TRINQUET_Traballho e Educação o Método Ergológico_notas Pessoais

Revista HISTEDBR On-line Artigo

Revista HISTEDBR On-line, Campinas, nmero especial, p. 93-113,ago.2010 - ISSN: 1676-2584 - -

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TRABALHO E EDUCAO: O MTODO ERGOLGICO1

Pierre Trinquet2 RESUMO: O objetivo deste artigo mostrar que a ergologia, um mtodo pluridisciplinar inovador, permite abordar, com pertinncia, a complexidade intrnseca da atividade humana do traba-lho. Com o intuito de considerar o trabalho real e o prescrito, convm colocar em dialtica os saberes elaborados pelas disciplinas cientficas concernentes (saberes constitudos) com os saberes adquiridos (saberes investidos). Tambm ser apresentado aqui, porque e como se deve apreender a complexidade da atividade humana do trabalho para abordar o conjun-to de problemas que a constitui: a formao profissional, a preveno dos riscos profissio-nais, a gesto dos Homens, a gesto econmica, etc. Para isso, desenvolveremos alguns conceitos chave da ergologia, tais como: atividade do trabalho, pluridisciplinaridade ergo-lgica, funo ontolgica e antropolgica do trabalho, desconforto intelectual, saber consti-tudo e saber investido, e explicitaremos as metodologias praticadas nessa abordagem: Dispositivo Dinmico de Trs Plos (DD3P), Grupos de Encontro de Trabalho (GRT), ergoformao e ergogesto. Entretanto, como a atividade do trabalho est fortemente cor-relacionada com as relaes sociais no seio das empresas e das naes, o estado atual des-sas relaes nem sempre favorecem processos de trabalho construtivos e humanistas. Palavras-Chave: Atividade do trabalho; pluridisciplinaridade; ergologia; trabalho prescrito e trabalho real; relaes sociais

WORK AND EDUCATION THE ERGOLOGICAL METHOD ABSTRACT: The aim of this article is to show that Ergology, which is an innovative pluridisciplinary method, analyses, with some relevance, the intrinsic complexity of the human activity of work. In order to consider both real and prescribed work, it is essential to confront academic knowledge with knowledge acquired by protagonists in their working activity. We will also explain why and how to tackle problems such as professional training, risk management, human resources management, business management etc. Therefore, we will explain some key concepts of Ergology (activity of work, pluridisciplinary approach, ontological and anthropological functions of work, the intellectual discomfort, academic knowledge and experience knowledge, etc.), as well as some methods: the dynamic 3 poles system, working meeting groups, ergo-training and ergo-management. However, work is closely linked to social relationships inside the companies and within a country. The present situation does not always allow a humanist and constructive working process. Keywords: Activity of work; pluridisciplinary; ergology; real and prescribed work; social relationships.

Introduo

O propsito deste artigo consiste em uma breve iniciao na ergologia. Trata-se, essencialmente, de colocar em evidncia, a partir de um ponto de vista ergolgico: a com-plexidade do trabalho humano; a diferena entre trabalho e atividade de trabalho; a neces-sidade da pluridisciplinaridade e a sua definio; a importncia e o significado do saber investido; o Dispositivo Dinmico de Trs Plos (DD3P); o Grupo de Encontro de Traba-lho (GRT)3; a ergoformao e a ergogesto ou a ergoadministrao.



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Para discernir, de fato, em que consiste a ergologia, preciso salientar, desde o in-cio, que, embora seja muito elaborada cientificamente, ela no uma nova disciplina das cincias humanas, j que pluridisciplinar. Trata-se de um mtodo ou de uma metodologia inovadora. A ergologia permite abordar a realidade da atividade humana, em geral, e a atividade de trabalho, em particular.

Nesse sentido, ser mostrado aqui em que a ergologia inovadora, quer dizer, de que maneira ela transforma os conhecimentos atuais e os mtodos de pesquisa, em todos os domnios em relao atividade humana de trabalho, quer seja no mbito da pesquisa, da formao, da gesto, da preveno dos riscos, etc.

Ergologia e pluridisciplinaridade

A ergologia um mtodo de investigao pluridisciplinar em funo de a atividade humana ser muito complexa para se compreender e analisar a partir de uma nica discipli-na, qualquer que seja ela. Todas so necessrias, embora nenhuma seja suficiente. Trata-se, portanto, de colocar em dialtica e no somente de sobrep-las umas sobre as outras o conjunto dos saberes elaborados pelas outras disciplinas. E quando se faz isso, no so-mente se tem uma viso mais realista e completa da situao real da atividade de trabalho humano, mas se descobre uma outra dimenso; que ser mostrada adiante.

Historicamente falando, medida que as cincias so desenvolvidas, sentimos a ne-cessidade de nos especializarmos, para conhecer, cada vez mais profundamente, os segre-dos, os enigmas dos sujeitos abordados. O que em si, interessante. Todavia, o preo da especializao acaba nos levando a perder de vista o global, o geral. Conhecemos, cada vez melhor, os detalhes dos sujeitos estudados, mas, por isso mesmo, no medimos sempre o impacto sobre a totalidade, a globalidade do sujeito. Pois, isso no objeto das cincias especializadas. condio sine qua non colocar em dialtica todos os conhecimentos pre-cisos e pontuais para encontrar o global. No domnio da atividade humana, o que a ergo-logia tenta fazer, conduzindo-se, dialeticamente, com as descobertas das cincias especiali-zadas, como: a ergonomia, a sociologia, a psicologia, a medicina, a filosofia, a economia, a engenharia, as cincias da educao, etc.

A pluridisciplinaridade ergolgica

Ergonomia

PsicologiaPsiquiatria

Medicina

Filosofia

SociologiaEconomia

Cincias da Educao

Atividade do Trabalho

Ergologia



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Esse esquema mostra que, para compreender e analisar uma atividade de trabalho, em sua totalidade, vrias abordagens disciplinares so necessrias ainda que nem todas estejam reproduzidas neste esquema simplificado. Todas as disciplinas se interessam tam-bm pelas atividades fora do trabalho, salvo a ergonomia que s se interessa pela atividade de trabalho. Colocando em dialtica os vrios saberes, descobrem-se novos achados, novos conceitos, que abrem novas perspectivas e horizontes ao conhecimento. esse o objetivo atribudo ergologia.4

A conjuno desses saberes anloga a uma situao qumica, quando se mistura um tomo de oxignio que um gs com dois tomos de hidrognio que tambm um gs , obtm-se a gua, que um lquido. Nessa gua, certamente, h oxignio e hidro-gnio, mas, a sua natureza muito diferente; o que sinaliza a abertura de outras possibili-dades e aplicaes que esses dois gazes originais podem oferecer.

Do mesmo modo, quando se mistura o cobre, o bronze e um pouco de zinco, que so metais moles, obtm-se o bronze, que um metal pesado e resistente e que permite outras aplicaes, outras possibilidades, alm do seu componente original.

Matematicamente, pode-se representar essas misturas da seguinte forma: 1+1+1+1 + N1 = 1. Isso quer dizer que a soma de vrios elementos diferentes resulta em um com-posto diferente.

No obstante, a gua no coloca em questo os valores e os interesses intrnsecos do oxignio e do hidrognio. Da mesma maneira, os conceitos ergolgicos no colocam em causa os valores e os interesses dos conceitos das outras disciplinas especializadas, que foram postas em dialtica e metamorfoseadas. Entretanto, eles abrem outras possibilidades, outras abordagens metodolgicas, outros conhecimentos e outros horizontes.

Ergologia: um salto epistemolgico

A histria mostra que a cincia no avana somente de maneira linear, mas tambm por saltos, por saltos epistemolgicos, como estabeleceu o filsofo francs das cincias: Gaston Bachelard5. Nesse sentido, sustentamos que a ergologia representa um salto epis-temolgico no domnio das cincias do Homem.

Considerando que, enquanto abordagem, a ergologia consiste em um estudo de toda atividade humana e, mais notadamente, da atividade humana do trabalho, vale caracterizar o seu objetivo e o seu mtodo.

