UAb - Antropologia Geral - Capitulo 1

download UAb - Antropologia Geral - Capitulo 1

of 25

description

UAb - Antropologia Geral - Capitulo 1

Transcript of UAb - Antropologia Geral - Capitulo 1

  • soiNvssoo

    ^ ^ m;- 4'--"-'-'-Y '~v^T'\r ', .;v:,;;'-:.';^ v.v.> :^.c;-;;:. ^ .Hi,1^ ."^ :".1

  • Armindo dos Santos

    ANTROPOLOGIA GERAL

    Etnografia, Etnologia, Antropologia Social

    Universidade Aberta2002

  • Capa: esquerda, mapa extrado da obra de Radcliffe-Brown e Daryl Forde, African Systems ofKinship and Marriage,1950, reproduzindo a aldeia de Konye, um estabelecimento Nuer; direita, diagrama representando o tomo do parentesco ("1'lmen de parente") segundo a teoria da aliana de C. Lvi-Strauss, in Anthropologie Stru.ctu.rale, 1958.

    Copyright UNIVERSIDADE ABERTA - 2002

    Palcio Ceia Rua da Escola Politcnica, 147

    1269-001 Lisboa - Portugalwww.univ-ab.pt

    e-maik [email protected]

    DL: 219730/04

    ISBN: 978-972-674-383-5

  • Antropologia Geral - Etnografia, Etnologia, Antropologia Social

    11 Nota prvia do autor

    15 1. O contexto geral da antropologia scia) e cultural17 Sumrio18 Objectivos da aprendizagem19 Noo gera] de sociedade23 A antropologia social e cultural no contexto das cincias sociais

    29 Para Saber Mais

    31 2. antropologia uma cincia integrante33 S umrio

    34 Objectivos da aprendizagem35 Cinco campos de estudo

    37 A antropologia biolgica (antiga antropologia fsica)39 A antropologia histrica

    42 A antropologia lingustica

    44 A antropologia psicolgica.

    44 A antropologia social e cultural45 . Para Saber Mais

    47 3. O projecto da antropologia social e cultural49 Sumrio

    50 Objectivos da aprendizagem51 Etnologia ou antropologia?

    55 Antropologia social ou/ cultural?58 Como definir a antropologia social

    59 As relaes entre o local e o global

    61 O fim dos selvagens62 A incluso do universo ocidental no campo antropolgico

    64 Cincia do tradicional e da modernidade

    65 Para Saber Mais

    67 4, Princpios metodolgicos

    69 Sumrio70 Objectivos da aprendizagem

  • 71 invariante: o mtodo74 A. prtica de terreno: observao directa (participante e no participante)79 Os meios tcnicos auxiliares do investigador79 A observao indirecta: o registo de imagem, a fotografia area e a foto -

    interpretao

    82 Em busca de objectividade83 Pontos de mtodo fundamentais: observar o infinitamente pequeno e

    o quotidiano - a etnografia; o estudo da totalidade - a etnologia; aanlise comparativa - a antropologia

    88 Para Saber Mais

    89 5. Os principais desenvolvimentos histricos da cincia antropolgica91 Sumrio92 Objectivos da aprendizagem93 As principais teorias e escolas

    93 O evolucionismo

    98 O dfusionismo102 O funcionalismo106 O estruturalismo

    110 Os fundadores da etnografia: F. Boas e B. Malinowski113 A contribuio terica da "escola de sociologia francesa": E. Durkheim

    e M. Mauss

    117 Para Saber Mais

    119 6. Dois eixos de anlise privilegiados pela antropologia social e cultural

    121 Sumrio

    122 Objectivos da aprendizagem

    123 O campo do parentesco

    127 Os smbolos dos diagramas de parentesco

    130 Abreviaes

    132 Notao das relaes de parentesco em lngua ponuguesa

    133 Notao das relaes de parentesco em lngua inglesa

    134 Notao das relaes de parentesco em lngua francesa136 As nomenclaturas

    137 O modo de utilizao

  • 138 A estrutura lingustica dos termos de parentesco139 O campo de aplicao140 Os principais tipos terminolgicos147 O casamento e a aliana matrimonia]148 O tomo do parentesco

    149 O avunculato151 Os tipos de casamento151 A monogamia e a poligamia152 O levirato e o sororato153 Descendncia e filiao154 Afiliao indiferenciada156 Afiliao matrilinear (ou uterina)157 A filiao patrilinear (ou agntica)159 Afiliao bilinear (ou dupla filiao unilinear)160 linhagem, alinhada e o cia161 parentela162 residncia matrimonial164 A famlia nuclear168 herana e a sucesso170 Para saber mais

