Ulsd066676 Td Tese

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UNIVERSIDADE DE LISBOA INSTITUTO DE EDUCAÇÃO A CONSTRUÇÃO E UTILIZAÇÃO DE UM SISTEMA DE AUTOAVALIAÇÃO EM DUAS ESCOLAS SECUNDÁRIAS Rui Manuel Santos Pereira Gonçalves DOUTORAMENTO EM EDUCAÇÃO ESPECIALIDADE EM AVALIAÇÃO EM EDUCAÇÃO 2013

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  • UNIVERSIDADE DE LISBOA

    INSTITUTO DE EDUCAO

    A CONSTRUO E UTILIZAO DE UM SISTEMA DE AUTOAVALIAO EM

    DUAS ESCOLAS SECUNDRIAS

    Rui Manuel Santos Pereira Gonalves

    DOUTORAMENTO EM EDUCAO

    ESPECIALIDADE EM AVALIAO EM EDUCAO

    2013

  • i

    UNIVERSIDADE DE LISBOA

    INSTITUTO DE EDUCAO

    A CONSTRUO E UTILIZAO DE UM SISTEMA DE AUTOAVALIAO EM

    DUAS ESCOLAS SECUNDRIAS

    Rui Manuel Santos Pereira Gonalves

    Tese Orientada Pelo Professor Doutor Domingos Fernandes, especialmente elaborada

    para a obteno do grau de doutor em Educao

    na especialidade de avaliao em educao

    2013

  • ii

    DEDICATRIA

    Neste iderio de afeto e liberdade em que consiste o ato de educar

    Dedico este trabalho ao meu filho

    Filipe, de quem tanto gosto e a

    quem recomendo vivamente que nunca deixe

    de estudar, de ler, de escrever, de aprender

    e de sonhar.

  • iii

    AGRADECIMENTOS

    Aos principais responsveis pela concluso com xito desta caminhada:

    Teresa companheira inseparvel nos bons e maus momentos.

    Aos colegas Diretores que me abriram as portas das suas Escolas Secundrias num ato de

    confiana e disponibilidade total.

    Aos colegas professores e a todos os elementos integrantes das equipas de autoavaliao

    com que tive o grato prazer de trabalhar em autntica parceria.

    Ao Professor Doutor Domingos Fernandes pela amizade, pela partilha de saberes, pela

    orientao, pelo apoio, pelo estmulo, pelo incentivo, pela crtica construtiva, que

    proporcionou com sabedoria a descoberta guiada que tornou possvel esta viagem.

    A todos, muito obrigado.

  • iv

    RESUMO

    A conceo deste trabalho assentou na premissa da escola perspetivada como uma

    organizao complexa e aprendente e pela considerao da avaliao como construo

    social e cultural e como atividade crtica de aprendizagem. Trata-se da escola encarada como

    organizao que utiliza o seu sistema de autoavaliao em termos formativos para se

    interrogar, para delinear estratgias de melhoria gradual e para consolidar a sua autonomia.

    Afinal, as escolas e os professores podem fazer a diferena, repercutindo na qualidade das

    aprendizagens dos alunos a melhoria da organizao da escola e a melhoria do trabalho

    dentro das salas de aula.

    A questo basilar que norteou esta investigao foi a de compreender como que as

    escolas constroem e utilizam o seu sistema de autoavaliao organizacional. Deste modo

    procurou-se captar e recolher informao substantiva em duas escolas pblicas secundrias

    com 3. ciclo da regio de Lisboa sobre o modo como foram construdos os seus sistemas de

    autoavaliao e quais os seus efeitos sobre a adequao da organizao escolar e sobre a

    adequao da ao educativa.

    A metodologia utilizada neste trabalho foi descritiva, analtica e interpretativa, e os dados

    foram recolhidos atravs de observaes, entrevistas semiestruturadas e recolha de

    documentos.

    Os resultados revelaram que a iniciativa para a realizao da autoavaliao partiu dos

    diretores; o envolvimento ativo no processo de autoavaliao est confinado a um pequeno

    grupo de professores; as escolas tm dificuldade em mobilizar os alunos, os pais e outros

    atores educativos para participarem no processo de autoavaliao; a sala de aula est fora do

    mbito da autoavaliao; a falta de tempo e formao por parte dos atores surgem como

    constrangimentos para a construo dos sistemas de autoavaliao; no so elaborados

    planos graduais de melhoria na sequncia da realizao da autoavaliao.

    O estudo permite afirmar como uma das principais concluses que apesar da tentativa

    empreendida pelas escolas investigadas de apostarem na autoavaliao, os dispositivos que

    utilizam esto longe de se constiturem como sistemas de autoavaliao sistemticos,

    refletidos, participados e com real impacto no processo de transformao de melhoria da

    vida pedaggica das escolas e das salas de aula.

    Palavraschave: Avaliao; AutoAvaliao; Escola; Melhoria; Organizao; Qualidade.

  • v

    ABSTRACT

    This abstract is based on the premise which views school as a complex and learning

    organization revealed in several factors as the evaluation appraisal viewed as a social and

    cultural development besides a teaching perceptive activity. We are therefore discussing the

    school viewed as an organization which uses its own self-evaluation system in instructive

    terms to question itself, to define strategies in order to pursue continuing improvement and

    at the same time to consolidate its own autonomy. After all, schools and teachers can make

    the difference, reverberating improvement of school organization in students teaching

    quality in addition to improving the work accomplished in the classroom.

    The basic question that guided this research was to understand how schools construct and

    use its own self-evaluation system. Thus we tried to capture and collect substantive

    information in two public secondary schools with third cycle of the Lisbon region about how

    their self-evaluation systems were built and what are its effects on the adequacy of school

    organization and the adequacy the educational activity.

    The methodology used in this study was descriptive, analytical and interpretative, and

    data were collected through observations, semi-structured interviews and collecting

    documents.

    The results revealed that the initiative to promote the self-evaluation system came from

    directors; active involvement in the self-evaluation process is confined to a small group of

    teachers; schools have difficulty in mobilizing students, parents and other stakeholders to

    participate in self-evaluation process, the classroom is outside the scope of school self-

    evaluation; lack of time and training for the actors appears as constraints for the construction

    of self-evaluation system; no plans of gradual improvement are made upon the completion

    of self-evaluation.

    According to the study as one of the main conclusion is that despite the attempt

    undertaken by schools where the research occurred to engage in self-evaluation, the devices

    they use are far, from constituting as systematic self-evaluation systems, reflected, and

    participated with real impact on the transformation process of schools pedagogical life and

    classrooms.

    Keywords: Evaluation; Self-Evaluation; School; Improvement; Organization; Quality.

  • vi

    RSUM

    La conception de ce travail est fond sur la premisse de l`cole vue comme une

    organisation complexe et apprenante marque par la considration de l`valuation

    considre comme construction sociale et culturelle et comme activit critique

    d`apprentissage. Il s`agit de l`cole vue comme organisation qui utilise son systme de auto-

    valuation du point de vue formatif pour s`interroger, pour tracer des stratgies

    d`amliorations graduelles et pour consolider son autonomie Finalement, les coles et les

    professeurs peuvent faire la diffrence, en transmettant dans la qualit des apprentissages

    des lves, une meilleure organisation des coles et un travail en sale de classe de meilleure

    qualit galement.

    La question fondamentale qui a guid cette recherche tait de comprendre comment les

    coles tablissent et emploient son systme d'autovaluation organisationnelle. \nDe cette

    faon nous avons essay de capturer et collecter des informations substantielles dans deux

    coles d'Etat secondaires avec le 3me cycle de la rgion de Lisbonne sur le chemin ont t

    construits leurs systmes d'autovaluation et ce qui les effets sur l'adquation de

    l'organisation d'cole et au sujet de l'adquation de l'action ducative.

    La mthodologie utilise dans cette tude tait descriptive, analytique et interprtative, et

    les donnes ont t rassembles pour l'observation, les entrevues semi-structures et la

    collection de documents.

    Les rsultats prouvent que l'initiative de l'autovaluation est alle pour des directeurs ; la

    participation active en cours d'autovaluation est confine un petit groupe de professeurs,

    coles ont la difficult dans les tudiants de mobilisation, les parents et d'autres acteurs

    ducatifs participer au processus ; la salle de classe est hors de porte de d'autovaluation ;

    le manque de temps et la formation de la part des acteurs apparaissent comme contraintes

    pour la construction des systmes de l'autovaluation ; ne sont pas les plans labors pour

    l'amlioration progressive suivant l'achvement de l'autovaluation.

    L'tude nous permet d'affirmer en tant qu'une des conclusions principales qui en dpit de

    la tentative par des coles de s'engager dans l'autovaluation, les dispositifs qu'ils emploient

    sont loin d'tre comme systmes d'auto-valuation systmatique, reflts au moment,

    Occup et avec l'impact rel dans le processus de transformation d'amliorer la vie ducative

    des coles et des salles de classe.

    Mots-cls: valuation; Auto-valuation; cole; Amlioration; Organisation; Qualit.

