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Relato de caso | Case report Como citar este artigo: Pompeia LE, Rossetti RM, Faria PR, Ortolani CLF, Faltin Jr K. Tratamento de mordida aberta anterior com terapia miofuncional – relato de caso. Orthod. Sci. Pract. 2017; 10(37):75-81. DOI: 10.24077/2017;1037-01700275. Tratamento de mordida aberta anterior com terapia miofuncional – relato de caso Myofunctional therapy as treatment for anterior open-bite – case report Livia Eisler Pompeia 1 Roberta Maia Rossetti 2 Paulo Rogerio Faria 3 Cristina Lúcia Feijó Ortolani 4 Kurt Faltin Junior 5 1 Mestranda em Odontologia – Clínica Infantil – UNIP. 2 Especialista em Ortodontia, Cirurgiã-dentista. 3 Especialista em Ortodontia e Ortopedia funcional, Especialista em Homeopatia, Cirurgião-dentista ( in memoriam). 4 Mestre em Diagnóstico em Odontologia, Doutora em Diagnóstico em Odontologia, Professora Titular da Pós-Graduação – UNIP. 5 Doutor em Ortodontia e Ortopedia Facial, Professor Titular da Pós-Graduação em Odontologia – UNIP. E-mail do autor: [email protected] Recebido para publicação: 29/06/2016 Aprovado para publicação: 26/08/2016 Resumo A mordida aberta anterior pode ser definida como uma discrepância no sentido vertical, na qual há ausência de contato entre os incisivos enquanto em relação cêntrica. É considerada uma má oclusão multietiológica e, dependendo da fase em que é diagnosticada e tratada, apresenta prognóstico desfavorável, culminando em resultados menos estáveis. É uma má oclusão frequente na população infantil e, atualmente, há inúmeras opções de tratamento, dentre eles o Myobrace ® , aparelho miofuncional. O objetivo deste artigo consiste em abordar alguns aspectos técnicos sobre esse dispositivo, seguindo-se da apresentação de um caso clínico que descreve o tratamento de uma paciente do sexo feminino, em fase de crescimen - to, apresentando mordida aberta anterior, cujo tratamento foi realizado exclusivamente com terapia miofuncional (Myobrace ® K1, K2 large, I2 e K2 large), por um período de aproximada - mente 6 anos. Após este período, pode-se observar a correção da mordida aberta anterior e funções como deglutição e fonação normalizadas e estáveis. Descritores: Mordida aberta, terapia miofuncional, Ortodontia interceptora, crescimento e desenvolvimento. Abstract Anterior open-bite is defined as a vertical discrepancy, in which the upper and lower inci - sors lack contact while in centric relation. It is considered to be a multi-etiological malocclu - sion with unfavorable prognosis culminating in poorly stable results, depending on how late diagnosis and treatment take place. It is a frequent malocclusion among growing patients, to which there are countless treatment options, being the Myobrace ® myofunctional appliances one of them. The article covers a few technical aspects of said appliances, followed by a case report on the anterior open-bite treatment of a growing female, using myofunctional therapy exclusively (Myobrace ® K1, K2 large, I2 and K2 large), for approximately 6 years. As result, anterior open-bite correction may be observed as well as normal and stable speech and swal - lowing functions. Descriptors: Open bite, myofunctional therapy, interceptive Orthodontics, growth and development. Orthod. Sci. Pract. 2017; 10(37):75-81.

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Relato de caso | Case report

Como citar este artigo: Pompeia LE, Rossetti RM, Faria PR, Ortolani CLF, Faltin Jr K. Tratamento de mordida aberta anterior com terapia miofuncional – relato de caso. Orthod. Sci. Pract. 2017; 10(37):75-81. DOI: 10.24077/2017;1037-01700275.

Tratamento de mordida aberta anterior com terapia miofuncional – relato de caso

Myofunctional therapy as treatment for anterior open-bite – case report

Livia Eisler Pompeia1

Roberta Maia Rossetti 2

Paulo Rogerio Faria 3

Cristina Lúcia Feijó Ortolani 4

Kurt Faltin Junior 5

1 Mestranda em Odontologia – Clínica Infantil – UNIP.2 Especialista em Ortodontia, Cirurgiã-dentista.3 Especialista em Ortodontia e Ortopedia funcional, Especialista em Homeopatia, Cirurgião-dentista ( in memoriam).4 Mestre em Diagnóstico em Odontologia, Doutora em Diagnóstico em Odontologia, Professora Titular da Pós-Graduação – UNIP.5 Doutor em Ortodontia e Ortopedia Facial, Professor Titular da Pós-Graduação em Odontologia – UNIP.