Objetivo: Conhecer melhor a realidade complexa de nossa atividade laboriosa. Quer dizer, analisar sob quais condies ela se realiza efetivamente, o que permite organiz-la melhor e, portanto, torn-la mais eficaz e rentvel, tanto em seus aspectos econmicos quanto sociais e humanos, sem ter de forar a sua intensidade e/ou sua cadncia. Diante dessa postura, como conceber uma metodologia de pesquisa em um domnio ligado ao tra-balho que no leve em considerao a sua complexidade intrnseca e a necessidade de a-bord-lo de uma maneira pluridisciplinar?

Mtodo: Colocar em dilogo a pluridisciplinaridade dialtica dos saberes eruditos e dos saberes de experincia. Ou, dito conforme noes ergolgicas: a prtica dos processos socrticos em duplo sentido, entre os saberes constitudos e os saberes investidos, organi-zados no seio de um dispositivo dinmico de trs plos6. Conceitos que sero retornados, posteriormente, com mais detalhes.



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O que a atividade de trabalho para um erglogo?

Trata-se de uma vasta questo a qual impossvel responder com total preciso, j que o trabalho, enquanto atividade humana, algo complexo. O trabalho no s uma rea-lizao tcnica e/ou mecnica, a qual muitos o reduzem. preciso admitir que o trabalho e o Homem esto ntima e enigmaticamente ligados. Pessoalmente, sustento que o trabalho um ato da natureza humana que engloba e restitui toda complexidade humana. E todos ns sabemos o quanto ampla a complexidade humana! Entretanto, a enorme maioria das pessoas inclusive os prprios assalariados est convencida de que o trabalho algo simples. Da deriva a maior parte de nossas dificuldades em compreender, conhecer, orga-nizar, formar, prevenir os riscos do trabalho, organizar uma formao profissional e geren-ciar, eficazmente, a atividade laboriosa e elaborar uma metodologia de pesquisa fecunda para abordar um assunto ligado ao trabalho.

Confuso entre trabalho e atividade de trabalho

A atividade tomada no sentido de atividade interior. o que se passa na mente e no corpo da pessoa no trabalho, em dilogo com ela mesma, com o seu meio e com os ou-tros. Embora essa seja uma idia abstrata, muito fecunda e eficaz. Definitivamente, o que faz com que o trabalho possa se realizar e, de fato, se realiza. Na ergologia, ns nome-amos essa situao de: debate de normas e de transgresses, o que, frequentemente, resulta em renormalizaes. posteriori, conceituarei essas noes ergolgicas fundamentais, pois para explic-las preciso, antes, definir em que consiste a atividade de trabalho.

De modo geral, h interesse pelo trabalho, mas no pela atividade. Entretanto, esses dois termos no so semelhantes. Quando pedimos a um assalariado, qualquer que seja a sua rea, que nos explique o que faz, ele descreve sempre o seu trabalho, jamais, descreve, espontaneamente, a sua atividade. preciso muita perseverana, convico e confiana para conseguir faz-lo falar de sua atividade. Isso foi tentado pelo mtodo de instruo ao ssia, elaborado e experimentado pelo psiclogo italiano: Ivar Odonne7. Por que, afinal, isso to difcil de ser feito?

A dificuldade metodolgica reside no fato de que, ao falar da atividade do assalari-ado, introduzimos-nos, infiltramos-nos em sua intimidade, em sua atividade interior, que muito pessoal. Isso quer dizer que, espontaneamente, ele nos fala de sua tarefa, de seu pos-to de trabalho; o resultado material ou intelectual que esperado; os procedimentos que deve seguir e colocar em prtica; os materiais que utiliza; etc. Isso no lhe traz nenhum problema j que ele no est pessoalmente implicado. Essa situao geral e vlida para todos. Em sntese, ele nos descreve seu trabalho prescrito, seu posto de trabalho. E para ele, seu trabalho isso e nada mais.

Conceito ergolgico da distncia entre trabalho prescrito e trabalho real

Havia 40 anos que os ergonomistas de lngua francesa, sob a direo do professor Alain Wisner, descobriram observando postos de trabalho extremamente taylorisados a existncia da distncia permanente entre o trabalho prescrito e aquele efetivamente realiza-do. Nessa poca, esses ergonomistas lanaram sua famosa batalha do trabalho real8. Batalha exclusivamente intelectual e acadmica, para, finalmente, se admitir a distncia prescrito/real. Essa "batalha" de convico foi, praticamente, ganha. H poucas pessoas que negam a referida distncia, embora ainda haja quem sonhe em suprimi-la. O que revela a utopia e o fantasma gerencial, por ser completamente contra a natureza e antihumano por



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considerar os humanos como robs, autmatos. O que, na viso ergolgica, eles no so, nunca foram e jamais sero.

Atividade de trabalho: uma funo ontolgica e antropolgica?

A distncia entre o prescrito e o real sempre existiu, desde o comeo da hominiza-o, desde o aparecimento do homo habilis em direo ao homo faber (homem fabricante). As transgresses resultantes da e algumas renormalizaes dessas transgresses explicam, uma parte significativa, da evoluo constante da atividade humana. Por esta fabricao de ferramentas, essas primeiras espcies industriosas podero, progressivamente, suplantar, a seleo natural como fator explicativo das mudanas, transformando a Evoluo em (pr)Histria.9 Caso contrrio, estaramos no mesmo estgio que as formigas e as abe-lhas. Isso significa que ns faramos algumas coisas, certamente admirveis, mas sempre idnticas. Porm, no esse o caso. O trabalho humano est em constante evoluo e em todos os planos e lugares do mundo. Mais ou menos rpido e profundo no tempo, seguindo as civilizaes e as culturas, mas jamais esttico.

A evoluo do trabalho corresponde a uma capacidade especificamente humana, que o filsofo francs Yves Schwartz o principal precursor da abordagem ergolgica chama de uso de si10 e que outros intitulam de auto-organizao11 ou de poder de agir12. Essa capacidade, que somente os humanos possuem, permite-lhes usar de si mesmos como lhes convm. uma liberdade que perceptvel por todo o mundo , muito limitada pe-las coeres inevitveis, mas nunca h somente uma nica melhor maneira de fazer as coi-sas. Pois, sempre h escolhas, por mais nfimas que elas sejam. isso que diferencia os seres humanos dos robs, estes fazem sempre igual e tal como foram programados. Um rob no tem estado de alma, enquanto que um humano sempre hesita porque consciente e pode escolher, adaptar-se, atualizar e, portanto, inovar.

Essa particularidade humana est no cerne de um conceito ontolgico e antropol-gico maior, embora ele ainda no seja levado muito em considerao pela comunidade cientfica. Contudo, no a primeira vez, na histria das cincias, que isso acontece. Isso quer dizer, para ir depressa: que a evoluo do trabalho, desde muito tempo, explica, por um lado, a evoluo do Homem e que a evoluo do Homem explica, por outro lado, a evoluo de sua atividade laboriosa. Que h uma ntima dialtica entre essas duas evolu-es. E que essa dialtica consiste em um dos principais motores da evoluo humana. Trata-se, portanto, de um conceito ontolgico e antropolgico13.

Ento, como explicar que, desde Scrates, quer dizer desde h mais de 26 sculos, nenhum filsofo fez a aproximao entre a evoluo do Homem e a evoluo de sua ativi-dade laboriosa? Nos melhores dos casos, alguns filsofos se interessaram pelas condies de trabalho, pela condio operria, pelo papel histrico da classe operria, etc., mas ja-mais pela relao entre o Homem e a sua atividade de trabalho. Mesmo Karl Marx que teve intuies brilhantes escreveu: o Homem no trabalho ao mesmo tempo que age [...] so-bre a atividade exterior e a modifica, modifica a sua prpria natureza e desenvolve suas faculdades adormecidas14. Contudo, aparentemente, essa idia no o interessou, pois ele no a considerou importante para desenvolv-la melhor. Isso no enigmtico?

Conseqncias da distncia entre o trabalho prescrito e o trabalho real

Importantes perguntas resultam dessa descoberta ergonmica da lngua francesa. Entre elas destacam-se trs:

1) Por quem e como preenchida e gerida essa distncia?

