TRASPADINI, Roberta - Dependência e Luta de Classes Na América Latina

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  • 8/10/2019 TRASPADINI, Roberta - Dependncia e Luta de Classes Na Amrica Latina

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    29Argumentum, Vitria (ES), v. 6, n.2, p.29-43, jul./dez. 2014.

    Dependence and the class struggle in Latinamerica

    Roberta TRASPADINI1

    ebater o texto Desafios e Perspecti-vas para a Amrica Latina do SculoXXI- de um companheiro e intelec-

    tual como Marcelo Carcanholo , ao mesmotempo, prazeroso e desafiador. Prazeroso

    por se tratar, na nova gerao de intelectu-ais, de um dos quadros mais bem prepara-dos no tema da crtica da economia poltica,o que abarca seus estudos e a socializaodos mesmos tanto com os estudantes e cole-gas de trabalho, quanto com os militantes so-ciais latino-americanos. Desafiador por seustextos nos instigarem a ir alm daquilo queest exposto, na procura de novos e comple-

    xos processos de investigao individual-co-letiva.

    Este texto-debate organiza-se em duas par-tes: 1) Pontos essenciais sobre o debate dadependncia na Amrica Latina; 2) Pontospolmicos que me permitem tecer algumasconsideraes dialgicas.

    1 Pontos essenciais sobre o debate da de-

    pendncia na Amrica Latina

    Falar de, e desde, Amrica Latina nos colocaquestes que resultam centrais para

    1Graduada em Cincias Econmicas pela Universidade Federal do Esprito Santo (UFES, Brasil). Doutorandaem estudos latino-americanos na Universidad Autnoma Nacional de Mxico (UNAM, Mxico). Professorada Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM, Brasil). Professora militante da Escola

    Nacional Florestan Fernandes. E-mail: .

    avanarmos na prxis emancipatria: O que Amrica Latina? Como prope Carca-nholo, possvel trat-la como uma unidadecategorial? As sociedades e pases que acompem, em que pesem suas especificida-

    des, podem ser tratados com alguma homo-geneidade?

    O texto de Carcanholo apresenta uma inte-ressante proposta para avanarmos na cons-truo de uma perspectiva que nos permitacaptar os elementos comuns de Amrica La-tina que podem permitir apresent-la comouma unidade. Recuperando criticamente

    Aric na interpretao de Amrica Latinacomo uma unidade contraditria, Carca-nholo entende que, embora no fiquem foraas especificidades histricas de cada pas oulocalidade, a dependncia o elemento quepermite estabelecer o fio condutor entre osprocessos, mudanas, continuidades e desa-fios da Amrica Latina.

    Nesse sentido, ao estabelecer um olhar ana-ltico centrado na crtica da Economia Pol-tica de Marx para pensar a Amrica LatinaCarcanholo nos prope recuperar uma sriede categorias fundantes da teoria marxista,

    D

    DEBATE

    Dependncia e luta de classes na Amrica Latina

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    tais: o movimento dialtico entre capital-traba-lho; Explorao e Superexplorao; Transfernciade valor; Imperialismo-Subimperialismo; Com-

    posio orgnica do capital; Mais valia extraordi-nria; produo-circulao-consumo; capital fi-nanceiro e suas facetas (produtivo, bancrio, fic-tcio).

    Mas o que a dependncia? a razo de serdo desenvolvimento do capitalismo naAmrica Latina. Processo que retrata a espe-cificidade do capitalismo sui generis latino-americano, inerente dinmica geral de fun-

    cionamento do capital. Particularidade queintegra a totalidade do movimento do capi-tal, fazendo com que o prprio, Amrica La-tina, se torne refm da lgica reprodutora docapital no mbito mundial.

    Um dos movimentos explicativos da depen-dncia refere-se aos mecanismos de transfe-rncia de valor. Nas relaes comerciais entre

    pases tecnologicamente mais ou menosavanados, a aparncia do fenmeno encar-nada nos preos deteriorados das mercado-rias das periferias, em relao aos preoscrescentes dos produtos das economias cen-trais, expe o teor do intercmbio desigual,a partir do modo especfico de produo dasmercadorias em cada pas. Assim, a transfe-rncia de valor, em realidade apropriao pri-vada pelas economias centrais de parte daproduo social (mais-valia) produzida pe-las economias perifricas, refora a superex-

    ploraoda fora de trabalhocomo a gnese ex-plicativa do dialtico movimento desigualdo capital em sua totalidade. Atravs da su-

    perexplorao da fora de trabalhoa dependnciaganha materialidade e explicita a real condi-o de ser do capitalismo na Amrica Latina.

    Portanto, a superexplorao da fora de trabalho

    o fundamento da dependncia latino-ameri-cana, demarcado pelos escritos dos tericosmarxistas da dependncia. Com base na su-

    perexplorao, entendemos como o desenvol-vimento sui generis do capitalismo latino-americano assume um carter particular quese mescla com a forma de exploraodos tra-

    balhadores das economias centrais. Salriospagos abaixo do valor necessrio para a re-produo de vida do trabalhador e uma vidacotidiana de satisfao das necessidades b-sicas intensamente atrelada ao crdito-endi-vidamento dos trabalhadores, so marcastangveis do carter da superexplorao da

    fora de trabalho na Amrica Latina.

    A dependncia, enraizada na superexploraoda fora de trabalho, deve ser entendida, comodestaca Carcanholo, como o resultado dadisputa concorrencial entre capitais mais emenos avanados na questo tecnolgica.Disputa pela apropriao da mais valia extra-

    ordinria, manifesta no processo de incorpo-rao tecnolgica na disputa no interior deum setor econmico, atravs da criao decondies mais vantajosas na esfera da pro-duo.

