Um minuto de silêncio - Antero Benedito da Silva

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Um minuto de silêncio Por Antero Benedito da Silva

Tradução de Flávio Tonnetti

Em Timor-Leste, nós usamos a palavra dame em Tétum (a língua nacional)

para nos referirmos à paz. Uma das palavras mais próximas relacionadas à palavra

dame é hakmatek (silêncio profundo) que aparentemente constituí-se de

realidades opostas: por um lado, a ausência de sons, dores e ruídos e, por outro,

hakmatek esconde o fato de que a ameaça é iminente, podendo representar uma

profunda disposição interior, pronta para responder às ameaças externas feitas

àqueles que simplesmente existem em qualquer que seja o tempo.

O poeta timorense Francisco Borja da Costa elegantemente usou a palavra

hakmatek em seu poema Hakmatek, Minutu ida kakmatek (Silêncio, um minuto de

silêncio) para dizer que a relva nas verdes plantações e as árvores de eucalipto nas

altas montanhas de Timor estão em hakmatek como um profundo sinal de respeito

aos guerreiros mortos na luta de resistência popular.

O poema pressupõe hakmatek como um mundo que só tinha vindo a existir

através da existência e após a batalha dos guerreiros. Foi uma realidade social, que

foi preciso ser feita para existir. Curiosamente, Borja da Costa escreveu este

fantástico poema dias antes de ter sido tragicamente executado em 8 de Dezembro

de 1975, um dia após a invasão em larga escala do exército indonésio. Hakmatek

foi um acontecimento momentâneo nos assuntos da vida humana, o resto é

runganga (caos), fenômenos de conflito dominados por interesses, guerra violenta

e desordem social; exploração dos poderosos – daqueles que têm demais sobre

aqueles que não tem nada; a silenciosa submissão de uma fraca minoria a uma

maioria poderosa na ciência, na economia, na cultura militar e na política.

Passados 30 anos deste poema, o bispo timorense, laureado com o Prêmio

Nobel, Carlos Filipe Ximenes Belo, construiu uma nova premissa em 2006, no auge

do antagonismo político e da crise social no país. “A história timorense esta repleta

de sangue” dos sacrifícios mitológicos dos animais domesticados em razão da fé

pelo desconhecido; das guerras coloniais e anticoloniais; da brutal ocupação

imperial japonesa de 1942 a 1945; e da guerra da independência da República

Democrática de Timor-Leste até 1999 – e a história continua.

Hoje, nossos avanços e retrocessos, hakmatek e runranga, como país e como

pessoas, são variáveis: para avançar permanecemos dependentes do sistema

financeiro internacional nas áreas de desenvolvimento industrial, produção de

alimentos, sistemas de segurança e da cultura dominante dos assim chamados

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países de primeiro mundo que, em sua maioria, ocupam o hemisfério norte do

planeta.

Como pessoas, e como um novo país, nós precisamos de um momento de

hakmatek, que é imperativo ainda para um pequeno segmento de nossa sociedade,

a fim de criar uma disposição, para uma interna permanência sociocientífica e

ecologicamente sensível às inovações tecnológicas, que possam posteriormente se

refletir em paradigmas de desenvolvimento que convidem a uma avaliação, para

manter nossa sociedade caminhando e para que um dia hakmatek possa tornar-se

uma seara permanente na vida de nossas comunidades.

Com o Timor-Leste aprendendo a manejar seus próprios negócios, as Nações

Unidas, consequentemente, poderiam possivelmente terminar a maioria de suas

missões no país num futuro próximo. O que poderia ser um novo começo de uma

longa jornada. Esta iniciativa para uma cooperação acadêmica com nossos amigos

da Ásia poderia ser um modelo dos nossos desejos aqui na Universidade de Osaka

para promover parcerias sobre bases igualitárias e interesses mútuos, para

contribuir para uma pacífica transição para o progresso em Timor-Leste.

Osaka University, 27 de Janeiro de 2012.

Antero Benedito da Silva é diretor do Institute for Peace and

Conflict Studies, na UNTL – Universidade Nacional de Timor-Leste.

REFERÊNCIA PARA CITAÇÃO

SILVA, Antero Benedito da. “Um Minuto de Silêncio”. Timor Post: 31 de janeiro de 2012.

Tradução do inglês “One Minute Of Silence” de Flávio Tonnetti.

N. T.: hakmatek também pode ser traduzida do tétum para o português como “sossego profundo”.

Na função de verbo se pode traduzir por “sossegar” ou ainda por “tranquilizar-se” ou “descansar”.