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Uma entrevista com o Pavarini dos anos 90

Cristina Zackseski1

Esta é uma pequena parte da história de nosso homenageado,

recuperada depois de 19 anos, e que coincide com o início de minha experiência

acadêmica em campo. Fui à Bolonha como estudante e bolsista do Programa de

Pós-graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina

(PPGD/UFSC) por insistência de Sandro (Alessandro Baratta). Ele achava

impossível fazer pesquisa à distância sobre um interessante projeto de

segurança que me apresentara, e com o qual estava muito entusiasmado. De

fato naquele momento era impossível fazer tal pesquisa desde o Brasil. Hoje fico

feliz ao ver a quantidade de informação disponível na Internet sobre segurança e

prevenção de conflitos, mas assim mesmo não há nada que substitua a ida aos

lugares e as conversas que temos olhando nos olhos das pessoas. Uma destas

conversas foi com Massimo Pavarini, que era naquele momento Diretor

Científico do Projeto Città Sicure. Ele me recebeu na Sede do Instituto Gramsci

– Via Barberia 4º segundo – Bolonha – no dia 23 de março de 1996, às 15 horas

de um sábado. Eu havia elaborado um roteiro de entrevista, que foi revisado e

aprovado por Sandro. Eles trocaram impressões a respeito e quando cheguei

para a entrevista Pavarini me provocou dizendo: “Me mande aí essas perguntas

de cem milhões de dólares”! E assim começou nossa conversa:

1. COMO SURGIU E QUE FORMA ASSUMIU O MONITORAMENTO

CIENTÍFICO DO PROJETO “CITTÀ SICURE”?

É relativamente fácil reconstruir a história cronológica do projeto.

Antes do projeto, que é um projeto regional, encabeçado pela Presidência

da Região Emília-Romana com o nome “Città Sicure”, houve uma experiência

que foi conduzida por alguns de nós nos anos que vão de 1992 a 1994, de uma

1 Professora Adjunta de Direito Penal, Processo Penal e Criminologia da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília. Integrante do Nevis/UnB. Líder do Grupo de Pesquisa Política Criminal.(Este texto foi traduzido para o português por Riccardo Cappi.)

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revista denominada “Sicurezza e Territorio - Para uma Política da Prevenção da

Criminalidade”, feita por um grupo de intelectuais, um pequeno grupo que se

posicionou sobre esta questão e conduziu uma reflexão simples, divulgadora,

que reproduzia também as experiências estrangeiras. Então, precisamente este

pequeno grupo fez esta revista, que teve um mínimo de difusão e fez crescer,

em outras palavras, um mínimo de consciência sobre o tema da prevenção.

Desta experiência, ou, pode-se dizer, da “costura” desta experiência

nasceu, pois, este projeto. Portanto, “Città Sicure” nasce com a adesão à

iniciativa, levada adiante no plano cultural, por parte do Presidente da Região

Emília-Romana - Dr. Bersani - que se deteve para ver, experimentar e dar

consistência política às questões que estávamos debatendo a nível apenas

cultural. Assim nasce o projeto “Città Sicure”.

O Projeto “Città Sicure” se estrutura em um Comitê Científico que tem três

funções diferentes. A primeira é a de fazer um relatório anual sobre o estado da

segurança na Região. Em 1995 foi feito um primeiro relatório e agora teremos

um de 1996. Os membros individuais do Comitê Científico são os responsáveis

por unidades de pesquisas, que trabalham sobre as questões mais diversas:

apresentação da insegurança, problema da imigração, problema das diferenças

de gênero, problema do abuso da polícia, e muitas outras, discutidas nas

pesquisas do Comitê Científico.

Depois vem a fase mais essencialmente política do Projeto “Città Sicure”.

Este projeto nasce assumindo a proposta de difundir a cultura da prevenção

cidadã e, portanto, dirige sua atenção aos prefeitos de cada cidade, que deverão

transformar-se em sujeitos administrativos e políticos com capacidade para

canalizar e procurar responder às demandas de segurança.

De fato, já neste segundo ano de atividade de projetos regionais, foram

articulados projetos de segurança nas cidades capitais de Província. Nasceram

projetos de cidade segura em Bolonha, Modena, Reggio-Emília. Estamos

desenvolvendo uns para Ravenna e Rimini, também cidades capitais de

Província desta região, que assumiram esta filosofia de intervenção e

construíram indicações de projetos semelhantes em suas realidades singulares.

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Enfim, o Comitê Científico mantém o monitoramento da evolução da

criminalidade, das representações sociais, das políticas de segurança a nível

regional; torna-se uma sede de debate e de confronto das escolhas estratégicas

operadas pelas cidades nível local. Assim é a maneira como está estruturado o

projeto.

2. COMO E EM QUE MEDIDA A CRIMINOLOGIA CRÍTICA FAZ PARTE

DO PROJETO?

Apesar de ser uma resposta fácil, pode-se afirmar que uma parte

próspera dos sujeitos membros do Comitês Científicos de “Città Sicure” são, de

qualquer modo, internacionalmente etiquetáveis como pertencentes à

Criminologia Crítica.

