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UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro. CFCH – Centro de Filosofia e Ciências Humanas. ESS Escola de Serviço Social - Programa de Pós-Graduação em Serviço Social. Doutorado em Serviço Social - PARA UMA INTERPRETAÇÃO MARXISTA DA ‘PREVIDÊNCIA PRIVADA’ - Orientador: Professor Doutor José Paulo Netto. Sara Granemann Rio de Janeiro, setembro de 2006.

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UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro.

CFCH – Centro de Filosofia e Ciências Humanas.

ESS Escola de Serviço Social - Programa de Pós-Graduação em Serviço Social.

Doutorado em Serviço Social

- PARA UMA INTERPRETAÇÃO MARXISTA DA ‘PREVIDÊNCIA PRIVADA’ -

Orientador: Professor Doutor José Paulo Netto.

Sara Granemann

Rio de Janeiro, setembro de 2006.

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UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro.

CFCH – Centro de Filosofia e Ciências Humanas.

ESS Escola de Serviço Social - Programa de Pós-Graduação em Serviço Social.

Doutorado em Serviço Social

- PARA UMA INTERPRETAÇÃO MARXISTA DA ‘PREVIDÊNCIA PRIVADA’ -

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Serviço Social da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do Título de Doutor em Serviço Social.

Orientador: Professor Doutor José Paulo Netto.

Sara Granemann

Rio de Janeiro, setembro de 2006.

- PARA UMA INTERPRETAÇÃO MARXISTA DA ‘PREVIDÊNCIA PRIVADA’ -

Sara Granemann

Tese submetida ao corpo docente da Coordenação de Pós-Graduação em Serviço Social da

Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), como parte dos requisitos necessários à

obtenção do Título de Doutor em Serviço Social.

Banca Examinadora:

_________________________________________________________

Professor Doutor José Paulo Netto (Orientador – ESS/UFRJ).

__________________________________________________________

Professora Doutora Marilda Vilela Iamamoto (FSS/UERJ).

__________________________________________________________

Professor Doutor Ronaldo Coutinho (FD/UERJ/UFF)

____________________________________________________________ Professor Doutor Roberto Leher (FE/UFRJ)

_____________________________________________________________

Professora Doutora Maria Magdala Vasconcelos de Araújo Silva (ESS/UFRJ)

Tese aprovada em:______________________/_____________/___________.

RESUMO

A presente tese examina, nos marcos da tradição marxista, o desenvolvimento da ‘‘previdência privada’’

como uma das mais importantes expressões contemporâneas da expansão das finanças pelo mundo. A

evidência central que se pretende consolidar é a de que a ‘‘previdência privada’’ somente cresce e acumula

monumentais somas para disponibiliza-las ao capital fictício e à especulação.

Todavia, para que a ‘‘previdência privada’’ logre ter sucesso a previdência social – sem rodeios, públicas e

por repartição – deve ser amputada, reformada, reduzida a uma política mínima para os mais pobres dentre os

trabalhadores que possuem vínculo empregatício. As denominadas contra-reformas previdenciárias, assim

qualificadas por fazerem regredir os direitos da classe trabalhadora, estão em curso no mundo desde o início

da década de 1980. Para além de coincidências as contra-reformas articulam-se com as necessidades do

grande capital que tem no Banco Mundial, atualmente, o grande executor de tais políticas. Por último, cumpre

notar: as contra-reformas previdenciárias puderam ser levadas a termo em nosso país – como em outros -

porque contaram com a fundamental adesão de parte de dirigentes sindicais e partidários da classe

trabalhadora na sua implementação.

Palavras-chaves: capital fictício, ‘‘previdência privada’’, contra-reformas previdência social, Banco mundial.

RÉSUMÉ de THÈSE

La présente thèse de doctorat examine, selon les bases de la tradition marxiste, le développement de la

‘sécurité sociale privée’, comme étant l’une de plus importantes expressions contemporaines de l’expansion

des finances à travers le monde. L’évidence essentielle que l’on y vise à consolider, c’est le fait que la

‘sécurité sociale privée’ ne cesse de croître et de cumuler de colossales sommes, pour les rendre disponibles

au capital fictif et à la spéculation.

Cependant, pour que ‘l’assurance privée’ parvienne à réussir, il faut que la sécurité sociale – carrément

publique et à répartition – soit extirpée, reformulée et réduite à des politiques dérisoires et ne s’appliquant

qu’aux ouvriers les plus démunis parmi ceux qui sont engagés par contrats de travail.

Les dénommées contre-réformes sécuritaires, ainsi qualifiées par le fait de porter en arrière les droits acquis

de la classe ouvrière, sont en cours dans le monde dès le début des années 80. Au-delà des coincidences, les

contre-réformes s’articulent aux besoins du grand capital, qui fait de la Banque Mondiale, actuellement, le

principal exécuteur de telles politiques.

Finalement, il faut repérer que les contre-réformes sécuritaires ont pu être menées à terme au Brésil, et dans

d’autres pays, grâce à l’adhésion fondamentale de part des dirigeants sindicalistes et des partisans de la classe

ouvrière, à leur implémentation.

Mots-clés : capital fictif, ‘sécurité sociale privée’, contre-réformes, ‘sécurité sociale publique’, Banque

Mondiale, ‘assurance privée’

Aos que dedicam suas vidas à construção da

sociedade comunista mesmo quando seria mais fácil ceder.

SUMÁRIO

Introdução ................................................................................................................... 08

Capítulo 1. “Achados” da dinâmica do capital: a financeirização da previdência ..... 14

1.1. Mutações do dinheiro em Marx – o capital produtor de juros .............................. 19

1.2. Gênese e necessidades da ‘previdência privada’ fechada ..................................... 30

1.3. 1.3 A ‘previdência privada’ no Brasil ................................................................... 43

1.4 Capital portador de juros e ‘previdência privada’: os juros dos assalariados......... 65

1.5 ‘Governança corporativa’: expressão contemporânea da separação da

propriedade da gestão ...................................................................................................

72

1.6 Salários de direção e stock-options ........................................................................ 81

1.7 Trabalho, sobre-trabalho e previdência .................................................................. 89

1.4 Salários e financiamento das aposentadorias: a mistificação liberal...................... 93

Capítulo 2. O grande capital e a previdência: recomendações do Banco Mundial ..... 100

2.1 O Banco Mundial e a reforma das aposentadorias: a concepção do grande

capital............................................................................................................................

102

2.2 A economia política da previdência: o documento do Banco Mundial de 1994 ... 107

2.3 Balanços de resultados e as inflexões necessárias: nota de 2005............................ 128

2.3.1 Os argumentos fundadores da perspectiva do Banco Mundial ........................... 134

2.3.2 A proposta da reforma ......................................................................................... 143

2.3.3 O instrumental para viabilizar as reformas da aposentadoria ............................. 149

2.3.4 Estratégias para a implementação da contra-reforma de aposentadorias............. 151

2.4 Banco Mundial e previdência no Brasil: o relatório de 2000.................................. 160

Capítulo 3. Gênese e desenvolvimento da ‘previdência privada’ no Brasil ............... 168

3.1. Criação e desenvolvimento da ‘previdência privada’ no Brasil ............................ 169

3.2 ‘Previdência privada’ no Brasil: a necessidade do ‘capital financeiro’ elevada à

necessidade universal....................................................................................................

175

3.3 As razões da burguesia ........................................................................................... 176

3.3.1 – Nas páginas da Revista ‘Visão’......................................................................... 178

3.3.1.1 Sociedades anônimas e gestão dos negócios..................................................... 188

3.3.1.2 Ajustes necessários: reduzir e privatizar, reduzir para privatizar .................... 192

3.3.1.3 ‘Previdência privada’: fundos de pensão e montepios ..................................... 194

3.3.1.4 ‘Previdência privada’: fundos de pensão versus fundações de seguridade....... 198

3.3.1.5. Os limites da lei aprovada segundo a análise empresarial .............................. 201

3.4 Estado em contra-reforma: mudanças na legislação previdenciária ...................... 207

3.4.1. 1988 a 2006: da Constituição Federal às contra-reformas ................................. 219

3.4.1.1 a natureza pública da ‘previdência privada’ .................................................... 227

3.4.1.2. a exclusividade dos planos de benefício por contribuição definida ................ 231

Considerações finais - da previdência pública à previdência financeirizada: a

‘solidariedade’ do capital dinheiro ...............................................................................

234

Bibliografia..................................................................................................................

240

Anexo I – Emendas Constitucionais relativas à seguridade social .........................

265

Anexo II – Mapa das contra-reformas..........................................................................

268

8

APRESENTAÇÃO

“Para ser universal basta cantar a sua aldeia.”

Leon Tolstoi.

O ponto de partida deste estudo arrancou de uma preocupação crescentemente aguçada no

convívio com estudantes e assistentes sociais e as suas enormes frustrações em relação ao

acesso dos trabalhadores aos direitos materializados nas políticas de seguridade social.

Afligia-lhes viver aquilo que identificavam ser uma profunda contradição: a necessidade de

realizar a defesa do sistema de seguridade social diante dos ataques e desmontes em curso

ao longo dos anos 90 e a insatisfação com os limites estreitos e possíveis de efetivação do

atendimento aos trabalhadores nas instituições responsáveis por viabilizar, cotidianamente,

as políticas de seguridade social. De modo acentuado, estas frustrações ganhavam

densidade na análise da política previdenciária que, mais além de quase sempre figurar em

páginas policiais, era tida como uma conquista do mundo do trabalho cuja defesa deveria

ser inconteste.

A crítica e a insatisfação dos envolvidos – profissionais e estudantes – no provimento do

acesso dos trabalhadores a estas políticas, para ser técnica e politicamente eficientes,

deveria superar aquilo que os próprios envolvidos viviam como contradição. Ao mesmo

tempo em que defendíamos a necessidade da crítica às instituições e aos arranjos

constitutivos das políticas sociais também insistíamos na defesa das conquistas do mundo

do trabalho materializadas nas políticas sociais em geral e nas de seguridade social, em

particular.

Redimensionar os limites dados pelas cercas de nosso quintal exigiu-nos não apenas o

estudo interno da política social previdenciária, mas, sobretudo, o entendimento das forças

externas – do capital – determinantes das contra-reformas. Redimensionamos nosso estudo

da previdência social para a análise dos investidores institucionais; da política social para a

compreensão do movimento do capital portador de juros na sua captura incessante de mais-

valia socialmente produzida e de suas sempre ‘criativas’, ‘criadoras’ e ‘destrutivas’

modalidades de especular (Mészáros; 2002; 2003). Dentre as novas formas, mais graves e

alienantes, encontram-se aquelas capazes de transmutar a solidariedade em lucrativas

aplicações e investimentos para os que mercadejam com o capital-dinheiro.

9

A análise da literatura da política de previdência social – com mais de 80 anos de existência

no Brasil - e da produção relativa à previdência complementar exigem do estudioso um

esforço considerável. Talvez a razão de uma tão vasta produção deva-se, em primeiro lugar,

a importância da política previdenciária no provimento da vida de uma parcela considerável

da classe trabalhadora que a cada dia mais dela depende para sua sobrevivência e, assim,

faz desta política um espaço privilegiado da luta de classes; pode-se também pensar na

importância desta área como campo de pesquisa e análise pela monumentalidade de

recursos que a previdência – pública e/ou privada – consegue mobilizar e com isto definir

sua importância para o financiamento de algumas das funções do estado capitalista na idade

dos monopólios1, instrumentos vitais à realização da acumulação capitalista2. A

importância do tema para a economia e para a vida social em geral, também pode ser

atestada pelo interesse que desperta nas mais diferentes especializações do conhecimento:

do direito à economia, da engenharia de produção às ciências sociais, da administração ao

serviço social, da atuária à ciência política, das ciências da saúde à história, da filosofia à

matemática, da educação à estatística, em todas as lentes do conhecimento encontraremos

múltiplas obras que discorrem sobre aspectos diferenciados e, quase necessariamente,

fragmentados do tema em apreço.

Um outro veio analítico, minoritário, reivindica a análise deste tema sob a inspiração da

totalidade e dos interesses de classe que atravessam a conformação desta política e direito

social do mundo do trabalho. Mais do que a ‘tecnicalidade’ tais estudos demonstram

interesses econômicos, políticos e sociais de classes sociais na conformação de uma luta

por direitos que dura, no mínimo, oitenta e dois anos, se pensarmos apenas em sua

institucionalização pelo Estado brasileiro.

Outro ponto a ser notado – e criticado – é o trato da gênese e do desenvolvimento da

previdência social como algo resultante das ações de proteção familiar que remontam aos

primeiros habitantes do planeta e, como se fora algo decorrente de práticas cada vez mais

aperfeiçoadas, que em certo passo da história converteram-se em políticas de seguridade e

de previdência social. Desnecessário dizer que tais análises suprimem todas as formas de

luta das classes e ignoram que sua produção histórica só foi possível em um determinado

1 Ver Netto (1992) sobre as funções do estado na idade dos monopólios. 2 É suficiente lembrar do discurso do ex-Ministro José Dirceu quando em viagem oficial à Itália prometeu que as Parcerias Público Privadas proporcionariam recursos para o desenvolvimento dos negócios dos capitais.

10

modo de produzir mercadorias: o modo de produção capitalista. Além de naturalizar as

lutas sociais e desprovê-las de sua força, estas análises pavimentam o ‘desdobramento’

também naturalizado, da previdência social para a ‘previdência privada’ como etapa

necessária e sem traumas de uma evolução inconclusa e, sobretudo, benéfica ao conjunto

dos homens, também estes, apartados de classes e de interesses sociais.

No que se refere à construção da história da previdência social e da previdência

complementar é curioso notar como ambas reivindicam os mesmos acontecimentos, as

mesmas lutas e a mesma institucionalização para escreverem a sua gênese e

desenvolvimento, como se o marco comum pudesse justificar e equalizar sob o manto da

neutralidade iniciativas e interesses tão diversos para diferentes e excludentes formas

previdenciárias.

Ao anotar tais angulações como as mais gerais e visíveis de nossa revisão bibliográfica,

delimitamos o universo da argumentação que desenvolveremos nesta tese: a intrínseca

relação da ‘crise’3 da previdência pública como razão do crescimento da ‘previdência

privada’; dito de outro modo: sustentaremos aqui que a lenta erosão da previdência pública

é condição econômico-financeira e político-ideológica e também produto para/da

construção da previdência complementar.

O suposto é o de que a ‘previdência privada’ é apenas uma mediação para a realização do

capital portador de juros em uma época em que o crédito para o financiamento do capital

produtivo se torna cada vez mais caro e, simultaneamente, uma força mobilizadora, sem

precedentes, de recursos para ‘investimentos’ em mercados de capitais e capitais fictícios

especialmente na sua ‘dimensão’ especulativa. Esta é a dimensão econômico-financeira da

‘previdência privada’

Outra função é a que se realiza conexa à destruição – ou às tentativas de – da previdência

pública e faz erigir uma confiança desmesurada na iniciativa privada e nas instituições

típicas da forma capital portador de juros como o lugar eficiente para a garantia das

aposentadorias. A esta função chamamo-la político-ideológica porque pretende levar a crer

que a noção central da relação ‘previdência privada’ é a previdência e a conseqüência

lateral o negócio privado de caráter financeiro apenas por ser urgente dar uso e destino a

3 Por esta razão reivindicamos o caminho aberto pela professora Ana Elizabete Mota que, com sua tese de doutorado, analisa a previdência e os discursos sobre sua crise a partir dos interesses e as lutas das classes sociais.

11

um capital que está parado e carece de se reproduzir – somente para não se desvalorizar –

enquanto sua destinação fundamental – o pagamento das aposentadorias – não ocorrer.

As idéias presentes nesta tese, na contramão da maioria quase absoluta dos estudos

brasileiros, estão condensadas nas seguintes sínteses:

1. A ‘‘previdência privada’’ é uma forma privilegiada de realização do capital

portador de juros nos dias atuais;

2. A prevalência da ‘‘previdência privada’’4 é a de se realizar como capital e somente

em alguns casos como ‘produto’ secundário na proteção ao envelhecimento;

3. A ‘previdência privada’ não é uma expressão da luta do trabalho contra o capital por

melhores condições de vida e trabalho e por proteção na velhice; é, ao contrário,

uma estratégia do capital para alargar a acumulação e assim, a exploração do mundo

do trabalho. (razões econômicas e financeiras).

4. A ‘previdência privada’ ao financerizar as lutas e os direitos da classe trabalhadora

contribui para o aprofundamento da alienação de frações da classe dos trabalhadores

e reforça a ‘aristocracia operário-trabalhadora’ que passa a administrar ‘partes do

‘capital financeiro’’.

5. O encolhimento da previdência pública pela transferência de trabalhadores para a

‘previdência privada’ leva à redução e ao desmonte das políticas públicas.

6. Os trabalhadores contribuem com salário para a formação do capital portador de

juros posto que os investimentos da ‘previdência privada’ privilegiam e patrocinam

a hipertrofia do capital em sua dimensão fictícia com acento na especulação.

O conjunto das afirmações acima exposto é constantemente questionado pelo grande

capital, com relevo especial por seus organismos em cujo lugar as produções do Banco

Mundial são as mais difundidas:

a) a previdência completar – para não dizê-la privada - é uma demanda imprescindível aos

tempos atuais;

b) é a solução para as crises das ‘economias modernas’;

c) é cabalmente tida como um sucesso ao redor do mundo;

4 Por não ser a ‘previdência privada’ uma forma de previdência mas um ‘investimento’ como qualquer outro, sempre usaremos a expressão ‘previdência privada’ entre aspas.

12

d) é a comprovação definitiva do alcance de um estágio superior das relações capital-

trabalho, dita também concertação, e prova inconteste da superação dos interesses

antagônicos entre as duas classes sociais, esta categoria ela mesma ultrapassada;

e) é a expressão definitiva da construção do ‘socialismo de mercado’ já que os

‘trabalhadores’ são os ‘proprietários’ de significativas parcelas da riqueza mundial;

Na exposição do nosso argumento sobre a ‘previdência privada’ como uma expressão atual

do capital portador de juros recorremos com constância ao texto marxiano para sustentar,

diferente do que hoje é comum na produção brasileira atual, que a crítica da economia

política da previdência somente é possível se reivindicarmos a tradição teórica iniciada por

Marx.

Também no capítulo que toma em análise os documentos do grande capital, matrizes para a

realização das contra-reformas e de defesa da ‘previdência privada’ pela planeta, lançamos

mão, numerosas vezes, da apresentação das idéias presentes nos textos originais. Aqui não

o fizemos por defendermos aquelas idéias, mas para torná-las mais acessíveis à crítica dos

trabalhadores já que os documentos são de difícil acesso porque não disponíveis na língua

portuguesa.

No capítulo final nossa pretensão foi a de reconstituir o debate ocorrido no momento da

elaboração de legislação que estimularia a criação dos fundos de pensão no Brasil. As

páginas da “Revista Visão’ produziram argumentos sínteses do capital nacional e aí,

também, tornou-se imprescindível a transcrição dos textos originais.

No já distante momento da ‘qualificação’ o professor Ronaldo Coutinho ponderou sobre a

importância de analisar o Estado como ponto de partida para a compreensão das reformas

efetuadas em benefício da ‘previdência privada’. Não apresentamos um capítulo específico

sobre o estado em contra-reforma, mas pensamos ter realizado a análise por dentro dos

capítulos II e III quando discutimos a noção de Estado que o grande capital supõe para

oportunizar a ‘previdência privada’ e na análise da legislação, ela mesma uma expressão

importante das necessidades do capital para o seu Estado a cada momento. Sou-lhe grata

pela orientação.

Ao professor Roberto Leher devo as primeiras conversas sobre a conformação do tema de

investigação. Na qualificação sua contribuição seguiu-se no sentido de nos fazer ver a

importância de nos apropriarmos dos documentos fundantes do grande capital para a

13

efetivação das contra-reformas no mundo já que este estudo revelaria a origem e os

alicerces dos argumentos postos na realidade brasileira pelos representantes do capital. No

capítulo II pretendemos ter realizado este esforço e antecipadamente agradecemos ao

professor.

Embora os numerosos limites deste trabalho devam ser creditados unicamente a sua autora,

seu resultado inscreve-se como herança de um rico momento de lutas de frações da classe

trabalhadora no Brasil. Referimo-nos ao tempo que vai de junho de 2002 quando da

divulgação do programa de governo do Partido dos Trabalhadores e das demais

candidaturas aos primeiros meses de 2004. Vivemos intensamente estas lutas e pudemos

testar as idéias aqui apresentadas em mais de três centenas de debates com movimentos

sociais de diferentes extrações, parlamentares, professores, juízes, estudantes, lavradores,

operários e economistas; em duas dúzias de debates em rádios e televisão e em numerosos

artigos de opinião e propaganda que cometemos ao longo daqueles dias. No âmbito do

Serviço Social tivemos a interlocução dos órgãos dirigentes da categoria e após a efetivação

da reforma passamos a debater também nos espaços da formação, processo que se estende

aos dias de hoje. Sou gratíssima a todos os protagonistas desta luta.

Em um trabalho de tanta exposição acumulei muitas dívidas, mas quero especialmente

agradecer Sil pelo acolhimento e pela paciência por transformar os meus números em

gráficos pleno de cores; ao Jorge pela troca, pelas dúvidas sanadas e pelo material sobre o

tema. Sônia Lúcio Lima e José Miguel Bendrão, companheiros constantes nas passeatas e

nas reflexões. Ângela, Tereza Menezes, Flávia, Magdala, Norma, Juarez, Cris, Marcelo e

Mário tornaram alegre e solidário o espaço acadêmico. Ilma e Leila Rodrigues pela

disponibilidade amável de ajudar sempre. Tomás de risonhas madeixas que nas manhãs de

tese me fez ter alguma cultura futebolística.

Por fim, sou agradecida ao professor José Paulo Netto por suas paciência e generosidade

comunistas com os meus limites e pela enorme erudição sempre tranqüilamente partilhada

com seus alunos.

14

Capítulo 1. “Achados” da dinâmica do capital: a financeirização da previdência.

.

“Depois do anseio de ganhar dinheiro, o mais imperioso é o de

desembaraçar-se dele mediante qualquer aplicação que proporcione

juro ou lucro; pois dinheiro de per si nada rende”.

(Karl Marx; 1985:479)

Por saber a realidade mais rica do que as inferências produzidas a seu respeito são

provisórias, porque incompletas, as sínteses apresentadas neste trabalho. Ainda assim, a

perspectiva teórico-metodológica reivindicada é a da totalidade.

O ponto de partida desta investigação objetivava desvelar a relação existente entre as

formas - aberta e fechada - de ‘previdência privada’ e o ‘capital financeiro’, mas a força da

vida real ela mesma tratou de nos fazer ver que seus movimentos revelam dimensões

outras, diferentes das questões levantadas no início da pesquisa.

Sem querer adiantar resultados, trata-se hoje de uma nova compreensão: a ‘previdência

privada’ entendemo-la como uma manifestação do ‘mundo das finanças’, recentemente

desenvolvida. Dito de modo diverso, não há entre ‘previdência privada’ e as atuais

expressões das finanças uma relação de exterioridade senão que os desdobramentos e a

sofisticação das relações sociais típicas da produção capitalista moldaram, pela deformação

da noção de previdência como lugar da solidariedade de classe e construída como demanda

da luta dos trabalhadores, um de seus mais importantes ‘achados’ para dinamizar o modo

de produção capitalista no tempo presente.

Elucidar os processos relativos à ‘previdência privada’ na dinâmica da acumulação, na

atualidade, exige-nos dirigir o “olhar [...aos] aspectos financeiros da organização

capitalista e [...ao] papel do crédito.” Harvey (1989; p.184).

Para examinar a essência da ‘previdência privada’ é forçoso estabelecer uma análise do

capital dinheiro e das expressões financeirizadas assumidas pelo capital nos dias que

correm. Todavia, uma tal imposição do ‘objeto’ implica tarefa de razoável complexidade,

especialmente, porque somos informados – talvez melhor dizer-se desinformados –

15

cotidiana e incessantemente da importância do “capital financeiro” para fenômenos e

registros muito diversos não obstante abrigarem-se todos sob o mesmo mote.

Ademais das dificuldades mencionadas, pode-se dizer, tão variado e amplo leque de

fenômenos sociais ditos ‘capital financeiro’ não revelam senão a sua superfície. Tal

profusão de fenômenos, como já o disse alguém, nada é além de um sinal, ‘uma espuma

sobre um rio’ que não revela os movimentos das correntes das águas ao observador da

tranqüilizadora paisagem. Entretanto, a espuma e os mais profundos movimentos das

correntes aquáticas compõem o rio e fazem-no o que ele é.

A evidência da presença do ‘capital financeiro’ na superfície da vida social é atestada até

em dicionário empregado em um grande conglomerado bancário-financeiro; curioso notar:

ali o ‘capital’5 e as múltiplas manifestações do fenômeno financeiro recebem quatorze

diferentes definições. Para o ‘capital financeiro’ o mesmo texto assim o distingue: “Títulos,

obrigações, ativos financeiros, certificados e investimentos negociáveis, com liquidez nos

mercados organizados.” (Rudge; 2003; p.69).

Vê-se, não somente nas profundezas fluviais encontra-se opacidade; também a espuma

pode apresentar enigmas quase indecifráveis como parecem ser os conceitos utilizados nas

instituições do capital para caracterizar os seus negócios. A existência de tipologias as mais

fragmentadas6 e específicas para tratar de um mesmo fenômeno da vida burguesa, parece –

teimosamente – querer revelar a natureza fetichizada que acompanha o capital em geral e as

diferentes formas assumidas pelo capital dinheiro em particular.

Na superfície da vida cotidiana toma-se por ‘capital financeiro’ os instrumentos por ele

utilizados para executar determinadas operações próprias de sua órbita que quase nada

revelam da natureza mesma, da essência do ‘capital financeiro’.

As pesquisas realizadas por analistas que reivindicam a Teoria Social de Marx e a tradição

marxista para explicar a vida social no dias presentes, enfrentam-se com as formulações e

ideologias da economia burguesa e também com razoável debate operado no interior da

5 Para capital há quatro sub-definições da quais duas relativas ao dinheiro. As demais adjetivações ao capital são, respectivamente: ‘aberto, circulante líquido, de giro, de giro líquido, de risco, de terceiros, fechado, financeiro, integralizado, realizado, segurado, subscrito, votante’, conforme Rudge (2003; os. 68 a 70). 6 Lukács ao analisar a ciência da sociedade burguesa ‘a sociologia’ mostra que por ela ser incapaz de tratar da totalidade vive em permanente criação de subdivisões e fragmentações especializada em minudências para tentar explicar a totalidade da vida social sem, no entanto, conseguir além de explicações parciais. Como a lógica é da especialização os fenômenos são sempre delegados a próxima especialidade parcial. A saída: recortar cada vez mais os fenômenos sociais na tentativa vã de explicá-los. Lukács (1981)

16

própria matriz analítica fundada por Marx, na tentativa de, primeiro, compreender a ‘nova’

natureza dos fenômenos financeiros para poder transformar este modo de produção.

Como nos chama atenção Harvey (1990, p.145), “Para comezar, sería útil que recordemos

que si Marx nos enseñó algo esto era, seguramente, que el mundo de las apariencias nos

engaña y que la tarea de la ciência es penetrar detrás de las apariencias e identificar las

fuerzas que allí se encuentran.”

Na direção de investigar os processos postos pela ‘previdência privada’os quais podem

conter aspectos novos e essenciais para a compreensão dos movimentos das finanças e, por

conseguinte, das modificações e das permanências na esfera da circulação e de sua relação

com a produção, recorrer-se-á à Marx e a outros autores filiados à tradição marxista com

produções já ‘clássicas’ no âmbito do conhecimento do capital dinheiro, tais como

Hilferding e Lênin.

O debate em torno de que categoria em Marx origina novo entendimento a respeito dos

fenômenos financeiros encontra justificativa em razão de as traduções, no Brasil e em

outros países, não terem guardado fidelidade aos escritos marxianos originais. Texto de

Carcanholo e Nakatani (1999; p.13) informa que a categoria ‘capital financeiro’ não deve

ser atribuída à Marx. Tal categoria teria sido ‘contrabandeada’ para o universo analítico

marxiano com base em textos de marxistas, por óbvio, posteriores à Marx. Lemos sobre

‘capital financeiro’:

“Foi usada, inapropriadamente, em uma das traduções d’O Capital para o português e isso é bem explicado por Klagsbrunn: ‘Na edição de O Capital da Editora Civilização Brasileira, essa função específica foi traduzida como ‘‘capital financeiro’’, expressão que pouco tem a ver com a original geldhandlungskapital, tanto em termos literais quanto em conteúdo e que apresenta o agravante de avançar desenvolvimentos teóricos de outro autor — Hilferding —, que se referem a aspectos mais específicos. A edição brasileira posterior de O Capital, da Editora Abril Cultural, foi, nesse particular, bem mais precisa e correta. Ao que tudo indica, a origem do erro está na tradução francesa da Editions Sociales, Paris, 1976 (tradução de Mm. Cohen-Solal e M. Gilbert Badia), na qual o título do cap. 19 p. 301 aparece como ‘Le Capital Financier (Capital Marchant)’. Isso levou a empreendimentos inócuos, como, por exemplo, o de Brunhoff (1978a, p. 103 e seguintes) de contrapor ‘a noção de ‘capital financeiro’ apresentada por Marx’ com a de Hilferding [17]’. Klagsbrunn (1992), p. 603)”.

17

Ademais, induziram equívocos duas outras compreensões igualmente recorrentes: o caráter

de texto inacabado que por ‘natureza’ suscita dúvidas por seus ‘vazios’7 e o ralo interesse

pelo tema8 delimitariam as dificuldades relativas ao universo que tomamos em

investigação. (Carcanholo e Nakatani ; 2006. Harvey, 1990 e 1992. Duménil e Lévy, 2006

e 2006a).

No presente item não se ambiciona realizar uma exegese da obra de Marx para pronunciar a

última palavra e resolver o debate em curso sobre a financeirização da vida social. A

dimensão do que pretendemos é bem menor e mesmo assim não nos é fácil. Trata-se de

construir, com base na obra de Marx, os fundamentos para a tese de que a ‘previdência

privada’ é um das recentes ‘soluções’ do modo de produção capitalista para dinamizar os

lucros.

Marx, sabe-se, conseguiu ver publicado em vida apenas o Livro Primeiro de O Capital, sua

mais importante obra. Os Livros Segundo e Terceiro não foram finalizados para publicação

por seu ator. Karl Marx morreu em 1883 e seu fiel companheiro Friedrich Engels, nos doze

anos em que sobreviveu ao amigo, dedicou-se inteiramente à publicação e à organização

dos textos constitutivos de O Capital com base nos manuscritos e extratos de Marx, nem

sempre os mais legíveis. O autor de O Capital desejava com o livro um ‘todo artístico’e

mesmo sem o finalizar não há como o leitor autonomizar partes de seu estudo e dispensar

as demais.

7 Para Harvey (1990:244), “Marx no completo su análisis de los fenómenos monetarios y financieros. Presentó una teoría del dinero muy general y sumamente abstracta en el primer volumen de El capital (resumiendo allí los análisis más extensos peró más tentativos que aparecen en los Grundrisse y en la Contribución a la crítica de la economía política). Asimismo, dejó en gran confusión sus notas sobre el funcionamiento del sistema de crédito. Engels tuvo grandes dificultades para ordenarlas a fin de publicarlas en el tercer volumen de El capital. En el prólogo de esa obra Engels se quejó de que no ‘teníamos um proyecto terminado, ni siquiera un esquema cuyos rasgos generales pudieran irse completando, sino simplesmente un conato de elaboración del problema, que en más de una ocasión acaba en un nontón dessordenado de notas, observaciones y materiales’. Engels le fue fiel a Marx y terminó produciendo la mayor parte del desorden. Éste fue un ‘asunto sin terminar’ de gran importancia en la teoría de Marx” (grifos no original). 8 Harvey, ao mencionar a importância do crédito para o capital como parte dos esforços do último em contornar as suas contradições ao mesmo tempo em que as acirra, assinala: “Desgraciadamente, los marxistas han prestado poça atención a este aspecto de la teoria. Este descuido es tanto más sorprendente si consideramos la importancia que le han dado muchos, tomando el ejemplo de Lenin principalmente, a la ‘forma financiera de capitalismo’ como una etapa específica en la historia del desarrollo capitalista. La obra de Hilferding (de la cual hizo uso Lenin directamente) fue publicada en 1910 y ha seguido siendo, hasta muy recientemente, el único intento importante de tratar del sistema de crédito en forma directa. Rosdolsky y De Brunhof vuelven a poner el análisis de Marx del dinero en una posición central durante la década de los sesenta, pero los frutos recogidos por la bibliografía marxista sobre el sistema de crédito siguen siendo notablemente escasos”. (1990; ps. 244/5).

18

O tema em análise nesta tese diz respeito às complexas formas assumidas pelo dinheiro

como capital-dinheiro, capital portador de juros, crédito, simultaneamente, esferas relativas

à produção e à circulação. No método de investigação da realidade partimos da esfera da

produção para compreender o novo papel da ‘previdência privada’ali criada como uma

necessidade da acumulação capitalista. Todavia, no método de exposição, na apresentação

dos resultados, será central ao debate o âmbito da circulação sem deixar de ter na produção

o seu suposto.

Para capturar a elaboração marxiana atinente aos movimentos do dinheiro e as formas por

ele assumidas deve-se ter em conta que uma determinada categoria pode aparecer com

maior centralidade em um texto, mas ter sua inteligibilidade melhor desenvolvida e

aprofundada no conjunto da obra; seguramente este é o caso do autor e do tema

selecionados por este estudo. Entretanto, mesmo ao correr o risco de realizar uma escolha

arbitrária, o presente esforço limitar-se-á aos seguintes textos da obra de Karl Marx:

1. as partes quarta e quinta9 do livro terceiro de O Capital, intituladas,

respectivamente, Transformação de Capital-Mercadoria e Capital-Monetário em

Capital de Comércio de Mercadorias e Capital de Comércio de Dinheiro (Capital

Comercial) e Divisão do Lucro em Juro e Lucro do Empresário. O Capital

Portador de Juros10. Conforme sublinhou-se acima, as demais partes do livro

terceiro – e dos demais – são fundamentais para a compreensão do processo global

de produção capitalista, como é anunciado no subtítulo do livro. Contudo, no exame

9 Sobre este volume pronunciou-se Engels, seu editor: “A maior dificuldade encontrei na parte quinta, que trata da matéria mais complexa do livro”. (Marx; 1987;p.07). 10 A edição de O Capital utilizada foi a da Editora Abril Cultural, sempre cotejada com a edição da Bertrand Brasil. Na publicação desta última editora, assim denomina-se a Parte Quinta: Divisão do Lucro em Juro e Lucro do Empresário. O Capital Produtor de Juros No texto da Bertrand Brasil: Conversão do Capital-mercadoria e do Capital-dinheiro em Capital Comercial e Capital Financeiro como Formas do Capital Mercantil; vale dizer, o Capital-Dinheiro transforma-se em Capital Financeiro e ambos os Capitais, Comercial e Financeiro, são formas do Capital Mercantil. Na tradução da Abril Cultural ocorre a Transformação de Capital-Mercadoria e Capital Monetário em Capital de Comércio de Mercadorias e Capital de Comércio de Dinheiro, ambos componentes do Capital Comercial. Nesta não há menção ao ‘capital financeiro’. Outra curiosidade: A seção V do Livro Três da editora Abril Cultural distribui-se por dois volumes e neles a mesma seção recebe títulos com uma pequena variação. No volume I a seção V intitula-se: Divisão do Lucro em Juro e Lucro do Empresário. O Capital Portador de Juros e no volume II a mesma seção recebe a designação, Divisão do Lucro em Juro e Ganho Empresarial. O Capital Portador de Juros. Na edição da Bertrand Brasil a Parte Quinta é qualificada Divisão do Lucro em Juro e Lucro de Empresário. O Capital Produtor de Juros. A definição do capital como produtor de juros pode sugerir entendimentos equivocados como se a produção de excedentes pudesse se realizar na esfera da circulação. Ao contrário, portar juros parece evocar uma noção mais precisa de que tais capitais apenas carregam uma parte do sobre- valor gerado na produção para a esfera da circulação sem que ali se possam criar novos valores. (grifos adicionados)

19

dos processos constitutivos da ‘previdência privada’ serão as partes relativas às

especificidades do dinheiro que poderão nos auxiliar no entendimento da gênese e

de seu lugar na conformação do capitalismo atual.

2. o texto denominado Aditamentos, parte integrante das Teorias da Mais-valia,

escrito entre janeiro de 1862 e janeiro de 1863.

3. De maneira suplementar: da seção I - O Processo de Produção do Capital - os

capítulos I a III, e da seção II - A Transformação do Dinheiro em Capital - o

capítulo IV. Estes capítulos compõem o Livro Primeiro de O Capital. Os volumes 1

e 3 de Elementos Fundamentales Para la Crítica de la Economia Política

(Grundrisse) 1857 – 1858, ambas obras de Karl Marx.

1.1. Mutações do dinheiro em Marx - o capital produtor de juros:

“A ciência real da economia moderna só começa quando

a análise teórica se desloca do processo de circulação para o de produção.

Por certo, o capital a juros é também forma arcaica de capital”.

(Karl Marx; 1985;p.388)

Ao anunciar o título de abertura da seção IV do livro III de O Capital, a “Transformação

de Capital-Mercadoria e Capital-Monetário em Capital de Comércio de Mercadorias e

Capital de Comércio de Dinheiro (Capital Comercial)”, Marx apresenta as origens, os

fundamentos e a importância do capital comercial no modo de produção capitalista. Dito

de modo diverso, o autor expõe a relação das duas formas de capital comercial com a mais

importante forma de capital da sociedade capitalista: o capital industrial. Nos cinco

capítulos11 seguintes apresenta os processos percorridos na história, saturados de

determinações, até chegar as duas formas do capital comercial: o capital de comércio de

mercadorias e o capital de comércio de dinheiro. Após, na parte quinta do mesmo livro e

ao longo de dezesseis capítulos, do XXI ao XXXVI, desvela a forma ou variedade de

capital investigada, a do capital portador de juros.

11 Referimo-nos aos capítulo de números: XVI - O Capital de Comércio de Mercadorias; XVII - O Lucro Comercial; XVIII - A Rotação do Capital Comercial - Os Preços; XIX - O Capital de Comércio de Dinheiro e XX - Considerações Históricas sobre o Capital Mercantil.

20

Mas é da obra Teorias da Mais-Valia de Marx que se recolhe preciosa síntese, expressão

da gênese e da relação existente entre as diferentes formas de capitais: o industrial, o de

comércio de mercadorias e o de comércio de dinheiro. Afirma Marx:

“As formas – o capital comercial e o capital gerador de juros – são mais antigas que a oriunda da produção capitalista, o capital industrial, a forma fundamental das relações de capital regentes da sociedade burguesa e com referência à qual as outras formas se revelam derivadas ou secundárias: derivadas como o capital produtor de juros; secundárias, isto é, como capital numa função especial (pertencente ao processo de circulação), caso do capital comercial. E é por isso que o capital industrial, no processo de seu nascimento, tem primeiro de subjugar aquelas formas e convertê-las em funções derivadas ou especiais de si mesmo. Encontra, ao formar-se e ao nascer, aquelas formas mais antigas. Encontra-as como condições prévias; mas não são precondições por ele mesmo determinadas, nem formas de seu próprio processo vital. Do mesmo modo, na origem, encontra a mercadoria, mas não como seu próprio produto, e a circulação de dinheiro, mas não como elemento de sua própria reprodução”. (Marx; 1985a: 1508).

Da citação anterior importa especialmente destacar duas notações. A primeira, a mercadoria

e o dinheiro já existiam antes de se constituir o modo capitalista de produção. Ao capital

industrial coube em seu nascedouro a tarefa de submetê-los e torná-los suas formas

funcionais. A concretização desta metamorfose somente é possível no processo produtivo

no qual a mercadoria transmuta-se em capital-mercadoria e o dinheiro em capital-dinheiro;

no processo de produção no qual ocorre a extração de sobre-trabalho que, apropriado pelo

capitalista, constitui a mais-valia.

Estabelecidas tais condições uma segunda e simultânea necessidade se põe ao capital

industrial: a de fazer circular o capital-mercadoria e, por conseqüência, organizar os

montantes de capital-dinheiro decorrentes do processo de produção. A autonomização do

capital-mercadoria e do capital-dinheiro, exigências da própria acumulação, se estabelece

pela divisão social das tarefas: o capital mercadoria transforma-se em capital de comércio

de mercadorias e o capital-dinheiro em capital de comércio de dinheiro como funções e

tarefas próprias de diferentes capitalistas organizados em empresas e instituições

especializadas.

O capital industrial, síntese do capital global, após ter submetido e dinamizado em seu

próprio proveito o capital de comércio de mercadorias e o capital de comércio de dinheiro

dá-se a conhecer por suas formas autônomas: como capital produtivo, capital portador de

21

juros e capital comercial. Da tríade o único capaz de produzir mais-valia é o denominado

capital produtivo. Assim, não parece correto dizer que o capital industrial sofre oposição do

capital portador de juros e ainda menos acertado seria tratá-los como capitais excludentes

entre si e a seus proprietários como classes em luta. Ao contrário, o máximo que pode

ocorrer no âmbito da burguesia12 são disputas pontuais pela apropriação de parcelas da

mais-valia no âmbito destas especializações do capital industrial.

Na história do desenvolvimento do modo de produção capitalista foi e é vital a constante

subordinação de todos os espaços e esferas da vida social ao domínio da produção

capitalista de mercadorias, inclusive ao determinar novas funcionalidades aos capitais e

relações existentes no período anterior ao surgimento do capitalismo.13 Essa permanente

troca metabólica da produção capitalista, estabelecida com dimensões e processos de

produção de mercadorias característicos de modos de produção anteriores, é perfeitamente

palatável ao objetivo capitalista da maximização dos lucros. Posto de outro modo, a

produção doméstica realizada nos dias de hoje guarda existência antediluviana – a

expressão está em Marx – por sua anterioridade ao modo de produção capitalista e mesmo

por ter alcançado certo desenvolvimento no próprio modo capitalista de produção em seus

momentos anteriores. Ela, a acumulação capitalista atual, ao conservar vários dos traços da

produção doméstica realizada em tempos passados também a redimensiona em um patamar

superior e próprio das reinantes condições sociais de produção e cuida, especialmente, para

que não caia a produtividade do trabalho, os tempos normais de execução das mercadorias

e, sobretudo, para que se multipliquem os excedentes de valores extraídos da força de

trabalho em ação.

No entanto, vários dos custos de produção que em condições normais de produção, vale

dizer na fábrica capitalista, reapareceriam no valor da mercadoria são, agora, de

responsabilidade da ‘atualíssima produção doméstica’, nada mais senão uma forma de

12 Decerto não ignoramos as acirradas disputas e concorrências que os capitais e seus proprietários individualmente mantêm no cotidiano da vida sob o capitalismo. Nossa ênfase refere-se, entretanto, ao aguçado senso dos capitalistas de não levarem suas disputas a por em risco de destruição o próprio modo de produção. Dito de modo diverso, os desacordos em torno da concorrência e a luta pela apropriação de parcela da mais valia nunca põem em causa a existência da extração do trabalho excedente: sobre isto a classe burguesa não possui divergências. 13 Tenho grande apreço pelas discussões realizadas, em torno deste ponto, no Manifesto do Partido Comunista de Karl Marx e Frederich Engels e na obra O Capitalismo Tardio de Ernest Mandel. Na última ver especialmente no capítulo A Estrutura do Mercado Mundial Capitalista, as páginas 30, 31 e 32 relativas

22

terceirização da produção. Poder-se-ia dizer que ali também os valores reaparecem

integralmente no valor dos produtos; porém, estes produtores são pressionados pelas

grandes indústrias para produzirem mercadorias com preços cada vez mais baixos ao

mesmo tempo em que devem assumir todas as ‘despesas’, os custos da produção. Assim, o

que se percebe é que a ‘produção doméstica’ é rearticulada no sentido de estabelecer novas

e maiores quantidades de extração de trabalho excedente em uma situação de plena

subordinação do trabalho ao capital ao combinar a subordinação formal e a real em um

único processo produtivo e de extração de valor excedentário.

De igual forma, capital comercial e ‘capital de comércio de dinheiro’ são exemplos de

capitais anteriores ao modo de produção capitalista14. Mas, sua formação na fase pré-

capitalista não lhes poupou do roldão estruturante e, na sua gênese, civilizador do

capitalismo industrial – tal um Fausto estupefato diante das transformações postas em

curso pelos poderes de Mefistófoles - que a tudo submete.

Capital de comércio de mercadorias e capital de comércio de dinheiro são, segundo Marx,

duas formas ou variedades do capital comercial. O autor justifica seu estudo em razão de o

debate dos economistas modernos confundirem capital mercantil e capital industrial e

omitirem as “peculiaridades características do primeiro”. (Marx; 1985; p.309). No

intento de desfazer as confusões e explicitar os traços típicos do capital mercantil os dois

primeiros capítulos do volume 5, do livro III, dedicam-se ao estudo de uma de suas

variedades, o Capital Comercial e a sua forma de lucro. Na explicação do capital comercial

a remissão à totalidade do capital existente na sociedade, na forma dinheiro e na forma

mercadoria, é retomada. Indica-o Marx:

“Considerando todo o capital da sociedade, vemos parte dele – embora variem seus componentes e mesmo sua magnitude – constituída de mercadorias lançadas ao mercado para converter-se em dinheiro, e parte que está no

à presente, porquanto ainda hoje observável, ‘acumulação primitiva’, típica do modo de produção capitalista. 14 Ao comentar os arranjos predominantes no período anterior a 1840, no qual para Harvey as finanças ainda não estava inteiramente subordinadas ao capital industrial, o autor o assinala: “Algunas de las principales casa de banca, como Baring y Rothschild, estaban en posición de levantar o hundir a los gobiernos, y el poder de estos últimos para imponer tributos estaba integrado cada vez más em el mundo de las altas finanzas a través de las deudas del gobierno. Em estos terrenos había muchas quejas sobre la inmensa concentración de poder económico y financiero, pero la actividade industrial y agrícola, en general, era en pequeña escala, bastante descentralizada y generalmente independiente del control financiero directo por los ‘altos financieros’ que, en general, se resistían a participar en forma directa y prolongada en la producción industrial y agrícola. La principal conexión entre la actividade productiva y el mundo de las finanzas estaba en que éste daba crédito comercial a corto plazo.” (Harvey; 1990; p.149)

23

mercado, configurada em dinheiro, para converter-se em mercadoria. Está ele sempre em via de transformar-se, de efetuar essa mera mudança de forma. Quando essa função do capital que está no processo de circulação adquire autonomia como função particular de um capital particular, tornando-se, em virtude da divisão do trabalho, função própria de determinada categoria de capitalistas, converte-se o capital-mercadoria em capital comercial”. (Marx; 1985;p.310).

É a perseverança da metamorfose do capital-mercadoria em capital-dinheiro e vice-versa,

existentes no mercado como parte do capital total da sociedade, acima referido, que se

constitui como uma fase do processo de reprodução do capital industrial sem com ele

confundir-se e ao qual se denomina capital de circulação. Esta forma particular de capital,

que guarda “peculiaridades características” ganha, no processo de desenvolvimento do

modo de produção capitalista, um lugar e uma função próprios na divisão do trabalho. Ao

tornar-se matéria e negócio de uma categoria de capitalistas, diversa do capitalista produtor

ou industrial, realiza a transformação do capital-mercadoria em capital-dinheiro e adianta

ao capital industrial um valor x. A realização da segunda metamorfose do capital-

mercadoria em capital-dinheiro (agora um ato de venda do comerciante) possibilitará

acrescer o valor de x para x’.

“Na qualidade de capitalista, o comerciante aparece no mercado antes de mais nada representando certa soma de dinheiro, a qual adianta como capitalista, isto é, com o propósito de transformar x (o valor da soma original) em x + x’ (a soma original + o lucro). É evidente que a qualidade de capitalista e sobretudo a de comerciante exigem, de início, que apareça no mercado com o capital na forma dinheiro, pois não produz mercadorias, apenas negocia com elas, propicia o movimento delas, e para mercadejar, tem antes de convertê-las, de ser possuidor de capital-dinheiro”. (Marx; 1985; p.311).

Estes movimentos realizados na esfera do capital comercial lhe conferem um certo grau de

autonomia. Mas, a relativa autonomia deste capital não o ‘liberta’ de permanecer parte do

capital total da sociedade. O capital especializado e a autonomia que possui tornam

possível, no plano preciso do conhecimento da realidade, desvendar-lhe a lógica interna e

os traços típicos porquanto ser este um tal capital com uma forma determinada, com

funções e lugar claramente identificados sem que se possa confundi-lo com outras formas

de capital e, sobretudo, com a do capital industrial.

24

“O capital comercial, portanto nada mais é do que o capital-mercadoria que o produtor fornece e tem de passar por processo de transformação em dinheiro, de efetuar a função de capital-mercadoria no mercado, com a diferença apenas de que essa função, em vez de ser operação acessória do produtor, surge como operação exclusiva de variedade especial de capitalistas, os comerciantes, e adquire autonomia como negócio correspondente a um investimento específico”. (Marx; 1985; ps.312/313).

Relativamente autônomo em razão da limitação de seus movimentos próprios por uma

outra forma de capital que lhe é superior embora não lhe seja historicamente anterior. Dito

de modo diverso, o capital comercial como fase de reprodução do capital industrial não se

confunde com ele, mas com ele guarda uma relação de dependência que, embora recíproca,

a cada novo estágio de desenvolvimento do capitalismo confirma-se e aprofunda-se sem

que se altere a “determinação ontológica” da produção sobre a circulação e do capital

industrial sobre o capital comercial, sob o capitalismo. A razão, após os estudos de Marx,

releva-se límpida; veja-se em suas próprias palavras:

“Patenteia-se aí, portanto, de maneira contundente que as operações do comerciante não passam de operações indispensáveis para transformar em dinheiro o capital-mercadoria do produtor e que por intermédio delas se efetuam as funções do capital-mercadoria no processo de circulação e de reprodução Essa conexão íntima ficaria totalmente descoberta, se, em vez de um comerciante independente, um mero empregado do produtor fosse o encarregado exclusivo dessas vendas e também das compras”. (Idem; ibidem: p.313).

Mas, se o produtor se ocupasse dos movimentos e metamorfoses das mercadorias na esfera

da circulação, certamente, a conversão da mercadoria em dinheiro seria muito mais lenta e

incidiria sobre a própria rotação do capital industrial. Assim, ademais de saber porque esta

forma de capital exige uma categoria própria de capitalistas para realizar determinadas

funções necessárias ao processo de reprodução do capital industrial e do processo de

reprodução geral do modo de produção capitalista, importa anotar o que ensina Marx

acerca do propósito do comerciante de transformar um valor x em um valor x’ na esfera de

circulação das mercadorias, ou nas letras do capítulo XVII – O Lucro Comercial - do livro

em estudo, trata-se de saber como ele se configura. Veja-se o que diz o próprio autor:

“(...) as funções puras do capital na esfera da circulação não produzem valor nem mais-valia. Compreendem as operações que o capitalista industrial tem

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de empreender, primeiro para realizar o valor de suas mercadorias, e segundo para reconverter esse valor nos elementos de produção da mercadoria, as operações destinadas a propiciar as metamorfoses do capital-mercadoria M’ – D – M, os atos, portanto, de compra e venda. Patenteou-se que o tempo exigido por essas operações levanta barreiras – objetivamente com relação às mercadorias e subjetivamente com relação ao capitalista – à criação de valor e de mais-valia”. (Idem; ibidem; p. 324).

O autor inicia o capítulo XVII com clara advertência: na esfera da circulação não há geração

de valor e de mais-valia. Ao contrário, como o capital comercial pertence ao processo de

circulação cabe-lhe função secundária, especial, realizada através de atos de compra e

venda. Na transferência de uma mão para outra têm-se, nestes atos, a realização da mais-

valia. A geração da mais-valia lhe é um ato anterior extraído no momento da produção e se

as mercadorias não entrarem na esfera da circulação a mais-valia já extraída não passará de

uma possibilidade de lucro para o capitalista industrial. Todavia, a função de realização da

mais-valia proporciona ao capital comercial um determinado lucro médio. E, se esta esfera

do capital não produz mais-valia, seu lucro médio é constituído por parte de mais-valia

produzida pelo capitalista industrial. A razão pela qual o capitalista industrial cede parte da

mais-valia ao capitalista comercial é assim explicada:

“Prolongando-se o ato de circulação 1) o capitalista industrial perde tempo pessoal, ao ficar impedido de exercer a função de dirigente do processo de produção; 2) seu produto, na forma de dinheiro ou na forma mercadoria, demora no processo de circulação, ou seja, em processo em que não se valoriza e o processo imediato de produção se interrompe. Para evitar essa interrupção, é mister ou limitar a produção, ou adiantar capital-dinheiro adicional, a fim de o processo de produção prosseguir sempre na mesma escala. (...) é do comerciante o capital que fica por inteiro encerrado no processo de circulação, substituindo parte maior do capital industrial que nele sempre se encontrava; e o capitalista industrial tem de ceder parte do lucro ao comerciante, em vez de fazer lucro menor. (...) com essa divisão das funções do capital, menor tempo se empregará especificamente no processo de circulação, menor capital adicional se adiantará para esse processo e a perda no lucro total, configurada no lucro mercantil, se reduzirá”. (Idem; ibidem; p.335).

Ao capital produtivo ou industrial é imperativa a dissociação entre ele mesmo e o capital

comercial porque a centralização dos custos comerciais leva à diminuição destes e isto é de

interesse especial do capitalista industrial. O preço pago consentido materializa-se no

repasse de uma parte da mais-valia ao capital comercial pelo capital industrial. A noção

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instrumental de “tempo é dinheiro” é aqui tornada um cânone sempre repetido e atualizado

na busca de novos e maiores patamares de lucratividade.

Todavia, uma vez assente as bases sobre as quais Marx desenvolve seu argumento sobre

uma das formas – o capital comercial– do capital mercantil, é tempo de tomar em exame os

fundamentos da segunda forma daquele capital: o ‘capital do comércio de dinheiro’,

categoria central ao nosso estudo. Ainda na parte quatro Marx examinará, no Capítulo XI –

O Capital de Comércio de Dinheiro15, no qual apresenta os traços mais distintivos e ao

mesmo tempo mais gerais desta forma de capital para, na parte quinta do volume V,

desenvolver minuciosa análise do que denominou Capital Portador de Juros.

A observação que abre o capítulo XIX, do volume V do Livro 3 de O Capital, esclarece

que no processo de circulação dos capitais industrial e comercial o dinheiro desenvolve

movimentos “puramente técnicos”. O desenvolvimento de um certo grau de complexidade

das relações de produção e as exigências de atendimento de necessidades sociais, típicas de

um determinado modo de produção, levam o ‘capital de comércio de dinheiro’ – a exemplo

do que ocorreu com o capital comercial – a constituir-se uma forma de capital com

“particularidades características” no modo de produção capitalista. A exigência de o

dinheiro efetuar movimentos puramente técnicos determina o lugar do ‘capital de comércio

de dinheiro’ e do capital portador de juros na divisão social e técnica do trabalho. Marx

explica-o do seguinte modo:

“Esses movimentos – ao se tornarem função autônoma de um capital particular que os executa, como operações peculiares, e nada mais faz além disso – transformam esse capital em ‘capital financeiro’. Parte do capital industrial, e também do capital comercial, na forma dinheiro, existiria sempre não só como capital-dinheiro em geral, mas como capital-dinheiro empenhado apenas nessas funções técnicas. Da totalidade do capital destaca-se e se torna autônoma determinada parte, na forma de capital-dinheiro, tendo a função capitalista de efetuar com exclusividade essas operações para toda a classe dos capitalistas industriais e comerciais. Como se dá com o capital comercial, parte do capital industrial existente no processo de circulação na figura de capital-dinheiro se destaca e executa essas operações do processo de reprodução para todo o capital restante. Os movimentos desse capital-dinheiro portanto são, por outro lado, movimentos apenas de parte que se tornou autônoma do capital industrial empenhado no processo de reprodução”. (Marx;1985:364).

Contudo, se nosso entendimento é correto, é possível tecer três afirmações:

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1ª) características como a de pagar, receber, realizar contabilidades e saldar ativos e

passivos são funções puramente técnicas e neste aspecto já existentes anteriormente ao

modo de produção capitalista; nesta dimensão o comércio do dinheiro encontra-se na sua

forma pura, pois somente se relaciona com a circulação do dinheiro e com as funções que

daí derivam.

2ª) tais atividades puramente técnicas16 são, no modo capitalista de produção,

exercidas por uma categoria de capitalistas exclusivamente a elas dedicadas: os banqueiros

que a tornaram uma especialidade na divisão do trabalho, a de mercadejar com o capital

portador de juros. Ademais, este negócio especializado requer condições aperfeiçoadas de

trabalho, características do ramo e que serão doravante – como no capital comercial –

exercidas em grande escala para o conjunto da classe dos capitalistas. Conforme em Marx:

“(...) vimos que se concentraram nas mãos dos banqueiros a guarda dos fundos de reserva dos homens de negócios, as operações técnicas de receber dinheiro e pagar, as de efetuar pagamentos internacionais e em conseqüência o comércio de barras de ouro ou prata. Ligado a esse comércio de dinheiro desenvolve-se o outro aspecto do sistema de crédito, a administração do capital produtor de juros ou do capital-dinheiro como função particular dos banqueiros. Tomar dinheiro emprestado e emprestá-lo torna-se negócio especial deles. São os intermediários entre o verdadeiro emprestador e o prestatário de capital-dinheiro. De modo geral, o negócio bancário, sob esse aspecto, consiste em concentrar grandes massas de capital-dinheiro emprestável, e assim, em vez do prestamista isolado, os banqueiros, representando todos os prestamistas, se confrontam com os capitalistas industriais e comerciais. Tornam-se os administradores gerais do capital-dinheiro. Além disso, concentram todos os prestatários perante todos os prestamistas, ao tomarem emprestado para todo o mundo comercial. Um banco representa, de um lado, a centralização do capital-dinheiro, dos emprestadores, e, do outro, a dos prestatários. Em geral, seu lucro consiste em tomar emprestado a juro mais baixo que aquele a que empresta”. (Marx; 1985; p.463).

15 Na edição de O Capital da editora Bertrand Brasil o capítulo XIX é denominado, como já o sinalizamos, O Capital Financeiro. 16 Atividades que, como lembra Harvey (1999), foram desenvolvidas originalmente por traficantes de dinheiro que em troca de um percentual de custos da transação manejam os elementos puramente técnicos da circulação do dinheiro. Estes traficantes de dinheiro se convertem em banqueiros quando acham mais conveniente substituir com suas letras de câmbio a de numerosos produtores individuais.

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3ª) o ponto diferencial do ‘capital-dinheiro’ no modo capitalista de produção é

alcançado quando ao comércio de dinheiro – para além das suas demais funções técnicas

serem preservadas – adiciona-se uma nova função técnica: administrar o capital produtor

de juros ou, para dizer de forma diferente, emprestar, tomar emprestado e negociar com o

crédito.

Talvez por isso a categoria capital-dinheiro seja, em Marx, progressivamente substituída

pela de capital produtor de juros17 a medida em que o crédito e o empréstimo de capital

passam a ter uma centralidade para esta forma de capital. Outra hipótese é o autor entender

a produção do juro como uma função puramente técnica do capital-dinheiro. Entretanto,

quer nos parecer que esta dimensão de o capital produtor de juros tornar-se central na

compreensão da ‘financeirização da vida social’ a ponto de merecer crescer em

importância no momento da apresentação dos resultados dos estudos sobre o capital e suas

formas, e isto parece ser uma evidência de que para Marx o principal traço da

financeirização da vida social é o da produção de juros pelo empréstimo e pelo próprio

crédito. O exame da parte quinta do texto em consideração, com maior acuidade, poderá

revelar a correção ou o inoportuno de tal afirmação.

Contudo, julgamos valer observar que antes de finalizar o capítulo XIX – O capital de

comércio de dinheiro - Marx assinalou a origem do capital e das fontes de lucro de capital-

dinheiro manipulado pelos comerciantes de dinheiro. Enfatizou:

“É evidente que a massa de capital-dinheiro, que os comerciantes de dinheiro (banqueiros) manipulam, é o capital-dinheiro que está na circulação, dos capitalistas comerciantes e industriais, e que as operações que realizam são apenas as operações desses capitalistas a que servem de intermediários”. (Idem; ibidem; p.371).

Nos parágrafos seguintes do mesmo texto não restam dúvidas quanto a origem única e

mesma dos lucros dos capitais comercial e do capital portador de juros. São ambas

deduções de mais-valia do capital industrial. A diferença é que o capital comercial tem a

função de realizar a mais-valia extraída no ato da produção pelo capital produtivo ou

industrial, ao passo que o capital produtor de juros lida com valores já realizados, com

formas-valor que estão na esfera da circulação e que por pertencerem aos capitais industrial

e comercial resultam da partilha de mais-valia efetivada entre aqueles capitais. Todavia,

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talvez seja prudente afirmar: em Marx é cristalino, o dinheiro manipulado pelos banqueiros

é o dinheiro da totalidade das classes sociais sob a guarda destes capitalistas; esta é a sua

atribuição social no presente modo de produção.

A centralidade da ação dos banqueiros como especialistas na guarda do dinheiro e nos

mecanismos algo ‘esotéricos’ do capital portador de juros começa a ser ‘questionada’ em

fins dos anos de 1950 quando a reconstrução da Europa – duramente destruída em partes

importantes ao longo da II Grande Guerra Mundial - já fora realizada e a expansão do

grande capital monopolista dos Estados Unidos em primeiro plano, seguido neste

movimento por capitais monopolistas de alguns poucos países e grupos financeiros das

mesmas nações imperialistas, tornara imperativa a expansão dos negócios do grande capital

para os demais continentes.

Todavia, a abertura de novas frentes de expropriação de mais-valia pelo capital

monopolista e de realização de lucratividade requeria encontrar ‘dinheiro barato’ para ser

convertido no capital que expandiria suas fronteiras na direção das nações da periferia do

mundo capitalista. Mais além de consolidar a repartição do mundo entre as grandes

potências e entre os grandes grupos proprietários do capital dinheiro, o subproduto da nova

‘colonização’ mundial implicava em desenvolver naquelas nações as forças produtivas e as

relações de produção sob a lógica dos monopólios. (Lênin; 1986 e Ianni; 1981).

Ademais, a motivação por encontrar ‘dinheiro barato’ para o financiamento da indústria,

em uma época em que ocorrem generalizadas possibilidades de expansão dos negócios – de

acumulação capitalista – propiciadas pelo pós segunda grande guerra mundial possibilitou o

surgimento e a expansão da ‘previdência privada’ como estratégia financiadora do

crescimento em importantes mercados consumidores em formação e implicava realizar

nova partilha do mundo (Lênin; 1986).

Foi neste período de reconstrução do mundo e de expansão dos grandes capitais norte-

americanos pelo planeta que, em uma das indústrias símbolos do capitalismo americano

(Gounet; 1999), a General Motors implementou-se a modalidade de ‘previdência privada’

por empresa ou os fundos de pensão. A partir de então, a forma de ‘previdência privada já

conhecida da nação norte-americana desde os princípios do New Deal ganhou impulso e foi

17 Ver, especialmente, a parte V do livro 3 vol.V e as Teorias da Mais-Valia o volume III.

30

seguida na implementação por diversas empresas símbolos do capitalismo dos Estados

Unidos.

1.2 Gênese e necessidades da ‘previdência privada’ fechada

“Ladrão não é o que assalta o banco, mas o que o criou”.

Bertold Brecht A ‘previdência privada’ organiza-se na maioria dos países do mundo por meio de Entidades

Fechadas de Previdência Complementar (EFPC) e de Entidades Abertas de Previdência

Complementar (EAPC). As primeiras são conhecidas por Fundos de Pensão e, de modo

menos difundido no Brasil, também por aposentadoria profissional.

O parâmetro da ‘previdência privada’ encontra-se nos Estados Unidos país que, por tê-la

criado e ‘popularizado’ esta configuração de ‘previdência’, a matrizou da nominação à

estrutura do novo negócio.

As Entidades Fechadas de Previdência Complementar, os fundos de pensão, recebem tal

designação por serem organizadas no âmbito de um grupo empresarial ou de várias

empresas de um mesmo conglomerado ou setor produtivo e de atividades e congregam

exclusivamente os trabalhadores empregados naquele negócio18. São também entidades

fechadas de previdência complementar as instituídas pelo Estado em qualquer uma de suas

18 As Leis nºs 6435/77 e 6462/77 foram substituídas pela Lei Complementar nº 109 de 29 de maio de 2001 que no Capítulo III define o que são as Entidades Fechadas de Previdência Complementar . Veja-se os seguintes artigos: “Art. 31. As entidades fechadas são aquelas acessíveis, na forma regulamentada pelo órgão regulador e fiscalizador, exclusivamente: I - aos empregados de uma empresa ou grupo de empresas e aos servidores da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, entes denominados patrocinadores; e II - aos associados ou membros de pessoas jurídicas de caráter profissional, classista ou setorial, denominadas instituidores. § 1º As entidades fechadas organizar-se-ão sob a forma de fundação ou sociedade civil, sem fins lucrativos. § 2º As entidades fechadas constituídas por instituidores referidos no inciso II do caput deste artigo deverão, cumulativamente: I - terceirizar a gestão dos recursos garantidores das reservas técnicas e provisões mediante a contratação de instituição especializada autorizada a funcionar pelo Banco Central do Brasil ou outro órgão competente; II - ofertar exclusivamente planos de benefícios na modalidade contribuição definida, na forma do parágrafo único do art. 7o desta Lei Complementar. § 3º Os responsáveis pela gestão dos recursos de que trata o inciso I do parágrafo anterior deverão manter segregados e totalmente isolados o seu patrimônio dos patrimônios do instituidor e da entidade fechada. § 4º Na regulamentação de que trata o caput, o órgão regulador e fiscalizador estabelecerá o tempo mínimo de existência do instituidor e o seu número mínimo de associados.” (MPAS; 2002)

31

instâncias para a força de trabalho ali empregada e as criadas por entidades classistas,

profissionais ou setoriais. No último caso denominam-se Fundos de Instituidor.

Para a “Revista Visão”19 (1978) a necessidade dos fundos de pensão ao redor do mundo,

arranca de um feixe de determinações que impuseram o surgimento de tais instituições.

Veja-se:

“(...) pressão dos sindicatos em busca de maiores benefícios; crescente longevidade da população – mais gente recebendo aposentadoria por mais tempo; difusão de amplos e diversificados padrões de consumo – o que reduzia a acumulação de poupança no período ativo e levava a população idosa a depender exclusivamente, ou principalmente, da aposentadoria; necessidade de renovar a força de trabalho nas empresas (a renovação era freada basicamente pelo baixo nível da aposentadoria oferecida pela previdência social estatal); interesse e atuação positiva dos executivos, desejosos de compensar a brutal diferença entre o salário que recebiam e a aposentadoria que receberiam da previdência social; e incentivos fiscais concedidos aos fundos de pensão”. (Pg. 48)

As Entidades Abertas de Previdência Complementar constituem-se sob a forma exclusiva

de “sociedades anônimas e têm por objetivo instituir e operar planos de benefícios de

caráter previdenciário concedidos em forma de renda continuada ou pagamento único,

acessíveis a quaisquer pessoas físicas.” (MPAS; 2002; p.48)

Planos de ‘previdência privada’ aberta são os oferecidos por Bancos, Entidades de

Previdência e Seguradoras e deles podem tomar parte toda a pessoa que se submeta ao

contrato estabelecido e, naturalmente, quite as cotas mensais necessárias à aquisição do

‘produto’.

Os planos de aposentadoria oferecidos pelas diferentes formas de ‘previdência privada’ tem

um espectro de alternativas bastante limitado no mundo todo. Basicamente eles podem

operar por Benefícios Definidos e por Contribuição Definida e este é um critério importante

para diferenciar os diversos planos de ‘previdência privada’.

O Benefício Definido ‘promete’ a ‘garantia’ de uma aposentadoria mensal com base em um

montante pré-definido no momento do trabalho e relaciona-se, fundamentalmente, com o

lugar do trabalhador no espaço produtivo, isto é, vincula-se aos salários do trabalhador ao

longo de sua vida laborativa.

19 No capítulo III deste trabalho realizamos análise do debate que teve lugar na ‘Revista Visão’ nos anos de 1977 e 1978, especialmente, em torno da lei disciplinadora da criação dos fundos de pensão.

32

Os planos de aposentadoria por Contribuição Definida foram criados pelo artigo 401 (K)

do Código Americano de Impostos de 1978. Com a instituição de tais planos a contribuição

dos trabalhadores é feita em uma conta individual e o resultado das aplicações realizadas ao

longo de sua vida produtiva serão conhecidas no momento da aposentadoria. Se os

investimentos lograram sucesso haverá uma substantiva aposentadoria; mas, na ocorrência

do contrário, isto é se a gestão de seus ‘ativos’ não tiver obtido sucesso o trabalhador

poderá não ter aposentadoria. Nestes planos os trabalhadores são ‘instados’ a aplicar o

máximo de valores em operações as mais arriscadas para esperar uma aposentadoria a mais

elevada possível, daí que as carteiras de aplicações destes planos são quase que

majoritariamente em ações e fundos de renda variável. Na consideração de Lavigne (2004;

p.37),

“O objetivo dos planos por Contribuição Definida consiste por fim em selecionar as empresas que permitiram uma valorização mais elevada dos capitais investidos pelos acionistas e, por conseqüência, para os trabalhadores. Finalmente, o risco é assumido pelos beneficiários do plano já que o valor da aposentadoria recebida em uma conta individual é incerta.” (Tradução e grifos nossos)

Em essência tal planos de aposentadoria imputa a quem caberá os riscos das aplicações

financeiras ditas ‘previdenciárias’. Nos planos de Benefício Definido os riscos são em geral

divididos pelo capital e pelo trabalho se a referência for a contribuição de ambos; pelo

capital, se somente este suportar os recursos para a ‘previdência privada’. Se o plano é por

Contribuição definida os riscos de não se ter aposentadoria ao final de uma vida de trabalho

serão inteiramente assumidos pelo trabalhador.20

Um olhar ainda que rápido sobre o modo como a maioria dos planos de ‘previdência

privada’ foram construídos evidenciará: nas primeiras décadas da institucionalização desta

‘previdência’ eram comuns os planos por Benefício Definido, talvez mesmo porque ao

longo daqueles anos não havia um grande número de aposentadorias a ser paga. Nos anos

que se seguiram ao final da Segunda Grande Guerra Mundial proliferaram planos de

Benefício Definido nos fundos de pensão criados nos Estados Unidos. Em tais fundos de

pensão tão logo recolheram-se os vastos montantes de dinheiro pode a lógica que os rege

20 Neste momento o que analisamos é a lógica crua da economia política. A crítica do financiamento das aposentadorias com base nos salários a faremos em item posterior neste capítulo mesmo. Por enquanto é suficiente lembrar que toda riqueza é gerada pelo trabalho não pago e expropriado pelo capital.

33

então evidenciar-se: a do comércio do dinheiro portador de juros. A conseqüência mais

visível de os recursos da ‘previdência privada’ afluírem aos mercados expressou-se na

organização dos planos de ‘previdência privada’ que sofreu consideráveis modificações.

Em uma época em que a mão de obra tornou-se enormemente abundante em razão da

substituição do trabalho vivo pelo trabalho morto em gigantescas proporções, dissipou-se o

objetivo de ‘fidelizar’ a mão de obra à empresa por meio do oferecimento da ‘previdência

profissional’, ligada ao emprego. Daí ser a alteração mais visível no universo da

‘previdência privada’ a que substituiu o plano de Benefício Definido pela Contribuição

Definida.

O plano estruturado sob a forma de Benefício Definido guarda maior proximidade com os

planos de previdência social porque permite ao trabalhador saber qual o valor de sua

aposentadoria no futuro e assim contribuir no presente. Em um fundo de pensão o

trabalhador ao chegar ao momento da aposentadoria deverá ter – ao menos hipoteticamente,

já que não é incomum a quebra das ‘previdências privadas’ e a ausência de recursos e de

responsáveis para o cumprimento do acordado com os trabalhadores – o valor esperado. Em

caso de as aplicações realizadas no mercado de capitais não terem logrado sucesso cabe ao

‘patrocinador’, isto é, o patrão21, o provimento dos recursos para honrar a expectativa da

aposentadoria.

Não há que se fazer enorme esforço para compreender que, antes cedo do que tarde, o

capital viu-se emaranhado no seu próprio argumento já que o Benefício Definido fora uma

espécie de atrativo aos trabalhadores quando de sua criação. Mais uma vez a criatura volta-

se contra o criador que deve extingui-la rapidamente sob pena de ver-se em difícil situação:

por em risco não somente os capitais instituidores de ‘previdência privada’ como também

estender a responsabilidade do provimento das aposentadorias aos negócios nos quais os

fundos de pensão participam como acionistas. A solução ao crescimento e à consolidação

dos mercados de capitais inverteu-se em responsabilidades para o capital que exigiu

reformas mais alongadas do que as efetuadas nos limites da previdência social.

21 Por esta razão a contra-reforma da previdência de 2003 constituiu o mesmo pacote da contra-reforma na Lei de Falências aprovada em fevereiro de 2005. No cerne da lei a garantia dos direitos dos credores permitiu-lhes posição privilegiada no recebimento das dívidas da empresa falida. Os trabalhadores que antes detinham a prioridade nos pagamentos devidos pela massa falida agora padecem restrições no recebimento: o que exceder R$ 39 mil deverá ir para o final da ‘fila de recebimentos’. As dívidas tributárias ocupam o terceiro

34

Das estruturas dos mercados de capitais às instituições financeiras, das responsabilidades

pela falências e quebras da empresas aos direitos trabalhistas da força de trabalho quando

eventos críticos ocorrem ao capital, da liberdade migratória dos capitais pelo planeta às

privatizações, tudo deve ser reformado para receber os volumosos recursos das

‘previdências privadas’ a serem convertidas em capital. Como já o indicamos, removidos os

obstáculos porções do trabalho necessário, a renda do trabalho, pode ser vertida em capital

em geral e em capital que rende juros, em particular.

Atualmente aos fundos de pensão - às seguradoras, aos fundos de investimento e aos fundos

mútuos – são conhecidos por Investidores Institucionais22 e considerados “os atores chaves

do modelo do capitalismo americano, qualificado por capitalismo institucional” 23

(Lavigne; 2004; p.15).

Sua importância nos Estados Unidos deriva do papel central que desempenham nas

sociedades por ações e por serem os principais responsáveis pelas transações realizadas no

mercado: 80% de tais transações são controladas por eles. Dentre os Investidores

Institucionais os fundos de pensão detêm 25% do capital do conjunto das firmas americanas

e cerca de metade do capital das vinte e cinco maiores grandes sociedades em 1997,

conforme Lavigne (2004) e Nikonoff (2000).

A importância destes capitais na dinâmica do capitalismo nos dias que correm é de primeira

ordem. Os dados a seguir apresentados revelam a grandeza dos ‘ativos’ dos fundos de

pensão em relação aos PIB das regiões e dos continentes nos quais estes capitais estão

inseridos.

lugar dentre as prioridades. No ‘conjunto da obra’ garantiu-se, com as duas reformas, às empresas que não podem alterar os planos de benefício definido limites bastante claros para o pagamento de dívidas trabalhistas. 22 Investidor Institucional: “Mais importante participante dos mercados financeiros e de capitais, em face de sua imensa massa de manobra, que são os recursos captados junto a seus públicos. São os profissionais da aplicação de recursos de terceiros, entidades que merecem atenção especial da autoridade monetária, quando se trata de manter a liquidez dos mercados financeiros. Os principais investidores institucionais são: a) fundos de pensão e entidades de ‘previdência privada’; b) montepios; c) fundações de seguridade social; d) fundos de investimento; e) companhias de seguros e capitalização; f) companhia de investimentos. Em alguns casos, como nas companhias de seguros, melhor será chamá-los investidores profissionais, porque dificilmente sua lucratividade nas operações com títulos pode ser diretamente repassada ao universo dos clientes” (Rudge; 2003; ps.192/3). 23 Quando se menciona a totalidade dos Investidores Institucionais os números impressionam ainda mais: 60% do capital das grandes sociedades por ações americanas são controladas por estes agentes financeiros que, em 2001, controlavam ativos de aproximadamente 191% do PIB americano. (Lavigne; 2004. Blackburn; 2002 e Nikonoff; 2000).

