidos. (MARCUSCHI, 2007, p. 69).
34
Portanto, os referentes são construídos e reconstruídos durante a produção da escrita.
As formas de referenciação são produtos de escolhas do produtor do texto conduzidas pelo
princípio da intersubjetividade.
1.2.2 Estratégias de referenciação e escrita
A estratégia de referenciação é composta de três características: introdução;
retomada; e desfocalização.
• Introdução (construção): refere-se à introdução de um objeto ainda não
apresentado no texto, e a expressão linguística que o representa fica em evidência
no texto. Isso ocorre com a expressão ‘Laura’ no texto do Quadro 1, ‘Laura
procura emprego’.
• Retomada (manutenção): acontece quando um ‘objeto’ já contido no texto é
retomado por meio de uma forma referencial, fazendo com que o objeto de
discurso permaneça em evidência. Na produção ‘Laura procura emprego’, é
possível verificar a retomada nas expressões ‘ela’, ‘adolescente’ e ‘sua’, que se
referem à expressão nominal ‘Laura’.
• Desfocalização: verifica-se quando há introdução de um novo objeto do discurso
que passa a ocupar o foco. O objeto retirado de foco continua em estado de
ativação parcial, ou seja, ele permanece disponível para utilização imediata
quando necessário. A expressão que representa a desfocalização no texto ‘Laura
procura emprego’ é “As multinacionais estão na lista de sua predileção. As
vantagens que essas empresas oferecem são bem atrativas: oferecem plano de
carreira; investem na formação acadêmica e profissional dos seus funcionários; e
com o objetivo de incentivar o trabalhador a permanecer motivado na realização
de suas tarefas, investem na qualidade de vida dos empregados”.
Sobre as estratégias de referenciação, Koch e Elias (2009) concluem que tais
estratégias permitem que os referentes contidos no texto se modifiquem ou se ampliem,
possibilitando que, no decorrer do processo de compreensão (pelo aparecimento
sistematizado de novas categorizações e avaliações do referente), crie-se na memória do
leitor ou ouvinte uma representação altamente complexa.
Em suma, as estratégias de referenciação no processo de escrita podem ser
compreendidas como um ato altamente sistematizado e intencional do produtor. As escolhas
de como serão conduzidas tais estratégias pelo escritor representa muito de sua
35
subjetividade. Portanto, compreender como é depreendida a aquisição do conceito de
referenciação pelo aluno analisando sua própria produção textual pode apontar caminhos
para novas estratégias de ensino desse conceito e de outros mais.
1.2.3 Introdução de referentes no modelo textual
Os dois tipos de processo introdução de referentes textuais são: ativação ‘ancorada’ e
‘não ancorada’. A introdução não ancorada ocorre no momento em que o escritor introduz
no texto um novo objeto do discurso, como no Quadro 3 a seguir:
Quadro 3 – Texto de exemplo 3: “O dia em que as Olimpíadas passaram na minha rua”
O dia em que as Olimpíadas passaram na minha rua
Minha mãe me chamou: “Vem, vem logo! Vem ver!”. Não dei a menor bola, estava
concentrado em vencer meu jogo de videogame. Ela chamou de novo. Fiquei irritado. Isso estava
me desconcentrando e me deixando cada vez mais perto da derrota. Dali a pouco, ela de novo:
“Vem, menino! Vem ver o fogo passar!”. Que droga, mãe! O que eu tenho com isso?! “Vem,
menino bruto! Vem ver a tocha olímpica!”
Fonte: elaborado pela autora
No texto do Quadro 3 acima, a palavra ‘fogo’ aparece no início do texto para
posteriormente introduzir a palavra ‘tocha olímpica’. O termo ‘fogo’ representa uma
expressão nominal, e funciona como uma primeira categorização do referente.
O produtor do texto compõe uma introdução ancorada quando um novo objeto de
discurso é apresentado no texto, partindo de um tipo de relação com elementos já contidos
no cotexto ou no contexto sociocognitivo dos interlocutores.
Antes de prosseguirmos discorrendo sobre a referenciação, esclarecemos que a
definição de contexto considerada no presente estudo é a que abrange não só cotexto como a
situação imediata (o entorno social, político e cultural), mas também o contexto
sociocognitivo dos interlocutores, que, segundo Koch (2002), agrupa todos os tipos de
conhecimentos arquivados na memória dos sujeitos sociais.
36
Quadro 4 – Texto de exemplo 4: “O dono da bola”
O dono da bola
Os garotos aproveitaram o período das férias para organizaram o campeonato. As equipes já
estavam formadas, os atletas escalados. Até que um problema surgiu: a bola resolveu abandonar o
torneio junto com o seu dono!
Fonte: elaborado pela autora
A expressão ‘a bola’ não diz respeito a um referente contido no texto, mas faz
menção a informações estabelecidas no cotexto antecedente.
Segundo Koch (2002; 2004), não existindo no cotexto um antecedente explícito, a
existência de um elemento de relação âncora pode ser um fator determinante para a
interpretação. No texto de exemplo do Quadro 4, ‘O dono da bola’, a palavra ‘campeonato’
serve de âncora para compreender a relação estabelecida com a expressão ‘bola’ e constituir
a relação de sentido do texto.
Para Marcuschi (2005), a anáfora indireta é comumente compreendida por
expressões nominais definidas e pronomes cuja interpretação referencial acontece sem que
haja correspondência com um antecedente ou subsequente explícito no texto. O autor
explica que o que acontece é um processo de referenciação implícita onde há organização de
uma estratégia de ativação de novos referentes, e não de retomada de referentes conhecidos.
O processo de referenciação implícita é acionado tendo como base elementos
textuais ou modelos mentais e exerce uma contribuição fundamental no desenvolvimento da
progressão e coerência do texto. Cavalcante (2004) apresenta uma análise de anáfora
indireta do trecho a seguir:
Quadro 5 – Texto de exemplo 5
Abro uma antiga mala de velharias e lá encontro minha máscara de esgrima. Emocionante o
momento em que púnhamos a máscara – tela tão fria – e nos enfrentávamos mascarados sem
feições. A túnica branca com o coração em relevo no lado esquerdo do peito, “olha esse alvo sem
defesa, menina, defenda esse alvo!” – advertia o professor, e eu me confundia e o florete do
adversário tocava reto no meu coração exposto.
Fonte: Telles (1998 apud CAVALCANTE, 2004)
De acordo com a análise de Cavalcante (2004), as expressões ‘máscara’ e ‘esgrima’
são âncoras que são reativadas pelo novo referente ‘A túnica branca com o coração em
relevo’, trazendo-as para o foco e caracterizando, assim, uma recuperação indireta. Ocorre
37
processo semelhante quando o referente ‘esgrima’ é refocalizado pela anáfora indireta ‘o
florete adversário’. Todavia, só é possível identificar que se trata da descrição de uma aula
de esgrima quando se dá a introdução da entidade ‘o professor’, com a apresentação do
predicado ‘advertia’ seguido da orientação do professor indicada pelas aspas.
Quadro 6 – Texto de exemplo 6: “O garoto esguio”
O garoto esguio
O garoto era esguio, os braços e as pernas fracos, os lábios ressecados, os olhos fundos, a
barriga roncava denunciando a fome.
Fonte: elaborado pela autora
‘Os braços e as pernas fracos’, ‘lábios ressecados’, ‘olhos fundos’ e ‘a barriga
roncava’ constituem expressões definidas que estão ancoradas na expressão do início do
texto do Quadro 6: ‘o garoto’. As expressões definidas representam a parte que compõe o
todo, ou seja, ‘o garoto’. Essa relação ‘meronímica’ parte-todo também ocorre no texto a
seguir:
Quadro 7 – Texto de exemplo 7: “A menina que era invisível”
A menina que era invisível
Quando entrei na sala notei sua presença. Havia algo de diferente, a menina estava mudada.
Os cabelos, antes alisados, amordaçados e controlados pelos processos químicos, agora estavam
livres, os cachos soltos espalhados pela cabeça, e os fios enrolados e escuros combinavam
perfeitamente com a cor negra da pele e o escuro dos olhos. Todos os dias ela estava lá, mas foi a
primeira vez que a enxerguei.
Fonte: elaborado pela autora
As expressões definidas ‘cabelos alisados’, ‘os cachos soltos’, ‘os fios enrolados e
escuros’, ‘a cor negra da pele e o escuro dos olhos’ ancoram-se na expressão ‘a menina’.
Em ambos os textos, as expressões definidas estabelecem uma relação com os termos
(o garoto e a menina) que as ancoram, portanto, não as retomam, e que por essa razão
configuram anáforas indiretas. É o que ocorre com o texto ‘Voltei para a escola’ no Quadro
8 a seguir:
Quadro 8 – Texto de exemplo 8: “Voltei para a escola”
Voltei para a escola
Mandei muitos currículos, fiz inúmeras entrevistas de emprego, mas não surgia nenhuma
38
resposta positiva ao meu pedido de emprego. Até que um dia fui chamado por uma empresa para
comparecer para um teste. Tive de fazer uma redação, fui reprovado e continuei desempregado.
Depois disso me vi obrigado a voltar para a escola.
Fonte: elaborado pela autora.
No texto do Quadro 8 acima, a expressão referencial ‘escola’ é introduzida ancorada
na expressão ‘redação’, cujo modelo mental pode ser associado a ‘redação’, ‘professor’,
‘escrita’ e assim por diante.
1.2.4 Formas de progressão referencial
A progressão referencial é constituída de retomadas ou remissões a um mesmo
referente e pode ser concretizada por uma variedade de elementos linguísticos: formas de
valor pronominal; numerais; alguns advérbios locativos; elipses; formas nominais reiteradas;
formas nominais sinônimas ou quase sinônimas; formas nominais hiperonímicas e nomes
genéricos.
Para garantir a continuidade de um texto é preciso estabelecer um equilíbrio entre duas exigências fundamentais: repetição (retroação) e
progressão. Isto é, na escrita de um texto, remete-se continuamente a
referentes que já foram antes apresentados e, assim, introduzidos na memória do interlocutor, e acrescentam-se as informações novas, que, por
sua vez, passarão também a constituir o suporte para outras informações
(KOCH; ELIAS, 2009, p. 137-138).
As formas pronominais de progressão referencial compõem pronomes (pessoais de
terceira pessoa, possessivos, demonstrativos, indefinidos, interrogativos e relativos).
Quadro 9 – Texto de exemplo 9
A mãe ficou perplexa quando soube do baixo desempenho do filho na escola. Ainda assim,
não quis mostrar o boletim ao marido. Precisava acalmar os ânimos do pai do garoto. Ela sabia que,
desta vez, ele deixaria de pagar a escola particular ao filho, e o mandaria para uma instituição de
ensino pública.
Fonte: elaborado pela autora
No exemplo do Quadro 9 acima é possível identificar a progressão referencial com o
uso das formas pronominais. O pronome ‘ela’ faz referência ao termo ‘mãe’; o pronome
‘ele’ também faz referência ao marido da mãe e pai do garoto. O termo ‘o’ refere-se ao filho.
No próximo exemplo (Quadro 10), identificamos a progressão referencial por meio
dos numerais ordinais. Os números ordinais (primeira, segunda e terceira) referem-se às
39
‘três razões’. A progressão também pode ocorrer por numerais cardinais, multiplicativos e
fracionários.
Quadro 10 – Texto de exemplo 10
São muitos os motivos para a insatisfação política e econômica atualmente, mas
apontaremos três razões: a primeira diz respeito aos escândalos protagonizados por nossos
representantes governamentais por conta dos desvios e gastos inapropriados do dinheiro público; a
segunda é a onda de desemprego causada, sobretudo, por causa do fechamento de muitas indústrias;
e a terceira é a falta de políticas públicas assertivas para diminuir o desequilíbrio social que assola
nosso país.
Fonte: elaborado pela autora
Como no exemplo seguinte (Quadro 11), alguns advérbios locativos, como ‘ali’ e
‘lá’, permitem a progressão referencial da expressão ‘local da prova’.
Quadro 11 – Texto de exemplo 11
Finalmente, marcaram a data e o local para a prova do teste de direção automotiva. Pois
bem, no dia combinado ali estava eu, e de novo a tremedeira nas pernas, e como já esperado não fui
aprovado. Sabia que um mês depois lá estaria eu, no mesmo lugar, refazendo o teste, e, quem sabe,
com sorte seria aprovado.
Fonte: elaborado pela autora
O texto no Quadro 12 a seguir apresenta a progressão referencial por meio de elipse
(omissão de uma expressão recuperável pelo contexto). Os verbos (foi, observou, comparou,
ficou, percebeu, tinha, precisava, decidiu) e a expressão ‘alarmada’ permitem a
identificação e a retomada de um personagem feminino na terceira pessoa do singular:
Quadro 12 – Texto de exemplo 12
Esta manhã, como de costume, foi ao mercado, observou o preço de tudo, comparou o preço
de produtos de outros mercados, ficou alarmada com o alto valor da cesta básica e percebeu que o
dinheiro que tinha não dava para comprar quase nada do que precisava. Decidiu então voltar para
casa sem comprar nada.
Fonte: elaborado pela autora
O texto de exemplo ‘A tesoura” (Quadro 13) apresenta uma forma nominal reiterada
de progressão referencial:
40
Quadro 13 – Texto de exemplo 13: “A tesoura”
A tesoura
A tesoura é ferramenta de trabalho da costureira. O artista usa a tesoura como instrumento
de trabalho. O professor pode usar a tesoura e também pedir ao seu aluno que faça uso da tesoura. A
estilista tem a tesoura como companheira bem útil de trabalho. A tesoura é usada por cirurgiões. Os
curativos dos enfermeiros podem ser feitos por tesoura. A tesoura tem inúmeras utilidades e é usada
por diversos profissionais.
Fonte: elaborado pela autora
Formas nominais sinônimas ou quase sinônimas podem compor a progressão
referencial como nas expressões ‘mulher’ e ‘a bela dama’ do trecho seguinte (Quadro 14):
Quadro 14 – Texto de exemplo 14
Fazia tempo que não colocava os olhos naquela mulher, mas ela estava muito mudada. A
bela dama trazia na face marcas de muito sofrimento.
Fonte: elaborado pela autora
As formas nominais hiperonímicas (relação parte-todo) podem compor a progressão
referencial. O texto do Quadro 15 a seguir introduz o termo ‘répteis’ representando o todo da
forma nominal ‘as cobras’ (a parte).
Quadro 15 – Texto de exemplo 15
Os trabalhadores do canavial estavam assustados, e entre as coisas que os assustavam
estavam as péssimas condições de trabalho, a baixa remuneração e as cobras venenosas presentes
nas plantações, mas o que estava matando mais rápido os trabalhadores eram os répteis.
Fonte: elaborado pela autora
Nomes genéricos podem constituir progressão referencial. O termo ‘zona urbana’
generaliza os termos ‘pedras’, ‘tijolos’, ‘carros’, ‘asfalto’, ‘prédios’, ‘fumaça’ e ‘poluição’
no exemplo a seguir (Quadro 16); assim como o termo ‘zona rural’ generaliza os termos
‘poucas árvores’, ‘bichos famintos’ e ‘escassos pomares’.
Quadro 16 – Texto de exemplo 16
De um lado avistávamos pedras, tijolos, carros, asfalto, prédios, muita fumaça, poluição. Era
evidente o aspecto dinâmico da zona urbana. Do outro lado, enxergávamos poucas árvores, bichos
famintos, escassos pomares. Era inegável a deterioração da zona rural.
Fonte: elaborado pela autora
41
Quando remetemos seguidamente a um mesmo referente ou a elementos
estreitamente ligados a ele, formamos, no texto, cadeias anafóricas ou referenciais. Esse movimento de retroação a elementos já presentes no
texto – ou passíveis de serem ativados a partir deles – constitui um
princípio de construção textual, praticamente todos os textos possuem uma
ou mais cadeias referenciais. (KOCH; ELIAS, 2009, p. 144).
Koch e Elias (2009) apresentam três sequências de cadeias anafóricas referenciais:
sequências descritivas; sequências narrativas e sequências expositivas. Em se tratando das
sequências descritivas há, no mínimo, uma cadeia relativa ao elemento descrito.
Quadro 17 – Texto de exemplo 17
Marina sempre foi aluna de destaque na escola. É atualmente uma bem-sucedida empresária.
Apesar do sucesso demonstrado até o momento, no ano passado a comerciante em ascensão teve
problemas com a Receita Federal.
Fonte: elaborado pela autora
No exemplo anterior (Quadro 17) é possível identificar relação a partir da expressão
nominal ‘Marina’, que é seguida de uma sequência descritiva com o uso das expressões
‘aluna de destaque na escola’, ‘uma bem-sucedida empresária’ e ‘comerciante em ascensão’.
A sequência descritiva retoma os elementos nominais ‘Marina’, constituindo a cadeia
anafórica.
As sequências narrativas compõem cadeias relacionadas ao protagonista, antagonista,
outros personagens, espaço, objetos ou outros aspectos da história a seguir (Quadro 18).
Quadro 18 – Texto de exemplo 18: “Era uma vez três velhinhos”
Era uma vez três velhinhos
Eram três velhinhos que viviam num asilo no interior de São Paulo. O lugar era bem grande,
tinha muitos quartos, e mesmo assim os homens dormiam no mesmo quarto, mas ainda bem que
repousavam em camas separadas.
Um dos anciões era surdo, era o mais velho deles. O segundo era cego e o terceiro era
mudo. Acho que era por isso que colocaram eles para dormirem no mesmo quarto.
Os senhores não estavam nada satisfeitos com a acolhida da casa de repouso e planejavam
fugir. Para isso, já tinham tudo arranjado: iam subornar o segurança de lá, que era um sujeito mal-
encarado, mas que, segundo os sexagenários, como todo homem havia de ter o seu preço também…
Fonte: elaborado pela autora
Na sequência narrativa anterior (Quadro 18) há uma cadeia relacionada ao espaço,
que é introduzida inicialmente com a expressão nominal ‘asilo’, e depois segue-se uma
42
sequência narrativa com as expressões ‘lugar’, ‘casa de repouso’ e ‘lá’. Com a descrição dos
personagens ocorre algo similar: a expressão nominal inicial é ‘velhinhos’, depois ‘homens’,
‘anciões’, ‘deles’ e ‘sexagenários’. A descrição individual dos três personagens
protagonistas é introduzida com a descrição do primeiro ‘ancião’, que além de ser ‘surdo’ é
o ‘mais velho’, por conseguinte ‘o segundo’ ‘é cego’ e por último ‘o terceiro’, que ‘é mudo’.
A descrição do personagem secundário é introduzida pela expressão nominal ‘segurança’,
que posteriormente é retomada pela expressão ‘sujeito mal-encarado’.
A cadeia anafórica principal das sequências expositivas está relacionada à ideia
central desenvolvida, cabendo outras ideias referentes ao processo de exposição.
Quadro 19 – Texto de exemplo 19: “Bebê gigante”
Bebê gigante
O bebê nasceu com seis quilos e meio e sessenta centímetros. O recém-nascido tem o peso e
tamanho acima da média. Agora os médicos tentam descobrir quais razões levaram a criança a
crescer além da conta. Enquanto isso, os pais do bebê gigante celebram a boa saúde do garoto.
Fonte: elaborado pela autora
No texto anterior (Quadro 19), a informação principal ‘o bebê nasceu com seis quilos
e meio e sessenta centímetros’ é relacionada aos termos ‘recém-nascido’, ‘a criança’, ‘bebê
gigante’ e ‘garoto’, compondo uma cadeia anafórica.
Segundo Koch e Elias (2009), uma das formas mais ricas de progressão é aquela que
pode ser realizada por meio de expressões nominais, ou seja, expressões que possuem um
núcleo nominal (substantivo), acompanhado ou não de determinantes (artigos, pronomes,
adjetivos, numerais) e modificadores (adjetivos, locuções adjetivas, orações adjetivas). As
autoras citam algumas expressões como exemplos: a aluna; aluna estudiosa; a aluna de
francês; a aluna que ganhou o prêmio; alguma aluna; esta aluna; a primeira aluna da
classe/duas alunas/estas duas alunas/todas estas alunas; os dois livros que a aluna
comprou; minha querida da 8ª série, e assim por diante.
1.2.5 Funções das expressões nominais
As formas ou expressões nominais exercem uma série de funções para a construção
dos sentidos no texto ao estabelecerem a progressão textual. Entre as funções estão: a
organização do texto, nos níveis macroestrutural e microestrutural; a recategorização de
referentes; explicação de termos por meio de sinonímia e hiperonímia, bem como a
definição de termos que se pressupõem desconhecidos do leitor;
43
sumarização/encapsulamento de segmentos textuais antecedentes ou subsequentes, por meio
de rotulação; e orientação argumentativa do texto. As formas ou expressões nominais
contribuem para a organização no nível micro e no nível macroestrutural.
No nível microestrutural, são elementos importantes para estabelecimento da coesão
textual, conforme identificamos em alguns textos apresentados anteriormente.
No nível macroestrutural, são algumas vezes responsáveis pela apresentação de
novos referentes, novas sequências ou episódios da narrativa e, portanto, pela paragrafação.
Os parágrafos do texto a seguir (Quadro 20) apresentam um exemplo de como novos
fatos são apresentados. No primeiro parágrafo é introduzida a expressão nominal ‘ao custo
de R$ 100,00 a dose”, o segundo parágrafo apresenta uma nova informação com a
apresentação da expressão nominal ‘vão ser aplicadas 500 mil doses da vacina’, e por último
a expressão ‘o alcance da campanha’ acrescenta outra informação ao texto.
Quadro 20 – Texto de exemplo 20: “Paraná iniciará campanha de vacinação contra a dengue em
agosto”
Paraná iniciará campanha de vacinação contra a dengue em agosto
Ao custo de R$ 100,00 a dose, será realizada no Paraná em agosto a primeira campanha de
vacinação pública contra a dengue no país.
Vão ser aplicadas 500 mil doses da vacina, a primeira do tipo disponível no Brasil,
produzida pela Sanofi Pasteur e aprovada em dezembro pela Anvisa (Agência Nacional de
Vigilância Sanitária).
O alcance da campanha, porém, será limitado: apesar de o vírus ter circulado em quase
todos os 399 municípios do Paraná, apenas 30 terão a vacina e, em 28 deles, ela será restrita à
população entre 15 e 27 anos. […]
Fonte: Carazzai, 2016.
Outra função das formas ou expressões nominais é a recategorização de referentes.
Nas palavras de Cavalcante (2005, p. 132): “A ‘recategorização’ é, por definição, uma
alteração nas associações entre representações categoriais parcialmente previsíveis, portanto,
em nossa visão pública de mundo”.
Na recategorização os referentes introduzidos no texto podem ser retomados
conservando os mesmos aspectos e propriedades, ou podem compor alterações ou
acréscimos. Segundo Mondada e Dubois, a recategorização é situada pelas diferentes
perspectivas que envolvem as situações dos atores e dos fatos:
44
A variação e a concorrência categorial emergem notadamente quando uma
cena é vista de diferentes perspectivas, que implicam diferentes categorizações da situação, dos atores e dos fatos. A “mesma” cena pode,
mais geralmente, ser tematizada diferentemente e pode evoluir – no tempo
discursivo e narrativo – focalizando diferentes partes ou aspectos. Este
domínio pode ser abordado considerando os recursos linguísticos que servem para tematizar uma entidade, para sublinhar a saliência de aspecto
específico ou de uma propriedade de um objeto, para atrair a atenção do
leitor para uma entidade particular […]. (MONDADA; DUBOIS, 2003, p.
25).
No exemplo a seguir (Quadro 21), as expressões nominais ‘bolinhas de gude’, ‘bola
de futebol’, ‘carrinho já sem roda’ e ‘boneco sem braço’ foram recategorizadas pela
expressão ‘tesouro’.
Quadro 21 – Texto de exemplo 21
Quando a mãe sentenciou que ele sairia do parque e iria para casa tomar banho e jantar, o
garoto não teve dúvidas: juntou suas bolinhas de gude, pegou a bola de futebol, o carrinho já sem
roda, o boneco sem braço, colocou tudo no fundo da motocicleta e foi para casa. Chegando em casa,
foi direto para o seu quarto. Lá retirou da moto o tesouro e o jogou debaixo de sua cama.
Fonte: elaborado pela autora
As formas ou expressões nominais servem para explicar termos por meio de
sinonímia e hiperonímia e para definir termos que se pressupõem desconhecidos ao leitor.
De acordo com Koch e Elias (2009) é possível auxiliar o leitor fazendo uso dessas
expressões, substituindo um termo específico, de determinado gênero ou de pouco uso, por
um sinônimo mais comum ou por um hiperônimo (termo de sentido mais amplo, que
engloba o termo mais específico), ou incluir na retomada uma nota de esclarecimento ou
definição.
No texto seguinte (Quadro 22), a expressão nominal ‘nova espécie de titanossauro’ é
definida por um sinônimo ‘herbívoro famoso pelo longo pescoço’, que na sequência é
retomada por hiperônimo ‘grandes répteis’, e essa definição é parte do todo da expressão
nominal ‘grandes répteis’.
45
Quadro 22 – Texto de exemplo 22: “Nova espécie de dinossauro é encontrada no interior da Paraíba”
Nova espécie de dinossauro é encontrada no interior da Paraíba
A 438 km de João Pessoa, a região de Sousa, no sertão da Paraíba, abriga um famoso parque
chamado Vale dos Dinossauros, que atrai pesquisadores e turistas do mundo todo devido às
abundantes pegadas desses bichões.
Agora, no entanto, paleontólogos encontram um outro vestígio desses nordestinos pré-
históricos; fragmentos fossilizados da fíbula, um osso da perna, do que seria uma nova espécie de
titanossauro – herbívoro famoso pelo longo pescoço – que viveu no Estado há cerca de 136 milhões
de anos.
A descoberta, liderada pela paleontóloga Aline Ghilardi, da UFPE (Universidade Federal de
Pernambuco), tem dois méritos principais: é a primeira identificação eficaz dos grandes répteis que
habitaram aquela região e é ainda o dinossauro mais antigo do período Cretáceo (entre 145 milhões
e 66 milhões de anos atrás) a ser identificado no Brasil […]..
Fonte: Miranda, 2016.
A expressão nominal sumariza, encapsula os segmentos textuais antecedentes ou
subsequentes por meio de rotulação.
[…] como as AI [anáforas indiretas], as encapsuladoras são inferenciais e, ainda que ancoradas em informações dadas, introduzem um novo referente,
que sintetiza porções de texto; como as AD [anáforas diretas], porém,
parece haver certo grau de correferencialidade entre a porção de texto
sintetizada e o encapsulador. (SANTOS; CAVALCANTE, 2014, p. 227).
Segundo Koch e Elias (2009), o encapsulamento ocorre quando no momento da
progressão referencial é possível sumarizar todo um trecho anterior ou posterior do texto
fazendo uso de uma forma pronominal ou nominal, podendo ser usados pronomes
demonstrativos neutros (isto, isso, aquilo, o) ou expressões nominais, transcorrendo, assim,
a rotulação.