    171 ' O campo da antropologia poltica171 A organizao poltica das sociedades172 A perspectiva de alguns antroplogos111 O Estado179 Para saber mais

    181 7. O estudo das morfologias s cio-espaciais183 Sumrio184 Objectivos da aprendizagem185 Uma proposta de estudo das morfologias rurais europeias189 A estruturao dos elementos do parentesco196 A estruturao dos elementos dos sistemas agrrios203 Correlaes entre a organizao social e a paisagem agrcola local

  • 207

    209

    233

    271

    273

    275

    282

    287

    288

    Dois estudos de terreno: Um exemplo europeu: "espaos sociais e grupo^ sociais no .nordeste

    transmontano" Brian O'Neil)- Um exemplo extico: "Essai sur ls variations saisonnires ds

    socits eskimos. tude de morphologie sociale" (Mareei Mauss)Para saber mais

    BibliografiaAspectos tericos geraisMonografiasSegmentos temticosAlgumas revistas

  • Ao Victor Valentine ao Pierre Baptiste

  • Nota Prvia do Autor

    Antes de iniciar a matria propriamente dita, gostaria de mencionar que o presente livro pretende no serapenas um simples manual dirigido a estudantes de antropologia, embora estes sejam os principaisvisados. Desejaria interessar igualmente urn pblico mais abrangente como: socilogos, historiadores,juristas, gegrafos, polticos, etc. Espero que o contedo e a forma'deste livro permitam realizar essa

    :| - inteno, contribuindo com alguns esclarecimentos para eventuais interrogaes do maior nmero deleitores possvel.

    -

    Quando afirmo que no se trata de um simples manual, refiro-me ao facto de esta apresentao noobedecer exclusivamente organizao didctica dos manuais clssicos sobretudo segundo a formaesquemtica de alguns livros escolares. Pois, se fosse essa a exigncia, no teria sentido a vocaonecessria para tal. Porm, trata-se de um manual. De um manual destinado ao ensino distncia, o qualexige uma organizao e um rigor de apresentao das matrias que permita dispensar a oralidade dasaulas e respectivos esclarecimentos ao vivo. Espero ter-me aproximado desse objectivo. Assim, procureievidentemente ser o mais sistemtico, conciso e claro, numa matria onde impera uma certaheterogeneidade. Tentei seguir uma metodologia prxima, tanto quanto possvel, da prpria metodologiaantropolgica. Significa tal, que houve o propsito de seguir um caminho indutivo sempre que realizvel.

    -Por-outras palavras, procurei apresentar o discurso cientfico e construir os conceitos gradualmente,partindo do particular para o geral, evitando o inverso. Evitei, por exemplo, partir de uma determinada

    ' definio para a desmontar em seguida. Mas sim o contrrio, fiz por apresentar gradualmente as diferentesetapas de compreenso do seu princpio.

    Optei igualmente pelo esquema de apresentao mais ou menos habitual na maioria das obras deintroduo antropologia social. De facto, como sabido, trata-se de uma matria cujas principaisetapas histricas esto identificadas e sobre as quais o consenso , grosso modo, mais ou menos geral.Na medida em que as principais divergncias da prtica antropolgica, esto igualmente identificadas,no foi minha inteno levantar qualquer polmica indesejvel acerca de qualquer um dos assuntostratados. No sendo esse o objectivo do livro, segui o mais de perto possvel obras de autores (algunsfundamentais, outros menos) cujos pontos de vista no entravam em ruptura flagrante com o relativoconsenso geral sobre os aspectos centrais da disciplina e ajudavam melhor a construir o objecto do livro.Para alm disso, no que diz respeito aos autores citados, ou referidos na bibliografia, limitei-me a indicar- como no podia ser de outro modo - aqueles cuj as obras tm uma importncia inevitvel para o livro.Naturalmente, o mesmo procedimento foi seguido no caso dos autores portugueses. Desde logo, muitosdestes no foram mencionados. Faz-lo em relao a todos seriuma misso impossvel de realizar no