35

A tabela abaixo relaciona os capitais manipulados pelos fundos de pensão em importantes

países do mundo em face do Produto Interno Bruto (PIB) de cada um dos países

selecionados. Com tal relação pretende-se demonstrar a influência que esta modalidade de

‘previdências privada’ guarda na definição dos rumos da economia do planeta.

Nos Estados Unidos – país com o maior PIB do planeta – os capitais controlados pelos

fundos de pensão já alcançavam nos anos de 2004 e 2005 quase o valor de 100% da renda e

serviços anualmente produzidos. Ademais, em países como a Holanda e a Suíça os capitais

TABELA Nº 01

ATIVOS DOS FUNDOS DE PENSÃO 2004/05 (em US$ bilhões) Países Ativos % do PIB

América do Norte 11.536 93% Estados Unidos 11.090 95% Canadá 446 52%

América do Sul 263 30% Argentina 22 13% Brasil 137 17% Bolívia 2 22% Colômbia 16 13% Chile 75 65% Peru 9 14% Uruguai 2 13%

Europa 2.619 71% Alemanha 104 4% Dinamarca 73 30% Finlândia 84 45% França 123 7% Holanda 545 106% Irlanda 77 43% Itália 44 3% Noruega 10 7% Reino Unido 1.175 65% Suécia 23 13% Suíça 361 112%

Ásia 1.171 38% Japão 661 14% Austrália 465 73% China - Hong Kong 45 17%

Total 15.589 84% Fonte: Elaboração própria com base em dados divulgados na Gazeta Mercantil, Suplemento Especial - Fundos de Pensão, 9 de outubro de 2006.

36

acumulados nos Fundos de Pensão já são superiores ao PIB. Também não é insignificante

observar que várias nações com economias bem localizadas em grandeza no planeta tenham

fundos de pensão que acumulem entre 50% e mais de 70% de seus PIB.

Na demonstração gráfica abaixo pode-se precisar a ordem de grandeza dos capitais

acumulados pelos fundos de pensão em alguns blocos de países do mundo.

GRÁFICO Nº 01

Ativos dos Fundos de Pensão 2004/05 (em US$ bilhões)

América do Sul26330%

América do Norte11.53693%

Europa2.61971%

Ásia 1.171 38%

América do Norte América do Sul Europa Ásia

Fonte: Elaboração própria com base em dados divulgados pela Gazeta Mercantil, Suplemento Especial - Fundos de Pensão de

09.10.2006.

Entretanto, a existência de países, especialmente na Europa do Leste24 que até recentemente

estiveram sob regimes socialistas e na América do Sul nos quais os capitais dos fundos de

pensão estão bastante abaixo dos índices em referência ao PIB na comparação com os dos

37

países centrais revela, no mínimo, possibilidades prodigiosas de crescimento desta forma de

finanças. De posse desta avaliação há muito o capital tem conduzido as contra-reformas nos

âmbitos da previdência social e do sistema financeiro em tais partes do mundo com uma

prioridade que quase beira a fúria.

Como informa Lavigne (2004) os fundos de pensão ou as aposentadorias profissionais nos

Estados Unidos não são as mais importantes e abrangentes formas de aposentadorias já que

não representam em média mais do que 20% do total das aposentadorias pagas aos

trabalhadores aposentados. Sua importância reside no papel que estes fundos de pensão

jogam na dinâmica dos mercados financeiros por intermédio dos enormes montantes de

ativos que estão sob seu gerenciamento e que os habilitam a definir os rumos das

economias e a formatação do modo de produção capitalista, inclusive nos países centrais

como os Estados Unidos e o Reino Unido.

No Brasil, não ocorre de modo diverso. As quantidades de aposentadorias pagas e a

abrangência de trabalhadores do total da força de trabalho coberta por aposentadorias

privadas, especialmente pelos fundos de pensão, são impressionantemente baixas.

A crescente importância de tais fundos de pensão, de ‘previdência privada’, não pode ser

medida por sua capacidade de prover aposentadorias capazes de alcançar uma parte

significativa da força de trabalho, com valores médios mais generosos para um número

expressivo de trabalhadores do que as aposentadorias providas pela previdência social. Os

trabalhadores que possuem ‘previdência privada’, em geral, somente conseguem ter uma

aposentadoria diferenciada, mais alta do que a provida pela previdência pública por não

deixarem de contar com os benefícios da previdência social. Se deixassem de receber a

previdência social as médias pagas pela ‘previdência privada’ não seriam

significativamente mais elevadas para o conjunto dos trabalhadores com aposentadorias em

fundos de pensão do que o são os benefícios pagos pela previdência pública. Dito de modo

diverso, o eventual sucesso da ‘previdência privada’ somente se constitui se existir a

‘solidariedade’ da previdência pública: a previdência privada em si mesmo não tem como

produzir aposentadorias na média muito mais elevadas do que o faz a previdência social.

Sua importância reside, então, no papel que a ‘previdência privada’ desempenha nos

24 Ver material anexo.

38

mercados de capitais25 e, especialmente, nas especulações financeiras que tem propiciado e

financiado ao redor do mundo. Não há objetivamente razões para a classe trabalhadora

assumir tais projetos por serem de interesse exclusivo do capital.

Conforme o gráfico a seguir apresentado podemos aferir que os monumentais valores

movimentados pela ‘previdência privada’ no Brasil ultrapassam os valores anuais

mobilizados pela previdência social, sem que se tenha levado em consideração a fatia de

GRÁFICO Nº 02

Valores Previdência - 'Privada' e Pública

R$ 344.552.000.000,00 70%

R$ 146.839.000.000,0030%

Valores 'Previdência Privada' Valores Previdência Pública

Fonte: Elaboração própria com base em dados divulgados pela Abrapp e pela Anfip.

25 No âmbito da ‘vida cotidiana’ dos fundos de pensão as gerências de investimento são chamadas de setores fins dos negócios ali realizados e seus trabalhadores, tal qual nas demais agências do setor financeiro, ganham percentuais superiores – em torno de 30% - aos dos demais trabalhadores da mesma entidade. Como as aplicações são de fato o fim, o objetivo central deste negócio – e não a previdência! – os operadores do mercado financeiro agregam aos seus salários a ‘taxa de sucesso’ pelo seu desempenho no mundo das especulações, no seu próprio jargão, pelo acerto nas aplicações e investimentos.

39

‘previdência privada’ organizada por entidades abertas de previdência complementar. Se

considerássemos todo o universo ‘previdenciário’ a porção da previdência social seria ainda

menor. Como temos argumentado ‘previdência privada’ não é previdência, mas dinheiro

em gigantescas proporções a procura das mais lucrativas aplicações ao capital.

Todavia, a previdência social no Brasil e no mundo tem sido capaz de recolher, na forma de

impostos e contribuições, importantes frações da mais-valia produzida pelo trabalho. O

reconhecimento pelo capital de que partes do ‘seu lucro’ são carreadas ao Estado para a

formação do fundo público o faz mover-se na direção de produzir contra-reformas no

âmbito das políticas sociais dentre as quais têm lugar privilegiado a previdência pública,

não por outra razão senão a dos graúdos recursos que é capaz de mobilizar. Porém, para que

as diversas formas de ‘previdência privada’ possam prosperar é inescusável reduzir em

eficácia e amplitude os direitos garantidos pela previdência pública, conforme pretende-se

demonstrar nos capítulos II e III deste trabalho. Veja-se a seguir:

GRÁFICO Nº 03

Número de Benefícios Distribuídos

23.500.00096%

970.2694%

Nº Benefícios 'Previdência Privada' (agosto/2006)

Nº Benefícios Previdência Pública (2005)

Fonte: Elaboração própria com base em dados divulgados pela Abrapp e pelda Anfip.

40

Ao se comparar a capacidade de distribuir benefícios próprias da previdência social com o

limitado alcance da ‘previdência privada’, reforçar-se-á a compreensão de sua natureza:

seus recursos têm por vocação a acumulação capitalista e não o suprimento de necessidades

sociais, humanas. Nota-se acima a evidente superioridade na capacidade de distribuição de

benefícios da previdência pública em nosso país quando comparada com a ‘previdência

privada’, ainda que os dados para a primeira sejam os do ano de 2005 e da segunda os do

ano de 2006. Mesmo que os dados pudessem beneficiar o argumento em favor da

‘previdência privada’ por serem mais recentes, é abissal a distância em favor da capacidade

de realizar direitos previdenciários do sistema público de aposentadorias.

A primeira entidade de previdência complementar fechada26 ou o surgimento do primeiro

fundo de pensão nos moldes do que conhecemos hoje no Brasil, de que se tem notícias, foi

constituído na década de 50 do século XX, nos Estados Unidos, por iniciativa de Charles

Wilson, presidente da General Motors, então a maior empresa do mundo. Sua estratégia

consistiu, durante negociações trabalhistas, na proposição ao sindicato de trabalhadores da

empresa de formar-se um fundo de pensão ‘para os trabalhadores da General Motors’.

Antes de Wilson, Everett T. Allen ([et all] 1994) e Blackburn (2002) anotam que a

American Express Company27, em 187528, foi precursora dos planos de aposentadoria na

26 Como já assinalamos os fundos de pensão surgem no âmbito do New Deal, mas somente alcançam notoriedade a partir da iniciativa da grande corporação. 27 Conforme a história da empresa, disponível no endereço eletrônico http://www.americanexpress.com/br/. Consulta realizada em outubro de 2004. A empresa American Express iniciou suas atividades como transportadora de valores e de cargas em 1850 em Búfalo, Estados Unidos pela reunião dos seguintes sócios: Wells, Fargo, Butterfield, Livingston e Wasson. Todavia, foi necessário que pouco tempo se passasse para que a companhia- ‘de pronto’ - tivesse estendido seus serviços a produtos financeiros como ordens de pagamento e cheques de viagem. Alguns anos mais tarde, Marcellus Berry criou duas grandes inovações relativas as atividades do ‘capital financeiro’; a ordem de pagamento "Money Order" da American Express em 1882 e em 1891 os Travelers Cheques. A justificativa ao surgimento das novas mercadorias capital-dinheiro dizia respeito “às necessidades daqueles que realizavam viagens extensas, principalmente viagens internacionais, e que necessitavam de uma forma simples e segura de transportar valores”. Novamente, em 1958, as exigências de internacionalização promovidas pelo ‘capital financeiro’ levaram-na ao lançamento de seu ‘dinheiro-plástico’, comumente conhecido como cartão de crédito. O crescimento gigantesco desta forma de ‘riqueza’ fez com que, em menos de uma década, em 1964 o cartão já contasse com um milhão de associados e em 1970 já estivesse presente em 10 países do mundo. Em 1980, a empresa passou a operar no Brasil e para divulgar seu produto em um mercado promissor, mas que não tinha formado a ‘necessidade’ de consumo desta mercadoria, ainda desconhecida por aqui. Seu primeiro produto no Brasil “foi o American Express Card, o tradicional cartão verde, que foi lançado como patrocinador de um grande evento de arte moderna em São Paulo, já antecipando a preocupação da empresa com ações humanitárias e culturais. (...) A partir da década de 90, a American Express concentrou suas atividades como provedora global de serviços de viagens, financeiros e de cartões, expandindo suas operações através de alianças e co-brandings, contando atualmente com mais de 1.700 escritórios de viagens em mais de 130 países”. Os números que a empresa parece ter orgulho de divulgar dizem respeito ao seu tamanho: emprega mais de 80 mil funcionários; emite

41

indústria e nos serviços, nos Estados Unidos. Cinco anos mais tarde, em 1880, a Baltimore

and Ohio Railroad Company segue-lhe a iniciativa e o segundo plano formal de

aposentadorias foi estabelecido. Ao longo das cinco décadas seguintes mais 400 planos

surgiram nos Estados Unidos, quase sempre ligados à estrada de ferro, aos bancos e aos

serviços públicos.

As seguradoras descobriram este lucrativo campo de acumulação capitalista em 1921

quando a Metropolitan Life Insurance Company estabeleceu o primeiro plano de

aposentadoria em grupo e o segundo foi estabelecido por solicitação de um empregador

que, em 1924, já mantinha um plano de aposentadoria mais ou menos nos moldes do que

foi definido mais tarde como plano por ‘benefício definido’. Em 1924, também a The

Equitable Life Assurance Society of the United States anunciou sua entrada no ramo de

planos de aposentadorias, como que a confirmar a descoberta de que este viria a ser o

principal instrumento de captação de capital dinheiro de que se valeria o capital no século

em curso.

Para Lavigne (2004) a ‘previdência privada’ encontra espaço para desenvolver-se desde

1935 nos Estados Unidos após o desenvolvimento do ‘regime de base’, medida do “New

Deal”, que previa uma renda mínima para as aposentadorias. Dado ser o valor desta

‘aposentadoria’ não mais do que um recurso ‘básico, mínimo’ assim teria se desenvolvido a

‘previdência privada fechada’ pela ação das empresas, essencialmente, naquelas

especializadas na produção de serviços públicos como as de estradas de ferro, de gás, de

eletricidade e de água.

Todavia, somente na década de 1950 e após o final da segunda grande guerra mundial, é

que os fundos de pensão alcançarão expansão significativa. Para ApRoberts (1997) e

Lavigne (2004) a função original dos fundos de pensão desdobrava-se na resposta a duas

necessidades: fixar a mão-de-obra nas empresas e conter o desenvolvimento do

sindicalismo.

cartões em mais de 52 países e em mais de 175 países eles são admitidos; a cada dois minutos, um novo estabelecimento é afiliado; o número de seus Associados ultrapassa os 42 milhões e registra possuir 1.700 escritórios de viagem em mais de 130 países; 28 Não nos parece coincidência que o período no qual se realizou a constituição da ‘previdência privada’ seja exatamente o mesmo daquele em que se realizou a passagem do capitalismo concorrencial ao seu estágio mais desenvolvido: a idade dos monopólios sob o domínio do ‘capital financeiro’.

42

Com a ampliação da ‘previdência privada’ para os mais importantes setores do capital

produtivo e dos negócios em geral, logo uma outra importante necessidade ficou visível

pois que tal forma de ‘previdência’ passou a viabilizar centralmente a consolidação de um

mercado de capitais, às expensas do mundo do trabalho, e a afirmação e expansão de

capital-dinheiro para as carteiras de crédito de bens de consumo das instituições

financeiras.

Anthony Giddens (2000) justifica a defesa que faz da privatização das políticas

previdenciárias por repartição – para ele deveriam ser substituídas por políticas de

investimento - para desabituar os idosos da dependência das aposentadorias públicas.

Assim, o ‘problema’ das aposentadorias – na qual se inclui, para o autor, o da idade fixa –

passaria de uma grande dificuldade das sociedades atuais a uma solução porque um recurso

para o crescimento.

Nas empresas do grande capital como a automobilística General Motors, bem antes dos

postulados de governo e intelectuais, estes volumes cedo prestaram-se ao

autofinanciamento; recursos absolutamente ‘baratos’ constituíram-se eficaz alternativa aos

diferentes e elevados custos do dinheiro que as instituições financeiras exigiam como

remuneração ao capital dinheiro usado para as reestruturações produtivas nas empresas.

Em 1950 os interesses que moviam o presidente do monopólio General Motors, certamente,

eram bastante diversos daqueles reivindicados pelos trabalhadores em suas greves. A

estratégia do executivo-chefe diante de uma greve foi a de propor aos trabalhadores algo

que lhes pareceu um generosos acordo: atribuir aumentos menores no presente e assegurar

à força de trabalho estas transferências no futuro, sob a forma de ‘previdência privada

fechada’. Dito de modo diverso, acordou-se: o direito a uma pequena fração da mais-valia

extraída no presente poderia ser devolvida aos trabalhadores no futuro como aposentadoria.

Ademais do recuo na luta do tempo presente os trabalhadores consentiram que a decisão e a

destinação do lucro – da propriedade privada - é matéria atinente ao capital. As condições

de uma tal concertação supunham somente a contribuição do capitalista e organizavam-se

por benefício definido de sorte que o trabalhador podia conhecer uma pré-determinação do

valor de sua aposentadoria.

Embora a ‘previdência privada’ nos Estados Unidos tenha alcançado significativo

desenvolvimento na década de 1960 foi na reação à grande crise dos anos setenta que seu

43

crescimento tornou-se central à política do grande capital com medidas orientadas pelo

Estado daquele país.

Em 1974 o Congresso do Estados Unidos aprovou, após longo tempo de discussão, a

ERISA29 (Emploiymente Retirement Income Security Act), centrada na ‘previdência

privada’, sobretudo, naquela denominada empresarial ou de fundos de pensão. Como esta

lei estabeleceu algumas medidas de responsabilização dos empregadores em face dos

planos por Benefício Definido, desde então os capitalistas passaram a recorrer aos de

Contribuição Definida como modo de ‘dividir’ também as responsabilidades pelas

aposentadorias do tipo ‘previdência privada’ com os trabalhadores.

Peter Drucker (1977), guru dos executivos das empresas estado-unidenses e entusiásta da

formação dos grandes fundos de pensão, dizia que eles tanto podiam ser encaminhados para

a economia do ‘livre-mercado’ como para o crescimento do Estado. Mas, como lembra

Blackburn (2002) nas décadas seguintes a de 1970 restou claro que os gerenciadores dos

fundos de pensão estavam apenas preocupados em fazer crescer os valores dos acionistas e

pouco voltados à formulação e realização de metas sociais e com a satisfação das

necessidades humanas. Sabe-se, ao contrário, que a ‘previdência privada’ no mundo todo

não logrou agir de modo diverso dos demais grandes capitalistas que centralizaram porções

cada vez maiores de seus lucros no comércio do dinheiro portador de juros e nas

especulação financeira.

1.3 - A ‘previdência privada’ no Brasil

No Brasil, embora os primeiros fundos de pensão datem da década de 1970, eles somente

desenvolveram-se de modo importante a partir da década de 1990 por razões assemelhadas

as encontradas em outros países do mundo ao longo da década de 1980 como os

movimentos típicos do capital: integração dos mercados nacionais com a quase total

abolição dos controles que freavam a livre circulação dos capitais portadores de juros entre

os países industrializados; a desregulamentação dos marcos legais que pôs fim à separação

29 Por esta mesma lei criou-se uma ‘caixa’ de garantia pública da ‘previdência privada’ para quando estas não pudessem honrar o pagamento das aposentadorias aos trabalhadores. A caixa, espécie de resseguro aos planos de ‘previdência privada’, denomina-se Pension Benefit Guaranty Corporation (PBGC). Desde o início dos anos 2000 esta caixa apresenta problemas de ‘solvência’ em razão do elevado número de fundos de pensão que não conseguem pagar as aposentadorias prometidas pelo capital ao trabalhadores.

44

dos mercados e permitiu aos diferentes capitalistas – entre eles os Investidores

Institucionais – investir em todos os mercados financeiros e, por fim, a desintermediação

que tornou possível o desenvolvimento das finanças diretas e deu espaço à ação dos

Investidores Institucionais conforme Vieira (2004) e Rieche (2005).

O crescimento dos fundos de pensão em nosso país, no que se refere ao volume de ativos e

ao número de entidades abertas e fechadas, beneficiou-se das contra-reformas

previdenciárias realizadas pelos governos de Fernando Henrique Cardoso em 1998

(Emenda Constitucional nº 20) e de Luis Inácio Lula da Silva em 2003 (Emenda

Constitucional nº 41).

Antes das contra-reformas efetuadas no Estado brasileiro tiveram acento especial nas

demandas do grande capital as numerosas privatizações das empresas construídas com

fundo público e entregues aos capitais privados por valores, em geral, bastante inferiores ao

que realmente valiam. Além disto, as estatais brasileiras concentravam, majoritariamente,

os maiores ativos financeiros da ‘previdência privada’ fechada em atuação no país.

Atualmente, embora os três maiores fundos de pensão sejam de estatais como o Banco do

Brasil (PREVI), a Petrobrás (PETROS) e a Caixa Econômica Federal (FUNCEF), a maioria

dos fundos de pensão foram transferidos com as estatais privatizadas ao controle do grande

capital.

Economistas críticos à economia do capital ao analisarem o impacto das contra-reformas –

aí incluídas as privatizações - para a melhoria das condições de vida e crescimento

econômico do país, indicam: não apenas a década de 1980 pode ser adjetivada como

‘perdida’ posto não terem sido diferentes a que se lhe seguiu e sequer os já seis anos

passados da atual; ou seja, as décadas de 1990 e de 2000 também apresentaram pífios

índices de crescimento econômico, razão do grave e assustador quadro de miséria social no

Brasil.

Os dados analisados em Paulani e Pato30 (in Paula; 2005), são tão contundentes quanto o é

a realidade social brasileira; os professores recomendam rever-se a denominação ‘década

perdida’ para os anos 1980 em face dos resultados de crescimento da economia dos anos

1990. Revelam: ao longo da década de 1980 o PIB experimentou crescimento acumulado

30 São numerosos os artigos e os livros dedicados à análise das décadas de 80 e 90 do século XX e a primeira metade da década inicial do século XXI. Para o nosso propósito é suficiente conferir: Lesbaupin (1999) e Paulani e Pato in Paula (2005).

45

de 33,47% e para o PIB per capita crescimento acumulado de 10,13%. Porém, na década

de 1990 o crescimento acumulado do PIB foi de 19,04 e para o PIB per capita o

crescimento não passou de 1,57% ao longo daqueles anos. Porém, ao mesmo tempo em que

o país teve desenvolvimento medíocre a ‘previdência privada’ conquistou índices de

crescimento bastante significativos.

GRÁFICO Nº 04

0200.000400.000

600.000800.000

1.000.0001.200.0001.400.000

1.600.0001.800.000

2.000.000

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 jul/06

ATIVOS DOS FUNDOS DE PENSÃO X PIB (R$ milhões)

Ativos das EFPCs PIB

Fonte: Elaboração própria com base em dados divulgados pela Abrapp.

Se tomarmos em análise o crescimento dos fundos de pensão em relação ao Produto Interno

Bruto no Brasil, nos últimos dez anos a partir de 1996 e julho de 2006, verificaremos um

importante aumento no valor dos ativos que atualmente perfazem aproximadamente 20%

da renda anualmente gerada no país, conforme os dois gráficos apresentados, (números 04 e

05).

46

GRÁFICO Nº 05

PARTICIPAÇÃO DOS ATIVOS DAS EFPCs NO PIB - 1996 a Julho/06

0,00%

2,00%

4,00%

6,00%

8,00%

10,00%

12,00%

14,00%

16,00%

18,00%

20,00%

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 jul/06

Período

Par

ticip

ação

em

Per

cen

tual

Fonte: Elaboração própria com base em dados divulgados pela Abrapp.

Muito embora possamos considerar uma razoável dispersão pela existência de numerosas

entidades fechadas de previdência são as dez primeiras31 que detém e controlam a quase

totalidade dos ‘ativos’ desta forma de ‘previdência privada’.

Existiam no Brasil 359 entidades fechadas de ‘previdência privada’ assim distribuídas,

conforme dados da Secretaria de Previdência Complementar do Ministério da Previdência e

31 Dez maiores fundos de pensão em operação no Brasil. Posição Natureza Patrocinador Fundo de Pensão Investimentos R$ mil 01 Empresa Pública PREVI - Banco do Brasil 88.433.446 02 Empresa Pública PETROS – Petrobrás 30.652.714 03 Empresa Pública FUNCEF – Caixa Econômica Federal 23.212.126 04 Empresa Privada (privatizada) FUNDAÇÃO CESP – Eletricidade - SP 11.582.930 05 Empresa Privada (privatizada) SISTEL – Telefonia 8.155.957 06 Empresa Privada (privatizada) VALIA – Vale do Rio Doce 7.718.552 07 Empresa Privada ITAUBANCO – Itaú 7.282.319 08 Empresa Pública CENTRUS – Banco Central 7.062.501 09 Empresa Pública - FORLUZ - Cemig – Eletricidade - MG 5.322.157 10 Empresa Pública REAL GRANDEZA – Furnas – Eletricid. 4.269.288 Fonte: Elaboração própria com base em dados divulgados pela Abrapp - Consolidado Estatístico de julho de 2006.

47

Assistência Social em março de 2006: 81 entidades e 287 patrocinadores das diferentes

esferas pública e 278 entidades patrocinadas por 1780 empresas privadas.

Ao analisarmos o gráfico abaixo veremos que a ‘previdência privada’, em quase todos os

anos compreendidos no espaço temporal de 1996 e 200532, cresceu mais do que o Produto

Interno Bruto do país, exceto nos anos de 1996, 1998 e 2002.

GRÁFICO Nº 06

15,79%20,53%

16,63%

11,79%0,10%

4,99%

24,59%

6,53%

14,31%

13,08%

18,83%

8,85%10,59%

12,29%

26,87%

15,61%

16,81%

13,52%

14,15%

9,68%

0,00% 5,00% 10,00% 15,00% 20,00% 25,00% 30,00%

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

ATIVOS DOS FUNDOS DE PENSÃO X PIB - 1996 a 2005

Crescimento dos Ativos EFPCs Crescimento do PIB

Fonte: Elaboração própria com base em dados divulgados pela Abrapp.

Ainda é curioso notar que no ano de 2003 quando inegavelmente a previdência social

sofreu os mais veementes ataques e propagandas desabonadoras de iminente quebra, tenha

32 Aqui as informações não puderam ser estendidas até 2006 em razão de o ano não haver terminado quando da redação deste trabalho.

48

sido o ano de maior crescimento da previdência privada’ fechada: em recorde de

crescimento para o intervalo em análise esta forma de ‘previdência privada’ chegou a

aumentar quase 27% em relação ao ano anterior.

No universo dos fundos de pensão brasileiro as primeiras 51 (cinqüenta e uma) entidades

concentram isoladamente investimentos no mercado financeiro que perfazem valores de R$

905.356,00 para o 51º lugar a R$ 88.433.446,00 para o 1º lugar; 43 entidades movimentam

‘ativos’ acima da casa do bilhão de reais, mas apenas 10 delas possuem valores na casa das

duas unidades de bilhão.

Dentre as dez primeiras colocadas apenas uma originou-se em empresa privada – é a

ocupante do sétimo lugar na hierarquia das maiores. As outras nove entidades cresceram às

expensas do Estado brasileiro e de suas estatais, muito embora as ranqueadas em 4º, 5º e 6º

lugares, respectivamente, Fundação Cesp, Sistel e Valia pertençam atualmente ao capital

privado.

A forte concentração de ‘ativos’ foi conseguida graças à proteção do Estado brasileiro -

diferente de muitas empresas privadas nas quais a contribuição obedeceu quase sempre a

proporção 1/1 – que contribuiu por longo tempo na proporção de duas, três ou mais partes

de contribuição do empregador para cada uma parte do empregado depositado nestes

fundos de pensão. Atualmente a relação admitida por lei para os entes públicos é de 1/133.

O argumento mais utilizado desde a década de 1970, no Brasil, para justificar a criação e o

incentivo ao desenvolvimento da ‘previdência privada’ aberta e fechada tem sido o da

33 Conforme a Constituição da República Federativa do Brasil (2006), Artigo 202, § 3º

“É vedado o aporte de recursos a entidade de previdência privada pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, suas autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista e outras entidades públicas, salvo na qualidade de patrocinador, situação na qual, em hipótese alguma, sua contribuição normal poderá exceder a do segurado.”

Também na Lei Complementar nº 108 de 29 de maio de 2001, que dispõe sobre a “Relação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, suas autarquias, fundações, sociedades de economia mista e outras entidades públicas e suas respectivas entidades fechadas de previdência complementar”, no capítulo II, Seção II – Do custeio, tem-se:

“Artigo 6º O custeio dos planos de benefícios será responsabilidade do patrocinador e dos participantes, inclusive assistidos. § 1º A contribuição normal do patrocinador para o plano de benefícios, em hipótese alguma, excederá a do participante (...). § 2º Além das contribuições normais, os planos poderão prever o aporte de recursos pelos participantes, a título de contribuição facultativa, sem contrapartida do patrocinador.” (MPAS; 2002; p.30 – grifos adicionados).

49

geração de poupança para que o país possa desenvolver-se, expandir a produção e gerar

empregos.34

Já observamos com o auxílio dos gráficos apresentados nas páginas precedentes que o

volume de dinheiro mobilizado pela ‘previdência privada’ é bastante significativo em nosso

país. Mas, se compararmos os ‘ativos’ dos fundos de pensão posto em ação na economia

brasileira e os níveis de crescimento da formação bruta de capital fixo veremos um

‘contundente declínio’ quando medido como proporção do PIB: da ordem de 25% na

década de 1970 e atualmente próximo de 14%, conforme Paulani e Pato (in Paula; 2005).

Como há uma evidente lacuna entre as promessas dos vários governos e a vida social que

não tem assistido ao ‘espetáculo’ do crescimento econômico, parece oportuno indagar

porque vultuosos recursos como os da ‘previdência privada fechada’ não desempenham o

papel que se lhes atribui em épocas de contra-reformas iminentes? A resposta, parece-nos,

está no destino dado aos recursos dos fundos de pensão.

Volumes de dinheiro controlados por capitalistas especializados em manejá-los e os tornar

capacidade de movimentar a economia foram ‘conquistas’ do capital industrial ao

transformar o dinheiro em capital dinheiro posto a seu serviço. O capital dinheiro passa a

ser operado como crédito pelos capitalistas mercadores do dinheiro e movimenta a

economia pela dívida, ela mesma muito importante no crescimento econômico.

Magdoff (2006) destaca a importância do endividamento para a economia capitalista.

Porém, pondera:

“Da mesma forma, quando um banco empresta dinheiro a uma companhia para expandir as suas operações ou a um indivíduo para comprar uma casa ou um carro, verifica-se mais actividade na economia do que ocorreria de outra forma. Contudo, há diferenças entre empréstimo ao consumidor e à empresa. Quando as pessoas tomam emprestado para comprar bens de consumo, a própria compra proporciona um estímulo imediato. Aqueles que fabricam e transportam e vendem obtêm dinheiro que podem utilizar, e habitualmente fazem-no imediatamente. Aqui pode haver um pequeno efeito propagador na economia. Entretanto, quando corporações emprestam para construir mais fábricas, comprar maquinaria durável, ou começar um negócio nos serviços, o efeito do dispêndio do dinheiro emprestado continua durante anos pois a actividade econômica é expandida e são criados empregos.” (p.04)

34 Argumentos usados à exaustão na tentativa de justificar as reformas da previdência social realizadas em 1998 e 2003, respectivamente pelos governos de Fernando Henrique Cardoso (Emenda Constitucional nº 20/98) e de Luis Inácio Lula da Silva (Emenda Constitucional nº 41/03).

50

O capital dinheiro mobilizado e à disposição do capital para construir fábricas é o crédito

que se organiza através do sistema de crédito com as seguintes implicações e

funcionalidades: nivelar a taxa de lucro, reduzir os custos de circulação, desenvolver as

sociedades por ações e expandir e apoderar-se de novos ramos de produção e de trabalho

não pago.35

Assim, parece-nos possível afirmar o sistema de crédito como um momento superior,

porque mais complexo, do desenvolvimento do ‘capital dinheiro’ no modo capitalista de

produção no que se refere à constituição da mercadoria capital e da (re) configuração da

propriedade privada que ele institui. Propriedade privada não mais relativa a um único ou

poucos sócios mais propriedade privada de muitos, dita propriedade social em Marx, como

realização da propriedade do capital, como pura propriedade, como ‘capital portador de

juros’.

Capital bancário, por sua vez, no evolver da discussão marxiana é o capital especializado

em operar com o capital como mercadoria e que tem no capital portador de juros (moneyed

capital) e no sistema de crédito os seus principais meios de realização.

O fundamento ‘natural’ do sistema de crédito é o dinheiro exercer a função de meio de

pagamento e, assim, estabelecer relações de credor e devedor entre os produtores e os

comerciantes. O dinheiro como meio de pagamento surgiu sob a circulação simples de

mercadorias, mas alcançou, com o desenvolvimento do comércio e do modo capitalista de

produção, importante ofício, especialmente, como promessa escrita de pagamento com

prazo determinado. Há em Marx, entretanto, outra função do sistema de crédito: “a

ampliação do comércio do dinheiro”.

Se em Marx são os banqueiros a fração burguesa especializada em operar o capital portador

de juros é imperativo – ao menos para o nosso tema de pesquisa - compreender como se

realiza, para o autor, a captação e a formação da massa de capital com a qual operam os

bancos na realização de suas funções técnicas.

“Flui de vários modos para os bancos o capital de que dispõem. Primeiro, concentra-se neles que são os caixas dos capitalistas industriais, o capital-dinheiro que todo produtor ou comerciante detém como fundo de reserva ou

35 - Cremos ser possível afirmar que no sintético e complexo capítulo XXVII – Papel do Crédito na Produção Capitalista – Livro 3, Vol. V de O Capital, encontram-se as bases da inspiração leniniana desenvolvidas posteriormente em O Imperialismo – Fase Superior do Capitalismo. Na obra em questão, Lênin tratou de estudar as feições assumidas pelo ‘capital financeiro’ no século XX.

51

recebe em pagamento. Os fundos de reserva se convertem assim em capital-dinheiro a emprestar. Por isso, limita-se ao mínimo necessário o fundo de reserva do mundo comercial, concentrado num fundo comum, e do capital-dinheiro, a parte que de outro modo ficaria dormindo como fundo de reserva é emprestada, exerce a função de Capital Portador de Juros. Segundo, o capital de empréstimo dos bancos constitui-se dos depósitos dos capitalistas financeiros que lhes transferem a tarefa de emprestá-los. Com o desenvolvimento do sistema bancário e notadamente desde que os bancos pagam juros por depósitos, põem-se neles ainda as poupanças de dinheiro e o dinheiro momentaneamente vadio, de todas as classes. Pequenas somas, cada uma de per si incapaz de operar como capital-dinheiro, se fundem em grandes massas e assim formam poder financeiro. A ação do sistema bancário destinada a aglomerar quantias pequenas deve ser distinguida de sua mediação entre os capitalistas financeiros propriamente ditos e os prestatários. Por fim, depositam-se nos bancos as rendas que se consomem gradualmente. (Idem; ibidem: 464)

Com o advento da ‘previdência privada’ em geral e dos fundos de pensão em particular,

pequenas porções do trabalho necessário, descontadas do salário do trabalhador, passaram

a ser retidas pelo capital a pretexto de futura aposentadoria. Com o passar do tempo as

pequenas quantias mensais creditadas ao capital conformaram monumentais somas então

operadas como capital. No tempo presente, são as somas bases do importantíssimo poder

financeiro e emprestam recursos até mesmo aos bancos (Magdoff; 2006); isto é, são as

instituições financeiras centrais do capitalismo embora não sejam classificadas como

instituições financeiras.

A ‘renda’ do trabalho transformada e convertida em capital por obra da ‘previdência

privada’ presta-se a atuar, fundamentalmente, como capital portador de juros estimulador

da especulação, nos mais distintos pontos do planeta.

Há, no capítulo XXV – Crédito e Capital Fictício, citação de Coquelin com a qual Marx

concorda, de que “Em cada país, a maioria das transações de crédito efetua-se no próprio

círculo das relações industriais...”. (Marx; 1985; p.463). O crédito é a dimensão que

irmana a indústria e os bancos como ‘capital portador de juros’ ou é, ao menos, o cimento

que alicerçará a futura relação. Esta idéia presente em Marx como tendência foi o ponto de

partida para a análise do ‘capital financeiro’ em diferentes autores como Lênin e Hilferding

que, em seu tempo já uma realidade, puderam conferir e desvendar os movimentos do que

denominaram ‘capital financeiro’.

52

Para Harvey (1990) o sistema de crédito deve ser entendido como um esforço do capital

para tentar resolver suas contradições internas. Entretanto, como as contradições do modo

de produção capitalista são insolúveis pelo constante surgimento de novas e também pela

reposição das ‘permanentes’ em planos mais aprofundados, o sistema de crédito mesmo

‘termina por aumentar as contradições em vez de diminuí-las.’ (1990. p.244)

Na análise do movimento das finanças de seu tempo Marx demonstra duas condições

correlatas ao manuseio do crédito:

• o surgimento da especulação36 como um traço que acompanha os negócios,

como uma característica quase insuperável entre negócios-especulação.

36 Novamente, em face das notícias dos dias que correm, o texto marxiano comprova sua atualidade. Informação publicada na Folha de São Paulo em 24 de julho de 2002, evidencia a relação negócios-especulação. Diz o diário: “GANÂNCIA INFECCIOSA Senado expõe papel do Citi e JP Morgan em mais fraude; Bolsas desabam; outro secretário de Bush é acusado. Bancos dos EUA fraudavam com a Enron Os bancos norte-americanos que emprestaram bilhões de dólares para a Enron tinham conhecimento de que a empresa de energia utilizava práticas contábeis duvidosas. A conclusão, revelada ontem, é da subcomissão de investigações do Senado dos EUA. Com os escândalos atingindo a imagem das principais instituições financeiras do país e a divulgação de uma série de maus resultados, as Bolsas norte-americanas bateram novos recordes negativos. O índice S&P 500 caiu 2,7% e fechou abaixo de 800 pontos pela primeira vez desde abril de 97. A Nasdaq encolheu 4,18%. O Dow Jones, que vive seus piores dias desde a crise russa (em 1998), recuou mais 1,06%. Depois da quebra da Enron, em dezembro passado, o Congresso dos EUA abriu uma investigação para apurar os responsáveis pelo fraudulento esquema que levou a companhia, até então a maior do setor de energia no planeta, à bancarrota. Desde então, foram analisados milhões de páginas de documentos e ouvidas dezenas de testemunhas. Segundo Robert Roach, investigador-chefe indicado pelo Senado para o caso, há indicações objetivas de que o Citigroup e o JP Morgan Chase, os dois maiores bancos dos EUA, ajudaram a Enron a maquiar seus balanços em troca de grandes compensações financeiras e favores em outros negócios. As instituições também teriam oferecido para outras companhias acordos semelhantes aos fechados com a companhia de energia. As ações de ambos os bancos, que já haviam caído bastante na segunda-feira com a eclosão das denúncias, perderam ainda mais valor ontem. Os papéis do Citi desabaram 16%, e os do JP, 18%. Em dois dias, as instituições perderam aproximadamente um quarto de seu valor de mercado. Relações perigosas Entre 1992 e 2001, os dois bancos emprestaram US$ 8,5 bilhões à Enron. Outros bancos emprestaram outro US$ 1 bilhão. Mas a companhia usou um intricado esquema, envolvendo empresas de fachada situadas em paraísos fiscais, para que os empréstimos aparecessem em seus balanços como sendo a receita obtida com pagamentos antecipados de contratos de venda de energia. Com o esquema, a empresa aparecia nos relatórios financeiros mais saudável do que realmente era, exibindo endividamento menor e faturamento maior. Assim, os preços de suas ações mantinham-se artificialmente elevados. "As provas indicam que a Enron não seria capaz de fraudar sua contabilidade naquela magnitude, em bilhões de dólares, se não houvesse a participação ativa de grandes instituições financeiras, interessadas em levar adiante, e mesmo ampliar, as práticas da Enron", disse Roach ontem, durante audiência da subcomissão de investigações. Também segundo as informações recolhidas pelos investigadores do Senado, o JP Morgan teria feito transações parecidas com as mantidas com a Enron com outras sete empresas do setor de energia. Na lista aparece a Tom Brown, companhia que era presidida por Donald Evans, hoje secretário de Comércio dos EUA. As revelações não param aí. Dizem os investigadores que o Citigroup ofereceu para 14 empresas acordos financeiros do mesmo tipo dos feitos com a Enron. Pelos menos três teriam aceitado. Investidores lesados

53

“A finalidade dos bancos é facilitar os negócios. Tudo o que facilita os negócios facilita também a especulação. Em muitos casos, negócio e especulação se entrelaçam tão estreitamente que é difícil dizer onde termina o negócio e começa a especulação. Onde quer que haja bancos, o capital é obtido mais facilmente e mais barato. A barateza do capital favorece a especulação, assim como a barateza da carne e da cerveja favorece a voracidade e a embriaguez.” (Marx; 1984; p.306).

• a ilusão da formação de dinheiro fictício, especialmente com a ‘ajuda’ dos

capitais acionários e dos títulos públicos na medida em que, com o sistema de

crédito, numerosos e diferenciados pagamentos são realizados com o mesmo

dinheiro. Dinheiro existente uma única vez e que por operações bancárias

(transferências, depósitos e ‘previdência’) é utilizado muitas vezes e faz com

que as cifras atinjam montantes tão estratosféricos quanto inexistentes.

Obviamente este fenômeno é complementar ao anterior. Mais uma vez em

Marx há importante indicação: “Subscreviam-se tantas ações quantas se

podiam, ou seja, até onde o dinheiro chegava para os primeiros pagamentos;

quanto ao resto, depois se acharia a solução”. (Marx; 1988; p.469).

As numerosas falências de grandes conglomerados transnacionais e dos fundos de pensão a

eles relacionados, no mundo todo, atestam a atualidade das prospectivas de Marx. No caso

da “previdência privada’ as soluções encontradas têm sido as de deixar os trabalhadores

sem as aposentadorias e entregues a sua própria sorte na velhice. Não raro tais tragédias

são remediadas pelo Estado que, apesar dos ataques desferidos pelos representantes das

‘previdências privadas, tem assumido as aposentadorias básicas daqueles trabalhadores que

perderam suas prometidas aposentadorias no jogo especulativo do capital. Não raro as

Roach afirmou que existem sinais de que os bancos fizeram os investidores confiar nos balanços da Enron mesmo sabendo que a contabilidade da empresa era maquiada. Depois da concordata, os preços das ações viraram pó, e os fundos de investimentos que ouviram os conselhos dos analistas daqueles bancos e compraram títulos da companhia amargaram perdas gigantescas. Se não fossem as transações suspeitas feitas com os bancos, a dívida da Enron em 2000 seria de US$ 14 bilhões, e não US$ 10 bilhões, como relatado. O faturamento, de US$ 3,2 bilhões, cairia pela metade. Com tais revisões, a empresa teria sido rebaixada antes pelas agências de classificação de risco, que acabaram pegas de surpresa pela quebra da gigante de energia. Entre as provas exibidas pelos investigadores há um e-mail, de 1998, em que um executivo do JP Morgan afirma que a "Enron adora esses acordos". Na mensagem, o alto funcionário do banco diz ainda que os diretores da empresa sabiam como "esconder débitos" dos analistas de Wall Street. Os bancos afirmaram que não fizeram nada de errado e que não sabiam das fraudes da companhia de energia. Para as instituições, as transações eram práticas corriqueiras em Wall Street. Robert Bennett, advogado da Enron, disse que não tinha conhecimento de nenhum acordo informal entre as empresas”.

54

‘insolvências’ são disfarçadas por pirotecnias contábeis como ‘soluções aos investimentos

‘equivocados’ dos capitais.

Também aqui os acertos das análises de Lênin podem ser premonitoriamente

desconcertantes aos que vivem de condenar o comunismo e seus mais destacados

revolucionários e teóricos e parecem especialmente escritas para explicar os revoluteios das

bolsas de valores, das ações e balanços de empresas e do ‘capital financeiro’ como um todo

ao longo do ano de 200237. É precioso destacar um texto extraído da revista alemã Die

Bank, do qual Lênin faz uso:

“Este exemplo típico de malabarismo nos balanços, o mais comum nas sociedades anônimas, explica-nos por que motivo os seus conselhos de administração empreendem negócios arriscados com muita mais facilidade do que os particulares. A técnica moderna de elaboração dos balanços não só lhes oferece a possibilidade de ocultar a operação arriscada ao acionista médio como permite aos principais interessados livrarem-se da responsabilidade mediante a venda oportuna das suas ações no caso de a experiência fracassar, ao passo que o negociante particular arrisca a sua pele em tudo quanto faz...”. ( Lênin; 1986: 612).

Mas, importa notar: o acompanhamento dos números do capital da ‘previdência privada’ e,

mais especialmente, dos fundos de pensão no Brasil revela a completa disjunção entre o

discurso dos governos de Fernando Henrique Cardoso e de Lula da Silva para a realização

37 Em notícia em diário brasileiro, encontramos o seguinte exemplo sobre a forma de agir dos grupos monopolistas em dias correntes.

“ Da Redação. Dona da Embratel revela fraude de US$ 4 bilhões. A companhia norte-americana de telecomunicações WorldCom, dona da Embratel, revelou ontem o que pode ser uma das maiores fraudes já registradas nos EUA.Durante uma auditoria interna para investigar denúncias de práticas irregulares, descobriu-se que mais de US$ 4 bilhões em custos foram registrados como investimentos, o que inflou os resultados do grupo de maneira irreal nos últimos cinco trimestres. A companhia já estava sob forte desconfiança dos investidores, mas a revelação de ontem pode destruir a imagem da WorldCom e levá-la à concordata, num processo semelhante ao ocorrido em dezembro passado com a energética Enron. As ações da WorldCom, que já estavam abaixo de US$ 1 desde a segunda-feira, despencaram mais ainda ontem. No pregão normal da Nasdaq, o papel encerrou o dia cotado a US$ 0,83, com queda de 8,8%. Mas, nos negócios "after-hours", cada ação caiu para a cotação de US$ 0,35 assim que a notícia da fraude foi revelada. Desde a quebra da Enron, que pediu concordata em meio a uma enxurrada de denúncias de fraudes contábeis, várias corporações norte-americanas passaram a ter suas contas colocadas sob suspeita, a WorldCom entre elas. O colapso da energética significou um prejuízo de bilhões de dólares para os investidores e o mesmo deve ocorrer agora com a empresa de telefonia, que é a segunda maior operadora de longa distância dos EUA. O responsável pela fraude seria Scott Sullivan, diretor financeiro da empresa que acabou demitido como resultado das investigações. A empresa de telecomunicações informou ontem à noite que vai rever todos os seus balanços do ano passado e também a do primeiro trimestre deste ano”. (Folha de São Paulo 26/06/2002).

55

das contra-reformas previdenciárias e a realidade dos investimentos dos fundos de pensão.

Na defesa das reformas (para nós, contra-reformas) da previdência social efetivadas por

aqueles governos, respectivamente em 1998 e 2003, argumentaram identicamente défices

ao mesmo tempo em que - com a aprovação das contra-reformas alterações regressivas aos

direitos dos trabalhadores foram postas na Carta Magna brasileira – proporcionaram a

expansão da ‘previdência privada’. Quando instados a pronunciarem-se sobre o espaço

aberto pelas contra-reformas previdenciárias à ‘previdência privada’ justificaram: as

últimas detêm capacidade inquestionável de ‘alavancar’ e promover o crescimento

econômico pela formação da poupança de longo prazo.

No Brasil os investimentos dos ‘ativos’ dos fundos de pensão em julho de 2006

distribuem-se 50% no ‘setor financeiro’ e, com equilíbrio, 25% no ‘setor de serviços’ e

25% no ‘setor industrial’, conforme dados e classificação da Associação Brasileira de

Entidades Fechadas de Previdência Complementar (ABRAPP)38. A predominância de

investimentos dos fundos de pensão no ‘setor financeiro’ pode revelar: o ‘importante

papel’ de financiador do crescimento econômico39 não tem sido efetivado pelas entidades

fechadas de previdência privada.

Estudos pormenorizados dos investimentos demonstram exatamente o contrário: o número

de empresas listadas na Bolsa de Valores40 é razoavelmente estreito e tal situação tem

levado os fundos de pensão a concentrarem suas aplicação em um número reduzido de

empresas no reforço da concentração de capitais. Porém, a escolha de um restrito número

de empresas é movida “notadamente pela liquidez de que gozam seus papéis. Aliás, este é

um dos fatores que viabilizam o comportamento curto-prazista tomado pelos fundos de

pensão quando de sua atuação.” (Vieira; 2004; p.75).

No gráfico abaixo vê-se a totalidade da distribuição por ‘setor de investimento’:

38 Curioso notar: ao supor-se que o duplo p da sigla da associação de entidades fechadas de previdência signifique ‘previdência privada’ ela retrata de modo mais fiel a natureza desta forma ‘previdenciária’ do que sua denominação em extenso. 39 Na perspectiva da economia burguesa entende-se por Crescimento Econômico: “Aumento da capacidade produtiva da economia e, portanto, da produção de bens e serviços de determinado país ou área econômica. É definido basicamente pelo índice de crescimento anual do Produto Nacional Bruto (PNB) per capita. O crescimento de uma economia é indicado ainda pelo índice de crescimento da força de trabalho, pela proporção da receita nacional poupada e investida e pelo grau de aperfeiçoamento tecnológico.” (Sandroni; 1999; p.141) 40 Para Vieira (2004; p.74) o mercado de capitais brasileiro pode ser assim caracterizado: “forte concentração da propriedade, baixa negociação de ações e os grandes atores sempre foram as empresas recentemente privatizadas.”

56

GRÁFICO Nº 07

ORIGEM DAS RESERVAS DOS FUNDOS DE PENSÃO-Julho/2006 (R$ milhões)

Setor de Serviços

80.151 25%

Setor Financeiro

159.768 50%

Setor Industrial

79.313 25%

Fonte: Elaboração própria com base em dados divulgados pela Abrapp.

Vieira (2004) estudou o comportamento dos fundos de pensão no Brasil nos anos 1990

para “verificar a possibilidade de estes fundos desempenharem um importante papel no

financiamento do investimento doméstico.” Ainda na compreensão do mesmo autor, os

fundos de pensão poderiam exercer um papel diferenciado no mercado por suas

características:

“Como suas obrigações são de longo prazo, seus desembolsos de alta previsibilidade e seus ingressos de recursos são constantes, os fundos de pensão acabam por ter atributos que lhes permitem ter um papel diferenciado dentre os demais aplicadores que atuam no mercado, pois eles podem

57

trabalhar com horizontes de prazos de maior previsibilidade em termos de captação e saída de recursos.” (p.01)

Por terem condições e perfil de aplicadores de longo prazo os fundos de pensão poderiam

constituir, sempre na perspectiva do autor acima citado, as instituições chaves de

financiamento do crescimento econômico.

Em condições nas quais o ‘crescimento econômico’ fosse a escolha dos fundos de pensão

os recursos – maneirismo para ocultar ser esta a remuneração do trabalho exercido no

tempo de trabalho necessário e responsável pela reprodução da força de trabalho - seriam

prioritariamente utilizados na produção real, como capital industrial e, também, como

serviços na esfera da circulação. As porções do ‘salário’ do trabalhador converter-se-iam

em crédito ao capital industrial e ao capital de comércio de mercadorias.

Entretanto, os dados gerados pelas próprias ‘entidades previdenciárias’ indicam: as

escolhas dos fundos de pensão no Brasil, reveladas na análise da distribuição dos

investimentos das entidades, não se voltam para a produção do crescimento econômico,

como importa aos seus partidários difundir.

Quando os ‘investimentos’ são canalizados para a compra de papéis das sociedades por

ações escolhe-se as indústrias mais dinâmicas da economia brasileira e os setores da

produção nos quais há predominância de grandes conglomerados, freqüentemente,

transnacionais e nacionais com maior liquidez, isto é, carteiras de investimentos com ações

de empresas que podem ser negociadas com agilidade e que leva a grandes ganhos. Dito de

modo diverso, os fundos de pensão oportunizam a concentração e centralização41 dos

capitais ao reforçarem os grupos econômicos de maior envergadura e fortalecem, assim, o

próprio modo de produção capitalista e a exploração dos trabalhadores com os ‘recursos’

do mundo do trabalho.

Com a crescente participação de empresas estrangeiras por fusões e aquisição de estatais

brasileiras conformou-se uma funda alteração societária das empresas, inclusive com a

importante colaboração dos recursos dos fundos de pensão com capitais ‘apátridas’ por

excelência cujos lucros são remetidos (Salgado;2005) em proporções desmedidas para os

países sedes destas corporações com sérias implicações ao endividamento das economias

41 Em Mandel, de modo sintético: Concentração “Aumento de valor do capital em toda empresa capitalista importante em conseqüência da acumulação e da concorrência (eliminação de empresas menores e mais fracas).” Centralização: “Fusão de diversos capitais sob um único controle comum.” (1982; p.412)

58

da maioria dos paises que conformam a periferia do mundo. São empresas de setores

produtivos que mais profundamente substituem trabalho vivo por trabalho morto,

conforme a acepção marxiana.

As escolhas dos fundos de pensão reforçam o papel do país na economia mundial que,

conforme Paulani e Pato (2005; p.62), foi transmutada: “De receptor líquido de capitais

passamos rapidamente a exportador líquido de capitais, primeiro sob a forma de

pagamento de juros da dívida externa contraída por meio de contratos convencionais de

empréstimo, agora como produtores de ativos financeiros de alta rentabilidade.”

Tais opções têm a perspectiva da maximização dos ganhos e mesmo nos movimentos

especulativos há que se partir de uma base real assentada na capacidade de explorar

crescentemente a força de trabalho para atrair os maiores e os melhores investimentos. Se,

ao contrário, a taxa de extração de mais valia baixa e os lucros caem os capitais em geral,

assim como os fundos de pensão, livrar-se-ão de tais aplicações e partirão em busca de

melhores taxas de remuneração para os acionistas.

Ao priorizar-se o investimento em sociedades por ação, ademais do componente fictício da

duplicação do capital embutido nestas escolhas, na perspectiva de que os capitais

industriais utilizem estes créditos para a redução do tempo de rotação do capital fixo

relacionado com a aceleração tecnológica42 teremos sempre, para a força de trabalho, a

produção do desemprego, dadas as formas de uso da tecnologia no modo de produção

capitalista. Assim, serão as porções mensais de remuneração do próprio trabalho

necessário que, retidas pelo capital, proporcionarão o incremento da acumulação do capital

com a dispensa de crescente parcelas de trabalhadores cujos postos de trabalho

desapareceram ou foram precarizados. Sem rodeios, os próprios trabalhadores financiam e

contribuem para o aumento mesmo de sua exploração e de toda a classe trabalhadora.43

42 Para Mandel (1982) diz respeito ao capital investido na atividade produtiva e também naquelas que nominou como pré-produtivas como a Pesquisa e Desenvolvimento. 43 É suficiente lembrar: quando da privatização da Embraer (Empresa Brasileira de Aeronáutica) em 1994 foram cortadas 1.700 vagas. No ramo da siderurgia, informa o pesquisador Carlos Henrique Menezes Garcia em tese de doutorado defendida no Instituto de Economia (IE) da Unicamp: “Concluída há uma década, a privatização das siderúrgicas estatais brasileiras afetou brutalmente os trabalhadores do setor, que até hoje convivem com os seus reflexos. Entre as conseqüências mais importantes para a categoria estão: desemprego, achatamento salarial, precarização do trabalho e fragmentação da organização sindical.” (Unicamp; 2004 – Sala de Imprensa – Portal Eletrônico: www.unicamp.br). Em tais empresas e em outras estatais nas quais os fundos de pensão estiveram e estão envolvidos dentre as primeiras medidas tomadas está o enxugamento da empresa, eufemismo para justificar o desemprego e as reestruturações produtivas.

59

No gráfico apresentado abaixo estão os setores produtivos escolhidos para a realização de

‘investimentos pelos fundos de pensão:

GRÁFICO Nº 08

ORIGEM DAS RESERVAS DOS FUNDOS DE PENSÃO - SETOR INDUSTRIALJulho/2006 (R$ milhões)

Petroquímica32.116

41%

Siderúrgica16.83021%

Máquinas e equipamentos

7.3719%

Química8.13810%

Eletro eletrônica2.7643%

Automobilística3.823

5%

Alimentícia2.789

4%

Outros3.6185%

Mineração7661%

Bebidas1.0981%

Fonte: Elaboração própria com base em dados divulgados pela Abrapp.

Detido exame da parte mais substantiva da ‘carteira de aplicação’ dos ‘ativos’ dos fundos

de pensão demonstrará que nem mesmo o investimento produtivo tem sido priorizado

pelos fundos de pensão. A exemplo do que ocorre no mundo, no Brasil os fundos de

pensão não agem de modo diferente, há um importante acento dos investimentos no

denominado capital fictício com ênfase na especulação. A opção por comportamentos

especulativos dos capitais dos fundos de pensão é visível tanto nos investimentos de curto-

60

prazo44 como na obsessão pela ‘liquidez’ dos papéis das sociedades por ações com o

objetivo de assegurar, sempre que ‘necessário’, mudanças rápidas na composição das

carteiras (portfólios) destes capitais.

Ao analisar o crescente desenvolvimento das sociedades por ações Marx sinalizou:

“Mesmo lá onde o título de dívida – o título de um valor – não representa, como no caso das dívidas públicas, um capital puramente ilusório, o valor-capital desse título é puramente ilusório. (...) Do que não se exclui, de modo algum, a possibilidade de que representam mera fraude. Mas esse capital não existe duplamente, uma vez como valor-capital dos títulos de propriedade, das ações, e outra vez como capital realmente investido ou a investir naquelas empresas. Ele existe apenas nesta última forma, e a ação nada mais é que um título de propriedade, pro rata, sobre a mais-valia a realizar por aquele capital”. (1985; p.11)

Duas importantes inferências podem ser apreendidas da citação. A primeira: capital fictício

é aquele ‘lastreado’ nas receitas anuais do Estado, no produto anual resultante do

recolhimento de impostos; isto é, o capital fictício é um ‘não capital’ (Paulani e Pato in

Paula; 2005) dado não ter um capital produtivo como seu corresponde para realizar a

conversão do papel.

A segunda, as ações por duplicarem o capital investido que em realidade existe uma única

vez reproduzem, ao seu modo, as quimeras típicas do capital fictício. A ficção reside na

capacidade de os capitais produtivos organizados em sociedades por ações e os títulos de

dívida pública poderem, com os desenvolvimentos do capital portador de juros e do

sistema de crédito, aparecer duplicados, triplicados como propriedade de diferentes

proprietários. (Marx; 1985; ps.11 e ss)

A especulação, por sua vez, caracteriza-se pelo distanciamento do valor de tais papéis no

mercado de seu valor real já que se lhes embute quando da circulação no mercado as

receitas futuras, calculadas por antecipação e ao azar da realidade.

A justificativa de que a ‘previdência privada’ permite a formação de poupança garantidora

de crescimento econômico também é descartada ao observar-se uma priorização de

investimentos em capital fictício: “há a possibilidade de ganhos vultuosos em aplicações

de renda fixa. Percebemos que, com freqüência, grande parte dos recursos destes fundos

44 “Termo aplicado aos vencimentos (de créditos ou débitos) que ocorrerão dentro de pouco tempo. O período de tempo varia em função do setor” (Sandroni; 1999; p. 147)e pode variar de algumas horas a um ano de

61

GRÁFICO Nº 09 45

61.835

11.6733.960

152.081

32.758

6.3052.355 4.058

39.497

4.640 68

CARTEIRA CONSOLIDADA POR TIPO DE APLICAÇÃO - Julho/2006 (R$ milhões)

Ações Imóveis Depósito a prazoFundos de Investimentos - RF Fundos de Investimentos - RV Empréstimos a participantesFinanciamento imobiliário Debêntures Títulos públicosOutros Oper. c/ patrocinadores

Fonte: Elaboração própria com base em dados divulgados pela Abrapp.

encontra-se aplicado em ativos de renda fixa com baixo risco, como os títulos do Governo

e os CDB/RDB’s.” (Vieira;2004; p.80), conforme o gráfico anteriormente apresentado.

Se as ‘aplicações’ dos montantes das ‘aposentadorias’ dos trabalhadores priorizam os

comportamentos de curto-prazo e em papéis com maior liquidez resulta que a afirmação do

duração. 45 No gráfico acima: Fundos de Investimento – Renda Fixa (RF) e Fundos de Investimento - Renda Variável (RV). Renda Fixa: inclui os títulos públicos, as debêntures e os depósitos a prazo; possui rendimento discriminado anteriormente e pode ser inteiramente prefixada ou vinculada, por exemplo, à correção monetária. Renda Variável encerra ações, os fundos de investimento em renda variável, os fundos de investimento imobiliário, os fundos de commodities e o mercado de ouro a termo; rendimentos não prefixados que variam em função das condições do mercado. Ver Vieira (2004) e Sandroni (1999).

62

capital e de seus prepostos em governos e em entidades previdenciárias de que a

‘previdência privada’ pode produzir desenvolvimento e melhorias de condições de vida

com a geração de empregos no país é inteiramente ideológica, já que os fundos de pensão,

“(...) dirigem suas aplicações ao mercado de capitais quando a rentabilidade é mais vantajosa do que as aplicações de renda fixa e, mesmo assim, quando o fazem, concentram estas aplicações em um número reduzido de empresas que são as que, de fato, possuem liquidez no mercado de capitais brasileiros, ou compram cotas de fundos de investimentos de renda variável claramente de curto prazo.(...) A experiência mostra que as práticas demandadas pelos fundos de pensão e pelo próprio mercado brasileiro para que este último se desenvolva têm levado ao aumento da volatilidade e do curto-prazismo na forma de atuação dos agentes nos últimos anos.” (Vieira; 2004; p.80/81 – grifos adicionados)

Não resta dúvidas, de nosso ponto de vista, de que podemos afirmar a ‘previdência

privada’ como importante instrumento, aparentemente, ‘não-financeiro’ do capital fictício,

promotora da especulação que se ‘duplica e triplica’ na lógica das sociedades por ações e

na dos títulos públicos. Em síntese, os fundos de pensão em nada ou muito pouco tem

servido à produção de melhores condições de vida da população do país. Ao contrário,

prestam-se à consolidação do lugar do Brasil naquilo que Paulani e Pato (in Paula; 2005)

nomearam ‘plataforma de valorização financeira internacional’.

Com referência aos investimentos priorizados pelos fundos de pensão nota-se que os

‘ativos’ aplicados no ‘setor financeiro’ são centralmente – renda fixa - capital fictício e em

ações, nesta etapa da vida social, provavelmente duplicadas, já muitas vezes, e calculadas

com base em receitas futuras.

Conclusões assemelhadas são apresentadas por Vieira (2004) em estudo realizado sobre os

investimentos dos fundos de pensão na década de 1990. Para os fundos de pensão dos

Estados Unidos o autor indica que mesmo quando eles comprometem-se com a

administração das empresas de que participam como acionistas o objetivo é um só: “(...) o

aumento da rentabilidade de suas aplicações. Isto faz com que continuem exigindo a

máxima flexibilidade nos mercados em que atuam. O que, de fato os distingue dos outros

aplicadores do mercado é o poderio que eles possuem.” (Vieira; 2004;p.29)

Tal poderio não os faz diferente de outros investidores – nos Estados Unidos e no Brasil -

já que a lógica dos fundos de pensão é também a de buscar aplicar em empresas com

maior liquidez e por curto prazo. Os volumes de ‘ativos’ por eles controlados permitiram,

63

pela pressão exercida, as alterações na legislação para assegurar prontidão na

recomposição de suas carteiras de aplicação.

Grave, no entanto, é a porção do salário ser ‘investida’ em títulos públicos, o puro capital

fictício, pressionando o Estado pela elevação dos juros básicos para a valorização de seus

papéis em detrimento de políticas sociais para a melhoria da qualidade de vida dos

trabalhadores.

A perversa lógica que atribui prejuízos crescentes à previdência social é a mesma que toma

por solução transferências de montantes importantes para serem geridos pela ‘previdência

privada’ que, para crescer e ‘honrar’ as aposentadorias futuras, se torna investidora em

títulos do Estado ao mesmo tempo em que o pressiona pela manutenção de taxas de juros

elevadas como garantia para os bens sucedidos investimentos da ‘previdência privada’.

O Estado que tinha a responsabilidade por recolher as contribuições à previdência social,

distribuir benefícios e concentrar recursos usados muitas vezes para sustentar o

crescimento produtivo46 da economia do país assume novo lugar: remunerar capitais – em

especial aos dos fundos de pensão - dispensados da mediação real, a da produção.

Assim é que, na reestruturação da economia global, o Brasil e alguns outros países foram

transformados em

“economias nacionais com alguma capacidade de produção de renda real, mas sem pretensões de soberania, em prestamistas servilmente dispostos a cumprir esse papel e a, dessa forma lastrear, ainda que parcialmente, a valorização desses capitais. Eliminados os maiores obstáculos a esse desempenho (a inflação, o descontrole dos gastos públicos, a falta de garantias dos contratos, a ilusão do desenvolvimentismo, entre os principais deles), essas economias estão prontas a atuar como plataformas de valorização financeira internacional. Assegurada a seriedade no tratamento dos direitos do capital financeiro, elas podem funcionar e, no caso do Brasil, têm funcionado, como meio seguro de obter polpudos ganhos em moeda forte.” (Paulani e Pato; p. 63. in Paula; 2005)

O papel da ‘previdência privada’ na afirmação deste lugar para o Brasil tem sido central

pelos recursos mobilizados e disponibilizados ao capital em um país com potencialidades

de constituir um mercado acionário de importante monta47. As contra-reformas do Estado e

46 A professora Eli Iola Gurgel de Andrade (1999) da Universidade Federal de Minas Gerais estima em 800 bilhões de reais os valores mobilizados pela previdência social entre 1945 e 1997. Estes valores hoje inexistem por terem sido usados para a construção das estatais, de Brasília, da ponte Rio-Niterói e tantas outras obras de vulto no país sem que tais recursos tenham retornado ao caixa da previdência social. 47 Ver especialmente Freitas (1999): Abertura do sistema financeiro no Brasil nos anos 90.

64

a privatização da estatais foram e são tarefas de monta que os governos brasileiros desde a

década de 1990 aos dias de hoje cumprem com o servilismo que lhes exigiu o grande

capital, inclusive com o beneplácito de importantes ex-dirigentes da classe trabalhadora

metamorfoseados em “apoio social (não-militar) da burguesia” (Lênin; 1986); no Brasil,

em especial, operários e trabalhadores aburguesados ocupantes de cargos nas burocracias

sindicais alteados a gestores financeiros da ‘previdência privada’ sob a forma de fundos de

pensão.

Muito embora as necessidades das finanças pareçam não guardar relação – nos discursos

do capital e de seus representantes - com as contra-reformas, não há como ocultar a dupla

dimensão ‘político-ideológica’ e ‘econômico-financeira’ do ataque à previdência social.

Malgrado as tentativas do grande capital e dos ‘agentes sociais da burguesia’ para

desvincular as contra-reformas da ampliação da ‘previdência privada’ os representantes das

finanças manifestam-se e sustentam as contra-reformas previdenciárias com energia

impressionante para quem não têm ganhos a colher com as contra-reformas.

Importante executivo do Fundo Monetário Internacional, como também representantes

locais e governamentais do grande capital, esclarece: a “reforma de las pensiones (...) há

producido benefícios adicionales para el desarrollo de los mercados de capital.” (Roldós;

2003; p. 397. grifos adicionados).

A ‘previdência privada’, inclusive em sua mais importante forma, os fundos de pensão, não

prima por impulsionar centralmente os investimentos produtivos. Não fosse outra esta já

seria razão suficiente para o questionamento da existência das ‘contribuições’ de porção do

trabalho necessário ao capital. Sem rodeios, o que se quer com os fundos de pensão e a

‘previdência privada’ em geral é favorecer e financiar empreendimentos produtivos às

expensas da força de trabalho, para além de toda a riqueza já extraída do trabalhador com a

produção do trabalho excedente.

Considerar normal, ‘natural’, a força de trabalho ‘devolver’, para uso do capital, uma parte

de seu ‘salário’ beira momentos de alienação, talvez, algo imprevisíveis aos comunistas de

outros tempos; assim como imputar-se ao trabalho a responsabilidade de, por meio da

‘previdência privada’, gerar postos de trabalho em uma sociedade fundada na propriedade

privada é uma rendição ímpar às relações sociais típicas do modo de produção capitalista,

como se este fora o máximo que a humanidade logrou construir.

65

1.4 – Capital portador de juros e ‘previdência privada’: os ‘juros’ dos assalariados

Ao debate da ‘previdência privada’ e de seus movimentos como capital portador de juros é

central o entendimento da separação da propriedade de sua gestão.

Na fundamentação dos argumentos a seguir apresentados parece-nos essencial examinar a

seção V48 do Livro III de O Capital posto estarem ali os arrazoados basilares ao

entendimento desta sofisticada construção econômico-financeira dos dias atuais, a

‘previdência privada’.

A particularidade do debate que julgamos necessário realizar encontra-se especialmente nos

capítulos intitulados O Capital Portador de Juros e Juro e Ganho Empresarial,

respectivamente, o XXI e o XXIII.

Ao iniciar o livro três de O Capital, Karl Marx demonstrou julgar concluída a discussão

realizada nos volumes anteriores em torno da taxa geral de lucro e do lucro médio, muito

embora, não custa lembrar, ele não tenha concluído os Livros II e III de sua obra máxima.

Veja-se a indicação do autor:

“No prosseguimento da exposição não se deve perder de vista que, daqui por diante, ao falar da taxa geral de lucro ou do lucro médio, nos referimos à última versão, isto é, à figura definitiva da taxa média. Uma vez que esta é agora a mesma para o capital industrial e para o mercantil, já não é necessário, à medida que se trata somente desse lucro médio, fazer distinção entre lucro industrial e lucro comercial. Quer o capital seja investido industrialmente na esfera da produção, quer mercantilmente na esfera da circulação, ele proporciona pro rata de sua grandeza o mesmo lucro médio anual.” (Marx;1984: 255).

Assim, ao dar por finalizada uma parte significativa de sua Teoria Social, vê-se que seu

autor realizou em um plano superior as relações existentes entre o capital empregado sob a

forma industrial e o empregado sob a forma mercantil, entre o capital empregado na

produção e o empregado na circulação.

48 A seção V intitula-se Divisão do Lucro em Juro e Lucro do Empresário – O Capital Portador de Juros. Esta seção é composta pelos capítulos: XXI - O Capital Portador de Juros; XXII Repartição do Lucro. Taxa de Juros. Taxa ‘Natural’ de Juros; XXIII Juro e Ganho Empresarial; XXIV Alienação da Relação-Capital na Forma do Capital Portador de Juros; XXV Crédito e Capital Fictício; XXVI Acumulação de Capital Monetário, sua Influência sobre a Taxa de Juros; XXVII O Papel do Crédito na Produção Capitalista; XXVIII Meios de Circulação e Capital. A Concepção de Tooke e Fullarton.

66

Ao compreender-se a indissociável relação entre a produção e a circulação na obra de

Marx, impressiona a demonstração de unidade entre as diversas e particulares formas de

capital com o objetivo de desenvolvimento e consolidação do modo de produção

capitalista. A análise marxiana demonstra como os nexos do real, como as diferentes

formas do capital reproduzem a totalidade da vida social ainda que se tome em estudo em

um momento particular as formas diversas do capital em seu desenvolvimento. Tal

observação não deve ser tomada por lateral já que nas análises das formas capital nos dias

de hoje é muito comum que diferentes expressões financeiras do capital portador de juros

sejam apresentadas como autônomas e até mesmo em oposição ao capital industrial. O

exemplo da ‘previdência privada’ parece-nos privilegiado para demonstrar como a

apresentação de um capital portador de juros como ‘previdência’ presta-se com eficiência

ao encobrimento da sua natureza financeira.

O capítulo O Capital Portador de Juros é central para o entendimento de como a

contribuição previdenciária pode ser transformada em capital dinheiro que, controlado por

fração específica de capitalistas, passa a portar juros.

Os textos de Marx em estudo retomam e têm por alicerces as descobertas já efetivadas pelo

autor no livro 2 de O Capital, sobretudo aquelas relativas ao dinheiro, ao capital-dinheiro e

ao capital-mercadoria. As sínteses alcançadas até então foram alçadas a um plano superior

porquanto ser o dinheiro apresentado em mais uma dimensão, a de funcionar como capital

e de apresentar um outro valor-de-uso: portar juros.

A afirmação de um valor-de-uso para o dinheiro remete-nos à discussão dos capítulos

iniciais de O Capital quando seu autor, ao considerar a mercadoria a forma elementar da

riqueza no modo de produção capitalista, informa-nos de sua capacidade de satisfazer

necessidades humanas – sejam elas relativas ao estômago ou ao espírito. O atendimento de

requisições tão variadas como as da fantasia ou as biológicas, as mais plenas de

sociabilidade ou as mais próximas do ser natural, demanda às mercadorias propriedades,

utilidades e qualidades bastante diferenciadas.

Os diferentes valores-de-uso do dinheiro instigaram Marx a desvendar as propriedades do

dinheiro tornado mercadoria. Assim, a essência argumentativa do capítulo sobre O Capital

Portador de Juros é a investigação das similitudes e diferenças entre as mercadorias e o

dinheiro que se tornou mercadoria. Recorramos aos escritos marxianos:

67

“Dinheiro – considerado aqui expressão autônoma de uma soma de valor, exista ela de fato em dinheiro ou em mercadorias – pode na base da produção capitalista ser transformado em capital e, em virtude dessa transformação, passar de um valor dado que se valoriza a si mesmo, que se multiplica. Produz lucro, isto é, capacita o capitalista a extrair dos trabalhadores determinado quantum de trabalho não-pago, mais produto e mais-valia, e apropriar-se dele. Assim adquire, além do valor de uso que possui como dinheiro, um valor de uso adicional, a saber, o de funcionar como capital. Seu valor de uso consiste aqui justamente no lucro que, uma vez transformado em capital, produz. Nessa qualidade de capital possível, de meio para a produção do lucro, torna-se mercadoria, mas uma mercadoria sui generis. Ou, o que dá no mesmo, o capital enquanto capital se torna mercadoria.” (Marx; 1984:255)

Mas, se ao dinheiro está – no modo de produção capitalista – reservada a possibilidade de

funcionar como capital e acrescer dada soma pela extração do trabalho não pago, ocorre

situação particular quando o capital passa a produzir juros. O dinheiro tornado capital ao

ser lançado no processo de circulação, ingressa aí sob a forma mercadoria capital. Como

mercadoria deverá realizar a sua característica primeira, possuir utilidade, ter um valor-de-

uso para outrem que não o seu próprio produtor (no caso aqui, o seu proprietário). Vejamos

como essa relação ocorre:

“O possuidor de dinheiro que quer valorizar seu dinheiro como capital portador de juros aliena-o a um terceiro, lança-o na circulação, torna-o mercadoria como capital; não só como capital para si, mas também para outros;não é meramente capital para aquele que o aliena, mas é entregue ao terceiro de antemão como capital, como valor que possui o valor de uso de criar mais-valia, lucro; como valor que se conserva no movimento e, depois de ter funcionado, retorna para quem originalmente o despendeu, nesse caso, o possuidor de dinheiro; portanto afasta-se dele apenas por um período, passa da posse de seu proprietário apenas temporariamente à posse do capitalista funcionante, não é dado em pagamento nem vendido, mas apenas emprestado; só é alienado sob a condição, primeiro, de voltar, após determinado prazo, ao ponto de partida, e, segundo, de voltar como capital realizado, tendo realizado seu valor-de-uso de produzir mais-valia”. (Marx; 1984:259) (sublinhados adicionados).

A mercadoria capital, com suas peculiares características reveladas por Marx, cumpre em

algumas dimensões as qualidades comuns a todas quantas forem às mercadorias

produzidas no universo inesgotável de produtos para a troca no modo capitalista de

produção. Porém, em outras tantas dimensões ela afastar-se-á e diferenciar-se-á das

demais mercadorias. No que tange à utilidade parece-nos correto afirmar que o ato de

68

mercadejar com a mercadoria capital tem um valor-de-uso tanto para o proprietário do

dinheiro como para o capitalista ativo.

Para o primeiro emprestar o dinheiro significa ter a garantia de utilizá-lo sem que ele seja

desgastado pelo uso ou por não encontrar valorização, utilidade. Certamente, quando

falamos em desgaste não ignoramos o consumo produtivo do capital. O que observamos

com isso é que ao capitalista proprietário do dinheiro não importa como o capitalista ativo

utilize o dinheiro que lhe foi emprestado se, ao final de um dado tempo, lhe for restituído –

ao capitalista cedente da mercadoria capital – o dinheiro que emprestou. A condição do

empréstimo é que o dinheiro do capitalista proprietário deve voltar na sua totalidade e

acrescido de valor: os juros.

