Uma abordagem algébrica dos números complexos

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Page 1: Uma abordagem algébrica dos números complexos

Universidade de Aveiro Departamento de Matemática

2020

Ana Raquel Castro

Moreira

Uma abordagem algébrica dos números

complexos

Page 2: Uma abordagem algébrica dos números complexos

Universidade de Aveiro Departamento de Matemática

2020

Ana Raquel Castro

Moreira

Uma abordagem algébrica dos números

complexos

Dissertação apresentada à Universidade de Aveiro para cumprimento dos

requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Matemática para

Professores, realizada sob a orientação cientí�ca da Professora Doutora Ma-

ria Paula Lopes dos Reis Carvalho, Professora Auxiliar do Departamento de

Matemática da Universidade de Aveiro, e da Professora Doutora Dina Fer-

nanda da Costa Seabra, Professora Adjunta da Escola Superior de Tecnologia

e Gestão de Águeda da Universidade de Aveiro.

Page 3: Uma abordagem algébrica dos números complexos

o júri / the jury

presidente / president Doutora Andreia Oliveira Hall

Professora Associada, Universidade de Aveiro

vogais / examiners committee Doutora Maria Teresa Mesquita Cunha Machado Malheiro

Professora Auxiliar, Universidade do Minho

Maria Paula Lopes dos Reis Carvalho

Professora Auxiliar, Universidade de Aveiro

Page 4: Uma abordagem algébrica dos números complexos

agradecimentos À Doutora Paula Carvalho e à Doutora Dina Seabra, pelo incansável

apoio, incentivo e dedicação prestados. Pela simpatia e con�ança que

sempre demonstraram, fundamentais para que todo este processo de-

corresse de forma tão prazerosa e tranquila.

Ao meu marido Pedro e ao meu �lho Tiago, por me fazerem sentir

realmente especial. Por nunca duvidarem. Por esperarem sempre o

melhor de mim.

Aos meus pais, por tudo.

Page 5: Uma abordagem algébrica dos números complexos

Palavras-chave Números complexos, abordagem algébrica, equações algébricas, domí-

nios planos, condições em variável complexa.

Resumo Este trabalho apresenta-se como um documento autocontido sobre os

números complexos, numa abordagem algébrica. É apresentada uma

contextualização histórica do surgimento dos mesmos, seguindo-se uma

formalização da construção do corpo dos números complexos a partir

do conjunto R2.

Baseando-se nos conteúdos a lecionar no ensino secundário, pretende-

se que sirva de documento de apoio ao ensino dos números complexos

para este nível de ensino.

Page 6: Uma abordagem algébrica dos números complexos

Keywords Complex numbers, algebraic approach, algebraic equations, �at do-

mains, complex variable conditions.

Abstract This work is presented as a self-contained document about complex

numbers, in an algebraic approach. The historical contextualization of

their appearance is presented, followed by a complex number construc-

tion formalization from the set R2.

With base on the contents that have to be taught in secondary educa-

tion, it is intended to serve as a teaching support tool within complex

numbers.

Page 7: Uma abordagem algébrica dos números complexos

Conteúdo

Conteúdo i

Lista de Figuras iii

Introdução 1

1 O surgimento dos números complexos 5

2 O conjunto dos números complexos 13

2.1 O corpo dos números complexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

2.2 Imersão de R em C . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21

2.3 Potências de base i e expoente n pertencente a N0 . . . . . . . . . . . . . . . 22

3 Forma algébrica de um número complexo 25

3.1 Representação algébrica de um número complexo . . . . . . . . . . . . . . . 25

3.2 Operações com números complexos na forma algébrica . . . . . . . . . . . . 26

3.2.1 Adição algébrica e multiplicação de números complexos . . . . . . . . 26

3.2.2 Divisão de números complexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28

3.3 Conjugado de um número complexo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30

3.3.1 Propriedades envolvendo o conjugado de números complexos . . . . . 31

3.4 Módulo de um número complexo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34

3.4.1 Propriedades envolvendo o módulo de números complexos . . . . . . 35

3.5 Quociente de números complexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39

3.5.1 Regra prática . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39

3.5.2 Propriedades envolvendo o quociente de números complexos . . . . . 40

3.6 Resolução de Equações Algébricas em C . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41

i

Page 8: Uma abordagem algébrica dos números complexos

4 Domínios planos e condições em variável complexa 45

4.1 Condições com números complexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45

4.1.1 Mediatriz de um segmento de reta e semiplanos . . . . . . . . . . . . 46

4.1.2 Circunferência e círculo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47

4.1.3 Retas paralelas aos eixos coordenados e semiplanos . . . . . . . . . . 47

4.2 Exemplos de condições em variável complexa e domínios planos correspondentes 48

5 Aplicabilidade dos números complexos 53

Conclusão 57

Bibliogra�a 61

Page 9: Uma abordagem algébrica dos números complexos

Lista de Figuras

2.1 Aplicação entre R2 e C. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19

2.2 A�xo de um número complexo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21

2.3 Isomor�smo entre um subcorpo de R2 e R. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22

3.1 Soma de números complexos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27

3.2 Simétrico de um número complexo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28

3.3 Conjugado de um número complexo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31

3.4 Soma de um número complexo com o seu conjugado. . . . . . . . . . . . . . 32

3.5 Soma de um número complexo com o simétrico do seu conjugado. . . . . . . 33

3.6 Módulo de um número complexo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35

3.7 Desigualdade triangular. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38

3.8 Caso particular da desigualdade triangular. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38

3.9 Caso particular da desigualdade triangular. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38

4.1 Mediatriz. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46

4.2 Semiplanos de�nidos por uma mediatriz. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46

4.3 Circunferência. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47

4.4 Retas verticais e horizontais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48

4.5 Semiplanos de�nidos por retas verticais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48

4.6 Representação grá�ca da região. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49

4.7 Representação grá�ca da região. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50

4.8 Representação grá�ca da região. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51

4.9 Representação grá�ca da região. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51

4.10 Representação grá�ca da região. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52

iii

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5.1 Conjunto de Mandelbrot. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54

Page 11: Uma abordagem algébrica dos números complexos

Introdução

�Deus inventou o número natural. O resto é obra do Homem.�

Leopold Kronecker (1823�1891)

Ao analisar-se a evolução do conhecimento matemático, ao longo da história, é possí-

vel compreendê-lo com mais interesse e disponibilidade. Depois da consulta de biogra�as de

ilustres matemáticos, percebe-se que alguns deles não gostaram imediatamente da disciplina,

nem tão pouco se apresentaram como brilhantes alunos. A ideia de que já saberiam resolver

equações antes de iniciarem os seus estudos, dotados de uma memória capaz de reter toda a

informação a partir de uma primeira leitura, e de um raciocínio exímio, su�ciente para dar

resposta a qualquer quebra-cabeças em poucos segundos são (pelo menos em grande parte

das vezes) apenas ideias românticas que se constroem acerca destes seres tão inspiradores.

O que se pode observar é que, em certos momentos da história, houve pessoas que sentiram

uma grande curiosidade e vontade de aprender mais sobre a disciplina, para melhor com-

preenderem os segredos desta ciência e, com isso, obterem as respostas para os desa�os que

surgiram ao longo dos tempos.

Nos dias de hoje, a Matemática apresenta-se, para os alunos, como uma lista in�ndável

de de�nições, propriedades e teoremas, muitas vezes descontextualizados. À medida que o

conhecimento destes sobre a disciplina avança, os números vão dando lugar às letras, surgem

as veri�cações e as demonstrações e, o que já parecia inútil, torna-se mesmo desinteressante.

E é aí que começam a perguntar: para que serve esta matéria, professor? Porque estamos

a aprender isto? E nesse momento o professor pensa: será que faz sentido transmitir o

conhecimento a quem ainda não sentiu curiosidade nem sensibilidade para o adquirir? Terei

tempo de contextualizá-lo, para que percebam que percurso foi feito para se chegar até aqui?

O professor sente ânsia em transmitir os conteúdos, normalmente pelo sentido de dever

do cumprimento dos programas. E sabe que a gestão e�caz de tantas variáveis, como a

1

Page 12: Uma abordagem algébrica dos números complexos

2

disponibilidade, o interesse, a curiosidade e a sensibilidade, por parte dos alunos, é muito

difícil de alcançar, pelo menos em contexto de sala de aula. Por outro lado, e de uma

forma geral, a história da Matemática é pouco enfatizada nos programas escolares, e as

referências feitas à mesma surgem quase como meras curiosidades, ou como informações

complementares, e não, assumidamente, como a base da construção do próprio conhecimento.

Consequentemente, a Matemática é percecionada como sendo uma disciplina muito densa,

aparentemente inesgotável, e de caráter quase inacessível a uma grande parte dos alunos,

o que pode levá-los a crer que se trata de um produto acabado, imutável, e que não gera

controvérsia ou erro, excluíndo-os, à partida, de se tornarem parte integrante da sua evolução.

Neste sentido, o Capítulo 1 deste trabalho consiste numa abordagem histórica do surgi-

mento dos números complexos, esperando-se que contribua para que os alunos criem empatia

com o tema e, quem sabe, melhorem a sua resiliência, persistência e determinação relativa-

mente à própria disciplina. Dar a conhecer a história da Matemática ajuda a humanizá-la,

e o surgimento dos números complexos constitui um bom exemplo de como ela é feita por

seres humanos imperfeitos, tal como todos nós, pois nela se reconhecem: con�itos, com-

petitividade e rivalidade entre os matemáticos; injustiças, nomeadamente quanto à autoria

de determinadas descobertas; esforços infrutíferos na obtenção de respostas e até erros co-

metidos por pessoas muito dedicadas. No Capítulo 2, é apresentada uma construção do

corpo dos números complexos a partir do conjunto R2 munido das operações de adição e de

multiplicação adequadas. Seguidamente, no Capítulo 3, é de�nida a forma algébrica de um

número complexo e são exploradas as operações de adição, multiplicação e divisão de núme-

ros complexos representados nesta forma. Também são apresentados exemplos de resolução

de equações algébricas no conjunto dos números complexos. No Capítulo 4, são apresentados

exemplos de domínios planos em variável complexa. Por último, no Capítulo 5, pretende-se

dar a conhecer algumas aplicações dos números complexos em contextos reais, dado que, até

ao ensino secundário, a utilidade dos mesmos não é muito evidente, o que pode contribuir

para um maior desinteresse e desinvestimento no seu estudo.

Este trabalho assenta em conceitos teóricos, dotados da formalidade e do rigor preten-

didos na disciplina, que se apresentam sob a forma de de�nições, teoremas e respetivas

demonstrações, interpretações geométricas de algumas propriedades e exemplos de resolução

de exercícios. Os assuntos são explanados de uma forma sequencial, com a apresentação das

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3

justi�cações e dos resultados necessários à construção do passo seguinte, permitindo ao leitor

um encadeamento lógico de ideias, e evitando que este sinta a necessidade de consultar uma

bibliogra�a adicional para seu o entendimento. Contudo, ao longo do trabalho, são dadas

sugestões de leitura, sob a forma de referências bibliográ�cas, para quem desejar aprofundar

algum tema em especí�co.

Este trabalho foi perspetivado para constituir uma ferramenta de trabalho útil ao profes-

sor (e, porque não, aos alunos mais curiosos) na medida em que, ao lê-lo, possa nele encontrar

a fundamentação teórica que lhe permita explicar de forma segura, e sem ambiguidades, os

números complexos, respeitando as sugestões metodológicas presentes no programa o�cial da

disciplina. E, dado que o estudo destes números requer, também, ao nível do ensino secun-

dário, uma abordagem trigonométrica, pretende-se dar-lhe continuidade, complementando-o

com os conteúdos relativos a essa abordagem.