    11

    [Ttf

  • de antropologia'qu sero licenciados nesta disciplina e de entre os quais resultaro novos antroplogos. a estes que especialmente dirigido o presente livro, mesmo que consiga reter a ateno de umpblico mais alargado tal como desejei no incio desta nota.Quanto organizao e apresentao bibliogrfica, so indicados, a seguir a cada captulo - numaseco intitulada Saber Mais -, autores em relao directa com o captulo correspondente e cuja leituradas respectivas obras permitir ao estudante aprofundar o que eventualmente ter sido dito de formamais superficial. No final do livro, abbliografia geral foi subdividida em diferentes seces especializadas.A subdiviso reporta-se s Obras tericas e s Obras de terreno. Estas ltimas, por sua vez, subdividem-se em Trabalhos monogrficos e Segmentos temticos. A inteno orientar bbliograficamente deforma precisa o estudante, levando-o a percepcionar e a relacionar as diferentes perspectivas tericas engulos metodolgicos da disciplina. Relativamente forma de indicar, as referncias das obras, escolhimencionar, sempre que possvel, a edio original. Nos casos em que possua a informao sobre aedio original e igualmente o livro traduzido noutra lngua por exemplo em francs traduzido doingls - decidi indicar no incio da referncia bibliogrfica a edio original e no fim, entre parntesis, aedio traduzida. Finalmente, procurei sempre apresentar emportugus.as referncias bibliogrficas dasobras traduzidas na nossa lnsua.

    13

  • mbito da presente finalidade. Como fcil de entender no poderia ter sido outra a razo. Tenho pelotrabalho dos meus colegas a rnaior estima e seguido atentamente a sua contribuio para a consolidaoda escola portuguesa de antropologia. Assim, sempre que desejvel e praticvel, evidenciei naturalmenteas obras de alguns destes autores. Como ltima nota, no se tratou de relevar as etnologias nacionaisrnas dar uma Ariso do panorama mais universal da antropologia social e cultural.

    Cada um de ns faz as suas prprias escolhas e eu no fugi regra. consequncia disso a seleco dealguns temas e autores tratados, a qual naturalmente o reflexo do caminho pessoal seguido na redacodo actual texto. No entanto, pelo meio encontra-se certamente o meu prprio entendimento e prtica doassunto. S os leitores podero dizer se foi o mais indicado e eficaz.

    Centrei muitas vezes - porventura mais do que seria desejvel os factos etnogrficos e a reflexoterica no contexto europeu, de onde'rne vem a maior experincia. No que no tenha tido outrasexperincias, na forma tentada. Aconteceram, durante a minha longa estada em Frana, onde fiz todosos meus estudos superiores, mas nunca tive a oportunidade de indicar quais foram essas experincias,pelo que aproveito a ocasio para relatar em que circunstncias e grau de interveno foram ensaiadas.

    A primeira, foi a tentativa de realizao de um trabalho de campo no leste da Turquia, no fim dos anossetenta, na margem oriental do lago de Van, onde permaneci alguns meses. Era, e , urna regio curdamuito sensvel do ponto de vista militar, de circulao civil condicionada, devido tenso permanenteentre a guerrilha independentista curda e os militares turcos. Suspeito de ser pr curdo, injustamenteobviamente, entre outros aspectos (a presena de um estrangeiro naquelas paragens suscitava as maioresinterrogaes), fui constantemente incomodado pelas autoridades turcas locais que .impediram de meinstalar estavelmente no terreno e me "aconselharam" (na pessoa do poderoso "gumuruk", oficial dapolcia poltica naquele tempo) a deixar a regio. O que efectivamente ps termo tentativa do primeirotrabalho de campo do antroplogo nefito.

    A segunda experincia, em vista do doutoramento, ficou-se por uma preparao terica sobre os"toucouleur" um sub-grupo dos peules (ou fulas), com o fim de me estabelecer junto deste povo vivendoao longo do rio Senegal, no pas de mesmo nome. A no ida para o terreno deveu-se finalmente faltade meios financeiros que nunca foram conseguidos.

    Contriburam as condies criadas pelo fim dos colonialismo s e o refluxo gradual de muitos antroplogospara o terreno europeu, com a consequente incluso deste no campo da antropologia, para que tenhafinalmente optado pelo-domnio europeu, em relao ao qual tenho desenvolvido a actividade cientfica,especialmente em torno das sociedades rurais e camponesas.

    Se fao este tipo de confidncias por considerar que ajudam a situar o autor no seu percurso cientficopessoal. Por outro lado, as experincias passadas, mesmo sem xito, no s do aos estudantes deantropologia uma anteviso dos obstculos que por vezes podem sobrevir como informam sobre ascondies de trabalho de terreno em que elas se desenrolam.