Além da minha pessoa, que presido o projeto, tem Dario Melossi,

Giuseppe Mosconi, David Nelken, Tamar Pitch (para dar somente alguns

exemplos). São aqueles que na Itália contribuíram para a experiência da

“Questione Ciminale”, “Dei Delitti e delle Pene” e que, de algum modo, no

pequeno universo internacional da criminologia, são reconhecidos como

criminólogos críticos italianos.

Esta é uma resposta simples.

Creio que exista, pois, uma razão mais profunda, que é aquela segundo a

qual, também nos outros contextos europeus, as políticas voltadas para a

segurança são chamadas exatamente de políticas de nova prevenção.

Então, aqui vão dois caminhos possíveis na minha compreensão. O

primeiro é tecnocrático, de criminologia administrativa, que se da por uma

escolha do governo que atribuiu a responsabilidade desta ação a criminólogos

certamente não críticos. O segundo é aquele que se da por outras experiências,

como por exemplo a da França, com o papel decisivo de Philippe Robert na

política da nova prevenção. É um criminólogo francês muito conhecido e, por

certo, pertencente à cultura da criminologia crítica. A mesma coisa se pode

dizer, em parte, da Holanda, com Van Dijk, onde há um complexo de pessoas

que de alguma maneira pertencem à origem da criminologia crítica. O mesmo se

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diga para a Inglaterra, onde os novos realistas de esquerda, Jock Yung, Roger

Matthews e tantos outros que seguramente são de proveniência da principal

escola de abordagem crítica da criminologia.

Portanto, ainda na dimensão internacional, deve-se observar como esta

estratégia de política da segurança cidadã, construída em termos democráticos

e não repressivos, pertence à cultura da criminologia crítica.

Pode-se dizer também um pouco mais. A criminologia teve um

desenvolvimento na metade dos anos 1970 na Europa, e nos EUA antes do final

dos anos 1960 com a escola de Berkeley. Isto produziu diversos êxitos de

política criminal, que não se consolidaram em uma política criminal concreta.

Mantiveram portanto uma dimensão puramente acadêmica e científica, na

abordagem teórica e crítica da questão criminal.

Mas, em boa parte, os criminólogos críticos da metade dos anos 1970 em

diante, de qualquer modo, também tiveram experiências de política criminal.

Eu estou convencido de que a criminologia é uma ciência que não existe

somente numa dimensão de reflexão acadêmica; cada teoria criminológica se

traduz em uma política criminal, e isto vale também para as tendências

abolicionistas desenvolvidas. Pensamos nas figuras de Louk Hulsman, de Nils

Christie, Mathiensen, Scheerer e tantos outros, que representam algumas

posições que pertencem à criminologia crítica no seu radicalismo: eles sempre

sustentaram que sua reflexão não fosse uma mera reflexão teórica, mas que

fosse voltada para produzir uma política abolicionista.

A mesma coisa pode-se dizer sobre as teorias reducionistas, ou do direito

penal mínimo, que viram os autores mais relevantes também empenhados no

plano da rota civil de movimento, com a intenção de projetar-se em políticas

garantistas. O movimento garantista não é somente um movimento intelectual,

mas traduz também num movimento político. Com maior razão pode se falar do

novo realismo de esquerda que viu seus intelectuais acadêmicos ingleses

diretamente envolvidos em políticas criminal alternativas, em relação aos

conservadores da Tatcher e, portanto, como dizemos na Itália, sujaram as mãos

com a política.

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Nesta perspectiva, creio que haja um destino que sempre pertenceu à

reflexão criminológica. Pensava com Melossi que fosse, de todas as reflexões

recentes, a menos contrária ao comprometimento político; nunca aspirou nem

pode aspirar a uma reflexão puramente acadêmica e científica.

Portanto, me parece razoável pensar que no interior do movimento da

criminologia crítica, nascido como contestação ao sistema da justiça criminal dos

anos 1970, através de um percurso diverso para cada autor, com a

especificidade dos lugares e das culturas diferentes, foram tomadas posições

políticas, que produziram também políticas. Este é meu convencimento, também

expresso cientificamente. A criminologia é sempre partidária (parcial), não é

nunca uma ciência neutra. Quando existiu essa ciência “neutra” era

simplesmente a fim de servir alguns interesses e, portanto, acredito que todos

nós, ex-jovens de 1968, no momento em que fazemos criminologia,

confessamos de que lado estamos.

Nesta experiência de cultura de prevenção, que contextualiza o tema da

segurança como um novo modo de desviar-se do tema de controle social de tipo

penal, são construídos fundamentalmente como estratégias não acadêmicas,

para a qual não foram escritos livros, e sim escolhas de campo, envolvimento

nas administrações e nas forças políticas.

3. QUAIS SÃO AS OUTRAS DISCIPLINAS QUE PARTICIPAM NO

MONITORAMENTO CIENTÍFICO DO PROJETO?

