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1 BEATRICE MARIA CAROLA GROPP UMA ABORDAGEM ETNOGRÁFICA EM COMUNIDADES DE PRÁTICA MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA SÃO PAULO 2005

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BEATRICE MARIA CAROLA GROPP

UMA ABORDAGEM ETNOGRÁFICA EM

COMUNIDADES DE PRÁTICA

MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA SÃO PAULO

2005

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BEATRICE MARIA CAROLA GROPP

UMA ABORDAGEM ETNOGRÁFICA EM

COMUNIDADES DE PRÁTICA

Dissertação apresentada à Banca Examinadora do Programa de Estudos Pós-graduados em Administração da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Administração, sob a orientação do Prof. Dr. Arnoldo José de Hoyos Guevara.

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA SÃO PAULO

2005

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Gropp, Beatrice Maria Carola

Uma abordagem etnográfica em Comunidades de Prática/ Beatrice Maria Carola Gropp.

São Paulo, 2005

127 p

Dissertação ( mestrado) – Pontifícia Universidade Católica

1. Prolegômenos metodológicos 2. transformando experiência em dados 3. a dimensão

social da aprendizagem.4. a formação de uma comunidade de prática. 5. a aprendizagem

socialmente situada. I. Título

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BANCA EXAMIDORA

_________________________________________________

__________________________________________________

__________________________________________________

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PARA VERONICA EM 1994

“ we always love you…”

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AGRADECIMENTOS

Nosso carinho e amizade sempre, aqueles que nos querem e nos apóiam e

pelos quais nosso coração respira alegria e eterno bem querer. Nos bons e nos

momentos mais difíceis compartilhados. Aos que por motivos alheios a nossa

vontade não compartilham presença ou não se fizeram compreender, a nossa

saudade e esperança.

Aos meus filhos, Yann Thomas e Mattheus Andreas, luzes desta estrada,

junto aos quais não tenho palavras que possam exprimir a gratidão pela

paciência, alegria, amor e compreensão incondicional diante dos caminhos

inovadores nem sempre de fácil percurso.

Ao Programa de Administração, que em 2000 acolhe uma antropóloga

ávida em apresentar esta pesquisa etnográfica, cumprindo todos os créditos em

2001, a procura de interlocutores para dialogar sobre novas abordagens em

aprendizagem organizacional.

Em especial agradeço ao professor Arnoldo de Hoyos, estímulo constante

quando a burocracia insistia em devorar a paixão pelo tema da aprendizagem

compartilhada. Ao professor José Armando Valente, pelo alento em discutir este

trabalho no âmbito de pesquisas educacionais. A Shirley e agora a Rita,

secretárias do departamento, meu carinho.

A minha colega e companheira de trabalho Maria das Graças Pinho

Tavares, de brilho no olhar atento em mineiro jeito de ser e fazer, pelos nossos

suores, risos, odores e sabores vivenciados. Uma homenagem especial - in

memória - faço ao crítico social Michel de Certeau, meu orientador de mestrado

em antropologia social e eterna inspiração de percurso em saberes e fazeres

compartilhados e a Etienne Wenger e Susan Stucky, de caminhos cruzados em

sempre enriquecedoras contribuições a este trabalho.

E finalmente, agradeço a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, de

marcos datados em gerações dos que acreditam no desafiar de aprendizagens

histórica e socialmente situadas, aos colegas do Programa de Administração de

Empresas e do Núcleo de Estudos do Futuro pelos nossos ideais.

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RESUMO

O ponto de partida desta dissertação esta na pergunta que me persegue de longa data: como ocorre a aprendizagem espontânea em ambientes de trabalho? Como corolário indagamos: É possível captar a esfera do conhecimento tácito e implícito atuando na prática do trabalho?

Com o objetivo de responder a estas duas perguntas iniciais, a abordagem etnográfica é apresentada como possibilidade de conhecer este conhecimento submerso e não articulado que se constrói entre atores múltiplos desenvolvendo atividades produtivas conjuntas, situações encontradas no contexto empresarial em que a pesquisa se insere.

A pesquisa etnográfica de referência histórica efetuada ao longo de 11 meses numa unidade de produção da indústria química localizada nas proximidades de Campinas inclui 62 horas de registros em vídeo, 74 fotos e 35 fitas em áudio, e veio a se constituir em duplo marco: no âmbito da antropologia, esta imersão etnográfica é pioneira no contexto empresarial brasileiro. No universo da aprendizagem organizacional, é datada como a primeira abordagem de comunidades de prática em locais de trabalho.

O horizonte teórico está na perspectiva de comunidades de prática tal como desenvolvida nos trabalhos iniciais de Jean Lave e Etienne Wenger junto ao Institute for Research on Learning de Palo Alto, tendo como pano de fundo a noção de experiência e interação propostas por Dewey e outros teóricos que tratam da aprendizagem na prática.

O caráter social e negociado entre o tácito e o implícito no processo de aprendizagem espontânea e em ação, é explorado através da análise de duas situações-problema ocorridas no processo de fabricação de uma matéria prima para indústria química, vivenciadas no decorrer da pesquisa etnográfica. O tema da aprendizagem organizacional, onde a prática é considerada fenômeno gerador, tendo como característica a aprendizagem, é abordado através do Curso de Formação de Operadores da Indústria Química do qual participamos como parte integrante da etnografia. Desta situação de aprendizagem formal, extraímos proposições quanto a um modelo de aprendizagem socialmente situada.

A pesquisa se insere na corrente dos teóricos da ação que enfatizam a natureza situacional e coletiva da aprendizagem. Ao inserir o sujeito pesquisador e antropólogo atuando como aprendiz de uma atividade produtiva, a abordagem etnográfica identifica a organização social do espaço e a estrutura de acesso do aprendiz no fluxo das atividades de fabricação, procurando extrair um ponto de vista relacional sobre os determinantes sociais que facilitam ou impedem a aprendizagem em locais de trabalho.

Palavras Chave: Etnografia, comunidades de prática, aprendizagem social,

conhecimento tácito

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ABSTRACT The starting point of this research is a lifelong personal question: how does spontaneous learning occurs in workplaces? To this question follows: Is it possible to assimilate the tacit knowledge sphere in workplaces practices?

Aiming to answer those initial questions, the ethnographical approach is presented as a possibility to capture the embedded and non-articulated knowledge among multiple people acting together in workplaces settings.

The ethnographical research done on a 11 months field research at a chemical plant located in the area of Campinas, in Brazil, became of historical reference, both as a pioneer ethnographical research done on entrepreneurial context and as a first approach to the nature and presence of communities of practice in workplaces.

Theoretical background of this research is based on a literature that emphasizes the situational and experiential nature of learning as proposed by Dewey and other learning in practice authors. The community of practice perspective is based on the early 90´s work of Jean Lave and Etienne Wenger developed at the Institute of Research on Learning in Palo Alto, California.

The social and negotiated character of tacit and implicit knowledge of spontaneous learning in action is explored through two problem-situations related to the productive processes occurred during the ethnographical research.

The situated character of learning is presented through the participation on a one-month in company course structured to prepare a group of 20 recently hired chemical operators which we attended as regular student.

By placing the anthropologist as a research subject and apprentice of a dated and situated productive activity, the ethnographical approach identifies the social organization and the access structure of apprenticeship on the production process, aiming to reach a relational point of view of social determinants that improve or inhibits learning processes in workplaces.

Key words: Ethnography, communities of practice, social learning, tacit knowledge

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO..........................................................................................................01

CAPÍTULO I - PROLEGÕMENOS METODOLÓGICOS.........................................10 1.1. Encontro de Saberes: Antropologia e Administração .........................................11

1.2. Encontro de Fazeres: Antropólogos na Empresa?.............................................19

1.3. A Análise Interacional.........................................................................................26

CAPÍTULO II - TRANSFORMANDO EXPERIÊNCIA EM DADOS ..........................30 2.1. O Histórico da Empresa .....................................................................................31

2.2. O Percurso desta Pesquisa Etnográfica.............................................................34

2.3. Descrição Etnográfica.................................................................................................37

CAPITULO III - A DIMENSÃO SOCIAL DA APRENDIZAGEM ...............................47 3.1. Principais Vertentes Teóricas.............................................................................48

3.2. Comunidades de Prática e Participação Periférica Legítima............................59

3.3. Comunidades de Prática: Identidade e Pertencimento .....................................63

CAPITULO IV - A FORMAÇÃO DE UMA COMUNIDADE DE PRÁTICA ...............70 4.1. Identificando uma Comunidade de Prática.........................................................71

4.2. Princípios para o Cultivo das Comunidades de Prática.....................................75

4.3. Comunidades de Prática e Arquiteturas Organizacionais ..................................78

CAPITULO V - A APRENDIZAGEM SOCIALMENTE SITUADA .............................86 5.1. Um Modelo de Aprendizagem Socialmente Situada ..........................................88

5.2. O Conhecimento Tácito em Ação ......................................................................94

5.3. O Aprendizado Coletivo como Fonte do Conhecimento...................................101

CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................108

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................114

ANEXOS .................................................................................................................128

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INTRODUÇÃO

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Temas como economia global do conhecimento, capital intelectual, redes

de aprendizagem colaborativa, capital intelectual, capital social, inovação e gestão

de ativos do conhecimento permeiam a literatura dos estudos organizacionais da

chamada era do conhecimento. Muliplicam-se pesquisas, áreas de competência e

empresas especializadas no que veio a se denominar gestão do conhecimento. É

neste contexto de difusão de conhecimento e inovação que as comunidades de

prática tem sido introduzidas.

Desprovidas no entanto, daquilo mesmo que originalmente as identifica, ou

seja, o caráter espontâneo de seus mecanismos de pertencimento e de criação

de identidade, corre-se o risco da transferência de uma perspectiva analítica em

instrumentos de intervenção organizacional, tão freqüente na passagem da teoria

à prática. É do caráter espontâneo de formação das comunidades de prática, que

ocorre através do processo da Participação Periférica Legítima, que por sua vez

propicia o Aprendizado Situado, e dos obstáculos ao afloramento do conhecimento

tácito, fonte das possibilidades de difusão e internalização da inovação de que

tratamos neste estudo.

Esta dissertação retoma uma pesquisa etnográfica efetuada ao longo de

11 meses numa unidade de produção de uma indústria química localizada nas

proximidades de Campinas que desvenda a natureza espontânea das

comunidades de prática. Motivos alheios a nossa vontade retardaram a

apresentação desta pesquisa sobre comunidades de prática efetuada em meados

da década de noventa, não empalidecendo no entanto a atualidade do tema.

Decidimos manter a redação inicial desta dissertação, adicionando dados

coletados posteriormente numa empresa de consultoria internacional que

implanta comunidades de prática globalmente, como contraponto à formação

espontânea de uma comunidade de prática que a primeira pesquisa identifica, por

dois motivos: O primeiro motivo é dado pelo universo crescente de organizações,

empresas privadas e escolas desenvolvendo formas de sustentação, nutrição e

reprodução do conhecimento compartilhado entre comunidades de prática

presentes no seu tecido social; o segundo motivo, advém do constato acima

mencionado, de que as comunidades de prática, inicialmente apresentadas, nos

estudos pioneiros de Lave e Wenger (1991) como uma perspectiva em

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aprendizagem, adotada nos fundamentos teóricos da pesquisa pioneira na

industria química, correm o risco de serem transformadas em algo semelhante a

uma ferramenta, no jargão usualmente encontrado na literatura organizacional, a

que se atribui diferencial competitivo numa economia de conhecimento.

Neste contexto, a retomada da descrição etnográfica sobre a formação

espontânea de uma comunidade de prática, no caso de uma comunidade de

prática de operadores da indústria química, nos remete a dois componentes

freqüentemente desprezados nos esforços organizacionais em se utilizar

instrumentos de intervenção organizacional, baseados na perspectiva analítica

das comunidades de prática como ferramenta ou ainda, quando procuram

implantar comunidades de prática em contextos empresariais. Trata-se do

sentimento de pertencer e a formação de identidades inerente às comunidades de

prática, que garantem o seu sucesso, mas não podem ser criados artificialmente.

Com o intuito de chamarmos a atenção para estes componentes,

freqüentemente tácitos e submersos que o método etnográfico desta pesquisa

permitiu desvendar, vamos nos remeter aos aspectos sociais da

aprendizagem, conhecidos desde os diálogos socráticos e presentes na

tradicional imagem do mestre artesão (Rugiu, 1998). Esses métodos adquirem

nova importância diante os desafios lançados por uma sociedade de

informação e conhecimento, assentada na internacionalização de uma

economia digital e de uma globalização dos mercados, que obedece a novos

paradigmas (Davenport e Prusak, 1998).

Denominamos esta etnografia como sendo de referencia histórica, por

marcar de forma datada e situada duas fronteiras disciplinares até então pouco

usuais: o transpor, durante um longo período de imersão, do método

antropológico de pesquisa nos umbrais de uma fábrica e o propor para uma

audiência distinta dos antropólogos, as possibilidades do método etnográfico em

desvendar o território submerso dos processos de aprendizagem nas

organizações. Decidimos ainda manter o caráter testemonial da redação inicial

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por se tratar de pesquisa etnográfica avant la lettre1 no Brasil e por ter se

constituído pioneira na abordagem das comunidades de prática em contexto

empresarial brasileiro.

Formadas a partir da execução regular por parte do grupo humano de uma

atividade que exige associação de diferentes habilidades, talentos e

conhecimentos, as comunidades de prática criam regras e vida próprias,

construindo uma história compartilhada entre seus membros. Ao tomar contato

em 1994 com a noção de comunidades de prática, tal como apresentada a partir

de pesquisas etnográficas descritas por Lave e Wenger (1991) captamos de

imediato sua essência diante de crenças fortemente enraizadas nas experiências

pessoais de socialização. Os pressupostos contidos no livro Situated Learning

(1991) que associam a aprendizagem a uma prática, a um ‘fazer parte’ de uma

situação concreta de aprendizagem, remetia as vivencias de uma primeira

experiência de comunidade: o fazer parte de uma família de sete filhos na qual se

aprendia fazendo e participando das atividades concretas do dia a dia. Uma

socialização na infância junto aos ritmos da natureza, que favorece o observar a

integração destes ritmos num todo articulado, imprime desde cedo uma

percepção ampliada dos processos de aprendizagem focados na prática, em

contraste com a vivência escolar que retira este contexto de aprendizagem dos

bancos escolares (Gropp, 1995:94).

Situo num segundo momento, já na trajetória profissional adulta, as matizes

teóricas desta ressonância inicial, cujas raízes estão na influência exercida pelo

meu orientador de mestrado em Antropologia Social. Precocemente falecido,

Michel de Certeau sabia aglutinar ao seu redor, grupos de estudantes em que

“vários passantes se cruzassem” para que “a pesquisa se pluralizasse” (1990:22).

Fiz parte do chamado “segundo círculo” de seu seminário na Universidade de

1 No debate que mais recentemente se instala sobre a presença de antropólogos no meio empresarial brasileiro (Serva,1995;Barbosa,1999) esta pesquisa ainda não encontrou o seu lugar por não se encaixar nas categorias em que este debate vem se articulando. Por não se tratar de uma pesquisa situada originalmente na acadêmica e para a academia , tampouco, de uma pesquisa de intervenção organizacional nos moldes de consultoria, ela se tornou paradigmática de uma eventual nova tendência tanto no âmbito da antropologia como na administração. É a própria empresa que se antecipa às pesquisas acadêmicas ao tomar contato com as pesquisas embrionárias em comunidades de prática que tiveram seu berço no Institute for Research on Learning, em Palo Alto, na Califórnia, e trata de encontrar localmente metodologias adequadas a lhe proporcionar conhecimento.

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Paris VII – Jussieu. Conforme descrição que faz Luce Giard na apresentação do

livro “A Invenção do Cotidiano, Artes de Fazer” (1990), este seminário “era um

lugar extraordinário onde a gente aprendia, confrontava dados e perguntas, ia

buscar esquemas teóricos, instruía-se no leque das ciências sociais, segundo a

tradição francesa, mas também na produção estrangeira recente, da Europa e da

América“ (1990:23). Embora obedecendo a uma rígida tradição em pesquisa

científica, “ali qualquer proposição era submetida à crítica comum e ao mesmo

tempo levada a sério, pois toda posição teórica era a priori considerada

defensável, contanto que esteada em argumentos e posta em relação com uma

prova concreta” (idem:23).

Datam desta época2, duas pesquisas etnográficas que se propõem a

analisar processos de aprendizagem em sala de aula. A primeira, se transforma

no texto de dissertação em Etnologia e Etnoliguística orientada por De Certeau,

que partia de uma pesquisa efetuada na escola bilíngüe existente na comunidade

de migração organizada, denominada Holambra, hoje transformada em município

situado nas proximidades de Campinas. O foco desta pesquisa etnográfica estava

na presença da escola na formação de identidades e culturas dentro desta

comunidade de migração holandesa. A segunda pesquisa datada desta época,

também se insere no contexto de migração, desta feita num ambiente de

valorização da língua e cultura portuguesa numa escola situada em bairro

tradicionalmente de migração árabe e portuguesa em Paris. Esta pesquisa por

sua vez, nos insere num grupo de pesquisadores latino americanos e franceses

no âmbito da licenciatura em Ciências da Educação da Universidade de Paris III,

conhecido como “o grupo de educadores Vincennes”.

2 Vale a pena acrescentar referências quanto ao ambiente de aprendizagem presente no “segundo circulo” do qual participava: “O Seminário discutia com equanimidade todas as etapas de uma pesquisa, desde as primeiras hipóteses teóricas mal afinadas, com as quais se partia à procura de um “terreno”, até as interpretações últimas que formalizavam os resultados obtidos. Isto ocorria num clima de liberdade intelectual e de igualdade de todos os participantes, aprendizes inseguros ou pesquisadores tarimbados, todos igualmente ouvidos e discutidos. Ali não reinava nenhuma ortodoxia, não se impunha nenhum dogma, pois a única regra ( implícita, mas vigorosa) era um desejo de elucidação e um interesse de conhecer a vida concreta. Momento miraculoso, ali pairava um ar de inteligência, uma forma de alegria no trabalho que jamais eu encontrara numa instituição de saber. Havia ali um vau onde o barqueiro encorajava, orientava, e depois se apagava, cada um recebido com a mesma intensidade de escuta, o mesmo calor, a mesma atenção incisiva, cada um tratado como interlocutor único, insubstituível, com delicadeza extrema, cheia de respeito” (1990:23).

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Durante dois anos desenvolvemos na École de Vitruve, de orientação

pedagógica fundamentada em Freinet, o projeto “L´École hors de l´École“3. A

escola municipal de Vitruve era liderada por representantes do movimento de

Maio de 68 e detinha uma liberdade de ação que a destacava do rígido sistema

regimentar das escolas públicas francesas. O ensino da língua portuguesa,

obrigatório nas escolas a partir de um determinado número de alunos de origem

migrante, era, no entanto ministrado fora do horário escolar e em grupos

separados. Na medida em que fui fazendo parte do grupo de professores,

participando de forma gradativa das atividades da escola, fui propondo mudanças

no ensino da língua portuguesa, até formalizar um projeto de valorização da

língua e da cultura a ser integrado na estrutura curricular.

O primeiro passo deste projeto, foi inserir as aulas de português, oferecidas

fora do horário escolar e apenas para as os filhos de imigrantes, dentro do horário

normal e com a inclusão de crianças francesas e de outras nacionalidades. O

segundo passo foi retirar as crianças do espaço escolar, ou seja, levar a escola

para o bairro. Na medida em que saía com as crianças do ensino fundamental

para conhecer como viviam as pessoas de origem migrante no bairro,

descobríamos as práticas cotidianas que eram exploradas de forma valorativa em

sala de aula. No processo de alfabetização que contava com a resistência das

crianças de origem migrante, amalgamava conteúdos da pedagogia de Paulo

Freire com metáforas e histórias de vida que encontrávamos em nossas saídas

da escola. Como resultado deste projeto, a língua portuguesa passou a ser

valorizada não apenas pela população migrante do bairro, mas pelo contexto

escolar em que se inseria.

Assim, ao aliar a formação em Antropologia Social, posteriormente no

Programa de Doutorado intitulado Formation a la Recherche Scientifique na École

des Hautes Études em Sciences Sociales, à formação adicional em Ciências da

Educação, o tema da aprendizagem que percorre minha trajetória acadêmica e

profissional, retorna aos bancos acadêmicos. Desta feita no universo da

aprendizagem organizacional e instigada novamente por uma vivência concreta a

3 Este projeto integrou a publicação do livro “ En sortant de l´école... “ Um projet réalise par les enfants de la Rue de Vitruve, publicado pela Editora Ceditpra Casterman, coleção Orientations/E3 – Paris – 1978.

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procura dos determinantes sociais da aprendizagem. Sistematizar registros

primários da pesquisa etnográfica efetuada numa indústria química, ora

considerada etnografia de referência histórica, resgatando as origens da

perspectiva de comunidades de prática numa abordagem que considera a

aprendizagem como sendo um processo social, é a tarefa a que nos dedicamos

nos capítulos a seguir.

O primeiro capítulo, denominado Prolegômenos Metodológicos, aborda

questões metodológicas em três sub capítulos. O primeiro sub capítulo, intitulado

Encontro de Saberes, introduz o encontro recente entre as disciplinas da

Antropologia e da Administração. O segundo sub capítulo, Encontro de Fazeres,

se dedica à introdução do método etnográfico de pesquisa e o faz através da

inserção de fragmentos de dois textos que integram a pesquisa etnográfica de

referência histórica. O primeiro texto reproduzido foi redigido imediatamente após

o retorno do campo. Embora apresentado inicialmente para uma audiência de

antropólogos, traduz percepções presentes no caderno de campo com o objetivo

de inserir o leitor na especificidade da abordagem etnográfica. O segundo texto,

do qual retiramos fragmentos relativos ao método, foi por sua vez redigido logo no

início do trabalho de campo para uma audiência qualificada como co-

participantes da pesquisa, constituído pelos funcionários da empresa que

procurávamos envolver na pesquisa de campo. Muito embora redigidos para

audiências distintas estes textos se complementam e procuram evidenciar a partir

de registros utilizados ao longo da pesquisa a especificidade do método

etnográfico. O terceiro sub capítulo efetua uma breve apresentação da Análise

Interacional, como recurso ao método, tal como utilizado durante a pesquisa

etnográfica. Para ilustrar um dos procedimentos do método, anexamos no final

desta dissertação um formulário de leitura dos registros em vídeo utilizado para

efetuar a Análise Interacional durante o trabalho de campo. Este formulário ilustra

ainda as diferentes ações tomadas pelos operadores da indústria química

registradas durante uma situação precisa ocorrida durante o trabalho de campo,

objeto de análise do processo de solução de problemas com foco na

aprendizagem situada.

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O segundo capítulo, que denominamos, Transformando a Experiência em

Dados, apresenta um breve histórico da empresa pesquisada e descreve o

percurso desta pesquisa dentro da empresa. No intuito de se manter o mais

próximo possível dos registros que descrevem este percurso, um sub capítulo é

dedicado a Descrição Etnográfica. Esta descrição foi redigida antes do trabalho

de campo propriamente dito, ou seja, a partir da descrição do contexto

empresarial conhecido pelos integrantes da pesquisa. Este contexto é explorado

através das categorias de espaço, tempo, corpo e territorialidade, no intuito de

evidenciar o estranhamento como atributo de interpretação da pesquisa

etnográfica. A pertinência e a validade deste texto é atestada pelo

reconhecimento que a descrição efetuada por estranhos ao ambiente provoca

para os que lhe são familiares, procurando conferir a legitimidade do método

utilizado na pesquisa de campo.

O terceiro capítulo aborda A Dimensão Social da Aprendizagem, e se inicia

com uma introdução as principais vertentes teóricas que tratam da dimensão

social da aprendizagem. Num segundo momento apresenta as noções de

comunidade de prática e de participação periférica legítima tal como originalmente

formulada por Lave e Wenger (1990, 1991 e 1993) e Wenger (1998) e delineia o

esquema conceitual que se refere às noções de identidade e pertença que vão

balizar a perspectiva teórica de uma teoria social da aprendizagem formulada por

estes autores. No final deste capítulo efetuamos uma breve discussão sobre as

diferenças entre comunidades de prática e comunidades de interesse.

O quarto capítulo retoma os componentes da Formação de uma

Comunidade de Prática e apresenta os critérios utilizados na pesquisa etnográfica

que permitiram identificar a natureza espontânea de formação de uma

comunidade de prática. Introduz os Princípios Para o Cultivo das Comunidades de

Prática a partir dos componentes delineados posteriormente por Wenger,

Mc.Dermott e Snyder (2002) de forma a contrapor os dados obtidos pelas

entrevistas efetuadas em uma empresa de consultoria onde comunidades de

prática foram artificialmente implantadas.

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O quinto capítulo descortina a noção de Aprendizagem Socialmente

Situada e desvenda, a partir de situações datadas e precisas, um modelo de

aprendizagem socialmente situada identificado ao longo da pesquisa de campo. A

primeira situação a ser analisada, é resultante do cumprimento do currículo de

formação de operador da indústria química como parte integrante da pesquisa

etnográfica. Já no âmbito da aprendizagem informal no ambiente da unidade de

produção da fábrica, apresentamos no sub capítulo intitulado Conhecimento

Tácito em Ação, duas situações de solução de problemas ocorridos ao longo do

processo de produção vivenciada no decorrer da pesquisa de campo. O

tratamento teórico dado às descobertas etnográficas na esfera do conhecimento

tácito observado, vai nos remeter no sub capítulo O Aprendizado Coletivo: Fonte

do Conhecimento a uma análise dos entraves e dos fatores que influenciam a

aprendizagem na prática em locais de trabalho.

A guisa de conclusão, sempre provisória, ratificamos a pesquisa

etnográfica como possibilidade de compreensão dos conteúdos tácitos4 em

processos de conhecimento, propondo que a criação de ambientes de

aprendizagem socialmente compartilhada requer metodologias apropriadas para

captar a dimensão do tácito e do implícito nas práticas de trabalho. Finalizamos

sugerindo linhas de pesquisas futuras que explorem a dimensão social da

aprendizagem, resgatando as noções de identidade e pertença inerentes à

natureza da criação espontânea de comunidades de prática em local de trabalho,

que notamos estar distantes, tanto da bibliografia recente, quanto das tentativas

de implementação de comunidades de prática promovidas nos contextos

empresarial e educacional.

4 A distinção entre conhecimento tácito e conhecimento explícito é creditada ao livro “ The Tacit Dimension” do cientista Michael Polany, publicado originalmente em 1966 sob influência de seus estudos em psicologia e filosofia e de suas visitas realizadas a universidades norte americanas no final da década de 40 e início dos anos 50. Retomada por Nonaka e Takeuchi (1997) popularizou-se no âmbito das pesquisas organizacionais num modelo de conversão do conhecimento que é proposto por estes autores “ancorado no pressuposto crítico de que o conhecimento humano é criado e expandido através da interação social entre o conhecimento tácito e o conhecimento explícito” (1997:65).

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Capítulo 1 PROLEGÔMENOS METODOLÓGICOS

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“a tarefa não é compreender o que ninguém ainda contemplou, mas meditar como ninguém ainda meditou, sobre o que todo mundo tem diante dos olhos”.

Shopenhauer

1.1. Encontros de Saberes: Antropologia e Administração

Território ainda pouco explorado pela Teoria das Organizações, o universo

submerso das relações sociais que permeiam os processos de aprendizagem nas

organizações, coloca inicialmente o problema da utilização de metodologias

oriundas de campos disciplinares, que apenas recentemente formalizam o que

chamamos de encontro de saberes e fazeres. Neste encontro disciplinar do êmico

e do ético5 surgem as possibilidades da transposição das fronteiras dos campos

teóricos a que nos propomos. Assim que, ao abordar o tema da aprendizagem em

ambiente de trabalho a partir de uma pesquisa etnográfica, num determinado

momento o ético vai fecundar o outro território, demonstrando a possibilidade de

problematizar o tema e problematizar teoricamente a experiência vivida.

Os primeiros encontros entre a Antropologia e a Administração ocorreram

num período crucial na história das disciplinas, quando ambas estavam

consolidando suas transmissões pela via acadêmica. Do ponto de vista da

administração temos em Elton Mayo, psicólogo de intensa produção na Harvard

Business School, e iniciador da Escola das Relações Humanas o que parece ser

o primeiro elo entre as disciplinas. Responsável pela coordenação entre 1927 e

1933 de um amplo programa de pesquisa nas fábricas da Westerns Electric

Hawthorne em Illinois, que ficaram conhecidos como “Experimento de Hawthorne”

protagoniza o início de um movimento de contraposição à corrente da

administração científica que tinha no engenheiro Frederick Taylor e no também 5 “Ético” e “êmico” são termos inspirados em fonética e fonêmica. Nos primórdios da sócio-linguística, alguns pretendiam que de transcrições fonéticas poder-se-ia estudar uma língua estranha. Como em geral, isso se referia a sociedades ágrafas, nelas, por mais forte razão, muito se perderia da entonação ( fonêmica ) no contexto da fala. Ético e êmico correspondem ao que anglo-saxônicos chamam por um lado, de situação de observador “outsider “ (de fora), a partir, e com as “ ferramentas “ da sua ciência, vendo o outro eticamente. Por outro lado, o observador pode largar as ferramentas e colocar-se como se fosse um dos outros apesar de que nunca o será como um “insider” (de dentro) emicamente. Ver STURTEVANT, W. C. Studies in Ethnoscience, p. 39-59. In: Berry, J W. and Dasen, P. R. (eds). Culture and Cognition? Readings in Cross-Cultura Psychology. London: Methuen, 1974.

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engenheiro francês Henri Fayol seus principais expoentes (Serva, 1995). Já do

ponto de vista da antropologia, atribui-se à amizade entre Elton Mayo e o cientista

social polonês Bronislaw Malinowski, tido como precursor da pesquisa

etnográfica, a influencia que o estrutural-funcionalismo inglês, paradigma

antropológico então dominante, exerceu no trabalho da equipe coordenada por

Mayo (Gropp,2002:43).