    Dada a diferena de composio orgnica e tc-nicado capital entre as economias e os seto-res capitalistas no interior das mesmas, atransferncia de valor das periferias para oscentros e para as economias do continenteque se destacam no processo de industriali-zao dos anos 1950/1960, (Brasil, Mxico,Argentina) retrata, segundo Carcanholo osdiferentes nveis de dependncia das econo-mias da Amrica Latina com relao s eco-nomias centrais e entre as economias perif-ricas, o que abre passo conformao do su-bimperialismo,no caso especfico do Brasil.

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    Como bem destacado por Carcanholo, o Bra-sil, apesar de dependente como as demaiseconomias latino-americanas, teve atravs

    da nova onda de industrializao via en-trada de capitais estrangeiros nos anos 1950e 1960, uma ampliao da composio org-nica de capitalem seu processo de desenvol-vimento. Alm disso, na concorrncia inter-capitalista, o Brasil conseguiu apropriar-se,via mais valia extraordinria2, de parte do va-lor produzido nas economias vizinhas,quando da relao comercial desigual favo-rvel aos seus produtos.

    Tal situao, ao diferenciar o Brasil, no planodo desenvolvimento capitalista, das demaiseconomias perifricas do continente, o colo-cou numa posio vantajosa de reprodutordireto das condicionantes externas da domi-nao. Ou seja, o subimperialismobrasileiro -face caracterstica da dominao deste passobre Amrica Latina, em especial no inter-

    cmbio com as economias que compem aAmrica do Sul apresenta-se como correiade transmisso do imperialismo - face hege-mnica da dinmica geral de reproduo docapital e ambos constituem a dupla condi-cionante da dependncia no continente: 1. Atransferncia de valordas economias perifri-cas para as economias centrais e no menosimportante, 2) a transferncia de valorentre as

    economias perifricas.3

    Segundo Carcanholo, a unidade dialtica nocapitalismo contemporneo (entre determi-naes estruturais e conjunturais), atrelada

    2A mais valia extraordinria originada na concorrncia capitalista, dentro dos setores econmicos. , assim,manifesta na guerra entre capitais oligopolistas pela apropriao de parte do valor produzido pelos demaiscapitais do setor, tendo a inovao como o elemento substantivo da diferenciao momentnea entre os gran-des capitais. Para aprofundamento no tema ver: Carcanholo (2000) e Marini (2011).

    3Cabe destacar que o subimperialismo brasileiro necessita ser aprofundado na atual relao produtiva-comercialdo Brasil com outras economias perifricas, como Moambique, que contribuem na nfase dada centralidadedesta categoria analtica desenvolvida por Marini.

    aos mecanismos criados em cada processohistrico especfico, para contrarrestar a ten-dncia crise inerente ao seu desenvolvi-

    mento, agudizou as expressivas desigualda-des manifestas no desenvolvimento do capi-talismo no plano mundial atravs da relaoindissocivel entre cinco elementos: au-mento da explorao da fora de trabalho; inten-sificao da transferncia de valor; abertura demercado; aumento da rotao do capital; ex-panso da lgicafictcia nos desdobramentosdo capital.

    O perodo neoliberal (iniciado nos anos1970, com forte nfase na dcada de1990/2000) acentuou os processos constituti-vos do desenvolvimento dependente latino-americano, o que expe os problemas pro-fundos da funo comprida por Amrica La-tina na produo-circulao de capital nombito internacional. E, ao mesmo tempoem que a exploraoganha novos e mais in-

    tensos contornos no mundo como forma decontrarrestar a tendncia queda da taxa delucro, na Amrica Latina, se propaga a utili-zao do crdito, como se o mesmo fossedescolado do processo produtivo. Esta situ-ao oculta a realidade da dependnciae doagravamento da superexplorao da fora detrabalho no capitalismo perifrico, uma vezque apresenta, na superfcie de sua manifes-

    taofetichizada,a possibilidade de transioda matriz trabalho-salrio-consumo, para amatriz crdito-consumo, sem necessaria-mente vnculo com o trabalho. O endivida-mento dos indivduos e das famlias gerou

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    uma potncia de ao do capital sobre e con-tra o trabalho na Amrica Latina. Isto ocorreem um perodo histrico em que a propa-

    ganda e a misria formativa, esto dissemi-nadas.

    O cenrio da complexidade do mundo dotrabalho na era neoliberal intensificou a su-

    perexplorao no continente latino-ameri-cano. Flexibilizao das leis trabalhistas, em-preendedorismo individual e economia soli-dria como alternativas ao emprego comcarteira assinada e ao desemprego; mudan-

    as nos planos de aposentadoria, bancos dehora, estgios de jovens que duram toda avida universitria, entre outros, so as novascondicionantes da prxis do capital, que re-fora o carter histrico da atualidade da de-

    pendnciana Amrica Latina sob a consignada superexplorao e do superendividamento .Somados a estes dois ltimos, para o caso

    brasileiro, tem-se a intensificao da lgica

    subimperialista4.

    O rigor terico e analtico de Carcanholo naquesto do desenvolvimento latino-ameri-cano, leia-se dependncia, nos convoca a tra-

    balhar outras questes, entre as quais, duasem especial, nos interessam para a composi-o da anlise ao longo deste texto: 1. Quala funo social da terra na atual fase de ex-panso do capital fictcio na dinmica geraldo capital? 2. Qual o papel do trabalho nocampo na atual fase de supremacia dos tra-

    balhadores concentrados nas grandes cida-des da Amrica Latina?

    A acentuao da participao do capital por-tador de juros em relao participao do

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    Para o estudo da atualidade do subimperialismobrasileiro na Amrica Latina ver: Vuyk (2013); Luce (2011).

    capital produtivo total reflete o grau de in-tensificao das lutas no campo e na cidade,uma vez que algumas mercadorias entram

    nessa dinmica como projeo futura de ga-nhos no necessariamente reais. A funosocial da terra, na lgica da produo de

    bens necessrios subsistncia, alm de servinculada era do agronegcio, na atual fasecontempornea do capitalismo, entra naarena especulativa, com expressivo encare-cimento do crdito e dos lotes. Assim, o ca-pital em sua fase de predominncia fictciatraz para a questo agrria a necessria re-formulao dos processos que a engendram.

