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Cincia e mdia: negociaes e tensesIeda Tucherman e Mariana Schreiber Ribeiro

O binmio de Newton to belo como a Vnus de Milo O que h pouca gente para dar por isto. lvaro de Campos

Corremos, acredito, o risco de uma surpresa: se Fernando Pessoa, atravs de seu heternimo, lvaro de Campos, achou necessrio afirmar a beleza e o interesse do binmio de Newton contra a tradio de reconhecimento da Vnus de Milo, hoje a cincia e as tecnologias dela derivadas so de tal modo prestigiadas que, lembrando da Vnus de Milo, algum pode perguntar do que se trata e ainda sugerir a correo por um software qualquer de photoshop, para devolver-lhe os braos, por exemplo. Na verdade, a cincia hoje tem uma presena massiva e disseminada: podemos encontr-la nos jornais, nos filmes, nos livros, nos videogames, nas referncias mais imediatas relativas nossa experincia de realidade assim como no nosso imaginrio coletivo e individual. Sendo parte da cultura, que era o que o poeta tentava demonstrar, e tendo atualmente o indiscutvel prestgio da eficcia, ela participa freneticamente do nosso cotidiano e seus resultados, assim como suas promessas, repercutem em todos os mbitos da nossa atualidade. A conseqncia lgica: no momento atual seus temas alcanam uma enorme visibilidade em todos os produtos dos meios de comunicao: alimentos trangnicos, clonagem, clulas-tronco, terapia gnica, biomedicina, engenharia gentica, biofrmaco, Internet, ciberespao, robtica, ciborgue, so algumas das presenas de destaque em todas as mdias, povoando com alguma informao e bastante confuso o imaginrio social. Como nos lembra Margareth Wertheim: Quer aprovemos ou no as fantasias tecnocientficas, elas so uma parte cada vez mais poderosa da nossa paisagem cultural, e precisamos compreend-las, pois estes sonhos esto moldando o modo como importantes tecnologias esto sendo desenvolvidas e implementadas na nossa sociedade. No se trata apenas de criaes imaginrias de autores de fico-cientfica, trata-se, cada vez mais, dos sonhos relativos ao mundo real de membros influentes da elite tecnocientfica. (Wertheim, 2001:31).

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O nosso presente tambm aquele que descrevemos como o da presena nas novas bancas de jornal de inmeras revistas brasileiras cobrindo um campo enorme de interesses; alm dos tradicionais temas de culinria, fofocas, decorao, boa forma e que tais, encontramos, numa lista de memria: Bravo e Continente, como revistas culturais, algumas revistas sobre informtica, algumas dedicadas histria, sendo uma de responsabilidade da Biblioteca Nacional, revistas sobre literatura como a Entre Livros, e pelo menos quatro ttulos importantes ligados chamada divulgao cientfica, ou, se quisermos, representao pblica da cincia e da tecnologia. So elas: Cincia Hoje (SBPC), Galileu (Editora Globo), Superinteressante (Editora Abril) e American Science (Edio brasileira), outro dado a considerarmos. Certamente, isto indica uma customizao do consumo, uma segmentarizao de pblicos e interesses e uma aproximao com o efeito zapping, que define um padro de ateno flutuante e no-cativa, sempre atrs de novidades. No por acaso que tais revistas so contemporneas se no da realidade, pelo menos da mentalidade da TV a cabo, encontrando paralelos em canais como National Geographic, Discovery Channel, Discovery Health, Animal Planet e Discovery Child, e antecipando a utopia das mdias digitais, eu-cntricas, onde o que importa que tragam o contedo que eu quero, quando eu quero, no formato que eu quero segundo a terminologia eufrica de seus difusores (Tucherman e Ribeiro, 2006). Indicam, tambm, um aspecto que este artigo pretende privilegiar na reflexo sobre a presena de algumas revistas cientficas especializadas, da oportunidade e da forma de mediao por elas operada das descobertas, elaboraes, conquistas, promessas e projetos das cincias da vida e da biotecnologia. Nosso objeto ser, portanto, a representao pblica das cincias e das tecnologias, num movimento cujo incio localizamos na dcada de 1980, estendendose nos anos 1990, de um conjunto de ligaes e alianas que do sustentao e fora aos fios interligados e configuram a relao entre os dois atores, mdia e cincia, que guarda, hoje, um certo grau de simbiose. Ao vincular matrias sobre pesquisas cientficas, a mdia conquista prestgio e atualidade; enquanto garante sustentao poltica e cultural cincia, a qual, tendo visibilidade, justifica sua importncia e assegura os investimentos necessrios ao seu funcionamento. As conseqncias no param por a, no entanto. Atualmente, os hbitos de cuidado do corpo humano apiamse em um amplo aparato biotecnolgico, e seu uso est diretamente relacionado com o funcionamento da sociedade de consumo. As inmeras promessas de superao de limites, relacionadas, sobretudo, sade e esttica, geram enorme apelo junto aos leitores, pois se relacionam diretamente com a vida particular de cada um. E o apelo gerado no apenas pela