Koch e Elias (2009) apresentam dois tipos de rotulação: o primeiro tipo é a
designação feita pelo rótulo que recai sobre fatos, eventos, circunstâncias contidas no
segmento textual encapsulado. O texto ‘Veio sem avisar’ a seguir (Quadro 23) apresenta a
expressão nominal ‘paixão’, que rotula o segmento textual (eventos) ‘um frio na barriga’, ‘a
fome sumiu’, ‘no estômago parecia que havia borboletas voando’, ‘acordava no meio da
noite e demorava a conseguir voltar a dormir’, ‘o coração acelerava’, ‘ora ficava muito
alegre, ora triste’, ‘até os gostos mudaram’, ‘as mãos suavam’ e ‘algumas músicas davam
nostalgia’.
46
Quadro 23 – Texto de exemplo 23: “Veio sem avisar”
Veio sem avisar
Veio sem avisar: um frio na barriga; a fome sumiu; no estômago parecia que havia
borboletas voando; acordava no meio da noite e demorava a conseguir voltar a dormir; o coração
acelerava; ora ficava muito alegre, ora triste; até os gostos mudaram; em certas ocasiões as mãos
suavam; algumas músicas davam nostalgia. Enfim, logo ficou esclarecido: a paixão havia chegado
devastadora e tomou conta de todo o seu ser. Tentou escondê-la de si e de todos – foi em vão: tudo
nele denunciava o sentimento.
Fonte: elaborado pela autora
O segundo tipo tem função metadiscursiva: é o que nomeia o tipo de ação que o
produtor atribui aos personagens presentes no segmento encapsulado, tais como a
declaração, a pergunta, a promessa, a reflexão, a dúvida, etc.
Segundo Koch e Elias (2009), há um tipo de rótulo que repete outro já presente no
texto e tem a função de mostrar distanciamento, ironia, crítica em relação a ele, e geralmente
eles vêm entre aspas.
No texto ‘Elegância discreta’ a seguir (Quadro 24), a expressão ‘elegância discreta’ é
o rótulo que a professora deu para as ações do garoto (‘chegar silencioso’, ‘não
cumprimentar os colegas’, ‘arrumar a cadeira e a carteira sem ruídos’, ‘tirar o material com
cuidado mudo’), quando este tentava não fazer notar o seu atraso.
Quadro 24 – Texto de exemplo 24: “Elegância discreta”
Elegância discreta
O garoto chegou silencioso na sala de aula, não cumprimentou os colegas, arrumou a
cadeira e a carteira sem ruídos, tirou o material com cuidado mudo, fez de tudo para passar
despercebido, teve sorte de encontrar a porta aberta. Sabia que a professora não abre a porta em caso
de atrasos. Mal ele se sentou, ouviu a professora perguntar: “A ‘elegância discreta’ é para que eu
não o coloque para fora?”.
Fonte: elaborado pela autora
As expressões nominais definidas e indefinidas e os rótulos podem direcionar o leitor
às conclusões dos objetivos pretendidos quanto à compreensão da orientação argumentativa
do texto. Na charge a seguir (Figura 1), a expressão ‘um político sério, comprometido em
resolver os problemas do povo’ caminha para o construto de um argumento quando é
47
retomada pela expressão ‘isso’, e finalmente completa o sentido argumentativo quando é
substituída pela expressão ‘um milagre’, compondo assim o rótulo.
Figura 1 – Charge do artista Lila
Fonte: Blog do Barbosa, 2010. Disponível em:
<http://blogdobarbosa.jor.br/?p=26324>. Acesso em: 01 ago. 2016.
A seleção das formas nominais referenciais, pela riqueza das possibilidades de inferir
sentidos, requer uma especial atenção por parte do ensino e aprendizagem da escrita,
considerando que essas formas desempenham uma fundamental contribuição na progressão
textual e na construção do sentido.
48
2 TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA E CURRÍCULO
Nas palavras de Soares (2002, p. 141), “entre currículo e escola” é necessário
considerar uma relação de “causa e efeito”. Segundo a referida autora, o aparecimento da
instituição escola está estritamente relacionado a saberes escolares, que se constituem em
corpo e forma por meio de “currículos, disciplinas, programas, exigidos pela invenção, que a
escola criou, de um espaço de ensino e de um tempo de aprendizagem” (SOARES, 2002, p.
141)
As palavras de Magda Soares corroboram com o que defende Chevallard ao
conceituar a transposição didática. Abrão apresenta os três elementos que constituem a tese
de Chevallard:
Para esse autor, o sistema didático é formado por três elementos – professor – saber – aluno – que interagem a partir de mecanismos que lhe
são próprios, que ele denomina de “funcionamento didático”. Essa
concepção tem como mérito trazer para a discussão um terceiro elemento, curiosamente esquecido – o saber – em análises do campo que tendem a
privilegiar nesse sistema apenas a relação professor-aluno. (ABRÃO, 2009,
p. 29).
Quando afirmamos que o que diz Soares corrobora com o que defende Chevallard,
estamos reconhecendo que há diferenças entre como é concebido o conhecimento fora do
campo escolar e como é tratado o conhecimento dentro do campo escolar.
É nesses dois espaços, onde se busca analisar o conhecimento, que, segundo
Chevallard, surge um obstáculo, isto é: o conhecimento (“saber”) é deixado de lado e o
centro passa a ser apenas o professor e o aluno. O obstáculo identificado por Chevallard
pode não contribuir para o funcionamento da prática pedagógica de modo eficiente e eficaz,
como explica Abrão:
Para que esse sistema didático funcione, é preciso que esses três elementos
satisfaçam condições impostas pela própria prática pedagógica. É sobre a
natureza e as condições impostas ao elemento “saber escolar” que se centram as reflexões de Chevallard, dando origem à “teoria da transposição
didática” (Chevallard, 1991), na qual a reflexão epistemológica assume um
papel central. (ABRÃO, 2009, p. 29).
A tese defendida por Chevallard, segundo Abrão (2009, p. 29). “é a de que a
condição essencial imposta pelos imperativos didáticos ao elemento saber consiste na sua
transformação para que ele possa se tornar apto a ser ensinado”.
49
Tendo como elemento de análise do processo de transformação do saber, a
transposição didática estabelece a existência de três estatutos, patamares ou níveis para o
saber;
a) Saber sábio (savoir savant);
b) Saber ensinar (savoir à enseigner);
c) Saber ensinado (savoir enseigné).
A existência desses patamares ou níveis indica a existência de grupos sociais
distintos que contribuem com a existência de cada um deles. Esses grupos sociais distintos,
que possuem elementos comuns relacionados ao saber, estão inseridos em um ambiente,
denominado noosfera2, mais amplo, onde ser interligam, coexistem e se influenciam. Abrão
(2009) descreve, a seguir, os três saberes concebidos por Chevallard:
A) Saber sábio: diz respeito ao saber original, aquele saber que é tomado como
referência na definição da disciplina escolar. Tal saber é aquele construído no
interior da comunidade científica. Esse saber também passa por transformações
no interior dessa comunidade até tornar-se público, quando da publicação em
revistas específicas das comunidades científicas, por exemplo. Antes da
publicação, é possível acessar o processo de construção específica da área
científica em questão. Aos ser publicado, o conhecimento está limpo, depurado e
em uma linguagem impessoal, que não trata das características de sua
construção. Esse patamar do saber é composto pelas pessoas responsáveis por
sua construção e desenvolvimento no interior das comunidades de pesquisas, isto
é, os cientistas e pesquisadores de uma maneira geral.
B) Saber a ensinar: é o segundo patamar do saber, quando de sua primeira
transposição. Esse processo é o de transformar o saber sábio na produção de
livros didáticos e manuais de ensino, para a transposição didática externa. E ele
se materializa na produção de livros didáticos, manuais de ensino para formação
universitária, programas escolares que têm como alvo os alunos universitários e
professores do ensino médio. Aqui, o conhecimento é reestruturado para uma
linguagem mais simples, adequando-se ao ensino, sendo “desmontado” e
reorganizado novamente de uma maneira lógica e atemporal. Os atores desse
2 Chevallard (1991) introduz o conceito de noosfera, que ele define como sendo a instância que age como um
verdadeiro filtro entre o saber acadêmico e o saber ensinado na sala de aula. É na noosfera que se produz o
“saber ensinado”, expresso tanto nas propostas curriculares quanto nos livros didáticos (ABRÃO, 2009, p.
37).
50
processo são os autores de livros didáticos, os especialistas das disciplinas, os
professores e a opinião pública em geral, por meio do poder político que
influencia de alguma maneira na transformação do saber. É esse grupo que vai
determinar quais transformações e o que deverá ser transformado do saber sábio
em saber a ensinar, gerando um novo saber que estará mais próximo à escola.
C) Saber ensinado: essa é a segunda transposição do saber, que faz uma
adaptação do saber ao tempo didático, ou seja, é nessa etapa que há
transformação do conhecimento visando ao sequenciamento das aulas. Nesse
papel de transformação do saber para a sala de aula, aparece a figura do
professor, que deve adequar o conhecimento trazido nos livros didáticos (saber a
ensinar) para aquele que efetivamente vai para suas aulas e chega até os alunos.
O professor é o principal personagem dessa transposição, desempenhando papel
central nesse nível do saber. Porém, não é o único: os alunos e a administração
escolar (diretor, orientadores, pedagogos etc.) também são os representantes
desse patamar na noosfera. Esse processo de transformação do saber a ensinar
em saber ensinado é denominado “transposição didática interna”, pois ocorre no
interior do espaço escolar.
De acordo com Abrão (2009), a transposição didática demanda cinco
potencialidades:
a) Primeira potencialidade: o termo transposição implica o reconhecimento da
diferenciação entre saber acadêmico e saber escolar, considerados como saberes
específicos de natureza e funções sociais distintas, nem sempre evidentes nas
análises sobre a dimensão cognitiva do processo de ensino-aprendizagem,
Nesse sentido, Abrão (2009, p. 36) elucida que “uma breve análise das propostas
curriculares que surgiram a partir da década de 80 permite perceber que a tendência é a
existência da lógica que afirma a necessidade de aproximar os saberes ensinados na escola
com os novos saberes de forma automática”. A conclusão de Abrão se assemelha ao que diz
Pietri sobre a elaboração de documentos de referência curricular:
A elaboração de documentos de referência curricular parece não se fazer, portanto, com a transposição didática de conhecimentos produzidos nas
ciências de referência, mas segundo regras próprias de produção
discursiva. Assim, compreender o processo de escolarização em suas especificidades parece ser produtivo também para considerar as práticas
discursivas que se desenvolvem externamente à escola, mas com o objetivo
51
de produzir efeitos sobre ela. Os documentos de referência curricular não
se constituiriam, então, como um produto, algo pronto, a produzir efeitos a serem controlados em decorrência mesmo do caráter prescritivo de tais
instrumentos. Talvez seja mais interessante considerá-los em função de
suas condições de produção, dos saberes e práticas que se produzem nesse
espaço heterogêneo que envolve relações entre elementos próprios ao
acadêmico, ao oficial, ao pedagógico. (PIETRI, 2009, p. 82).
Pietri revela que a lógica da implantação automática das propostas curriculares nas
escolas está equivocada, uma vez que os documentos de referência não se estabelecem como
um produto pronto que servirá como prescrição no âmbito escolar. O que o referido autor
alerta é que deve-se considerar as condições de produção, dos saberes e práticas que se
constituem nas relações dos três campos: o acadêmico, o oficial e o pedagógico. A seguir a
segunda potencialidade:
b) Segunda potencialidade: ao reconhecer o reconhecimento dessa
diferenciação, o conceito de transposição didática nos obriga a pensar sobre a
natureza do saber histórico escolar. Trabalhar com esse conceito permite o
questionamento do seu processo de naturalização, bastante comum aos
professores e autores de propostas e livros didáticos. Trata-se de pensar o saber
escolar como sendo historicamente construído, abrindo a reflexão sobre as
modalidades de relação que ele estabelece com os outros saberes, entre eles o
saber acadêmico. Toda a discussão que gira em torno da não-neutralidade dos
saberes no bojo da nova sociologia do currículo parte do pressuposto da
necessidade da contextualização. Assumir essa premissa pressupõe, por sua vez,
o processo de desnaturalização dos saberes. Nas palavras de Soares:
Considerando a história da disciplina português, verifica-se que em cada
momento histórico ela se define pelas condições sociais, econômicas e
culturais que determinam a escola e o ensino – os fatores externos: que
grupos sociais têm acesso à escola? A quem se ensina a língua? Que expectativas, interesses, objetivos têm esses grupos e a sociedade como um
todo em relação à escola e ao que se deve ensinar e aprender nela, a
respeito da língua materna? Em que regime político se insere a escola e o ensino da língua? Em que estrutura de sistema educacional? (SOARES,
2002, p. 159).
O saber histórico, segundo a descrição de Abrão, é o processo que permite que
analisemos o sistema de naturalização do saber escolar. De acordo com Soares, para
compreender o saber histórico é necessário responder a diversos questionamentos: quais
grupos sociais têm acesso à escola? A quem se ensina a língua? Quais expectativas,
interesses e objetivos têm esses grupos e a sociedade como um todo em relação à escola e ao
52
que se deve ensinar e aprender nela, a respeito da língua materna? Em que regime político se
insere a escola e o ensino da língua? Em que estrutura de sistema educacional?
Assim, a busca pelas respostas desses questionamentos pode contribuir para
compreender e analisar o saber escolar instituído. Como exemplo, foi possível perceber a
partir de todas essas perguntas respondidas nos itens anteriores as razões da predominância
do ensino da gramática normativa nas aulas de língua portuguesa.
c) No que diz respeito à modalidade de relação estabelecida entre o saber
escolar e o saber acadêmico, esse conceito oferece subsídios para pensá-la de
forma mais complexa sem, no entanto, cair em uma visão hierarquizada. Ao
definir saber acadêmico como sendo um saber extraescolar que precede e
fundamenta culturalmente e cientificamente o saber escolar, Chevallard (1991)
defende a sua centralidade na medida em que considera que é no confronto entre
esse tipo de saber e o saber escolar que se pode melhor apreender o tratamento
didático no plano cognitivo. Nessa potencialidade, o que está em jogo é a
questão da legitimação dos saberes escolares. Reconhecer a importância do
papel desempenhado pelo saber acadêmico na produção dos saberes escolares,
atribuída pela própria instituição escolar, não implica necessariamente assumir
uma visão hierarquizada na qual os primeiros são vistos como a única forma de
inteligibilidade e de leitura do mundo.
A análise tecida por Pietri confere um exemplo de que o “confronto” entre o saber
acadêmico e o saber escolar pode colaborar para uma melhor compreensão do tratamento
didático no plano cognitivo:
Os resultados da análise dos documentos de referência curricular elaborados no período histórico observado mostram também que, mesmo
em espaços institucionais responsáveis por garantir maior controle dos
sentidos, dado o objetivo do estado de regular o processo escolar de
saberes e práticas, a produção dos sentidos se faz com base em relações
interdiscursivas fundadas em polêmica. (PIETRI, 2010, p. 82).
Para Pietri, o confronto (a polêmica) em relação aos documentos de referência
curricular contribui para a produção de sentidos, tal conclusão evidencia o que diz
Chevallard, ou seja, o confronto em face ao conjunto de distintos saberes (acadêmico,
escolar, curricular) contribuem para compreender que tratamento didático lhes é conferido,
d) Quarta potencialidade: ao definir a transposição didática como sendo um
movimento que traduz o processo de transformação do saber acadêmico em
53
objeto de ensino de uma disciplina específica, Chevallard (1991) abre pistas
interessantes para se pensar os mecanismos e os interesses dos diferentes atores
que participam desse processo de transformação. Chevallard afirma que, nesse
movimento, a transformação do saber acadêmico em saber escolar se faz em
diferentes instâncias ou etapas que, apesar de apresentarem vínculos estreitos,
não devem ser confundidas. O autor identifica dois momentos dessa
transposição: a transposição externa, que se passa no plano do currículo formal
e/ou dos livros didáticos, e a transposição interna, que ocorre em sala de aula no
momento em que o professor produz o seu texto de saber, isto é, no decorrer do
currículo em ação.
É nesse sentido que se afirma não se tratar a constituição de temas e
objetos de ensino apenas de um processo de transposição didática, mas de conhecimentos que se estruturam segundo regras discursivas que se
constituem nas condições próprias ao contexto de ensino. Não se
reproduzem, no processo de escolarização, portanto, ideias produzidas em outros lugares, mas produzem-se saberes e práticas próprios, segundo
regras discursivas específicas. (PIETRI, 2013, p. 535).
Pietri destaca a autonomia que é conferida aos saberes escolares. Segundo o referido
autor, mesmo que ele se origine do saber acadêmico, ele tem características próprias
construídas no espaço escolar. Assim, ao considerar a explicação de Pietri é que se torna
nítido o que explica Chevallard sobre a transformação do saber acadêmico em saber escolar
(transposição didática).
e) Quinta potencialidade: o conceito de transposição didática permite pensar o
processo de transformação didática de forma mais complexa, abrindo pistas para
se redimensionar o papel dos professores na implementação de novas propostas
curriculares. Um primeiro aspecto a ser ressaltado é que fica claro que o
professor não faz a transposição didática, mas sim trabalha no seu domínio.
Quando ele produz e organiza seu texto de saber, as engrenagens desse
movimento há muito já estão em marcha no plano da noosfera. Logo, a sua
responsabilidade em relação ao fracasso ou ao sucesso das reformas curriculares,
sem ser negada, deve ser relativizada. Todavia, ele não é o único responsável a
desempenhar um papel determinante. Torna-se, pois, fundamental identificar os
critérios a partir dos quais o professor opera no domínio da transposição.
Eis alguns exemplos de como professores podem exercer a sua atuação:
54
Gestores de municípios que adotaram o uso de apostilas educacionais
defendem a padronização do ensino, que, segundo eles, garante a qualidade do ensino por meio da homogeneização dos projetos pedagógicos
(ADRIÃO, 2009, p. 812).
Levando em conta o que relata Adrião, verificamos que decisões políticas exercem
influência dentro da escola, inferindo na orientação do trabalho pedagógico, ou seja, há um
paradoxo: de um lado um público heterogêneo para ensinar; e de outro uma programação de
ensino única e engessada.
A fim de que tal padronização ocorra, os sistemas privados de ensino
disponibilizam assessoria para as escolas conveniadas, com equipes pedagógicas treinadas para atender a seus clientes (escolas conveniadas),
fazendo esse trabalho em visitas constantes, promovendo workshops com
autores e pedagogos renomados e, ainda, disponibilizando sites com sugestões e exemplos dados por professores integrantes das escolas
assistidas (cf. NUNES, 2012, p. 13).
A escola, conforme sugere Nunes, não tem sua identidade com suas respectivas
características consideradas para elaboração do programa de ensino, uma vez que as
propostas já estão prontas.
Analisando-se especificamente o papel do professor nesse contexto, é digno de nota que escolas e pais passam a exercer uma rígida vigilância de
seu trabalho, à medida que ele passa a ser cobrado pelo uso do material
apostilado e da “parafernália didática” (GERALDI, 2003, p. 93)
De acordo com Geraldi, uma vez que a escola é submetida à fatores externos e
mantida sobre um rígido controle por meio das políticas e propostas pedagógicas externas, o
professor deixa de ter autonomia no que tange a sua prática pedagógica. Assim, Carmagnani
complementa o que diz Geraldi, e chama a atenção para o processo avaliativo dos programas
prontos de ensino:
Como em muitas instituições que adotam sistemas de ensino, as provas chegam prontas às escolas, faz-se um controle austero dos conteúdos
trabalhados em sala, comparando-os com os cobrados nas avaliações
formais e julgando os resultados obtidos, muitas vezes ranqueados numa mesma rede de ensino. Assim, os professores se veem obrigados a seguir
passos preestabelecidos pelos colégios, o que tende a padronizar seu
trabalho, independentemente de suas características pessoais.
(CARMAGNANI, 1999a, p. 54).
De acordo com Carmagnan, o processo avaliativo não avalia o processo de ensino e
aprendizagem do o aluno por suas especificidades heterogêneas, mas sim se as metas
estabelecidas pelos referidos programas de ensino foram cumpridas
55
Comparando-se, então, livros didáticos e apostilas escolares, vemos que
suas diferenças não são tantas. Embora as apostilas sejam ágeis, possam ser atualizadas num curto espaço de tempo e possam constituir-se num
complemento mais motivante para os livros didáticos tradicionais, ambos
vêm sendo usados como fonte exclusiva de um saber institucionalizado,
apresentado sob um discurso assertivo. (CARMAGNANI, 1999a, p. 54).
Carmagnani evidencia a influência dos materiais didáticos prontos sobre o saber
escolar enfatizando o caráter institucional dos referidos materiais.
Mesmo querendo, professores e alunos não conseguem ultrapassar as informações apresentadas, em virtude do modo fechado com que os temas
e atividades são apresentados. Como contêm notas, adaptações de textos
originais ou apenas sínteses de conceitos complexos, as apostilas solicitam
respostas objetivas, quando não solicitam que se assinale apenas a resposta correta, o que cerceia as possibilidades de desenvolvimento linguístico e
cognitivo dos alunos. O mais lamentável nisso tudo é que se mantém o
discurso ultrapassado de que a aprendizagem é válida à medida que se configure como um mero acúmulo de informações, não importando se
provenientes de uma apostila ou de um livro. (MALFACINI, 2015, p. 57).
As referidas citações elucidam alguns exemplos de como o professor é conduzido a
exercer sua prática: os critérios de acordo com as citações podem ser de ordem política
externa, como a atuação de gestores externos interferindo arbitrariamente na prática escolar;
pode ser ordem interna, quando as escolas com o objetivo de atingirem determinados
objetivos (como garantir que o aluno possa ser aprovado num vestibular concorrido) seguem
rigorosamente orientações de determinadas apostilas ou outro tipo de material; ou, ainda, o
tipo de material pode ser um atrativo por sua praticidade, economia de tempo e dinamismo,
entre outros, contribuindo para o aumento da dependência em relação ao material pronto,
levando ao afastamento das potencialidades do saber acadêmico em prol de um ensino de
boa qualidade.
O fato é que além dessas motivações há outras, como avaliações externas que de
certa forma influenciam a prática pedagógica da escola; ausência de condições de formação
capaz de garantir o aprofundamento e o conhecimento dos saberes acadêmicos por parte do
professor; tempo curto para estudos do professor que trabalha, muitas vezes, em mais de
uma escola, e assim por diante.
Todavia, não podemos deixar de considerar o que indica a quinta potencialidade: é
preciso identificar os critérios a partir dos quais o professor opera no domínio da
transposição didática, e com base nessas informações investigar elementos que possam
contribuir para que o professor se aproprie, se aprofunde e possa expandir o saber genuíno
acadêmico por ele mesmo ou até para que ele (o professor) possa analisar e atuar sobre os
56
conteúdos das propostas curriculares, dos livros didáticos e de outros materiais, bem como
elementos e propostas oriundos da noosfera.
Além das potencialidades, Abrão (2009) destaca as regras que orientam o conceito de
transposição didática. Assim como as potencialidades, as regras são constituídas de cinco
elementos:
a) Regra 1 – Modernizar o saber escolar: a modernização faz-se necessária pois
o desenvolvimento e o crescimento da produção científica são intensos. Novas
teorias, interpretações e modelos científicos e tecnologias forçam a inclusão
desses novos conhecimentos nos programas de formação (graduação) de futuros
profissionais. “A modernização dos saberes escolares é uma necessidade, pois
legitima o programa da disciplina, garantindo seu lugar no currículo”
(BROCKINGTON, 2005, p. 109 apud ABRÃO, 2009, p. 39).
b) Regra 2 – Atualizar o saber a ensinar: o saber tem de ser renovado,
atualizado, porque esse saber tratado no sistema didático envelhece, “tornando-
se velho em relação à sociedade” (CHEVALLARD, 1991, p. 30 apud ABRÃO,
2009, p. 39), se afastando do núcleo de pesquisa do saber sábio (o que faz com
que esse saber não seja mais reconhecido como atual pelo saber original); e ao
ser modificado para toda a sociedade, aproxima-se do saber dos pais (isso
banaliza o saber, porque o professor estaria ensinando algo diluído na cultura
cotidiana). Esse envelhecimento torna o sistema didático obsoleto do ponto de
vista da sociedade, visto que os próprios pais poderiam transmitir esse
conhecimento.
c) Regra 3 – Articular saber velho com saber novo: o saber novo se articula
melhor quando apresentado para aplicar um saber antigo, mas não de uma
maneira radical, tentando refutar ou negar o saber anterior. Isso poderia gerar o
risco de o aluno ver o novo saber escolar como algo instável, acreditando que ele
sempre será substituído por um mais novo que virá em seguida. Isso poderá
desencadear um estado de “questionamento” permanente, gerando dificuldades
na condução do processo de ensino. A introdução de novos objetos de saber
ocorre melhor se articulados com os antigos. O novo se apresenta para esclarecer
melhor o conteúdo antigo, e o antigo, para hipotecar validade ao novo.
57
d) Regra 4 – Transformar um saber em exercícios e problemas: o saber sábio
que trouxer maiores possibilidades de exercícios e atividades certamente será
mais bem aceito pelo sistema didático. Isso porque os exercícios e atividades
fazem parte preponderante no processo de avaliação. Assim, esses conteúdos
terão uma vantagem, ou melhor, uma preferência no processo de transposição
didática.
e) Regra 5 — Tornar um conceito mais compreensível: como vimos, na
transformação do saber sábio em saber a ensinar há a perda de sua linguagem
original, passando a ser escrito em uma linguagem mais próxima das pessoas
que não fazem parte da comunidade que compõe o saber sábio. Isso faz com que
esse saber se torne mais próximo dos alunos e, dessa forma, sua compreensão
poderá ser facilitada, tendo como objetivo a melhora do aprendizado desse saber
por parte do aluno.
Considerando as características das cinco regras da transposição didática descritas
por Abrão (2009), podemos inferir que pelas peculiaridades de cada uma delas elas podem
contribuir para potencializar estratégias, metodologias de ensino.
Para concluir este item, apresentamos a reflexão de Soares:
No quadro dessa instituição burocrática que é a escola, também o
conhecimento é “burocratizado”. Transfigurado em currículo, pela escolha de áreas de conhecimento consideradas educativas e formadoras, e em
disciplinas, pela seleção, e consequente exclusão, de conteúdos em cada
uma dessas áreas, pela ordenação e sequenciação desses conteúdos, processo através do qual se instituem e se constituem os saberes escolares.
(SOARES, 2002, p. 142).
A reflexão de Soares constitui evidência para o que defende Chevallard, isto é, a
transposição didática como transformação do saber acadêmico em saber escolar. Portanto,
considerando esse processo, aplicamos uma proposta de ensino da escrita que busca criar
condições para que o aluno aprenda a usar as estratégias de referenciação no gênero carta do
leitor.
58
3 METODOLOGIA
“O conhecimento (‘saber’) é deixado de lado e o centro passa a ser apenas o
professor e o aluno” (CHEVALLARD, 1991, apud ABRÃO, 2009, p.29) — tal
problemática, identificada pelo referido autor no que se refere à transposição didática, é
também o que motivou Oliveira (2010) a escrever o livro Coisas que todo professor de
português precisa saber – a teoria na prática, em que diz:
O que motivou a elaboração deste livro, cujo conteúdo é, em grande parte, resultado de um projeto de pesquisa realizado na Universidade Estadual de
Feira de Santana, intitulado “O Ensino pragmático da Gramática”, foi a
constatação da existência de uma grande distância entre, de um lado, as pesquisas realizadas nas universidades e os livros teóricos sobre o ensino
de português e, de outro, os professores de português do ensino
fundamental e do ensino médio. (OLIVEIRA, 2010, p. 14).
