TURISMO E A RECRIAÇÃO DAS AGROINDÚSTRIAS RURAIS

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    O TURISMO E A RECRIAO DAS AGROINDSTRIAS RURAISTRADICIONAIS

    Silveira, P.R. C. da1; Diesel 1, V.; Lerner, F. 2; Barcellos, S.3; Newmann, P.S. 1;Froehlich, J.M.1; Brito, A.de S.2

    RESUMOO propsito do presente trabalho discernir os fatores que condicionam a eficcia dos

    programas de turismo rural na ativao das agroindstrias familiares, realizando talanlise a partir do estudo do caso das agroindstrias familiares de vinho e aguardente decana-de-acar (cachaa) da Quarta Colnia de Imigrao Italiana no Rio Grande doSul. Argumenta-se da existncia de uma relao sinrgica positiva entre turismo rural eagroindstria familiar rural., mas coloca-se que esta est condicionada a um repensardas estratgias das polticas pblicas em relao produo artesanal, pois esta deve

    permanecer como capaz de oferecer produtos diferenciados dos produtos da grandeindstria, visando manter o apelo de consumo ao turista rural. Sugere-se que asexpectativas dos turistas devem ser consideradas, operando-se uma recriao dasagroindstrias rurais tradicionais.

    ABSTRACTThe purpose of this work is to discern the factors that impinge on the programsefficiency of rural tourism in the familiar agroindustries activation, accomplishing thisanalysis from the study of the familiar agroindustries case of wine and sugarcane spirit(rum) of the Italian Imigration Quarta Colnia in Rio Grande do Sul. It is argued theexistence of a positive relation between rural tourism and rural familiar agroindustry,

    but it is showed up that it is impinged on to one rethinking of the public politicsstrategies regarding in relation to the craft production, for this must remain as able to

    offer differentiated products of the great industry, aiming to maintain the consumptionappeal at the rural tourist. It is suggested that the tourists expectations must beconsidered, when is taking place a re-creation of the rural traditional agroindustries.

    PALAVRAS-CHAVE: Agricultura familiar, agroindstrias rurais, Turismo rural

    KEY-WORDS: Familiar agriculture, rural agroindustries, rural tourism

    1. INTRODUO

    Os estudos sobre a reproduo social das famlias rurais mostraram a

    inviabilidade de modelos de especializao produtiva baseados na produo dascommodities agrcolas, que constituam a referncia das polticas de modernizao. 4Por outro lado, partindo de estudos de caso na regio sul do Brasil, autoresargumentaram que a reproduo da unidade familiar de produo agrcola no se dariaem funo da sua superioridade tcnico-econmica e, sim, porque ela seria a estruturasocial que mais converge com o esquema tcnico produtivo e econmico das estruturasdas grandes agroindstrias processadoras. Ou seja, a produo de matrias-primas para

    1Profs do DEAER/CCR/UFSM, Santa Maria, RS.2Acadmicos do Curso de Agronomia, CCR/UFSM, Santa Maria, RS.3Acadmico do Curso de Medicina Veterinria, CCR/UFSM, Santa Maria, RS.4

    A relao entre Tecnologia e Campesinato foi tratada por Silva (1983) e a avaliao da viabilidadedos diferentes sistemas de produo recorrente nos estudos realizados segundo o enfoque sistmicotais como o de Silva Neto e Frantz (2001).

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    grandes agroindstrias parecia constituir uma alternativa consistente para a viabilizaoda reproduo social dos agricultores familiares. Esta alternativa passou a serquestionada a medida em que se evidenciaram relaes desiguais de poder, as quaisafetavam desfavoravelmente o agricultor na distribuio dos riscos e do excedente da

    produo.5

    Outros autores ressaltam a possibilidade de agregar valor produo medianteprocessamento domstico da matria-prima de origem agropecuria. Referem-se, nestecaso, ao incentivo formao de agroindstrias familiares6, identificando, naelaborao de produtos agroalimentares tpicos7um segmento de mercado promissor.Recentemente o incentivo a esta estratgia fundamenta-se na observao de que existeum segmento de mercado para produtos agroalimentares tpicos (de carter local /regional) e tambm na constatao de que cresce a procura por produtos diferenciados ede qualidade, com caractersticas locais/tpicas..

