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TRATADOS INTERNACIONAIS E A PARTICIPAÇÃO DAS ONGs

*

Maurício Duarte dos Santos

Resumo

O trabalho mostra a importância e a relevância da participação das Organizações Não

Governamentais no processo de elaboração de Tratados Internacionais. Com o fenômeno da

globalização, aumentou a importância da construção da Governança como meio e forma de

solução de problemas comuns, onde as ONGs têm papel importante. O trabalho apresenta

ainda casos concretos da participação de ONGs nas tratativas internacionais.

Palavras Chave: ONGs, Tratado Internacional, Governança, Globalização.

1. Considerações Introdutórias

O fenômeno da globalização vem provocando alterações significativas no mundo

contemporâneo, trazendo muitas vezes conseqüências incertas e indeterminadas para a

sociedade, além de modificar a relação entre os Estados Nacionais.

E quando falamos sobre este fato, não se deve deixar de lado a importância dos

estudos científicos sobre a mutante posição que o homem expressa quando caminha em busca

de um desenvolvimento sem fronteiras, agasalhado por esse fenômeno relativamente em

nosso mundo contemporâneo, ou seja, a Globalização1.

Dentre as ciências como Antropologia, Sociologia, Biologia, Geologia etc., o Direito

aparece com importância diferenciada quando falamos acerca de aglomeração de vontades e

opiniões que vão ao encontro do crescimento e desenvolvimento de toda humanidade. Isso

* Advogado, Mestrando em Direito Ambiental pela Universidade Católica de Santos/SP, especialista em Direito

Civil e Processo Civil pela Universidade Gama Filho RJ e em Direito do Estado pela Universidade Cândido

Mendes RJ. 1 “... Mas o conceito de globalização denota muito mais do que a ampliação de relações e atividades sociais

atravessando regiões e fronteiras. É que ele sugere uma magnitude ou intensidade crescente de fluxos globais, de

tal monta que Estados e sociedade ficam cada vez mais enredados em sistemas mundiais e redes de interação”.

(grifo nosso) HELD, David; MC Grew, Anthony. Pros e contras da Globalização. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed.,

2001, p. 12.

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porque todas as atitudes em razão de diferentes culturas, costumes, línguas, conceitos morais

ou mesmo não morais necessitam de uma base para que possam ser exercidos conforme os

direitos estabelecidos em todas as espécies de comunidades existentes em nosso planeta. E

como exercer isso de uma forma harmônica? Ou melhor, é possível realizar esta forma de

integração entre os povos?

Questões como estas são as mais árduas enfrentadas pelas ciências atuais e como foi

dito, às ciências jurídicas caberá encontrar formas para que este conjunto de comportamentos

da humanidade ande em conformidade com normas em sentido amplo. Nossa intenção aqui

não é afirmar que o Direito será a resposta para todos os problemas da humanidade, porém, a

inércia quanto sua atuação certamente favorecerá o aparecimento de soluções inviáveis.

Para que seja estabelecida a comentada harmonia, nada mais óbvio que a existência de

uma preocupação com a realização de “acordos” 2 entre os Estados e principalmente a

existência ostensiva de respeito e cumprimento dos mesmos. Essas ações conjuntas surgem,

portanto, da necessidade da articulação cada vez maior entre os Estados nacionais nos

diferentes planos – econômico, social, político e cultural – cuja importância tem sido

crescente com o processo da globalização.

A participação dos Estados na realização destas tratativas internacionais se reflete

também no campo interno, provocando freqüentemente mudanças nas políticas econômicas

nacionais ou alterações na ordem jurídica interna. Ou seja, afetam a governabilidade interna.

Mas a governabilidade não é suficiente por si só para que um Estado possa obter êxito em sua

busca pelo desenvolvimento com sustentabilidade, pois é fundamental que atue o mesmo com

critérios de governança3, sendo que esta certamente envolve aspectos correlacionados com

aplicação das decisões em sentido amplo. Ou seja, não tem como fonte apenas uma ciência

específica ou é subordinada a um só pensamento de governo, mas possui como objetivo a

2 O termo “acordos” foi utilizado em sentido literal.

3 “... a governança tem um caráter mais amplo. Pode englobar dimensões presentes na governabilidade, mas vai

além.... Dessa forma, a governança refere-se a „padrões de articulação e cooperação entre fatores sociais e

políticos e arranjos institucionais que coordenam e regulam transações dentro e através das fronteiras do sistema

econômico‟, incluindo-se ai „não apenas mecanismos tradicionais de agregação e articulação de interesses, tais

como os partidos políticos e grupos de pressão, como também redes sociais informais (de fornecedores, famílias,

gerentes) hierarquias e associações de diversos tipos” (Santos, 1997, p.342). Ou seja, enquanto a governabilidade

tem uma dimensão essencialmente estatal, vinculada ao sistema político-institucional, a governança opera num

plano mais amplo, englobando a sociedade como um todo.”( in verbis) Cf. GONÇALVES, Alcindo. O conceito de

governança. Texto apresentado no XIV Encontro do Compedi – Conselho Nacional de Pós-Graduação em

Direito. 2005. pag.3.