E-mail do autor: [email protected] para publicação: 29/06/2016Aprovado para publicação: 26/08/2016

ResumoA mordida aberta anterior pode ser de�nida como uma discrepância no sentido vertical,

na qual há ausência de contato entre os incisivos enquanto em relação cêntrica. É considerada uma má oclusão multietiológica e, dependendo da fase em que é diagnosticada e tratada, apresenta prognóstico desfavorável, culminando em resultados menos estáveis. É uma má oclusão frequente na população infantil e, atualmente, há inúmeras opções de tratamento, dentre eles o Myobrace® , aparelho miofuncional. O objetivo deste artigo consiste em abordar alguns aspectos técnicos sobre esse dispositivo, seguindo-se da apresentação de um caso clínico que descreve o tratamento de uma paciente do sexo feminino, em fase de crescimen -to, apresentando mordida aberta anterior, cujo tratamento foi realizado exclusivamente com terapia miofuncional (Myobrace ® K1, K2 large, I2 e K2 large), por um período de aproximada -mente 6 anos. Após este período, pode-se observar a correção da mordida aberta anterior e funções como deglutição e fonação normalizadas e estáveis.

Descritores: Mordida aberta, terapia miofuncional, Ortodontia interceptora, crescimento e desenvolvimento. Abstract

Anterior open-bite is de�ned as a vertical discrepancy, in which the upper and lower inci -sors lack contact while in centric relation. It is considered to be a multi-etiological malocclu -sion with unfavorable prognosis culminating in poorly stable results, depending on how late diagnosis and treatment take place. It is a frequent malocclusion among growing patients, to which there are countless treatment options, being the Myobrace ® myofunctional appliances one of them. The article covers a few technical aspects of said appliances, followed by a case report on the anterior open-bite treatment of a growing female, using myofunctional therapy exclusively (Myobrace® K1, K2 large, I2 and K2 large), for approximately 6 years. As result, anterior open-bite correction may be observed as well as normal and stable speech and swal -lowing functions.

Descriptors: Open bite, myofunctional therapy, interceptive Orthodontics, growth and development.

Orthod. Sci. Pract. 2017; 10(37):75-81.

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IntroduçãoO termo “mordida aberta” foi usado pela primeira

vez por Caravelli (1842) para descrever um tipo de má oclusão. Porém, este distúrbio de desenvolvimento tem sido descrito de muitas maneiras diferentes e, portan -to, o presente estudo se referiu a ele como ausência de contato entre incisivos anteriores em relação cêntrica, como preconizado por Artese et al. 2 (2011).

Uma extensa revisão bibliográ�ca 1,4,12,14,20,23,25,26 mostra ser a mordida aberta anterior uma má oclusão multietiológica e de difícil tratamento e estabilidade. Entretanto, estudos clínicos conduzidos com crianças apresentaram resultados muito mais satisfatórios e com maior sucesso no ganho de estabilidade quando comparados a estudos com pacientes adultos 1.

É fundamental salientar que o não tratamento da mordida aberta anterior poderá desencadear uma sé -rie de problemas �siológicos decorrentes de alterações dentárias e esqueléticas, assim como um desequilíbrio estético facial, podendo causar uma diversidade de questões psicológicas6.

A prevalência da mordida aberta anterior (MAA) pode variar conforme a idade, etnia e conexão com hábitos de sucção não nutritivos, respiração bucal e interposição de língua. No entanto, uma revisão de trabalhos anteriores demonstra que 17 a 36% dos pa -cientes que buscam tratamento ortodôntico apresen -tam algum grau desta má oclusão 3,18,27 .

Etiologicamente, a MAA está claramente relacio -nada a hábitos de sucção não nutritivos, tais como a sucção digital e o uso de chupeta 11. Pro�t et al. 13 (2014) estabeleceram uma relação entre tais hábitos disfuncionais e o aparecimento de interposição lingual. Seu trabalho ainda relaciona o formato da MAA ao tratamento e prognóstico. De acordo com seus acha -dos, quanto mais circular e circunscrita é a estrutura da má oclusão, maior sua ligação com hábitos de sucção não nutritiva e, por conseguinte, mais passível ao tra -tamento. Almeida et al. 1 associaram as causas da MAA à irrupção incompleta dos dentes anteriores e também a alterações linfoides da orofaringe, responsáveis pelo abaixamento e projeção da língua.