    No caso das agroindstrias familiares, diversos autores apontam que estasapresentam grande potencial na promoo do desenvolvimento regional mas vemencontrando dificuldades de consolidao (Vieira, 1998; Prezotto, 1999, 2002; Raupp,

    2005). Prezotto (2000) entende que o potencial da agroindstria familiar se torna maisevidente quando articulado com outras iniciativas prprias de cada local ou de cadaregio como, por exemplo, projetos em turismo rural.

    O propsito do presente trabalho discernir os fatores que condicionam aeficcia dos programas de turismo rural na ativao das agroindstrias familiares,realizando tal anlise a partir do estudo do caso das agroindstrias familiares de vinho eaguardente de cana-de-acar (cachaa) da Quarta Colnia de Imigrao Italiana no RioGrande do Sul. Trata-se de examinar em que medida os programas de turismo ruralcontribuem para superao dos estrangulamentos encontrados pelas agroindstriasfamiliares e, em que medida, as agroindstrias ofertam um produto que atende aosrequisitos do turismo.

    2. EXPLORANDO AS INTERFACES ENTRE AS AGROINDSTRIASFAMILIARES E O TURISMO RURAL

    2.1. As Agroindstrias Familiares, Turismo e Desenvolvimento RuralTem sido corrente no debate sobre as tendncias da agricultura no sculo XXI,

    as proposies de agregao de valor aos produtos de origem animal e vegetal comoestratgia de fortalecimento da agricultura familiar e desenvolvimento rural. Apresenta-se a implantao de agroindstrias familiares rurais como forma de resgatar o

    processamento dos produtos primrios ao mbito da unidade de produo agrcola,

    revertendo o processo histrico de separao entre agricultura-indstria.Como analisa John Wilkinson (1997), a miniaturizao tecnolgica permitereverter o processo iniciado nos anos 40 do sculo passado, quando se passa o

    5 Entre os trabalhos pioneiros sobre o tema destacam-se Sorj (1986) e Paulilo (1990).6A industrializao de certa forma artesanal dos produtos agropecurios, especialmente em reas deimigrao, no se constitui em uma novidade. Isto faz parte da histria e da cultura do imigrante e temcomo objetivo atender o consumo da famlia e, em menor grau, abastecer o mercado local com oexcedente. Diversas denominaes tem sido usadas para identificar o modelo de agroindustrializaodescentralizado e de pequeno porte como pequena agroindstria, agroindstria familiar, pequenoestabelecimento de industrializao de alimentos, agroindstria de pequena escala, agroindstriacaseira e agroindstria artesanal.7

    Mariot (2002) apresenta um interessante resgate do conceito de produto agroalimentar tpico, definindo-o como Produto processado obtido em pequena escala ao nvel da propriedade rural ou pequenasindstrias rurais, usando matrias primas locais e tecnologia de elaborao tradicional..

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    processamento das matrias-primas agrcolas para plantas industriais com capacidade deescala dentro do esprito da legislao sanitria que visava preparar o setor para omercado nacional ou externo.

    neste contexto que, na dcada de 90 do sculo XX, surgem programas deestmulo a agroindstrias familiares em todo pas, buscando a legalizao dos

    empreendimentos de processamento artesanal de alimentos, atravs de investimento eminstalaes e equipamentos, exigidos pela legislao sanitria vigente.Diversos estudos tem mostrado que as agroindstrias familiares, de modo geral,

    tem encontrado dificuldades para sua consolidao. Dentre estes fatores, pode-se citarcomo fundamental a incompatibilidade da escala de produo das agroindstriasfamiliares com as exigncias dos grandes circuitos de mercado, pautados pela

    padronizao e regularidade no fornecimento. O argumento de que o foco deve ser oscircuitos locais/regionais de produo, distribuio e consumo, evitando disputarmercado com as grandes empresas do setor agro-alimentar (Maluf, 2004) tem sedemonstrado inconsistente diante do investimento na implantao de agroindstriasfamiliares, o que leva a necessidade de aumentar a escala de produo para alm da

    capacidade do mercado local/regional (Silveira; Heinz, 2005). Tal investimento calcadono princpio da legalizao, desconsidera os reconhecidos problemas de disponibilidadede matria-prima, mo-de-obra e capital, carncia de equipamentos e instalaesapropriados a escala desejvel, a falta de organizao poltica, administrativa ecomercial, pouca disponibilidade de infra-estrutura pblica, a inadequao e odesconhecimento das legislaes sanitrias, fiscal e tributria. Segundo Prezotto (1999),uma das grandes dificuldades enfrentadas para viabilizao das agroindstrias advmdos termos da legislao sanitria vigente, esta orientada para uma grande escala de