No início da década de 50 a escola de Manchester liderada por Gluckman

enfatiza o contexto da situação de trabalho e como as pessoas constroem

significados a partir de um repertório mais amplo de papéis sociais. Na medida

em que a antropologia se dedica a análise cultural de interpretações, seja no

contexto de estudo de parentesco de uma pequena sociedade ou no ambiente de

uma corporação, o conceito de cultura passa a influenciar estes teóricos

organizacionais. O artigo “Estudando Culturas Organizacionais“ do professor de

Comportamento Organizacional da Universidade de Warwick, Inglaterra, Andrew

Pettigrew publicado em 1979 na revista Administrative Science Quarterly, (apud.

Freitas 1991:9) introduz o termo cultura na nascente literatura acadêmica norte

americana de estudos organizacionais. Empregado ora como culturas

corporativas, ora como culturas da empresa, ou simplesmente culturas

organizacionais, é a partir da década de 70 que surgem os primeiros trabalhos

que nos Estados Unidos passam a interpretar aspectos comportamentais nas

empresas, muitas vezes sob a denominação de clima organizacional.

(Serva,1995) Neste contexto a empresa passa a ser considerada uma entidade

social, e como tal, capaz de produzir sua própria cultura e sub-culturas que se

traduzem em regras, visões, hábitos, linguagens, que por sua vez vão refletir

valores, símbolos, mitos, lendas, crenças, filosofias de gestão, hábitos, ritos,

saber compartilhado, e regras sociais (Serva,1995).

Esta concepção de cultura é influenciada pelas primeiras definições do

conceito de cultura na antropologia, tendo em Kroeber seu representante e um

dos mestres dos primórdios da disciplina na América, que levantou nada menos

do que 50 definições de cultura. Neste período inicial, a noção de cultura é

colocada no nível superorgânico, ou seja, acima dos indivíduos e determinando

seus comportamentos (Kroeber,1949). Esta perspectiva é largamente revista e

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criticada pelos autores que posteriormente passam a tratar do simbólico nas

organizações (Serva,1995). Em sucessivos debates acadêmicos, notadamente

durante a década de 80, teóricos organizacionais propõem definições sobre a

cultura organizacional (Schein,1985; 1999 Senge,1990) e se questionam sobre

ser a cultura gerenciável (Pagès,1987, Petigrew,1989, Fleury e Fischer,1989,

Schein,1986), denotando a influência que as raízes antropológicas do conceito de

cultura passam a exercer sobre alguns teóricos organizacionais. Contudo, supor

ser a cultura algo diferente da realidade vivida, espontânea e subjetiva aos

indivíduos, algo que pode ser decretado e mudado à vontade, remete a uma

concepção de cultura, que segundo Aktouf demonstra “ignorância do que são os

grupos humanos e do que é cultura” (1996:47). Para este autor, que aborda os

aspectos da imaterialidade e da materialidade da cultura nas organizações, a

cultura “ é um complexo coletivo feito de ‘representações mentais’ que ligam o

imaterial e o material. Para Serva (1995) esta disjunção, que vem protagonizando

os debates entre antropólogos e teóricos organizacionais, parece estar em que,

os teóricos organizacionais tendem a ver a cultura como algo que a organização

possui e que pode ser manipulada, ao invés de enxergá-la como algo que é a

própria organização.

Para efeito deste trabalho6, utilizaremos o conceito abrangente de cultura

proposta por Geertz, um dos representantes da antropologia pós-moderna norte

americana, que comunga a concepção Weberiana de cultura, e a define como

sendo a “teia de significados que o ser humano, como animal suspenso em redes

de significados vai tecendo“ (Geertz; 1989:24). Este autor considera existir uma

relação dialética entre os fatos concretos vividos e as representações simbólicas.

A análise cultural proposta por Geertz (1983, 1989, 2002) postula uma abordagem

semiótica da cultura, isto é, o entendimento da cultura como um sistema de

símbolos que podem ser lidos como um texto. Neste sentido a cultura não é um

poder, algo ao qual podem ser atribuídos casualmente os acontecimentos sociais,

os comportamentos, as instituições ou os processos; ela é antes um contexto,

6 De Certau detinha uma habilidade extraordinária em trafegar pelas metáforas em benefício da arte de interpretação de seus alunos. É nestes termos que se refere a uma definição de cultura que nos é cara por expressar este terreno movediço onde “ la culture est une nuit incertaine où dorment les révolutions d´hier, invisibles, repliées dans les pratiques, - mais des lucioles, et quelquefois de grands oiseaux nocturnes, la traversent, surgissements et créations qui tracent la chance d´un autre jour” ( 1974:291).

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algo dentro do qual eles podem ser descritos de forma inteligível, isto é, descritos

com densidade (1989: 38).

Para Geertz, o progresso de uma antropologia interpretativa se dá menos

por uma perfeição de consenso do que por um refinamento do debate. É uma

ciência estranha diz ele, onde “afirmativas mais marcantes são as que têm a base

mais trêmula, na qual chegar a qualquer lugar com um assunto enfocado é

intensificar a suspeita, a sua própria e a dos outros, de que você não o está

encarando de maneira correta” (Geertz,1989:39). O esforço etnográfico da análise

cultural, portanto, é o de “tirar grandes conclusões a partir de fatos pequenos,

mas densamente entrelaçados; apoiar amplas afirmativas sobre o papel da

cultura na construção da vida coletiva empenhando-as exatamente em

especificações complexas” (Geertz, 1979:38).

“A conjunção de popularidade cultural e inquietação profissional que hoje caracteriza a antropologia não é um paradoxo nem um sinal de que se está penetrando um modismo passageiro. É uma indicação de que’a maneira antropológica de descobrir coisas’, ou, ‘ a maneira antropológica de descobrir coisas’ e ‘ a maneira antropológica de escrever sobre as coisas’ ( o que dá mais ou menos na mesma) realmente tem para oferecer ao final do século XX – e não apenas nos estudos sociais- algo que não se encontra noutros lugares, e está em plena luta para determinar exatamente o que é isso” ( Geertz 2002:93).

Embora não possamos ampliar a discussão sobre a visão de cultura para a

antropologia no âmbito desta dissertação, vale a pena salientar que este aspecto

dialético da cultura a que fizemos referência, pode vir a explicar, nos casos onde

as práticas sociais não foram observadas, o fracasso de mudanças culturais

planejadas que se pretende em contextos empresariais. A cultura das

organizações parece ser um universo tão heterogêneo quanto os múltiplos grupos

sociais que as compõem. Mas a cultura de uma empresa não existe fora dos

indivíduos. A cultura se constrói a partir das interações entre eles. Neste sentido,

a cultura de empresa se situa na intersecção das diferentes sub culturas

presentes dentro da empresa, que de um ponto de vista antropológico, designa

um sistema cultural que não exclui contradições e conflitos (Serva:1995).

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Na década de setenta, ocorrem outros encontros significativos entre as

disciplinas, quando do ponto de vista da antropologia, um grupo de pesquisadores

norte americanos, franceses e ingleses passam a propor uma sócio antropologia

das ciências e técnicas e se dedicam a estudar os próprios cientistas a partir de

questões, métodos e procedimentos advindos da pesquisa etnográfica. Dentre

estas análises, desponta a pesquisa de Bruno Latour na leitura etnográfica do

trabalho de pesquisadores no laboratório do Salk Institute, criado em 1963 em

San Diego. Publicado com Woolgar em 1979 inicialmente em inglês, “Laboratory

Life“ elabora os diferentes saberes de sociedades distantes da nossa tradição

científica trazendo-os para o campo da academia, dos laboratórios e das

empresas.

"A abordagem escolhida por Bruno Latour foi a de tornar-se parte de um laboratório, de seguir de perto os processos diários e íntimos do trabalho científico, enquanto, ao mesmo tempo, sendo um observador de fora, manter-se como ‘de dentro’, uma espécie de sonda antropológica para estudar uma ‘cultura’ científica e seguir em todo detalhe o que os cientistas fazem e como e o que eles pensam” (1986:12).

Efetuamos uma tradução livre deste comentário que Jonas Salk faz no

prefácio da edição em inglês, por acreditarmos captar com elegância, a intricada

relação entre observador e observado inerente a abordagem etnográfica, quando

na qualidade de diretor do laboratório pesquisado, ele se coloca como um dos

nativos estudados. Embora amplamente debatido na literatura antropológica, é do

precursor de uma sociologia das ciências, Pierre Bourdieu, que vamos nos referir

sobre a importância deste estudo para uma etnografia das ciências, quando se

refere a dimensão social das estratégias cientificas de Latour,

“Invocar o papel do capital simbólico como arma e alvo de lutas científicas não é transformar a busca do ganho simbólico na finalidade ou na razão de ser única das condutas científicas; expor a lógica angonística de funcionamento do campo científico não é ignorar que a concorrência não exclui a complementaridade ou a cooperação e que, sob certas condições, da concorrência e da competição é que podem surgir os ‘controles’ e os ‘interesses de conhecimento’ que a visão ingênua registra sem se perguntar pelas condições sociais de sua gênese”. (1997:86)

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Se a perspectiva de Latour com sua antropologia da ciência constitui

referência em pesquisas etnográficas em local de trabalho e se o Experimento de

Hawthorne pode ser considerado como o primeiro encontro formal entre a

antropologia e a administração, a intensificação recente destes saberes se dá

num contexto socio-histórico em que as fronteiras acadêmicas estão sendo

revistas, renegociadas e redefinidas, ou, como diria Geertz (2002), em que os

contornos do mapa intelectual estão sendo redesenhados. O problema do “estar

aqui“ e o “estar lá “ que são simultaneamente colocados em ação no trabalho

etnográfico, é discutido pela antropologia interpretativa7 de Geertz

(1973,1979,1985 e 2002) e anuncia a controvertida questão da presença do autor

no texto etnográfico e a autoridade etnográfica. O “estar aqui“ nos remete a

pesquisa de campo, enquanto que o “estar lá“ diz respeito a academia (1991:148)

onde segundo Geertz

“o texto antropológico é levado a sério porque os autores conseguem demonstrar aqui, para seus leitores, que estiveram lá, ou que fizeram pesquisa de campo. A antropologia desta perspectiva, é mais afim ao discurso literário do que próxima do discurso científico; o desafio do antropólogo está em conciliar sua visão íntima da experiência de campo com o relato claro e moderado na transmissão desta experiência”.Peirano (apud. 2002:148

Já para o historiador James Clifford (1994) a autoridade experencial

etnográfica “está baseada numa ‘sensibilidade’ para o contexto estrangeiro, uma

espécie de conhecimento tácito acumulado, e um sentido agudo em relação ao

estilo de um povo ou de um lugar“(1994:34). Para este autor, a “tradução da

experiência da pesquisa num corpus textual separado de suas ocasiões

discursivas de produção tem importantes conseqüências para a autoridade

etnográfica” na medida em que “os dados assim reformulados não precisam mais

ser entendidos como a comunicação de pessoas específicas”( 1994:41).

A observação participante serve como uma fórmula para o contínuo vaivém

entre o ‘interior’ e o ‘exterior’ dos acontecimentos: de um lado, captando o sentido

7 Ao conceber culturas como textos e a análise antropológica como interpretação sempre provisória, a antropologia interpretativa questiona a autoridade etnográfica clássica. Para Geertz precursor da crítica interpretativa “ uma descrição etnográfica é interpretativa; e o que é interpretativo é o fluxo do discurso social. Tradução livre do “ The interpretation of Cultures “ (1973:20).

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de ocorrências e gestos específicos, através da empatia; de outro, dá um passo

atrás, para situar esses significados em contextos mais amplos. Acontecimentos

singulares, assim adquirem uma significação mais profunda ou mais geral, regras

estruturais, e assim por diante”. (1994:33)

No próximo sub capítulo, vamos nos referir novamente a esta articulação

do “estar aqui “ e do “ estar lá “, ao apresentarmos o texto redigido para uma

audiência de antropólogos. Extraímos alguns fragmentos deste texto, apenas para

ilustrar no vocabulário em que foi originalmente redigido, esta dificuldade, sempre

presente no trabalho etnográfico,

“Sabemos que não existe uma “visão de fora“ unitária e uma “visão de dentro“exclusiva. Em cada local de trabalho existem múltiplas comunidades de prática com interesses e possibilidades diversos. Efetuar o transporte de um “estar aqui“ para um “estar lá“ exige portanto ferramentas e instrumentos capazes de dar conta e fazerem sentido nessa diversidade e cacofonia; implica criar uma linguagem comum e coloca o problema da transcrição do conhecimento adquirido e compartilhado para audiências distintas“ (Gropp:1995:4 ).

O mesmo texto descreve ainda, outro desafio em pesquisas de caráter

etnográfico, que veremos a seguir, ou seja, o desafio de encontrarmos uma

linguagem comum ao falarmos para audiências distintas,

“O rigor com que introduzimos o trabalho, na demarcação de fronteiras claramente delimitadas em relação ao ‘êmico’ disciplinar, havia cruzado obstáculos do multidisciplinar - na interação com a ‘visão do engenheiro’, a ‘visão do químico’e a ‘visão do operador’ havia fecundado uma transdisciplinaridade - parte integrante e anunciada da proposta do projeto, mas agora visivelmente exposta nas ‘mala de ferramenta’8 específica em que todos os envolvidos na pesquisa haviam de certa forma remexido“ (Gropp, 1995:3).

A transmissão escrita da experiência vivida é outra questão delicada a ser

resolvida durante o trabalho de campo . A produção dos textos antropológicos

remete em questão a presença do autor, onde o “eu estive lá , vi, e, portanto ,

posso falar do outros“ confere o que Clifford (1994) chamou de autoridade

8 A imagem de “malas de ferramentas“ advém do “quadro de ferramentas “ e reflete os movimentos entre o domínio transdisciplinar do “estar no mundo“ transcedendo as disciplinas sem ferramenta na mão, e o interdisciplinar enquanto transitar entre (inter) as disciplinas . (D’Olne Campos, 1994:18)

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etnográfica. Para este autor, “na etnografia, é freqüentemente imensa a distância

entre a apresentação final dos resultados da pesquisa e o material bruto das

informações coletadas pelo pesquisador através de suas próprias observações,

das asserções dos nativos, do caleidoscópio da vida tribal” (Malinowski, 1922:2-4,

apud Clifford, 1994: 26).

Se a legitimação paulatina do antropólogo profissional, remonta ao texto

fundador do método da pesquisa participante presente na introdução ao

Argonautas do Pacífico de Malinowski9, a legitimação de um método de imersão

no cotidiano como forma de conhecer outras culturas permanece controverso.

Esta legitimidade é longamente debatida pelos chamados antropólogos pós-

modernos, que se interrogam sobre os limites dos antropólogos conhecerem o

outro. A este respeito Clifford (1998) argumenta que o problema está na presença

ambígua do autor, quando por um lado releva a experiência pessoal e por outro

lado a esconde de forma a garantir objetividade.

“Precisamente porque é difícil pinça-la, a ‘experiência’ tem servido como uma eficaz garantia de autoridade etnográfica. Há, sem dúvida, uma reveladora ambigüidade no termo. A experiência evoca uma presença participativa, um contato sensível com o mundo a ser compreendido, uma relação de afinidade emocional com seu povo, uma concretude de percepção” (Clifford,1994:38).

Esta tensão entre a subjetividade e objetividade remonta aos primórdios da

disciplina, que ocorre a partir da expansão colonialista. Se no início a escrita

sobre povos geograficamente distantes era dirigida para os membros da própria

sociedade de origem, ao passar a pesquisar suas próprias sociedades altera-se o

contexto em que a produção etnográfica escreve sobre o outro. No próximo

subcapítulo vamos nos aproximar desta tensão entre a subjetividade e a

objetividade, sempre presente na escrita etnográfica, ao apresentar fragmentos

de dois textos redigidos ao longo do trabalho de campo desta pesquisa

etnográfica em ambiente empresarial.

9 “Os Argonautas do Pacífico são um uma complexa narrativa, simultaneamente sobre a vida dos trobriandeses e sobre o trabalho de campo etnográfico. Neste sentido pode ser considerada arquetípica do conjunto de etnografias que vão estabelecer a validade científica da observação participante.

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1.2. Encontro de Fazeres: Antropólogos na Empresa?

Pode-se facilmente imaginar que na época de realização desta pesquisa

etnográfica, o encontro de antropólogos em empresas era permeado de

sobressaltos e desencontros. Como explicar para um universo habituado a

retórica numérica, que nos dizeres de De Certeau “reproduz o sistema ao qual

pertence e deixa fora do seu campo a proliferação das histórias e operações

heterogêneas que compõem os patchworks do cotidiano” (1994:46) uma

abordagem etnográfica que é qualitativa por excelência? Num universo

caracterizado por relações fortemente hierarquizadas em que indivíduos são

inseridos em organogramas e fluxos de produção, como operacionalizar uma

pesquisa que prescinde de um fazer parte?

O seguinte trecho de Barbosa (1999) antecipa o conteúdo deste

subcapítulo que trata das estratégias adotadas para o fazer sentido da

especificidade da pesquisa etnográfica no contexto empresarial a que dávamos

entrada.

“Quando o conceito de uma disciplina é importado por outra, como é o caso de cultura pelos administradores e outros cientistas sociais, ou quando o mesmo se dá com um metodologia, como também é o caso do método etnográfico, em regra não se levam junto, como cumpriria fazer, a reflexão histórica que tal conceito ou método suscitou nem as dificuldade teóricas que sua utilização cria” (1999:177).

Para explicar as estratégias adotadas no sentido de minimizar os

desencontros previsíveis entre abordagens e linguagens tão distintas, vamos

reproduzir abaixo, fragmentos de dois textos elaborados durante a pesquisa

etnográfica e que ilustram as dificuldades em se efetuar pesquisa de imersão

etnográfica em ambientes empresariais.

O primeiro texto a descrever estas dificuldades, foi redigido imediatamente

após o término do trabalho de campo foi apresentado para uma audiência de

antropólogos no âmbito da V Reunião de Antropologia do (Merco) Sul ocorrida em

Tramandaí, no Rio Grande do Sul em 14.09.1995 no Grupo de Trabalho

Organizações Complexas, Associações e Empresas na Globalização:

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Perspectivas Antropológicas. O segundo texto foi redigido antes do início de

trabalho de campo, constituindo as Notas de Pesquisa que foram apresentadas

para uma audiência empresarial no intuito de sistematizar os conteúdos e a

evolução do projeto de pesquisa.

Iniciaremos apresentando um fragmento do primeiro texto, que descreve

para uma audiência de antropólogos, e em tons de “antropological blues”, na

expressão cunhada por Da Mata, o retorno do trabalho de campo,

... “onde dores e odores ainda se misturam ao barulho incessante de caldeiras, colunas de destilação, tubulações de que nos havíamos despedido, horas antes, com direito a comemoração junto aos ‘colegas’ naquele amanhecer da última jornada de nossa identidade de operadoras de indústria química. No olhar exausto, o brilho daquela sensação de ‘missão cumprida’.. Imagens para sempre gravadas dos momentos de extrema intensidade compartilhados entre lágrimas, gargalhadas, pânico, cansaço, tédio, cruzam o sabor de realização de “ ter se tornado parte “ deste universo de operadores da indústria química, masculino por excelência, que nosso femininamente antropológico olhar soubera penetrar“ (mimeo Gropp 1995, pg.3).

Em tom quase poético, o texto apresenta para esta audiência de

antropólogos as primeiras impressões e estratégias adotadas para a realização

da pesquisa etnográfica, fazendo recurso a uma linguagem que acentua os

aspectos do vivido no trabalho de campo, com a intenção explícita de

disponibilizar relatos do caderno de campo para futuras análises antropológicas

no âmbito acadêmico,

“Realizar uma etnografia no interior de uma unidade de produção significa não apenas viver em uniforme completo de “ operária “, óculos, capacete e todo o arsenal de equipamentos de segurança, mas pegar no batente de “ turno “ alternado de seis horas. que estabelece uma relação corpo, espaço e tempo bastante distinta da tradicional venda da força de trabalho nos horários administrativos. Estabelece uma relação com o local de trabalho em que o indivíduo/espaço cede lugar ao indivíduo/tempo. Quando o mundo ao redor se põe em repouso as catracas vão descarregando pessoas que desaparecem entre tubulações e vapores. Passa-se pelas catracas quando o dia ainda não amanheceu ou no início da tarde e assim sucessivamente “ (idem mimeo 1995:2).

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Mais adiante, o texto procura esclarecer a modalidade de trabalho em turno

dos operadores da indústria química em que o trabalho de campo se desenvolve,

destacando as características de territorialidade e temporalidade do trabalho

neste tipo de horário na empresa.

“O trabalho de turno vive uma temporalidade outra daquilo que se costuma chamar ‘horário ‘administrativo’ onde os movimentos se inserem na cadência luz-escuridão, semana-final de semana etc. Estabelece-se, numa unidade de produção da indústria química, uma relação com o local de trabalho em que o indivíduo-espaço cede lugar ao indivíduo-tempo” (Gropp, 1995:2).

Já os entraves de uma pesquisa de imersão etnográfica em contexto

empresarial, são descritas enfatizando a estrutura hierárquica das organizações

que impõe fronteiras metodológicas que requer um cuidado estrito no processo de

“fazer sentido” para os co-participantes da pesquisa,

“Trata-se de um longo processo de fazer sentido junto ao conjunto de atores sociais envolvidos e que se inicia muito antes do trabalho de campo propriamente dito, já que a empresa é de estrutura hierárquica e ainda não descobrimos como efetuar processos de negociação que não se iniciem na cúpula. Clareza nas expectativas e objetivos do projeto, compreensão do método, ampla discussão com todos os grupos envolvidos e apoio das lideranças exigem atenção permanente” (Gropp,1995:8).

Destacando mais adiante as estratégias de envolvimento dos múltiplos

atores no desenvolvimento da pesquisa etnográfica, o texto apresentado em

Tramandaí faz menção a descrição do ambiente dos escritórios centrais da

empresa, que, conforme veremos a seguir, fizemos recurso no início da pesquisa

para apresentar as características do olhar etnográfico. Esta descrição pretendia

dar visibilidade aos argumentos apresentados como sendo a especificidade do

método etnográfico em seus fundamentos e forma tão distintos do que as

empresas estão acostumadas.

Redigimos em formato descritivo percepções sobre ambientes e situações

a que havíamos sido até então expostas. O texto é longo para as dimensões

escritas que normalmente povoam as empresas. Ele situa estas percepções

organizadas através das categorias Tempo, Corpo, Espaço e Masculinidade e

Feminilidade. Este exercício de explicitar através de um texto a especificidade dos

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fundamentos, conteúdos, forma e escrita do trabalho do antropólogo em

empresas é fundamental. Habituadas a intervenções nos moldes tradicionais,

normalmente em formato de consultorias focadas em resultados, faz-se

necessário localizar e explicitar enfaticamente o projeto nas suas características

de processo” (Gropp,1995:10). De acordo com Barbosa (1999) o tempo é uma

variável fundamental, associada à profundidade da pesquisa e ao paradigma

dentro do qual foi conduzida. Ao lidarmos com a cultura dos negócios que

segundo Barbosa (1999) é voltada para a prática e para ação, fica evidente que

“uma das primeiras questões a serem negociadas nas relações entre

antropólogos e administradores é a dimensão temporal (1999:188).

No que diz respeito e esta percepção do tempo empresarial e do tempo de

uma pesquisa etnográfica, o texto retoma na primeira pessoa, os estranhamentos

que o universo empresarial proporciona aos antropólogos,

“Sendo o relógio, associado às agendas, a moeda corrente e de significativo valor simbólico nas empresas, um cronograma de reuniões deve ser estabelecido com maior antecedência possível. O tempo nas empresas é marcado por reuniões. Focadas em objetivos e orientadas para tomadas de decisões, supõe-se ser rápidas, eficientes e eficazes. O projeto de trabalho conjunto, no entanto, exigia troca de ferramentas para eles tão incompreensíveis como minha compreensão da física quântica. Agradável surpresa se repetia em nossas reuniões de trabalho, necessariamente longas e elípticas. A moeda corrente também transpunha fronteiras e territórios” (1995:9).

O pioneirismo desta pesquisa etnográfica no universo empresarial encontrou

como primeiro obstáculo, a ausência de modelos contratuais capazes de garantir

princípios éticos e requisitos prévios a uma pesquisa de imersão no cotidiano da

empresa. Para ilustrar esta dificuldade inicial, o texto apresentado no encontro V

Encontro de Antropologia em Tramandái assim apresenta o modelo que teve que ser

desenvolvido durante a etapa de negociação da pesquisa etnográfica,

“Prazo de Execução - na observação etnográfica a variabilidade dos fenômenos é inversamente proporcional à duração da observação participante. O objetivo é atingir um conhecimento em que as situações de trabalho se tornem previsíveis e familiares para o pesquisador. Coleta de Dados - a abordagem sistêmica não funciona por amostragem. Garantir que a coleta de dados possa ser efetuada

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de forma sistemática e não aleatória em seus elementos temporais e atemporais. Autonomia e Apoio - regras de expressão, liberdade e movimento devem estar bem estabelecidas desde o princípio. Pelo seu potencial em processos de mudança e o grau de inserção no cotidiano da empresa é imprescindível que as lideranças apóiem aberta e diretamente a pesquisa. Retorno dos Resultados - o grupo pesquisado deverá receber retorno sistemático sobre os resultados e evolução do trabalho e ser informado sobre a utilização do material pesquisado. Abordagem Interativa - enquanto aprendiz, o pesquisador tem liberdade de fazer perguntas e se inserir em situações de forma a captar a prática e o conhecimento tácito. Trabalha em constante ir-e-vir entre as categorias nativas, relevantes para os participantes da pesquisa e as analíticas de sua disciplina de origem”(1995:7).

Para que a inserção em ambiente empresarial pudesse acontecer da forma

mais natural possível, tempo e atenção foram dedicados à discussão do “ir e vir“

entre as categorias nativas e as categorias de interpretação antropológica que se

instala durante a execução do trabalho de campo. O desenho da pesquisa

etnográfica foi se delineando portanto, a partir do envolvimento e do

conhecimento crescente da realidade pesquisada, onde o antropólogo “aprendiz“

usufrui da sua liberdade de fazer perguntas e a possibilidade de se envolver em

situações interessantes.

Ao mencionar o “percurso de troca de saberes e fazeres, repleto de

descobertas” em que “cada passo exige reflexão e definições estratégicas

sensíveis“ e onde “desenhar e executar um projeto de trabalho de forma

participativa é também se submeter e saber explorar toda sorte de imprevistos“

(1995:11) o texto apresentado em Tramandaí prossegue mencionando a

importância para a pesquisa etnográfica de nossa participação durante um mês

no curso que preparava os operadores de campo para o trabalho na fábrica.

Discorre sobre a experiência de participação no curso de Formação de

Operadores da Indústria Química, donde extraem-se as dimensões que não

poderiam ser compreendidas apenas no compartilhar o trabalho já na unidade de

produção,

“Munidas do certificado de conclusão do Curso de Formação de Operadores, efetuamos a passagem e entrada no trabalho de imersão na unidade produtiva dentro dos moldes aceitos,

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reconhecidos e legitimados localmente – iniciação formal cujo papel é determinante no processo de inserção onde linguagens, comportamentos, vivências e visão de mundo encontram território inicial comum. Já não éramos ‘as antropólogas fazendo pesquisa’ mas as colegas de vários jovens espalhados na outras nove unidades de produção e detendo no ‘passaporte’ alguns dos carimbos necessários a nossa aceitação junto ao grupo de operadores no turno a que havíamos sido designadas” ( 1995 12).

Vamos ver agora através do segundo texto que integra a pesquisa

etnográfica de referencia, denominado Notas de Percurso, de que forma este

encontro etnográfico é descrito, desta feita para uma audiência não mais de

antropólogos como nos registros acima reproduzidos, mas para os interlocutores

com os quais tivemos contato na primeira etapa da pesquisa. Constantemente

retomadas ao longo da pesquisa, As Notas de Percurso, visavam repassar e

atualizar constantemente o histórico, objetivos, conceitos e a abordagem

etnográfica e a contextualização da pesquisa, relevado por Barbosa (1999)

quando afirma que “o primeiro desafio para o antropólogo é justamente fazer com

que o exercício de contextualização antropológica seja assimilada pela cultura

dos negócios, não como indício de indefinição, mas como sugestão de uma

abordagem diferenciada da realidade como uma dimensão mais complexa e

polissêmica e, portanto, mais difícil de enquadrar-se em fórmulas prontas”

(1999:190).

O texto das Notas de Percurso, distribuído para um maior número de

pessoas dentro da empresa de forma a angariar compreensão e suporte para o

desenvolvimento da pesquisa passou a ser também um ‘cartão de visitas’ que a

cada novo encontro ou reunião em que participávamos explicava nossa presença.

O texto se inicia com a trajetória do projeto, destacando que,

“fazer etnografia é se engajar em um processo de produção de conhecimento. O processo de trabalho passa a ser entendido como um sistema dinâmico, onde a mudança de uma parte afeta o todo. O sistema não se imobiliza para ser checado, está em constante movimento, dificultando o apoio nos mecanismos de conhecimento e controle a que estamos acostumados” (Notas de Percurso, pg 3).

Percebe-se no texto o esforço em resumir a especificidade do fazer

etnográfico ao mesmo tempo em que o método de pesquisa é introduzido. Este

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esforço é atestado por Barbosa (1999) quando se refere à relação que a sub

cultura dos negócios e a sub cultura acadêmica mantém com a realidade

empírica, onde ” para o antropólogo a realidade é uma dimensão socialmente

construída e que portanto varia de acordo com o contexto, o tempo, a posição das

pessoas etc., para o homem de negócios a realidade é uma coisa bem concreta e

exterior a ele e sobre a qual não tem dúvidas (1999:190) e que se reflete no tipo

de ‘resultado’ que cada uma destas sub culturas espera da outra. Neste sentido,

diz o texto das Notas de Percurso,

“O desenho do projeto vai se alterando á medida em que cresce o envolvimento e conhecimento dos pesquisadores e dos grupos participantes. Enquanto“aprendiz” o antropólogo usufrui de sua liberdade de fazer perguntas e entrar em “situações interessantes” de forma a captar a prática e o conhecimento tácito, que não é articulado, mas absorvido pelo novato em sua trajetória”( Notas de Percurso, pg 4).