  • vii

    NDICE GERAL

    DEDICATRIA ii

    AGRADECIMENTOS iii

    RESUMO iv

    ABSTRACT v

    RSUM vi

    NDICE GERAL vii

    NDICE DE QUADROS x

    NDICE DE FIGURAS xi

    NDICE DE ANEXOS (Em CD) xi

    SIGLAS UTILIZADAS xii

    INTRODUO. 1

    Motivao..1 O Problema... 3

    As questes de investigao.12 Pertinncia e necessidade.14 Os pressupostos da investigao .15 Da organizao da tese.17

    CAPTULO 1 - AVALIAO: UM DILOGO ENTRE A RAZO E A EMOO

    NUM CAMPO EM PERMANENTE EVOLUO 19

    1.1.O conceito e o sentido da avaliao...................................................................22 1.2.Avaliao, prticas e experincia vivida...34 1.2.1. O acento tnico na teoria...36 1.2.2.O acento tnico nas prticas e na experincia vivida.....37

    1.3.Tentativas de organizao das diferentes abordagens avaliativas. 39 1.4. Avaliao e qualidade uma coabitao necessria e incontornvel. 48 1.4.1.O conceito de qualidade.49 1.4.2.A qualidade quando referida a organizaes e processos educativos53

  • viii

    CAPTULO 2 PARA UMA COMPREENSO DA ESCOLA COMO ORGANIZAO 61

    2.1.O conceito de organizao.62 2.2.A Escola como organizao...68 2.3. Escola enquanto organizao nuclear dos sistemas educativos

    contemporneos71 2.4.O papel da sala de aula dentro da organizao da escola. 77 2.5.Para uma anlise da escola como organizao......82 2.6.As escolas podem fazer a diferena...... 92 2.7.Quatro elementos chave para a eficcia das escolas100 2.8.Uma janela sobre o futuro tempo para uma nova gramtica da escola.107

    CAPTULO 3 - AVALIAO DAS ESCOLAS RESPONSABILIDADE E COMPROMISSO NUM ESPAO DE POSSIBILIDADES ENTRE O REAL

    E O IDEAL 118

    3.1.Reformas no, compromissos sim...119 3.2.O que se passa na maioria dos pases da Europa 129

    3.3.Autoavaliao das escolas131 3.3.1.Os modelos e as tendncias atuais.......139 3.3.2.Em Portugal, as experincias mais recentes....144

    3.4.A investigao sobre a avaliao das escolas em Portugal..................................151

    CAPTULO 4 - METODOLOGIA DA INVESTIGAO...160

    4.1.Posicionamento epistemolgico da investigao 161 4.2.Questes de investigao 164 4.3.O design da investigao 165 4.4.Os estudos de caso como estratgia investigativa.. 169 4.5.Participantes... 171 4.6.O perfil das escolas participantes... 172 4.7.Fases da investigao e procedimentos de recolha de dados. 179 4.7.1.Fases da investigao 179 4.7.2.Procedimentos de recolha de dados.. 181 4.8.Transformao dos dados..... 190 4.9.Perspetivas e limitaes da investigao. 192

    CAPTULO 5 ESCOLA A: UMA ESCOLA DESASSOSSEGADA COM A INDISCIPLINA E FOCADA NA PROMOO DA INCLUSO E DA

    CIDADANIA..194

    5.1.O Contexto...194 5.2.A entrada na escola..199 5.3.O conceito de escola de qualidade...203 5.4.A construo e utilizao do sistema de autoavaliao... 205 5.5.Sntese interpretativa226

  • ix

    CAPTULO 6 - ESCOLA L: UMA ESCOLA CARATERIZADA PELA

    DESCONTRAO E PELA INFORMALIDADE, ANCORADA NA SUA

    PRETENSA QUALIDADE...231

    6.1.O Contexto...231 6.2.A entrada na escola......235 6.3.O conceito de escola de qualidade.......237 6.4.A construo e utilizao do sistema de autoavaliao...240 6.5.Sntese interpretativa 263

    CAPTULO 7 - AS DUAS ESCOLAS EM ANLISE...268

    CONCLUSES, REFLEXES E RECOMENDAES 277

    REFERNCIAS300

    ANEXOS E ENTREVISTAS TRANSCRITAS (Em CD)

  • x

    NDICE DE QUADROS

    Quadro 1. As nove abordagens avaliativas mais promissoras

    para o sculo XXI com base em Stufflebeam (2000).. 41

    Quadro 2. Diferentes conceitos de organizao

    a partir de Pina e Cunha et al.(2007).66

    Quadro 3. Diferentes perspetivas da organizao

    a partir de Pina e Cunha et al.(2007).67

    Quadro 4. Caratersticas chave das escolas eficazes a partir de Sammons (1999). 98

    Quadro 5. Transformao da escola em organizao aprendente

    a partir de Lopes e Capricho (2007)....115

    Quadro 6. Teses de Mestrado analisadas...153

    Quadro 7. Teses de Doutoramento analisadas...157 Quadro 8. Cronograma das vrias fases da investigao...180

    Quadro 9. Sntese das fontes de informao utilizadas no trabalho de campo..182

    Quadro 10. Mapa de entrevistas realizadas na escola A 1. fase.186

    Quadro 11. Mapa de entrevistas realizadas na escola L 1. fase.187

    Quadro 12. Mapa de entrevistas realizadas na escola A 2. fase.188

    Quadro 13. Mapa de entrevistas realizadas na escola L 2. fase.189

    Quadro 14. reas de interveno constantes nos planos anuais de atividades

    das escolas A e L ........................................................................................268

    Quadro 15. Como o processo de autoavaliao se apresenta no plano anual de

    atividades da escola L .270

    Quadro 16. Como o processo de autoavaliao se apresenta no plano anual de

    atividades da escola A..271

  • xi

    Quadro 17. Algumas caratersticas dos sistemas de autoavaliao das escolas

    A e L272

    NDICE DE FIGURAS

    Figura 1. Representao esquemtica do modo de funcionamento

    dptico da escola enquanto organizao, a partir de Lima (1999) 86

    Figura 2. Matriz de investigao168

    Figura 3. Esquema geral dos procedimentos utilizados na sistematizao,

    anlise e sntese dos dados na escola A..191

    Figura 4. Grelha de recolha de resultados para anlise estatstica utilizada

    Pela escola A...212

    Figura 5. ndice do relatrio pormenorizado produzido pelo grupo de

    autoavaliao da escola L 250

    NDICE DE ANEXOS (Em CD)

    ANEXO 1. Factos relevantes na histria da avaliao educativa

    ANEXO 2. Seis grandes pocas de evoluo da avaliao

    ANEXO 3. As quatro geraes de avaliao

    ANEXO 4. Mapa sntese de algumas das principais abordagens avaliativas

    ANEXO 5. 22 Abordagens avaliativas para o sculo XXI

    ANEXO 6. Critrios de avaliao presentes nos principais modelos orientados para a

    qualidade

    ANEXO 7. Indicadores de Qualidade da Unio Europeia (2001)

    ANEXO 8. Indicadores de Qualidade do Projecto ESSE/SICI

    ANEXO 9. Experincias de avaliao de escolas em Portugal

  • xii

    ANEXO 10. Declarao SYNEVA (Promover a qualidade atravs da sinergia entre as

    avaliaes interna e externa)

    ANEXO 11. Quadro de referncia para a avaliao externa das escolas e agrupamentos de

    acordo com a Inspeco-Geral de Educao (2006-2011)

    ANEXO 12. Domnios, campos de anlise e referentes da avaliao externa da IGE

    para 2011/2012

    ANEXO 13. Proposta de investigao aos diretores das escolas

    ANEXO 14. Questes de investigao

    ANEXO 15. Folheto de divulgao da oferta informativa da escola A

    ANEXO 16. Exemplo de um dos questionrios de avaliao aos servios utilizados pela

    escola A

    ANEXO 17. Guio das entrevistas da 1. fase

    ANEXO 18. Guio das entrevistas da 2. fase

    ANEXO 19. Transcrio das entrevistas da 1. fase da escola A e Escola L

    ANEXO 20. Exemplo da anlise de contedo efectuada 1. fase

    ANEXO 21. Transcrio de uma entrevista da 2. fase da escola A e de uma entrevista da

    escola L

    SIGLAS UTILIZADAS

    AEEP Associao dos Estabelecimentos do Ensino Particular e Cooperativo

    CAF Common Assessment Framework/Estrutura Comum de Avaliao das Administraes Pblicas da Unio Europeia

    CERI Centre for Educational Research

    CNE Conselho Nacional de Educao

    EFQM European Foundation for Quality Management/Fundao Europeia para a Gesto da Qualidade

    ESSE Efective School Self-Evaluation

    ESIS Education on Schools Improvement Service (Pas de Gales)

    EURYDICE Key Data on Education in Europe

  • xiii

    IEA International Educational Assessment

    IGE Inspeco-Geral de Educao

    IGEC inspeco-Geral da Educao e Cincia

    INES Indicators of Educational Systems

    ISO International Standardization Organization/Comit Internacional de Normalizao

    KTRs Knowledge Regulation Tools

    LLECE Laboratrio Latino-Americano de Avaliao da Qualidade da Educao

    OCDE Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico

    OFSTED Office for Standards in Education. (Departamento governamental no ministerial criado atravs da Lei para a Educao Education Schools Act de 1992 para assumir a responsabilidade de inspeccionar todas as escolas em Inglaterra.

    OTES Observatrio dos trajetos dos alunos do ensino secundrio

    PIRLS Progress in International Reading Literacy Study (conduzido pela IEA)

    PISA Programme for International Student Assessment; Coordenado e lanado pela OCDE em 1977

    QUAL Formao em Servios e Gesto da Qualidade, Lda

    SICI Standing International Conference of Control and General Inspectorates of Education (Conferncia Internacional das Inspeces da Educao)

    TALIS Teaching and Learning International Survey

    TIMMS Third/Trends in International Mathematics and Science Study; levados a efeito pelo International Study Center de Boston (1995 designao de Third, passou a Trends em 1999)

    TQM Total Quality Management/Gesto da Qualidade Total

  • INTRODUO

    1

    INTRODUO

    Sem a curiosidade que me move, que me inquieta, que me insere

    na busca, no aprendo nem ensino. (Paulo Freire).

    Motivao

    H muito, que a educao me toca de perto: de incio como aluno, mais tarde

    como professor, diretor de escolas, estudioso e observador. Neste percurso pelo mundo

    da educao a avaliao das escolas, enquanto objeto de estudo e via de transformao

    da qualidade das aprendizagens, tem atrado, ultimamente, a minha ateno.

    Na retrica tudo harmonia, na prtica tudo complexo, sinuoso e no passvel

    de leituras lineares e redutoras. Julgo que o pior que pode acontecer a um investigador

    ou candidato a tal, agarrar-se a ortodoxias e rigores dogmticos. Acredito na

    possibilidade de elaborao de uma perspetiva de avaliao informada, rigorosa,

    estruturada, articulada, coerente e pragmtica em oposio ao ingnuo, ao superficial, s

    aparncias, ao preconceito, s generalizaes abusivas.

    Consciente de que a avaliao e a educao no so cincias exatas at porque a

    gesto das expetativas, uma varivel no parametrizvel e com grande influncia

    nestas reas do conhecimento, a minha aposta vai no sentido da humanizao e no da

    abertura dvida. Integrar e compreender tenses e paradoxos com a considerao do

    conhecimento tcito, experiencial, explcito e formal, o caminho que procuro seguir.

