Uma Escola de Teoria da Argumentação - A Pragma-Dialetica

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  • 8/7/2019 Uma Escola de Teoria da Argumentao - A Pragma-Dialetica

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    Curso de Retrica, Argumentao e Filosofia

    Dissertao Final da Disciplina Segundo Ciclo

    Tema: As Regras da Argumentao na Pragma-Dialtica

    Docente: Professor Dr. Henrique Jales Ribeiro

    Discente: Rafael Antonio Blanco

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    O objetivo desse trabalho elucidar como operam e em que contexto faz-senecessrio um determinado conjunto de regras, propostas por uma escola de teoria daargumentao chamada pragma-dialtica, que quando aplicadas por interlocutoresrazoveis num dilogo crtico, podem levar resoluo de uma diferena de pontos devistas. A pragma-dialtica busca fornecer os elementos necessrios para a criao de ummodelo que permita a reconstruo da linguagem ordinria e permita a anlise e a crtica argumentao.

    A pragma-dialtica uma teoria da argumentao desenvolvida, principalmentepor Frans H. van Eemeren e Rob Grootendorst da Universidade de Amsterd, com afinalidade de analisar e julgar uma argumentao entre interlocutores que buscam

    resolver uma diferena de pontos de vista. Nesse sentido, a pragma-dialtica entendepor argumentao: A argumentao uma atividade verbal, social e racional comvistas de convencer um crtico razovel da aceitabilidade de um ponto de vistaapresentando uma constelao de proposies, justificando ou refutando a proposioexpressada pelo ponto de vista.1

    A argumentao se d por vias verbais e atravs do uso da linguagem, endereada a algum, portanto social e principalmente uma atividade racionalbaseada em consideraes intelectuais. A argumentao consiste na defesa de um pontode vista contra a dvida levantada pelo ouvinte ou leitor. A argumentao , ento, umprocesso de persuaso dos oradores sobre os ouvintes ou de um escritor sobre seusleitores, com vistas de os convencer da aceitabilidade do ponto de vista defendido. Oprprio contedo proposicional de qualquer tipo de assertiva avanada por uma parte esua fora de justificao ou refutao do argumento sero partes inerentes do que aquichamaremos argumentao.

    Para se jogar o jogo argumentativo necessrio atribuir racionalidade, oumelhor, razoabilidade, ao pblico final do discurso ou texto. Se o argumento for do tipo o caso que ento o que se buscar sua justificao. Se for do tipo No o casoque ento se buscar a sua refutao.

    O campo de estudo da argumentao so as obras orais e escritas nos seus maisdistintos domnios, porm algunslocus principais podem ser destacados como reas

    1 A Systematic Theory of Argumentation , p. 1. [traduo nossa]

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    problemas: elementos no expressos do discurso argumentativo, estruturas deargumentao, esquemas de argumentos e falcias.

    Exploremos cada um desses campos problemas brevemente. Pois nem todas as

    atividades verbais so discursos argumentativos. O contexto indicar o caso ou no deocorrncia da argumentao, como j nos apontava de forma geral oThe Uses of

    Argument de Stephen Toulmin e oTrait de largumentation: La Nouvelle Rhetoriqu de Perelman e Olbrechts-Tyteca.

    Primeiro campo problema: Haver casos em que a argumentao estar implcitano discurso na forma de premissas inexpressas, que podem ser extremamente difcieis

    de serem descobertas em anlises lgicas baseadas em critrios de validade formais.Da a necessidade do uso de contextos lingusticos pragmticos, voltados para a prpriaprxis do uso da linguagem.

    Segundo campo problema: A defesa ou a tentativa de refutao de umaproposio pode ter vrias estruturas argumentativas. A argumentao pode seapresentar de forma simples ou complexa que se subdivide em: argumentao mltipla,coordenada, subordinada, etc. Tambm aqui a prtica da argumentao a chave para

    distinguirmos a argumentao simples da complexa.

    Terceiro campo problema: Alm desse contexto externo da forma daargumentao, h tambm um interesse pelo seu contedo interno. Ou seja, procura-sepelo esquema do argumento esboado. Olha-se para a relao da premissa avanadacom a proposio que se busca defender ou refutar. H trs grandes grupos de esquemasde argumento: causal, sintomtico ou atravs de sinal e o baseado em comparao.

