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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE HUMANIDADES CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM FORMAÇÃO DE TRADUTORES André Gustavo Soares Mamede UM RELATO SOBRE A PRÁTICA TRADUTÓRIA PARA O PORTUGUÊS DO CONTO INTITULADO “PROFESSOR PANINI” FORTALEZA/CE 2013

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

CENTRO DE HUMANIDADES CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM FORMAÇÃO DE TRADUTORES

André Gustavo Soares Mamede

UM RELATO SOBRE A PRÁTICA TRADUTÓRIA PARA O PORTUGUÊS DO CONTO INTITULADO “PROFESSOR

PANINI”

FORTALEZA/CE 2013

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE HUMANIDADES

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM FORMAÇÃO DE TRADUTORES

André Gustavo Soares Mamede

UMA RELATO SOBRE A PRÁTICA TRADUTÓRIA PARA O PORTUGUÊS DO CONTO INTITULADO “PROFESSOR

PANINI”

Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) apresentado ao Curso de Especialização em Formação de Tradutores do Centro de Humanidades da Universidade Estadual do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do grau de Especialista em Formação de Tradutores.

Orientação: Profª Ms. Myrcea Santiago dos Santos Harvey

FORTALEZA/CE 2013

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação

Universidade Estadual do Ceará

Biblioteca Central CENTRO DE HUMANIDADES

Bibliotecário Responsável – Dóris Day Eliano França – CRB-3/726

M264r Mamede, André Gustavo Soares.

Um relato sobre a prática tradutória para o português do conto intitulado “Professor Panini” / André Gustavo Soares Mamede. – 2013.

CD-ROM. 52 f. ; il. (algumas color.) : 4 ¾ pol.

“CD-ROM contendo o arquivo no formato PDF do trabalho

acadêmico, acondicionado em caixa de DVD Slim (19 x 14 cm x 7 mm)”.

Monografia (Especialização) – Universidade Estadual do Ceará, Centro de Humanidades, Curso de Especialização em Formação de Tradutores, Fortaleza, 2013.

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UMA RELATO SOBRE A PRÁTICA TRADUTÓRIA PARA O PORTUGUÊS DO CONTO INTITULADO “PROFESSOR

PANINI”

Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) apresentado ao Curso de Especialização em Formação de Tradutores do Centro de Humanidades da Universidade Estadual do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do grau de Especialista em Formação de Tradutores.

Orientação: Profª Ms. Myrcea Santiago dos Santos Harvey

Aprovada em ____/____/_____

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________

Profª. Myrcea Santiago dos Santos Harvey – Presidente da Mesa

Universidade Estadual do Ceará

____________________________________________

Prof. Ms. Edilene Rodrigues Barbosa - 1ª Examinadora

Universidade do Rio Grande do Norte

___________________________________________________

Profa. Ms. Maria da Salete Nunes - 2ª Examinadora

Universidade Estadual do Ceará

_________________________________________

Prof. Ms. Lucineudo Machado Irineu (Suplente)

Universidade do Rio Grande do Norte

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Dedico este trabalho aos meus pais.

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AGRADECIMENTOS A Deus, e a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, a quem recorro todos os dias.

Agradeço à minha orientadora Profa. Myrcea Santiago dos Santos Harvey, pela presteza e

dedicação à execução do meu trabalho.

À Professora Salete Nunes, pela brilhante disciplina ministrada que ensejou o presente

trabalho. Agradeço-a também pela participação na Banca Examinadora.

À Professora Edilene Barbosa pelo tempo disponível e participação na Banca examinadora.

Ao Professor Lucineudo Irineu pela participação na Banca examinadora

Agradeço aos meus colegas do curso de Especialização da Universidade Estadual do Ceará

e à Profa. Vera Santiago Araújo pelas valiosas lições.

Agradeço, também, de maneira especial, a todos os bons artistas da música do século XX e

XXI, principalmente de seu gênero mais importante, o rock’n’roll, e suas vertentes, pelo

grande estímulo na aquisição da proficiência em idioma estrangeiro.

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All meanings, we know, depend on the key of interpretation.

George Eliot

Translation is not a matter of words only: it is a matter of making intelligible a whole culture.

Anthony Burgess

Woe to the makers of literal translations, who by rendering every word weaken the meaning! It is indeed by so doing that we can say the letter kills and the spirit gives life.

Voltaire

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RESUMO Este trabalho teve como objetivo descrever o processo tradutório de um conto disponível online, que produzimos durante o curso de Especialização em Formação de Tradutores, na Universidade Estadual do Ceará. A pesquisa tem natureza qualitativa e tipo predominantemente descritivo, embora também seja bibliográfica, pois nos ocupamos em descrever o processo tradutório do conto intitulado “Professor Panini”, cujo objetivo geral foi averiguar se a conscientização e o conhecimento dos procedimentos tradutórios podem facilitar a tarefa tradutória. Já o objetivo específico foi verificar se o conhecimento desses procedimentos também auxiliam na facilitação do entendimento de um texto literário com clareza, ao alcançar a finalidade do texto literário escolhido, no caso um gênero um conto de ficção científica com viés cômico. A partir do exposto, a seguinte hipótese foi gerada: O conhecimento das estratégias e procedimentos adotados durante o processo tradutório de um texto literário pode auxiliar o tradutor a transmitir um texto de uma língua de partida para uma língua de chegada com maior acuidade, alcançando sua finalidade. A presente monografia foi dividida em 3 Capítulos, sendo o primeiro sobre a fundamentação teórica e revisão bibliográfica sobre o tema tradução e processo tradutório (ALVES, MAGALHÃES E PAGANO, 2003; ARROJO, 2007;AUBERT, 1994;CATFORD, 1965; MILTON, 1998; JAKOBSON, 1971; NIDA, 1975), o segundo Capítulo sobre a metodologia, e por fim o terceiro Capítulo foi destinado à análise da tradução do conto a partir da língua inglesa para a língua portuguesa. A fim de fazermos uma análise descritiva-comparativa dos processos empregados por nós durante o processo tradutório do referido conto, utilizamos os critérios, estratégias e terminologia adotados por Alves et al (2003), para entendermos melhor as operações engendradas no processo tradutório do gênero mencionado acima. Ao final da análise, concluímos que o foco no fazer tradutório é muito importante para a tomada de decisões durante a tradução, a fim de que a mensagem da língua de partida seja traduzida com bastante clareza para a língua de chegada, principalmente no caso do texto literário conto, cujo gênero requer que a mensagem não apenas das formas gramáticas e sintáticas sejam traduzidas, mas sim a mensagem que o autor quis transmitir. Para isso, percebemos que a consciência das operações tradutórias, estratégias e conhecimento cultural e linguístico nas duas línguas, bem como o investimento na formação dos tradutores e foco na prática são pontos sobremaneira importantes para uma tradução bem sucedida.

Palavras-chave: Tradução. Processo tradutório. Formação de tradutores.

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ABSTRACT This study aimed to describe the process of translating a short story available online. We produced it during the Translator Training Specialization Course at the State University of Ceará. The research has a predominantly qualitative and descriptive nature, although it is also bibliographic, since we are concerned with describing the process of translating the story titled "Teacher Panini", whose main objective was to investigate whether awareness and knowledge of translation procedures can facilitate the task of translating. As for the the specific aim, it was to determine whether knowledge of these procedures also assist in facilitating the understanding of a literary text with clarity, achieving the literary purpose of the text chosen, in this case a comedic science fiction short story. From the foregoing, the following hypothesis was generated: Knowledge of strategies and procedures adopted during the process of translation of a literary text can help the translator to transmit a text from a source language into a target language more accurately, reaching its purpose. This monograph is divided into three chapters, the first on the theoretical and literature review on the subject of translation and translation process (ALVES, MAGALHÃES E PAGANO, 2003; ARROJO, 2007; AUBERT, 1994, Catford 1965; MILTON, 1998; JAKOBSON, 1971; NIDA, 1975), the second chapter on methodology, and finally the third chapter was destined to the analysis of the translation of the story from English to Portuguese. In order to do a descriptive-comparative analysis of the processes employed by us during the translation process of this tale, we used the criteria, strategies and terminology adopted by Alves et al (2003), to better understand the operations engendered in the process of translating the genre mentioned above. After the analysis, we conclude that the focus on translational procedures is very important for making decisions during translation, so that the message of the source language is translated clearly enough for the target language reader, mostly in the case of text literary tale, whose genre requires that the message not only of forms and syntactic grammars are translated, but the message that the author wanted to convey. For this, we realize that consciousness translational operations, strategies and cultural and linguistic knowledge in both languages, as well as investment in translator training and focus on practical points are exceedingly important for a successful translation.

Key-words: Translation. Translation process. Professional translator’s studies.

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LISTA DE QUADROS E FIGURA QUADROS

QUADRO 1 – Excerto 1 .............................................................................................................. 28

QUADRO 2 – Excerto 2 .............................................................................................................. 30

QUADRO 3 – Excerto 3 ............................................................................................................... 31

QUADRO 4 – Excerto 4 .............................................................................................................. 32

QUADRO 5 – Excerto 5 .............................................................................................................. 33

QUADRO 6 – Excerto 6 .............................................................................................................. 34

QUADRO 7 – Excerto 7 .............................................................................................................. 35

QUADRO 8 – Excerto 8 .............................................................................................................. 35

QUADRO 9 – Excerto 9 .............................................................................................................. 36

QUADRO 10 – Excerto 10 ........................................................................................................... 37

QUADRO 11 – Excerto 11 ........................................................................................................... 38

QUADRO 12 – Excerto 12 ........................................................................................................... 38

QUADRO 13 – Excerto 13 ........................................................................................................... 39

QUADRO 14 – Excerto 14 ........................................................................................................... 40

QUADRO 15 – Excerto 15 ........................................................................................................... 41

QUADRO 16 – Excerto 16 ........................................................................................................... 41

FIGURA

FIGURA 1 – Esquema de comunicação com ruído ou interferência ................................................... 20

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SUMÁRIO

Lista de Quadros e Figura ....................................................................................... 9

INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 11

1. CAPÍTULO 1 – PRESSUPOSTOS TEÓRICOS.................................................... 14

1.1 Conceito de tradução e prática tradutora................................................ ........... 14

1.1.1 Conceito de tradução e prática tradutora......................................................... 14

1.1.2 Da prática tradutória: uma revisão da literatura sobre estratégias

em tradução...................................................................................................... 18

2. CAPÍTULO 2 – METODOLOGIA.......................................................................... 25

2.1 Corpus da pesquisa............................................................................................. 25

2.2 Natureza da pesquisa.......................................................................................... 25

2.3 Procedimentos metodológicos........................................................................... 26

3. CAPÍTULO 3 – ANÁLISE DE EXCERTOS DO TEXTO PROFESSOR

PANINI.................................................................................................................. 27

3.1 Análise descritiva dos excertos do texto Professor Panini.................................. 27

3.1.1 Aspectos macrotextuais do conto.................................................................... 27

3.1.2 Aspectos microtextuais do conto..................................................................... 28

CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................... 43

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................... 45

APÊNDICE – Trabalho Original - Tradução do conto “Professor Panini”, de Mathew Grigg, Por André Gustavo Soares Mamede............................................ 46

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INTRODUÇÃO

A tradução é uma atividade de grande importância no mundo moderno.

Há anos o homem é instigado a traduzir para estabelecer a comunicação entre

diversos grupos de falantes de línguas diferentes. Traduzir é uma necessidade.

Porém, além disso, o ato tradutório transformou-se em um campo que atrai a

atenção dos linguistas, tradutores profissionais e outros profissionais das mais

diversas áreas que necessitam traduzir textos em outra língua para acessar o seu

conteúdo.