Para o segundo, porque o valor-de-uso desta mercadoria capital é, antes de tudo, a

possibilidade e meio de produzir lucro. O valor-de-troca diz respeito ao empréstimo49 e ao

reembolso. Parece-nos correto dizer que estes são os atos técnicos substitutivos dos de

compra e venda existentes na troca das demais mercadorias. Aqui, troca-se – para sermos

mais exatos - cede-se a mercadoria sem a transferência definitiva de sua propriedade, pois

ela retornará ao seu dono, primeiro e único50.

Entretanto, o ‘mistério’ que esta metamorfose contém consiste em que o capital-dinheiro

emprestado ao capitalista industrial pelo mercador de dinheiro, além de ter seu valor

integralmente preservado, portará em seu retorno um valor que se lhe acresceu no ato da

49 - Em Marx está muito claro o que é ceder empréstimo. Transcrevemos a seguir uma citação que, embora longa, esclarece as confusões da economia política a respeito do tema. “Se o Banco ao cliente empresário concede empréstimo baseado simplesmente no crédito pessoal, sem que o devedor apresente garantias, a coisa está clara. O que o cliente recebe é por princípio adiantamento com magnitude de valor determinada, que acresce o capital que aplica. Recebe-o em forma de dinheiro; portanto, não só dinheiro, mas também capital-dinheiro. Se o adiantamento lhe é feito contra caução de títulos etc., há adiantamento no sentido de lhe ter sido entregue dinheiro sob reserva de devolução. Mas não há adiantamento de capital, pois os títulos também representam capital, e de montante maior que o adiantamento. O cliente recebe valor-capital menor que o dado por ele em penhor; não há para ele aquisição alguma de capital adicional. Não faz o negócio por precisar de capital – que possui configurado nos títulos – mas por precisar de dinheiro. Aí há adiantamento de dinheiro e não de capital. Se o adiantamento se faz mediante desconto de letras, desaparece ainda a forma de adiantamento. Ocorre mera operação de compra e venda. A letra por endosso torna-se propriedade do banco, e o dinheiro, propriedade do cliente; não se fala em devolução do dinheiro. Se cliente compra numerário com uma letra de câmbio ou com instrumento similar de crédito, não haverá adiantamento: é como se tivesse comprado numerário com uma de suas mercadorias disponíveis, algodão, ferro, trigo, etc. E muito menos pode-se falar aqui de adiantamento de capital. Toda compra e venda entre comerciantes é transferência de capital. Só existe adiantamento quando a transferência de capital não é recíproca, mas unilateral e por prazo determinado”. (Marx; 1985:495/6). (os itálicos estão no original). 50 Esta promessa também a ‘previdência privada’ a faz ao trabalhador!

69

produção ou quando se tornou capital industrial e adquiriu a capacidade de extrair trabalho

não pago do trabalhador. A diferença: ocorreu aí apenas um empréstimo necessariamente

seguido de um reembolso e não um ato de compra e venda como comumente acontece

com as demais mercadorias.

A cessão condicionada é feita mediante o reembolso e este consiste na divisão da mais-

valia entre o capitalista proprietário do dinheiro e o capitalista ativo. No plano do consumo

das mercadorias em geral, Marx observa: o consumo de uma mercadoria é realizado após

sua última aquisição. Todavia mostrará que o consumo da mercadoria capital é capaz de,

neste ato, conservar o valor, o valor de uso e além ao adicioná-lo51. Para a porção da mais-

valia cedida pelo capitalista prestatário ao capitalista prestamista convencionou-se chamar

juro.

Os juros ganham, efetiva e progressivamente, importância cada vez maior na história do

desenvolvimento capitalista. Para o proprietário do dinheiro o sinal de perigo em tais

negócios ocorre quando os juros, mais do que a parte original do empréstimo, deixam de

ser pagos. Os juros ganham destaque por serem a remuneração que acresce valor ao que

foi emprestado e, para o capitalista prestamista, o recebimento deles é uma garantia

antecipada de que o principal também será reembolsado. Com base nesta premissa os juros

passam a ser mais importantes e devem ser pagos sempre. A interrupção do pagamento

dos juros traz pânico ao prestamista e parece ser mais grave do que a hipótese da

moratória, talvez por antecipa-la e materializá-la em algum sentido.

A ‘previdência privada’ como ‘fato’ natural beneficiou-se em sua expansão da aceitação

da perspectiva contributiva que foi imprimida à previdência social, como os salários

fossem responsáveis pela formação dos fundos públicos e não a produção da mais-valia,

conforme demonstrado anteriormente. Dito de modo diverso, quando os capitalistas

conseguem impor a lógica de que as políticas sociais devem ser financiadas por meio de

deduções fiscais dos salários dos trabalhadores, ao que Mandel (1982) ao analisar a

educação denominou ‘socialização dos custos’, está aberta a via para a ‘colonização’ do

espaço público das políticas sociais como serviços privados.

A ‘previdência privada’ aberta ou fechada organizada por um dado proprietário de capital

ou por ex-dirigentes dos trabalhadores agora a seu serviço, recolhe mensalmente recursos

70

do salário dos trabalhadores, ao longo de muitos anos, com o argumento de que tais

recursos serão aplicados para o provimento futuro de aposentadorias que já não podem ser

garantidas pelo Estado e pelo compromisso geral da sociedade com a manutenção da força

de trabalho posta na inatividade.

De modo bastante diferente do que faz o capitalista prestamista que cede dinheiro ao

capitalista prestatário envolvido na produção, os trabalhadores assalariados envolvidos

com ‘previdência privada’ alienam continuamente - por décadas! - uma parte significativa

de seus salários em favor de capitais que podem ser tanto os produtivos como os

portadores de juros.

Aqui as diferenças não são superficiais. Ao trabalhador ideológica e politicamente não é

dado conhecer que parte de seu salário é utilizado em favor de diferentes e diversos

capitais que, no mais das vezes, são os responsáveis por reestruturações produtivas nas

empresas e nas indústrias que o desempregam. A necessidade de aceleração da rotação do

capital fixo pressionada por atualizações tecnológicas resultantes da disputa

intracapitalista e pela vocação inerente ao capital de extrair patamares cada vez mais

elevados de trabalho não pago dos trabalhadores tem seus limites expandidos ao salário do

trabalhador, ao tempo de trabalho necessário à reprodução da força de trabalho para o

financiamento da acumulação capitalista.

Se o capitalista prestatário tem o dever quase sagrado de honrar ao proprietário do

dinheiro que lhe foi alienado com a remuneração constante de juros, ao trabalhador

envolvido nas teias da ‘previdência privada’ o mesmo mecanismo não é viabilizado. Ao

trabalhador o capital convencionou – porque ardilosamente denominou previdência –

‘devolver’ o empréstimo que lhe foi feito ao final de longos anos, sem que antes do que

determinou o capital lhe seja facultado ‘usufruir’ dos juros como os demais prestamistas o

fazem.

No caso da ‘previdência privada’ o salário é finalmente – como o desejou ardentemente a

economia desde a clássica até as mais ideológicas e falíveis explicações das relações

econômicas que abundam nestes dias – convertido em ‘renda’; entretanto, uma renda em

favor do capital, por ele apropriada e transformada em capital.

51 Marx faz neste ponto uma interessante analogia entre Capital Portador de Juros e a força de trabalho, relativamente as suas propriedades de conservar, produzir e acrescer valores.

71

Ao capital prestatário – eufemismo para nominar o capital e os capitalistas que por este

mecanismo financeiro, a ‘previdência privada’, alienam partes do salário dos trabalhadores

em seu próprio favor – na relação com a ‘previdência privada’ não cabe qualquer

obrigação no longo período em que o dinheiro proveniente dos salários dos trabalhadores é

transmutado em capital-dinheiro usufruído pelo capitalista. A promessa, pois é disto que

se trata, se cumprida será em um largo prazo; prazo tão extenso que poderá em razão de

crises ou outras razões não estranhas ao mundo do capital fazer o capital prestatário e os

responsáveis pela gestão dos recursos ‘previdenciários’ dos trabalhadores desaparecer

antes de o momento das aposentadorias ser efetivado.

Diferente dos capitalistas prestamistas que recebem juros ao longo do tempo do

empréstimo e possuem ‘títulos’ de direito para o recebimento do capital principal e da

remuneração acrescida, aos trabalhadores o capital oferece a ilusão de uma ‘previdência

privada’ para o futuro; oferece uma promessa de que parte de seu salário, confiada ao

capital, será restituída no tempo exato em que cada trabalhador individualmente

reivindicar a inatividade. Então, no momento preciso da aposentadoria os prestatários

verterão ao trabalhador o dinheiro alienado para a aposentadoria acrescido dos juros que

lhe restituirá o capital. A este tipo particular de ‘pretamista/trabalhador’ o capital – sem

precisar de títulos e ações – restituirá o principal e os juros pelo uso de uma parte da

‘renda’ do trabalho que ao capital foi confiado para utilizar ao longo dos anos: a

aposentadoria aparece convertida no ‘investimento financeiro’ do trabalhador.

Aos ideólogos do capital ocorre finalmente a alquimia da mutação de cada trabalhador em

um proprietário de rendas, de cada trabalhador em um homem operador do mercado. A

realização do mercado como o lugar de todos parece ganhar vida com a atualização deste

fetiche.

O capital que não se movimenta por projetos no futuro e vive, ao contrário, o acréscimo de

lucros como tarefa imediata e inadiável, propôs ao trabalho – e este aceitou – o futuro, as

aposentadorias, como um horizonte balizado por riscos52 e incertezas suportadas

inteiramente pelo trabalho e não mais pelo capital.

52 Em trabalho publica por ex Coordenador Geral de Análise de Investimentos da Secretaria de Previdência Complementar, órgão do Ministério da Previdência e Assistência Social responsável pela área de ‘previdência privada’ fechada, assim manifestou-se a respeito dos riscos: “Pode-se detalhar cada tipo de risco, mas quanto mais detalhada a decomposição maior a precisão e maior o esforço exigido em termos de recursos e equipe necessária para gerar dados (e depois geri-los), sendo que o montante adicional de dados pode criar

72

1.5 - ‘Governança Corporativa’: expressão contemporânea da separação da

propriedade da gestão

Definida a relação entre capitalista mercador de dinheiro e capitalista industrial e

desvelada a origem do juro, Marx se pôs a analisar como efetuariam os diferentes

capitalistas a repartição do lucro e como calculariam a taxa de juro.53 Ensina o autor:

“Uma vez que o juro é meramente parte do lucro que, segundo nosso pressuposto, tem de ser paga pelo capitalista industrial ao capitalista monetário, aparece como limite máximo do juro o próprio lucro, sendo, neste caso, a parte que caberia ao capitalista funcionante = 0. (...) poder-se-ia talvez considerar como limite máximo do juro o lucro todo menos a parte (...) que se resolve em salários de superintendência (wagens of superintendence)”. (Marx; 1984:269).

O desenvolvimento da relação de exterioridade dos proprietários com o cotidiano da

gestão de suas propriedades tem na separação ocorrida entre o capital industrial e o capital

portador de juros o seu ponto de partida. Dito de modo diverso, a evolução das formas de

propriedade, especialmente com o brutal crescimento e generalização das sociedades por

ações, pressiona ao capitalista industrial também ele a se distanciar da gestão da sua

propriedade. Assim, a separação da propriedade da gestão é uma complexificação, um

momento superior da separação do capital aplicado à produção do capital portador de juros.

As centralização e concentração dos capitais e os vínculos da indústria com as finanças

exigiram formas de gestão e de organização dos negócios compatíveis com as modificações

sofridas. As administrações familiares dos negócios capitalistas contavam com métodos de

contabilidade e de gestão profundamente tradicionais e, para que o acréscimo de lucros

de fato mais ruído do que auxiliar na gestão [Por e Iannucci (1999)]. Na prática, o programa de gestão de riscos é limitado, por um lado, pelo grau de complexidade possível dos modelos em função da tecnologia disponível e, por outro, pelo custo e disponibilidade de dados internos e de mercado” (Rieche; 2005; p.4). Donde se conclui sem esforços: os riscos são inteiramente incontroláveis! 53 A discussão destes temas Marx o fez no capítulo XXII, cujo título é Repartição do Lucro. Taxa de Juros. Taxa “Natural” de Juros, do livro em estudo já várias vezes mencionado. No seu sempre rigoroso e irônico estilo, Marx nocauteia aos que pretendem analisar fenômenos históricos com argumentos estranhos à vida social. A existência de uma taxa natural de juros lhe parecia mais apropriada se dita “a origem silvestre da taxa de juro”. (Marx; 1985:419 e ss).

73

pudesse realizar sua curva ascendente, tiveram de ceder lugar às gerências executivas dos

grandes quadros técnicos54 a serviço da burguesia e remuneradas a peso de ‘ouro’.

Para Harvey (1990) a organização tradicional das empresas, a gestão familiar, foi um

entrave que se teve de superar para “perfeccionar la competitividad del intercambio e de la

obtención de ganancias” (p.151). Segundo o mesmo autor as mais impressionantes

mudanças tecnológicas efetivaram-se nos transporte, nas comunicações e nas técnicas

bancárias. Entretanto, “Los ferrocarriles, em particular, proporcionaron el terreno de

pruebas para lãs formas modernas de organización corporativa”(p.151/2) que consistiu na

substituição dos negócios geridos por famílias pela grande empresa.

A crescente separação entre a propriedade do capital e da riqueza de sua gestão

potencializou-se quando do pleno desenvolvimento das finanças; quando a burguesia

proprietária da riqueza em suas diferentes formas (dinheiro e mercadoria) processou uma

nova e inédita relação com a propriedade ao renunciar ao exercício de sua gestão.

Lênin (1986), identificou na separação da propriedade da gestão dois traços: a formação das

oligarquias financeiras e o surgimento do parasitismo, fenômenos correlatos ao

aparecimento da ‘burguesia pura’ (Netto, 1992).

Como já o assinalamos a gestão da propriedade passa a ser executada por um corpo

técnico-político com elevados ganhos ‘salariais’ e formação técnica nas melhores e maiores

universidades do planeta e que, freqüentemente, desincumbe-se da ‘tarefa’ da gestão do

capital com maior eficácia e tamanha organicidade ideo-política que nada fica a dever aos

donos mesmos do capital. Marx antecipou a separação da propriedade da gestão quando

levou a efeito análise das sociedades por ações.55 Nela ocorre a

“Transformação do capitalista realmente funcionante em mero dirigente, administrador de capital alheio, e dos proprietários de capital em meros proprietários, simples capitalistas monetários. Mesmo se os dividendos que recebem incluem o juro e o ganho empresarial, isto é, o lucro total (pois o ordenado do dirigente é ou deve ser mero salário por certa espécie de trabalho qualificado, cujo preço é regulado no mercado de trabalho, como o de qualquer outro trabalho), esse lucro total passa a ser recebido somente na forma de juro, isto é, como mera recompensa à propriedade do capital, a qual agora é separada por completo da função no processo real de reprodução, do mesmo modo que essa função, na pessoa do dirigente, é separada da

54 Para esta discussão ver Braverman (1977). 55 Ver especialmente o capítulo XXVII – O Papel do Crédito na Produção Capitalista - Livro Três de O Capital, (1984, p.331 a 335).

74

propriedade do capital. (...) Nas sociedades por ações, a função é separada da propriedade do capital, portanto também o trabalho está separado por completo da propriedade dos meios de produção e do mais-trabalho.” (Marx, 1984, p.332 – grifos adicionados).

Foi no trânsito do capitalismo da livre-concorrência aos monopólios e com o

desenvolvimento potencializado do capital portador de juros que se expandiu a nova forma

de propriedade do capital industrial: a sociedade por ações presenciadas por Marx em

estado nascente. Interessa-nos a compreensão desta forma de propriedade pois, nas nações

onde elas floresceram, desenvolveram-se de modo diverso os mercados de capitais e a

presença da ‘previdência privada’.

Conforme ensina Harvey (1990; p.152) “Esta separación entre propriedad y

administración ayudó a superar las limitaciones administrativas de la empresa familiar al

estilo antiguo, y a abrir el campo a la aplicación de técnicas de manejo y organización

modernas.” Dentre elas a ‘governança corporativa’, expressão contemporânea de maior

importância da separação entre propriedade e gestão e que surgiu protagonizada pelos

fundos de pensão.

Magdoff (1978), demonstra que esta forma de propriedade alcançou enorme expansão e

centralidade na década de 1950, especialmente nos Estados Unidos que, tão logo puderam e

com as condições ‘ótimas’ postas pela reconstrução de significativas partes do mundo

devastadas pela Segunda Grande Guerra Mundial, difundiram e consolidaram esta forma de

propriedade como a forma de organização dos negócios em todo o mundo.

Em Vieira (2004), entretanto, foi o diferenciado ‘padrão de industrialização’ assumidos em

cada país o elemento potencializador ou inibidor da expansão da propriedade organizada

em sociedades por ações, a mais sofisticada forma de propriedade alcançada no modo de

produção capitalista.

O êxito e o crescimento dos mercados de capitais guardam estreita relação com o

surgimento e a expansão da ‘previdência privada’ em geral e a dos investidores

institucionais - dentre eles os fundos de pensão - em particular e as formas, por intermédio

das quais, tais atores financeiros atuam nos mercados.

A premissa aqui formulada sobre a ‘governança corporativa’ ser a expressão típica e

característica do ‘ativismo’ dos fundos de pensão; isto é, o modo pelo qual as entidades

fechadas de ‘previdência privada’ impõem aos capitais e às economias os seus interesses,

75

carecerá de maturação histórica para verificar não somente sua validade mas sua

capacidade de permanência no tempo. Sua capacidade de permanência poderá afirmá-la

como mais uma das ‘soluções’ sempre parciais que a supercapitalização impõe ao capital.

Trata-se, em nosso entendimento, da construção de um novo patamar de relação entre a

propriedade e a gestão - a ‘governança corporativa’- necessários e correspondentes aos

níveis de desenvolvimento do capital do século XXI.

Do inglês ‘corporate governance’ foi traduzido de modo oblíquo para o português como

‘governança corporativa’, expressão pouco reveladora do processo real de ação dos fundos

de pensão – e talvez isto não seja irrelevante. Nos Estados Unidos os fundos de pensão têm

um nome mais correto e próximo do que são realmente: ‘previdência social corporativa’ já

que representam mesmo interesses corporativos – da corporação, do grupo empresarial -; o

‘social’ talvez revele em diagonal a procedência dos recursos provedores destes fundos,

eles provêm do trabalho coletivo. Na língua portuguesa talvez a tradução menos literal e

mais precisa embora possivelmente inadequada por muito reveladora dos movimentos do

capital, fosse a de ‘controle corporativo’.

A emergência das práticas de controle corporativo ganhou força no início da década de

1980 nos Estados Unidos pela iniciativa dos investidores institucionais descontentes com a

administração de algumas grandes corporações nas quais tinham importantes lotes de ações.

O conflito entre os proprietários de ações - os investidores institucionais, em especial os

fundos de pensão – levou-os a pressionar, com base nos monumentais volumes de recursos

da ‘previdência privada’ que administram, as sociedades por ações a assumirem práticas de

gestão e de investimento que supusessem alguma segurança para os aplicadores56.

No ‘mundo do capital’ bastante afeito à produção de fetiches, mas pragmático nas

prioridades de acréscimo de lucros, a ‘nova’ relação da propriedade e da gestão tem

mobilizado reformulações na legislação57 e nas estruturas de Estado para a constituição de

56 Na linguagem do mundo das finanças os aplicadores de maior importância são: as famílias, as corporações e os investidores institucionais. Dentre todos, os últimos são considerados os ‘mais importantes agentes privados dos mercados internacionais de capitais” (Vieira; 2004), justamente pelo volume de recursos que manipulam, decorrentes da ‘previdência privada’. 57 No Brasil merecem menção as alterações realizadas na Lei das Sociedades Anônimas, no Novo Código Civil e na Lei de Falências hoje conhecida como Lei de Recuperação de Empresas; na elaboração da Lei de Parceria Público-Privada, na criação do Novo Mercado na Bolsa de Valores de São Paulo, conforme Borges e Serrão (2005) e na Emenda Constitucional N.41 de 19 de dezembro de 2003. Todas estas medidas relacionam-se, em graus e modos diferenciados e diversos, com a consolidação e a expansão dos mercados de capitais no Brasil.

76

esferas financeiras adequadas ao mais recente modelo de controle das sociedades por ações:

a ‘governança corporativa’.

O espaço dispensado ao tema ‘governança corporativa’ impressiona: no Brasil, a Comissão

de Valores Mobiliários (CVM) publicou em sua página eletrônica orientações sobre a

matéria, além de numerosos artigos. Ademais, estudos sistemáticos podem ser encontrados

nas páginas eletrônicas do Banco Central do Brasil, no Banco Nacional de

Desenvolvimento Econômico e Social, na Bolsa de Valores de São Paulo e no Instituto

Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), órgão do capital para pesquisa, treinamento,

difusão e desenvolvimento das práticas de ‘governança corporativa’ no país. A profusão de

materiais relativos ao assunto podem ser encontrados na pesquisa acadêmica, nas

instituições financeiras e nos fundos de pensão.

No plano internacional, comandam o debate e a implementação destas normas estratégicas

da ação do grande capital as suas agências, especialmente o Fundo Monetário Internacional

(FMI), O Banco Mundial (WB), a Organização para a cooperação e o desenvolvimento

econômicos (OCDE), dentre outras. O debate da ‘governança corporativa’, do controle

corporativo já extrapolou, no âmbito destas agências, os negócios capitalistas.

Curiosamente as perspectivas de ‘governança’, vale dizer de controle, integram documentos

nos quais discute-se o futuro das nações do planeta, especialmente o daquelas pobres.

A gênese da ‘governança corporativa’ “está baseada em mecanismos de solução para o

conflito de agência, decorrente da assimetria informacional e conflito de interesses entre

as partes envolvidas (proprietários e administradores).” (Borges e Serrão; 2005; p.112)

No Brasil, as empresas que adotam as regras de funcionamento postuladas pela

‘governança corporativa’ são lotadas na Bolsa de Valores em um espaço recente e

especialmente desenvolvido para atender as demandas das entidades de previdência

fechadas interessadas em mercadejar com os papéis das sociedades por ações, o ‘Novo

Mercado’ assim definido pela Bolsa de Valores de São Paulo:.

“’Novo Mercado’ é um segmento de listagem destinado à negociação de ações emitidas por empresas que se comprometem, voluntariamente, com a adoção de práticas de governança corporativa e “disclosure” adicionais em relação ao que é exigido pela legislação”. (BOVESPA; 2006)

De acordo com a definição da Bovespa, o ingresso de uma empresa no ‘Novo Mercado’

implica na aceitação de um conjunto de regras societárias chamadas de ‘boas práticas de

77

governança corporativa’ mais rígidas do que as presentes na legislação brasileira. São

regras de ‘boas práticas’ os procedimentos presentes no Regulamento de Listagem

“ampliam os direitos dos acionistas, melhoram a qualidade das informações usualmente prestadas pelas companhias e, ao determinar a resolução dos conflitos por meio de uma Câmara de Arbitragem, oferecem aos investidores a segurança de uma alternativa mais ágil e especializada”. (BOVESPA; 2006)

A ‘governaça corporativa’ é a busca da profissionalização da gestão e da eficiência na

alocação dos investimentos ou financiamentos para a realização dos ganhos definidos pelo

conjunto de proprietários – quase sempre acionistas de uma empresa; é a construção prévia

dos níveis de lucro que se quer buscar e, a gestão corporativa, pretende oportunizar a

viabilidade dos níveis de lucratividade.

A ‘governança corporativa’ implementada pelos fundos de pensão supõe acompanhar a

gestão de sociedades por ações por forte ‘ativismo’ nos Conselhos de Administração que

exercem papel fundamental. Ao conselho cabe tomar as decisões estratégicas aos negócios

e monitorar o cumprimento delas no interesse dos acionistas (Mônaco; 2000).

As tarefas desempenhadas pelo conselho convencionou-se denominar ‘controle

corporativo’. Controle que nasce da separação da propriedade da gestão com o fito de

salvaguardar os acionistas de ‘potenciais condutas expropriadoras’ da parte dos gestores.

Para a difusão e o aperfeiçoamento do controle corporativo os acionistas criaram em todo

mundo órgãos de ‘governança corporativa’. No Brasil, conforme já o indicamos, há o IBGC

(Instituto Brasileiro de Governança Corporativa).

Na literatura e na legislação58 os conselhos de administração têm autoridade formal sobre

os gestores, mas na prática o que tem vigência – na avaliação dos Investidores

Institucionais - é o exato contrário porque os CEO59 são os efetivos gestores dos negócios.

Em reação ao ‘alargado’ poder dos grandes executivos a ‘governança corporativa’ enfatiza

a ação nos conselhos de administração como a base para o controle dos negócios e

definições de investimento pelos acionistas, no caso os investidores institucionais.

58 A irresponsabilidade dos Conselheiros por ilícitos é definida no artigo 159 da Lei das Sociedades Anônimas. 59 Chief Executive Officer - termo inglês para designar o executivo principal de companhias abertas.

78

Os sucessivos escândalos das empresas e dos negócios ponto.com60, a quebra de ‘sólidas’

corporações capitalistas, os prejuízos dos acionistas que confiaram nos exitosos balanços

das corporações e por isto amargaram largos prejuízos com as quebras das bolsas de valores

ao redor do mundo, e nos Estados Unidos em particular, nos últimos vinte e seis anos, fez

soar o alerta para os investidores institucionais sobre o uso e o destino de suas grandes

somas, também elas muitas vezes comprometidos com as práticas predatórias das

aplicações fictícias e do maior ganho a curto prazo.

No atinente à ‘previdência privada’ os investidores institucionais viram-se fortemente

questionados por estas crises e a continuidade do triunfante negócio foi posta em causa.

Mais do que preservar os recursos disponíveis tratava-se, como se trata hoje ainda, de

preservar uma fonte de recursos que parece ser inesgotável enquanto os indivíduos

continuarem a confiar nas aplicações financeiras como ‘fundamento’ de suas

aposentadorias.

Foi no ambiente de tais ameaças que o controle corporativo – a ‘governança corporativa’ –

ganhou centralidade mundial nos negócios capitalistas que, a partir do controle corporativo,

classifica os mercados de capitais. Duas são as classificações referenciais (Vieira; 2005) e

que, ao nosso juízo, guardam estreita conexão com o surgimento e a expansão da

‘previdência privada’.

A primeira tipificação dos mercados de capitais diz respeito a forma de organização da

propriedade e do controle das corporações, dividido por sua vez em dois sistemas: o de

controle interno e o de controle externo.

No sistema de controle interno usualmente predominam as companhias nas quais um

pequeno número de acionistas detém o controle da corporação e disponibiliza apenas um

restrito número de ações para negociação no mercado de capitais. As resultantes deste

sistema são: baixo número de empresas listadas – que oferecem ações - nas Bolsas de

Valores; inexistente ou ‘fraca’ legislação protetora de pequenos acionistas e minguado

mercado de capitais, sempre segundo as considerações relativas aos interesses do capital.

60 São as empresas que estruturam seus negócios por meio da rede mundial de computadores, a internet. Da extensa crônica de escândalos, quebras e prejuízos das grandes corporações e a estreita relação com as perdas de aposentadorias dos trabalhadores destas empresas, é suficiente lembrar: a Delta Airlaines, a Delphi, a General Motors, a Ford, a ThyssenKrupp, a WordCom e a Eron.

79

O sistema de controle externo, por seu turno, caracteriza-se pela presença de grandes

acionistas que detêm também grandes fatias das ações listadas em Bolsas de Valores. Aqui,

há explícito incentivo do comércio de ações e existe uma consolidada legislação de

proteção aos acionistas. A resultante deste sistema é um forte desenvolvimento do mercado

de capitais com larga oferta de ações.

O segundo tipo diz respeito a forma de ‘alavancagem de recursos’ e também ele subdivide-

se em duas tipificações: a de ‘controle de mercados via equity’ e a de ‘mercados de

controle via débito’, (Vieira; 2005).

Nos mercados de primeiro tipo não se estruturam relações de longo prazo entre as empresas

e os bancos. Os financiamentos das empresas são feitos por meio do mercado de capitais; é

ali que a ‘alavancagem’, o financiamento das empresas é realizado. Conforme Vieira

(2005) a combinação do sistema de controle externo e do controle de mercados via equity

vigoram na Inglaterra e nos Estados Unidos.

Nos mercados de controle via débito a ‘alavancagem’, o financiamento, das empresas

realiza-se pelo crédito bancário de longo prazo e o sistema de controle interno das empresas

é o que tem vigência. Neste tipo de financiamento de empresas há uma

combinação/associação dos negócios das empresas e dos bancos. Neste tipo de estrutura

pode-se aferir a precisão das teorias de Hilferding (1985) e de Lênin (1986). Esta ‘via’ é

predominante na Alemanha e no Japão.

Contudo, independente da via assumida, parece-nos ser enorme a possibilidade de

reestruturar a relação entre os bancos e as indústrias pela via de criação de um outro

‘agente institucional’ financeiro, o investidor institucional, ao lado dos demais (bancos,

corretoras, seguradoras e bolsas de valores, etc.). A evolução da relação entre indústrias,

bancos e investidores institucionais, conhecida até então, mostrou que a ‘união pessoal’

das indústrias, bancos e governos ganhou nova força pela mediação das entidades de

‘previdência privada’ especialmente, porque estes diferentes ‘atores’ realizam operações

articuladas e em alguma medida com dependência recíproca61.

61 Não se pode deixar de anotar que ao mesmo tempo os investidores institucionais executam operações

diretas o que, em alguns países, acentua tendência à desintermediação das finanças.

80

A velocidade das modificações da vida social postas pela entrada em cena de somas

monumentais de capitais de fundos de pensão e de outras ‘formas recentes de capitais’

mereceu consideração de Harvey (1990). Para o autor as mudanças ocorridas no modo de

produção capitalista nos últimos duzentos anos seriam irreconhecíveis para alguém que

tivesse vivido noutra época; mudanças observáveis nas escala e complexidade da

organização dos negócios, do próprio Estado e nas intervenções assumidas pela estrutura

jurídico-política sustentada em políticas fiscais e monetárias desconhecidas antes de 1930.

Kolko (2006), quase cem anos após Hilferding e Lênin, verifica a preocupação dos grandes

bancos, do Fundo Monetário Internacional e dos próprios Estados que após intensas

desregulamentações tornaram-se prisioneiros dos grandes fundos de investimentos que

imprimem uma nova lógica aos mercados financeiros planetários: mais arrojados nas

‘apostas’ – certamente por não se tratar de seu próprio dinheiro ou de sua própria

aposentadoria - que os banqueiros estes investidores por vezes obtêm lucros mais

importantes ao mesmo tempo em que assumem riscos mais elevados.

Os montantes de supercapitalização originados na extração de mais-valia parecem ter

crescentemente encontrado lugar para sua valorização no plano da circulação dos títulos

financeiros sem ligação alguma com o que foi a origem do crédito, mecanismo demandado

pelo capital industrial para financiar a produção, a real geração de riquezas.

Como lembra Kurz (2006),

“No essencial, trata-se de uma ampla antecipação contínua de um futuro fictício de criação de mais valia, que na realidade nunca mais acontecerá. Neste desvio insustentável a longo prazo, manifesta-se o limite interno do modo de produção capitalista. No recurso ao futuro fictício geram-se encargos acumulados: toda a economia mundial arrasta consigo uma montanha de dívidas, créditos duvidosos e títulos de amortização.”

Em Maia (2003), temos a afirmação da mesma tendência expressa pelos autores supra

citados; sua argumentação sobre o desenvolvimento das instituições não financeiras no

mercado do dinheiro corrobora as indicações de Vieira (2005) ao demonstrar o

deslocamento dos bancos de sua posição hegemônica na oferta de serviços financeiros para

TABELA 02

PARTICIPAÇÃO DOS AGENTES NA INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA – 1970/1980.

81

Intermediação Bancária no Total

da Intermediação Financeira

Intermediação Institucional no

Total da Intermediação Financeira

Ano Ano

Países

1970 1980 1970 1980

Alemanha 84,0 74,0 10,0 23,0

França 94,0 66,0 5,0 29,0

Itália 98,0 92,0 6,0 10,0

Reino Unido 58,0 46,0 28,0 40,0

Canadá 45,0 42,0 23,0 36,0

Japão 45,0 32,0 10,0 19,0

Eua 58,0 21,0 31,0 46,0

Fonte: elaboração própria a partir de tabela e dados em Maia (2003; p.58)

os investidores institucionais nos Estados Unidos e também no Reino Unido.

1.6 – Salários de direção e stock-options

A tematização sobre salários de direção, Marx a fará no capítulo XXIII Juro e Lucro do

Empresário. Ao indicar ser o juro uma categoria não pertencente, estranha mesmo, ao

mundo do capital industrial o autor enfatiza a existência de duas categorias capitalistas que

concorrem entre si, mas que, ao mesmo tempo, se encontram umbilicalmente ligados e

reciprocamente dependentes na realização de seus distintos objetivos e destinos sociais,

embora amalgamados pela extração da mesma mais-valia: os capitalistas industriais e os

especializados no capital portador de juros. Marx assim indica os limites das ações, tanto as

de dependência como as de concorrência destes capitalistas. Diz o autor:

“Enquanto o capital funciona no processo de reprodução, o capitalista industrial – mesmo admitindo-se que o capital lhe pertença, de modo que não tenha de devolvê-lo a prestamista algum – tem à sua disposição como particular não o próprio capital, mas somente o lucro, que pode gastar como renda. O capital, enquanto funciona como capital, pertence ao processo de reprodução, nele está comprometido. O industrial no caso é proprietário dele, mas essa propriedade, enquanto utilizada como capital para explorar trabalho, não o capacita a dispor do capital de outra maneira. O mesmo se dá com o capitalista financeiro. Seu capital, enquanto está emprestado, desempenha o papel de capital-dinheiro, rende-lhe juro, parte do lucro, mas

82

ele não pode dispor do principal. (...) Se reembolsa o capital, tem sempre de emprestá-lo de novo, se pretende utiliza-lo como capital, mais precisamente como capital-dinheiro. Enquanto está nas suas mãos, não rende juros e não exerce o papel de capital; e, enquanto rende juros e atua como capital, não está em suas mãos”. (Marx; 1985:428).

Resulta desta relação apenas uma relativa liberdade de o capitalista dispor de sua

propriedade, porquanto ter de obedecer e de curvar-se à lógica própria do modo de

produção; respeitar-lhe as leis da produção capitalista passa a ser uma condição fundante

para a sua sobrevivência e prosperidade como capitalista individual. Como já o registrou

Marx em numerosos momentos de sua análise, o indivíduo capitalista somente interessa

como representante de uma classe social, como encarnação de uma relação social de classe

e a passagem acima explicita como, na relação da repartição do lucro, os capitalistas

individualmente são criaturas por mais que se pensem criadores.

Trata-se, então, da repartição do lucro, ou nos termos colocados por nosso autor, trata-se de

analisar o “ponto de partida da formação do juro”. Se já assentamos que a base comum

para a divisão dos valores que cabem a cada capitalista – ao industrial e ao prestamista – é

a mais-valia, cumpre entender como cada uma das tais pessoas jurídicas em relação tem a

sua parte atribuída.

Para o capitalista industrial, ativo, responsável por desencadear a processo de produção

caberá ao final, quando a mais-valia extraída dos trabalhadores tiver sido realizada, uma

parte do lucro bruto denominada lucro de empresário. Ao prestamista, pertencerá uma

parte do lucro, o juro. De qualquer modo, o juro é o lucro líquido para o dono do dinheiro

que por tornar-se um seu direito recebê-lo revela a “nua propriedade do capital”.

Entretanto, Marx faz ingressar na análise das relações entre as categorias de capitalistas um

novo elemento de realidade: não é somente quando duas pessoas física e juridicamente

distintas relacionam-se como prestamista e prestatário que ocorre a divisão do lucro bruto

em juro e lucro de empresário. Tal divisão igualmente persistirá quando existir um único e

mesmo capitalista a encarnar as duas pessoas: a do proprietário do dinheiro (capital-

propriedade) e a do capitalista ativo, industrial (capital-função). A razão de ser desta

divisão em duas funções mesmo que de um único capitalista62, deve-se ao próprio estágio

62 Com a emergência e consolidação das Sociedades por Ações há, de fato, uma multiplicação destas pessoas duplas em cada um dos acionistas de uma dada empresa. Isto os habilita para a função propriedade e para a função de capitalistas ativos muito embora sua relação como capitalistas seja quase exclusivamente

83

de desenvolvimento das relações de produção. Dito de outro modo é, o evolver do modo de

produção capitalista e às respostas necessárias ao crescimento da lucratividade capitalista

que amarram o capital industrial – é claro que lhe é vantajosa esta cadeia – ao ‘capital

financeiro’ e imprimem uma lógica de ação na qual ele – o capitalista ativo – trabalhe com

capital próprio ou emprestado com o mesmo desembaraço que nos fornecem os

fundamentos ao entendimento da mutação desta relação. Mas, isso somente se torna

possível quando uma espécie particular de capitalistas – os capitalistas financeiros – já se

constituiu como categoria especializada em negociar com o capital-dinheiro existente em

toda a sociedade, ainda que o coloque quase exclusivamente a serviço dos capitalistas.

É na divisão do lucro bruto em duas partes – juro e lucro de empresário – que pode ser

encontrada a razão capitalista – substantivamente uma razão reificada – instituidora da

metamorfose de o lucro de empresário como ‘salários de direção’.

Em outros trechos do estudo marxiano vêem-se os exercícios utilizados pelos capitalistas

para justificar a extração da mais-valia como algo socialmente justo para aqueles que se

sacrificam como empreendedores enquanto poderiam simplesmente fruir de suas riquezas.

A analogia que buscamos traçar entre estes dois momentos da escrita marxiana63 ajuda-nos

parasitária. Talvez se possa explorar aqui a noção do parasitismo burguês como a realização da condição de burguesia ‘pura’ para parte dos capitalistas, sob os monopólios. 63 - É com divertida ironia que Marx nos capítulos V, VI e VII, evidencia as piruetas argumentativas dos capitalistas na justificação da extração de trabalho não pago. Embora extensa a preciosidade da análise nos impõem que a reproduzamos a seguir:

“O capitalista, familiarizado com a economia vulgar, dirá provavelmente que adiantou seu dinheiro com a intenção de fazer com ele mais dinheiro. Mas, o caminho do inferno está calçado de boas intenções, e ele podia ter até a intenção de fazer dinheiro, sem nada produzir. Ameaça. Não o embrulharão de novo. Futuramente comprará a mercadoria pronta no mercado, em vez de fabricá-la. Mas se todos os seus colegas capitalistas fizerem o mesmo, como achar mercadoria para comprar? Não pode comer seu dinheiro. Resolve doutrinar. Sua abstinência deve ser levada em consideração. Podia ter esbanjado em prazeres seus 15 xelins. Ao invés disso, consumiu-os produtivamente, transformando-os em fio. Reparamos, entretanto, que tem agora o fio em vez de remorsos. Que não se deixe dominar pela tentação de entesourar, pois já vimos a que resultados leva o ascetismo do entesourador. Além disso, o rei perde seus direitos onde nada existe. Qualquer que seja o mérito de sua renúncia, nada existe para remunera-la, uma vez que o valor do produto que sai do processo iguala a soma de valores das mercadorias que nele entram. Que ele se console com a idéia de a virtude ser a recompensa da virtude. Mas, não ele se torna importuno. O fio não tem para ele nenhuma utilidade. Produziu-o para vender. (...) O capitalista se lança ao ataque. Poderia o trabalhador construir fábricas no ar, produzir mercadorias? Não lhe forneceu ele os elementos materiais sem os quais não lhe teria sido possível materializar seu trabalho? (...) Nosso amigo, até há pouco arrogante, assume subitamente a atitude a atitude modesta de seu próprio trabalhador. Não trabalhou ele, não realizou o trabalho de vigiar e superintender o fiandeiro? Não constitui valor este trabalho? (...) Entrementes, nosso capitalista recobra sua fisionomia costumeira com um sorriso jovial. (...) Nosso capitalista previu a situação que o faz

84

a entender como os capitalistas também no momento da relação com o ‘capital financeiro’

buscam transformar o lucro do empresário em uma remuneração pelos seus trabalhos – ou

daqueles a quem delegaram tal função – convertida em salário de direção. Realizada uma

tal prestidigitação não apenas desaparece a mais-valia, mas justifica-se também o lucro

empresarial como uma remuneração especial64 por um trabalho com características e

responsabilidades especiais. Na verdade, conforme Marx, o trabalho de explorar é igualado

ao trabalho explorado. Dito de outro modo, tudo é reduzido a trabalho como se não

houvesse um caráter de classe na divisão das responsabilidades e interesses, nas relações e

funções desenvolvidas pelas classes sociais.

Como a Hidra de muitas cabeças, a reificação se expressa em numerosas formas de

manifestações. Superá-la em uma de suas manifestações sem superar-se a ordem do capital

é uma impossibilidade como a de destruir o monstro cortando-lhe apenas uma das suas

cabeças. Como na mitologia novas surgiam no lugar das decepadas, no capitalismo as

reificações atualizam-se e complexificam-se com o desenvolvimento do modo de

produção. Todavia, parece-nos pertinente supor – tomado o capital portador de juros em

seus rodopios – como máxima reificação aquela expressa na fórmula D – D’, na qual o

dinheiro parece produzir dinheiro em escalas crescentes. O fetiche ai se reatualiza porque o

valor-de-uso do dinheiro passa a ser o de criar valor. Como no exemplo da mesa que

parece tocada por um sopro de vida ao dançar sobre seus próprios pés de madeira, as

relações sociais – entre homens – de produção são substituídas pelas relações entre coisas.

Se, figuradamente, a mesa baila até o mercado – salão no qual se troca por outra

mercadoria igualmente viva, do mesmo modo, também o dinheiro como criador de valor

esfumaça e encobre as jornadas humanas gastas em gerar valor e sobre valor65.

“E a confusão prossegue. Embora o juro seja apenas parte do lucro, da mais-valia que o capitalista ativo extorque do trabalhador, o juro se revela agora,

sorrir. Por isso, o trabalhador encontra na oficina os meios de produção não para um processo de trabalho de seis horas, mas de doze”. (Marx; 1988:216 e ss).

64 - Curiosa remuneração, denominada salário de direção, que coincide com a quantidade de trabalho alheio apropriada dos trabalhadores a quem emprega. 65 - “A Relação Capitalista Reificada na Forma do Capital Portador de Juros, é o título do belo capítulo XXIV, do livro 3 vol.V de O Capital, de autoria de Karl Marx. Há neste texto um curto, mas aprofundado debate a respeito do juro (com Lutero) e de uma política financeira com os economistas vulgares ou para melhor localizar em Marx, a economia política dos banqueiros, dentre os quais dá combate aos seguintes senhores: Dr. Price, Pitt e Müller.

85

ao contrário, o fruto genuíno do capital, o elemento original, e o lucro, reduzido à forma de lucro de empresário, mero acessório, aditivo que se acrescenta ao processo de reprodução. Consumam-se então a figura de fetiche e a concepção fetichista do capital. Em D – D’ temos a forma vazia do capital, a perversão, no mais alto grau, das relações de produção, reduzidas a coisa: a figura que rende juros, a figura simples do capital, na qual ele se constitui condição prévia de seu próprio processo de reprodução; capacidade do dinheiro, ou da mercadoria, de aumentar o próprio valor, sem depender da produção – a mistificação do capital na forma mais contundente”. (Marx; 1985:452).

Tal manifestação tem suas raízes no modo típico de relacionar-se deste capital – a

mercadoria capital – com o processo produtivo como um todo. Se bem entendemos é o

distanciamento do proprietário do capital dinheiro e de seu próprio capital do processo

efetivo da produção que lhe atribuem externalidade ao ciclo produtivo, vale dizer, o

proprietário do dinheiro e seu dinheiro introduzem o processo produtivo, a transformação

do dinheiro em capital e, a partir de então, nada mais tem com relação ao desenvolvimento

deste processo. Exceção é o seu retorno. Todavia o retorno é ele mesmo externo por não

retornar integralmente aos envolvidos no processo produtivo: ao capitalista ativo cabe uma

parte da mais-valia e ao trabalhador nada cabe. Para Marx,

“(...) no caso do Capital Portador de Juros parece que seu retorno como capital depende da simples convenção feita entre prestamista e prestatário. Desse modo, o retorno do capital nessa transação não parece mais resultar do processo de produção, e tudo se passa como se o capital emprestado nunca tivesse perdido a forma dinheiro. (...) No movimento real do capital, o retorno é um componente do processo de circulação. O dinheiro, de início, se converte em meios de produção; o processo de produção; o processo de produção transforma-o em mercadoria; com a venda da mercadoria reconverte-se em dinheiro e nessa forma retorna às mãos do capitalista que adiantara o capital na forma de dinheiro. Mas, com o Capital Portador de Juros, a cessão e o retorno resultam exclusivamente de uma transação jurídica entre o proprietário do capital e outra pessoa. Apenas vemos a restituição. Desaparece tudo o que se passa de permeio”. (Marx; 1985:403/4).

86

O segredo da riqueza capitalista – a extração de trabalho não pago – é assim convertido

em uma relação jurídica, transmutado em um honrado contrato66 com competência para

atualizar e recriar um Midas moderno, para o curso destes dias que, ao toque do dinheiro,

mais dinheiro faz surgir67. O movimento que interessa ao mercador de dinheiro é o D – D’;

no início do ciclo está D que emprestado ao capitalista produtivo deve voltar ao

prestamista, ou ao seu ponto de partida, ao final de um ciclo como D’. O valor que foi

cedido como capital aparece como mais uma forma de transação típica do processo

capitalista de reprodução. Se o valor adiantado pelo prestamista ao capitalista produtivo

fosse exatamente o mesmo, ou seja, se emprestasse D e recebesse D, tendo apenas

conservado o valor não teria cumprido todas as condições para ser considerado capital: lhe

faltaria cumprir a condição de agregar valor, conter parte da mais-valia extraída dos

trabalhadores pelo capitalista ativo.

A relação entre prestamistas e prestatários ocorre em um lócus particular na qual somente

estas duas categorias de capitalistas estabelecem os seus negócios, o mercado financeiro.

Como se tomado por um poder invisível – ou seria melhor dizer por uma mão invisível? –

até a própria concorrência parece evanescer e as figuras particulares do capital são

reduzidas a uma única figura indiferenciada,

“do valor autônomo, sempre igual a si mesmo – o dinheiro. Anula-se a concorrência entre os diversos ramos, procurando todos conjuntamente tomar dinheiro emprestado, e o capital confronta-os todos na forma em que não lhe importa a maneira como vai ser empregado”. (op.cit.; 424/5).

A indiferenciação na defesa da propriedade por seus próprios proprietários ou pelos

‘quadros técnicos’ contratados pelo capital deve ser enfatizada também no âmbito dos

fundos de pensão quando a gestão da propriedade ocupa lugar especial. A existência e as

tarefas dos ‘quadros técnicos’ dirigentes supõem a separação da propriedade da gestão já

66 - Talvez desnecessário enfatizar, mas a base jurídica está na existência mesma da propriedade e na sua oposição ao trabalho assalariado, pois tal base jurídica decorre das relações de propriedade, sem com ela confundir-se, e ao mesmo tempo sacraliza estas relações de propriedade. Embora, a história esteja repleta de exemplos de burla deste princípio quando os próprios capitalistas entre si atribuem aos rodopios do mercado a responsabilidade de quebrar os acordos e os pagamentos na hora de honrá-los, nos momentos de reembolso. Ver nos dias recentes as maquiagens levadas a termo nos balanços pelas grandes empresas norte-americanas, em tudo cúmplice do Estado e de seus governos. 67 - Como mais uma vez se afigura em Marx: para os capitalistas este movimento é tão naturalizado, ”quanto crescer é natural às arvores”. (Marx; 1985:453).

87

que, como enfatizamos, é um seu produto. A retomada do debate ‘salários de direção’ é

central diante da imperiosa exigência de fixação de executivos do alto escalão da

administração e gerência dos grandes negócios em uma época em que a fidelidade a um

determinado contrato conta-se pelo número de moedas.

A encarniçada ‘concorrência’ dos grandes conglomerados na idade monopolista – que não

exclui o suborno como privilegiado instrumento alçado à política de ‘recursos humanos’ -

por segredos industriais frutos de pesquisas tornou comum a disputa de quadros para a

composição da alta administração das empresas.

A ‘fidelidade’ na fixação aos postos de trabalho deste segmento de profissionais teve nos

fundos de pensão uma sábia alternativa de ‘colagem’ da alta gerência aos altos postos de

trabalho das empresas já que por estes instrumentos tais ‘trabalhadores’ aumentaram seu

poder de controle sobre os negócios e puderam inclusive alargar seus ‘salários de direção’.

O mecanismo relacionado aos fundos de pensão e a constituição das sociedades por ações

permitiram o controle da propriedade de significativos lotes de ações do grupos

empresariais como importante componente da remuneração dos executivos mais bem

posicionados na gestão dos negócios do capital. Tais mecanismos de remuneração dos

dirigentes das corporações monopolistas são chamados stock-options68 e permitem aos

executivos adquirir ações das empresas nas quais trabalham a um preço pré-fixado e vendê-

las nas Bolsas de Valores com a melhor rentabilidade possível para a composição de seu

‘salário’. (Chesnais et.all 2003).

Do ponto de vista ideológico verificou-se a formação de uma nova camada de dirigentes

executivos da grande burguesia recrutados, freqüentemente, entre as camadas mais

educadas das frações da classe trabalhadora. Os seus proventos ‘salariais’ guardam estreita

vinculação com a elevação da lucratividade da empresa: seu salário depende da ‘eficácia’

da produção da mais-valia das empresas que administram. Nos fundos de pensão a

distribuição de dividendos para a diretoria e a alta gerência pode ocorrer quando as

aplicações das futuras ‘aposentadorias’ tenham excedido as metas atuariais daquele ano

prospectivada pelo fundo de pensão.

No plano gerencial e da gestão executiva a possibilidade dos ganhos salariais são tão

‘voláteis’ quantos a suas próprias crenças no acerto das jogadas financeiras, mas podem

68 Blackburn (2002) e Brunhoff (2000).

88

contar com instrumentos contábeis pelos quais a previsão de ganhos é mais recuada do que

a efetivada ao final de um período. Nestas situações, cumpridas todas as exigências formais

não é incomum a distribuição de ‘lucros’ entre os gestores da ‘previdência privada’.

Se para a classe trabalhadora a exigência do sobre-trabalho e da produção da mais-valia,

expressos no salário por produtividade, há algum tempo reproduzem no plano da

remuneração a ‘volatilidade’ por recebimentos diferenciados mês a mês e permanentemente

atrelados aos lucros, a ‘previdência privada’ estende a insegurança à aposentadoria do

trabalhador. Sem o recurso de se desfazer de ações e títulos ‘investidos’ como

‘previdência’, sem gozar de stock-options e dos mecanismos de remuneração disponíveis

aos gestores de primeira linha, sem portanto poder optar por vender suas cotas antes de

todos quando os negócios vão mal, os trabalhadores – com o advento da ‘previdência

privada’ – fragilizaram a luta da classe. Ademais, ao aceitarem a lógica corporativa para as

aposentadorias aprofundou-se a alienação e injetou-se novas doses de individualismo nas

relações sociais. A gestão da aposentadoria como benefício individual decorrente de

contribuição individual produz a ilusória compreensão de que a ‘garantia’ das

aposentadorias funda-se no êxito das aplicações da porção de cada trabalhador tomado de

‘per se’.

Os deletérios efeitos de tais concepções sobre a luta de classes são visíveis em todo o

planeta com o estímulo ao corporativismo fragmentário nas ações dos trabalhadores que,

entretanto, em alguns países lutam pela manutenção da solidariedade de classe também

presente na previdência social.

89

1.7 Trabalho, sobre-trabalho e previdência

“Todo homem perece diariamente por 24 horas. Mas não se nota em ninguém

por quantos dias já pereceu. Isso não impede, entretanto, as companhias de seguros de vida de tirarem, da

vida média dos homens, conclusões muito seguras e, o que é mais, muito lucrativas.” (Marx).69

O entendimento a seguir desenvolvido sobre as políticas de previdência social – pública –

sintetiza resultados de pesquisas dimensionadas por âmbitos teórico-metodológicos e

político-ideológicos. Malgrado os modismos acadêmicos – cuja característica central,

também na produção teórica, é a efemeridade – nas páginas que se seguem não se exclui a

formação de fundas convicções e o abandono de outras impostas por uma realidade que

valida a todo instante - embora mil vezes negada – a presença de classes sociais

antagônicas. A negação da existência das classes e da possibilidade de superação do modo

de produção capitalista não são ‘esquisitices’ alheias e externas ao capitalismo, senão que

compõe o largo arsenal de ‘soluções’ constantemente recriadas para, também elas, ajudá-lo

na constante consolidação de seu domínio; vale dizer, na busca de novos patamares de

lucro.

Em análise do modo de produção capitalista na contemporaneidade, Michel Husson

(1999:45) interroga-se a respeito da vitalidade até agora demonstrada pelo capitalismo em

realizar seu objetivo de aumento dos lucros. Nas palavras do autor é imprescindível saber

qual o mecanismo que torna possível ao modo de produção capitalista re-funcionalizar suas

fraquezas; trata-se de averiguar se “o capitalismo tem um stock inesgotável de ‘achados’

(para retomar uma expressão de Alain Lipietz) que lhe garantem a capacidade de se

renovar e ‘inventar’ novas formas que assegurem o seu dinamismo?”

A dita ‘previdência privada’ tomada por objeto de investigação – todavia agora trata-se de

apresentar resultados – deu origem as indagações presentes nesta tese e, no estudo das

relações que lhes são internas e externas, firmamos-na, antes de tudo, como um dos

‘achados’ do modo de produção nos dias que correm, para novamente impulsionar o

dinamismo da extração de sobre-trabalho.

A dita ‘previdência privada’, alinha-se aos variados ‘achados’ criados no período pós

segunda grande guerra mundial, mas desenvolvidos de modo muito importante a partir dos

90

anos 1980, quando se tornou central à vida social permutar a quase totalidade das

atividades humanas em eficazes operações mercantis. Mormente as atividades

desenvolvidas pelo Estado como função extra-econômica70, quase sempre classificadas

como ‘serviços não-mercantis’ de que são especiais exemplos a proteção social em geral, e

a previdência em particular, por ser esta última, poder-se-ia explicitar – pelos ‘fundos’ que

gera – uma ‘peça chave deste processo’ (Harribey; 2003a).

A capacidade da previdência pública em reunir e substanciar a cada mês montantes de

recursos, cuja destinação é a aposentaria, é inconteste em todos os quadrantes do planeta.71

Tal capacidade não pode ser tomada como um mecanismo burocrático que os diferentes

Estados nacionais mobilizaram na garantia de direitos mais abrangentes ou mais restritivos,

senão que foram construídos na dependência de uma central determinação: o estágio das

relações e das lutas de classe em cada nação.

Não nos cabe neste trabalho sistematizar as trajetórias das lutas de classe na construção dos

sistemas de proteção social no mundo. Interessa-nos, particularmente, registrar que os

sistemas previdenciários seguem em tudo as dinâmicas postas pela relação capital/trabalho,

tanto quanto as demais formas de contratação, em vigência em cada período e em cada país.

Para dizer de modo diverso, a previdência pública universal é tanto uma construção de uma

época de ascensão da organização e da luta da classe trabalhadora como o primado das

contra-reformas previdenciárias e a regressão dos direitos ao minimalismo liberal-

conservador o é uma contundente afirmação de um momento de derrota72 do trabalho na

luta contra o capital no qual a lógica da previdência transmuta-se da solidariedade para ato

individual, da partilha à mercantilização .

69 Conferir: Marx (1983:168), capítulo VI – Livro I de O Capital. 70 Para as funções e papel do Estado, ver especialmente Sweezy (1976) e Netto (1992). 71 Para a análise dos recursos acumulados pela previdência brasileira e da destinação que lhe foi dada ao longo de sua história, consultar Andrade (1999). 72 Não ignoramos as resistências operadas em muitos países do mundo aos desmontes das políticas de proteção social em geral e as previdenciárias em particular, dentre as quais merece menção por sua força a grande greve havida na França em dezembro de 1995. Se não foi a primeira – antes já ocorrera uma na Alemanha, em 1992, dos servidores públicos e após, uma greve na França, em 1993 na Air Inter. Entretanto, estas greves de resistência aos desmontes dos direitos do trabalho foram basicamente sindicais. Na de dezembro de 1995, na França, mobilizaram-se massas enormes como desde 1968 não se via: foram manifestações maciças que, claramente opuseram o povo ao governo e rejeitou-se um plano econômico que, em primeiro lugar, supunha o corte de ‘despesas’ com a redução dos valores das aposentadorias e com a instituição de regras mais severas para o alcance do direito.

91

O pessimismo de uma afirmação conectada à realidade não a faz, por óbvio, uma

condenação. As sentenças proferidas em torno da impossibilidade de se construir formas de

sociabilidade distintas das atuais com a superação da sociedade capitalista, com freqüência,

são explicações de algibeira difundidas como condição irremediavelmente a que chegou a

humanidade.

Oportuna notação de Sweezy, de 1942, revelava com vigor, há mais de seis décadas, os

limites do discurso do fim das classes e da própria história humana.

“A fraqueza dessa teoria não é difícil de descobrir. Está na suposição de uma estrutura de classes imutável e, por assim dizer, auto-mantenedora. A superficialidade dessa hipótese é indicada pelo mais breve estudo da história. O fato é que muitas formas de relação de propriedade com suas concomitantes estruturas de classe surgiram e desapareceram no passado, e não há nenhuma razão para supor que não continuarão a surgir e desaparecer no futuro. A estrutura de classes da sociedade não é parte da ordem natural das coisas; é o produto de uma evolução social do passado e se modificará no curso da evolução social futura” (1976:270)

A pergunta no âmbito da análise dos rumos que a previdência social tem tomado em todo o

lugar, parece-nos, é a seguinte: como a previdência social é financiada? Uma vez

respondida a primeira demanda poder-se-á esquadrinhar a legitimidade das formas

presentes – sobretudo as mercantis – e do emprego de tão generosos recursos.

Nas duas últimas décadas do século XX e na primeira do XXI, assiste-se a um quase

frenético debate sobre o financiamento das aposentadorias e, infelizmente, a uma

naturalização do que os ‘Estados” em ‘crise fiscal’ circunscreveram aos trabalhadores como

diretiva incontestável: as aposentadorias devem ser financiadas pelos salários e, em

conseqüência, somente assalariados – na lógica contábil, os contribuintes – podem ter

direito a tal forma de proteção social.

Na base desta ‘lógica do contador’ estão os propalados resultados deficitários73 quando as

73 No Brasil, já podemos contar com um razoável número de qualificadas intervenções acadêmicas/sindicais e de alguns poucos parlamentares na desmistificação da vergonhosa manipulação de contas da Seguridade Social brasileira para que ela aparente ser deficitária. A Associação Nacional de Auditores Fiscais da Previdência Social – ANFIP – elabora o estudo dos valores mês a mês e anualmente divulga os resultados da Seguridade com a competência dos seus sindicalizados que no exercício de suas atividades laborais reproduzem e informam cotidianamente os dados da Seguridade Social ao próprio Estado. A “Análise da Seguridade Social em 2005”, mais uma vez demonstra ser falácia o discurso dos resultados deficitários dos sucessivos governos, dado que: “No último ano, foram arrecadados para o Orçamento da Seguridade Social R$ 278,1 bilhões. Na composição desse total, as contribuições sociais somam quase R$ 275,2 bilhões; os recursos próprios dos órgãos da Seguridade, valor próximo de R$ 1,9 bilhão. Também é creditada a contrapartida do Orçamento Fiscal, da

92

despesas são superiores as receitas, os argumentos para o não-reajuste das aposentadorias –

cada nova despesa, também os seus aumentos, deve ter uma correspondente fonte de

financiamento – e, mais grave, imiscui-se, sorrateiramente, entre os trabalhadores a noção

de que direito social pode ser uma atividade paga, na qual o comprador do ‘serviço’, no

caso o de um ‘ex-benefício’ previdenciário, será mais eficazmente atendido em sua

preocupação – a aposentadoria – se hipotecar a solução a uma ação individual de contrato

mercantil.

Todavia, as ações individuais somente interessam, tal como observou Marx (1983:13), “à

medida que são personificações de categorias econômicas, portadoras de determinadas

relações de classe e interesse” e no caso da ‘opção’ por uma ‘previdência privada’ na qual

a aparência da escolha parece ser a mais pessoal possível, tem servido menos à proteção

social na velhice do que ao desenvolvimento do capital em suas distintas formas.

Em tal direção, o que constituiriam razões para que os sistemas de proteção social

perdessem as características construí das, sempre como resultado das relações capital/

trabalho, nos últimos 60 anos?

Ao ensaiar respostas, talvez, em primeiro deva-se firmar os notáveis ‘achados’ das mais de

seis décadas desde o fim do segundo grande conflito mundial em 1945, quando a guerra e a

‘paz’ reconstrutora de uma parte do mundo devastada pelo conflito permitiu subordinar aos

trabalhadores em um grau mais aprofundado a um capital também mais internacionalizado

do que até então fora, sem com isto dizer-se que a internacionalização74 da economia

capitalista principiara nos anos próximos de 1945.

O novo estágio da internacionalização da economia e a complexificação das relações entre

os grandes capitais e os demais capitais, e a classe trabalhadora, e os arranjos Estatais

ordem de R$ 1 bilhão, devida pelo pagamento de Encargos Previdenciários da União, relativos a benefícios derivados de legislação especial. Apenas R$ 221,2 bilhões foram gastos em despesas típicas de previdência, saúde e assistência social. A diferença entre receitas e despesas superou a marca de R$ 56,8 bilhões, e inclusive ultrapassou os R$ 52,5 bilhões obtidos pelo governo federal em seu resultado primário consolidado (superávit primário). O governo utiliza-se da DRU - Desvinculação de Recursos da União - para subtrair parcela das receitas de contribuições sociais. Somente em 2005, mais de R$ 32 bilhões foram carreados do Orçamento da Seguridade Social para o Orçamento Fiscal por esse instrumento (...) E, mesmo assim, o resultado da Seguridade Social permanece positivo em R$ 24,8 bilhões. Pode-se entender, então, por que brotam propostas de ampliar a desvinculação de receitas. O Orçamento da Seguridade Social é o principal alvo na estratégia de robustecer o ajuste fiscal, por meio do corte de despesas a ele relacionadas.” (Anfip; 2006: 11 e 29. grifos adicionados). Este e outros documento estão disponíveis na página eletrônica da Anfip: www.anfip.br. 74 As caracterização e denominação do período mencionado são diversas em diferentes autores. Contemplam desde análises deste tempo como imperialismo, mundialização, financeirização, globalização etc.

93

construídos tanto nos países centrais como nos países da periferia – e inclusive no âmbito

mesmo de cada país e dos ‘blocos’ regionais hoje denominados mercados - aprofundou os

seus traços no sentido de captar para a cada vez mais diminuta porção da grande burguesia

mundial, fatias a cada momento mais substantivas do lucro produzido.

A estas mudanças Harribey (2004) sintetizou-as como financeirização do capitalismo cujas

transformações são visíveis na ‘mercantilização das atividades humanas’ e na apropriação

de ‘fração crescente do valor monetário produzido’. Diz ainda o autor, que tais dinâmicas

fizeram aumentar a taxa de exploração da força de trabalho75 ‘graças à subida do

desemprego, à redução dos programas sociais e à redução da parte da riqueza socializada

pelos sistemas de proteção sociais’.

Assumir a redução dos programas de proteção social como componente capaz de elevar a

taxa de exploração do trabalho exige-nos relacionar os programas previdenciários aos

conteúdos mais centrais do trabalho no modo de produção capitalista.

1.8 Salários e financiamento das aposentadorias: a mistificação liberal.

As contra-reformas nos sistemas previdenciários guardam características similares em

quase todos os países do mundo nos quais foram realizadas. Uma das importantes

características diz respeito a desvinculação dos valores dos salários mais elevados – em

geral, concentrados nos últimos anos quando os trabalhadores atingem os postos de

trabalho mais altos – das aposentadorias percebidas para que os sistemas públicos de

previdência limitem as aposentadorias pela interposição de ‘tetos’ não muito generosos.

Ao mesmo tempo e sem qualquer antagonismo reforçaram-se as responsabilidades do

salário com as aposentadorias por tornar-se central sua participação na formação dos fundos

previdenciários.

No entanto, ao examinar-se a contribuição dos salários na formação dos recursos da

aposentadoria e ao aceitar-se a lógica de que o alcance do direito de aposentação somente

75 Como em Marx, “Por força de trabalho ou capacidade de trabalho entendemos o conjunto das faculdades físicas e espirituais que existem na corporalidade, na personalidade viva de um homem e que ele põe em movimento toda vez que produz valores de uso de qualquer espécie. (...) a força de trabalho como mercadoria só pode aparecer no mercado à medida que e porque ela é oferecida à venda ou é vendida como mercadoria por seu próprio possuidor, pela pessoa da qual ela é a força de trabalho. Para que seu possuidor venda-a

94

pode ser garantido ao que nominalmente contribuiu, retoma-se a indistinção da economia

clássica de força de trabalho e de trabalho e entre valor e valor de troca para, de modo

oportunista, justificar-se a criação da riqueza na esfera financeira.

Subjaz, novamente, em tal compreensão a afirmação de que o trabalho não é fonte de valor,

motivo pelo qual as aposentadorias podem ser ‘garantidas’ pelo mercado financeiro – este

sim nova e misteriosa fonte auto-geradora de valor monetário.

As re-edições destes postulados se não chegam a ser exatamente novidades nos dois

últimos séculos, também não podem ser atribuídos aos delírios – ideológicos, muitas vezes

– dos propagandistas da ordem. Dito de modo diverso, afirma-se o ressurgimento destas

noções na esteira da precarização do trabalho e na redução efetiva de postos de trabalho na

esfera produtiva.

Reconhecer a deterioração das relações de trabalho, no entanto, não autoriza conclusões tais

como as do fim do trabalho, de resto já desmentidas pela realidade. Ao contrário, o

reconhecimento da segmentação do trabalho e da redução do trabalho vivo76 é uma

vigorosa confirmação da lei do valor-trabalho.

Na relação com as contra-reformas dos sistemas previdenciários, levadas a termo em escala

internacional, deve-se afirmar: somente são possíveis em um tempo no qual o

desenvolvimento da produtividade eleva-se a quantidades monumentais pelo recurso as

mais apuradas tecnologias aplicadas aos meios de produção quando se dispensa trabalho

vivo em largas quantidades.

A segmentação do trabalho pode ser apurada também nas re-estruturações da previdência

social, desmembrada em ‘pilares’77 destinados aos diferentes contratos de trabalho, aos

diferentes postos de trabalho ocupados pela força de trabalho, dos diferentes setores da

economia.

A ‘teoria dos pilares’ é uma outra expressão do aumento da exploração do trabalho que na

gestão da força de trabalho, diferencia trabalhadores com o fito de impedir a produção da

como mercadoria, ele deve dispor dela, ser, portanto, livre proprietário de sua capacidade de trabalho, de sua pessoa.” (Marx; 1983: 139). 76 Para Marx o trabalho morto, pretérito, e o trabalho vivo atuam combinadamente no processo de produção porque “Como atividade produtiva, adequada a um fim – fiar, tecer, forjar -, o trabalho, através de seu mero contato, ressuscita dos mortos os meios de produção, os vivifica para serem fatores do processo de trabalho e se combina com eles para formar produtos” (Marx; 1983:166). 77 A proposta de a previdência ser desmembrada em ‘múltiplos pilares’ é analisada no capítulo dois deste trabalho. Cumpre notar, por hora, que é uma proposta do grande capital, implementada pelo Banco Mundial.

95

consciência e organização de classe. Na diferenciação dos trabalhadores pela priorização e

valorização do trabalho concreto como elemento de diferenciação dos trabalhadores, as

aposentadorias devem responder ao mesmo propósito: assistencialismo minimalista para os

mais pobres, para os trabalhadores precarizados e para os desempregados; e aposentadorias

privadas para os trabalhadores que podem comprar a ‘segurança’ da aposentadoria

produzida no rentismo das finanças.

Consoante à mercantilização da vida social as políticas que restam públicas, as de

assistência mínimas, seguem igual padrão de monetarização das atividades humanas, já que

a sua viabilização tem por prerrogativa o acesso dos usuários a recursos monetários,

repassados por instituições financeiras. A renda mínima possibilita, assim, aos pobres

usuários de políticas de assistência o exercício ‘universal’ da financeirização: são

‘acionistas da miséria’ (Harribey;2004) por perceberem todos os meses recursos monetários

mediados, na maioria das vezes, por sofisticados mecanismos bancário-financeiros dos

quais até então restavam excluídos, por exemplo, do acesso ao dinheiro-plástico como são

chamados os cartões bancários e de crédito e do dinheiro disponível para o banco pelo

Estado para o repasses das somas que serão pagas aos selecionados pela política de

assistência dos mínimos. Também não é desprezível as novas possibilidades de expansão

do crédito – ainda que de ‘pouca qualidade’ para os receptores destes recursos – pelos

bancos a uma nova clientela78 com recursos garantidos pelo Estado.

No âmbito das políticas previdenciárias privadas, dirigidas à força de trabalho com

melhores contratos e ocupante dos melhores postos de trabalho, estão os trabalhadores

convertidos em ‘acionistas das finanças’ dos fundos de pensão, dos fundos de investimento,

das stocks-option e das poupanças e seguros previdenciários. Com relação a ‘política’

trabalhista anterior é notório que haverá uma menor concentração numérica de ‘acionistas

das finanças’ do que de ‘acionistas da miséria’ já que a renda financeira também tem de ser

‘produzida’ não de modo universal.

78 Numerosos problemas do uso do tal cartão que tem como limite da política de assistência um determinado valor. Mas, freqüentemente, os bancos ‘parceiros’ dos governos na institucionalização da política de assistência dos mínimos, como em outras situações, adiciona aos valores pagos pela assistência mínima um crédito disponível a cada cartão. Resultado: ao imprimir o estrato das operações da conta-corrente bancária, o usuário pensava ter um valor maior do que realmente tinha. O final destas histórias já o são tristemente conhecidas, dívidas e obrigações bancárias que quase sempre equivalem-se ao valor do ‘benefício’ da política de assistência.

96

Os ‘acionistas da miséria’ compõem a massa excedentária da força de trabalho que ou

jamais encontra postos de trabalho ou, se os encontra, são os caracterizados sob a forma de

precários vínculos de trabalho dos quais os direitos trabalhistas79 não fazem parte do

contrato, ele mesmo inexistente. Ao excedente da força de trabalho Marx o denominou

exército industrial de reserva80.

Aos ‘acionistas da miséria’ não é dado participarem das conquistas civilizatórias que o

trabalho – a despeito de sua dimensão alienante sob o capitalismo – continua a promover

como componente central de humanização e de partilha da vida social. A impossibilidade

de participar da esfera produtiva, do trabalho social, coletivo, faz destes trabalhadores

sujeitos de segunda classe em todas as esferas da vida, ademais impede-os de satisfazerem

necessidades sociais ao indeferir o acesso à satisfação das necessidades ‘do estômago e da

fantasia’. Subjetivamente, a constituição do ser social como uma segunda natureza, esta

tornada humana, defronta-se com severas – além de objetivas – possibilidades de regressão.

À classe trabalhadora consciente dos movimentos do capital e conhecedora das razões do

desemprego não deveria ser admissível sequer o debate do financiamento das

aposentadorias e tanto mais que o financiamento mesmo dos sistemas previdenciários

fossem feitos com base nos salários.

Para Marx, no debate estabelecido com a economia clássica, há que se diferenciar o valor

da força de trabalho dos salários percebidos pelo trabalhador quando ele a vende a um

capitalista. Veja-se em Marx:

“O valor da força de trabalho é determinado pelo valor dos meios de subsistência

habitualmente necessários ao trabalhador médio.” Por sua vez, o salário “é a forma a que

se converte o valor ou o preço da força de trabalho” (Marx;1988: 595 e 636).

79 Na sociedade presente em que os postos de trabalho diminuíram, reduzem-se os direitos trabalhistas e em seu lugar novas normas jurídicas são formuladas para responder aos avanços do capital sobre o trabalho. É assim, que espaços antes tidos como esferas do Direito Trabalhista têm sido substituídos pelo Direito Comercial e pelo Direito Fiscal. Serão estes os argumentos legais acionados quando o ‘não-trabalhador’ deixar de honrar suas dívidas com o banco que lhe dispôs recursos em seu cartão de crédito, sem consultar-lhe, – e que ele utilizou - para além dos da política dos mínimos sociais. 80 O entendimento da adjetivação ‘reserva’ tem causado polêmicas sobre sua validade atual pelo tamanho da massa da força de trabalho que, nem eventualmente, seria convocada para os postos de trabalho. Parece-nos que a categoria analítica continua a conter validade constrangedora quando estudadas as formas de ‘contratação’ da força de trabalho no dias que correm. A precarização e os excedentes humanos dispensados dos postos de trabalho são eles mesmos prova inconteste da validade da categoria pela importante regulação para baixo que fazem dos valor da força de trabalho, ademais da ameaça às organizações da luta dos trabalhadores acossados pelo pânico do desemprego.

97

Ocorre, entretanto, no modo de produção capitalista serem os salários pagos ao trabalhador

em troca do uso da força de trabalho aplicada a um fim definido pelo proprietários dos

meios de produção, por um período superior ao necessário à produção de mercadorias em

valores equivalentes aos da reprodução do valor da força de trabalho. Dito de modo

diverso, a força de trabalho em ação, o próprio trabalho, permanece sob o comando do

capitalista, e isto acordado em contrato, a produz trabalho – sobre-trabalho – em

quantidades acima das necessárias a sua subsistência. Assim, o trabalho produz valor e o

sobre-trabalho produz mais-valor. A mais-valia produzida no tempo excedente ao tempo

necessário à reprodução do trabalhador é apropriado pelo capitalista e converte-se, de modo

geral, em seus lucros, na reprodução da propriedade privada da qual ele já é o senhor.

Retomar os fundamentos da teoria do valor-trabalho – mesmo que de modo rápido – é

fundamental para pensar-se a ultrapassagem da lógica do direito à previdência em razão do

vínculo salarial. Tomar o salário por referência contributiva e aceitá-lo no plano da luta de

classes como natural e irremediável é:

• Renunciar a consciência de classe para si por tornar o direito de aposentadoria

exclusivo dos que possuíram ao longo da vida um emprego regulado pelo vínculo

jurídico-formal. Implica dizer, que o enorme contingente da força de trabalho

sobrante não tem o direito ao acesso à proteção porque ao longo da vida não teve

empregos formalizados pela ordem burguesa. Ademais de responsabilizar

potenciais trabalhadores por situações as quais os próprios sujeitos não possuem o

mínimo controle, é também penalizar na velhice – ou em situações de maior

fragilidade – aqueles que ao longo da vida já sofreram longamente os mais variados

padecimentos. É, por outro lado, no plano moralmente mais rasteiro, supor o

desemprego como uma escolha pessoal daqueles pouco afeitos ao trabalho.

• Abdicar da luta pela superação da sociedade capitalista por desconhecer-se que o

trabalho ao criar sobre-valor é o único produtor de riqueza sob o capitalismo: do

lucro dos proprietários aos salários do conjunto dos trabalhadores produtivos e

improdutivos; do capital que rende juros as aposentadorias; da renda da terra ao

fundo público estatal.

98

Desta forma, o trabalhador coletivo81 ao produzir mercadorias produz os valores

necessários para remunerar a totalidade dos trabalhadores (trabalhadores produtivos,

aposentados, desempregados, precarizados) e ao lucro do capital (Marques; 2000:140) e

não pode haver razão para que as escolhas da sustentação das aposentadorias devam ser

extraídas do salário daqueles que o tem.