Na realidade, o que caracteriza a distncia entre o trabalho prescrito e o trabalho re-



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alizado o fato de o trabalho ser, por definio, imprevisvel, isso quer dizer que ele no e no pode ser previsto. Tanto do ponto de vista da experincia quanto da teoria, a nica certeza confivel que sempre existir uma distncia entre o trabalho prescrito e o pratica-do, por mnima que seja.

2) O que os executantes podem fazer?

Por quem mais essa distncia pode ser preenchida e gerida, seno por aqueles que agem, durante sua atividade, na situao real? Quer dizer, aqueles que participam, no aqui e agora, em todos os nveis hierrquicos tomados em considerao. No caiamos em uma simplificao ultrapassada de operrio. Que fique claro que quando evocamos o termo e-xecutantes, isso no se reduz aos assalariados de simples execuo (operrios). Trata-se antes de todos aqueles que participam, efetivamente, na realizao da atividade de traba-lho. Assim, se tomamos o exemplo de uma atividade de trabalho efetuada em uma sala de operao de uma unidade de sade, os executantes so: o cirurgio, o anestesista, o car-diologista, as enfermeiras, etc.

esta gesto da distncia entre o trabalho prescrito e o real que cria, que est na o-rigem do que os psiclogos e os psiquiatras do trabalho chamam: a subjetividade do\no trabalho. nesse momento que se expressa a personalidade, a individualidade, a histria sempre singular, tanto individual quanto coletiva daqueles que participam, em tempo real. So todas as vantagens e inconvenincias, e mesmo todos os dramas resultantes da que, na ergologia, nomeamos de: dramticas dos usos de si. A partir do momento em que h esco-lhas a se fazer, isso impe responsabilidade e precaues importantes. o que explica, em grande medida e entre outras razes, todos os suicdios ligados ao trabalho, que constata-mos atualmente, no somente na Frana, mas em vrios lugares do mundo.

3) A partir de que e como os executantes fazem para preencher e gerir essa distn-cia incompreensvel e imprevisvel?

Para responder esta terceira questo, deve-se, antes, se perguntar: Como se efetua e se realiza toda atividade de trabalho? Em quais condies e por que ela realizada? Estas importantes indagaes sero apreciadas por meio de um terceiro questionamento:

O que trabalhar para um erglogo?

Para a ergologia, trata-se sempre de uma dialtica, um compromisso, um encontro, entre trs registros ou trs parmetros, indissociveis e universais. Ou seja, que esto pre-sentes em todas as situaes de trabalho, a todo tempo e em todo lugar.

Primeiro, h o objeto de trabalho particular, material ou intelectual, para realizar, sua natureza, suas condies de realizao. Tudo isso remete a todos os tipos de conheci-mentos pluridisciplinares, que so produzidos junto com esse trabalho a realizar e transcri-tos sob todas as formas: livros, cursos, software, mquinas, ferramentas, procedimentos, arquiteturas, etc. E isto tudo o que se encontra antes da sua realizao e que permite ela-borar o trabalho prescrito e que , absolutamente, indispensvel. o que chamamos de saber constitudo, conceito que ser retomado com mais preciso posteriormente.

Depois, para realmente efetuar o trabalho, tudo isso encontra seres humanos, indi-viduais ou coletivos, sempre singulares somos todos diferentes , formados por sua hist-ria, ela tambm sempre singular e, alm do mais, o trabalho a realizar jamais encontra o mesmo indivduo, nem o mesmo coletivo, no tempo e no espao (de manh/ tarde, no comeo da semana/no fim de semana; na Europa, na sia, na frica, nas Amricas, etc.). Sempre existem essas variabilidades que preciso gerir da melhor forma possvel e nas melhores condies possveis, tanto econmicas quanto humanas.



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E, finalmente, preciso gerir e se adaptar s variabilidades do ambiente fsico e do meio social: meteorologia, iluminao, composio de equipe, atrasos, planejamento, rela-es sociais, etc.

A combinao desses trs parmetros, eles mesmos variveis, infinita. por essa razo que a ergologia sustenta que toda a atividade de trabalho sempre singular, porm em nveis muito diferenciados. s vezes, a variabilidade mnima, difcil de ser percebida externamente, contudo jamais completamente inexistente. Basta que cada um entre ns reflita sobre a sua prpria atividade para se convencer disto. Cada indivduo jamais faz algo igual e jamais perfeitamente igual aos outros.

Assim, definitivamente, o trabalho, uma atividade sempre singular e historicamente datada e situada, muito complexo para ser compreendido e analisado, do exterior. No se est mais no domnio da generalidade, mas naquele do particular. Nenhuma disciplina acadmica (filosofia, sociologia, psicologia, ergonomia, medicina, economia, engenharia, cincias da educao, etc.) pode faz-lo sozinha. Como j foi mencionado: Todas as disci-plinas so necessrias, mas nenhuma suficiente. Cada uma s apreende uma parcela da realidade que corresponde a sua prpria especificidade cientfica. O confronto dialtico dessas vrias disciplinas indispensvel, embora isso no seja tudo, pois preciso ser rea-lista e concreto levando em conta os limites situacionais.

Pluridisciplinaridade para um erglogo

Se vrios saberes acadmicos so necessrios para se compreender a atividade de trabalho, to globalmente quanto possvel e, portanto, o mais prximo possvel de sua rea-lidade profunda, no aqui e agora, ainda preciso fazer a sua sntese. Como j foi exposto, no se trata de acumular vrias abordagens cientficas complementares, umas sobre as ou-tras; o que teria mais a chance de resultar em uma cacofonia geral e em debates escolares e mesmo em controvrsias acadmicas, sem fim, cada um com tendncia a encampar as suas prprias posies conceituais.

No obstante, fazer essa sntese no trivial. Do meu ponto de vista, com exceo da ergologia, no existe outra formao nesse sentido. Sobretudo porque, freqentemente, bloqueiam-se em teorias e mesmo em ideologias. Sendo, portanto, necessrio sair, um pou-co, da teoria e ancorar-se na realidade da atividade em questo. Para isto, necessrio fazer intervir um outro saber, que somente as pessoas que trabalham, no domnio estudado, so portadoras. Esse saber, na ergologia, nomeamos de: saber investido; noo que ser expli-citada com mais detalhes a posteriori. Para o momento, com vistas a fazer uma sntese segura, ser apresentado em que e por que esse saber investido necessrio.

A importncia do saber investido reside no fato de colocar questes prticas, deri-vadas da atividade profissional. O que obriga os detentores dos saberes constitudos (erudi-tos) de se aproximarem, uns dos outros, para encontrarem respostas pertinentes e sarem de seus saberes genricos, para se implicarem na realidade da situao analisada. Dizemos, ento, que, assim, "cola-se melhor realidade", quer dizer que, nos aproximamos do aqui e agora. Esses dilogos que se instauram dessa forma entre os saberes acadmicos, entre eles e depois entre esses saberes sintetizados e os saberes resultantes da experincia dos assalariados, cujos saberes no so formalizados em qualquer lugar, na ergologia intitula-mos de: processo socrtico de duplo sentido. De que se trata?

Processo socrtico de duplo sentido so situaes em que no h somente Scrates (aquele que sabe), que coloca as questes aos executantes (aqueles que esto na ignorncia total e que buscam o saber), que devem responder, mas em que os executantes tambm



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colocam questes Scrates. Da o dublo sentido. Portanto, juntos que se deve buscar as respostas apropriadas que levem em conta tanto os saberes acadmicos quanto os saberes de experincia. Avaliamos, ento, que os saberes investidos servem de foras de convoca-o e reconvocao (FAR)15 para recentrar os dilogos socrticos entorno das questes prticas.

primeira vista, essa idia pode parecer um pouco obscura como mtodo, mas com um mnimo de experincia e conhecimento ergolgico obtm-se xito em seu uso. Trata-se, antes de tudo, de uma questo de posicionamento, de postura, de atitude, da parte do conjunto dos protagonistas. O que implica admitir que os outros, ainda que no estejam de acordo conosco, possuem, talvez, uma parte da verdade. necessrio, portanto, aceitar certo "desconforto intelectual", outra noo chave na ergologia. Em outras palavras, admi-tir e aceitar que no sabemos tudo e que nunca poderemos sab-lo, quando se trata de agir sobre e com os humanos; que no h verdade imutvel e definitiva; que nunca h somente uma maneira certa para fazer as coisas. Mas isso quer dizer tambm que jamais estamos seguros para tentar compreender, analisar e, sobretudo, normalizar ou enquadrar as ativi-dades humanas. Que devemos sempre estar em dvida e em situao de busca, pois, sem-pre h o imprevisto, o imprevisvel, a energia livre e dinmica. E isso , particularmente, verdadeiro no domnio da gesto de recursos humanos e da preveno dos riscos, mas tam-bm da formao profissional dos adultos e de todas as investigaes e estudos sobre o campo do trabalho.