    Quarto campo problema: O ltimo macro campo temtico de interesse aostericos da argumentao o do estudo das falcias. Estas foram vistas ao longo dahistria, basicamente, como argumentos invlidos que pareciam vlidos. A pragma-dialtica pretender expandir o sentido de falcia, que ser uma violao explcita aqualquer uma das 15 Regras que exporemos a seguir.

    A pragma-dialtica buscar integrar o estudo desses quatro campos de trabalho

    e fornecer uma teoria normativa, ou seja, que busca dizer comodeve ser uma

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    quando o protagonista retrai seu ponto de vista como uma consequncia das reaescrticas do antagonista.3

    Se isso ocorre, ento houve um intercambiamento de atos de fala de linguagem

    entre as redessemnticas do protagonista e do antagonista, de forma dialtica. Porm asresolues s so possveis, quando os interlocutores observam uma srie de regras.

    As regras procedimentais se aplicam a vrias partes da discusso crtica epretendem ser, tambm, contribuies para a resoluo de problemas que so inerentes argumentao. Claro que as regras no garantem por si s a resoluo da diferena depontos de vistas, nem garantem que os interlocutores iro segui-las estritamente.

    Visto que na pragma-dialtica a falcia est estritamente vinculada com aviolao de cada uma das regras da argumentao, procuramos exemplificar algunstipos de falcias que podem incorrer os interlocutores.

    Porm, voltemo-nos para a questo dos atos de falas, teoria que remonta a JohnL. Austin, que apropriado criticamente pelo modelo que busca reconstruir umadiscusso argumentativa proposto pela pragma-dialtica. Austin dintiguia entre

    principalmente trs atos de fala (speech acts): em primeiro lugar: o ato locucionrio, qued a ver a uma elocuo, expresso de uma frase que entrelaa as dimenses semnticas,sintticas, fonticas, etc. Em segundo lugar: ato ilocucionrio ou a fora de expressoque remete verdadeira inteno e significao e, em terceiro lugar: um atoperlocucionrio que remete para os efeitos gerados a partir da locuo que podem serpersuaso, convencimento, dvidas, etc.

    No caso da pragma-dialtica consideram-se quatro atos de fala distintos, pormque na maioria das vezes aparecem entrelaados na linguagem cotidiana, originando oque veremos repetidamente a partir daqui, um ato de fala complexo. Os quatro atos defala propostos pela pragma-dialtica so: assertivos,de comprometimento (commissives), diretivos e declarativos de uso. Os assertivos indicam uma afirmao,um avano de um juzo e um ponto de vista. Os atos de fala de comprometimentoremetem para uma aceitao ou rechaar de algum ponto de vista, aceitao do convitepara defender um ponto de vista, etc. Os atos de fala diretivos so os que externalizam

    3 Ibid, p. 133.

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    um requerimento direcionado outra parte, tal como um convite para que o outrodefenda seu ponto de vista, por exemplo. Em ltimo lugar, os atos de fala que declaramo uso so empregados como definies, especificaes, etc.

    A pragma-dialtica assume a existncia de quatros fases distintas que podem seraplicadas para possibilitar a reconstruo de qualquer tentativa de resoluo de opiniesdistintas. Esse modelo que prev a reconstruo de uma argumentao detm, para almde uma funo crtica evidente, uma funo heurstica. E talvez aqui resida a grandecontribuio da pragma-dialtica. As regras procedimentais pretendem ser facilitadorese, qui, contribuir ativamente para a soluo da diferena de opinio. Os quatroestgios que devem estar contidos em qualquer argumentao passvel de reconstruo

    pela pragma-dialtica so os seguintes: estgio de confrontao, estgio de abertura,estgio de argumentao e estgio de concluso. Falemos brevemente de cada um deles,pois sero importantes para enquadrarmos cada uma das regras que apresentaremos aseguir em um determinado estgio.

    O estgio de confrontao o que ilumina a diferena de opinio entre osinterlocutores, que faz ver a diferena entre os pontos de vistas. Se essa identificaono ocorre, a prpria argumentao em si despropositada. Alm disso, qualquerviolao da Regra nmero 1, ou seja, da regra de liberdade impede que a diferena deopinies se estabelea, o que resulta numa falcia.