    A conciliao e considerao da vertente terica e prtica da avaliao so um

    pressuposto assumido. A teoria no intil: uma boa teoria cria uma estrutura que

    permite organizar e compreender questes no estruturadas e complexas, at porque, a

    prtica do que funciona supera em geral a teoria do que deveria funcionar o que

    comporta perigos tais como as experincias erradas, os modelos errados, os contextos

    errados. O caminho aleatrio da aprendizagem pela experincia pode conduzir ao

    paraso ou ao inferno.

    Neste trabalho em redor das questes da avaliao e da qualidade das escolas, as

    implicaes sociais, polticas, ticas, e educacionais que emergem da problemtica em

    anlise esto sempre presentes. Uma anlise social e poltica parece tornar-se uma

  • INTRODUO

    2

    condio necessria para a compreenso da natureza da avaliao e da qualidade das

    escolas. Uma das questes mais importantes em avaliao no ser poltica? que a

    maioria das controvrsias e das negociaes no campo da educao consiste, em debates

    polticos sobre ideias, valores, poderes, recursos, compromissos e expetativas, jogos de

    interesses e de poderes.

    Neste sentido fazer avaliao ser tambm fazer poltica e ser tambm mexer

    com a sociedade. E no ser a avaliao tambm uma arte? No me parece verosmil a

    considerao da avaliao como uma mera tcnica cientfica mensurvel e objetiva ou

    como refere Machado (2013, p.22) que a avaliao possa ser concebida comouma

    mquina asstica que os professores, as escolas e os sistemas educativos se limitam a

    pr a funcionar.

    A avaliao depende das pessoas, assenta em factos, recolha de evidncias, mas

    tambm tem subjacente, necessidades urgentes, a utilidade, as expetativas, a intuio, a

    tica, a razo e a emoo. De sublinhar que a intuio tem ganho cada vez maior

    respeitabilidade cientfica devido a descobertas recentes sobre a aprendizagem implcita,

    ou seja, sobre as lies que se vo aprendendo com a vida, sem disso se estar

    consciente.

    Como recorda Machado (2013, p.25) A avaliao continua a ser um campo de

    foras onde se combinam determinismo e liberdade, onde se cruzam as ambies do

    controlo com desejos de individualizao, onde se confrontam em suma, os dispositivos

    de poder e os sujeitos.

    As pessoas so diferentes, as situaes so diferentes, as escolas so diferentes, as

    aes so diferentes e o mundo est sempre a mudar pelo que, no existem frmulas

    mgicas em educao, mas antes vontades inovadoras persistentes. Nesta linha de

    pensamento, a qualidade exige uma significativa responsabilizao e implicao de

    todos pela prossecuo de ideias e objetivos.

    Dando relevo centralidade da escola e sua qualidade entendidas como servio

    pblico em que a misso fundamental passa pela promoo da aprendizagem para todos

    os alunos, pelo ensinar a pensar e a abrir horizontes de sentido, pelo saber-se relacionar-

    se consigo e com os outros e pela contribuio para um aumento da lucidez e do bem-

    estar das pessoas dos alunos, urge perguntar:

    Ser verdade que enquanto no se tiver uma escola pblica de qualidade, a ideia

    de que existe uma sociedade onde vigora a igualdade de oportunidades um mito?

  • INTRODUO

    3

    No tero os alunos, direito a terem professores que estimulem e ajudem os que

    mais precisam a romper com o crculo de destituio em que se encontram encerrados

    por fora de um estatuto socioeconmico desfavorvel ou por fora da vivncia num

    ambiente familiar de privaes e desestruturado?

    E no ser que no interior das escolas e nas salas de aula que se trava muito do

    essencial da batalha decisiva pela qualidade da educao?

    E no ser por isto que bom que existam escolas de qualidade?

    E no ser que a avaliao das escolas fundamental para a qualidade das

    mesmas? Dito de outro modo, ser possvel construir uma escola de qualidade sem

    avaliao?

    Sim, ns podemos com inteligncia coletiva construir uma escola de qualidade -

    qualidade como construo social negociada.

    Ser uma atitude demasiado ingnua, acreditar no papel da avaliao como

    projeto aberto ao futuro, questionador do significado das ideias e das aes, tendo como

    referencial os valores fundadores da educao e, como perspetiva, a construo da

    escola do futuro democrtica, aberta e plural?

    Na esteira de Pessoa, o sonho o que temos de realmente nosso, de

    impenetravelmente e inexpugnavelmente nosso, por isso, sonho poder contribuir para

    uma escola pblica portuguesa melhor esta a motivao maior e principal deste

    trabalho.

    O problema

    A escola um edifcio com quatro paredes e o amanh dentro dele

    (George Bernard Shaw).

    Num tempo de aceleradas transies culturais, de modernizao tecnolgica, de

    fragmentao social e cultural, de globalizao da economia e da sociedade, de

    envelhecimento da populao, de alteraes significativas na estrutura familiar

    (crescimento do n. de divrcios e aumento das famlias monoparentais), de uma

    elevada taxa de feminizao do emprego, as crianas e os jovens tm vindo a aumentar

    o seu tempo de permanncia no espao escola.

  • INTRODUO

    4

    Desta forma a centralidade da escola quer do ponto de vista social, cultural e

    econmico tem ganho relevo acentuando concomitantemente o papel da escola como

    unidade estratgica de toda a poltica educativa.

    Esta centralidade da escola como unidade estratgica dos sistemas educativos

    referida por vrios autores. Assim, Prez Juste (1999), Tiana Ferrer (1999) e Lukas, et

    al. (2000, citados em Lukas e Santiago 2004), referem as seguintes razes para centrar a

    ateno na escola: a) a necessidade de informao da sociedade com respeito ao sistema

    educativo em geral e a cada escola em particular; b) a ideia de que a escola contribuir

    para a melhoria qualitativa da educao; c) o aumento da autonomia das escolas que

    acarreta, como contrapartida, a prestao de contas.

    Desta mesma opinio sobre o papel nuclear da escola parece comungar Lurdes

    Rodrigues (2010) ao afirmar o seguinte:

    as escolas so hoje o centro do sistema educativo, porque nesse espao que se

    concretiza a prestao do servio pblico de educao [] que se resolve a tenso

    entre as exigncias do currculo nacional, que garante a todos os alunos acesso

    universal ao conhecimento, e os projectos educativos adequados s

    especificidades e necessidades dos contextos em que elas se inserem (p. 294).

    Desta forma, tudo indica que o lugar concreto de trabalho e de investimento

    central a escola, com a sua identidade especfica, a subjetividade dos seus professores

    e alunos, as prticas pedaggicas dos profissionais, as suas crenas e representaes, as

    suas atitudes face aos alunos e s aprendizagens.

    Assim, urge perguntar, ser que as escolas e os professores podem fazer a

    diferena repercutindo na qualidade das aprendizagens a melhoria da organizao da

    escola e as mudanas no trabalho nas salas de aula?

    Ser que a escola construda sob o paradigma da consolidao dos Estados-Nao

    e sob os desgnios do Estado-Providncia, e que de acordo com Azevedo (2009, p.5)

    no se desenvolveu reordenando-se profundamente, apenas cresceu estar apta a

    responder aos desafios da contemporaneidade?

  • INTRODUO

    5

    Num tempo atual marcado indelevelmente por duas lgicas argumentativas, a da

    modernizao e a da democratizao, ser possvel compagin-las numa escola de

    qualidade?

    Ser possvel promover na esteira de Nvoa (2009) uma escola que assegura a

    presena de todos e a construo de uma identidade partilhada, valorizando a dimenso

    pblica da educao, acolhendo uma diversidade de iniciativas organizacionais,

    curriculares e pedaggicas, dotada de capacidade para promover as aprendizagens,

    respondendo aos desafios da sociedade do conhecimento?

    Sendo as escolas, o lugar central de execuo das polticas educativas urge

    perceber como estaro elas a exercer este seu papel relevante. que ao que tudo indica

    a mudana consistente e planeada da realidade exige um projecto; no havendo

    projecto, a rotina o melhor seguro contra o futuro incerto. surpreendente que

    nestes ltimos trinta anos se tenham mantido tantas rotinas ancestrais e se tenham

    criado rapidamente outras apenas cosmeticamente distintas das que as

    precederam, no parlamento e nos jornais, nas universidades e nas fbricas, no

    funcionalismo pblico e no Governo, na famlia e na rua. Contra o projecto, o

    mtodo, o rigor, a persistncia e a responsabilizao, a rotina o governo do

    conhecido pelo conhecido, a facilidade prpria do deixar correr. A rotina incerta

    uma forma de prestao de contas que mal se distingue da irresponsabilidade e da

    impunidade (Sousa Santos, 2011, p.54).

    Como lutar ento nas escolas contra esta rotina incerta procurando trilhar novos

    caminhos?

    em minha opinio, o que importa caminhar no sentido de uma autonomia das

    escolas, o que significa conter e reduzir o papel da administrao central e

    outorgar responsabilidades s escolas, como forma de resoluo dos problemas

    que ali se sentem e vivem, seja na rea do currculo, dos sistemas de avaliao,

    das questes disciplinares ou do relacionamento com os outros parceiros do

    processo educativo (Maral Grilo, 2010, p.225).

    No mesmo sentido parece ir a posio adotada por Lurdes Rodrigues (2010, p.41)

    quando afirma [] igualmente importante prosseguir o caminho de reforo da

    autonomia das escolas em matria de organizao pedaggica e de gesto de recursos,

    para que estas possam mais eficazmente responder diversidade de uma escola para

    todos.

  • INTRODUO

    6

    Mas nem sempre esta constatao da centralidade da escola e do seu papel

    decisivo para as aprendizagens dos alunos foi reconhecido. Talvez seja ento

    recomendvel olhar para o passado para melhor discernir sobre o presente e preparar o

    futuro.

    Ao sair-se da atualidade nacional e ao viajar-se at dcada de 60 do sculo XX,

    encontram-se vrios trabalhos empricos que atriburam ao nvel socioeconmico das

    famlias dos alunos o fator explicativo para o seu desempenho escolar. Dentre os

    trabalhos da poca, o mais destacado o Relatrio Coleman et al. (1966), que pesquisou

    milhares de estudantes norte-americanos. A pesquisa levada a efeito por Coleman e

    colaboradores, respondeu a uma iniciativa do Governo e do Congresso norte-

    americanos, explicitada no documento Civil Right Act, de 1964, para que se investigasse

    a ausncia de igualdade de oportunidades educacionais para os indivduos em funo do

    sexo, da etnia, da religio ou da regio de origem das escolas pblicas de todos os nveis

    de ensino no pas. Os autores procuraram perceber se as desigualdades no desempenho

    escolar seriam melhor explicadas pelo sistema escolar ou pelo sistema familiar. A

    concluso a que chegaram apontava no sentido de que as escolas no faziam a diferena

    na vida dos alunos.