Parece-nos que aceitar o entendimento posto por Marx de que toda a riqueza é produzida

pelo trabalho no ato da elaboração das mercadorias pela força de trabalho em ação, as

aposentadorias devem ser discutidas na taxação ao capital na socialização dos frutos do

sobre-trabalho e não pela re-partilha da instância de subsistência do trabalhador,

empregado, e pela taxação de seus salários.

Neste, e somente neste âmbito, importa pouco que o sistema previdenciário seja por

repartição ou por capitalização, já que em ambos sempre ela será financiada pelo produto

do sobre-trabalho. Bem assim, nenhum trabalhador financia a sua própria aposentadoria;

sequer aqueles – ou menos ainda – que fazem de suas ‘previdências privadas’ os símbolos

de uma existência precavida e estritamente organizada no plano individual.

Por fim ainda uma notação sobre a ênfase – ideológica e econômica – com a qual a grande

burguesia tem conduzido o seu modelo de previdência ‘financiado pelos assalariados’ e de

acesso dos que ocupam postos de trabalho formais: tal noção de previdência amarrada aos

salários pode obnubilar as consciências dos trabalhadores ao transferir o conflito originado

na dita ‘crise fiscal’82 dos sistemas previdenciários – e isto também é válido para toda a

‘crise’ dos sistemas de proteção social – para o interior da classe trabalhadora.

Assim, trabalhadores em atividade e trabalhadores aposentados deveriam ‘brigar’ como

classe – e nunca aceitar o fracionamento intraclasse patrocinado pelo capital - por tomar

para si uma fatia maior da massa salarial. O debate da distribuição interna à massa salarial

preserva as fronteiras entre massa salarial e ganhos do capital e esta é a razão do acento na

disputa de recursos entre os trabalhadores. Harribey83 (2005), indica-o:

“A hipótese implícita dos que põem adiante a neutralidade dos ganhos de produtividade é que a distribuição primária entre rendimentos do trabalho e rendimentos do capital é, doravante, intocável. Mas, vê-se efetivamente que

81 “... trabalhador coletivo - os trabalhadores com suas operações socialmente combinadas.” (Marx;1987:90) Livro 3 82 Ver Behring (2003 ) e Mota (1995). 83 Ver também os demais trabalhos do autor dos anos 2003 e 2004.

99

esta distribuição primária entre trabalho e capital tem uma influência não sobre a parte da massa salarial que vai respectivamente aos assalariados e aos aposentados, mas sobre o volume que cada um recebe.

100

Capítulo 2. O grande capital e a previdência: recomendações do Banco Mundial.

“O problema para os que estão imersos no mercado financeiro é que um dia, ou uma semana,

é um tempo longo; eles se concentram no aqui e agora.

Movimentar o mercado – mesmo que por um dia – é um grande negócio;

fortunas podem ser feitas e perdidas” (Stiglitz: 2003:86).

O esforço empreendido neste estudo objetiva apresentar a materialização dos interesses que

o grande capital logrou construir: a apropriação constante dos espaços até então ocupados

por políticas sociais previdenciárias ao transmutá-las em políticas financeiras, como uma de

suas mais importantes alternativas para responder às necessidades de acumulação, em

períodos recentes.

Bem antes de o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Organização

para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômicos (OCDE) produzirem documentos84

sobre a imperatividade da realização das contra-reformas previdenciárias – sempre movidos

pela nobre intenção de salvar a humanidade de uma iminente tragédia econômica com a

quebra fiscal dos Estados,85 em escala planetária – as construções ‘subjetivas’ da

necessidade de contra-reformar as aposentadorias há muito já compunham um certo debate

acadêmico-político86. Dito de modo diverso, antes mesmo que o documento

‘paradigmático’ das reformas previdenciárias essenciais ao grande capital fosse divulgado e

difundido, o modelo que viria a ser consagrado como o de reformas imprescindíveis para a

84 As quantidades de documentos e projetos sobre o tema impressionam; ao pesquisar documentos na página de língua inglesa do Banco Mundial encontramos as seguintes referências: para as palavras Pensions e Social Insurance, foram 839 (oitocentos e trinta e nove) ocorrências em 84 páginas. Para Pensions, há 2.312 (duas mil, trezentas e doze) referências e para projetos desenvolvidos em Pensions e Social Insurance obtivemos 649 (seiscentas e quarenta e nove) referências. 85 Em A destruição do Estado, publicado no jornal francês Le Monde Diplomatique, de julho de 2004, Serge Halimi cita criticamente a poderosa agência de avaliação de riscos Standard and Poors que prognostica: até 2050 todos os sistemas públicos do mundo sofreriam uma desintegração fiscal pelo grave endividamento dos Estados. 86 José Paulo Netto em Crise do socialismo e ofensiva neoliberal (1993), demonstra como os neoliberais, em dado tempo histórico, desferiram ataques mais agudos ao Estado de Bem-Estar Social do que à alternativa socialista: tratava-se de desmontar o ‘Estado democrático’ pouco afeito às características centrais do modo de produção capitalista. O autor nos revela também a ‘batalha’ que, ao menos no plano das idéias, os economistas reunidos na Escola de Economia da Universidade de Chicago desenvolviam e que, décadas após, foram as bases do chamado neoliberalismo.

101

previdência, sempre na ótica do grande capital, passava pelo teste da aplicação empírica à

realidade.

Talvez seja mesmo correto – sem com isto apelar, valorizar e reivindicar explicações

conspiratórias que em tudo vêem articulações fundamente planejadas – e aceitável supor

que antes de modelar uma alternativa ‘paramétrica’ a condição de aplicabilidade à

economia ‘real’ se impunha, inexoravelmente, como necessidade para a construção do

argumento em seu próprio favor: ao sucesso da proposta hipotecava-se sua exeqüibilidade.

A decidida imposição da aplicabilidade, exemplar de uma tal violência da acumulação

capitalista sobre conquistas do mundo do trabalho, não poderia contar com condições mais

propícias do que aquelas construídas no Chile pelo golpe militar do grande capital e

ministradas pelos coturnos do General Augusto Pinochet87.

A contra-reforma previdenciária não foi, entretanto, realizada nos primeiros dias da

ditadura chilena que em seu começo ocupou-se em realizar o brutal extermínio das

organizações operárias, trabalhadoras, progressistas em geral, democráticas e, de inspiração

comunista. Massacrada a resistência da classe operária e dos trabalhadores em geral, criou-

se, sem que pudessem ocorrer debates e resistências, pelo Decreto Lei 3.500 da Junta

Militar, em 13 de novembro de 1980, as ‘características generales �el sistema de

previsión’ conforme pode-se aprender em Alvarado (1997).

Passara-se quase uma década e meia do início da testagem do sistema previdenciário

privado imposto pela ditadura chilena, quando as modelagens e os argumentos do Banco

Mundial para as contra-reformas da previdência ao redor do mundo, ganharam vida – e

fama – com a divulgação do documento do Banco Mundial de 1994, intitulado: “Averting

the old age crisis: policies to protect the old and promote growth” 88.

Onze anos mais tarde, em 2005, novo e importante documento foi produzido por

importantes executivos do Banco Mundial, que o publicou, com a análise das reformas já

87 Não é excessivo mencionar no rumo das argumentações que fazemos: Milton Friedman, economista estado-unidense, um dos principais membros da Escola de Chicago, foi conselheiro do governo chileno durante a ditadura do General Pinochet. Consultar Sandroni (1999). 88 No original: 1) Averting the Old Age Crisis Policies to Protect the Old and Promote Growth. A World Bank Policy Research Report. Published for the World Bank. Oxford University Press. Washington DC/ New York, 1994. 2) Banco Mundial. Envejecimiento sin crisis: políticas para la protección de los ancianos y la promoción del crecimiento. Washington, D.C.: Oxford University Press, 1994. 458p. A versão inglesa está disponível no sítio do Banco Mundial. A partir de agora, sempre que mencionarmos este texto, é a versão inglesa que usamos, a qual citaremos, para simplificar, como Banco Mundial (1994). Não há versão na língua portuguesa somos os responsáveis pela tradução ao português.

102

implementadas em diferentes países e segundo o modelo do documento de 1994. O

documento de 2005, é ao mesmo tempo o debate das perspectivas para as novas fases das

reformas previdenciárias imprescindíveis para o grande capital, cujo título é: “Old-age

income support in the 21st century: na international perspective on pension systems and

reform” 89.

A tematização da ‘previdência privada’ neste capítulo centralmente analisará as duas

publicações do Banco Mundial acima mencionadas - as duas mais significativas referências

para a difusão da política de privatização da previdência social e orientadoras das contra-

reformas necessárias ao estágio atual da acumulação.

2.1 O Banco Mundial e a reforma das aposentadorias: a concepção do grande capital.

O Banco Mundial é um grupo formado pelas cinco organizações seguintes: a) Banco

Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD); b) Associação Internacional de

Desenvolvimento (AID); c) Corporação Financeira Internacional (IFC); d) Agência

Multilateral de Garantia de Investimentos (AMGI); e) Centro Internacional para Acerto de

Disputas de Investimento (CIADI). Criado em 1944, em Bretton Woods, Estado de Novo

Hampshire (EUA), tinha por objetivo ajudar a “reconstruir a Europa após a Segunda

Guerra Mundial”. 90

O surgimento do Banco Mundial em Bretton Woods efetivou-se pela ação de dois artífices

principais: os Estados Unidos e a Inglaterra, no mesmo período em que se fundou o Fundo

Monetário Internacional, o que lhes valeu a denominação de os "gêmeos de Bretton

Woods".

Na atualização de seus objetivos, o Banco Mundial informa: “O trabalho de reconstrução

permanece como um enfoque importante do Banco Mundial devido aos desastres naturais,

emergências humanitárias e necessidades de reabilitação pós-conflitos, mas atualmente a

89 No sítio do Banco Mundial há uma síntese do texto “Soporte Del Ingreso em la Vejez em el Siglo Veintiuno: Uma Perspectiva Internacional de los Sistemas de Pensiones y de sus Reformas”, tornado público em julho de 2005, ao qual recorreremos com maior freqüência e o indicaremos por Banco Mundial – Resumo (2005). 90 Todas as citações feitas até neste ponto e identificadas por WB, estão disponíveis na página eletrônica do organismo. Ver World Bank. Há pagina menos completa em português.

103

principal meta do trabalho do Banco Mundial é a redução da pobreza no mundo em

desenvolvimento”. (WB, grifos adicionados).

A importância do Banco Mundial altera-se com o passar do tempo e a instituição

multilateral conquistou cada vez mais uma grande importância no cenário internacional do

capitalismo contemporâneo e agregou novas funções e tarefas em sua ação.

Na gênese sua função principal fora a reconstrução e menos o desenvolvimento;

hodiernamente , conforme é a ênfase dos seu discursos, dentre suas principais preocupações

está a promoção do desenvolvimento sempre conexa à eliminação da pobreza.

A mudança operou-se no sentido da reconstrução ao crescimento econômico dos países

subdesenvolvidos: "O Banco, que ainda na década de 50 dirigia a maior parte dos seus

empréstimos aos países desenvolvidos, na década seguinte, e principalmente depois de

1968, concentrou praticamente todos os seus recursos nos países subdesenvolvidos"

(Lichtensztejn e Baer;1987:140).

Na enumeração de suas funções, ler-se-á:

“Além de financiar projetos, o Banco Mundial também oferece sua grande experiência internacional em diversas áreas de desenvolvimento [... como] Um dos pilares do desenvolvimento social e econômico mundial desde a Segunda Guerra [.. é] A única agência supranacional de financiamentos com presença e impacto globais. Angaria fundos nos mercados financeiros internacionais para combater a pobreza através do financiamento de projetos nos países em desenvolvimento, Ajuda a atrair investimentos privados através de co-investimentos, garantias e seguros de risco político (...) Oferece aconselhamento econômico e técnico aos países membros”.(World Bank).

Apresenta-se, ainda, como o “Principal organismo multilateral internacional de

financiamento do desenvolvimento social e econômico, formado por 183 países-membros,

entre os quais o Brasil.” Atua em nosso país desde 1949, quando fez o primeiro

empréstimo ao Brasil, por intermédio do BIRD, no valor de US$ 75 milhões, destinados à

área de energia e telecomunicações. Desde então, foram mais de 380 operações de crédito

com equivalência de mais de U$ 36 bilhões, nas palavras do organismo como ‘apoio ao

governo brasileiro’.

Por este mecanismo os países industrializados centrais, antes devedores ao banco, passam a

ser os países emprestadores e credores e os subdesenvolvidos, que também se tornam

membros do FMI e do BM, os tomadores e devedores de empréstimos. Ao mesmo tempo

em que a intervenção sobre o crescimento econômico do banco crescia, os Estados Unidos

104

direcionavam sua política para fins de segurança nacional ela mesma um atributo

econômico importante para a sobrevivência da ordem capitalista internacional e para a

segurança dos investimentos privados dos grandes capitais das potências imperialistas

realizados no estrangeiro.

Com a crise mundial dos anos setenta, o banco preocupar-se-á com os ‘desequilíbrios

sociais e a marcha da economia internacional’ (Lichtensztejn e Baer;1987:142).

Converteu-se para isto, em uma instituição fundamental à manutenção do modo de

produção capitalista e na defesa do interesse dos países imperialistas centrais, com especial

acento na defesa dos interesses da `pátria estado-unidense`. Para as autores a trajetória do

Banco Mundial pode ser assim resumida:

"Devido à própria evolução da economia internacional, o Banco foi adequando e desenvolvendo suas próprias funções, e estendendo progressivamente seu raio de influência. No início, foi um modesto organismo que favoreceu a reconstrução dos principais países capitalistas. Posteriormente, dedicou-se a financiar projetos de infra-estrutura para o processo de crescimento dos países subdesenvolvidos. Em certo momento, adotou, além disso, uma concepção mais transcendente de pobreza e de desenvolvimento, baseada em considerações econômicas, sociais e políticas. Finalmente, e os seus programas de ajuste estrutural e co-financiamento de projetos são uma mostra disso, o Banco assume responsabilidades globais inerentes à crise financeira mundial, na qual as soluções para o pagamento da dívida externa e contra o subdesenvolvimento se entrelaçam com os problemas de expansão dos capitais produtivos-financeiros internacionais e com a estrutura desigual do poder no sistema de nações". (Lichtensztejn e Baer;1987:146).

Fiel ao papel de organismo empenhado na defesa do modo de produção capitalista, na sua

expansão e em saídas para as crises do capital, é que o Banco Mundial passa a elaborar

uma política de intervenção internacionalmente articulada para a previdência social, mais

especificamente para o seu desmonte enquanto política pública e para a construção de um

aparato privado de ‘previdência’. A tais intervenções esta agência internacional do grande

capital denominou-as reformas da previdência. A importância fundamental da análise das

propostas e ações da agência, dadas as prioridade e voracidade com que estas reformas

foram implementadas no mundo todo, consistem em as ter tornado ‘paramétricas’, o termo

é usual na linguagem do banco, pois na verdade foram implementadas sem muitas

variações de conteúdo, para o que devem ser as políticas de ‘proteção ao envelhecimento’

nos dias que correm.

105

Em pouco mais de duas décadas, por volta dos últimos 25 anos, reformas nos sistemas de

aposentadorias públicas foram conduzidas pelo Banco Mundial na quase totalidade dos

países do mundo: da Europa à Ásia, da América à África e à Oceania, fossem eles países

centrais ou periféricos ou, para o Banco Mundial, ‘desenvolvidos ou industriais’ ou ‘em

desenvolvimento ou em transição’. Dos cerca de 19491 países autônomos existentes, o

Banco Mundial já realizou reformas de previdência pública em mais de 80 países dentre os

quais 64 deles as reformas foram efetuadas com recursos tomados de empréstimo do banco,

quase todos na periferia do mundo, precisamente na Ásia, na África, na América Latina e

nas ex-repúblicas socialistas. Ademais, os países da OCDE92 e os Estados Unidos, o

Canadá e a totalidade do bloco nominado G-8, também efetivaram alterações significativas

em seus sistemas previdenciários. Assim, não seria exagero afirmar que a quase totalidade

dos países do mundo realizaram reformas nos seus sistemas públicos de aposentadoria na

direção de:

• reduzir aos mínimos básicos para a sobrevivência a aposentadoria pública;

• criar ‘previdência privada’ nos países onde ela ainda não existia.

• reforçar e diversificar os modelos de ‘previdência privada’ em lugares onde ela já

havia sido implantada.

As elaborações do Banco Mundial que se constituem temas da análise, o são, primeiro

porque suas formulações tornar-se-iam os argumentos ‘teóricos’ sustentáculos das contra-

reformas e dos debates travados em torno delas em boa parte dos discursos dos capitalistas,

de parte dos dirigentes dos trabalhadores, dos acadêmicos e de autoridades governamentais

91 O país de nº 194 é o Timor Leste, que, depois de uma guerra de libertação contra a Indonésia, se organizou como país soberano e, em agosto de 1999, por meio de um referendo, 78,5% votaram pela independência. O diplomata brasileiro Sérgio Vieira de Mello – morto no Iraque em missão da ONU - foi nomeado pela mesma ONU para a administração provisória. No início de 2003, dois novos países começam os procedimentos para a soberania, isto é, o reconhecimento internacional. São eles: 1) República da Somalilândia ou Somaliland. A Aliança Nacional da Somália (SNA) conquista o norte e autoproclama sua independência em abril de 1991. A república não foi reconhecida internacionalmente e as disputas na região continuam. Em setembro de 1998, no nordeste do mesmo país Puntland se proclama autônomo. 2) Transdniestria - Em junho de 1992, após conflito armado na região, o movimento que declarou a separação da Moldávia, celebra um acordo no qual foi concedida a autonomia à região, mas não a sua independência. 92 Para não perder a memória das lutas é suficiente lembra as grandes mobilizações e protestos ocorridos na França, na Itália, na Hungria e na Polônia. Também no Brasil em 2003 realizou-se uma célebre marcha contra a reforma da previdência do governo Lula. Que reuniu 80 mil trabalhadores antes de se completar o primeiro ano do governo do presidente eleito com o maior número de votos da história do país. Em dias mais recentes o planeta assistiu as numerosas passeata que os imigrantes realizaram nos Estados Unidos pelo direito à contratos de trabalho formalizados e por seguridade social.

106

ao redor do mundo; segundo, porque o Banco Mundial ademais de autoridade formuladora,

divulga e fiscaliza as políticas do capital pelo mundo; terceiro, porque junto com a

Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômicos (OCDE), a Organização

Mundial do Comércio (OMC) e o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial

é um poderoso instrumento de transferências dos excedentes dos países do terceiro mundo

para os países centrais, por intermédio, por exemplo, dos pagamentos dos empréstimos e

das dívidas contraídas palas nações empobrecidas juntos aos países imperialistas, no mais

das vezes, para a realização das reformas ‘necessárias’ ao capital93.

Para Stiglitz94 (2003:19)

“(...) os EUA, como o país mais forte do mundo, impõem uma visão particular

do papel do Estado na economia, especialmente por meio de instituições

econômicas internacionais, como a Organização Mundial do Comércio, o

Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial”.

James Petras e Henry Veltmeyer (2000), por sua vez e de ‘mirante’ bastante diverso,

indicam: os interesses do Banco Mundial são econômicos, mas também políticos e

ideológicos porque são interesses de classe. No estudo por eles realizado do Relatório do

Desenvolvimento Mundial de 1995 (RDM-95), concluem que o Banco Mundial na

imposição de seus programas de ajuste econômicos e reformas estruturais

“...não recorre abertamente à classe capitalista cujos interesses econômicos

estão em questão e em jogo nas reformas propostas. (...) define e articula os

interesses dessa classe, mas vai além e apresenta-os, de maneira

caracteristicamente ideológica, como os interesses da humanidade”.(2000:101

-grifos adicionados).

John Saxe-Fernández95, ao examinar a exploração global estabelece os nexos entre as

transferências dos excedentes dos países da periferia para os centros imperialistas e a

função que jogam as instituições como o Banco Mundial; no reforço deste argumento

recomenda o texto de José Gandarilla Salgado (2005), no qual:

93 Ver Salgado (2005). 94 Ao longo da década de 1990, Joseph E. Stiglitz, o então professor de economia da Universidade de Stanford, foi presidente do Conselho de Consultores Econômicos do Presidente dos EUA, Bill Clinton, em seu primeiro mandato. Após, foi, por três anos, vice-presidente economista-chefe do Banco Mundial. Stiglitz foi vencedor do prêmio Nobel de economia em 2001. 95 Resenha “La explotación global” disponível no sítio Rebelión (www.rebelion.org) em 22.01.2006.

107

“Los mecanismos del sistemático "saqueo" son analizados de manera precisa, destacándose el papel de las "instituciones financieras internacionales" o "multilaterales" en la imposición de políticas fiscales regresivas, "propuestas u orquestadas desde el Departamento del Tesoro de EU, a través del Banco Mundial y el FMI, promoviendo los objetivos de los inversionistas de Wall Street".

Diferentes e variados pontos de vista afirmam o Banco Mundial como uma das instituições-

eixo dos interesses do grande capital em ação no mundo. O esforço a seguir ambiciona

demonstrar os argumentos centrais da intervenção do Banco Mundial na reforma das

aposentadorias propugnadas pelo grande capital.

2.2 A economia política da previdência: o documento do Banco Mundial de 1994

“Um bom propagandista transforma um monte

de esterco em local de veraneio".

(Bertold Brecht – A Necessidade da propaganda).

No presente item desenvolver-se-á análise da concepção do Banco Mundial para as

aposentadorias difundida a partir do ano de 1994, já que suas formulações matrizaram e

matrizam numerosas reformas, realizadas e em curso, em diferentes países ao redor do

mundo. Além disto, estudar este texto que é fundamental para a compreensão da

perspectiva do grande capital para as políticas previdenciárias, tanto mais, suspeitamos, o

documento freqüentemente citado é efetivamente pouco estudado, e se pensarmos em um

estudo que se reivindique crítico, a escassez é ainda maior em nosso país. Por fim, é

imprescindível ao mundo do trabalho conhecê-lo porque o sistema previdenciário brasileiro

é tomado como exemplo de manutenção de privilégios e de estímulo a geração de

‘desigualdades sociais’ em várias passagens do relatório. Cumpre notar, para o Banco

Mundial, razão bastante para reformar.

Ainda uma vez, evidencie-se: o Banco Mundial não iniciou sua intervenção no âmbito da

previdência no ano de 1994. Antes disto já elaborara documentos e apoiara reformas. Para a

agência, as reformas dos sistemas públicos de aposentadoria e pensões na direção da

substituição dos sistemas de repartição por sistemas de capitalização, tem como marco

108

econômico-político e espacial o Chile e por baliza temporal o início da década de 1980, na

vigência da ditadura militar comandada por Pinochet e a soldo do grande capital dos

Estados Unidos da América.

Todavia, se antes da década de 1990 vários e numerosos documentos da agência do capital

já haviam sido produzidos e mesmo a importante experiência ‘prática’ do Chile

implementada, é de 1994 o documento paradigmático para as aposentadorias e pensões que

em diferentes medida e profundidade quase todos os países seguiram para realizar o

desmonte da política previdenciária pública.

O longo texto de mais de quatrocentas páginas, “Prevenindo a crise do envelhecimento:

políticas para proteger as pessoas idosas e promover o crescimento”, constitui-se no

documento-diretriz do Banco Mundial e parece-nos, marca uma postura nova na divisão do

trabalho com os demais organismos posto que o Banco Mundial assumiu desde então a

primazia do debate e das reformas relativas à previdência, no mundo. Nele, há um extenso

diagnóstico do que a agência sublinha ser um dos mais graves problemas em todo o mundo:

as aposentadorias e as políticas públicas de aposentadoria.

Metodologicamente o texto é composto de uma apresentação geral, síntese ‘executiva’ dos

argumentos desdobrados ao longo de oito capítulos, seguidos de anexos, tabelas e fórmulas

apresentadas à exaustão.

Os argumentos centrais do documento, articulam-se a partir de três eixos-diagnósticos:

1. no envelhecimento demográfico: ênfase de que em 1990 existiam quinhentos

milhões de pessoas no mundo com idade superior a 60 anos e totalizavam 9% da

população mundial. O crescimento do envelhecimento demográfico converter-se-ia

em insolúvel problema em 2030, quando o planeta chegaria a soma de 1 bilhão e

quatrocentos milhões de pessoas acima dos 60 anos. Tais cifras populacionais,

assustadoras e auto-explicativas da necessidade de se reformar os sistemas de

proteção previdenciárias, comprovariam um enorme envelhecimento demográfico –

sinônimo inconteste de uma tragédia anunciada. Os assalariados, cada vez em

menor número, não poderiam continuar a subvencionar as demandas de uma

população idosa, cada vez mais importante e numerosa; para evitar que em anos

futuros crises incontornáveis nas aposentadorias e no padrão de vida dos idosos

apresentem-se à sociedade com poucas alternativas de resolução. A precavida

109

agência antecipa concepções e ‘soluções’ para que os idosos do mundo todo,

tenham os sistemas por repartição diminuídos progressivamente no valor das

prestações e, assim, os Estados possam estimular os sistemas de aposentadorias por

capitalização, fórmula e saída para as aposentadorias sem crise.

2. na falência de numerosos sistemas públicos de aposentadoria: a constatação

vem de rápidas exposições desde a apresentação de que diversos países possuem

problemas na solvência das aposentadorias públicas, por numerosas razões.

Todavia, dois países são tomados como exemplos de ineficiência e de risco

iminente de falência dos sistemas públicos de aposentadorias: a Zâmbia na qual as

contribuições devem ser investidas exclusivamente em obrigações do Estado e que

teve no ano de 1988, mais da metade das contribuições usadas para cobrir gastos

administrativos; e na Venezuela96, país no qual as aposentadorias do regime público

foram rebaixadas em cerca de 60% em razão da inflação, no curso dos anos oitenta,

do século XX. Tais evidências comporiam para a agência do capital, o quadro de

insegurança que o sistema de previdência traria à vida dos idosos em particular, e à

ordem social em geral, nas próximas décadas do século XXI.

3. no favorecimento dos sistemas públicos em favor dos ricos e em detrimento dos

pobres: para o Banco Mundial, como a aposentadoria não está ligada à esperança de

vida, a solidariedade intergeracional tem efeito inverso: dos casados para os

solteiros e das famílias com menor salário para as famílias com maior salários.

Razão porque as políticas previdenciárias por repartição expressam e consolidam a

desigualdade social. A situação de privilégio aos ‘ricos’ posta por regimes de

repartição é comum aos países da América Latina, da Europa Oriental, e até da

anterior União Soviética que, pela ameaça de não terem recursos para os programas

formais de seguridade aos idosos, demandam reavaliar as políticas de aposentadoria

em vigência nestes locais. Reconhecer a existência na América Latina de um largo

setor informal com incidência sobre a aposentadoria faz o Banco Mundial concluir

que esta situação reflete - em parte - os esforços dos trabalhadores e empregadores

96 Certamente, após a chegada de Chavez à presidência da Venezuela, o Banco Mundial foi compelido a alterar seus diagnósticos que, cumpre notar, até então tinham sido implementados por governos francamente favoráveis as propostas da agência. Por óbvio, também não contava que a população pudesse escolher outro caminho para seu futuro e o de suas aposentadorias.

110

para fugirem do elevado custo da força de trabalho. Os valores elevados da força de

trabalho no país decorrem das altas taxas salariais97, das liberais provisões de

aposentadorias adiantadas e dos generosos benefícios que têm requerido elevadas

taxas de contribuições que, por fim para o Banco, conduzem à difundida evasão.

A compreensão da agência estimula os conflitos entre gerações ao difundir que os

aposentados (muitos deles ricos) ganham aposentadorias públicas e os jovens

trabalhadores (muitos deles pobres) pagam altas taxas de contribuição para financiar

os benefícios previdenciários. Divulga também que estes mesmos jovens, talvez

sequer possam ter aposentadorias quando chegar o seu momento de se retirar do

trabalho. Estes arranjos da seguridade social podem, progressivamente,

desanimarem o trabalho e produzirem montantes de capitais que acabam por

contribuir com a estagnação da economia. A previdência assim posta como na

caracterização da agência do grande capital, responsabiliza as aposentadorias e os

aposentados como responsáveis pelos problemas na economia. Para além de uma tal

e já suficientemente despolitização da economia, de modo grave, aprofunda-se a

ideologia da desresponsabilização dos jovens pelos idosos e aprofunda-se o

individualismo no qual a solidariedade social do cuidado com os idosos deixa de ser

um valor aceitável.

As características gerais das reformas, embora permeáveis à variações, em razão das lutas

de classe presentes em cada país, a partir de então, priorizam98: redução dos valores das

aposentadorias públicas obrigatórias, aumento das exigências (idade e tempo de

contribuição mínimos) para acesso ao direito, contribuição obrigatória, sistema de

capitalização e previdência complementar.

97 Textos do professor Marcio Pochman (1998 e 1998a), da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP-SP), apresentam minuciosos e comparativos estudos sobre os valores da força de trabalho na OCDE e as compara com as políticas de emprego e com seus custos no Brasil. Seu argumento, centralmente presta-se à dismistificação do ‘elevado custo Brasil’ tão reivindicado pelo capital em nosso país. 98: Para melhorar a sustentabilidade da previdência pública nas dimensões financeira, de equidade e de eficiência. Textualmente: “Aumentar a idade de aposentadoria e reduzir as oportunidades e incentivos aos novos aposentados; rebaixar os percentuais de relação entre as aposentadorias e os salários nos casos em que a relação for muito generosa; substituir a fórmula de benefício definido, por benefícios médios ou por uma aposentadoria mínima, básica e universal; amarrar os salários ganhos aos benefícios das aposentadorias; reduzir as taxas de contribuição, mas elevar as taxas para o teto salarial; eliminar as aplicações de reservas de aposentadorias que são remuneradas a taxas invariáveis abaixo das taxas de juros do mercado; indexar as aposentadorias à inflação ou ao crescimento salarial”.(BM;1994:160/1).

111

Na direção do aumento da idade, as contra-reformas de 1998 e de 2003 no Brasil

seguiram à risca as recomendações do Banco Mundial que, para acesso ao direito à

aposentadoria, prescreve:

“Elevar a idade de aposentar-se – regularmente, com o aumento da

longevidade – é, provavelmente, a reforma mais importante para melhorar os

aspectos financeiros do sistema de previdência pública. (...) Em razão da

permissão de aposentadorias antecipadas em muitos sistemas públicos de

previdência, são agora pagos benefícios generosos aos trabalhadores de

média idade e por isto, pode-se não ter recursos para continuar a pagar os

pensionistas que se tornam mais velhos e para os novos trabalhadores quando

se aposentem. Quando o Chile enfrentou este problema há quinze anos, a

idade de aposentadoria no pilar público foi drasticamente elevada. Esta

medida foi tomada bem antes de introduzir–se o sistema de múltiplos pilares. A

Argentina também elevou a exigência de idade para a aposentadoria ao

mesmo tempo que introduziu outras medidas importantes em 1994. Os

benefícios devem ser reduzidos em uma base atualmente justa para as pessoas

que se aposentem cedo, enquanto as pessoas que continuam a trabalhar depois

da idade normal para alcançar a aposentadoria, deveriam receber aumentos

justos nos benefícios”. 99(BM; 1994: 147 - grifos adicionados)

A priorização de tais medidas levou a uma redução dos direitos do trabalhadores e, no mais

da vezes, os patamares de direitos retrogradaram aos primórdios da luta e organização das

classes nos diferentes países, quando as responsabilidades pelo destino da força de trabalho

era quase sempre um ato individual. O resultado das reformas possibilitaram, e este foi o

objetivo central, um enorme crescimento da procura por ‘previdência privada’. A

99 Sobre os incentivos para a permanência no cargo para os servidores públicos após o cumprimento da exigências para a aposentadoria, diz a Constituição Federal contra-reformada pelo governo Lula da Silva, em 2003, no Artigo 40, § 19: “O servidor de que trata este artigo que tenha completado as exigências para a aposentadoria voluntária estabelecidas no § 1º, III, a, e que opte por permanecer em atividade fará jus a um abono de permanência equivalente ao valor da sua contribuição previdenciária até completar as exigências para aposentadoria compulsória contidas nos § 1º, II”. (Constituição da República Federativa do Brasil; 2006:50).

112

desproteção resultante destas medidas, a regressão no direito aos produtos do trabalho pelos

trabalhadores nos permitem nominar as reformas como contra-reformas.100

Para responder ao seu diagnóstico, o Banco Mundial (1994:15) elaborou um modelo

conhecido por ‘teoria dos três pilares’, sintetizado no desenho a seguir apresentado:

A previdência que na concepção do banco corresponderia ao ‘primeiro pilar’ é uma política

social, gerida pelo Estado, de caráter obrigatório e que deveria assegurar uma aposentadoria

100 Ver: Davidson (1991). Sou grata ao professor e filósofo Romero Venâncio, por sua orientação na compreensão deste conceito, bem como pela indicação de bibliografia pertinente. O termo "contra-reforma" é uma invenção de uma certa tradição de historiadores no sentido de dar conta da posição e das ações da igreja católica nos séculos XVI e XVII em resposta à Reforma Protestante, cuja tese básica era: a "contra-reforma" começara com uma reação a Lutero e sua posição em relação às indulgências e estendera-se até a "Paz de Vestfália" de 1648. O termo "contra-reforma" ganhou fama por explicar os mecanismos utilizados pela Igreja Católica a partir de 1517 e todas as transformações vividas pela tradição católica. Parece correto afirmar que a igreja faz uma grande reforma para continuar centralizada e autoritária já que aumentava o domínio do papado e do clero. Ademais, sob a batuta da recém criada na época, Companhia de Jesus (os jesuítas), ela reforça a doutrina e os dogmas que desembocam no famoso Concilio de Trento – o ápice da "contra-reforma". Assim, a igreja ao ter necessidade de reformar-se, "contra-reformou-se". O conceito de "contra-reforma" originalmente forjado para explicar uma situação sócio-política da Igreja Católica e de outras similares estruturas milenares, sustenta-se em que as supostas reformas, no fundo, têm caráter de contrarrestar as pretendidas reformas. A "contra-reforma" posta em curso pela Igreja Católica foi tão poderosa que somente no século XX, com o Concilio Vaticano II, a Igreja Católica absorveu minimamente ‘um novo e insuficiente ar de modernidade’.

113

mínima para estabelecer uma segurança contra a pobreza na velhice. Este ‘pilar’, todavia,

comparado ao sistema de previdência brasileiro aproxima-se muito mais das políticas de

‘garantia de renda mínima’ do tipo benefício de prestação continuada, aos não possuidores

do direito à aposentadorias por não terem formalmente comprovado tempo de contribuição.

Pode-se entende-lo também como o sistema por repartição mas com tetos e valores

firmemente demarcados para que as aposentadorias não alcancem valores considerados

elevados. Claro, a generosidade dos tetos previdenciários, depende dos patamares

civilizatórios101 conquistados pela classe trabalhadora em cada período histórico e em cada

país.

O ‘segundo pilar’ também é de caráter obrigatório, baseia-se em planos de ‘poupança’ de

caráter profissional (vale dizer, ligado ao contrato de trabalho, o fundo de

pensão/previdência complementar fechada) ou individual (não ligado ao posto de trabalho,

é a previdência complementar aberta). Diferente do primeiro pilar, neste a gestão deverá ser

privada e o sistema de aposentadorias por capitalização.

O ‘terceiro pilar’ é o denominado ‘voluntário’ ou ‘pessoal’. Funciona por capitalização e é

oferecido por empresas de previdência complementar aberta, como os bancos e as

seguradoras. É individual e não está, por isto vinculado a qualquer relação de trabalho ou

de direitos corporativos.

Tal sistema de aposentadorias fundado sobre diversos pilares dentre os quais o primeiro,

por repartição, destinado à força de trabalho com menores rendimentos e na fração de

classe a mais pauperizada da estrutura social. Os dois outros, por capitalização, reservam-se

aos rendimentos salariais médios e superiores. (Brunhoff; 2000).

Lido à luz da crítica, uma conclusão é quase clarividente, as reformas serão – porque terão

de ser! - alçadas à condição de imperiosas necessidades, destinos, forças naturais contra as

quais não é possível contender.

Os três pilares são analisados em capítulos especialmente dedicados ao aprofundamento de

cada uma das formas de previdência. Após o estudo de cada um dos ‘pilares’, o capítulo de

número sete dedica-se a apresentação da estrutura previdenciária pautada nos ‘múltiplos

pilares’.

101 Para conhecer o projeto do capital para a previdência pública no Brasil, para o Banco Mundial o primeiro pilar, ver especialmente a crítica de Mota, no item “As propostas do grande capital”. (1995:193 e ss).

114

Além de exame mais detido sobre o capítulo quatro do relatório do Banco Mundial de 1994

– o de análise da previdência pública – por suas intrínsecas relações com as contra-reformas

previdenciárias realizadas e as que igualmente ameaçam os trabalhadores no futuro, nosso

ponto de partida para o debate com os demais ‘pilares’, será o capítulo da previdência

pública102.

O capítulo de número quatro inicia-se com um importante reconhecimento: os sistemas

públicos de previdência – obrigatórios, públicos, de benefício definido, por repartição –

possuem uma potencialidade única para redistribuir renda aos pobres. Esta é sua grande

vantagem sobre os outros arranjos de financiamento da seguridade social aos idosos.

(WB;1994:101).

Se tal consideração do Banco Mundial como agência do grande capital importa para a luta

dos trabalhadores contra as reformas que o capital impõe e para desvendar o caráter não

previdenciário das demais propostas de ‘previdência’ difundidas pelo banco, linhas abaixo,

apresenta-se a crítica que atravessa todo o texto. Para a agência, o potencial

‘redistribucionista’ tem sido usado, às vezes, mais para beneficiar:

a) aos ricos do que aos pobres103.

b) aos trabalhadores de ‘colarinho branco ou azul’ do que aos idosos pobres;

c) aos trabalhadores urbanos do que aos rurais;

d) aos idosos do que às crianças;

e) aos idosos do que aos jovens;

f) à previdência do que à infra-estrutura;

h) à previdência do que à saúde e à educação;

102 A metodologia de apresentação utilizada no documento do Banco Mundial de 1994, consiste em dedicar a cada um dos ‘pilares’ um capítulo. Assim, temos: para as Aposentadorias Públicas, o capítulo 4 (Public Pension Plans); para os Planos de Aposentadorias de Empresas/Previdência Complementar Fechada, o capítulo 5 (Occupational Pension Plans); e para os Planos de Previdência Aberta/’Pessoais ou Voluntárias’, o capítulo 6 (Personal Savings Plans-Becoming Mandatory?);à Associação de Múltiplos Pilares, o capítulo 7 (Putting the Pillars Together). Da totalidade dos capítulos do documento de 1994, chama atenção o espaço dedicado aos sistemas de aposentadorias públicas; suas sessenta e duas páginas totalizam mais do que o dobro de páginas da maioria dos capítulos que o integram. As traduções do inglês são de nossa responsabilidade. Para facilitar a difusão do texto original, sempre que preciso citá-lo o faremos na língua portuguesa, mas remeteremos à página do documento na língua inglesa. 103 Para as letras, respectivamente, ver as seguintes páginas do documento de 1994: a) (101, 108, 127, 131, 133, 134); b) (130, 135); c) (141); d) (132); e) (112, 134; 137, 141); f) (125, 143); h) (120, 125).

115

Assim, a objeção do Banco Mundial às políticas de previdência social são todos

construídos na reivindicação de ‘igualdade social’ e na supressão da ‘desigualdade’. Tal

desigualdade não é a resultante da existência de classes sociais com interesses antagônicos,

mas aquela diluída no senso comum dos conceitos de algibeira dos ricos versus pobres,

idosos versus jovens, idosos versus crianças, previdência versus saúde, previdência versus

infra-estrutura da previdência versus educação, como se as contradições sociais pudessem

ser resumidas no âmbito mesmo dos problemas postos nestas oposições binárias. Pode-se

depreender da leitura do relatório, quem são os ricos para o banco, são os assalariados

melhor alocados no mercado de trabalho, quase sempre mas não exclusivamente, os

trabalhadores do Estado e nunca os proprietários dos meios de produção.

A eficácia do relatório no capítulo em análise está em difundir – e convencer! - a ideologia

de que há muito privilégio a ser combatido no interior mesmo da força de trabalho. Uma

leitura desavisada certamente pode supor que a defesa central efetivada no texto é a da

previdência social com ardente combate aos injustos usurpadores desta política social que,

acabamos por entender são os próprios idosos. Ardilosa e sutilmente, impinge-se a

necessidade máxima aos governos: reformar para diminuir a previdência social ao

proclamar-se a sua defesa. O relatório, mais do que técnico – como reclama-se – é político-

ideológico porque manifestação de uma necessidade de classe – a burguesia - elevada à

condição sócio-histórica do próprio ser social. Veja-se a passagem na qual se justifica o

individualismo do cuidado exclusivo de si, pelo evocar de um tempo passado – e bom! –

que já não mais existe.

“Os sistemas informais de seguridade da terceira idade nos quais as contribuições e os benefícios são compartilhados pela família, evitam a interrupção da relação com o sistema e a manipulação estratégica, pela observação próxima de membros da família e de pressões sociais fortes para cooperação (capítulo 2). Mas, em sistemas formais estas aprovações sociais e a monitoração mútua escasseiam; então, as pessoas devem explorar o próprio sistema. A evasão e a manipulação estratégica aumentam a taxa de dependência e impossibilitam a opção de levantar os rendimentos que impulsionam a taxa de contribuição; desse modo, a viabilidade financeira é fragilizada. O sistema de aposentadoria deve fechar-se para estas oportunidades e selecionar os incentivos certos. Os impostos para o plano de aposentadoria pública devem ser mantidos tão baixos quanto possível e parte da responsabilidade para a sustentação da terceira idade deve ser deslocada para um segundo plano obrigatório – como um plano de contribuição definida – do qual os trabalhadores tenham menos razão para evadirem-se porque os

116

benefícios dependem diretamente das contribuições e os custos da evasão são de responsabilidade do indivíduo envolvido, mais diretamente do que o resto da sociedade. (WB;1994: 148)

É ideológico porque pretende oferecer uma saída aos problemas da acumulação capitalista

sem dizê-lo; mais do que isto, porque constrói – com esquemas pífios e limitados como o é

a ‘teoria dos três pilares’ argumentos que, simultaneamente, centralizam em torno de um

problema inexistente e apresentam a solução como se estivessem a tratar verdadeiramente

da previdência quando estão em busca de ‘soluções’ para a sempre recolocada ‘crise’104 do

modo de produção capitalista. Neste jogo de ocultar e iludir, o sucesso somente será

atingido se os trabalhadores forem convencidos de que o melhor para suas vidas é a busca

de soluções individuais.

Os países industrializados são avaliados pela crise que o envelhecimento demográfico tem

provocado, visível no grande número de idosos, na diminuição das taxas de mortalidade,

no declínio da natalidade em razão dos progressos da medicina.

As conquistas de longevidade que deveriam ser celebradas – conforme nos lembra

Hobsbawn (1995:504 e ss) a elevação da expectativa de vida na maioria dos quadrantes do

planeta mais do que dobrou ao longo do século XX e isto é um claro indicador do domínio

da natureza pelo homem – e tomadas como parâmetro de humanização e não pode sequer

ser aceitável que a discussão do envelhecimento seja posta nestes termos quando este é um

feito civilizador infinitamente superior a outras decantadas conquistas dos homens. Em face

dos diagnósticos do Banco Mundial, argumenta Nikonoff (2000), em sociedades

normalmente humanas escolhas por proteção social não devem ser questionados por serem

princípios. “(...) deve-se pagar mesmo que o custo seja ‘insustentável’. Qual seria

alternativa? Não cuidar e deixar morrer para não ter de pagar?” (2000; 22), indaga.

Aos países em ‘desenvolvimento e em transição’, a crítica reside em atacar o suposto

‘entusiasmo’ com que os planos de aposentadorias públicas foram implantados já que,

comparados aos países ‘industriais’, os valores das aposentadorias nos primeiros

alcançariam percentuais do PIB mais elevados do que nos segundos. Resulta que “muitos

104 Conforme Netto (1992) e Baran e Sweezy (1974).

117

países em desenvolvimento e em transição’ podem não ter recursos por muito tempo para

sustentar seus arranjos previdenciários”105 (WB;1994:107)

Cumpre notar que, para o banco, independe de serem os países ‘desenvolvidos ou

industriais’ ou em ‘desenvolvimento ou em transição’ o diagnóstico da falência dos

sistemas públicos de aposentadorias é extensivo a todos e o que muda é determinação para

o colapso dos sistemas: nos países de economias do primeiro tipo a razão é o

envelhecimento demográfico e nas economias dos países classificados do segundo modo, é

a generosidade dos sistemas a razão de sua ‘insolvência’.

Na leitura do banco, a aguda crise dos sistemas de aposentadorias públicas contribuiu para

a generalizada crise fiscal perceptível no mundo todo. São duas as ordens de razões que a

agencia imputa às aposentadorias públicas na formação da crise fiscal dos Estados:

1) – Os déficits de recursos para o suprimento da aposentadorias públicas que os

Tesouros acabam por cobrir;

2) – A absorção de grandes recursos do Tesouro pela previdência pública provoca a

escassez de recursos para o provimento de outras políticas sociais e ‘bens públicos’.

Veja-se na letra do próprio banco, o risco e a relação entre os itens um e dois:

“Nos países com populações mais velhas e sistemas maduros, os fundos de aposentadorias públicos podem reduzir a provisão de bens públicos importantes, porque seus déficits são cobertos pelo tesouro geral. Na maioria de países da OCDE, em países latino-americanos mais velhos e em economias socialistas em transição, os pagamentos de aposentadorias são o maior item nos orçamentos consolidados dos governos. A maioria destes planos começaram como esquemas contributivos de suporte próprio que funcionaram com grandes reservas, mas estes excessos foram logo dissipados.(...) grandes déficits tornaram-se comuns. Em 1990 o Uruguai havia gasto um terço do consolidado orçamento do governo na seguridade dos idosos, incluindo 10% dos rendimentos gerais que cobriram 27% de todos os pagamentos de aposentadoria (Szalchman e Uthoff; 1992). A Itália gasta 37% de seu orçamento total do governo em aposentadorias (dados da OCDE). E na Turquia, atuais déficits de aposentadorias são quase 2% do PIB (Banco Mundial; 1993)”.(in WB; 1994:128/9)

Mais além das despesas enormes das aposentadorias públicas e da limitação à expansão de

bens públicos, notadamente em políticas sociais como a educação e saúde, a previdência

105 Tal preocupação, isto é a de não ter recursos para ‘honrar’ as aposentadorias públicas, foi o principal mote explorado pela grande mídia no momento de realização da contra-reforma da previdência do governo Lula da

118

pública é, inequivocamente, relacionada à crise fiscal dos Estados, outro importante mote

do combate aos direitos do mundo do trabalho operado pelas agências do grande capital.

Explica-se:

“Estas despesas elevadas em aposentadorias públicas contribuíram para o crescimento das crises fiscais em muitos países. Com rendimentos de imposto limitados pela economia e por considerações políticas, países com grandes obrigações de aposentadoria encontram dificuldade para financiar bens públicos no crescimento, tais como a educação, a infra-estrutura, e os serviços de saúde. Pode parecer que os países devem usar o financiamento parcial do pilar público nos próximos anos para construir reservas para pagar o débito das aposentadorias em alguns anos mais tarde. Mas, o perigo é que estas reservas podem fazer coisas piores, porque podem forçar os governos a gastar mais – e gastar isto no consumo mais do que no investimento, ao dissipar as reservas com as taxas de juros real negativas. Os fundos não estariam lá quando necessários e induziriam a um desperdício da despesa pública”. (WB; 1994: 129 – grifos adicionados).

Linhas abaixo, no entanto, parece-nos que o debate sobre a aplicação dos recursos do fundo

público ganha contornos mais visíveis de como, para o banco, deve ser o uso dos recursos

dos Estados: está em causa dispor o recurso para o capital, se produtivo ou especulativo (as

emissões de títulos públicos), é uma questão a ser debatida por variados analistas. De todo

modo - na construção de argumentos de um relatório que mais oculta do que mostra, e não

poderia ser diferente! - não parece mover o banco a generosa e nobre causa de atender –

diante de uma suposta parcimônia de recursos estatais – variadas políticas sociais. O gasto

social e até mesmo a manipulação dos recursos das aposentadorias investidos em títulos

públicos com remunerações de taxas de juros baixas pelo Estado é objeto da contenda:

quais as frações do capital poderão se apropriar desta monumental soma de recursos gerada

pelos trabalhadores no sistema público de aposentadorias? É disto que se trata e não de

crise fiscal, de ausência de recursos para as aposentadorias públicas, mas, ao contrário, de

disponibilizar estes recursos ao grande capital

“Com as reservas de aposentadoria pública requeridas para serem investidas em títulos do Estado com taxas de juros baixas, alguns analistas discutem que isto incentiva uma tendência governamental para finanças deficitárias, absorvendo a poupança que estaria de outra maneira disponível para o investimento privado produtivo. Outros discutem que estas reservas compram

Silva em 2003. Revistas como Veja, Istoé e Época com alguma freqüência tiveram capas com crianças de róseas faces acompanhadas da indagação preocupada dos pais e do país com a garantia de seus futuros.

119

simplesmente os títulos do governo que pessoas econômicas privadas de outra maneira comprariam. Neste caso, uma taxa de juros baixa implica um imposto oculto aos trabalhadores, mas não desanima o investimento privado”.(Banco Mundial; 1994:129).

Do longo capítulo dedicado às aposentadorias públicas, duas notações guardam

importância para a discussão da previdência pública no Brasil. A primeira diz respeito ao

firme questionamento às aposentadorias por ‘invalidez’; a segunda ao destaque dado ao

sistema previdenciário público brasileiro como exemplo de privilégios e ineficiências.

O documento do Banco Mundial de 1994 possui uma seção na qual são discutidas as

escolhas políticas que se constituem problemas para as aposentadorias públicas. Porque já

mencionamos as demais e também e especialmente porque a aposentadoria por ‘invalidez’

e o ‘auxílio-saúde’ serem os direitos previdenciários mais atacados pelo governo, mídia e

representantes do capital, pareceu-nos oportuno mencionar as coincidências existentes nas

análises abaixo pontuadas.

“Em muitos países as fáceis condições para alcançar os benefícios de inabilidade foram uma das rotas principais para a aposentadoria adiantada. Nos Países Baixos, 20% de todos os aposentados o são por incapacidade e na Hungria, 27%. Tal situação aumenta a taxa de dependência e, porque os benefícios de invalidez são relativamente generosos, a taxa de contribuição requerida é muito alta. Enquanto a idade de aposentadoria normal é aumentada um número maior de pessoas contribuirá com os benefícios de inabilidade e assim serão deslocados parte do ganho das mais altas idades de aposentadoria para os benefícios de invalidez. Os benefícios de invalidez devem ser concedidos aos que são verdadeiramente inábeis; sua concessão não pode ser usada para disfarçar o desemprego ou a aposentadoria adiantada pelos que podem trabalhar; conseqüentemente, a aplicação cuidadosa dos critérios de inabilidade é necessária. Para impedir o abuso dos trabalhadores saudáveis, alguns países contratam pessoas verdadeiramente inabilitadas para os quadros de revisão de aplicações dos benefícios de inabilidade”. (147).

O jornal a Folha de São Paulo, do dia 03 de abril de 2005106, noticiou: Novas regras para o

auxílio-doença estão em vigor pela Medida Provisória nº 242 de 28 de março de 2005.

Atualmente o tempo de carência para a concessão do benefício é de 12 meses de

106 Folha de São Paulo, 03 de abril de 2005. Regras para o auxílio-doença estão em vigor. Da Reportagem Local. São Paulo. 2005.

120

contribuição, mas para os trabalhadores que tenham perdido a ‘qualidade de segurados’ por

terem deixado de contribuir por algum tempo; a eles, pela legislação alterada pela MP 242,

bastaria voltar a contribuir por quatro meses para readquirirem o direito ao auxílio-doença.

Pela Medida Provisória do governo Lula da Silva, os trabalhadores que tenham

interrompido a contribuição à Previdência Social – em razão de desemprego, por exemplo –

precisarão contribuir por 12 meses seguidos para alcançarem o direito. A razão para a

empedernida providência deve-se, na avaliação do mesmo governo, a um aumento

inexplicável do número de benefícios relacionados à doença e invalidez da força de

trabalho brasileira107.

Para autoridades governamentais, como o então Ministro da Fazenda Antonio Palocci, não

há nada que explique a elevação do número de benefícios auxílio-doença e de

aposentadorias por invalidez, matéria da Medida Provisória 242. Segundo o Ministro, "Na

minha pequena experiência médica, não me ocorre que nós tenhamos tido uma mudança

no perfil da população que justificasse esse aumento", disse em tom irônico.”108

A declaração o ex-Ministro da Fazenda deu-a ao diário quando de sua participação, junto

com o ex-Ministro da Previdência e Assistência Social Romero Jucá, em solenidade do

Programa de Modernização da Gestão da Previdência.

Três meses após estas mudanças o governo Lula da Silva, fechou acordo com o Banco

Mundial em torno de um empréstimo de 658 milhões de dólares para implementar reformas

na previdência109, conforme noticiou a Folha de São Paulo, em 03 de junho de 2005:

107 Em relatório específico para a previdência social brasileira do ano de 2000, estudado com maior vagar, na última seção deste capítulo, o Banco Mundial recomenda: “As vantagens fiscais e de eficiência da mudança na fórmula de benefício do programa de aposentadoria por tempo de serviço depende essencialmente da capacidade administrativa do governo, para evitar vazamentos para outros programas, especialmente de aposentadoria por incapacitação e por idade”. (BM;2000: XXXI). 108 Folha Online - Dinheiro - Governo lança pacote de medidas para reduzir déficit da Previdência - 24/03/2005. Folha de São Paulo. São Paulo.2005. 109 Certamente mais do que coincidência existiu entre a liberação do empréstimo do Banco Mundial ao governo brasileiro em junho de 2005 e as medidas anteriormente implementadas com o fito de ‘modernizar’ a previdência. Conforme noticiou, em 24/03/2005, a Folha Online - Dinheiro - Entenda as medidas anunciadas para reduzir o déficit da Previdência.

“O governo federal lançou hoje um pacote de medidas para reduzir o déficit da Previdência Social. Foram divulgadas as metas do programa, as principais medidas e quais serão colocadas em prática de imediato. Confira quais são elas: 1 – Objetivos:- Reduzir o déficit da Previdência Social para R$ 32 bilhões neste ano e R$ 24 bilhões em 2006. Essa redução é em relação à projeção do Orçamento, de R$ 37,8 bilhões. - Melhorar o atendimento prestado à população. - Combater fraudes e sonegação.

121

“PREVIDÊNCIA - Bird empresta US$ 658 mi para reformas A diretoria executiva do Bird (Banco Mundial) aprovou ontem a liberação de empréstimo de US$ 658,3 milhões a título de apoio às reformas que reduzam gastos com Previdência Social no Brasil e estimulem fundos de previdência privada”.(FSP;2005) .

Ao mesmo tempo em que os governos brasileiros repetem-se na implementação de

medidas cada vez mais restritivas aos direitos dos trabalhadores, a força de trabalho já

aposentada une-se aos trabalhadores em atividade e juntos lutam contra mais esta medida

prescrita pela agência do grande capital.

Segundo a Folha de São Paulo

“O Sindicato Nacional dos Aposentados da Força Sindical marcaram um protesto para terça-feira em frente ao posto do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) do Glicério, na região central da cidade. O protesto é contra a medida provisória 242, que altera as regras para concessão de auxílio-doença, auxílio-acidente, aposentadoria por invalidez e salário-maternidade”. (Folha Online; 15/04/2005).110

Todavia, embora pareça ao ex-ministro-médico não ter havido alterações nas condições de

trabalho que justifiquem o aumento do adoecimento da força de trabalho brasileira, os

dados da própria previdência social, registram o contrário já que no ano de 2004, o número

de acidentes de trabalho foi o maior dos últimos cinco anos. Naquele ano notificaram-se

mais de 458 mil casos, quando 137 trabalhadores em cada 10.000 sofreram algum tipo de

acidente, durante o horário de trabalho ou no transporte de deslocamento para o trabalho ou

2 - Linhas gerais do programa: - Aumentar a arrecadação por meio da recuperação de créditos - ações administrativas e judiciais-, do combate às fraudes e da melhora da gestão dos recursos do ministério. As metas passarão por controle e supervisão do ministério. 3 - Medidas de implementação imediata: - Auxílio-doença: o trabalhador deverá ter no mínimo 12 meses de contribuição à Previdência para requerer o auxílio-doença -benefício recebido pelo trabalhador quando afastado por problemas de saúde. Hoje há um dispositivo na legislação que permite que o prazo caia para quatro meses quando trabalhador já contribuiu, em períodos anteriores, à Previdência. O valor do benefício será calculado tendo como base as contribuições previdenciárias dos últimos 36 meses e ficará limitado à atual remuneração do trabalhador na ativa. - Extinção do prazo de dez anos que a Previdência tem para suspender um benefício irregular. 4 - Medidas que serão instaladas brevemente: - Monitoramento dos grandes contribuintes. - Criação da Secretaria da Receita do Brasil, que irá integrar a atuação da Secretaria de Receita da Previdência com a Receita Federal. - Modernização dos sistemas de tecnologia da informação. - Cruzamento dos cadastrados da base de dados da Previdência (CNIS) com os demais cadastros públicos (Caged, seguro-desemprego, RAIS, Receita Federal, SUS, Siape). - Redução dos gastos do ministério, como gastos com viagens”.(FSP; 2005).

110 Fabiana Futema, da Folha Online - Dinheiro -: Aposentados vão a posto do INSS protestar contra MP do auxílio-doença. 15/04/2005 - 19h00.

122

na volta dele. Ademais, são estarrecedores os dados da Secretaria Estadual de Saúde de São

Paulo, de que morre um trabalhador a cada hora e meia naquele Estado111.

Por fim, do capítulo dedicado aos sistemas de previdência pública no documento de 1994,

cumpre notar: o sistema público de previdência brasileiro é o único que mereceu

considerações mais demoradas da parte do Banco Mundial - ainda que outros países

também tenham sofrido pesadas críticas referentes aos seus sistemas públicos de

aposentadorias – tomado que foi como exemplo de sistema público previdenciário que

carece ser reformado.

Às páginas 150 e 151 do relatório iniciam-se com recomendações do que os Estados não

devem fazer, leia-se:

“Muitos países têm se encontrado em sérias dificuldades financeiras pela a utilização de escolhas erradas sobre fórmulas de benefício relacionados aos salários. Estas escolhas erradas trazem benefícios generosos e insustentáveis que vão, desproporcionalmente, para trabalhadores de alta renda. Elas também encorajam a evasão, a manipulação estratégica, e a aposentadoria adiantada; os governos freqüentemente escapam destas obrigações pela não indexação dos benefícios na inflação”.(BM;1994: 151).

Tais escolhas erradas no sistema de previdência pública no qual os benefícios das

aposentadorias relacionam-se aos salários, introduzem o estudo do caso brasileiro,

denominado em subitem: O problema no Brasil. O problema no Brasil é, por óbvio, a

previdência social, por sua vez apresentada a partir de sete pontos críticos e de uma

solução.

Os problemas são assim enunciados: elevados encargos de restituição sobre os salários;

somente os salários dos últimos anos entram no cálculo da base da aposentadoria; poucos

anos de contribuição asseguram a integralidade do benefício; aposentadorias antecipadas;

taxas de contribuição altas; indexação incompleta; evasão.

A solução proposta já nos é largamente conhecida no país por intermédio de duas contra-

reformas previdenciárias e numerosas outras alterações no sistema previdenciário público

que, diuturno, os governos desencadeiam. Entretanto, importa a letra do documento:

111 Para a conferência dos dados e o aprofundamento da informações acima, ver os sítios: www.cecac.org.br e http://www.previdenciasocial.gov.br/AEPS2004/docs/4c30_01.xls .

123

“A Solução. O Brasil, assim como outros países em desenvolvimento, tem deixado a inflação sem nenhuma indexação para que ela faça o trabalho dos cortes dos benefícios reais que poderia não ser mais explicitamente devido aos obstáculos políticos. Isto é ineficiente porque criou incertezas nos trabalhadores – e inigualáveis porque estes efeitos são caprichosos e não preditos. Uma maneira melhor poderia ser prometer encargos mais baixos, reduzir a concessão de aposentadoria adiantada, dividir com uma constante ou aumentar as taxas de estrutura atuais, usar um longo período de medidas para a base salarial e indexar o resultado da aposentadoria aos salários, aos preço, ou a uma combinação dos dois. Estas reformas iriam cortar os custos pela metade depois que fossem completamente implementadas. Uma aproximação mais radical iria introduzir uma reforma similar para este sistema como os recentemente adotados por muitos países da América Latina – que diminuíram o pilar público, aplainaram os benefícios e os suplementaram com um plano de contribuição definida em um pilar controlado privadamente”.(WB;1994: 151).

Como o diagnóstico do Banco Mundial estrutura-se, inteiramente, na afirmação de que os

sistemas de previdência pública estão insolventes ou próximo desta irremediável situação, o

eixo do documento é a apresentação dos ‘múltiplos pilares’ como solução aos ‘problemas

previdenciários’. Tal discussão leva-se a cabo no capítulo sete, intitulado Associação de

múltiplos pilares”.

Este capítulo simultaneamente realiza uma síntese das críticas que o documento elencou ao

longos de suas páginas e apresenta o modelo propugnado e referenciado pelo Banco

Mundial. Seu início esclarece, mais do que nas páginas anteriores, a ‘estranha combinação’

que o banco defende como previdência à força de trabalho que cessou a atividade laboral.

“Toda estratégia deveria ter os objetivos básicos de assistência aos idosos e de auxílio a uma economia mais ampla. Isto é, programas da terceira idade deveriam ser tanto redes sociais de segurança como também instrumentos de crescimento”. (WB;1994:233).

No modo de produção capitalista a privação de consumo da força de trabalho no tempo

presente deve servir como instrumento de crescimento econômico, no mais das vezes

contrários aos interesses de quem com suas energias vitais produz mesmo a riqueza e estas

reservas às custas da privação de melhores condições de vida e, muitas vezes, isto quer

dizer apenas um pouco mais de alimento diário.

Todavia, as reservas mensais que a força de trabalho guarda para os anos de interrupção da

atividade laboral, constituíram, ao longo do tempo, grossas quantidades de recursos que os

124

capitalistas e as estruturas estatais ambicionam transformar em capital. Para o documento,

os duplos objetivos da aposentadoria prestar-se-iam a:

• “Facilitar os esforços pessoais para deslocar parte da renda, oriunda dos anos de trabalho, para a velhice (função de poupança ou de restituição de salário). • Fornecer um piso básico de renda que proteja as pessoas com uma baixa renda durante sua vida ativa (função de redistribuição ou mitigação da pobreza) • Assegurar os idosos contra os muitos riscos de que são especialmente vulneráveis, incluindo o de invalidez, longevidade, inflação, política e investimento (função de seguro). E, deveriam ajudar à economia:

• Minimizar custos ocultos que impeçam o crescimento – tal como a redução do emprego, poupança reduzida, a má distribuição do capital e do trabalho, encargos fiscais pesados, despesas administrativas elevadas e a evasão.

• Ser sustentável - baseada no planejamento de longo prazo que examina as mudanças previstas em condições econômicas e demográficas

• Ser transparente de forma a permitir que trabalhadores, cidadãos e políticos de mercado façam escolhas informadas e sem manipulações políticas que conduzem a resultados econômicos insatisfatórios”. (WB;1994: 233 – grifos adicionados).

Parece-nos, tal qual a vida social tem demonstrado, que as funções previdenciárias além de

subordinadas são sub-produtos – ainda que inelimináveis por serem as aposentadorias a

razão do acúmulo de recursos - da formação de capital, ou, para o Banco Mundial, do

crescimento econômico. Dito de modo diverso, as aposentadorias transmutam-se de

arranjos construídos no processo de organização da classe trabalhadora para a sua própria

proteção contra a exaustão de suas forças nos processos de trabalho do modo de produção

capitalista, em recursos disponíveis ao capital para gerenciar as constantes crises

resultantes do processo de acumulação capitalista.

É dispensável grande agudeza de espírito para constatar-se: às funções previdenciárias

cabem organizar a poupança (atributo econômico), construir ações assistenciais para

abrandar a miséria entre os idosos e protegê-los dos ‘muitos riscos’ da vida atual, tal qual a

‘longevidade’ que, conforme constatamos anteriormente, não é pensada como uma vitória

da sociabilidade sobre a natureza, sequer como um feito do ser social que, pelo controle das

forças produtivas, pode ‘empurrar’, fazer recuar, as barreiras naturais e tornar a vida menos

dependente de circunstâncias naturais. A vocação previdenciária de garantia de proteção à

125

força de trabalho tornada inservível para e pelo capitalismo como conquista do próprio

trabalho organizado, foi reduzida a uma ação focalizada tão larga e suficiente apenas o

necessário para ‘mitigar a pobreza’. Para que o segundo objetivo tenha viabilidade, isto é

para que existam recursos disponíveis ao ‘crescimento econômico’ é imperativa a redução

da previdência às políticas assistenciais, entre nós alcunhadas, os ‘mínimos sociais’. Dito

de modo diverso, sem a degradação das políticas previdenciárias públicas não há espaço

para a utilização de tão vultuosos recursos pelo capital.

A crítica da economia política acumulou em mais de um século de produção material

suficiente para informar até os mais parciais defensores do modo de produção presente a

impossibilidade de a ‘economia capitalista’ submeter-se ao planejamento112. No entanto a

propaganda do grande capital posta em curso por uma de suas agências, o Banco

Mundial113, argumenta à exaustão a possibilidade de racional e cientificamente, criar um

mundo livre de surpresas econômicas – as crises – e demográficas – ‘o risco idoso’.

À aposentadoria organizada sob estes dois objetivos ver-se-ia autônoma e inalcançável por

‘manipulações políticas’ e aqui poderíamos indagar se as defesas dos interesses das classes

sociais – também estas miragens, por não mais existentes segundo o amplo consenso

político-acadêmico-ideológico, hoje em vigência – quando demandadas pelo trabalho

constituem-se execráveis ‘manipulações políticas’, mas se utilizadas de modo ‘imparcial’

como o faz o capital, elevam-se a soluções racionais e científicas, sustentadas em

dispensáveis aparatos gráficos e em tabelas repletas de cifras que somente convencem

aqueles já previamente em acordo com as idéias ali veiculadas.

Para combinar os diferentes atributos agora exigidos dos sistemas previdenciários, o Banco

Mundial sugere o asséptico ‘caminho do meio’ no qual nenhum modelo seja ‘dominante’,

já que as combinações assegurariam as múltiplas funções da previdência.

Embora, certamente longa114, a recorrência ao original pode ser de grande valia no

esclarecimento das ‘premissas’ dos ‘múltiplos pilares’, por exemplo, o item “A solução:

112 Baran e Sweezy; Mandel, e Netto,op. cit. 113 Para Atílio Boron (2002) há uma hierarquia forte nas decisões do capital mundial que supõe os governos e nações periféricas como os atores menos importantes da cadeia. Nesta hierarquia as agências do grande capital ocupam importantes posições. 114 Ademais de ser necessário o recurso à citações em um trabalho acadêmico, no caso do relatório de 1994 do Banco Mundial a necessidade é elevada a obrigação porque o documento é de difícil acesso já que não foi vertido a língua portuguesa. Nossa concepção de universidade pública compreende a produção e socialização do conhecimento na direção do que ensinou Florestan Fernandes, como saber militante - para além do

126

um sistema de múltiplos pilares” (WB;1994: 238/9), que abre a seção da qual

transcrevemos o texto a seguir:

“Para evitar estes problemas, que são inerentes aos esquemas de pilares únicos, este estudo recomenda separar a função de poupança da função redistributiva e colocá-los sob diferentes financiamentos e arranjos administrativos em dois pilares obrigatórios diferentes - um publicamente controlado e de taxa-financiada, e o outro privado e de financimento-consolidado - suplementado por um pilar voluntário para aqueles que querem mais. - O pilar público teria então o propósito limitado da redução da pobreza na terceira idade e de co-segurar contra múltiplos riscos. Apoiado pelo poder de taxação do governo, este pilar tem a capacidade única de pagar benefícios para pessoas que estão envelhecendo logo após a introdução do plano, de redistribuir a renda para os pobres, e de co-segurar contra longos períodos de baixos retornos de investimentos, recessão e falhas do mercado privado. Ter um objetivo não ambíguo e limitado para o pilar público deveria reduzir a taxa de impostos substancialmente – e, conseqüentemente, a evasão e trabalhos mal alocados – assim como as pressões pelos gastos excessivos e transferências incorretas entre gerações e dentro de uma mesma. - O segundo pilar obrigatório poderia ser de clientes de poupanças pessoais ou, em alguns casos, planos empresariais. O ponto importante é que ele deve

diletantismo, dos mercados editoriais fechados e dos restritos círculos acadêmicos - comprometido com a imensa maioria trabalhadora que sustenta esta estrutura e ao mesmo tempo padece de analfabetismo. Na reflexão de outro mestre a respeito da universidade e da educação em geral:

“A pré-condição subjetiva para tal desenvolvimento seria a defesa das convicções sociais revolucionárias adquiridas na universidade, e a recusa a qualquer integração gradual na sociedade burguesa; a pré-condição objetiva indispensável para uma militância profissional desse gênero é a participação em uma organização revolucionária, que une a teoria revolucionária à prática revolucionária. Pois a prática profissional revolucionária é, necessariamente, uma prática parcial. Só pode permanecer politicamente revolucionária se estiver envolta por uma prática revolucionária social global. É interessante estender essa análise a um segmento específico dos trabalhadores intelectualmente qualificados, a saber, àqueles dedicados à educação. De maneira geral, esse estrato não pode ser considerado como parte da força de trabalho produtiva, ainda que aumente o potencial da capacidade de trabalho social e individual – em outras palavras, mesmo que dê uma contribuição produtiva à formação de uma mercadoria específica, a da força de trabalho qualificada. Mas isso não altera o fato de que, objetivamente, os professores constituem uma parcela da classe dos assalariados e são capazes de sentir que pertencem a essa classe e de agir de acordo com isso. Se a crescente sindicalização e a participação cada vez maior nas lutas da totalidade da classe operária conduzirem a tal adesão subjetiva à causa do proletariado, também nesse caso a ‘prática profissional revolucionária’ poderá contribuir consideravelmente para o enfraquecimento da exploração e da opressão capitalistas. A educação a serviço do Estado burguês pode ser substituída pela educação crítica em relação à sociedade capitalista. Em lugar de serem treinados para serem súditos obedientes e assalariados disciplinados, dominados pela ideologia da realização individual, os jovens podem ser encorajados a pensar independentemente e a agir em termos de solidariedade coletiva. É evidente que uma prática dessa espécie pode conduzir a sérios conflitos com a classe dominante e não pode, a longo prazo, se reconciliar com o funcionamento normal da sociedade do capitalismo tardio.” (Mandel; 1982; pgs. 187/8).

127

ser inteiramente financiado e gerenciado privadamente, mas regulado publicamente, e deve aproximar os benefícios aos custos, porque ele realiza a função de renda – planejada ou poupada. Estas características devem permiti-lo evitar algumas das distorções e das manipulações para qual o pilar público é propenso, devem impulsionar a acumulação de capital e o desenvolvimento do mercado financeiro e ainda reduzir as pressões políticas de forma a expandir o pilar público. O crescimento econômico que ele induz, deve tornar mais fácil o financiamento do pilar público. - Os planos de empresas voluntárias e de poupanças pessoais seriam o terceiro pilar, fornecendo uma proteção adicional às pessoas que querem mais. Este sistema de múltiplos pilares deve ter redistribuições melhor focadas, economias mais produtivas e um custo social mais baixo. Além disso, atinge melhor o terceiro objetivo do programa de seguridade à terceira idade – o seguro – uma vez que ele reduz a exposição dos trabalhadores aos riscos políticos, de investimento e riscos específicos dos países. Em um sistema de pilar único, ao contrário, os trabalhadores estão pondo todos seus ovos em uma única cesta. Terão um sério problema se esta cesta - pública ou privada - quebrar. Porque alguns dos riscos dos próximos sessenta anos não são nem ao menos sonhados hoje em dia, a larga diversificação através de diferentes fontes financeiras e administrativas é a melhor maneira para assegurar em um mundo incerto”. (WB;1994: 238/9 – grifos adicionados).

A ‘teoria dos múltiplos pilares’ do Banco Mundial (1994), assume com limpidez que os

sistemas previdenciários devem ser distribuídos em diferentes ‘pilares’ porque se lhes

reservam diferentes funções: a distributiva, a poupança e o seguro. As duas últimas são

soluções reivindicadas pelo capital, especialmente ao que rende juros e a primeira – a que

se reforma para diminuir – diz respeito à classe trabalhadora.

Por vezes, tomados os movimentos dos dois tipos de ‘previdência privada’s – os pilares

dois e três – no âmbito internacional e mesmo no Brasil, pode-se atestar algumas disputas

entre frações do capital pelo controle destes recursos, especialmente, quanto a definição de

os fundos de pensão organizam seus benefícios por empresa ou contratar banco ou

seguradora para gerir seus planos previdenciários.

A seguridade que se diz garantir aos idosos não como política social mas como seguro –

por natureza, privado – preconiza a redução dos riscos e incertezas com a receita da

incerteza, ou seja, dos investimentos – especulativos, por óbvio - que podem ser realizados

por cima dos países e dos povos ao se buscar as melhores taxas de remuneração, os juros

que remuneram a especulação. O mantra ‘dos ovos em cestas variadas’ – ademais de

revelar indigência teórica em grau elevado – é profundamente mistificador, ideológico, ao

omitir o que a realidade insiste em revelar: quando as ‘cestas’ – as economias capitalistas –

128

sofrem crises e rompem-se os ‘ovos’, sobretudo as bolsas e as demais formas do capital que

rende juros, a única saída que os países – de que são exemplos os EUA, o Chile e a

Argentina115 - têm logrado construir é o da política social: é esta a intervenção mobilizada

para conceder uma aposentadoria mínima aos que contrataram planos privados de

previdência – e que por ser capital especulativo e de risco116 – ao quebrar não oferece

garantias. Nestas circunstâncias de ausência completa de seguridade aos trabalhadores com

planos previdenciários privados, o Estado é acionado para desenvolver as ‘políticas sociais’

mínimas para aqueles trabalhadores que pretendiam desfrutar de ricas aposentadorias e que,

freqüentemente, perdem empregos e aposentadorias em uma situação de ‘queda das cestas’.

Por fim, reconhece-se que os povos possuem histórias diversas, mas a última frase

proferida tal como um vaticínio de Cassandra ao destino dos povos, demarca: não há outro

caminho para previdências ‘seguras e racionais’ senão a dos ‘múltiplos pilares’:

“A associação, a mistura correta dos pilares não é a mesma em todas as épocas e lugares. Ela depende dos objetivos dos países, história e circunstancias atuais, principalmente sua ênfase na redução da pobreza versus poupança, seus mercados financeiros e sua capacidade reguladora e de tributação. Países de média e alta renda devem encaminhar-se nessa direção rapidamente, enquanto países de baixa renda devem tê-la como um objetivo de longo prazo”. (BM; 1994: 254).

2.3 Balanços de resultados e as inflexões necessárias: nota de 2005.

O exame do terceiro momento das formulações do Banco Mundial para as aposentadorias e

suas reformas referenciar-se-á, como já mencionado, no texto-síntese “Soporte Del

Ingreso en la Vejez em el Siglo Veintiuno: Una Perspectiva Internacional de los

115 Aqui é suficiente lembrar a quebra fraudulenta da Eron. 116 Neste caso devemos mencionar a empresa estatal de resseguros dos EUA que faliu por ser muito ‘demandada’ à assegurar as aposentadorias dos planos privados que faliram.

129

Sistemas de Pensiones y de sus Reformas” 117, de julho de 2005.