Imerso nessa gama de atividades em que a tradução está ínsita, vários

são os problemas decorrentes do ato de traduzir e da prática dos tradutores,

principalmente daqueles com dedicação profissional. Muitas são as questões

levantadas sobre o processo tradutório per se e a postura do tradutor, a saber, as

decisões tomadas por este, o conhecimento da língua de partida e língua de

chegada que este detém, e a sua fidedignidade ao texto da língua de partida dentre

outras questões.

Para este trabalho, endereçaremos algumas circunstâncias atinentes ao

ato tradutório e ao processo de tradução, tomando como embasamento teórico uma

revisão da literatura mais proeminente nesta área.

A justificativa do nosso trabalho baseia-se na incipiência e necessidade

de estudos procedimentais das traduções literárias e técnicas, como divulgado na

literatura mais recente (MAGALHÃES et al, 2007), que discute e orienta sobre as

estratégias que o tradutor deve ter durante o processo tradutório.

Nesta senda, o objetivo geral da presente é verificar se a conscientização

do tradutor sobre os procedimentos empregados no processo tradutório podem

ajudá-lo a transmitir um texto de uma língua de partida para uma língua de chegada

com maior clareza. Já o objetivo específico, delineado por nós, é averiguar se a

conscientização e o conhecimento dos procedimentos tradutórios podem facilitar a

tradução de um texto literário com maior clareza e com alcance de finalidade, a partir

da tomada de decisão consciente do tradutor. Este, a priori, deve ter ciência de que

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a tradução literária literal não é necessariamente aquela que vai transportar o

conteúdo de um determinado texto mais claramente, principalmente no caso do texto

escolhido, que é um conto com um viés cômico.

Haja vista a justificativa e objetivos mencionados acima, elaboramos a

seguinte pergunta de pesquisa:

O conhecimento das práticas tradutórias e enfoques de certos

procedimentos auxiliam o tradutor na tarefa tradutória de um texto literário, com o

objetivo de transmitir a mensagem da língua de partida para língua de chegada com

uma maior acuidade e clareza?

A partir dessa pergunta de pesquisa, a seguinte hipótese, que poderá ser

refutada ou não ao final, foi gerada:

O conhecimento das estratégias e procedimentos adotados durante o

processo tradutório de um texto literário pode auxiliar o tradutor a transmitir um texto

de uma língua de partida para uma língua de chegada com maior acuidade,

alcançando sua finalidade.

Com o intuito de demonstrar melhor o nosso tema, dividiremos o presente

trabalho em três capítulos. O Capítulo 1 será intitulado Pressupostos Teóricos e tem

como objetivo conceituar a tradução, bem como descrever sucintamente o ato e

processos tradutórios.

Já o Capítulo 2 tem como fito apresentar a metodologia utilizada neste

trabalho para a análise do gênero textual que escolhemos, à luz dos ensinamentos

teóricos que serão tratados no Capítulo 1.

Por último, no Capítulo 3, faremos uma análise descritiva do processo de

tradução de um conto – da língua inglesa para a língua portuguesa - adotando

alguns critérios com os quais intentaremos descrever os passos e estratégias

tomadas pelo tradutor para alcançar o texto de chegada.

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Partiremos agora para o primeiro Capítulo que irá discutir sobre a

fundamentação teórica desta monografia.

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CAPÍTULO 1 – PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

1.1 CONCEITO DE TRADUÇÃO E PRÁTICA TRADUTORA

Este Capítulo será dividido em dois itens. No primeiro, falaremos sobre o

conceito de tradução de acordo com vários autores da área de tradução. Igualmente,

teceremos comentários sobre a tradução de textos literários, e a visão de teóricos

quanto a esse tipo textual. Na segunda parte, descreveremos algumas das principais

estratégias do tradutor, exemplificadas na literatura sobre o tema.

1.1.1 Conceito de Tradução e prática tradutora

Ao iniciar a tradução de um texto, qualquer que seja seu gênero, de sua

língua de partida para a língua de chegada - que doravante chamaremos de LP e LC

respectivamente - o tradutor, quer seja esse seu ofício ou simplesmente se trate de

alguém com um bom nível de conhecimento de uma língua estrangeira, tem pouco

tempo para pensar no contexto multifacetado e controverso em que está se

inserindo ao realizar a tarefa aparentemente corriqueira de transpor um conjunto de

significados expressados em determinado código para outro. Jakobson (1971)

classifica o traduzir em três vertentes, a saber: a tradução intralinguística ou

reformulação, na qual signos em uma língua são interpretados ao serem substituídos

por outros que apresentem o mesmo significado, inclusive para facilitar a

compreensão de idéias expressadas em outro nível de linguagem, a interlinguística,

na qual signos em uma língua são interpretados em outra, e a intersemiótica, na qual

signos verbais são interpretados em signos não verbais de diversas naturezas.

Considerando os conceitos acima, chega-nos em mente a ideia de que o ato de

traduzir está muito mais inserido em nosso cotidiano do que normalmente

reconhecemos.

Para Paz (1971, apud ARROJO, 2007, p. 11),

Todo texto é único e é, ao mesmo tempo, a tradução de outro texto. Nenhum texto é completamente original porque a própria língua, em sua essência, já é uma tradução: em primeiro lugar, do mundo não-verbal, e, em segundo, porque todo signo e toda frase é a tradução de outro signo e de

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outra frase (...). Toda tradução é, até certo ponto, uma criação e, como tal, constitui um texto único.

Pode-se, por conseguinte, reconhecer como tradução o simples ato de

passar uma mensagem falada, ato este que estará sujeito a diversas interferências

naturais à comunicação, o que Aubert (1994, p.11-12) descreve como

[...] variação linguística. Entenda-se tal variação no seu mais amplo sentido: abarca desde as variações que se apresentam em uma (cor)relação geográfica (línguas, dialetos, falares regionais), passando pelas variações temporais (dialetos diacrônicos), sociais (socioletos), individuais (idioletos), de canal (escrita/fala), e até as circunstanciais (condições de produção de mensagem numa determinada situação). Assim: um sotaque, um arcaísmo, um jargão, um cacoete de expressão, [...] qualquer um desses fatores, isoladamente ou em cumulações e intensidades variadas, pode levar a uma ruptura do elo comunicativo.

Tais interferências podem afetar a comunicação de modo que haja

imperfeições na maneira em que a mensagem, ou o sentido essencial da mesma,

seja percebido pelo receptor, resultando em comunicação imperfeita. Porém, para

Souza (1999, p. 53), “toda comunicação humana é limitada, mas normalmente é

satisfatória para atingir seus objetivos. Comunicação limitada, parcial, não significa,

contudo, comunicação ilusória ou falsa”. A própria atitude de tentar colocar em

palavras sensações e sentimentos interiores demonstra a relação constante entre

diversos graus de expressão e entendimento que se encontra inserida na

comunicação, e suas constantes transposições. Essa identificação tão íntima com o

próprio cerne da comunicação talvez seja uma das razões pelas quais a tradução é

vista de maneira controversa, principalmente quando aplicada à literatura.

O ato de traduzir, visto em seu sentido mais estrito, aquele no qual a

palavra tradução é usada mais corriqueiramente, é a passagem de idéias que estão

expressas em um idioma estrangeiro para o idioma do tradutor ou leitor. Atividade

existente há milênios, presente na prática desde que se estabeleceu o intercâmbio

entre povos e línguas diferentes, o ato tradutório acontece, segundo Aubert (1994,

p.12), quando é feita a opção pela “busca de caminhos alternativos que permitam a

superação do bloqueio (do ‘ruído na comunicação’)”, sendo neste caso em particular

entendida como bloqueio a diferença entre os idiomas do emissor e do receptor da

mensagem.

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Para Catford (1980, p. 22), o ato tradutório é definido como a “substituição

do material textual de uma língua pelo material textual equivalente em outra língua”.

Ao que se refere a essa substituição, Landers (2001) faz distinção entre a tradução

de um texto técnico, por exemplo, e um texto literário. Segundo ele, no texto literário,

“o modo como alguém afirma algo pode ser tão importante, às vezes mais

importante, que aquilo que é dito”1

Nida (1975), em sua comparação entre a sentença e os vagões de um

trem de carga, afirma que cada palavra transporta uma carga diferente de

significado, do mesmo modo que vagões podem ser carregados com diferentes

quantidades de material. Não importa em qual ordem os vagões estão dispostos, o

que importa é que toda a carga chegue a seu destino intacta. De maneira similar, no

(LANDERS, 2001, p.7, tradução nossa). Entende-

se assim que, quando um texto é reconhecido como literário, os obstáculos para a

reprodução do mesmo em outro idioma são ainda maiores, e ensejam vários

questionamentos acerca da validade da tradução literária.

Segundo Arrojo (2007, p. 25-26), “a grande maioria dos escritores e

poetas que abordam a questão da tradução de textos literários considera que

traduzir é destruir, é descaracterizar, é “trivializar”. Para sustentar essa afirmação,

Arrojo menciona o exemplo de Robert Frost (1874-1963), citado em conferência por

Donald Davie (1967-1968, apud ARROJO, 2007, p.26), que definiu como poesia

aquilo que se perde em qualquer tentativa de tradução. O grande filósofo Voltaire,

citado por PAES (1990, apud SOUZA, 1999) advertia a seus leitores que sempre

que vissem uma tradução, estariam vendo uma fraca estampa de um belo quadro. A

escritora Virginia Woolf (1938, apud MILTON, 1998), ao ler traduzidas obras russas

e gregas, pensava estar usando óculos errados, ou que houvesse uma neblina entre

ela e a página. As razões pelas quais essa ideia é reproduzida inclusive em um

provérbio italiano, tradutori, traditori, ou, tradutores, traidores, estão calcadas em

uma concepção de que a linguagem transporta significados absolutos, que devem

ser simplesmente transportados de um idioma para o outro sem que haja qualquer

perda na ideia do texto original e nenhuma mudança no estilo, e da ligação desses

significados às exatas palavras do original, como corpo e alma.

1 “...how one says something can be as important, sometimes more important, than what one says.” (LANDERS, 2001, p. 7).

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processo de tradução, é fundamental que todo o significado do texto original chegue

à língua alvo, para que possa ser utilizado da mesma maneira que o texto de

partida. Para Arrojo (2007), a visão de Nida sobre a tradução parece justificar a

tradução de textos não-literários, utilitária, transmitindo ideias objetivas para a

instrução sobre determinado assunto, mas não a tradução de textos literários.

Landers (2001) aprofunda o alcance do sentido da analogia, afirmando que “na

tradução técnica, a diferença na ordem dos vagões não apresenta qualquer

consequência se toda a carga chegar intacta. Na tradução literária, porém, a ordem

dos vagões – ou seja, o estilo – pode fazer a diferença entre uma tradução vívida e

atraente e uma versão rígida, emperrada e artificial que priva o original de sua

essência artística e estética, mesmo de sua alma.”2

2 “...in thechnical translation, the order of the cars is inconsequential if all the cargo arrives intact. In literary translation, however, the order of cars – which is to say the style – can make the difference between a lively, highly readable translation, and a stilted, rigid, and artificial rendering that strips the original of its artistic and aesthetic essence, even its very soul”. (LANDERS, 2001, p.7)

(LANDERS, 2001, p. 7, tradução

nossa).