    produo e elevado tempo entre produo e consumo ( Silveira; Zimermann, 2004).Em decorrncia das restries legalizao, especialmente junto s esferas

    estadual e federal, verifica-se a manuteno da produo artesanal de alimentos nainformalidade.8 Neste contexto, as agroindstrias familiares tendem a restringir-se aomercado local recorrendo, freqentemente, a venda na propriedade ou feiras de

    produtores, o que obstaculiza uma pretenso de aumento da oferta.A presso da legislao sanitria vigente leva a um processo de substituio de

    procedimentos artesanais de produo por procedimentos industriais, onde

    o fundamento a padronizao do produto, a garantia de que aquela marcano apresenta variao nem em qualidade, nem em caractersticas doproduto, devido a procedimentos tcnicos e operaes maqunicas sob rgidocontrole, enquanto o artesanal o imprio do como fazer, da varivelhumana, da diferenciao (Silveira ; Heinz, 2005).

    Deste modo, a busca da legalizao leva perda do diferencial do produtoartesanal e despotencializa o apelo ao turista rural, geralmente, um urbano em busca de

    produtos diferenciados aos ofertados no mercado de massa.Identifica-se, neste aspecto, uma primeira aproximao na relao entre o

    Turismo rural e a viabilizao de Agroindstrias Familiares. O que interessa ao turistarural o produto diferenciado, sendo a produo artesanal e a visita unidade de

    8Para Raupp (2005) o principal gargalo para o estabelecimento da agroindustria est na inflexibilidade dalegislao diante de uma pequena escala de produo e um consumo quase imediato, que a situao daproduo artesanal desenvolvida na agricultura familiar. A legislao exige que os estabelecimentos

    sejam padres, independentemente da quantidade produzida neste estabelecimento. Assim associando-sea qualidade estrutura fsica, a legislao condena esta produo artesanal informalidade, poisseria necessrio um grande investimento para sua regularizao.

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    produo fator importante, enquanto a poltica de legalizao de agroindstriasfamiliares leva padronizao dos produtos, atravs do atendimento de requisitoslegais.

    Para o circuito de turismo rural, as unidades produtivas servem de cenrio paradiversas atividades que constituem este segmento, onde o turista interage com o meio.

    Destaca-se a oferta de diversas atividades, como as variadas formas de lazer,demonstraes tecnolgicas, de produo e comercializao de artesanato e de produtosagropecurios (transformados ou in natura), alm de servios tursticos diferenciados,disponveis isoladamente ou em conjunto.9

    Tal sentido da atividade turstica est associada a revalorizao do ambienterural que d-se tanto por referncia ao seu componente natural quanto social. 10Froehlich (2002) identifica a formao de um novo imaginrio social sobre o mundorural que assume, assim, uma nova legitimidade. A valorizao do espao rural podegerar uma motivao turstica para um grupo particular de pessoas:

    Pessoas cansadas da despersonificao das grandes cidades e que buscam nos

    ambientes rurais um modo de vida mais autntico. O excesso de paisagensconstrudas das metrpoles leva a uma busca pela paisagem natural. A mesmicedos produtos padronizados d lugar a uma busca de produtos com identidadeprpria, com vnculos locais. Consumidores cansados com o desencantamento dasofertas tradicionais buscam produtos que remetam ao ldico, que tenham acapacidade de fazer sonhar. Paralelamente a nsia pelo novo h uma nostalgia dopassado. (Alves, 2004, p.20)

    Neste contexto tornam-se freqentes as iniciativas de viagens de turistasprovindos do meio urbano em busca das singularidades naturais ou culturais do rural,dando origem ao ecoturismo (onde o atrativo valorizado a beleza natural), turismo de

    aventura, agroturismo (valorizado o modo de vida rural), turismo tnico-cultural ougastronmico.11Embora as referncias conceituais institucionais do turismo rural no Brasil

    enfatizem o componente de compartilhamento do modo de vida e visita unidade deproduo dos agricultores familiares (colocando-se, ento, como modalidade deagroturismo), entende-se que, para fins deste trabalho, convm considerar o turismorural de forma mais ampla, como toda viagem com busca aos atrativos naturais ouculturais singulares de um dado espao rural.

