Os territórios existenciais dos moradores de rua de BH (artigo, MarianaMendes)
trechos existenciais, bruno nobru
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Transcript of trechos existenciais, bruno nobru
t r e c h o sexistenciais
bruno nobru(jun-out, 2007)
prelúdio
amanhã bem cedomeu pensamento vai plantar bananeiras no ar
quero um chocolate quente passando em meu pescoço
e ter tempo para a pesca..fisgar pessoas que passam pela rua
corações brilhantes pulsam no ar muita cor azul, verde e lilástudo alegre, indo e vindo tudo em volta à brilhar
tempo para a cor para o somo silêncioe o retornar
pássaros guardam queijo mineiro em suas geladeiras
me poupartêm me tornado cotidiano
cada vez mais gastar menoscom qualquer coisa me poupar mesmonão me gastarà qualquer coisa à qualquer um..
cada vez mais menos esforço menos palavras menos saliva
cada vez maisforte comigo mesmo
matar pernilongosdestruir os que me destroem
os que me picamos que querem me sugar
roupas passeiam nas ruas
as palavras saem do papelas palavras hão de sair do papel
e voar...
a aposta é um risco
a vida,a gente acaba tendo que ir vivendo pra sacar qual é a dela
eu me faço o que sou a cada momentocada passo construo a mim mesmo e crio cultura meu passado é minha culpa
eu sou o seu "não ser"ou tal-vez o meu "não ser" ?
ando me desconhecendo e me reconhecendo- em mutação -mas ainda carrego
alguns "eus" que habitaram em mim
minha poesia é anti-poética anti-rima e anti-éticaanti todas essas tralhasque algus fizeram pra ganhar dinheiro da gente
tudo o que faz mais rico em dinheiroo faz mais pobre em vida e em força
tudo que o movimenta para ter statuso faz mais obediente e controlado
minha poesia é ácidaquer derreter a noção de comum e qualquer tentativade formar seresem regras pré-estabelecidas
minha arte é o riscoaposta na vida e não na mortenas diferenças e não nas corriqueirasna transformação e não na manutenção ela é a mosca que pousa na tua sopae você come ela enquanto não cospe
rima com sujeira com dor de doença ar de diferente
lança tua cara ao contráriopra que teu olho observe o funcionamento
- falando nisso,você já se tocou hoje?
rasga tua cegueira e olha pro teu entorno vê que uns querem leite e outros merdae qual você quer? qual-quer?vê se teu leite não é tua merda..quanto tempo perdeu escutando nirvana e quanto ganhou?
compra tua sorte por 1,99?distribui tua pele gratuitamente:teu corpo, tua paciência e tua alma?
as coisas vão sempre bem até que os outros aparecem
tantos outrosque atrapalham...
e são sempre eles esses lentos pitorescosfaladores e pouco fazedores
são sempre eles os julgadorese tábuas de valores que me dizemquando estou erradoporque pra mim estou sempre certo
se eles fossem eu tudo estaria ótimo
como não são continuo sendo este errado que sou
a gente pensa que sabe como a gente é acha que se conhece e que sabe como vai agir em cada situação e se esquece que a vida é muda
e que a gente muda...
depois percebe que não adianta muito saber porque cada situação é uma e cada momento leva a um
outro movimento...
momento sereno leve suspiroolhar me profunde afunda em tiinstante silêncio se ando ou ficovou percebernum simples olhar semblante resposta
passa o tempo muda a rotavai o momento seca o riobela palavra abraço internointeiro
- indivíduo –ser tão desapropriado de si
tal como o país desligado de sua cultura e história
lançado a dester-se
sua cultura é apagada todos os dias e sua história é o momento de mercado
sem sentido e sem projeto de vidapara servir ao que aparecer
objetivo do mercado criar seres sem sentido de vida
para que a venda de produtos e mão-de-obras possa guiá-los para onde for
esse processo torna-se desapropriação em massa
trechospaisagísticos1
a escrita é o paio relógio é o corte o escrever o entea caneta o refém
acho péssimo ter que pensar igual genteesse ser burocrático que o humano se tornou
os seres humanos, tal como os dinossauros, foram extintos não há mais tempo pra liberdadepro respeito, pra vida
minhas roupas devem me servir e não eu servir elas..
quer voar? cria asas!qual o seu nível de pudor?
eles são eu..tanta coisa que se esquece de si
uma vida mais ou menosum trabalho mais ou menos uma distração mais ou menos o receio do medodo arrependimento da demissão
eis o homem,que cede aos seus "semelhantes" e a si mesmo tambémque possui fraquezas que o desapropria
chego em casa tiro a roupa,fico de cueca e essa pança boba e o resto do que ficou por lá
trechospaisagísticos2
muitos passados se revivem no dia-a-dia
e, se o relógio estiver sempre errado?
as coisas não têm medo delas mesmas as coisas são de ninguém;
há coisas no ar para serem pescadas muitas andam por aí,dum lado pro outroalgumas bem perto de mim
poucos os que merecem minha atenção quanto mais o meu aperto de mão
desprezo os que antipatizoe antipatizo os que antipatizopor diversos fatores e circunstâncias antipatizo e pronto,nem tô com saco pra escrever o por quê antipatizo e ponto.
estou para-além deste texto para cuspirpularcriar cultura e voar...