    O segundo estgio distinguido na pragma-dialtica o de abertura. Neste estgioos interlocutores procuram identificar qual o limite de seusbackgrounds compartilhados, at que medida h compartilhamento das mesmas crenas,desejos, conhecimento, etc. Isso ser fundamental para que haja o mnimo de

    convenes que possibilitaro todo o desenrolar da argumentao. As regras queconcernem ao estgio de abertura so da 2 5.

    O terceiro estgio, que propriamente o estgio da argumentao, aquele naqual o protagonista avana os argumentos para seus pontos de vistas que so atacadospela argumentao do antagonista, caso soem a este como irrazoveis. As regras aseguir que tero relao com o estgio de argumentao so da Regra 6 13.

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    Por ltimo lugar, temos o estgio de concluso, em que as partes envolvidasconsideram conjuntamente o resultado da argumentao que se desenvolveu. Se oprotagonista defende eficazmente sua argumentao, ento o antagonista deve retirar asua dvida sobre a questo. Se o antagonista eficazmente critica a premissa ou aargumentao do protagonista, ento este deve retirar seu ponto de vista. A Regra queconcerne ao estgio de concluso a Regra 14.

    Passemos ento anlise mais detida de cada uma das 14 Regras propostas pelapragma-dialtica para que uma discusso crtica possa resultar numa resoluo dadiferena entre pontos de vistas. Apontaremos tambm as falcias que geralmente seproduzem quando da violao das regras. Achamos importante traduzir fidedignamente

    as enunciaes de cada uma das regras, que em seguida procuramos explicarbrevemente. (Observao de traduo: preferimos traduzirParties por interlocutorese Standpoints por pontos de vistas)

    Regra 1 ou Regra de Liberdade:

    Enunciao forma longa: a) Condies especiais no se aplicam nem aocontedo proposicional das assertivas pelas quais um ponto de vista expressado, nem

    ao contedo proposicional da negao do compromisso pelos meios os quais um pontode vista posto em questo.

    b) Na execuo desses compromissos assertivos e negativos, nenhuma condioespecial preparatria se aplica posio ou status do falante ou escritor e do ouvinte ouleitor.4

    Enunciao forma curta: Os interlocutores no devem impedir um ao outro deavanarem pontos de vistas ou dvidas sobre pontos de vistas.5

    A pragma-dialtica se prope resoluo da diferena de opinies esboadas pordois interlocutores, ou apenas um sujeito, que aplica as regras propostas. Porm, paraque isso ocorra, necessrio que os pontos de vistas concernidos sejam esboados coma maior clareza e liberdade possvel. Se isso acontece, cumpre-se a fase deexternalizao da discusso.

    4 Ibid, p. 136.5 Argumentation , p. 110, [traduo nossa].

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    Quando algum ou uma conjuntura histrica restringe a liberdade dosinterlocutores de avanarem seus pontos de vista incorre-se numa falcia, que ficouconhecida na historiografia como falcia do basto ouargumentum ad baculum ( fallacy of the stick ). Isso pode se dar quando algum coagido por outro oupor um grupo a dizer o que no pensa ou no acredita e, tambm, quando desacredita-seos argumentos postos pela outra parte com base em ataques pessoais, integridade, etc.

    Essa coao pode se processar de muitas formas: da ameaa fsica tentativa depressionar a outra parte da discusso apelando a argumentos que pretendem atuar nasensibilizao e na emotividade do outro, conhecido como apelo pena ou(argumentum ad misericordiam ). Podemos relacionar com este ponto como uma

    tentativa do interlocutor manipular, segundo o jargo aristotlico, o pathos , a paixo daoutra parte, resultando num argumento falacioso conhecido como falcia pattica.

    Como dissemos, pode-se atacar tambm o carter e a credibilidade de outraparte, que limite ou impede seu livre avanar de pontos de vistas numadiscusso. Fazendo novamente referncia a Aristteles, podemos afirmar que esse tipode falcia se processa por ataque aothos da outra parte de um dilogo. O tipo defalcia que decorre daqui ficou conhecido na historiografia comoargumentum ad hominem .