    Ern Portugal, o nmero de antroplogos, com obra de grande qualidade, cresceu exponencialmentedesde a poca extraordinria de Jorge Dias, Ernesto Veiga de Oliveira Manuel Viegas Guerreiro, FernandoGalhano e Benjamim Pereira (o "benjamim" do 'grupo, tal como o seu nome bem sugere) que prossegueo seu precioso trabalho desde ento. Vrias universidades do pas acolhem todos os anos novos estudantes

    12

  • J

    1. O contexto geral da antropologia social e cultural

  • aBIBBagafc!^

    SUMARIO

    1.1 Noo geral de sociedade

    1.2 A antropologia social e cultural no contexto das cincias sociais

    17

  • Ojectivos de Aprendizagem

    Aps a leitura do I Captulo O contexto geral da antropologia social ecultural, o leitor dever ser capaz de:

    poder objectivar a noo de sociedade entender o objecto terico geral da antropologia social e cultural distinguir os tipos de sociedade estudados habitualmente pelos

    antroplogos

    ponderar as relaes entre a antropologia e outras cincias sociais

    18

  • f 1.1 Noo geral de sociedadeIf O domnio de estudo da antropologia social diz respeito ao universo da$ actividade social e cultural do ser humano no seio da sociedade. Sociedade-X que se constitui precisamente pela actividade social derivada da aco de vrias\St -ii pessoas agrupadas, duravelmente, num determinado territrio. Assim, umal primeira definio geral de sociedade pode ser dada como correspondendoffi a um conjunto de indivduos de ambos os sexos e de todas as idades, agregados| de forma mais ou menos permanente e submetidos a um tipo de civilizao

    comum. Alm disso, uma sociedade compreende diferentes grupos parciais -mais ou menos diferenciados segundo as sociedades - que se constituem noseu seio: grupos de parentes, grupos etrios, militares ou guerreiros, gruposreligiosos, etc. Mas esta definio parece insuficiente a Guy Rocher, o qualafirma (tal como Durkheim antes dele nas Regras do Mtodo Sociolgico em1895) que uma sociedade no uma simples "soma de indivduos" unidosnecessariamente por um determinado contrato ou entendimento. Para GuyJiocher, entre outros, uma sociedade define-se pela "multiplicidade dasinteraces de sujeitos humanos que compem o tecido fundamental eelementar da sociedade, conferindo-lhe ao mesmo tempo existncia e vida"[1977:39].

    Noutro registo, sociologicamente mais determinista, sem pr a nfase nainteraco entre indivduos, certos socilogos referem que uma sociedadeconsiste num grupo de seres humanos com capacidade para auto-reproduzir asua existncia colectiva, em funo de um sistema de regras para a aco cuj adurao de vida ultrapassa a dos indivduos que a elas se submetem. denotar que ambas as definies so parciais e tm um carcter geral. Porm,no se contrariam forosamente, antes se completam e significam que umasociedade algo de to complexo que outros elementos de definio soindispensveis para a tornar o mais abrangente possvel. De facto, em qualquerdelas no se descortina facilmente como numa sociedade de vulto, como aportuguesapor exemplo, habitantes vivendo em regies mais ou menos opostase distantes, no Minho e Algarve respectivamente, podem constituir uma mesmasociedade, interagindo a uma distncia considervel uns dos outros. Para tal, necessrio notar que as sociedades globais que podemos considerar para efeitosde anlise como super-sistemas, englobam sistemas dotados por sua vez desubsistemas que no estando forosamente em contacto directo interagem noentanto indirectamente, de certo modo em forma de cadeia. Por outras palavras,as comunidades das vrias aldeias (ou colectividades para usar a terminologia"de H. Mendras [1983], dado que segundo ele*nem tudo ser comum numaaldeia), ou as formas de organizao social das vilas e cidades de Portugal,representam assim sistemas sociais dotados de subsistemas prpriosmterrelacionando-se no seio de um super-sistema englobante, neste caso opas.

    19

  • S assim se pode compreender o alcance geral dado pelas definies expostase estas serem susceptveis de se verificarem em cada um dos universos sociaisreferidos, simultaneamente parciais e globais, segundo o ponto de vista daanalise. Por exemplo, no caso particular das sociedades europeias, dado umacolectividade local poder apresentar um forte grau de autonomia, em relao

    1 A considerar noutras socie- sociedade nacional1, e caracterizar-se por urna.certa unidade e originalidadedades n o segmentares, o u _ , 1 . . 1 1 . . 1 1 , _seja dotadas de Estado e tanm social, tambm ela constitui, por sua vez, uma globalidade em relao aosquanto mais centralizadas seus prprios subsistemas internos como o econmico, o parentesco eelas forem. . . . .

    respectivos grupos domsticos que o subdividem, o simblico, etc.