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integração entre todos os conhecimentos adquiridos pelo homem no decorrer de sua história

sempre buscando o equilíbrio, ou seja, o consenso entre os povos.

Governança é fundamentalmente a busca de soluções de problemas comuns, e

envolve, na sua realização, variados atores: os Estados, as Organizações Internacionais, as

Organizações Não Governamentais. Dessa forma, com a difusão desse conceito e a busca de

sua aplicação em questões concretas, os Estados acabam se conscientizando (pelo menos

teoricamente), que seus esforços solitários não são suficientes para seus anseios. Diante disso

surge a dúvida: quem poderá, diante da necessidade de estabelecer acordos entre Estados,

figurar como um dos personagens de cooperação para que os objetivos da sociedade mundial

sejam alcançados?

Certamente as organizações não governamentais (ONGs) têm sido um dos atores que

vêm exercendo este papel tanto em cenário nacional quanto internacional. O objetivo do

presente estudo é apresentar as origens tanto desta forma de “acordo” que utilizam os Estados

para pactuarem uns com os outros, ou seja, os Tratados, assim como as influências de

algumas organizações não governamentais na elaboração destes. Todo este contexto baseado

na ocorrência de alguns casos práticos.

2. O que é tratado?

Como visto, foi tomado cautela quando anteriormente usamos o termo “acordo”, pois

o mesmo no sentido técnico-jurídico internacional possui significado específico e não poderia

confundir o leitor sobre eventuais sinônimos estabelecidos com o termo técnico do Direito

Internacional, ou seja, com o Tratado. Pode-se mencionar que Tratado aparece como uma

espécie de acordo entre Nações, Estados etc., mas o que não se pode alegar é sua total

similitude com o termo acordo. Na língua portuguesa este último termo possui uma gama de

significados partindo do sentido de concordância, passando por um sentido de parceria,

atenção a algo, e chegando até mesmo ao sentido de ordem4.

4 1 Harmonia de vistas; concordância, concórdia, conformidade. 2 Convenção, convênio, tratado, pacto. 3 Tino,

reflexão. 4 Pint Acorde. 5 Dir Trab Junção, ajuste, combinação, concordância de vontades para determinado fim

jurídico. Antôn (acepção 1): desacordo, desarmonia, divergência, controvérsia, irreflexão. Pl: acordos (ô). A.

coletivo de trabalho, Dir Trab: acordo de caráter normativo, celebrado por sindicato da categoria profissional

com uma ou mais empresas da correspondente categoria econômica (CLT, arts. 617 e 618). A. expresso, Dir

Trab: aquele em que as partes manifestam verbalmente ou por escrito as vontades concordantes. A. tácito, Dir

Trab: aquele em que os atos praticados pelas partes, por suas circunstâncias, autorizam a conclusão de que,

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Já para o Direito Internacional o termo Tratado vem a ser definido na Convenção de

Viena, documento internacional de 1969 que tem como objetivo estabelecer normas sobre

tratados entre os Estados no âmbito internacional. O termo aparece já no inicio da Convenção,

em seu artigo 2º, senão vejamos:

“Artigo 2.º-Definições 1 - Para os fins da presente Convenção: Tratado designa um acordo

internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo direito internacional, quer

esteja consignado num instrumento único, quer em dois ou mais instrumentos conexos, e

qualquer que seja a sua denominação particular”5

De acordo com essa definição, a República Federativa do Brasil coaduna com esta

linha de esclarecimento sobre o assunto, senão vejamos:

“A expressão Tratado foi escolhida pela Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados

de 1969, como termo para designar, genericamente, um acordo internacional. Denomina-

se tratado o ato bilateral ou multilateral ao qual se deseja atribuir especial relevância

política. Nessa categoria se destacam, por exemplo, os tratados de paz e amizade, o

Tratado da Bacia do Prata, o Tratado de Cooperação Amazônica, o Tratado de Assunção,

que criou o Mercosul, o Tratado de Proibição Completa dos Testes Nucleares.”6

É importante destacar que os Tratados, caracteristicamente, são fontes imediatas no

cenário do Direito Internacional, pois a partir do momento que os Estados se colocam como

signatários, ou seja, se subordinando ao pactuado, estes em caso de descumprimento poderão

sofrer sanções, restrições ou atos que prejudiquem suas relações dentro do âmbito das

relações internacionais.

Isso porque todos os Tratados devem ser pautados dentro da ratificação de princípios

existentes no âmbito do Direito Internacional, pois não teria sentido a criação e existência dos

mesmos sem argüição dos Estados para que os mesmos produzissem efeitos para toda

coletividade mundial. Princípios como dignidade da pessoa humana, igualdade,

embora não declaradas expressamente, as vontades se ajustam para um mesmo fim. Dar acordo de uma coisa:

atentar nela. De comum acordo: com aprovação mútua. Não dar acordo de si: estar privado do uso dos sentidos.

Disponível em: http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-

portugues&palavra=acordo. Consulta realizada dia 23 de julho de 2008. 5 Cf.http://www.fd.uc.pt/CI/CEE/OI/Conv_Viena/Convencao_Viena_Dt_Tratados-1969-PT.htm; consulta

realizada dia 19 de julho de 2008. 6 Cf. http://www2.mre.gov.br/dai/003.html consulta realizada em 24 de julho de 2008.