    Referimo-nos, ento a trs tipos de falcias que decorrem da violao da Regranmero 1. De maneira geral, quando h entraves a liberdade de uma parte em avanarargumentos, diz-se que existe a falcia do basto. Derivadas dessa, quando h umapelo s emoes do outro, nota-se a falcia do apelo pena. (ad misericordiam ). E, porltimo, quando h ataques contra a credibilidade da outra parte revela-se a falciaad

    hominem .

    Regra 2 ou Regra do nus da Prova:

    Enunciao: O debatedor que pe em pauta um ponto de vista de outrodebatedor no estgio de confrontao sempre autorizado a convidar este debatedorpara defender seu ponto de vista.6

    6 A Sytematic Theory of Argumentation, p. 137.

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    Enunciao forma curta: Um interlocutor que avana um ponto de vista obrigado a defend-lo quando inquirido a faz-lo7

    Com a finalidade de resolver uma diferena de opinio entre dois interlocutores,

    qualquer um deve estar preparado para defender seu ponto de vista, quandoquestionado. Quando isso se d, distingue-se entre um protagonista da argumentao,que defende o ponto de vista de partida, e um antagonista, que ataca o ponto de vista departida. A Regra do nus da Prova se aplica quando h uma aceitao convencional, ouseja, entre ambas as partes, das regras procedimentais da argumentao. Quando a outraparte na segue um ou mais das regras acordadas e, portanto, incorre em falcias, a outra parte fica livre da necessidade de prova do seu ponto de vista.

    H falcia e, por conseguinte, violao na Regra 2, quando algum no estdisposto a defender seu ponto de vista numa discusso. Uma das principais formas deisso se processar quando uma parte atribui a outrem a responsabilidade da prova dumapremissa. Quando isso ocorre fala-se na falcia do deslocamento da responsabilidadeda prova (shifting the burden of proof ).

    Outro problema que pode surgir quanto a ordem a ser seguida, quanto defende-

    se um ponto de vista assumido. A pragma-dialtica atribui que o primeiro a defender umponto de vista aquele que espera alterar o status quo8. H tambm a possibilidade deordenar a discusso de acordo com as teses mais simples de defender mais complexas.

    Existe a possibilidade de uma das partes de uma discusso assumir que seuponto de vista no necessita de prova, ou seja, sagrado ou sacrosanto. Tambm aquiencontra-se uma violao da Regra 2, que incorre na falcia conhecido como iludir a

    responsabilidade de prova (evading the burden of proof). A pragma-dialtica nopermite o avanar de pontos de vistas imunes ao criticismo, ou que remetem a noesessencialistas. Esses pontos de vistas so falaciosos, atentam contra a Regra 2.

    7 Argumentation, p. 113.8 Ibid, p. 115.

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    Regra 3:

    Enunciao forma longa: O debatedor que convidado por outro debatedorpara defender o ponto de vista avanado no estgio de confrontao sempre obrigado a

    aceitar esse convite, ao menos que o outro debatedor no esteja preparado para aceitarqualquer premisa compartilhada e as regras de discusso; O debatedor permaneceobrigado a defender o ponto de vista enquanto ele no o retirar e enquanto ele no ohouver defendido de forma bem sucedida contra outro debatedor sob bases de premissase regras discursivas aceitas.9

    Podemos assumir essa regra como um desenvolvimento da Regra 2. Ambos os

    interlocutores detm o nus da prova, devem provar seus pontos de vistas. O problemaque pode surgir quanto a ordem na exposio da defesa, como referimos.

    A prxima regra aponta para a necessidade inerente a busca de resoluo de umadiferena de pontos de vistas de um assumir, por parte dos interlocutores dos papis deprotagonista e antagonista, passveis de inverso ao longo do discurso. Aquele queavana um ponto de vista imediatamente faz o papel de protagonista o qual buscarargumentar razoavelmente com um antagonista que duvida da premissa posta em causa.