Entretanto, no por essa razo que se deve permanecer passivo e inativo. Ao con-trrio, devemos agir em funo de nossa verdade do momento, mas aceitando que esta verdade pode evoluir e nos obrigar a evoluir junto com ela. Razo a mais, quando se objetiva ser eficaz, para unir nossos saberes e abordagens diferentes e complementares.

Saber da experincia ou saber investido?

Para a ergologia, em toda a atividade e, portanto, em toda a atividade de trabalho, coloca-se em prtica um saber pessoal, para preencher e gerir a distncia prescrito/real. Esse saber o resultado da histria individual de cada um, sempre singular, ou seja, adqui-rida da prpria experincia profissional e de outras experincias (social, familiar, cultural, esportiva, etc.) e que remete a valores, educao, em resumo, prpria personalidade de cada um.

Esse saber investido que um verdadeiro saber complementar do saber cons-titudo. Para compreender toda situao de trabalho, essas duas formas de saberes so in-dispensveis. Eles constituem os dois lados de toda a atividade de trabalho, sua unidade dialtica. Para compreender e analisar uma situao de trabalho, o procedimento de associ-ar os saberes acadmicos com os saberes da experincia daqueles que trabalham, certamen-te, consiste em uma atitude deontolgica e tica, mas, se trata, sobretudo, de uma postura cientfica.

Caracterizao e diferenas entre saberes constitudos e saberes investidos

Inicialmente, ser explicitada a noo de saber constitudo, por conter sentido mais acessvel de se apreender. Trata-se do que, em geral, chama-se, simplesmente, de saber, ou dito de outro modo: saber acadmico. Em outros termos, tudo o que conhecido, formali-zado nos ensinos, nos livros, nos softwares, nas normas tcnicas, organizacionais, econ-micas, nos programas de ensino, etc., como j foi referido alhures. Para ns, erglogos, este tipo de saber, por mais importante e primordial que seja, no capaz de sozinho ex-plicar o que acontece no trabalho tal como ele exercido na situao real. Ele apenas



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suficiente para explicar o trabalho tal como prescrito, antes de sua realizao, mas no para explic-lo em sua realizao efetiva. Uma outra forma de saber contribui para preen-cher e gerir a distncia entre o trabalho prescrito e o trabalho real, a saber, o saber investi-do.

Esse segundo saber, o investido, consiste naquele adquirido em todas as atividades e/ou experincias. Porm, essa definio insuficiente, ainda preciso especificar: De que tipo de saber se refere? Trata-se de um verdadeiro saber? Como ele elaborado, constru-do? Para que ele serve e pode servir? Como faz-lo emergir, utiliz-lo? Quais so as suas diferenas em relao ao saber constitudo? Eles so complementares ou concorrentes? Eles podem ser associados?

Certamente, essas perguntas no sero todas respondidas, dada a sua vastido para o pouco espao aqui disponvel. Apenas, chamo a ateno para a importncia do assunto, com o objetivo de, se possvel, que cada um dos leitores busquem elaborar a sua prpria reflexo e contribuio.

Primeiramente, a ergologia adjetiva esse saber de investido porque remete especi-ficidade da competncia adquirida na experincia da gesto de toda a atividade de trabalho. E esta experincia investida nesta situao nica e histrica. Trata-se de um saber que est em aderncia com a atividade. Ele no formalizado e nem escrito em qualquer lugar. Essa experincia est cravada no intelecto e/ou no corpo, no corpo-si, como diria Sch-wartz, quer dizer, ao mesmo tempo no corpo e na mente ou na alma. Sem atribuir, para este ltimo termo, qualquer conotao religiosa. Situamo-nos, aqui, no domnio do material e do ideal, do materialismo e do idealismo.

Por outro lado, o saber acadmico e formal desinvestido. Isso significa que ele definido fora desta atividade particular que estudamos e vinculado a outros conceitos, in-dependentemente de situaes particulares. Ele genrico, generalizvel e constitudo do exterior de todas as situaes precisas. Por isso, o classificamos como estando em desade-rncia com a atividade do aqui e agora.

Alguns exemplos concretos para ilustrar os dois saberes

Quando observamos um carpinteiro caminhar, com segurana e descontrao, sobre um telhado inclinado e constitudo somente por vigas espaadas, dizemos: " porque ele tem experincia!" Certamente, foi caminhando com freqncia sobre telhados inclinados e vigas que ele adquiriu esse equilbrio e essa segurana. No entanto, em geral, no necessa-riamente se vincula isso a um saber. Entretanto, se ele a adquiriu, trata-se, realmente, de um saber, de um conhecimento, j que contm a prpria definio de um saber: algo que se aprende e/ou que se sabe. Mas, onde se situa esse saber? Onde ele est impresso? Em seus msculos, em sua cabea, em seu ouvido interior, que o lugar do seu equilbrio? Onde ele est transcrito? Onde se pode apreend-lo? Quem pode responder, com pertinncia, todas essas questes?

Tomemos uma outra experincia concreta. Quando se tem um carro velho e um pouco danificado, com freios gastos, pedais frouxos, ou, ao contrrio, duros, voc se adap-ta, ainda que inconscientemente, para conduzi-lo de modo conveniente. Entretanto, se ele emprestado a outro motorista, a, haver problemas. Ele no tem a sua experincia! Ele ainda no adquiriu esse saber que te permite conduzir bem esse veculo, apesar de suas falhas e defeitos.

Ocorre a mesma coisa no plano profissional. H uma adaptao as suas ferramentas desgastadas e danificadas, ao seu coletivo de trabalho, ao sistema organizacional do lugar,



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aos imprevistos que se repetem consegue-se at mesmo antecip-los, preveni-los e, as-sim, freqentemente, neutraliz-los.

Na Frana, por exemplo, as estatsticas de acidentes de trabalho evidenciam que quando um assalariado chega a um novo ambiente de trabalho, seus riscos de acidente so maiores do que depois de certo tempo de adaptao. Avalia-se, ento, que ele no tem ex-perincia. J um erglogo dir: ele ainda no adquiriu seu saber de experincia particular em relao quele lugar! por essa razo que uma lei16 francesa obriga fornecer-lhe uma formao, prvia sua prtica no trabalho, para assinalar-lhe os riscos particulares daquela situao de trabalho. Assim, a sua adaptao menos arriscada. Trata-se, de certo modo, de acelerar a aprendizagem do seu saber de segurana investido sobre esse novo ambiente de trabalho.

Outras experincias, talvez mais convincentes, se encontram, por exemplo, no dese-jo de robotizao que assolou a Frana, na segunda metade do ltimo sculo. Uma situao forte a esse respeito aquela do rob resinador que aplica uma resina sobre as carro-cerias de carros na linha de montagem.

O que h, aparentemente, de mais simples do que fazer um rob industrial realizar o gesto de um resinador de carroceria de um carro em construo? Afinal, um gesto qua-lificado de simples. Basta observ-lo bem e coloc-lo em equaes matemticas, e isso, sabemos fazer e o fizemos. Do ponto de vista de todos os peritos, o gesto do rob era bem superior aquele dos operrios resinadores. Alm do mais, o rob no se cansa, nunca fica doente (embora, haja muitas panes) e, sobretudo, jamais faz greve. Este o sonho de todo gestor! Entretanto, apesar de o nmero de refugos, no final da linha de montagem, ser pro-blemtico, aos peritos debruados sobre esse rob doente, no passava de uma falha qualquer de informtica. At mesmo os trabalhadores mais antigos reconheciam e elogia-vam a perfeio do gesto desse rob.