Ainda quanto ao método de trabalho vamos encontrar a seguinte referência

nas Notas de Percurso,

“O foco na ação, na observação do fazer, e nas redes de interação que se constituem no processo de trabalho permite, tanto o acesso ao que normalmente passa despercebido, quanto entender como se constrói o conhecimento socialmente compartilhado” (Notas de Percurso, pg 4).

Importante era conduzir neste momento da pesquisa a atenção de todos os

membros da empresa com os quais contatos eram estabelecidos, para os

aspectos sistêmicos necessariamente presentes na pesquisa etnográfica,

“Ao contrário da abordagem analítica, que funciona através de hipóteses, amostragem e deduções, a abordagem sistêmica, indutiva e funcionando através de dados interativos, leva em conta elementos temporais, espaciais e pessoais do conjunto da situação que está sendo analisada” (Notas de Pesquisa, pg.4).

Vimos neste sub capítulo, através da reprodução de fragmentos dos

próprios registros redigidos ao longo da pesquisa etnográfica, os estranhamentos

que a integram e a forma como se introduziu o modelo etnográfico de pesquisa no

interior da empresa. Procuramos demonstrar como o modelo etnográfico de

pesquisa se distancia da lógica empresarial focada nos resultados inserindo as

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estratégias que tiveram que ser desenvolvidas para traduzir a especificidade do

olhar antropológico no universo empresarial.

Para alcançar condições adequadas a o desenvolvimento da pesquisa

etnográfica de referência histórica, um novo modelo de intervenção teve que ser

criado. O que nos surpreendia, no entanto, é que a introdução de uma nova

linguagem, decorrente de universos disciplinares e práticas distintas, passou a ser

incorporada no cotidiano de alguns setores da empresa, com os quais

estabelecemos contato. Em se tratando de uma pesquisa etnográfica em local de

trabalho, onde múltiplas atividades são desenvolvidas simultaneamente, novas

ferramentas de trabalho também tiveram que ser introduzidas ao longo da

pesquisa etnográfica. Uma destas ferramentas foi a análise interacional baseada

em registros de vídeo que apresentaremos no próximo sub capítulo.

1.3. A Análise Interacional

Finalizamos este capítulo dedicado à discussão metodológica introduzindo

a análise interacional baseada em registros de vídeo, que foi utilizada no decorrer

da pesquisa etnográfica de referência. A utilização durante o trabalho de campo

de uma camera de vídeo filmando o processo de trabalho a partir de um ponto

fixo na sala de controle da produção para posterior análise interacional (Jordan;

1993) contribuiu para detalhar não apenas como se opera a relação entre a

estrutura física, instrumentos, técnicas, saberes, e artefatos disponibilizados na

sala de controle da unidade de produção, mas possibilitou informar ainda, sobre o

processo cognitivo acionado no processo de resolução de problemas associados

a distúrbios no processo de produção e que serão analisados no capítulo V desta

dissertação. No anexo vamos encontrar o formulário de análise em vídeo utilizado

na compreensão dos eventos ocorridos durante uma situação problema no

processo produtivo, que será objeto de análise no capítulo V desta dissertação.

Como veremos adiante, foi através da análise interacional baseada nos

registros em vídeo, que procuramos explorar como indivíduos co-constroem

conhecimento e habilidades em ambientes de processos produtivos. A câmera de

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vídeo posicionada na sala de controle das operações da unidade de produção de

matéria prima foi de extrema valia ao procurarmos evidenciar componentes de um

conhecimento tácito e não articulado que é baseado não apenas no indivíduo,

mas em grupos de indivíduos trabalhando juntos na resolução de um determinado

problema no processo de produção. Verificamos que a presença de uma câmera

proporcionou recursos adicionais de investigação não apenas ao que

normalmente não é tornado explícito, como permitiu uma maior interação na

construção de conhecimentos compartilhados a cerca das situações pesquisada.

A raiz da análise interacional está nos trabalhos de Goffman (1959,1967)

mas sua utilização enquanto ferramenta de micro análise nos foi inspirada pelas

pesquisas de Jordan (1987) Jordan e Henderson (1993) Lave e Wenger (1990) e

Eckert (1989) durante seus trabalhos no Xerox Palo Alto Research Center e no

Institute for Research on Learning, ambos na Califórnia. A análise interacional

(Jordan e Henderson,1993) pode ser considerada como sendo um recurso de

investigação mais aprofundada que nos permite detalhar a interação entre as

pessoas com os instrumentos de trabalho ao seu redor,

“Um pressuposto básico da Análise Interacional é que o conhecimento e a ação são de origem, organização e uso fundamentalmente sociais e estão situados em ecologias sociais e materiais particulares. Então o conhecimento especializado e a prática não são vistos tanto como localizados nas cabeças das pessoas, mas como situados nas interações entre os membros de uma comunidade particular, engajados com o mundo material. Ver a cognição como distribuída social e ecologicamente tem conseqüências metodológicas: a Análise Interacional encontra seus dados básicos para teorizar sobre conhecimento e prática, não nos traços de atividade craniana por exemplo, registros de surveys ou entrevistas, mas nos detalhes das interações sociais no tempo e no espaço e particularmente nas interações naturalmente ocorridas no cotidiano entre membros de comunidades de prática. Nesta visão, artefatos e tecnologias produzem um campo social no qual certas atividades ocorrem com certeza, outras são possíveis e outras muito improváveis e até impossíveis. O objetivo da Análise Interacional é então identificar regularidades nas maneiras que os participantes utilizam os recursos do complexo mundo material e social dos atores e objetos nos quais operam” ( Jordan e Henderson, 1993:2).

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Ao identificar padrões nas interações10 rotineiras e cotidianas de pessoas

em locais de trabalho, a abordagem etnográfica encontra limites de observação

em seqüências problemáticas acontecendo simultaneamente em complexos

ambientes de produção. Operando de forma mais detalhada, a camera de vídeo

instalada na sala de controle da unidade de produção favorece a compreensão

dos componentes múltiplos e relacionais atuando numa determinada situação.

Ao longo do trabalho de campo, por vezes surgem questões que só podem

ser respondidas através de nova observação de campo ou entrevistas, através de

pesquisa com documentos ou até mesmo novos registros de vídeo. Como

estávamos numa linha de produção, onde múltiplos eventos ocorrem

simultaneamente, seria impossível repetir a observação. Assim que os pontos

críticos ou processos incapazes de serem apreendidos em tempo real, uma vez

capturados nos registros em vídeo, eram sistematicamente trabalhados até

atingir um conhecimento suficiente acerca dos problemas e os recursos para sua

solução. A análise dos vídeos contendo situações problemáticas foi efetuada em

sessões de trabalho colaborativas entre os participantes da pesquisa, onde

sempre que possível, foram convidadas a participar as pessoas que compunham

o quadro de filmagens. Durante estas sessões de trabalho a filmagem foi

repassada tantas vezes quanto necessário para a formulação de hipóteses

levantadas durante as situações problemas durante o trabalho de turno.

Analisadas de forma participativa e comparadas a outros registros, o objetivo era

construir uma compreensão conjunta da realidade.

A exploração dos não ditos, os implícitos e a leitura corporal também foi

favorecida ao introduzirmos a camera de vídeo como ferramenta de trabalho de

campo. Através do registro contínuo dos processos de trabalho pudemos efetuar

recortes de microanálises que foram discutidas com os participantes da ação,

para compreender como se opera a relação entre os instrumentos, saberes e

artefatos disponibilizados ou não pelo ambiente e o processo social e cognitivo

acionado na resolução do problema. Enquanto registro primário, com

possibilidade de congelar, ir e voltar tantas vezes quanto necessário, a utilização 10 A interação (isto é, interação face a face ) pode ser definida, em linhas gerais, como a influência recíproca dos indivíduos sobre as ações uns dos outros, quando em presença física imediata. (Goffman, 1985:23)

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de vídeo favorece a validade ecológica dos dados permitindo maior proximidade

com os mesmos. A experiência de utilização da camera de vídeo na sala de

controle de operações na unidade de produção demonstrou ainda, que os

indivíduos se habituam com facilidade à presença da câmera especialmente se

colocada de forma fixa. O importante é que sejam explicitados os objetivos e

resultados esperados. As regras devem ser claramente estabelecidas, oferecendo

garantias quanto os registros não serão divulgados sem prévia autorização e

conhecimentos dos participantes.

Permitindo o acesso a uma base permanente de dados primários passíveis

a leituras posteriores, a utilização da câmera de vídeo favorece a análise de

interações no decorrer do processo de trabalho produtivo que poderiam passar

despercebidos. Por mais treinados observadores e por mais apurada seja nossa

memória, inúmeros detalhes escapam a observação natural e imediata dos fatos

que ocorrem simultaneamente e de forma acelerada numa sala de controle

operacional na fabricação de produtos químicos. Durante o trabalho de campo

invariavelmente tendemos a considerar alguns fatos ou aspectos da realidade

como sendo mais importantes que os outros. O registro da câmera permite captar

os eventos da forma em que ocorrem, com um nível de detalhamento impossível

de ser atingido através do observar e anotar. A análise multidisciplinar em grupos

contribui ainda para neutralizar noções preconcebidas eventualmente presentes

no esforço individual de interpretação. Através da repetição sistemática dos

registros, podemos nos certificar a respeito do que pensamos ter observado e o

que a realidade de fato nos apresenta. Assim que, os dados produzidos são

dados processuais, pois além dos registros instantâneos, a câmera permite

informar sobre regularidades nas formas em que os participantes da ação utilizam

o complexo conjunto material e social de atores e objetos do ambiente ao seu

redor.

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Capítulo 2

TRANSFORMANDO EXPERIÊNCIA EM DADOS

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“Realizar uma etnografia no interior de uma unidade de produção viver em uniforme completo de “ operária “, óculos, capacete e todo o arsenal de equipamentos de segurança, mas pegar no batente de “ turno “ alternado de seis horas que estabelece uma relação corpo, espaço e tempo bastante distinta da tradicional venda da força de trabalho nos horários administrativos. Estabelece uma relação com o local de trabalho em que o indivíduo/espaço cede lugar ao indivíduo/tempo. Quando o mundo ao redor se põe em repouso as catracas vão descarregando pessoas que desaparecem entre tubulações e vapores. Passa-se pelas catracas quando o dia a não amanheceu ou no início da tarde e assim sucessivamente “. (Gropp 1995:2)

Como vimos no Capítulo anterior, o deslocar crescente do interesse

etnográfico para contextos organizacionais requer situar “um dado observador,

num certo momento e um dado local” (Geertz:2002: 23) como dado integrante da

pesquisa. Este situar e o situar o encontro disciplinar e percursos metodológicos,

é o objeto do próximo capítulo, que descreve o universo pesquisado e o percurso

da metodologia adotada. Apresenta ainda uma descrição etnográfica dos

ambientes da empresa com os quais houve contato, que procura se manter o

mais próximo possível dos registros originais e categorias de interpretação que

foram utilizados e discutidos ao longo da pesquisa etnográfica.

2.1. O Histórico da Empresa

A empresa, subsidiária do grupo francês Rhone Poulenc, iniciou suas

atividades no Brasil já na década de vinte. Diante dos incentivos fiscais vigentes

nos anos setenta, reciclou uma de suas unidades de agroindústria no interior de

São Paulo, instalando um complexo químico de grande porte como principal

fornecedora de matérias primas para a nascente industria nacional. Este

complexo químico contava na época da pesquisa com 1.300 funcionários

distribuídos em 60 categorias funcionais. Durante o período da pesquisa o

presidente era o brasileiro Edson Vaz Musa e o Programa Rhodia de Excelência -

Proex - completava quase uma década de intervenções organizacionais. Dentre

os teóricos organizacionais que deixaram marcas na filosofia da empresa,

destacamos a influência de Deming, cujo impacto nas empresas japonesas foi

marcante durante a década de 1980.

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Os quatro pilares da teoria do conhecimento profundo, que Deming (1990)

qualifica como sendo a apreciação do sistema, a teoria da variabilidade, a teoria

do conhecimento e a psicologia, eram apresentados como sendo as bases para a

introdução do pensamento sistêmico almejado pela empresa. Forte influencia na

cultura do Proex exerciam os conteúdos da obra “A Quinta disciplina” de Peter

Senge (1998) que introduz a noção de organizações de aprendizagem.11 Para o

trabalho de análise organizacional impulsionado pelo Proex, foram criados dois

grupos. Os grupos de apoio pensamento sistêmico, atuavam como grandes

comitês responsáveis pela formação e pela dinâmica dos trabalhos e os grupos

operacionais, elaboravam os planos de ação e eram responsáveis por agir nos

problemas identificados pelo grupo anterior. O método de propagação dos

conceitos e ações ocorria através da formação de multiplicadores e a eleição de

campeões da causa. Estes eram os principais responsáveis pela coordenação e

pela liderança dos trabalhos em grupos. Esta categoria de funcionários mantinha

suas funções regulares e concomitantemente apoiava intensamente a

implementação de metodologias e ferramentas junto à sua equipe de trabalho e

áreas afins (Pereira:39).

O parque industrial, objeto essa pesquisa, reunia em si vários marcos desta

história de expansão, pois possuía fábricas com idades variadas, algumas velhas

de 40 ou 50 anos, outras recém-inauguradas. Podia-se observar ali várias

“camadas” tecnológicas da mesma forma que um arqueólogo pode observar os

diversos segmentos temporais de assentamento de um lócus urbano, na medida

que vai escavando um sítio arqueológico. Resultante dessa longa história a

estrutura hierárquica da empresa era expandida e autoritária, com acentuado

distanciamento entre as posições mais altas e as mais baixas.

Conseqüentemente, a distinção entre conceber, organizar, dirigir e o fazer ou,

entre os que mandam e os que obedecem, encontrava-se bem próximo do

modelo Taylorista de divisão de trabalho.

Com um mercado cativo, preços subsidiados e/ou administrados pelo

governo, as questões de administração da produção não tinham impacto ou 11 Ver Pereira, Denise ‘ Proex - Processo Rhodia de Excelência’. Dissertação de mestrado em administração de empresas apresentada em 1993 na PUC de São Paulo, que efetua uma análise aprofundada sobre o embasamento teórico, fundamentos e práticas deste Programa de Excelência conduzido pela empresa.

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importância na estratégia da empresa. O que se produzia, do jeito que saísse ao

final do processo produtivo, era vendido no preço que havia sido negociado com o

governo: o cliente era refém desse sistema. A tecnologia, que trazia embutida um

conhecimento produzido fora, era a única variável de interesse. O que importava

era manter a fábrica funcionando, uma vez que o trabalho humano era de fácil

reposição, de baixo custo, facilmente treinável nos gestos mecânicos concebidos

pela divisão de trabalho imposta nas fábricas no decorrer do século XX, com

pouca ou nenhuma interferência nos resultados mercadológicos.

Dadas às restrições do mercado e da supremacia tecnológica mundial na

época, uma cultura de empresa inteiramente focada no conhecimento técnico foi

construída durante este período. A cultura predominante valorizava os grandes

vencedores, que foram os que assumiram posições de destaque e de comando

em toda a cadeia hierárquica. Eram aqueles que dominavam, desenvolveram e

melhoraram a capacidade técnica da empresa. Faziam isso, não só através de

um conhecimento de engenharia clássico, mas da habilidade de trafegar pelas

políticas internas da empresa. Datam desta época ainda, as freqüentes

expatriações para o país sede da empresa visando adicionar capacitação técnica

(Tavares 1996: 19-28).

A lógica de que a supremacia tecnológica era a variável estratégica para o

sucesso da empresa é implantada com resultados positivos gerando enorme

crescimento para a empresa, quando entre as décadas de 70 e 90, chegou a ter

13000 empregados espalhados de norte a sul no país. No movimento de abertura

do mercado brasileiro, que se acentua na década de 90, a empresa passou por

várias ondas de modernização tecnológica e administrativa. A estratégia passa a

ser a venda de negócios não lucrativos, aquisições, planos de demissão

voluntária, reengenharia, terceirizações, etc. até alcançar cerca de ¼ do

contingente antigo.

Na época da pesquisa não havia mais regulamentação de mercado: o

governo se retirara do papel de regulador das transações e decisões do sistema

produtivo. Do ponto de vista de qualquer produto, os clientes não eram mais

reféns. O mercado apresentava ampla oferta de produtos a preços atraentes.

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Tecnologias de produção alternativas que permitiam ao concorrente externo

colocar sua produção a preços acessíveis no mercado brasileiro estavam

disponíveis. Oferecer qualidade assegurada, dentro de especificações restritas,

prazos compatíveis com o processo produtivo do cliente e preço competitivo eram

requisitos de sobrevivência. Como conseguir isto? A via da tecnologia não dava

conta da situação, pois alterar as tecnologias implantadas demandaria um

investimento de tal ordem que não estava em cogitação pelos tomadores de

decisão do conglomerado. Isto porque, em termos de estratégia global, a situação

já não era a de supremacia de um produtor que dominava uma tecnologia de

difícil replicação: todos a dominavam igualmente e qualquer inovação implantada

por um era, de imediato, seguida pelos outros, pois todos tinham o mesmo nível

de domínio do conhecimento que a embasava. Além disso, tecnologia, enquanto

conhecimento explícito, se compra. Onde estaria agora o diferencial? O

diferencial, neste e em outros ramos de negócios, está nos seres humanos e suas

interações (Tavares, 1996). E estes, como veremos a seguir, interagem no interior

das comunidades de prática geralmente não identificadas e pouco reconhecidas

pelas organizações.

2.2. O Percurso desta Pesquisa Etnográfica

A etnografia de referência focada em processos de aprendizagem em

locais de trabalho se concretiza em 1994, sob a liderança do então Gerente Geral

de Pesquisas e Desenvolvimento Gerencial. Como vimos anteriormente, a

empresa vinha desde 1986, sob influencia de teóricos organizacionais como

William Deming e Peter Senge e envolvendo um time de 10 consultores internos e

externos, procurando se transformar numa organização de aprendizagem. Os

resultados deste esforço provocam no gerente geral deste programa, a sensação,

utilizando o vocábulo expresso, existirem fatores associados as relações sociais

que podem favorecer ou impedir o processo de aprendizagem organizacional

almejado. Esta percepção provoca uma certa curiosidade quanto aos métodos da

pesquisa social, e especificamente, quanto ao método antropológico de pesquisa

etnográfica, como possibilidade de compreender as relações sociais que

permeiam os processos de aprendizagem organizacionais. Note-se que esta

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empresa dispunha não apenas de farta literatura dos principais teóricos

organizacionais, mas efetivamente incentivava a leitura e discussão destas

tendências entre seus consultores internos.

A primeira reunião entre a também antropóloga Maria da Graças Tavares e

a direção da empresa ocorreu nos escritórios localizados no Centro Empresarial

de São Paulo em 25 de Maio de 1994. Nesta ocasião discutimos as premissas em

aprendizagem, enquanto parte integrante e inseparável da prática social, tal como

descrita no livro Situated Learning: Legitimate Peripheral Participation, publicado

em 1991 por Jean Lave e Etienne Wenger, na época pesquisadores do Institute

for Research on Learning de Palo Alto na Califórnia. Desta publicação extraímos

uma primeira compreensão da noção de comunidade de prática e de participação

periférica legítima e percebemos que o que os autores haviam denominado de

participação periférica legítima se assemelha à trajetória do antropólogo em

trabalho de campo. Começamos então a identificar uma forma de inserção do

antropólogo na empresa que pudesse produzir a aprendizagem como sua parte

integrante. Propusemos então a abordagem etnográfica como forma de

compreender como se opera esta aprendizagem na prática, nos qualificando para

vivenciar a experiência de um novato aprendiz numa atividade produtiva.

Ao cabo de um longo processo de compreensão recíproca sobre objetivos,

formatos e conteúdos de uma pesquisa etnográfica descritos no capítulo anterior,

demos início ao trabalho de campo propriamente dito. A negociação sobre o local

de realização da pesquisa de campo foi definida junto ao que denominamos de

“Grupos de Referência“ que eram constituídos por representantes de áreas e

níveis hierárquicos diversos, com o objetivo de angariarmos interlocutores e co-

participantes para este estudo. Inicialmente a pesquisa seria desenvolvida numa

das unidades de fabricação de produtos farmacêuticos. O segmento de negócios

a que esta unidade de produção pertencia foi descontinuado em meio ao

processo de negociação. Naquele momento, em que tudo indicava estarmos

novamente na estaca zero da pesquisa, havíamos envolvido no entanto um

número suficiente de lideranças, de forma que uma outra unidade de produção

candidatou-se como local de pesquisa. Uma vez a pesquisa inserida no complexo

de indústria química, reiniciamos todo o processo de discussões individuais e em

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grupo sobre o significado e características de um trabalho etnográfico.

Apresentamos novamente nossos critérios para a pesquisa, discutindo a proposta

do trabalho junto às lideranças locais, para ao cabo deste longo processo decidir

de forma participativa a escolha da unidade de produção, dentro das 10 fábricas

existentes no complexo químico.

O próximo passo foi nos alojarmos em Paulínia, município próximo ao

complexo industrial e nos prepararmos para o trabalho em turno na fábrica de

produção de bisfenol, matéria prima de suprimento para diferentes segmentos da

indústria de processamento. Nos candidatamos como alunas regulares no Curso

de Formação de Operadores para a indústria química, desenvolvido nas próprias

instalações da empresa. O curso de oito horas diárias e nos inseriu ao longo de

um mês, na comunidade de 23 operadores recém contratados o que viria a

contribuir para a legitimidade conferida a nossa inserção posterior no trabalho em

turno. Munidas do Certificado de Conclusão do Curso de Operadora da Indústria

Química emitido pelo Senai, a passagem para a etapa de imersão na unidade de

produção deu-se, portanto, nos moldes aceitos, reconhecidos e legitimados

localmente.

Esta iniciação formalizada através da participação regular no curso de

operadores foi determinante para o sucesso da etapa posterior da pesquisa. Se

por um lado nos qualificava para o ambiente de trabalho na unidade de produção,

da mesma forma em os operadores recém contratados eram preparados, por

outro lado nos conferia não apenas legitimidade, mas uma maior familiaridade

com os complexos instrumentos de produção. Os tortuosos e arriscados

caminhos que tínhamos que percorrer no complexo químico, as condições pouco

costumeiras de trabalho a que estávamos expostas, o árduo trabalho de campo

em turno, tudo se tornou mais suave e acessível quando deixamos de ser as

‘antropólogas fazendo pesquisa’ mas ‘colegas de trabalho’ dos jovens com os

quais havíamos nos preparado no curso de Formação de Operadores da Indústria

Química

Este período de trabalho em turno apresentado a seguir, desvenda um

universo pouco conhecido na literatura organizacional e nos estudos de cunho

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antropológico. É onde o caderno de campo não apenas reflete o impacto deste

novo processo de inserção, mas traduz com maior intensidade a complexidade do

ambiente vivido. A unidade de produção do Bisfenol era menor fábrica do

complexo químico, apresentando porém as maiores dificuldades relacionadas

tanto a abertura do mercado quanto a qualidade do produto fabricado. O seu

produto, o Bisfenol Epoxi, matéria prima utilizada na fabricação de resina Epoxi

utilizada na fabricação de tintas automotivas e industriais e de resina de

policarbonato, era direcionado para o mercado de plástico de engenharia da

indústria automobilística e eletro-eletrônica. Resumidamente podemos definir as

etapas desta pesquisa, em cinco momentos distintos: O primeiro momento trata

da negociação da pesquisa. Tem a duração de seis meses e envolve as

lideranças da corporação, sob a forma de reuniões restritas e localizadas na sede

da corporação. Os três meses seguintes têm o formato de imersão na usina

química escolhida para sediar o trabalho de campo, onde o contato era restrito à

gerência geral e média local. Um mês é dedicado ao acompanhamento do

treinamento formal, dado nas dependências da própria empresa a operadores

recém-contratados e em convênio com o SENAI, onde o contato era com os

instrutores e os novatos. Ao longo de quarenta dias efetua-se o trabalho de turno

junto aos operadores numa das unidades de produção durante um ciclo completo

de turnos de revezamento, onde os contatos eram definidos pela programação de

trabalho dos operadores. E finalmente, o ultimo mês do trabalho de campo é

dedicado à discussão com os grupos envolvidos a cerca dos achados e

conclusões da pesquisa.

2.3. Descrição Etnográfica

A descrição do método etnográfico da pesquisa será delineada neste sub

capítulo a partir da reprodução dos registros primários, ou seja, vamos nos utilizar

dos próprios textos denominados “ Notas de Percurso”, redigidos ao longo da

pesquisa com o intuito de descrever a abordagem etnográfica. Podemos resumir

o método etnográfico de leitura e interpretação como sendo um recorte

longitudinal sob a forma de imersão na realidade estudada. Trabalhando a

percepção do ambiente numa relação interativa com os dados, a abordagem

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etnográfica nunca é fixa, mas vai evoluindo em resposta a uma compreensão

crescente da realidade pesquisada. O pesquisador tem que estar envolvido ao se

tornar - um dentre eles - de forma que os participantes da situação estudada

passam a ser co-analistas e criadores conjuntos da pesquisa. Neste sentido,

etnografia pode ser entendida como uma abordagem proposta pela pesquisa

social utilizando métodos qualitativos, entre eles a participação do pesquisador na

realidade de seus pesquisados (Gropp, 2002).

“A característica mais marcante do trabalho de campo antropológico como forma de conduta é que ele não permite qualquer separação significativa das esferas ocupacional e extra-ocupacional da vida. Ao contrário, ele obriga a essa fusão. Devemos encontrar amigos entres os informantes e informantes entre os amigos; devemos encarar as idéias, atitudes e valores como outros tantos fatos culturais e continuar a agir de acordo com aqueles que definem os nossos compromissos pessoais; devemos ver a sociedade como um objeto e experimenta-la como sujeito. Tudo o que dizemos, tudo o que fazemos e até o simples cenário físico, têm ao mesmo tempo que formar a substância de nossa vida pessoal e servir de grão para nosso moinho analítico. No seu ambiente, o antropólogo vai comodamente ao escritório para exercer um ofício, como todo mundo. Em campo, ele tem que aprender a viver e pensar ao mesmo tempo” (Geertz,2002: 44).

Desde os primeiros contatos com a empresa até o momento em que

passamos a participar de fato do trabalho em turno na unidade, procuramos

identificar no ambiente da empresa unidades sociais básicas na execução do

trabalho, e estabelecemos uma participação crescente e socialmente aceita. O

resultado é uma "descrição densa" na expressão de Gilbert Ryle cunhada por

Geertz (1989:20) que no caso da nossa pesquisa etnográfica, vai descrever a

maneira pela qual conhecimento e habilidades são construídos na utilização dos

recursos tecnológicos e humanos colocados à disposição no ambiente de

trabalho. Para Geertz (1989), fazer etnografia não é somente estabelecer

relações, selecionar informantes, transcrever textos, levantar genealogias,

mapear campos, manter um diário. Tampouco são as técnicas, as coisas e os

processos determinados que definem o empreendimento etnográfico. O que

define o tipo de esforço intelectual representado pela etnografia é justamente o

risco que assumimos quando nos propomos a uma “descrição densa” que nas

palavras de Geertz (1989:20) significa

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“O que o etnógrafo enfrenta, de fato [...] é uma multiplicidade de estruturas conceptuais complexas, muitas delas sobrepostas ou amarradas umas às outras, que são simultaneamente estranhas, irregulares e inexplícitas, e que ele tem que, de alguma forma apreender e depois apresentar. E isso é verdade em todos os níveis de atividade do seu trabalho de campo, mesmo o mais rotineiro: entrevistar informantes, observar rituais, deduzir os termos de parentesco, traçar as linhas de propriedade, fazer o senso doméstico...escrever seu diário. Fazer etnografia é como tentar ler (no sentido de ‘construir uma leitura de’) um manuscrito estranho, desbotado, cheios de elipses, incoerências, emendas suspeitas e comentários tendenciosos, escrito não com os sinais convencionais do som, mas com exemplos transitórios de comportamento modelado” Geertz (1989, p. 20).

No intuito de ilustrarmos a abordagem etnográfica, reproduzimos neste sub

capítulo fragmentos de um texto redigido antes de iniciar a pesquisa etnográfica

propriamente dita. O objetivo desta narrativa era sensibilizar o ambiente em que a

pesquisa se desenvolveria para a especificidade do olhar etnográfico. O

estranhamento, enquanto atributo da pesquisa etnográfica foi exercitado ao

compartilharmos as primeiras impressões sobre o ambiente em que

adentrávamos pela primeira vez. Utilizando as dimensões espaço, corpo, tempo,

masculinidade e feminilidade, a descrição visa demonstrar o processo de

observação e interpretação do antropólogo em seu trabalho de campo ao mesmo

tempo em que o contexto da pesquisa assume tonalidades próximas da

experiência vivida. O texto em sua íntegra foi apresentado e discutido junto a

diferentes níveis hierárquicos da empresa. De leitura quase poética provoca

reações visíveis entre os que o leram, pois neste relato estão explicitados

aspectos despercebidos pelos que já rotinizaram sua visão e sua vivência neste

ambiente.

O primeiro espaço da empresa com que tivemos contato foram os

escritórios centrais localizados em imponente conjunto empresarial em São Paulo.

Vejamos abaixo como relatamos este primeiro estranhamento, ao abordarmos a

dimensão do corpo, tal como se nos apresentava no espaço observado,

“O corpo não existe no ambiente do Centro Empresarial. As pessoas não cheiram, não há odores corporais, somente artificiais. Os corpos são permanentemente cobertos com roupas sóbrias, clássicas, neutras. O ambiente é mantido a temperatura constante, o que permite uma uniformização na vestimenta que

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independe da estação do ao e da temperatura externa. A luz também é constante, não há penumbras, nem crepúsculos. Os banheiros são assépticos, limpos e iluminados. O comer se restringe ao cafezinho que tem um lugar especial na entrado andar, logo que se sai do hall do elevador. É coletivo ao andar. Quem participa do café comunitário ao andar? Quem não participa? Existe um serviço de copa diferenciado? Para que níveis?” (Notas de Percurso, pág 7).