    Dito isto, necessrio agora referir outros elementos fundamentais dos sistemassociais como os pequenos grupos, ou grupos elementares, para ter umaideia de como se estruturam as sociedades. Tal, no significa tratar-se de gruposcujas principais caractersticas sejam apenas as suas pequenas dimenses -alis teramos as maiores dificuldades em fixar o nmero de indivduos que~indicasse essa qualidade. Este nico aspecto no suficiente para os classificarcomo pequenos grupos sociais, mas sim e fundamentalmente o facto de existirno seu seio um certo tipo de relaes entre os seus membros e o modo comose articulam com o resto da sociedade. Inversamente, podem forrnar~semomentaneamente, em certas ocasies, pequenos grupos que, no entanto, noconstituem grupos elementares. Por exemplo, quando um certo nmero depessoas espera o autocarro nurna paragem ou mesmo quando nele viajam,juntas, quando tomam caf numa cafetaria ou ainda, no contexto de uma aldeia,um grupo de mulheres se encontra a lavar roupa num lavadouro. Em todosestes casos se est em presena de grupos informais que de modo algumconstituem grupos bsicos permanentes. Na realidade, para que um pequenogrupo se possa definir como grupo social e constituir funcionalmente umgrupo elementar, este no pode corresponder simples soma de um certonmero de indivduos reunidos em determinado local, com uma finalidadeindividual aleatria e provisria. necessrio que ele se organize, como vimos,na base da existncia de relaes com determinado carcter relativamentepermanente. A este propsito, vale a pena citar a definio dada por HenryMendras que me parece interessante, de grupo elementar - ou do seuequivalente grupo primrio, (termo forjado pelo socilogo americanoCooley): "por grupos primrios, entendo aqueles que se caracterizam pelaassociao e a colaborao ntima, de homem a homem. Eles so primriosem vrios sentidos, mas sobretudo no sentido em que eles so fundamentaisp ara formar a natureza e os ideais sociais do indivduo. A associao psicolgicantima leva a um certo grau de fuso das individualidades num conjuntocomum, de modo que o eu, pelo menos de certos pontos de vista, reside navida em comum e os objectivos comuns do grupo. Talvez a maneira maissimples de descrever este sentimento de uma totalidade seja dizer que o grupo um ns" [1983: 42].

    20

  • A definio de sociedade, referida inicialmente, bastante significativa noscasos habitualmente estudados pelos antroplogos - na forma de pequenascomunidades. Ou seja, no caso de pequenas sociedades compostas por umreduzido efectivo de indivduos vivendo num territrio por eles apropriado,geralmente de pequenas dimenses e subdividido num certo nmero de gruposbsicos, de caractersticas idnticas, como os grupos domsticos. De facto,para os antroplogos o gmpo domstico um elemento constitutivo dasociedade mas evidentemente no representa por si s uma sociedade. A razoprende-se corri um facto que parece simples para os antroplogos. Visto queos homens esto proibidos de se acasalarem com as suas irms, tero deprocurar uma esposa fora do grupo onde se encontram e realizar alianas comoutros grupos domsticos. Nestes termos, o mesmo dizer que ao parentescocabe a possibilidade de uma sociedade existir, na medida em que est na basede qualquer sociedade com durao no tempo e no espao - vasta questo queabordaremos mais em detalhe no captulo correspondente.

    Todavia os princpios fundamentais que regulam a vida social so vrios nassociedades classicamente estudadas pelos antroplogos, os mais importantesdestes princpios so para alm do parentesco (cuja importncia varivel erelativa segundo a sociedade), o sexo e a idade.

    -O sexo, um elemento determinante na medida em que no divide unicamentea sociedade em dois grupos no domnio da procriao, relativamente aoscuidados devidos s crianas, ou das tarefas domsticas, mas igualmente emrelao ao trabalho, religio, ao poder poltico, etc. Nas referidas sociedades,a diviso das tarefas faz-se geralmente segundo a diviso sexual do trabalho(on seja, as tarefas no so intercambiveis entre indivduos de sexo diferente).

    "Por'exemplo^ern certas sociedades," os homens so caadores enquanto asmulheres cultivam o solo; noutras, os homens so ferreiros e as mulheres oleiras;noutras ainda, os homens pescam enquanto as mulheres comercializam oproduto da pesca, etc.