Oliveira enfatiza que há um grande abismo entre o saber sábio e o saber ensinado, e
ele atribui essa característica à falta de clareza dos professores sobre aspectos essenciais que
envolvem o ensino da língua, sendo uma delas:
A falta de conhecimento das teorias subjacentes à prática pedagógica pode
tornar o professor um mero usuário inconsciente de livros didáticos, um
simples cumpridor de tarefas com um enfoque conteudista. Quando isso acontece, o professor em vez de usar o livro didático, é usado por ele.
(OLIVEIRA, 2010, p. 15).
Considerando as características que envolvem a transposição didática, bem como os
obstáculos que incidem sobre esse conceito na prática docente, elaboramos uma metodologia
balizada nas cinco regras que orientam o conceito de transposição didática. Retomando as
cinco regras brevemente:
a) Regra 1 – Modernizar o saber escolar.
b) Regra 2 – Atualizar o saber a ensinar.
c) Regra 3 – Articular saber velho com saber novo.
d) Regra 4 – Transformar um saber em exercícios e problemas.
e) Regra 5 – Tornar um conceito mais compreensível.
3.1 Operando com a regra 1 e a regra 2
Buscando operar com a regra 1 e regra 2, ou seja, modernizar os saberes escolares e
ao mesmo tempo atualizar os saberes escolares, de acordo com estudos acadêmicos
atualizados sobre a língua, selecionamos a referenciação (atividade discursiva) como
59
conteúdo principal do nosso estudo; bastante investigada, na atualidade, por sua importância
na atribuição de sentidos tanto para o ato de ler quanto para o ato de escrever.
A referenciação é uma atividade criativa e não um simples ato de designação. Diante disso, a construção referencial deve ser tida como
central na aquisição da língua, estendendo-se a todas as ações linguísticas.
Considerando que a língua em si mesma não providencia a determinação semântica para as palavras e as palavras isoladas também não nos dão sua
dimensão semântica, somente uma rede lexical situada num sistema
sociointerativo permite a produção de sentidos. (MARCUSCHI, 2007, p.
69).
Marcuschi enfatiza o caráter social-interativo do conceito de referenciação para a
produção de sentidos e reforça a conclusão a que chegou Gomes (2014) sobre esse tipo de
atividade discursiva, ou seja, a referida autora acredita ser de grande valia que no ensino de
língua materna os professores pratiquem o trabalho com o texto em sala de aula e saibam
reconhecer e abordar os mecanismos pelos quais se evidenciam intencionalidades, como
ocorre no processo de referenciação. Gomes (2014) ainda afirma que a discussão sobre
referenciação deve ultrapassar a esfera acadêmica a fim de contribuir para a formação de
alunos-cidadãos-leitores críticos e para que os discentes conheçam os mecanismos pelos
quais se compõe o discurso, pois assim terão capacidade para ler o mundo e posicionar-se
diante dele.
Podemos dizer que a referenciação é uma proposta teórica que fortalece o “poder” da anáfora. Essa categoria não pode mais ser entendida nos
limitados moldes da relação de identificação entre sintagmas presentes
num texto. Ela é, na verdade, a unidade poderosa que revela um complexo trabalho sociocognitivo-discursivo de abordagem da realidade, passível de
retomar elementos os mais diversos e de realizar múltiplas funções.
(CUSTÓDIO FILHO, 2012, p. 843).
De acordo com Koch e Elias (2009), no roteiro da agenda de trabalho de muitos
estudiosos no campo da Linguística Textual os estudos sobre os gêneros textuais exercem
uma contribuição de grande valia para potencializar a compreensão cognitiva do texto
(recepção e produção).
Partindo da concepção bakhtiana segundo a qual os gêneros são enunciados relativamente estáveis em cuja constituição entram elementos referentes ao
conteúdo, composição e estilo, Marcuschi (2002) afirma que é impossível
pensar em comunicação a não ser por meio de gêneros textuais (quer orais, quer escritos), entendidos com práticas socialmente constituídas com
propósito comunicacional configuradas corretamente em textos. (KOCH;
ELIAS, 20090, p. 56).
60
É nesse sentido, que escolhemos compor um programa de ensino que busca
propiciar ao aluno condições de identificar e criar efeitos de sentidos por meio da
referenciação na produção escrita do gênero cartas do leitor.
Segundo o agrupamento de gêneros proposto por Dolz e Schneuwly (1996, 2004), a
carta do leitor pertence à ordem do argumentar, situando-se na esfera de comunicação
(domínio social) de assuntos/temas controversos. É um gênero que circula no contexto
jornalístico, em seções específicas de revistas (semanais/mensais) e jornais. Sua estrutura
básica, de acordo com Silva (1997, apud BEZERRA, 2002) apresenta seção de contato,
núcleo da carta e a seção de despedida.
Acrescentamos aqui o título que se caracteriza como uma forma de sumarização do
assunto exposto nas cartas. Bezerra (2002) vê a carta do leitor como um texto utilizado em
situação de ausência de contato imediato entre remetente e destinatário que não se
conhecem, atendendo a diversos propósitos comunicativos, como opinar, agradecer,
reclamar, solicitar, elogiar, criticar etc.
Para Costa (2005), este gênero discursivo é um termômetro que afere o grau de
sucesso dos artigos publicados nos jornais (ou revistas), pois os leitores escrevem reagindo,
positiva ou negativamente, ao que leram; além de propiciar a interação entre leitor e
jornal/revista, dando a estes uma ideia das expectativas daqueles em relação à linha editorial.
Mas a autora ressalta que a carta do leitor constitui, sobretudo, um dispositivo eficaz de
divulgação de problemas no qual muitas vezes as pessoas se defendem de serviços
malprestados, ameaçando denunciar seus responsáveis ao “escrever para os jornais”. Assim,
“a carta do leitor pode se configurar com teor de queixa, crítica e/ou denúncia” (CECILIO;
RITTER, 2008, p. 2).
Por compatibilidade teórica, elegemos o sociointeracionismo como principal
pressuposto orientador deste estudo, uma vez que nesta perspectiva o método de
investigação deve estar vinculado ao contexto sócio-histórico e cultural, onde a concepção
de realidade está particularmente voltada para a relação/atuação homem-mundo. Levando
em conta a análise da relação homem-mundo, o interacionismo compreende a
evolução/desenvolvimento dos sujeitos a partir das suas vivências nos contextos cotidianos.
3.2 Os sujeitos participantes
A coleta de dados ocorre em uma escola pública municipal da região oeste da cidade
de São Paulo e orientada pela intervenção de ensino realizada pela própria pesquisadora. A
61
investigação conta com a participação de 27 alunas e alunos do nono ano do ensino
fundamental, com idade entre 13 e 15 anos. Os discentes participantes possuem desempenho
regular nas atividades educacionais e não apresentam histórico de dificuldades de
aprendizagem.
3.3 Caracterização dos instrumentos e procedimentos para a coleta de dados
Para atingir os objetivos do estudo optamos pela pesquisa exploratória. Segundo Gil
(2010), as investigações exploratórias têm como propósito propiciar maior proximidade com
o problema, com vistas a torná-lo mais explícito. O planejamento dessas pesquisas tende a
ser bastante flexível, pois, de acordo com Gil, o que importa é considerar os mais variados
aspectos ao fato ou fenômeno estudado.
O método de coleta de dados decorre da realização de um determinado número de
atividades elaboradas especialmente para o estudo. As atividades foram escolhidas partindo
do resultado da análise de um questionário respondido pelos estudantes antes do início das
atividades.
O referido questionário foi aplicado com o objetivo de conhecer o que pensa o aluno
participante sobre a escrita, qual a relevância desse tipo de atividade para o estudante e
também para identificar em que momento o aluno pratica a escrita. Tais conhecimentos,
segundo Charlot, podem nortear a prática do ensino e aprendizagem para o êxito pois:
[…] o sujeito se constrói pela apropriação de um patrimônio humano, pela
mediação do outro, e a história do sujeito é também uma das formas de
atividade e de tipos de objetos suscetíveis de satisfazerem o desejo, de
produzirem prazer, de fazerem sentido. (CHARLOT, 2005, p. 38).
A análise do resultado do questionário pretendeu verificar em que momento o ato de
escrever fazia sentido para o discente tanto do ponto de vista do escrever pelo prazer quanto
do escrever pela necessidade.
Uma aprendizagem só é possível se for imbuída do desejo (consciente ou
inconsciente) e se houver um envolvimento daquele que aprende. Em outras palavras: só se pode ensinar a alguém que aceita aprender, ou seja,
que aceita investir-se intelectualmente. O professor não produz o saber no
aluno, ele realiza alguma coisa (uma aula, a aplicação de um dispositivo de
aprendizagem etc.) para que o próprio aluno faça o que é essencial, o
trabalho intelectual. (CHARLOT, 2000, p. 76).
Tomando como partido as palavras de Charlot, concordamos com o referido autor
quanto ao fato de que só se pode ensinar alguém que aceita investir-se no construto
intelectual, e ainda ressaltamos que, sendo assim, ao professor cabe a responsabilidade de
62
oferecer condições educativas (uma aula, a aplicação de um dispositivo de aprendizagem
etc.) que favoreçam o surgimento do querer aprender por parte do discente para que este,
então, possa desenvolver o trabalho intelectual.
Levando em conta tal perspectiva é que elaboramos um questionário com quatro
questões:
1. Para você, em que medida escrever é importante?
2. No seu cotidiano, você costuma escrever em quais destas ocasiões?
3. Descreva pelo menos uma situação em que você tenha gosto em escrever.
4. Identifique um momento na sua vida, fora das situações escolares, em que
você julgue importante saber escrever.
Segue a questão 1 representada por gráfico:
Gráfico 1 – Resultados das respostas à questão número 1
0
5
10
15
20
25
30
POUCO MUITO INDIFERENTE
Para você, em que medida saber escrever é importante?
Fonte: elaborado pela autora
A maioria dos participantes, mais exatamente 26 alunos, respondeu que saber
escrever é muito importante, e apenas 1 dos sujeitos afirma ser indiferente.
A segunda questão continha o enunciado “No seu cotidiano, você costuma escrever
em quais destas ocasiões?”, seguida de algumas possíveis respostas: fazer uma lista de
compras; conversar pelas redes sociais, como o Facebook, ou em aplicativos de mensagens,
como o WhatsApp (um software para smartphones utilizado para a troca de mensagens de
texto instantaneamente, além de vídeos, fotos e áudios, com uma conexão de internet);
escrever no diário; e outra situação. O gráfico a seguir contém o resultado da referida
questão.
63
Gráfico 2 – Resultados das respostas à questão número 2
No seu cotidiano, você costuma escrever em quais destas ocasiões?
Fazer uma lista de compras Conversar pelas redes sociais fazer atividades escolares
conversar pelo whatsapp Escrecver no diário Outra situação:
Fonte: elaborado pela autora
De acordo com o gráfico, a maioria dos participantes costuma praticar a escrita pelas
redes sociais, com 22 alunos dizendo usar esse tipo de mídia para se comunicar por meio da
escrita; em segundo lugar de preferência dos discentes para exercitar a comunicação pela
escrita está o aplicativo WhatsApp, com 18 alunos respondendo que usam essa ferramenta; o
terceiro lugar onde os estudantes declaram praticar a escrita é para realização de atividades
escolares, com 17 discentes mostrando usar a escrita para práticas escolares; o quarto lugar
ficou para a composição de lista de compras, com 7 alunos declarando usar a escrita para
fazer a relação de itens para compras; o quinto lugar ficou para ‘outra situação’, com 4
alunos afirmando usar a escrita nas seguintes ocasiões: a) ministrar atividades na igreja; b)
escrever nas aulas de reforço de português; e, por fim, c) dois estudantes que escrevem
cartas. O único item que não recebeu nenhum tipo de indicação dos alunos foi “Escrever no
diário”.
64
Quadro 25 – Transcrição literal das respostas dos alunos à questão 3
3. Descreva pelo menos uma situação em que você tenha gosto em escrever
• “Eu gostei de escrever os textos de aniversário das minhas amigas ou escrever redação”
• “Eu ajudo a escrever um mangá com meu amigo: ele desenha e eu escrevo”
• “Redação escolar”
• “Teve um roteiro que eu desenharia, eu gostei de escrever o anime que eu desenharia”
• “Conversar com meus amigos ou familiares pelo WhatsApp”
• “Gosto de escrever no WhatsApp e principalmente cartas amo escrever”
• “Eu gosto de escrever textos e mensagens na rede social”
• “Mandar mensagem pro meu irmão; escrever coisas que eu preciso; fazer cartas”
• “Quando eu vou escrever carta para uma pessoa”
• “Quando estou triste, ou quando não fico fazendo nada”
• “Resumo de livros que eu leio”
• “Gostei muito de fazer o relatório no último estudo do meio, foi de bastante aprendizado para
mim! Gosto muito de digitar por mensagens, é rápido e prático. Outra ocasião são as histórias
de faz de conta que escrevo para contar às crianças no trabalho da minha mãe”
• “Gosto de escrever em redes sociais com meus amigos, mandar mensagens pelo Facebook ou WhatsApp”
• “Lista de compras”
• “Escrever histórias”
• “Quando estou em casa em frente ao computador”
• “Quando eu estou criando uma história, eu fico muito empolgado, acabo escrevendo muito e
gostando”
• “Quando estou triste ou quando estou na escola e em redes sociais”
• “Em textos de aniversários, e quando eu quero expressar minha opinião”
• “Quando o eu vou conversar pelo WhatsApp”
• “Fazer listas de compras e poder ajudar que tem dificuldade”
• “Quando estou assistindo algum filme, eu gosto de escrever as palavras que me chamam
atenção, me ajuda a ter conhecimento, quando estou lendo livro sempre anoto também as palavras e frases bonitas”
• “Eu gosto de fazer histórias, como por exemplo uma redação já começada, ou uma redação que
tenha um objetivo, tipo um título, aí você foca nele (no assunto) e faz”
• “Mandar uma carta para alguém ou uma mensagem”
• “Qualquer coisa”
• “Eu gosto muito de escrever cartas pro meu pai, aí eu faço umas três folhas escritas e mando
pra ele”
Fonte: elaborado pela autora
O Quadro 25 apresenta situações distintas em que os estudantes demonstram terem
gosto em escrever, e embora esteja presente uma certa predileção em usar a escrita no
WhatsApp ou outro tipo de rede social, as preferências dos estudantes não se restringem
apenas a esses dois tipos de situações de uso da escrita: elas abrangem outros espaços de
interação do aprendente.
Assim sendo, para alguns participantes o ato da escrita serve para expressar
sentimentos, frustrações ou outros tipos de emoções, e abrange gostos peculiares, como a
65
elaboração de lista de compras, trabalhos escolares, redação de cartas, redações escolares,
cartões de aniversários e assim por diante.
É importante destacar que mesmo o único aluno que respondeu ser indiferente saber
escrever na questão 1 (Gráfico 1), na questão 3 (Quadro 25) revelou gostar da atividade ao
especificar: “Gosto de escrever no WhatsApp e pincipalmente cartas amo escrever” [sic].
A questão 4 procura identificar quando os participantes do estudo avaliam ser
relevante saber escrever. Para tanto, os sujeitos responderam ao seguinte enunciado:
“Identifique um momento na sua vida, fora das situações escolares, em que você julgue
importante saber escrever”. O Quadro 26 apresenta as respostas dos discentes:
Quadro 26 – Transcrição literal das respostas dos alunos à questão 4
4. Identifique um momento na sua vida, fora das situações escolares, em que você julgue
importante saber escrever.
• “Em algumas ocasiões é importante saber escrever, principalmente, que gosto de mandar cartas
para uma pessoa que gosto”
• “Currículos, cartas”
• “Fazer uma prova”
• “No trabalho, ou ir para algum lugar… eu anoto o nome das ruas”
• “Eu tenho um tio que está preso e eu tenho só uma forma de falar com ele, através das cartas,
se eu não soubesse escrever não me comunicaria com ele”
• “Para fazer uma carta par uma pessoa importante, ou mandar um e-mail para uma autoridade”
• “Quando quero escrever uma carta para alguém. Ler uma notícia, receita médica, produtos no mercado ou receber cartas, e-mails ou mensagens. Assinar um papel importante, assinar
documentos”
• “Quando preciso avisar algo importante por mensagem escrita”
• “É muito importante saber escrever porque você vai precisar muito quando for arrumar um
emprego (currículo) ou para quando você for se comunicar com alguém por carta”
• “Redações”
• “É importante saber escrever em várias ocasiões, eu tive que fazer uma redação para entrar para meu curso”
• “Às vezes quando eu faço anotações no meu caderno”
• “No curso que eu fiz, eu cheguei lá, e tive que escrever tudo o que estava fazendo e que eu
aprendi lá”
• “Na hora de fazer uma prova, de algum trabalho ou outra coisa”
• “Em várias ocasiões porque se você escrever errado em qualquer coisa fica feio”
• “Quando for fazer um currículo; assinar um papel importante; notícias; receitas médicas;
quando for mandar uma mensagem importante para alguém”
• “Para você fazer um currículo, receita médica, ou escrever um livro, mandar uma mensagem importante”
• “Em entrevistas ou quando você precisa entrar em lugares, tipo escolas, empregos, etc.”
• “Em um emprego, escrever uma carta, HQs, histórias em quadrinhos”
(continua)
66
(continuação)
4. Identifique um momento na sua vida, fora das situações escolares, em que você julgue
importante saber escrever.
• “Por mensagem é importante escrever corretamente, mesmo que esteja falando com amigos.
Quando vou escrever e publicar algo nas redes sociais. Nos momentos especiais, quando vou escrever uma dedicatória ou algo carinhoso para alguém. E o mais importante, quando for
arrumar um trabalho ou escrever uma carta para uma autoridade”
• “Saber escrever é muito bom. Você fala com seus amigos pelas redes sociais, manda cartas”
• “Quando escrevo ou recebo cartas, e-mail ou cartas, entrevistas de emprego, receita médicas
ou de culinária, assinar papeladas e documentos importantes”
• Caso você tenha que escrever para um governador, ou mandar um e-mail para alguém;
• Na hora de fazer um teste para uma escola de futebol, pois primeiro você faz uma prova teórica, e depois faz o teste;
• Quando for em uma entrevista de emprego;
• é sempre bom saber escrever, na hora de preencher alguma coisa;
• Whatsapp, facebook, instagram, tudo isso, eu julgo a importância de escrever;
Fonte: elaborado pela autora
O Quadro 26 apresenta um panorama referente ao momento em que os estudantes
julgam importante saber escrever. Tais respostas, como na questão 3 (Quadro 25),
apresentam ocasiões diversas de uso. Contudo, a descrição dos alunos, além de permeada
por situações não formais, como conversar pelas redes sociais e escrever cartas para entes
queridos, revelam a valia de saber escrever em situações formais, destacando o uso da
escrita para interagir com autoridades e em ambientes profissionais, testes para admissão em
algum curso ou emprego, concessões para adentrar outros espaços de interesse do aluno,
como fazer um teste de escrita para ser admitido em uma escolinha de futebol.
Houve ainda o destaque de saber escrever corretamente para evitar possíveis
constrangimentos, enfatizado pela seguinte resposta: “Em várias ocasiões porque se você
escrever errado em qualquer coisa fica feio” [sic].
Com base nas respostas apresentadas pelos participantes às quatro questões,
especificamente nas questões 2, 3 e 4, planejamos, no primeiro momento, um plano de aula
de ensino do conceito de referenciação com três momentos de produção escrita, que
descreveremos mais detalhadamente a seguir.
3.4 O plano de atividades para o ensino do conceito de referenciação: operando com a
regra 5
Para confecção da primeira produção escrita, operamos com a regra 5 (tornar um
conceito mais compreensível), partindo do princípio de que os alunos já possuem e usam o
conceito de referenciação tanto no aspecto oral quanto no escrito, e muito embora seja uma
67
prática discursiva constante dos sujeitos participantes desta pesquisa, o referido saber ainda
não se configura em um ato consciente, sobretudo na escrita, uma vez que os estudantes
fazem uso da referenciação sem ter o conhecimento sobre as peculiaridades de tal conceito.
Tal desconhecimento por parte do sujeito pode induzir ao uso inadequado ou ao não
aproveitamento das diversas possibilidades de comunicação que podem ser propiciadas pelo
conhecimento das incontáveis potencialidades de produção de sentidos do conceito de
referenciação.
Assim, neste primeiro momento os alunos compuseram uma produção escrita
espontânea, conforme Anexo 1, sem qualquer intervenção de ensino em relação à
referenciação. Considerando que as respostas dos alunos mostraram que cada um tem gostos
distintos para realização escrita e também pela temática, permitiu-se que os sujeitos
escolhessem tanto o gênero textual quanto a temática para elaborarem seus textos.
Para essa primeira atividade, procuramos considerar os saberes que os alunos já
possuíam sobre o conceito de referenciação. Segundo Vygotsky, tal conhecimento está
incutido na Zona de Desenvolvimento Real (ZDR), e, como afirma Rego:
O nível de desenvolvimento real pode ser entendido como referente àquelas conquistas que já estão consolidadas na criança, aquelas funções
ou capacidades que ela já aprendeu e domina, pois já consegue utilizar
sozinha, sem assistência de alguém mais experiente da cultura (pai, mãe,
professor, criança mais velha etc). Este nível indica, assim, os processos mentais da criança que já se estabeleceram, ciclos de desenvolvimento que
já se completaram. (REGO, 1985, p. 72).
Após os discentes terem realizados a primeira produção, a pesquisadora explicitou
aos alunos o conceito de referenciação destacando a característica anafórica e catafórica. Em
seguida, os participantes foram orientados a ler a produção que elaboraram procurando
identificar a ocorrência da referenciação anafórica e/ou catafórica. Considerando por
referenciação anafórica o termo ou expressão que faz referência direta ou indireta a um
termo anterior na produção textual, e por referenciação catafórica um elemento que faz
referência a um termo subsequente.
Neste ponto os participantes deveriam assinalar que tipo de referenciação (anafórica
ou catafórica) emergia de suas produções. Dentre as orientações oferecidas aos aprendentes
estava a de que as dúvidas que surgissem referentes à confecção da referida atividade
poderiam ser esclarecidas pela pesquisadora. Portanto, os discentes comunicariam à
investigadora suas dificuldades em realizar a atividade durante todo o tempo da localização
das referenciações.
68
A pesquisadora propôs-se a esclarecer as dúvidas dos estudantes de acordo com suas
particularidades tanto na perspectiva de dificuldade de entendimento individual do aluno em
relação ao conceito de referenciação quanto em relação às particularidades ao texto
produzido pelo aprendente, uma vez que a escolha do gênero textual e da temática ficou a
cargo do participante. A intervenção da pesquisadora teve como objetivo oferecer pistas para
os alunos sobre os possíveis caminhos a serem seguidos nas suas composições. Para tanto, a
investigadora respondia às dúvidas dos alunos individualmente, com questionamentos e
inferências relacionados ao próprio conteúdo escrito pelo aluno em seu texto, a fim de que o
participante pudesse por ele mesmo elaborar o exercício intelectual de como o conceito de
referenciação se configurava em sua escrita e quais os tipos de sentidos os referentes
poderiam inferir à sua produção considerando o ponto de vista do autor (neste contexto, o
aluno) e a perspectiva do possível interlocutor (leitor), assim como outras potencialidades de
sentidos que poderiam emergir de sua produção.
Os participantes também foram orientados a readequar as referenciações de suas
produções, trocando-as por outras se julgassem necessário após as intervenções da
investigadora.
A intervenção da pesquisadora tem como base o conceito de Zona de
Desenvolvimento Proximal (ZDP) estabelecida por Vygotsky, que pode ser entendida como:
[…] a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma
determinar através da solução independente de problemas, e o nível de
desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas
sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais
capazes. (VYGOTSKY, 1984, p. 97).
A seguir, quadro com síntese dos objetivos da produção textual 1:
Quadro 27 – Objetivos da produção de texto 1
Produção de texto 1
Alunos – Objetivos Pesquisadora – Objetivos
• Elaborar uma produção escrita com o
gênero e temática a escolha do próprio
participante;
• Substituir os referentes escrito por outros
mais adequados à situação e intenção de
comunicação escrita.
• Explicitar ao discente o conceito de
referenciação: características anafóricas e
catafóricas;
• Solicitar aos sujeitos que identifiquem em suas
produções as referenciações explicitando a
ocorrência de referenciação anafórica e
catafórica;
• Interagir com alunos individualmente
esclarecendo as possíveis dúvidas.
Fonte: elaborado pela autora
69
A segunda produção textual toma como base o resultado da questão 2 do
questionário, na qual a maior parte dos alunos revelaram usar a escrita para se comunicar por
meio das redes sociais, como o Facebook e o WhatsApp.
Com a intenção de identificar se os alunos já eram capazes de compreender como
ocorre a referenciação no processo de comunicação escrita dessas mídias, os sujeitos foram
instruídos a produzirem uma conversa com alguém de sua escolha por escrito, de acordo
com o Anexo 1, na qual poderiam simular conversas habituais nas referidas redes.
Na referida produção foi solicitado aos participantes que tal diálogo tivesse pelo
menos um referente anafórico e outro catafórico. Considerando que as conversas nas redes
sociais e no que se referem aos alunos ocorrem geralmente em situações não formais,
optamos por não interferir no tipo de linguagem que o participante usaria em tais
composições, sendo permitido aos alunos usar gírias, abreviações e signos característicos
das redes sociais.
Para que a própria pesquisadora compreendesse o que o participante queria dizer, ela
orientou alguns alunos a comporem um glossário de algumas expressões. Neste processo,
também os alunos poderiam participar à pesquisadora suas dúvidas a fim de que houvesse
intervenções.
Quadro 28 – Objetivos da produção de texto 2
Produção de texto 2
Alunos – Objetivos Pesquisadora – Objetivos
• Elaborar uma produção escrita que simule
uma conversa em algum tipo de rede social,
na qual o aluno contemple uma
referenciação do tipo anafórica e outra do
tipo catafórica;
• Identificar como ocorre o processo de
referenciação em conversas escritas pelas
redes sociais.
• Verificar se o aluno compreende como ocorre
a referenciação anafórica e catafórica em
produções escritas não formais, como em uma
conversa pela rede social;
• Interagir com os alunos individualmente
esclarecendo as possíveis dúvidas.
Fonte: elaborado pela autora
Para elaboração da terceira produção (Anexo 1) pelos participantes do estudo, a
pesquisadora retomou o conceito de referenciação. Contudo, nesta etapa fez a opção de
aprofundar tal conceito, explicitando, antes de aplicar a terceira produção aos sujeitos, as
principais estratégias de referenciação textual de modo que se compreendesse que:
A retomada é operação responsável pela manutenção em foco, no modelo
do discurso, de objetos previamente introduzidos, dando origem às cadeias referenciais ou coesiva; que são responsáveis pela progressão referencial
70
do texto. Pelo fato de o objeto já se encontrar ativado no modelo textual, tal
progressão pode realizar-se tanto por meio de recursos de ordem gramatical, como pronomes, elipses, numerais, advérbios locativos [cf.