    9Segundo o Ministrio do Turismo (2004) a prtica do Turismo Rural que busca sua consolidao noBrasil e, em outros pases, vem proporcionando alguns benefcios, como: a diversificao da economia

    regional, pelo estabelecimento de micro e pequenos negcios; melhoria das condies de vida dasfamlias rurais; interiorizao do turismo e diversificao da oferta turstica; diminuio do xodo rural epromoo de intercmbio cultural; conservao dos recursos naturais; gerao de novas oportunidades detrabalho; melhoramento da infra-estrutura de transporte, comunicao, saneamento, dos equipamentos edos bens imveis; criao de receitas alternativas que valorizam as atividades rurais; relao direta doconsumidor com o produtor que consegue vender, alm dos servios de hospedagem, alimentao eentretenimento, produtos in natura (frutas, ovos, verduras) ou beneficiados (compotas, queijos,artesanato);integrao das propriedades rurais e comunidade e valorizao das prticas rurais, tantosociais quanto de trabalho. Para o caso do enoturismo ver Locks e Tonini (2005)10Para Santana (1998, apud Riveros; Blanco, 2003) a demanda pelo turismo rural se caracteriza por doistipos de turista: aquele interessado nas imediaes fsicas e recreacionistas do local e aquele que atradopela cultura local propriamente dita.11 O turismo rural vem crescendo no Brasil com caractersticas diferenciadas. Na maioria dos casos,

    ocorre de forma emprica confundindo-se em mltiplas concepes, manifestaes e definies, sendodenominado, tambm, de agroturismo, ecoturismo, turismo de interior, turismo no espao rural,alternativo, endgeno, verde, campestre, agroecoturismo ou ecoagroturismo entre outras.

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    2.2. Turismo e AgroindstriaFamiliar na Quarta ColniaNa Quarta Colnia12 situada na regio Central do RS - a produo

    agroindustrial caseira faz parte do modo de vida das famlias entretanto, na histria

    local, verifica-se que h um abandono da produo artesanal de vinho e aguardente emdeterminado momento, em virtude da fiscalizao atravs da qual os poderes pblicosreprimiram a comercializao informal, ocasionando o estrangulamento do mercado oque tornou tal produo desinteressante para os agricultores. Percebe-se que aconcorrncia com outras atividades demandantes de recursos humanos e de capital, bemcomo, os problemas agronmicos nas culturas da cana e da uva, contriburam, tambm,ao seu declnio13.

    No que se refere produo agroindustrial, destaca-se o programa SaborGacho do Governo do Rio Grande do Sul, desenvolvido nos anos de 1999-2002,responsvel pela qualificao e re-estruturao da produo artesanal. A adeso emfavor da proposta de implantao de agroindstrias familiares foi significativa, gerando

    grande nmero de unidades de produo em diferentes estgios tecnolgicos e emsituaes diversas em relao ao cumprimento de requisitos legais. Importante ressaltarque muitas das agroindstrias atuais voltadas ao mercado so oriundas deste perodo dofinal do sculo XX e no constituem uma produo tradicional herdada dosantepassados.

    Na regio em anlise, a maioria das iniciativas em prol do desenvolvimentodoturismo rural so relativamente recentes e vem sendo coordenadas pelo PRODESUS14,consistituem, potencialmente, em fator estimulador do investimento de agricultores na

    produo artesanal.

    2.2.1. O Caso do Vinho e da Aguardente15A produo de vinho foi identificada em 13 unidades produtivas. Nestas 4

    unidades agroindustrializam somente vinho, 4 associam a produo do vinho com aaguardente (cachaa) e as demais juntamente com o vinho produzem acar mascavo,salame ou gelias. A produo de vinho feita predominantemente com matria-primaadvinda na prpria unidade produtiva16(cultivam, em mdia, 1,25 ha de uva) e envolvemembros da famlia observando-se que somente um produtor declara integrartrabalhador contratado na produo de vinho.

    No caso da aguardente, observa-se que apenas 3 das 10 unidades analisadasagroindustrializam somente cana-de-acar em aguardente. Em 5 delas ocorre tambm a