Apesar de haver argumentos que expressam desconfiança quanto ao

valor e à possibilidade da tradução de textos literários, tais argumentos não se

sustentam frente à realidade cultural e do mercado editorial. Traduções de obras

literárias não são apenas possíveis como necessárias, ao facilitar o conhecimento do

trabalho de autores estrangeiros para um público que não teria acesso ou condições

de apreciar as publicações originais. Essa é uma realidade que se repete há

séculos e que tem demonstrado que os tradutores de textos literários têm

conseguido cumprir seus objetivos com sucesso. Podemos entender as reservas

colocadas quanto à tradução literária como fruto de uma concepção de que haveria

uma correspondência intrínseca, que todo texto traria significados imutáveis

embutidos em si, circunstância na qual “a tradução seria teórica e praticamente

impossível” (ARROJO, 2007, p. 42). O próprio contato do leitor ou tradutor com o

texto, levando-se em conta o efeito diferenciado que uma obra de arte provoca em

cada pessoa decorrente de sua cultura, realidade social, localização temporal,

possibilitará uma nova gama de visões e significados, interpretações e

transposições. A tradução que será realizada decorre também de uma leitura pois,

como muito claramente coloca Arrojo (2007, p. 22),

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[...] ainda que um tradutor conseguisse chegar a uma repetição total de um determinado texto, sua tradução não recuperaria nunca a totalidade do ‘original’; revelaria, inevitavelmente, uma leitura, uma interpretação desse texto que, por sua vez, será, sempre, apenas lido e interpretado, e nunca totalmente decifrado ou controlado.

Aubert (1994) discorre sobre o tema, observando que o processo

tradutório requer, em sua execução, várias alterações em nível macro e microtextual,

tais como a modificação da estrutura sintático-semântica da LP. Sendo assim,

durante o processo tradutório, há inevitalmente “alguma hesitação, improvisação e

recriação”, pelo tradutor. À guisa de exemplo, o autor fala sobre a tradução de textos

antigos escritos há séculos atrás, que certamente possuem palavras obsoletas. Não

obstante o léxico antigo proveniente de textos arcaicos, outras variáveis importantes

tais como a visão com que a obra esteja sendo abordada por ocasião da tradução, o

público-alvo da mesma e outras demandam estratégias e decisões do tradutor que

precisarão ser analisadas. De fato, o tradutor poderá escolher a atualização da

linguagem original, quer seja ela arcaica, ou manter a linguagem original atualizada

ou antiga, fazendo referência ao seu léxico original da época em nota de rodapé ou

glossário. O contexto em que essa tradução será inserida será, inclusive, tão

dinâmico que, em algumas décadas, seja necessária talvez uma nova tradução, já

que “mesmo se a fonte estiver em uma língua morta, a língua-alvo nunca permanece

estática” 3

O tradutor é lembrado quando fracassa e pouco reverenciado quando

logra êxito em suas traduções (AUBERT, 1994). Ao falar em servidões da tradução,

Aubert (1994) indaga até que ponto a tradução – sendo o produto alterado e diverso

da LP – é aceitável. Como já visto, não obstante o questionamento, o autor antecipa

uma possível resposta a esta pergunta lembrando que várias são as circunstâncias

em que a tradução se opera, por exemplo: fatores como o tempo (diacronia), os

culturais, inter e intrasubjetivos no processo tradutório de um dado texto. É nesse

(LANDERS, 2001, p.11, tradução nossa). Enfim, são vários os caminhos a

serem tomados pelo tradutor e vários percalços em qualquer um deles.

1.1.2 Da prática tradutória: uma revisão da literatura sobre estratégias em tradução

3 “Even when the source text is in a dead language, the target language never remains static” (LANDERS, 2001, p. 11)

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viés que o autor traz à baila uma discussão imprescindível para o tradutor: o foco no

processo tradutório.

É notório, pelo número de livros e vasta bibliografia sobre a tradução, que

o produto desta, ou a LC, é sempre trazido ou avaliado em primeiro lugar pelos

estudiosos, linguistas e profissionais da área. Com efeito, esse estudo avaliativo e

analítico do texto traduzido e pronto é de suma importância para os estudos da

tradução. Portanto, a atenção que vem sendo voltada para o processo tradutório –

suas etapas e fatores – são condições imprescindíveis para que os estudos sobre a

área da tradução avancem. Da mesma forma, a literatura descritiva desses

processos contribui consideravelmente para os estudos metacognitivos sobre a

tradução, facilitando a formação de tradutores.

Para Aubert (1994), a tradução faz-se necessária quando “venha a

ocorrer um bloqueio parcial ou total na relação comunicativa < > Receptor, e que

possa ser atribuído a interferências provocadas pela variação linguística” (AUBERT,

1994, p.10).

O raciocínio do autor pode ser demonstrado com o seguinte esquema:

O esquema mostra que uma nova relação comunicativa é criada (M2),

pela necessidade de remover os ruídos ou interferências da (M1). Para isto, o

tradutor deve estabelecer essa comunicação, transpondo a (M1) ao receptor,

estabelecendo, assim, um canal de comunicação sem ruídos.

Com o intuito de aclarar melhor o esquema proposto por Aubert (1994),

propomos a seguinte representação:

(1) EMISSOR M1 (mensagem 1) (bloqueio) RECEPTOR

(2) EMISSOR M2 (mensagem 2) RECEPTOR

Em que: M1 M2

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Emissão da Mensagem 1

Emissor Receptor

Ruído na transmissão da Mensagem 1

Tradutor: tradução da Mensagem 1 Mensagem 2

Mensagem 2 recebida

FIGURA 1 – Esquema de comunicação com ruído ou interferência

Ao falarmos em tradução interlinguística, convém mencionar o termo

equivalência textual. Esta foi e ainda é aduzida na literatura sobre a tradução como

uma nova mensagem gerada com o conteúdo correspondente ao de uma primeira

mensagem (M1) do esquema acima. Assim, a (M1), que não pode ser decodificada,

terá um equivalente (M2), que será criado para que o receptor receba o conteúdo da

(M1).

Segundo Catford (1976, p.29), o termo equivalência da tradução e seu

conceito operacional foram descobertos pela comparação de textos da LP e LC.

Vejamos os exemplos de que o autor lança mão:

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My son is six

Mon fils a six ans

Para Catford (1976), “a unidade tradutória” seria a unidade mínima

traduzível com significado. Por exemplo, ao dizermos: meu filho tem seis anos, mon

fils a six ans ou my son is six, encontramos o equivalente textual em 3 diferentes

idiomas.

No exemplo abaixo, constata-se que e o artigo definido “o”, tão peculiar

da estrutura da língua portuguesa, mesmo sendo opcional no caso citado, é

totalmente prescindido em casos onde sejam usados possessivos antes de um

substantivo, na língua inglesa, ilustrando um caso em que não há equivalência

gramatical de um elemento de uma das línguas. No exemplo abaixo, o artigo

também foi suprimido na língua francesa.

Ø My son has a car

O meu filho tem um carro

Ø Mon fils a six ans

O meu filho tem seis anos

Retornando ao esquema do bloqueio comunicativo sugerido por Aubert

(1994), é importante lembrar que a tradução nasce da necessidade de desfazer tal

bloqueio, e a variação linguística é que suscita tal necessidade. A priori, é comum

pensarmos em tradução interlinguística como se fosse a única ou a mais comum. No

entanto, há vários tipos de tradução, a saber, aquelas entre diferentes línguas, entre

diferentes regionalismos, entre termos diacrônicos, sociais, do texto oral ou grafadas

etc (AUBERT, 1991, p.11), como já vimos acima. Para exemplificar, pensemos num

texto médico com vocabulário especializado que somente pode ser entendido ou

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decodificado com a ajuda de um dicionário ou alguém da área médica que possa

explicá-lo.

Resumidamente, o contexto em que o tradutor se insere ao exercer sua

atividade é complexo. Tal complexidade já se inicia externamente, a partir das

diferentes maneiras como popularmente é visto o fenômeno da tradução. Dentre as

muitas ideias disseminadas sobre a atividade de traduzir, Alves et al. (2003) cita, por

exemplo, o fato de se achar que a tradução é uma atividade prática, que requer

apenas um conhecimento da língua e um bom dicionário. Essa opinião carece de

uma análise aprofundada da atividade tradutória, mas infelizmente se coaduna com

o modo como a figura do tradutor é tratada no mercado de trabalho e outras

circunstâncias em que um tradutor é necessário.

Não se reconhece o grau de aprofundamento com que um tradutor precisa

abordar o texto, a dificuldade e o tempo necessário para se chegar a um bom

resultado, além da necessidade de uma boa remuneração para compensar esses

esforços. Aceita-se de muito bom grado a possibilidade de inserir um texto em uma

máquina, visando a economia de dinheiro e esforço, sem se pensar que uma

máquina dificilmente chegará a trazer à tona as sutilezas e variações que a

linguagem apresenta em diversos casos.

Alves et al. (2003) assevera que a tradução de um texto é uma recriação

do mesmo em outro código linguístico e demanda “a sensibilidade e percepção do

tradutor”. A autora lança mão da seguinte observação: o tradutor experiente é

imbuído dessa “sensibilidade” citada acima, e necessariamente é um “leitor

proficiente e analista de textos.” (ALVES et al., 2003, p.22). Concordamos com Alves

et al. (2003), sobre o perfil de um bom tradutor, haja vista que traduzir é pensar na

língua, cultura e tudo relativo a estes elementos.

Sendo assim, pressupõe-se que um bom tradutor seja aquele que

conhece bem o léxico, cultura da LP e da LC, bem como outras características dos

idiomas, tais como estruturas morfossintáticas, sentidos equivalentes em um

determinado contexto. Não obstante esses conhecimentos, o tradutor deve trazer o

texto da LP para a LC conservando as mesmas características principais do assunto

e o modo que o texto deve ser lido ou apreciado.

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O fato é que é necessário que um tradutor também se beneficie de uma

formação para exercer seriamente sua atividade, o que o pesquisador Campbell

(1998 apud ALVES et al., 2003), diz envolver habilidades chamadas “inferiores”,

como o conhecimento da língua em seus aspectos lexicais, morfológicos e

sintáticos, e habilidades “superiores”, de maior complexidade, como o conhecimento

de aspectos textuais, coesão e coerência, macro-estruturas textuais, compreensão

de gêneros e o contexto em que o texto traduzido será inserido, entre outras.

As habilidades citadas acima envolvem o que Alves et al. (2003) classifica

como análise macro e microtextual. Entende-se por análise macrotextual a estratégia

com a qual o tradutor, ao fazer a leitura de um texto, reconhece aspectos que

determinam o gênero textual, utilizando seu conhecimento das convenções que o

caracterizam, e os padrões retóricos utilizados, que permitem classificar o texto

quanto a seus propósitos comunicativos, que podem ser uma narração, uma

exposição, uma descrição, entre outros. As estruturas macrotextuais reconhecidas

pelo tradutor também envolvem a coesão, conceito que se refere a relações

presentes entre aspectos superficiais do texto, como marcadores, palavras de

referência ou pertencentes a uma variedade lexical que combine com o assunto

explorado, e a coerência, que se trata das relações subjacentes à superfície do

texto, às quais se chega pelas estruturas superficiais, pelo conhecimento prévio do

tradutor ou pelo contexto.

Por análise microtextual se entende o tratamento que o tradutor dá aos

detalhes presentes em cada Unidade de Tradução (UT), delimitações feitas no texto

a partir da leitura pelo mesmo para a atribuição de significados na língua de

chegada. Partindo dessas unidades, que podem ser palavras, expressões, frases, o

tradutor avaliará os melhores pares linguísticos para a expressão daquilo que a

análise macrotextual delineou. Problemas podem surgir a cada passo da tradução

advindos das características lexicais das UTs encontradas, seus diversos

significados, analogias e referências que só façam sentido na língua de partida, e

dos contrastes gramaticais entre diferentes idiomas, a forma e função das palavras

em cada um e a ordem de disposição das mesmas.