Como o próprio título o indica, trata-se de um pensar prospectivo para as aposentadorias no

século XXI, de uma formulação que pretende antever cenários para interpor sua autoridade,

no rumo das aposentadorias para o século a partir de seus anos iniciais. O último texto é,

explicitamente, uma nota política por pretender-se uma avaliação dos acertos e erros na

política de reforma da previdência que o Banco Mundial implementou ao longo de mais de

duas décadas e meia, em todo o mundo. Ao realizar um balanço dos êxitos e das ‘lições’

que necessitam reformulações, o Banco Mundial objetiva estabelecer ‘las buenas y mejores

prácticas - de lo que funciona y de lo que no funciona’ (2005:28), de acordo com sua

lógica, para a realização das reformas das aposentadorias dos trabalhadores na maioria dos

países do planeta.

Para os autores, “Este informe debería ser una guía acerca de los criterios y estándares

que el Banco Mundial va a aplicatr para decidir cuándo y en dónde proveer apoyo

técnico118 y financiero119 para las reformas de pensiones”. (2005:10). Vale dizer: os países

117 “Soporte del Ingreso en la Vejez en el Siglo Veintiuno: Una Perspectiva Internacional de los Sistemas de pensiones y de sus Reformas”. Robert Holzmann y Richard Hinz. Junto con Hermann von Gersdorff, Indermit Gill, Gregorio Impavido, Alberto R. Musalem, Michal Rutkowski, Robert Palacios, Yvonne Sin, Kalanidhi Subbarao, Anita Schwarz. Versión Final: Julio 2005. O documento na versão espanhola é uma síntese-executiva do livro intitulado “Old-Age Income Support in the 21st Century: An International Perspective on Pension Systems and Reform”. World Bank, Washington, DC, 2005. (produzido em conjunto pelo staff do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional). O documento original divide-se em duas partes fundamentais: “La primera parte presenta la racionalidad de política económica y social para la reforma pensional y da una idea general de los fundamentos esenciales de la política del Banco Mundial. (...) La segunda parte del informe provee una visión general de los temas importantes acerca de la implementación ...”. (2005:46) 118 Os autores esclarecem: “La vasta mayoría de este apoyo está directamente asociado con las actividades de prestamista del Banco y está, por lo tanto, en línea con la distribución de las reformas esbozada arriba”. (2005:28). O apoio técnico inclui modelos de simulações dos valores das aposentadorias futuras e que, sugere o Banco Mundial devem fazer parte da propaganda para atribuir credibilidade às reformas das aposentadorias. O Sistema PROST (Pension Reform Options Simulation Toolkit) que poderíamos denominar Ferramentas para Simulações de Opções para a Reforma da Previdência, parece pretender pelos seus modelos matemáticos substituir a luta de classes na definição da melhor previdência, pois a ‘tecnicalidade do sistema’ definirá os ‘melhores’ cenários para o futuro da força de trabalho em seu momento de aposentadoria. É risível lembrar o esforço realizado pelo então Ministro da Previdência e Assistência Social e seu secretário de previdência social do ministério da previdência, em 2003 – respectivamente, Ricardo Berzoíni e Helmut Schwarzer - quando nas apresentações do projeto da contra-reforma da previdência, lançavam mão de projeções gráficas em sofisticados programas informática ao mesmo tempo em que impediam aos ouvintes questionamentos e indagações sobre os conteúdos apresentados. Exemplos de estudos acima mencionados podem ser conferidos, conforme consulta em 04 de fevereiro de 2006, nas seguintes páginas eletrônicas: http://www.previdencia.gov.br/reforma/11_25_01.asp, http://www.previdenciasocial.gov.br/reforma/arquivos/apres_ministro.PDF. 119 Sobre a natureza das ‘ajudas’ prestadas pelos países ricos por intermédio de seus organismos multilaterais e para a implementação de seus projetos, nos esclarece José Gaudarilla Salgado (2005): as transferências

130

pobres, para implementar as reformas prescritas pelo Banco Mundial, tomam de

empréstimo aos mecanismos do grande capital (Banco Mundial, FMI e outros),

empréstimos que se constituem em impagáveis dívidas que ademais de potencializarem os

novos espaços de acumulação do grande capital, ao mesmo tempo em que repõem em

circulação os excedentes do capital. (Ianni: 1981; Oliveira Francisco: 1977 e Petras: 2000).

A importância e o peso da realização de uma tal tarefa – a de examinar previamente os

caminhos da previdência para o século atual – pode ser avalizada pelos recursos

mobilizados pelo Banco Mundial na execução do empreendimento. Veja-se:

“Este informe fue iniciado por la oficina del Economista Jefe del Banco Mundial, quien quería que el personal clave involucrado en los temas de pensiones explicara al personal del Banco y al resto del mundo la perspectiva del Banco en cuanto a reforma de pensiones. El resultado constituye un esfuerzo conjunto de distintos sectores, el cual fue realizado fuera del horario regular de trabajo. El equipo del Banco, mixto sectorial y regionalmente incluyó personal de tres sectores o networks (Protección Social, Sector Financiero, y Reducción de la Pobreza y Manejo Económico) y de cuatro regiones del Banco (Europa y Asia Central, América Latina y el Caribe, Oriente Medio y Norte de África, y Asia Oriental y el Pacífico).” (WB; 2005:11).

A centralidade do tema aposentadorias para o Banco Mundial, revela-se no e pelo esforço

de fazer disseminar a sua perspectiva no âmbito do próprio organismo como para

estabelecer uma linguagem comum referente ao assunto e na necessidade de ‘afinar’ a

intervenção nas distintas áreas conexas da ação do Banco a partir do tema aposentadorias

nas diferentes regiões do planeta.

Não obstante, no último parágrafo do Prólogo há uma observação importante: o texto do

informe, por não haver sido revisado nos moldes típicos do Banco, não deve ser

considerado como uma sua publicação oficial. Todavia, na abertura do mesmo prólogo,

avisa-se: a iniciativa de efetuar-se uma ‘oficina’ sobre aposentadorias foi do Economista-

chefe do Banco Mundial, “quien quería que el personal clave involucrado en los temas de

pensiones explicara al personal del Banco y al resto del mundo la perspectiva del Banco en

cuanto a reforma de pensiones”. (2005:11).

realizadas aos organismos multilaterais pelos países do terceiro mundo como pagamento aos empréstimos corresponderiam a cerca de 46 planos Marshal.

131

Às ressalvas pontuadas, deve-se agregar ainda uma: os autores responsáveis pelo informe e,

notadamente Robert Holzamann120, estão entre os principais elaboradores das notas e textos

produzidos pelo banco mundial para assuntos de previdência.

Para o Banco Mundial, a década de 1990 apresenta um traço muito importante: foi no

período que se reconheceu a centralidade das aposentadorias para a “estabilidade

econômica das nações e para a proteção das suas populações em idade avançada”

(2005:15). Na consolidação da análise o banco teve, como reivindica, um papel

‘preponderante’ no apoio às reformas das aposentadorias ao redor do mundo.

Marcadamente, mesmo que a intervenção do banco tenha sido gestada em anterior período,

o enfrentamento da crise de acumulação capitalista, expressas na sua forma fenomênica

naquilo que se denominou reestruturação produtiva e neoliberalismo, teve nas

aposentadorias um instrumento privilegiado para a sua momentânea resolução, já que a

capacidade de desenvolvimento dos mercados financeiros está entre os parâmetros centrais

para conduzir as reformas das aposentadorias (2005:28 e ss). Tal ‘solução’121 supunha a

busca de novos espaços para resolver-se o risco ao objetivo do capital de render juros em

escalas cada vez mais ampliadas. Assim, a privatização e a transferência dos recursos

públicos – outra forma da mesma privatização – destinados até então às políticas sociais em

geral e a seguridade social122 em particular, que são convertidos em ‘serviços’ privados ao

mesmo tempo em que as políticas de extração pública devem ser reduzidas aos mínimos de

assistência ‘suficientes para evitar a miséria dos velhos’.

Por óbvio, o suficiente e a miséria são condições bastante diversas de nação para nação e

dependem, sobretudo, das forças em presença em cada lugar onde as reformas e as lutas

contra elas foram e são travadas. Porém, mesmo antes das reformas e da resistência a sua

ocorrência, a cobertura da previdência e do que se convencionou denominar seguridade

social, dependeu sempre da força reivindicativa e da organização do proletariado e da

classe trabalhadora em geral, para determinar os padrões de redistribuição da mais-valia na

forma de políticas de proteção ao trabalho. O reconhecimento do Banco Mundial destas

lutas, leva-o a ponderar a importância dos sistemas ‘herdados’, em cada país. Veja-se no

120 -Economista e Diretor de Proteção Social do Banco Mundial. 121 Solução não mais do que transitória já que as crises são da essência do modo de produção capitalista. Ver texto de José Paulo Netto (1992). 122 Observar que a concepção de seguridade social sofre variações de país à país. Ver Vianna (1998). Americanização perversa da seguridade social no Brasil.

132

próprio documento: “Las alternativas de reforma viables y las elecciones reales están

determinados por el sistema heredado y por los costos de la transición de pilares no

fondeados a pilares fondeados, los que, en muchos casos, resultan prohibitivos.” (2005:28

e ss).

Na promoção da ‘estabilidade econômica’ reside a determinação fundante para as reformas

das aposentadorias porque o outro modo de denominá-la é a necessidade de espaços novos

para a acumulação do capital, de novos espaços para a realização das inversões de capital

para que não sejam desvalorizados; no hoje combatido referencial de inspiração da teoria

social de Marx está-se em face do momento predominante, da determinação econômica

que, contudo, para a lógica burguesa não deve ser revelada. A ‘preocupação’ com a

proteção dos idosos, ainda que cínica, mas de outro modo, suponha-se, tomada como

verdadeira, é apenas a face mais tocante aos que dela dependem para o sustento futuro,

comovedora provoca inseguranças perturbadoras entre os que vivem de vender a sua força

de trabalho – ditos também assalariados – conforma-se tão somente como um eficaz

argumento ideo-político. A crua face de uma determinação econômico-financeira, isto é,

como necessidade do capital exposta sem as apelações ideo-políticas – a iminente quebra

da previdência pública - encontraria muitas e severas impossibilidades de implementação.

O prioritário espaço aberto pelas reformas previdenciárias em todo o mundo pode ser

catalogado nos impressionantes números: mais de 80 países123 sofreram reformas na

direção de atrofiar a aposentadoria como política pública e, pelo mesmo mecanismo, fazer

prosperar a ‘previdência privada’ como novo espaço de acumulação. Destes, mais de 60

países contaram com o ‘apoio financeiro’ do Banco Mundial, interessado em ‘combater a

pobreza, promover o desenvolvimento e aliviar a pobreza’ tal qual consta de seus objetivos,

ainda que pelo mesmo generoso e desinteressado mecanismo tenha contribuído para a

transferência de excedentes dos países pobres para os países imperialistas em valores

bastante superiores ao que os tenha emprestado124 e, tais demandas, conforme o relatório,

continuam a ser feitas ao banco em ritmo crescente.

123 As quatro páginas finais do documento dedicam-se à descrever as experiências de reformas nas diferentes regiões do planeta: América Latina, Europa e Ásia Central. (WB; 2005: 41 e ss). 124 Ver Salgado (2005).

133

Onze anos após a divulgação do documento base de 1994 para as reformas previdência e as

discussões sobre elas, o Banco Mundial faz uma ‘flexibilização’ na estrutura fundante de

sua proposta de reformas de aposentadorias, fundada anteriormente sobre os "três pilares”.

O objetivo declarado com as reformas das aposentadorias permanecem os mesmos: “la

relevância continuada de los principais objetivos de los sistemas de pensiones – aliviar la

pobreza y suavizar el consumo – y de la meta más amplia de la protección social”. (WB;

2005:15). Ademais da proteção social e do alívio da pobreza princípios inseparáveis da

construção dos sistemas de aposentadorias pelos trabalhadores, a redução do consumo

parece mesmo contraditória na relação com os demais objetivos. A redução e o controle do

consumo extrapolam as políticas de previdência e evidenciam o seu caráter essencial da

perspectiva do Banco Mundial: a obcecada necessidade do controle da inflação a serviço da

finanças. O controle do processo inflacionário está hipotecado ao equilíbrio do orçamento

do país. No Brasil, como em outros países do mundo, o equilíbrio orçamentário, fiscal, tem

sido aplicado como ‘mantra’ para a formação do superávit primário às custas em grande

parte, das aposentadorias e da seguridade social em geral. Assim, o consumo ao ser

intensificado ‘desvia’ os recursos da ‘poupança’ e pode levar ao surgimento da inflação

com conseqüências para os capitais especulativos, daí a associação pelo banco das pensões

aos objetivos do capital e não aos do trabalho.

O documento-síntese do Banco Mundial pode ser para efeitos de sua lógica interna ser

dividido em três partes:

1. os argumentos fundadores da perspectiva do Banco Mundial;

2. a proposta da reforma;

3. o instrumental para viabilizar as reformas da aposentadoria.

Com o fito de fundamentar a admissão de uma leve sinuosidade nova ‘trilha’ do Banco

Mundial nas reformas das aposentadorias, vale dizer na dilatação da ‘teoria dos três pilares’

para a de cinco faz-se necessário acompanhar os argumentos do banco sobre as

incorporações por ele realizadas.

134

2.3.1 os argumentos fundadores da perspectiva do Banco Mundial

A compreensão do tema aposentadoria para o Banco Mundial exige que a análise de seu

último grande documento seja realizada em ordem diversa da que foi exposta pelo

documento, para que a sua lógica interna seja melhor explicitada.

Assim, os argumentos aqui denominados fundadores da perspectiva do Banco Mundial

podem ser verificados nos seguintes itens do documento: “Revisión y Extensión Del

Concepto Original”, “Declaración de los Princípios Claves” e “Objetivos de um Sistema y

de uma Reforma de Pensiones”, exibidas nas páginas 18 a 24 do título em espanhol, por

expressarem um marco referencial das idéias sustentadoras da reforma do grande capital.

Após mais de uma década de patrocínio e imposição de reformas das aposentadorias à

dezenas de países pelo mundo, nos quais os movimentos de oposição às reformas das

aposentadorias protagonizados pela classe trabalhadora em suas várias agremiações

sindicais e partidárias na forma de resistências aos governos locais, o Banco Mundial,

reconhece a necessidade de reformular o marco inicial de suas propostas para, afinal, que

elas logrem maior sucesso quando confrontadas com a reação organizada dos trabalhadores.

Diz o texto: “La extensa experiencia, desde principios de los noventa, en la

implementación de reformas de pensiones en diferentes escenarios motivó al personal del

Banco a revisar y a refinar su marco de referencia para guiar el esfuerzo de reforma hacia

los objetivos deseados y por los caminos apropiados.” (2005:18. grifos adicionados).

No âmbito da ‘ampliação’ do conceito original de 1994, passou-se a considerar na evolução

política da economia política da reforma das aposentadoria, cinco novas ponderações:

a) - “Una mejor comprensión de las necesidades y de las medidas de las reformas”

(2005:18). As necessidades implacáveis de reformar as aposentadorias encontravam,

anteriormente, inarredáveis justificativas na ‘pressão fiscal’ sinônimo ligeiro dos

propalados e sempre crescentes passivos125 previdenciários e no acentuado ‘envelhecimento

demográfico das populações’ foram suavizados para dar lugar à ponderações mais gerais,

125 Sérios estudos das contas da previdência social mostram inexistir os passivos divulgados pelos sucessivos governos brasileiros, que somente encontram justificativa por registrarem como receita previdenciária os valores decorrentes da folha de pagamentos, em flagrante desrespeito à Constituição que, em 1988, criou impostos sobre o capital para financiamento da seguridade social. A seguridade social, no Brasil, é formada pela soma das políticas da Previdência, da Saúde e da Assistência Social. Ver, especialmente: Eli Gurgel Andrade (1999), José Miguel Bendrao (2003).

135

relacionadas à vida macroeconômica sob o capitalismo. Tais ponderações, nos parecem,

tiveram de ser adotadas para dar legitimidade a um constantemente refutado discurso que,

aos países pobres poderia ser desprovido de sentido, como por exemplo, o argumento do

‘envelhecimento demográfico’.126 A substituição ou ao menos o deslocamento da ênfase

para a observância explícita dos processos econômicos e a inserção dos países na divisão

internacional do trabalho, consignadas sob o mote da globalização, bem como os riscos e as

mudanças sócio-econômicas que lhes tipifica constituíram o primeiro elemento a ser

pontuado neste item. Na redação do texto comprova-se:

“En países más desarrollados, todos o cualquier subconjunto de los pilares pueden ser guiados hacia los objetivos, principales y secundarios, de un sistema de pensiones, aunque el sistema heredado típicamente impone restricciones en las elecciones disponibles. En contraste, los países en vía de desarrollo están generalmente mucho menos restringidos, o incluso no tienen ninguna restricción, proveniente de un sistema de pensión heredado pero, tanto las carencias de mercados financieros como en la capacidad de implementar y de administrar nuevos sistemas, imponen restricciones sobre las elecciones disponibles, al menos en el corto plazo”. (2005: 31).

O segundo elemento que sopesará na ‘expansão’ do receituário do banco, refere-se à

pertinência da obrigatoriedade das aposentadorias para todos os trabalhadores. Ao

argumento do grande capital – de que grupos mais empobrecidos da força de trabalho

possam ter outras demandas mais urgentes que a contribuição obrigatória ao sistema de

aposentadorias – pode-se indagar se não teria sido a constatação de que a obrigatoriedade

poria a nu, de modo intensamente incômodo, a obrigação de os governos proverem as

aposentadorias daqueles que não as podem suprir. Revelar-se-ia, então que a reforma das

aposentadorias, ao contrário de reduzir a cobertura aos usuários, imporia aos governos a

obrigação de aumentar a proteção social aos trabalhadores mais empobrecidos. Por fim,

preocupações em torno do financiamento antecipado das aposentadorias são trazidas à baila

em razão de conjunturas nas quais aumenta a oferta de trabalho e as aposentadorias podem

se dar mais tardiamente. Assim, a contribuição obrigatória estabelece regras que

126 É interessante notar nesta direção: na reforma da previdência levada à termo pelo governo Lula da Silva em 2003, o argumento inicial do ministro da previdência e assistência social, o petista e sindicalista da articulação bancária, Ricardo Berzoíni, enfatizava o envelhecimento demográfico. Sem sustentação e desmentido pelos dados da vida real tratou-se de reconfigurar os argumentos para o de promoção de justiça e o de inclusão da força de trabalho pobre na previdência social. Terminada a reforma, confirmou-se a denúncia feita por numerosos intelectuais e sindicalistas: a inclusão dos 40 milhões de trabalhadores não passou de um blefe.

136

conformam direitos adquiridos e podem funcionar como óbices às reformas necessárias ao

grande capital em diferentes conjunturas. Em direção distinta, mas em perfeita sintonia, a

contribuição obrigatória pode drenar importantes recursos das aposentadorias por adesão

voluntária que, neste documento, se mostram como a alternativa em torno da qual parece

ser a tendência escolhida pelo banco para enfatizar127.

b)– “La extensión del sistema multipilar más allá de la estructura de tres pilares, para comprender hasta cinco pilares, y moverse más allá de la concentración convencional en los pilares uno y dos “(2005:19).

Em estreita conexão com a revisão da obrigatoriedade das aposentadorias para todos, o

banco dá-se conta – certamente pelas lutas desenvolvidas pelos trabalhadores contrários às

reformas do organismo em vários países do mundo - de que em numerosos países pobres

existem milhões que não ‘cabem’ nos esquemáticos pilares erigidos em Washington para

serem firmados em todo o mundo. Aos que não podem prover suas aposentadorias por

contribuição seja em sistemas públicos ou privados, o banco indica a construção de duas

políticas: a assistência dos mínimos, dito ‘pilar zero’ e a mobilização dos recursos dos

grupos dos quais os idosos fazem parte128, muito embora esta possibilidade seja factível

também para outros grupos sociais que não somente os miseráveis. Constatou-se em

segundo lugar, os benefícios postos pela existência de um pilar nos marcos da assistência

seguido de um pilar básico para todos que liberaria as complementações dos trabalhadores

de alta renda para aposentadorias voluntárias. Observa-se que o estabelecimento de um

marco universal para todos os idosos atua no sentido de prover de segurança mínima

inclusive aqueles que podem contratar os planos de aposentadorias ‘voluntárias’129. Pode-se

inferir que, ao se tomar como prioridade para o século XXI as aposentadorias voluntárias,

ao grande capital passem a interessar os mínimos universais previdenciários como forma de

fazer crescer os sistemas capitalizados de contribuição individual e não mais conformados

em planos corporativos, como por exemplo, os fundos de pensão.

127 Sobre este ponto, as aposentadorias voluntárias para trabalhadores melhor alocados na divisão sócio-técnica do trabalho, parece-nos uma tendência que poderá ser priorizada pelo grande capital. 128 Aqui pode-se ponderars as ‘semelhanças’ entre os programas de assistência social no Brasil com ênfase no grupo familiar (SUAS) e a assistência de tipo ‘renda mínima’ que sob o petismo encontra abundância de desenvolvimento. 129 Para estes planos capitalizados individuais, ditos ‘voluntários’ cabem as aspas dado que somente são procurados em razão dos baixos recursos previdenciários que a maioria dos idosos dependerá quando cessar sua vinculação laborativa. As aspas têm justificação porque o mecanismo voluntário não supõe a ausência de opção que a maioria dos idosos está submetida no mundo.

137

c)“Una comprensión de la diversidad efectiva de enfoques, que incluya el número de pilares, el balance apropiado entre los diversos pilares y la forma en que cada pilar está formulado, en respuesta a circunstancias y a necesidades particulares”. (2005:20).

Na continuidade da exposição atesta-se a ênfase do banco na direção de admitir como

possibilidade um sistema de aposentadorias que combine uma aposentadoria universal, de

valores baixos, com as aposentadorias ‘voluntárias’. Da recomendação da inevitável

observância dos processos típicos de cada país, conclui-se que em alguns países uma

previdência obrigatória é necessária para que a população possa aceitar o conjunto de

mudanças na previdência pública que reformada, dará espaço para a previdência

‘voluntária’.

d) – “Una mejor comprensión acerca de la importancia de las condiciones iniciales para establecer el potencial y las limitaciones dentro de la cuales la reforma es realizable”. (2005:20).

No trato com a realidade de classes os especialistas do grande capital para assuntos da

previdência, parecem ter logrado concluir que o estágio das lutas de classes em cada país

condiciona as opções possíveis na implementação das reformas preconizadas pelo banco.

Pontuam: “Actualmente existe una mayor conciencia de la medida en la cual el sistema de

pensiones heredado al igual que el entorno económico, institucional, financiero y político

de un país imponen las opciones disponibles para la reforma. Esto es particularmente

importante al establecer la pauta y el alcance de una reforma viable”. (2005:20). Da luta

de classes em um dado país, da consciência e da organização dos trabalhadores no âmbito

de cada nação, dependem o alcance e a qualidade dos direitos arrancados pelos

trabalhadores ao capital que, invariavelmente, condicionarão a luta diante de governos e das

alternativas regressivas do grande capital.

e)– “Un marcado interés en, y apoyo de, las innovaciones en el diseño e implementación en pensiones lideradas por algunos países”. (2005:20).

Do balanço das numerosas possibilidades bem além dos ‘três pilares’ recomenda-se o

cuidado para não supor que o modelo encontrado em um país, necessariamente terá êxito

em outro. Todavia, algumas experiências “bem sucedidas” são mencionadas como a ante-

sala das reformas da previdência propriamente ditas. Essencialmente, o terreno das

reformas pode e deve ser preparado, para o banco, ao transformar-se a previdência pública

138

e suas variantes em sistemas por contribuição definida. Outros pontos que, em caso de

dificuldades em implantar a reforma do grande capital, devem ser postos em prática para

facilitar a futura reforma diz respeito à:

1) - constituição de mecanismos que reduzam os custos da transição de regimes

de repartição e públicos aos regimes capitalizados e privados;

2) – na transformação das indenizações por perda de emprego em contas de

poupança que combinem os seguros-desemprego com os benefícios de

aposentadoria;

Assim, com a aplicação de medidas como as citadas o grande capital pretende transformar

derrotas na realização das reformas da previdência em vitórias que implicam, inclusive, na

retenção de fundos do trabalho no momento de seu desemprego.

O item “Declaración de los Princípios Claves” move-se diante do que parece ser um

paradoxo: a admissão da importância das condições específicas de cada país para a

realização da reforma das aposentadorias e a defesa central da construção do modelo

‘multipilar’ em lugares onde se reforme as aposentadorias. A aparente contradição é

‘resolvida’ com a assimilação de vários princípios que o banco ‘considera esenciales para

cualquier reforma exitosa’. (2005:20).

O primeiro ‘princípio’ diz respeito à necessidade de que todos os países devem, cada um ao

seu modo, desenvolver sistemas de seguridade social que portem

“elementos que provean la seguridad de un ingreso básico y el alivio de la pobreza en todo el espectro de la distribución del ingreso. Las condiciones fiscales que permitan esto sugierie que cada país debe tener las provisiones para un pilar básico, que asegure que las personas con bajos ingresos a lo largo de la vida o que sólo participen marginalmente en la economía formal sean proveídas de una protección básica en la vejez. Esto puede tomar la forma de un programa de asistencia social, de una pequeña pensión social de acuerdo a los ingresos con prueba de medios (“means-tested”), o de un “demogrant” universal disponible a edades avanzadas (por ejemplo, a la edad de 70 años o más)”. (2005:30 grifos adicionados).

A prescrição do banco para os países constituírem sistemas de assistência para o

provimento de ‘aposentadorias’ para os mais pobres idosos apresenta-se como um

mecanismo compensatório de proteção social a qual não deve ser mais do que uma

‘pequena pensão social’ que possa compensar o desmonte das políticas públicas de

139

previdência social, para aquelas frações da classe trabalhadora que não se relacionam com

as diferenciadas formas institucionais do mercado financeiro. Conforme o texto:

“Primero, un ingreso básico de soporte (un pilar cero) para aliviar la pobreza en la vejez debe ser parte de cualquier sistema de jubilación completo. Sin embargo, la financiación de este último en los países de ingresos bajos representará un desafío y tendrá que ser tasada contra las demandas de otros grupos vulnerables, como niños, la juventud, y los discapacitados. (...) Éstos incluyen administrar criterios de elegibilidad y pagar eficientemente pequeñas cantidades a una población en gran parte rural que tiene poca relación con sistemas o con instituciones financieros”. (2005:31 grifos adicionados)

Mota (2004: 01)130 já identificara este mecanismo ao analisar a reforma da previdência de

2003, realizada pelo governo Lula no Brasil. Ali, indicava, pode-se comprovar o que a

autora denominou ser uma ‘perversa unidade contraditória’ entre as políticas de

assistência social e previdência social. Perverso, porque ‘longe de formarem um amplo e

articulado mecanismo de proteção (...uma) parece ser a negação da outra”.

É assim que a destruição calculada da previdência pública tem sido substituída por

precários e conservadores arranjos de assistência131 dirigidos para a fração mais

pauperizada da força de trabalho em detrimento da desproteção e do desmonte das políticas

sociais para a parcela da classe trabalhadora que se encontra empregada. A previdência

atacada pelas necessidades do grande capital tem sido reformada cada vez mais na direção

de uma dupla combinação destrutiva: em assistência de um lado, e em ‘capital financeiro’

de outro.

O segundo princípio chave para a proposta do Banco Mundial é o de defesa do

financiamento antecipado, por contribuição, sustentada em razões políticas e econômicas:

1. econômicas porque ao comprometer-se recursos na atualidade contribui-se para

aliviar os gastos futuros do governo. Porém, parece-nos, ser a razão central do pré-

financiamento das aposentadorias a possibilidade de “contribuir al crecimiento

130 Exposição realizada na Mesa redonda: Seguridade Social no Cenário Brasileiro durante o XI Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais e III Encontro Nacional de Serviço Social e Seguridade, realizados no período de 17 a 22 de outubro de 2004, em Fortaleza (CE). Revista Ágora - Fascículo 1 - Ano 1, nº 1, outubro de 2004. 131 - O SUAS (Sistema Único de Assistência Social) traz um elemento conservador em sua proposta quanto enfatiza a família como um importante fundamento para o desenvolvimento da política de assistência social. . Também são componentes desta expressão conservadora da política de assistência os fartos acentos nas políticas dos mínimos sociais que nos últimos governos tem sido chamados Comunidade solidária e Bolsa Escola. Ver Revista Serviço Social e Sociedade nº 78.Cortez Editora. Ano XXV julho de 2004. Item: informe-

140

econômico y al desarrollo. Un punto clave en la determinación de si el

financiamiento anticipado es ventajoso o no, es la medida en que éste resulte en

adiciones netas al ahorro nacional”. (2005:21).

Na história de vários países e na do Brasil em particular (Gurgel: 1999), as políticas de

previdência sempre estiveram a serviço do ‘crescimento econômico e do desenvolvimento’,

outra forma de dizer-se: os recursos do mundo do trabalho recolhidos pelo Estado e

componentes do ‘fundo público’, além da mais-valia convertida em lucro, tem servido ao

financiamento do capital. Ianni (1981), ao discutir a ditadura do grande capital ocorrida no

Brasil a partir de 1964, mostra como o Estado brasileiro foi usurpado pelo grande ‘capital

financeiro’ e como tornou-se o seu Estado, inteiramente capturado por aquela forma

capital. Assim, uma férrea ditadura ‘administrada’ pelas forças armadas brasileiras

executou a doutrina do ‘crescimento e desenvolvimento com segurança’ para o capital que

alcançou as maiores taxas de lucratividade até então extraídas dos trabalhadores brasileiros.

Desde então, e de modo mais acentuado em anos recentes, os recursos recolhidos do mundo

do trabalho, na forma de impostos e de contribuições sociais, foram utilizados

prioritariamente para a ‘formação da poupança’ que financia o capital ora industrial e

atualmente o financeiro, ora as obras ora o pagamento de juros, e menos ou apenas

residualmente prestaram-se à melhoria das condições de vida da força de trabalho

empregada e na reserva.

No momento de convencimento de que a redução da previdência social é condição do

desenvolvimento e de crescimento econômico do país re-atualiza-se um dos preceitos da

doutrina de segurança, a garantia das condições para o crescimento do capital.

2. políticas para “garantizar una mejor capacidad de la sociedad para realizar compromisos previsionales debido a que asegura que los pasivos pensionales están respaldados por activos protegidos por derechos de propiedad, independientemente de si el fondeo es hecho a través de deuda pública o de otro tipo de activos”. (2005:22).

A ponderação política para a defesa de um fundo capitalizado revela, ainda uma vez, a

modalidade de ‘capital financeiro’ em sua variante especulativa que a previdência deve

desenvolver. A garantia política que a reforma da previdência pública oferecerá aos

se. Note-se que a política sugerida pelo Banco Mundial reclama a construção de um ‘pilar’ da política

141

trabalhadores será baseada em ações de propriedade e em títulos da dívida pública dos

países com o estímulo de endividamentos dos Estados. A garantia de pagamento dos

benefícios previdenciários àquela fração da classe trabalhadora que deixou sua atividade

laboral têm nos compromissos intra-classe e intergeracionais exclusivamente assentados na

solidariedade de classe o seu máximo questionamento não somente político mas também

profundamente ideológico porque dirigido à destruição da consciência de classe e à

reafirmação de que em seu lugar devem ser erigidos os direitos da propriedade; deseja-se a

implementação de um modelo de ‘garantias’ de aposentadorias pela financeirização dos

recursos e dos princípios pelos quais se a construiu e se a sustenta. Ocorre que a

propriedade não é a comum a todos como um estágio à superação de toda a propriedade: a

‘garantia’ das aposentadorias está hipotecada à manutenção da propriedade privada, a de

alguns que somente pode existir e lograr sucesso, mantida a exploração do trabalho.

No terceiro princípio chave para o grande capital, encontramos a recomendação de que o

estabelecimento de um ‘pilar’ capitalizado obrigatório seja o ponto de partida para o

‘desenho’ de uma reforma de aposentadorias deve ser avaliado. Parece-nos que subjacente

a este ‘princípio chave’ está a indicação de que devem ser realizadas campanhas e

propagandas para que os sistemas de aposentadorias capitalizados, fundamentalmente os

fundos de pensão, avalizam as ‘transformações’ necessárias nas aposentadorias por

repartição e públicas. Se exitoso, deve ser utilizada na divulgação da ‘superioridade’a

medida e como aval para a transmutação das aposentadorias.

Como última observação sobre os princípios do grande capital caberia supor: a centralidade

dos interesses da reforma é dar-lhe a feição capitalizada e privadamente operada; todavia,

os trejeitos e movimentos desta face podem ser arranjados de modo diverso em cada país.

O último item da ‘fundamentação teórica’ do documento do Banco Mundial sobre as

aposentadorias e a reforma da previdência pública, tem por título “Objetivos de uno

Sistema y de una Reforma de Pensiones”. Nele, o Banco Mundial as reformas consideradas

em acordo com suas prescrições serão aquelas feitas a partir “de su adhesión a los

principios esenciales y a su capacidad de lograr un conjunto de resultados sociales y

económicos flexibles y específicos al contexto”. (2005:22).

previdenciária como aquela capaz de mobilizar recursos familiares para a sustentação da proteção social.

142

Assim, a concepção da agência do grande capital, ampliou-se em relação à proposta de

1994. Além de ter se tornado menos prescritiva no arranjo institucional, passou a admitir

uma certa ‘autonomia’ dos governos nacionais nos desenhos específicos de cada país, desde

que preservados os alicerces fundantes de sua proposta. Entretanto, não há lugar para

hesitações: mais do que abrir mão de sua ‘essencial’ reforma de aposentadorias o Banco

Mundial flexibiliza-a para manter o núcleo central à acumulação do capital.

A agência multilateral por mais que enfatize não priorizar modelos é bastante normativa no

estabelecimento do objetivo fundamental de um sistema de aposentadorias e, na medida

que o faz com precisão, define-se com rigor a direção da reforma das aposentadorias. Veja-

se na caligrafia do texto:

“Un sistema adecuado es aquel que provee beneficios a toda la población, los cuales son suficientes para evitar la pobreza en la vejez, y cuyo nivel es específico a cada país, y adicionalmente, provee medios confiables, a la vasta mayoría de la población, para suavizar el consumo a lo largo de la vida. Un sistema financiable es uno que se encuentre dentro de la capacidad financiera de los individuos y de la sociedad y que no desplace excesivamente otros imperativos sociales o económicos o tenga consecuencias fiscales insostenibles. Un sistema sostenible es aquel que es financieramente sólido y que, bajo ciertos supuestos razonables, se puede predecir que se mantendrá así. Un sistema robusto es aquel que está en la capacidad de soportar shocks importantes, incluyendo aquellos provenientes de la volatilidad económica, demográfica y política”. (WB; 2005:23).

O exame dos traços constitutivos do ‘objetivo fundamental’ revela: a reforma das

aposentadorias requer a substituição da política previdenciária pública por uma política de

assistência social com ‘benefícios’ sociais mínimos suficientes para o combate à pobreza.

A definição dos recursos necessários para se combater a pobreza em cada país decorre da

força que as classes sociais – capital e trabalho – conseguirem mobilizar para impor como

seu projeto. À partida, sabe-se que estes valores são, na linguagem do próprio banco,

‘básico’, ‘que provee um mínimo nível de protección” ou ainda uma ‘pequeña pensão’,

financiado, preferencialmente, pelo próprio indivíduo o que é o mesmo dizer, deve ser

contributivo. Destas premissas decorrem, na concepção da agência, a solidez financeira que

não sofrerá abalos e suportará as volatilidades econômica, demográfica e política. À guisa

de conclusão: o perigo do receituário implica que a proteção à volatilidade se fará pela

finaceirização das aposentadorias, isto é, pela prática da volatilidade.

Neste sentido, é ilustrativo ater-se ao texto:

143

“Para satisfacer sus objetivos esenciales, los sistemas previsionales deben contribuir con la producción futura. Las reformas, deben, por lo tanto, ser diseñadas e implementadas de tal forma que potencien el crecimiento y el desarrollo y que reduzcan las posibles distorsiones en los mercados laboral y de capitales”. ( 2005:23).

2.3.2 a proposta da reforma

A explicitação dos objetivos econômicos em companhia do discurso da proteção, estão em

linha de continuidade com o documento de 1994 e prestam-se a privar de clareza e a

preterir os objetivos sociais da reforma em favor dos econômicos.

No documento de 1994, o banco trabalhava com sistemas de aposentadorias baseados na

‘teoria’ dos três pilares. Ao longo da década a experiência da implementação das reformas

e especialmente, as numerosas lutas de classe que os trabalhadores132 empreenderam por

todo o mundo diante do evidente empobrecimento das populações que sofreram as

reformas, das quebras dos países133, imputou aos governos, aos aliados do grande capital e

aos seus organismos uma revisão de suas estratégias para a acumulação no espaço antes

ocupado pelas políticas públicas.

As dificuldades postas pela resistência dos trabalhadores, levaram o Banco Mundial a

ponderar que sua proposta de capitalização da previdência nem sempre encontra as

condições mais apropriadas para sua implementação, razão pela qual os três pilares

desdobraram-se em ‘cinco elementos básicos’ que combinados podem atender as diferentes

necessidades do capital em cada país e contribuir na efetivação das reformas.

Segundo o texto:

El sistema de pensiones de múltiples pilares sugerido se compone de alguna combinación de cinco elementos básicos: (a) uno no contributivo ó “pilar cero” (en la forma de un demogrant134 ó pensión social) que provee un mínimo nivel de protección; (b) un sistema contributivo de “primer pilar” que varía gradualmente con el ingreso y busca reemplazar alguna porción del ingreso; (c) un “segundo pilar” obligatorio que es esencialmente una cuenta de ahorro individual pero que puede ser construida en una variedad de formas; (d)

132 Sobre este ponto pretendemos elaborar trabalho específico no qual se inventarie as lutas e a resistência à implementação das contra-reformas previdenciárias em todo o mundo. Nas considerações finais apenas indicamos algumas discussões. 133 Veja-a crise Argentina e suas relações com a reforma da previdência. (in Revista Adusp, 2003). 134 Conforme o texto: “Un demogrant es lo mismo que un beneficio universal fijo, en el cual los individuos reciben un monto de dinero basados solamente en la edad y en la residencia”. (WB; 2005:16).

144

arreglos voluntarios de “tercer pilar”, que pueden tomar muchas formas (individuales, financiados por el empleador, de beneficio definido, de contribución definida) pero son esencialmente flexibles y de naturaleza voluntaria; y (e) fuentes de apoyo informal intra familiar o inter generacional, tanto financiero como no financiero, incluyendo acceso a salud y vivienda, para los ancianos. Por una variedad de razones, un sistema que incorpore la mayor parte posible de estos elementos, dependiendo de las preferencias de los países al igual que del nivel de incidencia de los costos de transacción, puede, a través de la diversificación, resultar en un ingreso jubilatorio más eficaz y eficiente. (2005:15/6).

Efetivamente, a realidade apresentou maiores dificuldades do que talvez supuseram os

técnicos do Banco Mundial ao conceberem em Washington as reformas adequadas ao

grande capital sintetizadas nos documentos e nas condicionalidades impostas aos países.

Modificaram-se pelo acréscimo os três pilares no que diz respeito à introdução de um pilar

denominado ‘zero’ que atua como um benefício mínimo de assistência social, de valor fixo

cuja elegibilidade dos usuários dependerá de critérios como a idade e a residência. A este

tipo de benefício o Banco chama universal. Todavia, como os usuários são submetidos aos

critérios de idade e residência os benefícios perdem o caráter universal e retarda-se135 o

acesso ao direito. Importa frisar a adesão à ideologia neoliberal dos mínimos sociais

vincula-se ao ‘objetivo geral’ do Banco Mundial de combater a pobreza com políticas

pobres o suficiente para evitar a mortalidade entre os idosos; a tônica é a da manutenção de

políticas sociais pelo Estado sem a abrangência das políticas sociais de seguridade social.

A estas políticas em tudo mínimas corresponde ao tempo em que enormes parcelas do

mundo do trabalho encontram-se dispensadas do emprego formal graças às numerosas

reestruturações produtivas produzidas pelo capital. Em um tal quadro há coerência na

transmutação das políticas públicas na distribuição de valores monetários para os usuários.

Sob a chancela da liberdade e do estímulo à cidadania – este mesmo um conceito liberal e

suficientemente desgastado para nada significar - as relações com a financeirização dos

direitos ganha corpo: bens públicos são suprimidos e numa desigual troca os sujeitos

atingidos pelas ‘políticas sociais’ passam a receber uma minguada quantia136 em dinheiro

com a qual não poderá prover de maior qualidade seu padrões de vida familiares. Se um

135 No Brasil, a previdência é responsável pela execução do benefício de prestação continuada paga a todos os idosos com 65 anos ou mais e aos portadores de doenças incapacitantes para o trabalho com renda familiar per capita não superior a ¼ do salário mínimo em vigência no país. . 136 De que são exemplar as variações da bolsa-escola.

145

dos objetivos das reformas das aposentadorias é reduzir o consumo, certamente, os

escassos recursos das ‘políticas dos mínimos’ realizam-no de modo muito eficaz, sequer na

esfera do subconsumo. Ademais, os favores do Estado na financeirização da vida social

não deve ser descuidado; as políticas de transferência de rendas além do papel já

mencionado realizam favores ao ‘capital financeiro’ pela vinculação de tais pagamentos

aos bancos e pelo uso e difusão dos serviços bancários como os cartões e as contas

bancárias. Se ao usuário os bancos aparentemente não debitam os serviços que lhes

prestam, não se deve dizer o mesmo do Estado brasileiro nas suas diferentes dimensões:

federação, estados e municípios que realizam convênios para a transferência destes

recursos em montantes bastante significativos ao crescimento e ‘lucratividade’ do sistema

financeiro137.

O ‘segundo pilar’ da concepção atual do Banco Mundial corresponde ao ‘primeiro pilar’ da

elaboração de 1994. Neste, poucas são as mudanças, porém significativas quanto a admitir

a necessidade de usuário contribuir para a sua aposentadoria e de que esta aposentadoria

deve prover ao aposentado ‘alguma’ fração de seus ganhos quando na ativa, sem

considerar, como sempre faz, quais são os mínimos razoáveis desta parte que esta

modalidade da aposentadoria deve cumprir. Nota-se também uma mudança que é a

ausência da indicação da obrigatoriedade de este pilar ser público quando anteriormente

em 1994, isto estava explicitado. Todavia, quando os sistemas obrigatórios são inevitáveis,

a concepção do banco pode ser sintetizada na afirmação seguinte:

“ (...) los sistemas obligatorios deben mantenerse pequeños y manejables. En muchos países de ingresos bajos, éste podría ser un pilar básico (cero) el cual puede ser complementado por un tercer pilar voluntario. Si un sistema (fondeado o de reparto) contributivo obligatorio puede ser implementado eficazmente, debería apuntar a tasas de reemplazo modestas y requerir solamente tasas de contribución moderadas”. (2005: 31 grifos adicionados).

Os sistemas de aposentadorias obrigatórias – e presumivelmente públicas – parecem ser e

são os que gozam de menor apreço do banco. A justificativa, em tudo honrada, explicita o

que os discursos governamentais de FHC e de Lula têm revelado ao país, respectivamente:

as reformas das aposentadorias devem ser levadas a termo porque as ‘gordas’

137 Esta é uma das funções indiretas que o Estado realiza ao garantir ao grande capital a lucratividade pela compra de mercadorias e serviços. Ver Netto, José Paulo. 1992:15.

146

aposentadorias pertencem aos trabalhadores ‘vagabundos’ que cedo aposentaram-se ou na

análise do segundo governante, reformas no sistema de aposentadorias dos servidores

públicos138 servem para corrigir ‘privilégios’ concedidos aos trabalhadores que por si só já

detêm os melhores postos de trabalho. As reformas atuariam no sentido de aplacar as

transferências das frações da força de trabalho mais miserável para as frações com

melhores postos de trabalho. Para o banco, a mesma ‘heróica’ necessidade de realizar a

distribuição de renda é o fundamento para a reforma das aposentadorias, confira-se:

“(...) los sistemas con baja cobertura y relacionados con los ingresos deben minimizar la redistribución, auto financiarse, y no depender de transferencias presupuestales. Cualquier redistribución para grupos de ingresos bajos debe ser financiada con recursos obtenidos del grupo perteneciente al sistema y no depender de recursos presupuestales, los cuales son financiados, en parte, por los menos afortunados que se encuentran por fuera del sistema”. (2005:32 grifos adicionados).

À nobreza dos propósitos em conter as ‘vultuosas’ aposentadorias de alguns segmentos da

classe trabalhadora que - para o banco e os governos brasileiros – realizam-se às custas de

trabalhadores ainda mais empobrecidos, não é identificada na aprovação das reformas das

aposentadorias que em uma redistribuição de renda às avessas leva partes do salário do

mundo do trabalho para financiar a acumulação capitalista.

No documento de 2005 o ‘terceiro pilar’ corresponde ao ‘segundo pilar’ da publicação de

1994. A característica de obrigatoriedade deste pilar foi mantida em ambos os documentos.

Trata-se de uma ‘conta’ individual de aposentadoria que, neste documento, pode ser

construída de variadas formas e não exclusivamente como fundo de pensão como parecia

indicar-se em 1994.

138 Outra impactante semelhança encontrável nos discursos oficiais e nos cadernos do Banco Mundial, refere-se a recomendação de extinguirem-se os sistemas de aposentadorias de servidores públicos e, notadamente, de professores, como se pode observar no resultado das Emendas Constitucionais 20/98 e 41/03. Mas, o combate inclemente às ‘perniciosas’ aposentadorias dos servidores públicos não teria razão de ser na possibilidade destas frações da classe trabalhadora poderem, em caso de aposentadorias muito rebaixadas, constituírem aposentadorias complementares por capitalização, como sugere a última frase da nota em questão? Confira-se no texto:

“Se deben evitar los sistemas obligatorios segmentados según profesión y líneas ocupacionales debido a que impiden la movilidad laboral y pueden resultar en pensiones costosas e insostenibles para algunos subgrupos de la población. Las pensiones de los empleados públicos, a menudo los esquemas más antiguos en un país, deben ser integradas al esquema general y armonizado, para todos sectores. Los esquemas complementarios deben ser establecidos estrictamente sobre una base fondeada”. (2005:32).

147

Para o ‘quarto pilar’ de 2005 corresponde o ‘terceiro pilar’ de 1994 e diz respeito aos

depósitos voluntários. Neles não ocorreram mudanças substantivas dado sua natureza

voluntária e, em geral voltada às camadas da sociedade com renda mais elevada. O que

parece-nos é uma novidade importante neste item é a admissão dos benefícios definidos.

Dito de outro modo, impressiona que os benefícios definidos possam continuar a ser uma

possibilidade para as ‘contas voluntárias’ e de alto valor, sempre é bom lembrar, quando a

recomendação subjacente às políticas do Banco Mundial para a previdência pública,

centrem nesta modalidade de benefício a principal necessidade de mudanças.

O ‘quinto pilar e o último da ampliação proposta pelo Banco Mundial apresenta-se como

uma inovação respeitante às formas de solidariedade existentes no interior dos grupos

sociais. Para o Banco o ‘apoio informal intra-familiar ou inter-geracional’ ‘financeiro ou

não-financeiro’ deve ser estimulado, especialmente para o acesso à saúde e a habitação dos

idosos. Os conselhos do banco parecem caminhar na direção de orientar os governos dos

países do mundo nos quais há por tradição o cuidado dos velhos no âmbito das famílias,

para que estas práticas de resolução individual nos pequenos grupos sociais sejam

estimuladas. A conseqüência mais imediata destas ações é a desresponsailização do Estado

com a proteção aos idosos. Todavia, o mais estarrecedor é que aspectos da cultura de

alguns países passam a ser tomados como moldes de práticas de seguridade social e de

proteção aos idosos ideais, a serem difundidas pelas agências do grande capital como as

soluções para a aposentadoria da força de trabalho e devem ser estimulados nas diferentes

partes do planeta como algo factível e assimilado no modelo dos ‘pilares’.

Na grade comparativa entre o modelo dos pilares de 1994 e 2005, nota-se que a reação do

Banco Mundial às reformas das aposentadorias em alguma medida implementadas por todo

o mundo, tornou-se mais privatista sob dois pontos de vista:

1. a ampliação do benefício zero não se fez como uma política universal e

comprometida com a eliminação da pobreza dos velhos, já que ela está amarrada a

benefícios fixos e submetida a critérios que não servem para a modificação da situação da

qualidade de vida dos receptores, mas antes à manutenção da pobreza.

2. passou a fazer parte da grade de proteção à aposentadoria uma visão mais ‘ampliada’

da proteção e da seguridade aos idosos ao mesmo tempo em que a responsabilidade pelo

alargamento da proteção deve ser feito pelas redes privadas, sobretudo familiares, de

148

proteção. Vê-se um deslocamento da noção de direito, da noção da política pública como

ação estatal, republicana, para o ambiente da vida privada que quase sempre, acaba por

reforçar os caminhos mais conservadores e individualistas do cuidado. Em outro sentido,

igualmente lastimável, os idosos e a seguridade social a que cada um tem direito dependerá

da desigualdade de suas situações de vida e de classe. Será mais protegido aquele que tiver

uma família com maiores facilidades para lhe prover de assistência à saúde, cuidados de

profissionais e habitações mais adequadas às necessidades postas por sua condição

biológica. Menos protegidos estarão os idosos provenientes das camadas assalariadas que

não poderão reservar recursos para o cuidado dos velhos da família.

As saídas políticas criadas pelo Banco Mundial no alargamento da grade de possibilidades

disponíveis para os diferentes países realizarem as reformas dos sistemas de aposentadorias

públicas, assimilaram, taticamente, pontos econômico-culturais para que as reformas

alcancem maior sucesso, sem que a centralidade da operação seja descaracterizada, ou seja,

sem que a previdência pública seja reduzida tanto quanto for possível nas diferentes

conjunturas e lugares em decorrência das lutas que as classes lograrem desenvolver.

Na letra do próprio documento:

“Los principales cambios en la perspectiva del Banco conciernen el mayor énfasis que se le confiere a la provisión de un ingreso básico para todo anciano vulnerable así como al papel de los instrumentos de mercado para suavizar el consumo de los individuos, tanto dentro como fuera de los esquemas obligatorios de pensiones. El Banco reconoce cada vez más la importancia de las condiciones iniciales y la medida en que las condiciones en un determinado país precisan una implementación de un sistema multipilar a medida o tácticamente secuencial. (....) Este informe aclara y actualiza la perspectiva del Banco Mundial acerca de la reforma de pensiones, incorporando las lecciones aprendidas de la experiencia reciente y de la investigación, las cuales han permitido avanzar en la comprensión acerca de la mejor manera de proceder en el futuro. El documento ha sido desarrollado como una nota de política, no como un documento de investigación. Como tal, más que presentar nuevos resultados de investigación o de dar a conocer un nuevo enfoque, se intenta conceptualizar y explicar el pensamiento de la política actual en el Banco”.(2005:16/7).

Como um qualificado órgão de formulação e implementação do grande capital, o Banco

Mundial executa com considerável competência a propaganda de seus interesses, antecipa

os riscos e estabelece os ‘parâmetros-guias’ para os interessados em sua ‘ajuda’ técnica e

financeira na consecução das reformas em geral e das aposentadorias em particular. Por

149

isto, o documento em análise é sim, como o indicam os autores, uma nota política com as

estratégias a serem seguidas pelos países no alinhamento sugerido pelo grande capital

segundo as prescrições de sua agência paradigmática: o Banco Mundial.

2.3.3 o instrumental para viabilizar as reformas da aposentadoria

Salientou-se anteriormente a extensão e a profundidade do ‘envolvimento’ do Banco

Mundial com a reformas em todo o mundo. Como a maioria das reformas implementadas

pelo banco se deram nos marcos do modelo de 1994, enfatizava-se a construção de um

‘segundo pilar’ obrigatório e que correspondia na maioria dos países aos fundos de pensão.

Entretanto, no balanço feito no documento em análise, enfatiza-se a aceitação pelo

organismo de múltiplos ‘desenhos’ na implementação das reformas das aposentadorias ao

redor do mundo. Com isto, o documento parece querer expressar: os financiamentos aos

países não lhes impôs realizarem reformas a partir de modelo arbitrariamente construído

pelo banco.

No entanto, a construção das exigências ganha forma no debate ‘teórico’ e de ‘concepção’

e, explicita-se no metodológico pela avaliação dos rumos das reformas; ali, as

recomendações elevam-se a categoria de imperativos, de medidas sem as quais,

forçosamente, as reformas não lograrão sucesso, sempre é claro na perspectiva do grande

capital. Para avaliar o grau de fidelidade da reforma das aposentadorias à proposta do

organismo existem dois blocos de ‘critérios’: os relativos ao conteúdo e os concernentes ao

processo de reforma das aposentadorias.

São quatro os critérios de conteúdo, desinteressadamente, utilizados ‘para juzgar la solidez

de la propuesta’ (2005:24).

• A reforma representa um avanço suficientemente importante para se alcançar os

objetivos de um sistema de aposentadorias?

Para responder a este tópico o banco indica como parâmetro garantir-se com a reforma: a

proteção material aos idosos sem distinção de condições econômicas (consumo,

estabilidade econômica, distribuição de renda); a repartição dos custos de transição de um

regime de repartição a um de capitalização está dividida inter e intra gerações? Cumpre

indicar que a questão em si é uma forte tomada de posição frente aos sistemas de

150

aposentadorias existentes nos diferentes países independente de tantas variações

encontráveis entre eles; a inevitabilidade de todos terem de reformar sugere que todos os

países construíram sistemas de previdências que distam das finalidades das aposentadorias;

e, estranhamente, se os sistemas por repartição ou por solidariedade baseados das diferentes

gerações expressam o colapso dos sistemas existentes, parece-nos incoerente que o custo de

transição das reformas sejam de responsabilidade designadas às diferente gerações de

trabalhadores. Parece-nos que a ‘solução’ do banco orienta-se no sentido de evidenciar que

a manutenção do sistema de aposentadorias por solidariedade como desenvolvido nos

países é uma lógica falida na manutenção dos sistemas, mas não o é para arcar com os

custos da reforma, ditos custos de transição; neste caso o limite é a saída para o problema,

curiosamente!

• A reforma sustenta-se em objetivos macroeconômicos e fiscais?

Trata-se de indagar se projeções financeiras de largo prazo apontam a ‘sustentabilidade’ do

sistema de aposentadorias a largo prazo e, basicamente se os mecanismos econômicos e

financeiros das aposentadorias serão canalizados e poderão sustentar os mercados

financeiros e se haverá restrições e contenções fiscais de modo que os montantes

previdenciários possam ser ‘alocados’ em outros concursos.

• As estruturas pública e privada podem operar o novo sistema de aposentadorias

de multipilares de modo eficiente? Existem instituições reguladoras e

supervisoras para tratar com o risco aceitável?

Os critérios terceiro e quarto dizem respeito à estrutura institucional para a operação das

aposentadorias privadas e regidas por capitalização, isto é, estreitamente relacionadas às

instituições típicas do mercado financeiro. A preocupação com o desenho institucional e o

provimento dos órgãos e de estrutura mínima dizem antes respeito ao estabelecimento de

condições de funcionamento do mercado financeiro do que ao sistema previdenciário. Há

para notar-se que a preocupação com a edificação de mecanismos operacionais da

‘previdência privada’ são os necessários ao funcionamento dos mercados de capitais.

A avaliação do ‘processo de reforma’ realiza-se a partir de três critérios.

• O compromisso do governo é crível e de largo prazo?

A preocupação neste critério vincula-se aos critérios terceiro e quarto, acima expostos, de

que a reforma das aposentadorias esteja firmemente conjugada aos rumos da economia do

151

país, à estabilidade política e ao desenvolvimento e implantação completas da reforma das

aposentadorias.

• A reforma das aposentadorias encontra credibilidade junto a população e há

lideranças para realiza-las?

Recomenda-se: para a reforma não fracassar ela deve ser bem preparada “por el país

mismo, por sus políticos y sus técnicos, y ser comunicada eficazmente a la población y

aceptada por ésta. Las entidades externas al país, como el Banco, pueden ayudar con

consejos y con apoyo técnico, pero la propiedad y el apoyo público debe provenir del

mismo país”. (2005:26).

• O último critério explicita empenho no desenvolvimento de arranjos

institucionais como condição de sucesso da reforma das aposentadorias;

O banco relativiza a importância do marco legal das reformas ao indicar o que lhe é central:

“La reforma de pensiones no es simplemente un cambio en las leyes, sino un cambio en la

forma en que el ingreso de jubilación es proveído”. (2005:26). Na verdade a mudança nas

leis como parte pequena da reforma indica que o fundamental para a agência do grande

capital é sua transmutação de um sistema de repartição público a um sistema de

capitalização privado. O convencimento da população deve enfatizar a superioridade da

forma capitalizada, individual e financeirizada de ‘provimento’ da aposentadoria sobre a

previdência solidária e pautada em compromissos no interior da classe trabalhadora;

importa estabelecer por quem (os trabalhadores) e de que modo (por capitalização) serão

pagas as aposentadorias e, por óbvio, o respeito à legislação não parece ser a tônica central

das energias mobilizadas na reforma das aposentadorias, ao menos não parece ser para o

Banco Mundial.

2.3.4 Estratégias para a implementação da contra-reforma de aposentadorias

Uma nota política sobre tão importante tema para o grande capital restaria incompleta se

não apontasse estratégias para o triunfo da reforma das aposentadorias. As estratégias –

sinônimos para as já desgastadas expressões de imposição, dita condicionalidades - do

Banco Mundial para a reforma das aposentadorias, supõem, como manifesto, a alteração

significativa de várias dimensões do Estado e da economia de cada país, conforme as

152

condições presentes no arcabouço institucional e, sobretudo, na luta das classes, embora

isto não esteja posto de modo tão claro no documento e fale-se em condições herdadas.

As estratégias para a implementação da reforma das aposentadorias, conforme o documento

do banco, por vezes confundem-se com a própria reforma das aposentadorias. Assim, a

recomendação de que os sistemas de aposentadoria devem ser, preferencialmente,

montados por contribuição definida, com identificação e personificação das contas e com

valores unificados nas contribuições, são partes integrantes da reforma, os resultados

necessários, mas também são os meios de levar à reformas mais profundas, conforme seja a

possibilidade do capital e de sua incessante busca de lucros em patamares cada vez mais

avantajados.

Ainda sobre as estratégias recomendadas cumpre assinalar ao menos mais duas, ambas

estreitamente vocacionadas para o desmonte do Estado e na abertura de espaços cada vez

mais escancarados ao grande capital. São as medidas:

a) - Um órgão central para acompanhar os dados de arrecadação, regulação e

supervisão, como o indicado:

“La centralización recomendada del flujo de datos demanda la creación de un “clearinghouse” para consolidar algunos aspectos de las operaciones del segundo pilar con las del organismo que maneja el primer pilar o con la autoridad de impuestos. El “clearinghouse” puede tomar una variedad de formas a lo largo de un espectro que incluye usar un organismo estatal o quasi público para recolectar las contribuciones del segundo pilar y colocarlas en los fondos del segundo pilar, ser un centro de registros alternativo, o ser un centro de registros exclusivo y un agente de información de los participantes del fondo”. (WB; 2005; P35)

b) – a formação de um único órgão responsável pela arrecadação de impostos e das

contribuições à seguridade social. Na grafia do Banco Mundial:

“Un asunto relacionado se refiere a la coexistencia de unidades de recaudación de impuestos y de recolección de las contribuciones a la seguridad social. Aunque, en el largo plazo, hay muy buenas razones para tener una sola agencia recaudadora (la autoridad de impuesto nacional), la experiencia en algunas regiones indica que la velocidad y la preparación para emprender tal fusión tienen que ser muy bien analizadas.” (WB; 2005; P35)

Sob o governo Lula, assim como, especialmente, nos anteriores da década de 1990, nem

mesmo a ponderação do próprio Banco Mundial em relação aos tempos de implementação

de suas ‘estratégias’ contém o ímpeto servil em realizar as determinações do grande capital.

153

A malograda experiência da PREVIC (Superintendência dos Fundos de Pensão), criada

pela Medida Provisória nº 233 de 31 de dezembro de 2004 do executivo federal, em

substituição à SPC (Secretaria de Previdência Complementar) do Ministério da Previdência

e Assistência Social, depois de ter sido aprovada na Câmara Federal perdeu a validade em

15 de junho de 2005, sem ter sido apreciada no Senado Federal. A PREVIC, nome local

para a agência ou “clearinghouse” à brasileira, teria atribuições tais como: fiscalização das

atividades das entidades fechadas de previdência complementar (os fundos de pensão),

autorização da constituição e do funcionamento das entidades, celebração de convênios,

entre outras atividades, conforme reza o documento do Banco Mundial. O atual Secretário

da Previdência Complementar e Diretor-Superintendente de Previdência Complementar nos

dias em que a agência existiu, Adacir Reis, é de uma clareza lapidar sobre a natureza da

Previc. Diz, em entrevista ao sítio do Banco do Brasil:

“A SPC era uma secretaria na estrutura da administração direta, com atribuições próprias e alguma autonomia, mas vinculada à estrutura do Ministério da Previdência Social (MPAS). A Previc é uma autarquia, com orçamento próprio e maior independência e capacidade de ação. O modelo será um híbrido da autarquia clássica e da autarquia especial, que conhecemos no Brasil como agência reguladora. A rigor, a SPC não tinha estrutura estável, com uma carreira que proporcionasse estabilidade de comportamento ao sistema”.139

139 Adacir Reis, atualmente Secretário de Previdência Complementar do Ministério da Previdência e Assistência Social, já foi assessor de Luiz Gushiken quando o atual titular da Secretaria de Comunicação e Gestão Estratégica do governo Lula exercia mandato parlamentar. A entrevista pode ser conferida no sítio do Banco do Brasil, conforme consulta realizada em 05 de fevereiro de 2006: http://www.bb.com.br/appbb/portal/bbprv//EntrevistaDetalhePrev.jsp?Entrevista.codigo=521 . O livro do advogado Magno Mello, consultor legislativo da Câmara dos Deputados, A Face Oculta da Reforma Previdenciária, revela ‘curiosos’ detalhes da intrincada relação de poderosos dirigentes da “Articulação Bancária” no governo Lula, na contra-reforma da previdência e nos fundos de pensão. O sítio http://clipping.planejamento.gov.br/Noticias.asp?NOTCod=208755 , pronuncia-se sobre a relação de apadrinhados do secretário em vários ministérios como “A Conexão Gushiken”, texto de Vicente Nunes e Ugo Braga, do Correio Brasiliense e explicam a relação entre Luiz Gushiken e Adacir Reis da seguinte forma:

“(...) eles trabalharam juntos dando consultoria a fundos de pensão. Nem mesmo quando Gushiken exerceu mandato como deputado federal, eles se distanciaram. Entre 1995 e 1996, Reis foi assessor especial do amigo-deputado. A ligação de Reis com Gushiken é tão forte, que nenhum dos três ministros que passaram pela pasta da Previdência desde a posse de Lula — Ricardo Berzoini (que o nomeou), Amir Lando e Romero Jucá — atreveram-se a mexer com o chefe da SPC. Lando até que tentou enquadrá-lo. Mas diante dos sinais recebidos do Palácio do Planalto “para não mexer” com Reis, deu marcha a ré. Depois de deixar o ministério, Lando confidenciou a amigos que Reis era “intocável” e despachava diretamente com Gushiken. Indagado sobre sua ligação com o ex-ministro, Reis limitou-se a enviar, por meio de sua assessoria de imprensa, um breve currículo sobre sua vida profissional. Foi a forma que encontrou para mostrar que, pela sua experiência e formação — é diplomado em direito pela Universidade de São Paulo (USP) —, há justificativas de sobra para ocupar o cargo que lhe foi confiado”. Consulta realizada em 05.02.2006.

154

No entanto, a criação da PREVIC é também uma reivindicação que ‘atende’ ao sistema

de previdência complementar aí inclusos a ABRAPP (Associação Brasileira das

Entidades Fechadas de Previdência Complementar), ICSS (Instituto Cultural de

Seguridade Social), SINDAPP (Sindicato Nacional das Entidades Fechadas de

Previdência Complementar) e ANAPAR (Associação Nacional dos Participantes de

Fundos de Pensão), entidades de ‘previdência privada’ com forte atuação econômico-

política no país.

Ceci Juruá, em texto intitulado “O ano começa mal: para os trabalhadores! A Previc e a

fragmentação do Estado”140, mostra como a criação da PREVIC é mais uma forma, dentre

tantas outras utilizadas, de fragmentação e privatização do Estado brasileiro. Para a

analista, com posição contrária às das entidades de ‘previdência privada’,

“A partir do Governo Lula, no entanto, institucionalizou-se a captura dos principais cargos do primeiro escalão por representantes do grande capital. Ali estão, em vários privilegiados postos, personalidades com vínculos no passado ou no presente a bancos estrangeiros, a grandes empresas voltadas à exportação aos mercados financeiros.Os funcionários de carreira que se mantiveram leais ao Estado e à Nação estão sendo progressivamente afastados de cargos de de cisão. A gestão da coisa pública está sendo conduzida conforme a cartilha elaborada pelos agentes articuladores dos interesses do grande capital internacional - o Fundo Monetário e o Banco Mundial”. (Juruá; 2005).

Aos interesses representados poderíamos dizer que também, ao observar-se a estrutura dos

cargos de confiança da Secretaria de Previdência Complementar, estão contemplados os

interesses das consultorias aos fundos de pensão e às estruturas corporativas do mais

atrasado e servil sindicalismo que o petismo e a articulação cutista fizeram desenvolver nas

duas últimas décadas em nosso país. Estes cargos, como é desnecessário frisar, não são

alcançados por concursos públicos e, sob o governo Lula, parece haver apreço considerável

por destruírem-se as estruturas independentes e autônomas de interesses partidários e

governamentais à serviço do grande capital. Menciona-se aqui as características que o

corpo técnico do Estado têm a obrigação de fazer cumprir em respeito aos preceitos

republicanos, o que é diferente de apregoar a neutralidade das ações.

140 Texto disponível no sítio: http://www.lpp-uerj.net/outrobrasil/, em análises economia e política econômica de responsabilidade de Ceci Juruá, de 05.01.2005. Consulta realizada em 05.02.2006.

155

Importa notar, ainda que rapidamente: os técnicos concursados do Ministério da

previdência, e em especial os fiscais da previdência, se opõem fortemente à criação da

agência por sabê-la na direção da privatização da seguridade social.

A agência reguladora ideologicamente é apresentada por seus defensores como mais

autônoma, ágil e eficiente do que a administração pública direta como órgão do Ministério

da Previdência e Assistência Social. Juruá, com firmeza, combate a enfadonha afirmação de

‘superioridade’ do mundo privado sobre o Estado, como se este não estivesse quase sempre

a seu serviço e fosse o seu Estado, isto é do capital. Veja-se:

“Mas, há um detalhe que merece ser acentuado: os recursos necessários ao funcionamento da nova Superintendência virão das próprias entidades fiscalizadas, por intermédio de uma taxa que pode variar de R$15 a R$2,8 milhões! (...) Dadas as características do seu financiamento – taxa cobrada dos fundos de pensão – ela deverá representar não só um alívio financeiro para o orçamento público, mas também um instrumento de pressão adicional dos gestores desses fundos sobre o Estado brasileiro. Poderá ser mais um “enclave burocrático” administrado segundo uma lógica própria desvinculada dos objetivos nacionais coletivos. E um enclave com poder para definir políticas e disciplinar a aplicação de centenas de bilhões de reais!” (Juruá; 2005).

Por não ter logrado sucesso e após o arquivamento da medida provisória no Senado, a

estrutura jurídico-administrativa da agência teve de ser extinta e em seu lugar, pelo decreto

presidencial nº 5.469 publicado em 17/06/2005 a estrutura anterior sediada na Secretaria de

Previdência Complementar foi recriada com os mesmo diretores nomeados para a Previc

que, por sua vez, já faziam parte também dos cargos de confiança do Ministério de

Previdência e Assistência Social.

Quatro meses depois de a medida provisória que daria vida à agência Previc ter sido

arquivada, começaram a veicular novas – e mais ousadas! – intenções do governo Lula para

formação de agencia reguladora da previdência complementar. Note-se:

“O que a gente tem defendido é que essa convicção que se construiu sobre ter um novo órgão de supervisão [do setor de previdência complementar] não se perca. Essa discussão ainda está mal equacionada. A gente tem defendido que esse debate seja retomado com a possibilidade de criação de um novo órgão", disse o secretário de Previdência Complementar, Adacir Reis.141

141 Notícias da Folha Online – Dinheiro - de 27 e 28/10/2005 intituladas, respectivamente, ”Governo estuda ressuscitar Previc em forma de Super-Secretaria” e “Novo órgão pode reunir na mesma estrutura CVM, Susep e SPC”, por Fabiana Futema, de Porto Alegre, onde acompanhava o 26º Congresso Brasileiro dos

156

Mais do que uma convicção, a derrota sofrida pelo governo foi catalisada na direção de

uma privatização e uma autonomia da ‘previdência privada’ em relação ao Estado

brasileiro, sem precedentes. No rumo da desregulamentação do Estado, uma das

possibilidades aventadas pelo governo é a da fusão da SPC (Secretaria de Previdência

Complementar)142 com a Susep143 (Superintendência de Seguros Privados) e daria lugar ao

surgimento de uma super-agência de ‘previdência privada’.

No mesmo sentido da fusão para criar-se uma super-agência, mas com a proposta de uma

ampliação ainda mais generalizada, à SPC e à SUSEP incorporaria-se a CVM (Comissão de

Valores Mobiliário. Para o presidente da CVM, Marcelo Trindade, que revelou já ter sido

discutido o tema no governo anterior, "Essa é uma questão de governo. Se o governo quiser

discutir essa questão, a CVM está à disposição. Não será a CVM quem fará a discussão

ocorrer."

O empenho do governo Lula na criação de ‘agências reguladoras’ nada deve aos governos

que lhe antecederam na década de 90. Porém, a permanência de idéias tão assemelhadas

pode indicar muito mais do que convicção e necessidade em reformar o Estado brasileiro:

pode nos fazer supor mais do que coincidências, senão que a implementação de estratégias

políticas do grande capital – seriam as condicionalidades do Banco Mundial? –

potencializadoras da acumulação capitalista em seu momento de crise.

Um outro esforço do governo Lula acabou por gozar de maior sucesso do que a formação

da super-agência de ‘previdência privada’; trata-se da segunda estratégia sugerida pelo

banco: a formação de um único órgão arrecadador dos impostos e das contribuições sociais.

No Brasil do governo Lula, denominou-se esta iniciativa por super-receita. Aprovada na

Câmara dos Deputados em primeiro de fevereiro de 2006, é pouco provável que o Senado

Federal não confirme a apreciação do projeto de lei (PL nº 6.272/05) que institui a Super-

receita.

A prudência do Banco Mundial na recomendação de que a formação de super-secretarias

devem ser examinadas com vagar, pode decorrer das numerosas e fracassadas tentativas de

Fundos de Pensão, promovido pela Abrapp (Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar) 142 Responsável pela fiscalização dos Fundos de Pensão, vale dizer, a previdência complementar fechada. 143 Responsável pela fiscalização da previdência complementar aberta e estrutura de seguros.

157

unificação que foram executadas em períodos recentes nos países que seguiram a ‘cartilha’

das reformas do Estado e das aposentadorias pelo mundo.

O Departamento de Estudos Técnicos da Unafisco Sindical (Sindicato Nacional dos

Auditores-Fiscais da Receita Federal) elaborou sintético e precioso informe sobre as

experiências de unificação de órgãos arrecadadores de impostos e de contribuições sociais

sob a égide dos organismos do grande capital -FMI, Banco Mundial, OIT – e concluiu: os

países que se lançaram nesta aventura são países novos e que surgiram após a queda dos

regimes socialistas do leste europeu. Indica-o o texto:

“O estudo divulgado pelo FMI144 demonstra que os países que adotaram a integração entre o fisco e a previdência são novos e que surgiram após guerras e movimentos separatistas, como a Croácia, Sérvia e Montenegro. O texto também destaca os casos mal sucedidos de integração na República da Geórgia e na Lituânia. O financiamento da reconstrução desses países foi feito por organismos multilaterais (como o Banco Mundial), que também ficaram responsáveis pela reestruturação das finanças públicas e, em geral, organizaram o sistema previdenciário em fundos de pensão privados”. (Unafisco: 2006)

O mesmo estudo da Unafisco (2006), revela: pesquisa realizada pela OCDE, denominada

“Tax Administration in OECD Countries: Comparative Information Series (2004)”, para

os países integrantes da organização nos quais existem sistemas de seguridade social em

61% há órgãos específicos para a arrecadação da seguridade social145.

Há países centrais como a Noruega, a Suécia e a Finlândia com fiscos unificados, mas a

maioria dos países com fiscos unificados são os denominados periféricos.

Estudiosos da evolução da arrecadação da receita de impostos e de contribuições sociais,

os fiscais da Receita Federal e da Previdência denunciam: a razão para a unificação dos

144 Trata-se de pesquisa “em andamento no âmbito do Fundo Monetário Internacional (FMI) e divulgada por meio do estudo Integrating a Unified Revenue Administration for Tax and Social Contribution Collections: Experiences of Central and Eastern European Countries (2004)”. In Experiências Internacionais de Fusão dos Fiscos: A maioria dos países desenvolvidos não adota fisco unificado. Depto. de Estudos Técnicos da Unafisco Sindical (Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal). 20/01/2006. Disponível no sítio: http://www.unafiscosindical-sp.org.br/´. 145 “O estudo da OCDE revela que países como Portugal, Espanha, França, Alemanha, Itália, Suíça, Coréia, Japão e México não têm estrutura unificada. A Espanha chegou a passar por uma experiência na década de 80, que não durou mais que três anos. A Inglaterra tem uma estrutura unificada, mas permanecem duas unidades semi-autônomas sob um comando único. A pesquisa revela a predominância da estrutura conjunta nos países do Leste Europeu, que unificaram as arrecadações fiscal e de contribuições sociais, e também na Argentina, nos Estados Unidos e no Canadá”. In Experiências Internacionais de Fusão dos Fiscos: A maioria dos países desenvolvidos não adota fisco unificado. Depto. de Estudos Técnicos da

158

órgãos de arrecadação é a possibilidade de usar os recursos generosos da previdência social

para formar superávit primário pela Desvinculação das Receitas da União que, em caixa

único, comporiam extraordinários recursos, como observa Paulo Antenor de Oliveira em

texto intitulado “Para democratizar a Receita Federal”:

“O ano de 2005 trouxe para a Receita Federal a maior arrecadação de sua história. Para o ano de 2006, com a incorporação da Secretaria da Receita Previdenciária pela Secretaria da Receita Federal, espera-se uma arrecadação superior a meio trilhão de reais.”

Desde a aprovação da lei que autoriza a Desvinculação das Receitas da União (DRU) no

limite de 20% estendido até 2007 e com a possibilidade de elevar-se a 35% para os anos

seguintes, podem ser repassados do orçamento da Seguridade Social 146 (Cofins, Cpmf,

Cide, Csll) contribuições para financiar a saúde, a assistência social e a previdência para,

por exemplo, o pagamento dos serviços da dívida. Desnecessário afirmar que estas

transferências têm sido a razão do anunciado ‘rombo da previdência’ que exige novas e

contínuas contra-reformas redutoras dos direitos conquistados pelos trabalhadores e, uma

vez que tais recursos passem a formar ‘anonimamente’, indiferenciadamente, a milionária

arrecadação da super-receita, crescerá o universo sobre o qual incidirá a aplicação da DRU.

Há alguns anos e nos últimos governos realizaram-se várias alterações na estrutura jurídico

política que regulamenta a seguridade social com especial relevo para as Emendas

Constitucionais nºs 20/98 e 41/03 da contra-reforma previdenciária, na direção de fazer da

previdência social um seguro destituído dos traços característicos de uma política social

porque fundado na exigência da contribuição; dito de outro modo as aposentadorias

somente seriam acessíveis aos que contribuíram ao longo de sua vida laboral e, assim,

exclusivamente financiadas com recursos relativos à folha de salário. Da viabilização de

uma tal medida, os impostos incidentes sobre o lucro, o faturamento e a movimentação

financeira do capital resultantes, em última instância, da exploração do trabalho, deixariam

de existir e atender-se-ia uma antiga reivindicação do capital no Brasil – em um outro

Unafisco Sindical (Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal). 20/01/2006. Disponível no sítio: http://www.unafiscosindical-sp.org.br/´. 146 Ver nota do Diap: Super-Receita, TCU e o superávit fiscal. DIAP. 1/2/2006. www.diap.org.br Consulta realizada em 5 de fevereiro de 2006.