Aqui é muito fácil responder porque o comitê científico que constitui este

projeto é formado de doze, treze, quatorze professores universitários. Pode-se

inclusive elencar as suas disciplinas: além da criminologia, a sociologia e a

atenção ao aspecto antropológico cultural.

Fundamentalmente são os sociólogos do desvio, com abordagem

sociológica do direito, como é meu caso.

É imaginável que neste Comitê Científico apareçam outras competências,

como aquelas da psicologia social - isto é interessante - mas não há dúvida que

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as competências fortes mesmo são aquelas que mais diretamente pertencem à

criminologia.

4. QUAIS SÃO AS PERSPECTIVAS ATUAIS DA CRIMINOLOGIA

CRÍTICA E DA SOCIOLOGIA CRÍTICA EM RELAÇÃO AO PROJETO?

A pergunta é bastante complexa. (Essas famosas perguntas de cem

milhões de dólares...). É muito complexa porque me faz desenvolver um

raciocínio para explicar um coisa que, na verdade, eu não sei, no sentido de

que, todos aqueles que aderiram, com diversos motivos, a este projeto, aderiram

com reservas mentais. Disso não há dúvida. Não há nenhuma adesão acrítica.

Houve uma adesão entusiasta, mas crítica a este projeto.

O próprio conceito de segurança é um conceito ambíguo que está solto e

que não se pode assumir como um dado ontológico objetivo. E isto vale também

para o conceito de prevenção, tanto mais quando é adjetivado como nova

prevenção; é um conceito ambíguo tanto quanto o outro. O que se pode dizer

sobre a prevenção para que ela deva-se chamar nova? São cento e cinquenta

anos em que se fala de prevenção. São, portanto, conceitos que se assume

somente com muita desconfiança por parte de todos.

Até não estarmos em condições de elaborar novos conceitos e de traduzir

em um vocabulário diferente a nossa estratégia, utilizamos estes conceitos em

termos convencionais, no sentido de que, por segurança se entenda mais ou

menos uma coisa, por prevenção se entenda mais ou menos uma coisa... mas

“mais ou menos” mesmo!

Depois de dois anos de atividade muito intensa do Comitê Científico deste

projeto, chegamos nesta fase final. Com o tempo, amadureceremos

naturalmente para uma maior reflexão.

Sabe-se que começam a emergir os nós teóricos que estão atrás deste

discurso. Acredito que uma experiência italiana sentirá necessidade de elaborar

também no plano teórico um referencial conceitual diverso, mesmo porque faz

frente a uma realidade que, na sua natureza é específica, ainda mais em uma

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região como a Região Emília-Romana, que é tão europeia e pouco italiana, por

ser diferente, rica em serviços, tradições etc.).

Por exemplo, alguns dados da nossa realidade que medimos são

adquiridos, no sentido que não se pode dar por espontâneo que em nosso

território as pessoas tenham efetivamente medo da criminalidade. Nossa

pesquisa mostra que as pessoas têm medo da criminalidade em termos muito

abstratos. Quando aparecem perguntas que são mais específicas no que diz

respeito ao bairro em que vivem, à situação material que sofrem e o que

efetivamente poderá lhes ocorrer, constatamos que nossa coletividade, sobre a

qual medimos esta estratégia, ainda se comporta fundamentalmente como se

estivesse segura, e que, portanto, o termo insegurança se torna um pouco uma

palavra ou um conceito “pigliattutto”2, no sentido de que todos os incômodos, as

dificuldades, as mudanças sociais, as mudanças nos quadros políticos, as

transformações profundas que uma sociedade como as que a nossa assumiu

neste decênio, tudo o que se produz sobre no plano psicológico, como

dificuldade de compreender a realidade, dificuldade de partilhar a realidade

segundo uma lógica antiga...., tudo isso produziu uma desorientação, um

sofrimento social que terminou por identificar-se com o medo da criminalidade.

Mas isto é muito diferente da criminalidade, também porque nós trabalhamos

num um território como o da Região Emília-Romana, na qual as taxas da

criminalidade são relativamente baixas; é um território ainda relativamente

seguro e, portanto, ainda uma situação ideal.

Não obstante isso, paradoxalmente, as pessoas se dizem amedrontadas

e levamos a sério o seu medo. Mas enxergamos que seu medo nasce ou é

construído a partir de outras coisas, e pode terminar por simplificar-se como

medo da diversidade, do inimigo interno, de relações sociais que se tornam mais

hostis, a partir da percepção de estranheza nas relações sociais, da redução na

comunicação social, da não frutificação do fluxo comunicativo entre sujeitos,

sociedade civil, instituições... tudo isso é verdade, mas não parece ser

2 Carta de jogo que quando aparece tem a capacidade de recolher todas as cartas da mesa, ou mesmo chamada de joker ou “pega tudo”.

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diretamente imputável ao fenômeno criminal ou à periculosidade objetiva da

criminalidade.