    Assim, a partir dos clebres trabalhos de Coleman et al. (1966) e mais tarde de

    Jencks et al. (1972), desenvolveu-se a ideia de que as escolas no contribuam

    grandemente para a melhoria dos resultados dos alunos, os quais eram ditados quase na

    sua totalidade, pelo respetivo meio socioeconmico e cultural.

    No mesmo sentido alinharam alguns estudos da Sociologia da Educao em

    Frana, tendo sido marcantes os trabalhos de Pierre Bourdieu e colaboradores (Bourdieu

    e Passeron, 1975). Para estes defensores da tese da reproduo social a escola tinha um

    mero papel de reproduo das desigualdades sociais.

    No entanto, e como reao aos trabalhos e concluses de Coleman, surgiram

    novos estudos voltados para a problemtica educacional que sem colocarem de lado a

    forte relao entre a origem social e o desempenho escolar dos alunos, conseguiram

    contrariar o determinismo social ao identificaram escolas que, atravs das suas prticas

    pedaggicas, conseguiam que alunos de classes sociais e culturais desfavorecidas

    obtivessem desempenhos escolares elevados (Bressoux, 2003).

  • INTRODUO

    7

    Outros estudos (Teddlie e Reynolds, 2000) demonstraram que as escolas faziam

    de facto a diferena e que, de entre as caratersticas das escolas apelidadas de eficazes,

    se encontravam nomeadamente uma cultura e clima de escola produtivos; uma nfase

    nas aprendizagens fundamentais; processos adequados de monitorizao; atividades de

    desenvolvimento profissional orientadas no sentido da prtica letiva; o envolvimento

    das famlias nos processos de aprendizagem; elevada expetativa de sucesso.

    Corroborando estes resultados, Sammons, Hillman e Mortimore (1995) constroem

    inclusive uma sntese das onze caratersticas chave das escolas eficazes: liderana

    profissional - firmeza e coerncia na tomada de decises; viso e objetivos partilhados

    consenso na definio de objetivos e trabalho partilhado pelos docentes; ambiente de

    aprendizagem um clima propcio aprendizagem; foco no ensino e na aprendizagem

    nfase no desempenho acadmico, j que o objetivo principal da escola deve ser a

    aprendizagem; ensino com propsitos definidos ensino de qualidade, com contedos

    que faam sentido para os alunos; expetativas elevadas os alunos gostam de ser

    desafiados, mas as metas precisam ser alcanveis; reforo positivo - monitorizao do

    progresso; direitos e responsabilidades dos alunos receber responsabilidades aumenta

    a auto-estima dos alunos; relacionamento escola-famlia estabelecer uma relao de

    cooperao; organizao orientada para a aprendizagem os professores, atualizam-se

    continuamente para melhorar a qualidade da sua prtica.

    A informao adquirida sobre a eficcia das escolas permitiu assim, uma pista

    adicional de reflexo para ajudar ao desenvolvimento da escola como organizao

    estimulando e promovendo, de forma informada a reflexo dos professores e a

    autoavaliao das escolas.

    Pode assim afirmar-se que, as evidncias de vrios estudos e pesquisas sugerem

    que a escola pode ser um meio efetivo de contrariar o determinismo social (Mortimore e

    Whitty, 1997), sendo que, do ponto de vista mais pragmtico, as evidncias empricas

    provenientes dos estudos das escolas eficazes podem potenciar, de acordo com

    Sammons (1998), a melhoria da escola.

    Em sntese, pode-se dizer que a partir da dcada de noventa do sculo XX, o

    movimento a favor da eficcia das escolas (school effectiveness), centrado nos

    resultados dos alunos e no uso de metodologias quantitativas e correlacionais (e.g.,

    Brookover et al., Edwards, 1979; Mortimore et al., 1988; Rutter et al., 1979; Smith e

  • INTRODUO

    8

    Tomlinson, 1989) e o movimento a favor da melhoria das escolas (school

    improvement), centrado nos processos organizacionais da escola, e na utilizao da

    metodologia qualitativa (e.g., Hargreaves et al., 1998; Reynolds e Stoll, 1996) tenderam

    a integrar-se no chamado movimento da melhoria eficaz das escolas (effective school

    improvement). (Fullan, 1982)

    Algo contudo parece inquestionvel, quer o movimento das escolas eficazes, quer

    o movimento da melhoria das escolas, quer o movimento da melhoria eficaz das

    escolas, contriburam de forma decisiva para a elegibilidade da escola como a unidade

    base da mudana.

    O movimento das escolas eficazes combateu o pessimismo sociolgico e o

    determinismo estrutural e cultural que afirmava ser a escola incapaz de contrariar as

    diferenas sociais existentes. Desta forma o debate foi relanado. O bom professor

    afinal pode fazer a diferena na vida dos alunos, e uma escola preocupada com a

    qualidade pode contribuir para o sucesso de todos os alunos ou de uma grande maioria

    dos alunos e no s de alguns.

    Em Portugal, e nesta esteira, Justino (2005), acredita no efeito escola quando

    pensa que preciso acabar com a obsesso pelo determinismo sociolgico evidenciado

    por alguns autores, pois o facto de se verificar uma relao estatstica entre resultados

    educativos e classes sociais, no pode servir para dizer que tudo est na dependncia

    desse binmio. que, a ser assim, o papel da escola tornar-se-ia perfeitamente

    irrelevante. Alm do mais, estudos realizados com base nas classificaes em exames

    do 12. ano, escola a escola, permitem deduzir que as boas escolas existem

    independentemente do estrato social dominante dos seus alunos, da sua localizao

    geogrfica e do seu estatuto pblico ou privado.

    Nesta procura da boa escola parece emergir a necessidade de desconstruir os

    constrangimentos sociais, culturais e institucionais que interferem no processo de

    ensino-aprendizagem e no desempenho escolar dos alunos. Sobre este problema Lurdes

    Rodrigues (2010, p.175) refere que Muito antes de qualquer seleco, constitui

    objectivo da escola pblica ensinar o mais possvel ao maior nmero possvel de

    alunos.

    Assim, verificado e declarado a existncia de um efeito escola, por intermdio

    da pesquisa sobre as escolas eficazes que veio afirmar que, em funo da natureza de

    cada escola, os resultados sobre os alunos podem ser diferentes, a escola passou a

  • INTRODUO

    9

    ocupar, com mais acuidade, o centro da investigao educacional, sendo encarada como

    um lugar decisivo para o sucesso ou insucesso dos alunos.

    De sublinhar pela sua importncia O relatrio A Nation at Risk, (1983), e a

    investigao de John Goodlad (1984), que embora de natureza e com concluses algo

    diferentes, acordam ambos na centralidade do trabalho desenvolvido na escola e pelos

    professores para a melhoria da qualidade das aprendizagens.

    neste sentido, e chamando a ateno para o papel decisivo dos professores na

    sua prtica quotidiana que nos alerta Lurdes Rodrigues (2010, p.36) ao afirmar Os

    professores enfrentam ainda o desafio de reflectir sobre os mtodos de ensino e as suas

    prticas pedaggicas. No dia-a-dia da vida das escolas cabe aos professores escolher e

    decidir sobre a melhor forma de ensinar em funo das caractersticas dos seus alunos.

    Esse o cerne da autonomia profissional no ensino.

    Assim, da discusso das questes em redor do papel das escolas e dos professores

    parece inferir-se que em pleno sculo XXI mais do que uma convico, um facto

    emergente presente em vrios estudos e investigaes empricas que, as escolas e os

    professores podem fazer a diferena na vida dos alunos.

    Desta forma, no deixando de ser difcil ultrapassar fatores como o capital cultural

    das famlias e o seu nvel socioeconmico, e no se conhecendo um modelo de escola

    ideal, as escolas pblicas portuguesas tm razes para acreditar que atravs do trabalho

    e profissionalismo dos seus professores, atravs da organizao da escola sustentada em

    dados concretos e atravs das atividades desenvolvidas essencialmente na sala de aula,

    podem fazer a diferena na vida dos alunos.

    Por outro lado outra questo intimamente conetada com esta surge com acuidade:

    Poder a avaliao das escolas e em concreto a autoavaliao, influenciar positivamente

    a qualidade da organizao da escola e do ensino e a melhoria das aprendizagens dos

    alunos?

    Neste momento porque no adotar na esteira de Sousa Santos (2011, p.154) uma

    manifestao de otimismo trgico, que segundo este autor consiste em estarmos muito

    conscientes das dificuldades com que nos confrontamos, mas recusarmo-nos a admitir

    que no h alternativas. A conscincia das dificuldades impede o facilitismo, enquanto a

    conscincia das alternativas impede a autoflagelao.

    Sendo assim, e parecendo incontornvel que a qualidade das aprendizagens hoje

    uma exigncia social e que, para tal acontecer, se torna necessrio conciliar os

  • INTRODUO

    10

    princpios da equidade, da justia e do bem-estar, ento, de acordo com Alarco e

    Tavares (2003, p.131) Requer-se que a escola se pense a si prpria, tenha um projecto

    especfico e contextualizado no seu ambiente histrico, geogrfico e scio-cultural e se

    responsabilize pelo seu cumprimento e pela avaliao da qualidade da sua concepo e

    realizao.

    Sendo assim, qual o papel da avaliao e em particular da autoavalio das

    escolas como projeto aberto ao futuro, questionador do significado das ideias e das

    aes, ao servio de uma nova inteligncia poltica tendo como perspetiva, a construo

    da escola do futuro?

    Como refere MacBeath (1999), as escolas deveriam estar em condies de falar

    por si prprias na senda de construo de uma cultura de discusso e reflexividade

    alimentadas por um clima de confiana profissional.