Dito de outra forma, a sua construção pretende condensar em algumas páginas o neces-

sário e, espera-se que também, o su�ciente, para que o professor sinta que tem nele �o seu

manual�. Sim, o manual do professor!

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Page 15: Uma abordagem algébrica dos números complexos

Capítulo 1

O surgimento dos números complexos

Constituindo as equações uma importante ferramenta na Matemática, pelo potencial que

apresentam na resolução de vários problemas, estas sempre assumiram um papel de grande

destaque nos estudos dos matemáticos ao longo da história. Há vários tipos de equações,

que se denominam de acordo com a condição imposta à incógnita da respetiva equação:

as exponenciais, as trigonométricas, as diferenciais, as algébricas, entre outras. Quando a

incógnita aparece apenas submetida às chamadas operações algébricas, que são a adição, a

subtração, a multiplicação, a divisão, a potenciação inteira e a radiciação, está-se perante

uma equação algébrica. E quando uma equação algébrica é colocada na forma

a0xn + a1x

n−1 + · · ·+ an−2x2 + an−1x+ an = 0, (n inteiro positivo)

diz-se que está na sua forma canónica e passa a chamar-se de Equação Polinomial [6].

Há registos de enunciados de problemas que remontam a 1900 a.C., como por exemplo,

no Livro de Exercícios Babilónico, e a 1700 a.C., escritos no Papiro de Rhind, que suge-

rem o uso de equações do primeiro grau para a sua resolução. Nessa época, os babilónios

também já trabalhavam com equações do segundo grau, com base num raciocínio usado

posteriormente pelos hindus, quase três milénios mais tarde, designado por completamento

do quadrado e, também, com casos particulares de equações do terceiro grau. Na Europa,

as equações do segundo grau surgiram com o matemático Pitágoras (586? a.C.�500 a.C.),

quando demonstrou a relação entre os comprimentos dos lados de um triângulo retângulo,

que �cou conhecida por Teorema de Pitágoras.

No primeiro milénio da era cristã surgiram célebres matemáticos árabes. Entre eles,

destaca-se Al-Khwarizmi (783�850), que se dedicou à teoria das equações algébricas, que co-

5

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6 1. O surgimento dos números complexos

meçaram a ser tratadas como entes matemáticos, independentemente dos problemas que pu-

dessem traduzir. Estes e outros conhecimentos foram transmitidos à Europa Ocidental, par-

ticularmente por Leonardo de Pisa, também conhecido por Leonardo Fibonacci (1175�1250),

no séc. XIII [17].

Os hindus também deram um grande contributo no estudo das equações algébricas, no-

meadamente na descoberta da fórmula resolvente para as equações do segundo grau, também

conhecida por Fórmula de Bhaskara, nome que se deve ao matemático Bhaskara (1114�1185),

que muito contribuiu para a sua divulgação, apesar de não a ter descoberto. Esta fórmula

baseia-se na ideia de reduzir uma equação do segundo grau a uma do primeiro grau, através

da extração de raízes quadradas. Foi necessário, para tal, recorrer ao completamento do

quadrado, raciocínio já usado pelos babilónios, como já foi anteriormente referido. Contudo,

a simbologia utilizada estava longe da que atualmente se usa. As equações eram escritas

com recurso a palavras ou símbolos rudimentares, di�cultando a sua representação e inter-

pretação.

Seguidamente, apresenta-se uma resolução algébrica para as equações do segundo grau,

baseada no raciocínio usado na altura, com a atual simbologia. Para tal, considere-se a

equação

ax2 + bx+ c = 0, a 6= 0. (1.1)

Tem-se que:

ax2 + bx+ c = 0 ⇔ x2 +b

ax = − c

a

⇔ x2 +b

ax+

b2

4a2= − c

a+

b2

4a2

⇔(x+

b

2a

)2

= − c

a+

b2

4a2

⇔(x+

b

2a

)2

=b2 − 4ac

4a2

⇔ x+b

2a= ±

√b2 − 4ac

4a2

⇔ x+b

2a= ±√b2 − 4ac

2a

⇔ x =−b±

√b2 − 4ac

2a(1.2)

As equações do segundo grau são a chave para a resolução de um problema clássico:

encontrar dois números inteiros x e y, conhecendo a sua soma, S, e o seu produto, P. O

Page 17: Uma abordagem algébrica dos números complexos

7

enunciado deste problema pode ser traduzido pelo sistema de equações: x+ y = S

xy = P

donde x(S − x) = P , ou seja,

x2 − Sx+ P = 0 (1.3)

e, portanto, aplicando a fórmula (1.2), vem que

x =S +√S2 − 4P

2e y =

S −√S2 − 4P

2. (1.4)

Repare-se que, quando S2−4P < 0, nesta fórmula aparece a raiz quadrada de um número

negativo. O matemático italiano Girolamo Cardano (1501�1576) apresentou este problema

na sua obra Ars Magna, em 1545, para o caso particular de dois números, cuja soma é 10

e o produto é 40, obtendo as soluções 5 +√

(−15) e 5 −√(−15). Deste modo, tentou

operar com as raízes quadradas de números negativos, mas sempre duvidando da existência

de tais entidades [7]. De facto, até os matemáticos mais experientes sentiram-se perante algo

sem explicação evidente, mas cuja presença e existência se fazia notar: a raiz quadrada de

um número negativo. Mas, embora as equações do segundo grau os tenha confrontado com

tal situação, estas não se revelaram su�cientes para os motivar para uma exploração mais

aprofundada sobre o assunto. Para esses casos, concluiu-se que as equações não admitiam

solução e o problema �cou, aparentemente, resolvido.

Assim sendo, parece claro que o surgimento dos números complexos não se deve à re-

solução de equações do segundo grau. Estes apareceram mais tarde, com a tentativa de se

encontrar uma fórmula resolvente para as equações do terceiro grau.

Foi com a disputa entre Cardano e Nicolò Fontana (1499�1557), mais conhecido por

Tartaglia, assente na vontade de cada um em deter a autoria da descoberta da fórmula

resolvente para as equações do terceiro grau, que se assistiram a grandes progressos na

resolução destas equações e, consequentemente, na aceitação da existência de novos números.

Numa primeira fase, um professor de Matemática da Universidade de Bolonha, de nome

Scipione del Ferro (1499�1557), descobriu um processo de resolução para as equações do

tipo x3 = px + q. Mais tarde, e de forma independente, estas também foram resolvidas

por Tartaglia. O método que utilizou deu origem à denominada Fórmula de Cardano (ou

Cardano�Tartaglia), porque foi Cardano quem a publicou. O próximo passo consistiu em

Page 18: Uma abordagem algébrica dos números complexos

8 1. O surgimento dos números complexos

conseguir reduzir uma equação do terceiro grau completa a uma equação da forma x3 = px+q,

passível de se aplicar a fórmula de Cardano.

O método a seguir exposto, para a resolução de uma equação geral do terceiro grau é,

na sua essência, equivalente ao utilizado por Tartaglia. As diferenças apresentadas preten-

dem simpli�car a sua apresentação e compreensão, não comprometendo a ideia principal do

mesmo.

Para tal, considere-se a equação

a0x3 + a1x

2 + a2x+ a3 = 0, a0 6= 0. (1.5)

Esta equação é equivalente à equação

x3 +a1a0

x2 +a2a0

x+a3a0

= 0,

ou ainda, à equação

x3 + ax2 + bx+ c = 0, (1.6)

em que a =a1a0

, b =a2a0

e c =a3a0

. O próximo passo consiste em eliminar o termo de grau dois

na equação (1.6). Para isso, faça-se a mudança de variável (1)

x = y − a

3. (1.7)

Deste modo, tem-se que:(y − a

3

)3+ a

(y − a

3

)2+ b(y − a

3

)+ c = 0.

Escrevendo esta equação na sua forma canónica, obtém-se:

y3 +

(b− a2

3

)y +

2a3

27− ab

3+ c = 0.

Assim, basta obter as soluções de uma equação do tipo

y3 + py + q = 0, (1.8)

como pretendido. Suponhamos, nesta equação, que p 6= 0 e q 6= 0 pois, caso contrário, o

processo de resolução é já conhecido.

(1)No caso geral, numa equação a0xn + a1x

n−1 + · · · + an = 0, a mudança de variável x = y − a1n

transforma o polinómio do primeiro membro num polinómio em y cujo coe�ciente de yn−1 é nulo. Este

método foi apresentado por François Viète (1540�1603) [6].

Page 19: Uma abordagem algébrica dos números complexos

9

Considere-se, para tal, que a solução procurada é composta por duas parcelas, ou seja,

que existem dois números u e v tais que

y = u+ v. (1.9)

Efetuando a respetiva substituição na equação (1.8), vem que:

(u+ v)3 + p (u+ v) + q = 0 ⇔ u3 + v3 + 3u2v + 3uv2 + p(u+ v) + q = 0

⇔ u3 + v3 + (3uv + p)(u+ v) + q = 0. (1.10)

Repare-se que, se os números u e v forem tais que u3 + v3 = −q

uv = −p

3

a igualdade (1.10) veri�ca-se e, portanto, u+v é solução da equação. Pode ainda escrever-se

estas condições da seguinte forma: (2) u3 + v3 = −q

u3v3 = −p3

27

Procuram-se agora dois valores, u3 e v3, dos quais se conhece a sua soma, S, e o seu

produto, P . Mas, esta situação remete-nos à equação (1.3), cuja resolução já não constitui,

neste momento, um obstáculo. Talvez resida aqui a explicação para a substituição (1.9) que,

à partida, parece ter resultado de uma inspiração um pouco inusitada ou de um simples

�golpe de sorte� que, por vezes, acompanha os génios.

Deste modo, determinam-se as soluções da equação

X2 − SX + P = 0,

onde S = −q e P = −p3

27, que são, por (1.4),

X =

−q ±

√(−q)2 − 4

(−p3

27

)2

⇔ X = −q

2+

√q2

4+

p3

27∨ X = −q

2−√

q2

4+

p3

27, (1.11)

(2)Repare-se que u = v ⇒ u3 = v3, mas o recíproco não é verdadeiro, no conjunto dos números complexos.

Este facto condiciona a e�cácia do método para a resolução de equações do terceiro grau.

Page 20: Uma abordagem algébrica dos números complexos

10 1. O surgimento dos números complexos

donde se conclui que

u3 = −q

2+

√q2

4+

p3

27e v3 = −q

2−√

q2

4+

p3

27

e, portanto, (3)

u =3

√−q

2+

√q2

4+

p3

27e v =

3

√−q

2−√

q2

4+

p3

27

Por (1.9), obtém-se o valor de y, que é dado por

u+ v =3

√−q

2+

√q2

4+

p3

27+

3

√−q

2−√

q2

4+

p3

27. (1.12)

Para se obter a solução da equação (1.6), e tendo em atenção a mudança de variável

efetuada em (1.7), subtrai-sea

3ao valor obtido em (1.12).

De facto, este método permite encontrar uma solução de uma equação do terceiro grau.

No entanto, dado que a Fórmula de Bhaskara apresenta duas soluções para as equações do

segundo grau, facilmente se percebe porque é que os matemáticos não se contentaram por

muito tempo com este processo. Para além disso, a descon�ança aumentou quando esta

fórmula, aplicada a determinadas equações em que se conhecia uma solução (real), conduziu

a um resultado inesperado, mais concretamente, à raiz quadrada de um número negativo.

Veja-se um exemplo concreto, estudado por Rafael Bombelli (1526�1572).

Considere-se a equação x3 − 15x − 4 = 0, da qual se conhece a solução 4. Aplicando a

fórmula (1.12) a esta equação, obtém-se:

x =3

√−−4

2+

√(−4)2

4+

(−15)3

27+

3

√−−4

2−√

(−4)2

4+

(−15)3

27

=3

√2 +√−121 + 3

√2−√−121.