KOCH, 1989, 1987], como por intermédio de recurso de ordem lexical
(reiteração de itens lexicais, sinônimos, hiperônimo, nomes genéricos,
expressões nominais etc.). (KOCH; ELIAS, 2009, p. 131).
Para composição da terceira atividade, optou-se por não fazer qualquer tipo de
intervenção durante o processo de produção ou depois de os alunos produzirem o texto. O
objetivo de tal ação foi verificar se os alunos podiam compor as estratégias de referenciação,
explicadas pela investigadora, em seus textos autonomamente, sem qualquer tipo de
mediação.
Tal ação tem por objetivo avaliar se os alunos eram capazes de generalizar, ou seja,
usar de modo adequado o conceito de referenciação estudado na primeira e segunda
produções e ainda transpor tal conhecimento para outras situações de uso nas quais não
houve a intervenção direta do mediador.
Segundo Davydov (1982), dominar um conceito supõe conhecer as características
dos objetos e fenômenos que o mesmo abarca, além de também saber ampliar o conceito na
prática e saber operar com ele. Dominar um conceito supõe dominar a totalidade de
conhecimento sobre os objetos a que se refere o conceito dado, e, segundo o referido autor,
quanto maior o conhecimento sobre o conceito, maior o domínio sobre ele.
Considerando a perspectiva de Davydov sobre o domínio do conceito, os
participantes foram instruídos a elaborar uma história em quadrinhos com o tema de
interesse dos próprios sujeitos da pesquisa, na qual fizessem uso de, pelo menos, três formas
de progressão referencial (recursos de ordem gramatical, como pronomes, elipses, numerais,
advérbios locativos; e recurso de ordem lexical; reiteração de itens lexicais, sinônimos,
hiperônimo, nomes genéricos, expressões nominais etc.); e, no mínimo, uma progressão de
sumarização por encapsulamento e outra por rotulação.
A escolha pelo gênero textual história em quadrinhos deu-se por conta do interesse
dos alunos em desenvolver a expressão textual explorando aspectos multimodais3, conforme
demonstrado no questionário.
3 “O texto multimodal consiste em uma construção textual calcada na conexão/união de elementos
provenientes de diferenciados registros da linguagem. Os textos multimodais mais conhecidos são os que
estão pautados na junção de elementos alfabéticos e imagéticos (leia-se linguagem verbal escrita e visual, respectivamente). Sobre tal conceituação, podemos mencionar a título de exemplificação: os anúncios, os
cartuns, as charges, as histórias em quadrinhos, as propagandas, as tirinhas etc. Tais gêneros trazem consigo a
materialização de signos alfabéticos (letras, palavras e frases) e signos semióticos (imagéticos e visuais). Ou
seja, esses gêneros têm sua construção materializada mediante múltiplas e diversificadas semioses”
71
Dois alunos disseram ter interesse pela escrita para compor a história em quadrinhos
e mangás (tipo de história em quadrinhos de origem japonesa). Outro fator que contribuiu
para tal escolha foi a relevância desse tipo produção na produção de sentidos, conforme
destaca Cavalcante:
A produção de linguagem verbal e não verbal constitui atividade interativa
altamente complexa de produção de sentidos que se realiza, evidentemente, com base nos elementos presentes na superfície textual e na sua forma de
organização, mas que requer não apenas a mobilização de um vasto
conjunto de saberes (enciclopédia), mas a sua reconstrução – e a dos
próprios sujeitos – no momento da interação verbal. (CAVALCANTE,
2010, p. 9).
Quadro 29 – Objetivos da produção de texto 3
Produção de texto 3
Alunos – Objetivos Pesquisadora – Objetivos
• Elaborar uma história em quadrinhos com o
tema de livre escolha, na qual haja uso de
pelo menos três tipos de estratégias de
referenciação; uma referenciação por
encapsulamento e outra por rotulação.
• Verificar se o participante é capaz de
generalizar os conceitos de referenciação, ou
seja, usá-lo de modo adequado, em situações
nas quais não houve intervenções educativas
diretas, tendo como base o que apreenderam
no processo de produção da primeira e
segunda atividades e mais a exposição das
características dos conceitos das formas de
progressão referenciais por elementos
textuais e por encapsulamento e rotulação.
Fonte: elaborado pela autora
Considerando algumas dificuldades identificadas no resultado da análise da terceira
produção dos alunos, como fazer o uso da recategorização e da sumarização por
encapsulamento e por rotulação, elaboramos um conjunto de exercícios (Anexo 2) com o
objetivo de oferecer condições para que os alunos fixassem variadas formas de referenciação
e seus respectivos sentidos. A seguir Quadro 30 contendo as respectivas questões:
(PORFIRIO, Silva; BRAGA, Francisco Ernandes de; CIPRIANO, Luis Carlos. 2015. Textos multimodais: a
nova tendência na comunicação. In: Observatório da Imprensa. Disponível em:
<http://observatoriodaimprensa.com.br/diretorio-academico/textos-multimodais-a-nova-tendencia-na-
comunicacao/> Acesso em: 10 nov. 2016).
72
Quadro 30 – Questões sobre o conceito de referenciação
Questões que identificam os efeitos de sentidos da referenciação
Alunos – Objetivos Pesquisadora – Objetivos
• Responder às perguntas;
• Fixar os aspectos que envolvem o
conceito de referenciação
• Oferecer condições aos alunos de fixar
o conceito de referenciação;.
• Interagir com os participantes no
sentido de auxiliá-los a realizar o
objetivo anterior;
• Identificar as possíveis dificuldades
dos alunos na compreensão do
conceito de referenciação;
• Fazer uso do resultado dessa análise
para elaborar os esclarecimentos
necessários aos alunos.
Fonte: elaborado pela autora
Portanto, analisando o conjunto de atividades e intervenções, nota-se que o
planejamento das aulas visa oferecer aos alunos condições educativas nas quais os
aprendentes possam adquirir e desenvolver o conhecimento sobre os conceitos de
referenciação em distintas situações de interação escrita.
3.5 O plano de atividades para o ensino da produção da carta do leitor: operando com
a regra 3 e a regra 4
Buscando operar com a regra 3 (articular saber velho com saber novo), e com a regra
4 (transformar um saber em exercícios e problemas), propomos neste item que os alunos
elaborassem duas atividades e uma produção textual.
Para articular o saber velho com o saber novo, consideramos que os alunos já faziam
uso da referenciação tanto na escrita quanto na oralidade antes de iniciarem com a
participação neste estudo. No entanto, esse uso não era consciente (saber velho).
Dessa forma, buscamos articular o referido saber velho com o saber novo (o que os
alunos apreenderam sobre o conceito de referenciação no item anterior), fazendo uso da
regra 4 (transformar um saber em exercícios e problemas).
Para tanto, elaboramos um plano de atividades no qual seria oferecido aos alunos a
oportunidade de colocar em prática o uso do conceito de referenciação na sua produção
escrita por meio da produção de uma carta do leitor.
De acordo com Abrão:
73
O saber sábio, cuja formatação permite uma gama maior de exercícios, é
aquele que, certamente terá preferência frente a conteúdos menos operacionalizáveis. Esta talvez seja a regra mais importante, pois está
diretamente relacionada ao processo de avaliação e controle de
aprendizagem. (ABRÃO, 2009, p. 41).
Nesse sentido, com o objetivo de colocar em evidência o saber sábio (referenciação),
procuramos garantir condições ao aluno de conhecer o gênero carta do leitor e ao mesmo
tempo desenvolver a capacidade de produzir o referido gênero.
Assim, apresentamos exemplares de carta do leitor e também esclarecemos em quais
suportes esse tipo de gênero costuma estar inserido, bem como os meios por onde circula,
oferecendo aos alunos diversas revistas nas quais os estudantes poderiam localizar variados
exemplares de cartas do leitor.
O gênero carta requer do professor uma atenção especial no que se refere à
argumentação. Nas palavras de Oliveira:
A carta exige que o professor oriente seus alunos acerca de questão textual importantíssima: a ARGUMENTAÇÃO. Todos sabemos que a
argumentação é feita para se convencer alguém de algo, seja para alguém
fazer alguma coisa, seja para levar alguém a uma conclusão, como nos
informa Ducrot (1972). Contudo, o que muitas pessoas não sabem conscientemente é que há estratégias de argumentação. Cabe ao professor
ajudar seus alunos a se conscientizarem dessas estratégias e de seu uso na
produção escrita. (OLIVEIRA, 2010, p. 151).
Para explicitar ao aluno a relevância da argumentação, solicitamos dois tipos de
atividades: na primeira atividade, selecionamos alguns exemplares de carta do leitor e
pedimos para que o discente identificasse os possíveis argumentos presentes nas produções
(Anexo 3) e quais os possíveis efeitos de sentido aferidos, por meio da referenciação, à
compreensão da tese da carta. A seguir, o Quadro 31 exibe os objetivos da atividade 1:
74
Quadro 31 – Objetivos da atividade 1
Atividade 1
Alunos – Objetivos Pesquisadora – Objetivos
• Identificar os efeitos de sentidos que a
referenciação pode atribuir para
argumentação nas cartas do leitor.
• Verificar se o participante é capaz de
identificar as potencialidades da referenciação
para efeito de sentidos nas cartas de leitor;
• identificar o que o aluno domina em relação
ao primeiro objetivo proposto e quais as
dificuldades encontradas pelo aluno para
reconhecer as potencialidades da
referenciação na argumentação, e identificar o
que o aluno ainda precisa saber;
• Fazer uso do resultado dessa análise para
elaborar os esclarecimentos necessários aos
alunos.
Fonte: elaborado pela autora
A segunda atividade consiste numa estratégia de preparação para a produção da
carta do leitor pelo próprio participante e é composta por um questionário.
Para que o aluno possa compor a carta do leitor, selecionamos uma entrevista
intitulada “‘Amor doentio do pai matou o meu filho’, diz mãe sobre tragédia”, publicada na
Revista online Veja (Anexo 4). Elaboramos, juntamente com os alunos, uma leitura
minuciosa da entrevista, procurando, em conjunto com os alunos, interpretar e compreender
a entrevista, bem como erigir temas para argumentação.
A carta do leitor, por sua característica de interatividade, envolve um processo de
leitura que requer bastante perícia por parte do leitor. Nas palavras de Kleiman no que se
refere ao conhecimento prévio da leitura:
A compreensão de um texto é um processo que se caracteriza pela
utilização de conhecimento prévio: o leitor utiliza na leitura o que ele já sabe, o conhecimento adquirido ao longo de sua vida. É mediante a
interação de diversos níveis de conhecimento, como o conhecimento
linguístico, o textual e o conhecimento de mundo que o leitor consegue construir o sentido do texto. E porque o leitor utiliza justamente diversos
níveis de conhecimento que interagem ente si, a leitura é considerada um
processo interativo. Pode-se dizer com segurança que sem engajamento do
conhecimento prévio do leitor não haverá compreensão. (KLEIMAN,
1989, p. 13).
Considerando os aspectos apontados por Kleiman acerca da leitura, solicitamos aos
alunos que identificassem nas cartas (Anexo 5) alguns aspectos que poderiam contribuir para
que os estudantes reconhecessem possíveis temáticas para suas produções, bem como a
perspectiva de argumentação e composição do ponto de vista.
75
A seguir, o Quadro 32 traz os objetivos da atividade 2:
Quadro 32 – Objetivos da atividade 2
Atividade 2
Alunos – Objetivos Pesquisadora – Objetivos
• Responder às perguntas propostas;
• Identificar, por meio das respostas dadas as
perguntas, aspectos na entrevista que
possam contribuir para erigir opiniões e
argumentos.
• Oferecer condições aos alunos de identificar,
por meio das respostas às perguntas,
possíveis temáticas para produção de sua
própria carta do leitor;
• Interagir com os participantes no sentido de
auxiliá-los a realizar o objetivo anterior;
• fazer uso do resultado dessa análise para
elaborar os esclarecimentos necessários aos
alunos.
Fonte: elaborado pela autora
As atividades foram então avaliadas. A avaliação da primeira atividade (Anexo 3)
consistiu em identificar, por meio das respostas dos alunos, o que eles compreendiam sobre
o efeito de sentido proporcionados pela referenciação nas cartas do leitor, quais aspectos
ainda não dominavam e quais peculiaridades precisavam saber sobre esse conceito para,
finalmente, elaborarem sua própria produção.
Com base no resultado da análise dessa primeira avaliação, foram tiradas dúvidas dos
discentes em relação à proposta e acrescentadas informações sobre as particularidades da
carta do leitor. Como exemplo, uma dessas dúvidas foi relativa ao produtor da carta ter de
escrever apenas sobre o assunto da carta ou se poderia acrescentar outro assunto com o
objetivo de defender um ponto de vista.
A avaliação da segunda atividade (Anexo 5) foi feita em conjunto com os alunos. A
maioria das perguntas era de caráter pessoal, e o objetivo era que os alunos, em conjunto,
contribuíssem com a construção das respostas com o intuito de que tais respostas e
questionamentos viessem a contribuir para que compusessem opiniões, hipóteses e
argumentos para produzirem as suas próprias carta do leitor.
A correção de ambas as atividades foi feita em conjunto com os alunos. Houve um
pequeno nível de correção da segunda atividade (Anexo 5), uma vez que esta já tinha sido
avaliada anteriormente e a maioria das respostas era de ordem pessoal.
A quarta produção textual (Anexo 6) deste procedimento consiste na composição da
carta do leitor pelos próprios participantes, sem intervenção do pesquisador. Dessa forma, os
participantes foram orientados a compor sua própria carta do leitor. Assim, receberam a
seguinte orientação: redigir uma carta do leitor acerca da entrevista contida no Anexo 4
76
(“‘Amor doentio do pai matou o meu filho’, diz mãe sobre tragédia”), tomando o uso da
referenciação como recurso para atribuir sentido ao texto auxiliando na composição da
argumentação do referido texto.
Para realização da escrita, os discentes poderiam usar como base as atividades 1 e 2.
O objetivo dessa proposta era avaliar se os alunos eram capazes de elaborar a carta do eleitor
usando como recurso o processo de referenciação para a construção dos argumentos,
atribuindo sentido ao texto.
A seguir, finalizamos esse item apresentando o Quadro 33 com os objetivos da
quarta produção textual:
Quadro 33 – Objetivos da produção textual 4 (carta do leitor)
Produção textual 4 - Carta do leitor
Alunos – Objetivos Pesquisadora – Objetivos
• Elaborar a carta do leitor tendo como
referência a entrevista “‘Amor doentio do
pai matou o meu filho’, diz mãe sobre
tragédia”;
• Colocar em prática o que apreendeu sobre
o conceito de referenciação e sobre as
peculiaridades da carta do leitor, tendo
como base as atividades 1 e 2.
• Identificar se os alunos são capazes de usar
os recursos da referenciação para atribuir
sentido à carta do eleitor, sobretudo na
composição da argumentação do texto.
Fonte: elaborado pela autora
3.6 Tratamento da análise
Os alunos produziram 27 cartas do leitor. Todavia, adotamos 15 textos como corpus
da pesquisa. A análise do corpus realizar-se-á de forma qualitativa, como um suporte para o
entendimento do processo de intervenção.
3.6.1 Procedimentos de análise
O procedimento de análise dos dados é descritivo, fundamentando-se no referencial
teórico apresentado. Considerando a perspectiva qualitativa da análise, buscamos identificar
se o participante atendeu aos objetivos das intervenções de ensino aplicada nos itens
anteriores.
3.6.2 Apresentação dos resultados
Para apresentar os resultados, seguiram-se alguns procedimentos com a intenção de
torná-los mais explícitos. Assim:
77
1. As 15 cartas produzidas pelos alunos serão expostas na íntegra, com exceção
do nome do aluno, que foi trocado para efeito de preservar a identidade do
participante;
2. Os dados são apresentados por meio da exposição das produções textuais com
o propósito de exemplificar a interpretação realizada;
Os dados são discutidos, logo em seguida, bem como a apresentação de cada uma
das cartas. Retomam-se também os pensamentos dos autores da fundamentação teórica a fim
de estabelecer uma discussão entre os dados da pesquisa empírica com a pesquisa teórica.
78
4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS
Apresentamos a seguir a descrição e a análise de 15 produções escritas pelos
participantes da pesquisa. A descrição está organizada em 15 itens, e cada uma dessas
unidades apresenta a transcrição da carta do leitor (de forma integral, com a redação sem
modificações profundas) e em seguida a descrição e a análise da referida produção.
4.1 Carta do leitor 1
Quadro 34 – Carta do leitor 1
São Paulo, 28 de novembro de 2016.
À Revista Veja
Caro Thiago!
Parabéns pela iniciativa em entrevistar a mãe do jovem assassinado. Lamento pela
tragédia, mas a fala da infeliz matriarca ajuda a gente a entender a razão de tudo. Pelo que ela diz,
o relacionamento pai e filho já não era grande coisa, o sujeito em vez de procurar meios de buscar
o sustento para dentro de casa ficava monitorando o filho 24 horas. O homem chegava ao cúmulo
de tentar controlar a comida do filho de 20 anos, uma pessoa com 20 anos já é tida como adulta,
mas ele tratava o jovem rapaz como bebê! Sinto muito pela dor dessa mãe que perdeu o filho
querido e o doido do marido, e vá me desculpando pela minha falta de sensibilidade, mas penso
que ela também tem um tantinho de culpa no cartório. O preguiçoso se achava melhor que os
outros dizendo que não trabalhava porque só trabalha gente que não tem competência, depois ela
podia ter se tocado: qualquer mané que pensa em se sentar no túmulo do próprio pai e enfiar um
tiro na cabeça não é de confiança. Se fosse minha mãe no lugar dessa senhora, já tinha dado no pé
e me levado junto, ou seja, a mulher do assassino poderia ter evitado a tragédia, se tivesse, lá atrás,
se separado do marido e carregado o filho junto, com certeza teria evitado que o pai perturbado
atirasse no adolescente. E olha que minha mãe é faxineira, e conhece a tal da lei “Maria da Penha”
e também alguma coisa dos direitos de proteção à criança e do adolescente. Acho que a mãe do
garoto morto, como delegada, deve ter decorado essas leis, será possível que a delegada não
pensou em proteger ela, o filho e o próprio marido dele mesmo? Enfim, o pior aconteceu, estou
tentando dizer que a pobre mulher poderia ter evitado a desgraça de sua família, mas acho que
ninguém melhor do que uma delegada pra saber que lei no nosso país é apenas enfeite, talvez por
isso nunca tenha tomado uma iniciativa. Sinto muito pela dor da mãe e esposa, e obrigado pela
oportunidade de opinar.
Leandro, 14 anos, nono ano.
O produtor da carta do leitor 1, situando a mãe no texto, introduz inicialmente a
expressão ‘a mãe do jovem assassinado’. Posteriormente, faz a retomada usando as seguintes
79
expressões: ‘infeliz matriarca’, ‘ela’, ‘mãe’, ‘senhora’, ‘a mulher do assassino’, ‘a mãe do
garoto morto’, ‘delegada’, ‘delegada’, ‘ela’, ‘pobre mulher’, ‘sua’, ‘delegada’, ‘próprio’ e
‘mãe e esposa’.
Notamos que para maioria dos referentes, o participante atribui um sentido distinto.
Vejamos: o início segue com expressão ‘a mãe do jovem assassinado’, que colabora para
revelar o assunto sobre o que ele deseja discorrer, isto é, um jovem que foi assassinado.
A expressão ‘infeliz matriarca’ identifica o estado da mãe diante do assassinato do
filho. Em seguida, a expressão ‘ela’ apresenta de modo indireto a fala da mãe “Pelo que ela
diz, o relacionamento pai e filho já não era grande coisa”.
A primeira vez que o participante apresentou a palavra ‘mãe’ sem nenhum tipo de
adjunto adnominal evidencia empatia em relação aos sentimentos da mãe: “Sinto muito pela
dor dessa mãe que perdeu o filho querido e o doido do marido”. Efeito contrário acontece na
frase seguinte: “mas penso que ela também tem um tantinho de culpa no cartório”, quando o
produtor descaracteriza a expressão mãe substituindo-a pelo pronome ela, e, com isso, de
certa forma caminha para um afastamento de tudo o que representa a palavra mãe, ou seja, o
pronome ela dá licença ao produtor da carta para sugerir a responsabilidade da mãe pelo
assassinato do filho.
Esse aspecto ocorre novamente nas frases ‘ela podia ter se tocado’ e ‘Se fosse minha
mãe no lugar dessa senhora’. O pronome pessoal ela e o pronome de tratamento senhora
contribuem para manter o distanciamento e sugerir a culpa pelo assassinato à mãe.
A expressão ‘a mulher do assassino’ na frase “a mulher do assassino poderia ter
evitado a tragédia” culpa a mãe pelo assassinato, evidenciando a cumplicidade da mãe com
o assassino do filho e ao mesmo tempo evidencia a cumplicidade no que tange ao
assassinato do filho.
Assim, podemos observar que a expressão ‘a mulher do assassino’ recategoriza os
referentes anteriores (ela, ela, senhora), que apenas sugeriam a intenção de responsabilizar a
mãe.
Na frase “Acho que a mãe do garoto morto, como delegada, deve ter decorado essas
leis, será possível que a delegada não pensou em proteger ela, o filho e o próprio marido
dele mesmo?”, as expressões ‘a mãe do garoto morto’ e ‘delegada’ contribuem para
identificar a profissão da mãe; e, ao mesmo tempo que coopera para identificar a profissão,
serve de base para compor uma ironia e potencializar a responsabilidade da mãe sobre os
fatos, isto é, ‘delegada’ e mãe que, supostamente, conhece as leis: ‘delegada’ que tem
80
autoridade para proteger as pessoas e não protegeu a própria família. A expressão ‘ela’
contida nessa frase, sugere mais de um sentido: é possível inferir que a mãe corria o risco de
ser assassinada pelo marido e também de vivenciar a dor de ter o filho morto pelo marido: a
expressão ‘próprio’ infere o sentido de pertencimento do marido em relação à mãe, e
enfatiza a responsabilidade dela no que tange ao marido.
A frase “Enfim, o pior aconteceu, estou tentando dizer que a pobre mulher poderia
ter evitado a desgraça de sua família, mas acho que ninguém melhor do que uma delegada
pra saber que lei no nosso país é apenas enfeite, talvez por isso nunca tenha tomado uma
iniciativa” apresenta uma tentativa de amenizar a responsabilidade da mãe sobre os fatos.
Novamente, a sugestão de empatia pode ser identificada na expressão ‘a pobre mulher’,
seguida da expressão delegada, que é apresentada para justificar a intenção de atenuar a
responsabilidade da mãe pelos fatos ocorridos. Notamos que esses referentes sugerem um
contra-argumento.
A expressão ‘razão de tudo’ sumariza por rotulação a opinião do produtor do texto e
está ancorada nos aspectos que antecederam o assassinato do filho pelo pai e a
responsabilidade da mãe sobre os fatos.
Finalizando a descrição dos referentes que dizem respeito à mãe, identificamos a
expressão ‘mãe e esposa’ na frase “Sinto muito pela dor da mãe e esposa”, e esse referente
infere o sentido de empatia pela situação vivida pela mãe, enfatizando que ela sofre duas
perdas: a do filho e a do marido.
Os referentes que tratam do pai dentro da produção são ‘pai’, ‘o sujeito’, ‘o homem’,
‘ele’, ‘doido do marido’, ‘o preguiçoso’, ‘mané’, ‘marido’, ‘o pai perturbado’, ‘próprio’ e
‘dele mesmo’. Na frase “o relacionamento pai e filho já não era grande coisa”, a introdução
da expressão ‘pai’, além de apresentá-lo na produção, sugere a participação dele nos fatos.
Nas frases “o sujeito em vez de procurar meios de buscar o sustento para dentro de
casa ficava monitorando o filho 24 horas”, e “O homem chegava ao cúmulo de tentar
controlar a comida do filho de 20 anos”; e as expressões ‘o sujeito’ e ‘o homem’ identificam
as atitudes do pai, além de inferir um tom de questionamento, enquanto que a expressão
‘ele’ na frase “ele tratava o jovem rapaz como bebê” apenas revela a atitude do pai em
relação ao filho.
As expressões ‘doido do marido’ e ‘pai perturbado’ claramente apresentam uma
opinião sobre o estado mental do pai. Já a expressão ‘o preguiçoso’ sugere um ponto de vista
sobre a personalidade do pai. A expressão ‘mané’ na frase ‘qualquer mané que pensa em se
81
sentar no túmulo do próprio pai e enfiar um tiro na cabeça não é de confiança’ não diz
respeito diretamente ao pai, mas está ancorada na atitude dele. A expressão ‘marido’ na frase
“a mulher do assassino poderia ter evitado a tragédia, se tivesse, lá atrás, se separado do
marido e carregado o filho junto” situa a atitude da mãe, conferindo o status de membro da
família ao pai, mas não se refere à atitude do pai, e sim a da mãe. A expressões ‘marido’ e
‘dele mesmo’ contidas na frase “a delegada não pensou em proteger ela, o filho e o próprio
marido dele mesmo?” também dizem respeito à atitude da mãe, e não do pai.
Nos referentes relacionados ao pai, observamos que, quando o produtor quer
expressar um ponto de vista sobre o pai, apresenta referentes (doido do marido, pai
perturbado, mané, preguiçoso, o sujeito, o homem), mas só usa expressões definidas
(marido, próprio e dele mesmo) quando se refere às ações da mãe em relação ao marido.
Na frase “E olha que minha mãe é faxineira, e conhece a tal da lei ‘Maria da Penha’
e também alguma coisa dos direitos de proteção à criança e do adolescente. Acho que a mãe
do garoto morto, como delegada, deve ter decorado essas leis, será possível que a delegada
não pensou em proteger ela, o filho e o próprio marido dele mesmo?”, os referentes
‘faxineira’ e ‘delegada’ sugerem uma comparação entre a profissão da mãe do produtor da
carta (faxineira) e a profissão da mãe que teve o filho assassinado (delegada). A referida
comparação, conforme descrito anteriormente, confere a ironia e reforça a responsabilidade
da mãe pelo assassinato do filho.
Na frase “mas acho que ninguém melhor do que uma delegada pra saber que lei no
nosso país serve apenas de enfeite, talvez por isso nunca tenha tomado uma iniciativa”, a
expressão ‘lei’ é recategorizada pela expressão ‘enfeite’, contribuindo para compor um
ponto de vista; ao mesmo tempo que a expressão ‘isso’ encapsula a frase “mas acho que
ninguém melhor do que uma delegada pra saber que lei no nosso país serve apenas de
enfeite”, justificando a atitude da mãe diante do fato: “talvez por isso nunca tenho tomado
uma iniciativa.”