    Como destaca Silva (1981, p.13):

    [...] a essncia da renda da terra nada mais do que parte da mais-valia que, em vezde ficar com a classe capitalista, vai para obolso dos proprietrios rurais que a tiramdos capitalistas, dado que so eles e no es-tes os que monopolizam a propriedade

    fundiria. Assim, o fato da renda da terraser X ou Y, mais alta ou mais baixa, de-pende tambm do resultado da luta declasses, que se trava naquele momento, na-quela sociedade, da mesma maneira quedisso tambm depende a distribuio en-tre lucros e salrios. Ou seja, sendo essarenda a remunerao de uma classe, ela seencontra definida, em seus nveis globais,pela luta que ope os interesses dos pro-

    prietrios de terras aos dos demais setoresda sociedade. Assim, tudo o que os capita-listas conseguem extorquir dos trabalha-dores rurais ser cobiado pelos propriet-rios de terras.

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    33Argumentum, Vitria (ES), v. 6, n.2, p. 29-43, jul./dez. 2014.

    Oliveira (2007, p. 43), segue a mesma a linhade Silva (1981) quando refora:

    [...] a renda da terra uma frao da mais-

    valia, ou seja, , mais precisamente, com-ponente particular e especifico da mais-

    valia. Para Karl Marx, mais-valia , nomodo capitalista de produo, a forma ge-ral da soma de valor (trabalho excedente erealizado alm do trabalho necessrio quepor sua vez pago sob a forma de salrio)de que se apropriam os proprietrios dosmeios de produo (capitalistas e ou pro-prietrios de terras) sem pagar o equiva-

    lente aos trabalhadores (trabalho nopago) sob as formas metamorfoseadas,transfiguradas de lucro e de renda fundi-ria.

    As particularidades histricas do desenvol-vimento do capitalismo no campo na Am-rica Latina diferem substantivamente do t-pico caso ingls onde os proprietrios deterra e os capitalistas so figuras que dispu-tam parte do excedente da produo mani-festo na extrao do valor. Na Amrica La-tina, a questo da terra passa pelo entendi-mento de que [...] a propriedade da terra a base de extrao do excedente dos traba-lhadores rurais(SILVA, 1981, p. 22). O ca-pitalista agrrio tanto promove os desdobra-mentos econmicos-polticos-culturais para

    5Estas trs formas funcionais da renda da terra esto vinculadas produo de mercadorias no campo, deforma que renda da terra sinnimo de repartio da produo de trabalho excedente no campo entre capita-listas e proprietrios de terras, quando estas figuras se constituem como sujeitos diferentes na organizao daproduo capitalista no campo. Segundo Marx, a renda da terra no advm somente do fato de o proprietrioter o poder jurdico sobre a terra e sim do poder de explorar, ou no, a terra na forma de extrao de valor.Detm, portanto um monoplio estratgico para a produo capitalista. A concorrncia entre capitalistas atu-antes na terra gera os dois tipos de renda diferencial. A renda diferencial do tipo I origina-se da comparaoentre tipos de terras distintas, diferentes, (tipo de solo, geografia, extenso, necessidade tcnica, etc.). A rendadiferencial do tipo II refere-se incorporao tecnolgica na terra, fazendo com haja uma tendncia amplia-o da produtividade gerando resultados diferentes, ou seja, intensificao do capital na terra. O monoplio

    da terra gera a renda absoluta. Como da terra se originam bens vitais, esta posio vantajosa de realizar umpreo de mercado acima do preo mdio de produo, faz com que a renda absoluta seja originada na din-mica global da realizao de vida social. Ver: Marx (1991).

    a consolidao de sua ao monopolista,quanto conforma uma estrutura agrria dedependncia em que a produo camponesa

    subsumida funo monopolista ditadapelos capitalistas agrrios, situao que mo-vimentar a histrica luta de classes no con-tinente.

    Segundo Marx, [...] a renda da terra - abso-luta, diferencial do tipo I e do tipo II5- inte-gra e combina o processo geral de produ-o/apropriao do capital, de forma que,quanto mais desenvolvido o processo pro-

    dutivo no mbito da composio orgnica e tc-nica do capitalna agricultura, tanto menor adiferena entre a composio mdia do capi-tal agrcola frente ao capital social mdio.Assim, com a expanso da tcnica na produ-o agrria, h uma tendncia ao desapare-cimento da renda absolutae a exacerbao dadiscrepncia no teor produtivo entre as pro-priedades (de grande, mdio e pequeno

    porte), explicitando a lgica da concorrnciacapitalista na produo de mercadorias ori-undas da terra, demarcada pelo processoinerentemente desigual do capitalismo.

    O capital fictcio, enquanto exacerbao dacontradio produo/apropriao contidano capital portador de juros, (CARCA-NHOLO, 2014), tende a potencializar parte

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    da extrao do valor produzido no campoatravs da renda absoluta, cujo proprietrio ,na maioria das vezes, o prprio capital mo-

    nopolista internacional (capital financeiro).Assim, acompanhando as novas caratersti-cas da reproduo capitalista geral, cuja n-fase tem sido dada ao capital fictcio, o capi-tal financeiro, em vez de pagar ao propriet-rio de terra uma renda, dquire a terra e adeixa parada para compor sua prpria din-mica de produo geral.

    No entanto, a terra no uma mercadoria

    qualquer. Ela a substncia desde a qual oser humano em sua relao com a naturezae os demais seres cria e recria vida, em mo-vimento substantivo de reestruturao sig-nificante de si mesmo. Portanto, acumularterra vai muito alm da acumulao de capi-tal. acumular a substncia viva de manu-teno da existncia social. A propriedadeprivada da terra, centrada na lgica de pro-

    duo capitalista, encarna um questiona-mento existncia da humanidade, exigindolutar para consolidar um projeto que superea dinmica brbara do capitalismo. Ne-nhuma necessidade socialmente produzidaparte de uma materialidade concreta fora daterra. Nesse sentido, h terra para alm docapitalismo, mas no h capitalismo sempropriedade privada da terra.