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autodeterminação dos povos, soberania, liberdade, etc., estão consagrados já no preâmbulo da

anteriormente mencionada Convenção sobre Tratados7.

Outro aspecto relevante dentro de algumas características inerentes à Convenção

mencionada é o de figurarem como fontes obrigatórias dos efeitos dos Tratados os princípios

do livre convencimento e da boa fé. Ambos estão correlacionados com o instituto usualmente

conhecido no Direito Civil como da obrigatoriedade dos contratos (pacta sunt servanta) que

tem como objetivo estabelecer uma obrigatoriedade nas tratativas realizadas, comprovando

que estas são sempre realizadas com livre e espontânea vontade por parte de quaisquer que

sejam os Estados envolvidos.

No âmbito da ONU8 são produzidos vários documentos jurídicos, sobre os mais

diversos temas, podendo estes ser relacionados com direitos políticos da mulher até trabalho

escravo, de direito penal internacional à preservação da diversidade biológica, de proibição de

armas químicas a direito das crianças, e esta Organização tem como instrumentos de

integração de vontades dos Estados vários instrumentos, como Acordos, Tratados,

Convenções, Protocolo, Resoluções e Estatutos.

Cabe a nós no presente estudo analisarmos, mesmo que de forma superficial, todos

estes instrumentos, pois numa linguagem comum estes podem ser entendidos de forma

igualitária quanto aos seus significados, fato este que pode ocasionar alguns equívocos se

estivermos falando em linguagem do Direito.

O termo acordo é usado geralmente para caracterizar negociações bilaterais de

natureza política, econômica, comercial, científica e técnica e podem ser firmados entre países

ou mesmo entre um país e uma organização internacional. Ele aparece atualmente com certa

freqüência em nosso cenário, pois o Brasil, em razão do processo de globalização, seu

7 “Os Estados Partes na presente Convenção: ...Tendo presentes os princípios de direito internacional

consignados na Carta das Nações Unidas, tais como os princípios respeitantes à igualdade dos direitos dos povos

e ao seu direito à autodeterminação, à igualdade soberana e à independência de todos os Estados, à não

ingerência nos assuntos internos dos Estados, à proibição da ameaça ou do emprego da força e ao respeito

universal e efectivo dos direitos do homem e das liberdades fundamentais para todos...” Cf.

http://www2.mre.gov.br/dai/003.html consulta realizada em 24 de julho de 2008. 8 “A Organização das Nações Unidas é uma instituição internacional formada por 192 Estados soberanos,

fundada após a 2ª Guerra Mundial para manter a paz e a segurança no mundo, fomentar relações cordiais entre as

nações, promover progresso social, melhores padrões de vida e direitos humanos. Os membros são unidos em

torno da Carta da ONU, um tratado internacional que enuncia os direitos e deveres dos membros da comunidade

internacional.” Cf. http://www.onu-brasil.org.br/conheca_onu.php; consulta realizada em 24 de julho de 2008.

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crescimento e principalmente seu desenvolvimento, tem sido parte de acordos relativos a

diversos assuntos. 9

A palavra convenção costuma ser empregada para designar atos multilaterais,

oriundos de conferências internacionais e que abordem assunto de interesse geral. O

Ministério das Relações Exteriores do Brasil aborda o instrumento na sua definição,

expressando a idéia de amplitude que este instrumento possui no momento em que os Estados

busquem tratar algo entre os mesmos, sejam quais forem as tratativas. Este instrumento possui

uma característica de generalizar os atos realizados entre os Estados, contudo só aparecerá

com força obrigatória quando ratificado pelos mesmos.10

Outro termo que também possui sentido de acordo, atribuindo significado de

aprovação ou mesmo homologação, mas que não figura como Acordo propriamente dito no

cenário do Direito Internacional, é o chamado Protocolo. Este serve para designar acordos

menos formais que os Tratados, assim como é utilizado para a designação das atas finais em

conferências internacionais11

.

Em último plano devem-se apresentar mais dois institutos que compõem esta gama de

meios que possuem os Estados para realizar suas tratativas, sendo estes as Resoluções e os

Estatutos. Os primeiros funcionam com o intuito de deliberação, seja no âmbito nacional ou

9 “O Brasil tem feito amplo uso desse termo em suas negociações bilaterais de natureza política, econômica,

comercial, cultural, científica e técnica. Acordo é expressão de uso livre e de alta incidência na prática

internacional, embora alguns juristas entendam por acordo os atos internacionais com reduzido número de

participantes e importância relativa. No entanto, um dos mais notórios e importantes tratados multilaterais foi

assim denominado: Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT).” Cf. http://www2.mre.gov.br/dai/003.html;

consulta realizada em 24 de julho de 2008. 10

“Num nível similar de formalidade, costuma ser empregado o termo Convenção para designar atos

multilaterais, oriundos de conferências internacionais e que versem assunto de interesse geral, como por

exemplo, as convenções de Viena sobre relações diplomáticas, relações consulares e direito dos tratados; as

convenções sobre aviação civil, sobre segurança no mar, sobre questões trabalhistas. É um tipo de instrumento

internacional destinado em geral a estabelecer normas para o comportamento dos Estados em uma gama cada

vez mais ampla de setores. No entanto, existem algumas, poucas é verdade, Convenções bilaterais, como a