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A atividade tradutória, entendida como processo em uma análise

aprofundada, por sua própria natureza pode vir a por em cheque a concepção de

que a fidelidade ao texto pode ser entendida como uma tradução literal das palavras

usadas por um autor no original. Para melhor proporcionar o acesso ao conteúdo de

um texto de partida, o tradutor deve realizar as escolhas que mais lhe sirvam para

expressar em uma nova língua sua leitura do que se apresenta no mesmo.

Tradutores diferentes podem atentar para detalhes diversos presentes

nas unidades de tradução, e mesmo encontrar unidades de tradução diferentes em

um texto, em contraste com a noção de que a unidade de tradução seria algo fixo,

como a menor unidade dotada de sentido em uma frase. Por fim, a vivência de cada

um pode trazer informações novas, mostrando que as exatas palavras de um texto

não são o único meio de expressar o significado implícito de um texto conforme as

supostas intenções do autor. Conforme a distância temporal e cultural que se coloca

entre o texto original e a tradução, o esforço do tradutor pode envolver mais

escolhas de interpretação, e os caminhos para se chegar a uma tradução satisfatória

variam mais. Isso é ilustrado de maneira interessante na interpretação que Alves et

al. (2003) dá para o dito clássico proferido por Cícero no século I a.C., “Not ut

interpres sed ut orator” como “Tão fiel quanto possível, tão livre quanto necessário”.

Agora, passemos para o segundo Capítulo que descreverá a metodologia

empregada no nosso trabalho monográfico.

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CAPÍTULO 2– METODOLOGIA

O objetivo deste Capítulo é apresentar o contexto em que o trabalho foi

escolhido e realizado, bem como descrever os procedimentos metodológicos

adotados para levarmos a presente pesquisa a cabo. Para tal, falaremos sobre o

corpus da pesquisa, tipo e abordagem, e por fim falaremos sobre os procedimentos

metodológicos.

2.1 Corpus da pesquisa

O texto “Professor Panini” foi escolhido por ocasião da avaliação na

disciplina de Tradução de Textos Literários, ministrada pela professora do nosso

curso de Especialização em Formação de Tradutores da Universidade Estadual do

Ceará, Ms. Maria da Salete Nunes. O trabalho consistia em selecionar um conto

para tradução em sites na internet.

Trata-se do gênero textual conto, que é uma ficção-científica com traços

predominantemente cômicos, que foi escolhido também de acordo com a predileção

e identificação do tradutor, que já escreveu histórias na mesma veia.

2.2 Natureza da pesquisa

Quanto à abordagem, a presente pesquisa é qualitativa e, quanto ao tipo,

é bibliográfica, pois “explica um problema a partir de referências teóricas”, bem como

se baseia na análise da literatura já publicada em forma de livros, revistas,

publicações avulsas, imprensa escrita e até disponibilizada na internet” (BASTOS,

2003, p.31).

Quanto aos fins, a pesquisa é descritiva, haja vista que busca descrever

fenômenos, “busca descobrir a frequência com que um fato ocorre, natureza, suas

características, causas, relações com outros fatos [...] Classifica e interpreta os

fatos” (BASTOS, 2003, p.31).

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Igualmente, Rudio (2004), assevera que a pesquisa descritiva objetiva

descobrir e observar certos fenômenos, a fim de “descrevê-los, classificá-los e

interpretá-los (RUDIO, 2004, p.71).

2.3 Procedimentos metodológicos

Primeiramente, selecionamos o texto para análise, como descrito no item

2.1 deste Capítulo. Em seguida, fizemos o levantamento da bibliografia utilizada

para a nossa análise. Em terceiro lugar, elegemos o tipo metodológico e critérios

para a análise do corpus.

Os critérios de avaliação utilizados na análise consistem em aspectos

propostos no livro “Traduzir com Autonomia” por Alves et al. (2003), já estudados no

capítulo anterior, divididos em macrotextuais (gênero, padrões retóricos, coesão e

coerência), e microtextuais, com os quais analisamos a equivalência léxica e

gramatical entre os termos e expressões utilizados na LP e na LC.

Tendo tudo isso em vista, passemos agora para o terceiro Capítulo que versa

sobre a análise dos excertos do conto “Professor Panini”.

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CAPÍTULO 3– ANÁLISE DE EXCERTOS DO TEXTO PROFESSOR PANINI

Neste Capítulo, faremos comentários pertinentes à tradução do conto

“Professor Panini”. Para tal, analisaremos o conto à luz dos critérios descritos no

Capítulo 2 e metodologia adotados. Para aclarar melhor a análise, faremos um

estudo tabulado de excertos (parágrafos) do conto traduzido, e faremos os

comentários destes logo abaixo.

3.1 Análise descritiva dos excertos do texto Professor Panini 3.1.1 Aspectos macrotextuais do conto

Os aspectos macrotextuais do conto traduzido estavam, desde o início,

bastante claros, com a pré-definição do gênero a ser traduzido. A história é narrada

de maneira ágil e concisa, caracterizando o gênero conto, sem maiores digressões

quanto à história pregressa dos personagens, descrições de ambientes, eventos

paralelos, o que expandiria o escopo da história, preferindo o autor construir o

cenário e personagens em suas características gerais, evidenciando traços mais

superficiais. As ideias dadas pelo autor, porém, são suficientes para possibilitar o

entendimento da situação, das ações e erros dos personagens, gerando o ambiente

fantástico e a comicidade pretendidos pelo mesmo. O padrão retórico do texto

apresenta características de narração contada em sequência temporal, com uma

pequena e breve exceção no início, em que o autor mostra sinais do que aconteceria

ao final da história de uma maneira ambígua, no excerto it resulted in my becoming a

kitchen employee, ou, em português, “acabou por me transformar em um empregado

de cozinha”, despertando o interesse na leitura sem entregar os detalhes que

acabam por tornar sua afirmação tragicamente irônica. O texto demonstra sua

coesão como sequência temporal utilizando expressões de tempo, como por

exemplo before (antes), in the end (no fim), as (que expressa sincronia de

acontecimentos), once (“uma vez que”, no sentido de narrar uma ordem de eventos

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em que o primeiro é necessário para que o segundo aconteça), when (quando),

moments later (momentos depois), then (então), after (depois), entre outras.

Notamos que o texto apresenta uma linguagem culta, porém acessível,

coerente com a condição social do personagem, que narra a história em primeira

pessoa, fornecendo por vezes comentários espirituosos sobre a dificuldade de sua

situação. Em nossa tradução, tentamos conservar os traços de sua linguagem, culta

mas não rebuscada. Acreditamos que, ao escolher distanciar um pouco a linguagem

do narrador em primeira pessoa do coloquial, o autor quis passar de uma maneira

mais acentuada, a imagem de uma pessoa comum, mas com peculiaridades de um

cientista, muito culto, isolado há algum tempo do mundo exterior, sua mente

habitando por um longo período quase que somente o mundo de sua pesquisa

científica. De acordo com nossa leitura, a linguagem culta apontaria, então, uma

maneira de fazer o leitor sentir o personagem em sua dimensão nerd, efetiva para as

intenções do autor, mesmo não se coadunando totalmente com a realidade. Serviria,

também, como expressão do fato da história não se passar nos dias atuais, e sim

num futuro não muito distante, um detalhe evocado de maneira mais efetiva pelo

distanciamento do personagem principal do leitor por meio da linguagem.

Procederemos, agora, à análise da tradução a partir de excertos, cujo

destaque possibilitará a discussão em maiores detalhes das escolhas feitas ao

passá-lo para a LC.

3.1.2 Aspectos microtextuais do conto

Excerto 1 (LP) Excerto 1 (LC)

Before my many years’ service in a restaurant, I attended a top science university. The year was 2023 and I was finishing the project that would win me my professorship. In the end, it resulted in my becoming a kitchen employee.

Antes de iniciar meus anos de serviço em um restaurante, eu frequentei uma das mais conceituadas universidades científicas. O ano era 2023 e eu estava terminando o projeto que me alçaria ao cargo de professor. E que, no fim das contas, acabou por me transformar em um empregado de cozinha.

Quadro 1 – Excerto 1

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Logo na primeira linha da tradução, é possível notar a diferença entre a

referência feita aos anos de serviço do personagem principal em um restaurante nas

duas línguas. O original utiliza a expressão many years’ service, que seria

literalmente traduzida como “serviço de muitos anos”. Ao pensar a tradução da frase

inteira para o português, percebemos a estranheza e a ambiguidade da construção

em nossa língua, que seria “antes do meu serviço de muitos anos em um

restaurante”. Um “serviço de muitos anos” pode também se referir a um serviço feito

por um tempo limitado, não somente aos anos de trabalho de uma pessoa como

empregado. Portanto, preferimos fazer a tradução como uma sentença mais clara,

“antes de iniciar meus anos de serviço em um restaurante”, que também serviria ao

propósito de utilizar uma linguagem mais formal.

Outra adaptação interessante é feita quanto à expressão top university,

que literalmente seria “universidade do topo”, ou “top de linha”. No primeiro caso, a

expressão simplesmente não existe na LC, enquanto que no segundo se trata de

uma expressão bastante recente e coloquial, mais usada para produtos

industrializados. Como desejávamos evitar coloquialismos, fizemos opção pela

tradução “uma das mais conceituadas universidades científicas”.

Ainda nesse excerto, foi feita a tradução de would win me my

professorship como “me alçaria ao cargo de professor”. A escolha foi feita de adaptar

a expressão would win me (ganharia para mim, ou me faria ganhar) para “me

alçaria”, que em nossa opinião daria um caráter mais formal e acadêmico à frase, ao

mesmo tempo em que a palavra professorship, por uma razão estética, não foi

traduzida como “professorado” para evitar exageros de formalidade, já que a

linguagem culta do personagem não nos parecia dever ser muito carregada. Outra

construção típica da língua de partida na última frase, que não teria tradução literal

na língua de chegada é my becoming, traduzida como “meu tornar”. Essa expressão

é precedida pelo verbo to result no passado, que poderia ser traduzido como

“resultou em”. Porém, pelas mesmas razões pelas quais não havíamos utilizado

“professorado” na sentença anterior, preferimos utilizar a expressão “acabou por me

transformar”, mais típica e frequente no português, pertencendo, ao mesmo tempo, à

norma culta.

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Excerto 2 (LP) Excerto 2 (LC)

My forty-second birthday had made a lonely visit the week before, and I was once again by myself in the flat. Like countless other mornings, I ordered a bagel from the toaster. 'Yes, sir!' it replied with robotic relish, and I began the day's work on the project. It was a magnificent machine, the thing I was making - capable of transferring the minds of any two beings into each other's bodies.

Meu aniversário de 42 anos me fizera uma solitária visita na semana anterior, e novamente eu me encontrava sozinho em meu apartamento. Como em incontáveis outras manhãs, pedi à torradeira um bagel para o café. “Sim, senhor!”, ela respondeu com uma satisfação robótica, e então, comecei meu dia de trabalho em meu projeto. Era uma máquina magnífica, a coisa que eu estava construindo – capaz de transferir as mentes de quaisquer dois seres para os corpos um do outro.

Quadro 2 – Excerto 2

O segundo excerto inicia com o número ordinal forty-second, ou

quadragésimo segundo, se referindo ao aniversário do narrador na semana anterior.

Uma tradução literal, aqui, não era uma opção, pois os números ordinais não são

usados para se referir a idade na LC. Foi necessária uma pesquisa para

esclarecimento do sentido exato da palavra bagel, que pelo texto fica claramente

definido como um pão, ou massa, já que o narrador pede um à torradeira. Após

pesquisa no site de procura Google.com, vários resultados demonstraram que a

palavra não dispunha de tradução na LC. Decidi, portanto, manter a palavra original,

já que todas as referências na LC se referiam a esse pão pelo mesmo nome.