159

momento adjetivado “Custo Brasil” – e que reduziria o valor do já explorado trabalho no

país. 147

Para Maria Lúcia Fatorelli Carneiro148, o governo “Ao considerar apenas as contribuições que incidem sobre a folha de salários, o governo tenta “legalizar” o rapto de parcela fundamental das receitas previdenciárias garantidas e vinculadas pela Constituição Federal para o financiamento da Seguridade Social, aí incluída a Previdência Social. Por isso, a aprovação deste projeto de lei é altamente temerária para o conjunto dos trabalhadores brasileiros e para aqueles que dependem dos benefícios pagos pela Previdência. O governo não se cansa de apregoar que a previdência pública é deficitária, entretanto, dados oficiais, confirmados inclusive pelo último relatório do Tribunal de Contas da União149, comprovam que o déficit apurado pelo governo decorre do fato deste considerar somente as receitas decorrentes das contribuições que incidem sobre a folha de pagamento (como pretende legalizar o PL – 6272). Ao considerarmos o conjunto de contribuições sociais previstas na Constituição Federal para o financiamento da Seguridade Social (Saúde, Previdência e Assistência Social), constatamos que esta é altamente superavitária, conforme quadros abaixo, relativos respectivamente aos anos de 2003 e 2004. Estes quadros demonstram que a seguridade social foi superavitária, nesses dois anos, em R$ 31,73 bilhões e R$ 42,53 bilhões (...)”.

Com a finalização da votação na Câmara dos Deputados em 1º/02/2006, a apreciação do

projeto de lei (PL nº 6.272/05) que cria a Super-Receita, seguiu para exame e votação pelo

Senado Federal. Sua aprovação, conforme recomenda-se no documento do Banco Mundial,

responde às estratégias indicadas pelos organismos do grande capital que, de modo as vezes

quase imperceptível, trata de fazer acontecer as suas demandas expansionistas150.

147 Conferir Pochman (1998 e 1998a). 148 “Fusão dos Fiscos” Ameaça o Pagamento de Aposentadorias e Benefícios Previdenciários. A autora é 2ª vice-presidente do Unafisco Sindical e coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida pela Campanha Jubileu Sul Brasil. www.jubileusul.br 149 Tribunal de Contas da União - Relatório e Pareceres Prévios sobre as Contas do Governo da República - Exercício de 2004 - Ministro Benjamin Zymler – Relator - Brasília – 2005, págs 165-166. Disponível no site : http://www2.tcu.gov.br/pls/portal/url/ITEM/F9AD88AEDE450AD8E030010A700072A3 150 É muito curioso especular razões das mudanças de rota no que se refere à criação de um órgão único de arrecadação do Estado. No documento de 1994 (161), difundia-se orientação exatamente contrária a esta. Acompanhe-se a citação:

“Reservas de aposentadorias deveriam ser mantidas separadas dos fundos gerais do governo, e os investimentos poderiam ser diversificados. Investimentos forçados em seguridades governamentais que, freqüentemente, resultam em retornos negativos, poderiam ser evitados. Melhor ainda, porque estas mudanças podem não ser politicamente praticáveis e as reservas de aposentadoria irão continuar a ser desviadas para projetos governamentais de baixo rendimento, o plano de aposentadoria pública poderia funcionar com uma taxa base financiada estritamente. Reservas de aposentadoria poderiam ser acumuladas em um pilar privado que é mais protegido de influências políticas”.

160

Por fim e para encerrar o já longo comentário sobre o texto de 2005, são denominadas pelo

Banco Mundial e pelos autores por ‘externalidades positivas’ (35 e 37) as ‘melhorias’

alcançadas no processo de incremento dos lucros, dos juros e dos ganhos de capital

propiciados pelas contra-reformas das aposentadorias propostas pelo banco. Todavia, a

própria denominação ‘externalidade positiva’ parece querer fazer entender que as contra-

reformas das aposentadorias teriam como subproduto o incremento do lucro, quase como

uma conseqüência imprevisível da redução dos direitos do mundo do trabalho. A afirmação

da tese central da reforma das aposentadorias como necessárias e benéficas ao mundo do

trabalho difundidas pelo grande capital não são sequer a reatualização do discurso do

capital como portador universal dos direitos de todos. Ao salientar a férrea obrigação de as

sociedades reformarem suas aposentadorias o ‘capital financeiro’ inverte o central (as suas

necessidades de potencializar os lucros, especialmente na forma de juros) pelo secundário,

as reformas das aposentadorias que não são senão a possibilidade de transferir valores do

salário para o capital e poder enfim realizar anedoticamente os limites da economia política

clássica que definia o salário como renda. Risível e trágico porque lá o salário constituiria a

renda do capital e aqui o salário é a realização da renda, só que ... apropriada pelo capital.

Se para o capital há coerência em nominar o central por ‘externalidade positiva’, ao

trabalho não pode haver ilusões: a contra-reforma das aposentadorias do capital nem é uma

externalidade posto ser uma ‘saída’ momentânea para um novo patamar de lucratividade e,

por esta razão mesma, por sustentar-se na super-exploração do trabalho, jamais poderá ser

considerada positiva.

2.4 Banco Mundial e previdência no Brasil: o relatório de 2000.

Em junho de 2000, o Banco Mundial elaborou relatório151 específico sobre a previdência

social brasileira, no qual emitiu juízo sobre a reforma realizada em 1998 e prescreveu as

151Documento do Banco Mundial. Brasil – Questões críticas da previdência social. Relatório nº 19641-BR. (em dois volumes). Unidade de Administração, Brasil Região da América Latina e Caribe,19 de junho de 2000. O relatório vem assim apresentado: “Este relatório consiste de dois volumes. O Volume I contém uma sinopse pormenorizada das apurações do relatório e das suas conseqüências políticas, escrita para um público geral interessado nas principais mensagens do relatório. O Volume II é o Relatório de Política, destinado a formuladores de política e a especialistas e contém discussões sobre as recomendações mais importantes de política sobre cada um dos componentes do sistema brasileiro de previdência social”(vol. I,

161

tarefas centrais, indispensáveis e imediatas, a serem desenvolvidas nos anos e governos

vindouros.

O relatório específico para o Brasil, principia por apresentar um diagnóstico da previdência

social sem substantivas diferenças do que já havia anunciado no documento de 1994:

“O sistema da previdência social no Brasil enfrenta problemas causados por déficits fiscais insustentáveis, iniqüidade e desequilíbrios atuariais, custos de eficiência desnecessariamente altos e falta de diversificação em virtude da baixa cobertura dos esquemas custeados”. (2000; VIII).

Feito o diagnóstico a agência multilateral apresenta o seu desenho e a sua leitura, em

quatro partes, do sistema brasileiro de previdência e pensões:

1. O sistema nacional (Regime Geral da Previdência Social);

2. O sistema de pensões dos funcionários públicos (Regime Jurídico Único/RJU);

3. Os planos de pensões custeados (da Secretaria de Previdência Complementar/SPC);

4. Planos de pensões custeados para garantir os benefícios do RJU ou suplementa-los

(trata-se dos fundos de pensão de funcionários públicos de diferentes estados da

federação)152.

Da caracterização do sistema previdenciário brasileiro emergem as conclusões

referenciadas no modelo dos três pilares formulado pelo Banco Mundial em 1994. A

análise do sistema brasileiro, evidencia as desvirtudes em relação ao modelo formulador,

ao padrão ideal-tipo preconizado pela a agência. Desnecessário dizer, mas as correções

para as aproximações ao modelo é o que constitui matéria das contra-reformas,

recomendadas pelo banco.

pág. V). É curioso observar que para o Banco Mundial, INSS (Instituto Nacional de Seguro Social) é Instituto Nacional de Seguridade Social ao longo do relatório todo. Ademais de um simples erro de digitação ou de tradução, seguro e seguridade denotam diferentes e opostas concepções. É risível que a agência que pretende tornar a política previdenciária um ‘seguro’ acessível ao que paga, a confunda com seguridade, ou seja como uma política social e assim, gratuita. De modo igual, o Regime Jurídico Único (RJU) que regulamenta as relações de trabalho dos servidores públicos é reduzido, pelo Banco Mundial, ao regime de pensões para os funcionários públicos. Donde se pode supor as razões dos ataques dos governos das décadas de 90 e 2000 ao RJU. 152 Pela Emenda Constitucional aprovada em 1998 (EC 20/98), aos Estados foi possível implementar os fundos de pensão para os servidores públicos e vários o fizeram. São paramétricos os criados nos Estados da Bahia, do Paraná e do Rio de Janeiro. No plano federal, foi somente a Emenda constitucional de 2003 (EC 41/03) que instituiu tal possibilidade; antes disto e pela EC 20 exigia-se, no plano federal, a aprovação de um projeto de Lei complementar para a criação de fundos de pensão para os servidores públicos daquela alçada. Como o projeto de Lei nunca logrou ‘êxito’ e não obteve a aprovação no Parlamento, ao governo Lula coube remover os óbices exigidos pelo ‘capital financeiro’s e aprovar a “contra-reforma” da previdência como a primeira grande medida de seu governo. Sabe-se hoje, que tal ‘contra-reforma’ só foi possível graças aos ‘mensalões’ fartamente distribuídos pelo governo Lula aos seus aliados no parlamento.

162

Veja-se na letra do próprio relatório:

“Na terminologia popularizada pelo Banco Mundial, o sistema de apoio à velhice no Brasil tem um primeiro pilar grande, compulsório, administrado pelo Estado e pago na medida em que é usado, que consiste do RGPS e do RJU e de um terceiro pilar relativamente menor, voluntário, com financiamento e administração privadas que consiste do SPC. O Brasil não tem um segundo pilar, isto é, um componente financiado compulsoriamente, do qual a maior parte dos países latino-americanos agora dispõem. Os países com um terceiro pilar grande, como os Estados Unidos, também não têm esquemas nacionais financiados compulsoriamente. Mas depois das reformas em muitos países latino-americanos na década de 1990, o Brasil é o único na sua região com um primeiro pilar grande, nenhum segundo pilar e um terceiro pilar relativamente insignificante”. (2000; VIII – grifos adicionados).

Diferente do que indicava o Banco Mundial em seu relatório de 2000, atualmente, o

chamado 3º pilar tem um crescimento muito significativo e alcança ao redor de 100 bilhões

de reais. O segundo pilar, denominado no Brasil, Fundos de Pensão (as previdências

privadas fechadas), movimentam nos dias atuais, no país, algo em torno de 15 a 25% do

PIB (Produto Interno Bruto) ou aproximadamente 300 bilhões de reais em 2006 e seus

recursos são disputados pelas frações de classe e grupos ocupantes do Estado de modo

bastante intenso.153

As observações do Banco Mundial sobre o ‘segundo pilar’, seriam mais corretamente

postas se não ignorassem a existência dele no Brasil, muito embora ele não seja obrigatório

ou conforme o relatório, ‘financiado compulsoriamente’. Dito de modo diverso, observa o

153 É suficiente lembrar as encarniçadas disputas que envolveram o Grupo Opportunity do banqueiro Daniel Dantas, de um lado, e os fundos de pensão (especialmente Previ e Funcef) Citigroup, de outro, pelo controle e gestão da Brasil Telecom. A Brasil Telecom oferece telefonia celular nas regiões Sul, Centro-Oeste e em Rondônia, Acre e Tocantins por meio da Brasil Telecom GSM e também serviços de longa distância. Explora ainda serviços de telefonia fixa nas regiões Sul, Centro-Oeste e no Acre, em Rondônia e no Tocantins. “A Brasil Telecom foi criada com a privatização do sistema Telebrás, ocorrida há sete anos. À época, o governo FHC cindiu a companhia em várias, vendidas por meio de leilão. Participaram vários consórcios -grupos que, geralmente, reuniam uma operadora internacional, investidores financeiros e administradores. Foi assim que a Brasil Telecom acabou vendida ao consórcio que reunia Telecom Italia, Citi, fundos de pensão e o Opportunity. Sucessivos desentendimentos por conta do modelo de gestão criaram uma divisão dentro da empresa: o Citigroup era aliado do Opportunity e os fundos duelavam ao lado dos italianos. Entre o final de 2003 e o começo de 2004, essa configuração começou a mudar. Os fundos destituíram o Opportunity por justa causa, sob o argumento de que o banco agia em proveito próprio à frente da companhia. Colocaram no lugar a Angra Partners, gestora que contava com representantes oriundos do Citi e do grupo Andrade Gutierrez, um dos controladores da Telemar. Atualmente, Citi e fundos militam juntos. Do outro lado do ringue estão Telecom Italia e Opportunity. Os italianos compraram a parte do Opportunity na Brasil Telecom. A venda está sendo contestada pelo Citi e os fundos na Justiça. A Telecom Italia e o Opportunity, por sua vez, têm ações judiciais contra acordos entre Citi e fundos”. Folha de São Paulo, São Paulo, sexta-feira, 29 de julho de 2005.

163

banco que os fundos de pensão não se constituem no Brasil como uma instância de

aposentadorias obrigatória, como nos demais países da América Latina, nos quais em geral

a previdência pública é ‘complementada’ por uma segunda previdência também

obrigatória, só que a segunda é privada. Nos demais países são em geral as

Administradoras de Fondos de Pensiones, as AFP, modelos do tal ‘pilar’ a partir da

reforma chilena de 1980.

Com relação ao sistema público de aposentadorias, o mais abrangente sistema

previdenciário de nosso país, com cerca de 23 milhões de benefícios, é considerado pela

agência multilateral como portador de vulnerabilidades por expor os brasileiros ‘aos riscos

vinculados ao investimento numa carteira sem diversificação’(2000; IX); trata-se da

previdência social gerida pelo Estado.

O argumento sustentado ao longo de nosso trabalho é o de que a ‘carteira sem

diversificação’ é, ao fim e ao cabo, o móvel das contra-reformas e é o uso e a apropriação

destes largos recursos por frações do capital a justificativa para o desmonte da previdência

social; sua abrangência e eficácia obstaculizam o crescimento do mercado privado de

aposentadorias, abertas e fechadas.

Para o Banco Mundial a previdência social brasileira

‘exacerba as distorções do mercado de trabalho e desvia recursos exíguos dos serviços sociais, tais como a educação (...) A previdência social tem prejudicado o crescimento corrente contribuindo para a enorme dívida pública do país e agora ameaça a prosperidade por muitos anos no futuro na medida em que desvia recursos que deveriam ser investidos no futuro” (2000; IX – grifos adicionados).

As fontes de financiamento destas distintas políticas sociais – educação e previdência – são

também variegados e não se justifica – a não ser por razões ideológicas – a oposição ente

elas, já que não partilham recursos. O desrespeito aos preceitos constitucionais ocorre na

mão inversa; isto é, são os impostos cobrados ao capital para o financiamento da

previdência social que, com maior freqüência, são objeto de isenção concedidos pelo

Estado aos donos dos negócios privados.154

154 Exemplos: Pro Uni, Simples, Isenções à Exportação etc.

164

A dívida pública brasileira não tem origem nas contas da seguridade social – da qual é

parte a política previdenciária – e tão pouco em seus déficits criados artificialmente,

conforme já o demonstraram Tavares (2001); Anfip (2006) e Marques (2000).

Os dados das aplicações da ‘previdência privada’ brasileira, fechada e aberta, sinalizam

quem são os detentores da dívida pública brasileira e com isto se pode aferir quais são os

interesses e seus verdadeiros donos, conforme demonstrado no capítulo 1.

O método do documento de 2000 sobre o Brasil em tudo assemelha-se e reproduz os

argumentos de 1994: seu caráter propagandístico opõe e fomenta disputas no âmbito do

financiamento e execução das políticas sociais. No documento de 2000 estimula-se

antagonismos da previdência versus educação, dos trabalhadores filiados ao Regime Geral

da Previdência Social versus os trabalhadores regidos pelo Regime Jurídico Único

(trabalhadores do Serviço Público Federal)155, aposentados versus trabalhadores atuais,

ricos versus pobres156.

Como nada de substantivo modificou-se no diagnóstico do banco desde 1994, a

recomendação para o Brasil em 2000 antecipou a ação do governo Lula da Silva na contra-

reforma realizada em 2003.

Para o banco era indispensável contra-reformar:

A redução das diferenças entre o RJU e o RGPS será um grande passo no sentido de maior equidade e melhor redistribuição na previdência social do Brasil. Cortar os benefícios do RGPS (por exemplo, por meio da nova fórmula de benefícios) sem também reformar as pensões do RJU irá exacerbar a

155 Não se pode creditar ao descuido na apresentação do relatório existirem , na mesma página, uma única informação com conteúdo diverso. A mencionar-se os benefícios médios do Regime Geral da Previdência Social, menor do que dois salários mínimos, se os compara com os benefícios médios do Judiciário Federal e afirma-se valores superiores aos quarenta salários mínimos. Na mesma página, idêntica informação apresentada no que na linguagem jornalística denomina-se ‘olho’, isto é o destaque que se quer dar a uma parte da notícia, os valores médios das aposentadorias do Judiciário Federal sobem a ‘mais de 50 salários mínimos’(2000:X). Curiosamente, omite-se a enorme diferença existente entre os benefícios médios dos trabalhadores do judiciário e os postos mais qualificados, notadamente Magistrados, Desembargadores etc. Uma afirmação inverídica somente pode estar a serviço das ‘manipulações políticas’ condenadas pelo banco. Do contrario, e em um trabalho sério, dir-se-ia quais são as categorias de trabalhadores do Estado que são tidas como privilegiadas e abrir-se-ia o debate para avaliar o que é razoável como remuneração ao corpo de magistrados. Todavia, não é demais observar que nas contra-reformas previdenciárias de Fernando Henrique Cardoso em 1998 e de Lula da Silva em 2003, o mais graduado nível de servidores do Judiciário Federal foi o menos prejudicado pelas reformas que preconizavam ‘redução de privilégios’ aos servidores públicos. 156 Antes que erroneamente se credite ao Banco Mundial o incitamento à luta de classes, cumpre observar quem são os ricos para o grande capital: são os trabalhadores com maior nível de instrução que, supostamente, ganham maiores salários, bem como a iniqüidade no Brasil refere-se aos diferentes valores das aposentadorias e em nada diz respeito a concentração de renda – uma das maiores do mundo – nem com a estrutura de classes no país. (BM; 2000:XVII e XXIII).

165

iniqüidade de renda, mesmo que ajude a conter o ônus fiscal geral. (BM; 2000: XI).

Torna-se manifesta a orientação das contra-reformas previdenciárias no Brasil. Aos ex-

trabalhadores que se converteram em ‘agentes sociais da burguesia’ e que desqualificam os

críticos das contra-reformas também porque estes revelam as origens dos argumentos que

os prepostos do capital (em todos os escalões governamentais ou não) utilizam, é

pedagógica a leitura do documento para as contra-reformas no Brasil.

Após a Emenda Constitucional nº 20 de 1998 realizada pelo governo de Fernando

Henrique Cardoso coube ao governo Lula da Silva contra-reformar com a Emenda

Constitucional nº 41 de 2003, exatamente na direção do que propugnou em 2000 o grande

capital no documento do Banco Mundial para o Brasil: a redução de ‘iniqüidades’ deve- se

combater por medidas que tornem todos mais pobres e menos assistidos. À contra-reforma

do governo de Fernando Henrique Cardoso – rebaixou os direitos previdenciários da força

de trabalho empregada pelo capital – seguiu-se a do governo Lula da Silva – voltada

especialmente para promover a ‘igualdade’ da força de trabalho empregada pelo Estado a

diretamente empregada pelo capital. Como a contra-reforma da previdência dos

trabalhadores empregados no Estado foi mais profunda do que a anteriormente operada

para a força de trabalho empregada pelo capital em 1998, prescrevem, proprietários e seus

representantes, nova contra-reforma no âmbito das aposentadorias do Regime Geral de

Previdência Social como tarefa do governo que assumirá o comando do Estado brasileiro

em 2007. Como antecipado em 2000, as contra-reformas previdenciárias não fazem parte

do passado da agenda política do grande capital para o nosso país: “O primeiro avanço da

primeira rodada de reformas foi – na medida em que removeu a fórmula de benefícios da

Constituição – tornar mais fáceis as reformas mais profundas”. (BM; 1994: XIV).

Em passagem diversa do documento do Banco Mundial, outra amostra da incompletude

do grande capital quando se trata de inventar saídas para suas crises e de forjar novos

espaços de acumulação, temos: “os desequilíbrios fiscais no Regime Geral a médio e

longo prazos indicam que outras reformas serão necessárias nos próximos cinco a dez

anos”. (2000: XV).

166

O propósito das contra-reformas aparece também neste relatório, na astuciosa avaliação de

que são assaz limitadas as possibilidades de crescimento da ‘previdência privada’. Na

ponderação, a razão das contra-reformas, segundo o texto:

“Embora os planos de pensão das empresas administrem ativos de aproximadamente R$100 bilhões, a cobertura desses planos continua restrita a cerca de 5% da força de trabalho. A cobertura restrita deste terceiro pilar do seguro de velhice é algo surpreendente para um dos países com um dos mercados de capital mais sofisticados de todo o mundo em desenvolvimento. Dada essa potência institucional, as razões prováveis disso são o tratamento tributário desfavorável para as contas de aposentadoria, uma estrutura inadequada de regulamentação e supervisão que não inspira confiança dos investidores e a generosidade do primeiro pilar das pensões não financiadas. Quase todos os países da OCED têm um modelo EET157, em que as contribuições para pensões e o retorno dos investimentos são isentos de impostos e apenas os benefícios das pensões são sujeitos a tributação. Em contraste, o Brasil tem o que se pode chamar um sistema “eet”, com limites sobre tais isenções, mas também consideráveis incertezas quanto à tributação. A redução da carga fiscal e dos benefícios prometidos nos sistemas de pensão do primeiro pilar são os outros instrumentos para crescimento mais rápido dos fundos de pensão no Brasil. Em 1980, os ativos dos fundos de pensão como fração do PIB tanto no Brasil como no Chile representavam 1% do PIB; atualmente, esse coeficiente é de cerca de 10% no Brasil e mais de 40% no Chile, onde reformas amplas da previdência social enfrentaram essas vulnerabilidades. (BM; 200: XIII – grifos e negrito adicionados).

A receita e a tarefa aos governos, enfim, apresentam-se com limpidez tal que faz os

abnegados funcionários do capital em cargos de comando no Estado brasileiro refutarem

estas vinculações como mentiras e discurso fácil de uma ‘esquerda não qualificada’,

justamente por os criticar. Contra-reformar a previdência, objetivamente, é liberar o

capital de devolver uma ínfima parte do que anteriormente expropriou da força de

trabalho na forma de impostos ao fundo público e, simultaneamente, reduzir os direitos

previdenciários dos trabalhadores para que partes importantes das contribuições da força

de trabalho ativa seja carreados aos planos privados de aposentadorias. Assim, e somente

pela amputação da previdência pública, ‘o sofisticado mercado de capitais do país’

poderá dispor de vultuosos fundos para a ‘previdência privada’.

157 - Regime que isenta de impostos as contribuições das pensões e a renda dos investimentos, mas tributa os benefícios das pensões, conforme o banco. Tal modo de tributação, em vigência no Brasil, atrai pela facilidade de não cobrar impostos no momento das contribuições mas faz a agência considerar esta uma forma tributária desfavorável de tratar as aposentadorias, justamente porque a tributação no momento da retirada incide sobre uma soma importante, em geral acumulada em anos.

167

A leitura atenta dos documentos orientadores das contra-reformas da previdência, sejam

os ‘fundadores’, como o de 1994 e o de 2005, ou os específicos para cada país, é o caso

do relatório para o Brasil, adiciona convicção ao interesses e necessidades que preceituam

e comandam as contra-reformas previdenciárias.

As ‘recomendações’ são tão banalmente detalhadas no plano das ‘estratégias’,

especialmente na adaptação das legislações na qual o papel do estado consistirá em

supervisionar e fiscalizar e na criação de ambientes favoráveis à aceitação das contra-

reformas pelo recurso à propaganda junto ao eleitorado, como se segue:

“Aumentar a cobertura do fundo de pensões: As principais reformas necessárias são melhor supervisão dos planos patrocinados pelos empregadores e um tratamento fiscal mais amistoso das contas individuais de aposentadoria (ver detalhes na Tabela 4); criação dos planos patrocinados pelos empregadores com normas similares às que prevalecem no setor privado, embora isso só deva ocorrer depois da mudança das normas atuais do RJU -- por meio de negociações com o funcionalismo público, precedidas por comunicações estratégicas para informar o eleitorado dos benefícios da reforma da previdência social (ver detalhes na Tabela 5). 38. As reformas do RJU deveriam ter prioridade em relação a novas mudanças na estrutura. Indubitavelmente, a reforma do RJU será politicamente difícil. Para facilitar essas reformas, os efeitos adversos iníquos que reformas adicionais do RGPS teriam se não ocorrerem reduções na generosidade das pensões do RJU deveriam ser divulgadas amplamente para gerar apoio político para a reforma do RJU”. (BM;2000: XXXI – grifos adicionados).

A leitura do relatório do Banco Mundial de 2000 para o Brasil cotejada com as páginas e

recomendações e a análise das duas últimas contra-reformas previdenciárias,158 a de 1998

e a de 2003, realizada em retrospectiva, atestam com indizível força a opção e o caráter

de classe – a do grande capital – condutores dos governos de Fernando Henrique Cardoso

e de Lula da Silva. As marcas da opção por uma fração de classe da burguesia nestes

governos, evidenciam-se de modo tal que os preceitos de soberania e autonomia da nação

podem ser seriamente questionados: os projetos de desmonte da previdência social, neste

e em outros países, respondem às necessidades do capital apátrida que se move por

conveniências, cada vez mais imediata, do acréscimo dos lucros159 em estreita relação

com os Estados nacionais, sem que isto seja uma contradição.

158 Trata-se, especialmente, das contra-reformas previdenciárias registradas nas Emendas Constitucionais nº 20 de 1998 e na nº 41 de 2003. 159 Ver Netto, Capitalismo Monopolista e Serviço Social, (1992: 17 e ss).

168

Capítulo 3. Gênese e desenvolvimento da ‘previdência privada’ no Brasil

Uma análise histórico-sistemática da gênese e do desenvolvimento da ‘previdência

privada’, dita complementar, aberta e fechada160, exige-nos enfrentar, na experiência

brasileira, especialmente nos dias de hoje, argumentos ideo-políticos e econômico-

financeiros que reivindicam as primeiras formas de organização previdenciárias existentes

no país como autênticas expressões dos sistemas de capitalização por intermédio de duas

argumentações intimamente relacionadas:

1. A tendência à naturalização das primeiras formas de organização previdenciária

construídas ainda no século XIX (os montepios e as caixas de aposentadoria e pensões)

como embriões das atuais entidades de ‘previdência privada’, como se fora uma

construção encadeada e em progresso linear que, inelutavelmente, chegou ao lugar

devido, superior e inquestionável, o melhor;

2. O discurso econômico criticado em Paulani (2005) é o mesmo que faz da ‘previdência

privada’ instituição anistórica e apartada de relações sociais de produção determinadas

e que, em razão de necessidades internas a sua própria lógica, em um dado momento a

fizeram surgir no mundo e no Brasil.

Em nosso país, pode-se dizer com razoável segurança, o debate sobre a ‘previdência

privada’ já acumulou considerável volume de produções, especialmente no âmbito do

direito, da ciência atuarial, da economia e matemática financeiras e da estatística. Todavia,

estas análises ao especializarem-se, separam-se das necessárias críticas da economia

política e, em geral, produzem mistificações servis a legitimar o desmonte da previdência

pública.

O exame do debate que precedeu a elaboração do ordenamento jurídico-político relativo à

‘previdência privada’ no Brasil, ocupou espaço privilegiado nas páginas da Revista “Visão”

importante instrumento de difusão das idéias burguesas nas décadas de 70 e 80 do século

XX, por isto funcionaram, a nosso juízo, como um indicador raro das razões pelas quais foi

construída a ‘previdência privada’ no Brasil. Com tais indicadores, passamos ao exame de

160 A previdência completar apresenta-se sob duas modalidades: a aberta e a fechada. A aberta é a praticada por instituições financeiras (bancos, seguradoras etc) e constitui-se na forma de sociedade anônima, com fins lucrativos. A fechada corriqueiramente conhecida por fundos de pensão é instituída por empresas e por entidades associativas do mundo do trabalho. Sua forma legal é a de entidade sem fins lucrativos.

169

alguns diplomas legais que nos ajudam a explicitar as razões e os interesses que orientaram

a constituição da ‘previdência privada’ no país, bem como auxiliam na revelação da

natureza essencialmente capitalista desta instituição.

Como nos dias atuais os interesses que movem a amputação da previdência social não têm

sido tão explícitos quanto os usados pelos capitalistas protegidos pelo plúmbeo manto da

ditadura militar, nosso exame da Constituição Federal de 1988 e das reformas

constitucionais sofridas ao longo dos dezoito anos seguintes nos artigos relativos à

previdência social – seja as realizadas no Regime Geral de Previdência Social seja as dos

Regimes Próprios dos Servidores Públicos – fundamentam a convicção de que há uma

articulação necessária e inevitável no desmonte da previdência social para o crescimento da

‘‘previdência privada’’.

3.1 Criação e desenvolvimento da ‘‘previdência privada’’ no Brasil

No Brasil, as fundações de seguridade foram constituídas, basicamente, no período em que

o Estado foi ocupado pelos militares como resultado do golpe militar de 1º de abril de

1964. Se ao analista importa capturar os nexos que a vida cotidiana em sua opacidade não

prima por revelar, há que se reconhecer desde logo:

1) a instituição da ‘previdência privada’ fechada no Brasil, realizou-se na década de

1960, década seguinte a implementação nos EUA (1950); primeiramente foram

implementadas, no Brasil, na forma das fundações de seguridade e, somente na

década de 70, como fundos de pensão;

2) sua instituição no Brasil foi obra dos militares a frente de um Estado autocrático

burguês;

3) possibilitou a formação e a expansão do mercado de capitais em uma época na qual

o capital financeiro passou a ser a forma determinante do capital em nosso país e

modelou a ‘fisionomia e os movimentos do Estado’, conforme Ianni (1981) e

Tavares (1978);

Comentário: Pq este tópico não está numerado?

Comentário: Em algum lugar vc vai explicitar a diferença entre fundação de seguridade e fundo de pensão?

170

4) teve expansão acentuada na década de 70, quando o ‘milagre econômico’161 entrava

em crise no país;

5) ‘privilegiou’ em sua propagação as empresas estatais, em geral presididas por

militares, e as empresas com estreitas relações com a ditadura, vale dizer, as

corporações do grande capital;

6) sua implantação ocorreu em estreita relação com a reforma do setor bancário e

financeiro brasileiro, Banco Central, Comissão de Valores Mobiliários e Bolsa de

Valores, Corretoras e Seguradoras, Tavares (1978).

Nos anos finais da década de 1960 e ao longo dos anos 70 as Entidades Fechadas de

‘previdência privada’ (EFPP), ou conforme a nominação própria aos Estados Unidos os

pension funds (fundos de pensão), denominavam-se no Brasil, Fundações de Seguridade

Social e Fundações de Pecúlio e seu crescimento era apenas inicial, mas já inseridas na

lógica do capital financeiro.

Naqueles dias, ainda não se esgotara por completo as possibilidades de enormes

lucratividades ocasionadas pelas altas taxas de expropriação de mais-valia que a ditadura

acumulou no período por ela denominado ‘milagre econômico’. A ‘ocupação’ do Estado

brasileiro pelos efetivos militares a soldo do capital financeiro levou Ianni (1981) a

construir densa análise sobre aquilo que denominou os três traços da economia política da

ditadura: o planejamento econômico estatal, a violência como força produtiva e o capital

financeiro162.

O crescimento imoderado da economia brasileira com taxas superiores a 9,5% ao ano,

controlada pelo capital portador de juros levou o Estado a estimular e a assegurar, desde o

início da década de 70, os mecanismos econômico-financeiros da lucratividade do grande

capital para o período seguinte quando do declínio do ‘milagre econômico’: a formação do

mercado de capitais que foi constituído ao longo da primeira década da ditadura em nosso

país.

161 No período 1969 a 1974, as taxas de crescimento do Pib chegaram a quase 12% ao ano em razão da extração de mais valia que atingiu seus níveis mais altos propiciada por forte repressão e pela violência institucionalizada no Estado ditatorial do grande capital a partir de 1964 conforme Ianni, (1981). 162 - Quase vinte e cinco anos após a publicação de sua rigorosa análise - quando dolorosamente o professor Ianni já não pode conferir seu enorme acerto em sintetizar em seu livro a ‘Ditadura do grande capital’ a cooperação estabelecida entre o Estado ditatorial e o grande capital – as provas empíricas de seus estudos vêem à baila. Construído sem elas, mas com o rigor de uma análise marxista seu trabalho encontra, no ano de

Comentário: Nesta nota ,2, vc fala em “Estado autoritário do grande capital”. Isto é, Lênin (estado comitê da burguesia)?

Comentário: Algo como “já dava sinais de estar inserido”, não ficaria melhor?

171

Na segunda metade dos anos setenta a crise do ‘milagre econômico’ estava posta de

maneira irreversível na sociedade brasileira e as grandes greves começavam a ser

retomadas163 em Contagem - MG e no ABC paulista, lugar onde as grandes transacionais

estavam instaladas. Entretanto, se o fim de uma longa fase de ‘virtuosíssimo’ crescimento

da economia brasileira aproximava-se, devia-se ao protagonismo da luta da classe

trabalhadora brasileira; o operariado brasileiro, especialmente o que operava como força de

trabalho nas mais desenvolvidas indústrias do grande capital, mas não exclusivamente, que

havia sido, pelo recurso à violência como política estatal, impedido de limitar a extração de

mais-valia que lhe era expropriada. Para Ianni (1981) o tripé de capitais que sustentou este

inédito crescimento econômico era formado pelos capitais imperialista, estatal e privado

nacional, sob a hegemonia do grande capital com a estreita colaboração do aparato estatal

posto a seu serviço.

O sucesso e a continuidade do ‘modelo’ de desenvolvimento alicerçado no capital

financeiro aberto pelo golpe militar em 1964, supunha a criação de um mercado de capitais

com bases sólidas. Ao Estado brasileiro caberia estimular e dar curso a uma gama de ações

que aplainaram o terreno para o seu desenvolvimento em um nível ‘superior’ referenciado

nas economias centrais e, em especial, na dos Estados Unidos.

O elenco de medidas tomadas pela ditadura em curso a partir de 1º de abril de 1964,

sofisticou o até então precário espaço de acumulação com centralidade nas finanças no país.

Sem a pretensão de reconstituir a história da consolidação destas finanças no Brasil,

parecem ter sido fundamentais na ‘montagem’ do Sistema Financeiro Nacional:

• A constituição de uma nova e elaborada política monetária e creditícia no âmbito da

reforma bancária, com instituições como o Conselho Monetário Nacional, o Banco

Central da República do Brasil posteriormente denominado Banco Central do

Brasil,164 e a reestruturação e aprofundamento do Sistema Financeiro Nacional que

até então era organizado sob a égide da Superintendência da Moeda e do Crédito

2005 largas comprovações, oferecidas pelo Jornal o Globo, no dia 15 de maio de 2005, na coluna O MUNDO - Repressão no pátio da fábrica - José Casado. 163 Ver Alves (1989); Matos (1998); Netto (1991). 164 A Lei 4.595 de 31 de dezembro de 1964 que “Dispõe sobre a Política e as Instituições Monetárias, Bancárias e Creditícias. Cria o Conselho Monetário Nacional e dá outras providências” sofreu uma alteração um ano de dois meses após, pelo Decreto-Lei número 278 de 28 de fevereiro de 1967, pelo qual se alterou o nome do Banco Central. Sítio da presidência da república: http://legislação.planalto.gov.br/.

Comentário: Pela leitura, imaginei que vc fosse enumerar , ou seja, falar separadamente das medidas tomadas entre 1964 e 66, como tentei sugerir nestes tópicos aqui.

172

(SUMOC)165 e de seu Conselho. Para dar densidade ao novo Sistema Financeiro

Nacional que o grande capital necessitava, o autocrático Estado brasileiro criou o

“Conselho Monetário Nacional, com a finalidade de formular a política da moeda

e do crédito, como previsto nesta Lei, objetivando o progresso econômico e social

do País”, conforme o texto da lei que promoveu estas decisivas alterações no

mercado de capitais no Brasil, sob o número 4.595 de 31 de dezembro de 1964. Esta

lei é a responsável pela realização da Reforma Bancária no país.

• Em 14 de julho de 1965 passa a vigorar a Lei nº 4.728 que “Disciplina o mercado

de capitais e estabelece medidas para o seu desenvolvimento”. A leitura e análise

da lei deixam marcados em seus artigos os esforços para ‘disciplinar’ os mercados

financeiros e de capitais com o intuito de atrair o público e, sobretudo, as suas

reservas monetárias – “a captação de poupança popular no mercado de capitais” -

para estas modalidades de negócios ainda novos e pouco conhecidas no país.

• Mais tarde, na continuidade das ações centrais para a consolidação do Brasil como

um espaço preciso e precioso para a acumulação do capital na sua forma

financeirizada, aprovou-se em 07 de dezembro de 1976, a Lei número 6.385 que

“Dispõe sobre o mercado de valores mobiliários e cria a Comissão de Valores

mobiliários”, a CVM. Como nas demais leis supracitadas, a ênfase reside no

estímulo à formação de poupança e recomenda: deve destinar-se à aplicação em

ações do capital de companhias abertas controladas por capitais privados nacionais.

• Na semana seguinte, em 15 de dezembro de 1976, nova lei foi sancionada: tratava-

se da Lei número 6.404 que “Dispõe sobre as Sociedades por Ações” ao

regulamentar quais são as empresas que podem recorrer ao mecanismo que lhes

permite a emissão de ações, tipificar as ações possíveis de serem emitidas e

normatizar as condições de funcionamento destes negócios.

Assim, com este conjunto de medidas jurídico-políticas, o Estado brasileiro, ao longo de

uma década, preparou, consolidou e deu centralidade aos interesses das grandes finanças ao

lhe proporcionar as condições para fazer prosperar seus negócios no Brasil. As leis

165 A SUMOC foi criada pelo Decreto nº 7 293, de 02/02/1945 e tinha como funções controlar os meios de pagamento e o mercado monetário, bem como preparar a organização do banco central. Ela era administrada por um diretor-executivo. Sua orientação era realizada por um Conselho composto pelo próprio diretor-

173

mencionadas, por óbvio, não esgotam o conjunto de ações desencadeadas para a

constituição de os recursos necessários ao desenvolvimento da acumulação do capital

financeiro166; todavia, a criação dos ‘mercados’ de valores mobiliários, financeiro e de

capitais, a despeito da autonomia que a economia e a política desejam conferir a cada um

tomados individualmente, estas dimensões compõem uma totalidade167 que sedimenta o

crescimento do capital portador de juros e o capital fictício no país e institui a

financeirização da economia como o modo predominante de operar negócios no Brasil.168

Contudo, se tais medidas e leis oportunizaram a instrumentalidade para que sua operação

fosse possível, faltava-lhes ainda, criar os recursos para que as intenções da forma capital

financeiro, postas pelas várias iniciativas, não restassem vazias, ao faltar-lhes a

materialidade, a riqueza que as sustentasse. Assim, a ‘previdência privada’ é a ‘mediação’

necessária ao grande capital na captação dos recursos necessários ao seu desenvolvimento.

executivo, pelo presidente do Banco do Brasil e pelos diretores das Carteiras de Redesconto, Câmbio, Caixa de Mobilização e Fiscalização Bancária e presidido pelo Ministro da Fazenda. 166 Ver Tavares (1978). 167 Ver texto “Los mercados financieiros. Zacharie, Arnaud. Sítio Rebelión: www.rebelion.org 168 Impressionam os números que materializam na atualidade a lógica do capital financeiro implantada pela ditadura de 1964. Em decorrência da financeirização da economia brasileira determinada que é pelos interesses do capital financeiro, temos: Juro brasileiro é o maior do mundo, bem acima da média dos países emergentes. Por: Lígia Araújo. 19/07/2005 16h39. SÃO PAULO. Infopessoal: http://www2.uol.com.br/infopessoal, em 20.07.2005. O Brasil apareceu, em junho, como o país que praticou as maiores taxas de juros do mundo, tanto nominais quanto reais, segundo relatório divulgado nessa terça-feira, 19 de julho, pela GRC Visão. O relatório traz um ranking com 40 países, listados de acordo com suas respectivas taxas. Durante nove meses seguidos, a taxa de juro brasileira foi elevada, passando de 16% ao ano em setembro de 2004 para 19,75% ao ano em maio deste ano. Na reunião de junho, vale citar, o Copom (Comitê de Politica Monetária) decidiu manter o patamar da Selic, que será novamente revisto nesta quarta-feira. Juro brasileiro é o maior do mundo. Em 19,75% ao ano, a taxa Selic é a maior taxa básica de juros do planeta, seguida da taxa básica de juro praticada na Venezuela (17% ao ano) e na Turquia (14,3% ao ano). Na quarta e na quinta posição aparecem a Rússia (13% ao ano) e o México (9,7% ao ano). Por outro lado, com as menores taxas de juros nominais do mundo, estão a taxa japonesa (0% ao ano) e a suíça (0,7% ao ano). Taiwan e República Tcheca também se destacam, com juros de 1,4% ao ano e 1,7% ao ano, respectivamente. Em termos reais, o brasileiro também é o maior. No que diz respeito aos juros reais, considerando os últimos 12 meses e descontando a inflação do período, a Selic também conquista a liderança. Em 8,7% ao ano, os juros reais brasileiros são os maiores do mundo. Segundo a GRC Visão, mesmo havendo nova estabilidade na taxa de juros nominais no Brasil, a taxa real projetada para os próximos 12 meses subirá, passando de 13,9% em junho para 14,1% em julho, motivada pela nova redução na expectativa de inflação para os próximos 12 meses. Os juros reais praticados na Turquia aparecem em segundo lugar (8,5% ao ano) e os praticados na Hungria em terceiro (7,5% ao ano). No outro extremo, vale citar, aparecem a Argentina (-5,2% ao ano) e a Grécia (-1,6%), com taxas de juros reais negativas. Taxa dos emergentes é mais elevada: No relatório da GRC Visão, fica muito clara a diferença entre as taxas praticadas em junho pelos países emergentes e pelos países desenvolvidos. Os primeiros, em média, praticavam uma taxa de juros nominal de 7,5% ao ano, acima da taxa média de 2,6% ao ano dos segundos. A média geral, de acordo com o relatório, ficava em 4,8% ao ano. A taxa média de 2005 apresenta a mesma tendência. Os países desenvolvidos seguem com 2,4% ao ano, contra 7,7% ao ano dos países em desenvolvimento.

Comentário: Seria bom falar aqui da importância das receitas financeiras para as empresas do “setor produtivo” e da participação dos bancos no controle do setor produtivo, e claro, da carga de juros na composição do gasto público.

174

Revela-se que o processo de construção da estrutura jurídico-política identificável pela

formulação de uma abundante legislação nada mais é do que a expressão de um processo

econômico-político unitário que revela os movimentos do capital em sua material

historicidade neste país.

O estímulo à criação de entidades de ‘previdência privada’ no Brasil carecia, no entanto, de

uma legislação que amparasse as novas ações que esta forma de capital tencionava

construir. A história do desenvolvimento da ‘‘previdência privada’’ em nosso país somente

pode prosperar após a aprovação da legislação que disciplinou e orientou o funcionamento

da ‘previdência privada’ – aberta e fechada – em finais dos anos setenta. Precisamente, em

15 de julho de 1977 foi promulgada a Lei 6.435. Se nesta lei pode se reconhecer no Brasil

um marco para o desenvolvimento das Entidades de ‘‘previdência privada’’, igualam-se ou

superam-na em importância o Decreto número 81.240 de 20 de janeiro de 1978 e a

resolução número 460 de 23 de fevereiro de 1978, expedida pelo Banco Central em

cumprimento a decisão do Conselho Monetário Nacional. Estas normas regulamentaram a

lei da ‘‘previdência privada’’ de 1977, pois estabeleceram os mais importantes parâmetros

de seu funcionamento, especialmente os relativos aos investimentos e às aplicações

possíveis com os recursos das entidades de ‘‘previdência privada’’.

Ao acompanharmos o debate em torno da criação da Lei 6.435 de 1977 que instituiu a

‘previdência privada’ no Brasil, podemos estabelecer curiosa relação entre o fim do milagre

econômico, o tripé de capitais envolvidos na construção de uma nova fase da economia

brasileira e a urgência de estabelecer o ambiente confortável e próspero ao surgimento e

expansão da ‘previdência privada’ em nosso país. Ao mesmo tempo em que se articulavam

medidas jurídico-politicas e econômicas para a construção da ‘previdência privada’

brasileira nos moldes daquela construída nos Estados Unidos também, reformulava-se o

mercado de capitais no país para que o capital financeiro pudesse consolidar um de seus

mais fortes componentes: os fundos de pensão, instituições financeiras não bancárias. Na

atualidade, o capital financeiro materializa suas ações por intermédio de instituições e

investidores institucionais bancários e não bancários. As não bancárias que alcançaram

grande importância são, fundamentalmente, àquelas que encontraram nas aposentadorias e

pensões um espaço de acúmulo capitalista a partir de grandes quantias de recursos

subtraídos ao mundo do trabalho na forma de ‘previdência privada’. Para Chesnais

175

(1997:32), as mais importantes instituições financeiras são “os grandes fundos de pensão

por capitalização, os grandes fundos de aplicação coletiva privados (os fundos mutuais),

os grupos de seguros, especialmente os engajados na ‘indústria’ de pensões privadas e,

enfim, os enormes bancos multinacionais.”

3.2 ‘previdência privada’ no Brasil: a necessidade do capital financeiro elevada à

necessidade universal.

“Nessa subversão das categorias fundamentais do ser humano reside a fetichização inevitável que ocorre

na sociedade capitalista. Na consciência humana o mundo aparece completamente diverso daquilo que na

realidade ele é: aparece alterado na sua própria estrutura, deformado nas suas efetivas conexões”.

(Lukács; 1968).

Conforme já o assinalamos, nossa hipótese de trabalho é a de que a criação de uma lei que

disciplinasse o surgimento e a expansão da ‘‘previdência privada’’, dita complementar, no

Brasil, era decisiva para que o ‘mercado de capitais’ lograsse sucesso por aqui e se

constituísse nas décadas seguintes, mais especialmente, a partir da segunda metade dos

anos 70, alternativa ao fim do milagre econômico. Dito de modo diverso, a construção da

‘previdência privada’ no Brasil, ao menos em seus anos iniciais, foi obra de interesse da

burguesia estrangeira e local e das altas patentes militares dirigentes das empresas estatais

brasileiras169 e expressam uma clara confluência entre os objetivos de diferentes frações do

capital: os capitais imperialista, estatal e privado nacional na construção de um novo

estágio do desenvolvimento do capitalismo no Brasil, o dos monopólios.

O primeiro traço a destacar da criação da ‘previdência privada’ no Brasil, como em todo o

mundo, é que ela não resultou de demandas do mundo do trabalho e muito menos das

frações da classe trabalhadora brasileira organizada em sindicatos; ao contrário, o que se

registrou na história da construção de diferentes fundos de pensão de estatais e de empresas

do grande capital foi um esforço de convencimento da burguesia para que os trabalhadores

realizassem suas adesões aos fundos de pensão e passassem a participar – a denominação

ao associado à ‘previdência privada’ fechada é de ‘participante’ – destes mecanismos

169 Para exemplarizar esta afirmação é suficiente a ação e o papel do General Ernesto Geisel na criação do Fundo de Pensão da Petrobrás, Petros, conforme Rocha e Wambier (2000).

Comentário: Prefiro usar mútuos.

Comentário: Não é um novo item?

176

previdenciários. Não foram raras as resistências dos trabalhadores aos fundos de pensão,

mesmo que em plena ditadura e quando comandados por generais, conforme registro

emblemático (Rocha e Wambier; 2000) sobre a história da Fundação Petrobrás de

Seguridade Social (Petros), o fundo de pensão da Petrobrás.

A defesa da construção de leis que normatizassem a ‘previdência privada’ aberta e fechada

no país era imperativa à burguesia para lhe permitir, fundamentalmente, a transformação

das fundações de seguridade em fundos de pensão conforme o modelo norte-americano e a

expansão e desenvolvimento do negócio previdenciário pelas seguradoras e bancos em

nosso país. Como várias experiências de pecúlio em especial nas áreas das aposentadorias e

pensões eram vistas com desconfiança pelos trabalhadores no Brasil que assistiram – e

foram por elas vitimados - ao longo do século XX muitos negócios deste ramo falirem e

deixarem os ‘poupadores’ sem a segurança previdenciária que acreditavam ter comprado ao

longo de muitos anos de contribuição, havia que se criar uma disposição entre as possíveis

categorias de trabalhadores em condições de ‘poupar’ em previdências diferentes daquela

oferecida pelo Estado – pública e solidária – para que o ‘mercado financeiro’ encontrasse

os recursos dos quais tinha grande necessidade, por significar ‘dinheiro barato’, produto

necessário à evolução social do modo capitalista de produção.

A defesa de um novo nível de desenvolvimento da ‘previdência privada’ supunha, a via de

regulação pela burguesia brasileira para ultrapassar os limites das formas de organização

que a ‘‘previdência privada’’ tivera até então no país.

3.3 – As razões da burguesia

As fontes bibliográficas disponíveis que reconstituem as origens da ‘‘previdência privada’’

fechada no país, em sua maioria, registram, linearmente, importantes dados cronológicos,

mas silenciam em relação aos interesses sociais – melhor dizer de classes – responsáveis

pela construção dos eventos históricos hoje plasmados em datas usadas na reconstrução de

uma realidade anterior, passada.

O campo social e o tom dos debates levados a termo no âmbito da fração burguesa que

desejava a construção de fundos de pensão não estão registrados nas análises na história

dos fundos de pensão. Entender que frações da burguesia desejavam a edificação dos

177

fundos de pensão como a alternativa privilegiada para a consolidação da ação do capital

financeiro com a conseqüente construção de um mercado de capitais vigoroso no país, nos

exigiu recorrer a fontes não acadêmicas. Assim, após intensa procura localizamos um

instrumento que teve a prerrogativa de dar voz pública ao debate intra-burguês: as páginas

da Revista “Visão”. Elas consubstanciaram um emblemático e representativo debate sobre

a ‘moldagem’ da ‘previdência privada’ desejada por frações da burguesia em nosso país.

Ao longo do primeiro semestre de 1977 a “Visão” foi um destacado espaço de divulgação

dos propósitos dos proprietários do capital que ali defenderam as regras que lhes

interessavam ver aprovadas, então futuramente, em 15 de julho de 1977, na Lei de número

6.435 e que entrou em vigor no dia 01 de janeiro de 1978.

Certamente uma revista não pode ser tomada como a síntese dos interesses de uma classe

para um determinado tema ou para um dado período temporal, mas ela pode iluminar e

acentuar dimensões da vida social que, não fosse o seu registro, poderiam – e isto é verdade

para esta pesquisa – tornar mais difícil a reconstrução analítica dos que indagam o real.

Pode, todavia, apresentar o característico da ação de um determinado personagem – no

caso, de uma fração de classe – na busca de seus objetivos. A Revista “Visão” não foi o

único veículo de propaganda de uma nova forma previdenciária; foi, entretanto,

emblemática no uso de argumentos que uma fração da burguesia desejava ver consignada

na lei. Atualmente, desde as contra-reformas previdenciárias feitas à Constituição Nacional

em 1998 e em 2003, os argumentos favoráveis ao crescimento das previdências privadas

fechada e aberta, são muito assemelhados aos usados no momento fundacional destes

mecanismos financeiros, o que confere sustentação para tomar-se o debate de Maksoud

como primacial; dito de modo diverso, os alicerces da argumentação utilizados nas

circunstâncias presentes, pouco ou nada diferem dos utilizados na década de 70 e

veiculados nas páginas da Revista “Visão”, razão pela qual consideramos que os supostos

das análises ‘universalmente’ repetidas nos dias atuais como verdades inquestionáveis,

encontram nas páginas da Revista ‘Visão’ a sua formulação ‘original’.

178

3.3.1 –Nas páginas da Revista ‘Visão’:

A Revista “Visão” surgiu em 25 de julho de 1952, quando o país era governado por Getúlio

Vargas que realizava o esforço em dotá-lo de estruturas capitalistas pela forte presença do

Estado como indutor do crescimento econômico.170 Desde então, a revista desenvolveu-se

até tornar-se um dos mais importantes periódicos de publicação quinzenal do país.

Dedicou-se ao longo de 1977 ao debate intenso sobre a ‘previdência privada’ e

acompanhou, pronunciou-se e protagonizou a polêmica aberta pela formulação do projeto

de lei que o Executivo – por meio do Presidente da República, o general Ernesto Geisel171 -

enviou ao Legislativo para discussão e aprovação.

A Revista “Visão”, em 10 de janeiro de 1977172, por intermédio do editorial “A Revolução

que precisamos fazer agora” assinado por seu proprietário, Henry Maksoud, indica a

solução à debilidade dos mercados de capitais no Brasil para atender as “exigências das

empresas privadas e às necessidades do desenvolvimento nacional”: a transformação das

previdências privadas – então fundações de seguridade - em fundos de pensão, nos moldes

dos existentes nos Estados Unidos, como possibilidade de poupança distinta daquela

formada com os recursos ‘do povo e da produção e lucro das empresas’.

Hery Maksoud, empresário do setor hoteleiro e das comunicações por certo não

desconhecia que os fundos de pensão desenvolveram ao redor do mundo programas de

investimentos de importante alcance173 nestes dois setores de negócios. Para o empresário

que, salvo erro, expressava o pensamento do capital envolvido na circulação tratava-se de

realizar uma ‘verdadeira ação revolucionária’, parametrizada no conhecimento acumulado

pelos Estados Unidos na qual “... poderíamos valer-nos das experiências amplamente

divulgadas do laboratório americano uma dessas interessantes e bem sucedidas experiências

realizadas por aquela nação do Norte: os fundos de pensão”. (grifos no original).

170 Curioso lembrar o discurso de FHC em seu primeiro mandato ao despedir-se do Senado quando afirmou ser suas tarefa e compromisso desmontar as estruturas do Estado Varguista. 171 Ernesto Geisel, não se pode esquecer, teve importante papel no surgimento dos Fundos de Pensão em geral, e no da Petrobrás em particular, especialmente, quando esteve a frente daquela empresa estatal como seu presidente. 172 - Revista “Visão” 10 de janeiro de 1977 – nº 1 – Vol 50. 173 Como curiosidade ver os investimentos dos maiores fundos de pensão brasileiros nestas áreas da economia.

Comentário: Sugiro utilizar o nome completo do senador Fernando Henrique Cardoso.

Comentário: Se ainda me lembro a Visão, foi tb o veículo da Fiesp no debate sobre a oportunidade e necessidade de privatização do Estado, em um manifesto em 1974.

179

A férrea necessidade de constituição de um forte mercado de capitais tinha nos fundos de

pensão a alternativa de maior êxito que os Estados Unidos lograram construir, razão por si

só passível de aplicação em nosso país. Afirma o empresário: “Todos sabemos que os

‘investidores institucionais174’, que nada mais são que os ‘fundos de pensão’, constituem a

principal fonte do mercado de capitais nos Estados Unidos. Muitos sabem, também, que

estes investidores possuem grande força acionária ou mesmo que controlam grande

número das principais empresas americanas” (Revista “Visão” 10 de janeiro de 1977 – nº

1 – Vol 50. pg.09).

Todavia, os argumentos do capitalista não se dirigiam apenas aos seus iguais; destinavam-

se, também, ao convencimento dos médios e pequenos empresários e, talvez, de modo

menos imediato aos dirigentes sindicais influenciado pelo seu conhecimento do

funcionamento dos fundos de pensão dos Estados Unidos. Seu texto chegou ao ponto de se

mencionar esta forma de ‘‘previdência privada’’ como o moderno modo de os

trabalhadores construírem uma sociedade comunista175. Curioso como os capitalistas são

magnânimos com os trabalhadores e lhes oportunizam os instrumentos para a construção da

sociedade comunista, desinteressadamente!

Para o ano de 1985 nos Estados Unidos previa-se que os fundos de pensão deteriam: “50 a

60% do capital acionário das empresas americanas. Já hoje, é impressionante o fato de

que os trabalhadores americanos por seus fundos de pensão, sobretudo os de maior porte,

detêm o controle acionário das mil maiores empresas industriais americanas e dos

cinqüenta maiores grupos ‘não-industriais’ nos setores bancários, de seguros,

comunicações, transportes e outros”. (Revista “Visão” 10 de janeiro de 1977 – nº 1 – Vol

50. pg.09).

Mas, o controle acionário das maiores empresas antes de fazer de alguns trabalhadores que

passam a ocupar importantes postos de gestão – diretorias, conselhos administrativos e

conselhos fiscais - dos fundos de pensão ‘sócios’ ideológicos do capital, na preleção do

editor, fará os trabalhadores e seus representantes sindicais em posições de comando do

174 Denominam-se Investidores Institucionais os fundos de pensão os fundos hedges e as seguradoras. Conferir: Nikonoff (2000), Chesnais (2005) e Fortuna (2002). 175 Para estes argumentos ver o exemplar texto O socialismo dos Fundos de Pensão de Peter Drucker (1997). No Brasil, ver Gushiken (2000) . Na mesma direção pronunciou-se o presidente do país, Luiz Inácio Lula da Silva, em discurso no 1º encontro Internacional dos Fundos de Pensão, realizado no Rio de Janeiro em 2003. .

180

capital, realizar a própria revolução comunista. Por óbvio, uma ‘revolução’ sem a

destruição da propriedade privada e, assim, perfeitamente defensável pelos próprios

proprietários burgueses que reclamam para si – não sem doses agudas de ironias - o feito da

socialização dos meios de produção, sem luta de classes e expropriação da propriedade

privada, mas com sua conversão em propriedade dos trabalhadores. Sobre a

‘impressionante’ revolução dos fundos de pensão, diz-se:

“Nos Estados Unidos, portanto os trabalhadores detêm ‘posições de comando’ no sistema econômico de que nenhum país ‘comunista’, ‘trabalhista’, ‘socialista’, ‘democracia popular’, social-democracia’, ‘socialismo democrático’ ou qualquer Welfare State conseguiu nem de longe se aproximar. Parece, pois, que Marx não se equivocou quando, em seu ‘Manifesto Comunista’, em 1948, enaltecia a burguesia como classe revolucionária (...) O que Marx talvez não tivesse imaginado é que com o ‘capitalismo’ que ele acreditava vir a sucumbir por suas próprias contradições tivesse tanta vitalidade que superaria os próprios dogmas marxistas, atingindo ideais ‘socialistas’ (no sentido de justiça e bem-estar sociais e propriedade dos meios de produção pelos trabalhadores) sem quebra dos princípios da livre-iniciativa, preservando a propriedade privada e mantendo todas as liberdades individuais essenciais que nenhuma outra experiência ‘socializante’ conseguiu sequer vislumbrar’. (Revista Visão – 10 de janeiro de 1977 – nº 1 – Vol 50. pg 09).176

Todavia, embora a repressão ao mundo do trabalho operasse de modo profundo e violento na

década de setenta e os anos de 1977/78 fossem justamente o período no qual se discutia a

construção da ‘‘previdência privada’’, os trabalhadores não foram facilmente convencidos

sobre as vantagens na adesão aos variados mecanismos de ‘‘previdência privada’’ nas formas

de fundação de seguridade ou de fundos de pensão.

Aos argumentos de ‘socialização’ da riqueza juntaram-se outros que objetivavam

alcançar diferenciadas parcelas de trabalhadores; à força de trabalho empregada difundia-se a

‘‘previdência privada’’ como a garantia de manutenção dos padrões de ganhos da ativa na

aposentadoria ou dito de modo diverso se a promovia como a possibilidade de paridade entre

ativos e aposentados. Para os recém-ingressos no mundo do trabalho, a fração mais jovem da

força de trabalho, divulgava-se a ‘‘previdência privada’’ pelo exato oposto do que ela na

176 A matriz deste descabido argumento encontra-se no livro de Peter Drucker (1977), no qual faz apologia dos fundos de pensão e tem seus argumentos reproduzidos por várias autoridades do governo e pela Central Única dos Trabalhadores que, no ano 2000 em associação com a Confederação Nacional dos Bancários promoveu em todo o Brasil cursos de ‘qualificação e capacitação’ de sindicalistas e dirigentes de movimentos

181

realidade o é: dizia-se que os fundos de pensão fariam crescer a economia do país e, portanto,

apresentam capacidade de geração de empregos. Objetava a Revista “Visão” no

convencimento à força de trabalho a aderir aos fundos de pensão:

“Ao mesmo tempo que atingem a finalidade primordial de garantir aos aposentados um provento capaz de lhes assegurar um padrão de vida semelhante ao que desfrutavam na ativa, os fundos de pensão abrem novas oportunidades de emprego, para as camadas mais jovens da população, nos empreendimentos que florescem ou nascem dos recursos que nele são aplicados”. (Revista Visão – 10 de janeiro de 1977 – nº 1 – Vol 50; p.08).

Como adiante argumentaremos, a volúpia desta forma de capital financeirizado atua em

sentido contrário principalmente em sua dimensão de capital fictício e especulativo quando

milhões de empregos ao redor do mundo são eliminados todos os anos por força dos

negócios dos investidores institucionais. Ademais, quando os recursos dos fundos de pensão

realizam-se em investimentos produtivos buscam e estimulam as práticas de gestão mais

lucrativas e são responsáveis por reestruturações produtivas e pelo aumento da extração da

mais-valia do mundo do trabalho que os fundos contabilizam como ‘investimentos

lucrativos’.

Contudo, para além da batalha ideológica na direção de transmutar uma necessidade do

capital – a geração de recursos para a ‘capitalização das empresas’ – em necessidade

universal da sociedade brasileira, as páginas da revista não podiam eximir-se de

apresentarem os verdadeiros argumentos para a instituição dos fundos de pensão no Brasil.

Ali, lê-se:

“A fascinante experiência americana dos fundos de pensão merece exame e reflexão: permite aos brasileiros pesquisarem novos caminhos que facultem renovar e privatizar o atual sistema de captação e orientação da poupança nacional” (...) “Tal esforço de privatização e renovação se impõe em face do crescente processo de controle governamental na captação, alocação e administração da poupança brasileira, processo que encerra uma das mais graves ameaças ao desenvolvimento da economia de mercado no Brasil: coloca, mais e mais, a liberdade de empreender na dependência das prioridades e mecanismos de decisão estatais”. ( Revista “Visão” Pgs. 83 e 84 da visão de 19 de setembro de 1977).”

.

social para gerir os fundos de pensão. Estes cursos, financiados com os recursos do programa de governo de Fernando Henrique Cardoso foram ministrados pela Gushiken Associados. Ver Bernestein (s/d).

182

Tratava-se da constituição de recursos para uma ‘poupança nacional e também de um debate

sobre o controle desta vultuosa soma de recursos decorrentes de ativos previdenciários:

contestava-se a primazia do Estado brasileiro e de seu sistema bancário-financeiro como

gestor dos recursos. Assim, a privatização das instituições bancário-financeiras estatais

ocorridas ao longo da década de 1990 e dos anos 2000 sob os governos de Collor, Fernando

Henrique Cardoso e de Lula já era tida pelo capital financeiro como imprescindível e

importante medida a ser efetivada desde os governos do ciclo ditatorial,177 na implementação

e afirmação do mercado financeiro no Brasil.

A discussão em torno da imperativa e ‘inevitável’ constituição do mercado de capitais em

nosso país sob o ciclo da ditadura do grande capital, impôs tal debate à Revista “Visão” na

oportunidade em que o Congresso Nacional efetuava a análise e legalização da ‘previdência

privada’.

O mercado de capitais que vinha de recentes e importantes alterações jurídico-políticas

operadas a partir de 1964 e que se estenderam por mais de uma década, salientava a

urgência de constituírem-se os fundos para que o dinheiro de empréstimo barateasse no

‘mercado’. A estes fundos o discurso público do capital e do governo – afirmação válida e

em plena vigência também para os discursos dos partidários dos fundos de pensão nos dias

presentes – tratava-os como a resposta a necessidade de formação de poupança e

sustentadas em duas premissas básicas:

“ 1) - Orientar o fluxo da poupança voluntária sob controle estatal, na direção do setor privado, com base em mecanismos apropriados de natureza privada; em outras palavras, trata-se de introduzir modificações revolucionárias no atual estado de coisas e não preconizar simples ‘remendos’ no atual sistema; as formas concretas e as bases técnico-operacionais de tais transformações devem ser objeto de investigação aprofundados. o importante desses estudos é que eles tenham antes de mais nada uma rígida orientação político-ideológica de caráter privatizante e que sejam conduzidos de modo a obter resultados concretos e úteis em prazo de poucos meses. 2) - Promover profunda descentralização do sistema financeiro, em bases privadas, de modo a erradicar as mais sérias conseqüências da estatização da poupança: burocratização, hipertrofia e elevada dose de ‘entropia’ nas

177

Documento do conselho de desenvolvimento econômico ‘ação para a empresa privada nacional’ do conselho de desenvolvimento econômico, de 15 de junho de 1976, recomendava a privatização, entre outras, das empresas estatais do setor de seguros. Para efetivá-la formou-se um pool de 90 empresas seguradoras particulares para assumir o controle das empresas controladas pelos estados de sp, mg, es, rj, rgs e goiás. cfe ‘Revista Visão’ de 05 de setembro de 1977, pag. 62.

Comentário: Só houve privatização de bancos no governo FHC;

183

operações do sistema financeiro”. ( Revista “Visão” Pgs. 83 e 84 da visão de 19 de setembro de 1977).”

Na mesma revista e no mesmo encarte especial, sobre os fundos de pensão, a formação da

‘poupança’, eufemismo para defender a transferência de recursos do mundo do trabalho

para o financiamento do capital, quando a extração da mais-valia afigura-se insuficiente ao

financiamento da expansão e modernização das empresas. Nas palavras de importante

executivo do capital financeiro evidenciam-se os ‘limites’ postos pelo lucro ao

desenvolvimento de nova fase do capitalismo no Brasil. Afirma, no que aparenta ser a

defesa dos interesses das pequenas e médias empresas:

“Devemos lembrar que o lucro, no passado, foi a única forma de capitalização das empresas, sendo ainda a forma mais importante para médias e pequenas empresas, uma vez que estas não têm condições de disputar o mercado acionário”. (Luiz Assumpção Queiroz Guimarães, diretor financeiro do grupo Itaú in Revista “Visão” da visão de 19 de setembro de 1977 ; pg. 91).”

A solução privilegiada para a constituição dos recursos necessários ao fomento de uma

nova etapa da acumulação capitalista no país afirma-se, inequivocamente, na pressa em

constituir as condições para o advento dos fundos de pensão. Importante aspecto que não

pode ser olvidado é que naqueles dias – por certo em razão das diferenças da conjuntura se

comparado ao tempo presente – o debate sobre a natureza essencialmente capitalista dos

fundos de pensão como modalidades do capital financeiro. Adiante enfatizaremos como os

governos de Fernando Henrique Cardoso e de Lula ao procederem suas contra-reformas da

previdência, respectivamente em 1998 e 2003, esforçaram-se por desvincular no plano do

discurso ideológico a ‘previdência privada’ dos interesses do capital financeiro. Certamente

estas diferenças não conferem maior honestidade ao debate realizado sob o ciclo ditatorial

do que sob o Estado de direito; talvez revele tão somente as estratégias pelas quais os

mesmos interesses do grande capital, em diferentes períodos, foram levados a termo.

Para os grandes capitalistas envolvidos na discussão da formação e da mobilização dos

recursos ‘poupados’ pela sociedade brasileira alcançarem uma nova qualidade em relação

aos insuficientes patamares oriundos da poupança comum - carreadas para as cadernetas de

poupança - os fundos de pensão constituem-se na alternativa. Veja-se:

“É fundamental, contudo, converter o salutar hábito de poupança, já evidenciado pelas cadernetas de poupança, em interesse e participação ativa

184

no mercado de capitais, inclusive capitais de risco. Nesse sentido, poderá oferecer importante contribuição a implantação dos fundos de pensão – do tipo existente nos estados Unidos e já amplamente discutido por Visão (....)”.. (Revista “Visão” de 19 de setembro de 1977; pg. 84).

O desacordo e a insatisfação dos capitalistas, a quem deu voz a “Revista “Visão”,

permaneceram mesmo após a aprovação da Lei Complementar 6.435/77, porque,

avaliavam, a legislação limitava as possibilidades de uso dos recursos pelo capital e fora

aprovada com distintos pontos aos praticados nos Estados Unidos, em tudo ainda mais

liberal do que a brasileira, sobretudo por julgarem haver muitas restrições aos

investimentos em capitais de risco178 e porque os recursos da almejada ‘poupança’ tinham

para estes capitais, uma desmedida margem de controle pelo Estado brasileiro tanto sobre

os recursos da previdência social movimentados publicamente como em relação aos futuros

montantes da ‘‘previdência privada’’ pelo privilégio legal estabelecido nas aplicações em

títulos públicos. A defesa de que a legislação fosse generosa com os investimentos dos

fundos de pensão em capitais de risco deve-se aos muitos óbices que as empresas

encontram para crescerem no país, à despeito de ter sido a ditadura do grande capital – pelo

uso da violência como força produtiva (Ianni; 1981) – a garantidora das mais altas taxas de

trabalho excedente extraídas no mundo no mesmo período, quando aqui teve vigência o

‘milagre econômico’. Reforçar o mercado de capitais em seu segmento acionário, o mais

débil do país, é a tarefa para qual a revista “Visão” dirige suas energias. Assim o declara:

“A fraqueza do mercado acionário faz com que as empresas privadas nacionais, impedidas de levantar capital de risco, se endividem cada vez mais. Além disso, uma imensa massa de pequenas e médias empresas privadas e de empreendedores em potencial simplesmente não têm nenhuma perspectiva de levantar capital em bases econômicas”. (Revista ‘Visão’ nº 2 vol. 50 de 24 de janeiro de 1977; pg. 72)

Ademais do diagnóstico das dificuldades impostas ao capital em seu quase ‘livre’ curso

desenvolvimento, explicitam-se nos seguintes termos as determinações para a fraqueza do

mercado acionário:

“ (...) o crescente controle estatal da poupança financeira (títulos da dívida pública, poupança forçada – PIS, Pasep, FGTS -, parte substancial das cadernetas de poupança, etc.); maior atratividade dos títulos de renda fixa

178 Na linguagem corrente no mercado capitais de risco é aquele que pode ter um maior grau de incertezas na sua remuneração.

185

com correção monetária; pequena rentabilidade de boa parte das ações, em virtude do controle de preços impostos pelo Governo, que reduzem a lucratividade das empresas; inflação, que prejudica o mercado acionário em favor dos investimentos em imóveis e dos títulos com correção monetária; pequeno número de empresas privadas nacionais com ações em bolsas.” (Revista ‘Visão’ nº 2 vol. 50 de 24 de janeiro de 1977; pg. 72)

Ao Estado que realizou a ditadura para o grande capital e facultou-lhe as plenas condições

de desenvolvimento no Brasil à forma capital típica da idade dos monopólios – o capital

financeiro - dirigiam-se as críticas dos representantes destes mesmos capitais no sentido de

alargarem-se os montantes de mais-valia sob o controle do Estado e na forma de fundo

público e que deveriam – segundo o entendimento do capital – ser disponibilizados ao

próprio capital financeiro ao invés de permanecerem sob o controle do Estado. A luta pela

apropriação de montantes maiores de recursos que deveriam destinar-se às políticas e

investimentos públicos e que poderiam privilegiar ao mesmo tempo demandas do capital e

do trabalho (Netto; 1992: 22) era a razão da crítica do capital ao governo para que a

totalidade dos recursos previdenciários fosse carreada para o mercado de capitais.

Em editorial “A revolução que precisamos fazer agora” assinado por Henry Maksoud

defendeu-se a ampliação da acumulação capitalista na direção do espaço ocupado até então

pelo Estado e a ‘bandeira’ da privatização dos recursos do fundo público ganha contornos

explícitos na resolução de uma das crises do capital nos rincões pátrio, sob pena de ameaçar

a continuidade mesma do modo capitalista de produção ou ao menos impedi-lo de crescer

livremente no Brasil. Nos textos em análise, é forçoso reconhecer a anterioridade de um

discurso que nas décadas de 1990 e 2000, pretendeu-se original em nosso país: o

‘neoliberalismo’ e o conjunto de suas práticas de pilhagem aos recursos públicos e aos

direitos do mundo do trabalho.179

Na revista “Visão” do dia 10 de janeiro de 1977, pondera-se:

“(...) nos últimos dois anos e tanto – destaca-se a atuação governamental no mercado de capitais, que se faz no sentido de centralizar todo o processo de acumulação, gestão e alocação dos recursos financeiros advindos de poupança do povo e da produção e lucro de empresas. Enfeixando nas mãos um tal poder de enquadramento desse fator escasso, a poupança, o Estado inviabiliza o próprio conceito de livre iniciativa, estabelecido em nossa Constituição. Com isso, reduzem-se as possibilidades de criação de novas

179 Para os representantes da classe capitalista a legislação de 1977 deveria promover duas ações simultâneas: a “dinamização do mercado de capitais e privatização da economia”..

186

empresas privadas que trariam mais empregos, melhores oportunidades e mais bem-estar para crescentes parcelas de nossa população”. (pg. 08).

Em face dos perigos contidos no controle do Estado sob montantes extraordinários de

‘poupança’ invoca-se a debilidade do mercado de capitais brasileiro para “atender às

exigências das empresas privadas. Como sistema, (o mercado de capitais) mostra-se

inadequado para atender às necessidades do desenvolvimento nacional”. A superação

de crescentes instabilidades de tal mercado de capitais tomado como central e determinante

no ‘desenvolvimento nacional’. Enquanto tal, a condição primordial e particularista da

classe burguesa – ainda uma vez - é alçada á solução universal, dita de ‘desenvolvimento

nacional’ e não do capital, como poder-se-ia facilmente supor. A primeva e sempre reposta

exigência da propriedade privada em promover a alienação da vida social segue seu curso

ao proclamar a urgência de formação do mercado financeiro em necessidade social. Tal

defesa completamente estranha ao mundo do trabalho porquanto não lhe atrair os fetiches

do capital especulativo; entretanto, revigora-se e re-atualiza-se na criação desta forma de

capital dinheiro o fenômeno social apreendido por Lênin em 1916: a condição de ‘agentes

sociais’ da burguesia encontra em dirigentes operários e da classe trabalhadora em geral,

nos dias de hoje a ‘nova’ forma de se deixar cooptar pelo capital ao transformarem-se em

defensores e, após, administradores econômico e ideo-políticos de uma nova modalidade do

capital financeiro: os fundos de pensão.

A busca do ‘desenvolvimento nacional’ pela via do mercado financeiro e de um de seus

mecanismos, o mercado de capitais, é tida como uma “(...) verdadeira ação revolucionária

para corrigir todos os desvios de orientação na economia (...)”. (idem; p. 08).

Tratava-se de desencadear no Brasil similar ‘ação revolucionária’ a ocorrida nos Estados

Unidos: ela consistia em instituir o mercado de capitais por intermédio dos fundos de

pensão, conforme pode-se ler:

“Todos sabemos que os ‘investidores institucionais’, que nada mais são que os ‘fundos de pensão’, constituem a principal fonte do mercado de capitais nos Estados Unidos. Muitos sabem, também, que estes investidores possuem grande força acionária ou mesmo que controlam grande número das principais empresas americanas”. (idem; pg. 08 e 09).