    Relativamente idade, todos os povos distinguem as diferentes etapas dodesenvolvimento do indivduo, rnas no as distinguem de modo idntico. Ostermos que se aplicam s idades da vida nem sempre indicam unicamente umestado fisiolgico ou uma cronologia, mas antes, em muitos casos, um estatutodomstico. Em certas sociedades, velho quem for av (tenha 40 ou 70 anos).Em Portugal, naBeira-Baixa camponesa, s se adquire o estatuto absoluto depessoa adulta aps o nascimento do primeiro filho [A. dos Santos: 1992], NaIrlanda camponesa, o indivduo de sexo masculino no considerado umhomem adulto mas um rapaz ("boy" em ingls) enquanto no tiver herdadodo seu pai. Os Massai (povo da frica equatorial) possuem trs termos quedistinguem vrios estatutos etrios: rapazes no circuncisos, solteiroscircuncisos e homens casados. Outras sociedades, dispem de numerosas

    21

  • classes etrias e termos para significar as diferentes etapas, desde o nascimentoat morte, podendo considerar o estatuto matrimonial, o nmero de filhos,etc., existindo mesmo em alguns casos um termo especial para designar ohomem cuja mulher se encontra grvida pela primeira vez.O parentesco, em numerosas sociedades, o princpio activo que regula todasas relaes sociais ou a maior parte delas. Evans-Prichard escreve a propsitodos Nuers o seguinte: "Se deseja viver com os Nuers, dever faze-lo maneiradeles; dever trat-los como uma espcie de parentes e eles trat-lo-o comouma espcie de parentes. Direitos, privilgios, obrigaes, tudo determinadopelo parentesco" [1940: 183]. Porm, o parentesco no tem o mesmo peso erntodas as culturas. No caso das sociedades europeias, industrialo-urbanas, estepeso do parentesco apresenta contornos menos precisos e a sua funo encontra-se bastante diminuda na medida em que o parentesco est em concorrnciacom outros aspectos; contudo no deixa de ter um papel social relevante.

    Como acabmos de ver, os princpios que regulam a vida social constituemprecisamente princpios sociais porque no repousam exclusivamente sobrenoes biolgicas mas sobre construes sociais permitindo a uma sociedadeum determinado modo de organizao e funcionamento. Tal como o sexo oua idade, a famlia biolgica existe em todas as sociedades, mas segundo Lvi-Strauss o que confere ao parentesco o carcter de facto social no o que eledeve natureza mas a maneira como se separa dela. E esta maneira muitodiversificada [1962].

    As sociedades humanas contemporneas so mltiplas, de grandes e pequenasdimenses, existindo nas mais variadas condies geogrficas (do deserto rido floresta densa, passando pelas regies geladas, encontrarn-se seres humanosnaturalmente organizados socialmente), segundo os tipos mais originais deorganizao social e infinitas formas culturais. Sociedades, muitas delas emlocais dos mais recnditos do planeta mas perfeitamente viveis nos seusmodelos actuais, sobretudo se em numerosos casos (para no dizer em quasetodos) foras exgenas adversas no interviessem e causassem desequilbriosde toda a ordem, conduzindo sua misria material e destruio cultural,quando no a autnticos etnocdios como, por exemplo, em muitas situaesda floresta amaznica.

    22

  • 1.2 A antropologia social e cultural no contexto das cinciassociais

    Neste ponto da exposio, pode dizer-se, de modo muito geral, que aantropologia social tem por fundamento no o estudo do Homem como meroser humano - na prtica esta preocupao dividida com outras cinciashumanas -, mas as fornias e modos de organizao social imanentes suacondio humana. Na prtica sectorial da investigao antropolgica, estacincia preocupa-se com as formas e modos concretos de organizao da vida-social em comum de grupos de indivduos agregados em conjuntos mais oumenos numerosos - numa perspectiva comparativa da sociedade humana noseu conjunto, enquanto finalidade a atingir -, e no evidentemente com oHomem na sua essncia morfolgica, anatmica.