Convenção destinada a evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal celebrada com a Argentina (1980) e a

Convenção sobre Assistência Judiciária Gratuita celebrada com a Bélgica (1955).”

http://www2.mre.gov.br/dai/003.html; consulta realizada em 24 de julho de 2008. 11

“Protocolo é um termo que tem sido usado nas mais diversas acepções, tanto para acordos bilaterais quanto

para multilaterais. Aparece designando acordos menos formais que os tratados, ou acordos complementares ou

interpretativos de tratados ou convenções anteriores. É utilizado ainda para designar a ata final de uma

conferência internacional. Tem sido usado, na prática diplomática brasileira, muitas vezes sob a forma de

"protocolo de intenções", para sinalizar um início de compromisso.” http://www2.mre.gov.br/dai/003.html;

consulta realizada em 24 de julho de 2008.

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internacional, enquanto os segundos funcionam com característica de normas positivadas que

expressam os princípios que regem a organização de um Estado, sociedade ou associação.

Feitas essas definições e distinções, ainda que de forma superficial, é conveniente

observar a participação de entes não-estatais na construção destes instrumentos e sua efetiva

participação na elaboração dos Tratados. Não há duvida que, partindo-se de um processo de

Governança, a importância das organizações não governamentais (ONGs) cada vez mais

ganha espaço no cenário nacional e internacional, pois as mesmas acabam se posicionando

como ponte entre a sociedade e os Estados.

3. Organizações Não-Governamentais

Estas entidades também conhecidas por ONGs possuem como ponto inicial de

existência o fim da Primeira Grande Guerra Mundial. Desde então estão elas ganhando cada

vez mais espaço no cenário global, pois através de suas atuações as mesmas vêm tendo

influência em muitas das tratativas relacionadas a uma diversidade de temas atrelados ao

processo de organização e de comunhão dos princípios do Direito Internacional com o

cotidiano global.

Achar uma definição para este tipo de grupo representativo de alguma esfera da

sociedade vem sendo tarefa continua nos estudos sobre o tema, pois quando falamos em

ONGs as mesmas acabam sendo rotuladas não pelo que são, mas sim muitas vezes pelo que

não são, ou seja, organizações que não fazem parte, ou mesmo que não representam o

governo. O que se pode afirmar é que hoje, mais do que nunca, as ONGs possuem certa

representatividade no cenário político mundial independentemente de sua nomenclatura,

sempre ressaltando que isso se deve principalmente a tendência do mundo globalizado ser

organizado dentro de um processo de governança global.

Logo após o período da Segunda Guerra Mundial assinou-se a Carta das Nações

Unidas onde foi preceituada de forma inédita a participação das ONGs através de consulta

realizada por órgão das Nações Unidas, o Conselho Econômico e Social, conhecido pela sigla

inglesa ECOSOC. O artigo 71 do citado documento trata do assunto e nos cabe apresentar,

senão vejamos:

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Artigo 71

O Conselho Econômico e Social poderá entrar nos entendimentos convenientes para a

consulta com organizações não governamentais, encarregadas de questões que estiverem

dentro da sua própria competência. Tais entendimentos poderão ser feitos com

organizações internacionais e, quando for o caso, com organizações nacionais, depois de

efetuadas consultas com o Membro das Nações Unidas no caso.12

(grifo nosso)

Vale ressaltar que, mesmo logo após a Segunda Grande Guerra, vigorou um período

conhecido como “guerra fria”, que influenciou as ações das Nações Unidas até a queda do

muro de Berlim, ocorrida em 1989. Nesse período – 1948 a 1989 – o mundo esteve dividido

entre dois pólos, um liderado pelos Estados Unidos da América, representando as

democracias liberais ocidentais, defensoras do livre mercado, e outro sob a hegemonia da

União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, representando os países comunistas, defensoras

do socialismo de Estado.13

Esse fato veio congelar na época o processo de desenvolvimento

do cumprimento dos objetivos da ONU e conseqüentemente impôs barreiras à participação

das organizações não-governamentais no processo de governança.

Mesmo diante destes obstáculos o crescimento das ONGs ficou evidente, pois sua

possibilidade de atuação foi consideravelmente ampliada com o advento da norma que trata

especificamente de suas respectivas participações. Seus números cresceram com o aumento

de conferências realizadas pela ONU, já que estas despertaram a intenção de integração das

organizações não governamentais em se cadastrar junto aquela organização (ONU) e com isso

obter benefícios para atuações em diversas áreas, visando o estabelecimento do processo de

governança global. Como norma declaratória deste cadastramento aparece a resolução

31/1996 do ECOSOC14

.