Consumido, principalmente, em grandes centros onde há concentração da

população judaica, como Nova Iorque, Montreal, Toronto e Londres, o bagel é um

pão moldado a mão em forma de anel, feito com farinha de trigo fermentada. Como

o narrador no texto deixa claro o horário em que a ação se desenvolve, pela manhã,

resolvemos complementar a fala especificando que o bagel era “para o café”,

adicionando um pormenor cultural e trazendo mais informação sobre o alimento, que

é consumido mais frequentemente no café da manhã.

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Excerto 3 (LP) Excerto 3 (LC) As the toaster began serving my bagel on to a plate, I realized the project was in fact ready for testing. I retrieved the duck and the cat - which I had bought for this purpose - from their containers, and set about calibrating the machine in their direction. Once ready, I leant against the table, holding the bagel I was too excited to eat, and initiated the transfer sequence. As expected, the machine whirred and hummed into action, my nerves tingling at its synthetic sounds.

Ao que a torradeira começou a servir meu bagel em um prato, percebi que o projeto estava de fato pronto para a fase de testes. Retirei o gato e o pato – que eu havia comprado para este propósito – de suas jaulas, e comecei a calibrar a máquina na direção dos mesmos. Uma vez pronto, apoiei-me em uma mesa, segurando o bagel que estava excitado demais para comer, e iniciei o procedimento de transferência. Como esperado, a máquina chiou e zumbiu ao entrar em ação, meus nervos tinindo ao ouvir seus sons sintéticos.

Quadro 3 – Excerto 3

A expressão ready for testing, no final do primeiro período desse excerto,

pode ser traduzida literalmente como “pronto para testar”, ou “pronto para testes”.

Nossa preferência neste caso foi traduzir a expressão como “pronto para a fase de

testes”, conferindo uma expressão mais científica e formal para o linguajar do

narrador, o que não seria alcançado na LC com “pronto para testar”, e resultaria

menos eficaz neste sentido se traduzido como “pronto para testes”.

Note-se, também, que a ordem das palavras duck (pato) e cat (gato) foi

trocada na LC, pelo motivo de que nos soa mais típica foneticamente na mesma a

ordem “o gato e o pato”, ao invés de “o pato e o gato”. Para Alves et al. (2003), trata-

se de um caso de não-equivalência a nível de “grupos convencionais” de palavras

ou “colocações”, que devem receber atenção quando se está traduzindo, devido à

sua co-ocorrência frequente na LC. Por esse motivo, expressões do inglês como

“have a seat” não são traduzidas como “tenha um assento”, e sim “sente-se”, que é a

expressão normalmente utilizada, ou é esperado que se ouça “pão com manteiga”

ao invés de “manteiga com pão”. Talvez a impressão da maior naturalidade da

ordem “o gato e o pato” possa advir do componente sonoro mais convencional na

LC a partir da expressão “fazer gato e sapato”.

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Excerto 4 (LP) Excerto 4 (LC) The machine hushed, extraction and injection nozzles poised, scrutinizing its targets. The cat, though, was suddenly gripped by terrible alarm. The brute leapt into the air, flinging itself onto the machine. I watched in horror as the nozzles swung towards me; and, with a terrible, psychedelic whirl of colours, felt my mind wrenched from its sockets.

A máquina silenciou-se, com seus bicos de extração e injeção direcionados, analisando seus alvos. O gato, porém, foi de repente sacudido por um pânico terrível. O animal saltou para o ar, atirando-se para cima da máquina. Vi, aterrorizado, quando os bicos balançaram em minha direção; e, com um terrível e psicodélico redemoinho de cores, senti minha mente ser sugada de seu lugar natural.

Quadro 4 – Excerto 4

A tradução da palavra nozzle foi feita a partir de seu sinônimo na LP,

beak, ou bico, que, em nossa opinião, designaria melhor o tipo de acessório da

máquina de transferência mental, já que outras acepções de nozzle, como nariz, ou

focinho não fariam uma referência natural a uma peça de máquina. Talvez, dada a

oportunidade de revisar a tradução, a palavra “bicos” poderia ser substituída por

“antenas”, o que combinaria mais com o tipo de máquina com a mesma função que

aparecem em filmes de ficção científica. Porém, a palavra “bicos” também passa a

impressão de estruturas que apontam para as cobaias.

Um verbo no texto original, scrutinize, não foi visto como apropriado para

a tradução em português. “Escrutinizar” soaria muito exótico, e tendo em mente o

objetivo de não exagerar demais a formalidade da linguagem do narrador, preferi o

mais comum “analisar”. Outra expressão que não pôde ser traduzida literalmente foi

gripped by a terrible alarm, que seria “agarrado por um terrível alarme”, que soaria

estranho na LC, pois o significado da palavra alarme é muito mais associado a

aparelhos de segurança ou despertadores, embora mais raramente possa ser usado

no sentido de alerta. A sensação que o gato apresentou na passagem pareceu,

então, ser melhor demonstrada com “foi sacudido por um pânico terrível”, passando

a ideia de uma reação abrupta, além de colocar o adjetivo terrível após o

substantivo, na ordem natural dos adjetivos na LC.

Ainda nesta passagem, é usada a palavra sockets para se referir ao lugar

previamente ocupado pela mente do narrador. Geralmente sockets, traduzido

literalmente como “soquetes”, se referiria à órbita onde se localizam os olhos, tendo

sido assim a palavra emprestada pelo autor para designar a localização da mente.

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Havia a possibilidade de traduzir felt my mind wrenched from its sockets como “senti

minha mente ser sugada de suas órbitas”, mas como já havia decidido por uma

simplificação em certas passagens para não exagerar na formalidade e

distanciamento do linguajar do narrador, preferimos a tradução mais simples

“sugada de seu lugar natural”, clara e direta.

Excerto 5 (LP) Excerto 5 (LC)

When I awoke, moments later, I noticed first that I was two feet shorter. Then, I realised the lack of my limbs, and finally it occurred to me that I was a toaster. I saw immediately the solution to the situation - the machine could easily reverse the transfer - but was then struck by my utter inability to carry this out.

Quando acordei, momentos depois, notei primeiro que estava quase um metro mais baixo. Então, percebi a falta de meus membros, e finalmente me ocorreu que eu era uma torradeira. Vi imediatamente a solução para a situação – a máquina podia facilmente reverter a transferência – mas então minha total inabilidade de por isto em prática me ocorreu.

Quadro 5 – Excerto 5

A tradução desse excerto foi mais literal, com algumas exceções, como a

adaptação da medida two feet, ou “dois pés”, para “quase um metro”, que expressa

a mesma medida de maneira aproximada, já que seu valor exato seria quebrado.

Além disso, houve a transposição para o sistema métrico utilizado pelos falantes da

LC. Há, também, a adaptação do particípio do verbo to strike, que é struck, que

significa “atingido”, “golpeado”. Usado normalmente para expressar quando alguém

percebe um fato chocante repentinamente na LP, mas atípico na LC, foi substituído

por “ocorrer”, que tem sentido similar na LC, uma ideia repentina.

No final do parágrafo, temos o “phrasal verb” carry out, que, como a

maioria dos phrasal verbs, tem um sentido completamente diferente do que as

palavras que o compõem expressariam se traduzidas literalmente. Como carry out

significa realizar uma ação, cumprir um plano pré-concebido, pareceu adequada sua

tradução como “por em prática”.

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Excerto 6 (LP) Excerto 6 (LC)

After some consideration, using what I supposed must be the toaster's onboard computer, I devised a strategy for rescue. I began to familiarise myself with my new body: the grill, the bread bin, the speaker and the spring mechanism. Through the device's rudimentary eye - with which it served its creations - I could see the internal telephone on the wall. Aiming carefully, I began propelling slices of bread at it. The toaster was fed by a large stock of the stuff, yet as more and more bounced lamely off the phone, I began to fear its exhaustion.

Depois de algumas considerações, usando o que eu supunha ser o processador interno da torradeira, projetei uma estratégia de resgate. Comecei a me familiarizar com meu novo corpo: o grill, a tigela de pão, o alto-falante e o mecanismo de molas. Através do olho rudimentar do aparelho – com o qual servia suas criações – eu podia ver o interfone na parede. Mirando cuidadosamente, comecei a jogar pequenos pedaços de pão no mesmo. A torradeira era abastecida por um enorme estoque desse negócio, mas ao ver mais e mais pedaços quicarem no interfone sem resultado, comecei a temer pelo fim do mesmo.

Quadro 6 – Excerto 6

A palavra consideration neste excerto é usada no singular, no sentido de

reflexão, o ato de refletir. Na LC, a palavra “consideração” daria um sentido confuso

à frase, pois é muito mais comum seu uso como sinônimo de “estima” por outra

pessoa. Para evitar a estranheza que a palavra causaria, foi escolhido o uso da

palavra no plural, que mais claramente expressa o sentido de “pensamentos”. A

palavra grill, na segunda frase, foi deixada sem tradução, já que a mesma é usada

corriqueiramente sem mudanças no português, inclusive com mais frequência que o

equivalente “grelha”.

A palavra stuff na LP não é contável e pode ser traduzida como “coisa”,

“material”, “negócio”. Na LC, essa última palavra passa a sensação de

estranhamento do narrador com o material presente na torradeira mais

marcadamente que as outras traduções possíveis. Lamely, na última sentença, na

qual o narrador comenta o modo como os farelos de pão batiam no interfone, é um

advérbio de modo derivado do adjetivo lame que, entre outros significados, pode ser

traduzido como “coxo”, “manco” ou “imperfeito”. Ficou claro que o termo, por falta de

um equivalente direto, precisaria de uma adaptação para se adequar ao contexto da

tentativa fracassada de mover o interfone na LC, tendo sido escolhida a expressão

“sem resultado”.

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Excerto 7 (LP) Excerto 7 (LC)

Toasting the bread before launch proved a wiser tactic. A slice of crusty wholemeal knocked the receiver off its cradle, and the immovable voice of the reception clerk answered. Resisting the urge to exclaim my unlikely predicament, I called from the table: 'I'm having a bit of trouble up here, Room 91. Could you lend a hand?'

Tostar o pão antes de lançá-lo provou ser uma tática mais sábia. Um pedaço de pão integral crocante deslocou o receptor de seu pedestal, e a voz inalterável do zelador respondeu. Resistindo à vontade de gritar em desespero por minha situação improvável, falei de cima da mesa: “Estou tendo um probleminha aqui em cima, Suíte 91. Poderia me dar uma mãozinha?”

Quadro 7 – Excerto 7

No caso da palavra wholemeal, que tem a tradução “integral” na LC,

somente a mesma foi usada para indicar “pão integral” no texto original. Foi

necessário adicionar a palavra “pão” para esclarecer melhor a passagem para os

leitores, já que “integral” no português é utilizado como adjetivo, qualificando

substantivos.

O trecho Resisting the urge to exclaim my unlikely predicament apresenta

outra adaptação, já que na LC, de maneira literal, seria traduzido como um conjunto

de palavras que soaria redundante e, no caso de “exclamar”, estranho, que seria

“Resistindo à ânsia de exclamar minha improvável situação difícil”. A omissão de

alguns adjetivos e a transformação do verbo “exclamar” em “gritar” resultou na

tradução “Resistindo à vontade de gritar em desespero por minha situação

improvável”, tendo a adição do substantivo “desespero” adicionado ao sentido da

frase, intensificando indiretamente a expressão “vontade de gritar”, e conferindo um

aspecto que se encaixa melhor com a palavra urge, ou “ânsia”, no original, que

simplesmente a palavra “vontade”.