Neste caso, não se pode concluir que a equação não admite soluções, tal como acontecia

nas equações do segundo grau, visto que já se conhece uma das soluções. Bombelli apresentou

a ideia de que os números 3√2 +√−121 e 3

√2−√−121 seriam da forma a+

√−b e a−

√−b

e, sendo 4 uma solução da equação, ter-se-ia, para determinados valores de a e de b, que(a+√−b)+(a−√−b)= 4

(3)Sabe-se que, no conjunto dos números complexos, há três números cujo cubo é igual a u3, sucedendo o

mesmo para v3. Recorde-se que, tal facto, ainda não era conhecido na altura.

Page 21: Uma abordagem algébrica dos números complexos

11

Assim, escreveu:3

√2 +√−121 = a+

√−b

e3

√2−√−121 = a−

√−b

Bombelli supôs que (√−1)2 = −1, e obteve

(2 +√−1)3

=(2 +√−1)2

(2 +√−1)

=(4 + 4

√−1 + (−1)

)(2 +

√−1)

=(3 + 4

√−1) (

2 +√−1)

= 6 + 3√−1 + 8

√−1 + 4(−1)

= 2 + 11√−1

= 2 +√−121

e, analogamente, que(2−√−1)3

= 2 −√−121, donde deduziu que a = 2 e b = 1. Deste

modo, viria que (2 +√−1)+(2−√−1)= 4,

tal como esperado.

A partir daqui, Bombelli criou as seguintes regras para operar com√−1:

(√−1) (√−1)= −1,(

−√−1) (√−1)= 1,(

−√−1) (−√−1)= −1,

(±1)(√−1)= ±√−1,

(±1)(−√−1)= ∓√−1.

Para além disso, de�niu que, dados dois números a+ b√−1 e c+ d

√−1,

(a+ b

√−1)+(c+ d

√−1)= (a+ c) + (b+ d)

√−1.

E assim, admitiu-se a existência de um novo tipo de números: os que se apresentam na

forma a + b√−1, em que a e b são números reais e, não sendo

√−1 um número real, René

Descartes (1596�1650) apelidou-o de número imaginário. O uso da letra i, para representar

Page 22: Uma abordagem algébrica dos números complexos

12 1. O surgimento dos números complexos

√−1, foi introduzido por Leonhard Euler (1707�1783). Este matemático foi, aliás, �consi-

derado o matemático que dominou os números complexos�[6], e viria a revolucionar a teoria

das Equações Algébricas a partir da representação destes números na forma trigonométrica.

Esta abordagem �cará, no entanto, para uma outra ocasião.

Na obra Theoria residuorum biquadraticorum, Commentatio secunda, de 1831, o mate-

mático alemão Carl Friedrich Gauss (1777�1855) usou, pela primeira vez, o termo números

complexos para os designar. Para além disso, usou a forma a + bi para os representar,

constituindo esta a forma algébrica de um número complexo.

Em 1797, Gaspar Wessel (1745�1818) publicou um artigo onde representou um número

complexo por um ponto do plano, em R2. No entanto, a ideia da representação geomé-

trica dos números complexos é atribuída a Jean Robert Argand (1768�1822) que, de forma

independente, a divulgou em 1806. (4)

Em 1837, William Rowan Hamilton (1805�1865) publicou a de�nição de números comple-

xos como pares ordenados de números reais, sujeitos a certas regras operatórias, formalizando

assim uma estrutura algébrica rigorosa para os números complexos. (5)

Como se pode observar, com o intuito de se desenvolver o conhecimento sobre os números

complexos, e de se compreender as potencialidades da sua aplicação na Matemática, foram

surgindo novas formas de os representar e interpretar. E a resistência inicial demonstrada

por parte de alguns matemáticos em utilizá-los, por duvidarem da sua �real� existência, deu

lugar a uma inquestionável importância que o seu uso apresenta em várias áreas da ciência,

conforme é descrito no Capítulo 5 deste trabalho.

(4)Este assunto será abordado mais detalhadamente no Capítulo 3 deste trabalho.(5)A de�nição desta estrutura algébrica será apresentada no Capítulo 3 deste trabalho.

Page 23: Uma abordagem algébrica dos números complexos

Capítulo 2

O conjunto dos números complexos

Neste capítulo serão abordadas as propriedades de algumas estruturas algébricas, nome-

adamente de um corpo, para uma melhor compreensão do conjunto dos números complexos

e da sua identi�cação com R2.

2.1 O corpo dos números complexos

De�nição 2.1.1. (Corpo)

Considere-se um conjunto não vazio A e duas operações binárias de�nidas em A, designadas

por adição, +, e multiplicação, ×. O terno (A,+,×) diz-se um corpo se as operações + e

× satisfazem os seguintes axiomas:

A.1 A adição é associativa:

∀a, b, c ∈ A, (a+ b) + c = a+ (b+ c).

A.2 A adição é comutativa:

∀a, b ∈ A, a+ b = b+ a.

A.3 Existe em A um elemento que é elemento neutro para a adição:

∃u ∈ A,∀a ∈ A, a+ u = a.

Usualmente, este elemento designa-se por zero e representa-se por 0.

A.4 Todo o elemento a de A tem simétrico:

∀a ∈ A,∃a′ ∈ A, a+ a′ = 0.

O simétrico de a representa-se por −a.

13

Page 24: Uma abordagem algébrica dos números complexos

14 2. O conjunto dos números complexos

M.1 A multiplicação é associativa:

∀a, b, c ∈ A, (a× b)× c = a× (b× c).

M.2 A multiplicação é comutativa:

∀a, b ∈ A, a× b = b× a.

M.3 Existe em A um elemento que é elemento neutro para a multiplicação:

∃e ∈ A,∀a ∈ A, a× e = a.

Usualmente, este elemento designa-se por unidade e representa-se por 1.

M.4 Todo o elemento a de A, diferente de zero, tem inverso:

∀a ∈ A\ {0} ,∃a′′ ∈ A, a× a′′ = 1.

O inverso de a representa-se por a−1.

AM.1 A multiplicação é distributiva em relação à adição:

∀a, b, c ∈ A, a× (b+ c) = a× b+ a× c.

Por simpli�cação de linguagem, e sempre que não haja ambiguidade quanto às operações

consideradas num dado conjunto A, poderá referir-se apenas corpo A, em vez de corpo

(A,+,×).

Na construção de um corpo, identi�ca-se um conjunto, não vazio, e de�nem-se as ope-

rações de adição e multiplicação nesse conjunto. Ao trabalhar-se com diferentes conjuntos

e, consequentemente, com adições e multiplicações distintas, os símbolos + e × poderão

ser substituídos por outros, similares, para proporcionar uma maior clareza e rigor na lin-

guagem. Ao longo deste trabalho, para a adição e a multiplicação usuais no conjunto dos

números reais, usar-se-ão os símbolos + e · , podendo omitir-se o segundo na representação

do produto de dois elementos, a �m de simpli�car a escrita. Atendendo às regras operatórias

da adição e da multiplicação em R, facilmente se conclui que (R,+, ·) é um corpo, pelo que,

este resultado não será aqui demonstrado.

No que se segue, trabalhar-se-á com o conjunto R2 = R× R = {(x, y) : x ∈ R, y ∈ R}.

De�nição 2.1.2. (Igualdade de dois elementos de R2)

Se a, b, c e d são números reais, diz-se que os elementos (a, b), (c, d) ∈ R2 são iguais se, e

somente se, a = c e b = d.

Page 25: Uma abordagem algébrica dos números complexos

2.1 O corpo dos números complexos 15

Teorema 2.1.3. O terno (R2,⊕,⊗), com as operações de adição e multiplicação assim

de�nidas:

(a, b)⊕ (c, d) = (a+ c, b+ d) (2.1)

e

(a, b)⊗ (c, d) = (ac− bd, ad+ bc), (2.2)

para quaisquer (a, b), (c, d) ∈ R2, é um corpo.

Demonstração. Sejam (a, b), (c, d), (e, f) ∈ R2. Repare-se que as operações de�nidas em (2.1)

e (2.2) são binárias em R2 pois, para quaisquer (a, b), (c, d) ∈ R2, é garantida a existência e

unicidade de (a, b)⊕ (c, d) e de (a, b)⊗ (c, d), que são também elementos de R2.

Pretende-se agora mostrar que R2, munido destas operações, satisfaz os axiomas da

estrutura de corpo.

A.1 A adição é associativa:

((a, b)⊕ (c, d)

)⊕ (e, f) = (a+ c, b+ d)⊕ (e, f) (por 2.1)

=((a+ c) + e, (b+ d) + f

)(por 2.1)

=(a+ (c+ e), b+ (d+ f)

)(A adição é associativa em R)

= (a, b)⊕ (c+ e, d+ f) (por 2.1)

= (a, b)⊕((c, d)⊕ (e, f)

)(por 2.1).

A.2 A adição é comutativa:

(a, b)⊕ (c, d) = (a+ c, b+ d) (por 2.1)

= (c+ a, d+ b) (A adição é comutativa em R)

= (c, d)⊕ (a, b) (por 2.1).

A.3 O par (0, 0) ∈ R2 é o elemento neutro para a adição:

(a, b)⊕ (0, 0) = (a+ 0, b+ 0) (por 2.1)

= (a, b) (0 é o elemento neutro para a adição em R).

Ou seja, (0, 0) é o zero de R2.

Page 26: Uma abordagem algébrica dos números complexos

16 2. O conjunto dos números complexos

A.4 O elemento simétrico de (a, b) é o par (−a,−b):

Para qualquer (a, b) ∈ R2, também (−a,−b) ∈ R2 pois, sendo R corpo, pode garantir-se

que (−a), (−b) ∈ R. Deste modo, tem-se que:

(a, b)⊕ (−a,−b) =(a+ (−a), b+ (−b)

)(por 2.1)

= (0, 0).

M.1 A multiplicação é associativa:((a, b)⊗ (c, d)

)⊗ (e, f) = (ac− bd, ad+ bc)⊗ (e, f) (por 2.2)

=((ac− bd)e− (ad+ bc)f, (ac− bd)f + (ad+ bc)e

)(por 2.2)

= (ace− bde− adf − bcf, acf − bdf + ade+ bce)(1)

=(a(ce− df)− b(cf + de), a(cf + de) + b(ce− df)

)= (a, b)⊗ (ce− df, cf + de) (por 2.2)

= (a, b)⊗((c, d)⊗ (e, f)

)(por 2.2).

M.2 A multiplicação é comutativa:

(a, b)⊗ (c, d) = (ac− bd, ad+ bc) (por 2.2)

= (ca− db, cb+ da) (A multiplicação é comutativa em R)

= (c, d)⊗ (a, b) (por 2.2).

M.3 O par (1, 0) ∈ R2 é o elemento neutro para a multiplicação:

(a, b)⊗ (1, 0) = (a · 1− b · 0, a · 0 + b · 1) (por 2.2)

= (a, b) (0 e 1 são o zero e a unidade de R, respetivamente).

M.4 Existência de inverso:

∀(a, b) ∈ R2 \ {(0, 0)} ∃(c, d) ∈ R2 : (a, b)⊗ (c, d) = (1, 0).

Como (a, b)⊗ (c, d) = (ac− bd, ad+ bc), pretende determinar-se (c, d) tal que

(ac− bd, ad+ bc) = (1, 0).

(1)A multiplicação é distributiva em relação à adição algébrica, em R, donde (ac − bd)e = ace − bde e

(ac− bd)f = acf − bdf . Opera-se de forma semelhante no passo seguinte.