Contudo, eles observaram que, s vezes, de acordo com o grau de umidade do meio ambiente, a qualidade da resina que nunca idntica de uma entrega para outra , etc., enquanto executavam seus gestos, era preciso reduzir um pouco a velocidade, ou aceler-la um pouco mais. Em resumo, que era preciso que eles adaptassem seu gesto as suas impres-ses do momento. E isto, o rob no soube fazer e seria muito oneroso tentar program-lo a fim de que ele fosse capaz "dessa inteligncia do gesto adaptado", como dizem os ergo-nomistas. Ento, os robs foram descartados e os assalariados recontratados.

Exemplos dessa natureza, existem muitos. Os robs da nova gerao so sempre monitorados por trabalhadores, seja ao seu lado, seja em salas de controle. O velho sonho da oficina sem ser humano foi abandonado. Certamente, hoje, existe menos seres humanos, mas sempre h. O rob no substitui mais o Homem, ele o ajuda. Ele se tornou mquina-ferramenta sofisticada, informatizada, mas sempre conduzida pelos Homens.

Com a epopia da robotizao, o saber investido na experincia profissional reve-lou-se evidente. Porm, infelizmente, esse ainda no o caso das situaes de trabalho correntes.

A batalha do saber investido

Levar em conta esse saber investido fundamental. Do meu ponto de vista, essa a razo para fazer referncia " batalha do trabalho real " evocada no comeo deste artigo , que foi engajada e ganha pela equipe dos ergonomistas de lngua francesa (dirigida por Alain Wisner, na segunda metade do sculo XX) e que conviria tomar como batalha do



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saber investido". Enfim, admitir e reconhecer esta forma de saber e us-lo, parece-me ser uma exigncia histrica que recai sobre a nossa gerao.

Pode-se ainda agir como se esse saber investido no existisse? Qual seria o preo dessa omisso? E por que da recusa em reconhec-lo? Estou consciente da revoluo cultu-ral que o enfrentamento dessa situao deixa subentendido em nossas organizaes produ-tivas, tanto nos bens materiais quanto intelectuais, seja na Frana ou no Brasil. Mas, ser que essa omisso possvel quando se deseja agir seriamente para avanar e melhorar o sistema produtivo e as condies de trabalho?

Afinal, como proceder para fazer emergir e utilizar o saber investido dos assalaria-dos? Visando suprir essa demanda, na ergologia, desenvolvemos um mtodo classificado de: Dispositivo Dinmico de Trs Plos (DD3P) e Grupos de Encontro de Trabalho (GRT).

Dispositivo dinmico de trs plos (DD3P)

Para a ergologia, como j foi referido, todas as questes que tocam o trabalho (es-tudos, pesquisas, sade/segurana, formao, gerncia, economia, organizao, etc.) no podem ser abordadas, com alguma pertinncia, somente por peritos, quaisquer que eles sejam e qualquer que seja a sua competncia e disposio. Trata-se de algo muito comple-xo e que no pode ser visto e compreendido inteiramente do exterior.

Para retratar essa noo, vale mencionar o caso de um perito cuja situao revela que, qualquer que seja a sua formao, ele no pode controlar tudo. Na empresa da cons-truo civil em que trabalhei, houve, em uma poca, problemas de tesouraria, certamente, provenientes de um mau controle da gesto econmica. Por essa razo, a direo convocou uma auditoria do gabinete de reputados peritos econmicos. Quando se buscou aplicar as suas recomendaes, a direo, rapidamente, percebeu que ela generalizava os problemas, que chamamos agora de colaterais, em particular, em relao ao plano organizacional e social, que tinha um custo superior s economias consideradas por essa auditoria. Entretan-to, esses peritos tinham feito bem o seu trabalho. Todavia, eles s tinham visto os aspectos financeiros o que revela a sua especialidade , os outros aspectos lhes eram estranhos.

Para a ergologia, somente um coletivo, que rena um maior nmero de representan-tes possveis de pessoas envolvidas e motivadas, permite responder, de forma pertinente, a esse gnero de problema. Entretanto, ainda preciso que cada participante respeite certas condies da organizao e do funcionamento. Essas condies remetem a um conjunto de conceitos e metodologia ergolgica que encontramos no DD3P.

Como se caracteriza um plo?

Em uma primeira definio, o termo plo consiste em um lugar virtual onde se agregam, sintetizam-se e exprimem-se objetivos, competncias, saberes e conhecimentos, interesses, etc., mais ou menos comuns, da realidade coletiva.

Cada plo constitui, portanto, um grupo de presso que busca conhecer e reconhe-cer o seu ponto de vista, seus interesses, suas concepes, junto aos outros plos que tm origem e concepes diferentes, porm, complementares. Do ponto de vista ergolgico, esse o nico meio de dispor de uma viso, a mais larga possvel, da situao em questo. Porm, preciso enfatizar que no h, em um plo, indivduos bem definidos. Trata-se de uma entidade de idias, de conceitos, de interesses, etc., e cada ator pode, perfeitamente, intervir em diversos plos.

Visando deixar essa idia mais explcita, tomemos mais uma situao concreta: um



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cientista (ergonomista, psiclogo, qumico, eletricista, etc.) situa-se, a priori, no plo dos saberes constitudos, j que ele convocado por suas competncias cientficas e/ou profis-sionais. Mas, ele tambm um trabalhador em sua especialidade, na qual possui um sa-ber investido em suas prprias atividades; e mais ainda, nada o impede de ter idias e pro-posies para organizar e conceber o debate. Na realidade, ele se situa nos trs plos: a) aquele do plo dos saberes constitudos, organizados e disponveis, b) mas, tambm, en-quanto trabalhador mesmo, aquele que dispe de saberes investidos e, enfim, c) enquan-to parte integrante da organizao, da concepo e do desenvolvimento de debates, aqueles saberes que pertencem s exigncias ergolgicas.

DISPOSITIVO DINMICO DE TRS PLOS (DD3P)?Esquemametodolgico

Plo de exigncias

ergolgicas:tica, conceitos e

meios.

Plo dos saberes investidos e das foras

de convocao e reconvocao

Plo dos saberes constitudos,

em convocao e enriquecimento

mtuo.

Lugar dos processos socrticos com duplo sentido, resultando em:* conhecimentos e* solues

Os trs plos de saberes

Nesse esquema, em relao ao que j foi visto, dois plos parecem evidentes agora que j foram apresentadas algumas noes de ergologia. Revelam, notadamente, dois tipos de saberes que a ergologia busca esclarecer, a saber:

O plo dos saberes constitudos: refere-se a todos os conceitos, competncias e co-nhecimentos disciplinares acadmicos e/ou profissionais. Ou seja, todos os saberes que so necessrios, mas exteriores e anteriores situao de trabalho estudada, ou ainda, saberes que esto em desaderncia com a atividade estudada. So, portanto, esses saberes que, es-sencialmente, permitem elaborar o trabalho prescrito.

O plo dos saberes investidos na atividade: refere-se experincia prtica e, per-manentemente, recriadora de saberes atravs dos debates de normas que, no instante em que so conhecidos, jamais podem ser apreciados e controlados pelos saberes constitu-dos. So eles os verdadeiros saberes! Evidentemente, muito intrincados, muito ligados atividade em questo, muito mais situados no tempo e no espao, resultado de uma histria singular por serem elaborados em tempo real. por essa razo que o classificamos em ade-rncia com a atividade estudada, como j foi referido. A que reside o seu interesse e o que os tornam indispensveis.



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Esses dois plos de saberes se diferenciam em suas origens, suas formas e seus con-tedos, que remetem s funes, aos papis e s responsabilidades de cada participante. Todavia, como j foi exposto, para analisar uma situao particular de trabalho, ambos os saberes so complementares.

Para tentar ser ainda mais explcito, tomemos uma outra situao concreta. Imagi-nemos que seja necessrio refazer a instalao eltrica de um ambiente de trabalho. A so-luo clssica consiste em requisitar um especialista (saber constitudo), que colocar essa instalao em perfeita conformidade com as normas em vigor. No resta nenhuma dvida nesse sentido! Porm, se ele no tomou a precauo de discutir com os verdadeiros utiliza-dores desse ambiente de trabalho (saber investido), as tomadas sero instaladas onde o prprio especialista julgar melhor, e elas estaro em absoluta conformidade com as nor-mas. Entretanto, pode ser que elas estejam instaladas em lugares onde no h necessidade, segundo a organizao do trabalho desejada pelos utilizadores. Obviamente, isso no signi-fica um problema para os trabalhadores, pois eles colocaro extenses com benjamins nas pontas, todas esparramadas pelo cho. Todavia, a partir de ento, a instalao no estar mais em conformidade com o C.Q.F.D. (sigla francesa que significa a expresso matemti-ca: o que preciso demonstrar), ou ainda, no estar em conformidade com as normas ofi-ciais.