Nos referentes usados para situar a mãe, o pai, e o próprio produtor da carta,
identificamos o que Koch (1997) denomina como zona de intersecção, ou seja, a forma
como é feita a remissão. De acordo com a referida autora, a escolha dos elementos
linguísticos usados para fazer a remissão constitui índice de grande valor para identificar
atitudes, crenças e convicções, e valida o que Mondada e Dubois (2003, p. 25) afirmam, ou
seja, que
82
A variação e a concorrência categorial emergem notadamente quando uma
cena é vista de diferentes perspectivas, que implicam diferentes categorizações da situação, dos atores e dos fatos. A “mesma” cena pode,
mais geralmente, ser tematizada diferentemente e pode evoluir – no tempo
discursivo narrativo – focalizando diferentes partes e aspectos.
E conforme podemos identificar nos referentes apresentados na carta do leitor 1, os
efeitos de sentido aferidos são nítidos e “servem para tematizar uma entidade, para sublinhar
a saliência de aspecto específico ou de uma propriedade de um objeto, para atrair a atenção
de entidade particular [...]” (MONDADA; DUBOIS 2003, p. 25).
Em suma, considerando a descrição e a análise dos referentes usados no texto na
carta do leitor 1, concluímos que as estratégias de referenciação usadas pelo produtor da
carta contribuíram para apresentar o ponto de vista e ao mesmo tempo compor os
argumentos da referida produção.
4.2 Carta do leitor 2
Quadro 35 – Carta do leitor 2
São Paulo, 28 de novembro de 2016.
À Revista Veja
Prezado Thiago Bronzatto!
A entrevista sobre o pai que matou o filho de vinte anos me deixou muito triste e ao
mesmo tempo perplexa. A mãe do jovem assassinado disse que o pai matou o filho por causa de
um amor doentio que o seu Alexandre sentia pelo Guilherme. Isso que a dona Rosália contou é a
tragédia de Édipo às avessas, porque na história de verdade o filho era apaixonado pela mãe. No
caso da família da delegada Rosália, o pai era apaixonado pelo filho, e ele tinha um amor tão
incontrolável pelo filho que nem trabalhar trabalhava, acho que para ter mais tempo para controlar
o rapaz. Infelizmente, como na história de Édipo, o assassinato aconteceu, só que desta vez o pai
matou o filho. Finalizo dizendo que essa não é mais uma tragédia grega, essa é mais uma tragédia
brasileira.
Camila, 13 anos, nono ano.
A frase “A entrevista sobre o pai que matou o filho de vinte anos” apresenta o
assunto sobre o qual o texto é desenvolvido, introduzindo as expressões A entrevista e o pai
que matou o filho de vinte anos.
A expressão ‘a mãe do jovem assassinado’ identifica o entrevistado ao mesmo tempo
que situa a mãe na produção.
83
Na frase “A mãe do jovem assassinado disse que o pai matou o filho por causa de um
amor doentio que o seu Alexandre sentia pelo Guilherme” a expressão ‘a mãe do jovem
assassinado’ identifica a mãe como autora da informação contida na referida frase; e a
expressão ‘o pai que matou o filho’ também identifica o pai como autor do assassinato do
filho.
Os substantivos próprios ‘seu Alexandre” e “Guilherme” identificam os nomes de pai
e filho; a expressão ‘seu’, que sugere a forma de tratamento a uma pessoa mais velha, sendo
acompanhada pelo substantivo “Alexandre”, permite inferir que esse é o nome do pai,
enquanto o substantivo ‘Guilherme’ não vem acompanhada por nenhuma expressão de
tratamento, aspecto que evidencia as diferenças entre o tratamento dado a uma pessoa mais
velha e o tratamento dado a uma pessoa mais nova. Tal recurso permite que o leitor conclua
que Alexandre é o nome do pai e Guilherme o nome do filho. O mesmo acontece com a
expressão ‘dona Rosália’ contida na frase “Isso que a dona Rosália contou é a tragédia de
Édipo às avessas, porque na história de verdade o filho era apaixonado pela mãe” identifica
o nome da mãe, ‘Rosália’, e evidencia tratar-se de uma pessoa mais velha por causa da
expressão ‘dona’.
Na mesma frase em que aparece a expressão ‘dona Rosália’ surge a expressão ‘isso’,
que sumariza por encapsulamento a informação de que “o pai matou o filho por causa de um
amor doentio que o seu Alexandre sentia pelo Guilherme”. Por sua vez, a expressão
‘tragédia de Édipo às avessas’ confere um rótulo para a mesma informação sumarizada por
encapsulamento por meio da expressão ‘isso’.
Esses referentes constituem elementos que contribuem para compor um argumento.
O uso do referido rótulo evidencia que a produtora da carta recorreu ao seu conhecimento
enciclopédico para constituir o referente, estabelecendo uma comparação entre a relação
parentesca dos envolvidos nos dois episódios (tragédia grega e assassinato em família). As
frases “o filho era apaixonado pela mãe” e “o pai era apaixonado pelo filho” evidenciam a
comparação, explicitando a relação dos referentes filho versus mãe e pai versus filho.
Na frase “ele tinha um amor tão incontrolável pelo filho que nem trabalhar
trabalhava, acho que para ter mais tempo para controlar o rapaz”, a expressão ‘ele’ retoma a
expressão ‘o pai’; já a expressão ‘amor doentio’ verbalizada pela mãe no início da carta é
recategorizada pela expressão ‘amor tão incontrolável’. A expressão ‘filho’ é retomada pela
expressão ‘rapaz’ para identificar o referido participante no texto.
84
Na frase “Infelizmente, como na história de Édipo, o assassinato aconteceu, só que
desta vez o pai matou o filho. Finalizo dizendo que essa não é mais uma tragédia grega,
essa é mais uma tragédia brasileira” a expressão ‘história de Édipo’ ancora a expressão ‘o
assassinato’, evidenciando a ocorrência do crime e identificando os envolvidos, ou seja,
‘pai’ e ‘filho’. Assim, como evidenciam Koch e Elias:
Casos de introdução de referentes de forma ancorada constituem anáforas
indiretas, uma vez que não existe no cotexto um antecedente explícito,
mas, sim, um elemento de relação que se pode denominar de âncora (Schwarz, 2000) é que é decisivo para interpretação (KOCH; ELIAS, 2009,
p. 135)
A expressão ‘essa’ sumariza por encapsulamento a frase “o assassinato aconteceu, só
que desta vez o pai matou o filho” ao mesmo tempo que claramente expressa uma opinião,
recategorizando a expressão ‘isso’ com a rotulação por sumarização contida na expressão
“uma tragédia brasileira”.
Considerando a descrição e a análise dos efeitos de sentidos dos referentes contidos
na carta do leitor 2, verificamos que predominam nela as anáforas indiretas constituídas por
referentes âncoras. Portanto, a argumentação é construída por meio de anáforas
encapsuladoras e por rotulação, de modo que tal constatação corrobora o que Santos e
Cavalcante (2014, p. 227) afirmam sobre a referida estratégia de referenciação, ou seja:
“como nas [anáforas] indiretas, as encapsuladoras são inferenciais e, ainda ancoradas em
informações dadas, introduzem um novo referente, que sintetiza porções do texto; com AD
[anáforas diretas], porém, parece haver certo grau de correferencialidade entre a porção do
texto sintetizada e o encapsulador”.
85
4.3 Carta do leitor 3
Quadro 36 – Carta do leitor 3
São Paulo, 28 de novembro de 2016.
À Revista Veja
Ao Repórter Thiago Bronzzatto!
Se a moda pega, não vamos existir mais. Se toda vez que um pai ou uma mãe decidir matar
o filho por causa de desobediência, não vai demorar muito para que a gente não exista. Os
conflitos entre pais e filhos existem desde que o mundo é mundo, mas graças a Deus a maior parte
deles não acaba em morte. Um exemplo de intolerância é o caso do pai Alexandre que matou o
filho, e tudo porque o moço estava buscando ser participativo na política. Veja, Thiago! Minha
mãe vive reclamando porque eu fico com a cara enfiada no videogame, e que não me interesso por
nada que está acontecendo em volta de casa, no bairro, no mundo e na política. Já pensou se por
causa disso ela resolve fazer igual esse pai lunático e resolve dar um fim em mim? Não quero nem
pensar! O fato é que o moço perdeu a vida, a mãe perdeu o filho, e eu também fiquei cabreiro! Vou
procurar me interessar por alguma coisa, de preferência alguma coisa pela qual a minha mãe
simpatize. Pelo sim, pelo não, não quero contrariar! Era só o que eu tinha pra dizer.
Anderson, 14 anos, nono ano.
A carta é iniciada com a expressão ‘moda’ que, por sua vez, está ancorada na
seguinte informação “toda vez que um pai ou uma mãe decidir matar o filho por causa de
desobediência”. A expressão ‘moda’, por sua função de síntese, também constitui uma
sumarização por rotulação.
A expressão ‘a maior parte deles’ retoma a expressão ‘os conflitos’ e identifica o
tema da produção. A expressão ‘um exemplo de intolerância’ sumariza por rotulação a frase
“é o caso do pai Alexandre que matou o filho, e tudo porque o moço estava buscando ser
participativo na política”. As expressões ‘caso do pai Alexandre’, ‘filho’, ‘o moço’
apresentam os participantes e identifica o tipo de relação parentesca entre eles.
A frase “Veja, Thiago! Minha mãe vive reclamando porque eu fico com a cara
enfiada no videogame, e que não me interesso por nada que está acontecendo em volta de
casa, no bairro, no mundo e na política.” é um exemplar de desfocalização, ou seja, o
produtor se afasta do tema que norteia sua produção, para acrescentar uma nova informação,
logo em seguida ele faz a retomada do assunto inicial estabelecendo uma relação entre a
nova informação e as informações passadas com a frase “Já pensou se por causa disso ela
resolve fazer igual esse pai lunático e resolve dar um fim em mim?”
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O substantivo próprio utilizado para identificar e ao mesmo tempo chamar, sugerir a
aproximação com o interlocutor da carta é identificado pela expressão ‘Thiago’ na frase
“Veja, Thiago!” . A expressão ‘minha mãe’ é retomada pela expressão ‘ela’ que identifica a
participação da mãe do produtor na carta. A expressão ‘disso’ sumariza por encapsulamento
o comportamento do produtor “eu fico com a cara enfiada no videogame, e que não me
interesso por nada que está acontecendo em volta de casa, no bairro, no mundo e na
política.” Ajuda a constituir um argumento usando a expressão ‘igual’ para sugerir que sua
mãe pode ter atitude semelhante a do ‘pai lunático”, expressão que recategoriza o termo ‘pai
Alexandre’ expressando a opinião do produtor sobre o autor do crime.
Na frase “O fato é que o moço perdeu a vida, a mãe perdeu o filho, e eu também
fiquei cabreiro! Vou procurar me interessar por alguma coisa, de preferência alguma coisa
pela qual a minha mãe simpatize. Pelo sim, pelo não, não quero contrariar! Era só o que eu
tinha pra dizer.” as expressões ‘o moço’, ‘a mãe’ e ‘eu’ identifica a participação de cada um
dos envolvidos na produção, e a expressão ‘cabreiro’ recategoriza o produtor da carta, que se
mostra desconfiado depois de ter conhecimento dos supostos motivos que levaram o pai
assassinar o filho, tal desconfiança é evidenciada quando o produtor expressa uma mudança
de comportamento procurando mostrar interesse em ‘alguma coisa’, reiterando a expressão
‘alguma coisa’ e ao mesmo tempo qualificando o seu possível objeto de interesse ‘alguma
coisa pela qual a minha mãe simpatize’, esses referentes ajudam a compor o argumento do
produtor e evidenciam o que diz Marcuschi sobre a referenciação:
[...] a maneira como dizemos ao outros as coisa é muito mais uma
decorrência de nossa atuação discursiva sobre o mundo e de nossa inserção sociocognitiva no mundo, pelo uso de nossa imaginação em atividade de
integração conceitual, do que simples frutos de procedimentos formais de
categorização linguística. O mundo comunicado é sempre fruto de um agir comunicativo, e não de uma identificação de realidades discretas e
formalmente determinadas (MARCUSCHI, 2001, p.25)
Em suma, os referentes, apresentados na carta do leitor 03, contribuíram para
conferir efeitos de sentidos à produção escrita contribuindo para que o leitor compreenda os
argumentos construídos pelo produtor.
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4.4 Carta do leitor 4
Quadro 37 – Carta do leitor 4
São Paulo, 28 de novembro de 2016.
À Revista Veja
Caro Thiago Bronzzatto!
Que entrevista chocante! O que mais me chamou a atenção foi a mãe, depois de tudo o que
o pai fez, ainda tentar justificar a atitude dele, dizendo que o marido não deixava o filho ir aos
protestos com medo [de] que a polícia prendesse o garoto. Tá na cara que isso era só desculpa do
pai para manter o controle do filho. Esse pai era um maníaco obsessivo: não se importava com
nada e ninguém, a única coisa que importava era controlar o filho dia e noite a qualquer custo.
Quando percebeu que não era mais possível controlar a vida do adolescente, não deixou por
menos, apertou o último botão do controle da vida do próprio filho, pegou um revólver e atirou,
matou o filho de dona Rosália. E dona Rosália? A pobre delegada aposentada acreditava em toda
representação do chantagista que tinha a cara de pau de se ajoelhar aos pés do filho e dizer que na
vida só restava ele e a mãezinha que já estava velhinha. Agora a perguntas [são]: e ela, a esposa,
que aguentava todas os “pitis” desse insensível, não merecia ser amada? Não merecia ter o filho
vivo? Não merecia ter um marido que fosse um companheiro da vida e não um covarde egoísta?
Enfim, é só um ponto de vista, na verdade nem espero que a dona Rosália leia nunca esta carta,
acho que ela tem sofrido demais, e não precisa saber o que uma adolescente presunçosa, que não
sabe do terço uma bola, como diz minha vó, pensa saber da história de vida dela. Sem mais,
Daniela, 14 anos, nono ano
A expressão “entrevista chocante’ identifica e qualifica o assunto abordado na carta.
A frase “O que mais me chamou a atenção foi a mãe, depois de tudo o que o pai fez, ainda
tentar justificar a atitude dele, dizendo que o marido não deixava o filho ir aos protestos com
medo [de] que a polícia prendesse o garoto.” A expressão ‘a mãe’ identifica o entrevistado,
ou seja, a mãe e também evidencia participação da entrevistada nos fatos. As expressões ‘o
pai’, ‘dele’, e ‘o marido’ introduz o pai e ainda identifica a condição o grau parentesco em
relação a entrevistada. A expressão ‘o filho’ introduz o participante no texto e é retomada
pela expressão ‘garoto’ que permite inferir que o participante é bem jovem ou mesmo ainda
uma criança. Nessa frase é introduzido o referente ‘atitude’ que sumariza por rotulação a
frase “o marido não deixava o filho ir aos protestos com medo [de] que a polícia prendesse o
garoto.”
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Na frase “Tá na cara que isso era só desculpa do pai para manter o controle do filho.
Esse pai era um maníaco obsessivo: não se importava com nada e ninguém, a única coisa
que importava era controlar o filho dia e noite a qualquer custo”, observamos que a
expressão ‘isso’ sumariza por encapsulamento a frase descrita no parágrafo anterior “o
marido não deixava o filho ir aos protestos com medo [de] que a polícia prendesse o garoto”.
A expressão encapsuladora ‘isso’, por sua vez, é recategorizada pela expressão ‘desculpa’,
compondo um encapsulamento por rotulação. A expressão ‘pai’ é retomada pela expressão
‘maníaco obsessivo’, constituindo uma recategorização que expressa um juízo de valor do
produtor do texto em relação à personalidade do pai. A expressão ‘a única coisa’ constitui
uma catáfora da frase “era controlar o filho dia e noite a qualquer custo”
A frase “Quando percebeu que não era mais possível controlar a vida do adolescente,
não deixou por menos, apertou o último botão do controle da vida do próprio filho, pegou
um revólver e atirou, matou o filho de dona Rosália” apresenta a expressão ‘a vida do
adolescente’, que revela a faixa etária do participante do texto. Já a frase ‘pegou um revólver
e atirou” ancora a expressão “o último botão do controle da vida”, contribuindo para
descrever que o pai matou o filho. A frase “apertou o último botão do controle da vida do
próprio filho, pegou um revólver e atirou, matou o filho de dona Rosália” também
estabelece a coesão textual quando identifica a que se refere a expressão ‘tudo’ contida na
frase ‘depois de tudo que aconteceu’. A expressão ‘o filho de dona Rosália’ oferece ao
adolescente o status de filho de alguém; na carta em questão, filho de dona Rosália. Esse
último aspecto evidencia que a produtora do texto desenvolve os argumentos mostrando-se a
favor da única sobrevivente do crime, aspecto que não ocorreu na carta do leitor 1, que
buscou evidenciar a responsabilidade da mãe pelo crime.
Na frase “E dona Rosália? A pobre delegada aposentada acreditava em toda
representação do chantagista que tinha a cara de pau de se ajoelhar aos pés do filho e dizer
que na vida só restava ele e a mãezinha que já estava velhinha” o substantivo próprio
‘Rosália’ confere o status de pessoa à participante do texto, como ocorre na carta do leitor 1,
em que o substantivo próprio é acompanhado da expressão ‘dona’, que permite inferir que a
participante do texto tem idade madura. A expressão “A pobre delegada aposentada” sugere
o papel de vítima da participante no desenrolar dos fatos. A expressão “chantagista” traduz o
comportamento do pai em relação ao filho e está ancorada na frase “ajoelhar aos pés do filho
e dizer que na vida só restava ele e a mãezinha que já estava velhinha”. Nessa frase há um
aspecto que confere ambiguidade à informação contida no texto: podemos inferir que o pai,
89
ao falar da ‘mãezinha velhinha’, fala da esposa, que já é uma senhora, ou fala de sua mãe,
avó do seu filho.
Koch (1997, p. 56) define a ambiguidade referencial como uma zona de intersecção,
e explica que “quando surgem vários candidatos a possíveis referentes de uma forma
remissiva, torna-se necessário proceder a um cálculo para identificação do referente
adequado”. Na frase em questão, a expressão ‘filho’ constitui uma catáfora quando retomada
pela expressão ‘ele’.
Na frase “Agora as perguntas [são]: e ela, a esposa, que aguentava todos os ‘pitis’
desse insensível, não merecia ser amada? Não merecia ter o filho vivo? Não merecia ter um
marido que fosse um companheiro da vida e não um covarde egoísta?” identificamos a
expressão ‘as perguntas’ constituindo uma catáfora por meio da frase “e ela, a esposa, que
aguentava todas os ‘pitis’ desse insensível, não merecia ser amada? Não merecia ter o filho
vivo? Não merecia ter um marido que fosse um companheiro da vida e não um covarde
egoísta?”. As expressões ‘ela’ e ‘a esposa’ retomam a expressão ‘dona Rosália’, e a
expressão ‘esposa’ coloca em evidência o papel da participante dentro do núcleo familiar.
As expressões ‘insensível’, ‘um marido’, ‘ um companheiro da vida’ e ‘covarde egoísta’ são
referentes que sugerem a opinião da produtora em relação ao marido da participante, e esse
aspecto fica evidente quando ela, depois de apresentar o referente ‘insensível’, expõe as
expressões ‘um marido’ e ‘um companheiro da vida’ para se referir a um determinado ideal
de cônjuge, finalizando com a expressão ‘covarde egoísta’, sugerindo que o participante do
texto é o oposto do ideal de marido. A expressão ‘filho vivo’ faz referência à condição do
filho, que está morto.
Na frase “Enfim, é só um ponto de vista, na verdade nem espero que a dona Rosália
leia nunca esta carta, acho que ela tem sofrido demais, e não precisa saber o que uma
adolescente presunçosa, que não sabe do terço uma bola, como diz minha vó, pensa saber da
história de vida dela” a expressão ‘uma adolescente presunçosa’ apresenta a autodescrição
da produtora do texto. As expressões ‘dela’ e ‘ela’ são expressões que retomam o termo
‘dona Rosália’ e que evidenciam a empatia da produtora por Rosália.
Na carta do leitor 4, e nas demais cartas do leitor anteriores (1, 2 e 3), para traçar um
perfil e ao mesmo tempo um ponto de vista sobre a personalidades dos envolvidos no
conteúdo da entrevista, e criar e articular referentes que traduzam os efeitos de sentidos
almejados pelos produtores, os autores tiveram de fazer o processamento textual ao abrir
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mão de seus respectivos conhecimentos comunicacionais, levando em conta a perspectiva
ilocucional que caracteriza o referido conhecimento.
O conhecimento ilocucional favorece o reconhecimento dos objetivos ou das
intenções que um falante, em determinada situação de interação, deseja atingir. Trata-se, nas
palavras de Koch (1996, p. 36) “de conhecimentos sobre tipos de objetivos (ou tipos de ato
de fala), que costumam ser verbalizados por meio de enunciações características, embora
seja também frequente a sua realização por vias indiretas”; e que o conhecimento
ilocucional por via indireta “exige dos interlocutores o conhecimento necessário para
captação do objetivo ilocucional”, ou seja, os produtores das quatro cartas dependem do
conhecimento ilocucional dos leitores das referidas cartas para que seus objetivos de
interação possam ser efetivados.
4.5 Carta do leitor 5
Quadro 38 – Carta do leitor 5
São Paulo, 28 de novembro de 2016.
À Revista Veja
Prezado Thiago Bronzatto!
O caso do pai que matou o filho e depois se matou não deve ser uma regra. A regra é que
os filhos enterrem os pais, por morte de causas naturais. Os pais devem dar a vida aos filhos,
protegê-los até quando for necessário e depois deixarem que sigam seus caminhos na fase adulta.
Infelizmente, não foi isso o que o senhor Alexandre, pai de Guilherme, fez. Ele quebrou três
regras: a primeira quando fez de tudo para não deixar seu filho escolher e seguir seu próprio
caminho; a segunda quando matou o jovem revolucionário; e a terceira quando se matou. Insisto
que isso não deve ser uma regra, a regra é que nos amemos a ponto de conseguirmos sobreviver
um pouquinho mais nesta terra. Sinto muito pela morte do moço!
Gabriel, 15 anos, nono ano.
A carta é iniciada com a frase “O caso do pai que matou o filho e depois se matou
não deve ser uma regra”, identificando qual será o assunto do texto e concomitantemente
expressando uma opinião. A expressão ‘regra’ apresentada no início do texto é reiterada
mais quatro vezes ao longo do texto.
A frase “A regra é que os filhos enterrem os pais, por morte de causas naturais”
apresenta a segunda vez que o termo ‘regra’ é reiterado para explicitar o que o produtor tem
como ideal de “regra”. Na frase “ele quebrou três regras”, a expressão ‘três regras’ refere-se
à atitude do pai e é retomada pelos números ordinais ‘a primeira’, ‘a segunda’ e ‘a terceira’;
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os quais, por sua vez, enumeram as atitudes do pai: “Ele quebrou três regras: a primeira
quando fez de tudo para não deixar seu filho escolher e seguir seu próprio caminho; a
segunda quando matou o jovem revolucionário; e a terceira quando se matou”.
A expressão ‘seu filho’ é retomada pela expressão ‘jovem revolucionário’, que
identifica uma característica da personalidade do participante do texto. A terceira e quarta
vez que o termo ‘regra’ é mencionado na carta inferem a não aprovação da atitude do pai, e
também o ideal de regra para o produtor, conforme indica a frase: “Insisto que isso não deve
ser uma regra, a regra é que nos amemos a ponto de conseguirmos sobreviver um pouquinho
mais nesta terra”.
A expressão ‘isso’ sumariza por encapsulamento a frase “a primeira quando fez de
tudo para não deixar seu filho escolher e seguir seu próprio caminho; a segunda quando
matou o jovem revolucionário; e a terceira quando se matou”. A expressão ‘seu filho’ é
retomada pela expressão ‘jovem revolucionário’, que identifica um juízo de valor sobre a
personalidade do participante do texto.
Diferentemente das quatro cartas anteriores, a carta do leitor 5 não expressa juízo de
valor sobre a personalidade do pai que matou o filho e também não apresenta qualquer
informação sobre a mãe. As reiterações expressas a partir do termo ‘regra’ explicitam apenas
a desaprovação do produtor em face das atitudes do pai.
O cálculo elaborado pelo produtor da carta do leitor 4 evidencia a importância da
seleção lexical; e conforme explica Koch (1997), a seleção dos campos lexicais e a seleção
lexical de modo geral é uma zona de intersecção que estabelece “o uso de fórmulas de
endereçamento de dada variante da língua, de gírias ou jargões profissionais, de determinado
tipo de adjetivação, de termos diminutivos ou pejorativos fornece aos parceiros pistas
valiosas” (KOCH, 1997, p. 55-56).
A expressão ‘regra’, retomada cinco vezes na carta do leitor 5, identifica a relevância
do termo para constituir a opinião e argumento do texto.
92
4.6 Carta do leitor 6
Quadro 39 – Carta do leitor 6
São Paulo, 28 de novembro de 2016.
À Revista Veja
Saudações, Thiago Bronzatto!
Gostei muito da maneira como publicou a entrevista do pai que assassinou o filho.
Entrevistar a mãe fez com que a gente se emocionasse, mesmo sendo uma entrevista escrita.
Normalmente, a gente lê apenas os repórteres relatando os fatos eles mesmos, sem ouvir o que as
vítimas ou familiares próximos têm a dizer, o que deixa um caso tão triste e emotivo como esse ser
[apenas] mais um entre tantos. Aproveito para parabenizar pelo jeito como falou com a dona
Rosália, as perguntas foram bem difíceis de responder para uma mãe e esposa que acabou de saber
da morte do filho e do marido, mas você conseguiu ganhar a confiança a ponto dela responder e
querer te mostrar o quarto do filho que tinha acabado de partir. Mais uma coisa: a foto que
escolheu para ilustrar a entrevista: até nisso você acertou, colocou a dona Rosália e o filho
Guilherme, provavelmente, num momento bom, não colocou aquelas imagens horríveis da
cobertura do crime. Quero ser repórter, e espero ter esse mesmo cuidado com os entrevistados e
com o público. Parabéns!
Solange, 15 anos, nono ano.
A expressão ambígua ‘a entrevista do pai’ contida na primeira frase da carta do leitor
6 permite ao leitor interpretar o pai como sendo o entrevistado, mas a frase seguinte desfaz
essa ideia: “Entrevistar a mãe fez com que a gente se emocionasse, mesmo sendo uma
entrevista escrita”. A expressão ‘mãe’ identifica o verdadeiro entrevistado. A expressão
‘uma entrevista escrita’ identifica o caráter impresso da referida publicação, e as duas
expressões (‘mãe’ e ‘uma entrevista escrita’) ancoram a seguinte informação:
“Normalmente, a gente lê apenas os repórteres relatando os fatos eles mesmos, sem ouvir o
que as vítimas ou familiares próximos têm a dizer, o que deixa um caso tão triste e emotivo
como esse ser [apenas] mais um entre tantos”.
Essa mesma frase apresenta a expressão ‘os repórteres’, e é retomada pela expressão
‘eles mesmos’, as expressões ‘as vítimas’ e ‘familiares próximos’ estão ancoradas na frase
inicial do texto ‘pai que assassinou o filho’. Na mesma frase, identificamos as expressões
‘um caso tão triste e emotivo’ sendo retomada pela expressão ‘um entre tantos’. Os
referentes selecionados para compor o texto explicitam a admiração da produtora do texto
em relação ao trabalho do repórter.