12

Cf. http://www.onu-brasil.org.br/doc5.php; consulta realizada em 24 de julho de 2008. 13

É necessário observar que durante a guerra fria, a partir de 1949, houve a imobilização da ONU em razão de

vetos de um ou outro bloco. Somente a partir da queda do Muro de Berlim e, em conseqüência ao

reposicionamento ideológico, a organização alcançou a força decisória necessária às suas propostas iniciais.Cf.

http://www.ibrajus.org.br/revista/artigo.asp?idArtigo=28#_ftn1; consulta realizada em 25 de julho de 2008. 14

“Resolution 1996/31. Consultative relationship between the United Nations and non-governmental

organizations. The Economic and Social Council, Recalling Article 71 of the Charter of the United Nations,

Recalling also its resolution 1993/80 of 30 July 1993, in which it requested a general review of arrangements for

consultation with non-governmental organizations, with a view to updating, if necessary, Council resolution

1296 (XLIV) of 23 May 1968, as well as introducing coherence in the rules governing the participation of non-

governmental organizations in international conferences convened by the United Nations, and also an

examination of ways and means of improving practical arrangements for the work of the Committee on Non-

Governmental Organizations and the Non-Governmental Organizations Section of the Secretariat...”

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Quanto ao crescimento mencionado, vale mencionar dados que estão na tabela abaixo,

extraída de um artigo15

publicado por Karin Kässmayer – doutoranda do curso de Meio

Ambiente e Desenvolvimento da Universidade Federal do Paraná – UFPR:

Ano General Special Roster Total

1948 13 26 1 40

1968 17 78 85 180

1992 18 297 409 724

1993 40 334 410 784

1994 40 334 410 784

1995 65 406 415 886

1996 76 468 497 1041

1997 85 582 517 1184

1998 100 742 663 1505

1999 111 918 909 1938

2000 122 1048 880 2050

2001 124 1132 895 2151

2002 131 1197 906 2234

2003 131 1316 903 2350

2004 134 1474 923 2531

2005 136 1639 944 2719

2006 137 1780 952 2869

2007 139 1956 955 3050

Cumpre destacar a classificação dos elementos que figuram a tabela com o nome de

General, Special e Roster, pois nada mais são que classificações dadas às ONGs por seus

respectivos graus de participação na ONU. A primeira expressão faz menção àquelas

organizações não governamentais que abrangem maior número de áreas de concentração

distribuídas em diferentes partes do mundo e possuem suas atuações totalmente atreladas ao

campo de atuação da ECOSOC. Sua participação acaba sendo maior em razão da

possibilidade de apresentar propostas tanto oralmente quanto por escrito (até 2000 palavras) e

atender reuniões do ECOSOC.16

Já a segunda expressão é relacionada às ONGs que têm sua atuação mais limitada em

relação à categoria das Gerais (General), pois atuam somente em determinadas áreas do

ECOSOC e de seus organismos subsidiários. Não possuem capacidade de apresentar suas

15

Cf. http://www.ibrajus.org.br/revista/artigo.asp?idArtigo=28#_ftn1; consulta realizada em 25 de julho de

2008. 16

MENEZES, Fabiano L. de. Como as ONGs influenciam nos processos de negociações de tratados

multilaterais? Santos: UniSantos/Programa de Mestrado em Direito, 2006 (Dissertação de Mestrado). Cap.5.

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declarações oralmente e detêm o direito de usar somente 500 palavras no Conselho

Econômico e 1500 palavras junto aos subsidiários deste.

Para fechar esta espécie classificatória que abrange o Conselho, aparecem por último

as ONGs classificadas como Rosters, que nada mais são do que aquelas que não se

enquadram na primeira nem na segunda, pois apresentam particularidades quanto a suas

atuações. Possuem seu campo de ação mais reduzido ou detêm característica simplesmente

técnica. Estas últimas não terão direito a expressar suas declarações, sequer por escrito, pois

devem as mesmas ser consultadas pelo Conselho. Também poderão, em caráter de exceção,

apresentar suas respectivas declarações por escrito somente a pedido do próprio Secretario

Geral da ONU em conjunto com o Conselho, seu Comitê de ONGs quando estes

considerarem indispensável ou mesmo válido o trabalho desta mencionada espécie. 17

4. Algumas experiências e resultados através da participação de ONGs

Diante do espaço alcançado pelas organizações não governamentais no cenário

mundial, suas participações nos processos decisórios passaram a ser triviais em nosso

cotidiano, pois determinadas áreas que sofrem com despreparo ou mesmo omissão do Estado

acabam sendo ponto de referência para atuação destas organizações. A reunião de fatores

como a chamada “expertise”18

que possuem as ONGs figura como determinante da inclusão

cada vez maior destas organizações no processo de governança.

Diante do grau de representatividade legal que cada uma delas apresenta perante a

comunidade internacional, não restam dúvidas que a participação das mesmas é indispensável,

pois acabam estabelecendo um liame entre Estado e sociedade. Contudo, cabe ressaltar que o

aumento exorbitante dessas organizações não traz apenas experiências positivas, já que

fatores sempre presentes na história da humanidade como burocracia e corrupção surgem e

são ostensivos. Infelizmente, o ser humano não é um ser incorruptível.19

17

Cf. Resolução do Conselho Social e Econômico 31/1996, parágrafo 24. 18

“Uma habilidade intelectual que uma pessoa tem em uma área do conhecimento; Experiência, Know-how,

conhecimento apurado, especialista.”