187

Se os investidores institucionais180 tem nos fundos de pensão um de seus mais sólidos

pilares, os fundos de pensão, por sua vez, formam-se com os recursos do mundo do

trabalho por meio de contribuições mensais e de larga permanência temporal que permite a

formação de monumentais somas em dinheiro, são esclarecedoras as informações seguintes

prestadas pela “Visão”:

“Como os ‘fundos de pensão’ são sistemas financeiros, de base atuarial, que devem captar e gerir recursos provenientes de empregados e empregadores, para garantir aposentadorias e pensões dos trabalhadores autônomos e assalariados aposentados ou seus dependentes, a necessidade que têm de aplicar o dinheiro arrecadado os transforma em investidores institucionais. Eliminando a intervenção do Estado, que geralmente não é bom administrador de recursos financeiros, mesmo para fins sociais (veja-se o que ocorreu com o nosso sistema previdenciário), os ‘fundos de pensão’ transformaram-se, nos Estados Unidos, em excelentes instrumentos de dinamização do mercado de capitais e, conseqüentemente , da própria economia”. (Revista Visão – 10 de janeiro de 1977 – nº 1 – Vol 50. sublinhados adicionados).

A metamorfose da previdência em capital financeiro ocorre justamente quando a obstinada

exigência da acumulação faz a solidariedade do mundo do trabalho subordinar-se aos

desígnios das aplicações que rendem juros; quando parte do trabalho necessário transmutar-

se estranhamente na figura do investidor institucional que operará a expropriação deste

mesmo trabalhador.

Em 1977 já impressionavam os capitalistas as quantias acumuladas por pujantes

‘contribuições do mundo do trabalho vertidas ao capital na economia do norte. Expunham,

parece-nos, com certa inveja luxuriosa, os números exibidos nos Estados Unidos:

“Os fundos de pensão, agindo como grandes investidores institucionais, adquiriram, em nome dos trabalhadores, 35% do capital de todas as empresas cotadas em bolsa (e essa porcentagem, como vimos, continua aumentando)”. (Revista Visão – 10 de janeiro de 1977 – nº 1 – Vol 50; p.47).

Os efeitos e os feitos produzidos pelos fundos de pensão em um curto prazo nos Estados

Unidos, são reivindicados pelo capital no Brasil e cumpre observar que na sedução ao

mundo do trabalho e na tentativa de obter-se o apoio dos trabalhadores a esta modalidade

de capital financeiro utilizaram-se argumentos de variegados matizes: das promessas de

180 Os mais importantes investidores institucionais em operação ao redor do mundo são os fundos de pensão e os fundos mútuos (mutual funds). Ver Sauviant in Chesnais (2005) e Lavigne (2004).

Comentário: Não vejo sentido neste trecho, que pode ser eliminado sem prejuízo ao parágrafo.

188

socialização dos meios de produção à democracia política; de melhorias nas condições de

vida e de trabalho à justiça social; de geração de empregos à aposentadorias dignas.

Claro está que tal saída para o capital supunha o consentimento passivo do mundo do

trabalho, sem o qual tal alternativa jamais poderia prosperar. Na letra divulgada nas

diferentes edições da revista vemos:

“1º) – asseguraram um fluxo crescente de recursos financeiros, dinamizando mercado de capitais e contribuindo decisivamente para a implantação de novos empreendimentos e a expansão das empresas; 2º) – contribuíram, ao propiciar fundos maciços para o desenvolvimento das empresas, para a geração de muitos empregos produtivos; 3º) – difundiram novos e elevados padrões de justiça social na sociedade americana, garantindo simultaneamente aposentadorias e pensões condignas a um número crescente de trabalhadores e uma ampla ‘socialização’ dos meios de produção; 4º) – importante: essas conquistas foram feitas com preservação e revigoramento das bases da economia de mercado e da democracia política. A experiência dos fundos de pensão indica caminhos concretos para a conquista da justiça social com liberdade política e livre iniciativa”. (Revista Visão – 10 de janeiro de 1977 – nº 1 – Vol 50; p.47).

3.3.1.1 Sociedades anônimas e gestão dos negócios

As sociedades anônimas tiveram seu ordenamento jurídico em Lei de nº 6.404 de 15 de

dezembro de 1976, ano anterior ao do debate da formalização jurídica da ‘‘previdência

privada’’. A precedência temporal explica-se na necessidade de recursos que a mais

desenvolvida forma de organização da propriedade e da gestão de empresas logrou

construir sob o capitalismo dos monopólios: as sociedades por ações181 como instrumento

privilegiado de arrecadação de recursos para a capitalização dos negócios.

Os investidores institucionais por seu turno tem nas sociedades anônimas uma de suas

importantes alternativas de aplicação dos recursos recolhidos do mundo do trabalho, dito

‘previdenciários’. Assim, não há coincidência na ordem de aprovação dos variados

mecanismos legais que aplainaram o relevo econômico para que fosse fértil a semeadura

181 No artigo 1º da referida lei: “A companhia ou sociedade anônima terá o capital dividido em ações, e a responsabilidade dos sócios ou acionistas será limitada ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas”.

Comentário: Para mim não fica claro a razão da precedência temporal.

189

realizada pelo capital financeiro; vale dizer; tais leis criaram as instituições e os recursos

para favorecer o desenvolvimento do capital financeiro no Brasil.

A relação entre as sociedades anônimas e os fundos de pensão levaria os últimos a

participarem da procura e dinamização das bolsas de valores, encarnação da instituição

mediadora na qual os interesses dos investidores (os fundos de pensão) e dos capitalistas

em busca de recursos para capitalizar seus negócios, encontram-se e são solucionados. Dito

de modo diverso, os fundos de pensão produziriam os recursos necessários ao

‘desenvolvimento das indústrias’ – ditas sociedades anônimas ou por ações - e assim

propiciariam os recursos que antes as empresas somente poderiam captar como

empréstimos bancários remunerados por altas taxas de juros e correções monetárias. Veja-

se a ênfase do texto veiculado na revista “Visão”, sobre as vantagens e necessidades de os

investimentos em ações serem estimulados e de criarem-se recursos para dinamizá-los:

“Certamente a fórmula seria interessante inclusive para a empresa nacional, já que o inconveniente maior do sistema de empréstimos atualmente reside no fato de o empresário ter de pagar juro, correção monetária e ainda o principal. Creio que a substituição dos empréstimos por emissão de ações com garantia governamental apresentaria as seguintes vantagens: 1) Parte dos recursos atualmente utilizados pelas agências governamentais de crédito seria destinada á formação de um fundo de risco para garantia das ações dessas empresas, permitindo assim maior dinamização do mercado de ações e concorrendo para maior desenvolvimento do país. 2) Evitar-se-ia a descapitalização das empresas, que são obrigadas a retirar recursos produtivos para pagamento do principal do empréstimo”. (Revista “Visão” com circulação em 07 de março de 1977)

Em edição da Revista “Visão” com circulação em 07 de março de 1977, embasado em

diagnóstico comum sobre a urgência de potencializar-se o negócio de ações como resposta

ao alto custo do dinheiro de empréstimo, cobra-se com contundência ao Estado:

“Os recursos compulsoriamente captados pelo Estado deveriam, é óbvio, ser aplicados em operações de risco no mercado de capitais – basicamente, ações. (...)Capital de bolsa é capital de riscos, mas os empresários querem captá-lo lá para fugir do endividamento e da descapitalização.” (Revista Visão de (Revista “Visão” 07 de março de 1977, vol 50 nº 5).

Os recursos da previdência social recolhidos pelo Estado brasileiro conformam o que os

capitalistas chamavam –chamam-no também atualmente – poupança e que deveria ser posta

a serviço do ‘desenvolvimento nacional’ porquanto viabilizaria:

190

“a) criar uma nova fonte de recursos de risco para as empresas. Com isso o endividamento se reduziria e as empresas poderiam ampliar sensivelmente seu ritmo de crescimento; b) criar novos empregos produtivos – o que beneficiaria diretamente os trabalhadores; c) injetar novas forças no mercado de capitais, estabilizando-o e transformando-o em poderoso instrumento de dinamização da economia; d) reduzir a interferência estatal no campo econômico, revitalizando a iniciativa privada nacional.” (Revista “Visão” 07 de março de 1977, vol 50 nº 5).

A solução promotora de recursos ao mercado de capitais - os fundos de pensão – teriam na

consideração de importante capitalista uma dupla finalidade: serviriam como mecanismos

econômico-financeiros, por frearem os aumentos salariais, e político-ideológicos por

subjetivamente comprometerem os trabalhadores com a expropriação de si mesmos ao

pensarem-se proprietários do capital e assim embota-se a luta de classes.

Na síntese de Bulhões,

“ (....) a compra das ações tem duas finalidades específicas: fazer com que os empregados participem do regime capitalista e tenham, como suplemento dos salários, os dividendos que venham a receber. (...)com este sistema os empregados ganhariam mais, sem sucessivos aumentos salariais”. (Revista “Visão” 07 de março de 1977, vol 50 nº 5, pg. 47).

Para efetivar sua função de capital dinheiro em busca de valorização, os investimentos dos

fundos de pensão devem buscar a maximização de sua rentabilidade como capital

financeiro e como capital fictício. Os esforço de máxima rentabilidade são determinações

decorrentes da natureza de capital financeiro dos fundos de pensão e não por ser esta uma

determinação previdenciária como insistem em afirmar os partidários de uma tal forma de

capital de empréstimo a baixo custo.

Na realização do objetivo de capitalizar os recursos previdenciários para oferecê-los ao

mercado de capitais, os defensores dos fundos de pensão recomendam:

“(...) a) diversificar as aplicações de recursos; b) utilizar o princípio de repartição de risco; c) procurar investimentos que permitam obter taxas de rentabilidade real pelo menos iguais à usada na avaliação atuarial (geralmente da ordem de 6%), sem esquecer os aspectos de liquidez e segurança." ( Revista “Visão” vol 50 nº 9 – 09 de maio de 1977, pg. 61).

Na busca de realizar as demandas financeiras postas aos fundos de pensão como

investidores institucionais, atuários e profissionais típicos do mercado financeiro passam a

191

ser os gestores principais dos ativos formados pelos recursos dos trabalhadores. Efetivos

profissionais característicos de instituições previdenciárias públicas e por repartição como

médicos, economistas, assistentes sociais e demais profissionais com traços marcadamente

ligados ao provimento da saúde e de condições atinentes as políticas sociais como os fiscais

previdenciários voltados para o controle da contribuição do capital ao instituto

previdenciário, tem-se a intensificação do número de profissionais improdutivos182 ligados

ao mercado financeiro para indicar se o investimento deverá privilegiar imóveis, papéis de

renda fixa e de renda variável como opções para o crescimento e a capitalização das

empresas e pelos rendimentos que podem obter. Afirma-se na defesa dos fundos de pensão

a independência racional de técnicos responsáveis por executarem uma administração

independente e por suposto, a mais eficiente. Confira-se na edição acima citada:

“ (...) são orientadas por administradores profissionais independentes, como fundos de investimento; os investimentos são realizados fora da empresa formadora do fundo; o limite para a aplicação em uma única empresa é de 5% de seu capital e de 10% dos ativos do fundo; (...) seus recursos não podem ser retirados pelo empregado durante sua vida ativa, destinando-se o capital exclusivamente à aposentadoria ou, em caso de invalidez ou morte, às pensões (não pode haver empréstimos aos mutuários)”. (Revista Visão – 10 de janeiro de 1977 – nº 1 – Vol 50; pgs. 46/7)

Aos administradores dos fundos de pensão cabe escolher e buscar a aplicação com a maior

taxa de juros possível, e isto pode explicar uma das características da política econômica

atual praticada por nosso país com a manutenção da mais alta taxa de juros do mundo, dado

que para os investidores financeiros :

“A rentabilidade dos investimentos é de grande importância não só para a consecução dos objetivos do fundo de pensão como na determinação os valores de contribuição. A redução de 1% da taxa real de juro, por exemplo, acarreta um aumento nas contribuições diretas de 10% do seu valor. Ou seja, se a taxa de contribuição total para um plano de benefício de um fundo for de 15% do salário, ela passaria a 16,5%.” ( Revista “Visão” vol 50 nº 9 – 09 de maio de 1977, pg. 61).

A transmutação da solidariedade dos trabalhadores pela ativa participação em bolsas de

valores produziriam os recursos necessários ao ‘desenvolvimento das indústrias’ e ao

engrandecimento dos lucros das empresas ao realizarem a substituição de recursos que

antes os capitalistas somente poderiam captar como empréstimos bancários com altas taxas

182 Ver em Netto (1991) a discussão do aumento de trabalhadores improdutivos na idade dos monopólios.

Comentário: Cadê a fonte desta referência?

Comentário: Esta afirmação merece maior qualificação, pois não é só (nem principalmente) para, os fundos de pensão que se mantêm estas elevadas taxas de juros.

192

de juros e correções monetárias; vale dizer, os recursos originários do próprio salário do

trabalhador constituem os montantes que serão emprestados ao capital para que seja

potencializada a extração da mais-valia da classe trabalhadora, como dinheiro de

empréstimo a baixo custo. Diz o texto na defesa deste particular arranjo:

“Certamente a fórmula seria interessante inclusive para a empresa nacional, já que o inconveniente maior do sistema de empréstimos atualmente reside no fato de o empresário ter de pagar juro, correção monetária e ainda o principal. Creio que a substituição dos empréstimos por emissão de ações com garantia governamental apresentaria as seguintes vantagens: parte dos recursos atualmente utilizados pelas agências governamentais de crédito seria destinada á formação de um fundo de risco para garantia das ações dessas empresas, permitindo assim maior dinamização do mercado de ações e concorrendo para maior desenvolvimento do país. Evitar-se-ia a descapitalização das empresas, que são obrigadas a retirar recursos produtivos para pagamento do principal do empréstimo”. ( Revista “Visão” vol 50 nº 9 – 09 de maio de 1977)

3.3.1.2 Ajustes necessários: reduzir e privatizar, reduzir para privatizar

É curiosa por aparentemente contraditória a evolução geral do sistema previdenciário

público brasileiro sob o ciclo ditatorial aberto em 1964 (Malloy; 1986 e Andrade; 1999),

posto ter implementado políticas favoráveis ao mundo do trabalho como a unificação dos

institutos e a extensão dos benefícios aos trabalhadores rurais, por exemplo, na direção da

universaliza-los e ao mesmo tempo ter produzido medidas que não se explicam por outras

razões que não sejam as necessidades imperativas da privatização183, denominados ajustes

estruturais. (Tavares; 2001).

Todavia, desvelar a conjecturada ambigüidade das ações do grande capital para as políticas

da previdência revela essencialmente que a extensão é uma condição para a privatização

por estender ao maior número possível de trabalhadores – principalmente aqueles com

183 Ver a “Revista Visão de março de 1977; pg 39, texto sobre a Empresa privada – Fugindo do problema central – as propostas do último grupo de trabalho sobre o fortalecimento da empresa privada nacional não satisfazem exigências básicas da economia de mercado. Estudo de fortalecimento da empresa privada da mesma época por encomenda do governo em uma equipe que contou com Hélio Beltrão, José Mindlin e Octávio Gouvêa de Bulhões, o crescente nível de endividamento das empresas privadas nacionais decorre da insuficiência de capital próprio para gerir os negócios determinado por duas ordens de razões: a) o custo financeiro elevado do crédito, aliado à fraqueza do mercado acionário, impedindo a mobilização de capital de risco e aprofundando o endividamento; b) política de preços controlados pelo CIP, limitando a rentabilidade e a geração e recursos próprios.

Comentário: Falta numeração de item.

193

alguma organização política, como era o caso dos trabalhadores rurais. Tratava-se de

instituir os patamares mínimos vitais para um expressivo número de trabalhadores como

previdência básica e pública e liberar um ‘mercado’ bastante significativo numericamente

de trabalhadores com condições de constituir previdências complementares – abertas e

fechadas – a partir do teto mínimo pelo Estado, conforme argumentos explicitados em

matéria intitulada A imensa fortuna da previdência, de março de 77.

“Entre as diversas vantagens do fundo de pensão, uma das maiores é permitir que a previdência social estatal se limite a suprir, a todos os trabalhadores, o mínimo vital – que é aliás o objetivo da instituição. Além do mínimo vital, a tarefa ficaria para os fundos de pensão privados”. ( Revista “Visão” vol 50 nº 6 – 21 de março de 1977, pg 57)

. É notável a antecipação ao documento emblemático do Banco Mundial de 1994 que

recomenda iniciativas como esta para as contra-reformas que desde então foram

potencializadas ao redor do mundo, o que pode sugerir uma relação de duplo sentido entre

o capital e suas agências multilaterais responsáveis pela divulgação ideológica e de recursos

no reforço ao projeto do capital: tanto podem adiantar soluções a serem implementadas

pelo mundo como podem formular em respostas ao desígnios da acumulação motivados por

urgências de capitais de distintos lugares do mundo . Levada a termo em finais da década

de 70, especialmente em 1976, 1977 e em 1978, a discussão da previdência estruturada a

partir de 3 pilares complementares, antecipa, inclusive de modo importante, o primeiro

experimento ‘neoliberal’ de contra-reforma da previdência: toma-se como caso

emblemático a contra-reforma previdenciária realizada no Chile sob a ditadura de Pinochet

em 1981, como ensaio prenunciador ao Consenso de Washington.

Simultaneamente criticava-se os montantes de recursos previdenciários centralizados e

operados pelo Estado como importante poupança que deveria ser reformada em favor do

capital posto que somando-se a totalidade da arrecadação previdenciária, afirmava-se, ser

um montante quase similar ao orçamento da União. O problema – avaliavam os

empresários - residia na ‘recusa da previdência’ em desistir de qualquer verba que fosse

para facilitar a implantação dos fundos de pensão no país.

A análise das alterações operadas pelos diferentes governos do ciclo militar – e também

pelos civis que lhe sucederam – mostra-nos que não há razão na afirmação dos

empresários, já que numerosas medidas foram efetivadas na direção de diminuir os valores

194

dos direitos públicos e progressivamente repassá-los ao capital privado. Exemplificam

estas medidas os debates e a posterior transferência dos hospitais do Ministério da

Previdência para o Ministério da Saúde (Revista “Visão” vol 50 nº 7 – 04 de abril de 1977,

em especial páginas 52 a 55), dado que permanecerem na estrutura da previdência

constituía-se um empecilho por absorverem grandes parcelas de recursos que, deste modo,

estariam impedidos de serem transferidos para os fundos de pensão e, por conseqüência,

para o mercado de capitais.

O núcleo de capitalistas que debatia” os fundos de pensão como saída à superação da

debilidade do mercado de capitais no Brasil, sistematizava as críticas na revista “Visão nos

termos seguintes:

“ (...) a) o atual sistema de previdência estatal, que onera as empresas (INPS, FGTS, PIS) e as impede de destacar novos recursos financeiros para preencher sua cota nos fundos de pensão; b) a quantidade de trabalhadores urbanos com níveis salariais superiores aos oferecidos pela aposentadoria do INPS (os beneficiários, portanto, dos fundos de pensão), embora significativa em termos de participação no conjunto da massa total de salários, é relativamente modesta em termos quantitativos (3% da população empregada urbana, em 1972); c) pressão inflacionária crônica, provocando incessante aumento da contribuição e a necessidade de que as aplicações dêem, além de lucros, correção monetária; d) elevada participação de jovens na composição da população brasileira, implicando lento aumento do número de velhos; e) ausência de regulamentação racional, estimulante e de cunho privatista, que favoreça a implantação de normas estáveis para o florescimento dos fundos”. (Revista “Visão” vol 50 nº 7 – 04 de abril de 1977; pág. 74)

3.3.1.3‘‘previdência privada’’: fundos de pensão e montepios

Um dos pontos centrais da conformação a ser assumida pela ‘‘previdência privada’’ no

Brasil dizia respeito ao enfrentamento do tipo básico de instituições previdenciárias

privadas em operação no país: os montepios.

Os montepios eram instituições antigas no cenário econômico brasileiro - os primeiros

datam do período colonial e eram ligados às Santas Casas e às Congregações da Ordem

Terceira, como caixas mútuas e de socorro mútuo. O primeiro montepio a surgir no Brasil,

em 1795, foi o Montepio da Marinha, no Rio de janeiro e foi seguido, em 1834, pela

Comentário: Falta numerar o item.

195

criação do montepio da Sociedade Musical de Beneficência. Nos séculos seguinte, em

especial no XX, os montepios lograram desenvolver-se significativamente e, na década de

1960 (especialmente entre os anos de 1967 e 1977) teriam arrecadado 7 bilhões de

cruzeiros e pago 2 bilhões de cruzeiros em benefícios. O superávit das contas, os montepios

as aplicaram em: Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional (ORTN), com juros e

correção monetária; imóveis; títulos em geral; e pequena parte em ações. Além destes

investimentos e aplicações, os montepios mais consolidados desenvolviam algumas ações

no mercado financeiro:

“O Montepio da Família Militar comprou dois bancos e fundiu-se no Banco Sul Brasileiro; incorporou o Dinners Club, pioneiro em cartões de crédito no Brasil; adquiriu até uma empresa de consultoria, a Planisul.A Associação dos Profissionais Liberais Universitários do Brasil (APLUB) detém o controle acionário do grupo financeiro Multibanco (banco de investimentos, corretora, distribuidora, financeira, turismo) e da Companhia de Seguro Previdência do Sul; é proprietária de uma empresa de processamento de dados e de uma gleba de 1,4 milhões de hectares na Amazônia, destinada a um projeto agro-florestal. O GBOEX tem uma seguradora, a Confiança”. (Revista Visão’ nº 2 vol. 50 de 24 de janeiro de 1977; pgs 50 e 51).

Entretanto, a necessidade posta em curso naqueles dias de fomentar o mercado de capitais,

via nos montepios um obstáculo a mais a ser superado para a constituição dos fundos de

pensão, já que os montepios tinham ação muito limitada no estímulo à expansão do capital

financeiro no país. Veja-se o que informa sobre o perfil de investimentos dos montepios, o

presidente de uma destas importantes instituições:

“São organizações não vinculadas à empresa, que abrem ao público em geral a participação em seus planos, por intermédio de contribuições exclusivamente dos associados. E troca dessa contribuição o associado adquire o direito de complementação de sua aposentadoria ou pensão, por prazo fixo, (o que significa que se demorar demais para morrer, terminará ficando sem complementação). A aplicação dos montepios não é regulamentada; um bom exemplo dessa aplicação, entretanto, pode ser dado pela APLUB. Segundo seu presidente, Rolf Udo Zelmanowicz, a receita é aplicada da seguinte maneira: 15% a 20% vão para as despesas administrativas; 20 a 25% , para o pagamento dos benefícios, 10% para a angariação de novos associados. O restante é investido: 20% em ORTN; 30% em outros investimentos, sendo que ‘não é saudável’, segundo Zelmanowicz, “aplicar mais de 6% em ações no mercado de capitais “ (‘Revista Visão’ nº 2 vol. 50 de 24 de janeiro de 1977). pgs 50 e 51) .

Comentário: Ou detinha?

196

Aos defensores dos fundos de pensão a não obrigatoriedade de investimentos no mercado

de capitais fazia dos montepios um concorrente em situação de vantagem em relação às

novas formas de ‘‘previdência privada’’, dada a sua longa trajetória no país, sem que as

poupanças previdenciárias tivessem até proporcionado riscos severos aos seus

participantes, em razão, certamente, de seus investimentos conservadores ou em negócios

que apresentavam baixas possibilidades de risco ao poupador. A principal desvantagem dos

montepios, notadamente para os capitalistas sequiosos por dinheiro barato proveniente de

contribuições dos trabalhadores, é não disponibilizar os montantes arrecadados para os

empréstimos capitalistas e investir a maior parte de seus ‘lucros’ em títulos do tesouro do

país, ou seja em papeis do Estado brasileiro a quem os defensores dos fundos de pensão

acusavam de monopolizar a poupança da sociedade brasileira e impedir a livre iniciativa de

operar o urgente desenvolvimento da economia do país.

Constata-se na leitura das páginas da revista “Visão” verdadeiro tour de force para

eliminar-se os montepios da disputa pelos negócios previdenciários de origem privada. Os

principais argumentos utilizados na demonstração d superioridade da alternativa fundos de

pensão aos montepios podem ser assim sumariados:

“ 1) O fundo de pensão é mais barato que o montepio”. O argumento central é o de que os

montepios recebem apenas a contribuição do associado e ao fundo de pensão contribuem os

empregados e também o empregador; razão pela qual em um fundo de pensão os

trabalhadores realizariam contribuições muito mais baixas para alcançarem aposentadorias

e pensões nos mesmos níveis. “Além disso, participando mais ativamente do mercado

acionário, onde os lucros são maiores e a liquidez é imediata, os fundos podem receber

menores contribuições. A aplicação maciça em ORTN, dos montepios, mal garante a

integridade do capital”.

“2) Carência” Aos defensores dos fundos de pensão, os montepios, por avaliarem os riscos

isoladamente, poderiam ter de impor aos contribuintes mais velhos e na iminência da

aposentadoria pagar taxas proibitivas. A alternativa aos pagamentos elevados são os longos

períodos de carência para a concessão de aposentadoria – até vinte anos, durante os quais o

associado não tem direito a aposentar-se, exceto em caso de invalidez permanente. Em sua

própria defesa, os fundos de pensão garantem que a avaliação permanentemente dos riscos

197

eliminam os longos períodos de carência. Já que tem vigência a solidariedade contributiva

na qual jovens ajudam velhos e a empresa ajuda a todos.

“3) Confiança”. Os partidários dos fundos de pensão criticam os montepios como

instituições limitadas para as quais não existe ‘fiscalização oficial adequada’. Indicam que

as empresas hesitarão em recolher doações ou contribuições aos cofres dos montepios sem

ter qualquer controle sobre a administração desses recursos, ‘acompanhamento’ que

realizam nos fundos de pensão já que os empregadores participam da gestão financeira das

entidades de ‘‘previdência privada’’ por lhe interessar a otimização da rentabilidade. Sobre

os montepios também afirmam os defensores dos fundos de pensão: pode ocorrer entre

montepios até mesmo a existência de alguns poderosos e dirigidos por pessoas bem

intencionadas, mas como uma exceção e não uma regra. A regra, defendem, viabiliza-se

nos fundos d pensão.

“4) Flexibilidade de ação”. A dimensão especulativa ‘geneticamente’ constitutiva da

gestão dos fundos de pensão, é mencionada como traço positivo em relação aos montepios

posto que: aos fundos de pensão proibir-se-ia as aplicações na própria empresa na qual se

originaram; seriam dirigidos por gestores independentes que teriam amplitude de manobra

suficiente para retirar seus recursos de um empreendimento e colocá-los em outros;

poderiam fiscalizar rigorosamente a gestão das empresas, afastando-se sempre que isso

seja necessário; em resumo, os fundos de pensão contam com a possibilidade de escolher

como, no que e quando aplicar, para obterem mais lucros e as melhores perspectivas. A

crítica aos montepios sublinha que ao serem auto-geridos seus empreendimentos, não

apresentam tanta flexibilidade: as aplicações dos recursos arrecadados e dos lucros são

voltadas, de preferência, para as suas próprias empresas e estão impedidos de transferir os

recursos de uma de suas empresas para outra estranha ao grupo, sob pena de fortes

prejuízos; por fim, critica-se os montepios porque estes não podem sequer admitir que as

empresas que administram tenham resultados negativos pois isto deporia contra sua própria

administração e o prestígio do grupo proprietário do montepio.

O debate sobre a superioridade dos fundos de pensão tomou por inspiração as práticas

exercidas nos Estados Unidos tornado público pela revista “Visão” contra a tradição dos

198

montepios exigia de seus partidários a construção de grande lobby já que nos montepios

havia parte importante da hierarquia militar de alta patente.184

3.3.1.4 ‘‘previdência privada’’: fundos de pensão e fundações de seguridade

As fundações de seguridade, especialmente as ligadas as estatais brasileiras como a

Petrobras, Banco do Brasil, Companhia Vale do Rio Doce, Embratel, BNDES, Banco

Central, foram criadas e começaram a funcionar antes mesmo que a lei 6.435/77 tivesse

sido aprovada e remontam quase sempre ao início da década de setenta do século XX.

As fundações de seguridade foram as precursoras dos fundos de pensão e ao seu tempo já

realizavam algumas operações próprias à ‘previdência privada’ fechada que seria instituída.

A crítica central que os empresários faziam às fundações de seguridade consistia na

permissividade das entidades ao consumo e não ao financiamento do capital. Veja-se:“

“Grandes empresas estatais possuem fundos de pensão, mas seu funcionamento tem

permitido financiamento ao consumo e não contribui como deveria para a formação de

capital”.

O capital em seu desenvolvimento passa a considerar também a força de trabalho uma

mercadoria sua da qual pode dispor de acordo com sua conveniência; assim, após retirar do

trabalhador parte de seu salário, aquele conseguido com dispêndio de trabalho necessário,

julgam-no moralmente por demandar ao ‘seu’ fundo de aposentadoria que possibilite parte

de seus ativos no financiamento de necessidades de consumo, como habitação ou

empréstimos de igual natureza que os depauperados salários não conseguem suprir.

As fundações de seguridade são assim criticadas pela sua ‘liberalidade’ nos gastos com o

mundo do trabalho, por estimularem o consumo destas camadas sociais ao mesmo tempo

em que não contribuem para a formação da tão necessária poupança’ para o capital. A

reorientação do consumo para a poupança deve ter as seguintes bases:

184 Resta claro que há muitos militares na gestão dos montepios que também podem agir como seguradoras e bancos: na ASPE o general Omar Emir Chaves, no GBOEX o coronel Alcy Riopardense Rezende que está também na ANAPP. Ademais, os generais Ernesto Geisel e Golbery do Couto e Silva são importantes associados do GBOEX. Na visível disputa entre os partidários dos montepios e os dos fundos de pensão há clara insistência dos primeiros nas vantagens destes sobre os fundos de pensão. Os montepios lutam para administrar os fundos de pensão. A evidência de que os montepios foram derrotados em suas reivindicações na época é que os próprios militares de alta patente – como Geisel na Petrobrás – serão os ‘criadores’ dos fundos de pensão.

Comentário: Falta numerar o item.

199

“(...) concentrar a poupança em capital acionário, redirecionando-a do capital creditício (que, em última análise, por meio de letras imobiliárias, inclui a especulação imobiliária), para o capital das empresas”. (idem; pg39).

Assim, também as fundações de seguridade social são momentos inferiores da forma

‘‘previdência privada’’ mais elaborada: os fundos de pensão. No apologético discurso

elaborado com o fito de evidenciar a superioridade da forma de ‘‘previdência

privada’’/fundos de pensão, alguns dos argumentos já utilizados no combate aos montepios

reaparecem implícita ou explicitamente. Vejamos:

“a) os fundos de pensão são geridos por administradores profissionais independentes; as fundações de seguridade têm sido geridas por diretores nomeados pelas entidades mantenedoras, demissíveis ad nutum – portanto não são independentes; b) os investimentos dos fundos de pensão são realizados obrigatoriamente fora da empresa formadora do fundo; boa parte dos investimentos das fundações de seguridade é realizada dentro da empresa formadora do fundo; c) o limite para a aplicação numa única empresa é de 5% de seu capital e de 10% dos ativos do fundo de pensão; as fundações de seguridade não têm esse tipo de limitação, já que a ‘‘previdência privada’’ não foi regulamentada e certas entidades têm 30% de seus ativos numa só empresa – por sinal, a empresa formadora do fundo; d) os recursos do fundos de pensão não podem ser retirados pelos trabalhadores durante sua vida ativa, destinando-se exclusivamente à aposentadoria e às pensões; os recursos das fundações de seguridade servem também para empréstimos aos funcionários, a prazos longos e juros baixos (o que dificulta a acumulação de capital), e até para a construção de moradias.” ( Revista Visão vol 50 nº 4de 21 de fevereiro de 1977; p.36)

Por último, um argumento ‘benéfico’ ao trabalhador é mencionado como uma importante

diferença pró fundos de pensão:

1º) Os fundos de pensão utilizam um mecanismo denominado vesting que consiste em um, (Revista Visão vol 50 nº 4 de 21 de fevereiro de 1977, p. 37)

“... tempo mínimo no qual o empregado pode retirar-se de um fundo assegurando, total ou parcialmente, os benefícios capitalizados em seu nome para a aposentadoria e pensões. O vesting é uma das grandes garantias de estabilidade dos recursos de um fundo de pensão. As fundações de seguridade não têm vesting: em geral devolvem ao funcionário que deixa seus quadros os recursos que aplicou, sem juros e correção”.

Comentário: Por que 1º se não trem o 2º, 3º etc.?

200

Traços sínteses do desenvolvimento dos monopólios são exortados na indução dae que os

fundos de pensão combinam a melhor forma de ‘‘previdência privada’’ por aplicarem a

separação entre os proprietários e os gestores, e ao atribuírem à ‘administradores

independentes’ a razão do sucesso de um empreendimento. No caso dos fundos de pensão,

como em outros negócios capitalistas, as administrações que se reivindicam acima de

interesses particularistas em geral, mais os justificam do que se convertem em exemplos de

racionalidade; para o caso dos interesses dos trabalhadores, a pretensa isenção dos

administradores de fundos de pensão, na quase totalidade dos casos, justifica atuar na

direção oposta ao mundo do trabalho ao privilegiar-se o lucro e as taxas de juros mais

elevadas.

A realização de investimentos fora da empresa patrocinadora de um dado fundo de pensão,

não decorre de uma motivação ética do uso dos recursos do mundo do trabalho usados em

sua própria exploração; antes disto decorre das buscas de taxas de remuneração de um

capital (as contribuições dos trabalhadores) como a forma mais eficaz de a empresa

proprietária do fundo de pensão realizar as expansões, fusões e controles de outros negócios

e então, aumentar-lhe a acumulação e o controle dos negócios.

O disciplinamento referente ao uso dos recursos acumulados pelos trabalhadores é a mais

eloqüente confirmação de que a aposentadoria é apenas uma mediação encontrada pelo

capital financeiro para acumular vultuosos montantes sem que deles possam beneficiar-se

senão em longo prazo. A aposentadoria é a única contribuição do mundo do trabalho que

pode cumprir tal função pois a promessa de melhores condições de vida funciona para o

futuro, e este é o limite e a possibilidade de o trabalhador usufruir de suas contribuições.

Todavia, enquanto o trabalho poupa e sofre a interdição de recorrer aos seus próprios

recursos, ao capital é franqueado o acesso de usufruir dos mesmos recursos o tempo todo.

Diferentemente da afirmação feita na revista “Visão” esta é a evidência mais marcante de

que não se trata de aposentadoria; trata-se de mais uma apropriação que o capital faz do

trabalho: para além dos resultados do trabalho excedente com a ‘‘previdência privada’’

fechada o capital expropria do trabalhador todos os meses uma parte de seu trabalho

necessário e o investe na promoção de mais aprofundadas formas de exploração de mundo

do trabalho na mesma empresa ou em ouras. Dito de outro modo: ao trabalhador destina-se

Comentário: Coloquei esta passagem em itálico, dada a sua importância intrínseca para sua hipótese de trabalho.

201

exclusivamente à aposentadoria após algumas décadas de contribuição e ao capital o uso é

imediato e não se lhe imputa carências de tempo e formas de uso.

3.3.1.5 - Os limites da lei aprovada segundo a análise empresarial

Em 19 de maio de 1977185, o Presidente General Ernesto Geisel encaminhou ao Congresso

Nacional um anteprojeto de lei que regulamentaria a ‘‘previdência privada’’ no Brasil.

Todavia, a expectativa do capital para os fundos de pensão frustrava-se em alguma medida

já que o projeto não atendia na sua forma inicial todas as demandas para a construção do

mercado de capitais ansiado pelo patronato instalado no Brasil.

Na revista “Visão” vol 50 nº 11 de 06 de junho de 1977, as primeiras análises do

anteprojeto asseveravam:

“o anteprojeto é burocratizante, estatizante, discriminatório; permite que a poupança a longo prazo dos empregados e dos empregadores seja transformada em empréstimos de incentivo ao consumo; (...) permite que os dinheiros do fundo sejam empregados na empresa formadora – ou seja, se a empresa for à falência e seus funcionários perderem o emprego, perderão simultaneamente os recursos do fundo nela empregados, talvez baseados na teoria de que desgraça pouca é bobagem -, abre campo á transformação dos fundos de pensão, de entidades de captação e formação de poupança em entidades assistenciais”. (pg. 60).

185 Revista Visão de 03 de maio de 1976, pgs. 75 e 76. Nesta edição de maio de 76 dava-se como certo o envio e aprovação da lei de ‘previdência privada’ no segundo semestre. Tal como em FHC e em Lula tudo foi mais demorado. Somente em junho de 77 foi aprovado o projeto pelo Congresso Nacional. O setor privado de previdência se opunha aos artigos 4 e 7 da nova legislação que se referem a definição e classificação das entidades em abertas e fechadas. Havia em 76 mais de 400 entidades privadas e especulava-se que o setor sofreria uma ‘limpa’ porque restariam após a lei, apenas cerca de 100 entidades. O pomo da discórdia? “A abertura para as seguradoras do bolo previdenciário, que há algum tempo elas vêm cobiçando...’ (pg. 75 e 76). Pg. 76 - Os montepios temiam a concorrência e justificavam a sua contrariedade com todo e qualquer argumento: “Para Nilton Molina, diretor-presidente da Augstus, há uma incoerência essa entrada: ‘Ela contraria a própria filosofia da ‘previdência privada’, a quem repugna o lucro sobre a vida humana’. Declaração do coronel Alcy Rezende presidente da Anapp: “ ‘previdência privada’ é caso de Segurança Nacional”. Lei das SA, foi quem criou a Comissão de Valores Mobiliários, de autoria de Mário Henrique Simonsen. Possibilitou o capital financeiro no Brasil porque juntou os Bancos com as empresas. Ver Maria da Conceição Tavares em: Natureza e contradições do desenvolvimento financeiro recente. Neste esforço um importante nome foi o de Rio Nogueira, professor, do Instituto Brasileiro de Atuária (IBA), incansável na defesa da ‘previdência privada’ em nosso país. Em discordância com a Visão, o professor crê ser correto ceder valores da fundação de seguridade aos trabalhadores porque significa priorizar o uso de recursos em favor daqueles que formaram estes fundos e que os jovens, caso não haja empréstimos, não terão estímulos de poupar em fundos quando já possuem a previdência social.

Comentário: Falta numerar item.

202

Ademais, para o empresariado seriam ausências graves no projeto não contemplar medidas

que os fundos de pensão dos Estados Unidos tinham asseguradas na legislação, tais como:

1) A aplicação dos recursos. Ao empresariado abrigado nas idéias da revista “Visão” o

anteprojeto deveria ser claro e obrigar a aplicação de um percentual de seus ativos em

capital de risco, como possibilidades de os fundos de pensão promoverem a criação da

poupança interna e de impulsionarem o desenvolvimento.

2) O vesting. No anteprojeto do governo de Geisel não havia a previsão do direito do

empregado às contribuições dele e do empregador em caso de mudança ou perda de

emprego. Para os proprietários do capital esta medida de direito importava por duas

razões: por constituir-se em uma atração à participação dos trabalhadores aos fundos de

pensão, já que não perderiam o que poupassem em caso de mudança de emprego ou em

situação de desemprego, e por poderem levar sua cota de ‘ativos’ para o fundo de

pensão de outra empresa em caso e troca de emprego186.

3) Full disclosure. Mecanismo pelo qual se impõe ampla abertura e divulgação das contas

e investimentos aos interessados. Todavia, além de engenhosas técnicas de balanços

que se afiguram incompreensíveis para os participantes dos fundos de pensão e que se

prestam muitas vezes a obliteração de investimentos arriscados e prejudiciais (Lênin;

1986) às aposentadorias futuras, freqüentemente os representantes dos trabalhadores nas

funções de fiscalização dos investimentos tornam-se mais próximos do capital do que

do trabalho.

Nas edições seguintes187 da Revista “Visão” os argumentos utilizados encaminham-se na

mesma direção dos apresentados acima: há limites para o capital que não poderiam estar no

projeto e a alocação de recursos em financiamentos de interesse dos trabalhadores, a

habitação por exemplo, são tidas por exageros já que exigem ‘segurança absoluta’. Veja-se:

“As fundações de seguridade atualmente existentes no país (pálida imitação distorcida dos fundos de pensão americanos) aplicam seus recursos em empréstimos ao consumo, títulos de renda fixa – até mesmo financiamento de

186 Esta medida somente passou a fazer parte dos ‘direitos’ dos trabalhadores com a legislação de 2001. 187 Ver especialmente: Revista Visão Vol 50 Nº 12 – 20 de junho de 1977. Pg. 60: “Fundos de Pensão: três análises do rumo do Governo” - os peritos ouvidos por Visão sugerem novas medidas, propõem a alteração do anteprojeto de lei e opinam sobre a regulamentação da ‘previdência privada’”. Revista Visão, 04 de julho de 1977 ps 52 e 54 Título: ‘Fundos de Pensão – Temas importantes? Não importam. – Os grandes problemas ignorados no projeto para regulamentação da ‘previdência privada’ também não interessam a deputados federais e senadores’.

203

casa própria, em concorrência com o BNH; não aplicam praticamente nada no mercado de riscos, deixando de contribuir como poderiam para o desenvolvimento nacional”. (Revista Visão, 04 de julho de 1977; p. 54)

As matérias relativas aos fundos de pensão publicadas pela revista “Visão” após o envio do

projeto do governo Geisel ao Congresso Nacional, enfatizam o excesso de emendas

parlamentares quando da discussão da regulamentação da ‘‘previdência privada’’ porque

foram apresentadas cerca de 88 emendas, na média mais do uma emenda por artigo. Para

os empresários ‘amotinados’ na revista, o alto número de emendas relaciona-se a temas

laterais e nada do que é central188 ao projeto de ‘previdência privada’ e dos fundos de

pensão em particular – ‘capenga’ desde a formulação do executivo – foi priorizado pelos

parlamentares189, razão pela qual não estaria garantida a vocação dos fundos de pensão. Diz

a revista:

“Quanto ao desenvolvimento, o sistema de fundos de pensão atua duplamente: investe maciçamente e fornece capital de riscos aos empreendedores. (...) Esse efeito dinamizador dos fundos de pensão sobre a economia, entretanto, só é possível graças à aplicação dos ativos no mercado de riscos: com isso geram-se empregos, cresce a economia, garante-se aos poupadores uma taxa de lucro mais alta que a obtida em qualquer outro tipo de aplicação (isso é válido para o Brasil: também aqui, a longo prazo, o investimento mais lucrativo tem sido em ações.”( Revista Visão, 04 de julho de 1977 ps 52 e 54)

188 Em síntese expressam como limites: a) ausência de definição de que o fundo de pensão deve ter a gestão feita por administradores profissionais; b) a determinação de que a realização de investimentos deve ser fora da empresa formadora. c) estabelecer claramente como limite para aplicação em uma única empresa 10% do ativo do fundo e de 5% do seu capital. d) Estabelecer que os recursos do fundo de pensão não podem ser retirados pelo empregado durante sua vida, ele é exclusivo para aposentadorias, pensões por invalidez e morte; (no que faltou dizer e antes destas condições, para o mercado de riscos e de capitais); e) Os empregados e interessados devem ter fornecimento amplo de informações sobre o fundo de pensão; f) o empregado terá o direito à retiradas parciais depois de determinado tempo – vesting; g) ausência de determinação sobre onde se aplicar a enorme poupança dos fundos de pensão; 189 Dentre os parlamentares mais atacado pela revista está Alceu Colares, campeão de emendas e também das criticas do empresariado: Na mesma matéria o deputado do MDB gaúcho, Alceu Collares, é o mais atacado. Explica-se: foi o deputado que mais emendas apresentou, foram 24 emendas. Diz a revista: “O deputado Alceu Collares (MDB – RS), autor do maior número de emendas ao projeto, preocupa-se especificamente com dois temas: técnica legislativa (boa parte de suas emendas visa a corrigir erros de técnica na redação, deixando-a mais precisa, menos redundante) e eliminação do lucro nas entidades abertas. Collares defende a tese de que ‘montepio quer exprimir a acumulação para fins de auxílio assistência, não cabendo confundi-lo com sociedade de fins lucrativos” A revista azeda com o deputado: “O deputado não apresentou qualquer motivo que leve qualquer empreendedor a montar um empreendimento em que o lucro seja proibido”. Curioso notar que quando das contra-reformas da previdência de 2003, o parlamentar gaúcho manifestou-se contrário a quebra dos direitos previdenciários públicos para ceder espaço aos fundos de pensão.

204

Na edição da revista ‘Visão’ de 31 de outubro de 1977, sob o título: ‘‘previdência

privada’’: A regulamentação (pgs. 95 e 96), assinala-se o prazo para a regulamentação da

lei que instituiu a ‘previdência privada’: 16 de janeiro de 1977. Para que a regulamentação

da lei fosse efetivada, dois grupos de estudo foram instituídos: um, no Ministério da

Indústria e Comércio (MIC), o dos montepios, para regulamentar a ‘previdência privada’

aberta. No MIC o trabalho foi ‘chefiado’ por Severino Garcia, do departamento técnico da

Superintendência dos Seguros Privados (Susep); o outro, no Ministério da Previdência

Social no qual os estudos são produzidos isoladamente em cada um dos departamentos do

INPS.

Contudo, restaram alguns pontos sujeitos à regulamentação e que não foram apreciadas

pela lei, alguns dos quais insistentemente reivindicados pelos capitalistas, tais como o

Vesting, a definição da aplicação dos recursos das fundações (naquele momento em estudo

pelo Conselho Monetário Nacional, pois aguardava-se que a regulamentação estabelecesse

aplicações por tipos de faixa, determinando-se percentuais); a limitação do papel do

Estado190 à fiscalização; e o estabelecimento de regras próprias de cada fundação de

seguridade na determinação dos benefícios aos participantes da ‘‘previdência privada’’;

Na construção e expansão do mercado financeiro no Brasil é digno de registro o novo papel

conferido às seguradoras (Tavares, 1978). Conforme a Revista Visão de 14 de novembro de

1977 (pgs. 130 a 135), as seguradoras191 poderão operar no mercado de ‘‘previdência

privada’’, como resultado de uma verdadeira disputa entre grupos de interesses de

diferentes frações do capital.

190 Curioso notar que a Revista “Visão” menciona sempre o governo naquelas que serão obrigações do Estado, por exemplo no que lhe cabe fiscalizar afirma-o como papel de governo. 191 Possibilidades abertas às cia de seguros: a) atuar como administradoras das fundações de seguridade (ex.: o Intercontinental e o Crefisul); b) podem organizar fundações para empresas ou grupos de empresas; c) podem comprar os investimentos e o risco das fundações, em troca da garantia de rentabilidade; (ex. a fundação teria a rentabilidade real de 6% ao ano pago pela seguradora que ao aplicar e assumir os riscos, também lucraria o que ela conseguisse acima do percentual devido à fundação que a contratou. Ela se responsabiliza pelos investimentos e pelos lucros). Argumento a favor das seguradoras: elas assumem o risco e sempre investem no mercado de capitais. Conforme o texto: “Assim, sem que o empregado corra nenhum risco, o investimento de seus recursos será efetivado no mercado de risco, o que é bom para a economia”. (pg. 135). Especulava-se à época o estabelecimento de um teto para a complementação a aposentadoria para a ‘previdência privada’ fechada e a abertura do espaço para complementação para as pessoas que não tivessem seus salários repostos e que desejassem repor seu padrão de vida por intermédio de seguro devida de seguradoras.

205

Na página 130 da edição de 14 de novembro de 1977, lê-se, como expressão das disputas:

“Os montepios que aguardam apenas o decreto de regulamentação para ajustar-se à nova Lei da ‘‘previdência privada’’, estão prestes a enfrentar novo e poderoso concorrente: as companhias de seguros de vida, também autorizadas pela lei a funcionar como entidades abertas”. (...) além de atuarem como entidades abertas – o que é permitido pelo artigo 7º parágrafo único -, poderão em certas condições atuar paralelamente às entidades fechadas (as fundações de seguridade)”. (Revista Visão 14 de novembro de 1977 – pgs. 130 a 135).

No periódico anterior ocorre o primeiro pronunciamento em favor das fundações de

seguridade, embora frise que estas são inferiores aos fundos de pensão existentes nos

Estados Unidos. De todo modo, uma afirmação em defesa das fundações de seguridade

revela um acordo do capital com a legislação aprovada pelo Congresso Nacional. A defesa

das fundações de seguridade pelo veículo da imprensa que funcionou como porta-voz dos

empresários que pressionaram para a liberalização total da legislação em favor dos

mercados de capitais, configura-se numa importante mudança de posição pública e,

especialmente, a confirmação do atendimento às pressões e a satisfação com os resultados

alcançados por aqueles que ‘militaram’ na causa da construção da ‘‘previdência privada’’

como mediação porque provedora de dinheiro ‘barato’ para a sustentação do mercado de

capitais em nosso país.

Há ainda uma outra hipótese a ser considerada para a trégua na crítica feita pelos

empresários à lei da ‘‘previdência privada’’ aprovada no Congresso Nacional: transferir a

pressão para o momento da regulamentação da lei. Na história da Previdência Social e, em

especial, nas duas últimas (contra) reformas efetivadas por meio das Emendas

Constitucionais nº. 20/ de 1998 e nº 41 de 2003, a regulamentação infraconstitucional

mostrou enorme ‘prodigalidade’ em perpetuar aquilo que a legislação maior não conseguira

realizar; dito de modo diverso, as Emendas Constitucionais requerem maiorias qualificadas

para serem aprovadas, ao passo que as leis que as regulamentam, em geral, tramitam com

maior facilidade por exigirem um número de votantes menor que o das grandes leis. Assim,

vez que já se aprovara a legislação da ‘‘previdência privada’’, tratava-se de orientar as

demandas empresariais na direção do ajuste jurídico-formal.

No exemplar da revista Visão 20 de fevereiro de 1978, estava em questão a Resolução 460

de 23 de fevereiro de 1978, expedida pelo Banco Central em cumprimento a decisão do

206

Conselho Monetário Nacional que regulamentou a aplicação das entidades de ‘‘previdência

privada’’. Mas, após as aprovações do conjunto mais substantivo das leis que regulam a

‘‘previdência privada’’, vemos que a burguesia recomeça sua crítica, talvez na busca de

novas vitórias. Asseverar-se-á, de modo cada vez mais explicitamente conservador, sobre a

legislação aprovada:

“( ...) o que existe é uma pálida imitação, a distorção de uma boa idéia, um conjunto de normas que mais servirá para estimular o consumo do que para gerar a poupança de longo prazo que permitiria capitalizar a empresa nacional e em conseqüência impulsionar o desenvolvimento do país”. “(... ) o que traz vários inconvenientes: reduz a capitalização; é inútil, já que para fornecer empréstimos existem os bancos; estimula o consumo em detrimento da formação de poupança; funciona como engodo, atraindo para os fundos pessoas que não estão interessadas na aposentadoria, mas apenas em financiamentos para o consumo suntuário”. (Revista Visão 20 de fevereiro de 1978 – pgs. 67 e 68 – grifos adicionados)

As conclusões dos capitalistas empenhados em materializar os ‘recursos’ para tornar

factível o mercado de capitais no Brasil, não se demonstraram satisfeitas com as proporções

estabelecidas pela lei para a aplicação em capital fictício (Tavares; 1978), especialmente

em títulos do Estado que assim funcionaram como limites ao investimento no mercado de

ações.

Por fim, importa anotar que a regulamentação da aplicação das reservas foi da competência

do Conselho Monetário Nacional, a partir de projeto elaborado pela Comissão de Valores

Mobiliários. A crítica mais contundente à regulamentação das aplicações referiu-se a

limitação bastante inferior aos das aplicações possíveis nos Estados Unidos: lá são 70% dos

ativos dos fundos de pensão que se pode aplicar em capital de risco, basicamente em

ações; no Brasil foi estabelecido para investimentos da mesma natureza entre 20% e 40%

como o máximo para aplicações em ações e debêntures.

Em desacordo com os limites, concluem:

“Dessa forma, ao invés de aplicações prioritárias no mercado acionário, com a ‘‘previdência privada’’ têm início apenas um processo de fortalecimento gradativo do mercado acionário. E ao invés de oferecer aos trabalhadores da classe média uma opção para – além da suplementar sua aposentadoria e pensões – torná-lo ‘dono’ das principais empresas do país, preocupa-se em oferecer empréstimos desnecessários, uma vez que já existem instituições financeiras para essa função, e nem deve ser essa a finalidade de um fundo de pensão” (Revista Visão de 20 de fevereiro de 1978 – pgs. 69 e 70).

207

3.4 ‘‘previdência privada’’ no Brasil: as leis do grande capital

“A sede de dinheiro, rapidamente disseminada, atingiu as autoridades ministeriais,

esses tutores da fortuna pública,

esses magistrados intermediários”!

(História da grandeza e decadência de César Birotteau

in A comédia humana de Honoré de Balzac).

Não se pretende no item que se segue fazer uma análise da norma legal a partir de seus

fundamentos jurídicos. Ademais de não sermos juristas nos interessa privilegiadamente

tratar os argumentos que fazem da suposta ‘‘previdência privada’’ uma realidade muito

diversa; consolidam estes recursos como investimentos e os transformam em capital

financeiro. Ocorrida tal transmutação já não temos previdência e sim especulação. Nossa

argumentação na análise das normas jurídicas apresentadas a seguir, objetivam demonstrar

que se trata exclusivamente de capital financeiro com predominância de sua ‘forma’

especulativa.

Grande número de análises sobre a previdência social brasileira justificam as grandes

alterações nela ocorridas nas últimas décadas pelas transformações demográficas,

familiares e do mercado de trabalho como o cerne do argumento para as reformas da

previdência social, conforme Beltrão (2004) e Pereira Netto (2002).

Apesar de se falar em muitos textos sobre a própria economia como uma razão para as

alterações nas políticas de seguridade social, a economia é mencionada de modo impreciso

e, na maioria das vezes, como um critério de verdade objetiva que a sua simples menção

dispensa o debate. A esta economia que aqui denominamos ‘imprecisa’ é a que quase

sempre aparece como justificadora das reformas feitas em prejuízo dos trabalhadores por

ser uma necessidade imperiosa que paira acima das classes, estas mesmas consideradas

ultrapassadas e discurso retórico de pensadores radicais, sempre em sentido depreciador.

A leitura que correrá por estas linhas também reivindica a determinação econômica como a

razão central para a realização das (contra) reformas e das reversões nas estruturas dos

direitos da classe trabalhadora e na nova conformação das políticas sociais que deixam de

ser universalistas e passam a focalizar frações da população para as quais dirigem o

atendimento estatal, levadas a termo em várias partes do mundo.

Comentário: Falta numerar este item.

208

Sem deixar de reconhecer a importância de tais argumentos, especialmente aquele

relacionado às transformações do mercado de trabalho, compusemos um arrazoado que tem

na construção da ‘‘previdência privada’’ a razão sobre a qual se assentam as sucessivas

reformas da política social previdenciária e a determinação de sua propalada crise. Dito de

outro modo, a instituição da ‘‘previdência privada’’ não se conforma como uma solução

aos limites postos pela previdência pública e na sua complementação, senão que a

previdência pública tem de ser limitada para que a ‘‘previdência privada’’ encontre espaço

para sua expansão. A ‘‘previdência privada’’ não se põe como solução para a previdência

pública, mas como a razão mesma de sua fragilização.

Atribuir centralidade à ‘‘previdência privada’’ na debilitação da previdência, entretanto,

não encerra a complexa discussão que o tema oportuniza por não evidenciar a ‘previdência

privada’ como um dos mais importantes e recentes mecanismos para enfrentar as urgência

da acumulação capitalista do pós-segunda grande guerra mundial.

No Brasil há no momento presente uma numerosa variedade de instituições financeiras em

operação de acordo com o Manual de Normas e Instruções (MNI) do Banco Central.192 No

segmento denominado Instituições Auxiliares não-Monetárias encontra-se um sub-grupo

denominado Investidores Institucionais. São investidores institucionais os Fundos

Mútuos193, as Entidades Abertas e Fechadas de ‘previdência privada’194 e as

Seguradoras195.

192 Fortuna ( 2003: 26 e ss), classifica-as “segundo a peculiaridade de suas funções de crédito em segmentos, a saber”: 1) - Instituições Financeiras Monetárias são as Instituições de Crédito a Curto Prazo; 2) - Instituições Financeiras não- Monetárias: são as Instituições de Crédito de Médio e Longo Prazos, de Crédito para Financiamento de Bens de Consumo Duráveis e as de Crédito Imobiliário; 3) – Instituições Auxiliares do Mercado Financeiro: são as Instituições de Intermediação no Mercado de Capitais e as de Seguro e Capitalização que compreendem As Entidades Abertas de ‘previdência privada’ (EAPC) e as Entidades Fechadas de ‘previdência privada’ (EFPC); 4) – Bancos Múltiplos: são as Instituições de Arrendamento Mercantil – Leasing. 193 “Conjunto de recursos formados pela soma de valores aplicados por diversos investidores e administrados por uma corretora de valores ou banco de investimentos. Trata-se de uma espécie de condomínio, no qual cada um dos aplicadores é proprietário de cotas. A corretora ou banco de investimentos reúne os recursos levantados e os aplica na compra de títulos, ações ou valores mobiliários. Os rendimentos obtidos são distribuídos aos cotistas do fundo de acordo com o número de cotas que possuem”. (Sandroni; 1999:257). 194 “São instituições restritas a determinado grupo, contribuintes ou não, com o objetivo de valorização de seu patrimônio, para garantir a complementação da aposentadoria e, por esta razão, orientadas a aplicar parte de suas reservas técnicas no mercado financeiro e de capitais”. (Fortuna; 2003: 36/7). 195 “A chamada Lei da Reforma Bancária, Lei n º 4.595 de 31/12/1964, que reformulou o Sistema Financeiro Nacional, enquadrou as seguradoras como instituições financeiras, subordinando-as a novas disposições legais, se, contudo, introduzir modificações d profundidade na legislação específica aplicável à atividade.

209

Ao longo da década de 1970 várias estatais e empresas ligadas ao grande capital passaram

a constituir seus fundos de pensão em substituição aos montepios. A estrutura jurídico-

legal da ‘previdência privada’, com a lei aprovada em 1977, obedeceu a urgência de uma

nova fase da acumulação capitalista no Brasil: a idade dos monopólios com sua

centralidade no capital financeiro e na sua demanda pela formação de um mercado de

capitais.

No Brasil baliza o crescimento da ‘previdência privada’ a aprovação da lei 6.435196 de 15

de julho de 1977. Conforme já o indicamos, além da lei 6.435/77 e das alterações que se

lhe fez a lei 6.462 de 9/11/77, também os decretos 81.240 e o 81.402 de 1978 conformam o

marco legal inicial necessário à expansão da ‘previdência privada’ no país, sob a ditadura

militar. Respectivamente, o primeiro decreto regulamenta as entidades fechadas de

‘previdência privada’ e o segundo as entidades abertas de ‘previdência privada’.

Mais recentemente, já no período da irrestrita abertura econômica posta em curso pelos

governos de Collor, FHC e Lula, uma nova geração de medidas jurídico-políticas cumpre

igual importância para assegurar impulso tão essencial aos novos patamares da

‘previdência privada’: precisamente a Emenda Constitucional nº 20/98, as Leis

Complementares 108 e 109 de 29 de maio de 2001 e a Emenda Constitucional nº 41 de 31

de dezembro de 2003.

A partir da lei 6435 de 1977 a ‘previdência privada’ no Brasil é também designada

previdência complementar (PC) ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Nela,

define-se o que é a ‘previdência privada’, conforme o exposto no artigo 1º do Capítulo I:

“Entidades de ‘previdência privada’, para os efeitos da presente Lei, são as que têm por objeto instituir planos privados de concessão de pecúlios ou de rendas, de benefícios complementares ou assemelhados aos da previdência social, mediante contribuição de seus participantes, dos respectivos empregadores ou de ambos”. (Lei nº 6.435 de 15/07/77).

As seguradoras são orientadas pelo BC quanto aos limites de aplicação de suas reservas técnicas nos mercados de renda fixa e renda variável”. (Fortuna; 2003: 37). 196 A lei 6.435/77 de 15.07.1977 deveria ter entrado em vigor a partir de 15 de novembro de 1977, ou cento e vinte dias a partir de sua publicação. Entretanto, em razão das dificuldades e insatisfações com o seu teor aprovou-se a lei 6.462 de 09 de novembro de 1977 que remeteu a vigência da 6.435/77 para 01 de janeiro de 1978, quando já se encontravam bastante adiantadas as tratativas para sua regulamentação, especialmente as do Decreto 81.240 de 20 de janeiro de 1978.

210

Em situação diversa uma instituição bancária pode ser contratada por uma empresa para

gerir uma entidade fechada de ‘previdência privada’, neste caso as regras serão as cabíveis

a um fundo de pensão e não as próprias de uma previdência aberta.

Na mesma lei são estabelecidas as competências dos órgãos do Estado e suas funções

normativas e executivas como a de fiscalizar, para os dois diferentes tipos de entidades de

‘previdência privada’. No artigo 3º que regulamenta quais serão os objetivos da ação do

poder público, observamos que o Estado brasileiro, em relação a previdência dos

trabalhadores, passa de garantidor da política social previdenciária e pública para englobar

a de fiscalizador197 e organizador da ‘previdência privada’ e mudando, assim,

fundamentalmente, seu papel na proteção da classe trabalhadora do país o que somente

mais tarde poderia ser percebido em toda a sua extensão. Ressalta-se com esta observação

não os limites da ação do Estado na ‘previdência privada’, mas a sua desresponsabilização

com a previdência social na medida mesmo em que estimula e dá condições de expansão

para a ‘previdência privada’. O mesmo artigo 3º, item IV possibilitou as entidades de

‘previdência privada’ tornarem-se investidores institucionais, instrumentos de políticas

econômico-financeiras do Governo Federal porquanto serem suas reservas e investimentos

estabelecidas e direcionadas pela políticas de governo, amparadas em legislação federal.

Diz o referido item: “coordenar as atividades reguladas por esta Lei com as políticas

de desenvolvimento social e econômico-financeira do Governo Federal”. (Lei nº 6.435

de 15/07/77).

A ‘previdência privada’ por sua vez, divide-se198 em Entidades Fechadas de ‘previdência

privada’ (EFPP) também conhecidas como Fundos de Pensão (FP) e em Entidades Abertas

de ‘previdência privada’ (EAPP). A lei 6.435/77 caracterizou as entidades fechadas de

‘previdência privada’ a acessibilidade exclusiva aos empregados (participantes) de uma

197 Por certo um dos atos´reveladores de uma eficiente fiscalização consiste na possibilidade de acesso dos interessados aos dados relativos às entidades fiscalizadas. Pois bem, em 26 de setembro de 2005 os dados disponíveis na página do Ministério de Previdência e Assistência Social (MPAS) sobre as Entidades Fechadas de ‘previdência privada’ encontravam-se desatualizados desde janeiro de 2005. Em contraposição aos mecanismos de investimentos no mercado financeiro, os da fiscalização, ou pelo menos de sua disponibilização por parte da Secretaria de ‘previdência privada’ são tão defasados, que o tempo decorrido é mais do que suficiente para que os investimentos dos Fundos de Pensão tenham fracassado. A lei entretanto, obriga a elaboração de balancetes mensais, enviados ao MPAS e anual que além do MPAS também deve ser remetido a todos os participantes. 198 Artigos 4º e 5º da lei 6.435 de 1977.

Comentário: Entendi que na nota 39 vc fala do quadro de hoje, certo? Fiz ajustes, entretanto lembro que há outro conjunto de informações – sobre o enquadramento de investimentos, sobre a situação atuarial dos planos etc. que são enviados com regularidade para a SPC.

211

empresa ou de um grupo delas (patrocinadoras), os seus objetivos não serem de ‘fins

lucrativos’ e sua organização na forma de sociedades civis ou de fundações.

As entidades abertas de ‘previdência privada’ distinguem-se por permitirem na contratação

todo e qualquer indivíduo que deseje ingressar (e possa pagar) em seus planos, inclusive

aqueles trabalhadores de empresas que possuem fundos de pensão. As últimas são operadas

como mecanismos tradicionais das instituições financeiras (bancos, seguradoras,

corretoras) e se parecem com as ‘poupanças’, as ‘apólices de seguros’ ou as ‘aplicações em

fundos’ financeiros oferecidos por instituições bancárias, e são da ‘livre escolha’ do

consumidor.

Estes ‘fundos previdenciários’ quando oferecidos pelas instituições financeiras tradicionais

são considerados ‘entidades de fins lucrativos’ e organizadas sob a forma de sociedades

anônimas.199

As entidades abertas são autorizadas e fiscalizadas pelo Ministério da Fazenda por

intermédio da Superintendência de Seguros Privados - a SUSEP200, enquanto que as

199 Artigo 5º, I da lei 6.435 de 1977. 200 Quando da promulgação da Lei 6.435 de 1977, as entidades abertas estavam sob a jurisprudência do Ministério da Indústria e do Comércio e o órgão normativo competente era, de acordo com o regulamentado pelo Decreto 81.402, de 23 de fevereiro de 1978 o órgão normativo era o CONSELHO NACIONAL de SEGUROS PRIVADOS (CNSP) e o órgão executivo e fiscalizador a SUPERINTENDÊNCIA de SEGUROS PRIVADOS (SUSEP) s aplicações ao Conselho Monetário Nacional. Atualmente o órgão normativo e fiscalizador da ‘previdência privada’ obedece a seguinte organização: “A SUSEP é o órgão responsável pelo controle e fiscalização dos mercados de seguro, ‘previdência privada’ aberta, capitalização e resseguro. Autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda, foi criada pelo Decreto-lei nº 73, de 21 de novembro de 1966, que também instituiu o Sistema Nacional de Seguros Privados, do qual fazem parte o Conselho Nacional de Seguros Privados - CNSP, o IRB Brasil Resseguros S.A. - IRB Brasil Re, as sociedades autorizadas a operar em seguros privados e capitalização, as entidades de ‘previdência privada’ aberta e os corretores habilitados. Com a edição da Medida Provisória nº 1940-17, de 06.01.2000, o CNSP teve sua composição alterada. Composição Atual do CNSP: Ministro da Fazenda – Presidente; Superintendente da Susep - Presidente Substituto; Representante do Ministério da Justiça; Representante do Ministério da Previdência e Assistência Social; Representante do Banco Central do Brasil; Representante da Comissão de Valores Mobiliários. Atribuições do CNSP: Fixar diretrizes e normas da política de seguros privados; Regular a constituição, organização, funcionamento e fiscalização dos que exercem atividades subordinadas ao Sistema Nacional de Seguros Privados, bem como a aplicação das penalidades previstas; Fixar as características gerais dos contratos de seguro, ‘previdência privada’ aberta, capitalização e resseguro; Estabelecer as diretrizes gerais das operações de resseguro; Conhecer dos recursos de decisão da SUSEP e do IRB; Prescrever os critérios de constituição das Sociedades Seguradoras, de Capitalização, Entidades de ‘previdência privada’ Aberta e Resseguradores, com fixação dos limites legais e técnicos das respectivas operações; Disciplinar a corretagem do mercado e a profissão de corretor. Atribuições da SUSEP: Fiscalizar a constituição, organização, funcionamento e operação das Sociedades Seguradoras, de Capitalização, Entidades de ‘previdência privada’ Aberta e Resseguradores, na qualidade de executora da política traçada pelo CNSP; Atuar no sentido de proteger a captação de poupança popular que se efetua através das operações de seguro, ‘previdência privada’ aberta, de capitalização e resseguro; Zelar pela defesa dos interesses dos consumidores dos mercados supervisionados; Promover o aperfeiçoamento das

Comentário: Não seria melhor tratar aqui só da institucionalidade antiga?

212

entidades fechadas - os fundos de pensão - estão sob a alçada do Ministério da Previdência

e Assistência Social e de sua Secretaria de ‘previdência privada’ – a SPC201, conforme

dispõe o artigo 34 da Lei 6.435/77.

A exceção das diferenças apresentadas, quase tudo é muito similar no modo de ser das

entidades de ‘previdência privada’ abertas e fechadas, sobretudo no atinente ao regime

previdenciário por operarem com a capitalização - individual ou coletiva – no qual os

recursos arrecadados dos participantes são aplicados para o futuro ‘pagamento de

aposentadorias’202.

A justificativa da ‘previdência privada’ ao redor do mundo é o de estabelecer uma

complementação para a renda do trabalhador quando cessa seu período de atividades

laborais. Como a previdência social, em geral, não assegura a integralidade salarial na

forma de benefícios de aposentadoria e de pensão vez que os limita às médias salariais e

aos tetos de contribuição, justificam-se as ‘alternativas’ previdenciárias ditas

complementares surgidas à previdência pública e por repartição. Entretanto, notamos que

quanto mais rebaixada estiver a previdência social mais se porá a necessidade da

‘previdência privada’ ou complementar; dito de modo diverso, uma previdência pública por

repartição e com integralidade nos proventos em relação aos salários dos trabalhadores

ativos não se constitui em uma impossibilidade para a própria previdência social mas, para

a existência da ‘previdência privada’ porque tanto mais eficiente a política previdenciária

pública tanto menor será a procura por ‘previdência privada’ em qualquer de suas

instituições e dos instrumentos operacionais a eles vinculados, com vistas à maior eficiência do Sistema Nacional de Seguros Privados e do Sistema Nacional de Capitalização; Promover a estabilidade dos mercados sob sua jurisdição, assegurando sua expansão e o funcionamento das entidades que neles operem; Zelar pela liquidez e solvência das sociedades que integram o mercado; Disciplinar e acompanhar os investimentos daquelas entidades, em especial os efetuados em bens garantidores de provisões técnicas; Cumprir e fazer cumprir as deliberações do CNSP e exercer as atividades que por este forem delegadas; Prover os serviços de Secretaria Executiva do CNSP. Conforme informações disponíveis na página eletrônica do Ministério da Fazenda http://www.susep.gov.br/principal.asp, em 19.09.2005. 201 No organograma do Ministério da Previdência e Assistência Social existem três órgãos relativos á ‘previdência privada’ fechada: a Superintendência Nacional de ‘previdência privada’, como empresa pública; a Secretaria de Políticas de ‘previdência privada’ (SPC) denominado órgão específico e o Conselho de Gestão da ‘previdência privada’ seu órgão colegiado. Informações recolhidas na página eletrônica do ministério http://www.mps.gov.br/01_01_01.asp, em 19.09.2005. 202 O recurso às aspas quer denotar um uso bastante diverso do que as aposentadorias. Nas entidades abertas e fechadas os enormes montantes de recursos servem em primeiro lugar aos interesses e as especulações do capital financeiro e somente em último lugar aos interesses dos aposentados. Uma comprovação conspícua é a de que nas entidades abertas os excedentes das reservas matemáticas não são distribuídos entre os ‘poupadores’ e sim para os acionistas das empresas, dos bancos etc.

213

modalidades, aberta e fechada. A argumentação justificadora da ‘previdência privada’ lhe

atribui um caráter salvacionista diante da identificação de um limite da previdência social e,

ideologicamente, oculta-se o aviltamento da previdência social como condição ao

surgimento e à expansão da ‘previdência privada’.

O artigo 33 da Lei 6.435/77 estabelece para as entidades abertas de ‘previdência privada’:

“Mediante prévia e expressa autorização do órgão Executivo do Sistema Nacional de Seguros Privados, em cada caso, as entidades abertas, sem fins lucrativos, poderão adicionar, às contribuições de seus planos de benefícios, percentual específico a obras filantrópicas”. (Lei nº 6.435 de 15/07/77).203

Por fim, um argumento recorrente na crítica à previdência social dos servidores públicos é

a de que ali estão as mais absurdas porque valorosas aposentadorias. A disseminação de

uma tal afirmação oculta propositadamente muitas verdades dentre as quais a de que são

muito diferenciadas as aposentadorias percebidas pelos servidores públicos das várias

esferas do estado brasileiro. No tocante à federação Legislativo e Judiciário apresentam

aposentadorias muito mais altas do que as recebidas no âmbito do Executivo. Em cada uma

destas esferas também existem muitas diferenças nos valores das aposentadorias dos

funcionários públicos e que são ocultados pelas médias divulgadas com alarde pelos

governos e pelos patrões, sem fazer conhecer que a maioria dos trabalhadores do serviço

público possuem aposentadorias inferiores aos R$ 1.500,00.

A pecha corporativismo, usada em geral para fazer aparecer as aposentadorias dos

servidores como privilégios e imorais recebimentos, desaparece quando confrontada com a

letra da lei. Na 6.435/77, artigo 42, inciso 8º temos:

“Os pecúlios instituídos pelas entidades fechadas não poderão exceder ao equivalente a 40 (quarenta) vezes o teto do salário de contribuição para a previdência social, para cobertura da mesma pessoa, ressalvada a hipótese de morte por acidente do trabalho, em que o valor do pecúlio terá por limite a diferença entre o dobro desse valor máximo e o valor do pecúlio instituído pela Lei 6.367, de 19 de outubro de 1976”.204 (Lei nº 6.435 de 15/07/77).

203 Mecanismos como o da responsabilidade social, eufemismo para o assistencialismo predatório, fazem dos assistidos dependentes de políticas de favores e ‘desoneram’ o capital de contribuições ao Estado. Ao mesmo tempo em que ‘resolve’ a supercapitalização ao melhorar a imagem do negócio e isentá-lo de impostos e contribuições sociais. 204 A Lei 6.367 de 19 de outubro de 1976, “ Dispõe sobre o seguro de acidentes do trabalho a cargo do INPS e dá outras providências”.

214

Pouco tempo havia passado da promulgação da lei 6.436/77 e ela recebeu um emenda

‘corretiva’ pela 6.464 de 09 de novembro de 1977. Esta lei deu nova redação aos incisos

5º, 6º205 e acrescentou dois outros incisos os de números 10º e o 11º para reformar e

ampliar o valor do teto permitido às aposentadorias das entidade fechadas de ‘previdência

privada’; isto é, foram acréscimos que passaram a permitir aposentadorias acima do valor

de 40 (quarenta) vezes o teto de salário de contribuição da previdência social206. Assim,

cumprem-se alguns dos determinantes ao surgimento da ‘previdência privada’: a

possibilidade de fixar trabalhadores dos mais altos níveis salariais às empresas, a criação

de uma alternativa privada ao instituto da integralidade dos proventos da aposentadoria

pública e captação de recursos em somas cada vez maiores do mundo do trabalho para as

especulações do capital. Por óbvio, estes valores não podem ser distribuídos entre a

maioria de trabalhadores das empresas que possuem fundos de pensão. Todavia, a garantia

legal desta possibilidade acessível aos cargos da alta gerência207, cumpre também

importante mecanismo de controle sobre os trabalhadores na sua luta corporativa, na base

de que com a ‘previdência privada’ sempre se alcançará aposentadorias mais vantajosas.

Ao desejo de uma velhice tranqüila e às promessas de benefícios elevados na

aposentadoria, os trabalhadores das estatais e os do grande capital respondem com

205 § 5º Não será admitida a concessão de benefícios sob a forma de renda vitalícia que, adicionada à aposentadoria concedida pela previdência social, exceda a média das remunerações sobre as quais incidirem as contribuições para a ‘previdência privada’ nos 12 (doze) meses imediatamente anteriores à data da concessão, ressalvadas as hipóteses dos parágrafos 6º e 7º seguintes. (Interpretado pela Resolução MPAS/CPC nº 02, de 07/04/88). § 6º Observada a vedação do parágrafo anterior, é permitida a fixação, a título complementar, de um percentual, desde que não supere a 25% (vinte e cinco por cento) do valor correspondente ao teto do salário de contribuição para a Previdência Social, a ser adicionado ao benefício concedido. § 10º Se os planos de benefícios das entidades de ‘previdência privada’, vigentes à data da entrada em vigor desta Lei, previrem a concessão de complemento à aposentadoria da previdência social excedente do limite previsto nos parágrafos 5º e 6º, fica assegurada essa complementação aos participantes daqueles planos, nas condições vigentes, desde que tenham preenchido os requisitos necessários ao gozo do benefício, cujo direito poder á ser exercido a qualquer tempo. § 11º Os participantes que ainda não tenham implementado as condições a que se refere o parágrafo anterior farão jus, quando se aposentarem, aquela complementação, de acordo com as normas do plano a que estejam vinculados, mas proporcionalmente aos anos completos computados pela entidade de ‘previdência privada’ até o início da vigência desta Lei. 206 Atualmente, em setembro de 2005, o teto de salário de contribuição da previdência social é de R$ 2.668,15. Se este valor admitir pecúlios de 40 ou mais vezes o valor do teto de salário de contribuição, teríamos aposentadorias em fundos de pensão no valor de R$ 66.703,75 e acima disto. 207 Sobre os cargos de alta gerência designa a Lei 6.435/77, Artigo 50 “Ressalvadas as empresas públicas, sociedades de economia mista e as fundações vinculadas à Administração Pública, os diretores das patrocinadoras das entidades fechadas poderão ser, simultaneamente, diretores destas, desde que os patrimônios das entidades sejam independentes”.