    A investigao realizada nos ltimos anos (e.g., MacBeath 2000; Murillo, 2003;

    Costa e Ventura, 2002) parece apontar no sentido de que a avaliao das escolas,

    nomeadamente a sua vertente autoavaliativa, pode contribuir de forma substancial para

    a tomada de passos firmes no sentido de as ajudar a organizarem-se para melhorar a

    qualidade do seu desempenho e para reduzir o insucesso sem pr em causa a qualidade

    das aprendizagens, atravs de uma mudana no discurso, nas prticas e nas atitudes.

    Estar-se- em presena de uma mudana cultural?

    Para a Eurydice (2004), o destaque conferido avaliao das escolas relaciona-se

    com duas tendncias que marcam a generalidade dos pases europeus: a

    descentralizao de meios e a definio de objetivos nacionais e de metas em termos de

    resultados escolares.

    A presente investigao tem como contexto esta nova centralidade discursiva e

    poltica situada ao nvel da realidade educacional portuguesa. A nvel de prticas

    discursivas sobre a avaliao das escolas podem identificar-se quatro reas: o discurso

    oficial normativo que encontra acolhimento no quadro legislativo existente; o confronto

    pblico de (i)racionalidades patenteado ao nvel da imprensa; a teia de relaes nem

    sempre clara entre os atores escolares e a administrao educativa; o quotidiano e o

    concreto ao nvel da gesto e da vida das escolas.

    Deste modo, se a sua concretizao prtica ainda incipiente, parece no existir

    dvidas de que a avaliao uma realidade nos discursos, caraterizada por uma vasta

    polissemia. A semntica do discurso variada, quer associada inovao e mudana,

  • INTRODUO

    11

    participao, responsabilidade partilhada, flexibilidade, eficincia, eficcia,

    qualidade e melhoria contnua. A avaliao parece, assim, ter entrado definitivamente

    para o lxico do sistema educativo portugus.

    No contexto da poltica educativa, a avaliao das escolas parece indissocivel das

    questes da descentralizao do sistema educativo, da autonomia das escolas e da

    reestruturao da administrao escolar. Por sua vez, esta problemtica no pode ser

    analisada sem ter em conta o contexto do atual quadro de globalizao, em que as linhas

    mestras das polticas educativas so definidas a um nvel que ultrapassa o dos Estados e

    em que atravs de ajustamentos e reinterpretaes na aplicao de medidas polticas

    resultam, ao nvel local, diferentes realidades de pas para pas, de regio para regio e

    de escola para escola.

    Por outro lado ao equacionar-se uma perspetiva de avaliao como contributo para

    a melhoria da educao e das escolas ela no pode deixar de ser considerada uma

    questo poltica e social at porque como afirma Sobrinho (2004), toda a avaliao est

    relacionada com ideias, qualidades, escolhas, valores, interesses, grupos, instncias e

    poder.

    J Weiss (1973, 1991) citado por Kestman e Conner (2006) aponta trs razes

    pelas quais a avaliao e a poltica esto ligadas: A poltica e os programas com que a

    avaliao se confronta so o produto de decises polticas; a avaliao levada a efeito

    em ordem tomada de decises e os seus relatos entram na arena poltica; a avaliao

    estabelece implicitamente afirmaes polticas ao colocar em causa a formulao de

    certos objetivos ou estratgias.

    Alm do mais e como refere Machado (1999, p.7) referindo-se avaliao, esta

    [] envolve objectivos ambguos, lgicas diferenciadas e envolvimentos diversos que

    constituem um desafio para os agentes educativos, porquanto tanto pode ser uma

    estratgia de desenvolvimento organizacional como tornar-se num ritual simblico de

    legitimao quer da escola enquanto instituio quer de prticas arreigadas e poderes

    instalados.

    Mas se a avaliao e a poltica esto incontornavelmente ligados ento no poder

    o poder dos atores ser potenciado em cada escola concreta atravs de um sistema de

    avaliao participado, contextualizado, dinmico, multidimensional e amplamente

    divulgado que permita a manuteno de um dispositivo simples e exequvel, eticamente

  • INTRODUO

    12

    apropriado e sistemtico que propicie a melhoria gradual e contnua do servio

    educativo?

    Neste mesmo sentido parece apontar Bettencourt (2005, p.18) quando refere que

    A auto-avaliao entendida como um processo social contextualizado, que permite a

    informao e a participao dos diferentes actores, assim como a negociao dos

    objectos de avaliao, dos referenciais, dos indicadores e/ou dos mtodos de recolha de

    dados.

    J para MacBeath et al. (2005), a autoavaliao pertinente porque se as prprias

    escolas no sabem se so boas e se esto a fazer progressos ou a piorar, a culpabilizao

    ir cair indiscriminadamente maus alunos, pais inadequados, fracos recursos, baixo

    oramento. Pelo contrrio, se as escolas souberem os seus pontos fortes e os seus pontos

    fracos e possurem sistemas de autoavaliao, at as piores escolas podem melhorar.

    So vrios os autores (e.g., Bettencourt, 2005; Lukas e Santiago, 2004; MacBeath,

    2005; Meuret e Morlaix, 2003) que apontam a importncia da autoavaliao das escolas

    para a sua melhoria e para a qualidade das aprendizagens que propiciam aos alunos.

    Em resumo, depois de aclarado que a escola e os professores podem fazer a

    diferena na vida dos alunos torna-se necessrio esclarecer se a autoavaliao das

    escolas a despeito da sua complexidade e dos seus incontornveis desafios, se pode

    constituir como elemento estratgico de gesto pedaggica contribuindo igualmente

    para a melhoria do servio pblico de educao.

    As questes de investigao

    The question is not Is it possible to educate all childrem well? But rather, - Do we want to do it badly enough? (Deborah Meir).

    Os objetivos deste trabalho passam por ajudar a clarificar e compreender os

    desafios, problemas e oportunidades que so inerentes aos sistemas de autoavaliao das

    escolas.

    Trata-se de ajudar a perceber as questes tericas que fundamentam os sistemas

    de avaliao das escolas, as concees de aprendizagem e ensino que os sustentam, os

    valores e a tica que os orientam, as polticas que os motivam, perspetivando

    simultaneamente formas de conceber e organizar prticas de autoavaliao das escolas

  • INTRODUO

    13

    que ajudem ao desenvolvimento organizacional, contribuindo para o processo de

    transformao de melhoria da vida pedaggica das escolas e das salas de aula.

    A questo basilar que orientou a presente investigao a seguinte: Como que

    as escolas constroem e utilizam o seu sistema de autoavaliao organizacional?

    Como sub questes principais surgem as seguintes:

    1. Como se organizam as escolas para a autoavaliao?

    2. Como que as escolas envolvem os diferentes stakeholders no processo de

    autoavaliao?

    3. Como se podero caraterizar os principais factores de sucesso e bloqueio

    associados construo e implementao dos sistemas de autoavaliao?

    4. Como e de que forma se fez sentir o efeito da autoavaliao nas prticas dos

    rgos institudos?

    5. Como e de que forma se fez sentir o efeito da autoavaliao na ao educativa

    (e.g., estratgias de ensino-aprendizagem; superviso da prtica lectiva;

    avaliao das aprendizagens; desenvolvimento profissional; formas de atenuar

    os efeitos desiguais das condies de partida dos alunos, quer no interior da

    escola quer no interior da sala de aula)?

    Com a formulao destas questes de investigao e a procura das possveis

    respostas, tenta-se contribuir para a abertura a horizontes de sentido. que certas

    formas de sentir e de pensar podem por si mesmas favorecer as transformaes na

    escola como lugar privilegiado onde se efetua o processo educativo.

    Neste sentido importa clarificar a forma como as escolas constroem e se

    apropriam dos seus sistemas de autoavaliao como uma axiologia sobre o que

    melhor para a prestao do bem pblico que a educao at porque como refere

    Sousa Santos (2011, p.8) No obstante o perodo apinhado de urgncias que vivemos,

    merece a pena reflectir dentro do momento como se ele tivesse janelas e ousar fazer

    propostas para alm das imposies e contra elas. muito o que est em causa.

  • INTRODUO

    14

    Pertinncia e necessidade

    Ns no vemos as coisas como elas so. Ns vemos as coisas como ns somos.

    (Annais Nin)

    Como afirma Silva (2006, p.44) numa reflexo sobre a cincia O que a cincia

    faz melhor problematizar. O discurso cientfico um discurso de questionamento, de

    interrogao, de interpelao. Pea-se-lhe mais perguntas do que respostas, que as

    respostas so habitualmente novas perguntas.

    Este mesmo autor (2006) acredita ainda que o valor maior que o cientista pode

    trazer para o espao pblico a prtica da interpelao, o questionar, o interrogar, o

    problematizar, o transformar em poliedros de mltiplas faces o que a experincia social

    tende a encarar como figuras planas. Inversamente, o pior que pode fazer pensar por

    slogans e comunicar por frases feitas, simplistas e redutoras.

    Sendo assim, num sentido problematizador e de questionamento crtico da

    realidade educativa, contrria ao dogma e crena, capaz de desmontar muitas das

    falcias argumentativas, julgo ser pertinente conhecer e compreender melhor como as

    escolas se organizam para construo dos seus sistemas de autoavaliao e de que forma

    utilizam os resultados decorrentes dessa autoavaliao para a melhoria da sua ao

    educativa e da sua capacitao organizacional.

    Julgo ser pertinente perceber como referem vrios autores (e.g., Bettencourt,

    2005; Costa e Ventura, 2002; Lukas e Santiago, 2004; MacBeath, 2005; Meuret e

    Morlaix, 2003; Murillo, 2003) das potencialidades da vertente autoavaliativa das

    escolas para melhorarem a sua organizao pedaggica e a qualidade das aprendizagens.

    Em qualquer caso e como nos recorda Silva (2006) nos pases de desenvolvimento

    intermdio ou tardio de que Portugal parece ser um exemplo paradigmtico, a

    visibilidade e a fora social das comunidades e das suas instituies e prticas

    tradicionais so ainda intensas, o que constitui uma boa oportunidade de construo de

    solues que, em vez de desperdiadas, podem ser usadas proativamente, como

    possibilidades de futuro.

    nesta oportunidade de futuro em torno da avaliao das escolas que se ergue

    este projeto de investigao, em que considero como pertinente os questionamentos, as

    interpelaes, as anlises e reflexes em torno de uma agenda educativa que, incidindo

  • INTRODUO

    15

    na vertente da autoavaliao das escolas estar atenta aos processos educativos,

    relao pedaggica na sala de aula, s culturas e saberes profissionais, aos padres de

    relao com as famlias e as comunidades, s vozes dos atores educativos.

    que, A cidadania, o saber ser, conhecer e fazer, a emancipao, o

    esclarecimento, qualquer que seja a expresso que as preferncias filosficas e polticas

    de cada um levem a usar, no so aquisies ipso facto da escolarizao alargada e

    alongada: so problemas sempre em aberto da construo social da exigncia

    educativa. (Silva, 2006, p.21).