A dimensão negativa do corpo parece estar presente através do stress, que

é objeto de preocupação, campanhas educacionais. Também a aids está

presente na organização dando ensejo a campanhas de informação. O sangue

aparece nas campanhas de doação para bancos oficiais de sangue. Dor, doença,

morte, sexo, nascimento: como são tratados ou vividos? Quanto aos gestos e

movimentos, há uma seleção de gestos e movimento aceitáveis. Ninguém corre

no recinto da empresa, muito menos deita no chão ou em qualquer outro lugar,

salvo no ambulatório médico. Também não é aceitável assentar no chão, ou

andar descalço ou até mesmo tirar o sapato. Pular ou dançar, nem pensar.Ou

seja, o corpo é contido de várias formas e inteiramente domado, salvo nas sextas-

feiras quando todos vão sem paletó e gravata. E as mulheres, como vão

vestidas?

Gestos de descontração são poucos e geralmente feitos quando em

isolamento, nunca numa situação social. O tom de voz é sempre baixo. Não há

gritos, nem cantos, nem risadas freqüentes. Não há programas de ginástica ou

outros cuidados com o corpo dentro do ambiente e do tempo de trabalho. Não há

campanhas de valorização do trabalho com o corpo como uma dimensão que

importa ao trabalho, tampouco são valorizadas as atividades físicas em conjunto

como forma de integração ou criação de equipes. Qual o custo desta

domesticação do corpo para criaturas biológicas e corporais que nós seres

humanos somos? O quanto do stress pode ser computado como resultado deste

tratamento dado ao corpo” (Notas de Percurso, pág 6-7).

O acesso e a comunicação no centro empresarial em que se situam os

escritórios centrais discorre inteiramente no subsolo do conjunto arquitetônico.

Não há possibilidade de contato com o mundo externo. Procuramos interpretar

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uma relação de tempo que ocorre no interior desta construção que assume

características bastante próprias, e reconhecidas pelos que ali trabalham,

“Num tempo imutável não há primaveras. É assim o tempo no Centro Empresarial. Por isto fica-se exclusivamente com o tempo social, humano. A marca cotidiana é dada pelo tempo biológico do estômago, que é cultural. O relógio, apesar de ser um mecanismo, é eminentemente social. Ele só tem valor porque sincroniza diferentes pessoas. Foi um enorme avanço quando começou a ser utilizado na guerra pois podia sincronizar ataques de diferentes batalhões com precisão. O relógio associado às agendas são a moeda corrente das transações no Centro Empresarial. O interessante é que as agendas não são rígidas: reuniões podem não começar no horário previsto e se prolongar além do esperado; há possibilidade de encontros ou reuniões não previstas;as pessoas aceitam interromper seu trabalho para dar atenção a solicitações não programadas. ( idem, pg.10)

O tempo também sofre alterações através da hierarquia. Dependendo do

nível hierárquico das pessoas envolvidas as agendas tem de ser conciliadas. Para

Hofstede (1984) este tempo na cultura da empresa é policrônico, isto é, as

pessoas são capazes de executar mais de uma tarefa ao mesmo tempo,

contrastando com culturas monocrônicas, onde as pessoas fazem uma coisa de

cada vez, necessitando terminar uma tarefa para poder dar atenção à outra.

O relato que efetua um exercício de estranhamento etnográfico deste

ambiente com o qual tomávamos contato, prossegue descrevendo as relações

espaciais que se constroem no interior dos escritórios centrais da empresa,

“Funcionalidade é o termo que definiria o espaço do Centro Empresarial. Dimensão objetiva e fácil de operar e gerenciar: temperatura, luminosidade constantes, ausência de ruídos externos eliminam fatores que perturbam a atividade das pessoas. Cores neutras, sóbrias, cerebrais. Pequenas plantas verdes por toda parte tentam quebrar a sisudez do ambiente. Esta artificialidade como atua no bem estar dos indivíduos? A separação radical das condições normais da atmosfera (chuva/sol/calor/frio/odores/ruídos), em que impacta pessoas que têm corpos, são também animais e fazem parte da natureza? ” (Notas de Percurso, pg 9).

As perguntas que a observação etnográfica formula quanto às relações de

territorialidade presentes neste espaço, procuram retratar também os

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mecanismos através dos quais as pessoas que trabalham nos escritórios

transformam o ambiente,

“Como é definido o espaço físico de cada um? Há gabinetes individuais e compartilhados; qual o critério para estas definições? Em todas as sociedades humanas o espaço é também classificatório e muitas vezes hierarquizado. Na Rhodia, Centro Empresarial este princípio está exercitado nos tamanhos dos gabinetes, sua localização, altura das paredes, compartilhamento ou não, mobiliário, equipamentos e acessibilidade. É muito eloqüente aquela fechadura com segredo eletrônico que se abre para muito poucos. A territorialidade também está expressa nos objetos pessoais que identificam o usuário (possuidor?) de cada pedaço do espaço. Fotos, emblemas, poemas, textos e figuras, desenhos ou quadros estabelecem uma identidade no espaço de cada um. É preciso deixar de ser anônimo e tentar ser pessoa e não funcionário” (idem, pg 9).

Vejamos a seguir como as relações de espaço e tempo são definidas no

complexo fabril da empresa localizado em Paulínia, cidade próxima a Campinas

no estado de São Paulo.

“Usina Química de Paulínia. É um espaço contrastante: muito verde, ambiente bucólico e muito cinza e metal. Olhando para as áreas de fabricação o que se vê é o vazio: é muita pouca gente. Parece que tudo funciona por mágica, pois não há operários, nem pessoas transitando. É que as fábricas são demasiadamente grandes em comparação com o número de pessoas que as operam. Tudo é grande. Até os caminhões que transitam são sempre enormes. A sensação pode ser comparada com a que se sente nas grandes catedrais construídas para celebrar a Glória de Deus. Estas catedrais se impõem aos fiéis e os fazem sentir como miseráveis e infinitamente pequenos diante de tanto poder. Esta sensação de impotência em relação às instalações físicas reitera outras sensações oriundas das relações que se estabelecem dentro do espaço da Usina (Notas de Percurso, pg 9).

O trecho a seguir continua a descrever o impacto das dimensões do

complexo químico, já num nível de detalhamento quanto a suas unidades de

produção,

“Grandes contrastes dentro da área de produção. Salas refrigeradas, bem iluminadas, ventiladas, bem equipadas, onde ficam os equipamentos e painéis de controle, os gerentes de produção e seu staff imediato. Lá fora é o inferno. Sol, calor, chuva, frio, cheiro, ruídos, gazes, perigo imediato e contínuo. Assim é a área dos operadores. É preciso subir e descer por escadas perigosas, estar perto de emanações mal-cheirosas e

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explosivas ou inflamáveis e intoxicantes. São confiáveis os equipamentos de segurança? São seguidos os procedimentos de segurança? Os outros estão fazendo as coisas da maneira certa, sem colocar em risco a mim que estou a jusante? Aqui impera a funcionalidade nos ambientes, tanto de produção (como era de se esperar) quanto nos gabinetes de trabalho, salas de reunião, restaurante etc. Cores frias e sóbrias – muito cinza. Poucos elementos de identificação pessoal nos espaços ocupados. Aqui se sentem mais pessoas do que funcionários? O fato de viverem em cidades de menor porte que a mega-metrópole proporciona uma sensação mais forte de individuação? Em todo o caso, os ambientes são despidos de decoração e de atração, um pouco sócio-fugidios como as casernas ou mosteiros”(idem, pg 10).

Neste segundo espaço da empresa com o qual fomos tomando contato, já

instaladas no complexo de fabricação de produtos químicos, os estranhamentos

quanto aos gestos e movimentação corporal se assemelham à descrição dos

escritórios centrais,

“Na Usina Química de Paulínia os gestos e movimentos são contidos e pouco expressivos. Tons de voz baixos, nada de cantos ou risadas. Nas áreas de produção os gestos obedecem aos requisitos dos instrumentos, ferramentas e máquinas presentes e em operação. Há gestos ditados especificamente por requisitos de segurança: colocação de cinto de segurança quando se movimenta o carro, de protetores auriculares, capacetes e óculos de segurança, proibição de fumar, etc. Banheiros menos luxuosos, com equipamentos mais antigos e impecavelmente limpos. Os corpos aqui também não cheiram e estão vestidos maneiras padronizadas. Há ar refrigerado em todos os gabinetes de trabalho, mas não nas oficinas, nem em alguns laboratórios e áreas de produção. Isto produz uma diferença quanto ao corpo? Níveis hierárquicos mais baixos cheiram – ou fedem -, níveis mais alto não suam e não cheiram – são perfumados? É evidente uso do uniforme associado ao nível hierárquico. No Brasil escravocrata os negros só tinham direito a um banho semanal. E trabalhavam nas lavouras de sol a sol, dormindo amontoados num único ambiente de senzala. Não admira que cheirasse (fediam) e muito. Este também era um elemento de classificação social e hierarquização. O escravo era corpo, o patrão se distinguia dele sendo exatamente o contrário” ( idem, pg 11).

Vamos verificar também que existe uma relação de tempo que é próprio ao

ambiente, mas que se aproxima da descrição dos escritórios centrais,

“Na Usina Química de Paulínia pudemos constatar as mesmas características. Mas há um fenômeno muito interessante apenas vislumbrado: o tempo dos gerentes e pessoal administrativo comparado com o tempo do pessoal de turno. Estes últimos vivem

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num tempo que é radicalmente diferente, onde num certo ritmo e, para sempre, se troca o dia pela noite. Como fica o mundo visto desta maneira? Entre as diversas áreas, produção, pesquisa, laboratório, administração, segurança, etc., há ritmos diferentes. Não é possível, no momento, descrever estes ritmos. Mas fica a questão: como eles se conciliam?” ( idem, pg.11).

Quanto à alimentação, as observações etnográficas se orientam aos

espaços reservados para a alimentação dos funcionários da empresa e procuram

interpretar o ato de comer a partir de categorias que lhe são apropriadas,

“O comer está associado a dois ambientes: a máquina do café, que se encontra em todos os departamentos e áreas de produção, e que invariavelmente é oferecido com desculpas por ser muito ruim. Em alguns lugres na café feito no coador, que fica numa garrafa térmica e é preferido pelas pessoas locais. Este café caseiro e financiado por um fundo comum do local criado para este fim. O segundo ambiente do comer é o do restaurante. Este se caracteriza pela higiene e nutrição. Ambiente limpo, organizado, simples. Nenhuma decoração, a não ser por algumas plantas semelhantes a outras que se encontram por toda parte na Usina. Nada que excite o apetite ou dê prazer aos olhos. Poluição sonora: em certas partes do local é difícil conversar pois o barulho do ar refrigerado dificulta ouvir as pessoas, mesmo aqueles mais próximas. O sistema é do clássico bandejão que passa a ser auto serviço numa determinada hora com alguém servindo para acelerar o andamento da fila nos horários de pico. Cardápio brasileiro com arroz, feijão e farinha de mandioca cotidianamente, dois tipos de carne, três de salada e dois de sobremesa, alternando uma fruta e um doce. Quatro sabores de refrigerante, água com e sem gáz, leite e temperos para as saladas. O restaurante é um só para todos que trabalham na Usinas, não havendo discriminação por nível hierárquico. Porém pode-se observar uma hierarquização espacial de seu uso pois os operadores e similares não se dirigem para o salão situada a direita da entrada. Este é preferencialmente usado pelos funcionários administrativos e de nível superior. Empreiteiros e fornecedores não podem usar o restaurante. Existe um escalonamento hierárquico de uso do restaurante através do horário em que as pessoas o freqüentam. Assim a “peãozada” vai no primeiro horário e a freqüência vai se “refinando” mais párea o fim do período. Também os agrupamentos nas mesas acompanham os grupos de trabalho formados pela manhã. Tudo indica que os assuntos nas refeições continuam sendo os do trabalho” (idem, pg 8).

Na análise destes ambientes relacionados ao ato de se alimentar dentro da

empresa, fizemos recurso a quatro categorias capazes de exprimir não apenas

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nossos estranhamentos mas que pudessem servir como recurso de interpretação

da realidade observada,

“Sociabilidade: O ato de comer junto é essencial nas culturas humanas; é um dos gestos simbólicos mais intensamente carregados de emoção e de sentido que dispomos. Tanto que o rito máximo da Igreja Católica, só para dar um exemplo conhecido, é uma refeição onde se partilha o pão e o vinho. O ambiente do restaurante na Usina é sócio-fugidio, isto é, impede ao invés de ajudar a sociabilidade, não proporcionando um local agradável e descontraído que possibilite o convívio social emocionalmente reparador. Identidade: A comida é um dos mais fortes elementos de identidade, caracterizando povos e etnias há milênios. Árabes e judeus se distinguem de seus vizinhos por não comerem carne de porco; já os alemães têm na carne de porco seu prato nacional; franceses são chamados comedores de rãs pelos ingleses que são desprezados pelos primeiros por não terem uma cozinha digna deste nome, e assim por diante. O alimento, terceirizado, não tem identidade alguma. Ele é nutricionalmente adequado. Prazer: Os sentido do paladar e do olfato podem ser prazerosamente exercitados no ato de comer. E isto faz da refeição um dos momentos mais esperados do dia, contribuindo para fazer a vida valer a pena de ser vivida. Mas não no restaurante da Usina. Ali, ao contrário,o que poderia ser um prazer, torna-se um sofrimento. Restauração: Quando se tem estes elementos acima descritos, reunidos no ato de comer e ele se torna uma quebra na rotina do dia, nos sentimos restaurados física e emocionalmente e podemos efetivamente ser mais produtivos, vivazes e , por que não dizer, até mesmo felizes” (idem, pg 8).

Embora estes registros sobre o ato de comer tenham sido utilizados como

exemplo de interpretação antropológica para aquele momento e naquele contexto

preciso, cabe aqui um comentário sobre o comer e sua relação com a cultura,

presente em inúmeros textos antropológicos. Levy Strauss, na sua análise sobre

os sistemas de prescrições e proibições nos tabus alimentares e as regras da

exogamia no totenismo, faz menção às relações semânticas entre os termos

‘comer’ e ‘copular’ num número considerável de línguas (1984:47). O registro das

impressões sobre as dimensões culturais da empresa, acima reproduzido,

evidencia o caráter processual de uma pesquisa etnográfica e sua característica

de estranhamento quanto a uma situação conhecida pelos co-participantes da

pesquisa. Por se tratarem de primeiras impressões, o registro destas observações

etnográficas permite acompanhar ao longo do trabalho de campo a evolução

deste estranhamento inicial conforme o nível de conhecimento, de integração e

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familiaridade dos pesquisadores com o sistema cultural aumenta. Através da

leitura e discussão efetuada em grupos, pudemos avaliar em que medida os

indivíduos pertencentes a esta cultura se identificavam com os componentes do

universo que descrevemos. Não menos significativo para o desenvolvimento da

pesquisa, foi a criação de um ambiente de proximidade e envolvimento com a

abordagem de etnográfica pelo fato das pessoas se reconheceram na leitura e na

interpretação das observações etnográficas.

No próximo capítulo vamos introduzir a dimensão social da aprendizagem

através de algumas vertentes teóricas associadas à aprendizagem na prática. A

noção de prática é apresentada como pano de fundo para discussão posterior

sobre comunidades de prática no ambiente de aprendizagem organizacional.

Partindo da premissa de que o conhecimento não significa a mera transferência

de informações, mas constitui um processo social, construído através da

interação entre as pessoas e o ambiente ao seu redor, vamos introduzir no

próximo capítulo a noção de comunidades de prática e o processo de participação

periférica legitima que lhe é inerente.

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Capítulo 3

A DIMENSÃO SOCIAL DA APRENDIZAGEM

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...”a gente aprende o que faz sentido”

(expressão utilizada por um operador na indústria química )

Este capítulo apresenta algumas das vertentes teóricas de influencia no

desenvolvimento de uma teoria social da aprendizagem. Introduz as noções de

comunidade de prática e de participação periférica legítima, e delineia o esquema

conceitual utilizado por Lave e Wenger no que se refere às noções de identidade

e pertença que vão balizar a perspectiva teórica de uma teoria social da

aprendizagem formulada por estes autores. No final deste capítulo efetuamos

breve discussão sobre as diferenças entre comunidades de prática e

comunidades de interesse.

3.1. Principais Vertentes Teóricas

As raízes que abordam a dimensão social da aprendizagem remontam tão

longe quanto à natureza da república em Platão, os trabalhos em economia

política de Karl Marx, e o trabalho sociológico de Durkheim e Weber retomadas

por Giddens (1991) no seu esforço de defender e legitimar a teoria social

enquanto tradição intelectual no interior das ciências sociais. Desde a phronesis,

a sabedoria social de Aristóteles que vai formular as bases da aprendizagem pela

observação da interação social, já podemos identificar a relação existente entre

conhecimento prático e prática social.

Uma breve revisão da literatura sobre a perspectiva social da

aprendizagem, vai nos informar no entanto, ter sido apenas a partir da década de

60 que lingüistas e psicólogos sociais iniciam pesquisas de laboratório que vão

associar a dimensão do social na aquisição inconsciente de informações

complexas. Estas pesquisas passam a elaborar uma proposta pedagógica que

considera o controle e as respostas adaptativas, como sendo mais importantes

que os significados presentes nos seus conteúdos. Tendo em Skinner (1974) um

dos seus principais expoentes, esta corrente vai se denominar behaviorismo e

encontra aplicabilidade em linhas de pesquisa que se orientam para os

automatismos e para as disfunções em processos de aprendizagem. Para os

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seguidores desta corrente, os aspectos sociais nos processos de aprendizagem

passam ser menos relevantes. Nas teorias cognitivas, o foco pedagógico está no

processamento e transmissão de informações através da comunicação,

explicação, recombinação, contrastes, inferências e resolução de problemas

(Hutchins:1995). Esta abordagem é apropriada para o desenho de seqüências de

conceitos construídos sobre estruturas de informações existentes mas ainda não

considera variáveis do contexto social. Ao contrastar pensamento teórico com

pensamento prático Scribner (1984) vai considera-lo como sendo aquele que se

inscreve na escala mais ampla das atividades cotidianas, onde o conhecer e o

fazer se situam num processo contínuo de improvisação.

Vamos ainda encontrar referencias sobre a natureza da experiência nas

origens da psicologia denominada Gestalt iniciada no final do século XIX.

Lançando de certa forma as bases da corrente Taylorista, que vai criar raízes nas

teorias da administração, os precursores da Gestalt consideravam que as ações

complexas, e as práticas em que se inserem, poderiam ser divididas em tarefas

de rotina. A Gestalt considera o ambiente de percepções na qual se inserem as

informações que percebemos como sendo carregadas de significados. Embora

este ambiente não seja abordado através das relações sociais que o permeia, a

Gestalt postula que nossa capacidade de fazer sentido é indivisível de um todo

psicológico que abrange pensamento e percepções. O modelo cognitivo que tenta

explicar o aprendizado de fenômenos mais complexos se identifica com a Gestalt,

na compreensão das relações lógicas presentes entre meios e fins e entre causas

e efeitos. Apesar do foco não estar nas relações sociais, as crenças e percepções

dos indivíduos no processo de formulação de mapas cognitivos que possibilitam

compreender a realidade são consideradas pelos seguidores desta corrente.

A controversa noção de prática pode ser percorrida desde a “praxis“

presente nas primeiras obras de Marx no que diz respeito ao contexto sócio

cultural do fazer histórico, de forte influencia numa tradição nas ciências sociais

que se desenvolve a partir do arcabouço marxista. No que tange este nosso

trabalho, as referencias estão mais próximas da noção de habitus contida na

teoria da prática em Bourdieu (1997) onde a praxis se aproxima de um jeito de

fazer coisas cujo padrão é reproduzido no contexto social. A noção de habitus

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percorre todo o empreendimento científico de Bourdieu, e o faz na medida em que

se inspira na convicção de que não podemos capturar a lógica mais profunda do

mundo social a não ser submergindo na particularidade de uma realidade

empírica, historicamente situada e datada. Porém, para construí-la, como ‘caso

particular do possível’ conforme expressão de Gaston Bachelard, (apud 1997:15)

esta imersão se dá para Bourdieu, como uma figura em um universo de

configurações possíveis. No estudo de Bourdieu sobre as populações cabila “uma

das funções da noção de habitus é a de dar conta da unidade de estilo que

vincula as práticas e os bens de um agente singular ou de uma classe de

agentes” (1997:21) e neste sentido, habitus pode ser tido como um conjunto de

esquemas que permite engendrar uma infinidade de práticas adaptadas a

situações sempre renovadas sem nunca se constituir em princípios explícitos

(1997). Ou, em seus próprios termos “o habitus é este princípio gerador e

unificador que retraduz as características intrínsicas e relacionais de uma posição

em um estilo de vida unívoco, isto é, em um conjunto unívoco de escolhas de

pessoas, de bens, de práticas” (1997, 21-22). Bourdieu sugere assim, a

possibilidade de romper com o dualismo presente no racionalismo instrumental

que reduz as pessoas a processos mentais e a aprendizagem a aquisição de

conhecimento.

“O habitus preenche uma função que, em uma outra filosofia, confiamos à consciência transcendental: é um corpo socializado, um corpo estruturado, um corpo que incorporou as estruturas imanentes de um mundo ou de um setor particular desse mundo, de um campo, e que estrutura tanto a percepção desse mundo como a ação desse mundo”.(Bourdieu 1997:144).

Esta definição de habitus em Bourdieu se aproxima provisoriamente da

noção de prática a que nos referimos neste trabalho, na medida em que “o

habitus é essa espécie de senso prático do que se deve fazer em dada situação -

o que chamamos, no esporte, o senso do jogo, arte de antecipar o futuro do jogo

inscrito, em esboço, no estado atual do jogo” (1997:42) e neste sentido podemos

antecipar o interesse deste conceito para as comunidades de prática , se

consideradas como sendo o locus onde habitus se fundamentam. O sociólogo

Giddens (1995) utiliza um arcabouço de referências semelhante, quando se refere

ao comportamento que é recorrente e rotineiro e está mergulhado nos hábitos

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normais da vida cotidiana numa ordem social moderna e globalizante. Giddens

propõe, que num processo de transformação que denomina modernidade

reflexiva, a sociedade vai repensando as noções de espaço e tempo a partir da

reflexividade social, onde, “em condições de modernidade, o lugar se torna cada

vez mais fantasmagórico: isto é, os locais são completamente penetrados e

moldados em termos de influências sociais bem distantes deles”, de forma que “o

que estrutura o local não é simplesmente o que está presente na cena; a ‘forma

visível‘ do local oculta as relações distanciadas que determinam a sua natureza“

(1995:77).

Outra corrente que vai influenciar a noção de prática está nos autores

construtivistas inspirados em Piaget (1954) que consideram os processos através

dos quais construções mentais são construídas na interação com o meio. Esta

corrente influencia toda uma ação pedagógica orientada para a descoberta

contextualizada, onde as estruturas conceituais são construídas a partir da

autonomia na execução de tarefas auto direcionadas. Das correntes teóricas

acima delineadas, vamos nos ater agora aquelas que enfatizam as relações

interpessoais na compreensão das interações sociais, que é o que nos interessa

perseguir em processos de aprendizagem na prática.

Não podemos deixar de mencionar, nesta breve incursão aos teóricos que

associam o processo de aprendizagem ao contexto social, o educador soviético

Vygotsky (1962;1978;1984) cuja obra diversificada e intensa trata do

desenvolvimento humano, da importância dos processos de aprendizado e das

relações entre desenvolvimento e aprendizado. Em Vygotsky vamos nos

interessar especificamente pela sua abordagem das estruturas das atividades

enquanto perspectiva de análise histórica no desenvolvimento da aprendizagem.

Embora tenham vivido praticamente na mesma época, Piaget vai descobrir

tardiamente um Vygotsky simultaneamente crítico e simpatizante de sua obra.

Nascido no final do século 19 em Bielarus, país da hoje extinta União Soviética,

Vygotsky pouco viajou até falecer precocemente aos 37 anos. No entanto,

procura efetuar uma síntese entre a psicologia experimental e a psicologia

mentalista, introduzindo o suporte biológico, representado pela atividade cerebral

na função psicológica. Seu argumento básico, e o que nos interessa aqui, está em

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que o funcionamento psicológico se fundamenta nas relações sociais entre o

indivíduo e o mundo exterior.

Sua visão de síntese é inspirada na síntese dialética marxista onde, a partir

de elementos presentes numa determinada situação fenômenos novos podem

emergir. Sua obra, contextualizada numa União Soviética pós-revolucionária,

contém outro postulado básico do materialismo histórico e dialético de Marx e

Engels, que vem a ser a noção de processo histórico. Nesta perspectiva, o ser

humano se constrói através de suas relações com o mundo social e o mundo

natural e do condicionamento da vida social, ao modo de produção da vida

material. Em Vygotsky, por sua ênfase nos processos sócio-históricos,

localizamos a noção de um aprendizado que inclui a interdependência dos

indivíduos envolvidos no processo. É esta noção de aprendizado que vamos

explorar mais adiante na análise de uma situação concreta vivenciada durante o

trabalho de campo e que nos interessa desenvolver aqui12. Ao perceber a relação

homem/mundo como uma relação mediada por sistemas simbólicos, podemos

supor que Vygostsky antecipa de certa maneira, as teorias interpretativistas de

raízes antropológicas a que fizemos referência anteriormente.

Um dos conceitos mais conhecidos desenvolvido por Vgostky e que talvez

ainda não tenha sido explorado suficientemente em processos de aprendizagem

que ocorrem em locais de trabalho, está o de “zona de desenvolvimento proximal“

também traduzida em algumas obras em português como “zona de

desenvolvimento potencial”. Este conceito se baseia na concepção de que é o

aprendizado que possibilita o despertar de processos internos do indivíduo,

associando o desenvolvimento da pessoa a sua relação com o ambiente sócio-

cultural em que vive. Nesta concepção podemos identificar a visão de indivíduo

como organismo, que não se desenvolve plenamente sem o suporte de outros

indivíduos de sua espécie (Oliveira,1995:58). Ao observar a influencia do contexto

na melhoria do desempenho entre alunos que se ajudavam mutuamente no

trabalho escolar, Vygotsky chama atenção para o fato de que, para compreender

12 Interessante notar que o termo utilizado por Vgostky em russo - obuchenie - significa algo como ‘processo de ensino-aprendizagem’ incluindo sempre aquele que aprende, aquele que ensina e a relação entre essas pessoas. Pela falta de um termo equivalente em inglês, a palavra obuchenie tem sido traduzida ora como ensino, ora como aprendizagem e assim re-traduzida para o português (Oliveira, 1995:57).

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adequadamente o seu desenvolvimento, devemos considerar não apenas o nível

de desenvolvimento real da criança, mas também seu nível de desenvolvimento

potencial, ou seja, sua capacidade de desempenhar tarefas com a ajuda de

adultos ou de companheiros mais capazes. Esta possibilidade de alteração no

desempenho de uma pessoa pela interferência de outra representa para Vygostky

um momento de desenvolvimento: não é qualquer indivíduo que pode, a partir da

ajuda de outro, realizar qualquer tarefa. Isto significa que, o benefício de uma

colaboração do outro ocorre num determinado momento de desenvolvimento.

Uma criança de cinco anos, tomando o exemplo citado por Oliveira (1995:59)

pode ser capaz de construir uma torre de cubos sozinha; uma de três anos não

consegue construí-la sozinha, mas pode conseguir com a assistência de alguém;

uma criança de um ano não conseguiria realizar essa tarefa, nem mesmo com

ajuda. Assim que, a idéia contida no conceito de nível de desenvolvimento

potencial capta um momento do desenvolvimento que caracteriza não as etapas

já alcançadas, já consolidadas, mas etapas posteriores, na quais a interferência

de outras pessoas afeta significativamente o resultado da ação individual (idem:

60).

Ao postular a existência de dois níveis de desenvolvimento, o real e o

potencial, é que Vygostky vai definir a zona de desenvolvimento proximal como

sendo “a distância entre o nível de desenvolvimento real que se costuma

determinar através da solução independente de problemas, e o nível de

desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a

orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes”

(Vygostky, 1984: 97). Esta concepção de Vygostky vai influenciar toda uma visão

do processo de ensino-aprendizado nas escolas, se considerarmos a escola

como sendo um lócus de constante recriação da cultura e base do processo

histórico sempre em transformação das sociedades humanas.

“A zona de desenvolvimento proximal provê psicólogos e educadores de um instrumento através do qual se pode entender o curso interno do desenvolvimento. Usando esse método podemos dar conta não somente dos ciclos e processos de maturação que já foram completados, como também daqueles processos que estão em estado de formação, ou seja, que estão apenas começando a amadurecer e a se desenvolver” (1984:97).

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54

Associado aos procedimentos escolares, mas não restrito a situação

escolar, o mecanismo de imitação para Vygostky não é mera cópia de um

modelo, mas reconstrução individual daquilo que é observado pelos outros e que

só é possível dentro da zona de desenvolvimento proximal do sujeito (Oliveira,

1995:63). Sugerindo uma recolocação da questão de quais seriam as

modalidades de interação que podem ser consideradas legítimas promotoras de

aprendizado na escola, representadas pela intervenção do professor, dos pais,

dos colegas e do meio ambiente de forma geral, a noção de desenvolvimento

proximal terá implicações na criação de um ambiente favorável a aprendizagem

no trabalho que nos interessa explorar. Uma das tarefas desta exploração, que

extrapola os objetivos deste trabalho, seria a retomada das interpretações

relativas às zonas de desenvolvimento proximal que se concentram nos

processos de transformação social, em contraponto com a perspectiva da

participação periférica legítima tal como apresentada na formulação da

aprendizagem situada em Lave e Wenger (1991). Estes autores apenas sugerem

as interpretações de transformação sócio cultural da zona de desenvolvimento

próximo, mais especificamente na definição mais ‘coletivista’ que lhe atribuída por

Engeström (1991:41). Segundo Lave e Wenger (1991) este autor finlandês tem

focalizado em seus trabalhos a distancia entre as ações cotidianas dos indivíduos

e as históricas novas formas de atividades sociais que podem ser geradas

coletivamente, se aproximando das relações transformadoras entre novatos e

veteranos que Leave e Wenger acreditam existir no contexto de praticas

transformadoras compartilhadas (1991:41).