Page 27: Uma abordagem algébrica dos números complexos

2.1 O corpo dos números complexos 17

Dado que (a, b) 6= (0, 0), considere-se a 6= 0 ( a demonstração decorreria de forma

análoga, supondo b 6= 0). De acordo com a De�nição 2.1.2, vem que ac− bd = 1

ad+ bc = 0

donde ac− bd = 1

d = −bc

a

ac− b

(−bc

a

)= 1

d = −bc

a

c

(a+

b2

a

)= 1

d = −bc

a

c =

a

a2 + b2

d = − b

a2 + b2

Ou seja, (c, d) = (a, b)−1 =

(a

a2 + b2,−b

a2 + b2

).

AM.1 A multiplicação é distributiva em relação à adição:

(a, b)⊗((c, d)⊕ (e, f)

)= (a, b)⊗ (c+ e, d+ f) (por 2.1)

=(a(c+ e)− b(d+ f), a(d+ f) + b(c+ e)

)(por 2.2)

= (ac+ ae− bd− bf, ad+ af + bc+ be)(2)

=((ac− bd) + (ae− bf), (ad+ bc) + (af + be)

)= (ac− bd, ad+ bc)⊕ (ae− bf, af + be) (por 2.1)

= (a, b)⊗ (c, d)⊕ (a, b)⊗ (e, f) (por 2.2).

Por veri�car os axiomas de corpo, conclui-se que (R2,⊕,⊗) é um corpo.

No Capítulo 1 reconheceu-se a existência da unidade imaginária i, onde i =√−1. Deste

modo, pode de�nir-se um novo conjunto de números, com recurso a este elemento e aos

números reais.

De�nição 2.1.4. (Conjunto dos números complexos)

De�ne-se o conjunto dos números complexos, e representa-se por C, da seguinte forma:

C ={a+ bi : a, b ∈ R

}.

(2)Analogamente ao que foi feito na veri�cação do axioma M.1, aplica-se a propriedade distributiva da

multiplicação relativamente à adição algébrica, em R.

Page 28: Uma abordagem algébrica dos números complexos

18 2. O conjunto dos números complexos

Considerando, neste conjunto, as operações de adição e de multiplicação, de�nidas por:

(a+ bi)+ (c+ di) = (a+ c) + (b+ d)i (2.3)

e

(a+ bi) ∗ (c+ di) = (ac− bd) + (ad+ bc)i, (2.4)

para quaisquer a+bi, c+di ∈ C, veri�ca-se, de forma análoga ao que foi feito na demonstração

do Teorema 2.1.3, que estas de�nem em C uma estrutura de corpo.

De�nição 2.1.5. (Igualdade de dois elementos de C)

Se a + bi e c + di são números complexos, diz-se que a + bi e c + di são iguais, ou seja,

a+ bi = c+ di se, e somente se, a = c e b = d.

De�nição 2.1.6. (Corpos isomorfos)

Dois corpos (A,⊕,⊗) e (B,+, ∗) dizem-se isomorfos se existe um isomor�smo entre A e B,

ou seja, uma aplicação ϕ : A 7−→ B tal que, para quaisquer elementos a1, a2 ∈ A, se veri�ca:

(i) ϕ(a1 ⊕ a2) = ϕ(a1)+ ϕ(a2),

(ii) ϕ(a1 ⊗ a2) = ϕ(a1) ∗ ϕ(a2),

(iii) ϕ é bijetiva.

Teorema 2.1.7. Considerem-se as operações de�nidas em (2.1)-(2.4).Os corpos (R2,⊕,⊗)

e (C,+, ∗) são isomorfos.

Demonstração. Pretende mostrar-se que existe uma aplicação ϕ, entre R2 e C, que satisfaz

as condições (i), (ii) e (iii) apresentadas na De�nição 2.1.6.

Considere-se a aplicação ϕ : R2 7−→ C, de�nida por

ϕ((a, b)

)= a+ bi. (2.5)

Page 29: Uma abordagem algébrica dos números complexos

2.1 O corpo dos números complexos 19

Esquematicamente,

Figura 2.1: Aplicação entre R2 e C.

Sejam (a, b), (c, d) ∈ R2. Tem-se que:

(i)

ϕ((a, b)⊕ (c, d)

)= ϕ

((a+ c, b+ d)

)(por 2.1)

= (a+ c) + (b+ d)i (por 2.5)

= (a+ bi)+ (c+ di) (por 2.3)

= ϕ((a, b)

)+ ϕ

((c, d)

)(por 2.5).

(ii)

ϕ((a, b)⊗ (c, d)

)= ϕ

((ac− bd, ad+ bc)

)(por 2.2)

= (ac− bd) + (ad+ bc)i (por 2.5)

= (a+ bi) ∗ (c+ di) (por 2.4)

= ϕ((a, b)

)∗ ϕ((c, d)

)(por 2.5).

(iii) ϕ é injetiva:

ϕ((a, b)

)= ϕ

((c, d)

)⇒ a+ bi = c+ di (por 2.5)

⇒ a = c ∧ b = d (pela De�nição 2.1.5)

⇒ (a, b) = (c, d) (pela De�nição 2.1.2).

ϕ é sobrejetiva: de facto, dado a + bi ∈ C, tem-se, pela De�nição 2.1.4, que a, b ∈ R e,

portanto, (a, b) ∈ R2. Logo, é possível aplicar ϕ ao par (a, b). Mas, ϕ((a, b)

)= a + bi, ou

Page 30: Uma abordagem algébrica dos números complexos

20 2. O conjunto dos números complexos

seja, para cada a + bi ∈ C, existe um par (a, b) ∈ R2 tal que ϕ((a, b)

)= a + bi, donde ϕ é

sobrejetiva.

Assim, ϕ é uma aplicação injetiva e sobrejetiva, logo é bijetiva.

Provou-se a existênca de um isomor�smo entre os corpos (R2,⊕,⊗) e (C,+, ∗), donde se

conclui que estes são isomorfos.

A aplicação de�nida em (2.5) permite identi�car o par (a, b) ∈ R2 com o número complexo

a+bi, e vice-versa(3). Em particular, identi�ca-se o par (0, 1) ∈ R2 com a unidade imaginária

i ∈ C.

Nota 2.1.8. A �m de facilitar a linguagem, mas sem que se use �abusivamente� o sinal de

igualdade, recorrer-se-á à notação a+ bi ≡ (a, b) para representar a identi�cação do número

complexo a + bi com o par (a, b) de R2. Assim, e de acordo com as operações de�nidas em

(2.1) e (2.2) e o Teorema 2.1.7, pode escrever-se que

(a, b) = (a, 0)⊕ (0, b) = (a, 0)⊕ (b, 0)⊗ (0, 1) ≡ a+ bi.

O facto de os corpos (R2,⊕,⊗) e (C,+, ∗) serem isomorfos, garante que todas as propri-

edades válidas num, em que intervenham apenas as operações nele de�nidas, são também

válidas no outro, pelo que, do ponto de vista dessas propriedades, os dois corpos são indis-

tinguíveis [11] e, portanto, podem considerar-se como sendo o mesmo corpo (a menos de um

isomor�smo).

A identi�cação dos elementos de C com os elementos de R2 permite construir uma base

algébrica formal à teoria dos números complexos, dissipando-se de�nitivamente qualquer

ambiguidade no seu manuseamento. Para além disso, retira-lhes a carga quase �mística� que

os perseguiu ao longo dos séculos, dado que se podem reduzir a pares ordenados de números

reais. Torna-se, por isso, intuitivo, representar geometricamente o número complexo a+ bi a

partir de um ponto de coordenadas (a, b), recorrendo a um referencial ortonormado em R2.

Neste contexto, o plano é designado por plano complexo ou plano de Argand [12]. O

eixo das abcissas é denominado por eixo real, o eixo das ordenadas por eixo imaginário,

representando-se abreviadamente por Re e Im, respetivamente, e o ponto (a, b) por a�xo

do número a + bi. Na �gura seguinte encontra-se uma representação do plano complexo e

do a�xo de a+ bi:(3)A aplicação inversa ϕ−1 é também um isomor�smo.

Page 31: Uma abordagem algébrica dos números complexos

2.2 Imersão de R em C 21

Figura 2.2: A�xo de um número complexo.

2.2 Imersão de R em C

De que forma se apresenta R como um subconjunto de C, após a identi�cação de C com

R2 sabendo-se, à partida, que a �natureza matemática� de um número é diferente da de um

par ordenado?

Esta questão é mais uma vez fundamentada através do isomor�smo de corpos, descrito

no Teorema 2.1.6. Mais especi�camente, seja R∗ o subconjunto de R2, de�nido por

R∗ = {(a, 0) : a ∈ R} .

Considerando as operações de adição e multiplicação de�nidas em (2.1) e (2.2), respe-

tivamente, pode observar-se que, quer o elemento neutro da adição (0, 0), quer o elemento

neutro da multiplicação (1, 0), pertencem a este conjunto. Para além disso, todas as outras

propriedades inerentes à estrutura de corpo continuam a ser veri�cadas neste subconjunto,

pelo que se conclui que R∗ é um subcorpo de R2.

Considerando a aplicação bijetiva ϕ∗ : R∗ 7−→ R, de�nida por

ϕ∗((a, 0)

)= a, (2.6)

veri�ca-se, de forma análoga à que foi feita na demonstração do Teorema 2.1.7, que os corpos

R∗ e R são isomorfos.

Page 32: Uma abordagem algébrica dos números complexos

22 2. O conjunto dos números complexos

Figura 2.3: Isomor�smo entre um subcorpo de R2 e R.

Deste modo, identi�ca-se em R2 um seu subcorpo, R∗, que é isomorfo a R. Ou seja, ao

considerar-se o conjunto R2 para uma concretização do corpo C, a imersão de R em C �ca

entendida a partir do isomor�smo dos corpos R∗ e R. Por vezes, usa-se a expressão �R como

subconjunto de C� para indicar esta imersão.

2.3 Potências de base i e expoente n pertencente a N0

Pretende-se determinar o valor da potência in, para n ∈ N0.

Considere-se que i0 = 1.

Atendendo a que i1 = i ≡ (0, 1), obtém-se o valor de i2:

i2 = i ∗ i

≡ (0, 1)⊗ (0, 1) (por 2.5)

= (0 · 1− 1 · 1, 0 · 0 + 1 · 0) (por 2.4)

= (−1, 0)

≡ −1 (por 2.6).

Pode, agora, obter-se o valor das potências do tipo in, para n ≥ 3:

� i3= i2 ∗ i = −1 ∗ i = −i,

� i4 = i3 ∗ i = −i ∗ i = −i2 = −(−1) = 1,

� i5 = i4 ∗ i = 1 ∗ i = i,

� i6 = i5 ∗ i = i ∗ i = i2 = −1,

Page 33: Uma abordagem algébrica dos números complexos

2.3 Potências de base i e expoente n pertencente a N0 23

� i7 = i6 ∗ i = −1 ∗ i = −i.

Observa-se que o valor da potência in apresenta uma certa regularidade, dado que alterna,

sucessivamente, entre 1, i,−1 e −i. Como, para qualquer n ∈ N, o valor de in coincide com

o valor de i0, i1, i2 ou i3, pode determinar-se o valor de in escrevendo o expoente n na forma

n = 4q + r, com q ∈ N0 e r ∈ {0, 1, 2, 3}, conforme se mostra a seguir:

in = i4q+r = i4q ∗ ir =(i4)q ∗ ir = 1q ∗ ir = 1 ∗ ir = ir, r ∈ {0, 1, 2, 3} .

Ou seja, in = ir, sendo r o resto da divisão inteira de n por 4.

Page 34: Uma abordagem algébrica dos números complexos
Page 35: Uma abordagem algébrica dos números complexos

Capítulo 3

Forma algébrica de um número complexo

Neste capítulo, será efetuada uma abordagem algébrica dos números complexos, salientando-

se a sua representação e a forma como se operam. Serão ainda apresentados os conceitos de

conjugado e de módulo de um número complexo.