    Refira-se ainda que a prtica da antropologia social se desenrola ao lado docampo cientfco histrico, no mbito da contemporaneldade das sociedades

    -actuais - o que no sigmflca que este estudo no considere o peso social dalonga durao e no tenha conscincia da fugacidade sincrnica. A utilizaoda histria como instrumento apto a constatar a mudana e susceptvel de aexplicar no evitvel. Porm, a inscrio da antropologia social na.contemporaneidade, prende-se com o facto metodolgico derivado danecessidade de compreender como funciona uma sociedade no presente, eno exactamente de perceber o que ela , pelo que deve, ou no deve, ao seupassado. Esta afirmao tempor convico que as sociedades actuais no someras continuidades lineares do passado. Na realidade, acontecem rupturashistricas, mais ou menos profundas, dando recorrentemente lugar a inovaes

    -que cortam radicalmente com o passado e as quais devem ser compreendidas,-no presente. Assim, tal como para o mecnico de um motor a exploso no ' indispensvel conhecer a histria do motor para entender o seu funcionamento(no comparo as sociedades com motores mas to somente a situao), tambmo antroplogo social pode, na maioria das vezes, pr entre parnteses a histriade uma determinada sociedade para melhor se concentrar na actualidade dasua organizao social.

    Claude Lvi-Strauss, coloca o problema das relaes entre a antropologia sociale a histria da forma seguinte: "ou [a nossa cincia adere] dimenso diacrnicados fenmenos, quer dizer sua ordem no tempo, e so incapazes de fazer asua histria; ou tentam trabalhar maneira do historiador, e a dimenso dotempo escapa-lhes. Pretender reconstituir um passado do qual se impotentepara atingir a histria, ou querer fazer a histria de um presente sem histria,drama da etnologia num caso, da etnografia noutro, tal , em qualquer doscasos, o dilema ao qual o seu desenvolvimento, no decorrer dos ltimoscinquenta anos, pareceu muita_sve_zes encurralar uma e outra" [1985: 5].

    23

  • 1 Alis seria bom no esque-cer que a Conveno daHaia de 1954 estipula queos crimes contra o patrim-nio cultural so tambm cri-mes contra a Humanidade.

    3 Conceito amplamente apli-cado em Frana por tsacChiva nos anos oitenta comos melhores resultados.

    Constatando na obra de Franz Boas quanto decepcionante procurar sabercomo que'as coisas se tornaram no que so, o autor conclui dizendo sernecessrio renunciar a fazer histria no estudo das culturas do presente eprivilegiar uma anlise sincrnica das relaes entre os seus respectivoselementos [Ibid: 5].Fica no entanto claro que a noo de funcionamento remete estritamentepara a ideia de interdependncia relativa entre os factos sociais, na medida emque as relaes entre eles no representam necessariamente relaes dedeterminao (causa a efeito) ou leis de funcionamento. Alm disso, o estudoda sincronia social (um momento do tempo actual) corresponde a uma fracoda diacronia (um perodo entre dois tempos), cuja maior ou menor duraosincrnica deve permitir, precisamente, a sua abordagem.

    O peso do panorama histrico (derivado da tornada de conscincia histrica)impe-se essencialmente nas sociedades de tipo ocidental, chinesa, rabe enoutras culturas de memria escrita principalmente. Tal, apesar de teremacontecido, no seio destas sociedades, muitos factos dos quais no se guardaramregistos. Por exemplo, nas sociedades europeias quase nada ficou gravado dahistria comum das aldeias - com excepo dos registos paroquiais e poucomais. Ao ponto de, em Portugal, se elevarem somente umas quantas ao estatutode "aldeias histricas" (segundo critrios considerados arbitrariamente maisimportantes que outros) negando em consequncia a mesma dignidade srestantes, porta aberta para o esquecimento e desaparecimento de uma identidadepatrimonial considerada mais comum. De facto no possvel excluir doprocesso cultural histrico de um pas o menor elemento, seja ele o maismodesto, graas a um conceito redutor e pouco cientfico como o de "aldeiashistricas". Para que tal no continue a provocar os piores estragos patrimoniaisem todo o pas2, da maior urgncia introduzir um conceito mais abrangente,como o de patrimnio etnolgico3.