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leitura, mas pelo consumo de produtos, pois novos desejos so induzidos na populao e uma nova lgica de relao com o corpo est sendo construda. As tecnologias biomdicas anunciadas nos jornais e revistas prometem aos indivduos meios de regrar a forma do corpo e de permanecer vivo e belo. Esta nova possibilidade de controle gera responsabilidades individuais, fazendo com que lidemos com nossos corpos segundo um modelo de gesto de riscos. Esta parece ser, ao nosso olhar, a nova forma de presena de uma poltica que se desloca do coletivo para o individual e do Estado para o indivduo, como apontaremos a partir dos artigos que usaremos como exemplo. ALGUNS ASPECTOS DA MIDIATIZAO DA CINCIA NA ATUALIDADE Sabemos que os meios de comunicao concentram o poder de iluminar certos fatos como notcias relevantes, selecionar acontecimentos que so alados condio de inaugurais ou histricos, na mesma medida em que verificamos que algo que no abordado pela mdia passa a ser considerado, em princpio, sem interesse. Gabriel Tarde no antigo e sempre atual texto A opinio e as massas (Tarde, 1992:89) mostra como aparece uma sinonmia gerada pela mdia entre o atual como sendo de interesse geral da populao , ao mesmo tempo em que a prpria mdia que, gerando o foco que oferece a alguns acontecimentos, produz este mesmo interesse. Afinal, por meio da seleo, da disposio e da incidncia das suas notcias que a mdia determina quais os temas que o pblico ir discutir e sobre os quais deve elaborar uma opinio. Neste mesmo texto, Tarde comenta como o jornal, surgindo como indstria, comeou a pautar as conversas, que se deslocaram do que era vivido para o que era lido. Os enunciados produzidos pelos meios de comunicao so, habitualmente, aceitos como verdadeiros, envoltos numa aura de fidedignidade ao mundo dos fatos. Com relao midiatizao cientfica no haveria porque ser diferente. Neste movimento, a representao pblica da cincia que a mdia estabelece responsvel pela formao do imaginrio cientfico, j que delimita para o cidado o que e o que no cincia, e afirma atender s necessidades deste de compreender como, quando e por que os avanos cientficos afetam o seu dia-a-dia. Assim, a maneira como tanto os divulgadores quanto os jornalistas concebem a cincia interfere na qualidade da sua midiatizao e na percepo da populao. Especialmente porque tanto o tempo quanto o tom da tecnocincia, a concepo atualizada da cincia que atua no conjunto da realidade atravs da sua tecnicidade, so bastante diferentes dos da mdia.

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A pesquisa, em princpio, cautelosa e discreta, envolta num certo grau de mistrio e iniciao que j lhe valeu uma associao duradoura com a lgica do segredo; a mdia espalhafatosa, indiscreta e espetacularizante; o tempo de maturao de uma pesquisa lento, feito de idas e vindas, reconsideraes, avaliaes e experincias; o da mdia acelerado, quase moldado num perptuo agora, desconhece a calma e a reflexo. Conflitos seriam portanto inevitveis, com conseqncias que tentaremos apontar. A mais evidente se relaciona com o fato de que a comunicao da cincia ainda influenciada por uma viso mistificada da atividade cientfica, priorizando aspectos espetaculares e valorizando aplicaes imediatas, sugerindo, grande parte das vezes, que no se deve discutir algo decidido no campo cientfico. Como afirma Mnica Teixeira: Afirmar a parte pelo todo, sem mencionar que a parte no o todo: eis a maneira pela qual a cincia traduzida pelos jornalistas faz-se sensacionalista(...) Comete impreciso e erra-faz sensacionalismo. (in Massarani, Moreira e Brito, 2002:140) Sabemos que a espetacularizao o estilo mais acabado do jornalismo ps-moderno na sua busca em atrair interesse; o que a este aspecto se junta exatamente a abertura dada pelo princpio demirgico da cincia que se presta a receber tintas que a tornam muito prxima das epopias da fico-cientfica.1 Como assinala Schwartzman numa citao saborosa discorrendo sobre os efeitos desta caracterstica de espetacularizao na divulgao cientfica: No primeiro caso, a atividade cientfica glamourizada e enfeitada, os cientistas so grandes gnios que fazem coisas incrveis para todos ns. No segundo, existe uma fronteira do desconhecido em que discos voadores e astrologia se juntam aos doutores Silvana e Spock (o da Jornada nas Estrelas) em um mundo mgico e aberto a todas as possibilidades. Em ambos os casos o leitor infantilizado e entende cada vez menos da verdadeira natureza do trabalho cientfico. (Schwatzman, apud Massarani e outros:25). Quanto s diferentes temporalidades, so inmeros os seus efeitos de dissonncia, neste caso, ainda mais agudos quando vemos os prprios cientistas, em parte por euforia, em parte por desejo de visibilidade para garantia dos investimentos, fazendo promessas absolutas com uma semntica muito prxima da dos lderes religiosos. Um exemplo simples nos visitou na divulgao dos primeiros resultados do Projeto Genoma nos jornais quando o diretor do Instituto Celera, Dr. Francis Collins enunciou: Conhecemos agora a linguagem com que Deus criou a vida., numa retrica hbrida e descompassada com a da pesquisa cientfica. Outro efeito com o qual nos deparamos no nosso dia-a-dia o recall de certos medicamentos, aprovados como evolues nas terapias antes de avaliaes consistentes de seus efeitos no organismo.