Teorizar sobre a prática social implica estar atento a interdependência

entre atividade, significado, cognição, aprendizagem e conhecimento, ou nos

dizeres de Lave e Wenger (1991:50) significa evidenciar a produção histórica,

transformação e mudança de indivíduos. Neste sentido, o conhecimento não é um

conceito estático, mas implica em construção e transformação. O conceito de

prática presente na perspectiva de comunidades de prática, tal como apresentada

por Lave e Wenger, implica num fazer determinado por um contexto histórico e

social que por sua vez é responsável pela estrutura e significados. Para estes

autores portanto, a prática é sempre uma prática social (1991:47) envolvendo a

atuação do ser humano como um todo.

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Contudo, cumpre notar a ausência de referencias ao filósofo americano

John Dewey na publicação de Lave e Wenger (1991) a respeito da natureza

situada da aprendizagem. Ao tomarmos contato com algumas obras de Dewey

(1971,1974) e com autores que fazem referências a sua abordagem experencial

da aprendizagem, pudemos observar que Dewey já apontava para as

possibilidades de mudança nas relações causais entre as pessoas e as situações

nas quais estão inseridas. Sua percepção de mudança, que nos interessa nas

aplicações deste trabalho, está localizada na interação tanto física como social

entre as pessoas. Neste sentido, podemos dizer que Dewey lança os alicerces

teóricos que vão orientar as bases conceituais da aprendizagem situada. Outra

característica antecipatória da obra de Dewey nos parece estar inscrita na

distinção que faz entre ‘conhecer como’ e ‘conhecer sobre’, onde se considera o

conhecer que é adquirido através do hábito e da intuição, e que se torna relevante

ao abordarmos o conhecimento implícito acionado pelos operadores da industria

química no contexto de solução de problemas vivenciado no trabalho de campo

desta pesquisa. Dewey nos parece ser também pioneiro na utilização de

abordagens associadas à aprendizagem investigativa. Esta abordagem tem sido

sistematizada e aplicada por consultores em contextos empresariais, dentre os

quais, o consultor norte americano David Cooperider. A partir do que pudemos

observar ao participar de um treinamento com este consultor, cujo método

denomina diálogos apreciativos, a estrutura de diálogos em grupo proposta está

fundamentada nas premissas básicas de diálogo desenvolvidas por David Böhm

(1990). O que temos que reter no momento, é que a concepção de conhecimento

investigativo também está relacionada a uma atividade prática que transforma a

situação nos moldes propostos por Dewey. Através da prática de diálogos

estruturados, transforma uma experiência problemática, ou uma situação

determinada a ser investigada, em algo articulado. Como resultado, os diálogos

apreciativos podem tranformar estas situações num atuar de forma mais clara,

convergente e compreensível para uma coletividade.

Nos interessa retomar em Dewey neste momento, as duas formas de

conhecimento mencionadas anteriormente. A distinção efetuada por Dewey entre

conhecer sobre e conhecer como, antecipa uma condição crucial para a

aprendizagem, que é a possibilidade de aprender com o outro e o diferente, ou

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seja, aprender a lidar com o ambiente relacional e a diversidade, no esforço de

criação de ambientes de diálogo favorável a aprendizagem compartilhada que se

requer nas organizações contemporâneas13.

“O conceito de experiência que se encontra embricado na concepção deweyana de educação constitui o elemento fundamental do método para se aprender de modo inteligente, pois o ato de pensar começa justamente com a experiência. . O educando deve ser posto no interior de uma situação que o leve a tentar fazer alguma coisa; o resultado desse esforço fará com que algo novo se acrescente ao aprendiz. O pensamento tem início a partir da interação entre a energia do aluno e o material manipulado. Ao ensinar uma matéria escolar, qualquer que seja ela, o professor não deve nunca dispensar previamente a experiência pessoal e direta dos alunos com o assunto em questão; deve-se dar a eles algo ‘para fazer’ e não algo ‘para aprender’, o que quer dizer coloca-los em ação de maneira a que possam refletir sobre as relações envolvidas no objeto de estudo” (Da Cunha,1994:53).

Enquanto crítico da concepção de experiência como sendo meramente

pessoal e cognitiva, Dewey identifica os componentes biológicos e sociais que

definem as experiências como sendo resultantes das interações entre as pessoas

e o mundo físico e social no qual estão engajadas. Neste sentido podemos dizer

que para Dewey, bem como para Vgosky, a experiência e o significado da

experiência são realidades sociais. Ambos apontam para o uso coordenado de

práticas que objetivam chegar a resoluções inteligíveis diante uma experiência

comum. As premissas de Dewey quanto a influencia das transformações sociais

que fazem com que a realidade não constitua um sistema acabado e imutável e

quanto a inteligência do ser humano para alterar suas condições de existência

(Da Cunha; 1994) conduzem a noção de pensamento e a ação como sendo um

todo indivisível. Para Dewey, a inteligência, socialmente articulada é o elo de

ligação entre indivíduo e a coletividade, permitindo a integração do indivíduo ao

todo. Neste sentido, a plena satisfação do indivíduo se dá pela cooperação e a

pela democracia, tida por ele como o único sistema de vida que pode possibilitar

este requisito indispensável ao florescimento da inteligência.

13 Esta distinção é retomada pelos teóricos organizacionais que vão tratar o ‘know how’ enquanto conhecimento disponível que confere a habilidade de um indivíduo responder as situações reais e de fazer coisas, em vez de falar sobre elas no abstrato (Diguid, Seely Brown, 2001:62).

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Dentre as controvertidas, e por vezes contraditórias, teses filosóficas

desenvolvidas por Dewey, vamos nos referir a seguir ao seu viés naturalista

elaborado inicialmente em The school and Society publicada no início do século

XX e ampliado posteriormente em Experiência e Educação. Publicada em 1926 e

traduzida pelo seu discípulo brasileiro Anísio Teixeira, esta obra se insere na fase

integralista de Dewey e estabelece os princípios fundamentais de um pensamento

educacional inovador no contexto de uma sociedade democrática que procura

estabelecer a relação entre ensino e organização social. Para Dewey, que

denomina sua filosofia de naturalismo empírico, ou empirismo naturalista, ou,

ainda, humanismo naturalista, o que define a essência da democracia é seu

caráter de vida compartilhada. É neste sistema político, que para o autor, as

necessidades individuais, muitas vezes divergentes, encontram seu ponto de

convergência mediante os propósitos do trabalho cooperativo. A experiência,

conceito básico da filosofia Deweyana, significa a interação do organismo e do

meio ambiente, que redunda numa adaptação para melhor utilização deste

mesmo meio ambiente (Da Cunha,1994:30). Para Dewey, a mente é uma

instância biológica que se forma e só se efetiva no âmbito social. Revela,

portanto, a natureza cultural do ser humano no contexto da interação entre seu

organismo e o meio que o circunda. Neste sentido temos que o conhecimento

para Dewey vai se situar no interior de um processo pelo qual a vida se sustenta e

a envolve. Assim que, ao renegar idéias imediatistas e mecanicistas, Dewey vai

enfatizar que o meio social não é capaz de implantar diretamente desejos e

idéias, mas é o grupo social que torna o indivíduo um ser participante na atividade

comum.

A teoria do método de conhecer exposta por Dewey, conhecida como

pragmática, afirma que, só pode ser realmente considerado conhecimento aquilo

que esteja organizado em nossas disposições mentais com a função de nos

tornar capazes de adequar o meio às nossas necessidades (Da Cunha, 1994:32).

Isto significa que temos que adaptar nossos objetivos e desejos à situação em

que vivemos. Dewey considera que as coisas só adquirem real significado quando

usadas em uma experiência partilhada ou numa ação conjunta. A percepção de

experiência e conhecimento em Dewey vai influenciar ainda as propostas de

ensino que preconizam uma aprendizagem articulada ao contexto cultural. Ele vai

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propor que as escolas devem estar aparelhadas com instrumentos para

atividades cooperativas que envolvam o conjunto da escola. Este sentido coletivo

e o respeito à diversidade parecem estar na origem da formação do próprio

Dewey, marcada durante a infância e juventude por um estilo de escolarização

desinteressante e pouco estimulador. Para despertar já na tenra infância o senso

de responsabilidade, sua família tinha o hábito de atribuir pequenas tarefas às

crianças. Este fato talvez tenha contribuído para a percepção de que grande parte

de sua educação tenha acontecido fora dos domínios estreitos da escola.

Insistindo no caráter cooperativo do conhecimento, Dewey considera que as

escolas não percebem que o aprendizado que acontece no ambiente fora dos

muros da escola é eficaz justamente por gerar interação entre os agentes sociais.

Ao considerarem o aprendiz como um indivíduo isolado, segundo Dewey, as

escolas acabam por valorizar um espírito livresco e pseudo-intelectual em

detrimento de um espírito social.

“Se tivermos em vista despertar a inteligência e o pensamento e, não, meras aquisições de palavras, a primeira apresentação de qualquer matéria na escola deve ser o menos acadêmica ou escolástica possível. Para compreender o que significa uma experiência ou uma situação empírica, o espírito precisa evocar a espécie de situação que se apresenta naturalmente fora da escola – as espécies de ocupação que na vida comum provocam o interesse, pondo em jogo a atividade”. (Dewey,1959:168-169 apud Da Cunha, 1994:53)

Dewey sugere ainda, que a escola promova um “ambiente simplificado“, o

que significa dizer, que a escola não deve pretender que os alunos assimilem os

conteúdos escolares por inteiro. A escola deve selecionar os aspectos

fundamentais de forma que os conhecimentos mais simples sirvam de patamar

para saberes mais complexos. Nos parece também bastante visionária,

considerando as exigências atuais de aprendizagem calcadas na diversidade, a

percepção de Dewey de que a escola proporcione condições para que os alunos

conheçam o ambiente mais amplo que os cercam e possam conviver entre jovens

de raças, religiões e costumes diferentes. Esta visão de escola como instituição

permeada por fins sociais, reforça a concepção de Dewey de que a escola não é

o único lugar onde ocorre o processo educativo.

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“Se o ambiente, na escola ou fora dela, fornecer as condições que ponham adequadamente em ação aptidões do imaturo, é certo beneficiar-se com isso o futuro, que é produto do presente. O erro não está propriamente em cuidar-se da preparação para as futuras necessidades e sim em tornar essa preparação a mola real do esforço presente” (Dewey, 1959:60, apud Da Cunha, 1994:47).

Do que nos foi dado perceber, a atualidade de algumas propostas de

Dewey quanto aos desafios de uma educação do futuro parece surpreendente. A

criação de ambientes de aprendizagem em locais de trabalho no contexto

empresarial em muito se beneficiaria de uma releitura de alguns princípios de

Dewey, notadamente no que se refere ao contexto social da aprendizagem.

Verificamos neste sub capítulo, existir consonância dentre os autores citados e a

bibliografia de nossos autores de referência14 onde a participação social é tida

como um processo de participação ativa nas práticas de comunidades sociais e

não uma mera participação em determinadas atividades com determinadas

pessoas (Lave e Wenger, 1991; Wenger, 1998). Vamos introduzir no próximo sub

capítulo as noções de comunidades de prática e de participação periférica

legítima, tais como desenvolvidas inicialmente por Lave e Wenger (1991).

3.2 Comunidades de Prática e a Participação Periférica Legítima

O início de uma atividade em qualquer organização é um ato social

arbitrário e artificial que coloca num mesmo espaço físico e social, pessoas,

objetos e tecnologia, normas e regras que nunca antes estiveram juntos. Com o

passar do tempo, no entanto, criam-se formas sociais naturais que são

responsáveis pela execução das tarefas a que se propõe a organização. Estas

unidades sociais básicas, que se formam a ‘partir de’ e ‘em função’ do trabalho,

constituem as comunidades de prática, que podem se distanciar com o tempo do

organograma oficial, que vai sendo criado sob as influências de forças políticas

internas ou exigências externas.

14 Embora freqüentemente referenciadas em textos acadêmicos e empresariais no Brasil, as obras que norteiam o arcabouço conceitual em comunidades de prática aqui adotadas, ainda não foram objeto de tradução no Brasil, obrigando-nos a traduções livres dos textos mencionados.

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60

As comunidades de prática são forças vivas, contribuindo grandemente

para a execução de seus objetivos da organização. Podem ser invisíveis até

mesmo para aqueles que delas participam, uma vez que muito do comportamento

real nos grupos humanos não passa pelos níveis de consciência e verbalização.

Este comportamento invisível é a matéria prima do conhecimento tácito, e

seus conteúdos podem ser trazidos à tona por métodos de prospecção que vão

além do verbal, baseados apenas na memória e do racional-cognitivo.

“A estrutura da cognição é largamente distribuída através do ambiente, tanto social quanto físico. O ambiente então contribui de forma importante para as representações indexadas que as pessoas formam na atividade. Estas representações, por sua vez, contribuem para a futura execução eficiente da atividade. Uma atividade recorrente – em termos convencionais, uma prática, mas uma prática numa atividade autêntica – é o que em última instância leva de ações situadas específica e individualmente através de um processo de agir e re-agir, ao conhecimento generalizável. A generalidade não é abstrata, mas situada através de múltiplos contextos”.(Brown, Collins & Duguid, 1991)

A noção de participação periférica legitima, desenvolvida por Lave e

Wenger (1991) é, como veremos adiante, central para a compreensão do

processo através do qual o aprendiz se insere nas práticas que conduzem a

aprendizagem. Na observação do processo de inserção de um operador novato

na unidade de produção em que efetuávamos o trabalho de campo, pudemos

acompanhar na prática, o raciocínio que deu origem à formulação da noção de

participação periférica legítima desenvolvida por Lave e Wenger (1991) e que

será entendida por estes autores como sendo a forma de descrever a inserção na

prática social que produz a aprendizagem como sua parte intrinsecamente

constituinte. Para estes autores, o processo de participação periférica legítima

acentua a prática social como fenômeno gerador tendo a aprendizagem como um

de seus componentes fundamentais.

Inspirada inicialmente e de forma genérica na trajetória percorrida pelo

antropólogo em campo, a noção de participação periférica legítima assume o

periférico como uma forma localizada de pertencer que tem como resultado a

participação plena. Não se associa a um movimento da periferia ao centro, mas

sim a formas de pertencer a um grupo ou a uma atividade. Para Lave e Wenger a

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“participação periférica legítima se refere tanto ao desenvolvimento de identidades

em habilidades cognitivas como a reprodução e transformação de comunidades

de prática” (1991:55). A legitimidade da participação e o acesso a periferalidade é

portanto uma noção complexa, posto que submersa em estruturas sociais que

envolvem relações de poder, e será entendida aqui no que se refere ao

movimento de pertencer a uma comunidade de prática.

Em seus trabalhos iniciais, Lave e Wenger (1991) formulam o conceito de

participação periférica legítima como uma forma de descrever estas interações

sociais do ponto de vista da aprendizagem. A partir de suas pesquisas

etnográficas efetuadas junto as parteiras da península do Yucatec, alfaiates Vai

Gola na Libéria, açougueiros e associações de alcoólicos anônimos no meio

urbano norte americano, este autores descrevem os mecanismos relacionais e da

co-participação em processos de aprendizagem na prática. Eles observaram

através destas pesquisas, que as pessoas tem que inicialmente fazer parte de

uma comunidade, aprendendo através do que denominam periférico. Na medida

em que adquirem competências vão se movendo para o centro de uma

determinada comunidade. Desta forma, descrevem os autores, “nos começamos

a analisar as mutantes formas de participação e identidades de pessoas que se

engajam na participação sustentada numa comunidade de pratica: da entrada

enquanto novato, passando a veterano em relação aos novatos, até o ponto em

que estes novatos se transformam em veteranos” (1991:56). Nestes termos, a

aprendizagem passa a ser considerada não apenas a aquisição de conhecimento

pelos indivíduos mas um processo de participação social.

Estes estudos etnográficos que vão desvendar a aprendizagem na prática

e na execução de atividades precisas, revelam não ser o aprendiz que estrutura o

modelo de aprendizagem, tampouco ele é estruturado em forma de um currículo a

ser cumprido. O que estas pesquisas demonstram é o processo em que o

aprendiz participa de situações que por sua vez vão lhe oferecer uma estrutura de

acesso à aprendizagem. Deste modo, muito mais do que adquirir estruturas para

entender o mundo, o aprendiz participa de situações, que estas sim, possuem

uma estrutura. É portanto, a partir destas estruturas que seu conhecimento vai

sendo estruturado. Esta é a origem do conceito de participação periférica legitima

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enquanto forma de tratar a relação de aprendizagem que ocorre através da

inserção de novatos numa determinada atividade, forjando uma identidade que se

forma até que os aprendizes atinjam uma participação plena nas práticas sócio

culturais desta comunidade15. Ao sugerir que a aprendizagem envolve a

participação numa comunidade de prática Lave e Wenger (1991) sublinham ser

esta uma participação ativa nas práticas sociais que conduz a construção de

identidades em relação às comunidades em que esta participação social ocorre.

Para Lave e Wenger estas identidades são “a forma que uma pessoa se enxerga,

se entende, e é vista pelos outros, uma percepção de si que é relativamente

constante” (1991:81). Deste modo, a natureza da aprendizagem, enquanto

processo de participação social, é desvendada a partir da inserção periférica em

comunidades, onde, na medida em os indivíduos vão adquirindo competências

para a execução do trabalho, vão se inserindo num movimento que vai da

periferia ao centro destas comunidades.

“Olhar a aprendizagem como participação periférica legítima significa que aprender não é simplesmente condição para se tornar membro, mas é em si mesma uma forma envolvente de participação. Nós concebemos [a aprendizagem] como identidades de longo prazo, relações vivas entre pessoas e seu lugar e sua participação em comunidades de prática. Daí, identidade, conhecimento e se tornar um membro social complementam um ao outro” (1991:53) tradução livre.

É a partir desta abordagem em aprendizagem que Lave e Wenger (1991)

vão introduzir a perspectiva de comunidades de prática. Os autores nos

constatam o óbvio, de que comunidades de prática estão em todo o lugar e

normalmente estamos envolvidos, desde que nascemos, por vezes de forma mais

central e em outras vezes de forma periférica, em várias comunidades de prática.

Em suas obras iniciais Lave e Wenger não abordam as relações de poder no

interior das comunidades de prática que podem inibir ou até bloquear a

aprendizagem. É indiscutível, no entanto, o mérito destes autores em resgatar a

importância dos pontos de contato entre as pessoas e o aspecto relacional da

15 Em artigo publicado no anuário de uma fundação que dirige o acampamento Paiol Grande em São Bento do Sapucaí, fazemos referência a este processo enquanto modelo de aprendizagem proposto para as escolas que freqüentam o acampamento. In: Anuário - 1993-1994-1995 - Fundação Acampamento Paiol Grande “ O acampamento Paiol Grande e as escolas juntos no desenvolvimento de cidadãos plenos”. (Gropp,1995)

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aprendizagem dentro da concepção de aprendizagem enquanto processo social.

Enquanto aprendizes nas inúmeras situações de aprendizagem com as quais

interagimos estamos inevitavelmente participando em comunidades de prática.

Contudo, a maestria em habilidades e conhecimento requer aos novatos

um movimento em direção a uma participação plena nas atividades culturais e

sociais de uma comunidade. Desta forma, para Lave e Wenger a participação

periférica legitima vem fornecer uma forma de falar sobre as relações entre os

novatos e os membros mais antigos de uma comunidade, sobre suas atividades,

identidades e artefatos que compõem uma comunidade de conhecimento (1991).

O sentido do aprendizado para estes autores passa a ser portanto, o próprio

processo de se tornar um participante pleno de uma prática.

3.3. Comunidades de Prática: Identidade e Pertencimento

Wenger publica em 1998 a obra que vai ampliar e aprofundar a noção de

comunidades de prática ao sistematizar as relações existentes entre comunidade,

prática social, significado e identidade, inserindo as comunidades de prática num

arcabouço conceitual que dá continuidade ao tratamento da aprendizagem como

um processo de participação social. Logo no início desta obra, Wenger (1998:9)

esclarece seu intento de dar continuidade à ‘perspectiva em comunidades de

pratica’ desenvolvida em seus estudos inicias com Lave e adverte para os riscos

de uma ramificação equivocada desta concepção sem uma reflexão sobre a

natureza social da aprendizagem.

“Talvez mais do que a aprendizagem em si mesmo, é a nossa concepção de aprendizagem que requer atenção urgente quando escolhemos utilizá-la na escala em que o fazemos atualmente. Quanto mais longe se situam nossas metas, maiores erros iniciais incorremos. Na medida em que nos tornamos mais ambiciosos em organizar nossas vidas e nosso meio ambiente, extendem-se as implicações de nossas perspectivas, teorias e crenças. Ao tomarmos mais responsabilidade em relação a nosso futuro em escalas cada vez maiores, torna-se imperativa uma reflexão sobre as perspectivas que informam nossas empresas” (1998:9).

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Para Wenger, uma teoria social da aprendizagem deve integrar os

componentes que são necessários para caracterizar a participação social como

um processo de aprendizagem e conhecimento. São quatro os componentes que

Wenger considera necessários: O primeiro é o significado, que é considerado

como uma forma que falar sobre nossas (mutantes) habilidades, individuais e

coletivas, de experenciar nossas vidas e o mundo de forma significativa. O

segundo componente introduzido por Wenger é prática, que é entendida como

sendo uma forma de falar sobre recursos sociais e históricos compartilhados, e as

perspectivas que podem sustentar engajamento mútuo em ação. Comunidade é o

terceiro componente entendido pelo autor como sendo uma forma de falar sobre

as configurações sociais em que nossos empreendimentos são definidos e o

reconhecimento de nossa participação como competência. E finalmente, a

identidade, que seria a forma como aprendizagem nos transforma e cria histórias

pessoais de pertencer a nossas comunidades (1998:7).

A teoria social do conhecimento e do aprendizado se articula para Wenger

(1998) em torno de dois eixos principais, reproduzidos no diagrama abaixo, e que

se desdobram em quatro outras nuances, estabelecendo oito focos de interesse,

pesquisa, desenvolvimento científico e criação de conhecimento. O primeiro eixo

trata de questões polarizadas entre os componentes universais da experiência

humana e as situações particulares nos quais os indivíduos vivem. Este eixo, é

também referido pelo autor como ‘teorias da estrutura social’ em contrapartida às

‘teorias da experiência situada’. Vamos ver no diagrama (1998:12) abaixo, que

para Wenger, as teorias que enfatizam a estrutura tendem a ver a ação humana

como mera realização dos ditames do padrão estabelecido historicamente; já as

da experiência situada focalizam as escolhas, as interações cotidianas e os

relacionamentos com o ambiente chegando a ignorar as limitações impostas

pelas estruturas. O segundo grande eixo articula os estudos sobre a relação

mestre e aprendiz, do ‘aprendizado sem ensino’, aprendizado vicariante e na

prática, com as teorias da construção da identidade que tratam das concepções

sobre o si mesmo, o próprio corpo, a sexualidade e os processos de inserção e

identificação com os grupos socialmente reconhecidos e reconhecíveis na

sociedade.

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Teoria Social do Conhecimento e do

Aprendizado

Teorias da ExperiênciaSituada

Teorias da Identidade

Teorias da Prática

Teorias sobre EstruturaSocial

Fonte: Wenger, 1998:12

O segundo diagrama que reproduzimos de Wenger (1998:14) introduz

nuances nos dois primeiros eixos para tratar dos estudos de configurações sociais

de vários tamanhos e tipos tais como gangues, famílias, congregações e

irmandades, redes, organizações e nações, etc. e seus mecanismos de

emergência, sustentação e reprodução. No pólo oposto deste eixo se situam os

estudos sobre a subjetividade em seu processo de construção através do

engajamento na ação e na interação social.

O outro eixo liga as questões de poder com as de construção de

significados. As teorias sociais frequentemente mencionam e discutem o

fenômeno do poder uma vez que ele é central à experiência humana em qualquer

época e lugar. Aqui, no entanto, se trata de fugir às perspectivas que lidam com o

poder como unicamente conflito, beligerância e violência ou daquelas que o

tratam como alinhamento, criação de consenso e obediência. Os estudos sobre a

criação autônoma de significados, que formam o outro pólo desta dimensão,

emergiram das experiências de resistência ao poder colonial e institucional por

parte de grupos, nações e povos que foram capazes de manter suas tradições

culturais dentro destes contextos se apropriando, apesar de tudo, de seus

conceitos e formas de viver que davam significado a uma situação de opressão e

espoliação, conforme atestam os estudos de De Certau (1994) e que serão

detalhados mais adiante. Vamos reter no momento, que é nos elementos teóricos

reproduzidos nestes diagramas que se apóiam os construtos de comunidades de

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prática (Wenger, 1998) e aprendizado situado (Lave e Wenger, 1991) e as

técnicas de análise interacional (Jordan e Henderson, 1993, 1994) aos quais

fazemos referencia neste trabalho.

Teoria Social do Conhecimento e do Aprendizado

Teorias da Prática

Teorias da Identidade

Teorias da Experiência Situada

Teorias do Poder

Teorias da Coletividade

Teorias sobre Estrutura Social

Teorias da Subjetividade Teorias do

Significado

Wenger, 1998:14

Na obra coletiva “ Cultivating communities of practice” (Wenger, McDermott

e Snyder, 2002) os autores argumentam que uma comunidade de prática se

distingue de uma comunidade de interesses ou uma comunidade

geograficamente situada na medida em que envolve o compartilhamento de

práticas que detém um foco em comum. Este compartilhamento de práticas é

considerado por como sendo o domínio de uma comunidade de prática. O que

diferencia uma comunidade de prática é justamente o fato de desenvolver

relacionamentos que visam compartilhar conhecimentos. Este é o segundo os

autores, o aspecto comunidade. A prática é considerada como sendo o terceiro

aspecto de uma comunidade, e é traduzida pelos autores enquanto métodos,

ferramentas, vocabulário, histórias e documentos comuns entre seus membros.

Destas três dimensões que, para os autores, compõem os elementos

básicos de uma comunidade de prática, verificamos a importância de uma

atividade em comum, seu modo de funcionamento, e o repertório de recursos

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comuns desenvolvidos ao longo do tempo. Assim, constatamos que uma

comunidade de prática envolve muito mais do que conhecimento técnico ou

habilidades relacionadas ao desenvolvimento de tarefas, pois a maneira como se

organiza em torno de uma área específica de conhecimento ou atividade

desenvolve um senso de identidade em seus membros. (Wenger, McDermott e

Snyder, 2002:30) Portanto, para que se desenvolvam as comunidades de prática

requerem recursos, vocabulários e símbolos em comum. Ou seja, é o

compartilhamento de determinadas práticas em última instância que vai definir a

formação e desenvolvimento das comunidades de prática. Nestes termos, é

através da habilidade de desenvolver atividades complexas e projetos que exigem

cooperação que ela vai amalgamar os indivíduos, e lhes incutir confiança nos

relacionamentos.

Deste modo, as comunidades de prática podem ser vistas com sistemas

auto-organizados e neste sentido apontam para os benefícios da vida associativa

no sentido de gerar capital social conforme apontado por Putnam (1983) e outros

autores. Tudo indica que o capital social16 presente nas comunidades de prática

está relacionado eventuais mudanças de comportamento advindas de uma maior

possibilidade de compartilhar conhecimentos. Este comportamento não apenas

afeta diretamente o indivíduo, que se sentiria mais motivado a se integrar numa

sociedade de conhecimento, como afeta diretamente os resultados das

organizações.

Embora no senso comum a teoria costuma se contrapor à prática, a teoria

é freqüentemente associada a idéias abstratas, de onde podem derivar regras ou

princípios gerais que podem ou não serem aplicados na prática. O tipo de ação a

que nos referimos, que procura ir ao encontro do outro, é a ação relacional e

dialógica, que ultrapassa o sentido da ação enquanto simplesmente o fazer de

alguma coisa. Neste sentido, podemos dizer que ação e reflexão, teoria e prática

são faces de uma mesma idéia. Retomando a consideração de Rugiu (1998)

mencionada anteriormente, a noção de prática que desenvolvemos neste trabalho

16 “O Capital Social se refere ao conjunto e à qualidade dos intercâmbios que os indivíduos fazem e desenvolvem ao longo de seus contatos. O Capital Social é afetado por uma série de aspectos relacionados a estes contatos como a freqüência, conteúdo, tons e canais de comunicação escolhidos pelos indivíduos, pelos pequenos grupos, pela organização e ou organizações envolvidas”. (Terra, J.C, memo 2002)

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se aproxima das formas de pensar e fazer criativo dos artesões. A diferença

estaria em que a ação de um artesão parte de um plano ou desenho, enquanto

que a ação do prático se inicia com uma pergunta ou situação. Este saber prático,

presente na noção grega de phronesis, colocada anteriormente, seria talvez a

marca do ser humano que sabe distinguir o que é melhor para a humanidade, e

não apenas para si próprio. A ação baseada na reflexão, como veremos no

capítulo a seguir, tem implicações marcantes no que se refere ao engajamento e

formação de identidades sob perspectiva de comunidades de prática.

As denominações comunidades de interesses e comunidades de

aprendizagem, utilizadas por vezes em substituição a comunidades de prática,

advêm justamente da relação aprendizagem e participação em comunidades. Ou

seja, estamos sempre e continuamente aprendendo em constelações de

comunidades de prática, que variam desde as mais formais, até as mais fluidas, e

que também se desenvolvem no tecido informal das organizações. No intuito de

ilustrarmos as diferenças entre times de projeto, grupos de trabalho e redes

informais que embora complementares, são muitas vezes confundidos com

comunidades de prática, adaptamos o quadro abaixo de Wenger, Dermont,

Snyder (2002:42) que mostra componentes diferenciadores e facilitam a

identificação de cada um deles.