Comentário: Verificar esta conta que vc apresenta. A princípio me parece exagerada.

215

evidentes traços de corporativismo porque se descolam da luta da totalidade da classe – de

que a previdência integral pública e para todos é um dos eixos –, e passam a exigir

benefícios possíveis somente nas grandes empresas privadas e nas estatais bancadas com o

fundo público resultante do esforço laborativo da classe trabalhadora, a única capaz de

produzir riqueza.

Por fim, os artigos referentes aos direitos e à garantia dos participantes em caso de

quebra ou falência das entidades previdenciárias privadas expressam uma prioridade em

canalizar os recursos e bens para o pagamento dos benefícios dos participantes. Contudo,

tanto na liquidação da entidade previdenciária como na tentativa de salvá-la da quebra, o

Artigo 58 da Lei 6.435/77 e seu Parágrafo Único deixam claro que nestes esforços a

redução e, conforme também o Artigo 66, o não reajustamento dos benefícios

previdenciários são possibilidades previstas e asseguradas na legislação em vigência.

O decreto nº 81.240 de 20 de janeiro de 1978208 “Regulamenta as disposições da Lei nº

6.435, de 15 de julho de 1977, relativas às entidades fechadas de ‘previdência privada’”,

que são definidas como sociedades civis ou fundações e tem por objetivo a concessão de

benefícios ‘complementares’ aos da previdência pública. Por este decreto, as entidades

fechadas de ‘previdência privada’, no inciso 3º do artigo 7º, muito embora sejam

instrumentos da política econômico-financeira, “são consideradas instituições de

assistência social para os efeitos da letra ‘c’ do item III do artigo 19 da Constituição” o que

sem dúvida as protege de uma série de responsabilidades quanto ao recolhimento de

impostos e contribuições sociais, e por este mecanismo lhes concede também vantagens no

âmbito das práticas financeiras ao liberar montantes de recursos cada vez maiores para as

atividades financeiras.

Observa-se ainda no exame do decreto 81.240 de 20/01/78 uma explícita oferta de

circunstâncias vantajosas aos, por exemplo, empréstimos209 - trabalhadores que optassem

208 Este decreto foi revogado pelo de nº 4.206 de 23 de abril de 2002 que por sua vez foi revogado pelo Decreto 4.942 de 30 de dezembro de 2003. 209 Empréstimos que poderão ser de dois tipos, em empresas públicas, nas sociedades de economia mista ou fundações ligadas à Administração pública: “ I – não haverá restrição para a concessão de empréstimos simples em caso de necessidade do participante bem caracterizada, segundo as normas que forem estabelecidas pelo CPC; II – para empréstimos sem comprovação de necessidade, prevalecer´o limite máximo de 3 (três) vezes a média das remunerações percebidas nos 1 (doze) últimos meses pelo participante”. (Decreto 81.240, artigo 30). Também conforme o Artigo 32, do mesmo decreto: “As entidades fechadas, inclusive as de que sejam patrocinadores empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações vinculadas à Administração Pública, poderão aplicar parte de suas reservas no atendimento de empréstimos

216

pela ‘previdência privada’ em relação aos benefícios previdenciários da previdência social,

especialmente relativos aos valores das aposentadorias bastante superiores aos do regimes

de repartição público. Em igual medida a lei empenhava-se em sinalizar as

responsabilidades tocantes aos patrões na garantia de pagamento das aposentadorias em

caso de liquidação das empresas, ditas patrocinadoras, pela obrigação de constituições de

fundos de reservas para a cobertura das aposentadorias.

Vê-se que nos duros anos da ditadura a eleição dos trabalhadores empregados nas

empresas que formam a triangulação sustentadora da ditadura do grande capital - as

empresas do grande capital estrangeiro, as de capital estatal e as de capital nacional –,

tratavam de cooptar a força de trabalho ali empregada com a criação de um sistema de

‘proteção’ diferenciado dos demais trabalhadores. Diferença constatada também na

necessidade de apresentar ‘benefícios’ quando se lhes congelava os salários e os tornava

‘sócios’ financiadores da acumulação capitalista para além das taxas enormes de mais-

valia extraídas sob práticas ditatórias desenvolvidas pelo Estado.

Todavia, para assegurar que esta nova modalidade de captação de recursos a longo prazo

para o mercado de capitais não sofresse abalos com a tomada de consciência dos

trabalhadores sobre o que se constitui a ‘previdência privada’, dificulta-se a saída

voluntária e antecipada do participante e se lhe impõe severas privações do tipo: “a perda

dos benefícios para os quais não foram completadas as contribuições necessárias” (Decreto

81.240, artigo 31, VII). A cessação do contrato de trabalho prevê um resgate que considera

a idade e o tempo de contribuição para calcular o direito do trabalhador e lhe faculta a

manutenção da contribuição inclusive da fração patronal para que continue a participar da

entidade fechada de ‘previdência privada’ ou ainda, prevê a redução do benefício calculado

a partir das contribuições efetuadas. Também as sobras (lucros) decorrentes de três

exercícios consecutivos (anos) deveriam ser, obrigatoriamente, incorporada aos benefícios

através de revisão de seus valores. Em síntese, todas as oportunidades foram ‘oferecidas’ ao

trabalhador – como punição ou como incentivo – pela regulamentação da ‘previdência

privada’ na modalidade fechada, para a manutenção da atratividade desta forma de

‘previdência’.

e financiamentos de qualquer tipo aos próprios participantes desde que atendam à remuneração do capital estabelecida para a espécie”.

Comentário: Lembre-se que se for FPensão estes são entidades sem fins lucrativos. Trata-se de situação de equilíbrio técnico superavitário.

Comentário: Ou revisão dos valores das contribuições.

217

No Decreto 81.402210 de 23 de fevereiro de 1978 não registramos sorte diversa: também

este foi concebido de modo a atrair o maior número de ‘investidores’ possíveis para o que

se reivindicava uma nova forma de ‘previdência’.

O artigo primeiro do decreto que regulamenta a ‘previdência privada’ aberta é mais

explícito do que o relativo à ‘previdência privada’ aberta na caracterização dos resultados

dos planos de investimentos: ali os participantes receberão pecúlios211 ou rendas.

A seguir, no artigo terceiro atinente à ação do poder público, inciso 4º letra b temos que ao

Estado cabe “a coordenação do investimento da captação realizada e circunscrita ao

montante das reservas garantidoras, vinculadas aos planos, com a política econômica e

financeira do Governo Federal” (sublinhados acrescidos ao original).

A ‘previdência privada’ aberta operará, conforme enuncia o artigo acima, articulada à

política econômica e financeira do Estado brasileiro, dito ali do governo federal; donde se

comprova uma articulação mercantil do mundo privado que tem nas entidades privadas de

previdência o objetivo de lucro e as políticas econômico-financeiras do governo tornadas

função de Estado.

A lógica jurídico-formal do Decreto nº 81.402/78 garante a realização do objetivo do lucro

à ‘previdência privada’, pela financeirização, de tal sorte que estas sociedades anônimas212

e civis, têm nas taxas de juro, nos regimes financeiros e nas tábuas biométricas os

parâmetros para avaliar sua eficácia e a garantia de segurança aos pagamentos das futuras

aposentadorias’.

A ‘previdência privada’ aberta muito embora seja organizada como sociedade anônima em

‘eventuais’ crises e diante de intervenções em face de dificuldades econômicas, deverá

guardar, conforme a legislação o pagamento dos benefícios; entretanto, como nas entidades

fechadas de ‘previdência privada’ os benefícios poderão ter seus valores, além de não

reajustados, reduzidos sem que seu pagamento seja interrompido. Os pagamentos devidos

210 Sorte diversa do Decreto 81.240 de 1978 teve o Decreto 81.402 de 1978; enquanto o primeiro após duas décadas passou a ser alterado com relativa freqüência até ser revogado o atinente a ‘previdência privada’ aberta permanece ‘atual’ e sem carecer de grandes alterações. 211 No artigo 22, inciso 1º lemos: “Pecúlio é o capital a ser pago de uma só vez ao beneficiário, quando ocorrer a morte do subscritor, na forma estipulada no plano subscrito” e no inciso 2º “Renda, para fins deste Regulamento, consiste em uma série de pagamentos mensais ao participante, na forma estipulada no plano subscrito”. (Decreto nº 81.402/78). 212 Conforme o Artigo 4º, inciso 2º as entidades aberas de ‘previdência privada’ serão organizadas como: “I – sociedades anônimas, quando tiverem fins lucrativos; II – sociedades civis, quando sem fins lucrativos”. (Decreto nº 81.402/78).

Comentário: Como assim? Aberta não é = a Aberta?

218

deverão ser computados como “passivo pendente, a ser liquidado após o período da

intervenção, em conformidade com o plano que vier a ser estabelecido”, conforme o artigo

68, parágrafo único. É curioso notar a confiança inquebrantável na capacidade de o capital

financeiro e na sua modalidade especulativa honrar seus compromissos e que se não os

puder na vigência dos mecanismos normais, os benefícios estarão garantidos pelos

característicos das liquidações213 destas entidades. Ademais, em períodos nos quais ocorra

a intervenção na entidade, conforme o artigo 83 do citado decreto, “Não serão

considerados credores privilegiados os participantes que, após a nomeação do diretor-fiscal

ou no curso da intervenção, suspenderem o pagamento das contribuições devidas ou se

atrasarem por prazo superior a 90 (noventa) dias”. Assim, mesmo que o participante pelo

acompanhamento da evolução da entidade de ‘previdência privada’ tenha formado uma

sólida convicção de que a empresa é irrecuperável, para ter o direito a ser considerado

‘credor privilegiado’ e, portanto, a receber seus ‘benefícios’ não poderá suspender suas

contribuições mesmo em conjunturas de visíveis dificuldades e iminência de quebras da

‘entidade previdenciária’.

O rol que conformou o que denominamos primeira ‘geração’ de dispositivos legais sobre a

‘previdência privada’214 no Brasil, completa-se, em 23 de fevereiro de 1978, quando o

Banco Central (Bacen) tornou público que o Conselho Monetário Nacional (CMN), em

reunião no dia anterior, dispusera, na Resolução 460, sobre os percentuais de aplicação das

reservas técnicas das entidades ‘previdenciárias’ abertas e fechadas.

O exame da resolução não deixa dúvida quanto aos seus propósitos: trata-se da

subordinação de recursos do mundo do trabalho, da transferência de uma parte do valor

produzido como trabalho necessário ao capital na sua forma financeira e, em especial, na

modalidade especulativa.

O desvelamento da gênese e das finalidades da ‘previdência privada’ são alcançados antes

no exame da legislação infra-constitucional e aquelas produzidas pelas instituições do

mercado financeiro e do Ministério da Fazenda do que nas relativas aos assuntos

213 Conforme o Artigo 77 do Decreto em análise: “As entidades abertas de ‘previdência privada’ não poderão solicitar concordata e não estão sujeitas à falência, mas tão somente ao regime de liquidação extra-judicial, previsto na Lei 6.435, de 15 de julho de 1977”. 214 As leis aqui apreciadas não esgotam a normatização produzida nos anos finais da década de 1970 e os que abrem a década de 1980; são contudo os basilares para o desenvolvimento de uma das feições recentes assumidas pelo capital financeiro no Brasil.

219

previdenciários e de competência do Ministério da Previdência. É a resolução do Bacen

firmada pelo CMN que possui o condão de transformar uma causa defendida a partir de

argumentos formulados, pretensamente no interesse dos trabalhadores, em uma medida que

afiança os recursos instituidores do mercado de capitais e da precedência que a forma

capital financeiro passou a ocupar no Brasil pós-64.

A implacável vocação do capital em alimentar e concentrar patamares de acumulação cada

vez mais elevados, sob o desenvolvimento atual dos monopólios, transmuta trabalho

necessário – uma contribuição arrancada mensalmente dos salário - em capital financeiro

Na forma financeira a parte do salário do trabalhador agora convertida em capital, se lograr

êxito no carrossel pleno de evoluções do mercado do dinheiro, deverá, findo alguns anos

ou décadas, destinar uma pequena parcela de sua ‘valorização’ às aposentadorias.

3.4.1 1988 a 2006 da Constituição Federal às contra-reformas

A Constituição da República Federativa do Brasil, por vezes denominada ‘constituição-

cidadã’ é muito diferenciada se analisada em seus diferentes capítulos. Se tomarmos em

exame apenas o Título VIII – Da Ordem Social215 – constataremos que sequer entre os

capítulos que o compõe encontrar-se-á uma uniformidade que confira a todos eles ênfase na

afirmação e na consolidação dos direitos do mundo do trabalho ou mesmo ao que

genericamente, se convenciona chamar cidadania. Dito de modo diverso, nem ao menos

nos capítulos da ordem social podemos ver realizados os princípios republicanos,216 que

conferem determinado padrão civilizador pela garantia de acesso a bens sociais básicos

como educação, cultura, alimentação, emprego, lazer, seguridade social – para mencionar

215 O Título VIII – Da Ordem Social – (artigos 193 a 232) divide-se em 08 capítulos assim dispostos, atualmente: Capítulo I – Disposições Gerais (artigo 193). Capítulo II – Da seguridade social (artigos 194 a 204) Seção I - Disposições gerais (artigos 194 e 195). Seção II - Da saúde (artigos 196 a 200), Seção III - Da previdência social (artigos 201 e 202), Seção IV - Da assistência social (artigos 203 e 204). Capítulo III – Da educação, da cultura e do desporto (artigos 205 a 217): Seção I - Da educação (artigos 205 a 214); Seção II - Da cultura (artigos 215 e 216), Seção III - Do desporto (artigo 217). Capítulo IV – Da ciência e tecnologia (artigos 218 a 219). Capítulo V – Da comunicação social (artigos 220 a 224). Capítulo VI – Do meio ambiente (artigo 225). Capítulo VII – Da família, da criança, do adolescente e do idoso (artigo 226 a 230). Capítulo VIII – Dos índios (artigo 231 e 232). 216 Princípios republicanos como o que disciplina a propriedade da terra estão ausentes da nominada “Constituição-Cidadã”, e remetem a uma estrutura tão enormemente concentrada de propriedade que a adjetivação ‘progressista’ refere-se, fundamentalmente, ao sistema de políticas sociais.

220

apenas alguns - há muito conquistados pelas populações217 dos países denominados

desenvolvidos.

A Constituição da República Federativa do Brasil, até o início do mês de março de 2006, já

havia sido alterada 52 vezes por Emendas Constitucionais218, das quais dezenove (19)

relacionam-se de algum modo com a Seguridade Social e quinze (15) delas dizem respeito

– nem sempre exclusivamente - à Previdência Social compreendidos os Regimes Geral de

Previdência Social e Próprio de Previdência dos Servidores Públicos.

Da análise das contra-reformas previdenciárias realizadas no intuito de alterar a

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, podemos inferir algumas

regularidades:

Primeiro, dentre as políticas sociais foi a política previdenciária a que mais sofreu

alterações, tanto no mérito e conteúdos já que os artigos referentes a previdência guardam

pouquíssima relação com o que foi aprovado em 1988; como também no número de

revisões que desde a promulgação da Constituição Federal naquele ano já alcançam – direta

ou indiretamente, no regime geral e nos regimes próprios – aproximadamente duas dezenas

de reformulações. Tal ímpeto revisor talvez somente encontre similitude, nestes dezoito

anos que nos separam da elaboração da CF, no processo de privatização das empresas

estatais construídas – desde o governo de Getúlio Vargas - com o fundo público brasileiro

desde o início da década de 30 do século XX, e texto referente ao Capítulo Do Sistema

Financeiro Nacional (Artigo 192) que, ademais de abrandado, foi absolutamente

desconstitucionalizado pela Emenda Constitucional Nº 40 de 29.05.2003, pela revogação

dos parágrafos e incisos que o compunham e com a transferência de toda a sua

regulamentação para a legislação infraconstitucional219.

217 Certamente não seria correto desconhecer: a) a divisão internacional do trabalho que também pelas transferências de lucros dos países periféricos para os países centrais permitem padrões de consumo e de conquistas sociais de partes da classe trabalhadora naqueles países que não são alcançadas em outras partes do mundo. (ver o autor da transferência de lucros, o mexicano); b) a maturação da luta de classes que em países como a França remontam a Comuna de Paris e c) a existência de contingentes populacionais, especialmente da ex-colônias dos países centrais, os migrantes, que não possuem o mesmo padrão de pertencimento aos direitos conferidos às populações nativas, considerados cidadãos de segunda classe. 218 Ver Constituição da República Federativa do Brasil – atualizada até a Emenda Constitucional nº 52, de 08.03.06. Coleção Saraiva Legislação. 39ª edição. São Paulo. Saraiva, 2006. 219 As propostas de emendas à Constituição Federal conforme a Subseção II – Da Emenda da Constituição - Artigo 60, Inciso III, § 2º demandam: “A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros”. As regulamentações infraconstitucionais demandam um número menor de votantes: as

221

Até mesmo uma análise pouco demorada do Título VIII – Da Ordem Social - da Carta

Magna, nos dias atuais, possibilita concluir que nada ou muito pouco restou dos princípios

e direitos nela registrados quando da promulgação da Constituição Federal em 1988. De

emenda em emenda foram excluídos avanços como o que definia o alcance ao direito

previdenciário ‘por tempo de trabalho’, com a permanência exclusiva do direito por ‘tempo

de contribuição’; elevaram-se as exigências para o alcance do direito pelo aumento da

idade, pelo número de anos de contribuição e, por diferenciadas estratagemas, reduziu-se o

valor das aposentadorias.

A Constituição Federal de 1988, nos artigos relativos ao direito previdenciário sequer

mencionava a possibilidade de ‘previdência privada’ aberta ou fechada de caráter privado

como os Fundos de Pensão e as aposentadorias oferecidas pelas demais instituições

financeiras. Ao contrário, no Artigo 201, V §§ 7º e 8º respectivamente, tínhamos: “A

Previdência Social manterá seguro coletivo, de caráter complementar e facultativo,

custeado por contribuições adicionais.” e “É vedada subvenção ou auxílio do Poder Público

às entidades de ‘previdência privada’ com fins lucrativos”. A estes parágrafos resumem-se

as alusões à ‘previdência privada’ com a ênfase de que ela deveria estar a cargo da própria

Previdência Social. Este artigo jamais sofreu regulamentação.

A comparação das redações da Constituição Federal de 1988 e daquela em vigência nos dias

que correm, no ano de 2006, impactará pela diferença: a Seção III, relativa à Previdência

Social, composta pelos artigos 201 e 202 não apresenta sequer um caput, inciso e parágrafo

com a formulação original; todo o conteúdo, sem exceção, foi alterado por modificações

supressivas, substitutivas e de acréscimo. Resultou, sem ilusões, uma seção inteiramente

regressiva na amplitude, nas formas de acesso ao direito e no universo demarcador de quais

são os trabalhadores habilitados aos direitos previdenciários conferidos à força de trabalho

brasileira: a classe trabalhadora brasileira hoje está menos protegida e assim, mais submetida

à exploração do capital. Tais mudanças regressivas ao mundo do trabalho foram

implementadas desde o início da década de 1990, mas com maior vigor foram alteradas

leis complementares exigirão para aprovação, maioria absoluta e as leis ordinárias, maioria relativa. (Maioria: número inteiro imediatamente superior a metade do número de membros. Pode ser Simples e divide-se em Relativa o nº inteiro imediatamente superior à metade do nº de membros presentes na reunião é o nº e Absoluta é o nº inteiro imediatamente superior a metade do nº total de membros da casa legislativa, independente do nº de presentes).

222

pelas Emendas Constitucionais nº 20 de 1998220 e nº 41 de 2003. A primeira realizada por e

no Governo de Fernando Henrique Cardoso, iniciada com o envio da Proposta de Emenda

Constitucional de nº 33 em março de 1995 e que após muitas e diferenciadas

‘negociações’221 teve sua aprovação em dezembro de 1998.

A segunda realizada por e no Governo de Luiz Inácio Lula da Silva igualmente realizou-se

sob a égide de mensalões e mensalinho222s como fartamente noticiou-se entre os meses de

maio e dezembro de 2005. As contra-reformas dos governos de Fernando Henrique Cardoso

e Lula da Silva possuem lógica idêntica e são complementares na divisão das tarefas: a do

primeiro referiu-se aos trabalhadores da iniciativa privada e a do segundo a força de trabalho

empregada pelo Estado. Ambas tiveram um mesmo e único objetivo: a abertura e o

alargamento de espaços para a consolidação da ‘previdência privada’ para aquelas categorias

constitutivas da força de trabalho brasileira melhor alocadas no mercado de trabalho.

A avaliação do que significa ocupar uma melhor posição dada pela remuneração na relação

de venda da força de trabalho pode – na avaliação dos diferentes segmentos dos

proprietários do capital - sofrer variações cujos limites localizam-se, em geral, entre 02

(dois) e 05 (cinco) salários mínimos223.

A inconclusa contra-reforma do Governo Fernando Henrique, cuja Emenda Constitucional

nº 20 de 1998 não foi aprovada em toda a violência restritiva aos direitos do mundo do

trabalho tal qual proposto pelo Executivo, teve, no momento de sua regulamentação, vale

dizer por leis infraconstitucionais, a retomada de medidas que foram desabilitadas na

220 Desde a proposição de reforma previdenciária em 1995 com o envio da Proposta de Emenda Constitucional ao Congresso Nacional pelo Governo de Fernando Henrique Cardoso, significativa e adensada produção sobre o tema veio à luz no país. As análises, como as propostas defendidas na arena do Congresso Nacional, apresentam diferentes e, muitas vezes colidentes pontos de vista, porque irreconciliáveis são os interesses das classes e das frações de classe em presença. Para uma análise crítica dos atores, dos interesses representados e do processo em seu início ver Mota (1995). Matijascic (2002), faz detalhada discrição das propostas principais apresentadas ao debate. Representativas de forças que sistematicamente tem defendido a necessidade de ampliar as reformas previdenciárias são os textos de Oliveira, F. de, Beltrão, K. e Pasinato, M. T. (1999), Além e Giambiagi (1997) e Giambiagi (2004). 221 A reforma desejada pelo Governo de Fernando Henrique Cardoso foi, com freqüência, mencionada como ‘o balcão de negócios da Reforma da Previdência, conforme a Folha de São Paulo de 22.03.1996. Ver em Duarte (2002) síntese dos ‘negócios’ realizados para a aprovação desta reforma.

222 Diferentes e variadas formas de pagamentos e ‘subsídios’ à partidos e parlamentares para se fazer maioria nas votações de projetos de interesse do governo. Além dos políticos (Executivo e Legislativo) foram denunciadas diferentes instituições financeiras, industriais e estatais como partes integrantes de um vasto comércio de dinheiro, corrupção e negócios escusos.

223

emenda. Sintomática foi a regulamentação das exigências para a aposentadoria do regime

geral que, na avaliação do executivo, haviam sido demasiado amenizadas e ameaçavam a

estabilidade orçamentária do governo quando não o próprio Estado. Exemplo privilegiado

do que em outra circunstância autoridade deste mesmo governo denominou ‘caixinha de

maldades’ foi o fator previdenciário que consiste em uma nova fórmula de cálculo para

acesso ao direito previdenciário. Por uma prescrição jurídica inferior à Carta Magna

preceituou-se afirmativamente sobre o que os legisladores não ousaram atribuir, naquele

momento, à Constituição Federal: o aumento das condições para alcançar-se a aposentadoria

e a redução dos valores para a cobertura do direito previdenciário ao redor de trinta por

cento. Tais medidas, no curto prazo possibilitariam reduzir o número de trabalhadores

habilitados ao exercício do direito previdenciário e, fundamentalmente, torná-los-ia – ao

menos aos que pudessem dispor de no mínimo R$ 40,00 (quarenta reais) ao mês - clientela

potencial dos planos de ‘previdência privada’.

O Artigo 202 da Constituição Federal de 1988 versava sobre as condições necessárias, os

requisitos de acesso ao direito à previdência social. As contra-reformas ocorridas desde

então e, de modo muito particular as de número 20 de 1998 e número 41 de 2003, cederam

lugar na lei maior à ‘previdência privada’ e alçaram-na à complementar. Dito de modo

diverso, o que fora a construção de uma lógica previdenciária solidária, pública, numa

palavra, social renunciará um enorme espaço de atuação e será ‘complementada’ por uma

outra lógica previdenciária: individualista, privada, particular que se lhe opõe e que somente

poderá crescer se os arranjos previdenciários solidários perderem a força que a certeza de

uma aposentadoria pública logrou construir, se forem debilitados ideológica e

economicamente e se, sobretudo, provocarem incertezas quanto a sua viabilidade futura.

As Emendas Constitucionais números 20 de 1998 – para os trabalhadores empregados nas

empresas privadas e no Estado -, e 41 de 2003 – para os trabalhadores empregados no

Estado - formalizaram no ordenamento jurídico-político, para diferentes frações da força de

trabalho brasileira, a imposição da ‘previdência privada’ alçada à condição de necessidade

histórica, como irremediável oportunidade de superar o trágico destino do pauperismo na

velhice.

223 Em junho de 2006, para um salário mínimo no valor de R$ 350,00 (trezentos e cinqüenta reais), teríamos estes valores correspondestes a R$ 700,00 (setecentos reais) e R$ 1.750,00 (hum mil, setecentos e cinqüenta reais) respectivamente.

224

A Emenda Constitucional número 20 de 1998 para o Artigo 40, § 14 estatuiu a ‘previdência

privada’ para a força de trabalho empregada pelo Estado, nos seguintes termos:

“A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, desde que instituam regime de ‘previdência privada’ para os seus respectivos servidores titulares de cargo efetivo, poderão fixar, para o valor das aposentadorias e pensões a serem concedidas pelo regime de que trata este artigo, o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201”. (Constituição Federal:2006:265).

A redação deste parágrafo autorizou aos diferentes níveis da organização estatal do país, a

instituição da ‘previdência privada’ para os trabalhadores do Estado brasileiro e, para que

esta medida tenha possibilidade logre sucesso não descuidou o legislador de garantir a

redução dos valores do direito previdenciário destes trabalhadores, sem a qual o sucesso da

‘previdência privada’ estaria ameaçado. Tal mecanismo possui duas importantes dimensões

mais imediatamente visíveis:

1) equacionar, por um lado e momentaneamente, o endividamento e a ‘crise fiscal’

enfrentada pelas diferentes esferas do Estado por intermédio da redução dos valores das

aposentadorias de seus trabalhadores. Com a economia assim realizada, os governantes

teriam acesso a recursos até então inexistentes às custas dos trabalhadores, mecanismo

importante no ‘convencimento’ aos governadores e aos prefeitos para o apoio necessário ao

estabelecimento de uma medida ‘impopular’ pelo Legislativo e pelo governo central; e,

2) a equiparação dos limites máximos para o conjunto da força de trabalho ao

uniformizarem-se os diferentes regimes previdenciários sempre compôs a pauta dos mais

avançados movimentos de trabalhadores no país. Todavia, resistir a falsa paridade que

almeja reduzir os direitos alcançados por uma fração da força de trabalho é uma das

obrigações econômico-morais da luta dos trabalhadores pois que os direitos mais avançados

de uma fração de classe ou categoria profissional uma vez conquistados passam a ser

componentes da luta imediata para a extensão da mesma conquista a toda a classe.

Certamente, não foi tão nobre e classista a motivação dos governantes ao indicarem na Carta

Magna uma isonomia ‘às avessas’; esta pontuação jurídico-formal tem se prestado à divisão

dos trabalhadores estimulada e patrocinada pelos capitalistas e seus representantes nos

governos e com ela – por exemplo, ao se organizar a resistência dos servidores públicos no

225

combate a contra-reforma previdenciária em 2003224 - o fomento de ódios aos privilegiados

trabalhadores que detém momentânea e eventualmente a formalização de um número de

direitos e remuneração a frente dos demais. O combate passa a ser estimulado pela burguesia

para que seja travado no âmbito das e entre as frações da força de trabalho em substituição à

luta que se deveria travar contra os mesmos proprietários dos meios de produção, em uma

inversão completa da construção da classe para si como historicamente constituída.

Por fim, a ‘isonomia’ com os valores do regime geral de previdência constrangeria os

servidores públicos a buscarem a complementação de suas aposentadorias, agora não mais

integrais, em previdências privadas.

A contra-reforma da previdência de nº 20 de 1998, teve, entretanto, algumas dificuldades em

sua aprovação em função do grande número de Destaques para Votação em Separado

estrategicamente apresentado por partidos de oposição ao governo e que se reivindicavam de

esquerda, alguns dos quais, como o Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido Comunista

do Brasil (PC do B), ativamente fizeram na contra-reforma do governo Lula da Silva – isto

é, no seu governo – aquilo que haviam impedido o governo Fernando Henrique Cardoso de

realizar: retirar direitos previdenciários dos trabalhadores em geral e dos servidores públicos

em particular.

A expressão de uma destas dificuldades foi a redação pactuada no § 15:

“Observado o disposto no art. 202, lei complementar disporá sobre as normas gerais para a instituição de regime de ‘previdência privada’ pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, para atender aos seus respectivos servidores titulares de cargo efetivo”. (Constituição Federal:2006:265).

A Emenda Constitucional em exame deveria equacionar a abertura de novos espaços aos

negócios privados na área previdenciária. Como não foi possível reformar a Constituição

Federal até o ponto desejado pelos interessados em tão lucrativa empresa, após a

promulgação da emenda,225 o governo de Fernando Henrique Cardoso enviou ao Congresso

224 É suficiente lembrar do episódio que teve lugar no ABC em 2003, na porta de uma fábrica visitada pelo presidente Lula da Silva: os trabalhadores do Estado ao protestarem contra a ‘reforma previdenciária’ daquele governo, foram violenta e fisicamente atacados pelos operários partidários do Presidente que os estimulou à divisão na medida em que ‘qualificou’ os servidores públicos por privilegiados e que se manifestavam para não perderem regalias. Consultar Folha de São Paulo 24.07.2003. Ainda a declaração de Lula da Silva: “...Se for preciso, a gente coloca a sociedade contra o servidor. É uma injustiça que o trabalhador do setor privado se aposente com uma merreca, e o servidor leve aposentadoria integral, disse Lula.”. 225 A Emenda Constitucional número 20/98 limitou em noventa dias o prazo máximo para que os projetos de lei complementares referentes à ‘previdência privada’ fossem encaminhados ao Congresso Nacional.

226

Nacional três projetos de lei complementares relativos à ‘previdência privada’, dos quais

dois foram aprovados e transformados nas Leis Complementares nºs 108226 de 29 de maio

de 2001 e a 109227, também de 29 de maio de 2001. O terceiro projeto de lei complementar

era, em certa medida, o mais necessário já que sua função seria a de regulamentar o § 15.

Remetido ao Congresso Nacional em 1999, como os dois outros acima mencionados, o

Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 09 de 1999 ‘Dispõe sobre as normas gerais para a

instituição de regime de ‘previdência privada’ pela União, pelos Estados, pelo Distrito

Federal e pelos Municípios”, este jamais o governo de Fernando Henrique Cardoso

conseguiu aprovar, razão pela qual a ‘previdência privada’ não foi implementada para a

força de trabalho do Estado brasileiro, exceto para as estatais que operam previdências

privadas fechadas, desde a década de 1970.

Assinalamos anteriormente que há uma lógica complementar que denota a estreita

continuidade existente entre as contra-reformas previdenciárias promulgadas nas Emendas

Constitucionais nºs 20 de 1998 e 41 de 2003, mas a conferência das restrições sofridas nos

direitos da força de trabalho brasileira, encontra na Constituição de nosso país um

traumático exemplo.

Na divisão de trabalho que lhe tocava realizar em razão de seus compromissos com os

proprietários do capital-dinheiro, o governo Lula da Silva desvencilhou-se da necessidade

de aprovação de leis infraconstitucionais e fez valer suas reformas de modo mais intenso

porque as inscreveu na Carta Magna do país em, especialmente, dois pontos: a) na cobrança

de contribuição aos aposentados que até então não fora autorizado pelo Supremo Tribunal

Federal por ser inconstitucional porque rejeitada pelo Congresso Nacional quando da

aprovação da Emenda Constitucional nº20/98; b) na alteração ‘sutil’ da redação da Emenda

Constitucional nº 41 de 19 de dezembro de 2003, para o § 15 do Artigo 40. Veja-se:

“O regime de ‘previdência privada’ de que trata o §14 será instituído por lei de iniciativa do respectivo Poder Executivo, observado o disposto no art. 202 e

Segundo o Ministro da Previdência e Assistência Social do governo de Fernando Henrique Cardoso, José Cechin: ‘Essa determinação constitucional levou o Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS) a ampliar o trabalho de elaboração dos diplomas reguladores, já no dia imediatamente posterior à publicação da Emenda”. (MPAS;2002:08). 226 Esta Lei dispõe sobre a relação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, sua autarquias, fundações, sociedades de economia mista e outras entidades públicas e suas respectivas entidades fechadas de ‘previdência privada’, e dá outras providências. 227 A Lei Complementar 109 dispõe sobre o Regime de ‘previdência privada’ e dá outras providências. Realiza assim, uma ‘atualização’ da Lei 6.435/77 que institui a ‘previdência privada’ no Brasil.

227

seus parágrafos, no que couber, por intermédio de entidades fechadas de previdência, de natureza pública, que oferecerão as respectivos participantes planos de benefícios somente na modalidade de contribuição definida”. (Constituição Federal: 2006: 265).

Se ao governo de Lula da Silva se punham dois caminhos no estímulo ao crescimento da

‘previdência privada’ no seio da força de trabalho empregada pelo Estado, não há como

restar dúvidas que o seu capital político resultante de uma enorme quantidade de votos –

aliás, única no país e uma das maiores do mundo – lhe conferiu a ‘soberba’ dos que sabem

que as mais duras medidas devem ser tomadas em tempos de maior legitimação política.

Seu caminho foi o aparentemente mais difícil por implicar um procedimento legislador

mais severo que o da aprovação de um projeto de lei complementar; todavia, enormemente

mais profundo e consolidado porque estender a ‘previdência privada’ complementar aos

trabalhadores do Estado será tarefa do poder Executivo em qualquer das instâncias: União,

Estados, Distrito Federal e Municípios.

Ademais, as diferenças na ‘redação’ dos §§ 15 – dadas pelas Emenda Constitucionais nºs

20 de 1998 e 41 de 2003, respectivamente - expressam o cuidado da tarefa desenvolvida

com afinco: no parágrafo assim numerado várias outras ‘dificuldades’ foram superadas.

Sobre elas há que se mencionar:

3.4.1.1 a natureza pública da ‘previdência privada’228 A natureza pública da ‘previdência privada’ esteve inscrita na Constituição Federal de

1988, Artigo 201, Inciso V, § 7º que indicava: “A Previdência Social manterá seguro

coletivo, de caráter complementar e facultativo, custeado por contribuições adicionais”.

(Constituição Federal: 2006: 265). Uma tal definição e a ausência na Constituição Federal

de 1988 de estímulos ao crescimento da ‘previdência privada’, permite concluir que a

possibilidade de complementação das aposentadorias acima de uma previdência social

universal, seria factível, especialmente, porque submetida à lógica da previdência social,

isto é, pública e, por certo, orientada pelo regime solidário de repartição, como na

228 As idéias expressas na letra a foram objeto de formulação conjunta – de modo que já não sei o que são as minhas e o que são as suas idéias - com José Miguel Bendrao Saldanha, professor da Escola de Engenharia da Ufrj, na ação teórico-política que desenvolvemos como participantes do Grupo de Trabalho em Seguridade Social do Sindicato Nacional dos Docentes de Ensino Superior (Andes-SN) e em sua seção sindical, a Adufrj-Ssind, na UFRJ. Sou-lhe grata e os eventuais erros, por óbvio, são de minha inteira responsabilidade.

Comentário: Não entendi. Afinal é item a) ou b)? Atente para sua numeração. Ao invés de dizer que não sabe de quem é a idéia, é mais adequado na nota de rodapé 71 vc registrar seu agradecimento ao português isentando-o de responsabilidade.

228

França229. A supressão de mais este parágrafo permite concluir que se expurgou por não

plausível aos interesses do capital que rende juros, a alternativa de uma ‘previdência

privada’ sob a lógica solidária e não capitalizada. A tentativa de conciliar na mesma lógica

orientações excludentes, quiçá para conseguir as melhores condições a implementação ao

isolar resistências, inscreveu na Constituição Federal uma contradição nos termos, somente

superável pela exclusão de uma das matrizes. A estratagema de denominar a ‘previdência

privada’ fechada230 (os fundos de pensão) pública apenas porque relativa a força de

trabalho empregada em alguma instância do aparato estatal jamais a fará pública e muito

menos social: parece tratar-se de uma desengonçada e cínica construção de “alternativas” à

privatização da Previdência Social que, mais recentemente, comparecem ao debate como a

possibilidade de construção de um fundo de pensão público. A entrega de capitais estatais

ou a renúncia de atuação em espaços outrora considerados típicos do Estado são apenas

formas diversas de um mesmo processo: o de redução do Estado e de privatização dos

recursos públicos que alguns estudiosos convencionam chamar projeto neoliberal. A

instituição de ‘previdência privada’ para os Servidores Públicos – federais, estaduais,

municipais e do Distrito Federal – ajusta-se com perfeição à lógica do capital de apropriar-

se continuamente de novos espaços da vida social e das relações humanas para transformá-

los em mercadorias. Os fundos de pensão pretendem substituir os princípios de

solidariedade, consciência e pertencimento de classe por aplicações rentáveis ao capital

especulativo, como se a solidariedade de classe pudesse metamorfosear-se em uma

‘solidariedade monetária’ capitalizada por meio de ações empresariais no frenético mundo

das bolsas de valores.

O atual estágio de desenvolvimento capitalista apresenta uma particularidade nova, na qual

o capital-dinheiro mobilizado pelos fundos de pensão é articulado como ‘saída’ para o

enfrentamento da crise do capitalismo e é tomado como mecanismo impulsionador e

privilegiado da acumulação capitalista. Tal particularidade do capitalismo tem sido

229 A lógica da Previdência Completar, de fato pública, na França obedece os mesmos requisitos da previdência social básica – não se deve supor que o entendimento de o que seja uma aposentadoria básica naquele país seja similar ao que se tem difundido no Brasil, quando por básica se compreende tão somente os mínimos necessários ao combate da indigência na velhice, segundo a matriz originária do Banco Mundial – por serem seus planos de benefícios solidários e por repartição com taxas de contribuição mais elevadas para os trabalhadores que a ela recorram.

Comentário: Prefiro “contradição em termos”.

Comentário: Capitais estatais? Há duas décadas presenciei um debate sobre o sentido desta expressão (o debate sobre capitalismos monopolista que a Sulamis Dain e os franceses faziam). Sei que ta de passagem aqui, não interfere no argumento, mas, se houver tempo, sugiro que vc reflita com seu orientador.

229

chamada por “capitalismo dos fundos de pensão” (Bellofiore; 2000; 2003), por ‘capitalismo

de cabelos gris’ (Blackburn: 2002), ‘capitalismo popular’ (Grün; 2003), ‘capitalismo

institucionalizado’ (Useem in Grün; 2003), ‘capitalismo institucional’ (Lavigne; 2004) e

ainda por ‘socialismo dos fundos de pensão’ (Drucker; 1977). Tão corporativa lógica não

pode ser confundida como uma alternativa pública ao desmonte da Previdência Social,

especialmente, por algumas razões:

1) No uso corrente da língua portuguesa o adjetivo público apresenta alguns

importantes esclarecimentos: “1 - Do, ou relativo, ou pertencente ou

destinado ao povo, à coletividade. 2 – Que é do uso de todos; comum. 3 –

Aberto a quaisquer pessoas.” O Dicionário Aurélio possui ainda uma

infinidade de acepções que aprofundam a noção do público e permitem dizer

que não pode ser público aquilo que se refere a uma categoria profissional,

ainda que esta seja muito numerosa, como por exemplo a dos servidos

públicos das diferentes esferas de um país. Ademais, uma categoria não

pode ser confundida como o povo todo e sequer pode ser tomada como ‘a’

coletividade e por aquilo que é comum, universal, e de acesso livre a todos

os que vivem em uma nação. Claramente, dizer que um fundo de pensão de

uma categoria profissional pode ser público é, no mínimo, expressar uma

contradição nos termos e tentar ocultar a natureza eminentemente

corporativa de uma tal forma previdenciária.

2) O que torna social e pública a previdência são, sobretudo, os princípios de

universalização de um padrão de acesso às conquistas civilizatórias e o

reconhecimento, ainda que subjacente, de que o destino da força de trabalho

não pode ser deixada a sua própria sorte e dependente dos ‘generosos’

caprichos dos proprietários dos meios de produção. Deste modo, a conquista

de padrões públicos e generalizados de intervenção sobre a luta de classes

foi uma imposição da organização da força de trabalho - de modo

diferenciado e de acordo com os níveis de organização e luta que logrou

construir em cada país foi mais ou menos longânime – na formação do

230 Podemos supor com um grau razoavelmente alto de certeza que aos gestores dos Fundos de Pensão da Estatais brasileiras não resta qualquer dúvida de que estes investidores institucionais não fazem parte da estrutura do Estado nem de modo longínquo, nem mesmo juridicamente.

230

fundo público que arbitrou uma parte – embora pequena em face da

exploração do trabalho – do lucro para a formação das políticas sociais. Não

há como ser pública uma política que opera em favor de uma categoria

profissional, somente porque esta categoria possui um contrato de trabalho

com o Estado; bem como não há como fazer política pública, social, a partir

de instituições privadas porque elas jamais terão a marca de abrangência

universal na distribuição dos benefícios. Assim, uma política previdenciária

pode operar os recursos oriundos das fontes de financiamento por repartição

ou por capitalização. Ao operar por repartição, as políticas previdenciárias

resgatam a noção de solidariedade de classe e a compreensão analítica de

que toda a riqueza do país é inteira e unicamente gerada pelos trabalhadores.

Por isto, nas políticas previdenciárias em geral, está patente que o modo de

cuidar da força de trabalho diz respeito ao modo de produção que se deseja

construir. A capitalização, por sua vez, rompe com estes princípios ao

selecionar, excluir, delimitar os eleitos já definidos por um laço de

pertencimento contratual. Ademais, entrega os recursos construídos pelo

trabalho, a contribuição do trabalho, para a direta utilização do capital231

que, conforme todos sabemos desde Karl Marx, somente pela extração do

trabalho excedente arrancado dos trabalhadores sem os remunerar por isso,

poderá fazer estes recursos multiplicarem-se.

3) O que torna público um recurso não é apenas a sua administração, mas a sua

constituição, a sua natureza, ainda que para as instituições privadas de

previdência sequer a administração dos recursos será direcionada para o

Estado e sim para as empresas que vivem do capital que rende juros. No

entanto, de modo mais grave, como poderá ser público um recurso que se

forma, inclusive pelo investimento e especulação em ações e títulos públicos

(estes considerados as aplicações mais seguras em todo mundo), e que terão

maior lucratividade se os Estados endividarem-se e pagarem taxas de juros

cada vez mais elevadas e, se as aplicações em ações de empresas privadas

231 José Paulo Netto (1992) demonstra que até as funções do Estado capitalista denominadas extra-econômicas e desenvolvidas sob os monopólios, embora demandas pelo trabalho em suas lutas acabam, contraditoriamente, por serem re-funcionalizadas e também atendem aos interesses do capital.

Comentário: Este tópico 2) está claro, conciso, crítico e revelador. Mereceria algum destaque.

231

alcançarem maior lucratividade possível simultaneamente pela exploração

ao trabalho e pela especulação? De igual modo, pelo estudo de O Capital de

Karl Marx, o que define um capitalista é como ele ganha o seu capital e não

como ele o gasta. A mesma lógica tem sentido se aplicada aos fundos de

pensão: pagar aposentadorias e tê-las sob a administração ou gerenciamento

do Estado não as fará públicas se os seus ganhos forem obtidos na estrita

observação das regras do capital, porque assim esta riqueza somente poderá

formar-se pela extração de mais-valia e por potencializar a exploração do

trabalho.

Por fim, também neste caso não se pode servir a dois senhores; isto é, a previdência dos

servidores públicos do país não poderá – simultaneamente – ser pública e privada ou

pública na administração e privada por se dirigir a uma categoria específica e no manejo e

formação de capitais. Também aqui os arranjos nominativos podem expressar o desejo de

uns de minar a resistência de outros, através da reposição do velho sob a aparência do novo.

3.4.1.2 a exclusividade dos planos de benefício por contribuição definida;

Para o trabalhador, os planos de contribuição definida são os que lhe ‘asseguram’ a maior

instabilidade possível, a despeito de a sua denominação sugerir o contrário, e dar idéia de

que antes mesmo de o momento da aposentadoria chegar o trabalhador poderá ter garantias

do valor de seu benefício. Estes são planos individuais e capitalizados, com contas

apartadas dos demais trabalhadores e dependem, exclusivamente, da capacidade de o

trabalhador acumular montantes maiores ou menores até o momento da sua aposentadoria.

Como são capitalizados a previdência de cada trabalhador dependerá das ‘piruetas’ do

sistema financeiro no qual estes recursos são aplicados. Por oposição ao benefício definido,

em cujo plano o trabalhador sabe quanto deve contribuir em razão de um benefício que ao

final de seu tempo de contribuição ele almeja receber e, se ao acaso as aplicações e

rendimentos tiverem sido menores do que o estabelecido no contrato a responsabilidade

deverá ser assumida pela empresa patrocinadora da ‘previdência privada’; no plano de

contribuição definida não há a responsabilidade do patrocinador e o trabalhador é o único

responsável pelo risco de não haver ou haver substantivamente menos recursos no

232

momento da aposentadoria: o risco é individual e como dizem os mercadores deste negócio

a imprevisibilidade dos investimento é de responsabilidade do ‘segurado’; ou seja, a força

de trabalho. Foi esta a opção de ‘segurança’ ao trabalho que o governo Lula da Silva optou

por estabelecer na contra-reforma previdenciária manifesta na Emenda Constitucional n.º

41 de 2003; nem Estado nem os capitais que usurpam o trabalho no âmbito da produção do

excedente e agora também sobre os montantes destinados à reprodução da força de

trabalho, resultados do trabalho necessário responsabilizam-se pela proteção do trabalho

quando este já foi exaurido em suas forças, na aposentadoria.

Por fim, é forçoso concluir: as mudanças mais radicalizadas na direção de oportunizar o

crescimento da ‘previdência privada’ ocorreram232 nos Regimes Próprios de previdência da

força de trabalho empregada no Estado brasileiro. Uma tal notação, por óbvio, não

desconhece as ‘perversas’ (Vianna; 1998) e cirúrgicas remoções de direitos, levadas a

termo no Regime Geral de Previdência Social. Todavia, se correta esta determinação,

deveu-se a duas ordens de razões:

1. a força de trabalho empregada pelo Estado em seus diferentes níveis é,

potencialmente, capaz de ‘produzir’ uma enorme e muito significativa massa de

recursos que o capital produtor de juros, por intermédio de previdências privadas, há

muito ambiciona amealhar. Ademais do volume de recursos mensalmente vertidos

como ‘previdência privada’ complementar ao capital produtor de juros nenhuma

contribuição poderia ser envolvida em maiores garantias de que seriam realizadas já

que os governos podem utilizar-se de mecanismos garantidores da contribuição

como os de desconto em folha que o governo Lula da Silva tem estimulado com

presteza233. Entre estes trabalhadores a garantia de estabilidade do vínculo de

232 Não desconhecemos todo a ambientação pré-eleitoral que se está a promover para que uma nova contra-reforma previdenciária seja realizada no Regime Geral de Previdência Social caso se confirme a eleição de Lula da Silva (PT) ou a de Geraldo Alckmin (PSDB). 233 Exemplo definitivo do uso – deveríamos dizer abusos? – deste estratagema pode-se verificar no escandaloso convênio do Instituto Nacional de Seguro Social com o Banco de Minas Gerais, um dos envolvidos no ainda não desvendado assalto aos cofres públicos quando dos processos de corrupção que envolveram, principalmente, ministros e parlamentares petistas e a base aliada ao governo, denominados ‘mensalão’ objeto de investigação de Comissões Parlamentares de Inquérito e do Ministério Público, na gestão do Presidente Lula da Silva do Partido dos Trabalhadores. Nos dois meses seguintes a assinatura do decreto pelo presidente Lula da Silva, apensa o Banco de Minas Gerais e a Caixa Econômica haviam efetivado convênios com o INSS para a realização do crédito aos aposentados consignado em folha. Sabe-se que o crédito aos aposentados, no ano de 2003, foi responsável por 85% da carteira de créditos do Banco de Minas Gerais. Igualmente, foi divulgado na imprensa que o Banco de Minas Gerais repassou 26 milhões de reais ao valerioduto, como ficou conhecida a conexão PT/empresas estatais/parlamentares/instituições

233

trabalho é contratual e tem a exigência de concurso público para ingresso. A

garantia da continuidade do vínculo, a estabilidade no emprego, ao longo de anos os

torna uma fração especial da força de trabalho no sentido de garantia de

continuidade de contribuição por décadas.que prestam para ingressarem neste

âmbito do trabalho.

2. Os valores máximos das aposentadorias do Regime Geral de Previdência Social já

foram bastante rebaixados com as sucessivas contra-reformas previdenciárias

realizadas na década de 1980; Além do que, segundo o último boletim234 disponível

– o de julho de 2006 - no Ministério da Previdência e Assistência Social, 67,7% dos

benefícios pagos a 16,3 milhões de beneficiários, pelo Regime Geral de Previdência

Social alcançam o valor de até 01 salário mínimo, o que os inviabilizaria como

potenciais compradores da mercadoria ‘previdência privada’.

financeiras. A facilidade como o crédito é concedido aos aposentados, conjuga-se ao desconhecimento quase sempre proposital das letras miúdas do contrato realizado com as instituições financeiras e tem como o resultado mais visível as sofridas tentativas de entender porque as aposentadorias foram reduzidas de modo tão importante nos meses subseqüentes ao ajuste dos empréstimos. São significativas as denúncias que a Federação Nacional dos Sindicatos de Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social tem oferecido acerca da gigantesca impotência de usuários e profissionais da Previdência Social diante de empréstimos extorsivos em detrimento do aumento dos valores da aposentadoria. Fonte: www.noticias.tera.com.br . 234 Consultar o sítio: www.mpas.gov.br.

234

CONSIDERAÇÕES FINAIS.

da previdência pública à previdência financeirizada: a ‘solidariedade’ do capital

dinheiro.

A literatura crítica sobre a gênese dos sistemas previdenciários públicos identifica a luta da

classe trabalhadora como a razão pela qual, coletiva e solidariamente, encontrou-se

proteção na velhice, na doença, nas situações de desamparo que em geral os trabalhadores

suportam pelo mundo. A comprovação de que a luta dos trabalhadores foi e é o único

instrumento para melhorar as condições de vida e de trabalho constata-se ao se deitar um

olhar à história do movimento operário. Os últimos trinta anos do século XIX, por exemplo,

quando, no calor das lutas operárias, especialmente as protagonizadas pelo proletariado

francês dentre as quais a mais marcante continua a ser a Comuna de Paris, foram

particularmente importantes para, ao menos, limitar à exploração aos trabalhadores e à

mais-valia.

Parece-nos correto afirmar que os sistemas de proteção e especialmente os direitos

previdenciários públicos sempre estiveram em forte compasso com os rumos do trabalho e

de seus movimentos organizados. Pensá-los de forma autônoma, isto é, desconectar os

reveses sofridos pelos trabalhadores no plano dos direitos do trabalho dos rumos

imprimidos ao trabalho pelo atual estágio do desenvolvimento capitalista corresponderia a

uma análise fragmentada de uma totalidade social que somente encontra sentido quando

pensada para além da aparência recortada com que se apresenta sob o capitalismo. Afirma-

se então, que uma previdência forte, igualitária e pública é simétrica a uma organização de

classe forte. Da mesma forma, a destruição de sistemas públicos e universalistas é coeva à

construção de ‘sistemas privados de proteção’, corporativos, seletivos e particularistas

porque dirigidos a grupos ou categorias de trabalhadores e expressa um momento de

fragmentação dos interesses e das lutas de classe. Estas saídas particularistas e corporativas

ao extremo, tipificam as ideologias de "concertação" e de "soluções políticas"

implementadas pelo capital, nos últimos trinta anos, com o fito de combalir as organizações

operárias e de trabalhadores nos seus conteúdos mais essenciais, de que são exemplos as

lutas contra a propriedade privada e contra a exploração do trabalho.

235

A fragmentação das lutas operárias não é um fenômeno recente; nova é a profundidade

alcançada pela fragmentação das lutas de classe e o nível de invasão da lógica do capital

nas organizações do trabalho.

Nos dias atuais quando o capital portador de juros alcança desenvolvimento tal que passa a

reger as ‘opções’ de parte importante das organizações operárias e de trabalhadores, a

‘questão social’ tem na mercantilização e na metamorfose das políticas públicas em

políticas privadas a única resposta. Dito de modo diverso e com relação a ‘previdência

privada’ a ‘questão social’ transmuta-se em espaço de valorização do capital ao

transformar-se a identidade de classe construída pelo trabalho em seu contrário: a

solidariedade de classe transmuta-se em direito do consumidor, portanto individual, que

comprou determinado plano previdenciário em um banco ou seguradora. Mesmo ao

considerar-se a lógica presente nos fundos de pensão, o máximo alcançável por uma dada

categoria é a extensão de um dado direito – talvez de consumidor – para os limites daquela

mesma categoria de trabalhadores, corporativa e fragmentada.

Ao tomar-se em estudo a lógica dos fundos de pensão vê-se como o trabalho, ao lutar

de modo atomizado e corporativo, além de reforçar as bases político-ideológicas do capital

e prostrá-lo em sua luta pela superação do modo capitalista de produção, transforma-se em

um agente capitalista – ‘proprietário’ de capital-dinheiro - financiador da produção e, por

extensão, da exploração do trabalho.

No seio da tradição marxista há uma preocupação constante com a propagação das

ideologias burguesas no interior do movimento operário e da tradição revolucionária. Para

Lênin, o grande revolucionário do século XX, não escapava que a degradação das relações

de solidariedade e dos fenômenos de reformismo e chauvinismo que impregnavam a

consciência de segmentos de classe no interior do movimento operário, eram conseqüências

do estágio monopolista do capitalismo. Assim, consistia urgente tarefa para o movimento

comunista compreender as razões pelas quais os operários tornaram-se agentes da

burguesia. Aos operários aburguesados e subornados com os superlucros, Lênin os indicará

para um lugar e uma função precisas: são os ‘agentes da burguesia’ porque se

constituíram no principal ‘apoio social (não militar)’ daquela classe no aprofundamento

do modo capitalista de produção. A razão precisa Lênin a indicará:

“É evidente que tão gigantesco superlucro (visto ser obtido para além do lucro que os capitalistas extraem aos operários do seu ‘próprio’ país) permite

236

subornar os dirigentes operários e a camada superior da aristocracia operária. Os capitalistas dos países ‘avançados’ subornam-nos efectivamente, e fazem-no de mil e uma maneiras, directas e indirectas, abertas e ocultas”. (Lênin; 1986: 585).

Já se enfatizou ao longo deste trabalho que a ‘previdência privada’ em geral e os fundos de

pensão em particular são atualmente os investidores de maior importância e os ‘agentes

chaves’ do capitalismo. Não se comete exageros ao afirmá-los imprescindíveis à realização

das leis da acumulação capitalista. Igualmente indispensável para a dominação do ‘capital

financeiro’ é os trabalhadores - além das "concertação" e "soluções políticas" para os

conflitos e antagonismos de classe - promoverem com suas contribuições salariais - o

trabalhador desconta do salário um percentual para a formação dos recursos dos fundos de

pensão - montantes responsáveis pelo incremento da produção de mais valia e da

privatização dos complexos construídos com recursos públicos – quando inaugura-se novo

realinhamento da propriedade privada. Privatizações consumadas não sem terem deixado

pelo caminho um rastro de suspeitas de corrupção, de falcatruas e de assalto ao patrimônio

público como em raras vezes se viu na história das modernas nações e que, apesar das

esparsas notícias na imprensa, ainda não estão esclarecidas suficientemente.

De acordo com tal lógica, cabe agora, ao trabalhador - "proprietário" de um dado fundo de

pensão, eufemisticamente denominado participante - gerar "recursos" e "apostar" em ações

mais rentáveis no eletrizante jogo das bolsas e do capital especulativo. Realiza-se assim a

exploração do trabalhador pelo próprio trabalhador, porquanto ao aumentarem as ações em

bolsas de valores e crescer o capital portador de juros, incrementa-se a geração de mais

valia.

A solidariedade e os interesses de classe são substituídos pelo instrumentalismo do

interesse imediato e pelo corporativismo das reivindicações e ganhos rápidos de uma dada

categoria profissional. Além disso, conforme já o anotava Lênin, há dinheiro em

quantidades suficientes para a realização da compra das consciências de muitos dirigentes

operários e de trabalhadores que passam a ser remunerados com salários corrigidos pela

variação de moedas como o dólar e cobertos de ‘mimos’ como viagens, hospedagens em

hotéis de primeira linha nos quais há aplicações dos fundos de pensão por eles dirigidos,

motoristas particulares, custeio de moradias e seguidas viagens ao exterior, sempre em prol

dos interesses das aposentadorias futuras dos trabalhadores que representam.

237

A Central Única dos Trabalhadores sempre teve em seu interior influência de sindicatos

defensores da ‘previdência privada’ dentre os quais os bancários, metalúrgicos da indústria

transnacional e das grandes estatais brasileiras. Entretanto, na década de 90 estas

concepções ganharam força no movimento sindical brasileiro especialmente aliançado e

parte da cúpula dirigente do Partido dos Trabalhadores.

Parece ser possível constatar que as frações melhor remuneradas do operariado e dos

trabalhadores em geral cuja alocação na divisão técnica do trabalho corresponde aos dos

setores de ponta da produção comandada pelo grande capital e também a fração de

trabalhadores empregados no sistema bancário são as mais favoráveis ao desenvolvimento

dos fundos de pensão.

Hobsbawm (1979) desenvolveu importante estudo para tentar mapear frações da classe

trabalhadora e que traços foram desenvolvidos por trabalhadores que crescentemente

desempenham a difusão de ideologia conservadora próxima dos ideais da burguesia e

apartam-se do proletariado. As frações de classe que assumiram tais atributos, com

freqüência, foram denominadas aristocracia operária.

Na direção de consolidar fragmentações no âmbito da classe trabalhadora a Central Única

dos Trabalhadores passou a defender ‘previdências’ diferenciadas para os diferentes

trabalhadores: a previdência para os trabalhadores divide-se em: Pública, para os mais

acentuadamente vitimados pelo pauperismo na divisão técnica do trabalho ou aos que

sequer tem acesso a ele; e Privada, para os assalariados (trabalhadores produtivos e

improdutivos) quase sempre melhor alocados na estrutura sócio-econômica brasileira.

Com a consolidação da defesa da ‘previdência privada’ no âmbito da Central Sindical

rompe-se a solidariedade, valor fundante na construção da luta dos trabalhadores por

melhores condições de vida e trabalho e instala-se o circuito da exploração do capital no

seio das diversas categorias de trabalhadores ao substituírem-se as lutas e organizações de

classe pela administração do capital portador de juros. Isto ocorre porque os fundos de

pensão vinculam a solidez e a estabilidade do sistema de aposentadoria à continuidade da

exploração, numa autêntica chantagem de classe235.

Há ainda o fortalecimento da ideologia liberal - a cada um e de cada um de acordo com as

235 Devo ao meu amigo e companheiro de lutas, professor José Miguel Bendrao Saldanha, estas oportunas expressão e idéia. Como de hábito, a responsabilidade pelo seu uso é toda minha.

238

suas capacidades, cada um é responsável pela sua aposentadoria, a solidariedade entre as

gerações é substituída pelos juros do mercado financeiro, como se o capital produzisse

juros como a pereira dá pêras. Para dizer de outra maneira, os trabalhadores de determinado

fundo de pensão devem aplicar seus recursos para a aposentadoria naquelas ações mais

lucrativas e nos empreendimentos considerados mais sólidos; mais lucrativas serão as ações

das empresas que potencializarem a extração de mais-valia de seus trabalhadores.

Em seu último Congresso, a Central Única dos Trabalhadores – através de sua corrente

majoritária e direção nacional - textualmente propôs:

"Nosso posicionamento deve se pautar pela defesa de um modelo de fundos de pensão administrados pelos trabalhadores, aposentados e empresários de forma paritária, nos quais as aplicações desses recursos, para as futuras aposentadorias dos trabalhadores, estejam voltadas para a geração de emprego e renda e que não dependam exclusivamente da ciranda financeira especulativa das bolsas de valores". (Cadernos 7º CONCUT; 2000:19) (grifos nossos).

A análise da proposta da CUT236 para a Seguridade Social brasileira evidencia a

naturalização de uma tendência posta pelo capital portador de juros para os trabalhadores

de todo o planeta, presente na aceitação e assunção de um modelo que tem por premissa a

utilização destes fundos para a geração de emprego e renda237 e que não dependam

exclusivamente da ciranda financeira, embora ela seja lateralmente admitida na teoria e

francamente implementada na prática. Ora, a menos que ocorra aqui um grave

entendimento de leitura, o que se anuncia e se permite é o uso dos montantes de recursos

dos trabalhadores – reservados de seus salários e para além da mais valia já entregue ao

capital no ato da produção - para o financiamento da acumulação capitalista, pois neste

modo de produção esta é a única forma de gerar ‘empregos e renda’. Mais grave ainda é

supor que se pode tomar do caminho proposto pelo capital somente a "sua parte boa" como

se esta não fosse uma lógica que move o próprio modo de produção.

236 - O 7º CONCUT realizou-se em Serra Negra/São Paulo, entre os dias 15 e 19 de agosto de 2000. O fragmento citado compõe o Texto Base da Direção Nacional, no título: A reestruturação neoliberal da seguridade social. 237 Este não é um entendimento exclusivo da CUT. Concorda com ela o Banco Central, ao indicar, na Resolução nº 2109, de setembro de 1994, que os montantes aplicados em ações não devem exceder 50% do patrimônio total do fundo de pensão.

239

Em Lênin é bastante clara a afirmativa de que – ao contrário do que propuseram e propõem

alguns dos célebres reformistas do capital – sob o capitalismo não há espaço para a

humanização e a fruição da vida social, não há espaço para a satisfação das necessidades da

força de trabalho. Lamentavelmente, a debilitação político-ideológica da perspectiva de

classe coloca em cena esdrúxulas possibilidades como as de um "capitalismo de cabelos

brancos" ou de um "capitalismo dos trabalhadores" vale dizer, de aposentados e de

‘trabalhadores da ativa’ interessados nos rodopios das ações nas bolsas de valores mundiais

e nos empreendimentos mais lucrativos do capital portador de juros. Certamente, ações

como estas deformam indelevelmente a tradição revolucionária que o movimento operário

forjou ao longo destes séculos de capitalismo.

Antes de encerrarmos convém lembrar: diante da ‘incontrolabilidade do capital, os fundos

de pensão têm feito movimentos na direção de humanização do capitalismo e, chega-se

mesmo a discutir com alguma seriedade códigos de ética para investimentos. Mais ou

menos ao modo de Proudhon238 converte-se o capital em mola propulsora da ‘reforma e

humanização’; o capitalismo como provedor de ‘soluções’ do tipo ‘crédito gratuito’ e os

‘banco para o povo miserável’. Códigos de ética e boas práticas na realização da exploração

não a suprimem; quando muito contribuem para ocultar a única relação social de produção

geradora de valor, a extração de mais-valia do trabalho livre.

Por fim, há que se conhecer a lógica e aprofundar a análise para desvelar a razão de uma tal

orientação política estranha ao mundo do trabalho - porquanto reforçadora e em alguma

medida financiadora do capital - ser assumida pelas categorias mais bem remuneradas dos

trabalhadores e muito especialmente por seus representantes, a aristocracia operária.

Em tal sentido, a compreensão do tempo presente da acumulação capitalista, o estudo dos

movimentos do capital e também das alternativas de organização e de luta assumidas pelos

operários e pelos trabalhadores em geral, impõe-se como determinação necessária para a

realização da análise da particularidade, do estudo concreto de uma situação concreta: a

relação entre trabalho e ‘previdência privada’.

238 Sobre a compreensão de Proudhon ver a crítica de Marx, especialmente em: O Rendimento e Suas Fontes – A Economia Vulgar in Karl Marx 1978 e 1985. Esclarecedora também o é a Carta de Marx a J.B. Schweitzer in Karl Marx 1985c.

240

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Sindical (Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal). 20/01/2006.

Disponível no sítio: http://www.unafiscosindical-sp.org.br/´.

VEIL, Mechthild. Allemagne – La réforme des retraites de 2001: réduction de la

répartition, un pas vers la capitalisation. Chronique internationale de l’IRES - Institut

de recherches economiques et sociales, nº 69. França, mars, 2001.

VEIL, Mechthild. Allemagne – La réforme des retraites, premiers pas, débats,

interrogations. Chronique internationale de l’IRES - Institut de recherches

economiques et sociales, nº 82. França, mai, 2003.

259

VEIL, Mechthild. Allemagne – Les nouveaux habits de la retraite d’entreprise. Chronique

internationale de l’IRES - Institut de recherches economiques et sociales, nº 94.

França, mai, 2005.

VIERA, Edson Roberto. As influências dos sistemas de governança corporativa sobre as

aplicações dos fundos de pensão brasileiros. 2004. Disponível sítio: www.ibgc.br

VIANNA, Maria Lúcia W. A americanização (perversa) da seguridade social no Brasil.

Estratégias de bem-estar e políticas públicas. Rio de Janeiro, Revan, 1998.

WEINTRAUB, Arthur Bragança de Vasconcellos. Responsabilidade dos administradores

de fundos de pensão. São Paulo. Juarez de Oliveira, 2004.

260

DOCUMENTOS OFICIAIS: (Toda a legislação consultada está disponível na página

eletrônica: http://legislação.planalto.gov.br)

LEIS e DECRETOS:

Lei nº 4.595 de 31 de dezembro de 1964

Lei nº 4.728 de 14 de julho de 1965

Lei nº 6.385 de 7 de dezembro de 1976

Lei nº 6.367 de 19 de outubro de 1976

Lei nº 6.464 de 09 de novembro de 1977.

Lei nº 6.404 de 15 de dezembro de 1976

Lei nº 6.435 de 15 de julho de 1977. Entra em vigor em 15/11/1977

Lei nº 6.462 de 09 de novembro de 1977, que remeteu a vigência da 6.435/77 para

01/01/1978.

Lei Complementar 108 de 29 de maio de 2001.

Lei Complementar 109 de 29 de maio de 2001.

Decreto-Lei nº 278 de 28 de fevereiro de 1967

Decreto nº 7.293 de 2 de fevereiro de 1945.

Decreto nº 81.402 de 23 de fevereiro de 1978

Decreto nº 81.240 de 20 de janeiro de 1978.

Decreto nº 4.206 de 23 de abril de 2002.

Decreto 4.942 de 30 de dezembro de 2003.

Resolução nº 460 de 23 de fevereiro de 1978.

Lei do Sistema Financeiro.

261

Emenda Constitucional nº 20/98

Emenda Constitucional nº 41/03

Resolução 460 de 23 de fevereiro de 1978.

Resolução MPAS/CPC nº 02 de 07/04/88.

Medida Provisória nº 1940-17, de 06/01/2000.

262

DOCUMENTOS DO BANCO MUNDIAL

WORLD BANK Averting the old-age crisis: policies to protect the old and promote

growth. World Bank/Oxford University Press, Inc. Washington/New York, Estados

Unidos. 1994.

BANCO MUNDIAL. Brasil - Questões críticas da previdência social (dois volumes).

Relatório No. 19641-BR. Volume I: Sinopse do relatório. Unidade de Administração,

Brasil Região da América Latina e Caribe. 19 de junho de 2000.

WORLD BANK. (HOLZMANN, Robert e HINZ, Richard). Old-age income support in

the 21st century: an international perspective on pension systems and reform. World

Bank. Washington/Estados Unidos. Maio, 2005.

WORLD BANK. (HOLZMANN, Robert e HINZ, Richard) Soporte del Ingreso em la

vejez em el siglo veintiuno: una perspectiva internacional de los sistemas de

pensiones y de sus reformas. Resumen ejecutivo. World Bank. Washington/Estados

Unidos. Julho, 2005.

263

REVISTAS

Revista “VISÃO” Revista quinzenal. nº 50, todas as edições de 1977, de janeiro a

dezembro e nº 51, as edições dos meses de janeiro a março de 1978.

Revista Visão, nº 3, páginas 75 e 76, de 03 de maio de 1976

Revista Visão, nº 1, páginas 8 e 9, volume 50 de 10 de janeiro de 1977.

Revista Visão, nº 5, página 47, volume 50 de 07 de março de 1977.

Revista Visão, nº 6, página 57, volume 50 de 21 de março de 1977.

Revista Visão, nº 7, páginas 52 a 55, volume 50 de 04 de abril de 1977.

Revista Visão, nº 9, página 61, volume 50 de 09 de maio de 1977.

Revista Visão, nº 11, página 60, volume 50 de 06 de junho 1977.

Revista Visão, nº 12, página 60, volume 50 de 20 de junho 1977

Revista Visão, páginas 52 e 54, de 04 de julho 1977.

Revista Visão – páginas 83, 84 e 91; edição de 19 de setembro de 1977.

Revista Visão, página 62, edição 5 de setembro de 1977.

Revista Visão, páginas 95 e 96, de 31 de outubro de 1977.

Revista Visão, páginas 130 a 135, de 14 de novembro de 1977.

Revista Visão, páginas 67 a 70 de 20 de fevereiro de 1978.

264

DIÁRIOS

Folha de São Paulo. (2002). Da Redação: Dona Da Embratel Revela Fraude De Us$ 4

Bilhões. São Paulo. 26 De Junho.

Folha de São Paulo - 22/março/1996.

Folha de São Paulo – 24/Julho/ 2002.

O Estado de São Paulo. Economia. 11/setembro/2002.

Jornal O Globo – Coluna O Mundo Repressão No Pátio Da Fábrica – José Casado.–

15/maior/2005.

PÁGINAS ELETRÔNICAS

http//www2.uol.com.br/infopessoal – Juro brasileiro é o maior do mundo, bem acima da

média dos países emergentes. Lígia Araújo. 19/07/2005, 16h39. São Paulo.

http//www.susep.gov.br/principal.asp

http//www.mps.gov.br/01_01_01.asp

www.noticiais.terra.com.br

www.mpas.gov.br

www.fiap.cl

www.abrapp.com.br

www.ibgc.com.br

www.cvm.br

265

ANEXO I

EMENDAS CONSTITUCIONAIS RELATIVAS À SEGURIDADE SOCIAL

nº ordem nº/data/emenda nº artigo alterado Saúde Previdência Assistência

01 ec nº3 de

17/03/1993

artigo 40 rpsp

02 ecr nº 1 de

01/03/1994

inclusão artigos 71,72 e 73 fundo social de

emergência

fundo social de

emergência

fundo social de

emergência

03 ec nº 10 de

04/03/1996

artigos 71 e 72 fundo social de

emergência

fundo social de

emergência

fundo social de

emergência

04 ec 12 de

15/08/1996

artigo 74 criação contribuição

sobre movimentação

financeira para a saúde

05 ec nº 13 de

21/08/1996

artigo 192 autorização

previdência

privada

06 ec nº 17 de

22/11/1997

artigos 71 e 72 fundo social de

emergência

fundo social de

emergência

fundo social de

emergência

07 ec nº 19 de

04/06/1998

artigos

22,27,28,29,37,38,39,41,

48,49,51,52,57,70,

93,95,96,127,128,132,135,14

4,167,169,

173,206,

contrato

trabalho

servidores

públicos

08 ec nº 20 de

15/11/1998

modifica o sistema de

previdência social, estabelece

normas de transição e dá

outras providências.

reforma

previdenciária

nos regimes

geral e

próprios.

09 ec nº 21 de

18/03/1999

prorroga alterando a alíquota,

a contribuição provisória

sobre movimentação ou

transação de valores de

créditos e de direitos de

natureza financeira, a que se

cobrança de

contribuição

provisória e emissão

títulos da dívida

pública interna

emissão títulos

da dívida

pública interna

Comentário: Qualé o título e número deste quadro (ou tabela?)? Qualé a referência a ela no texto?

Comentário: Qualé o título e número deste quadro (ou tabela?)? Qualé a referência a ela no texto?

266

refere o art. 74 do ato das

disposições constitucionais

transitórias

10 ec 26 de

14/02/2000

altera a redação do artigo 6º

da constituição federal.

definição como

direitos sociais

definição como

direitos sociais

definição como

direitos sociais

11

ec 27 de

21/03/2000

acrescenta o artigo 76 ao ato

da disposições

constitucionais transitórias,

instituindo a desvinculação

de arrecadação de impostos e

contribuições sociais da

união.

subtrai 20% dos

recursos da seguridade

social para outros fins

subtrai 20% dos

recursos da

seguridade

social para

outros fins

subtrai 20% dos

recursos da

seguridade

social para

outros fins.

12 ec 29 de

13/09/2000

altera os artigos 34, 35, 156,

167 e 198 da cf e acrescenta

artigo ao ato das disposições

constitucionais transitórias,

para assegurar os recursos

mínimos para o

financiamento das ações e

serviços públicos de saúde.

ações e serviços

públicos de saúde.

13 ec nº 30 de

13/09/2000

altera a redação do artigo 100

da cf e acrescenta o art 78 no

ato das disposições

constitucionais transitórias,

referente ao pagamento de

precatórios judiciários.

débitos com

benefício

previdenciários

14 ec 31 de

14/12/2000

altera o ato das disposições

constitucionais transitórias,

introduzindo artigos que

criam o fundo de combate e

erradicação da pobreza.

ações suplementares

de saúde

ações

suplementares

de assistência

social.

15 ec 37 de

12/06/2002

altera os artigos 100 e 156 da

cf e acrescenta os artigos

84,85,86,87 e 88 ao ato das

disposições constitucionais

transitórias.

alíquota

correspondente ao

imposto sobre

transação financeira

alíquota

correspondente

ao imposto

sobre transação

financeira

16 ec nº 41 de modifica os artigos 37, 40, reforma da

267

19/12/2003 42, 48, 96, 149 e 201 da cf,

revoga o inciso ix do §3º do

art. 142 da cf e dispositivos

da emenda constitucional nº

20 de 15 de dezembro de

1998, e dá outras

providências.

previdência dos

regimes

próprios dos

servidores

públicos e

autoriza

previdência

privada para os

servidores

públicos.

17 ec 42 de

19/12/2003.

altera o sistema tributário

nacional e dá outras

providências.

desvincular 20% das

contribuições sociais

para outros fins.

desvincular

20% das

contribuições

sociais para

outros fins.

Desvincular

20% das

contribuições

sociais para

outros fins.

18 ec nº 47 de

05/07/2005.

altera os artigos 37, 40, 195 e

201 da cf para dispor sobre a

previdência social e dá outras

providências.

reforma da

previdência dos

regimes

próprios dos

servidores

públicos

19 ec 51 de

14/02/2006

acrescenta os §§ 4º, 5º e 6º ao

artigo 198 da cf.

definição contratação

agentes comunitários

de saúde.

Fonte: elaboração própria a partir das Emendas Constitucionais.

268

Fonte: FIAP – Federacion Internacional de Administradoras de Fondos de Pesiones

ANEXO II

MAPA DAS CONTRA-REFORMAS

Las definiciones utilizadas para describir los sistemas de pensiones en los distintos países

están basados en la terminología del Banco Mundial.

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