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Os antiinflamatrios tm campeonato nesta matria: sai o Viox, o Celera e todos os desta gerao que minoram as dores musculares sem atacar o estmago (milagre!), no entanto, provocando substancial aumento em cardiopatias em seus usurios. MDIA E CRTICA NA RELAO DE DIVULGAO CIENTFICA Poder estabelecer uma crtica s relaes entre mdia e cincia, quando queremos sair de um imediatismo inconsistente, nos conduz, necessariamente, a pensar na prpria origem da perspectiva da divulgao cientfica: trata-se, segundo Bruno Latour, um dos fundadores e especialistas do campo dos estudos cientficos,2 da abertura de uma caixa-preta capaz de revelar quais so os movimentos e os discursos dos diversos atores envolvidos no processo de fazer pesquisa poltica. Nos seus diversos trabalhos, Latour nomeia o que chama de atores inumanos, que participam do processo e dos agenciamentos que funcionam como condies de possibilidade para que um discurso cientfico se construa e se afirme como sendo o mais verdadeiro ou o mais eficiente. Esta a maneira como substitui o antigo par sujeito-objeto, com a vantagem de que o par humano-no-humano se consolida numa cenografia prpria. Segundo suas prprias palavras, nas paisagens pintadas dos laboratrios pelos estudos cientficos vamos personagens vivas, imersas em seus laboratrios e carregadas de paixo e instrumentos e ao invs da plida e exangue objetividade da cincia, todos ns tnhamos demonstrado, a meu ver, que os muitos no-humanos mesclados nossa vida coletiva graas prtica laboratorial tinham histria, flexibilidade, cultura, sangue - em suma, aquelas caractersticas que lhes tinham sido negadas pelos humanistas instalados na outra extremidade do campus. (Latour, 2001:15). Certamente, um dos determinantes internos e externos do fato cientfico o contexto social e poltico que o envolve, j que este, ao mesmo tempo, demanda da cincia a construo de um modelo de realidade e explora as implicaes de tal modelo na distribuio das foras que participam tanto do campo poltico quanto do da produo de sentido. Seno vejamos, dando continuidade a uma pergunta bastante simples: o que que se divulga na cincia? Considerando a penetrao que esta produz no imaginrio social e superando a idia mais imediata do senso comum, a saber, que a divulgao da cincia corresponde democratizao da informao, podemos afirmar que o que se desvela a questo da produo de conhecimento (inclusive a cincia) em culturas particulares, mesmo que a cincia costume se apresentar