Diferenciadores Grupos Formais

Times de Projeto

Redes Informais Comunidades De Prática

Qual objetivo?

Entregar um produto ou

serviço

Executar uma

tarefa específica

Coletar e

trocar informações

Desenvolver

capacidades de construção e troca de

conhecimentos

Quem pertence?

Hierarquia

Definidos pelas

lideranças

Amigos, colegas

de trabalho

Membros são

selecionados por eles mesmos com

base no expertise ou na paixão pelo tema

O que aglutina?

Ordens de serviço e objetivos comuns

Etapas e metas

do projeto

Necessidades

recíprocas

Paixão, compromisso e identidade com o tema e especialidade do grupo

Quanto tempo?

Até próxima

reorganização do grupo

Até conclusão do

projeto

Enquanto houver justificativas para

conectar

Enquanto houver

interesse em manter o grupo

Fonte: Adaptado de Wenger, Snyder 2000:142

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Vimos neste capítulo algumas correntes teóricas associadas ao caráter

social da aprendizagem. Nos detivemos na abordagem Deweyana como uma

constante reconstrução ou reorganização da experiência, onde se aplica a

experiência atual. Introduzimos ainda neste capítulo os conceitos de comunidade

de prática e de participação periférica legítima tal como originalmente

desenvolvidos por Lave e Wenger (1991,1998, 2000) e Wenger e Snyder (2000)

apontando para a relevância dos mecanismos de identidade e pertença no caráter

auto-organizativo e espontâneo das comunidades de prática, o que em ultima

instância as distingue de outras formas associativas ou formas de organização do

trabalho em grupo apresentadas no final deste capítulo.

No próximo capítulo vamos apresentar, à luz do acima exposto, os

componentes de uma comunidade de prática, identificados junto aos operadores

da indústria química e introduzir os princípios associados a nutrição e reprodução

de comunidade de prática em contexto organizacional.

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Capítulo IV A FORMAÇÃO DE UMA COMUNIDADE DE PRÁTICA

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“Encontrei hoje em ruas, separadamente, dois amigos meus que se haviam zangado um com o outro. Cada um me contou a narrativa de porque se haviam zangado. Cada um me disse a verdade. Cada um me contou as suas razões. Ambos tinham razão. Não era que um via uma coisa e outro outra, ou que um via um lado das coisas e outro um lado diferente. Não: cada um via as coisas exatamente como se haviam passado, cada um as via com um critério idêntico ao outro, mas cada um via uma coisa diferente, e cada um, portanto tinha razão. Fiquei confuso dessa dupla existência da verdade”.

Fernando Pessoa

Tendo introduzido as noções de comunidades de prática, da participação

periférica legítima, e os componentes de identidade e pertença inerentes às

comunidades de prática, vamos neste capítulo apresentar as categorias por nós

utilizadas na identificação de uma comunidade de prática, no caso, uma

comunidade de prática junto aos operadores da industria química pesquisada. É

importante mencionar, que a nossa pesquisa ocorre antes de publicação seminal

em comunidades de prática de Wenger (1998) e de publicações posteriores sobre

o tema, o que reforça o caráter pioneiro desta pesquisa ao encontrar meios de

identificar comunidades de prática atuando no tecido informal das organizações.

O capítulo introduz ainda um exemplo concreto da implantação de comunidade

dês de prática em contexto organizacional.

4.1. Identificando uma Comunidade de Prática

Através das dimensões de espaço, tempo e corpo, descrevemos abaixo o

percurso e os recursos utilizados para identificar a existência de uma comunidade

de prática de formação espontânea desvendado ao longo da pesquisa etnográfica

na indústria química.

Numa unidade organizacional grande e complexa, com 1300

empregados, distribuídos por 60 categorias funcionais, onde situar as fronteiras

de suas comunidades de prática? Tomando suas unidades de produção como

ponto de partida, estabelecemos um ‘a priori’ de que cada fábrica abrigaria pelo

menos uma comunidade de prática. Se cada turno de revezamento do qual

participamos se constituiria numa comunidade, as perguntas seguintes seriam:

teríamos em cada unidade produtiva pelo menos 5 comunidades de prática e

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mais uma que abrigaria o seu grupo de chefia? Como se delimitariam as suas

fronteiras? Se o compartilhamento do espaço físico não é o delimitador básico da

comunidade e sua heterogeneidade interna é uma exigência, que outros grupos

ou pessoas poderiam nela estar incluídos através das necessidades da prática

comum de fabricar um produto? Como poderíamos identificar o senso de pertença

dentro da atividade de trabalho?

Fazia-se necessário portanto a definição, dentro de uma atividade

recorrente comum, o compartilhamento de ao menos um dos elementos abaixo:

• Espaço físico;

• Divisão do tempo;

• Exigências para com o corpo quanto ao gasto energético, movimentação,

higiene, alimentação, vestuário;

• Conhecimento especializado e vocabulário próprio;

• Situação social vis-à-vis outros grupos numa estrutura complexa de divisão

de trabalho.

Este compartilhamento por sua vez, apontava para uma linguagem comum,

um senso de pertencimento e uma visão de mundo que nos permitiria falar de

uma identidade capaz de demarcar fronteiras tácitas. Se por um lado esta

identidade era constantemente repassada a seus novos membros, por outro lado,

identificamos eventos de teste da lealdade e traição atuando na inclusão ou

exclusão de membros. Estas fronteiras tácitas demonstraram portanto serem

elementos cruciais no histórico de formação desta comunidade de prática.

Detalhamos a seguir como as dimensões de espaço, tempo e corpo foram

utilizadas para identificar a formação espontânea de uma comunidade de prática. Já mencionamos que o fato de compartilhar uma mesma área física, por si só,

não estabelece a inclusão das pessoas numa comunidade de prática, já que os

seres humanos efetuam uma apropriação cultural do espaço. Na medida em que

as sensações corporais são traduzidas em significados e sua percepção é

também uma linguagem, o espaço não é um dado objetivo e sim uma ecologia, ou

melhor, uma paisagem que tem de ser decifrada. A delimitação espacial da

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comunidade de prática pode surgir no entanto através do confinamento exigido

pela atividade exercida em comum. No caso dos operadores da indústria química

esta delimitação nos é dada pela organização do trabalho em turnos de

revezamento. As definições culturais locais, tais como encontradas na pesquisa

etnográfica, delimitam os espaços permitidos para o trânsito de seus

componentes. Existem também regras não escritas e não explícitas que impedem

que os membros da comunidade de prática acessem outras áreas de forma

espontânea. Isto vai nos demonstrar, que há diferenças na mobilidade espacial

das diversas comunidades de prática, umas tendo um território “permitido” maior

do que os de outras. Esse é um elemento de distinção dos grupos sociais dentro

da empresa: a área espacial de acesso permitido aos membros das diferentes

comunidades de prática, ou seja, seu maior ou menor confinamento.

O tempo pode ser uma dimensão crucial para a identificação de uma

comunidade de prática. O fato de um conjunto de trabalhadores compartilharem a

situação de turno de revezamento estabelece uma base de experiências comum e

cria uma fronteira vivencial bastante nítida na comparação com as outras

categorias de uma organização. O turno de revezamento, tal como vivenciado

durante a pesquisa etnográfica, que também é exigido por outros sistemas de

trabalho como hospitais, proporcionam impactos biológicos ao corpo humano e na

vida social: dificulta, por exemplo, a progressão na escolaridade uma vez que há

a exigência de presença e as escolas, em geral não seguem os horários de quem

trabalha em turno. Temos portanto, que este ritmo temporal diferenciador propicia

uma subdivisão interna que o espaço não oferece. É pelo compartilhamento da

tarefa no mesmo espaço e no mesmo tempo que se forma o grupo social de cada

turno. É neste espaço que vamos encontrar experiências, trocas, erros e acertos.

Estas experiências são compartilhadas com o grupo maior de trabalhadores de

turno de uma forma menos vívida, que ocorrem através de relatos mas não

através de vivências compartilhadas. Porém a definição do turno que se vai

trabalhar é intercambiável dentro deste conjunto. Pode-se mudar de turno por

interesse da chefia, por necessidade pessoal, por ocasião de promoções ou por

afastamento de algum membro de um outro turno. Não há maiores problemas

neste movimento de pessoal, caracterizando assim um movimento interno à

comunidade de prática que não cruza suas fronteiras.

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Identificamos ainda outras formas de caracterização pelo tempo, estas

mais sutis mas não menos relevantes, como por exemplo: a obrigação de bater o

cartão de ponto, tempo de permanência no recinto da empresa para organizar as

tarefas a serem executadas, critérios para se ausentar com maior ou menor

facilidade do espaço de trabalho, horários das refeições e dos cafezinhos,

definição da época e duração das férias e o cálculo de horas extras. Encontramos

além da fala, uma comunicação que é efetuada através do corpo através das

sensações térmicas, olfativas, visuais, e que transmitem mensagens carregadas

de sentido, embora não codificadas no nível consciente. Os gestos são ainda

fonte de identificação das fronteiras de comunidades de prática existentes dentro

das organizações. No caso dos operadores em foco havia o gesto de

cumprimentar com um vigoroso aperto de mão, ‘aperto de homem’, que era

exercitado quando chegavam para trabalhar ou em qualquer outra ocasião em

que se encontrassem. Já um cumprimento com um abraço ou apenas com

simples aceno de mão ou com a cabeça também distinguia quem pertenceria à

comunidade de prática. Outro elemento de leitura corporal a ser acrescentado na

identificação de uma comunidade prática seria a observação sobre o uso da

indumentária. Os diferentes tipos de roupas, ternos ou jeans para os homens,

blazers de corte masculino e cores sóbrias ou roupas coloridas e leves para as

mulheres ou ainda os cheiros associados aos perfumes utilizados pelos diferentes

grupos. Atenção especial é atribuída em observar as condições higiênicas e de

conforto dos banheiros nos locais de trabalho, a qualidade, o local onde as

refeições são consumidas, assistência médica diferenciada, acidentes de trabalho

e o gasto energético exigido pelas tarefas. Estes elementos não distinguem

internamente os componentes de uma comunidade de prática, uma vez que são

os mesmos para todos. No entanto, são perceptíveis quando funcionam para

distinguir uma comunidade da outra, na medida que são compartilhados,

experienciados e vividos por um grupo e não por outro. Sua função, a ser

observada, consiste em justamente diferenciar os personagens que transitam por

uma mesma área organizacional.

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4.2. Princípios para o Cultivo das Comunidades de Prática

A obra que vai interessar mais diretamente as organizações, na medida em

que fornece alguns princípios que contribuem para o cultivo de comunidades de

prática é publicada por Wenger Mcdemortt e Snyder em 2002. Este sub capítulo,

parafrazeando em certa medida o título desta obra, se refere às possibilidades de

fomento e desenho de comunidades de pratica, que a partir da obra destes

autores, tornou-se foco de atenção das organizações.

“Embora as comunidades de prática se desenvolvam naturalmente, uma quantidade apropriada de design pode proporcionar um bom impulso para sua evolução, ajudando seus membros a identificar o conhecimento, os eventos, os papéis e as atividades que catalisem seu crescimento. A natureza orgânica das comunidades de prática nos desafia a desenhar estes elementos com mão leve, com o entendimento de que a idéia é criar algo vivo e não manufaturar um resultado pré-determinado” (2002:64).

Uma comunidade de prática existe e se mantém, na medida em que

agrega valor para seus membros, para a organização e para seus parceiros. Uma

vez que a participação numa comunidade de pratica deveria ser ato voluntário,

estas comunidades existem e se mantém porque agregam valor para seus

membros para seus parceiros e para a própria organização. Porem é difícil, tanto

para ‘os de fora’ quanto para seus membros, enxergarem seu valor e explicitá-lo.

Por isto uma das tarefas iniciais do design de sustentação da comunidade é

levantar a discussão a respeito de seu valor. A existência mesma da comunidade

de prática se dá nos micro-contatos diários de seus membros. E no universo das

micro relações que se cria valor: uma dica passada de um para o outro, uma

execução de tarefa melhorada por um comentário, um “caminho das pedras”

ensinado. São estas dimensões, de acesso possível através de metodologias e

procedimentos apropriados que devem ser observadas. A chave para identificar

comunidades de prática atuando no tecido informal das organizações está

portanto em favorecer que estes movimentos sejam explicitados pelos que delas

participam, de forma que o valor da comunidade de prática possa ser visível e

eventualmente quantificada. A evolução das comunidades de prática por sua vez

reside na sua própria natureza dinâmica. Se suas estruturas básicas dão origem e

evoluem em estruturas mais complexas, é a capacidade de se redesenhar que

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passa a ser atributo central na continuidade e evolução destas comunidades.

Wenger, Dermont e Snyder (2002) sugerem serem os encontros periódicos, os

problemas para resolver e os projetos a serem desenvolvidos, os pontos de

partida para o desenho de uma comunidade de prática. Neste sentido, o desenho

para o cultivo das comunidades de prática deve catalisar sua evolução natural.

Embora, como veremos nos próximos capítulos, verificamos a tendência em

algumas organizações de impor uma estrutura artificial para o fomento de

comunidades de prática, não era esta a intenção dos autores (Lave e Wenger,

1991) que propuseram inicialmente a perspectiva de comunidades de prática.

Quanto à participação, considerada como elemento no desenho das

comunidades de prática, Wenger, Dermont e Snyder (2002) apontam para o fato

das pessoas participarem de comunidades de prática por razões diversas. Isto

explica o fato de encontrarmos níveis diferenciados de participação dentro de uma

comunidade de prática. Estes autores fazem referência a quatro tipos de

participantes numa comunidade de prática, formulados de acordo com o nível de

participação, e que podemos traduzir como sendo, participantes nucleares,

participantes ativos, participantes periféricos e “sapos de fora” (Wenger, Mcdemott

e Snyder:2002:46). Prosseguindo na análise dos diferentes níveis de participação,

os autores propõem que esta sensação de pertencimento pode ser obtida através

de formas variadas de relacionamento. Uma delas é o relacionamento diádico,

que é realizado por meios eletrônicos, em espaços privados dos sub-grupos ou

em sub-projetos que permitem distribuir a liderança. Os autores sugerem ainda a

presença de um facilitador, sempre um participante nuclear, permitindo que os

participantes periféricos que não freqüentam a comunidade de prática com

assiduidade, estejam constantemente numa posição de aprender, podendo a

qualquer momento se transformar em membros ativos ou nucleares. Desta forma,

os níveis de participação podem mudar de acordo com o assunto ou da prática

que une a comunidade, permitindo que um “sapo de fora” possa se transformar

em membro nuclear se a situação externa da comunidade assim o exigir.

Como pudemos observar no caso dos operadores de campo da indústria

química, os espaços constituem uma dimensão importante das comunidades de

prática. Para Wenger, Dermont e Snyder (2002) os espaços são as relações

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individuais que estruturam as relações comunitárias que ocorrem periodicamente

e consideram as “conversas ao pé do ouvido” como sendo a alma de uma

comunidade de prática. Na dinâmica do fomento de comunidades de prática para

o contexto organizacional no entanto, estes autores observam que os encontros

públicos das comunidades de prática, são abertos a todos os seus participantes,

mas não aos “sapos de fora”. Nestes espaços são realizados os aspectos

ritualísticos e simbólicos bem como os funcionais e prático, como trocas de dicas,

resolução de problemas, discussões técnicas do campo comum de

conhecimentos, etc. Os autores concluem que estes encontros são tão mais

sustentadores da evolução das comunidades quanto mais derem espaço para as

relações diádicas que mantém as pessoas ligadas fora dos momentos coletivos.

Outro aspecto fundamental trata de não enclausurar a comunidade. Para

Wenger, Dermont e Snyder (2002) o diálogo permanente com outras

comunidades é um requisito para sua manutenção e evolução. Com isto os

autores propõem mesclar a perspectiva interna, ou seja, o conhecimento que os

membros da comunidade tem sobre si mesmos e sobre a prática que forma sua

base comum, com as informações, práticas e formas de funcionar e de evoluir de

outras comunidades. Este diálogo modifica a própria perspectiva dos membros da

comunidade sobre si mesmos, sobre o mundo que os circunda e sua posição

neste mundo. Nestes termos, as comunidades de prática passam a ser um ‘lugar’

onde idéias nascentes podem ser discutidas sem a necessidade de serem

defendidas. Um ‘lugar’ onde conselhos podem ser ouvidos sem a obrigação de

serem seguidos e conversas técnicas podem acontecer sem medo de

envolvimento em planos de ação. Com isto as comunidades de prática

proporcionam um ambiente confortável e uma certa familiaridade entre seus

membros, que lhes assegura uma segurança psicológica. É necessário, contudo,

que produzam excitamento ao trazer novidades e pessoas com pensamento

divergente em seus eventos públicos virtuais ou presenciais. Resta nos sinalar

finalmente, para a importância da comunicação informal, já mencionada por

Latour (1997) no que ser refere à comunicação informal na atividade científica,

“O fluxo informal de informação não contradiz o modelo ordenado da comunicação formal. Parece-nos, antes, que a estrutura da comunicação mais informal nasce da referencia constante à

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substancia da comunicação formal. Do mesmo modo, a comunicação informal é a regra. A comunicação formal é a exceção, como racionalização a posteriori que é do processo real” ( 1997:289).

Baseado nos trabalhos de Wenger (1998) e Wenger, McDermott e Snyder

(2002) apresentamos neste sub capítulo, os princípios para o desenvolvimento de

comunidades de prática nas organizações. Vamos verificar no próximo sub

capítulo como estes esforços para o cultivo de comunidades de prática ocorrem

no caso de uma empresa de consultoria internacional que implanta comunidades

de prática em escala mundial. Os dados que apresentaremos a seguir foram

coletados em entrevistas efetuadas nos escritórios desta empresa no Rio de

Janeiro e São Paulo com o objetivo de efetuar um contraponto a nossas

descobertas sobre a formação espontânea de comunidades de prática no caso

dos operadores da indústria química. Dada a descontinuidade momentânea do

programa desenvolvido nestes escritórios durante o período de entrevistas estes

dados não puderam ser aprofundados. As falas que apresentamos a seguir,

servem no entanto ao nosso intento de contrapor o funcionamento espontâneo de

uma comunidade de prática identificada no contexto dos operadores da indústria

química.

4.3 Comunidades de Prática e Arquiteturas Organizacionais

Na medida em que a etnografia de referencia histórica apresentada nesta

dissertação está preocupada em desvendar a formação espontânea de

comunidades de prática, sentimos a necessidade de prospectar como ocorre este

fomento e o desenho de comunidades de pratica quando artificialmente

implantadas nas empresas, como tem sido os esforços de inúmeras organizações

ao redor do mundo.

Para este exercício, escolhemos uma empresa de consultoria internacional,

por ser o segmento de negócios que já na década de noventa desperta para as

comunidades de prática. Não por acaso são as consultorias internacionais a se

interessarem de imediato pelo conceito de comunidades de prática com o objetivo

de implementar o princípio da multifuncionalidade na operacionalização entre

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locais, funções e áreas de atuação geograficamente dispersos. É portanto, a partir

de uma concepção de gestão e criação de conhecimentos que estas consultorias

se interessam em implantar comunidades de prática.

Com o objetivo de tomar contato com um modelo de funcionamento destas

comunidades de prática introduzidas artificialmente, entrevistamos 12 consultores

e 3 gerentes nos escritórios em São Paulo e Rio de Janeiro desta empresa de

consultoria que implantou comunidades de prática globalmente. Os resultados

destas entrevistas que nos servem como contraponto à pesquisa etnográfica de

referência, não puderam ser aprofundados dada a descontinuidade do programa

de comunidades de prática nos escritórios brasileiros na época em que os dados

a respeito das comunidades de prática17 existentes nestes escritórios foram

levantados.

A empresa em que efetuamos as entrevistas de caráter exploratório, é líder

em consultoria de gestão e tecnologia, gerando na época da pesquisa cerca de

USS 11,44 bilhões receitas, contando com mais de 70.0000 profissionais

contratados em 46 países. Com uma rede de negócios estruturada em linhas de

serviço e iniciativas estratégicas, dispõem de 100 alianças estratégicas em know-

how avançado e inovador que suprem toda a gama de necessidades da empresa.

Os 2.100 profissionais contratados pelos escritórios de São Paulo e Rio de

Janeiro estão conectados a um sistema operacional que eles denominam “

Knowledge Xchange”, um banco de dados relacional que permite o

compartilhamento de soluções e conhecimento global. Este sistema integra todos

os segmentos de atividades da empresa que são classificados por áreas de

atuação no mercado: Comunicações e Alta Tecnologia (Comunicações, Eletrônica

e Alta Tecnologia, Mídia e Entretenimento) Governo, Produtos (Automotivo,

Equipamento Industrial, Bens de Consumo e Serviços, Farmacêuticos e Médicos,

Varejo, Serviço de Transporte e Turismo) Recursos (Setor Químico, Petróleo e

17 Das entrevistas efetuadas com a gerência de Recursos Humanos no Rio de Janeiro em outubro de 2001, apenas uma pode ser gravada, enquanto que as entrevistas efetuadas junto a gerencia de Recursos Humanos no escritório da empresa em São Paulo em Agosto de 2001 foram gravadas e transcritas na íntegra. As falas apresentadas neste trabalho se referem a trechos de entrevistas efetuadas junto ao grupo de consultores locados nos escritórios de São Paulo.

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Gás, Recursos Naturais, Utilities) e Serviços Financeiros (Bancos, Seguros-Saúde

e Seguradoras).

Esta segmentação das áreas de negócios da empresa associada às

comunidades de prática foi bem aceita no início, mas vinha passando por

reformulações internas dada a tendência de rigidez e conflitos oriundos do

acoplamento artificial do que denominavam serem comunidades de prática a

estrutura formal da empresa. A afirmação abaixo assinala para o aspecto que se

deseja mais espontâneo no funcionamento das comunidades que estava se

perdendo diante das tentativas de um ordenamento constante,

“na verdade a gente tinha, uma certa visão que era uma classificação por tipo de estilo, que era gerente de processo, gerente de tecnologia, mas não era uma comunidade, não tinha o conceito de comunidade“.

As comunidades de prática foram implantadas na Matriz Orbital, como é

denominada a estrutura organizacional mundial desta empresa, no ano de 1997.

Desde o início portanto, houve um esforço de classificação tendo como modelo de

referência às áreas de atuação global e utilizando a terminologia que lhes era

conhecida: Serviços Financeiros, Produtos, Commodities e Alta Tecnologia e

Recursos. Cada uma destas áreas é subdividida em domínios, seguindo o modelo

proposto por Wenger, Dermont e Snyder (2002) internalizados com pertencentes

às áreas de estratégia, processos, tecnologia e performance humana.

Embora a implantação de comunidades de prática no ambiente local ter

sido percebida internamente como sendo conseqüência do crescimento da

empresa após separação formal da consultoria a que estava mundialmente

associada, fica claro através da fala abaixo, que o contínuo reordenamento

interno em categorias que se associam às áreas de atuação e processos internos

da empresa, passa a gerar não apenas desconfiança mas a percepção de haver

algo de equivocado nestas tentativas de ordenar, classificar e nomear o que a

principio lhes fora apresentado como sendo um território livre de ordenamentos

estruturais,

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“Como a empresa tinha crescido muito, tinha ficado mais difícil a relação entre as pessoas, porque era muita gente. Então o que era antes um grupo grande na verdade era um grupinho que representava o staff , que fazia reunião com o presidente, e aí eles se reuniam com o resto do staff. E comunicação era feita assim, meramente funcional e tinham poucas pessoas. Pra se ter uma idéia, a gente cresceu nesses últimos anos, mais de 20% ao ano. Acho que em dois ou três anos a gente dobrou isto. Então na época começou a ficar mais complicado, a gente faz uma pesquisa anual de satisfação, e o nível de satisfação e alinhar com esse negócio de especializar mais as pessoas. E, como é que a gente vai especializar pessoas, então eles criaram na época uma comunidade focada nas habilidades e processo, e dentro deste processo eles criaram as sub-divisões”.

A percepção que os consultores tem sobre o funcionamento das

comunidades é portanto superficial, se limitando aos eventos organizados pelo

departamento de recursos humanos da empresa,

“eles criaram essas comunidades, aí começaram a fazer eventos, a comunidade é responsável pelo tipo de treinamento das pessoas, orientar de alguma forma a vocação, investir em eventos de integração, etc. Então basicamente era esse o conceito das comunidades. Eu sempre estive envolvido em ajudar o no treinamento. Foi importante esse negócio, porque a gente começou a dar autonomia regional, ficou padronizado da seguinte forma, ainda tem, mas a diferença foi que a comunidade passou a demonstrar essa liberdade para definir os treinamentos adicionais”.

Nos textos consultados junto à área de Recursos Humanos da empresa,

encontramos as seguintes referências quanto aos objetivos de implantação das

comunidades de prática:

• Incentivar a troca de idéias entre os funcionários

• Para que nossos funcionários tenham um canal para expressar suas

necessidades e anseios

• Disponibilizar um ambiente que atenda as necessidades de nosso grupo

dentro de uma perspectiva de longo prazo, permitindo que nossos

profissionais tenham maior influência sobre suas carreiras

• Valorizar as iniciativas individuais

• Utilizar os canais para difusão de conhecimentos internos e da empresa

como um todo

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É o departamento de Recursos Humanos que define a comunidade de

prática em que cada funcionário é inserido a partir de sua contratação. Este fato já

sugere existir uma certa confusão entre as nomenclaturas das comunidades com

as unidades de mercado em que os consultores atuam. A linguagem local

expressa em documentos internos, considera que as comunidades “têm foco na

interação das pessoas, e desenvolvimento de conhecimento/expertise localmente“

sendo função da área de Recursos Humanos organizar as atividades que devem

favorecer esta integração. Os textos enviados pela matriz explicitam no entanto,

ser o objetivo de uma comunidade de prática o desenvolvimento do sentimento de

pertencer que é apresentado como sendo o principal vetor de implantação do

conceito em nível mundial.

Cada comunidade conta com um suporte de uma área específica de

recursos humanos que auxilia na organização dos eventos de integração e na

elaboração dos jornais internos que as comunidades são motivadas a

desenvolver. Os principais veículos de comunicação formal utilizados são os

jornais eletrônicos. Cada comunidade disponibiliza na intranet, mensagens

periódicas no serviço interno de comunicação. Estes boletins periódicos tem por

objetivo o compartilhamento de conhecimento, troca de mensagens, onde

transmitem seus pensamentos, informações, experiências e melhores práticas.

Os assuntos principais tratados nestes boletins estão relacionados aos tópicos de

negócio globais, grupos de competência, e os chamados centros de solução.

Procura-se veicular ainda informações relacionadas aos valores centrais da

organização, seus significados, e como colocá-los em pratica. Procura-se ainda

divulgar eventos pessoais importantes como aniversários, casamentos,

nascimentos, autobiografias, e fotos dos membros da comunidade. A área de

Recursos Humanos assim define os princípios de orientação que definem os

objetivos das comunidades e que são repassados aos recém contratados

automaticamente inseridos numa comunidade de prática:

• Promover comunicação de via dupla

• Utilizar influencia dos executivos

• Desenvolver uma abordagem de retorno consistente

• Dar retorno em curto prazo

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• Manter as pessoas informadas sobre assuntos que as afetam

• Utilizar recursos de marketing e comunicação para Ter expertise .

Outros objetivos mencionados se referem ao desenvolvimento de

habilidades e competências, resolução pró ativa de assuntos relacionados as

pessoas e incentivo as relações interpessoais.

“.....então quando um cara entrava na empresa, ele chegava no escritório ficava esperando alguém definir que projeto, ninguém falava o que ele tinha de fazer... se tinha que fazer um curso lá... aprender na empresa ... e aí se tinha projeto ele já ia direto para o projeto, e aí tudo bem, o projeto ia ter um supervisor, mas se não tinha projeto ficava no escritório. E não era muito orientado, no que ele tinha que fazer. Não tem uma estrutura... quer dizer, tem lá o cara...e a estrutura que existe ela está muito lá em cima, a estrutura na verdade só existe no sócio”

A característica de informalidade e flexibilidade presente no conceito de

comunidade de prática capaz de conduzir ao sentimento de pertencer é, no

entanto percebida como ausência de estrutura,

“..... nunca foi um negócio formal... que funcione assim... a gente sabe, porque quando lançaram, na época que lançaram,... quando eu entrei na empresa, a gente tinha um nível gerencial organizado. E o nível não gerencial que a gente chamava de staff, não tinha nenhuma definição, um Staff pool, como a gente chama. Quer dizer ninguém era alinhado por nada, cada um fazia qualquer coisa. E aí conforme o cara progredia na carreira ele ia se alinhando com alguma, com algum meio... mas era pequeno “

As constantes reformulações na estrutura da empresa contribuem para a

dificuldade de compreensão dos funcionários sobre as expectativas quanto ao

funcionamento e resultados esperados das comunidades de prática em que são

artificialmente inseridos,

“...... na prática o que aconteceu foi o seguinte, se tinha a comunidade de produto, que o pessoal chamava de comunidade. E aí esses sub grupos a gente chamava de “process competent” que era competente, mas que na prática funcionava como uma sub comunidade, e também tinha o cara que liderava, etc. A diferença eram que os eventos eram feitos no núcleo da comunidade, eventos sociais. As definições de treinamento, a orientação das pessoas, etc. eram feitos no nível das áreas de competência. Isto quando se criou o conceito. No ano passado esse negócio mudou de nome. Porque eles falaram assim... olha,

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a empresa muda... é uma empresa que muda com a maior velocidade que até a gente as vezes não sabe mais o que é agora. Então agora a empresa identificou que fazia sentido ela especializar mais as pessoas, mas ela tava perdendo o conceito da indústria. Que também precisava de um tipo de especialização mas... num outro eixo “.