Outros estudos demonstraram que a remoção dos hábitos de sucção até os 4 anos de idade é e�cien -te quando se leva em consideração a autocorreção da MAA 1,3,6,16,18,24 . A persistência de tais hábitos, no en -tanto, pode causar protrusão dos incisivos superiores, prejudicando o selamento labial nas posições de repou -so ou deglutição, ou ambas, o que, invariavelmente, faz com que a língua se projete para frente a �m de conseguir um correto vedamento para a mecânica da deglutição. O surgimento do espaço interarcos da MAA também relaciona-se com problemas de fonação. Tomita et al. 24 (2000) estudaram 2.139 crianças entre 3-5 anos de idade e concluíram que a persistência de

hábitos não funcionais após os 3 anos potencializam as causas de problemas oclusais 24.

Muito embora ainda não haja um consenso sobre o momento correto de interceptar uma má oclusão, achados da literatura mostraram que a interceptação precoce de certas condições, dentre elas a MAA, pode simpli�car e encurtar o tratamento, além de conquistar resultados mais estáveis 11.

Este trabalho foca na intervenção precoce da MAA, utilizando um aparelho miofuncional com diferentes prescrições, comercializado com o nome de Myobra-ce® . Por de�nição, o tratamento miofuncional consiste na estimulação ou inibição da atividade de músculos mastigatórios e/ou faciais, com o objetivo de modelar ou remodelar os ossos da mandíbula e maxila, equili -brando a relação entre eles, e de ambos com o siste -ma craniofacial (SCF). O objetivo deste relato de caso é abordar os dispositivos miofuncionais sob um ponto de vista de seu funcionamento técnico, considerando-se que o alinhamento dentário não é o principal objeti -vo da aplicação desta técnica, no entanto, ele ocorre como consequência de induzir os músculos a trabalha -rem corretamente 17.

Relato de casoPaciente CP, leucoderma, gênero feminino, 9 anos

e 5 meses de idade, procurou tratamento por apre -sentar mordida aberta anterior. Constatou-se hábito de sucção de chupeta e mamadeira e respiração bucal característica. Na análise facial, em norma frontal, veri -�cou-se o terço inferior levemente aumentado, hipoto -nicidade do mento e laterognatismo direito. Em norma lateral, observou-se per�l facial levemente convexo e ângulo nasolabial aberto (Figura 1A-B). Na análise den -tária, observou-se relação molar de Classe II, divisão 1, subdivisão direita, com mordida aberta anterior dentá -ria de 8 mm e mordida cruzada posterior no lado direi -to, devido a uma moderada atresia de maxila (Figuras 2A-B e 5), bem como moderado desvio de linha média. No exame funcional, veri�cou-se interposição lingual durante repouso e fonação (Figura 3), deglutição atípi -ca e má postura de cabeça.

Plano de tratamentoO tratamento foi feito utilizando sequências de

aparelhos Myobrace® , iniciando com ajuste oclusal na bateria posterior e pistas diretas de Planas nos molares decíduos, concomitante ao uso do Myobrace® K1 ma -cio para correção de hábitos (Figura 4).

Foi recomendada à paciente uma série de exercí -cios miofuncionais para respiração, reposicionamento de língua e relaxamento dos músculos mentonianos. Após 8 meses, foi instalado um Myobrace® K1 médio, o qual foi utilizado por 11 meses. Seguiu-se com o apa -relho Myobrace® K2 large , usado por mais 8 meses.

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Dando sequência ao tratamento, instalou-se o Myobrace® I2 (Figura 7A-C) e, após 32 meses (Figura 6A-C), insta -lou-se novamente o K2 large . De acordo com o proto -colo sugerido pelo fabricante, cada fase do tratamen -to estende-se por um período de aproximadamente 6 meses. No entanto, o tempo para o tratamento deste caso clínico foi mais longo do que o preconizado pela técnica devido às faltas em consulta e não assiduidade da paciente à terapia.