Certamente, se trata de um exemplo simples, e mesmo simplista. Contudo, quanto mais o problema complexo, mais os dilogos entre essas duas formas de saberes so in-dispensveis. E no somente com o diretor, mas tambm com aqueles que vo trabalhar nesse ambiente. o que os peritos economistas, referidos anteriormente, deveriam ter fei-to.

A partir desses casos descritos, compreende-se bem que os dilogos entre essas du-as formas de saberes remetem, ao mesmo tempo, a uma exigncia tica e, sem dvida, de respeito em relao aos assalariados. Trata-se, portanto, de uma exigncia epistemolgica, que deixa a anlise incompleta quando no se respeita o espao de compreenso da ativi-dade real.

Como proceder para que os processos socrticos de duplo sentido entre os diferen-tes representantes de cada plo de incio entre esses e, depois, entre os representantes do outro plo sejam eficazes e construtivos? Este o papel do terceiro plo.

Efetivamente, indispensvel criar um lugar onde todos os interlocutores possam definir e elaborar as disposies e os meios para que a busca de solues seja possvel. Seno, corre-se o risco de cair em debates acadmicos infrutferos. No se pode esquecer das diferenas e nem mesmo das oposies entre os participantes.

Para controlar as condies necessrias para fazer o terceiro plo funcionar, uma formao em ergologia se mostra, na prtica, frequentemente, indispensvel, a fim de que todos os participantes estejam sintonizados em relao ao problema a ser resolvido, estan-do apoiados em uma mesma base conceitual elementar. Portanto, para favorecer a eficcia, preciso envolvimento nessa organizao. O que consiste em se debruar sobre a prepara-o, o desenvolvimento, as condies materiais e conceituais a serem atendidas para alcan-ar o mximo de eficincia.

Quem intervm nesse plo? Todos os participantes, j referidos, implicados ao lon-go do processo, pois todos podem ter, a qualquer momento, sugestes de melhoria a pro-por.

Para finalizar as definies acerca do DD3P, importante salientar que esse esque-ma metodolgico-terico incorpora toda a filosofia do mtodo ergolgico. Um erglogo



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deve sempre t-lo em mente, qualquer que seja a sua atuao: pesquisa, estudo, formao, gesto, preveno de riscos do trabalho, etc. Ele deve, portanto, sempre se organizar de modo a observar esse esquema metodolgico.

A seguir, ser apresentado o que so Grupos de Encontro de Trabalho (GRT) no mbito da metodologia ergolgica.

Grupos de Encontro de Trabalho (GRTs) e seu funcionamento

De forma abreviada, os GRTs consistem em uma prtica da metodologia de DD3P, visando responder a uma demanda precisa de busca de solues a um problema idntico e definido por um conjunto de indivduos.

Trata-se de grupos, cujo intuito alcanar solues e no somente discusses. es-sa busca de solues relevantes em relao a um problema, que envolve todos os partici-pantes, que pode resultar em um consenso indispensvel. Na prtica, comumente, chega-se a um acordo sobre uma soluo quando ela se mostra pertinente e realizvel para todos os interessados.

Vale ressaltar, entretanto, que o objeto desses GRTs no colocar todos os prota-gonistas de acordo em relao a tudo; o que seria utpico. Mas, somente os colocar de a-cordo em relao as solues prticas de um problema em que todos esto implicados.

Um GRT pode ser constitudo para responder a todos os problemas encontrados no mbito de uma empresa e/ou de uma coletividade, tais como: problemas de pesquisa e/ou de estudos, de formao, de gesto, de preveno de riscos do trabalho, de busca de efici-ncia/eficcia (eficcia definida como eficincia em mdio prazo), melhoria das condi-es de trabalho, etc.

Desde h alguns anos, quando o Departamento de Ergologia, da Universidade de Provena, na Frana e tambm os erglogos brasileiros so solicitados a efetuarem uma interveno, h um esforo em realiz-la utilizando essa metodologia. Por experincia, posso certificar que ela no somente funciona, mas que traz resultados muito profcuos e convincentes.

Ergologia no domnio da formao profissional dos assalariados A ergoformao

A principal questo dirigida ergoformao consiste em: Como fazer para, durante a formao profissional, colocar no cerne das preocupaes educacionais a atividade real desses assalariados, de modo a se servir do saber investido? E por que se deve faz-lo?

Essa mesma questo levantada em intervenes sobre ergopreveno, ergoeco-nomia, ergocomunicao, ergogesto, etc. Ou seja, cada vez que um problema especfico anunciado e que se objetiva resolv-lo a partir da abordagem ergolgica. Da o prefixo ergo (do grego, ao, trabalho), seguido de um substantivo.

H, portanto, um mtodo para colocar em prtica e fazer funcionar, aquele do DD3P. No obstante, preciso alertar que no se trata de um catlogo de receitas prontas para serem aplicadas em todas as situaes encontradas. Trata-se de conhecimentos gerais que necessitam de adaptao a cada situao particular. , antes de tudo, uma questo de postura, de posicionamento do formador. No se trata de uma tcnica precisa, de um mto-do absolutamente pronto. No h soluo milagrosa, pois, todas as situaes diante das quais somos colocados so, por definio ergolgica, especficas e singulares. Cabe ao

WINRealceIsso muito importante colocar na introduo

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plo de exigncias ergolgicas estudar tudo isso e propor solues apropriadas e realiz-veis.

Conforme a experincia, se verdade que, a cada vez, preciso se adaptar situa-o singular encontrada jamais exatamente o mesmo enfoque temtico que se deve en-sinar, jamais se tem o mesmo pblico, as mesmas condies materiais, de tempo e de espa-o, etc. , tambm verdade que necessrio se esforar para encontrar princpios con-forme cada formao. Segue-se, abaixo, trs desses princpios, considerados fundamentais na ergologia.

1 preciso colocar no centro de nossas preocupaes a atividade real do trabalho e no somente a atividade prescrita.

Fazer compreender e admitir que o trabalho no uma seqncia de gestos e/ou de aes mecnicas, programadas por antecedncia e pelos outros. Trabalhar jamais , sim-plesmente, aplicar, mas se adaptar sempre s variabilidades organizacionais, materiais, ambientais e humanas, em tempo real. Trabalhar gerir, sustenta Schwartz.17

Quando intervenho, pessoalmente, junto aos assalariados em formao, desde o in-cio lhes digo:

Eu sei de coisas que voc no sabe. por isso que estou aqui. Mas, sei tambm, que em relao ao seu trabalho ou mais exatamente, sobre a sua atividade de trabalho, voc sabe de coisas que eu no sei e que eu no po-derei saber se voc no me disser. E se voc quer melhorar o seu traba-lho, preciso que cooperemos, que adaptemos o que eu sei ao que voc faz e vice-versa, ou seja, o que voc faz ao que eu sei! Caso contrrio, eu serei apenas um mercador de sopa que vem te vender uma mercadoria generalista, uma espcie de chave-mestra. Porm, esta soluo no pode ser eficiente porque cada um de vocs se encontram em situaes e con-dies de trabalho diferentes.

Frequentemente, intervenho em empresas para formar assalariados na preveno de riscos do trabalho. Mas, s vezes, o fao junto a cozinheiros de um clube de frias; outras vezes, so trabalhadores de manuteno desses clubes; outras, uma equipe de soldadores de uma pequena empresa; outras vezes ainda, junto a trabalhadores das docas do porto de Marselha, etc. Certamente que a regulamentao a mesma para todos, assim como as instrues de segurana. Entretanto, o que os interessa no conhecer as generalidades, e sim saber de que forma eles prprios devem fazer para trabalhar com segurana. Caso con-trrio, eu os serviria de orientaes genricas e, em seguida, eles mesmos se incumbiriam em resolverem sozinhos os seus problemas.

preciso reconhecer que quando digo isso, trata-se do momento mais delicado de cada formao, pois todo o resto depende disso. Os trabalhadores ficam um pouco descon-certados, no comeo. No entanto, preciso compreend-los, uma vez que eles esto habi-tuados com a formao em que consomem um saber, aquele do formador. E eu os propo-nho no somente consumir, mas tambm produzir um saber e as suas aes resultantes.