Disponível em www.dicionárioinformal.com.br/buscar.php?palavra=expertise; consulta realizada em 19 de

junho de 2008. 19

Cf. Platão apud DURANT, Will, História da Filosofia ed. Abril cultural (s/n) 1997.

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No presente trabalho traremos de forma resumida alguns casos que se referem à

participação das ONGs no processo de decisões no âmbito do Direito Internacional e

Ambiental. Nesses casos, as ONGs fizeram com que decisões, que no passado seriam tomadas

de forma “irracional”, se tornassem decisões tomadas com fundamentos em estudos e

apontamentos apresentados por elas.

Passamos então a apresentar alguns dos casos que marcaram os cenários nacional e

internacional.

4.1 Tratado de Erradicação de Minas Terrestres

Outro fator ostensivo que acompanha o homem desde seus primórdios é a guerra, e

podemos afirmar que suas conseqüências são muitas vezes irreparáveis para a humanidade.

Como exemplo pode ser mencionada a existência de minas terrestres que mutilam milhares de

pessoas a cada ano e em muitos casos após anos do término das guerras continuam fazendo

civis de vítimas.20

Foi estabelecido em Ottawa no Canadá em 1999 um ordenamento

internacional visando banir este tipo de artefato e tal ordenamento teve como fonte de

esforços o trabalho de proveniente de Organizações Não-Governamentais.

Em 1991 diante de esforços para erradicação de minas terrestres algumas ONGs

começaram a traçar planos para que fossem extintos estes objetos de guerra. Diante das

reuniões, no ano de 1992, acabaram aquelas estabelecendo uma organização de nomenclatura

inglesa chamada ICBL (Internacional Campaign to Ban Land Mines) formadas pelo grupo de

ONGs relacionadas com os direitos humanos, veteranos de guerra, grupos consultivos de

minas entre outras.21

20

“... Das 15.000 a 20.000 pessoas que anualmente são vítimas de minas, mais de 80% são civis e, pelo menos,

uma em cada cinco são crianças, segundo a Campanha Internacional para a Proibição das Minas Terrestres. O

legado das minas permanece muito para além dos conflitos que estiveram na sua origem. Entre os países mais

contaminados do mundo estão o Iraque, o Camboja, o Afeganistão, a Colômbia e Angola.”

Disponível em http://www.unicef.pt/artigo.php?mid=18101114&m=5&sid=1810111414&cid=1506; consulta

realizada em 20 de junho de 2008. 21

“In the course of 1991, several non-governmental organizations and individuals began simultaneously to

discuss the necessity of coordinating initiatives and calls for a ban on antipersonnel landmines.

The ICBL's founding organizations: Handicap International, Human Rights Watch, Mines Advisory Group,

Physicians for Human Rights, and Vietnam Veterans of America Foundation came together in October 1992 to

formalize the International Campaign to Ban Landmines (ICBL)”. Disponível em

http://www.icbl.org/campaign/history; consulta realizada em 18 de junho de 2008.

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Com sua sede na Bélgica, cumpre destacar que o papel exercido por esta organização

se destacou ao ponto de obter como resultado de sua atuação o prêmio Nobel da Paz no ano

de 1997 por sua efetiva participação e capacidade de flexibilizar assuntos relacionados com

tema ora levantado.22

Pode-se falar que, mesmo não tendo a ratificação de países como

Estados Unidos, Rússia e China, as tratativas acerca do banimento das minas terrestres ficou

marcado como o grande ponto de partida para a participação das ONGs na elaboração de

normas internacionais, pois destas tratativas surgiu o Tratado de Banimento das Minas

Terrestres.

4.2 O caso de Incineradores de Resíduos Tóxicos23

Vale a pena mencionar aqui um caso que ocorreu em solo nacional, porém necessitou

de esforços por parte de uma ONG brasileira junto à comunidade internacional, pois a citada

organização brasileira obteve sucesso em seu objetivo depois de ter figurado numa

conferência realizada em Paris em dezembro de 1991.

O poder público do estado de Pernambuco já andava empolgado com o interesse de

um grupo de empresas européias que tinha intenção de instalar seus negócios no estado,

porém não imaginava o quanto poderia ser prejudicial para a coletividade as mencionadas

instalações. Isso porque a intenção das empresas européias era implantar sua tecnologia de

incineração de lixo no Estado de Pernambuco, mas em contrapartida a mesma destinaria seu

lixo para ser incinerado em solo pernambucano. Nada anormal até a ONG de nome ASPAN24

(Associação Pernambucana de Defesa da Natureza) apontar que o lixo que as empresas

tinham intenção de depositar em solo brasileiro continha resíduos tóxicos, o que poderia

trazer conseqüências indeterminadas a toda coletividade, em especial a daquele estado.