3.1 Representação algébrica de um número complexo

De�nição 3.1.1. (Forma algébrica)

Dado um número complexo z, existe um único real a e um único real b tal que z = a + bi,

sendo esta a forma algébrica do número complexo z.

De�nição 3.1.2. (Parte real e parte imaginária)

Dado um número complexo z = a+ bi, diz-se que:

� a é a parte real de z e escreve-se Re(z) = a,

� b é a parte imaginária de z e escreve-se Im(z) = b.

De�nição 3.1.3. (Número real e número imaginário puro)

Dado um número complexo z, tem-se que:

� z é real se, e somente se, Im(z) = 0,

� z é imaginário puro se, e somente se, Re(z) = 0 ∧ Im(z) 6= 0.

25

Page 36: Uma abordagem algébrica dos números complexos

26 3. Forma algébrica de um número complexo

3.2 Operações com números complexos na forma algé-

brica

3.2.1 Adição algébrica e multiplicação de números complexos

Para adicionar e multiplicar dois números complexos a + bi e c + di, utilizam-se as

operações de adição e multiplicação já de�nidas em (2.3) e (2.4):

(a+ bi)+ (c+ di) = (a+ c)+ (b+ d)i

e

(a+ bi) ∗ (c+ di) = (ac− bd) + (ad+ bc)i.

Exemplo 3.2.1. Considerem-se os números complexos z = 2− 3i e w = 4 + 5i.

De (2.3), resulta que

z + w = (2− 3i)+ (4 + 5i)

= (2 + 4) + (−3 + 5)i

= 6 + 2i

e de (2.4) vem que

z ∗ w = (2− 3i) ∗ (4 + 5i)

=(2 · 4− (−3) · 5

)+(2 · 5 + (−3) · 4

)i

= (8 + 15) + (10− 12)i

= 23− 2i.

No entanto, para operar com estes números, pode também aplicar-se as propriedades

habituais dos números reais e das expressões com variáveis, e ter em atenção que i2 = −1.

Neste caso,

z + w = (2− 3i)+ (4 + 5i)

= 2− 3i+ 4 + 5i

= (2 + 4) + (−3i+ 5i)

= 6 + 2i

Page 37: Uma abordagem algébrica dos números complexos

3.2 Operações com números complexos na forma algébrica 27

e

z ∗ w = (2− 3i) ∗ (4 + 5i)

= 2 · 4 + 2 · 5i− 3i · 4− 3i · 5i

= 8 + 10i− 12i− 15i2

= 8− 2i+ 15

= 23− 2i,

obtendo-se, tal como esperado, os mesmos resultados.

Geometricamente, pode efetuar-se uma interpretação geométrica da soma de dois nú-

meros complexos. Para tal, considerem-se dois números complexos quaisquer z = a + bi e

z0 = a0 + b0i. Adicionando-se z com z0, obtém-se:

z + z0 = (a+ bi)+ (a0 + b0i)

= (a+ a0) + (b+ b0)i.

Na �gura seguinte encontram-se representados os a�xos de z, z0 e z+z0, e o vetor (a0, b0):

Figura 3.1: Soma de números complexos.

Note-se que (a+ a0, b+ b0), que é o a�xo de z + z0, corresponde à imagem do a�xo de z

pela translação associada ao vetor (a0, b0).

Considerando novamente o número complexo z = a + bi, pode obter-se, pela aplicação

(2.5), o seu simétrico, que é o número complexo −z = −a− bi. Geometricamente, também

se veri�ca uma relação entre os a�xos de um número complexo e do seu simétrico. Para tal,

designe-se por:

Page 38: Uma abordagem algébrica dos números complexos

28 3. Forma algébrica de um número complexo

� A e B os a�xos de z e de −z, respetivamente;

� A′ e B′ as projeções ortogonais de A e de B sobre o eixo das abcissas, respetivamente.

Figura 3.2: Simétrico de um número complexo.

Representando a medida da distância (1) entre dois pontos P e Q, no plano, por PQ,

tem-se que OA′ = OB′ e que AA′ = BB′. Pela construção dos pontos A′ e B′, sabe-se que

os ângulos AA′O e BB′O são ambos retos e, portanto, OA = OB.

Deste modo, conclui-se que o a�xo de −z é obtido por uma re�exão central de centro O

do a�xo de z.

Nota 3.2.2. Fica assim de�nida a subtração entre dois números complexos z e w, onde

z − w = z + (−w).

3.2.2 Divisão de números complexos

De�nição 3.2.3. (Quociente de dois números complexos)

Dados os números complexos z e w, z não nulo, de�ne-se o quociente de w por z, e

representa-se porw

z, como sendo o número pelo qual se tem de multiplicar z para obter w.

Teorema 3.2.4. Considerem-se os números complexos z, w e z1 , com z1 não nulo. Tem-se

que, se z ∗ z1 = w ∗ z1, então z = w.

Demonstração. Sejam z, w e z1 números complexos quaisquer, com z1 não nulo.

(1)No que se segue, e para simpli�car a linguagem, usar-se-à o termo �distância�, em substituição de �medida

da distância�.

Page 39: Uma abordagem algébrica dos números complexos

3.2 Operações com números complexos na forma algébrica 29

Como C é corpo, z1 tem inverso e, supondo que z ∗ z1 = w ∗ z1, vem que:

z = z ∗(z1 ∗ z−11

)= (z ∗ z1) ∗ z−11

= (w ∗ z1) ∗ z−11

= w ∗(z1 ∗ z−11

)= w

Ou seja, se z ∗ z1 = w ∗ z1 então z = w.

A partir deste resultado conclui-se, de forma imediata, que um número complexo não

nulo admite um único inverso.

Na demonstração do Teorema 2.1.3 veri�cou-se que, para cada (a, b) ∈ R2 \ {(0, 0)}, o

seu inverso é o par (a, b)−1 =

(a

a2 + b2,−b

a2 + b2

). Sendo (0, 0) o zero de R2, e considerando

a aplicação de�nida em (2.5), obtém-se o zero de C:

ϕ((0, 0)

)= 0 + 0i = 0.

Assim, considerando novamente a aplicação de�nida em (2.5), dado z ∈ C \ {0} tal que

ϕ((a, b)

)= z, o inverso z−1, ou

1

z, é dado por ϕ

((a

a2 + b2,−b

a2 + b2

)), ou seja,

1

z=

a

a2 + b2+−b

a2 + b2i. (3.1)

Teorema 3.2.5. Dados z e w números complexos, z não nulo, tem-se quew

z= w ∗ 1

z.

Demonstração. Considerem-se dois números complexos quaisquer w e z, z não nulo. De

acordo com a De�nição 3.2.3, tem-se quew

z∗ z = w, e:

w

z∗ z = w ⇔ w

z∗ z ∗ 1

z= w ∗ 1

z

⇔ w

z∗(z ∗ 1

z

)= w ∗ 1

z

⇔ w

z∗ 1 = w ∗ 1

z

⇔ w

z= w ∗ 1

z,

como se queria demonstrar.

Page 40: Uma abordagem algébrica dos números complexos

30 3. Forma algébrica de um número complexo

Proposição 3.2.6. Dados z e w números complexos, não nulos, tem-se que1

z ∗ w=

1

z∗ 1

w.

Demonstração. Considerem-se dois números complexos quaisquer z e w, não nulos. Por

de�nição de inverso,1

z ∗ wé o inverso do complexo z ∗ w. Por outro lado, tem-se que:

(z ∗ w) ∗(1

z∗ 1

w

)=

(z ∗ 1

z

)∗(w ∗ 1

w

)= 1 ∗ 1

= 1,

ou seja,1

z∗ 1

wé também inverso de z ∗ w. Como cada número complexo não nulo admite

um único inverso, conclui-se que1

z ∗ w=

1

z∗ 1

w.

Atendendo a este resultado e a quew

z= w ∗ 1

z, pode concluir-se que as operações com

frações com termos reais são também válidas para as frações cujos termos são elementos de C.

A partir daqui, efetuar-se-á o cálculo com números complexos tendo em consideração todas

estas propriedades já demonstradas, sem que se sinta a necessidade de justi�car determinados

passos em eventuais cálculos que surjam e que recorram ao uso das mesmas.

Na Secção 3.5 será apresentada uma regra prática para determinar o quociente de dois

números complexos.

3.3 Conjugado de um número complexo

De�nição 3.3.1. (Conjugado de um número complexo)

Dado um número complexo z = a+ bi, designa-se por conjugado de z o número complexo

z tal que Re(z) = Re(z) e Im(z) = −Im(z), isto é, z = a− bi.

Considerando novamente o a�xo de z, o ponto A, e designando o a�xo de z por A1,

pode observar-se que o ponto A′ é a projeção ortogonal destes dois pontos sobre o eixo das

abcissas. Conclui-se, deste modo, que o a�xo de z resulta da re�exão de eixo o eixo real do

a�xo de z:

Page 41: Uma abordagem algébrica dos números complexos

3.3 Conjugado de um número complexo 31

Figura 3.3: Conjugado de um número complexo.

3.3.1 Propriedades envolvendo o conjugado de números complexos

Considere-se um número complexo qualquer z = a+bi, não nulo. Veri�cam-se as seguintes

propriedades:

(i) z é um número real se e só se z = z.

Supondo que z é real, tem-se que z = a+ 0i = a. Mas, z = a− 0i = a, donde z = z.

Reciprocamente, supondo que z = z, tem-se que:

z = z ⇔ a+ bi = a− bi

⇔ a = a ∧ b = −b

⇔ a 6= 0 ∧ b = 0 (por hipóteste, z é não nulo).

Ou seja, Im(z) = 0 e, pela De�nição 3.1.3, z é um número real.

(ii) z é um imaginário puro se e só se z = −z.

Supondo que z um número imaginário puro, pela De�nição 3.1.3, vem que Re(z) = 0

e Im(z) 6= 0, donde z = bi. Mas, neste caso, z = −bi, donde z = −z.

Reciprocamente, supondo que z = −z, tem-se que:

z = −z ⇔ a+ bi = − (a− bi)

⇔ a+ bi = −a+ bi

⇔ a = −a ∧ b = b

⇔ a = 0 ∧ b 6= 0 (por hipóteste, z é não nulo).

Page 42: Uma abordagem algébrica dos números complexos

32 3. Forma algébrica de um número complexo

Sendo Re(z) = 0 e Im(z) 6= 0, conclui-se, pela De�nição 3.1.3, que z é um número

imaginário puro.

(iii) Conjugado do conjugado de números complexos: z = z.

Tem-se, sucessivamente,

z = a+ bi

= a− bi

= a+ bi

= z.

(iv) Expressão de Re(z) e de Im(z) em função de z e de z:

� Re(z) =z + z

2.

z + z

2=

(a+ bi)+ (a− bi)

2

=(a+ a) + (b− b)i

2

= a

= Re(z).

De acordo com o que foi feito na Subsecção 3.2.1, aquando da interpretação geo-

métrica da soma de dois números complexos, pode obter-se o a�xo da soma de z

com z, aplicando uma translação associada ao vetor (a,−b) ao ponto (a, b):

Figura 3.4: Soma de um número complexo com o seu conjugado.

Page 43: Uma abordagem algébrica dos números complexos

3.3 Conjugado de um número complexo 33

Donde resulta que:

z + z = 2Re(z)⇔ z + z

2= Re(z).

� Im(z) =z − z

2i.

z − z

2i=

(a+ bi)− (a− bi)

2i

=(a+ bi)+ (−a+ bi)

2i

=(a− a) + (b+ b)i

2i

= b

= Im(z).

Analogamente ao que foi feito no item anterior, pode obter-se geometricamente a soma

de z com −z:

Figura 3.5: Soma de um número complexo com o simétrico do seu conjugado.

Donde resulta que:

z − z = 2Im(z)i⇔ z − z

2i= Im(z).