Baseando em situaes experienciadas, certifico que eles compreendem rapidamen-te esse propsito de dilogo de saberes. Isso ocorre porque a sua prpria atividade que est em questo e porque todo assalariado gosta de falar do que ele faz, sobretudo se o es-cutamos com ateno e utilizamos o que ele diz. Ainda a respeito desse ponto, importante estar muito atento, pois preciso que ele no se sinta enganado ou mesmo manipulado; o que exige o estabelecimento de uma relao franca e se coloca como um requisito tico na relao de pesquisa.



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2. preciso colocar em prtica uma estrutura que favorea a expresso e a produ-o de conhecimentos novos. Ou, mais exatamente, que permita a adaptao, pois jamais encontramos a mesma situao. preciso lembrar que no se trata de grupos de discusso, mas de grupos de produo de saberes e de aes, que so bem diferentes. O objetivo do formador no recolher informaes que ele ir organizar depois, mas levar os trabalhado-res a adquirirem um saber novo, sobre a sua prpria atividade e os conhecimentos, para agirem em segurana.

Na condio de formador, coloquei em prtica um mini grupo de encontro de tra-balho. No h aqui espao hbil para detalhar do que se trata, pois isso demandaria um artigo somente sobre esse assunto. importante apenas saber que ele consistiu em criar condies para que as questes se entrelaassem, tanto da parte do formador quanto do trabalhador, e que, coletivamente, buscssemos respostas apropriadas, o que nomeamos de processo socrtico de duplo sentido.

3. Terceiro e ltimo princpio fundamental: preciso ir, se possvel, ao campo, aos locais de trabalho.

No se pode compreender o trabalho real e o agir sobre ele permanecendo sempre em uma sala de aula. fundamental ir at os trabalhadores para falar do seu trabalho sobre o seu local de trabalho.

Por experincia, asseguro que revelador tudo o que se consegue descobrir e que no se poderia pressupor a partir de uma sala de aula. Alm do mais, os trabalhadores mos-tram-se contentes e descontrados, pois esto em sua casa. Local em que eles falam mais vontade, mostram e refazem, diante de ns, os seus gestos e as suas atitudes no trabalho. Demonstram certa confiana em apresentar o seu trabalho real e tudo o que lhe solicita-do. Essa situao tem sido verificada em qualquer que seja o seu nvel hierrquico. Trata-se, portanto, de uma relao de pesquisa bastante instrutiva.

A abordagem ergolgica realizvel ou utpica?

Certamente, inevitvel se colocar a questo: Ser que as idias apresentadas at aqui so realizveis ou simplesmente utpicas? Conforme nossa experincia, certifico que realizvel. No departamento de Ergologia, da Universidade de Provena, e tambm no Brasil, realizamos os GRTs em diversas organizaes, cujos resultados tm sido muito satisfatrios, quando certas condies so preenchidas, evidentemente. A partir dessas experincias numerosas e diversas, possvel controlar bem tais condies, que devem ser observadas.

No quadro de uma lei de origem europia sobre sade e segurana do trabalho, na Frana, desde fevereiro de 2002, uma diretriz ministerial do Ministrio do Trabalho18 im-ps s empresas a reunio dos coletivos de trabalho pluridisciplinares, inclusive com os assalariados envolvidos. O objetivo dessa reunio realizar a identificao dos perigos, seguida de uma avaliao dos riscos sobre todos os postos de trabalho da empresa, exigin-do que se leve em considerao, alm do trabalho prescrito, o trabalho real. O que significa um grande avano, situado no mesmo sentido da abordagem ergolgica da preveno dos riscos do trabalho, quer dizer, da ergopreveno.19

Paulo Freire e a ergologia

Embora eu no seja um perito em Paulo Freire, compartilho da idia desenvolvida por Echternacht e Verssimo20, cuja postura consiste em defender que se a ergologia se

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WINNotaEsse foi o passo que faltou no nosso trabalho com os assistentes

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desenvolveu rpida e largamente no Brasil porque, entre outras razes, ela se situa no prolongamento das concepes pedaggicas definidas e desenvolvidas por Paulo Freire21. Do meu ponto de vista, esse autor teve uma forte intuio a respeito do que representava o saber investido e de sua importncia. Caso contrrio, por que ele teria defendido tanto a idia de que a educao deveria partir e se articular entorno da atividade das pessoas a se-rem educadas? Por que ele teria colocado no centro do processo educativo a atividade des-sas pessoas?

Como resposta s questes colocadas pela sociedade, Freire afirma que preciso transformar o sistema de educao bancria graas a uma peda-gogia dialgica: segundo ele, somente o dilogo capaz de quebrar a cul-tura do silncio no qual os trabalhadores se atrofiam. Reencontramos essa prioridade, concedida ao dilogo, na abordagem ergolgica. (Echternacht & Verssimo, 2009, p. 199)

Para a ergologia: educar compartilhar. Para Freire: Ningum educa o outro, nin-gum se educa sozinho, os homens se educam conjuntamente por intermdio do mundo.22 Portanto, constata-se a grande semelhana entre as duas abordagens.

Por fim, um ltimo tema importante de se destacar na ergologia o da gesto. Em que consiste, afinal, a ergogesto, ou seja, a metodologia ergolgica para gerir os seres humanos?

Ergogesto ou ergoadministrao

Reservas de alternativas

Para Schwartz, nas atividades de trabalho de quem quer que seja portanto, tam-bm, dos dirigentes h sempre e ele insiste no termo sempre o que pode ser cha-mado de reservas de alternativas. Isso quer dizer que h sempre a possibilidade de fazer de outro modo. No pode haver uma nica maneira melhor de fazer as coisas, de responder s obrigaes, de governar os seres humanos. No entanto, isso tambm quer dizer que essas alternativas no so precisas, que elas no so, necessariamente, formuladas e que no sa-bemos onde elas nos podem levar, pois, a cada vez que h escolhas h tambm responsabi-lidades e riscos.

Sempre se pode trabalhar de outra maneira", "agir de outra maneira". E se no se leva em conta essas reservas de alternativas que existem no trabalho de direo e do ge-renciamento, para se reposicionar a fim de integrar os novos saberes sobre o trabalho e se adaptar s evolues das situaes, ento, caminha-se ao encontro de grandes dificuldades. Pois, apenas sero geridas crises e conflitos.

Cada indivduo tem maneiras diferentes de avaliar uma situao. E essas maneiras pessoais remetem, inicialmente, aos objetivos e imperativos que lhe so atribudos, mais ou menos implicitamente, pelos outros. Aqueles que esto hierarquicamente acima dele, mas tambm ao seu lado, porque ele est sempre inserido em uma equipe, um coletivo de traba-lho, mas igualmente aos seus subordinados, porque preciso levar em conta as possibili-dades e as impossibilidades daqueles que ele gere.

Em seguida, suas maneiras de avaliar remetem a sua prpria personalidade, a sua posio hierrquica, aos seus valores, a sua cultura, a sua ideologia. Portanto, a neutralida-de e imparcialidade so ilusrias. Embora isso seja impossvel, preciso admitir que para todo gestor h uma contradio que ele deve levar em considerao.



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Dois traos da contradio na ergogesto

1) Pede-se ao gestor para gerir, do exterior, os humanos, para normatiz-los, enqua-dr-los atividade de trabalho a fim de poder alcanar objetivos que lhe so fixados. E compreende-se muito bem que tenha de ser assim, pois, trata-se de uma posio lgica. Um gerente, aquele que decide, um gestor, atualmente, tem por obrigao normatizar. Isso significa que ele tem normas em sua maneira de organizar o trabalho e de organiz-lo no seio de um coletivo. E isso algo que no se poder jamais contestar-lhe, caso contrrio, no haveria vida coletiva possvel, no haveria nenhuma eficcia possvel.