Portanto, começamos assumindo estes conceitos com grande prudência

e felizmente, acredito, com desconfiança. Os usamos, porque para falar, é

necessário convencionalmente usar uma linguagem, mas acredito que já

estamos em um ponto delicado de crítica da própria linguagem. Se prestarmos a

devida atenção na realidade, nós, como criminólogos críticos, nesta aventura

que atravessa tantos espaços perigosos – aqueles da gestão administrativa do

controle social e da criminologia administrativa –, poderemos, provavelmente

identificar outra linguagem, outros termos, outra gramática, para termos

condição de entender ou de compreender como se constrói a questão da

segurança.

Portanto pode se ter aqui a oportunidade da criminologia crítica operar um

salto qualitativo, que é próprio da identificação de um novo paradigma. Em

outras palavras, acredito que possamos descobrir novos limites em relação

àqueles para os quais observamos as mudanças da criminologia crítica, que

eram mais ou menos conhecidos: teoria abolicionista, minimalista, e de novo

realismo. Enfim, este tipo de experiência pode trazer posições diversas das que

temos encontrado tradicionalmente. Com isso vem o presságio com que se faz

essa aventura intelectual fundamentada numa política.

5. QUAIS SÃO OS COMPONENTES CIENTÍFICOS E IDEOLÓGICOS

REPRESENTADOS NO COMITÊ CIENTÍFICO?

Quase todos são professores de matérias sociológicas e criminológicas

em sentido estrito. Valem-se, pois, no plano operacional, de conhecimentos e da

própria técnica de pesquisa empírica. Portanto, o projeto certamente tem tudo

aquilo que faz parte de uma bagagem – dos instrumentos de trabalho – da

sociologia empírica.

No plano político a coisa é mais interessante. Não há dúvida de que o

comitê tem uma representação majoritária de experiências da criminologia crítica

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ou da sociologia crítica: qualifica-se portanto como ligado à crítica de esquerda.

Sobre isso não há dúvida. Este projeto é de iniciativa da Região Emília-Romana,

que é uma região vermelha de tradição comunista3, onde há sintonia da

Presidência com o Comitê Científico e entre as pessoas que fazem parte deste

comitê.

Do ponto de vista sociológico, a tomada de uma posição política por parte

do Comitê Científico gravita em geral no âmbito da cultura progressista

democrática, com algumas posições mais ou menos radicais, mas todas no

interior deste tipo de cultura. Sobre isso não há dúvida.

Talvez o mais interessante é que o projeto político que sustenta “Città

Sicure” tem alguns nós de fundo, que para os envolvidos são mais nós políticos

culturais no sentido estrito, no sentido da cultura da prevenção, referentes por

exemplo à redução do momento repressivo na solução dos conflitos, ao

aparecimento da possibilidade de reativar a comunicação social etc. Mas o

projeto qualifica-se politicamente por alguns pronunciamentos mais detalhados;

nesses aparece por exemplo uma escolha a favor de uma ampla

descentralização administrativa, na direção de um novo regionalismo nos limites

da hipótese federativa do Estado - e aqui, portanto, que as competências dos

governos locais se redefinam para que se possa finalmente afirmar que os

prefeitos, as figuras ou os sujeitos exponenciais da sociedade civil, eleitos

democraticamente, se tornem a referência político-institucional da exigência de

segurança.

No interior do procedimento de “Città Sicure” há também, obviamente,

uma escolha de modificação institucional que favoreça o governo das cidades. A

posição anti-estatalista que caracteriza o comitê sobre a questão criminal, é

ligada a uma questão do Estado Moderno, voltado para defesa contra inimigo

interno. Certas escolhas de política criminal, agora são políticas supranacionais,

tampouco nacionais (pensamos no caso da droga). De outro lado, ao contrário

disso, a demanda de segurança se constrói com demandas diretas a quem tem

responsabilidade de governo no território da cidade. Portanto, paradoxalmente 3 O comunismo italiano tem uma rica tradição que o distingue nitidamente dos demais comunismos europeus, inclusive do russo e do francês

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vem se deslocando o lugar intermediário do Estado: a questão é supranacional

ou local. Este é o tema. Estamos trabalhando para que amadureça, emerja e

seja assumida a responsabilidade e a cultura exatamente na dimensão pequena,

na cidade, no local, onde se produz a demanda por segurança e também a

necessidade de se dar uma resposta.

6. QUAL É A INTERAÇÃO ENTRE A PRESIDÊNCIA DA REGIÃO E OS

MEMBROS DO COMITÊ CIENTÍFICO?

A relação é muito clara no sentido que o Comitê Científico, não vive só

formalmente, mas de fato tem uma autonomia absoluta e incondicional. Aquilo

que queremos pesquisar, produzir, organizar, estudar e dizer depende

unicamente do Comitê Científico, não tem nenhuma relação com a presidência,

mesmo porque o Comitê Científico não poderia reivindicar isto e nem há

necessidade de fazê-lo, pois já está implícito na nossa função.