Para as restantes propriedades, considere-se também um outro complexo w = c+ di.

Page 44: Uma abordagem algébrica dos números complexos

34 3. Forma algébrica de um número complexo

(v) Conjugado da soma de números complexos: z + w = z + w.

z + w = (a+ bi)+ (c+ di)

= (a+ c) + (b+ d)i

= (a+ c)− (b+ d)i

= (a− bi)+ (c− di)

= z + w.

(vi) Conjugado do produto de números complexos: z ∗ w = z ∗ w.

z ∗ w = (a+ bi) ∗ (c+ di)

= (ac− bd) + (ad+ bc)i

= (ac− bd)− (ad+ bc)i. (3.2)

Por outro lado, tem-se que:

z ∗ w = (a− bi) ∗ (c− di)

= (ac− bd) + (−ad− bc)i

= (ac− bd)− (ad+ bc)i. (3.3)

De (3.2) e (3.3) conclui-se que z ∗ w = z ∗ w.

3.4 Módulo de um número complexo

De�nição 3.4.1. (Módulo)

Dado um número complexo z, designa-se por módulo de z, e representa-se por |z|, a dis-

tância, no plano complexo, entre a origem e o a�xo de z.

Repare-se que, sendo z = a+ bi, o a�xo de z é o ponto (a, b), donde:

|z| =√(a− 0)2 + (b− 0)2

(distância entre (0, 0) e (a, b)

)⇔|z| =

√a2 + b2. (3.4)

Page 45: Uma abordagem algébrica dos números complexos

3.4 Módulo de um número complexo 35

Figura 3.6: Módulo de um número complexo.

Nota 3.4.2. Atendendo à De�nição 3.4.1 e às Figuras 3.2 e 3.3, conclui-se que os números

complexos z, −z e z têm o mesmo módulo. Segue, também, de forma imediata, que |z| = 0

se, e só se, z = 0.

Teorema 3.4.3. Dados dois números complexos z1 e z2, cujos a�xos são, respetivamente,

Z1 e Z2, tem-se que:

Z1Z2 =|z2 − z1|.

Demonstração. Considerem-se dois números complexos quaisquer z1 = a + bi e z2 = c + di

e os seus a�xos Z1 e Z2, respetivamente.

Como Z1Z2 =√

(c− a)2 + (d− b)2 e

|z2 − z1| = |(c+ di)− (a+ bi)|

= |(c− a) + (d− b)i|

=√(c− a)2 + (d− b)2,

conclui-se que Z1Z2 =|z2 − z1|.

3.4.1 Propriedades envolvendo o módulo de números complexos

Considerem-se dois números complexos quaisquer z1 = a+bi e z2 = c+di e os seus a�xos

Z1 e Z2, respetivamente. Veri�cam-se as seguintes propriedades:

Page 46: Uma abordagem algébrica dos números complexos

36 3. Forma algébrica de um número complexo

(i) |z1 ∗ z2| =|z1|·|z2|.

|z1 ∗ z2| = |(a+ bi) ∗ (c+ di)|

= | (ac− bd) + (ad+ bc)i|

=√

(ac− bd)2 + (ad+ bc)2

=√a2c2 − 2acbd+ b2d2 + a2d2 + 2adbc+ b2c2

=√

c2(a2 + b2) + d2(a2 + b2)

=√

(a2 + b2) · (c2 + d2)

=√a2 + b2 ·

√c2 + d2

= |z1| · |z2| .

(ii) |z1| = |z1|.

|z1| = |a+ bi|

=√a2 + b2

=√

a2 + (−b)2

= |z1| .

(iii) |z1|2 = z1 ∗ z1.

|z1|2 = |a+ bi|2

=(√

a2 + b2)2

= a2 + b2

= a2 − (bi)2

= (a+ bi) ∗ (a− bi)

= z1 ∗ z1.

Page 47: Uma abordagem algébrica dos números complexos

3.4 Módulo de um número complexo 37

(iv) Desigualdade triangular: |z1 + z2| 6 |z1|+ |z2|.

|z1 + z2| = |(a+ bi)+ (c+ di)|

= |(a+ c) + (b+ d)i|

=√(a+ c)2 + (b+ d)2

=√a2 + 2ac+ c2 + b2 + 2bd+ d2

=√

(a2 + b2) + (c2 + d2) + 2(ac+ bd)

=

√|z1|2 + |z2|2 + 2(ac+ bd). (3.5)

Por outro lado,

Re(z1 ∗ z2) = Re ((ac+ bd) + (bc− ad)i)

= ac+ bd

6√

(ac+ bd)2 + (bc− ad)2

= |z1 ∗ z2| . (3.6)

De (3.5) e (3.6) segue que

|z1 + z2| =

√|z1|2 + |z2|2 + 2Re(z1 ∗ z2)

6√|z1|2 + |z2|2 + 2 |z1 ∗ z2|

=

√|z1|2 + |z2|2 + 2 |z1| · |z2|

(por (i)

)=

√|z1|2 + |z2|2 + 2 |z1| · |z2|

(por (ii)

)=

√(|z1|+ |z2|

)2= |z1|+ |z2| .

Geometricamente, pode efetuar-se uma interpretação da desigualdade triangular. Considere-

se, para tal, que z1 e z2 são não nulos pois, caso contrário, o resultado é imediato.

Supondo que Z2 não pertence à reta OZ1, e sendo S o a�xo da soma de z1 com z2, pode

considerar-se o triângulo [OZ1S] :

Page 48: Uma abordagem algébrica dos números complexos

38 3. Forma algébrica de um número complexo

Figura 3.7: Desigualdade triangular.

Sabe-se que |z1| = OZ1 e que |z2| = OZ2 = Z1S. Dado que, num triângulo, o com-

primento de qualquer lado é menor que a soma dos comprimentos dos outros dois lados

(desigualdade triangular), tem-se OS < OZ1 + Z1S, ou seja, |z1 + z2| < |z1|+ |z2|.

Supondo que Z2 pertence à reta OZ1 , podem ainda considerar-se duas situações distintas:

o caso em que Z2 pertence à semirreta OZ1 e o caso contrário.

1ºcaso: quando Z2 pertence à semirreta OZ1:

Figura 3.8: Caso particular da desigualdade triangular.

Neste caso, OS = OZ1 + Z1S = OZ1 +OZ2, ou seja, |z1 + z2| = |z1|+ |z2|.

2ºcaso: quando Z2 não pertence à semirreta OZ1:

Figura 3.9: Caso particular da desigualdade triangular.

Page 49: Uma abordagem algébrica dos números complexos

3.5 Quociente de números complexos 39

Quando OZ2 = OZ1, vem que OS = 0, donde OS < OZ1 +OZ2.

De um modo geral,

OS =∣∣OZ2 −OZ1

∣∣ = OZ2 −OZ1 se OZ2 ≥ OZ1

OZ1 −OZ2 se OZ2 < OZ1

Para OZ2 ≥ OZ1, OS = OZ2 −OZ1 < OZ2 +OZ1, ou seja, |z1 + z2| < |z1|+ |z2|.

Para OZ2 < OZ1, OS = OZ1 −OZ2 < OZ1 +OZ2, ou seja, |z1 + z2| < |z1|+ |z2|.

Conclui-se que, para quaisquer z1, z2 ∈ C, se veri�ca |z1 + z2| ≤ |z1|+ |z2|.

3.5 Quociente de números complexos

Na Secção 3.2.2, foi de�nido o quociente entre dois números complexos, e �cou provado

que, dados dois números complexos quaisquer z e w , com z não nulo, o quocientew

zé igual

ao produto de w pelo inverso de z. Deste modo, a determinação do quociente obrigaria a

alguns cálculos, nomeadamente do inverso de z, seguido do seu produto por w. Contudo,

conhecidos agora os conceitos de módulo e de conjugado de um número complexo, é possível

deduzir uma regra prática que simpli�ca a obtenção do quociente, motivo pelo qual o processo

anteriormente exposto não foi exempli�cado, dado não ser o método que normalmente se

utiliza.

3.5.1 Regra prática

De acordo com (3.1), o inverso de z = a+ bi é dado por:

1

z=

a

a2 + b2+−b

a2 + b2i,

ou seja,

1

z=

1

a2 + b2∗ (a− bi) =

1

|z|2∗ z. (3.7)

Dado que |z|2 = z∗z (por 3.4.1 (iii)), pode aplicar-se uma regra prática para determinar o

quocientew

z, na forma algébrica, que consiste em multiplicar o numerador e o denominador

dew

zpelo conjugado de z e, seguidamente, efetuar os cálculos necessários de modo a obter-se

Page 50: Uma abordagem algébrica dos números complexos

40 3. Forma algébrica de um número complexo

a representação pretendida:

w

z=

w ∗ zz ∗ z

=w ∗ z|z|2

= Re

(w ∗ z|z|2

)+ Im

(w ∗ z|z|2

)i.

Exemplo 3.5.1. Considere-se o quociente3 + 2i

6− 5i. De acordo com o procedimento apresen-

tado, vem que:

3 + 2i

6− 5i=

(3 + 2i) ∗ (6 + 5i)

(6− 5i) ∗ (6 + 5i)

=18 + 15i+ 12i− 10

36 + 25

=8 + 27i

61

=8

61+

27

61i.

3.5.2 Propriedades envolvendo o quociente de números complexos

Considerem-se dois números complexos quaisquer z = a + bi e w = c + di, z não nulo.

Veri�cam-se as seguintes propriedades:

(i) Conjugado do quociente:(wz

)=

w

z.

(wz

)=

(w ∗ zz ∗ z

)=

((c+ di) ∗ (a− bi)

|z|2

)=

(ca− d(−b) + (c(−b) + da) i

a2 + b2

)=

ac+ bd

a2 + b2+

ad− bc

a2 + b2i

=ac+ bd

a2 + b2+−ad+ bc

a2 + b2i. (3.8)

Page 51: Uma abordagem algébrica dos números complexos

3.6 Resolução de Equações Algébricas em C 41

Por outro lado,

w

z=

w ∗ zz ∗ z

=w ∗ zz ∗ z

(por 3.3.1 (i)

)=

(c− di) ∗ (a+ bi)

|z|2

=

(ca− (−d)b

)+ (−da+ cb)i

a2 + b2

=ac+ bd

a2 + b2+−ad+ bc

a2 + b2i. (3.9)

De (3.8) e (3.9) conclui-se que(wz

)=

w

z.

(ii) Módulo do quociente:∣∣∣wz

∣∣∣ = |w||z| .∣∣∣wz

∣∣∣ =

∣∣∣∣w ∗ 1z∣∣∣∣

= |w| ·∣∣∣∣1z∣∣∣∣ (

por 3.4.1 (i))

= |w| ·∣∣∣∣ 1

|z|2∗ z∣∣∣∣ (por 3.7)

= |w| · 1

|z|2· |z|

(por 3.4.1 (i)

)= |w| · 1

|z|2· |z|

(por 3.4.1 (ii)

)=|w||z|

.

3.6 Resolução de Equações Algébricas em C

Tendo em consideração a própria origem dos números complexos, poder-se-ão levantar

as seguintes questões: será que existe uma equação algébrica que não admite soluções em

C? No caso de admitir soluções, será possível, à partida, saber o número de soluções? Estas

questões têm a sua resposta no Teorema Fundamental da Álgebra, demonstrado pela pri-

meira vez em 1799, pelo matemático Carl Friedrich Gauss (1777�1855), no âmbito da sua

tese de doutoramento. Este teorema a�rma que �toda a equação polinomial de coe�cientes

reais ou complexos tem, no plano complexo, pelo menos uma raiz� [6]. Deste teorema surgiu

uma consequência de grande relevância para o estudo das equações algébricas, pois a partir

Page 52: Uma abordagem algébrica dos números complexos

42 3. Forma algébrica de um número complexo

dele �cou também demonstrado que, no plano complexo, �as equações polinomiais têm exa-

tamente n raízes, sendo n o grau do respetivo polinómio� [6]. Note-se que as raízes não são,

necessariamente, distintas. Dado que, neste trabalho, apenas foi abordada a representação

algébrica dos números complexos, há equações de determinado tipo, nomeadamente as que

recorrem à radiciação, que não vão ser aqui abordadas.

