Um Beijo Dado Mais Tarde - Maria Gabriela Llansol

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um beijo dado mais tarde Maria Gabriela LlansolBiblioteca Prestgio um beijo dado mais tarde Maria Gabriela Liansol Maria Gabriela Llansol 2001 BIBLIOTEX, S. L. para esta edio Licena editorial por cortesia de Edies Rolim, Lda, capa Ne, Color Book Reviso: Ignacio VzqLje-Impresso e encadernao: Printer, Industria Grfica, S. A. Ctra. N-II, km 600 08620 Sant Vicen deIs Horts (Barcelona) Impresso em Espanha Data de impresso: Maio de 2001 ISBN: 84-8130-297-X Depsito legal: B. 19 706-2001 Tiragem: 30 000 ex emplares Todos os direitos reservados De venda conjorita e insepanWel com este jornalum beijo dado mais tarde Maria Gabriela Llarsol 1 '@ Grande Prmo de Romance e Novela -A 5 5_O@@I A@ 0--PORTUGUESA - @ - E-5 -C @ -0 is -A Morte de Assafora CAPTULO 1 Prlogo prendeu a cabra a um castanheiro que se via da janela mas estava longe; a cabra no deixava de se ouvir e, mesmo depois do pr-do-sol, balia; disse que ia cortar-lh e o som, e dirigiu-se para ela com a mo direita e uma faca; o plo agitou-se sem ba lir, e ficou a sangrar; mais nenhum rudo atravessou o nosso sossego, mas uma segunda lngua, com parte no cu-da-boca, principiou a nascer-lhe, e foi ela a voz. 0 lugar da interseco da lngua arrancada com a outra lngua transparente herana da rapa riga que temia a impostura da lngua. Por isso, eu tenho de encontr-la, e traz-la pa ra fora da sua nostalgia infinita. E no s. Da interseco das duas lnguas - a que se ou via balindo, e a que nasceu do sangue - voou o Falco, ou Aoss feito ave. Falo ao cordeiro-objecto, cantando estas circunstncias nascentes que sobrevieram. Na casa, no se administrava bem a Justia da lngua. 1 - subo, sobe o primeiro lano de escada com um certo medo; toca porta uma vez po rque est l dentro uma sombra doente sob o nome velho reflexo da posse dos bens mat eriais que ela muito desejou em vida; sou a rapariga que temia a impostura da lng ua e, ao subir estas escadas para tocar as chamas da entradaem que arde, no presente, o passado, sinto-me Tmia, temvel e com temor. Minha tia Assafora est com grilhes deitada na cama, e uma melodia cantada por Joha nn desce no quarto porque ela comigo entra em toda a parte; ela tem um volume mni mo, merc dos ventos. Seus olhos vem ainda menos do que dantes, e trao intimamente, sobre eles, o sinal da msica; est acompanhada por trs mulheres servas, compa nheiras, ladras? Amigas reais? a desocultao da lngua no mo diz, sinto que passo por detrs de um outro de grande obscuridade, e espero que me recebam. Quem me rec ebe primeiro, e me dirige palavras de fidelidade e de afecto a minha serva; no um a velhinha - apesar da sua, muita idade -, uma fora combativa; de p, uma mulher ai nda jovem, amarelo-plida na pequena luz que o candeeiro projecta. Chamo-a S. Subt raio-me impresso de afogamento que me provoca a entrada neste crculo de sofrimento da lngua. - H assim mais crculos infernais? E Johann, que me acompanha, responde-me com uma s nota: - H. Os crculos do obscuro no so totalmente infernais, nem os ngulos do paraso totalme nte luminosos, num e noutro lugar h impostura; assim, os ps de Johann, tambm presen tes no quarto, viro a ser confundidos com os ps do toucador, conforme a maior ou m enor proximidade auditiva que eu tiver deles; a terceira mulher , sobretudo, uma voz, que nasce da extino da voz de Johann; mente, e espolia a minha dona, Assafora , j sem vontade, deitada, quase pedra no reino dos cus; mas eu talvez esteja a julgar mal o que vejo, e esteja a ser enganada pelo sofrimento da lngua que no consigo conter.De qualquer modo, a presena da proximidade da morte um carvo aceso, e eu crio-me s entada beira da minha origem, situao que se repete em vrios perodos do ano, quando e u venho aqui; h um mistrio relativo ao meu nascimento que me fecha - esta abertura natural para o paraso pertence-me? estes mveis e objectos de adorno, transfig urados, consumidas as suas carnes, prata, madeiras, ou cristal, sero os meus bens luminosos? Que querem afirmar-me estas mulheres acompanhando estes objectos, cu jas asas no batem. Adejam. Gotas de gua aucarada pingam de um frasco suspenso no pu lso de Assafora, onde eu sei que Aoss gostaria de estudar, para a sua Poesia, a c laridade morta dos olhos; fico sentada numa poltrona, a fazer companhia a toda e sta luz ressentida onde entro lentamente e, pela segunda vez, pela mesma porta. 2 - Bach canta pela voz de Anna Magdalena, aquele que ocupa o centro do toucador , junto do espelho. Ser uma profanao fazer diligncia por encontrar a arte nos restos humanos? Ser errado encontrar-me com o sagrado neste quarto, a olhar a forma sentimental destas figu ras acompanhantes, e destes mveis?; o que meu no meu, estou na parte do templo des tinada aos que vivem envoltos em mistrio. Assafora jacente o fim de que nasce um ser, e fao-lhe uma festa tmida na testa, ou silhueta de navio do seu ir-se embora; que toda a obscuridade seja mvel, e deslize para fora do quarto, mesmo a minha, pois no sei como exprimir a ideia que me provoca aquele ser f-init o, com substncia infinita. Ser realmente infinita, ou engano-me nas palavras, manchando o canto com que entrei?A msica j no minha, percorre o corredor do espao at sala de jantar onde, numa certa ena, constru a minha infncia. Que grande terror terem-me mandado at aqui, j no como f ilha da casa, mas como neblina muito densa de onde se espera a luz; ao fixar uma salva, tenho um sonho de prata desenhado a lpis no meu pulso; dos lagos, no seio das guas do mar com um golpe de navalha; a partir do que nele leio, reconstituo a minha viso, que gostaria que fosse ouvida pela minha tia doente: estou na grand e sala em que habitualmente vivo, e somos, no mximo, trs; de modo natural, noite l fora, onde h um jardim com rvores soltas, cantadas por algum que conhece o espao; fi tas douradas, lianas capazes de doura, pendem dos ramos fixando nossos olhos; a n oite ressai at dentro de ns, e reparo na cmoda onde essas mulheres guardam os nomes que do s coisas da sua convenincia; na primeira gaveta entreaberta, chove. Vou bus c-la, e vejo que algumas palavras esto negras enquanto que outras so azuis e dourad as. - Tambm h tristeza no paraso - diz-me Bach, que se liga a outra mo para a segurar. Respiro. Fazem permutar as palavras, Inebriada por esse lcool, encontro-me na rua, tambm eu munida de desejo e de poder. Vou a uma loja que tem a porta quase coberta por um monte de palavras. Algum, deitado no cho, procura penetrar o monte - e eu baixo-me para impedir que as palavras se espalhem na rua; surge ento, em lugar inferior s slabas/letras e acentos, um ninho de gatos brancos que reconheci serem aves do paraso. - Tambm h alegria sobre a terra - diz-me Bach. 3Sentei-me junto dela, a ler-lhe 0 Livro das Comunidades que princi piava a encarnar num corpo humano naquela noite de viglia (recebe - por este movi mento de ave - o voo do paraso); a Nuvem Pairando, eterna tarde com noite prpria,inclinava-se chuva torrencial e eu, a gritar do lado direito da floresta que cer cava aquele local, subira a um pequeno monte, e tentava a elevao no ar; uma pequen a ferida manchava-me a mo; queria at-la com a fita verde que Infausta guardava no tubo acstico da Nuvem Pairando; a confuso rein ava no silncio que a ferida projectava nos meus olhos e, respirando a entrada que se tornara vazia, perdi a conscincia de ser eu quem falava, e dirig-me para o reg ao de Infausta. afiro todas as luzes por uma luz mdia, uma noite em que eu estava n o regao da minha serva, na pequenina casa nica; tinha o meu quarto ao lado, sem electricidade ainda; o prazer de ser criana, nua ao sabor das guas e dentro da luz mdia, entre