1. paisagens
e como eu queria escrever o ato fez-se e aqui estou, não só eu mas outros eus também, inclusive os que não estão. ontem estava pensando, sacando e sentindo o que denominei por 'paisagens': que se estabelecem num conjunto de imagens, sons, idéias, sentimentos, momentos, cores, odores, etc. sendo a relação destas um momento único, momento este pelo qual se vivencia diversas vezes e todos os dias. alguns com mais intensidade e outros menos; tratam-se de configurações complexas que não se nomeiam nem se categorizam por completo, também não há o que se julgar ou discriminar. nelas contêm o que há e o que não há, para o além do que se escuta, sente, vê, cheira, escreve, ...
cada paisagem realiza-se num todo pseudo-particionado e subjetivo; onde as palavras que tento utilizar para descrevê-lo são imperfeitas e ideais de coisa. descrever qualquer paisagem é um ato ingênuo, pois ela se vivencia: é uma experiência, não um conceito. as palavras são usadas na intenção de intensificar vivências, não para guarda-las como um sábio-tolo.
na arte, a paisagem pode ser associada às performances, onde se entrelaçam ações improvisadas: mixando poesias, sons, danças, apresentações teatrais, pressupostos conceituais, ... o que a torna uma arte de paisagens, cenas complexas, multi-fatores, rizomas e reações.
um de meus eus percebe o quanto tenho eus que são meus e eus que não são meus. do que se lê, o primordial é o que se aplica na vida e não é somente o que se vivencia; é isto inicialmente, para depois ser mais e mais forte até tornar-se outro.
quanto as revoluções tecnológicas e vivencias atuais, como muito mudou e muito permaneceu, o que permaneceu se mantêm distante e o pragmatismo da linguagem mantêm paradigmas que já não correspondem com as paisagens e não se codificam da mesma maneira.
perna cheia de picadas de insetos, pés sujos: acabei de lavá-los no tanque. o escritor não é um ser que pára em frente à folha, faz sua reflexão e escreve; mas o que escreve no ‘entre’, no intervalo do tempo, nas viagens; é sujeito de vivências. não há anunciador de nada, o importante para mim agora é que eu quero tomar um pouco de café.
não responder, as vezes, é mais libertário do que dizer algo... a escrita propõe um segmento, as vivências des-segmentam-se. a voz do silêncio proporciona a escuta do que não há. com uma tesoura pode-se cortar palavras que se interessa de um texto e personaliza-lo, desmonta-lo e remonta-lo da maneira que preferir. enquanto alguns eus ficam de fora, os que se mostram aparentam ser o todo.
a descrição das paisagens, não termina, pois sai do texto para além, além da imagem e da sensação momentânea, voa pelas potencialidades que cada um têm de socar. onde há força, há força; onde não há, há força em potencial. a paisagem está aí, a diferença brota do nada paisagístico vivenciado, e o que importa agora é brotar...
*escrito em março de 2007
hoje já é dia 28 avisa o celular
os que caminham para o novo e diferente são solitáriosfogo é o elemento deles -- o movimento, a coisa em ação
para estes criadores, constância é difícil, barrigão estufado
quando se conhece muitas pessoas pouco se conhece de umaao menos que sejaprofundamente
será a satisfação se esquecer
se deixar de lado?
destrua os automóveisantes que eles te matem num acidente
cuspa tua vontadeantes que teu medo se torne um câncer
deixe tua moralantes que ela te denuncie
saia do emprego chato antes que ele se torne sua vida
esqueça seu celular numa esquina antes que ele torne parte do seu corpo
fale duas vezes com um estranho antes de julgá-lo na primeira
pense no que você querantes de comprar a calça da vitrine
desligue sua tvantes que ela desligue você
desconfie da propaganda política antes que um falso candidato seja eleito
sintonize-se em sua estação antes de acordar pra vida
vê se faz sentido para você o que lê antes de levar à sério e seguir à risca
quer saber como ler o que escrevo?
R.: lendo
as coisas continuam sempre as mesmas enquanto olhamos com os mesmos olhos
escritos entre junho e outubro de 2007 por volta de pouso alegre, minas geraispor bruno nobru, os lugares onde passo, as pessoas que convivo, as coisas que escolho para mim, as músicas que escuto, os textos e livros que leio, as viagens que surgem..enfim, toda a paisagem
é livre a reprodução total ou parcial do que está escrito aqui
(interprete os trechos como quiser, mas fique claro que não sou só o que escrevo)
comente, grite, publique, cuspa:[email protected]
ponto de incomodados
arte é risco