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como vinculada ao universal e a sociedade de consumo se explicite como globalizada e mundializada. Ao mesmo tempo, e isto bastante interessante para considerarmos as duas revistas onde colhemos o exemplo que analisaremos a seguir, um movimento parece ser comum para descrever a atualidade da relao cincia-poltica-pblico: trata-se de uma crise da poltica como administradora de solues provenientes da ao humana no sentido de diminuir ou erradicar o sofrimento. O conjunto discursivo desloca-se da poltica, onde o interesse envolvia as perspectivas endmicas e suas causalidades sociais, para centrar-se no indivduo; afinal, uma vez informado, sabendo o que evitar e o que comer, compreendendo a necessidade dos exerccios e abandonando hbitos prejudiciais como cigarro, bebidas etc., no interior deste indivduo que reside a responsabilidade de calcular os riscos e assim evitar o sofrimento, assim como a responsabilidade de gerir sua prpria vida. Aparece uma curiosa mistura que mesclando moralidade, esttica e biocincias acaba por intervir na prpria experincia e no entendimento do que so, agora, a vida e a morte. Se ainda no podemos erradicar a ltima, embora as tecnocincias insinuem promessas a respeito, se no podemos propor a imortalidade, sobretudo pelo conjunto de causas externas de mortalidade, hoje muito presentes na mdia, tais como terrorismo, acidentes e violncia, podemos falar que, no mbito individual, parece haver um deslocamento, tratado nestas matrias da Galileu e da Scientifican American, que enunciam um novo lugar de atuao: o da morte no horizonte do evitvel. Acompanhando esta euforia, vemos com freqncia uma postura relacionada recepo dos artigos de divulgao cientfica definida como modelo do dficit de conhecimento que tem dois pressupostos: se conhecssemos os argumentos das cincias ficaramos entusiasmados a ponto de alterar nosso comportamento, tanto diante da vida, onde seramos mais conscientes dos riscos, quanto da cincia, a quem atribuiramos os benefcios decorrrentes das decises corretamente tomadas, o que indica a radical e ltima promessa: conhecer a cincia aprender a am-la. PROMESSAS DE VIDA ETERNA NAS REVISTAS CIENTFICAS Viver para sempre5 e Genes da Longevidade6 so matrias publicadas recentemente nas revistas Galileu (Editora Globo) e Scientific American Brasil (Editora Duetto), respectivamente. Praticamente no mesmo ms de 2006 S.A.B. em abril e Galileu em maio , as revistas deram destaque a pesquisas cientficas que atualmente investigam biotecnologias capazes de frear ou mesmo impedir o processo de envelhecimento que atinge os seres humanos, quem sabe at eliminando a morte.

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Embora o tema das matrias seja o mesmo, a abordagem e o contedo vinculados so distintos em cada revista. A reportagem Viver para sempre, de autoria da jornalista Vanessa de S, lista uma srie de intervenes tecnolgicas no organismo humano que seriam as chaves para imortalidade. A matria no se dedica a explicar em detalhes o funcionamento dessas biotecnologias, nem os estudos que levaram a seu desenvolvimento. Ao invs disso, a revista procura convencer o leitor de que a conquista da imortalidade est prxima recheando a matria com declaraes de especialistas. A mais eufrica delas a de Aubrey Degrey, identificado como geneticista da Universidade de Cambridge: Acredito que a primeira pessoa a viver mais de 1.000 anos j nasceu. A matria de capa Genes da Longevidade, seguindo o padro das reportagens vinculadas na S.A.B., trata com especificidade de uma nica linha de pesquisa e escrita pelos prprios cientistas que a desenvolveram, Sinclair e Guarente Ela descreve um estudo que j dura cerca de 15 anos e que investigou o funcionamento de genes que controlam mecanismos de defesa naturais com intuito de transformlos em armas contra doenas e o declnio que so aparentemente sinnimos do envelhecimento humano. Resultados positivos j teriam sido obtidos a partir de manipulao gentica em seres como o levedo e a mosca-da-fruta. Dada a existncia de tecidos anlogos neste inseto e em seres humanos, os cientistas suspeitam que o mesmo procedimento possa ser aplicado com sucesso em mamferos. Segundo os cientistas, entretanto, a comprovao dessa suspeita no ser imediata: levaremos dcadas at saber como os genes da sirtuna afetam a longevidade humana. Quem espera tomar uma plula e viver mais de 130 anos talvez tenha nascido um sculo cedo demais. Para Sinclair e Guarente, quem est vivo j poder ao menos usufruir medicamentos desenvolvidos a partir de suas descobertas para tratar de doenas como Alzheimer, cncer e diabetes. Apesar de esta ser, segundo a matria, a aplicao mais vivel de seus estudos, ao longo de todo o texto, dado maior destaque s promessas da biotecnologia para deter o envelhecimento humano. Inegavelmente, no entanto, a abordagem da S.A.B mais cautelosa que a da Galileu. Enquanto sua chamada de capa diz que A chave para desacelerar o tempo biolgico pode (grifo nosso) estar no DNA, o subttulo da matria Viver para sempre promete a erradicao da morte: No, ningum aqui est falando de mais uma fico de Hollywood. Medicina e tecnologia se unem para apontar um caminho real rumo imortalidade. Apontado o caminho, percorr-lo depende de um esforo individual, em que cada um deve ser o perito de si, monitorando a sade constantemente. As duas

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Capa da Scientific American Brasil, ano 4, Editora Duetto, edio 47, abril de 2006