As coisas são diferentes no plano da produção da política. Embora o

conteúdo cognitivo possa também ser traduzido em indicações políticas, em

estratégias e em ações, é óbvio que se queira uma separação da região e da

presidência. Separação que até agora foi incondicionada. Não se sabe como

será o futuro, pois tudo pode acontecer, mas as sugestões que o Comitê

Científico tem escutado, no plano das recomendações, das indicações, foram

bem aceitas, e portanto não houve nenhum problema nem de conflito nem de

autocensura da parte de ninguém.

Há uma plena sintonia de intenções – de caráter amplo por assim dizer –

pois acabamos de começar. Ela é fundamentalmente voltada para os aspectos

de conhecimento e é bem pouco expressada em relação às proposições

políticas. O problema deverá ser verificado com o tempo, quando o comitê, com

base em determinados conhecimentos adquiridos, se tornará mais responsável,

mais seguro e mais corajoso para avançar com algumas propostas. No ponto

em que estamos, não podemos avançar nas propostas, e obviamente o governo

local, na sua presidência, pode fazer o que quiser no sentido que é livre para

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acolhê-las ou não. Por hora este problema não existe mesmo porque há uma

plena sintonia de intenções, há uma máxima autonomia de modalidades, formas

e hipóteses de pesquisa e quando sugerimos alguma hipótese, na verdade

muito abertas e muito genéricas ainda, há a concordância em relação às

mesmas.

Acreditamos, todavia, que o problema não vai aparecer, no sentido que o

Comitê Científico tem muito claro seu papel e que, portanto, sua autonomia é

relativa ao fato de produzir pesquisas e de propor iniciativas. É clara a

responsabilidade de governo deste território em responder, evidentemente com

outros critérios, que podem estar de acordo com os nossos mas também implica

na avaliação de oportunidades.

7. QUAL É A SUA OPINIÃO PESSOAL SOBRE A NOVA PREVENÇÃO?

O conceito de nova prevenção, ou de nova prevenção integrada, pertence

a linguagem francesa, porque foram eles que criaram o termo “nova prevenção”.

Há ainda alguns autores franceses que assim a definem. Certamente no mundo

de língua inglesa ninguém falaria de nova prevenção; lá se fala em estratégias

de segurança. Trata-se de um termo, nada mais do que uma etiqueta.

Contudo, dentro da etiqueta “nova prevenção” certamente existem

posições muito diversas. Posições que aparecem neste Comitê Científico:

algumas são seguramente compartilhadas e outras são vistas com muita

suspeita. Por exemplo, o termo nova prevenção pode abranger também

estratégias de prevenção situacional; em relação a esta estratégia, olhando com

interesse e não com preconceito. O Comitê Científico mantêm suspenso o juízo

sobre sua utilidade e sua oportunidade.

Nós confrontamos de maneira muito aberta à cultura de prevenção

referida em outros lugares, na França, na Inglaterra, nos Países Baixos, no

Canadá, nos Estados Unidos etc. São experiências diferentes, histórias

diferentes, partem às vezes de pressupostos também distintos, mas em tese, há

uma coisa em comum, que caracteriza todas as culturas de prevenção, que

poderia ser resumida assim: como lidar com a questão da segurança sem

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recorrer à repressão? Ou ainda, afirmar que na dimensão local descentralizada

a atenção aos cidadãos ativos é um ponto crucial das estratégias. Ou dizer que

as ações de prevenção devem ter um o momento de avaliação da sua eficácia.

Parece-me que isso faz parte mais ou menos de todas as culturas de prevenção.

Aderimos a este movimento quando participamos do comitê do Città

Sicure”, do Fórum Europeu de Segurança das Cidades, onde organismos

internacionais estão trabalhando sobre o tema da prevenção, sendo que no

interior deste amplo guarda-chuva podem estar cobertas posições muito

diferentes.

Partimos de uma realidade nacional em que nos últimos vinte ou trinta

anos não houve nenhuma experiência de nova cultura preventiva. Portanto,

acredito que foi uma boa coisa verificarmos do que falava esta nova linguagem.

Repito, de maneira muito crítica, que estamos convencidos que atrás da etiqueta

“nova prevenção” existem estratégias completamente diversificadas. A palavra

de ordem “prevenção integrada” pode ser uma “folha de figo” que tem posições

mais ou menos aceitáveis, e num tempo razoável conseguiremos explicitar

melhor como nos posicionamos no interior deste tipo de cultura.

Portanto, se você me pergunta o que eu penso da estratégia da nova

prevenção eu respondo que, em relação aos outros países temos uma

expressão muito diferente. Basta pensar no exemplo da realidade de língua

inglesa onde se construiu muito sobre a hipótese de prevenção situacional, de

neighborhood watch e de outras estratégias, nas quais procuraram reativar a

comunidade como rede voltada para uma vigilância do território. Pessoalmente

tenho uma certa desconfiança frente a este tipo de estratégia, desconfiança que

devo explicitar não somente a mim mesmo mas também aos outros.

Quando detrás de políticas de nova prevenção há, ao invés, uma intenção

voltada a perguntar e intervir sobre o plano de uma qualidade de serviços

diferente, já isso é uma cultura que é muito mais próxima e vizinha à cultura

italiana na qual me arriscaria menos em exprimir-me favoravelmente.