    Os pressupostos da investigao

    Quem se interroga, quem procura compreender em profundidade o que faz e as

    suas consequncias, quem tenta introduzir mudanas que exigem esforo interpela

    automaticamente aqueles que nada querem fazer (Santos Guerra).

    O foco principal desta investigao a avaliao das escolas. neste contexto que

    se desenvolveu a ideia de esclarecer e compreender melhor a relao entre os processos

    de autoavaliao das escolas e os seus processos de melhoria. De que modo a avaliao

    das escolas se insinua na histria presente? No ser possvel instalar um desassossego

    que, como afirma Jos Gil (2009, p.20) faz devir as subjectividades, que abre o futuro

    e a dinmica do presente?.

    Como recorda Antnio Nvoa (2009) precisamos de vistas largas no nos

    deixando alimentar pelos fechamentos do imediatismo qui alimentados e guiados por

    modismos nem caindo na iluso de um futuro mais que perfeito.

    No pretendo descobrir a verdade sobre a avaliao das escolas, mas to s

    desenvolver sem dogmatismos e ortodoxias uma perspetiva integrada, coerente e

    pragmtica com a capacidade de acomodar situaes divergentes e complementares

    prprias de um pensamento capaz de melhor discernir uma atividade social complexa

    como a avaliao.

    A minha preocupao enquanto investigador movida por uma permanente

    preocupao pela coerncia entre os factos, explicaes e interpretaes, e enquanto

    professor e diretor de escolas, pela procura permanente de maior conhecimento que

  • INTRODUO

    16

    fundamente as prticas e as decises, e que contribua para a melhoria do bem-estar das

    pessoas e a melhoria da qualidade do servio pblico de educao.

    Na senda de Fernandes (2007), qualquer que seja a perspetiva terica ou filosfica

    adotada, dificilmente as avaliaes contemporneas podero contornar as questes

    sociais, polticas e ticas assim como as questes relativas sua utilizao,

    participao dos intervenientes e aos potenciais utilizadores. Trata-se pois da

    considerao da problemtica da avaliao numa dimenso no meramente tcnica ou

    instrumental, mas tambm em dimenses mais amplas de natureza tica, social, poltica

    e pedaggica.

    Como relembra o Conselho Nacional de Educao (2007) a educao escolar

    fulcral para a o desenvolvimento da sociedade e para a formao de cidados mais

    autnomos, livres e solidrios alm de que, tudo o que envolve as escolas pode ter um

    papel determinante para o sucesso da educao que nela se fomenta quotidianamente.

    Tendo presente a importncia do impacto da escola na sociedade e nos cidados, e

    da sua qualidade para o aumento do bem-estar, esta investigao teve em considerao a

    natureza especfica do trabalho escolar e do que a escola e assentou em pressupostos

    organizados em torno de dois eixos estruturantes:

    1. Teve em conta os contributos das diferentes teorias da organizao para a

    compreenso da escola entendida como organizao, como totalidade singular, e

    adotou uma perspetiva da escola como organizao aprendente (e.g., Guerra, 2002;

    Scheerens, 2004; Senge, 1990, 2000) em que a) tida em conta a sua histria, o seu

    contexto econmico, social e poltico, a sua identidade; b) reconhecido o papel

    central dos atores, o seu poder, e a relevncia da qualidade dos professores e das

    lideranas escolares; c) assumido o papel da escola como unidade estratgica de

    toda a poltica educativa; d) relevado o aluno como pessoa, como algo singular,

    com interesses, motivaes, sentimentos, que atribui significado aos saberes que lhe

    so destinados para aprender; e) tida em conta a sala de aula como lugar central

    da ao da escola sala de aula como sistema de atividade;

    2. Partiu do contributo das vrias abordagens avaliativas e das prticas em avaliao,

    para adotar um conceito de avaliao como disciplina da complexidade, como

    construo social e cultural e como atividade crtica de aprendizagem (Fernandes,

    2006; Mndez, 2003; Silva, 2002) assumindo uma perspetiva de avaliao das

  • INTRODUO

    17

    escolas, que sublinha o papel da vertente autoavaliativa a) como suporte ao

    melhoramento contnuo e sustentado da escola; b) como ajuda tomada de deciso

    fundamentada; c) como apoio mobilizao interna para a mudana e realizao

    com xito do Projecto Educativo; d) como suporte de ligao avaliao externa; e)

    como meio de promoo do desenvolvimento profissional dos professores; f) como

    suporte aprendizagem organizacional.

    Dentro desta perspetiva a) a avaliao das escolas pode contribuir para a ao e a

    tomada de decises, abarcando quer a dimenso organizacional, quer a dimenso da sala

    de aula, tendo carter estratgico para a melhoria da qualidade das aprendizagens dos

    alunos da escola/agrupamento; b) a avaliao das escolas tem carter sistemtico,

    contnuo e sustentado funcionando ao longo do desenvolvimento do projecto educativo

    integrada na vida quotidiana das escolas e no seu ciclo anual de gesto; c) a avaliao

    das escolas tem carter participativo associando o conjunto dos atores s prticas de

    avaliao, de forma a facilitar a devoluo dos resultados aos principais interessados e a

    permitir a confrontao entre grupos com interesses distintos; d) a avaliao das escolas

    tem carter formativo criando as condies para uma aprendizagem mtua entre os

    atores educativos, atravs do dilogo, da colegialidade e da tomada de conscincia

    individual e coletiva.

    Da organizao da tese

    A presente tese inicia-se com a introduo onde se faz a apresentao de um rol de

    questes e consideraes que se constituem como o ponto de partida para esta

    investigao que considera a escola como local central da poltica educativa, que

    sublinha que a escola e os professores podem fazer a diferena na vida dos alunos

    contrariando desta forma os determinismos sociais e os dogmatismos e que perspetiva o

    papel da avaliao das escolas, em particular na sua vertente autoavaliativa, como

    fulcral e estratgico para as organizaes educativas promoverem a melhoria dos seus

    processos e dos seus resultados e concomitantemente almejarem a qualidade.

    No captulo 1, o foco foi colocado no conceito e no sentido da avaliao e no seu

    entrecruzamernto com o conceito de qualidade relevando os aspetos com impacto nas

    organizaes educativas.

  • INTRODUO

    18

    No captulo 2, discutiu-se a escola como organizao complexa e social

    especfica, constatou-se a sua relevncia como organizao nuclear dos sistemas

    educativos contemporneos e perscrutou-se sobre a possibilidade de instituio de uma

    nova gramtica da escola para um tempo futuro.

    No captulo 3, a nfase foi colocada na anlise da problemtica da avaliao das

    escolas em particular na sua vertente autoavaliativa e, nas possibilidades que

    proporciona quando perspetivada numa lgica de melhoria contnua da escola.

    No captulo 4, apresentaram-se as opes metodolgicas, descrevendo

    fundamentadamente as escolhas que orientaram a metodologia usada nomeadamente as

    condies em que a investigao se desenrolou: os participantes e sua seleo, as

    condies de recolha de dados e o design da investigao.

    No captulo 5 e no captulo 6, primeiro apresentam-se e discutem-se os resultados

    obtidos nas duas escolas onde decorreu o estudo emprico, sua contextualizao e

    depois procede-se discusso (anlise e interpretao dos resultados).

    No captulo 7, efetua-se uma anlise comparativa e interpretativa dos resultados

    obtidos nas duas escolas

    Finalmente, e no mbito das concluses, reflexes e recomendaes, foram dadas

    as respostas s questes de investigao baseadas nas concluses decorrentes da

    interpretao dos resultados e da sua discusso luz do quadro concetual adotado e de

    seguida foram feitas algumas reflexes e recomendaes a ter em conta pelos principais

    atores educativos e por possveis investigadores em sede de novos trabalhos. Estas

    recomendaes foram suscitadas pelo discernimento que se foi obtendo com o

    desenrolar da investigao e que a sistematizado.

  • AVALIAO: UM DILOGO ENTRE A RAZO E A EMOO NUM CAMPO EM PERMANENTE EVOLUO

    19

    CAPTULO 1 - AVALIAO: UM DILOGO ENTRE A RAZO E A

    EMOO NUM CAMPO EM PERMANENTE EVOLUO

    Num tempo marcado pela ampliao dos sentimentos de insegurana, incerteza e

    instabilidade, num mundo global e simultaneamente local, num contexto voltil e

    complexo, o campo da educao tem sido marcado por tenses vrias, onde se faz sentir o

    conflito latente entre a democratizao da escola com a universalizao do direito

    educao e a necessidade de manter nveis de exigncia compaginveis com as

    necessidades das pessoas e da sociedade do sculo XXI.

    O campo educativo e as escolas em particular, neste perodo de transies e

    incertezas encontram-se desta forma confrontados com um trade off de difcil resoluo.

    Como conciliar equidade e qualidade, ou se se quiser, como construir uma escola para

    todos que seja ao mesmo tempo exigente sem ser discriminatria?

    Por conseguinte, estou em crer, que a avaliao em educao conhece hoje

    oportunidades e desafios inauditos, exigindo um reforo do debate, da reflexo e do

    discernimento. Qual dever ser o papel de uma avaliao educacional, neste processo

    fludo e ambivalente que faz balanar a avaliao e as polticas educativas num continuum

    entre uma lgica racionalizadora na procura da eficincia e eficcia numa perspetiva mais

    preocupada com a prestao de contas e o controlo e uma lgica formativa de

    transformao e melhoramento que pe em relevo o papel dos atores, das suas

    experincias e emoes, num processo dialgico de interpretao e de procura de sentidos

    e consensos?

    Sobre esta mesma questo da necessidade de discernimento e no simplificao das

    questes da avaliao em contextos formais de educao e formao se pronunciou

    Machado (2013) referindo que o reconhecimento da prevalncia desta tenso essencial

    entre o controlo e emancipao, tantas vezes ofuscada por uma certa enfatizao retrica e

    ingnua, uma hiptese fundamental para a superao dos atuais paradoxos da educao e

    da avaliao (p.25).