Excerto 8 (LP) Excerto 8 (LC)

'Certainly, sir. There's a burst water pipe on the floor above, I suppose I'll kill two birds with one stone and sort you out on the way,'

“Com certeza, senhor. Tem um cano de água rachado no andar de cima, acho que vou matar dois coelhos com uma cajadada só e vou aí lhe ajudar no caminho!”

Quadro 8 – Excerto 8

Nesse excerto, é notável a adaptação da expressão idiomática I’ll kill two

birds with one stone para “vou matar dois coelhos com uma cajadada só”, uma

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substituição possível por, felizmente, existir uma expressão de mesmo sentido tanto

na LP como na LC. Apesar de não utilizarem os mesmos substantivos, ambas falam

de aproveitar um único esforço para cumprir dois objetivos, caracterizando a uma

metáfora similar. Em casos que apresentassem expressões em que o sentido não

fosse tão claro, caberia ao tradutor pesquisar ou usar sua criatividade para encontrar

uma saída satisfatória para a LC. Tais casos se configuram muito mais

frequentemente que se imagina, já que o uso de metáforas não está limitado à

linguagem literária, fazendo parte também da liguagem do dia-a-dia, como explicita

Alves et al. (2003) ao citar o linguista George Lakoff e o filósofo Mark Johnson (1980,

apud ALVES et al., 2003, p. 98), para quem “a essência da metáfora consiste (...) em

entendermos e experimentarmos uma coisa em termos de outra”, acrescentando,

ainda, que em decorrência disso o próprio pensamento humano seria metafórico em

seus processos, pois os elementos que utiliza para elaborar ideias são definidos

metaforicamente.

Excerto 9 (LP) Excerto 9 (LC)

The clerk arrived promptly, leaving his 'caution, wet floor' sign in the corridor. He came in, surveying the room in his usual dry, disapproving fashion. I spoke immediately, saying I was on the intercom, and requested that he simply press the large button on the machine before him. 'This one, sir?' he asked, and before I could correct him, the room was filled with a terrible, whirling light, and he fell to the ground.

O zelador chegou prontamente, deixando seu cartaz de “Cuidado, chão molhado” no corredor. Ele entrou, vistoriando a sala com seu ar de desaprovação de costume. Eu falei imediatamente, dizendo que estava no interfone, e pedi que ele simplesmente pressionasse o grande botão na máquina a sua frente. “Este, senhor?”, ele perguntou, e antes que eu pudesse corrigi-lo, o quarto foi tomado por uma terrível luz rodopiante, e ele caiu no chão.

Quadro 9 – Excerto 9

A tradução desse excerto também se caracterizou principalmente pela

literalidade, sendo digna de nota a substituição da do par adjetivo-substantivo

disapproving fashion por “ar de desaprovação”, dada a dessemelhança da LP com a

LC ao expressar o modo de agir do zelador. A palavra fashion, que literalmente

poderia ser traduzida como “moda”, pode ser empregada metaforicamente para se

referir ao modo de ser de alguém ou o modo de fazer algo. No caso do modo de ser,

uma metáfora similar na LC seria ter um “ar” de alguma coisa, um emprego da

palavra “ar” diferente do sentido original da palavra.

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Excerto 10 (LP) Excerto 10 (LC)

A minute later he stood up again, uncertainly, and began moving in a manner that can only be described as a waddle. The duck, meanwhile, was scrutinising the flat with an air of wearied distaste. I gazed at the scene with dismay. Suddenly an idea struck the clerk, and with avian glee he tottered towards the window. I spluttered a horrified warning to no avail. He leapt triumphantly from the balcony, spread his 'wings' and disappeared. I would have wept, but managed only to eject a few crumbs.

Um minuto depois ele se levantou novamente, com passos incertos, e começou a se mover de uma maneira que só poderia ser descrita como um bamboleio. O pato, enquanto isso, estava vistoriando o apartamento com um ar de desgosto cansado. Eu observava a cena com desânimo. De supetão, uma idéia ocorreu ao zelador, e com um brilho aviário nos olhos, ele pulou até a janela. Cuspi um alerta horrorizado sem qualquer utilidade. Ele saltou triunfante do parapeito, abriu as “asas”, e desapareceu. Normalmente, eu teria começado a chorar, mas tudo o que pude fazer foi ejetar alguns farelos.

Quadro 10 – Excerto 10

No início desse excerto, temos a frase A minute later he stood up again,

uncertainly, and began moving in a manner that can only be described as a waddle.

A palavra uncertainly, ou seja, “incertamente” ou “de maneira incerta”, “irregular”, foi

substituída por “com passos incertos”, de modo que este grupo de palavras deixa

mais clara a descrição do andar titubeante do corpo do zelador ocupado pela mente

do pato na LC. O verbo to splutter, aqui utilizado no passado, foi substituído pelo

equivalente “cuspir”, metaforicamente usado para designar uma fala precipitada,

pouco clara. Apesar da tradução mais literal de splutter ser “balbuciar”, o desespero

e absurdo da situação, em nossa opinião, ficaram mais intensamente retratados pelo

verbo “cuspir”, uma intensidade necessária para um dos eventos mais

surpreendentes do conto.

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Excerto 11 (LP) Excerto 11 (LC)

Hours of melancholy calculation and terrible guilt gave no progress, and left me with a woeful regret for the day's events. Determined not to give up hope, I began to burn clumsy messages into slices of bread, and slung these desperate distress calls through the window. I sought not only my own salvation, but also to account for the bizarre demise of the clerk, who must no doubt have been discovered on the street below. I soon found my bread bin to be empty, and sank again into a morose meditation.

Horas de maquinações melancólicas e um terrível sentimento de culpa não faziam qualquer progresso, e me deixaram com um pesaroso arrependimento quanto aos acontecimentos do dia. Determinado a não perder as esperanças, comecei a queimar mensagens desajeitadas em pedaços de pão, e arremessei estes desesperados pedidos de socorro pela janela. Eu buscava não somente minha própria salvação, mas também responder pelo bizarro destino do zelador, cujo corpo sem dúvida já devia haver sido descoberto na rua abaixo. Logo descobri estar vazia a vasilha do pão, e me afundei novamente em uma morosa meditação.

Quadro 11 – Excerto 11

A tradução do presente excerto também apresentou uma equivalência

bem clara entre a LP e a LC. Não foram necessárias muitas adaptações, mas

somente um cuidado com a linguagem do narrador, que na LP utiliza, por exemplo,

verbos como a forma pretérita sought, de to seek, ao invés de colocar expressões

mais coloquiais como to look for, demonstrando sua linguagem culta. A

caracterização dessa linguagem foi feita em alguns casos mantendo a ordem

adjetivo-substantivo da LP, como no caso de morose meditation, ou “morosa

meditação”, conferindo uma característica literária, culta, mas sem exageros.

Excerto 12 (LP) Excerto 12 (LC)

A large movement shocked me from my morbid contemplation. Before me, having clambered up from the floor, stood my own body. It regarded me with dim cheer.

'I have been upgraded,' it announced in monotone. The room was silent as I struggled to cope with this information. Then:

'Would you like some toast?'

Um grande movimento me sacudiu de minha contemplação mórbida. Diante de mim, tendo se levantado com dificuldade do chão, estava meu próprio corpo. Ele me olhava com uma alegria apagada. “Fui atualizada!”, anunciou com uma fala monótona. O quarto estava silencioso enquanto eu me esforçava para enfrentar esta informação. Então: “Gostaria de uma torrada?”

Quadro 12 – Excerto 12

Esse excerto se inicia com a frase A large movement shocked me from

my morbid contemplation, na qual o verbo to shock teve de ser adaptado por não ser

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usado em sua tradução literal “chocar” na LC para descrever a ação em questão,

onde o narrador foi bruscamente retirado de sua meditação. Foi preferido o verbo

“sacudir”, mais tipicamente utilizado. To clamber, um verbo que é traduzido como

“escalar”, foi utilizado metaforicamente para descrever o modo de se levantar do

corpo do narrador ocupado pela mente da torradeira, dando a entender a lentidão

com que ele se levantou. Assim, foi possível descrever na LC a ação como “levantar-

se com dificuldade”.

A tradução literal de frases como I’ve been upgraded para “Fui atualizada”

foi efetiva para manter a comicidade do raciocínio da torradeira ao se encontrar no

corpo do cientista, demonstrando que o conhecimento das similaridades entre

diferentes idiomas também pode ajudar o tradutor a transpor as intenções originais

do autor para a LC.

Excerto 13 (LP) Excerto 13 (LC)

The truth dawned on me, and I wasted no time in seeing the utility of this revelation. I informed the toaster, which was now in control of my body, that I wished it to fetch help. It regarded me warily, then asked if I would like that buttered. Maintaining patience, I explained the instruction more thoroughly. I watched with surreal anticipation as my body of forty-two years jerked its way out of the flat. It rounded the corner, and there was a hope-dashing crash. It had tripped up on the 'caution: wet floor' sign. To my joyous relief, however, I heard the thing continue on its way down the corridor.

Foi então que percebi a verdade, e não perdi tempo em ver a utilidade desta informação. Falei à torradeira, que agora controlava meu corpo, que eu gostaria de pedir ajuda. Ela me olhou cautelosamente, e perguntou se eu queria com manteiga. Mantendo a paciência, expliquei tudo mais claramente. Assisti com surreal expectativa enquanto meu corpo de quarenta e dois anos se sacudia para fora do apartamento. Ele dobrou a esquina, e ouvi um impacto que abalou minhas esperanças. Tinha tropeçado na placa de “Cuidado: chão molhado”. Para meu alívio, porém, eu ouvi a coisa continuar seu caminho pelo corredor.

Quadro 13 – Excerto 13

The truth dawned on me é outra expressão metafórica típica da LP,

sem um equivalente na LC com o qual se tenha uma metáfora no mesmo sentido.

Como não se trata de uma metáfora criada pelo autor com um propósito especial, e

sim de uma expressão idiomática usada na literatura, portanto, não essencial ao

estilo da narração, decidi por traduzi-la em uma linguagem literal na língua

portuguesa, como “Foi então que percebi a verdade”. Note-se também a tradução

mais econômica de jerked its way out of the flat como “se sacudia para fora do

apartamento”. Escolhi deixar a palavra way, “caminho”, fora da tradução, que seria

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“sacudia seu caminho para fora do apartamento”, que soaria inusitado na LC, ou “se

sacudia em seu caminho para fora do apartamento”, onde a palavra “caminho”

poderia ser omitida sem perdas de sentido.

Excerto 14 (LP) Excerto 14 (LC)

Minutes passed, then hours. I entertained myself flicking wheat-based projectiles at the cat. On the dawn of the third day, I concluded that the toaster had failed in its piloting of my body, and that help was not on its way. Gripped by the despair of one who must solve the puzzle of toaster suicide, I resigned myself to my fate.

Minutos se passaram, e então horas. Como passatempo, eu jogava projéteis à base de trigo no gato. Ao amanhecer do terceiro dia, concluí que a torradeira havia falhado ao pilotar meu corpo, e que a ajuda não chegaria. Tomado pelo desespero de alguém que deve resolver o enigma do suicídio de uma torradeira, resignei-me ao meu destino.

Quadro 14 – Excerto 14

A expressão I entertained myself nesse excerto foi traduzida de maneira

não literal. O que seria “eu me entretive” ou “eu me entretinha” em uma tradução

exata, foi substituído por “como passatempo”, resultando a frase inteira em “Como

passatempo, eu jogava projéteis à base de trigo no gato”. A opção “Eu me entretinha

jogando projéteis à base de trigo no gato”, embora possível, nos pareceu menos

natural, e a tradução escolhida pareceu satisfazer o compromisso em utilizar uma

linguagem formal, mas sem exageros de formalidade.