    12O nome Quarta Colnia faz referncia colonizao italiana que foi predominante na ocupao destesterritrios.13 Tais informaes so baseadas em projeto de pesquisa intitulado Diagnstico e Cadastro dasUnidades de Produo de Hortigranjeiros e de Produtos Coloniais da Microrregio da Quarta Colnia eEstudo Regional de Mercado na Regio Central do Estado, financiado pela FAPERGS pelo editalPROCOREDES, em fase de concluso pela equipe autora deste artigo.14Programa de desenvolvimento sustentvel da Quarta colnia coordenado pelo CONDESUS, conselhode desenvolvimento sustentvel da Quarta colnia que abrange a nove municpios.15 A anlise aqui realizada se apoia no escopo do projeto Diagnstico e Cadastro das Unidades deProduo de Hortigranjeiros e de Produtos Coloniais da Microrregio da Quarta Colnia e EstudoRegional de Mercado na Regio Central do Estado, financiado pela FAPERGS. As unidades produtivaslevantadas pertencem a cinco municpios da Quarta Colnia de Imigrao Italiana do Rio Grande do Sul:

    Agudo, Ivor, Nova Palma, Dona Francisca e Silveira Martins. Os dados foram coletados a campodiretamente com cada produtor por equipe do projeto, no perodo de abril a agosto de 2005.16 Nove dos treze casos declaram utilizar exclusivamente uva cultivada na propriedade.

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    fabricao do vinho e em 2 delas a aguardente produzida juntamente com oprocessamento do leite em queijo. Em todas as unidades que fabricam cachaa hplantios de cana-de-acar. Em alguns casos ocorre a eventual compra de cana-de-acar de vizinhos. A cana-de-acar ocupa dentro das unidades produtivas uma reaque varia de 0,5 ha a 3 ha e utilizada, tambm, para a alimentao dos animais.

    Em 7 das 13 unidades produtivas o incio da produo de vinho se deu aps aano de 1990 e, em 4 aps 1995, o que corrobora a hiptese de uma produo bastanterecente. Tambm no caso da aguardente em 5 das 10 unidades a produo inicia-se apso ano de 1990, o que evidencia que embora haja tradio familiar na produo, noconstitui um produto que fazia parte do rol de atividades tradicionalmente realizadas,mas re-valorizado em contexto especfico de estmulo agroindstria familiar e seus

    produtos. Ao observarem-se os dados relativos aos casos estudados, nota-se o inciorecente da agroindustrializao, ao mesmo tempo, nota-se que a origem da receita nemsempre familiar. Isto leva a perceber que nem todas as unidades examinadascorrespondem imediatamente ao imaginrio de atividade incorporada tradiofamiliar, seja porque a receita - e possivelmente tecnologia e equipamentos utilizados

    na produo - so atualizados e provm de fora, seja porque a atividade descontnua no tempo. Considerando que o turista procura a materializao de suasreferncias sobre um passado idlico e que, no caso do turismo rural, h benefcios emassociar o produto demonstrao de seu modo de fazer, coloca-se o desafio derecuperar o carter artesanal, histrico especfico do local, da produo agroindustrial.

    Na dcada de 90 inicia-se uma articulao regional em prol do turismo rural,com base na oportunidade de mercado propiciada pelo novo contexto social. O Turismorural na Quarta Colnia passa a ser um apelo de marketing que, potencialmente, ampliao mercado para esta produo artesanal.

    A escala de produo de vinho varia de 800 a 10.200 litros anuais onde 9 das 13unidades produtivas produzem menos de 3.000 litros anuais. O preo mdio praticado

    para cada litro de vinho vendido de R$ 2,96, sendo que varia de R$ 2,00 a R$ 3,50. Avenda da produo de vinho feita em 9 casos diretamente para o consumidor que vemna propriedade; somente 1 produtor relata vender seu vinho em feira e 3 produtoresalm de venderem nas propriedades, vendem tambm para pequenos mercados. No quetange a qualidade dos seus produtos, 5 dos 13 entrevistados consideram seu vinhobom, 5 ainda citaram a pureza, que condiz a no adio de qumicos e acar

    bebida.No caso da aguardente, a escala de produo varia de 1.000 a 8.000 litros. Das

    unidades pesquisadas, 6 produzem menos de 3.500 litros/ano de aguardente, em duas aproduo est entre os 3.500 e 8.000 litros anuais de aguardente e, em outras 2 ocorre a

    fabricao de 8.000 litros/ ano. Em 9 dos 10 casos investigados a comercializao feita diretamente na propriedade, com venda direta para o consumidor. Em 3 casos hreferncia de venda para pequenos mercados, em 2 casos para atravessadores e 1 caso

    para pequenos bolichos. Essa comercializao feita, geralmente, em embalagens de 2litros (pet), que so reaproveitadas pelos consumidores. O preo de venda da cachaavaria de R$ 2,00 a R$ 3,10 o litro, com mdia de venda R$ de 2,67. Diferentemente docaso do vinho, aqui o preo do produto est um pouco acima do praticado pelas marcasde aguardente industrial, que no possuem as qualidades degustativas das cachaasartesanais. As caractersticas mais citadas entre os entrevistados foram a qualidade deser pura e boa. Alguns fazem referencia a no utilizao de agrotxicos na cana, oque deixa a cachaa natural.