    Nas palavras de Oliveira (2007, p. 66):

    [...] o proprietrio de terra um persona-gem de dentro do capitalismo. Ao se apro-priar de grandes extenses de terra, ele re-tm essa terra como reserva de valor, ouseja, com o objetivo de especular, de poderse apropriar da renda da terra. o que fa-zem os grandes capitalistas que se conver-teram em colonizadores, vendedores da

    mercadoria terra. Dessa maneira, a propri-edade capitalista da terra tem que ser en-tendida como uma contradio do desen-volvimento do modo capitalista de produ-

    o tem que ser entendida como produtode uma relao social que ela .

    Os atuais protagonistas do agronegcio naAmrica Latina, a partir da aquisio demaior extenso de terras ao preo de mer-cado movido pela dinmica especulativa, re-orientam a funo social da terra com basena extraordinria situao monopolista que

    os define. Com isto, geram para os pequenosprodutores a acentuao das relaes de de-pendncia e subsuno formal-real dos mes-mos dinmica produtiva capitalista nocampo. Isto, somado ao do Estado naci-onal com centralidade para a representaodos grandes capitais, traz para a luta de clas-ses no continente, renovados processos demanifestao contestatria ordem bur-guesa.

    Breve fotografia da Amrica Latina atual se-gundo trs documentos da CEPAL:AnurioEstatstico de Amrica Latina y el Caribe, 2013;La Inversin Extranjera Directa em Amrica La-tina y el Caribe, 2013; Recursos Naturales situa-ciones y tendncias para uma agenda de desar-rollo regional em Amrica Latina y el Caribe,2013.

    - Possui 616.645 milhes de pessoas;- 53,3% da populao tm entre 15-49 anos;- 80,9% vivem nas cidades;- Aproximadamente 275 milhes de pessoas com-pem a populao economicamente ativa;

    - Distribuio setorial da populao ocupada: 19,4%agricultura; 20% indstria; 57,9% servios;

    - Taxa de desemprego 6,4%;

    - Pessoas em situao de pobreza/indigncia: cidade:28,2%; campo: 48,6%;

    - Distribuio da renda entre grupos: Cidade: mais

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    pobre: 1,6%, mais rico:38,5%; campo: mais pobre 1,5%e mais rico: 39,6%;

    - Proporo de mulheres empregadas pelo setor agr-cola: 26%;

    - PIB: US$ 3.486.088,4;- Grau de abertura econmica: 44,8%;

    - Investimento Direto Estrangeiro (IED): US$ 188.101milhes (servios: 38%; manufaturas: 36%; recursosnaturais: 26%, com destaque para Brasil e Mxico res-pectivos primeiros lugares que, juntos, somam umIDE aproximado de US$ 102 milhes.

    - Os principais destinatrios do IDE so Estados Uni-dos e Unio Europeia. Com destaque para a centrali-dade dos investimentos da EU em especial em M-

    xico e Brasil, cuja inverso chega a 50%; e dos EUAcom centralidade para Amrica Central (30%; M-xico: 32%; Brasil:14%).

    - Cinco maiores fuses e aquisies:1. Anheuser-Bush-Inbev (Blgica) com Grupo Mo-delo (Mxico): US$ 19.273 milhes;2. United Hearth Group (EUA) com Amil Participa-es (Brasil): US$2.322 milhes;3.Bancolmbia (Colmbia) com HSBCPanam (ReinoUnido): US$2.234 milhes;4.Coca-cola FEMSA (Mxico) com Spaipa AS (Brasil):

    US$1.855 milhes;5. Metlife (EUA) com AFPProvida (Espa-nha):US$1.841 milhes.

    - Exportao de recursos minerais: 21,4%;

    -Produo mineral em relao ao total mundial:Prata: 47,7%; Estanho em mina: 20,5%; Ferro: 21,1%;Cromo em mina:23,8%; Cobre em mina: 11,6%; zinco:19,4%;

    - Do total de produo mineral mundial: US$ 21.500milhes, Amrica Latina respondeu com a maior par-ticipao, 25%, cuja principal concentrao est emPeru, Mxico, Brasil e Chile.

    _ Investimento direto minero na regio: US$ 735 mi-lhes de dlares.

    - Hidrocarbonetos: A.L segunda maior regio domundo na produo petroleira, perdendo apenaspara o oriente mdio.

    1. Relao entre reserva/produo (abundncia): Pe-trleo: 89,8 anos; Gs Natural: 33,7 anos.

    2. Relao entre produo/consumo: Petrleo: 1,2%;Gs Natural:0,9%.

    - Petrleo e Gs Natural correspondem no total de ex-portaes: 48% Colmbia e Bolvia; 53% Equador e

    Trinitrias; 81% Venezuela.

    - Principais empresas exploradoras de hidrocarbone-tos: YPF (Argentina): PDVSA(Venezuela); Petrobrs(Brasil); PEMEX (Mxico); Ecopetrol (Colmbia).

    - IDE para a rea do hidrocarboneto (2013-2017):US$400 milhes.

    Esta fotografia nos permite, luz da unidadecontraditria latino-americana destacadapor Carcanholo, reforar o que a regio temem comum na dialtica do desenvolvimentodependente: abundncia de recursos natu-rais-minerais; robusto e crescente exrcitoindustrial de reservas (terra e trabalho). Deforma que a correta ideia de unidade contra-ditria, cuja substncia centra-se na terra eno trabalho especficos da regio, necessitaser tratada dentro do cenrio dos conflitosmanifestos na trajetria de lutas da AmricaLatina cujos matizes imprimem diversas di-nmicas: reformas, revoltas, guerras deguerrilhas, revolues.