Os dispositivos do sistema Myobrace® foram proje -tados combinando características de outros aparelhos ortopédicos funcionais desenvolvidos por autores res -peitados do passado (Bionator, Monoblock, Frankel, Simões, Bimler e outros) e são capazes de promover crescimento e desenvolvimento sagital, transversal e vertical, se corretamente utilizados. Para todos os aparelhos do sistema, é recomendado um uso de 1-2 horas durante o dia e outras 10-12 horas durante o sono. A manutenção contínua das ações musculares pode produzir efeitos positivos no SCF 8,9 . Os tipos de dispositivos aplicados para o tratamento da MAA neste caso funcionam como trainers, agindo no reequilíbrio e

desenvolvimento do SCF, tanto transversal, como lon -gitudinal e vertical.

A principal função do Myobrace® de interesse des -te estudo é servir de guia para o crescimento vertical e, assim, promover o fechamento da mordida aberta anterior. O aparelho possui uma aba lingual para esti -mular o correto posicionamento da língua em repou -so, importante ferramenta na remoção do hábito da interposição. Em um primeiro momento, impedir que a língua se posicione entre os incisivos superiores e in -feriores, estimula a reirrupção dos dentes incompleta -mente erupcionados, seguindo o processo de erupção secundária, com desenvolvimento dentoalveolar na porção anterior da maxila. Sob um ponto de vista mais complexo, a correção da posição de repouso da língua melhora o posicionamento do osso hioide, diminuindo a força muscular do digástrico anterior sobre a mandí -bula, no sentido de a rotacionar para trás e para bai -xo. Os trainers podem, de fato, estimular uma rotação anti-horária da mandíbula, tanto que Usumez et al. 26 (2004) relataram em seu trabalho, uma signi�cativa re -dução dos ângulos FMA e SnGoGn.

Figura 1 (A-B) – Vista do paciente ao início do tratamento: A) B) frontal.

Figura 2 (A-B) – A) vista frontal da MAA ao início do tratamento. Nota-se desvio de linha média e B) vista lateral esquerda.

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Figura 3 – Interposição de língua durante deglutição. Figura 4 – Paciente com aparelho Myobrace® K1 em posição.

Figura 5 – Fase inicial do tratamento. Vista lateral direita da MAA com mordida cruzada posterior por atresia da maxila.

Figura 6 (A-C) – Myobrace® K2: A) vista lateral direita, B) Vista frontal e C) vista lateral esquerda.

Figura 7 (A-C) – Aparelho Myobrace® A2 (antigo I2) instalado: A) vista lateral direita, B) Vista frontal e C) vista lateral esquerda.

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ResultadosAnalisando a arcada dentária, observou-se corre -

ção da mordida aberta anterior, com descruzamento da mordida e correção da Classe II do lado esquerdo e da linha média. Nota-se ainda um leve overjet do ele -mento 11 e mesialização do 13, ambos com planeja -mento de correção com ortodontia �xa, apenas para pequenas correções de alinhamento (Figura 8A-C). O

exame extrabucal demonstrou reti�cação do per�l, melhora no ângulo nasolabial e melhora na ativida -de muscular do sistema craniofacial. A assimetria foi suavizada, mas ainda persiste, possivelmente por dis -crepância muscular devido ao crescimento enquanto a mordida estava cruzada (Figura 9A-B).

Figura 8 (A-C) – Myobrace® A2: A) vista lateral direita, B) Vista frontal e C) vista lateral esquerda.

Figura 9 (A-B) – Paciente após a te-rapia miofuncional: A) B) frontal.

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DiscussãoNahoum10 (1975) classi�ca a mordida aberta an -

terior como dentária ou esquelética. A MAA dentária é comumente associada a hábitos parafuncionais e, tanto o exame clínico quanto o cefalométrico do pa -ciente, demonstram boas proporções faciais e cresci -mento vertical equilibrado. Por outro lado, o exame intraoral destes pacientes aponta incisivos protruídos e dentes anteriores em infraoclusão, devido à de�ciência alveolar vertical ou extrusão de dentes posteriores, ou ambos. Já os pacientes com MAA esquelética são ca -racterizados por um considerável desequilíbrio facial, dada a incompatibilidade entre as bases da maxila e mandíbula, o que pode ser veri�cado clínica e radiogra -�camente. Estudos cefalométricos da MAA esquelética frequentemente apontam os ângulos goníaco e do pla -no oclusal aumentados, rotação anti-horária do plano palatal e rotação horária da mandíbula.