Mas, at onde ele pode faz-lo sem se afrontar, se expor, ao segundo aspecto da contradio?

2) Na realidade, a ergologia mostrou que impossvel impor, do exterior, normas imperativas e rgidas para os seres humanos. Que sempre h necessidade de se adaptar "es-ses encontros singulares" entre os trs registros, j desenvolvidos aqui e relembrados a seguir:

1/ Um trabalho a realizar requer conhecimentos especficos e definidos;

2/ Um encontro com os assalariados sempre singular no tempo e no espao e

3/ Um meio ou um ambiente sempre infiel s previses.

Ento, como gerir essa contradio se, de um lado, preciso normatizar para or-

ganizar o trabalho, contudo, impossvel normatizar tudo?

De acordo com Schwartz, a ergogesto comea com a idia de se levar a normatiza-o das atividades coletivas dos outros apenas at certo grau, pois ela conduz a limites, sendo a sua rigidez impossvel e mesmo patognica, no prprio sentido do termo, por se tratar de algo desumano e contra a natureza. Afinal, no se pode manipular, por muito tem-po, a realidade das coisas e dos seres.

Convm, portanto, a cada gestor, a cada organizador do trabalho, levar em conta os imperativos de toda a atividade humana e essa contradio entre o que ele quer fazer e o que lhe pedido para fazer e o que ele, in fine, pode fazer, considerando as situaes sem-pre singulares. E a, como j foi exposto, no h e no pode haver receitas prontas. preci-so se adaptar a cada situao. Nesse sentido, a gesto coloca-se mais como uma arte do que como uma tcnica.

Os conhecimentos ergolgicos se preparam para enfrentar essas situaes; enfren-tamento que tanto possvel que j foi feito e com resultados encorajadores. importante salientar que tudo depende de uma postura metodolgica a se adotar, o que, fundamental-mente, consiste em, de um lado, que a padronizao integral, a antecipao, a normatizao da atividade humana impossvel e que h limites que prefervel no ultrapassar. E de outro lado, que a vida como simples execuo de normas de atividades que no so reto-madas, retrabalhadas, adaptadas pelos seres vivos, sinnimo de doenas, de estresse e de crises23. Cada um tem de ter certas margens de manobra a fim de poder "usar de si" como lhe convm.

Concluses Atividade de trabalho e relaes sociais

O foco desse artigo foi a apresentao da metodologia ergolgica e o que ela permi-te desenvolver. Cabe a cada um perceber, a partir de sua prpria percepo, ainda que intu-itiva, de sua atividade de trabalho, se esses procedimentos encontram ou no respaldo na realidade.24



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Quando se interessa em estudar o trabalho, preciso reconhecer que a atividade de trabalho sempre expresso de uma relao social. Que ela condicionada por essa rela-o social e, sobretudo, pelo estado de foras sociais presentes. Que toda tentativa em transformar a atividade de trabalho, seguindo o estado dessas foras sociais presentes, pode ser a exemplo da lngua do filsofo Esopo a melhor ou a pior das situaes para os as-salariados. Tudo depende da finalidade buscada pelos promotores dessas transformaes e do estado de foras sociais vigentes.

Atualmente, ao nvel mundial, essa relao muito vertical, muito hierarquizada e muito orientada conforme finalidades puramente econmicas as sucessivas crises finan-ceiras mostram claramente sua fragilidade , para permitir responder eficazmente, tanto no plano social quanto no econmico, a complexidade intrnseca do trabalho humano. no quadro de uma redefinio dessa relao social que preciso conceber toda a problemtica, caso se pretenda orientar em direo a solues confiveis que contemplem o maior parte das pessoas.

A ergologia pode ajudar a redefinir uma relao social que responderia melhor s exigncias sociais e econmicas de cada pas. E, sobretudo, que permitiria ao trabalho hu-mano encontrar sua verdadeira razo de ser, fundamental e ontolgica, que favorecer o desenvolvimento de cada indivduo, tanto no plano humano quanto econmico e social. Para fazer isso, preciso colocar o ser humano no centro de todas as nossas preocupaes. Efetivamente, qual pode ser o interesse do trabalho seno de permitir um desenvolvimento harmonioso de todos, sobre todos esses planos? Do ponto de vista ergolgico, o trabalho, enquanto atividade, uma necessidade para o homem. Pessoalmente, sustento que uma necessidade anloga ao ato de beber e comer. Alguns psiquiatras chegam a afirmar tratar-se de um desejo25. Ainda que, na prtica, seja freqente vivenciar o trabalho enquanto so-frimento, obrigao e mesmo uma maldio divina.

Infelizmente, na contemporaneidade, o que se constata, globalmente, que o traba-lho, na maioria dos casos, embrutecedor, alienante e mesmo traumatizante e, muito fre-quentemente, mortfero. Todavia, no o trabalho, em sua funo fundamental e ontolgi-ca, que acarreta essas perverses, e sim as condies de trabalho que so impostas. Condi-es, por sua vez, imputadas pelos prprios Homens. Nesse caso, os Homens podem mu-d-las, podem faz-las evoluir favoravelmente ao interesse de todos e no somente ao inte-resse egosta e perigoso de uns poucos.

Portanto, as condies de trabalho consistem em uma questo concernente a todos, sejam brasileiros, franceses ou de qualquer outro pas, do norte ou do sul, do leste ou do oeste. Assim, o futuro do trabalho e do ser humano depende da postura assumida pelos prprios indivduos, sejam eles, dirigentes, trabalhadores ou pesquisadores.

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Notas

1 Traduo de Cristiane A. Fernandes da Silva (Docente do Departamento de Cincias Sociais, Universidade Federal de Uberlndia UFU) 2 Socilogo-Erglogo da Universidade de Provena e do Mediterrneo, Frana, e-mail: [email protected] 3 Vale notar que em francs a sigla GRT significa: Groupe de Rencontre du Travail, cuja traduo para o

portugus Grupo de Encontro de Trabalho. 4 O esquema mostrado permite, igualmente, responder a uma questo que , frequentemente, colocada: qual a

diferena entre ergonomia e ergologia? 5 Cf. Bachelard, G., 1940. 6 Cf. Schwartz, Y. e Durrive, L. (org.), 2007, p. 266 e seguintes. 7 Cf. Odonne, I., 1981, p. 57 e seguintes. 8 Cf. Duraffourg, J. e Vuillon, B. (dir.), 2004. 9 Cf. Schwartz, Y., ?, p. 47-77. 10 Cf. Schwartz, Y.,1987. 11 Cf. Jacquard, A., 1983, p. 136 e seguintes.



113

12 Cf. Clot, Y., 2008. 13 Cf. Schwartz, Y., 2000. 14 Cf. Marx, K., 1977, p. 136. 15 FAR - Forces dAppel et de Rappel - traduzida para o portugus como Fora de Convocao e Reconvo-

cao. 16 Art. R. 4141-2 do Cdigo do Trabalho: O empregador informa os trabalhadores sobre os riscos para sua

sade e sua segurana, de forma compreensvel para cada um. Essa informao, assim como a segurana, transmitida quando da contratao do trabalhador e sempre que necessrio. preciso, do mesmo mo-do, que essas informaes sejam repassadas a cada vez que o assalariado assuma um novo posto de traba-lho.

17 Cf. Schwartz, Y., 1994. 18 Consultar.: http://www.travail.gouv.fr/publications/picts/bo/05062002/A0100004.htm 19 Cf. Trinquet, P., 2009. 20 Ver a coletnea de Echternacht, E. & Verssimo, M. (2009). 21 Cf. Freire, P., 1978. 22 Cf. Freire, P., 2001, p. 62. 23 Cf. Canguilhem, G., 1996. 24 - Para aprofundar as noes ergolgicas, veja as informaes, tanto em verso francesa quanto portugue-

sas, disponveis na rede virtual: http://www.ergologie.com/ e http://www.rencontresdutravail.com/ 25 Ver a contribuio da psicloga clnica e psicanalista Trmolires, C. R., (2007) In: Schwartz, Y. e Durri-

ve, L. (org.), 2007, p. 229-230.

Recebido dia 10/03/2010

Avaliado dia 20/05/2010

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