    2 Pontos polmicos que me permitiram te-cer algumas consideraes dialgicas

    Neste item sero trabalhados os seguintestemas brevemente apontados por Carca-nholo nas partes iniciais de seu texto: a) Uni-dade latino-americana; b) Sentido de nao;c) Brasil e o no ser e do sentir-se latino-ame-ricano; d) Povo x classe. Estes pontos apre-

    sentados por Marcelo na forma de debate,exigem que deixemos claro a linha polticainterpretativa para no corrermos riscos deinterpretaes equivocadas sobre temas es-senciais da atual luta de classes na AmricaLatina. Por isso, dizimar qualquer confusosobre o tema, desde nossa perspectiva declasse, torna-se imprescindvel, dadas as ta-refas para avanarmos em nossas organiza-es e lutas latino-americanas.

    a)Unidade latino-americana:

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    Carcanholo (no texto em debate) apresenta adependncia como o fundamento da uni-dade latino-americana. Em suas palavras:

    A dependncia o que constitui a unidadeda Amrica Latina, o que no exclui as espe-cificidades de seus membros. A dependn-cia, forma sui generis do capitalismo latino-americano, foi gestada nos processos de in-dependncia poltica ocorridos na AmricaLatina, como salienta Marini em Dialtica daDependncia, 1973. Mas, apesar do marco po-ltico que a situa, sua raiz anterior, advmda forma como a terra e o trabalho foramparticularmente tratados a partir do pro-cesso de conquista-colonizao no conti-nente.

    A nosso juzo, esta estrutura material hist-rica do desenvolvimento capitalista no con-tinente tem duas razes indissociveis entresi: terra fecunda e expressiva fora de trabalho .Estas duas substncias so o que explicam a

    trajetria histrica da ocupao do conti-nente latino-americano desde a exploraocolonial europeia, com destaque para os pro-cessos de organizao das lutas pelas inde-pendncias polticas, marco formal de nasci-mento dos Estados nacionais no continente,passando pelas diferentes fases do desenvol-vimento do capitalismo at a atualidade.

    O que produz unidade na Amrica Latina tanto o que a escraviza, quanto o que a podelibertar ao longo da histria da luta de clas-ses: o trabalho e a terra. Nesse sentido, a uni-dade da Amrica Latina, deve ser entendidaa partir da conformao histrica de sua for-mao social baseada na dominao do capi-tal sobre terra e trabalho e das disputas ocor-ridas no continente, expressas tanto nas lu-tas por libertao da terra da lgica da pro-

    priedade privada, quanto pelas lutas de li-bertao do trabalho da lgica da superexplo-rao, tendo como referncia a autonomia

    relativa aberta com as lutas por indepen-dncia.

    A unidade latino-americana como disputaexpe duas dimenses chaves: a histricatrajetria de dominao do capital sobreterra e trabalho; e, as lutas de resistncia elibertao do trabalho contra o capital. O ca-pital ao consolidar a dominao se apropriade forma privada dos territrios e institui os

    mecanismos ideolgicos dominantes paraintrojetar suas ideias como verdades abso-lutas, em violenta condio de controle daeconomia, da poltica e da cultura. Ao domi-nar, o capital tanto nega a Amrica Latinacomo identidade social una e diversa, como arefora desde o mbito comercial na confor-mao dos blocos econmicos e das reas delivre produo-circulao para o capital.

    A complexa situao da classe trabalhadorana atualidade do desenvolvimento capita-lista na Amrica Latina, do campo e da ci-dade, coloca em movimento diversas formasde contestaes ordem dominante, entre asquais se encontram proposies de algunssujeitos e movimentos, que tomam para si naformao da conscincia, o sentido deprxisrevolucionria latino-americana, assentadosem outro sentido de terra e de trabalho, paraalm do institudo pelo capital. A narrativada histria dominante mescla-se com umacomplexa gama de experincias de lutasconsolidadas por diversos movimentos soci-ais da Amrica Latina. Parte destas lutascentra-se na ao anticapitalista e anti-impe-rialista. So lutas contrrias portanto s ca-ractersticas estruturais da lgica da domi-nao do capital sobre terra e trabalho, ao

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    Roberta TRASPADINI

    37Argumentum, Vitria (ES), v. 6, n.2, p. 29-43, jul./dez. 2014.

    longo do processo de desenvolvimento docapitalismo sui generis da regio. Mas, aindaquando estas disputas ocorrem ao longo de

    todo o processo de consolidao da depen-dncia, ganham no sculo XXI, particularesformas de manifestao dado o contexto deexpanso do capital fictcio.

    Esta situao nos remete ao debate inicialtrazido por Carcanholo sobre a unidade con-traditria que caracteriza Amrica Latina.Partindo do referencial da luta de classes,cabe destacar que a luta de classes manifesta

    no marco poltico, econmico e cultural so-bre como se entende a unidade da AmricaLatina, exige a anlise dos interesses da bur-guesia (inter)nacional sobre o ser-sentir-se la-tino-americano a partir da perspectiva quedefende e projeta como totalidade, comoprxis dominante reprodutora.

    Para o capital, falar de Amrica Latina re-

    forar, como bem sustenta Carcanholo, a re-lao indissocivel entre desenvolvimento edependncia no continente. Amrica Latinase apresenta para o capital como unidade deao aparentemente incontestvel. H quemodernizar, abrir, desregulamentar, traba-lhar a queda do nacional, por um plano semfronteiras, conforme as polticas consolida-das pela rea de Livre Comrcio para asAmricas (ALCA), pelos Tratados de LivreComrcio (TLCs), pelo projeto de reestrutu-rao logstica da Iniciativa de Integrao daInfraestrutura Regional Sulamericana(IIRSA), pelo Mercado Comum do Sul(MERCOSUL), ao mesmo tempo em que hque se invisibilizar as lutas e criminalizar ossujeitos e movimentos que atuem desde ou-tro lugar que no o de dentro da ordem.