Como comentado anteriormente, os dispositivos deste sistema são capazes de equilibrar o SNM e guiar um correto crescimento e desenvolvimento transversal, longitudinal e vertical da face. Longitudinalmente, ob -serva-se o crescimento como resultado do tratamento com o trainer, devido ao posicionamento da mandíbula e maxila em relação de Classe I sagital. Estudos rela -tam12,22 que, na posição de topo a topo (ou mais mesial à habitual), os músculos masseter, pterigoide medial e pterigoide lateral se alongam e sua irrigação sanguínea diminui por consequência da redução no calibre das veias; a remoção do aparelho da boca, após horas de uso, aumenta o �uxo de sangue para os músculos, o que carrega aos músculos células indiferenciadas com a habilidade de se diferenciarem em mioblastos, que produzem novas �bras musculares. Ainda, a inserção do músculo pterigoide lateral ao côndilo mandibular Po

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tem um importante papel no desenvolvimento do SCF no sentido de que ela faz com que o conjunto formado por côndilo, cápsula articular e disco interarticular da articulação temporomandibular (ATM), se mova para frente, distendendo o calço retrodiscal, ou zona de Zenckel, o que causa a liberação de fatores de cres -cimento através da circulação, estimulando o cresci -mento e desenvolvimento mandibular por ossi�cação endocondral.

Para a promoção do crescimento transversal, o trainer conta com um escudo vestibular que mantém a mucosa jugal fora de contato com a superfície vestibu -lar dos dentes posteriores, aliviando as forças aplicadas pelos músculos bucinadores, as quais são comprovada -mente aumentadas em pacientes com hábitos de suc -ção digital e/ou interposição lingual 8. A neutralização de forças jugais contra os dentes posteriores permite que a língua pressione livremente sobre as superfícies linguais dos dentes posteriores, promovendo desenvol -vimento dentoalveolar15. Os escudos vestibulares tam -bém têm a função de alongar os músculos bucinadores e orbiculares dos lábios, criando uma zona de tensão, o que, como postulado por Frost 4 (2004), gera cresci -mento por aposição.

Além dos supracitados, efeitos positivos também podem ser alcançados sobre o selamento labial, atra -vés do toque da mucosa interna do lábio inferior pelo escudo externo do trainer. Stavridi;Ahlgren 21 (1992) re -portaram que tal toque inibe a atividade dos músculos mentonianos, causando maior atividade do músculo orbicular do lábio e promovendo um velamento labial sem que o paciente precise forçar o lábio inferior em direção ao superior 21.

Finalmente, o presente artigo teve como objetivo expor um caso de interceptação da MAA com Myo-brace for JuniorsTM e Myobrace for KidsTM e sugerir o uso da técnica com o dispositivo miofuncional entre os pro�ssionais no Brasil, o que traria importantes reper -cussões sociais. O Brasil é um país em desenvolvimen -to, com população de mais de 200 milhões de habitan -tes, cerca de 20 milhões de crianças entre 5 e 9 anos 7. De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde Bucal de 2010 19,28 , 33% desta população demonstra algum tipo de má oclusão, 18% consideradas severas ou muito severas. A mesma pesquisa relata que apenas um ter -ço das crianças em fase de crescimento tem acesso a tratamento odontológico em geral, mas quase 60% delas precisam contar com recursos para atendimento particular. Um programa de tratamento ortodôntico e ortopédico está sendo lentamente implementado ao SUS, inclusive utilizando aparelhos miofuncionais com apenas 17,5% de resultados insatisfatórios 5. Contudo, infelizmente tal modalidade de tratamento ainda não atende a um número signi�cante de pacientes. Consi -derando estes números, o sistema trainer poderia ser uma ferramenta e�caz no tratamento da má oclusão

na dentição mista, especialmente de pacientes de baixa renda, já que ele representa uma técnica consideravel -mente mais barata, quando comparado a outros trata -mentos ortopédicos.

ConclusãoO sistema trainer pode ser uma excelente ferra -

menta no tratamento de más oclusões em pacientes em crescimento, sobretudo quando se objetiva a cor -reção de hábitos e postura que inter�ram no equilíbrio do SNM, mas também mostrou-se efetivo para corre -ções ósseo-dentárias, assim como qualquer outro apa -relho ortopédico funcional.

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