Com fundamento na Convenção da Basiléia de Controle de Resíduos Perigosos de

1998, a ASPAN, através de uma seleção realizada pelo governo brasileiro e o Itamaraty,

22

Idem. 23

STEINER,Andrea Quirino. As ONGs Brasileiras e sua influência na política ambiental internacional no âmbito

da ONU: método de ação.

Disponível http://seminariopolitica.t5.com.br/papers/andreasteiner.doc.; consulta realizada em 16 de junho de

2008. 24

Disponível em www.aspan.org.br; consulta realizada em 05 de julho de 2008.

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integrou uma lista de ONGs brasileiras encaminhada ao governo francês para que fizesse

parte de uma conferência internacional25

.

Esta conferência tinha como objetivo despertar a atenção da mídia nacional e

internacional para que os representantes do governo tivessem real noção do descumprimento

da Convenção de Basiléia, assim como os efeitos negativos que o eventual depósito de lixo

poderia trazer ao povo de seu estado.

Uma integrante da ONG, a bióloga, professora e pesquisadora Maria Adélia Oliveira,

foi a Paris em dezembro de 1991 participar da Conferência Raízes do Futuro. Em função de

interesses econômicos e políticos, todos os 13 municípios da Região Metropolitana do Recife,

além do Governo do Estado, seriam “beneficiados” com a destinação final dos resíduos

sólidos para incineração e um aporte financeiro do projeto para a compra de caminhões e

equipamentos para a varrição e recolhimento do lixo. Por outro lado tanto a imprensa local

quanto a nacional estavam “fechadas” às denúncias de contaminação com dioxinas, furanos e

outros “subprodutos” do processo de incineração, e também os conseqüentes impactos no

meio ambiente e na saúde da população.

Na conferência foi apresentada a mencionada situação. Não satisfeita, a professora

pesquisadora convocou entrevista coletiva com toda a imprensa especializada para que não

restassem dúvidas acerca dos resultados da sua participação. E a partir do êxito em alcançar a

mídia internacional, as notícias chegaram à mídia regional e após a pressão exercida o projeto

não foi concretizado. Em alguns meses os propositores do projeto tinham desistido diante da

resistência do Estado em conceder a Licença de Instalação (uma vez que a Licença Prévia já

havia sido concedida) para o “empreendimento”.26

Caso similar e envolvendo a mesma organização em conjunto com uma organização

baiana27

ocorreu após terem sido apresentadas irregularidades numa empresa que constava

numa lista contida na resolução nº 8/96 do CONAMA que autorizava a importação de sucata

de baterias automotivas por nove empresas para a reutilização e reciclamento das mesmas.

25

Conferência Raízes do Futuro realizada em dezembro de 1991. 26

Pesquisa realizada junto a ONG representada por seu Coordenador Executivo Alexandre Araújo dia

18/08/2008 através de [email protected] 27

Grupo ambientalista-GAMBÁ

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Mais uma vez com fundamento na Convenção da Basiléia e forte articulação das ONGs a

intenção dos agressores não perdurou, pois alguns dias depois foi revogada.28

4.3 A UICN29

e sua influência na Convenção sobre Diversidade Biológica

A Convenção Sobre Diversidade Biológica foi assinada por 175 países, dos quais 168

a ratificaram, incluindo o Brasil. Seu alcance vai além da conservação e utilização sustentável

da diversidade biológica. Ela abrange, também, o acesso aos recursos genéticos, objetivando a

repartição justa e equitativa dos benefícios gerados pelo seu uso, incluindo a biotecnologia.

Esta estabelece objetivos a serem atingidos pelas Partes (países que a assinaram). Cabe às

Partes determinar a programação para proteger e usar sua biodiversidade de uma maneira

sustentável para não comprometer, hoje, a possibilidade de seu uso amanhã.30

A União Internacional para Conservação da Natureza (UICN)31

, organização com sua

sede em Gland, Suíça, abrange mais de uma centena de países e tem sua atuação totalmente

voltada para aplicação de idéias relacionadas à proteção do meio ambiente e influenciou de

forma concreta32

o estabelecimento normativo da Convenção sobre Diversidade Biológica.

Seu principal objetivo, de forma resumida, é alcançar metas estabelecidas para os próximos

anos, sempre visando o desenvolvimento sustentável.

4.3.1 Protocolo de Cartagena

Este figura como exemplo de insucesso entre as organizações ambientais que seguem

rigorosamente o princípio da precaução33

, pois no ano de 2007 foi realizado em Curitiba um

encontro onde se tentou, através do manifesto de movimentos sociais e organizações não

governamentais, afastar a possibilidade do uso dos alimentos transgênicos. Devido à defesa de

28

“O Brasil já havia ratificado a Convenção da Basiléia através do Decreto Legislativo n. 34 de 16/06/92, e com

Resolução CONAMA n.23 de 12/12/96 estabeleceu os mesmos critérios da Convenção para importação e

exportação de resíduos perigosos e para classificação destes resíduos” STEINER.ob.cit. 29

“The International Union for Conservation of Nature” 30

Cf. http://www.mma.gov.br/port/sbf/chm/cdb/cdb.html; consulta realizada em 05 de agosto de 2008. 31

Cf. http://cms.iucn.org/; consulta realizada em 12 de agosto de 2008. 32

LE PRESTRE, Philippe Ecopolítica Internacional trad. Jacob Gorender Ed. Senac, São Paulo, 2000. pag.141. 33

“precaução é substantivo do verbo precaver-se (do latim prae = antes e cavere = tomar cuidado), e sugere

cuidados antecipados, cautela para que uma atitude ou ação não venha resultar em efeitos indesejáveis”.

MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, prática, glossário. 3 ed. rev. atual e ampl. São

Paulo: RT, 2004. pag. 144.

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argumentos principalmente econômicos, os protestos acabaram esquecidos e até hoje seguem

cada vez mais os negócios envolvendo esta espécie de alimentos.34

4.4 Tribunal Penal Internacional

O Tratado de Roma, que prevê a criação do Tribunal Penal Internacional vinculado à

Organização das Nações Unidas (ONU), foi aprovado em 17 de julho de 1998 por uma

maioria de 120 votos a favor, 7 em contrário (da China, Estados Unidos, Filipinas, Índia,

Israel, Sri Lanka e Turquia) e 21 abstenções. No dia 11 de abril de 2002, o Tratado alcançou

66 ratificações, ultrapassando o número de adesões exigido para sua entrada em vigor. O

Brasil assinou o pacto em 12 de fevereiro de 2000, ratificando-o em 12 de junho de 2002,

depois de aprovado pelo Congresso Nacional, tornando-se o 69º Estado a reconhecer a

jurisdição do TPI.

A nova Corte, sediada em Haia, na Holanda, tem competência para julgar os

chamados crimes contra a humanidade, assim como os crimes de guerra, de genocídio e de

agressão. Sua criação constitui um avanço importante, pois esta é a primeira vez na história

das relações entre Estados que se consegue obter o necessário consenso para levar a

julgamento, por uma corte internacional permanente, políticos, chefes militares e mesmo

pessoas comuns pela prática de delito da mais alta gravidade. Até agora, salvo raras exceções,

estas pessoas têm ficado impunes, especialmente em razão do princípio da soberania35

.

Vale salientar que o tratado supracitado foi criado pela junção de pretensões de

organizações não governamentais internacionais como a Anistia Internacional, a Humans

Rights Watch, e o World Federalism Movementent; juntas formaram uma coalizão no ano de

1995 pela qual objetivavam o fim da impunidade àqueles que praticarem atrocidades,

principalmente em guerras, caminhando ao contrário do que pressupõem os princípios do

Direito Internacional.

Sediada em New York, mas com sedes distribuídas em quase todos os continentes, a

Coalizão tem a participação efetiva de mais de 2000 ONGs, sendo estas de várias localizações

34

STEINER. Ob.cit. 35

LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo. O Tribunal Penal Internacional: de uma cultura de impunidade para uma

cultura de responsabilidade Disponível em http://www.scielo.br/pdf/ea/v16n45/v16n45a12.pdf; consulta

realizada em 15 de agosto de 2008.

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no globo, assim como de diversos segmentos, entre eles os que defendem os direitos

humanos, das mulheres, crianças, das vítimas em atrocidades decorrentes de efeitos naturais

ou provocadas por humanos etc.36

5. Considerações Finais

1) Está claro que a criação das ONGs é de total importância quando falamos na

construção do processo tanto de governabilidade quanto principalmente no

processo de governança. Elas trazem como novidade as características de

flexibilidade e diálogo com os responsáveis pela elaboração das espécies

normativas de caráter internacional. No caso da elaboração dos tratados, isso é

especialmente importante uma vez que estes na sua essência preceituam na grande

maioria das vezes direitos e garantias fundamentais da humanidade.

2) Diante dos exemplos trazidos no presente estudo pode-se mostrar que a busca pela

realização efetiva de princípios como da cidadania, dignidade da pessoa humana,

entre outros previstos tanto em nossa Lei Maior quanto no ordenamento

internacional público, é realçado pelo trabalho respeitável realizado por grande

parte das organizações não governamentais. Como mencionado na introdução, as

ONGs vêm para suprir, muitas das vezes, a omissão na prestação de serviços que o

Estado acaba sendo sujeito ativo.

3) Ficou evidente que o grande marco para a real efetivação da competência das

ONGs ficou estabelecido com o advento do artigo 71 da carta das Nações Unidas,

que proporcionou um enorme crescimento na aparição deste tipo de organizações,

mas acabou dando margem a algumas dúvidas quanto a esta possibilidade.

4) Tanto o Tratado de Erradicação de Minas Terrestres quanto o de Roma que

instituiu o Tribunal Penal Internacional restarão na história da humanidade como

atos que são frutos de um trabalho originado de algumas partes da sociedade que

ao se reunirem conseguiram atingir seus objetivos visando o bem da coletividade.

36

MENEZES. Ob cit.Cap.5

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5) É preciso deixar claro que a atuação das ONGs deve ser analisada de forma muito

cautelosa, pois as mesmas podem e têm poder de proporcionar resultados

amplamente positivos assim como, se forem no sentido contrário de princípios

éticos e morais, podem apresentar resultados com efeitos totalmente negativos à

coletividade.