Portanto é importante entender que não se trata de nenhuma fascinação

ou paixão incondicionada, nem pelas palavras nem pela estratégia. Creio que as

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pessoas que fazem parte do Comitê Científico são todas bastante adultas,

espertas, maiores e vacinadas; sabem que frequentemente atrás das palavras

estão os enganos de etiquetas. Provavelmente descobriremos que colocar

adjetivos novos, que as vezes são riquíssimos, junto à prevenção não querem

dizer nada. Portanto, estamos abertos a todos os êxitos, sem que haja postura

ideológica.

Temos assumido que alguns temas seriam importantes:

1. A redução dos recursos penais, isto é, abordar os conflitos sem usar da

“gramática” do direito penal;

2. A necessidade, no tempo, de grandes transformações qualitativas e

quantitativas no tema da segurança e insegurança;

3. A mudança da coletividade, que se diz amedrontada, no modo de

comportar-se com respeito ao desvio;

Uma realidade como a italiana que por um longo tempo esteve habituada

– “sorte” sua ou mérito seu – a tratar dos conflitos através do vocabulário da

política, improvisadamente no final dos anos 1980, início dos anos 1990, não

usa mais este vocabulário. Usa outros vocabulários, como precisamente o do

alarme social ou do medo. Percebemos como alguma coisa que estava se

transformando, estava modificando a realidade social de referência. Sobre isto

concordamos e isto estamos pesquisando, seja pela iniciativa da revista

“Sicurezza e Territorio”, seja na iniciativa político-cultural de ações de prevenção

do “Città Sicure”. Este é o único ponto.

Apontado este objeto de nosso interesse, é claro, estamos de olho – nem

poderíamos fazer de outra forma –, nos países que antes de nós puseram

algumas questões e que fizeram uma parte do caminho. Com respeito ao modo

como são postas as questões e a que caminho têm seguido, eu acredito que

mantemos uma postura estritamente crítica.

8. QUAIS SÃO AS POSIÇÕES ATUAIS DA ASSOCIAÇÃO DOS

PREFEITOS E DAS REDES NACIONAIS E INTERNACIONAIS DE CIDADES

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NO CONFRONTO DAS NOVAS POLÍTICAS DE PREVENÇÃO PARA A

SEGURANÇA DAS CIDADES?

Posso mencionar ou fornecer alguns dados de fato.

Não fazemos parte de uma experiência pioneira, pois existem algumas

antes e, portanto, de alguma maneira, temos a monitoramento daquilo que está

sendo feito.

As grandes redes europeias de segurança das cidades constituíram um

fórum, do qual participa também “Città Sicure”, para que as cidades europeias

deste fórum entrassem em sintonia e através do qual são representadas a

Região Emília-Romana, as cidades de Bologna e Modena, entre outras, e,

portanto, claramente, há uma super-representação do nosso território, porque

essas foram as primeiras que se movimentaram. Tem também cidades como

Torino, Roma e algumas cidades do sul da Itália, mas isto não tem nada a ver

com a entidade do movimento dos prefeitos franceses ou de outras cidades

europeias, onde há uma visão muito mais ampla. Num breve período de tempo,

também a Itália conseguirá desenvolver-se, o que me alegra, e acredito que não

estou errado. Se as coisas andarem como parece que devem andar, muitos se

aproximarão desta rede e muitos se aproximarão desta cultura, deste confronto

internacional para aprender exatamente o que os outros têm feito, porque, de

qualquer modo o tema da segurança será sempre mais abordado.

Por que digo isso? Por razões em parte políticas e em parte, chamemo-

las assim, institucionais.

Falemos das mais simples: as institucionais. Na Itália, os prefeitos eleitos

nas últimas eleições administrativas foram eleitos com critério direto, pelo qual

os cidadãos elegem o prefeito, o qual depois monta a própria equipe de governo.

Há, portanto, uma eleição direta do primeiro cidadão. Isto conduz a um processo

óbvio de maior identificação entre sociedade civil e prefeito. O prefeito se torna

de fato a figura que representa o anel direto de adesão entre cidadãos, políticos

e instituições. Assim, isto faz com que todas as demandas sociais ou todos os

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sofrimentos e desvalorizações sociais voltem ao prefeito, incluindo, portanto, as

demandas de segurança.

Poucos anos atrás estas demandas de segurança estariam voltadas à

polícia, à magistratura. Ninguém pensava a dirigir-se a sua autoridade

administrativa e, por outro lado, a autoridade administrativa tem pouca

competência para responder às demandas de segurança. Assim, o prefeito fica

em uma posição ruim porque, em matéria de consenso social, as pessoas o

identificam como sujeito forte e recorrem a ele mas, por outro lado, ele se

encontra com poder e competência muito limitados no governo da segurança.