A natureza auto organizativa18 presente no conceito de comunidades de

prática também se perde nas constantes reformulações associadas a constantes

mudanças na estrutura da organização.Vejamos no relato abaixo, como estas

mudanças são percebidas por um dos consultores entrevistados ilustrando os

riscos da introdução artificial de comunidades de prática que acabam por se

confundir com a estrutura forma da empresa.

“.......eu acho que o que ficou mais rígido agora, é que... como isso também foi... também se mudou isto de uma forma mais clara no âmbito da organização, também se criou que produtos é uma operação separada da operação, por exemplo, de telecomunicação. Então as pessoas e os custos e tudo o mais, tá dentro deste âmbito de produtos. A estrutura contábil e a estrutura de reporte e de performance, e de vendas, está toda dentro desta comunidade de produtos e ela reporta para produtos fora do país. Então a comunidade ela confunde o que é na prática a hierarquia“.

É no interior das comunidades de prática que são tratadas também as

questões relativas ao desenvolvimento pessoal e de carreira dos funcionários. A

cada gerente, denominados internamente como ‘mentores’ é atribuído um grupo

de ‘mentorados’. Vamos observar o conflito gerado pela tentativa de se organizar

o que eles denominam comunidades que na realidade reproduz os conhecidos

mecanismos de promoção e ascensões profissionais,

“...... Cada gerente deve ter quatro a cinco “mentorados” e aí ele tem uma série de responsabilidades sobre estas pessoas, e eu acho que uma das responsabilidades mais importantes deste gerente, é esse grupo que ele cuida, ele orienta os treinamentos, orienta a carreira, avaliação de novas pessoas, o gerente passa ser responsável por definir a promoção das pessoas, o salário das pessoas.

18 Margaret Wheatley no livro “Leadership and the new science “ que exerceu forte influência numa nova forma de enxergar as organizações ( inclusive a minha) já aponta para a natureza auto- organizativa presente na noção de comunidades que é desenvolvida posteriormente: “Estamos começando a ver organizações que estão se orientando para esta propriedade auto-organizativa e auto-renovação dos sistemas. Que alguns teóricos tem denominado “ organizações adaptivas”, onde a tarefa determina a forma organizacional “(Wheatley, 1992: 91). Tradução livre.

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É nesta relação entre mentor e mentorados que se difunde na prática o

objetivo de criar os laços de pertencimento almejado pela organização,

“.... então tinha um sócio que era mentor de três diretores, que eram mentores de quinze gerentes que eram mentores de não sei quantos consultores, e aí se construiu, formalmente, uma família. E acho que essa foi a primeira tentativa, que eu me lembro, de melhorar a “assistência de longe” aumentar o contentamento das pessoas. Mas aí esse negócio acabou não funcionando, com o problema...pela distância... o produto que se tentou humanizar, tinha o problema que ... -é legal, esse negócio é importante, tem que fazer, etc, etc, ... você ia pra prática e os sócios e diretores que diziam que o negócio era super importante, tinha que fazer e tudo o mais, eram as pessoas que não vinham, quando tinha um evento, uma reunião, então... era... – olha vai ter evento, vai ser importante e tudo mundo vai ter que ir, aí a gente chegava no evento e o cara não ia. Não sei se é esse negócio é tão importante assim, era um descrédito que você tinha...”

Qualificadas como contraponto à pesquisa etnográfica que identifica a

natureza e a formação de comunidades de prática no microcosmo dos operadores

da indústria química, as falas acima reproduzidas podem ser consideradas

suficiente para nos introduzir ao riscos mencionados no início desta dissertação,

de uma transposição de conceitos sem levar em conta características culturais e

os pressupostos teóricos destes conceitos que as organizações procuram

formalizar. Após esta breve incursão num contexto distante do universo da

formação espontânea de comunidades de prática que é o nosso objeto central,

vamos retornar a pesquisa etnográfica de referência, introduzindo no próximo

capítulo a noção de aprendizagem socialmente situada desenvolvida por Lave e

Wenger (1991), que é aqui apresentada a partir de um modelo de aprendizagem

identificado quando de nossa participação Curso de Operadores da Industria

Química, parte integrante da pesquisa etnográfica de referência histórica.

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Capítulo V

A APRENDIZAGEM SOCIALMENTE SITUADA

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O ciclo infinito de idéias e ação

Infinita experiência, infinita intervenção

Traz o saber do movimento mas não da paz.

Onde está a vida que perdemos vivendo?

Onde está a sabedoria que perdemos no conhecimento?

Onde está o conhecimento que perdemos na informação? T. S. Elliot

Este capítulo introduz a perspectiva de aprendizagem situada conforme

apresentada nos trabalhos de Lave e Wenger (1991) e o faz a partir da

participação em sala de aula do curso de Formação de Operadores da indústria

química durante a pesquisa etnográfica. Procuramos extrair das situações

vivenciadas ao longo do curso, em que são reproduzidas e antecipadas as

condições encontradas no ambiente real de trabalho, componentes de um

currículo ensino aprendizagem que nos permitem elucidar a criação de um

contexto de aprendizagem socialmente situada. Pleiteamos neste capítulo, que o

currículo de ensino-aprendizagem proposto pelos instrutores principais do curso,

estes, oriundos do ambiente social futuro dos alunos, reproduz as condições

encontradas no ambiente real de trabalho em que são inseridos os aprendizes a

operadores de campo numa indústria química. Nestes termos, vamos expor no

caso concreto dos operadores da indústria química, situações em que o

conhecimento tácito atuando na criação de uma identidade e sentimento de

pertencer é inserido nas práticas de aprendizagem. Vamos verificar de que forma

o curso de Formação de Operadores da indústria química, parte integrante da

pesquisa etnográfica, desvenda um contexto favorável a aprendizagem

socialmente compartilhada, há muito tempo praticado mas não percebido

enquanto modelo de aprendizagem pelas lideranças da empresa. Vamos abordar

ainda parte final deste capítulo, resíduos complementares de um conhecimento

tácito atuando em duas situações problemas ocorridas ao longo do processo

produtivo durante a pesquisa de campo.

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5.1. Um Modelo de Aprendizagem Socialmente Situada

Efetuamos durante um mês, com oito horas diárias em sala de aula, o

curso de Formação de Operadores para a indústria química oferecido ao grupo de

28 operadores recém contratados. Em convênio com o Senai o curso se realiza

num antigo prédio existente no complexo industrial transformado em escola. Esta

iniciação formal exerce papel determinante para o sucesso de uma pesquisa

etnográfica onde linguagens, comportamentos, vivências e visões de mundo

puderam encontrar território inicial comum. O recebimento de um diploma de

operadora da indústria química em churrasco comemorativo, após um mês de

aprendizagem, mais do que um passaporte, era a garantia de que a presença em

uma unidade de produção seria absorvida com naturalidade, permitindo assim

condições ideais para o desenvolvimento da pesquisa.

A participação enquanto aluna em sala de aula possibilitou tomar contato

com o processo de criação de uma identidade de operador da indústria química

que se opera no decorrer do curso. Durante este processo identificamos os

mecanismos submersos que produzem este resultado analisando exemplos

concretos de rituais de passagem e de iniciação que ocorrem muito antes da

entrada do operador pelos umbrais das catracas que lhe dão acesso a usina

quimica. Observamos ainda os mecanismos através dos quais, os instrutores

principais deste curso, oriundos do ambiente social futuro dos alunos e membros

plenos da comunidade de prática, inserem o conhecimento tácito através de

práticas de aprendizagem que apresentam as situações encontradas no futuro

ambiente de trabalho de seus alunos recém contratados como operadores da

indústria química.

Operando com significados que simultaneamente atuam na identificação e

diferenciação, na proximidade e no afastamento, na comunicação e no

isolamento, no acolhimento e na indiferença, na superioridade e na inferioridade,

este procedimento dicotômico que vai mimetizar situações encontradas no

ambiente mais amplo da empresa, explicita os estágios previstos na trajetória de

um operador da industria química e o tempo industrial previsto para que esta

trajetória. A estrutura de aprendizagem, portanto, está muito mais relacionada

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com a legitimidade da participação e com o acesso da periferalidade no sentido

atribuído a perspectiva de comunidades de prática e participação periférica

legítima do que com a transmissão de informação propriamente dita.

A introdução de rituais19 precisos ao longo do curso de formação,

fortemente associada à formação da identidade de um operador da industria

química, encontra sua maior efetividade na passagem do Cascão a Lagartixa20

sistemática e historicamente introduzida pelo professor, ele, na sua origem, um

ex-operador da mesma indústria. O vocábulo cascão é introduzido inicialmente

nas atividades programadas que produzem fracasso e erro denotando um

ambiente de hierarquia mínima porém ameaçador. Não se sabe ao certo a origem

precisa do termo Cascão. Ao que tudo indica foi criado localmente pelos

instrutores, inspirado em conhecido personagem de histórias em quadrinhos e

como referência às penosas condições de trabalho inerentes a indústria química

(Gropp, 2003). O que pudemos verificar é a eficiência do momento preciso e as

condições em que se insere na formação do operador. Sua eficácia é atestada na

criação de uma identidade a ser compartilhada pelo grupo enquanto ritualização

que ocorre na criação das relações sociais “onde a interação social tem uma

forma padronizada adotada como modo de definição dos papéis que as pessoas

representam em ocasiões especiais” (Giddens, 1995:127).

Opera-se ainda um rito de passagem21 quando os operadores passam a

ser denominados "lagartixa". A linguagem simbólica utilizada enobrece as

qualidades de força e persistência. Ser um lagartixa é uma categoria almejada

pelo grupo através da qual se configura uma nova identidade a ser compartilhada.

Tornar-se um "lagartixa" implica ter superado uma torcida que compete pelos

melhores resultados em tempo e cálculos de intricados sistemas de válvulas a

serem abertas ou fechadas durante os exercícios práticos. 19 Para Turner os rituais podem contribuir em vários níveis e em vários códigos, verbais e não verbais, para um campo de intersecção de metalinguagens, pois o ritual interrompe o fluxo normal da vida social e força o grupo a tomar consciência de seu próprio comportamento em relação aos seus próprios valores, inclusive questionar as vezes esses valores (Turner, 1982: 94). 20 Os vocábulos Cascão e Lagartixa são termos nativos que descrevem a trajetória dos jovens contratados pela empresa como operador novato e que se reproduzem na rotina operacional de turno da fábrica. 21 Ritos de passagem são ritos que acompanham toda a mudança de lugar, de oposição social e de idade e caracterizam as celebrações em que a mudança de um estado para outro (por exemplo, da infância para a adolescência ) é posta em relevo (Van Genep,1978:53).

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Denotando o acesso e eventual aprovação pelo grupo das qualidades dos

lagartixas, são apresentados ao longo do curso, modelos comportamentais,

histórias de heróis e mitos que fazem referencia a trajetória futura dos

operadores. Observa-se o desenrolar dos mecanismos de ritos de passagem que

são constitutivos da vida social e que anunciam passagens sucessivas de uma

situação social a outra. Observa-se ainda um sutil manuseio de seqüências

rituais, que no entender de Van Gennep (1978) comportam fases de separação

com a condição anterior de margem em que o indivíduo, tendo perdido a condição

anterior, vivencia a ambigüidade por não estar ainda investido na nova posição.

Turner (1982), que prossegue o estudo das margens e da liminaridade presente

nos ritos de passagem introduzido por Van Gennep (1978) demonstra que o

indivíduo conduzido de uma posição mais baixa para uma posição mais alta,

vivencia uma liminaridade que se apresenta através de atos que humilham e

generalizam aquele que está prestes a subir. A explicação dada por Turner (1982)

é que para o indivíduo ascender, ele primeiramente deverá descer as posições

mais baixas. É ao cabo deste aparentemente penoso processo, que se imprime

no novato uma nova identidade. É a partir deste momento que o grupo de alunos

com os quais efetuamos o curso passa a se denominar oficialmente Operadores

da industria química. É com esta nova identidade que vamos acompanhar a

seguir o que ocorre a partir do momento em que o cascão se transforma em

lagartixa.

Uma vez designados ao trabalho em turno nas diferentes unidades de

produção da usina a que se destinam, iniciam novo processo de aprendizagem na

prática onde a atividade inicial passa a ser a leitura dos manuais de riscos da

unidade de operação. Posteriormente o novato percorre, acompanhado por um

dos operadores veteranos que estiver efetuando as manobras do dia, as

diferentes áreas do campo de operações numa seqüência de atividades que

obedece o processo químico de produção que está acontecendo na fábrica. É o

fluxo dos processos químicos em curso na unidade de produção, que neste

primeiro momento define a seqüência de aprendizagem. Nesta primeira etapa o

novato recebe detalhadas informações e um estudo diagramático de cada zona

de produção, e inicia contato com a simbologia utilizada para representação dos

instrumentos e equipamentos. É a partir destas instruções recebidas que o novato

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passa a estabelecer relações que lhe asseguram compreender os painéis da sala

de controle operacional, espaço gradualmente introduzido de forma solene, já que

permanece interditado até que o operador novato efetue uma longa trajetória de

campo. A participação intensa de todos os membros do turno na trajetória de

aprendizagem do novato, isto é, não há um membro específico designado para a

sua instrução, favorece não apenas o contato com os diferentes estilos de

trabalhar e de se relacionar, como garante a diversidade como componente de

aprendizagem. Propiciando uma inserção quase natural do operador no novo

ambiente de trabalho, o modelo de aprendizado observado, obedece a uma

estrutura de acesso, que parte das atividades mais simples e a cada passo vai

atuando em um micro-universo de atividades mais complexas.

Efetuando a participação periférica legitima conforme descrita nas

pesquisas iniciais de Leave e Wenger vamos verificar que a aprendizagem ocorre

essencialmente por uma inclusão e que está associada ao grau de conhecimento

adquirido pela prática. O movimento em direção a legitimidade da participação

ocorre através das diferentes situações vivenciadas no decorrer de cada turno de

trabalho. São estas situações, muitas vezes dramáticas, outras vezes de forte

componente lúdico, é que vão forjando o sentimento de "pertencer" ao grupo

construindo gradualmente o compartilhamento de uma identidade e neste caso, a

identidade de um operador da indústria química. Podemos observar ainda outra

semelhança aos processos descritos nas pesquisas etnográficas de Lave e

Wenger (1991), ou seja, a relação entre os pares na aprendizagem é

aparentemente mais significativa do que a relação mestre - aprendiz propriamente

dita. Podemos dizer que, no caso dos operadores da indústria química, a

seqüência de um curriculum de aprendizagem é semelhante ao processo do

tornar-se alfaiate citado por Leave e Wenger (1991) na comunidade de alfaiates

dos Vai-Gola na Libéria. No caso dos alfaiates, a seqüência de atividades na

formação acontece na ordem inversa da seqüência normalmente adotada na

lógica de produção das roupas. Atividades periféricas e de menor complexidade

como por exemplo detalhes de acabamento final, são aprendidas antes dos

aspectos mais centrais, e que oferecem também menos riscos, que consiste no

cortar o tecido. Aos operadores novatos da industria química também são

oferecidas durante um longo período atividades de trabalho que oferecem menor

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risco, não acompanhando neste momento da aprendizagem o fluxo de produção

normal dos produtos.

A existência de um currículo de aprendizagem mais do que um currículo

de ensino pode ser identificado ainda pelo atendimento individual personalizado,

onde o ritmo é dado pelo aprendiz e o assunto é apresentado a partir de suas

indagações, não obedecendo a um programa de aprendizagem rígido

previamente estabelecido. Este aspecto contribui para que o novato possa

imprimir suas características individuais de aprendizagem numa interação

constante com os colegas de trabalho. Amplo espaço para imprevistos que

ocorrem ao longo do fluxo de fabricação introduz ainda componentes de

flexibilidade e adaptabilidade como facilitadores do processo de aprendizagem na

prática. Muito mais do que aprender a nomenclatura, a localização dos

instrumentos e equipamentos, o trânsito dos produtos, os perigos envolvidos nas

manobras, os horários das atividades rotineiras e os imprevistos, verificamos que

é a própria domesticação do corpo que se opera ao longo do processo de

aprendizagem na prática dos operadores. É visível a presença de uma habilitação

corporal que requer habituação auditiva, olfativa, gestual, cinestésica e visual ao

campo de trabalho, pois é da habilidade dos operadores de campo em conjugar

elementos diversos de que depende os resultados da produção diária. Neste

ambiente de aprendizagem aprende-se a conviver na equipe e fora dela.

Aprende-se ainda a se localizar no contexto social interno e externo à dos

operadores das unidades de produção a que se destinam e sua relação aos

demais segmentos operacionais do conglomerado industrial.

O currículo de aprendizagem que observamos durante a participação no

curso de formação de operadores da indústria química, nos remete novamente a

Dewey, desta feita através de Rugiu (1998) que em seu belíssimo “Nostalgia do

mestre artesão“ relembra que para Dewey, que viveu a expansão da indústria

americana na segunda metade do século XIX, os aprendizes, em essência,

aprendiam fazendo. Dewey considerava que qualquer atividade deveria ser usada

com exclusivo fim pedagógico, e neste sentido, podemos dizer que o seu

aprender fazendo (1998: 20) estaria expresso no fazer aprendendo que pudemos

observar através do contato cotidiano nas diferentes etapas da formação dos

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operadores da indústria química. Na época de Dewey, segundo Rugiu (1998) e

provavelmente até hoje, as escolas se fundavam na idéia de que a educação

consistia principalmente em “colocar a mente em uma fôrma” (op.cit,.21-22),

segundo certas categorias de desenvolvimento mental-comportamental,

denominadas faculdades. Assim, graças a disciplinas específicas, cada uma tida

como ideal pela categoria correspondente, poderia-se desenvolver estas

faculdades. As línguas clássicas, por exemplo, seriam ideais para desenvolver a

capacidade de discursos bem argumentados, a matemática e a geometria, para a

capacidade de raciocinar e captar relações de quantidades abstratas e concretas,

a filosofia e a religião, para desenvolver a espiritualidade que guia o

comportamento e assim por diante. A idéia seria alcançar uma formação que

propiciasse as faculdades intelectuais de conteúdos disciplinares pré-

estabelecidos e pré-dosados, através de uma aplicação exclusivamente

intelectual. Neste período as faculdades práticas, os conteúdos práticos e o modo

de aprender através da praxis eram propositadamente ignorados e desprezados.

O próprio termo ‘ensinar’ (colocar o sinal) dá bem a idéia daquela concepção que

via a educação como uma série de aplicações de fôrmas ou moldes para modelar

a cera mole da psique humana. Exatamente o contrário da pedagogia artesã.

Embora pouco se saiba sobre a didática da pedagogia artesã, é

interessante a observação que faz Rugiu (1998) sobre a estrutura dos cursos

formativos das Corporações que nos permite traçar alguns paralelos com o curso

de formação de Operadores da Indústria Química, no que tange o relacionamento

entre mestre e aprendiz mencionada anteriormente,

“em seu período de ouro, ou seja, até o século XIV concederam ampla liberdade aos mestres ao determinarem a duração e as formas do tirocínio dos aprendizes (discipuli) e daqueles dos auxiliares (laborantes). O mestre era, assim, um verdadeiro patriarca na comunidade formativa que ás vezes se extendia da oficina á própria casa, onde vinham “ colegiados” aprendizes e auxiliares” (1998:39).

Este sub capítulo apresentou um modelo de aprendizagem situada nos

moldes definidos por Lave e Wenger (1991) identificado ao longo da participação

enquanto aluna regular do Curso de Operadores da Industria Química efetuado

durante a pesquisa etnográfica. No sub capítulo a seguir, vamos abordar os

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componentes de um conhecimento tácito atuando através de duas situações

problema vivenciadas no decorrer do trabalho de campo.

5.2. O Conhecimento Tácito em Ação

Retornando ao nosso microcosmos paradigmático da comunidade de

prática dos operadores da indústria química, vamos expor neste capítulo uma

descrição concreta de operacionalização do conhecimento tácito, e o faremos

diante da observação de duas situações problema vivenciadas no decorrer da

pesquisa etnográfica. A primeira situação ocorre quando houve corte de vapor em

conseqüência de uma interrupção momentânea de energia. A segunda situação

acontece num turno de final de semana em que problemas são gerados por

alterações na demanda e nas condições do produto a ser entregue pelo fabricante

ao cliente. Estas duas situações vivenciadas no decorrer do trabalho de campo

nos propiciaram evidenciar a importância dos imprevistos e da mobilidade no

processo de aprendizagem. Com estes dados pudemos delinear, como veremos a

seguir, um padrão de emergência do aprendizado tácito atuando no ambiente de

trabalho.

No segundo sábado do mês em que efetuamos o trabalho em turno na

fábrica de produção do Bisfenol houve corte de energia o que acarretou

interrupção do fluxo de vapor e uma parada no processo produtivo recuperado 36

horas depois. O que significa um sem-número de manobras, tentativas e erros

baseados num conhecimento empírico adquirido ao longo dos anos de

convivência dos operadores de campo com os instrumentos de produção. Na sala

de controle, a câmera de vídeo instalada, grava as situações em um nível de

detalhamento impossível de ser captado através de nossos métodos de

observação paroquiais que necessariamente privilegiam alguns aspectos

negligenciando outros. Da análise interacional com imagens de vídeo captadas

durante as operações emergenciais relativas ao corte de vapor, que

apresentamos no anexo, procuramos exercitar a distinção entre informação e

conhecimento que para Bateson “consiste em diferenças que fazem a diferença“

(1979:38). A Análise Interacional dos registros em vídeo captados pela câmera

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instalada num ponto fixo da sala de controle das operações. Visando uma melhor

compreensão de uma situação complexa com inúmeras manobras acontecendo

simultaneamente. Estes registros, cujo formulário se encontra no anexo,

permitiram uma melhor compreensão do que acontecia naquela situação de

anormalidade e como aconteciam os processos de comunicação e decisões sobre

como proceder diante das situações que se apresentavam.

O primeiro constato que surge da observação da situação problema gerada

pelo corte de vapor que coloca a produção em risco, é a forte interdependência

das unidades de produção do conjunto da fábrica. Com efeito, há intervenções na

produção local que estão fora do âmbito dos operadores da unidade de produção

em que efetuamos o turno. Ao vivenciar esta situação problema, foi nos dado

identificar a existência de interconexões com um sistema maior ao qual aquela

unidade produtiva está subordinada conduzindo a perdas de produção geradas

por problemas fora dela, para o quais a unidade não possuía ingerência. Porém, a

retomada de produção, uma vez restabelecidos os insumos externos faltantes é

inteiramente local. Através dos registros em vídeo pudemos detalhar junto aos

operadores de campo, uma vez a produção retornada ao fluxo normal, o conjunto

de problemas e as soluções adotadas. Dentro do repertório de problemas

identificados, podemos mencionar como questões principais com as quais os

operadores tinham que lidar naquele momento, dados falseados por

equipamentos não confiáveis, leituras erradas nos painéis de controle, decisões

equivocadas nos alinhamentos e suas operações e o uso incorreto de produtos de

desobstrução dos condutos. Pudemos identificar portanto, que a informação

passou a constituir o “material necessário para extrair o conhecimento“ retomando

o enunciado de Bateson (1979:38) quando propõe que o conhecimento está

essencialmente relacionado à ação humana e que a informação como “um fluxo

de mensagem“ é o meio através do qual o conhecimento é construído. Para

Bateson, o conhecimento é ancorado nas crenças e compromissos de seu

detentor. Se o conhecimento “tem um fim, uma intenção específica“ (idem

1979:27) este foi acionado pela comunidade de prática dos operadores da

indústria química na procura de soluções imediatas e emergenciais na solução

dos problemas ocorridos pela interrupção do processo produtivo.

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A partir de Bateson portanto, podemos dizer que estamos diante do

universo do não expresso, que, segundo Baumard (1978) aparenta ser a pedra

fundamental das relações humanas,

“Medimos o grau com que nossas teorias podem ser generalizadas propondo a nossos pares replicar nossos conhecimentos ‘sob as mesmas condições’ de forma que reproduzam nossos resultados em outro contexto experimental, outro ambiente natural.Em suma, toleramos a mesma imprecisão: aceitamos como a priori que a replicação do visível é uma condição necessária e suficiente para a replicação do real“ (1978:17 ).

Em seu estudo efetuado em quatro empresas, Baumard (1978) parte da

suposição de que situações ambíguas representam a transição de uma forma de

conhecimento para outra. Inspirado no exemplo da fábrica de pão citada por

Nonaka e Takeuchi (1979) e argumentando a favor do conhecimento prático, este

autor vai ao encontro de uma forma de conhecimento denominada pelos gregos

de métis. Defensores do conhecimento prático, como sendo a fonte para a

sabedoria, a métis seria para os gregos uma espécie de ‘inteligência conjectural’

necessária para dar conta de situações ambíguas e de transição. Dificilmente

mensurável através de uma lógica rigorosa, a métis parece no entanto promover

uma inteligência que está diretamente associada à ação. O autor cita os

historiadores franceses Détienne e Vernant como sendo os promotores desta

noção de conhecimento baseada na métis grega, remetendo as propriedades

deste conhecimento obliquo e conjectural do sábio e do prudente, relegado no

mundo ocidental contemporâneo. Dada a característica fluída e mutável das

comunidades de prática, sinalizamos para um campo de aplicação da noção de

métis em comunidades de prática, já que esta noção parece estar no mundo da

multiplicidade e do movimento. Embora Detienne e Vernant não expliquem como

se dá a transição dos diferentes modos de conhecimento, que passa a ser objeto

de pesquisas posteriores de Nonaka e Takeuchi22, estes autores, citados por

Baumard (1978), fornecem subsídios oportunos para a compreensão do que

ocorre além da realidade observada, passível de subsidiar a seguir, a noção do

tácito na esfera da aprendizagem socialmente situada. 22 Nonaka e Takeuchi vão tratar a informação e o conhecimento como sendo “específicos ao contexto e relacionais” criados de forma dinâmica na interação social entre as pessoas (1997:4).

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Uma segunda situação problema no processo produtivo ocorrida durante

nosso trabalho em turno introduz novos elementos relativos ao conhecimento

tácito em ação. Para atender a necessidade do cliente, o gerente de fabricação

passou uma instrução de aumento de produção, numa quantidade acima do

máximo já produzido, no final de expediente de uma sexta feira. Havia a

programação de entrega de produto a ser feito no final de semana, uma novidade

até então não experimentada, implicando que os operadores deveriam fazer o

carregamento. As instruções para o aumento da fabricação foram seguidas sem

uma discussão dos riscos de se colocar a unidade numa situação não testada

anteriormente. Como resultado, a programação da produção não pôde ser

cumprida, como descrita na frase expressa pelo supervisor de turno, “a gente

podia ta fazendo 16 e não estamos fazendo nada”.

Se Wenger (1998) aponta para a transformação de informação em

conhecimento que se opera através das comunidades de prática consideradas

como nódulos de comunicação, ao afirmar que “nas comunidades de prática a

informação forja conhecimento porque é parte de um processo natural de

negociação de significado“. (1998:252) esta negociação era crucial para a

comunidade de prática dos operadores diante da situação problema observada.

Verificamos que devido ao tipo de interação tangencial entre os segmentos que

interagem para a fabricação do bisfenol, não houve uma tomada de decisão

coletiva que proporcionasse uma troca de experiências e de conhecimento,

permitindo a manobra de dois eventos novos que se acumularam num mesmo fim

de semana. Várias hipóteses podem explicar o episódio: quantidades

programadas incorretas, instrumentos que não permitiram leituras corretas, o

aumento de produção deveria ser progressivo, etc. O que podemos concluir, no

entanto, é que a situação social de interação entre os grupos que compõem a

unidade de produção do bisfenol não permitiu uma adequada realização da

programação demandada pelo mercado.

Da observação sobre a atuação da comunidade de prática na unidade de

produção de bisfenol na solução dos problemas acima expostos, podemos

identificar a articulação do conhecimento tácito e explícito na descoberta conjunta

dos cursos de ação encontrado pelos operadores. O primeiro passo diante do

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problema foi diagnosticar a situação através da leitura dos indicadores do painel

de controle, registros diários e dados do campo, levando os operadores a realizar

manobras de rotina na tentativa de resolver o problema constatado. A utilização

do laboratório central do complexo químico e a troca de informações do grupo

operacional foram outros recursos de conhecimento explícito utilizado como fonte

de dados. Em situações de normalidade o ambiente de fabricação do bisfenol

possuía inúmeros pontos de estrangulamento dificultando sua operação

otimizada, configurando um sistema instalado produzindo uma quantidade

previsível de erros. Embora este sistema fosse beneficiado por melhorias

esporádicas, estas não aportavam mudanças efetivas. Coube ao supervisor de

turno mais experiente assumir no momento de emergência o posto de operador

de sala de controle além de sua atividade principal de coordenação e tomada de

decisões. Simultaneamente ele explicava as manobras ao operador menos

experiente proporcionando uma execução com menor margem de erro.

Observamos ainda que as manobras executadas por parte dos operadores mais

experientes sem ordens explícitas do supervisor evidenciavam uma compreensão

implícita do problema. Os acontecimentos eram comunicados ao grupo de

engenheiros responsável, que não trabalham em turnos e muito menos em fim de

semana, mas as tomadas de decisão ocorriam no interior da comunidade de

prática dos operadores. Tanto o discurso como a prática presenciada durante a

situação observada se aproxima dos mecanismos de uma ideologia de dirigentes

mencionada por Aktouf (1996)

“O primeiro elemento a destacar é sem dúvida a tranqüila e tenaz convicção de formar uma família, de trabalhar pelo bem dos operários, de ser unidos e estreitamente ligados que encontrei nos dirigentes de empresas em que reina a anomia e a hostilidade. Nestas empresas, como tive ocasião de verificar várias vezes, apenas os empregados subalternos apresentavam alguma coerência nos seus discursos, nas suas representações e em seus atos com as condições objetivas da situação que eles vivem: sua linguagem e sua consciência se nutriam diretamente de sua experiência concreta de vida. Os elementos pertencentes à diretoria e ao alto escalão destas empresas, pelo contrário, fabricavam discursos e representações nutridas por suas ideologias de dirigentes, quer dizer, litanias do tipo ‘motivação-satisfação-eficiência’ ou ‘competição-socialismo – militância – mobilização – fraternidade” (1996:74).