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A expressão jeito contida na frase “aproveito para parabenizar pelo jeito como falou
com dona Rosália” é ancorada pela frase “você conseguiu ganhar a confiança a ponto dela
responder e querer te mostrar o quarto do filho que tinha acabado de partir”. A expressão
‘dona Rosália’ constitui um referente catafórico que retoma o termo ‘mãe’.
Na frase “as perguntas foram bem difíceis de responder para uma mãe e esposa que
acabou de saber da morte do filho e do marido, mas você conseguiu ganhar a confiança a
ponto dela responder e querer te mostrar o quarto do filho que tinha acabado de partir” a
expressão ‘as perguntas’ é ancorada pela expressão ‘entrevista escrita’. As expressões ‘uma
mãe e esposa’ e ‘morte do filho e do marido’ confere à relação o caráter de parentesco e
colabora para que o leitor compreenda o assunto da entrevista. A expressão ‘você’ dirigida
ao repórter confere um grau de proximidade do leitor com o destinatário da carta. A
expressão ‘dela’ retoma a expressão ‘mãe e esposa’. O referente ‘o quarto do filho’
identifica o local onde foi realizada a entrevista, além de evidenciar a importância do local
no desenvolvimento da entrevista.
O termo ‘uma coisa’ contido na frase “Mais uma coisa: a foto que escolheu para
ilustrar a entrevista: até nisso você acertou, colocou a dona Rosália e o filho Guilherme,
provavelmente, num momento bom, não colocou aquelas imagens horríveis da cobertura do
crime” apresenta um conjunto de informações: a expressão ‘nisso’ retoma a expressão ‘a
foto que escolheu para ilustrar a entrevista’; e as expressões ‘dona Rosália’ e ‘o filho
Guilherme’ identificam quem aparece na referida foto. A expressão ‘aquelas imagens
horríveis da cobertura do crime’ está ancorada na expressão ‘foto’.
Na frase “Quero ser repórter, e espero ter esse mesmo cuidado com os entrevistados e
com o público” a expressão ‘esse mesmo cuidado’ é ancorada em todas as ações do repórter
identificadas pela produtora do texto.
A carta do leitor 6 difere das cartas anteriores (1, 2, 3, 4 e 5) ao abordar a perspectiva
da análise da elaboração da entrevista: enquanto o conteúdo das demais cartas evidencia os
fatos e os envolvidos no tema da entrevista, a produção 6 focaliza a própria produção, ou
seja, os aspectos de produção da entrevista.
Em suma, considerando os aspectos da referida descrição, é possível identificar que
as expressões ancoradas são predominantes na produção. Segundo Koch e Elias (2009, p.
135), “o escritor produz uma introdução (ativação) ancorada sempre que um novo objeto de
discurso é introduzido no texto, com base em algum tipo de associação com elementos já
presentes no cotexto ou no contexto sociocognitivo dos interlocutores”.
94
4.7 Carta do leitor 7
Quadro 40 – Carta do leitor 7
São Paulo, 28 de novembro de 2016.
À Revista Veja
Caro Thiago!
O assassinato do jovem Guilherme é mais uma prova de que o mundo está de cabeça para
baixo. O pai matou o filho porque não queria que o filho fosse preso pela polícia. Isso não é um
indício de que está tudo “fora da ordem”, como diria Caetano Veloso? A prova de amor que
Alexandre dá ao filho é a morte, porque para o pai dói menos ver o filho morto do que vê-lo preso,
e tudo porque o rapaz quis fazer algo que o pai não era capaz, deixar de ser egoísta. O medo do pai
era que o rapaz fosse preso por participar de protestos contra o governo, então por isso Alexandre,
o pai, matou Guilherme, o filho. Acho, Thiago, que precisamos rever nossa “ordem”. Sem mais.
Alice, 15 anos, nono ano.
A expressão ‘isso’ contida na frase “Isso não é um indício de que está tudo ‘fora da
ordem’, como diria Caetano Veloso?” sumariza por encapsulamento a frase “O pai matou o
filho porque não queria que o filho fosse preso pela polícia”. A produtora do texto faz uso do
conhecimento enciclopédico para evidenciar sua opinião usando a expressão ‘fora da
ordem’, e sugere que sua opinião tem algum tipo de relação com a música de Caetano
Veloso.
A expressão ‘fora da ordem’ expressa uma opinião que está fundamentada e
ancorada na frase “A prova de amor que Alexandre dá ao filho é a morte, porque para o pai
dói menos ver o filho morto do que vê-lo preso, e tudo porque o rapaz quis fazer algo que o
pai não era capaz, deixar de ser egoísta”. Nessa mesma frase identificamos a expressão ‘a
prova de amor’ recategorizada pela expressão ‘morte’.
Na carta 7, há outros elementos que funcionam como referentes e colaboram com a
coesão e coerência do texto, mas os elementos descritos anteriormente conferem à produção
maior e profundo efeitos de sentido e estão em conformidade com o que afirma Marcuschi
(2007, p. 69), ou seja, que
[…] a referenciação é uma atividade criativa e não um simples ato de designação. Considerando que a língua em si mesma não providencia a
determinação semântica para as palavras e as palavras isoladas também não
nos dão sua dimensão semântica, somente uma rede lexical situada num
sistema sociointerativo permite a produção de sentidos.
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Em suma, as estratégias de referenciação contidas na carta do leitor 7 evidenciam o
conhecimento enciclopédico e também o conhecimento comunicacional do produtor.
4.8 Carta do leitor 8
Quadro 41 – Carta do leitor 8
São Paulo, 28 de novembro de 2016.
À Revista Veja
Olá, Thiago!
Começo minha carta com estes dois dizeres: o primeiro [é que] “Deus amou o mundo de
tal maneira que deu seu filho único para salvá-lo”; e o segundo [é] “Alexandre amou seu único
filho de tal maneira que o matou para talvez protegê-lo do mundo”. Esses dois homens
sacrificaram seus filhos em nome de um amor: o primeiro desejava salvar a humanidade; o
segundo ainda não sabemos. Não dá pra saber quem Alexandre queria salvar[:] se ele próprio de
uma vida muito triste, se o filho de um mundo cada vez mais desesperador, ou se os dois, ele e o
filho. A verdade é que ele consumou o ato, matou o filho e a si mesmo e não cabe a nós julgar.
Sinto muito pela dor de dona Rosália, e pelo filho Guilherme, que não escolheu entre ir e ficar.
Termino por aqui.
Amanda, 14 anos, nono ano.
A carta do leitor 8 apresenta a frase “o primeiro [é que] “Deus amou o mundo de tal
maneira que deu seu filho único para salvá-lo”; e o segundo “[é] ‘Alexandre amou seu único
filho de tal maneira que o matou para talvez protegê-lo do mundo’” constituindo o referente
catafórico da expressão ‘dois dizeres’.
O conhecimento enciclopédico está presente no conteúdo da catáfora, uma vez que
para compreender a relação de comparação entre ‘Deus’ , ‘filho único’; ‘Alexandre’ e ‘filho
único’ o leitor precisa ativar um determinado conhecimento bíblico. O conhecimento
ilocucional está presente no conteúdo, uma vez que, sugerindo tal comparação, também
erige uma ironia que problematiza a atitude do pai que matou o filho.
Para erigir a catáfora, o produtor fez uso dos numerais ordinais, e tal aspecto ocorre
novamente para apresentar a expressão ‘dois homens’ contida na frase “Esses dois homens
sacrificaram seus filhos em nome de um amor”, que por sua vez é retomado pelos numerais
ordinais ‘o primeiro’ (Deus) e ‘o segundo’ (Alexandre) contidos na frase “o primeiro
desejava salvar a humanidade; o segundo ainda não sabemos”.
Na frase “Não dá pra saber quem Alexandre queria salvar[:] se ele próprio de uma
vida muito triste, se o filho de um mundo cada vez mais desesperador, ou se os dois, ele e o
96
filho” a expressão ‘quem’, além de ancorar o termo ‘Alexandre’, que é retomado pela
expressão ‘ele próprio’, também ancora a expressão ‘o filho’ e a expressão ‘os dois’, que
constitui uma catáfora para a expressão ‘ele e o filho’.
Considerando o modo como esses referentes foram organizados no conteúdo da
frase, é possível afirmar que tanto eles servem para constituir o efeito de sentido como para
evitar a ambiguidade referencial. Segundo Koch (1997, p. 56), “para constituir elementos
que possam evitar a ambiguidade referencial é “preciso recorrer ao nosso conhecimento de
mundo e do contexto sociocultural em que nos encontramos inseridos, além de outros
critérios como saliência temática e recência (recency), por exemplo”.
Na frase “Sinto muito pela dor de dona Rosália, e pelo filho Guilherme, que não
escolheu entre ir e ficar” os termos ‘dona Rosália’ inclui a participante no texto, constituindo
um referente não ancorado; já a expressão ‘Alexandre’ identifica o nome do filho que foi
assassinado pelo pai.
Chamamos a atenção para uma expressão comum em algumas cartas que analisamos:
o substantivo ‘Rosália’ quase sempre vem acompanhado do termo ‘dona’, conferindo uma
certa solenidade do produtor do texto em relação à participante.
Considerando a descrição dos referentes da carta do leitor 8, concluímos que os
referentes contidos no texto conferem efeitos de sentido ao texto que colaboram com a
composição dos argumentos.
97
4.9 Carta do leitor 9
Quadro 42 – Carta do leitor 9
São Paulo, 28 de novembro de 2016.
À Revista Veja
Saudações, caro Thiago!
Precisamos prestar mais atenção às pessoas. Andamos tão ocupados, envolvidos em tantos
afazeres, que não prestamos atenção aos detalhes que montam o quebra-cabeça de um grande
desastre, Thiago! Pensando na entrevista que você fez sobre o caso do pai que matou o filho, a
dona Rosália, mãe do rapaz assassinado, deixou claro que o marido já estava fora de controle há
muito tempo: o seu Alexandre, pai do Guilherme, já tinha fracassado como profissional, porque
pelo que a dona Rosália disse ele não tinha trabalho, [e] já tinha fracassado como marido, porque
nas declarações de amor dele ao filho, a esposa não estava incluída, [e] já tinha fracassado como
filho, porque tinha o desejo de que o pai ainda que morto presenciasse o suicídio dele. A única
coisa que restava a ele era ser pai, e para acabar de completar naquele terrível dia da proclamação
da República, ele teve a certeza [de] que tinha fracassado nisso também. Imagino que isso tudo
para ele foi insuportável, [e] eis aí o quebra-cabeça do grande drama da vida da família da dona
Rosália. Uma pena que ele só foi montado depois que as últimas peças foram colocadas no
tabuleiro, ou seja, quando seu Alexandre veio a matar o filho. Sinto muito por tudo!
Melissa, 14 anos, nono ano.
Assim como carta do leitor 7, a carta do leitor 9 apresenta um conjunto de referentes
que contribuem para a progressão textual; todavia, para esta descrição e análise,
identificaremos os aspectos da referenciação que evidenciam o caráter argumentativo do
texto.
A expressão ‘quebra-cabeça de um grande desastre’ está ancorada num conjunto de
informações contidas no texto: “o seu Alexandre, pai do Guilherme, já tinha fracassado
como profissional, porque pelo que a dona Rosália disse ele não tinha trabalho, [e] já tinha
fracassado como marido, porque nas declarações de amor dele ao filho, a esposa não estava
incluída, [e] já tinha fracassado como filho, porque tinha o desejo de que o pai ainda que
morto presenciasse o suicídio dele. A única coisa que restava a ele era ser pai, e para acabar
de completar naquele terrível dia da proclamação da República, ele teve a certeza [de] que
tinha fracassado nisso também”. A expressão ‘terrível dia da proclamação da República’
identifica o dia e o mês da tragédia, e requer tanto do produtor quanto do leitor
conhecimento enciclopédico. A expressão ‘nisso’ encapsula a frase “A única coisa que
98
restava a ele era ser pai”, retomando uma informação relevante para estabelecer o sentido da
argumentação.
Para compor a referenciação e estabelecer o sentido entre a expressão ‘quebra-cabeça
de um grande desastre’, a produtora do texto recorreu a uma série de informações contidas
na entrevista, e a partir da análise do referido grupo de informações compôs uma minuciosa
análise sobre as atitudes do pai que matou o filho. A expressão introduzida posteriormente
ao referido grupo de informações evidencia a importância do termo ‘quebra-cabeça’ para a
composição da argumentação: “eis aí o quebra-cabeça do grande drama da vida da família
da dona Rosália”.
A frase “Uma pena que ele só foi montado depois que as últimas peças foram
colocadas no tabuleiro, ou seja, quando seu Alexandre veio a matar o filho” além de ser
ancorada pelo conjunto de informações que constituíram a análise das atitudes do pai,
também está ancorada na frase que inicia a carta: “Precisamos prestar mais atenção às
pessoas. Andamos tão ocupados, envolvidos em tantos afazeres, que não prestamos atenção
aos detalhes que montam o quebra-cabeça de um grande desastre”. A relação entre a última
e a primeira frase da carta permite inferir que se os envolvidos tivessem prestado atenção
aos detalhes antecedentes ao acontecimento (crime), talvez ele pudesse ser evitado.
Identificamos na carta do leitor 9 a relevância da perícia de leitura da produtora para
a produção do texto: podemos inferir que a produtora teceu uma leitura minuciosa da
entrevista, buscando elementos que pudessem colaborar com a construção do argumento da
carta; balizada nessas informações, elaborou uma rica estratégia de referenciação.
Enfim, os aspectos destacados na carta do leitor 9 servem para exemplificar as
palavras de Marcuschi, segundo o qual “a referenciação é uma atividade criativa e não um
simples ato de designação” (MARCUSCHI, 2007, p. 69).
99
4.10 Carta do leitor 10
Quadro 43 – Carta do leitor 10
São Paulo, 28 de novembro de 2016.
À Revista Veja
Olá, Thiago!
É uma pena que uma pessoa tão jovem tenha tido sua vida tirada. Guilherme, o jovem que
foi assassinado pelo próprio pai já não tinha muito sossego quando vivo, porque o pai parece que
não o deixava fazer nada. Onde já se viu não deixar um rapaz de vinte anos colocar uma camiseta
com um ídolo do rock? Esse rapaz teve todos os seus direitos negados, [e] o maior deles foi o
direito à vida. O responsável por isso não vai pagar porque tirou a sua própria vida, mas o caso de
Guilherme não deve ficar no esquecimento, deve ser memória para que busquemos meios de
termos os nossos direitos e os dos outros garantidos.
Laura, 13 anos, nono ano.
Na carta do leitor 10, a expressão ‘uma pessoa tão jovem’ é retomada pela expressão
‘sua’ na frase “É uma pena que uma pessoa tão jovem tenha tido sua vida tirada’. São
expressões catafóricas que introduzem o participante no texto e ao mesmo tempo apresentam
uma informação: “sua vida tirada”.
Na frase “Guilherme, o jovem que foi assassinado pelo próprio pai, já não tinha
muito sossego quando vivo, porque o pai parece que não o deixava fazer nada” a expressão
‘Guilherme’ identifica o referente das expressões catafóricas anteriores (uma pessoa tão
jovem, sua), e é retomada pela expressão ‘o jovem’ e ‘próprio’, que sugere a idade do
participante e revela que o pai é seu assassino. A expressão ‘pai’ insere um novo participante
no texto, e é reiterada no texto como o mesmo referente lexical (pai). A expressão ‘o’
retoma expressões anteriores (Guilherme, o jovem).
Na frase “Onde já se viu não deixar um rapaz de vinte anos colocar uma camiseta
com um ídolo do rock? Esse rapaz teve todos os seus direitos negados, [e] o maior deles foi
o direito à vida” a expressão ‘um rapaz de vinte anos’ retoma a expressão ‘Guilherme’ e
revela sua idade. Novamente o produtor busca manter os participantes no texto com as
expressões ‘Esse rapaz’ e ‘seus’, e introduz um novo referente na carta: ‘direitos’, que é
retomado pela expressão ‘o maior deles’, ao mesmo tempo que é ancorado pela expressão ‘o
direito à vida’. O conjunto de referentes contidos na referida frase contribuem para situar o
participante no texto e ao mesmo tempo colabora para compor a argumentação.
100
Na frase “O responsável por isso não vai pagar porque tirou a sua própria vida, mas
o caso de Guilherme não deve ficar no esquecimento, deve ser memória para que
busquemos meios de termos os nossos direitos e os dos outros garantidos” as expressões
‘pai’, ‘sua’ e ‘próprio’ retomam a expressão ‘pai’, e por meio da expressão ‘sua própria
vida’ acrescenta mais uma informação ao texto. A expressão ‘isso’ sumariza e encapsula a
frase “Esse rapaz teve todos os seus direitos negados, [e] o maior deles foi o direito à vida”.
A palavra ‘memória’ recategoriza a expressão ‘o caso de Guilherme’. A expressão
‘direitos’ retoma as expressões ‘direitos’ e ‘o maior deles’ (contidas na frase anterior), e
contribui para concluir a argumentação.
Considerando o exposto, as estratégias de referenciação elaboradas na carta do leitor
10 identificam que a produção é constituída de progressão referencial. Tal processo, de
acordo com Koch e Elias (2009, p. 132), que “diz respeito a diversas formas de introdução,
no texto, de novas entidades ou referentes é chamado de referenciação. Quando tais
referentes são retomados mais adiante ou servem de base para introdução de mais referentes
[…]”.
Sendo assim, podemos concluir que o produtor da carta do leitor 10 usa a
referenciação em sua escrita de forma a estabelecer efeitos de sentidos que favorecem a
progressão do texto e também a sua compreensão.
101
4.11 Carta do leitor 11
Quadro 44 – Carta do leitor 11
São Paulo, 28 de novembro de 2016.
À Revista Veja
Saudações, Thiago!
Há doenças que são invisíveis, mas não silenciosas, o problema é que apesar delas serem
barulhentas nem sempre conseguimos entender o que elas estão dizendo. O marido de dona
Rosália era doente, parecia normal, mas não era, e a doença dele gritava de várias formas, mas
ninguém conseguia entender de tão alto que ela gritava.
Thiago, a doença do seu Alexandre só foi descoberta quando ele matou o filho e a ele
mesmo, mas aí já não tinha mais o que fazer. Para dona Rosália, esposa e mãe, fica a dor, [a]
tristeza, e para nós o que fica? Cada um de nós tem uma opinião diferente, mas gostaria que disso
tudo ficasse um alerta: de que devemos cuidar do espírito e da mente para que a matéria não acabe
nos matando. Precisamos procurar por Deus!
Regiane, 14 anos, nono ano.
Na frase “Há doenças que são invisíveis, mas não silenciosas, o problema é que
apesar delas serem barulhentas nem sempre conseguimos entender o que elas estão
dizendo” a expressão ‘doenças’ ancora as expressões ‘invisíveis’, ‘silenciosas’ e
‘barulhentas’, ao mesmo tempo que é retomada pelas expressões ‘delas’ e ‘elas’. O conjunto
de referentes, além de introduzir o referente no texto, identifica suas características.
A frase “O marido de dona Rosália era doente, parecia normal, mas não era, e a
doença dele gritava de várias formas, mas ninguém conseguia entender de tão alto que ela
gritava” compõe a introdução de dois referentes ao mesmo tempo, apresentando a expressão
‘O marido de dona Rosália’; e a referida expressão (o marido) é também ancorada pelas
expressões doente, normal, e doença, de modo que a expressão ‘ela’ retoma o termo ‘a
doença’.
O termo ‘dele’ retoma a expressão ‘o marido de dona Rosália’. A expressão
‘ninguém’ é introduzida no texto, mas não possui expressões que a ancorem ao longo do
texto. Os referentes identificam os participantes e acrescentam informações sobre eles.
Na frase “Thiago, a doença do seu Alexandre só foi descoberta quando ele matou o
filho e a ele mesmo, mas aí já não tinha mais o que fazer” a expressão ‘Thiago’ é introduzida
no texto para inferir uma aproximação com o interlocutor da produção. O termo ‘doença’ é
retomado; a expressão ‘seu Alexandre’ identifica os referentes catafóricos (O marido, dele)
102
expressos na frase anterior, e é seguido pela expressão ‘seu’, que confere um grau de
solenidade ao tratamento do referente; já ‘ele’ e ‘ele mesmo’ retomam a expressão
‘Alexandre’. A expressão ‘o filho’ introduz um novo referente.
Na frase “Para dona Rosália, esposa e mãe, fica a dor, [a] tristeza, e para nós o que
fica? Cada um de nós tem uma opinião diferente, mas gostaria que disso tudo ficasse um
alerta: de que devemos cuidar do espírito e da mente para que a matéria não acabe nos
matando. Precisamos procurar por Deus!” a expressão ‘dona Rosália’, além de ser retomada,
é recategorizada com a expressão ‘esposa e mãe’, e inferem empatia pela participante do
texto. A expressão ‘nós’, até então abordada por elipse por meio do verbo ‘conseguimos’, é
introduzida na frase de modo explícito. As expressões ‘um’ e ‘uma opinião diferente’ estão
ancoradas na expressão ‘nós’, que aparece com o mesmo referente lexical pela segunda vez
na frase; e a expressão ‘disso tudo’ retoma a frase “a doença do seu Alexandre só foi
descoberta quando ele matou o filho e a ele mesmo”.
A expressão ‘um alerta’ sumariza por rótulo a frase “devemos cuidar do espírito e da
mente para que a matéria não acabe nos matando. Precisamos procurar por Deus!”, e o
encapsulamento por rotulação expresso na referida frase identifica uma reflexão,
contribuindo para a composição do argumento. Esse tipo de referente também contribui para
progressão referencial à medida que o rótulo nomeia o tipo de ação que o produtor atribui
aos personagens presentes no segmento encapsulado, como a declaração, a pergunta, a
promessa, a reflexão, a dúvida, etc., ou seja, aqueles que têm função metadiscursiva”
(KOCH; ELIAS, 2009, p. 152).
Na carta do leitor 11 identificamos os efeitos de sentido estabelecidos através da
progressão referencial por meio de referentes ancorados e não ancorados, de expressões
pronominais e nominais, por encapsulamentos e assim por diante.
Sendo assim, considerando as características descritas, inferimos que o produtor da
carta do leitor 11 fez uso da referenciação com o objetivo de inferir sentido à sua produção e
evidenciar o argumento.
103
4.12 Carta do leitor 12
Quadro 45 – Carta do leitor 12
São Paulo, 28 de novembro de 2016.
À Revista Veja
Olá, Thiago!
A entrevista que publicou no último dia 15 de novembro me chamou atenção de várias
formas, entre elas: o relacionamento estranho entre pai e filho; a triste fatalidade de um pai matar o
próprio filho; e o suicídio do pai. Mas não pretendo falar sobre nenhum desses assuntos. Há um
tema que já é frequente em nossa sociedade: porte legal de armas de fogo. Fala-se tanto nisso, há
propagandas, campanhas, dizem que os critérios para adquirir o porte de arma são rigorosos, mas
não é o que parece, porque uma pessoa totalmente despreparada possuía uma arma e tinha porte
legal para usá-la, tanto é verdade que ela usou para matar ao filho e para cometer suicídio. Acho
que são coisas que também precisamos analisar em uma situação como essa. Quais critérios são
usados para liberar o porte de arma? Esses critérios foram respeitados no caso da liberação do
porte do seu Alexandre, sendo ele marido de uma delegada aposentada? Não quero criar polêmica,
essas são perguntas apenas! Sem mais.
Carlos, 15 anos, nono ano.
Na frase “A entrevista que publicou no último dia 15 de novembro me chamou
atenção de várias formas, entre elas: o relacionamento estranho entre pai e filho; a triste
fatalidade de um pai matar o próprio filho; e o suicídio do pai” a expressão ‘atenção’ está
ancorada na expressão ‘várias formas’, e a expressão ‘elas’ retoma o termo ‘várias formas’.
Por sua vez, a expressão ‘elas’ encapsula a frase “o relacionamento estranho entre pai e
filho; a triste fatalidade de um pai matar o próprio filho; e o suicídio do pai”. Esse conjunto
de referentes identifica que o produtor tem conhecimento sobre o conteúdo da entrevista.
Na frase “Mas não pretendo falar sobre nenhum desses assuntos. Há um tema que já
é frequente em nossa sociedade: porte legal de armas de fogo” a expressão ‘desses assuntos’
encapsula a frase “o relacionamento estranho entre pai e filho; a triste fatalidade de um pai
matar o próprio filho; e o suicídio do pai”. A expressão ‘porte legal de armas de fogo’ está
ancorada na expressão ‘um tema’. O conjunto de referentes contido na referida frase
apresenta o tema abordado na carta.
Na frase “Fala-se tanto nisso, há propagandas, campanhas, dizem que os critérios
para adquirir o porte de arma são rigorosos, mas não é o que parece, porque uma pessoa
totalmente despreparada possuía uma arma e tinha porte legal para usá-la, tanto é verdade
104
que ela usou para matar ao filho e para cometer suicídio” a expressão ‘nisso’ retoma o termo
‘porte legal de armas de fogo’. Por sua vez, a expressão ‘porte legal de armas de fogo’
ancora os termos ‘propagandas’, ‘campanhas’ e ‘critérios’, e é retomada pelas expressões ‘o
porte de arma’, ‘uma arma’, ‘la’. Esses referentes colaboram para desenvolver a progressão
referencial temática. A expressão ‘uma pessoa’ é retomada pela expressão ‘ela’. A expressão
‘uma pessoa’ também ancora as expressões ‘despreparada’ e ‘suicídio. A expressão ‘filho’
também é introduzida na referida frase.
Na frase “Acho que são coisas que também precisamos analisar em uma situação
como essa. Quais critérios são usados para liberar o porte de arma?” as expressões ‘coisas’,
‘situação’ e ‘essa’ compõem termos que individualmente encapsulam a frase “há
propagandas, campanhas, dizem que os critérios para adquirir o porte de arma são rigorosos,
mas não é o que parece, porque uma pessoa totalmente despreparada possuía uma arma e
tinha porte legal para usá-la, tanto é verdade que ela usou para matar ao filho e para cometer
suicídio”.
Na frase “Quais critérios são usados para liberar o porte de arma? Esses critérios
foram respeitados no caso da liberação do porte do seu Alexandre, sendo ele marido de uma
delegada aposentada? Não quero criar polêmica, essas são perguntas apenas!” a expressão
‘critérios’ é retomada duas vezes na referida frase, e ancora a expressão ‘porte de arma’, e
‘porte’. A expressão ‘Alexandre’ é introduzida na carta retomando a expressão catafórica
‘uma pessoa’. A expressão ‘Alexandre’ é retomada pela expressão ‘ele’ e ‘marido’. O termo
‘marido’ é ancorado pela expressão ‘uma delegada aposentada’. A expressão ‘essas’
encapsula a frase “Quais critérios são usados para liberar o porte de arma? Esses critérios
foram respeitados no caso da liberação do porte do seu Alexandre, sendo ele marido de uma
delegada aposentada?”.
A descrição dos referentes indica que o participante teceu por meio da referenciação
efeitos de sentido ao texto e abordou um tema bem distinto para erigir a argumentação, ou
seja, focalizou o despreparo do pai para ter o porte legal de armas.