O verbo to grip, utilizado no texto na forma do particípio passado, gripped,

teria um sentido literal de “agarrar”, “conter”. “Agarrado pelo desespero”, que seria

então a tradução literal do início da última frase, porém, mostrar-se-ia inadequado na

LC, sendo dessa vez a forma verbal “tomado” adequada para indicar o domínio do

protagonista pelo sentimento.

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Excerto 15 (LP) Excerto 15 (LC)

Pushed on by a grim fervour, I began igniting the entire stock of bread. As the smoke poured from my casing, and the first hints of deadly flame flickered in my mechanisms, I began the solemn disclosure of my own eulogy.

Suddenly the fire alarm leapt into action, hurling thick jets of water across the flat, desperate to save its occupants. A piercing wail erupted from all sides, and a squabbling mixture of annoyance, relief and curiosity filtered into my mind.

Levado por um fervor sinistro, comecei a por fogo em todo o estoque de pão. Enquanto a fumaça se derramava de meu invólucro, e os primeiro sinais de chama mortal piscavam em meus mecanismos, iniciei o solene pronunciamento de meu próprio elogio fúnebre. Inesperadamente, o alarme de incêndio se pôs em ação, lançando espessos jatos d'água pelo apartamento, desesperado para salvar seus ocupantes. Uma cortante sirene eclodiu de todos os lados, e uma inquieta mistura de incômodo, alívio e curiosidade invadiu minha mente.

Quadro 15 – Excerto 15

O presente excerto contém várias pequenas adaptações, começando pela

tradução de pushed, que ao invés de ser traduzido como “empurrado”, foi traduzido

como “levado”, que pareceu mais adequado à situação por seu uso mais clássico na

LC. A expressão the smoke poured, novamente uma descrição metafórica do autor,

foi conservada na tradução como “a fumaça se derramava”, talvez evocando o

sangue que o narrador teria em seu corpo original. A palavra disclosure, “revelação”

na LC foi mudada para “pronunciamento”, que melhor se coadunava com o caráter

de discurso do elogio fúnebre do narrador.

Excerto 16 (LP) Excerto 16 (LC)

Once the firemen had visited and deactivated the alarm, I was identified as the fault, unplugged and hauled away to a repair shop. The staff there, finding nothing to remove but a faulty speech chip, apparently put me up for sale. I only know this because, on being reconnected to the mains, I found myself in a shiny, spacious kitchen. Missing my electronic voice, I could only listen to the conversation of the staff, discussing the odd conduct of their new cook. The end of their hurried discussion heralded his arrival. I gazed at the door in silent surrender, as my body stepped proudly on to the premises, displaying its newly designed menu. At the top of the list I could discern 'Buttered bagel'.

Uma vez que os bombeiros haviam chegado e desativado o alarme, eu fui identificado como o causador do incêndio, desconectado e levado à assistência técnica. O pessoal de lá, ao não achar qualquer peça defeituosa, a não ser o chip da fala, aparentemente me colocou à venda, e somente sei disto porque, ao ser reconectado à tomada, encontrei-me em uma brilhante e espaçosa cozinha. Sentindo falta de minha voz eletrônica, eu só podia ouvir a conversa dos empregados, discutindo o comportamento estranho de seu novo cozinheiro. O fim abrupto da discussão apressada marcou sua chegada. Olhei para a porta em silenciosa resignação, enquanto meu antigo corpo entrava orgulhosamente pelas instalações, mostrando seu novo menu. Bem no começo da lista, com algum esforço consegui ler: “Bagel com manteiga”.

Quadro 16 – Excerto 16

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A expressão repair shop do texto original em inglês foi substituída nessa

tradução por “assistência técnica”, uma maneira diferente de se referir ao mesmo

tipo de estabelecimento, ao mesmo tempo sendo melhor que “loja de consertos” ou

“casa de concertos”, expressões não utilizadas na LC, e menos confusa que chamar

o local de “oficina”. The end of their hurried discussion heralded his arrival foi

traduzido como “O fim abrupto da discussão apressada marcou sua chegada”. As

diferenças entre o original e a tradução são a introdução da palavra “abrupto”

reforçando a descrição da ação, a retirada do adjetivo possessivo their, ou deles,

para evitar uma tradução muito literal e a inadequação de uma expressão que soaria

óbvia demais, pois é possível entender que a discussão se trata da mesma na frase

anterior, e a mudança do verbo to herald, que pode ser traduzido como “anunciar”,

“proclamar”, para “marcar”, que é outra opção válida para expressar o fato de que o

fim da discussão indicou a chegada do novo cozinheiro.

Por fim, faremos uma breve reflexão do nosso trabalho, com o intuito de

respondermos à pergunta de pesquisa feita no início do mesmo, rechaçarmos ou

não a hipótese e adicionarmos outras observações que, ao final do trabalho,

reputamos importantes.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como visto acima, a tarefa tradutória visualizada minuciosamente revela um

grande empenho e esforço. Tradutores de qualquer idioma ou gênero, ao curso da

transformação de um simples texto, podem incorrer em tantas transposições,

analogias, adaptações, e tantos detalhes presentes em simples atos tradutórios que,

dependendo da complexidade da tarefa, podem render muitas considerações a mais

acerca de sua atividade. Tais considerações são um meio extremamente rico de

aprofundar a consciência dos mesmos sobre a atividade que desempenham, a cada

passo desse processo evoluindo em profissionais mais bem preparados, com uma

visão mais crítica e consciente sobre seu ramo de atividade. Direcionar nossos

olhares para nossas atividades tão frequentemente desempenhadas proporciona-

nos uma chance de ouro de, através da reflexão, apresentarmo-nos cada vez mais

seguros e eficientes para oferecer o melhor possível em termos de traduções

competentes, com o efeito desejado.

Debruçar-se sobre a atividade que se desempenha com um olhar analítico e

elaborar sobre aquilo que naturalmente se faz na prática tem um efeito salutar sobre

a prática de qualquer profissional: o esclarecimento sobre seus pontos fortes e suas

fraquezas, a informação sobre quais capacidades são melhor desempenhadas em

seu trabalho, e em quais pontos são necessárias melhoras. No caso do tradutor,

essa consciência vem da constante análise de suas habilidades linguísticas e

conhecimentos culturais. Esse fato só vem a destacar o valor que cursos de

formação de tradutores podem ter na profissionalização e valorização do tradutor.

Com efeito, várias universidades do Brasil vêm alterando as suas grades e criando

mais cursos de formação de tradutores, como é o exemplo desta Universidade, com

o objetivo de qualificar tradutores para o mercado de trabalho e realizar mais

estudos com foco na prática tradutória, como bem lembrou Aubert (1991), ao afirmar

que os tais estudos voltados para a práxis eram necessários.

Em relação aos objetivos e à pergunta de pesquisa elaborada antes da

escritura desse trabalho monográfico, chegamos à conclusão de que o

conhecimento das estratégias e procedimentos adotados durante o processo

tradutório de um texto literário pode, realmente, auxiliar o tradutor a transmitir um

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texto de uma língua de partida para uma língua de chegada com maior acuidade,

alcançando sua finalidade. Nossa conclusão parte principalmente dos efeitos que a

revisão e comentário dos atos tradutórios realizados quando da tradução do conto

“Professor Panini” tiveram sobre o tradutor no que toca ao conhecimento da eficácia

das escolhas feitas na tradução, tanto daquelas que foram satisfatórias, como das

que porventura careceriam de revisão. O conhecimento dessas estratégias e

procedimentos possibilita ao tradutor realizar as escolhas mais acertadas na

realização de seu trabalho. Além disso, a necessidade de mais trabalhos

direcionados ao objetivo de aprofundar tradutores no conhecimento dos mecanismos

de seu ofício se mostra mais claramente.

Também podemos afirmar, como resultado de nossos estudos na discussão

sobre a possibilidade e validade da tradução, que devemos propor a quebra do

paradigma traduttori tradittori, pois preferimos fazer alusão ao tradutor como traduttori

amici nostri, i.e., tradutores são nossos amigos. Basta olhar nossa realidade e

constatar a presença marcante da tradução como fator de integração entre culturas

e criação de novas perspectivas para falantes de idiomas diferentes. Sem que o ato

de traduzir seja considerado com o devido respeito, nossa civilização poderia perder

um grande meio facilitador do intercâmbio entre culturas, que historicamente tem se

provado como um fator essencial em nossa evolução.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVES, Fábio; MAGALHÃES, Célia; PAGANO, Adriana. Traduzir com autonomia: estratégias para o tradutor em formação. 2ª edição. São Paulo: Editora Contexto, 2003.

ARROJO, Rosemary. Oficina de tradução: a teoria na prática. 5ª edição. São Paulo: Editora Ática, 2007.

AUBERT, Francis H. As infidelidades da tradução: servidões e autonomia do tradutor. 2ª edição. Campinas: Editora da Unicamp, 1994.

CATFORD, John C. Uma teoria linguística da tradução: um ensaio de linguística aplicada. Tradução do Centro de Especialização em Tradutores de Inglês do Instituto de Letras da Pontífícia Universidade Católica de Campinhas. São Paulo: Editora Cultrix, 1980.

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LANDERS, Clifford E. Literary Translation – A practical guide. Clevedon: Multilingual Matters Ltd., 2001

MILTON, John. Tradução – Teoria e prática. 2ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

NIDA, Eugene. Language Structure and Translation. California: Stanford University Press, 1975.

RUDIO, Franz. Introdução ao projeto de pesquisa científica. Petrópolis, 2004.

SOUZA, José Pinheiro de. Teorias da Tradução: Uma visão integrada. In: Revista de Letras. Fortaleza, nº 20. v. 1/2 jan/dez, 1998. Disponível em: <http://www.revistadeletras.ufc.br/rl20Art09.pdf> Acesso em: 25 mar. 2013.

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APÊNDICE – Trabalho Original Tradução do Conto “Professor Panini” de Matthew Grigg, por

André Gustavo Soares Mamede

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UECE – CH – Curso de Especialização em Formação de Tradutores Disciplina: Tradução de Textos Literários Ministrante: Ms. Maria Salete Nunes Aluno: André Gustavo Soares Mamede

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O conto traduzido foi retirado do site http://www.eastoftheweb.com/short-stories/UBooks/ProfPani724.shtml, que disponibiliza diversos contos online. Após uma procura pela internet, pude ver que o conto ainda não havia sido traduzido para o português.

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Professor Panini, by Michael Grigg Before my many years' service in a restaurant, I attended a top science university. The year was 2023 and I was finishing the project that would win me my professorship. In the end, it resulted in my becoming a kitchen employee.

My forty-second birthday had made a lonely visit the week before, and I was once again by myself in the flat. Like countless other mornings, I ordered a bagel from the toaster. 'Yes, sir!' it replied with robotic relish, and I began the day's work on the project. It was a magnificent machine, the thing I was making - capable of transferring the minds of any two beings into each other's bodies.

As the toaster began serving my bagel on to a plate, I realised the project was in fact ready for testing. I retrieved the duck and the cat - which I had bought for this purpose - from their containers, and set about calibrating the machine in their direction. Once ready, I leant against the table, holding the bagel I was too excited to eat, and initiated the transfer sequence. As expected, the machine whirred and hummed into action, my nerves tingling at its synthetic sounds.

The machine hushed, extraction and injection nozzles poised, scrutinizing its targets. The cat, though, was suddenly gripped by terrible alarm. The brute leapt into the air, flinging itself onto the machine. I watched in horror as the nozzles swung towards me; and, with a terrible, psychedelic whirl of colours, felt my mind wrenched from its sockets.

When I awoke, moments later, I noticed first that I was two feet shorter. Then, I realised the lack of my limbs, and finally it occurred to me that I was a toaster. I saw immediately the solution to the situation - the machine could easily reverse the transfer - but was then struck by my utter inability to carry this out.