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Ficou patente o isolamento da comunidade de prática na sua ação para

resolução do problema que nos foi dado observar. Não estavam disponíveis

pessoas, informações, conhecimentos ou tecnologias que lhes permitissem

cumprir adequadamente a orientação para o cliente. No entanto, no complexo

químico como um todo estes recursos em forma de habilidades e conhecimentos

que poderiam ser de grande utilidade para a minimização do prejuízo estariam

disponíveis. Reside na forma como estão organizados, o fato destes recursos não

estarem acessíveis ao grupo de operadores no momento necessário. Eles

contavam somente com eles mesmos, suas habilidades e experiência cotidiana

acumulada. Evidencia-se através destas situações problema vivenciadas, a

pertinência de um conhecimento próximo e relacional destes operadores junto aos

equipamentos de produção, o que lhes propiciou a emergência de um

conhecimento tácito colocado em ação. Ao que podemos acrescentar a afirmação

de Schein (1985) quanto a uma cultura definida como resultado da aprendizagem

em grupo. Segundo este autor “ quando pessoas se deparam com um problema

simultaneamente, e têm que achar a solução juntos, tem-se a situação básica da

formação da cultura” (1985:13).

Outro aspecto de análise que a situação problema proporciona diz respeito

às estratégias e táticas utilizadas pelo grupo. De Certau (1984) foi um dos

primeiros teóricos sociais a apontar para as microdiferenças onde outros teóricos

viam obediência e uniformização. De Certau (1984) se inspirou nos mecanismos

de resistência praticados pelos indígenas da America do Sul quando submetidos

à cristianização forçada pelo colonizador hispânico. A estratégia de simular

submissão ao conquistador quando de fato se utilizavam de metáforas diante da

ordem dominante, se traduzia no funcionamento de suas leis e de suas

representações em registros inscritos na sua própria tradição. Na sua analise

destas estratégias e práticas, De Certau considera estratégia como sendo “o

cálculo das relações de forças que se torna possível a partir do momento em que

um sujeito de querer e poder é isolável de um ambiente. Ela postula um lugar

capaz de ser circunscrito como um próprio e portanto capaz de servir de base

para uma gestão de suas relações com uma exterioridade distinta“ (1990:46). A

tática, ao contrário é “um cálculo que não pode contar com um próprio, nem com

uma fronteira que distingue o outro, como totalidade visível. A tática só tem por

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lugar o do outro” (1990:46). Pelo fato de seu não lugar, a tática depende do

tempo, vigiando para captar no vôo possibilidades de ganho. Assim, a tática tem

que jogar constantemente com os fatos e as interações para os transformar em

ocasiões. Neste movimento, para De Certau (1990) o fraco deve tirar partido de

forças que lhe são estranhas e as táticas se inserem em uma longa tradição de

reflexões sobre as relações que a razão mantém com a ação e com o instante.

O conhecimento tácito, enquanto “reserva de sabedoria que as empresas

procuram articular para evitar imitação“ nos dizeres de Baumard (1978:42) é

explorado como possibilidade de criatividade e inovação por Nonaka e Takeuchi

(1994) ao constatarem que “o que conhecemos explicitamente é apenas a ponta

do iceberg de todo o corpo do conhecimento“ (1994). Estes autores acreditam que

a divisão cartesiana entre sujeito e objeto operada no mundo ocidental, embora

tenha contribuído para explicar como as organizações funcionam, não explica a

inovação. Pleiteiam a necessidade de criação de uma nova teoria da criação do

conhecimento organizacional e propõem uma epistemologia distinta da

abordagem ocidental. Na formulação da mobilização e conversão do

conhecimento tácito em explícito, Nonaka e Takeuchi se fundamentam na

dimensão que denominam como sendo a dimensão ontológica do conhecimento,

que ocorre dentro de uma comunidade de interação e que atravessa fronteiras e

níveis organizacionais. A dimensão epistemológica proposta por estes autores, é

por sua vez baseada na distinção estabelecida por Polany (1966) entre

conhecimento tácito e conhecimento explícito a que nos referimos anteriormente.

Embora os ocidentais tendam a enfatizar o conhecimento explícito e os orientais o

tácito, Nonaka e Takeuchi consideram os conhecimentos tácito e explícito como

sendo complementares. Componentes de um conhecimento tácito atuando numa

situação concreta vivenciada ao longo da pesquisa etnográfica, nos remete para a

importância desta esfera do conhecimento no que tange a aprendizagem em

ambientes de trabalho. Vimos neste sub-capítulo que uma tecnologia colaborativa

só pode ser definida em relação a um objetivo muito claro: a construção

compartilhada de formas de olhar, atuar e conhecer. Vimos ainda, como a

aprendizagem adquirida através da experiência, freqüentemente referenciada

como sendo aprendizagem implícita, formula as bases para o conhecimento tácito

e é acionada para resolução de problemas.

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5.3. O Aprendizado Coletivo como Fonte do Conhecimento

Veremos neste sub capítulo, que desenvolver competências

organizacionais está profundamente associado à prática. Contudo, a gestão bem

sucedida destas práticas que considera as comunidades de prática, significa

valorizar esta participação como sendo a chave para sua habilidade para

contribuir para a competência organizacional. Considerando a comunidade de

prática como sendo a unidade social básica para o aprendizado e para o

desenvolvimento do conhecimento dentro das empresas, é preciso verificar a

partir do acima exposto, se a organização social do trabalho a sustenta ou se ao

contrário é vetor de fragmentação das comunidades de prática. Nos casos em

que a organização social interna à empresa sustenta a comunidade de prática,

esta se revela a “pedra de toque” do sucesso, pois nela podemos encontra a

reorganização do ambiente social da produção como fator chave para a obtenção

dos resultados alcançados. É interessante notar que nos casos em que existe

uma sustentação da comunidade de prática pelo ambiente social da empresa,

adiciona-se a tecnologia adquirida um conhecimento compartilhado e implícito dos

grupos que passaram pela experiência. Nos casos de insucesso de implantação

de tecnologias ou processos de gestão e de inovações, as explicações passam

longe daquilo que efetivamente acontece no terreno da prática. O que

normalmente se verifica são fatores explicativos tradicionais como liderança

ineficiente, anomia presente no ambiente de trabalho ou incapacidades variadas

nas qualificações da mão de obra, utilizados para justificar estes insucessos.

O que nos foi dado observar nas situações apresentadas no capitulo

anterior, é que a organização social interna da empresa impossibilita a

comunidade de prática de se envolver em conjunto nas situações problema que

proporcionam oportunidades de aprendizado e inovação. Podemos argumentar

em certa medida, que a organização social envolve a identificação de processos

internos até agora invisíveis. Impõem-se, sobretudo, o estabelecimento,

consolidação e desenvolvimento das comunidades de prática presentes ali, bem

como a fortificação de tais processos (Jordan 1993, Wenger, 2002). Isto é algo

radicalmente diferente do que até então tem sido reconhecido e feito como

administração da produção e do conhecimento. Pudemos observar que os

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entraves e incentivos para tal mudança de perspectiva e comportamento estão

tanto dentro quanto fora da fábrica e do conglomerado. Verificamos assim que,

do ponto de vista interno os valores sociais e as práticas da nossa sociedade, que

são fortemente estamentadas, com uma distância social enorme entre os níveis

mais baixos e os mais altos (Da Matta, 1979) estão representados nas estruturas

organizacionais. Da mesma forma que no ambiente externo, há internamente uma

rigidez de movimento entre as camadas constituintes das organizações, que não

permite passagens de um nível para outro impunemente, mas somente através de

mecanismos complicados e extensos no tempo.

Embora exista uma ideologia meritocrática (Barbosa,1999) que no caso

situação-problema apresentado permitiu ao gerente geral dizer “nada impede que

um operador um dia ocupe o meu lugar”, a prática social e as visões de mundo

presentes no local desmentem tal afirmação. Os entraves internos parecem ser

construídos pela própria história de sucesso das empresas. No caso em análise, o

foco no valor básico de tecnologia operacional restrita, que até então garantia sua

expansão e lucratividade, passou a ser um grande obstáculo. A partir dele foram

sendo estabelecidas práticas culturais hoje cristalizadas em normas, estruturas,

relacionamentos, definições espaciais, procedimentos operacionais, ritos, mitos e

heróis que passa a limitar as possibilidades de um redesenho da empresa capaz

de responder aos desafios atuais. As respostas bem sucedidas do passado

definem um esquema de referência compartilhado pelos tomadores de decisão

veteranos, ainda ativos, e é patente como estas respostas funcionam com uma

“recuperação automática” da memória organizacional, numa situação que requer

sua recuperação com alto grau de investimento psicológico,

“uma fina distinção entre a celebração da eficiência nascida dos processos automáticos de recuperação e o temor de não saber se estas rotinas e programas eficientes estão fora de sintonia com as circunstâncias presentes” (Walsh e Ungson 1991:73).

Aqui, neste caso estudado, se configura claramente uma situação onde a

sacralização do passado e o perigo que ele representa estão em jogo. A empresa

pesquisada detém em seu histórico, um arsenal de recursos sócio-culturais

armazenados, que poderiam ser disponibilizados para enfrentar as modificações

ambientais em processo. No entanto, o que se observa é o descompasso entre as

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rotinas e programas em uso com as demandas do mercado atual. O que nos foi

dado observar, enquanto modificações mostram-se tímidas e lentas nos

processos de produção, é a existência de um potencial humano ocioso, pois

condicionado numa forma de trabalhar ultrapassada e encarecedora da produção.

A experiência acumulada pelos executivos na interação dos ambientes internos e

externos desenvolveu sistemas de crenças que dão forma e significado a estes

ambientes. Estas mesmas crenças cegam os tomadores de decisão sobre

aspectos do ambiente que não estavam ativos no passado, mas que passaram a

ter importância diante uma nova realidade de mercado. Neste sentido torna-se

difícil para os executivos da empresa admitirem que hoje não é mais a tecnologia

a variável estratégica, porque o grande diferencial que possuíam perde muito de

seu valor enquanto fundamento de sobrevivência e crescimento. A trama da

estrutura de poder, tanto a nível local quanto do conglomerado, foi toda ela

construída a partir do domínio deste conhecimento técnico dos gerentes, que não

incluía a leitura dos cenários externos, pois eles pareciam irrelevantes - preços,

prazos, especificações eram definidos internamente ou dados por autoridades

externas. Contudo, não podemos deixar de mencionar configurações da

sociedade brasileira como parcialmente responsáveis por inúmeros estímulos

externos às transformações registradas. Há também um movimento subterrâneo

que mais cedo ou mais tarde terá de ser notado pelos tomadores de decisão

desta e das outras empresas. Trata-se da mudança do perfil social do nosso país,

tanto como mercado consumidor quanto como mercado de trabalho.

Tomando a perspectiva local, o que foi observado? Enquanto no histórico

da companhia encontramos o relato a respeito da desqualificação da mão de obra

de 30 ou 40 anos atrás, nos dando conta que, àquela época, o chão de fábrica

era composto por trabalhadores rurais em sua maioria analfabetos, que tiveram

de ser treinados e reciclados pela própria fábrica, no momento da pesquisa a

totalidade dos operadores detinha o segundo grau completo e alguns com o

terceiro grau ainda incompleto. Analisando as histórias de alguns operadores, fica

evidente no entanto, que o corte no investimento social de sua formação se deu

por acidentes sociais. Observamos por exemplo casos de perda do pai sem que a

mãe tivesse maiores recursos para ingressar no mercado de trabalho e substituí-

lo como provedor, doenças na família que drenaram seus recursos não permitindo

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a continuidade do investimento na formação, necessidade de montar sua própria

família pelo aparecimento de uma gravidez não programada, que indicam ser a

origem social dos operadores muito diferente daqueles migrantes rurais que

compuseram a usina anteriormente. Observamos que mediante a disponibilização

de recursos, estímulos e ambientes de aprendizagem adequados, as mudanças

operacionais capazes de reposicionar a perda da vantagem tecnológica verificada

no segmento de negócios químicos poderão ser sustentadas através da inovação

e gestão de seus ativos em conhecimento.

O que pudemos verificar é que os recursos colocados à disposição pela

organização para a comunidade de prática observada conspiram contra a

resolução das situações de anormalidade e seu potencial de gerar conhecimento

e inovação; as normas, regras de manuseio e manuais de fabricação não

oferecem ajuda nas situações de crise freqüentes e as regras sociais e culturais

de conduta a enfraquecem em lugar de sustentá-la. Não está previsto um tempo

de interação e troca de conhecimento dos componentes dos diversos turnos, ou

qualquer outra forma de troca de informações e desenvolvimento coletivo da

comunidade de prática como um todo. O computador, presente na sala de

controle e fisicamente acessível a todos os operadores, não o é culturalmente,

sendo um recurso desperdiçado enquanto possibilidade de diálogo e interação

entre os membros da comunidade de prática e de utilização para a resolução de

problemas ou melhorias do processo. Existia um grupo de melhoria se ocupando

do processo de produção do produto químico específico, congregando

engenheiros de processo, do centro de pesquisas e da fabricação. No entanto,

estas competências, conhecimentos, informações e relações estavam

indisponíveis para a comunidade de prática dos operadores. Verificamos assim,

que o potencial de desenvolvimento da comunidade de prática, na otimização da

tecnologia com a qual operam, é bloqueado pela impossibilidade do aumento de

conhecimento teórico quanto ao processos em andamento na fabricação.

Encontramos nestes pressupostos a ação de um paradigma construído

pela história passada da empresa que não se coaduna com as suas condições

externas que já despontavam na época. Num mercado cativo, a fabrica tinha

condições de produzir aquém de sua disponibilidade. Hoje as quantidades que o

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cliente solicita precisam ser respeitadas, os prazos cumpridos, a qualidade

assegurada e os preços são dados pelo mercado. Como foi nos dado constatar,

estas operações estão nas mãos da comunidade de prática dos operadores. Esta

comunidade, composta por pessoas muito diferentes daquelas que há 20 ou 30

anos constituía o segmento de operadores. Desta forma, uma nova maneira de

ver o mundo do trabalho na empresa precisa incorporar os resultados de

experiências já vividas internamente num novo paradigma que contemple:

• O conhecimento não como propriedade individual, mas distribuído no

sistema social.

• A proximidade cada vez maior de qualificação entre os diversos

componentes dos postos de trabalho.

• A necessidade de expandir, nas comunidades de prática, o conhecimento

ampliado do negócio da empresa.

• As possibilidades de desenvolvimento contínuo, independente da porta de

entrada da empresa, para aqueles com interesse e capacidades.

• A necessidade de uma maior proximidade e interpenetração das

comunidades de prática de diferentes origens que compõem a

organização.

• A criação de um sistema de avaliação e recompensa da aprendizagem e

da criação de conhecimento ocorrida dentro das comunidades de prática,

que seja independente das categorias funcionais da estrutura.

• A criação de contextos sociais de aprendizagem que favoreçam a troca de

conhecimentos numa escala muito maior do que a encontrada atualmente.

• A exploração das múltiplas situações de aprendizado na prática,

maximizando a interação entre os conhecimentos individuais e grupais.

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No ambiente das redes de computador interativas estas variáveis serão

ainda mais significativas nas possibilidades destas redes criarem o suporte

adequado para novos movimentos de criação e produção de conhecimento.

Diante do cenário de 'inteligências coletivas', isto é, modos em que se curto-

circuita a separação entre produção e distribuição de conhecimento (Levy, 2000)

estes novos modos de trabalhar em conjunto e em forma colaborativa introduzirá

mudanças profundas no trabalho coletivo e configurações do trabalho em equipe,

onde “o trabalhador contemporâneo tende a vender não mais sua força de

trabalho, mas sua competência, ou melhor, uma capacidade continuamente

alimentada e melhorada de aprender e inovar, que pode se atualizar de maneira

imprevisível em contextos variáveis” (idem: 60).

“Compreende-se melhor, agora, por que a inteligência é atravessada de uma dimensão coletiva: é porque não são apenas as linguagens, os artefatos e as instituições sociais que pensam dentro de nós, mas o conjunto do mundo humano, com suas linhas de desejo, suas polaridade afetivas, suas máquinas mentais híbridas, suas paisagens de sentido forradas de imagens. Agir sobre seu meio, por pouco que seja, mesmo de um modo que se poderia pretender puramente técnico, material ou físico, equivale a erigir o mundo comum que pensa diferentemente dentro de cada um de nós, equivale a secretar indiretamente qualidade subjetiva e trabalhar no afeto” (2000:108-109).

Na sua transformação em organizações providas de adaptabilidade e

orientadas para a aprendizagem, as empresas se vêem diante da necessidade de

efetuar mudanças na sua estruturação social. O desafio é superar obstáculos

herdados de situações passadas, aprendendo com experiências positivas já

presentes dentro de suas fronteiras, permitindo que o potencial natural de

aprendizagem e de geração de conhecimento de suas comunidades de prática

possa se efetivar. Um redesenho do ambiente social, que produza a ampla

participação das pessoas em diferentes comunidades de prática, produzirá o salto

de competência necessário a flexibilização e rapidez de respostas ao ambiente de

negócios instável atual. As revoluções científicas, tecnológicas, produtivas,

sociais e políticas começam em pequenos espaços e com pequenos grupos e

estão sempre em gestação, embora só sejam notadas e reconhecidas quando

adquirem grandes proporções. Ao se referirem à questão do acesso e da

transparência Lave e Wenger (1991) se referem às tecnologias “como a forma

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que o uso de artefatos e a compreensão de seu significado interagem para se

transformar num processo de aprendizagem” (1991:102-103) e neste sentido “a

noção de transparência, no sentido mais amplo, é uma forma de organizar

atividades que tornem seu significado visível, abrindo uma abordagem alternativa

para a tradicional dicotomia entre aprender experencialmente e aprender a

distancia, entre aprender fazendo e aprender pela abstração” (1991:105).

Se tomarmos o paradigma dominante no desenvolvimento e implantação

de novas tecnologias, que parece tratar a tecnologia como um elemento neutro e

independente do ambiente em que se situa, a perspectiva de Michel de Certau

para o qual o consumo de um produto como forma de produção secundária

"escondida" no processo de utilização, permite desvendar o processo através do

qual o usuário enriquece os objetos que utiliza com novos significados por ele

constantemente reinventados (De Certau,1984). Podemos concluir portanto que a

aprendizagem envolve um processo social que inclui as dimensões do corpo e da

subjetividade. Elementos cognitivos estando associados a "modelos mentais" em

forma de paradigmas, perspectivas e crenças que compõe a visão de mundo de

cada indivíduo colocam não apenas o desafio de abordagens, dentre outras, a

utilização de métodos etnográficos de pesquisa. Sem alguma forma de

experiência compartilhada, é extremamente difícil projetar-se no processo de

raciocínio do outro indivíduo. A mera transferência de informações muitas vezes

fará pouco sentido se estiver desligada das emoções associadas e dos contextos

de aprendizagem em que saberes e fazeres compartilhados são construídos.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

As experiências relacionais de um grupo com seu mundo físico e social são

a base para a construção social de sua visão de mundo e, dentro dela, de sua

identidade e de sua vivência em comum. Vimos, no caso dos operadores da

industria química, de que forma o compartilhamento do espaço, tempo e corpo,

cria uma experiência de um “nós” que distingue aquele grupo de outros, que não

compartilham as mesmas dimensões. Observamos que as definições que criam

estas vivências são em certa medida impostas por uma ordem social que não

nasce de uma comunidade de prática única. Dependendo de qual é a comunidade

enfocada, podemos identificar a forma como ela se vê. No nosso caso estudado,

aquela comunidade de prática daquela fábrica se via como subordinada a uma

ordem social maior, com pouca ou nenhuma autonomia e autodeterminação,

escassamente valorizada. Vimos ainda, que a comunidade de prática dos

operadores da industria química constituía uma sociedade parcial que tinha como

quase única alternativa de ação, no campo social, a resistência a ordenamentos e

organizações que emanassem dos focos de decisão a que estava ligada. Como

quase nada se originava desta comunidade de prática, a maioria das propostas

que lhe chegavam, apareciam como imposições de fora para dentro, com pouco

ou nenhuma sintonia com a realidade de sua prática.

Contudo, a imagem que fazia dos grupos com os quais se relacionava era

construída através do valor que esta comunidade atribuí a prática do trabalho que

dominavam. Em vista disto, o fracasso na obtenção de melhorias nos processos

existentes dentro das empresas, a aquisição e instalação de equipamentos e

instrumentos inadequados, eram apontados como demonstração de ignorância

quanto às práticas concretas de trabalho. E neste sentido, concluímos com

nossos autores de referência, Lave e Wenger (1991) e Wenger (1998, 2002), que

as tecnologias enquanto ‘artefatos sociais’ interagem com os objetivos, intenções

e expectativas tanto daqueles que a produzem quanto daqueles que a utilizam. O

diferencial se situa necessariamente na gestão do trabalho humano onde o

redesenho da interação entre a tecnologia disponível e o fortalecimento de

formação de comunidades de prática em torno de atividades comuns passam a

ser variáveis estratégicas.

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Para efeito desta dissertação as organizações foram consideradas como

meio social de um conjunto dinâmico de fatores em interação. Ao descrever

através de uma pesquisa etnográfica, os mecanismos de interação que nos

permitiram identificar a existência de uma comunidade de prática presente no

tecido informal de uma organização, no caso dos operadores de uma indústria

química, recolocamos as comunidades de prática ao seu contexto de origem

inserindo-as na perspectiva em aprendizagem como processo social. Ao

mergulhar nesta interação sugerimos como a transformação nos padrões de

comunicação e conhecimento através da inserção de novas tecnologias

interacionais, remodela e desloca a ação individual e social, buscando redefinir

teorias cognitivas do conhecimento nas práticas organizacionais (Baba, 1986 e

Rogoff & Leave, 1984). Considerando o conhecimento tácito, que inclui elementos

cognitivos e técnicos em processos de aprendizagem organizacional, verificamos

a distinção do conhecimento e informação enquanto meio necessário para a

construção do conhecimento. A mera transferência de informações muitas vezes

fará pouco sentido se estiver desligada das emoções associadas e dos contextos

de aprendizagem nos quais as experiências compartilhadas são construídas.

Desta forma, a criação de ambientes de aprendizagem socialmente

compartilhados requer considerar a existência de comunidades de prática que se

constituem a margem dos organogramas e estruturas formais da organização.

São inúmeras as vertentes e possibilidades de estudos futuros a serem

construídos a partir da perspectiva de comunidade de prática, capazes de

contribuir para o desenvolvimento não apenas das competências cognitivas,

mediadas pelas redes e tecnologias de informação, mas para uma nova forma de

ver a aprendizagem enquanto processo social. No âmbito das organizações onde

o conceito encontra território fértil, trabalhos recentes apontam para um

movimento submerso de comunidades de prática se sobrepondo às estruturas

organizacionais tradicionais. Se, de fato, as comunidades de prática tendem a se

sobrepor às estruturas formais atualmente conhecidas no âmbito organizacional,

o horizonte futuro de pesquisas em comunidades de prática necessariamente terá

que estar associado a uma visão de futuro de longo prazo em gestão do

conhecimento nas empresas. No que tange o contexto educacional, acreditamos

que a dimensão da aprendizagem situada, desvendada neste trabalho, em muito

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contribuiria para o repensar de práticas de aprendizagem em ambientes

escolares, dentre os quais destacamos os cursos profissionalizantes, em que os

resgate das variáveis de identidade e pertença, a que pretendemos dedicar

pesquisa futura orientada para a aprendizagem na prática.

Dentre as vertentes teóricas que exerceram influencia no desenvolvimento

de uma teoria social da aprendizagem aqui delineadas, resgatamos a importante

distinção entre conhecer sobre e conhecer como, efetuada por Dewey que nos

parece merecedora de um aprofundamento teórico em pesquisas futuras. O que

pudemos perceber é que esta distinção em muito contribuiria para o entendimento

da perspectiva de aprendizagem situada que nos foi dado apresentar nos modos

de executar determinadas tarefas executadas por operadores de uma indústria

química observadas durante o trabalho de campo. Retomar as interpretações

relativas as zonas de desenvolvimento proximal que se concentram nos

processos de transformação social, em contraponto com a perspectiva da

participação periférica legítima tal como apresentada na formulação da

aprendizagem situada em Lave e Wenger (1991) nos parece ser tarefa de

exploração futura para a compreensão da prática social na interdependência entre

atividade, significado, cognição, aprendizagem e conhecimento

Argumentamos neste trabalho, serem as comunidades de prática,

territórios onde o senso comum através do engajamento mútuo permite elucidar o

caráter social e negociado entre o tácito e o explícito o que nos remete

necessariamente a um conceito não estático do conhecimento. É este movimento

que se instala entre o tácito e o explícito e que implica em construção e

transformação (Lave,1995) que nos permitirá compreender as profundas

transformações nos ambientes de trabalho propiciados pela era do conhecimento

e informação. O conceito de comunidades de prática que integra esta perspectiva

contém a idéia de que a aprendizagem é constituída através do compartilhamento

de atividades (Lave e Wenger, 1991) onde o conhecimento é visto como a

capacidade prática do fazer. Em que pese a estrutura organizacional baseada em

pressupostos culturais que estabelecem uma ruptura artificial entre

conhecimentos teóricos e práticos, as características observadas no curso de

operadores da indústria química e o percurso de inserção do operador no seu

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local de trabalho, apontam para um modelo de aprendizagem situada na maneira

como identidades são construídas através da interação entre as pessoas e o

ambiente ao redor. A descoberta de um modelo de aprendizagem socialmente

situada, desconhecida pelos tomadores de decisão da empresa, nos parece ser

uma contribuição significativa da pesquisa etnográfica efetuada. Neste sentido,

propomos o recurso ao método etnográfico em pesquisas futuras, capazes de

olhar para a totalidade dos componentes sociais que integram os processos de

aprendizagem em ambientes empresariais, resgatando seus conteúdos tácitos,

pouco visíveis nos moldes tradicionais de pesquisa.

O que pudemos constatar através da aplicação da perspectiva de

aprendizagem situada durante o trabalho de campo da pesquisa etnográfica, é

que o processo cognitivo que se instala ao longo das etapas de aprendizagem

está diretamente associado à interação social, onde a aprendizagem enquanto

um processo de mão dupla de construção de identidades e entendimento, é tida

como a capacidade de participação crescente em experiências compartilhadas.

Para os autores com os quais dialogamos neste trabalho a prática implica num

fazer determinado por um contexto histórico e social que por sua vez é

responsável pela estrutura e significados. Neste sentido podemos dizer que uma

prática é sempre uma prática social envolvendo a atuação do ser humano como

um todo. A prática, entendida desta forma, é parte essencial da aprendizagem,

produção do conhecimento e inovação, oferecendo resposta às questões pouco

desenvolvidas a respeito do conceito de conhecimento tácito, trazido de Polanyi

(1966).

A dinâmica de atuação do conhecimento tácito no contexto de trabalho em

grupos, ainda pouco compreendida nos estudos gerenciais (Sveiby, 1998,

Tsoukas, 2001) que nos propusemos identificar através das situações vivenciadas

ao longo da pesquisa etnográfica, nos parece essencial para a sobrevivência das

comunidades de prática que se formam naturalmente entre grupos humanos

trabalhando juntos. O registro de situações de trabalho em que o conhecimento

tácito se faz presente na solução de problemas concretos de uma unidade de

produção na indústria química, e a análise destas situações efetuadas através da

Análise Interacional que aqui apresentamos, nos aproxima das teses propostas

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por alguns autores que podemos denominar de “pós-Nonaka “ (Sveiby, 1998,

Tsoukas, 2002, Wilson, 2002) para os quais a operacionalização de um

conhecimento tácito pode ser discutido desde que se pare de insistir em procurar

“converter” o conjunto de fatos tacitamente conhecidos, passando a olhar para

formas instrutivas de falar que permitem melhor compreender como nos

relacionamos com os ambientes em que atuamos. Esperamos ainda, que a

apresentação da pesquisa etnográfica de referência histórica, venha a contribuir

para o resgate das noções de identidade e pertença inerentes à natureza da

criação espontânea de comunidades de prática presentes na bibliografia aqui

revisitada, e que notamos estar distantes, como apontam Wilson,2002 e

Tsoukas,2002 no que se refere às tentativas de implementação de comunidades

de prática promovidas mais recentemente nos contextos empresarial e

educacional. O caso de implantação de comunidades de prática numa empresa

de consultoria internacional que aqui acrescentamos a pesquisa etnográfica de

referência, aponta para os riscos inerentes a implantação artificial de

comunidades de prática em contextos organizacionais e o fracasso parcial das

novas tecnologias digitais, o que nos leva a acreditar ser a interação social

elemento-chave na gestão do conhecimento organizacional

A guisa de conclusão argumentamos que desenvolver competências

organizacionais está profundamente associado à prática, mas a gestão bem

sucedida destas práticas que considera as comunidades de prática, não significa

estereotipar mas honrar os significados presentes na sua participação e valorizar

esta participação como sendo a chave para sua habilidade para contribuir para a

competência organizacional. Os organogramas que explicitam a arquitetura

organizacional expõem a forma como a organização se vê do ponto de vista

racional e consciente, por vezes distantes do funcionamento e encadeamento das

ações que realizam suas operações no dia-a-dia. Estas são executadas na prática

pelas diferentes comunidades que interacionam de forma diversa da que está no

organograma. Tal configuração tem conseqüências importantes para a operação

diária da organização, para as situações extraordinárias, bem como para

possíveis saltos na criação de conhecimento e inovação, com implicações

estratégicas e mercadológicas. Tratar a organização como uma rede de

comunidades de prática em constante auto-organização estabelecendo um

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modelo dinâmico que se aproxima mais da realidade vivida, tem sido pleiteado

por um número crescente de teóricos organizacionais (Wilson 2002, Tsoukas

2002) e executivos de empresas como sendo o diferencial qualitativo para a

gestão que possibilita a sobrevivência, crescimento e até domínio no mercado

extremamente competitivo de hoje e de amanhã.

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ANEXO