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Ibdem., p.60

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Ibdem., p.43

Revista Galileu, Rio de Janeiro: Editora Globo, no 179, maio de 2006, p.60

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Ibdem., p. 57

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matrias indicam, por exemplo, cuidados dietticos especiais como a restrio de ingesto de calorias. Entretanto, j apontam drogas em desenvolvimento capazes de produzir os mesmos efeitos da dieta sem que ela seja necessria. Segundo Chevitarese, e Pedro (2005), A biotecnologia est oferecendo, ento, estratgias de controle do risco (de adoecer, envelhecer ou falecer) que incidem sobre uma virtualidade, em que se trata menos de reparar e corrigir deficincias do que de programar eficincia. A partir da projeo sobre futuros danos e desgastes biolgicos provveis, passamos a tomar providncias de antemo, que podem variar de uma simples dieta at mesmo retirada de rgos. Esta nova forma de experimentao do corpo mediada pelo princpio de risco relaciona-se diretamente com a mudana do papel desempenhado pelo corpo na sociedade capitalista. Como argumenta Paulo Vaz: Durante o capitalismo de produo, o corpo entrava no mercado como fora de trabalho: tratava-se de, ao compr-la, encontrar meios de usar ao mximo esta sua capacidade de produzir. Pesquisava-se o corpo como fora a ser domada e preservada. J o nosso mundo caracterizase por um capitalismo da super produo, onde o que faz problema consumir o que se produz em excesso comparativamente necessidade. Desde ento, o corpo entra no mercado como capacidade de consumir e ser consumido (Vaz, 1999:101 a 111) A finalidade maior do corpo humano atualmente deixou de ser mo-deobra produtiva para ser instrumento de consumo. Para tanto, deve haver moderao, para que o consumo excessivo no comprometa a vida til de consumo. Explica-se a insistncia social na eficincia, autocontrole e juventude prolongada; todo indivduo, se eficiente e controlado, tem o direito a ter prazer durante muito tempo(Ibidem) Apesar do formato diferenciado das duas matrias analisadas, observase que ambas do sustentao a este novo panorama social. Nenhuma delas, entretanto, aborda o tema de forma problematizadora, levando em conta o funcionamento real da cincia, com suas controvrsias e sua profunda insero no meio cultural e socioeconmico (Massarani, Moreira e Brito, 2002:63). Ambas, Galileu e Scientific American Brasil, do nfase aos aspectos espetaculares das pesquisas, genialidade de determinados cientistas e s aplicaes imediatas da cincia. Embora a S.A.B. tenha um texto mais denso e com mais informao, ela se restringe muito aos aspectos tcnicos e trata pouco do contexto social que faz emergir esse tipo de estudo e as conseqncias da mesma. As matrias no abordam com profundidade as complexidades que advm das intervenes tecnolgicas defendidas e de suas conseqncias sociais. Limitam-se a justific-las defendendo que elas aplacaro o

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sofrimento e traro felicidade, um argumento simplista diante de todas as transformaes sociais inclusas no processo. Ainda h um ponto de divergncia entre as revistas a ser citado. O contedo grfico das duas bastante distinto. S.A.B tem uma estrutura constante em suas matrias: as primeiras duas pginas trazem imagens com apelo esttico mais ilustrativo e as demais pginas trazem sempre infogrficos (tabelas, esquemas etc.) que auxiliam na compreenso da pesquisa cientfica descrita na matria. J a Galileu privilegia imagens com apelo esttico ilustrativo durante toda a matria, sem grande preocupao de que se entenda o desenvolvimento das pesquisas cientficas citadas. Na matria especfica analisada, ela publica imagens de atletas, reiterando a valorizao da prtica de exerccio fsico presente tambm no texto.

IEDA TUCHERMAN professora do Programa de Ps-Graduao da Escola de Comunicao da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO-UFRJ). MARIANA SCHREIBER RIBEIRO aluna de curso de jornalismo da ECO-UFRJ, bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciao Cientfica (PIBIC).

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NOTAS

1 Esta afinidade entre a tecnocincia contempornea e a fico cientfica foi desenvolvida em vrios artigos publicados nos ltimos anos. Destaco especialmente: Tucherman, I. Novas subjetividades: conexes intempestivas (2002), Notes for a future anthropotecnology (2003) e Corpo e narrativa cinematogrfica (2004). 2 Este batismo de estudos cientficos foi proposto como analogia ao dos estudos culturais: em ambos os casos trata-se de identificar como opera um necessrio trnsito de sentido entre comunidades heterclitas assim como de apontar que atores e em que papis identificamos no processo.

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