After some consideration, using what I supposed must be the toaster's onboard computer, I devised a strategy for rescue. I began to familiarise myself with my new body: the grill, the bread bin, the speaker and the spring mechanism. Through the device's rudimentary eye - with which it served its creations - I could

Professor Panini, por Michael Grigg Antes de iniciar meus anos de serviço em um restaurante, eu frequentei uma das mais conceituadas universidades científicas. O ano era 2023 e eu estava terminando o projeto que me alçaria ao cargo de professor. E que, no fim das contas, acabou por me transformar em um empregado de cozinha. Meu aniversário de 42 anos me fizera uma solitária visita na semana anterior, e novamente eu me encontrava sozinho em meu apartamento. Como em incontáveis outras manhãs, pedi à torradeira um bagel para o café. “Sim, senhor!”, ela respondeu com uma satisfação robótica, e então, comecei meu dia de trabalho em meu projeto. Era uma máquina magnífica, a coisa que eu estava construindo – capaz de transferir as mentes de quaisquer dois seres para os corpos um do outro. Ao que a torradeira começou a servir meu bagel em um prato, percebi que o projeto estava de fato pronto para a fase de testes. Retirei o gato e o pato – que eu havia comprado para este propósito – de suas jaulas, e comecei a calibrar a máquina na direção dos mesmos. Uma vez pronto, apoiei-me em uma mesa, segurando o bagel que estava excitado demais para comer, e iniciei o procedimento de transferência. Como esperado, a máquina chiou e zumbiu ao entrar em ação, meus nervos tinindo ao ouvir seus sons sintéticos. A máquina silenciou-se, com seus bicos de extração e injeção direcionados, analisando seus alvos. O gato, porém, foi de repente sacudido por um pânico terrível. O animal saltou para o ar, atirando-se para cima da máquina. Vi, aterrorizado, quando os bicos balançaram em minha direção; e, com um terrível e psicodélico redemoinho de cores, senti minha mente ser sugada de seu lugar natural. Quando acordei, momentos depois, notei primeiro que estava quase um metro mais baixo. Então, percebi a falta de meus membros, e finalmente me ocorreu que eu era uma torradeira. Vi imediatamente a solução para a situação – a máquina podia facilmente reverter a transferência – mas então minha total inabilidade de por isto em prática me ocorreu. Depois de algumas considerações, usando o que eu supunha ser o processador interno da torradeira, projetei uma estratégia de resgate. Comecei a me familiarizar com meu novo corpo: o grill, a tigela de pão, o alto-falante e o mecanismo de molas. Através do olho rudimentar do aparelho – com o qual servia suas criações – eu podia

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see the internal telephone on the wall. Aiming carefully, I began propelling slices of bread at it. The toaster was fed by a large stock of the stuff, yet as more and more bounced lamely off the phone, I began to fear its exhaustion.

*

Toasting the bread before launch proved a wiser tactic. A slice of crusty wholemeal knocked the receiver off its cradle, and the immovable voice of the reception clerk answered. Resisting the urge to exclaim my unlikely predicament, I called from the table: 'I'm having a bit of trouble up here, Room 91. Could you lend a hand?'

'Certainly, sir. There's a burst water pipe on the floor above, I suppose I'll kill two birds with one stone and sort you out on the way,'

The clerk arrived promptly, leaving his 'caution, wet floor' sign in the corridor. He came in, surveying the room in his usual dry, disapproving fashion. I spoke immediately, saying I was on the intercom, and requested that he simply press the large button on the machine before him. 'This one, sir?' he asked, and before I could correct him, the room was filled with a terrible, whirling light, and he fell to the ground.

A minute later he stood up again, uncertainly, and began moving in a manner that can only be described as a waddle. The duck, meanwhile, was scrutinising the flat with an air of wearied distaste. I gazed at the scene with dismay. Suddenly an idea struck the clerk, and with avian glee he tottered towards the window. I spluttered a horrified warning to no avail. He leapt triumphantly from the balcony, spread his 'wings' and disappeared. I would have wept, but managed only to eject a few crumbs.

*

Hours of melancholy calculation and terrible guilt gave no progress, and left me with a woeful regret for the day's events. Determined not to give up hope, I began to burn clumsy messages into slices of bread, and slung these desperate distress calls through the window. I sought not only my own salvation, but also to account for the bizarre demise of the clerk, who must no doubt have been discovered on the street below. I soon found my bread bin to be empty,

ver o interfone na parede. Mirando cuidadosamente, comecei a jogar pequenos pedaços de pão no mesmo. A torradeira era abastecida por um enorme estoque deste negócio, mas ao ver mais e mais pedaços quicarem no interfone sem resultado, comecei a temer pelo fim do mesmo. * Tostar o pão antes de lançá-lo provou ser uma tática mais sábia. Um pedaço de pão integral crocante deslocou o receptor de seu pedestal, e a voz inalterável do zelador respondeu. Resistindo à vontade de gritar em desespero por minha situação improvável, falei de cima da mesa: “Estou tendo um probleminha aqui em cima, Suíte 91. Poderia me dar uma mãozinha?” “Com certeza, senhor. Tem um cano de água rachado no andar de cima, acho que vou matar dois coelhos com uma cajadada só e vou aí lhe ajudar no caminho!” O zelador chegou prontamente, deixando seu cartaz de “Cuidado, chão molhado” no corredor. Ele entrou, vistoriando a sala com seu ar de desaprovação de costume. Eu falei imediatamente, dizendo que estava no interfone, e pedi que ele simplesmente pressionasse o grande botão na máquina a sua frente. “Este, senhor?”, ele perguntou, e antes que eu pudesse corrigi-lo, o quarto foi tomado por uma terrível luz rodopiante, e ele caiu no chão. Um minuto depois ele se levantou novamente, com passos incertos, e começou a se mover de uma maneira que só poderia ser descrita como um bamboleio. O pato, enquanto isso, estava vistoriando o apartamento com um ar de desgosto cansado. Eu observava a cena com desânimo. De supetão, uma idéia ocorreu ao zelador, e com um brilho aviário nos olhos, ele pulou até a janela. Cospi um alerta horrorizado sem qualquer utilidade. Ele saltou triunfante do parapeito, abriu as “asas”, e desapareceu. Normalmente, eu teria começado a chorar, mas tudo o que pude fazer foi ejetar alguns farelos. * Horas de maquinações melancólicas e um terrível sentimento de culpa não faziam qualquer progresso, e me deixaram com um pesaroso arrependimento quanto aos acontecimentos do dia. Determinado a não perder as esperanças, comecei a queimar mensagens desastrosas em pedaços de pão, e arremessei estes desesperados pedidos de socorro pela janela. Eu buscava não somente minha própria salvação, mas também para responder pela bizarro destino do zelador, cujo corpo sem dúvida já devia haver sido descoberto na rua abaixo. Logo descobri estar vazia a vasilha do pão,

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and sank again into a morose meditation.

A large movement shocked me from my morbid contemplation. Before me, having clambered up from the floor, stood my own body. It regarded me with dim cheer.

'I have been upgraded,' it announced in monotone. The room was silent as I struggled to cope with this information. Then:

'Would you like some toast?'

The truth dawned on me, and I wasted no time in seeing the utility of this revelation. I informed the toaster, which was now in control of my body, that I wished it to fetch help. It regarded me warily, then asked if I would like that buttered. Maintaining patience, I explained the instruction more thoroughly. I watched with surreal anticipation as my body of forty-two years jerked its way out of the flat. It rounded the corner, and there was a hope-dashing crash. It had tripped up on the 'caution: wet floor' sign. To my joyous relief, however, I heard the thing continue on its way down the corridor.

Minutes passed, then hours. I entertained myself flicking wheat-based projectiles at the cat. On the dawn of the third day, I concluded that the toaster had failed in its piloting of my body, and that help was not on its way. Gripped by the despair of one who must solve the puzzle of toaster suicide, I resigned myself to my fate.

Pushed on by a grim fervour, I began igniting the entire stock of bread. As the smoke poured from my casing, and the first hints of deadly flame flickered in my mechanisms, I began the solemn disclosure of my own eulogy.

Suddenly the fire alarm leapt into action, hurling thick jets of water across the flat, desperate to save its occupants. A piercing wail erupted from all sides, and a squabbling mixture of annoyance, relief and curiosity filtered into my mind.

*

Once the firemen had visited and deactivated the alarm, I was identified as the fault, unplugged and hauled away to a repair shop. The staff there, finding nothing to remove but a faulty speech chip,

e me afundei novamente em uma morosa meditação.

Um grande movimento me sacudiu de minha contemplação mórbida. Diante de mim, tendo se levantado com dificuldade do chão, estava meu próprio corpo. Ele me olhava com uma alegria apagada. “Fui atualizada!”, anunciou com uma fala monótona. O quarto estava silencioso enquanto eu me esforçava para enfrentar esta informação. Então: “Gostaria de uma torrada?” Foi então que percebi a verdade, e não perdi tempo em ver a utilidade desta informação. Falei à torradeira, que agora controlava meu corpo, que eu gostaria de pedir ajuda. Ela me olhou cautelosamente, e perguntou se eu queria com manteiga. Mantendo a paciência, expliquei tudo mais claramente. Assisti com surreal expectativa enquanto meu corpo de quarenta e dois anos se sacudia para fora do apartamento. Ele dobrou a esquina, e ouvi um impacto que abalou minhas esperanças. Tinha tropeçado na placa de “Cuidado: chão molhado”. Para meu alívio, porém, eu ouvi a coisa continuar seu caminho pelo corredor. Minutos se passaram, e então horas. Como passatempo, eu jogava projéteis à base de trigo no gato. Ao amanhecer do terceiro dia, concluí que a torradeira havia falhado ao pilotar meu corpo, e que a ajuda não chegaria. Tomado pelo desespero de alguém que deve resolver o enigma do suicídio de uma torradeira, resignei-me ao meu destino. Levado por um fervor sinistro, comecei a por fogo em todo o estoque de pão. Enquanto a fumaça se derramava de meu invólucro, e os primeiro sinais de chama mortal piscavam em meus mecanismos, iniciei o solene pronunciamento de meu próprio elogio fúnebre. Inesperadamente, o alarme de incêndio se pôs em ação, lançando espessos jatos d'água pelo apartamento, desesperado para salvar seus ocupantes. Uma cortante sirene eclodiu de todos os lados, e uma inquieta mistura de incômodo, alívio e curiosidade invadiu minha mente. * Uma vez que os bombeiros haviam chegado e desativado o alarme, eu fui identificado como o causador do incêndio, desconectado e levado à assistência técnica. O pessoal de lá, ao não achar qualquer peça defeituosa, a não ser o chip da fala,

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apparently put me up for sale. I only know this because, on being reconnected to the mains, I found myself in a shiny, spacious kitchen. Missing my electronic voice, I could only listen to the conversation of the staff, discussing the odd conduct of their new cook. The end of their hurried discussion heralded his arrival. I gazed at the door in silent surrender, as my body stepped proudly on to the premises, displaying its newly designed menu. At the top of the list I could discern 'Buttered bagel'.

aparentemente me colocou à venda, e somente sei disto porque, ao ser reconectado à tomada, encontrei-me em uma brilhante e espaçosa cozinha. Sentindo falta de minha voz eletrônica, eu só podia ouvir a conversa dos empregados, discutindo o comportamento estranho de seu novo cozinheiro. O fim abrupto da discussão apressada marcou sua chegada. Olhei para a porta em silenciosa resignação, enquanto meu antigo corpo entrava orgulhosamente pelas instalações, mostrando seu novo menu. Bem no começo da lista, com algum esforço consegui ler: “Bagel com manteiga”.