    Por outro lado parece incontornvel como afirma Ventura (2006, p.206) que A

    avaliao est na moda em muitos domnios, nomeadamente no mundo da educao. Este

    fenmeno tem-se verificado no domnio pedaggico a partir dos anos sessenta e podemos

    dizer que hoje ele um universal incontestvel no mbito da educao.

  • AVALIAO: UM DILOGO ENTRE A RAZO E A EMOO NUM CAMPO EM PERMANENTE EVOLUO

    20

    Neste sentido Donaldson e Christie (2006), aludem ao facto de que as sociedades

    atuais um pouco por todo o mundo, esto a abraar os valores da prestao de contas e do

    profissionalismo e as organizaes de todo o tipo e dimenso esto a levar a efeito

    avaliaes a uma taxa crescente de molde a promover o bem-estar das pessoas e a alcanar

    os objetivos estabelecidos, ou seja, est-se a assistir emergncia e globalizao da prtica

    avaliativa.

    Quer como instrumento de inteligibilidade do real quer como dispositivo de ao,

    a avaliao em geral e a avaliao em educao em particular, parecem ganhar contornos

    de inexorabilidade nos tempos que correm.

    No que concerne avaliao em educao, quer se trate da avaliao dos

    professores, da avaliao dos alunos, da avaliao de um dado programa ou da avaliao

    das escolas, dificilmente a questo avaliativa escapa ao confronto de vises ideolgicas, de

    modelos pedaggicos, de opes cientficas e de interesses profissionais.

    Mas poder a avaliao fazer parte de um conjunto de elementos das polticas

    pblicas fundadas em princpios e valores do bem-comum, democraticidade, participao,

    transparncia, responsabilizao, cidadania ativa? Ser que a avaliao pode ajudar a ler

    os sinais ajudando a colocar as questes essenciais para a melhoria?

    Na sua legitimao discursiva e simblica a avaliao parece ser uma condio

    perene da sociedade ps-moderna em que vivemos. Por um lado, ligada a uma necessidade

    de perceber os resultados obtidos fruto de presses sociais e recursos escassos, por outro

    lado, ligada necessidade de ajudar autonomia dos sujeitos atravs da sua reflexividade

    e profissionalismo. Isto mesno refere Machado (2013) ao afirmar que No contexto actual,

    que muitos autores designam de ps-moderno [] o confronto entre as narrativas

    fundadoras da avaliao continuam, do nosso ponto de vista a manter a sua pregnncia

    (p.23).

    A propsito da pertinncia dos sistemas de avaliao no campo educativo se

    pronunciou Fernandes (2008, p.4) afirmando Creio que o fundamental de qualquer sistema

    de avaliao reside na compreenso das questes tericas que o fundamentam. Das

    concepes e vises do mundo, de escolas, de aprendizagem e de ensino que o sustentam.

    Dos valores e da tica que o orientam. E tambm das polticas que o motivam.

    E qual ser o impacto da avaliao na vida das pessoas? E que tipo de avaliao?

    Que tipos de racionalidades, negociaes, compromissos, cumplicidades, questes

    simblicas, estaro subjacentes avaliao?

  • AVALIAO: UM DILOGO ENTRE A RAZO E A EMOO NUM CAMPO EM PERMANENTE EVOLUO

    21

    Se, por um lado, como nos diz Gil (2009, p.10) a nossa falta de confiana, a inrcia,

    a autocomplacncia, o queixume e a inveja so pragas nacionais que nos envenenam,

    todos decorrem naturalmente do tipo de subjectividade produzido pela doena da

    identidade; tambm importante recordar que, como nos refere Giddens (1999, p.15)

    para controlarmos o futuro, necessrio que nos libertemos dos hbitos e preconceitos do

    passado.

    Em sentido similar, Maria do Carmo Fonseca (2011) no seu discurso de aceitao do

    prmio Pessoa, afirma que Portugal para se desenvolver social e economicamente precisa

    que os portugueses mudem de atitude. Para esta cientista a primeira mudana fazer

    quebrar com as tradies e enfrentar a prpria mudana o que, significa pensar, conceber

    estratgias, traar um rumo para que todos sejam contaminados, nas suas diversas

    profisses, pela curiosidade e a ambio de ver o que nunca foi visto e fazer o que nunca

    foi feito.

    Tendo em conta que como refere Guilherme de Oliveira Martins (1998, p.76) este

    desgnio de mudana no sentido da melhoria tem que ter em ateno que A Educao

    constitui, [] uma tarefa complexa a que no pode ser indiferente a organizao social, a

    harmonizao da equidade e da eficincia, a compatibilidade entre autonomia e

    responsabilidade, a ligao entre igualdade de oportunidades e qualidade, olhar para a

    avaliao de forma crtica e sustentada do ponto de vista ontolgico, epistemolgico,

    metodolgico e pedaggico, parece fundamental no contexto atual dos sistemas

    educativos.

    Neste sentido h que construir a melhor soluo possvel face s circunstncias

    concretas de cada situao o que, implica perceber como refere Mndez (2002) que,

    quando relativamente avaliao se coloca o foco nas questes tcnicas - O que avaliar?

    Como avaliar? Quando avaliar? As preocupaes subjacentes so a objetividade. Por outro

    lado, quando relativamente avaliao a nfase posta nas questes ticas - Para qu

    avaliar? Ao servio de quem est a avaliao? Que utilizao se far da informao e dos

    resultados da avaliao? As preocupaes so com a justia e a equidade.

    Assim, a avaliao trata tanto de ser objetiva como justa. Como Mndez (2002,

    p.61) afirma os aspectos tcnicos adquirem sentido precisamente quando orientados por

    princpios ticos. Os aspetos tcnicos e ticos no se excluem mas tambm no se

    confundem.

  • AVALIAO: UM DILOGO ENTRE A RAZO E A EMOO NUM CAMPO EM PERMANENTE EVOLUO

    22

    Deste modo, parece ser num permanente dilogo entre a razo e a emoo, num

    interagir feito de cumplicidades e num jogo de equilbrios em permanente

    reconfigurao/evoluo entre a tcnica e a tica, entre a instrumentalidade racional e os

    desgnios da melhoria e da reflexividade, que faz sentido perspetivar a avaliao.

    Ser que um dos pontos importantes em avaliao reside no evitamento de formas de

    pensamento dicotmico buscando preferencialmente o equilbrio e a integrao?

    Um alerta parece tambm impor-se desde j Parece no existirem frmulas

    mgicas, regras definitivas, receitas infalveis, modelos de sucesso garantido em avaliao,

    afinal tudo no mundo nico, singular e est em permanente mudana. A avaliao no se

    trata da terra prometida. No existe o one best way no campo avaliativo.

    1.1.O conceito e o sentido da avaliao

    Assim, vislumbrar o sentido que pode ter hoje a avaliao, quando pensada numa

    perspetiva democrtica de ampliar o conhecimento e ajudar a compreender os processos

    complexos que atravessam os diferentes nveis da organizao escola (para o caso

    concreto desta investigao) parece ser relevante. Procurar o sentido de algo pretender

    determinar a sua orientao prpria, o seu valor intrnseco e a sua significao vital para as

    pessoas. Desta forma, a interrogao a propsito do sentido da avaliao no se limita a

    ser O que a avaliao? Mas significa essencialmente O que se quer da avaliao? Ou

    at O que se deve reclamar da avaliao?.

    Como refere Ventura (2006) de um ponto de vista histrico a avaliao foi

    perspetivada como uma atividade de abordagem racional da vida (p.208). Encarada

    desta forma, a avaliao apresenta-se como parte incontornvel do empreendimento

    humano. A este propsito Ventura (2006) alude ainda ao facto de que desde sempre os

    seres humanos se envolveram em inmeros atos avaliativos com o intuito de perceber o

    valor das coisas. Esta mesma ideia expressa por Valadares e Graa (1998, p.34) quando

    afirmam que A avaliao uma necessidade vital do ser humano porque lhe serve para

    orientar, de forma vlida, as decises individuais e colectivas.

    Perspetivada desta forma natural e no formal, a avaliao parece ser uma atividade

    simples. Mas s-lo- de facto? Efetivamente, quando encarada de uma forma formal e

    profissional a avaliao , como nos recorda Fernandes (2005, p.99), [] por natureza,

  • AVALIAO: UM DILOGO ENTRE A RAZO E A EMOO NUM CAMPO EM PERMANENTE EVOLUO

    23

    uma disciplina complexa, influenciada por contributos tericos da pedagogia, da didctica

    e da psicologia cognitiva e social, mas tambm da sociologia, da antropologia e da tica.

    Etimologicamente avaliar significa atribuir valor a algo, dar a valia e, por isso, no

    se configura como uma atitude neutra. A avaliao parece relacionar-se com valor no

    duplo sentido da palavra valor: valiosa e vlida. Trata-se da avaliao assumida como uma

    atividade complexa e um processo sistemtico de identificao e determinao do mrito e

    valor que envolve diversos momentos e diversas pessoas.

    Desta forma e para autores como Scriven (1967), Guba e Lincoln (1982) e House

    (1989) que partilham desta definio de avaliao, o valor aparece associado ao uso e

    aplicao num determinado contexto (qualidade extrnseca) e o mrito relaciona-se com as

    caratersticas intrnsecas do objeto sob avaliao, que so independentes da satisfao

    expressa por determinados pblicos.

    Como referem Formosinho, Ferreira e Machado (2000), um conceito pode ter

    diferentes sentidos, de acordo com a perspetiva, os interesses, os objetivos ou ainda de

    acordo com o contexto cultural, poltico e ideolgico em que utilizado. H ainda a

    registar que, o mesmo conceito na boca de diferentes pessoas pode ter significados

    diferentes consoante a carga simblica e ideolgica posta por cada pessoa, atendendo sua

    posio social, profissional e ao contexto especfico da ao.

    Nesta linha de complexidade do fenmeno avaliativo MacDonald (1977) postula que

    a avaliao tem ancorada uma viso da sociedade, sendo que as divergncias sobre a

    avaliao advm do facto de as pessoas divergirem sobre o que a sociedade, o que ela

    pode ser e o que ela deveria ser. Para este autor, uma grande parte do debate sobre a

    avaliao mais no que ideologia disfarada de tecnologia.