    E para o trabalho na complexidade de movi-mentos que o define? E para os movimentos

    sociais e polticos que, herdeiros de Mart,Bolvar e Guevara, acreditam na PtriaGrande? Para estes, a Amrica Latina se

    apresenta como territrio de lutas, resistn-cias, memria e histria, ainda quando suascondies objetivas de luta no se projetamem uma experincia continental, dadas as li-mitaes prprias sobrevivncia da classetrabalhadora no sculo XXI.

    Cabe reforar que Amrica Latina, desde aluta entre capital-trabalho, ao se dar nos ter-ritrios concretos, ganha contornos nacio-

    nais, que, apesar dos inerentes processos po-lticos-jurdicos que caracterizam o Estado

    burgus explicitam no plano das lutas con-cretas, as disputas por reformas e articula-es para a superao de dita dominao.

    Em sntese, a unidade contraditria que con-forma Amrica Latina deve ter como centra-lidade a anlise da luta de classes colocada

    em movimento ao longo do processo hist-rico de consolidao do desenvolvimentocolonial e ps colonial no continente. Anali-sar a unidade contraditria no marco da lutade classes nos permite entender a dialticamanifesta tanto na posio do capital sobreo territrio latino-americano, quanto as lutasnacionais, regionais, internacionais por su-perao das condicionantes burguesas.

    b)

    Sentido de Nao:Eric Hobsbawm, na introduo do livro Na-es e Nacionalismo desde 1978, sustenta que:

    [...] as naes e seus fenmenos associadosdevem ser analisados em termos das con-dies econmicas, administrativas, tcni-cas, polticas e de outras existncias(...) asnaes so fenmenos duais, construdosessencialmente pelo alto, mas que, no en-

    tanto, no podem ser compreendidas semser analisadas de baixo, ou seja, em termos

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    Dependncia e luta de classes na Amrica Latina

    38Argumentum, Vitria (ES), v. 6, n.2, p.29-43, jul./dez. 2014

    das suposies, esperanas, necessidades,aspiraes e interesses das pessoas co-muns, as quais no so necessariamentenacionais e menos ainda nacionalistas

    (HOBSBAWM, 1990, p.19).

    A ideia materializada de nao-naciona-lismo exige a compreenso da estrutura naqual ocorre seu enraizamento, atravs daanlise dos processos constitutivos dentroda dialtica capital-trabalho, tanto da di-menso dada pela lgica da produo domi-nante, quanto pela lgica contestatria ine-

    rentes disputa. Portanto, h a perspectivado estado-nao; do capital; do trabalho;mesclados todos estes processos por dispu-tas expressas na dinmica da formao daconscincia presente na diversidade de lutasna vida cotidiana na Amrica Latina.

    A disputa entre projetos-processos no inte-rior da nao se apresenta na manifestaoconcreta da luta de classes em cada poca e

    territrio. A nao torna-se o marco territo-rial da disputa pelo poder, de disputa pelatomada do poder, na consolidao de um Es-tado de transio socialista, que nem porisso menos internacional. Esta observaose faz importante, pois, apesar de no haverhomogeneidade nos processos de luta dostrabalhadores, uma das caractersticas emcomum em toda Amrica Latina a disputa

    poltico-eleitoral demarcada no plano daocupao do Estado, seja para dar continui-dade lgica do capital, ou para consolidaruma postura contrria que, para engendrartransformaes mais profundas, necessitareconstituir o plano das reformas nacionais.

    Cabe reforar que, aps a substantiva mu-dana de enfoque das polticas imperialistas

    norte-americanas para Amrica Latina, aps

    1989, com a conformao do Consenso deWashington em paralelo derrota do socia-lismo real, manifesta na simblica cena da

    destruio do muro de Berlim, o carter na-cional ganha maior evidncia, ante a polticaefetuada de desmonte das naes atravsdas polticas de desenvolvimento neolibe-rais. O que antes era mais evidente como ca-rter internacional, aps 1989 se apresentoucomo necessidade de resgatar o nacionalpara reafirmar o internacional.

    Portanto, a citao de Marx utilizada por

    Carcanholo uma falsa abstrao conside-rar uma nao, cujo modo de produo re-pousa no valor e que, alm disso, est orga-nizado capitalistamente, como sendo umcorpo coletivo que trabalha apenas para asnecessidades nacionais (MARX, 1985, vol.III, tomo 2, p. 293) necessita ser mais traba-lhada, para no corrermos o risco de inter-pretar as lutas no mbito nacional como

    pouco estratgicas, quando em realidade socaractersticas transformadoras que mani-festam a trajetria histrica da luta de classesno continente, sem deixar de entender a cor-relao de foras internacional em cada per-odo histrico. Basta vermos o significadodas vitrias de Hugo Chvez, Evo Morales eRafael Correa no continente. Dialeticamente,estas vitrias e posies anti-imperialistas,

    com retomada do plano nacional, reivindi-cam novos marcos e integrao e relao co-mercial-social no continente, como os de-marcados pela Aliana Bolivariana para asAmricas (ALBA) e pela Unio das NaesSul-americanas (UNASUL).

    c)Brasil e o no ser-sentir-se latino-ameri-ano;

    Na mesma linha, me parece que o debate tra-zido por Carcanholo sobre os elementos que

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    39Argumentum, Vitria (ES), v. 6, n.2, p. 29-43, jul./dez. 2014.

    reforam o sentimento do brasileiro comono latino-americano, tambm necessita deaprofundamento. Apesar da particular for-

    mao histrico-social do Brasil, e das razesnegra, ndia e branca que conformam a com-plexidade do povo brasileiro, me parece queisto no explica o fundamento do no ser-sentir-se latino-americano.