    Com base nos dados mencionados, pode se observar que a produo deaguardente de cana-de-acar, atualmente, de carter artesanal, comercializada em

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    pequena escala, para atender amigos, vizinhos e pequenos mercados dentro no mesmomunicpio. Tal fato permite afirmar que investimento em marcas locais com um sistemade certificao da qualidade, apoiado em uma estratgia de marketing pode significar a

    potencializao desta atividade articulada com programas de turismo rural. O mesmovale para o vinho, onde j h indcios de um maior investimento em estrutura e

    qualificao do produto.

    3. CONSIDERAES SOBRE AS POLTICAS DE DESENVOLVIMENTO DOTURISMO RURAL E SUA RELAO COM A POTENCIALIZAO DASAGROINDSTRIAS FAMILIARES

    Pelo examinado anteriormente, as polticas pblicas em relao a produoartesanal de derivados de origem animal e vegetal deveriam alterar o seu foco: dalegalizao, ponto fundamental para busca de mercados mais amplos e distantes, parauma estratgia de qualificao17e certificao18.

    A certificao pode alicerar-se no controle social, onde a constituio de umselo de qualidade apoia-se na credibilidade das instituies que o concedem e regulam.Tal certificao assume um papel estratgico para programas de turismo rural que

    podem ter como dinamizador e fator de atrao produtos da chamada agroindstriafamiliar.

    No desenvolvimento destas iniciativas, e especialmente na seleo das unidadesa integrar em um programa de turismo rural, convm considerar que, ao buscar o tpicoo turista procura o passado, porm questionvel se realmente uma volta ao passado(com suas restries das tcnicas e mtodos de produo caractersticos) que ele

    procura. Assim, entende-se que o turista busca uma aproximao do modo de vida edas tcnicas de produo de alimentos que guarda em seu imaginrio sem que istoconstitua, necessariamente, um retorno ao rudimentar. Esta qualificao e recriaodo tradicional pode requerer conhecimentos e investimentos que geralmente no estoao alcance dos agricultores familiares mais pobres, os quais se deseja beneficiar com os

    projetos de desenvolvimento.Por outro lado, deve-se considerar a localizao das unidades de produo a

    serem integradas ao programa de turismo porque se a visitao s instalaes e oconviver com a realidade da famlia agricultora assumem papel importante, certamente,tero maior potencialidade aquelas de mais fcil acesso ao turista. Ainda, se considerar-se que a gastronomia tem um potencial agregador que pode ser explorado, atravs decomidas tpicas, cafs coloniais ou sesses de degustao, constata-se que esta

    estratgia obstaculizada para unidades onde as condies das estradas so de difcilacesso ou muito distantes dos pontos centrais de um circuito turstico. Tais pontos estocomumente associados a existncia de infra-estrutura de hotis, restaurantes, patrimniocultural e pontos de visitao relacionados a manifestaes artsticas.

    Argumenta-se, para finalizar, da existncia de uma relao sinrgica positivaentre turismo rural e agroindstria familiar no rural., mas coloca-se que esta estcondicionada a um repensar das estratgias das polticas pblicas em relao produo

    17 Uma qualificao normativa, que parte de parmetros mnimos de qualidade sanitria e avana nosentido de apresentar ao consumidor toda a gama de aspectos da qualidade ampla, re-definindo processosde produo e os monitorando, ao invs de pautar-se na presena de equipamentos e instalaes ( Silveira;

    Heinz, 2005).18Sobre questo da certificao para produtos de origem agroindustrial, ver Coutinho (2002) e Zarco(2002).

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    artesanal, pois esta deve permanecer como capaz de oferecer produtos diferenciados dosprodutos da grande indstria, visando manter o apelo de consumo ao turista rural. Hoje,percebe-se que h uma ameaa de descaracterizao desta produo artesanal pelaadoo de processos industriais de produo exigidos na legislao sanitria vigente.Do mesmo modo, sugere-se que as expectativas dos turistas devem ser consideradas,

    operando-se uma recriao das agroindstrias rurais tradicionais.

    4.REFERENCIAS BIBLIOGRFICAS

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