Então as estratégias que podem ser assumidas são duas. A primeira é fazer de

contra que nada está acontecendo – você dirige-lhe as demandas e ele não te

escuta –, estratégia essa que pode satisfazer de imediato, mas num longo

período é negativa, pois numa outra eleição os cidadãos podem escolher um

outro. Na segunda o prefeito pode dizer: “Bem, eu me torno sujeito portador

desta demanda, vocês a dirigem a mim, eu a coordeno, a harmonizo, e caso de

não existam as condições externas para resolvê-la, resolvo eu, onde deveriam

atuar outras agências: a polícia, a magistratura. Assim carrego a força da sua

demanda, faço-me portador da mesma no ambiente estabelecido.”

Esta é uma atitude que consideramos muito mais madura, muito mais

consciente a longo prazo, mas que de imediato pode produzir fenômenos

traumáticos no sentido que os prefeitos se encontram frente às demandas de

segurança sem ter o poder necessário para isso.

Eis o porque de uma reviravolta de tipo federativo, com aumento das

competências dos prefeitos e dos governos locais, também no tema da

segurança. Trata-se de um esclarecimento político fundamental para fazer desta

figura para entender o fortalecimento desta figura com capacidade de dar

respostas a estas demandas.

Não é que o prefeito na Itália tenha poderes como existem nos Estados

Unidos, onde o primeiro homem da polícia ou o “xerife” depende do prefeito,

onde a ordem pública de uma cidade é feita pelo primeiro cidadão. Na Itália não;

a ordem pública é feita pela polícia de estado, que é outra coisa. Portanto, é

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claro que, para avançar com este projeto necessita-se que desatem-se alguns

nós, também no plano institucional, de descentralização de competências e de

funções.

De outra forma arriscamo-nos a produzir uma ênfase excessiva na

possibilidade de uma administração resolver problemas, quando estamos

conscientes que no estado atual elas são muito fracas, tanto no plano das

competências quanto dos recursos.

9. QUAIS SÃO, EVENTUALMENTE, OS LIMITES DO “CONCEITO DE

SEGURANÇA” UTILIZADO NO PROJETO “CITTÀ SICURE”? QUAIS SÃO OS

DESENVOLVIMENTOS E AS TRANSFORMAÇÕES ATUAIS EM RELAÇÃO A

ESTE CONCEITO?

Logo deduzimos que os conceitos de segurança e insegurança são muito

ambíguos, no sentido de que, também terminologicamente, podem evocar

coisas muito diversas, mas veremos aquelas pelas quais nos interessamos.

No nosso primeiro grau da pesquisa fazemos algumas distinções,

operadas também em outros países. Isto é, distinguimos uma segurança e

insegurança objetiva e uma segurança e insegurança subjetiva, e verificamos

empiricamente como não era necessária a coincidência das duas. Aqueles que

podem ser mais expostos aos riscos de criminalidade e, portanto, são mais

inseguros objetivamente, não necessariamente são aqueles que se sentem mais

inseguros e vice-versa, aqueles que vivem situações objetivamente mais

seguras podem ser portadores de uma maior demanda de segurança.

Em seguida, assumimos que, por trás do tema da insegurança objetiva há

necessidade de comparar situações de insegurança objetiva diferentes. Nessa

perspectiva comparativa obtivemos uma imagem bastante realística de uma

desagregação nacional do tema da segurança. O bem da segurança objetiva

não é distribuído equitativamente entre todos os cidadãos, nem todos os

italianos são objetivamente tão seguros!!! A segurança e insegurança são bens

distribuídos de maneira seletiva, variando de acordo com a idade, o gênero, o

local de moradia, a renda mensal, a profissão, a cultura e tantas outras variáveis

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decisivas para tornar um sujeito mais ou menos seguro. Isto é uma evidência

teórica que observamos como evidência empírica. Sabemos quantos são

seguros objetivamente no nosso território: no centro das cidades e na periferia.

Isto é, temos os dados quantitativos que permitem diferenciar o tema da

segurança segundo graus diversos.

Comparando nossas cidades com outras cidades temo agora condições

para dizer que a Região Emília-Romana é ainda relativamente muito mais

segura que em muitas partes da Itália e que é muito mais segura que a média

europeia.

No plano da insegurança subjetiva são postas aqui muitas distinções,

também porque entendemos que o medo é um conceito ambíguo. Existe o medo

abstrato e o medo concreto. Os cidadãos da região Emília-Romana dizem ter

medo abstrato, mas em concreto têm pouco medo. Temos procurado diferenciar

o medo abstrato do concreto, pois, uma vez que temos também diferenciado o

medo abstrato nos demos conta que o medo nem sempre influi na qualidade de

vida e, portanto, temos examinado as condutas de autoproteção, ou seja como

os cidadãos da nossa região ou da nossa cidade modificam a própria conduta

em razão do risco criminal. Felizmente descobrimos que em nosso território bem

poucas pessoas modificam a sua conduta em razão desse risco.

Portanto aparentemente a situação é paradoxal: um cidadão médio

emiliano diz que tem muito medo, em abstrato, mas no concreto pensa que a

criminalidade não possa atingi-lo nunca, ou raramente. O resultado é que se

comporta como se vivesse numa cidade muito tranquila.