    A produo material do ser-sentir-se latino-americano est na formao da conscincia.O no ser-sentir-se latino-americano mais oresultado histrico da vitria da classe do-

    minante burguesa (inter)nacional que ope-rou e opera no Brasil e na Amrica Latinapara conformar os aparelhos ideolgicos re-produtores e opressores relativos projeode suas verdades-mentirosas, e menos resul-tante do processo originrio desde o prpriosujeito trabalhador brasileiro composto porestas diversas etnias sociais.

    com base nessa relao indissocivel entreproduo material de vida e consolidao deum processo de conscincia que lhe sustentee seja sustentado por ela, que Iasi (2007, p.12) argumenta ser necessrio entender o fe-nmeno da conscincia como movimento:

    Sabemos que s possvel conhecer algose o inserimos na histria de sua formao,ou seja, no processo pelo qual ele se tornou

    o que ; assim tambm com a conscin-cia: ela no , se torna. Amadurece porfases distintas que se superam, atravs deformas que se rompem, gerando novas,que j indicam elementos de seus futurosimpasses e superaes. Longe de qualquerlinearidade, a conscincia se movimentatrazendo consigo elementos de fases supe-radas, retomando, aparentemente, as for-mas que abandonou.

    Assim, como Iasi (2007), Ludovico Silva

    (2013, p. 162) esclarece que a ideologia nascedas entranhas do prprio movimento do ca-pital, e se manifesta concretamente como

    fora destrutiva, pois,Como chamar as relaes de produo quehoje contribuem em tantas partes domundo, por obra e graa da etapa imperi-alista do capitalismo, a fabricao de umser humano doente, reprimido, esmagadopor um peso ideolgico que desconhece,escravizado por uma turba de objetos queconsome irracionalmente, vorazmente?Tudo poderia ser descrito como uma r-bita que vai desde a raiva com que os lud-dita do sculo XIX (segundo conta Marxem O Capital) destruram a machado asmquinas que os substituam como forasprodutivas, at a raiva inconsciente comque hoje o sujeito da classe mdia na soci-edade industrial se comeessas mquinas eseus produtos, as digere e as integra a seuser como se fossem fonte nutricional.Como chamar estas relaes de produoseno relaes de destruio?

    A consolidao da ideia de Amrica Latinapelo capital se gesta na prpria dinmicainerente de produo do valor no continentee abre, com base nesta estrutura, uma con-cepo prpria instituda a ser projetadacomo nica e homognea. Nesse sentido,como apresenta acertadamente Carcanholo,

    a partir do desenvolvimento dos processostecnolgicos diferenciados frente ao desen-volvimento capitalista dos demais pases vi-zinhos, o Brasil conformou sua matriz su-bimperialista de atuao no e sobre o conti-nente. Tal ao exige a construo de umaproduo ideolgica que, fechada em simesma, forje a diferena na forma mais per-versa da comparao individual-nacional-

    concorrencial.

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    Portanto, o Brasil como ms grande delmundo se fundamenta na verdade-menti-rosa do capital sobre e contra o trabalho. Tal

    mentira com ares de verdade, explica paradentro da nao, o mesmo processo que vi-sualizamos para fora, sobre Amrica Latina.Para dentro, h um Brasil que desconhece oBrasil. O que permite reforar que o territ-rio brasileiro de onde emana o subimperia-lismo sobre a regio, tambm conformadopor uma complexa situao de desigualdadena composio orgnica do capital e de des-conhecimento mtuo entre os sujeitos dascinco regies que compem o pas.

    Creio que tampouco a lngua seria um divi-sor de guas na consolidao do ser-sentir-se latino-americano no Brasil, uma vez que olatim, raiz do portugus e do espanhol, seconformado para a unidade da classe traba-lhadora, poderia resultar em outros proces-sos de vinculao continental. Sem dvida

    um tema a tomar-se em conta, mas no seina prioridade dada por Carcanholo nas p-ginas iniciais de seu texto. O idioma integraa forma-contedo da ideologia em seus apa-relhos dominantes como reprodutora deverdades-mentirosas e ocultadora de experi-ncias reais no continente.

    Em realidade, Amrica Latina desconhe-cida desde as lutas dos trabalhadores-povosoriginrios e reconhecida desde as clulas

    burguesas de reproduo ideolgica pelosbrasileiros. Os meios de comunicao e aeducao formal criaram uma ideia de Am-rica Latina em conformidade com o poder ea reproduo do mesmo pelo capital, refor-ando a falsa ideia de nao to combatidapor Marx e Engels em sua prxis revolucio-nria.

    Silva (2013, p. 43-44) expe este tema em seulivroA mais valia ideolgicae sustenta que:

    No admissvel a prioridade da ideolo-

    gia sobre o que ela expressa. Que haja es-cravos condition sine qua nonpara que seproduza uma ideologia escravista no sen-tido estrito do termo; que haja empobreci-mento extremo na base da populao uma das condies para que se produzauma ideologia religiosa baseada na cari-dade; um fenmeno como a ideologiacrist no pr-existia ao fato histrico ma-terial de Cristo; em suma para que se pro-

    duza uma ideia de algo, antes tem queexistir esse algo. No entanto, no se tratade mera prioridade temporal sobre a qualpoderamos nos perder em infinitas espe-culaes do tipo o ovo ou a galinha; setrata de uma prioridade lgica muito fcilde explicar, se fosse uma determinaocausal, dizendo que logicamente a causaprocede o efeito- mas que mais difcil deexplicar por tratar-se de uma determina-

    o dialtica. Frequentemente marxistas eno marxistas confundem prioridadestemporais com prioridades lgicas, e vice-versa.

    d) Povo x classe:

    Ainda acerca da formao de uma identi-dade desassociada do ser-sentir-se latino-americano na constituio do povo brasi-

    leiro, na perspectiva de Carcanholo, dadasas caractersticas particulares de sua coloni-zao, consolidou-se uma matriz social cara-terizada pela miscigenao, especificidadeque no se visualiza em todo o continente.Nas palavras de Carcanholo (2013, nota derodap n. 5):

    [...] a constituio contraditria do povobrasileiro com base nos ndios originrios,negros escravizados (nem todos os pases

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    da regio tiveram esta importante pre-sena), portugus colonizador, imigrantestardios, torna seu povo, com todos os des-dobramentos disto, em algo muito espec-

    fico na regio, se comparado com outrospases.