    Passados mais de trinta anos, ser que esta ideia continua atual? Ser que as

    diferentes abordagens avaliativas mais no escondem que os interesses dos patrocinadores

    das dmarches ou das agendas avaliativas?

    Como afirma Terrasca (2008, p.9) [] a avaliao tanto uma prtica social

    como um acto poltico, organiza determinadas vises do mundo e constitui, pelo menos

    potencialmente, um instrumento de interveno democrtica.

    Parece assim visvel e incontornvel que a avaliao um processo que, quando

    aplicado no campo educativo, permite desvendar as concees subjacentes sobre a

    sociedade, sobre a escola, sobre a educao, sobre o trabalho dos professores.

    Sobre estas concees subjacentes avaliao educativa parece-me interessante dar

    a conhecer alguns factos relevantes na histria da avalio educativa (Anexo 1), que

  • AVALIAO: UM DILOGO ENTRE A RAZO E A EMOO NUM CAMPO EM PERMANENTE EVOLUO

    24

    ajudam a perceber do ponto de vista histrico evolutivo a dinmica do conceito de

    avaliao.

    Para Dahler-Larsen (2003) a avaliao uma fora criativa que serve para ajudar a

    compreender a sociedade num tempo em que esta se complexificou e a confiana no

    progresso decresceu, e, em simultneo, se constata uma discusso crescente sobre os

    problemas colocados pela nova modernidade.

    Nos dias que correm, e intimamente ligado ao inerente e inexorvel debate

    ideolgico, parece claro a existncia de uma perspetiva de avaliao ao servio da

    performatividade com o acento tnico nos resultados e, portanto, com um cariz

    instrumental e tcnico, inserido numa estratgia de desenvolvimento da gesto, e uma

    avaliao como alicerce da autonomia poltica e reflexiva ao servio das pessoas e das

    instituies. Estas duas perspetivas parecem constituir os plos de um continuum ao longo

    do qual se desenvolvem mltiplas avaliaes de diferentes cambiantes e ao servio de

    diferentes racionalidades.

    A este respeito Lois-Ellin Datta (2005) refere que as administraes preocupadas

    com a equidade e a justia social, tm, do ponto de vista histrico, tentado utilizar a

    avaliao como fonte de informao para os beneficirios dos programas, procurando que

    esta fornea informao pertinente e til, tentando que os seus impactos se faam sentir no

    desenvolvimento das comunidades, na participao, no empowerment, ou seja, na

    atribuio de maiores competncias e autonomia s pessoas, na sua busca de compreenso

    dos problemas e para a procura de solues.

    Por outro lado, as administraes que colocam a nfase na eficincia e eficcia e na

    procura de resultados mais concretos do ponto de vista quantitativo tm-se preocupado

    com as avaliaes que desenvolvem critrios e padres que buscam a causalidade, que

    julgam se os programas funcionam como planeado e se do ponto de vista do custo

    benefcio so rentveis.

    Num sentido similar e no campo educativo, como nos recorda Afonso (1998), os

    discursos que fazem apelo excelncia, eficcia e eficincia, competitividade e

    produtividade e outros aspetos conetados com a racionalidade econmica podem querer

    significar que os nveis de rendimento escolar, aferidos pelas baixas classificaes dos

    exames nacionais e por resultados maus em testes internacionais esto a descer. Ou seja,

    tem-se verificado em perodos de crise econmica e perodos tensos e contraditrios a

    tentativa de o Estado passar para o campo da educao as culpas da crise sentidas na

  • AVALIAO: UM DILOGO ENTRE A RAZO E A EMOO NUM CAMPO EM PERMANENTE EVOLUO

    25

    economia. A Educao seria assim uma espcie de bode expiatrio da crise econmica e

    qui poltica.

    Na mesma esteira, Lima (1996) referindo-se ao paradigma de educao que apelida

    de educao contbil, relaciona-a com a avaliao que, importada da literatura de gesto,

    adquire foros de tcnica inovadora de gesto e controlo da qualidade, tornando-se um

    meio de controlo poltico e administrativo, cientfico e pedaggico.

    Contudo, Sobrinho (2004) no deixa de lembrar que a avaliao como produo de

    sentidos, reflexo sobre valores e significados tem um grande potencial educativo. que,

    sem deixar de ser rigorosa e utilizar instrumentos tcnicos, a avaliao pode alimentar

    debates, interrogar-se sobre os significados, as causalidades e os processos, trabalhar com

    a pluralidade e a diversidade, abrir possibilidades de emancipao, construo e

    dinamizao.

    Assim, a despeito das diferentes concees e dos intensos debates sobre a avaliao

    parece incontornvel a sua existncia e pacfica a sua importncia. A avaliao tem-se

    vindo a configurar como uma multiplicidade de mltiplos: mltiplos mtodos, mltiplas

    funes, mltiplos impactos, mltiplas racionalidades, mltiplas negociaes, mltiplos

    compromissos.

    Logo, ao tentar discernir-se sobre a problemtica avaliativa, inevitavelmente se

    encontra na literatura diferentes conceitos de avaliao fruto quer de uma evoluo

    histrica quer de uma incorporao de diferentes matrizes de carter filosfico, social,

    poltico e econmico.

    A este propsito interessante recordar aqui seis grandes pocas de evoluo da

    avaliao (Anexo 2).

    Contudo e independentemente das pocas importante reter na esteira de Guba e

    Lincoln (1989, p.21) que no h uma forma certa de definir avaliao, de uma forma

    que se possa de uma vez por todas pr fim discusso sobre como realizar a avaliao e

    quais os seus objectivos.

    Como definio clssica de avaliao pode encontrar-se a defendida por Tyler

    (1950) para quem a avaliao o processo de determinar o grau de consistncia entre os

    objetivos realizados e os estabelecidos previamente. Os clebres trabalhos de Tyler que

    atingiram notoriedade no livro Eigth Year Study of Secondary Education, publicado, em

    1942, vm, de acordo com Mateo (2000) citado em Ventura (2006), atribuir avaliao

    um papel de maior dinamismo alargando o seu objeto de estudo e conferindo-lhe um papel

    de fornecer informaes sobre a eficcia dos programas permitindo aperfeioar

  • AVALIAO: UM DILOGO ENTRE A RAZO E A EMOO NUM CAMPO EM PERMANENTE EVOLUO

    26

    continuamente o trabalho dos professores. Trata-se de uma conceo de avaliao por

    objetivos, assente numa metodologia dedutiva de pendor quantitativo.

    Para Alkin (1969), Stufflebeam (1971), MacDonald (1976) e Cronbach (1982), a

    avaliao o processo de determinar, obter e providenciar informaes relevantes para

    julgar decises alternativas com vista tomada de decises. Est-se aqui em presena de

    uma avaliao orientada para a tomada de deciso. A metodologia usada dedutiva,

    geralmente quantitativa, objetiva, baseada em instrumentos de medida e em inquritos.

    Por seu turno, numa abordagem avaliativa de pendor mais qualitativo Scriven (2000)

    defende a avaliao orientada para os consumidores e independente dos objetivos (goal

    free-evaluation). Esta avaliao baseia-se na definio de critrios e os instrumentos mais

    usados para o efeito so listas de verificao. Aquele autor (1967) foi o primeiro a

    estabelecer a diferena entre avaliao formativa e avaliao sumativa. A avaliao

    formativa destinar-se-ia melhoria e ao desenvolvimento enquanto na avaliao sumativa

    o propsito seria a prestao de contas, a certificao ou a seleo.

    Para Patton (2003) a avaliao deve ter o seu foco na utilizao concreta e especfica

    que se pretende que venha a ser feita pelos seus reais utilizadores. Trata-se da avaliao

    focada na utilizao. Para aquele autor a metodologia usada depende da situao concreta

    pois cada situao de avaliao nica. Neste caso dada grande nfase ao fator pessoal,

    uma vez que so as pessoas e no as organizaes que usam a informao da avaliao, e

    ao fator situacional, dado que a situao concreta e especfica que guia o processo

    interativo entre o avaliador e os utilizadores.

    Numa avaliao de cariz assente numa metodologia indutiva, qualitativa e subjetiva

    Ernest House e Kenneth Howe (2003) defendem uma avaliao deliberativa democrtica

    que informa as pessoas sobre as questes relevantes, de modo a que possam discuti-las em

    profundidade e que, simultaneamente inclui procedimentos democrticos de recolha e

    anlise de dados. Aqueles autores defendem os princpios da incluso os interesses

    relevantes de todas as partes tm de ser includos na avaliao; do dilogo o avaliador

    tem de se envolver em dilogo extensivo com os destinatrios e promover o dilogo entre

    eles; e de deliberao as perspetivas, valores e interesses emergentes so questionados e

    sujeitos a anlise, atravs de procedimentos racionais, para determinar a sua validade e,

    so depois, transformados em concluses de avaliao.

    Por outro lado, tambm pode encontrar-se uma avaliao responsiva ou respondente,

    que a defendida por Robert Stake (2003). Nesta abordagem assente numa metodologia

    naturalista com recurso fundamentalmente a observaes e entrevistas, tem-se um tipo de

  • AVALIAO: UM DILOGO ENTRE A RAZO E A EMOO NUM CAMPO EM PERMANENTE EVOLUO

    27

    avaliao que procura dar resposta s preocupaes e necessidades de informao

    identificadas pelos destinatrios, sendo que, o avaliador desenvolve todo o processo em

    conjunto com os principais destinatrios.

    J numa avaliao tambm conhecida como de quarta gerao, Egon Guba e Yvonna

    Lincoln (2000) propem uma metodologia construtivista (hermenutica e dialtica),

    indutiva, qualitativa e subjetiva para a realizao de uma avaliao. Aqui os dados so

    recolhidos e analisados sob mltiplas perspetivas, o avaliador considerado um agente de

    mudana que realiza a avaliao num contexto natural, abarcando toda a sua

    complexidade.

    Neste ponto ser interessante verificar e conhecer as quatro geraes de avaliao

    propostas por Guba e Lincoln (Anexo 3).

    A avaliao apresenta-se assim incontornavelmente um conceito plurvoco cujo

    entendimento tem sido merecedor de debates. Isto mesmo nos diz Figari (1996, p.35)

    quando refere a confuso que reina em torno da prpria noo de avaliao: com efeito, e

    de acordo com as