Este panorama, portanto, permite distinguir o medo em abstrato, o medo

em concreto, o medo subjetivo, o risco objetivo, as ações de autoproteção e

tantos outras variáveis que articulamos em pesquisas pontuais, isto é, cidade

por cidade. Temos a média regional, para que possamos fazer projeções de

como andam as coisas. Neste sentido já demos o primeiro passo.

É necessário entender que partimos de uma realidade – a italiana – sobre

a qual, no plano empírico, não se sabia nada. Esta é a verdade. Então qualquer

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um que se levantasse de manhã podia dizer o que queria, sem verificar o que é

verdade e o que não é. Não havia nenhuma verificação empírica.

Já dissemos que nas ações de prevenção devem-se colocar os limites, as

bandeirinhas, isto é, começar a dizer que não se pode dizer as cifras que se

quer. As cifras devem ser verificadas.

Nesta primeira tentativa de fazer um mapa estamos agora

exaustivamente desenhando as primeiras linhas. Há muito cansaço, os mapas

são difíceis de construir, mas isso já dá uma perspectiva positiva para o futuro,

no sentido de que quanto mais se estuda o fenômeno tanto mais se relativiza o

problema, se circunscreve, se acolhe a complexidade, a especificidade, a

diversidade. Bem, quanto mais se avança, mais se torna complicada a

compreensão: isto faz, paradoxalmente, aumentar os espaços da política.

Se lançamos um tema evocado genericamente – “O aumento da

criminalidade...” ou “O medo da criminalidade...” – depois não há mais espaço

para política. Se, ao contrário, se destrincha, se compreende, se diversifica,

começa-se a estender, portanto, este mapa da realidade. Podemos dizer se é

objetiva, subjetiva, se é de representação; na realidade dá-se conta que o

problema não só é muito mais complexo, mas também muito mais fácil de ser

enfrentado do ponto de vista político, torna-se muito mais relativo. Depende, o

famoso “depende”, quanto mais você descobre o “depende”, tanto mais ele

aparece no espaço de intervenção. Se se pode intervir, os problemas não são

insolúveis. São complexos, mas uma vez se entende que são relativamente, não

digo fáceis, mas abordáveis. Há, portanto, para mim, um espaço de

transformação, de empenho, de ação política, que não deve ser tratado como “o

tema da criminalidade”, pois evocada assim parece um monstro que não se

pode enfrentar nunca.

Entendendo-se a criminalidade, pode-se reconstruir milhares de

realidades diferentes. Se houver paciência e vontade, cada realidade, ainda que

não seja resolvida definitivamente, pode ser enfrentada para que seja reduzida a

agressividade.

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Partimos de uma posição muito laica e desencantada. Nenhum de nós,

do projeto “Città Sicure” se ilude de construir uma cidade segura, assim como

fazendo política criminal ninguém se ilude em vencer a criminalidade. Essas são

duas hipóteses utópicas e ingênuas. O problema é que se pode deixar uma

cidade mais segura ou pode-se deixá-la mais insegura.

A criminalidade pode ser enfrentada no sentido de reduzir a agressividade

em níveis de tolerância sistêmica, com a democracia e com a economia. Não se

pode enfrentar a criminalidade na ilusão de vencê-la. Não se pode entrar na

lógica simplista do inimigo interno. Não queremos vencer nenhum inimigo

interno porque todos duvidamos que exista um inimigo interno. O que existe são

as complexidades dos problemas que podem ser confrontados reduzindo a

intervenção do Penal, se não abolindo-o em alguns aspectos, reduzindo as

intervenções puramente reativas às situações, através de intervenções culturais

e preventivas que, segundo nós, refletem diretamente em melhor qualidade da

vida da cidade, pois o tema da segurança nada mais é do que um álibi para falar

da qualidade da vida das metrópoles.

Este é o tema, que é amplo; como é amplo o tema da qualidade da vida.

Não sei se para viver feliz uma cidade se deve viver de maneira absolutamente

segura. Não nos contentamos somente em predeterminar algumas condições

indispensáveis, ou apenas suficientes, para compatibilizar o risco da

criminalidade e o medo do crime, de forma a poder manter elevados em nosso

território a democracia, a comunicação e a possibilidade de vida. É este o

objetivo real.

(FIM DA ENTREVISTA.)

Depois saímos para tomar um café. Ele parecia contente com o resultado.

Era a primeira vez que os sujeitos daquela história se tornavam objeto de estudo

de alguém.

Este é o registro que tenho de um momento que imprimiu a marca da

perspectiva criminológico crítica numa política pública que teve e ainda tem

enorme repercussão no campo da segurança urbana.

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Esta entrevista foi decisiva na confecção de minha dissertação de

mestrado - “Políticas integradas de segurança urbana: modelos de respostas

alternativas à criminalidade de rua”, defendida em 1997, pois facilitou a

organização das ideias mais importantes e a leitura do material coletado na

Presidência da Região Emília-Romana, onde trabalhava o staff científico e

administrativo do projeto. Expresso aqui minha gratidão a todos, e em especial,

a Massimo!