A abordagem temática erigida pelo produtor da carta do leitor 12 remete ao que
afirma Mondada e Dubois (2003, p. 26) quando dizem que a “[…] variação e a concorrência
categorial emergem notadamente quando uma cena é vista de diferentes perspectivas”.
Levando em conta o exposto, é possível inferir o produtor da carta 12 elaborou
estratégias de referenciação que colaboraram para introduzir efeitos de sentidos que
trouxeram à tona a argumentação do texto.
105
4.13 Carta do leitor 13
Quadro 46 – Carta do leitor 13
São Paulo, 28 de novembro de 2016.
À Revista Veja
Saudações, Thiago!
Dirijo-me a dona Rosália, e dou os parabéns a essa digna senhora que perdeu o filho e o
marido ao mesmo tempo e [que], ainda assim, continuou a manter a serenidade. Nem por um
momento eu percebi, por parte dela, qualquer tipo de rancor ou ressentimento em relação ao
falecido esposo, apesar da dor que o marido causou a ela em vida e mais ainda em morte (por ter
matado o filho deles e se matado).
Thiago, as suas perguntas foram respondidas pela mãe e viúva com o máximo respeito
pelo filho e pelo marido, prova de um profundo amor e respeito pelos dois homens da vida dela.
No público dessa tragédia, eu levanto para aplaudir de pé a única artista que restou no palco: dona
Rosália! Obrigada pela oportunidade.
Monica, 15 anos, nono ano.
Na frase “Dirijo-me a dona Rosália, e dou os parabéns a essa digna senhora que
perdeu o filho e o marido ao mesmo tempo e [que], ainda assim, continuou a manter a
serenidade”, expressão ‘dona Rosália’ é recategorizada pela expressão ‘digna senhora’; já
as expressões ‘o filho’ e ‘o marido’ são introduzidas no texto e estão ancoradas na expressão
‘dona Rosália’. O conjunto de referentes da referida frase tem como centro ‘Rosália’ e
inferem empatia por ela, além de identificar seu conjunto familiar.
A frase “Nem por um momento eu percebi, por parte dela, qualquer tipo de rancor ou
ressentimento em relação ao falecido esposo, apesar da dor que o marido causou a ela em
vida e mais ainda em morte (por ter matado o filho deles e se matado)” apresenta os termos
‘dela’ e ‘ela’ retomando a expressão ‘Rosália’. A expressão ‘falecido esposo’ recategoriza a
expressão ‘marido’, e a expressão ‘marido’ também se repete na frase. A expressão ‘vida’ e
‘morte’ estão ancoradas na expressão marido. A expressão ‘morte’ é seguida de um conjunto
de informações: “(por ter matado o filho deles e se matado)”. A expressão ‘tipo de rancor ou
ressentimento’ está ancorada na expressão ‘dela’. O conjunto de referentes situa os
participantes do texto apresentando informações sobre os fatos e ainda permitem inferir a
argumentação a favor de ‘Rosália’.
A frase “Thiago, as suas perguntas foram respondidas pela mãe e viúva com o
máximo respeito pelo filho e pelo marido, prova de um profundo amor e respeito pelos dois
106
homens da vida dela” inicia com a introdução do termo ‘Thiago’, destacando a participação
do interlocutor na interação. A expressão ‘Thiago’ também ancora as expressões
‘perguntas’. A expressão ‘mãe e viúva’ recategoriza a expressão ‘Rosália’ e ancora as
expressões ‘filho’ e ‘marido’. A expressão ‘prova’ ancora as expressões ‘um profundo amor
e respeito’. O termo ‘prova’ está ancorado na frase “as suas perguntas foram respondidas
pela mãe e viúva com o máximo respeito pelo filho e pelo marido”. A expressão ‘dois
homens’ retoma os termos ‘filho’ e ‘marido’. A expressão ‘vida’ é ancorada na expressão
‘mãe e viúva’.
Tomando o exposto como base, podemos inferir que os conjuntos de referentes
presentes na carta do leitor 13 erigem uma argumentação a favor de dona Rosália e
exemplificam o que diz Mondada e Dubois (2003, p. 25): “[…] recursos linguísticos que
servem para tematizar uma entidade, para sublinhar a saliência de aspecto específico ou de
uma propriedade de um objeto, para atrair a atenção do leitor para uma entidade particular”.
Tendo em vista tais aspectos, concluímos que o produtor da carta do leitor 13 efetivou os
efeitos de sentidos em sua produção fazendo uso da referenciação.
107
4.14 Carta do leitor 14
Quadro 47 – Carta do leitor 14
São Paulo, 28 de novembro de 2016.
À Revista Veja
Caro Thiago Bronzatto!
Gostei da entrevista que fez com a mãe do Guilherme, fiquei emocionado, mas gostaria
que você estendesse sua área de atuação. Dona Rosália era uma mãe zelosa e amava o seu filho e
agora tem que conviver com a dor de não tê-lo mais, restam apenas as lembranças. Como a dona
Rosália, existem muitas outras mães que perderam e perdem os filhos todos os dias aqui no lugar
onde moro. Essas mães são trabalhadoras, desempregadas, analfabetas ou semianalfabetas [e]
faxineiras [que] às vezes estão envolvidas no mundo do crime, das drogas, ou outras coisas. O que
importa é que elas são acima de tudo mães que têm os filhos tirados delas de alguma maneira,
geralmente, [ou] sempre, trágica, [como] por facada, paulada, tiro de revólver e por diversos
motivos que também não importam, [pois] o que importa é que são filhos de mães que os amam, e
merecem o mesmo tratamento de imprensa dado à dona Rosália. Geralmente para a imprensa e
para o mundo essas mães, daqui onde moro e de outros lugares parecidos com esse, não existem, e
quando existem são tratadas como mães que não sentem dor. Thiago, fica a dica!
Samuel, 15 anos, nono ano.
A carta do leitor 14 apresenta uma temática semelhante à da carta do leitor 6, ou seja,
tece uma crítica aos aspectos de publicação da entrevista. Enquanto que o produtor da carta
do leitor 6 teceu apenas elogios ao trabalho do repórter, o produtor da carta do leitor 14 usa
uma estratégia distinta e erige uma crítica identificando pontos falhos não na entrevista do
pai que matou o filho, mas na abordagem do público entrevistado.
A frase “Como a dona Rosália, existem muitas outras mães que perderam e perdem
os filhos todos os dias aqui no lugar onde moro. Essas mães são trabalhadoras,
desempregadas, analfabetas ou semianalfabetas [e] faxineiras [que] às vezes estão
envolvidas no mundo do crime, das drogas, ou outras coisas” introduz a expressão ‘dona
Rosália” e as expressões ‘outras mães’ e ‘os filhos’. A expressão ‘essas mães’ retoma a
expressão ‘outras mães’. As expressões ‘trabalhadoras’, ‘desempregada’, ‘analfabetas’,
‘semianalfabetas’, ‘faxineiras’, ‘mundo do crime’, ‘das drogas’ e ‘outras coisas’ estão
ancoradas na expressão ‘essas mães’. O referido conjunto de expressões identifica e
descreve a expressão ‘outras mães’. Nessa frase, os advérbios locativos ‘aqui’, ‘lugar’ e
‘onde’ identificam uma cadeia referencial descritiva e, assim como as expressões que
108
ancoram a expressão ‘outras mães’, essas também erigem uma importante influência na
composição do argumento.
Na frase “O que importa é que elas são acima de tudo mães que têm os filhos tirados
delas de alguma maneira, geralmente, [ou] sempre, trágica, [como] por facada, paulada,
tiro de revólver e por diversos motivos que também não importam, [pois] o que importa é
que são filhos de mães que os amam, e merecem o mesmo tratamento de imprensa dado à
dona Rosália” o conjunto de expressões ‘elas’, ‘mães’, ‘delas’, ‘mães’ contribuem para
situar as participantes no texto. As expressões ‘os filhos’ e ‘filhos’, que estão ancoradas na
expressão ‘mães’, ancora as expressões ‘trágica’, ‘facada’, ‘paulada’, ‘tiros de revólver’ e
‘diversos motivos’. A expressão ‘tratamento de imprensa’ é introduzida na carta do leitor e
constitui um importante elemento de argumentação na referida carta.
As expressões ‘daqui’, ‘outros lugares’, ‘onde’ e ‘esse’ presentes na frase
“Geralmente para a imprensa e para o mundo essas mães, daqui onde moro e de outros
lugares parecidos com esse, não existem, e quando existem são tratadas como mães que não
sentem dor”, evidenciam a relevância dos aspectos locativos para a elaboração dos efeitos de
sentido da produção.
A expressão ‘dica’ contida na última frase da carta “Thiago, fica a dica!” ancora a
expressão ‘sua área de atuação’, e além de evidenciar a importância dos aspectos locativos
descritos no texto para a argumentação, é também um importante elemento para o desfecho
da carta.
Notamos que não há uma descrição dos aspectos locativos presentes no texto, mas os
elementos que estão associados aos referidos aspectos podem ajudar o leitor a compreender
a qual espaço se refere o produtor da carta. Nesse sentido, o conhecimento enciclopédico do
leitor é um importante elemento para estabelecer tal compreensão.
O produtor da carta do leitor 14 faz uso de cadeias referenciais para evidenciar seus
argumentos, e esse fenômeno é identificado “quando remetemos seguidamente a um mesmo
referente ou a elementos estreitamente ligados a ele” (KOCH; ELIAS, 2009, p. 144).
Levando em conta os aspectos descritos, concluímos que a carta leitor 14 possui
elementos que colaboram para atribuir efeitos de sentidos à carta.
109
4.15 Carta do leitor 15
Quadro 48 – Carta do leitor 15
São Paulo, 28 de novembro de 2016.
À Revista Veja
Saudações, Thiago!
Ser mãe e pai nessa sociedade de hoje não é nada fácil, e ser filho está sendo mais difícil
ainda. Eu tenho 15 anos, estou muito interessado em colocar uma tatuagem no braço, minha mãe
até deixou, mas o meu padrasto me proibiu de verdade. Às vezes me revolto com ele, mas por
outro lado vejo que ele se preocupa comigo, mesmo me dizendo mais “nãos” que “sims”. Às vezes
acho que essa atitude dele é por eu não ser filho legítimo. Ele disse que eu tenho sorte por isso,
porque se eu fosse filho dele mesmo já tinha levado uma surra. Sei que o meu relacionamento
familiar não vem ao caso aqui, mas acho que pode ser um bom exemplo de um relacionamento em
conflito. Mas apesar de toda essa discórdia entre nós dois, não vejo isso como obsessão, sei que é
um cuidado de um padrasto zeloso que tenta fazer o máximo para conviver com o enteado.
Infelizmente não foi o que aconteceu com o relacionamento do seu Alexandre e do filho
Guilherme, os conflitos e exageros foram tantos que os dois foram a óbito. É isso o que eu queria
dizer. Obrigado.
Rodrigo, 14 anos, nono ano.
Na frase “Eu tenho 15 anos, estou muito interessado em colocar uma tatuagem no
braço, minha mãe até deixou, mas o meu padrasto me proibiu de verdade. Às vezes me
revolto com ele, mas por outro lado vejo que ele se preocupa comigo, mesmo me dizendo
mais ‘nãos’ que ‘sims’. Às vezes acho que essa atitude dele é por eu não ser filho legítimo”
a expressão ‘eu’ é retomada pelas expressões ‘meu’, ‘me’ (que se repete mais duas vezes),
‘comigo’, ‘me’ novamente e ‘eu’.
Essas expressões contribuem para inserir o produtor na carta. A expressão ‘padrasto’
é retomada pela expressão ‘ele’ (que se repete mais uma vez), ‘se’ e ‘dele’, e situa o
participante na carta. A expressão ‘essa’ encapsula a frase “dizendo mais ‘nãos’ que ‘sims’”.
O conjunto de expressões destacado contribui para situar os participantes e introduzir o tema
a ser abordado na referida produção.
Na frase “Ele disse que eu tenho sorte por isso, porque se eu fosse filho dele mesmo
já tinha levado uma surra. Sei que o meu relacionamento familiar não vem ao caso aqui, mas
acho que pode ser um bom exemplo de um relacionamento em conflito” a expressão ‘isso’
110
encapsula a frase “por eu não ser filho legítimo”. A expressão ‘um bom exemplo’ está
ancorada na expressão ‘um relacionamento em conflito’.
Na frase, “Mas apesar de toda essa discórdia entre nós dois, não vejo isso como
obsessão, sei que é um cuidado de um padrasto zeloso que tenta fazer o máximo para
conviver com o enteado” a expressão ‘isso’ encapsula o trecho “discórdia entre nós dois”.
Nas frase “Infelizmente não foi o que aconteceu com o relacionamento do seu
Alexandre e do filho Guilherme, os conflitos e exageros foram tantos que os dois foram a
óbito” as expressões ‘Alexandre’ e ‘filho Guilherme’ ancoram a expressão ‘relacionamento’.
A expressão ‘relacionamento’ está ancorada na expressão ‘um relacionamento em conflito’,
expressa no início da carta e nas expressões ‘os conflitos’ ‘exageros’ e ‘óbito’. O conjunto
de expressões colaboram para inferir sentido à produção.
As expressões destacadas sugerem que o produtor da carta 15 buscou estabelecer
uma comparação considerando sua experiência de vida e o assunto da entrevista. O recurso
usado na referida produção evidencia que “somente uma rede lexical situada num sistema
sociointerativo permite a produção de sentidos” (MARCUSCHI, 2007, p. 69).
Sendo assim, consideramos que as estratégias de referenciação contidas na carta do
leitor 15 colaboraram para inferir efeitos de sentidos a referida produção.
111
CONCLUSÃO
Para concluir este estudo, retomamos as perguntas que norteiam a investigação. São
elas:
1. De que modo as intervenções de ensino do conceito de referenciação podem
favorecer o domínio da referida atividade discursiva proporcionando ao estudante
a capacidade de produzir e desenvolver efeitos de sentidos na sua produção
escrita?
2. Quais aspectos podem colaborar para que o professor desenvolva, aprofunde e
potencialize a capacidade de converter a teoria em prática no que tange ao ensino
da escrita?
Buscando responder à primeira pergunta, percebemos que um dos aspectos essenciais
necessários ao professor é conhecer suficientemente as teorias que dizem respeito ao ensino
da língua materna. Quando nos referimos a um conhecimento suficiente, focalizamos não só
e também um essencial conhecimento sobre as teorias da língua, mas também um domínio
suficiente quanto a outras teorias que apoiam o ensino, como as teorias do ensino e a
filosofia. Os referidos conhecimentos (teorias da língua e teorias do ensino, bem como
teorias filosóficas e outras), podem conjuntamente proporcionar ao professor o poder de
identificar, através das peculiaridades do público heterogêneo do seus respectivos alunos,
elementos que ofereçam a clareza dos objetivos de ensino e que, ao mesmo tempo, possam
colaborar para a composição do planejamento de suas aulas, inclusive com a seleção do
conteúdo a ser produzido ou escolhido pelo professor para compor suas atividades em sala
de aula.
A segunda pergunta está interligada à primeira questão: a proposta de ensino elaborada e
aplicada nesta investigação apresentou um planejamento de ensino balizado no
conhecimento da teoria de ensino e da filosofia, especificamente nos estudos de Vygotsky e
Chevallard. Tal perspectiva teórica colaborou para que identificássemos, por meio dos
alunos (participantes deste estudo), estratégias para planejar o ensino do conceito de
referenciação considerando sobretudo o perfil dos referidos alunos.
As estratégias envolveram desde a interação com os alunos acerca do conceito de
referenciação até a composição e escolha do material usado nas atividades. O resultado da
referida junção teórica pode ser observado na descrição e na análise das produções escritas
(cartas do leitor), nas quais identificamos que os alunos produziram suas cartas fazendo uso
da referenciação, de modo a erigir efeitos de sentido nas referidas produções. Tal
112
constatação evidencia que as intervenções de ensino dos conceitos da língua, sobretudo no
que diz respeito ao conceito de referenciação, podem ser eficazes se respaldadas por um
competente conhecimento teórico do professor acerca dos conceitos da língua e outras
teorias que coadjuvam com o ensino, e que tais conhecimentos devem ser somados ao
conhecimento do professor acerca de peculiaridades dos alunos que possam favorecer a
aplicação do ensino.
Considerando à primeira hipótese deste estudo, constatamos que o professor é capaz de
apreender conceitos atualizados desenvolvidos no espaço acadêmico e, em posse do referido
arcabouço teórico, ser autor da sua prática de ensino da língua portuguesa desde que lhe seja
garantido o acesso direto ao conhecimento teórico atualizado acerca do ensino da língua.
No que se refere à segunda hipótese, podemos afirmar que o aluno pode aprender e
aprofundar seus conhecimentos sobre a língua escrita tendo como referência sua vivência em
sociedade. Para tanto, as estratégias de ensino da língua devem levar em conta a referida
vivência, identificando, por meio do aluno, elementos que possam favorecer o ensino de
modo a visualizar o que o aluno já sabe e buscar meios de ensino para aprofundar esse saber
já existente; além de verificar o que o estudante não sabe, identificando possibilidades para
garantir ao discente tal saber; bem como compor aulas que potencializem a capacidade nata
do aluno de erigir novos conhecimentos através do seu próprio conhecimento de mundo.
Por fim, concluímos que as duas perguntas que erigiram esse trabalho e o objetivo
proposto e aplicado nos ajudaram a reconhecer que é possível ensinar ao aluno o conceito de
referenciação oferecendo condições de ensino que considerem a heterogeneidade discente,
de modo que o estudante possa usar as várias possibilidades de interação potencializadas
pelo processo de referenciação para produzir efeitos de sentido em sua produção escrita.
113
REFERÊNCIAS
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118
ANEXO 1 – ATIVIDADES REFERENTES AO ENSINO DO CONCEITO DE
REFERENCIAÇÃO
ATIVIDADE 1
Nome:_______________________________________Série:________Turma:_______
1. Componha um texto com o gênero (conto, fábula, crônica, causo etc) e tema de sua
escolha.
Observações:
a. O texto deve ter no mínimo 10 (dez) linhas e no máximo 15 (quinze) linhas;
b. Dê um título ao seu texto.
ATIVIDADE 2
Nome:_______________________________________Série:________Turma:_______
1. Crie um diálogo com um assunto de sua preferência, simulando uma conversa com um
amigo ou uma amiga numa rede social (Facebook, WhatsApp ou outros).
Observações:
a. No conteúdo da conversa, procure usar, pelo menos, uma referenciação anafórica e
outra catafórica. Identifique a referenciação do seu texto, sublinhando e nomeando.
ATIVIDADE 3
Nome:_______________________________________Série:________Turma:_______
1. Componha uma história em quadrinhos (com o tema do seu interesse) usando
referenciação anafórica e referenciação catafórica com pelo menos três tipos
diferentes de formas de progressão referencial. Atribua um tipo de referenciação por
sumarização e outro por rotulação.
Observações:
a. Após concluir o texto, destaque os referentes, sublinhando-os.
b. Dê um título a sua história em quadrinhos.
119
ANEXO 2 – ATIVIDADES DE FIXAÇÃO DA APLICAÇÃO DO CONCEITO DE
REFERENCIAÇÃO
1) Procure no texto Laura procura emprego todos os termos que substituem o nome
Laura. Explique o que os termos que substituem o nome Laura podem nos informar
sobre a personagem.
2) No mesmo texto, identifique se há expressões que substituem o termo empresa e o
que essas expressões descrevem sobre a empresa.
Laura procura emprego
Laura está procurando emprego. Ela fez curso de secretariado, fala inglês intermediário e
concluiu o ensino médio. A adolescente encaminha seus currículos para muitas empresas.
As multinacionais estão na lista de sua predileção. As vantagens que essas empresas
oferecem são bem atrativas: oferecem plano de carreira; investem na formação acadêmica
e profissional dos seus funcionários; e com o objetivo de incentivar o trabalhador a
permanecer motivado na realização de suas tarefas, investem na qualidade de vida dos
empregados. Não é sem razão que Laura prioriza essas empresas na hora de divulgar seu
perfil profissional.
3) Identifique no texto O esperado de todos os anos quais expressões se referem à
palavra Carnaval.
4) Explique, de acordo com o seu entendimento do texto, por qual razão o termo
Carnaval só apareceu ao final do texto.
O esperado de todos os anos
Os preparativos para a chegada do esperado de todos os anos podem iniciar entre fevereiro
e março e seguem doze meses pela frente; mas não pense que é um período entediante –
pelo contrário: durante esse tempo começam as arrumações. Do que sobrou da última
estada dele por aqui, há tentativa de reciclar e reaproveitar os restos, que talvez sirvam
como adereços para o próximo encontro com ele. A seleção das músicas que vão embalar
sua visita é criteriosa, os ensaios altamente organizados, as alegorias demonstram profundo
estudo por parte de quem as criou. Para recepcioná-lo, chegam mulheres lindas, ótimos
bailarinos e tudo, tudo é preparado com o maior rigor, luxo e bom gosto. Até que chega o
grande momento, e lá vem ele entrando, sambando pela passarela afora: é ele, o Carnaval!
120
5) No texto seguinte, a mãe demonstra ansiedade para que o filho deixe de lado o jogo
e venha atendê-la, A palavra fogo e tocha olímpica podem ajudar-nos a entender
porque a mãe queria tanto que o filho viesse atendê-la. Explique a relação da
palavra fogo com a palavra tocha olímpica, justificando porque a mãe tinha pressa
que o filho fosse até ela.
O dia em que as Olimpíadas passaram na minha rua
Minha mãe me chamou: “Vem, vem logo! Vem ver!”. Não dei a menor bola, estava
concentrado em vencer meu jogo de videogame. Ela chamou de novo. Fiquei irritado. Isso
estava me desconcentrando e me deixando cada vez mais perto da derrota. Dali a pouco,
ela de novo: “Vem, menino! Vem ver o fogo passar!”. Que droga, mãe! O que eu tenho
com isso?! “Vem, menino bruto! Vem ver a tocha olímpica!”
6) Qual a relação da expressão bola com os termos campeonato, equipes e atletas?
Essa relação nos ajuda a entender a expressão a bola resolveu abandonar o torneio
junto com o seu dono. Explique como isso acontece.
O dono da bola
Os garotos aproveitaram o período das férias para organizaram o campeonato. As equipes
já estavam formadas, os atletas escalados. Até que um problema surgiu: a bola resolveu
abandonar o torneio junto com o seu dono!
7) Procure na produção O garoto esguio expressões que se referem ao termo garoto.
8) Procure na produção A menina que era invisível expressões que ser referem a a
menina.
9) Explique o que essas expressões nos indicam sobre as condições do garoto e da
menina.
O garoto esguio
O garoto era esguio, os braços e as pernas fracos, os lábios ressecados, os olhos fundos, a
barriga roncava denunciando a fome.
121
A menina que era invisível
Quando entrei na sala notei sua presença. Havia algo de diferente, a menina estava
mudada. Os cabelos, antes alisados, amordaçados e controlados pelos processos químicos,
agora estavam livres, os cachos soltos espalhados pela cabeça, os fios enrolados e escuros
combinavam perfeitamente com a cor negra da pele e o escuro dos olhos. Todos os dias ela
estava lá, mas foi a primeira vez que a enxerguei.
Voltei para a escola
10) No texto a seguir está expressa uma relação entre os termos redação e escola. O
que essa relação nos ajuda a entender sobre o texto?
Mandei muitos currículos, fiz inúmeras entrevistas de emprego, mas não surgia nenhuma
resposta positiva ao meu pedido de emprego. Até que um dia fui chamado por uma
empresa para comparecer para um teste. Tive de fazer uma redação, fui reprovado e
continuei desempregado. Depois disso me vi obrigado a voltar para a escola.
11) No texto a seguir, identifique quais expressões substituem a palavra mãe, filho e
marido. Explique para que servem essas substituições neste texto.
A mãe ficou perplexa quando soube do baixo desempenho do filho na escola. Ainda assim,
não quis mostrar o boletim ao marido. Precisava acalmar os ânimos do pai do garoto. Ela
sabia que, desta vez, ele deixaria de pagar a escola particular ao filho, e o mandaria para
uma instituição de ensino pública.
12) Qual a relação da expressão três razões com a expressão os motivos? O termo três
razões refere-se a que elementos no texto?
São muitos os motivos para a insatisfação política e econômica atualmente, mas
apontaremos três razões: a primeira diz respeito aos escândalos protagonizados por nossos
representantes governamentais por conta dos desvios e gastos inapropriados do dinheiro
público; a segunda é a onda de desemprego causada, sobretudo, por causa do fechamento
de muitas indústrias; e a terceira é a falta de políticas públicas assertivas para diminuir o
desequilíbrio social que assola nosso país.
122
13) Quais expressões indicam lugar no próximo texto?
Finalmente, marcaram a data e o local para a prova do teste de direção automotiva. Pois
bem, no dia combinado ali estava eu, e de novo a tremedeira nas pernas, e como já
esperado não fui aprovado. Sabia que um mês depois lá estaria eu, no mesmo lugar,
refazendo o teste, e, quem sabe, com sorte seria aprovado.
14) Os verbos foi, observou, comparou, ficou, percebeu, tinha, precisava, decidiu e o
termo alarmada nos ajudam a identificar o personagem do texto seguinte.
Explique.
Esta manhã, como de costume, foi ao mercado, observou o preço de tudo, comparou o
preço de produtos de outros mercados, ficou alarmada com o alto valor da cesta básica e
percebeu que o dinheiro que tinha não dava para comprar quase nada do que precisava.
Decidiu então voltar para casa sem comprar nada.
15) A palavra tesoura é reiterada, ou seja, retomada várias vezes no texto seguinte.
Qual o objetivo dessa repetição para compreensão do texto?
A tesoura
A tesoura é ferramenta de trabalho da costureira. O artista usa a tesoura como instrumento
de trabalho. O professor pode usar a tesoura e também pedir ao seu aluno que faça uso da
tesoura. A estilista tem a tesoura como companheira bem útil de trabalho. A tesoura é
usada por cirurgiões. Os curativos dos enfermeiros podem ser feitos por tesoura. A tesoura
tem inúmeras utilidades e é usada por diversos profissionais.
16) Na produção seguinte, a palavra mulher é substituída por outro termo. Qual é esse
termo?
Fazia tempo que não colocava os olhos naquela mulher, mas ela estava muito mudada. A
bela dama trazia na face marcas de muito sofrimento.
123
17) A palavra répteis, no texto a seguir, faz referência a outra expressão no texto. Qual
é a expressão?
Os trabalhadores do canavial estavam assustados, e entre as coisas que os assustavam
estavam as péssimas condições de trabalho, a baixa remuneração e as cobras venenosas
presentes nas plantações, mas o que estava matando mais rápido os trabalhadores eram os
répteis.
18) A expressão Marina é substituída por outras expressões no texto a seguir. O que
essas expressões nos ajudam a entender sobre a personagem?
Marina sempre foi aluna de destaque na escola. É atualmente uma bem-sucedida
empresária. Apesar do sucesso demonstrado até o momento, no ano passado a comerciante
em ascensão teve problemas com a Receita Federal.