    Marx (2003, p. 300-301) ao falar sobre o m-todo da economia poltica em seu livro Con-tribuio critica da economia polticaafirma:

    [...] quando consideramos um pas dadodesde o ponto de vista econmico-polticocomeamos por sua populao, a diviso

    desta em classes, a cidade, o campo, o mar,os diferentes ramos de produo, a expor-tao, a importao, a produo e o con-sumo anuais, os preos das mercadorias,etc. Parece justo comear pelo real e o con-creto, pelo suposto efetivo. Assim, porexemplo, na economia comear pela popu-lao que a base e o sujeito o ato social daproduo em seu conjunto. No entanto,isto se revela falso, se examinado com

    maior ateno. A populao uma abstra-o se deixo de lado, por exemplo, as clas-ses que a compe. Estas classes so, porsua vez, uma palavra vazia se desconheoos elementos sobre os quais repousam, porexemplo, o trabalho assalariado, o capital,etc. [...] O concreto concreto porque asntese e mltiplas determinaes, por-tanto, unidade do diverso. Aparece nopensamento como processo de sntese,

    como resultado, no como ponto de par-tida, ainda que seja o efetivo ponto de par-tida e, em consequncia, o ponto de par-tida tambm da intuio e da representa-o.

    O criterioso caminho defendido por Marxcomo mtodo de anlise que parte do real,independente das vontades individuais, re-flete sobre ele e volta a ele para transform-

    lo-/super-lo, explicita que ainda quando acomposio do povo brasileiro seja diversa,

    isto no a substncia geradora de um pos-svel no ser-sentir-se latino-americano. Acomposio do povo ao ser expressa pelas

    classes relata a complexidade da atual situa-o capital-trabalho no continente, cuja his-tria de alienao e fetiche se fizeram pre-sentes na constituio da suposta verdadedominante.

    O povo brasileiro, generalidade que no ex-plica a concreta relao da luta de classes, constitudo, no universo da relao capital-trabalho, por classes que manifestam a coo-

    perao antagnica. Portanto, parte daclasse trabalhadora ainda quando tenhaconscincia em si relativa alienao e ao fe-tiche, no avana rumo conscincia para si,estgio de organizao coletiva com o in-tuito de superao. Isso explicita alguns pro-

    blemas que este tema anuncia no debate la-tino-americano no sculo XXI:

    a.

    A classe trabalhadora intensamente pre-carizada e superexplorada est majoritaria-mente fora das clulas polticas de organiza-o anticapitalista; anti-imperialista, mas in-serida nas clulas de produo material eideolgica institudas pelo capital de formaintencional;

    b.Parte dessa classe trabalhadora com-posta por sujeitos que esto vinculados a c-lulas organizativas de classe (partidos pol-ticos, sindicatos, movimentos sociais), emque parte destas clulas se vincula prima-zia das reformas, relegando a segundo planoa luta anti-capitalista, anti-imperialista.c. Outra parte da classe trabalhadora se vin-cula ao debate da reforma e da revoluo ereivindica um projeto societrio de disputade poder centrado na luta anti-capitalista,anti-imperiaslista, em que o exemplo da Via

    Campesina e da Coordenadora Latinoame-ricana de Organizaes do Campo (CLOC),

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    so algumas das expresses desse tipo deluta e formao poltica.

    Entre estes trs exemplos podem ser encon-tradas perspectivas mais ou menos centra-das no ser-sentir-se latino-americanista e in-ternacionalistas. Tal situao depende tantoda conjuntura da luta de classes em cadapas, quanto do teor da formao polticamanifesta nas clulas da classe trabalhadora.Nesse sentido, reivindicar o ser-sentir-se la-tino-americano, passa por levantar algunsquestionamentos a serem tratados em textosfuturos tais como: Qual a natureza da luta declasses no territrio? Qual a trajetria hist-rica dos movimentos sociais e polticos quecompem os processos-projetos da classetrabalhadora? Quais os princpios e valorescom os quais cada movimento trabalha e efe-tua sua prxis militante?

    Breves consideraes finais

    Os dois textos abrem a possibilidade de umasrie de debates em torno da prxis reacio-nria e sua anttese a prxis emancipatria.O que ambos convocam para debater acentralidade da discusso terica que enrai-zada na prtica poltica possibilitem captar omovimento real a fim de transformar a rea-lidade latino-americana. Ao reivindicarem

    as prxis envolvidas nas disputas de classes,os textos convocam para novos debates e in-vestigaes coletivas de forte envergadura.Entre as vrias questes a serem aprofunda-das, merece destaque a centralidade daquesto agrria no debate histrico da de-pendncia da Amrica Latina, uma vez queterra e trabalho seguem como mecanismosvitais de extrao de valor e riqueza do con-tinente na forma de precarizao, avilta-mento e esgotamento do trabalho. A terra

    como composio das demais mercadoriasproduzidas no territrio para concentrar ecentralizar a riqueza em poucas mos no

    mundo; o trabalho vinculado terra comosubstncia explicativa do carter sui generisda superexplorao.

    A histria da batalha das ideias na AmricaLatina; a histria da formao social latino-americana; a atualidade de um contexto queencarna o passado ressignificado em umpresente complexo e confuso, com necessi-dade de um futuro diferente a ser protago-

    nizado politicamente pela prpria classe tra-balhadora latino-americana, eis alguns dosproblemas que somente podem ser enfrenta-dos se a postura e o projeto forem coletivos. sobre estes desafios concretos que os cole-tivos dos quais Marcelo Carcanholo e eu fa-zemos parte, relativos atualidade da TeoriaMarxista da Dependncia nos dedicamos aestudar, dialogar, repensar o pensado luz

    do nosso tempo na Amrica Latina.

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    Roberta TRASPADINI

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