Os processos utilizados na resolução de equações algébricas no conjunto dos números

complexos correspondem aos mesmos que se utilizam para a resolução deste tipo de equações

no conjunto dos números reais, nomeadamente: princípios de equivalência de equações (da

adição e da multiplicação), fórmula resolvente para equações do segundo grau, regra de

Ru�ni, caso notáveis da multiplicação de polinómios e lei do anulamento do produto. No

entanto, e tendo em consideração o Teorema Fundamental da Álgebra, não existem equações

algébricas impossíveis em C, ou seja, estes processos conduzirão sempre à obtenção de raízes

(não necessariamente distintas) em número igual ao grau da respetiva equação.

Seguidamente, serão exempli�cados processos de resolução para este tipo de equações.

Exemplo 1: z2 + 9 = 0.

Aplicando um dos princípios de equivalência de equações, obtém-se:

z2 + 9 = 0 ⇔ z2 = −9.

Dado que i =√−1, pode escrever-se:

z2 = −9 ⇔ z = ±√9i

⇔ z = 3i ∨ z = −3i.

Logo, as soluções da equação z2 + 9 = 0 são 3i e −3i.

Exemplo 2: z2 − 4iz − 4 = 0.

Pode escrever-se:

z2 − 4iz − 4 = 0 ⇔ (z − 2i)2 = 0

⇔ z − 2i = 0 ∨ z − 2i = 0

⇔ z = 2i ∨ z = 2i.

Logo, a solução da equação é 2i (raiz dupla).

Page 53: Uma abordagem algébrica dos números complexos

3.6 Resolução de Equações Algébricas em C 43

Exemplo 3: z2 + iz − 1 = 0.

Sendo z2 + iz − 1 um polinómio do segundo grau, de coe�cientes 1, i e −1, aplicando

a fórmula resolvente, obtém-se:

z2 + iz − 1 = 0 ⇔ z =−i±

√i2 − 4 · 1 · (−1)2 · 1

⇔ z =−i±

√−1 + 4

2

⇔ z =−i±

√3

2

⇔ z =

√3

2− 1

2i ∨ z = −

√3

2− 1

2i.

Ou seja, as soluções da equação são

√3

2− 1

2i e −

√3

2− 1

2i.

iv) z3 + (−1− i)z2 + (−2 + i)z + 2i = 0, sabendo que i é uma solução da equação.

Sendo z3+(−1−i)z2+(−2+i)z+2i um polinómio do terceiro grau em C, e dado que é

conhecida uma solução da equação, procede-se à fatorização do referido polinómio em

dois polinómios de grau inferior. Esta fatorização é obtida recorrendo, por exemplo, à

regra de Ru�ni. Assim sendo, e aplicando a referida regra, vem que:

Ou seja, z3 + (−1− i)z2 + (−2 + i)z + 2i = (z − i)(z2 − z − 2) e, portanto,

z3 + (−1− i)z2 + (−2 + i)z + 2iz − i = 0

⇔ (z − i)(z2 − z − 2) = 0

⇔ z − i = 0 ∨ z2 − z − 2 = 0

⇔ z = i ∨ z = −1 ∨ z = 2.

Logo, as soluções da equação z3 + (−1− i)z2 + (−2 + i)z + 2i = 0 são i, −1 e 2.

Em suma, as regras e procedimentos utilizados para a resolução de equações algébricas

em C, são os mesmos que se utilizam para a sua resolução em R.

Page 54: Uma abordagem algébrica dos números complexos

44 3. Forma algébrica de um número complexo

No Capítulo 1 foi apresentada uma fórmula resolvente para equações polinomiais de

grau três, sendo que, também existe uma fórmula para resolver equações polinomiais de

grau quatro. O matemático Évariste Galois (1811�1832) demonstrou a inexistência de uma

fórmula resolvente para equações polinomiais de grau maior ou igual a cinco, o que não se

traduz numa impossibilidade de se obterem as soluções por outros métodos, pelo menos, em

determinado tipo de equações.

Page 55: Uma abordagem algébrica dos números complexos

Capítulo 4

Domínios planos e condições em variável

complexa

4.1 Condições com números complexos

No âmbito da Geometria Analítica no plano, no ensino secundário, são abordados assun-

tos relacionados com a equação cartesiana da mediatriz de um segmento de reta, equação

cartesiana reduzida da circunferência, inequações cartesianas que de�nem semiplanos e ine-

quações cartesianas que de�nem círculos.

Após a identi�cação dos elementos de C com os elementos de R2, e tendo em consideração

a De�nição 3.4.1 e o Teorema 3.4.3, estas equações e inequações podem ser �adaptadas�, com

as devidas alterações de linguagem, ao contexto dos números complexos. Nesta secção serão

apresentadas algumas condições em variável complexa, bem como os domínios planos que

lhes correspondem, ou seja, o conjunto de pontos do plano complexo que satisfazem as

respetivas condições. Apesar de se trabalhar no corpo dos números complexos, as operações

de adição e de multiplicação serão agora representadas pelos símbolos + e · , respetivamente,

pois entende-se que, nesta altura, o uso desta notação já não suscita ambiguidade.

No que se segue consideram-se, para tal, os números complexos quaisquer z1 = a + bi e

z2 = c+ di e os seus a�xos, Z1 e Z2, respetivamente.

45

Page 56: Uma abordagem algébrica dos números complexos

46 4. Domínios planos e condições em variável complexa

4.1.1 Mediatriz de um segmento de reta e semiplanos

Os a�xos dos números complexos z que satisfazem a condição

|z − z1| = |z − z2|

representam o conjunto dos pontos do plano complexo que estão à mesma distância de Z1 e

de Z2, ou seja, representam a mediatriz do segmento de reta [Z1Z2].

Figura 4.1: Mediatriz.

A partir desta condição, é possível também obter os semiplanos (fechados ou abertos)

de�nidos pela mediatriz do segmento de reta [Z1Z2] e aos quais pertence Z1 ou Z2, conforme

ilustra a Figura 4.2.

Figura 4.2: Semiplanos de�nidos por uma mediatriz.

Page 57: Uma abordagem algébrica dos números complexos

4.1 Condições com números complexos 47

4.1.2 Circunferência e círculo

Dado r ∈ R+, os a�xos dos números complexos z que satisfazem a condição

|z − z1| = r

representam o conjunto dos pontos do plano complexo cuja distância a Z1 é r, ou seja,

representam a circunferência de centro Z1 e raio r.

Figura 4.3: Circunferência.

Analogamente,

� a inequação |z − z1| ≤ r de�ne o círculo de centro Z1 e raio r;

� a inequação |z − z1| > r de�ne a parte externa à circunferência de centro Z1 e raio r.

4.1.3 Retas paralelas aos eixos coordenados e semiplanos

� Reta paralela ao eixo imaginário:

Os a�xos dos números complexos z que satisfazem a condição Re(z) = Re(z1) = a

de�nem a reta vertical à qual pertence Z1.

� Reta paralela ao eixo real:

Os a�xos dos números complexos z que satisfazem a condição Im(z) = Im(z1) = b

de�nem a reta horizontal à qual pertence Z1.

Page 58: Uma abordagem algébrica dos números complexos

48 4. Domínios planos e condições em variável complexa

Figura 4.4: Retas verticais e horizontais.

A partir da equação Re(z) = a, podem obter-se os semiplanos fechados Re(z) ≥ a e

Re(z) ≤ a e os semiplanos abertos Re(z) > a e Re(z) < a. O mesmo se aplica à equação

Im(z) = b.

Figura 4.5: Semiplanos de�nidos por retas verticais.

4.2 Exemplos de condições em variável complexa e do-

mínios planos correspondentes

Nesta secção serão apresentados dois tipos de exemplos: no primeiro, serão dadas con-

dições em variável complexa, seguindo-se a representação, no plano complexo, dos domínios

Page 59: Uma abordagem algébrica dos números complexos

4.2 Exemplos de condições em variável complexa e domínios planos correspondentes 49

planos correspondentes; no segundo, serão dadas representações geométricas de domínios

planos, seguidamente de�nidos por condições, em variável complexa.

Exemplo 1:

Representar geometricamente, no plano complexo, a região de�nida por:

a) Im(z − 2 + 5i) < 1 ∧Re(z) ≤ 3.

Proposta de resolução:

i) Para a condição Im(z − 2 + 5i) < 1, fazendo z = x+ yi, tem-se que:

Im(z − 2 + 5i) > 1 ⇔ Im(x+ yi− 2 + 5i) > 1

⇔ Im ((x− 2) + (y + 5)i) > 1

⇔ y + 5 > 1

⇔ y > −4,

que corresponde ao semiplano aberto de�nido por Im(z) > −4.

ii) A condição Re(z) ≤ 3 é de interpretação imediata.

iii) À conjunção das duas condições, Im(z−2+5i) > 1∧Re(z) ≤ 3, corresponde

a interseção dos respetivos domínios planos, obtendo-se

Figura 4.6: Representação grá�ca da região.

b) 1 ≤ |z + 1− 2i| < 3.

Proposta de resolução:

1 ≤ |z + 1− 2i| < 3 ⇔ |z + 1− 2i| ≥ 1 ∧ |z + 1− 2i| < 3

⇔ |z − (−1 + 2i)| ≥ 1 ∧ |z − (−1 + 2i)| < 3.

Page 60: Uma abordagem algébrica dos números complexos

50 4. Domínios planos e condições em variável complexa

i) A condição |z − (−1 + 2i)| ≥ 1 de�ne a parte externa, incluindo a fronteira,

da circunferência de centro no a�xo de −1 + 2i e raio 1.

ii) A condição |z − (−1 + 2i)| < 3 de�ne a parte interna da circunferência de

centro no a�xo de −1 + 2i e raio 3.

iii) A condição |z − (−1 + 2i)| ≥ 1 ∧ |z − (−1 + 2i)| < 3 de�ne a interseção dos

dois domínios planos de�nidos em i) e ii), obtendo-se

Figura 4.7: Representação grá�ca da região.

c) |z − 1| ≥ |2− 3i+ z| ∨Re(iz) < −2.

Proposta de resolução:

i) Para a condição |z − 1| ≥ |2− 3i+ z|, tem-se:

|z − 1| ≥ |2− 3i− z| ⇔ |z − 1| ≥ |−2 + 3i+ z|

⇔ |z − 1| ≥ |z − (2− 3i)| ,

que representa o semiplano fechado de�nido pela mediatriz do segmento de

reta de extremos no a�xo de 1 e no a�xo de 2− 3i, ao qual pertence o a�xo

de 2− 3i.

ii) Para a condição Re(iz) < −2, fazendo z = x+ yi, tem-se que:

Re(iz) < −2 ⇔ Re(i(x− yi)

)< −2

⇔ Re(xi+ y) < −2

⇔ y < −2,

que corresponde ao semiplano aberto de�nido por Im(z) < −2.

Page 61: Uma abordagem algébrica dos números complexos

4.2 Exemplos de condições em variável complexa e domínios planos correspondentes 51

iii) A condição |z − 1| ≥ |2− 3i+ z| ∨ Re(iz) < −2 de�ne a reunião dos dois

domínios planos de�nidos em i) e ii), obtendo-se

Figura 4.8: Representação grá�ca da região.

Exemplo 2:

Escrever uma condição em variável complexa que de�na a região do plano representada

em cada uma das �guras seguintes:

a)

Figura 4.9: Representação grá�ca da região.