19) Na narrativa Era uma vez três velhinhos há mais de um conjunto de referentes que
dizem respeito: ao lugar onde ocorre os fatos que inicia com a palavra asilo; outra
que se refere aos personagens que inicia com a expressão velhinhos; e há também
de um personagem secundário que inicia com a expressão segurança. Identifique
no texto a sequência de cada um desses conjuntos
Era uma vez três velhinhos
Eram três velhinhos que viviam num asilo no interior de São Paulo. O lugar era bem
grande, tinha muitos quartos, e mesmo assim os homens dormiam no mesmo quarto, mas
ainda bem que repousavam em camas separadas.
Um dos anciões era surdo, era o mais velho deles. O segundo era cego e o terceiro era
mudo. Acho que era por isso que colocaram eles para dormirem no mesmo quarto.
Os senhores não estavam nada satisfeitos com a acolhida da casa de repouso e planejavam
fugir. Para isso, já tinham tudo arranjado: iam subornar o segurança de lá, que era um
sujeito mal-encarado, mas que, segundo os sexagenários, como todo homem havia de ter o
seu preço também…
124
20) A expressão tesouro, no texto seguinte, refere-se a quais termos no texto. De
acordo com o seu entendimento do texto, responda: por que a expressão tesouro foi
escolhida para substituir os outros termos?
Quando a mãe sentenciou que ele sairia do parque e iria para casa tomar banho e jantar, o
garoto não teve dúvidas: juntou suas bolinhas de gude; pegou a bola de futebol; o carrinho
já sem roda; o boneco sem braço; colocou tudo no fundo da motocicleta e foi para casa.
Chegando em casa, foi direto para o seu quarto. Lá retirou, da moto, o tesouro e o jogou
debaixo de sua cama.
21) O termo paixão, no texto Veio sem avisar, comprime e rotula quais expressões? O
que a expressão por rotulação paixão nos ajuda a entender sobre o texto?
Veio sem avisar
Veio sem avisar: um frio na barriga; a fome sumiu; no estômago parecia que havia
borboletas voando; acordava no meio da noite e demorava a conseguir voltar a dormir; o
coração acelerava; ora ficava muito alegre, ora triste; até os gostos mudaram; em certas
ocasiões as mãos suavam; algumas músicas davam nostalgia. Enfim, logo ficou
esclarecido: a paixão havia chegado devastadora e tomou conta de todo o seu ser. Tentou
escondê-la de si e de todos – foi em vão: tudo nele denunciava o sentimento.
22) No texto Elegância discreta, assim como no texto Veio sem avisar, há outra
expressão por rotulação. Encontre-a identificando quais termos são rotulados por
ela.
Elegância discreta
O garoto chegou silencioso na sala de aula, não cumprimentou os colegas, arrumou a
cadeira e a carteira sem ruídos, tirou o material com cuidado mudo, fez de tudo para passar
despercebido, teve sorte de encontrar a porta aberta. Sabia que a professora não abre a
porta em caso de atrasos. Mal ele se sentou, ouviu a professora perguntar: “A ‘elegância
discreta’ é para que eu não o coloque para fora?”.
125
23) Na charge a seguir há uma expressão por encapsulamento e outra por rotulação.
Identifique ambas indicando a quais termos elas se referem e em que sentido elas
contribuem na argumentação expressa na charge.
Figura 1 – Charge do artista Lila
Fonte: Blog do Barbosa, 2010. Disponível em: <http://blogdobarbosa.jor.br/?p=26324>.
Acesso em: 01 ago. 2016.
126
ANEXO 3 – ATIVIDADES PARA IDENTIFICAR COMO A REFERENCIAÇÃO
PODE CONTRIBUIR PARA ESTABELECER O SENTIDO DA ARGUMENTAÇÃO
NA CARTA DO LEITOR
As cartas do leitor 01 e 02 identificam no início da carta o título da publicação a que
se referem, ou seja, na carta do leitor 01 Separação e na carta 02 Planejamento.
1) No texto 01, o leitor apresenta uma opinião e o argumento que justifica o seu
ponto de vista, e ainda acrescenta sugestões para resolver a problemática.
Identifique qual é a opinião do leitor. Quais são as sugestões propostas pelo leitor?
Qual seria a possível intenção do leitor ao fazer essas sugestões?
2) Qual a relação do termo “os advogados” com a expressão “sua competência” e o
termo “acostumados”? Com qual intenção argumentativa o produtor da carta usou
os termos por sua competência e acostumados para se referir aos advogados?
3) A palavra separação é retomada mais de uma vez na carta: a primeira é “grandes
separações”. Que sentido infere à argumentação essa primeira recategorização?
4) Na sequência da carta, a palavra separação aparece novamente, e depois é
retomada como separação amigável e o tipo de separação. Por fim, é expressa
pelo termo ela. Separação amigável e o tipo de separação são recategorizações
que inferem sentido na progressão (continuidade) do texto. Explique, com suas
palavras, como isso ocorre.
Carta do leitor 01
Separação
(323/2004) Divórcio sem (muito) stress
Bastante interessante a reportagem sobre (1) separação. Mas acho que
os (1) advogados consultados, por (2) sua competência, estão (3)
acostumados a tratar de (2) grandes separações. Será que a maioria dos
leitores de ÉPOCA tem obras de arte que precisam ser fotografadas
antes da (3) separação? Não seria mais útil dar conselhos mais básicos?
Não seria interessante mostrar que a (4) separação amigável não
interfere no modo de partilha dos bens? Que seja qual for (5) o tipo de
separação, (6) ela não vai prejudicar o direito à pensão dos filhos? Que
acordo amigável deve ser assinado com atenção, pois é bastante
complicado mudar suas cláusulas? Acho que essas são dicas que podem
interessar ao leitor médio.
ERNESTO LIPPMANN,
São Paulo, SP
http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,6993,EPT787092-2119,00.html
127
Carta do leitor 02
Planejamento
(323/2004) Vencendo o relógio
Posso administrar (1) meu tempo, mas quase sempre me vejo (2)
escravo do relógio e (3) acumulado de tarefas não cumpridas.
Estabelecer a diferença entre o importante e o urgente nem sempre é
fácil, e o circunstancial em algum momento se torna (1) o vilão da
administração do tempo.
ALDIR CUNHA, Belo Horizonte, MG
http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,6993,EPT787092-2119,00.html
2) Na carta do leitor 02, a expressão meu tempo é retomada pela expressão escravo do
relógio e acumulado de tarefas de não cumpridas. Essas expressões contribuem para
exemplificar a opinião defendida pelo autor.
a) Identifique a opinião defendida no texto.
b) A expressão o vilão da administração do tempo recategoriza qual ideia do
texto?
Carta do leitor 03
MARCOS AUGUSTO PIRES SILVA,
São Paulo, SP
Lamentável (1) seu (1) artigo, que é (2) coberto de desinformação e no
(3) contra-rumo da mídia, que incentiva a cada dia a prática de esportes
em nosso país, como lazer e, principalmente, como fonte de saúde
preventiva. (1) Academias de ginástica não são (2) ‘minas de ouro’
como (2) você disse. São (3) empresas como as outras, que
proporcionalmente às receitas têm também custos, que não são baixos.
Quanto a (3) sua afirmação de que “paga e não frequenta”, lembro-(4)
lhe de que (4) as academias têm custos fixos de funcionamento e que os
serviços estão à disposição. Por todo o conteúdo de (5) seu (4) texto, só
me resta uma conclusão: (6) você deve ter sido muito (7) maltratado em
uma (5) academia, ou então é totalmente (8) avesso à prática de
esportes, o que é de lamentar.
EUMAR WERNECK DE TOLEDO,
Juiz de Fora, MG
http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,6993,EPT787092-2119,00.html
128
3) Na carta do leitor 03:
a) As expressões coberto de desinformação, contra rumo da mídia e texto estão
ancoradas na expressão artigo. Essas expressões contribuem para sustentação do
argumento do texto? Qual é a opinião defendida pelo autor?
b) A expressão academias de ginástica é retomada pelos termos ‘minas de ouro’,
empresas como as outras e as academias e por último academia. Esses termos
defendem a atuação das academias. Explique como isso ocorre.
c) Os termos seu, você, sua, lhe, seu, você, maltratado, avesso à prática de esportes
referem-se ao interlocutor. Esses termos identificam a possível hipótese de que o
produtor do texto criou acerca dos possíveis motivos que levaram o interlocutor a
produzir um artigo em que parece ser contrário ao trabalho das academias de
ginástica. Explique como essa hipótese é levantada no texto por meio dos termos
destacados.
Carta do leitor 04
(1) O estudo do (2) psicólogo Fernando Braga é (2) preconceituoso.
Como um (2) psicólogo pode acreditar que (1) uma roupa pode significar
(2) motivo de invisibilidade ou humilhação? (1) Eu, que sou (2)
professora, dou mais valor à individualidade, ao lado interior, que (3)
esse psicólogo. (3) A pessoa que veste uniforme e se sente inferior
necessita, certamente, de terapia. Não são as pessoas ao redor que fazem
o (4) ‘uniformizado’ sumir, e sim (5) o próprio. Todos vivem muito
apressados. (1) O tema para a pesquisa do (4) psicólogo em questão
poderia ser: (2) a importância da autoestima, da aceitação própria, do
valor pessoal.
IZABEL DEMARCHI NUNES,
São Bernardo do Campo, SP
http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,6993,EPT787092-2119,00.html
4) Na carta do leitor 04:
a) O termo preconceituoso está ancorado na expressão o estudo. Logo de início
essas expressões apresentam o assunto a que se refere a carta do leitor, além de
já oferecer pistas de qual será a ideia defendida na argumentação. O termo
129
psicólogo Fernando Braga é retomado pela expressão psicólogo e esse
psicólogo. Esses termos evidenciam de quem se trata o interlocutor da carta,
nesse caso, o psicólogo por meio do seu estudo. Esses termos juntamente com a
apresentação da carta contribuem para identificar qual é o interlocutor e qual é o
objeto sobre o qual a leitora expressa a opinião. Explique como ocorre esse
processo no texto.
b) A leitora (produtora) identifica-se na carta usando a expressão eu e professora.
Essa apresentação da produtora também constitui um argumento, uma vez que
ela estabelece uma comparação de sua profissão com a do psicólogo em questão.
Explique como isso ocorre no texto.
c) O termo uma roupa que ancora as expressões motivo de invisibilidade ou
humilhação ancora ainda as expressões pessoa que veste uniforme, uniformizado
e o próprio. Elas contribuem para fundamentar a opinião da leitora. Qual é a
opinião da leitora? Como se constitui o argumento por meios dos referidos
termos.
d) A que termo se refere a expressão A importância da autoestima, da aceitação
própria, do valor pessoal. Qual a finalidade dessa referenciação no texto?
130
ANEXO 4 – ENTREVISTA DA REVISTA VEJA
‘Amor doentio do pai matou o meu filho’, diz mãe
sobre tragédia4
Em entrevista a VEJA, Rosália Moura conta como o pai matou o seu filho
após tentar impedi-lo de participar de manifestações estudantis em
Goiânia
Por Thiago Bronzatto 20 nov 2016, 12h25 - Atualizado em 20 nov 2016, 19h12
Rosália Moura e seu filho Guilherme: a mãe acredita que o amor doentio do pai está na origem do crime
No feriado do dia 15 de novembro, um pai tentou impedir o seu filho de participar das
manifestações estudantis em Goiânia. Como não conseguiu, matou o rapaz e depois se
suicidou. A tragédia familiar foi acompanhada de perto pela delegada aposentada Rosália
de Moura, mãe do jovem universitário Guilherme Silva Neto, de 20 anos, como mostra
reportagem de VEJA desta semana. Enquanto mostrava o quarto do seu filho, Rosália
relembrava a relação conturbada de seu marido, Alexandre José da Silva Neto, 60 anos,
com o filho. “O pai era muito possessivo e tinha um amor doente pelo filho”, contou ela,
ainda sob o efeito de sedativos. Veja a seguir os principais trechos da entrevista de duas
horas concedida na última quinta-feira.
Por que o seu marido que deu a vida ao seu filho resolveu tirá-la, suicidando-se logo
em seguida?
O Alexandre era muito possessivo com o nosso filho. Quando o menino saía, ele ligava e
ficava mandando mensagens a cada dez minutos, perguntando onde ele estava. Na
verdade, ele tinha medo de perder o nosso único filho. O pai era muito possessivo e tinha
um amor doentio pelo filho. E foi esse amor doentio do pai que matou o meu filho.
4 Disponível em: <http://veja.abril.com.br/brasil/amor-doentio-do-pai-matou-o-meu-filho-diz-mae-sobre-
tragedia/>. Acesso em: 28 nov. 2016.
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Como ocorreu a tragédia?
O Guilherme gostava de participar de manifestações, e o Alexandre se incomodava com
isso. Ele não aceitava a possibilidade de o menino ser preso pela polícia durante os
protestos nas escolas ocupadas. O Alexandre dizia para o Guilherme: “Pare com isso,
meu filho, a polícia vai te prender, e eu não vou suportar ver meu filho preso”. No feriado
do dia 15 de novembro, o Guilherme disse que iria para a manifestação. O Alexandre se
opôs e falou que o menino não entraria mais em casa. O Guilherme se revoltou e disse
que a casa era dele também e que o Alexandre não pagava as contas. O pai falou que iria
chamar a polícia. O Guilherme pegou o celular e disse que ele mesmo iria ligar para a
polícia. Então, o Alexandre tomou o celular da mão do menino e quebrou o aparelho,
partindo ao meio. Naquele momento, comecei a passar mal. Parece que a mãe sente a
tragédia com o filho, né? Então, o Guilherme disse para o pai dele: “Você conseguiu o
que queria. Fez a minha mãe passar mal”. Alexandre retrucou, dizendo que a culpa era do
Guilherme, porque ele que queria participar da manifestação, contrariando a sua vontade.
Então, o Alexandre saiu de casa. Pensei que ele ir para o shopping para espairecer. O
Guilherme foi para o seu quarto, onde ficou chorando e disse para mim: “Prefiro morrer a
viver desta forma, aprisionado pelo meu pai”.
O Guilherme acabou indo para a manifestação?
Sim, ele arrumou as coisas dele e disse que iria sair. Aí, perguntei se ele iria voltar tarde.
Ele me disse: “Eu vou lá, mas volto, mãe”. Eu estava preocupada, porque ele estava sem
celular. Aí, o Guilherme saiu. Pouco tempo depois, às 17h01, o pai dele me ligou e
perguntou se o menino tinha saído. Eu disse que sim. Ele desligou o telefone. Passou
pouco tempo e ouvi um barulho de tiro. Eu estava na sala com a minha mãe. Aí, me deu
um trem esquisito e desci do meu apartamento para a rua, correndo. Logo pensei: “Será
que esse homem é tão louco para matar o Guilherme?”. Quando eu estava correndo,
alguém comentou: “Foi o pai que matou o filho”. Aí, o meu mundo desabou. Cheguei na
esquina e vi o Alexandre deitado sobre o meu filho, ensanguentado. Eu não acreditava no
que estava vendo. Aí, gritei: “Meu, filho, meu filho”. O guarda me disse: “Já peguei o
pulso dele. Está morto”. Fiquei lá, sem saber o que fazer. “Gente, não acredito que esse
homem teve coragem de fazer isso”, pensei.
Em algum momento, a senhora suspeitou que o seu marido poderia chegar a esse
ponto de matar o seu filho? Ele fazia algum tipo de ameaça?
Algumas vezes, ele ameaçava o menino, dizendo: “Se você sair, vou atrás de você e te
mato”. Ele queria que o menino ficasse com ele. Aí, o Guilherme pensou em denunciar o
pai. Eu disse para esperar. Ameaça poderia dar cadeia. No fundo, no fundo, o Alexandre
não suportava a ideia de ver o seu filho preso pela polícia numa manifestação.
E como era a relação entre pai e filho antes da tragédia?
Uma vez, eles brigaram, e o Alexandre colocou o meu filho para fora de casa. Ele até
trocou as fechaduras das portas. O Guilherme ficou na casa de um colega durante dois
dias. Nesse período, o pai dele ficou doido. Ficou mal demais. Pensei que ele iria morrer.
Ficou desorientado, porque ele tinha ciúmes. Ele era possessivo, louco por aquele filho, e
queria o melhor para o menino. Mas o melhor dele não era o melhor para o meu filho. Aí,
quando o Guilherme decidiu voltar para a casa, o Alexandre o ficou esperando à tarde
inteira. Quando o menino chegou, Alexandre abriu a porta, abriu os braços e disse: “Meu
filho…”. Aí, o Guilherme interrompeu: “Não quero que você me abrace, não”. Os dois
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conversaram no quarto. Me partiu o coração quando o Alexandre se ajoelhou, pediu
perdão e falou: “Meu filho, não faz isso comigo, não. Você é o meu bem mais precioso.
Estou com a minha mãe velhinha, que pode ir embora a qualquer momento. Eu só tenho
você nesta vida. Eu te amo. Tenho medo de a polícia te prender”. Os dois fizeram as
pazes e foram viajar. Foi a última viagem que fizeram juntos.
A senhora cogitou se separar do seu marido?
Eu tinha medo de acontecer alguma coisa pior. Ele era tão apegado ao filho que poderia
se suicidar. Fui suportando essa situação, tentando contornar. Eu o conheço bem. A gente
estava junto há 22 anos. Ele não iria se conformar com a separação. Eu tinha medo. Se eu
largasse dele, o que aconteceria? Ele era uma pessoa muito fechada. Não tinha amigos.
Ele focou a vida dele só no filho.
O seu marido tinha problemas psicológicos? Ele tomava algum tipo de
medicamento?
Na minha opinião, o Alexandre nunca esteve bem com ele mesmo. Ele queria que a firma
dele desse certo, mas não deu. Ele tinha uma frustração. E isso o levava a dizer que ele
não conseguiu nada na vida. Numa determinada ocasião, Alexandre me falou que iria
sentar no túmulo do pai dele e se suicidar com um tiro na cabeça. Falei para ele ir a
psicólogos. Mas ele odiava psicólogos. Ele dizia que não precisava ir a psicólogos. Ele
dizia que precisava de dinheiro.
O seu marido estava passando por dificuldades financeiras?
Ele estava sem trabalho há um certo tempo. A firma dele de engenharia não estava sendo
contratada. E eu tinha que pagar as contas de casa. Isso o deixava deprimido.
Quando ele comprou a arma?
Ele tinha essa arma há um certo tempo. Essa arma era registrada. Às vezes, ele saía com
ela para se sentir seguro.
Hoje, refletindo sobre os fatos, o que a senhora mudaria?
Talvez o jeito do Alexandre. Ele era muito difícil. Tudo tinha que ser do jeito dele. Ele
dava opinião até no que o menino deveria vestir. Ele não gostava que o menino usasse
camisetas com estampas de rock. Não deixava usar. Mas o Guilherme usava escondido.
Além disso, Alexandre estava passando por um momento pessoal difícil. Ele não estava
achando emprego na área dele. O mercado estava ruim. Ele não tinha condições de pagar
nem as contas de telefone. Ele se sentia mal de ver pessoas menos preparadas que ele se
dando bem na vida. Tudo isso fez com que ele explodisse.
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ANEXO 5 – ATIVIDADES DE LEITURA REFERENTE À ENTREVISTA
Nome:____________________________________________ Série: ______ Turma:______
Questões que auxiliam na interpretação e compreensão da leitura da entrevista
1) De que trata a entrevista “‘Amor doentio do pai matou o meu filho’, diz mãe sobre
tragédia”?
2) Quais são as pessoas envolvidas na tragédia? Qual é a atuação de cada uma dessas
pessoas no desenvolvimento dos fatos?
3) Qual o nome do repórter que faz a entrevista? Qual a data em que os fatos ocorrem?
Qual a data da publicação da entrevista?
4) A mãe é a única sobrevivente do ato violento familiar. Identifique no texto todas as
palavras que ela usa para se referir ao marido. Considerando essas palavras, opine
sobre o que a mãe pensava do marido antes dele assassinar seu filho e depois de
assassiná-lo.
5) Identifique na entrevista as palavras com as quais a mãe do garoto se referia ao filho.
Na sua opinião, quais sentimentos são expressos em relação ao pai?
6) Leia os dois trechos a seguir (retirados da entrevista):
Como ocorreu a tragédia?
O Guilherme gostava de participar de manifestações, e o Alexandre se
incomodava com isso. Ele não aceitava a possibilidade de o menino ser preso pela
polícia durante os protestos nas escolas ocupadas. O Alexandre dizia para o
Guilherme: “Pare com isso, meu filho, a polícia vai te prender, e eu não vou
suportar ver meu filho preso”. No feriado do dia 15 de novembro, o Guilherme
disse que iria para a manifestação. O Alexandre se opôs e falou que o menino não
entraria mais em casa. O Guilherme se revoltou e disse que a casa era dele
também e que o Alexandre não pagava as contas. O pai falou que iria chamar a
polícia. O Guilherme pegou o celular e disse que ele mesmo iria ligar para a
polícia. Então, o Alexandre tomou o celular da mão do menino e quebrou o
aparelho, partindo ao meio. Naquele momento, comecei a passar mal. Parece que
a mãe sente a tragédia com o filho, né? Então, o Guilherme disse para o pai dele:
“Você conseguiu o que queria. Fez a minha mãe passar mal”. Alexandre retrucou,
dizendo que a culpa era do Guilherme, porque ele que queria participar da
manifestação, contrariando a sua vontade. Então, o Alexandre saiu de casa. Pensei
que ele ir para o shopping para espairecer. O Guilherme foi para o seu quarto,
onde ficou chorando e disse para mim: “Prefiro morrer a viver desta forma,
aprisionado pelo meu pai”.
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O Guilherme acabou indo para a manifestação?
Sim, ele arrumou as coisas dele e disse que iria sair. Aí, perguntei se ele iria voltar
tarde. Ele me disse: “Eu vou lá, mas volto, mãe”. Eu estava preocupada, porque
ele estava sem celular. Aí, o Guilherme saiu. Pouco tempo depois, às 17h01, o pai
dele me ligou e perguntou se o menino tinha saído. Eu disse que sim. Ele desligou
o telefone. Passou pouco tempo e ouvi um barulho de tiro. Eu estava na sala com
a minha mãe. Aí, me deu um trem esquisito e desci do meu apartamento para a
rua, correndo. Logo pensei: “Será que esse homem é tão louco para matar o
Guilherme?”. Quando eu estava correndo, alguém comentou: “Foi o pai que
matou o filho”. Aí, o meu mundo desabou. Cheguei na esquina e vi o Alexandre
deitado sobre o meu filho, ensanguentado. Eu não acreditava no que estava vendo.
Aí, gritei: “Meu, filho, meu filho”. O guarda me disse: “Já peguei o pulso dele.
Está morto”. Fiquei lá, sem saber o que fazer. “Gente, não acredito que esse
homem teve coragem de fazer isso”, pensei.
Considerando a sequência dos fatos descritos pela mãe, é possível considerar que o pai do
rapaz matou o filho num ato de extrema emoção que fez com que atirasse no filho sem
pensar? Ou ele teve tempo para mudar de ideia, apesar do seu abalado estado emocional, e
agiu com premeditação? Explique sua resposta com base em evidências apontadas pelo
texto.
7) Considere o trecho a seguir:
Em algum momento, a senhora suspeitou que o seu marido poderia chegar a
esse ponto de matar o seu filho? Ele fazia algum tipo de ameaça?
Algumas vezes, ele ameaçava o menino, dizendo: “Se você sair, vou atrás de você
e te mato”. Ele queria que o menino ficasse com ele. Aí, o Guilherme pensou em
denunciar o pai. Eu disse para esperar. Ameaça poderia dar cadeia. No fundo, no
fundo, o Alexandre não suportava a ideia de ver o seu filho preso pela polícia
numa manifestação.
A senhora cogitou se separar do seu marido?
Eu tinha medo de acontecer alguma coisa pior. Ele era tão apegado ao filho que
poderia se suicidar. Fui suportando essa situação, tentando contornar. Eu o
conheço bem. A gente estava junto há 22 anos. Ele não iria se conformar com a
separação. Eu tinha medo. Se eu largasse dele, o que aconteceria? Ele era uma
pessoa muito fechada. Não tinha amigos. Ele focou a vida dele só no filho.
Levando em conta as respostas que a mãe dá a essas duas questões, é possível inferir que a
mãe poderia ter evitado a tragédia separando-se do marido? Justifique sua resposta.
8) Leia os trechos a seguir:
Quando ele comprou a arma? Ele tinha essa arma há um certo tempo. Essa arma era registrada. Às vezes, ele
saía com ela para se sentir seguro.
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O seu marido tinha problemas psicológicos? Ele tomava algum tipo de
medicamento?
Na minha opinião, o Alexandre nunca esteve bem com ele mesmo. Ele queria que
a firma dele desse certo, mas não deu. Ele tinha uma frustração. E isso o levava a
dizer que ele não conseguiu nada na vida. Numa determinada ocasião, Alexandre
me falou que iria sentar no túmulo do pai dele e se suicidar com um tiro na
cabeça. Falei para ele ir a psicólogos. Mas ele odiava psicólogos. Ele dizia que
não precisava ir a psicólogos. Ele dizia que precisava de dinheiro.
Os dois trechos anteriores da entrevista apontam para um grave perigo, ou seja, o uso de
armas de fogo por pessoas emocionalmente desequilibradas. Considerando as palavras
da entrevistada e mais o que você conhece sobre a regras e leis para o porte e uso de
armas de fogo, qual a sua opinião sobre o uso de armas pelo pai autor da tragédia?
9) Quanto a publicação da entrevista, como o repórter tratou os fatos? Ele procurou
respeitar a mãe do rapaz para não deixá-la ainda mais sensibilizada? Ele escolheu
uma foto de mãe e filho para ilustrar a notícia. Qual seria a possível intenção do
entrevistador, em relação ao público e à família das vítimas, ao escolher justamente
essa foto?
10) É importante considerar que Rosália era ex-delegada, já aposentada, e que o marido
morto, embora não estivesse trabalhando, era engenheiro e ex-empresário. O filho
morto, por sua vez, era estudante universitário. Essa família pertencia à considerada
classe média em nossa sociedade. Será que se a família que tivesse sofrido essa
tragédia pertencesse à grande massa que vive abaixo do nível da pobreza, essa
entrevista seria realizada e publicada numa revista tão bem-conceituada socialmente
como é a revista Veja? Explique sua resposta.
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ANEXO 6 – ATIVIDADE DE PRODUÇÃO TEXTUAL 4
Nome: ___________________________________________________ Série: ________
1) Com base na entrevista “‘Amor doentio do pai matou o meu filho’, diz mãe sobre
tragédia”, elabore uma carta do leitor considerando para a composição dessa carta o que
você compreendeu sobre referenciação e seus possíveis efeitos de sentido na escrita da
carta do leitor. Leve em conta também a leitura e a discussão que fizemos sobre a entrevista,
bem como o questionário que respondeu sobre os aspectos da referida entrevista.
• Não se esqueça de identificar o local e data de onde escreve.
• Indique onde em leu a entrevista (revista Veja).
• Dê as suas saudações ao destinatário da carta.
• Identifique-se, ao final da carta, colocando seu nome e sua idade.