oliveiras que delimitavam o exterior, era o guia para um prazer supe rior a todos os prazeres a que subi - e continuo falando a Assafora: havia um segr edo; era a trepadeira que envolvia o lugar tudo to simples: A serva; quando engravida de B, o filho da casa, s pode cantar o amor de boca fechada; alguns anos mais tarde, o filho da casa contrai matrimnio, e dessa unio tem uma filha ; o primeiro filho - o da serva - foi abortado; e Sobre esta casa pairou um mistrio, um no-dito, que alisou, numa pequena pedra, uma irreprimvel vontade de dizer. Deste mistrio, e no fim de um trabalho executado a s om e a cinzel, fez-se a rapariga que temia a impostura da Ungua e que queria, atr avs da palavra, fazer ressoar fortemente, o seu irmo morto. A sombra desse irmo no t inha fim na casa, e enquanto os amantes se beijavam novamente, ou repetdas vezes, Tmia no podia v-los da posio em que se encontrava, mas saa do lodo que s acumula no fundo do amor; tinha a obrigao de cumprir a penitncia imposta pela impo stura e, sobretudo, de morder a claridade; entrou, de novo, na via, ou no caminh o, atravs de Infausta,o nome da serva, na casa dos Bach, e que aqui, na casa da Domingos Sequeira, eu chamei Mlito. Maria Adlia. 4 - Esta manh, lavei a roupa suja de Assafora que sob a sua forma de i.a no existe; a palavra que falta a vossa palavra, e vossa e st tambm sob o trao vazio; e assim indo, sucessivamente, cheguei plancie da lngua - q ue Mar Morto, pensei; onde est a jovem mulher verde, desenhada a clorofila, que t em forma de cabea. Pus a secar ao Sol - por um dia de Outono as ltimas roupas de Assafora, smbolo daquela casa - enquanto ela estiver voltada para si; ter-se- dissolvido numa pedra, ou ser uma cor paralela a outra de que no pode tomar conhecimento? - Foi alimentar a lua - disse Aoss. 5 - Compreendi que a Nuvem Pairando que me assiste era a nica cpula do inverno. - Ser que os objectos herdados podem ser os contornos das confidncias incompletas? Descubro entre os objectos esta pergunta - que me invade. Por agora antes de passar para a boca deles, que a fome, o brilho, e uma maneira silenciosa de revelar-se a quem lhes tira o vu. Talvez Anna Magdalena seja apenas um objecto no meu pensamento. E Jade, o meu co, que se aproximou dos meus ps? E a minha imagem? Por que necessita da intrepidez da rapariga que temia a impostura da lngua? Compreende,se que Aoss, dentro da sua rbita, tenha o terror das cores. no atravesso o corredor; Tmia entra imediatamente na sa la do jantar atravs da luz que se acende. Pousa na mesa, e olha as duas cadeiras, uma ao lado da outra - uma para a escrita, outra para quem escreve. ]oAbre a janela com o meu desejo de ar livre, e a sombra do sol indica-lhe sobre c ada mvel, o lugar mais alegre e prximo do fim de uma poca; essa poca, um enigma naqu ele lugar. Animais auxiliares o cameiro e o cordeiro que ficaram esquecidos em d ois objectos de loua com a sua forma. So meus, meus animais herdados, que caminham para um prato de luz no aparador, atravs da palavr a branca. Um est erguido sobre a arca, outro deitado sobre a mesa redonda da sala . Ligo-me vida exterior da sua l para impelir para fora a folha caduca da casa. Dir-se-ia que estou hoje a dizer-lhes: no tive mais ocasio de falar convosco, desde que vos herdei. Tudo foi inesperado qu anto ao modo mas no surpreendente; os vossos sentimentos encontraro em mim acolhim ento; por qu manifest-los como quem no pede e receia, no entanto, a rejeio; eles so bons, tal como os sinto; creio que vos estou a responder directamente, no fugindo; nada h que me faa fug ir no que me dizeis, excepto o modo e a circuristncia. Pcilbu que as beguinas sabiam que o amor (a amizade, a pai xo, o segredo) tm lugar no corpo, mas muito pouco lugar; ele uma manifestao do esprit o que to corpreo como esta mo que escreve; por isso, quando se diz a algum @