Proposta de resolução:

A região considerada corresponde à interseção de dois domínios planos:

i) A parte interna da circunferência de centro no a�xo de 2− i e raio 2:

|z − 2 + i| < 2;

ii) A parte interna da circunferência de centro na origem e raio 1:

|z| < 1.

Assim, a condição pedida é |z − 2 + i| < 2 ∧ |z| < 1.

Page 62: Uma abordagem algébrica dos números complexos

52 4. Domínios planos e condições em variável complexa

b)

Figura 4.10: Representação grá�ca da região.

A região considerada corresponde à reunião de dois domínios planos:

i) O semiplano aberto de�nido pela mediatriz do segmento de reta de extremos

no a�xo de 1 e no a�xo de i, ao qual pertence o a�xo de 1:

|z − 1| < |z − i|;

ii) O semiplano aberto à direita da reta vertical que contém o a�xo de 1:

Re(z) > 1;

Assim, a condição pedida é |z − 1| < |z − i| ∨Re(z) > 1.

Page 63: Uma abordagem algébrica dos números complexos

Capítulo 5

Aplicabilidade dos números complexos

Não foi por acaso que os números complexos surgiram mais tarde que os outros. A sua

aplicabilidade não foi tão imediata e, consequentemente, os matemáticos não sentiram logo

a necessidade de os conhecer (ou de�nir). Mas, e tendo em consideração que os números

complexos resultaram da procura das soluções de equações do terceiro grau, é natural que

estes tenham, a partir daí, enriquecido o conhecimento acerca das equações, no geral. Con-

trariamente ao que costuma acontecer, a maior vantagem do uso dos números complexos

surgiu após o conhecimento da sua existência. E, se por um lado foi na evolução das tecno-

logias que estes assumiram uma grande importância, foi também essa mesma evolução que

permitiu o seu conhecimento de uma forma mais aprofundada. Dir-se-ia, deste modo, que a

tecnologia e os números complexos criaram uma simbiose que os ajudaram a promoverem-se

e a desenvolverem-se mutuamente. De facto, foi o aparecimento do computador que permitiu

a representação geométrica de um número muito elevado de números complexos (tão elevado

que se tornaria impossível de ser realizado manualmente), resultantes de um simples cálculo

efetuado de forma iterativa. A partir dessa representação os matemáticos depararam-se,

inesperadamente, com imagens de uma beleza única e peculiar, a que chamaram de fractais.

Não há uma de�nição matemática precisa para fractal, mas pode dizer-se que um fractal é

uma forma geométrica com padrões que se repetem in�nitamente, de forma a que, ao ana-

lisarmos uma parte do fractal, ela parece-se com o seu todo. A �m de elucidar melhor esta

noção apresenta-se, na �gura seguinte, um exemplo de um fractal (1) obtido com recurso ao

(1)Este fractal �cou conhecido por Conjunto de Mandelbrot, em homenagem ao seu descobridor, o mate-

mático Benoît Mandelbrot (1924-2010).

53

Page 64: Uma abordagem algébrica dos números complexos

54 5. Aplicabilidade dos números complexos

software XaoS:

Figura 5.1: Conjunto de Mandelbrot.

A sua construção baseia-se na equação, de�nida por recorrência, Zn+1 = Z2n+ c, onde Zn

e c são números complexos (Z0 = 0) e n ∈ N0 [13].

Poder-se-ia pensar, contudo, que estas �guras têm tanto de belo quanto de inútil mas,

mais uma vez, a criatividade e genialidade de alguns cientistas permitiram encontrar nestas

formas uma base fundamental para o desenvolvimento de algumas áreas da ciência. Note-

se que, pela simples observação de uma árvore, de uma linha costeira, de uma montanha,

ou de uma nuvem, não se lhes reconhece linearidade no recorte. E, de um modo geral na

natureza, não se reconhecem as formas geométricas perfeitas que a Geometria Euclidiana

apresenta. Aliada a insu�ciência apresentada pela Geometria Euclidiana para representar

os fenómenos naturais, à similaridade que estes apresentam com os fractais obtidos por

computador, desenvolveu-se um outro tipo de geometria, a Geometria Fractal. Com esta

geometria desenvolveu-se também a Teoria dos Sistemas Dinâmicos, que se baseia em te-

orias matemáticas para descrever processos em movimento, contribuindo para explicar e

antecipar determinados fenómenos que até então pareciam aleatórios e imprevisíveis. A par-

tir daqui desenvolveu-se, por exemplo, o conhecimento sobre os fenómenos metereológicos,

revolucionou-se a área das telecomunicações, e até, a indústria do cinema, dada a capacidade

da reprodução de imagens observadas na natureza, com recurso ao computador. Atualmente,

os números complexos são usados em várias áreas da engenharia, nomeadamente no estudo

nas correntes elétricas alternadas, onde a tensão, a impedância e a corrente elétrica surgem

como grandezas que variam em C; nas equações diferenciais, muito utilizadas em física quân-

tica, permitindo estabelecer relações importantes entre as propriedades de um sistema físico;

Page 65: Uma abordagem algébrica dos números complexos

55

na aerodinâmica, permitindo, por exemplo, calcular a força do levantamento responsável

pela sustentação do vôo de um avião, entre outras [19].

Em suma, quem diria que muitos dos efeitos especiais usados nos �lmes são elaborados a

partir de números complexos? E que a comodidade do uso do telemóvel só é possível graças

à possibilidade de se criarem circuitos de longos comprimentos em caixinhas tão pequeninas,

cuja inspiração está na ideia de in�nito presente num fractal? E que um eletrocardiograma

pode mais facilmente ser entendido à luz da Geometria Fractal, podendo melhorar-se a

deteção de anomalias cardíacas e, com isso, antecipar um problema de saúde? E que há

padrões patentes em vários tecidos usados na indústria têxtil, que foram idealizados por

estilistas, mas cuja construção se deve ao computador, com recurso à Geometria Fractal?

É inquestionável que, para que alguém queira contribuir ativamente na evolução da ciên-

cia, terá inevitavelmente de conhecer e estudar Matemática e, nomeadamente, os números

complexos. E para aqueles que �apenas� pretendam usufruir das suas vantagens espera-se,

pelo menos, que a respeitem e reconheçam o seu valor.

E poderá ser esta, quem sabe, a resposta de um professor a um aluno que (ainda) o/se

questione quanto à sua utilidade...

Page 66: Uma abordagem algébrica dos números complexos
Page 67: Uma abordagem algébrica dos números complexos

Conclusão

Nesta fase �nal do trabalho, não resisto em falar na primeira pessoa. Porque, por detrás

de algo que lemos, está sempre alguém que teve uma ideia, um desejo, que ousou concretizá-lo

e, por �m, partilhá-lo.

Queria, há já muito tempo, concluir mais um ciclo de estudos e o meu objetivo assentava

em conciliar o grau de formalidade e profundidade exigidos nesta etapa, com os assuntos

que trato, habitualmente, com os alunos. Como professora do ensino básico e secundário,

por vezes sinto, na preparação das minhas aulas, alguma di�culdade em reunir e selecionar

uma base teórica adequada, que me permita aprofundar na medida certa os assuntos a

abordar. Se, por um lado, os manuais escolares são dirigidos ao aluno e, por isso, insu�cientes

para o professor, por outro, a bibliogra�a especí�ca para cada conteúdo revela-se demasiado

pormenorizada, para além de não conter, na sua grande maioria, uma vertente didática. E a

verdade é que, à medida que os anos passam, desde que o professor termina a sua licenciatura,

há determinados conhecimentos adquiridos na altura que, gradualmente e inevitavelmente,

serão esquecidos. Apesar da formação contínua que temos à disposição, esta nem sempre

se revela su�ciente e/ou adequada às nossas necessidades do momento. Nesta perspetiva,

e acreditando que este sentimento não é solitário, surgiu a ideia de criar um manual para

o professor. À ideia, juntou-se o desejo de concluir um mestrado. Ao desejo, seguiu-se

a concretização, que foi em muito facilitada pela sorte que tive na rápida identi�cação dos

meus projetos pessoais com as expectativas manifestadas pelas professoras que me orientaram

neste projeto.

Enquanto professora, gostaria de ter na estante um conjunto de livros pensados para os

professores. Ou seja, nem demasiado técnicos como os que são dirigidos aos engenheiros,

nem demasiado teóricos como os que os académicos consultam, nem demasiado sintéticos

como os manuais escolares dos alunos. É neste princípio que se baseia toda a concepção do

57

Page 68: Uma abordagem algébrica dos números complexos

58 5. Aplicabilidade dos números complexos

trabalho e, o facto de perspetivar a sua continuidade, confere-lhe ainda mais sentido.

Referindo-me agora, em particular, ao tema abordado, pretende-se contribuir para que

o estudo dos números complexos surja de forma natural e sequencial para os alunos, tal

como sucedeu certamente com os números naturais, os números fracionários e os números

irracionais. Mas, sendo estes pouco conhecidos fora do âmbito escolar, esta tarefa não se

apresenta muito simples. Desde já, é estranho aprenderem-se novos números no �nal do

ensino secundário. E, para piorar, com um nome tão sugestivo! Penso que estes dois fatores

criam por si só, à partida, um sentimento de descon�ança por parte dos alunos. A�nal, eles

nem servem, aparentemente, para contar ou para quanti�car. É certo que, para que os alunos

possam conhecê-los, têm previamente de estudar vários conceitos, como os polinómios e as

equações. Não são como os outros números, que aparecem antes das outras coisas. Estes, são

realmente especiais. Confesso que sinto uma certa satisfação quando, ao lecionar os números

reais, informo os alunos, em jeito de provocação: Isto não �ca por aqui... Há mais! Há um

certo mistério que �ca no ar e, já me dita a experiência, há sempre um(a) aluno(a) que me

questiona como é possível existir outro tipo de números. Aguardo sempre, e ansiosamente,

por essa pergunta. E respondo como se não soubesse que me iriam perguntar. Acredito

que ensinar Matemática também passa por isto: pela arte de saber representar. Como se

as perguntas e as conversas surgissem inesperadamente. Para eles, os alunos, deve parecer

que é assim que acontece. O que não sabem, ainda, é que o discurso é tão frequentemente

ensaiado e repetido e, cada vez mais, aprimorado. Citando o matemático e pedagogo George

Pólya, �devemos ilustrar, fazer uma pequena encenação e �ngir que estamos a descobri-la�

[14].

Na Matemática, todos os conteúdos podem ser apresentados como um veículo para a

resolução de problemas, ou como parte de uma ciência que existe por si mesma, cujo principal

objetivo é crescer autonomamente, sem a preocupação de ter uma vertente útil e prática.

Para uns, a Matemática é encarada de forma completamente abstrata, onde se mergulha e

procura as mais belas riquezas que só um raciocínio lógico permite alcançar. Para outros,

serve como um apoio imprescindível ao progresso das mais variadas áreas. O professor deve

estar consciente de que os seus alunos não sentem a Matemática da mesma forma. E, também

por isso, deve ter o cuidado de a apresentar em todas as suas vertentes, para que possa ser

escutada e aprendida da forma mais democrática possível.

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59

O estudo dos números complexos agudizou-me esta dúvida: na Matemática, estaremos a

falar de descobertas ou de invenções? Os números e as fórmulas sempre existiram, à espera

de serem encontrados, ou seremos nós que, na tentativa de encontrarmos as respostas para

os problemas criamos, paradoxalmente, novos problemas e, sucessivamente, novas respostas,

transformando este processo num in�ndável ciclo?

E assim termino, propondo uma re�exão sobre a frase pela qual comecei: Serão os nú-

meros complexos uma invenção de Deus ou uma criação do Homem?!

Page 70: Uma abordagem algébrica dos números complexos
Page 71: Uma abordagem algébrica dos números complexos

Bibliogra�a

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