    A questo da histria no se pe do mesmo modo nas sociedades sem escritae, desde logo, sem memria escrita dos factos notveis passados (o que nosignifica serem sociedades sem histria mas to somente o seu esbatimentosob a forma limitada da memria colectiva e da sua repetio), onde o historiadorpossa recorrer para tentar reconstituir e compreender uma situao socialanterior. Naturalmente, nestas sociedades, dadas as circunstnciasmetodolgicas particulares de estudo necessrias (para alm da capacidade deintegrao pessoal no local), os antroplogos sociais tm por misso cobrir omaior carnpo de conhecimento possvel relativamente a todos os aspectos dasociedade em causa, incluindo os factos histricos identificveis. Se tal tiverao seu alcance, eles es f orar-se-ao em estabelecer factos anteriores, a partirdas condies especficas da sua investigao sobre a contemporaneidade.No entanto, no deixa de ser desejvel neste tipo de sociedade, a interveno

    24

  • especializada do arquelogo, na esperana de encontrar no solo elementosque informem sobre factos anteriores [Leroi-Gourhan: 1975].Nas sociedades de lngua escrita, e em particular nas de tipo ocidental, onde ouso da histria permanente e mesmo motor de mudana, historiadores eantroplogos criaram, graas redefinio de alguns dos seus camposrespectivos, as condies de intercmbio entre as suas especialidades eenriquecimento mtuo. Os estudos de antropologia histrica, por um lado, eos estudos histricos impulsionados pela escola dos Annales4, por outro,correspondem a esta nova redefinio e impulso mtuo. De igual modo, temhavido periodicamente entre a antropologia social e outras especialidades trocade influncias benficas com fortes incidncias tericas e metodolgicas nassuas abordagens especificas: como nos casos da geografia, da arqueologia, dabiologia, etc.

    A minha insistncia neste ponto das relaes entre a antropologia e as outrascincias e em particular a histria, tem a ver sobretudo com a confuso de

    "gnero que vem acontecendo ao longo da prpria histria da antropologiasocial europesta. De facto, em determinados momentos, e em certos pases, aantropologia europesta tem oscilado entre a tentao histrica e, diga-se

    ..incidentemente, atentao literria.

    As razes so vrias, como as que se prendem - para alm da heterogeneidadedos campos de pesquisa - com as condies particulares em que se realiza ainvestigao propriamente antropolgica. So fundamentalmente, o escassofinanciamento para estadas de longa durao no terreno, a pouca aptido pessoalpara se integrar nuni grupo observado e a inerente capacidade necessria para

    ~afrontar__situaes.constringentes de sociabilidade.(tive pessoalmente a oportunidade de constatar algumas tentativas de integrao falhadas). Mas'ainda, por que no dizer, o desconforto das condies fsicas a que, na maioriadas vezes, o antroplogo est sujeito aquando da realizao da sua investigao.Todas as razes apontadas tm levado alguns investigadores a refugiarem-seno conforto das salas de arquivo e a elaborarem problemticas que os encerramno campo exclusivo da histria.

    Existe outro aspecto que conduz igualmente s referidas derivas: a fracaformao em sociologia (apesar de em alguns casos como em Portugal sefazerem troncos comuns com a sociologia) que impede de nortear asinvestigaes nas formas e modos de organizao social e, desde logo, de asfirmar na contemporaneidade do campo da antropologia social.s

    As circunstncias acabadas de referir, acresce a fraca visibilidade daantropologia na sociedade a que pertence o antroplogo, situao que temigualmente conduzido a disciplina na direco da literatura culturalista, naesperana de suscitar a ateno de um pblico alargado (ern certos autores,

    4 Revista criada por MarcBloch, Lucen Febvre eFernand Eraudel e que pu-blicava os estudos desta cor-rente.

    25

  • designadamente portugueses, tal rumo dever ser interpretado mais por razes rde vocao literria do que pela anlise sociolgica). Em alguns casos, o desvio visvel nos prprios ttulos dados s obras cientficas, na tentativa de atrair ointeresse de um maior nmero de leitores, no particularmente especialista.Aceder a um largo pblico, seria perfeitamente louvvel se no se tratasse de ;pura lgica de rentabilidade financeira (para o editor) ou de tentar imprimiroriginalidade artificial obra cientfica. A actual tendncia, conduz elaborao . . . j.de ttulos de forte efeito comercial e polissmico (actualmente a tendncia dealguns editores e autores franceses caricatural neste aspecto) que no traduzemminimamente o contedo do livro que intitulam (o que necessariamente deveriaser feito de forma precisa, concisa e clara). Ignora-se o simples facto de umttulo dever resumir o mais fielmente possvel a obra a que se refere e con stituir 4o resumo do resumo desta, para que o leitor ao l-lo possa ficar imediatamente esclarecido quanto ao assunto tratado. ___ J^

    No me refiro igualmente necessria qualidade literria dos textos, ao efeito [__e ao estilo, mas aos efeitos e estilos fceis - na maioria dos casos medocres .:;,por falta de vocao literria-em detrimento do rigor, da preciso, da descrioexaustiva e da prova. ''