    Regra 4:

    O debatedor que, no estgio de abertura, aceitou o convite do outro debatedorpara defender seu ponto de vista assumir o papel de protagonista no estgio deargumentao, e o outro debatedor assumir o papel de antagonista, ao menos que elesconcordem de outra forma; a distribuio dos papis mantida at o final dadiscusso.10

    No estgio de argumentao, aquele que assume o papel de protagonista buscadefender o ponto de vista inicial contra a parte que assumiu o papel de antagonista. Paraque a argumentao se proceda necessria uma srie de pr-acordos entre as partesconcernidas numa discusso, que fornecem uma grelha que ser usada como critrionormativo para a reconstruo do discurso. Da o carter convencional das regras quedetm validade num determinado discurso. Existe tambm a possibilidade de, para alm

    9 A Sytematic Theory of Argumentation , p. 139.10 Ibid, p. 142.

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    de convenes que so tacitamente aceitas num discurso, que seja redigido um texto queexternaliza essas regras. Claro que, a partir do momento em que as partes aceitamconvencionalmente as regras que tero fora ao longo da discusso, estas passam aconfinar e limitar o escopo dos argumentos que tero adequabilidade numa determinadadiscusso. Alm disso, as regras acordadas podem ser postas em discusso, quanto a suaaceitabilidade, a qualquer momento.

    Regra 5:

    O debatedores que assumirem os papis de protagonistas e antagonistas noestgio de argumentao concordam de antemo ao estgio de argumentao quais

    regras sero seguidas: como o protagonista deve defender o ponto de vista inicial ecomo o antagonista deve atac-lo. Essas regras se aplicam ao longo de toda a discussoe no devem ser postas em questo durante a discusso ela mesma por nenhuma daspartes.11

    Voltemos rapidamente a falar de atos de fala, pois o conhecimento da teoria que fundamental. H trs tipos de atos de falas que surgem no estgio de argumentao.Primeiro tipo de ato de fala: assertivas (assertives ) que expressam um ponto de vista e

    avanam a defesa de pontos de vistas, etc. Segundo tipo de ato de fala: que externalizamum comprometimento (commissives ) com determinados pontos de vistas, aceitao, noaceitao, etc. Terceiros tipos de atos de fala: directivas (directives ) que convidam aoutra parte para a defesa de um ponto de vista, demanda para que a argumentao seinicie, etc. Somente esses atos de falas so meios aceitos para o curso de uma discussocrtica.

    Regra 6:

    a) O protagonista pode sempre defender o ponto de vista que ele adota nadiferena inicial de opinio ou numa sub-diferena de opinio ao executar um ato defala complexo de argumentao, o qual ento conta como uma defesa provisria doponto de vista.

    11 Ibid, p. 143.

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    b) O antagonista pode sempre atacar o ponto de vista ao colocar em questo ocontedo proposicional ou a fora justificacional ou refutatria da argumentao.

    c) O protagonista e o antagonista no podem defender ou atacar os pontos de

    vista de nenhum outro modo.12

    As regras procedimentais devem indicar claramente quando a defesa do ponto devista pelo protagonista alcanou xito. Se for assim, o antagonista deve aceitar osargumentos avanados pelo protagonista. Se o protagonista no alcanou eficazmente adefesa do ponto de vista, ento o antagonista alcanou xito em atacar o ponto de vista.Para que ambos os casos possam ser verificados necessrio estabelecer quais as bases

    de aceitabilidade que sero adotadas entre os interlocutores. Isso resulta numa lista deproposies que ambos aceitam e como eles decidiro juntos sobre a aceitabilidade deoutras proposies.13

    Considerando isso, a pragma-dialtica prope, ento, um procedimento deidentificao intersubjetiva que abranger quaisquer fatos, verdades, normas e valorescompartilhados entre os interlocutores. Essas premissas ganharo status de premissascompartilhadas, que acompanharo todo o contexto da discusso e da argumentao que

    se seguir. Alm da lista de premissas compartilhadas propriamente ditas, osinterlocutores podem decidir nessa fase a regulao de sub-discusses que poderosurgir ou no.

    Regra 7:

    a) O protagonista defende satisfatoriamente o contedo proposicional de umato de fala de argumentao complexo contra um ataque pelo antagonista se a aplicaodo procedimento de identificao intersubjetiva rende um resultado positivo ou se ocontedo proposicional em segunda instncia aceito por ambas as partes como umresultado de uma sub-discusso na qual o protagonista defende satisfatoriamente umsub-ponto de vista com respeito a esse contedo proposicional.

    b) O antagonista ataca satisfatoriamente o contedo proposicional de um ato defala de argumentao complexo se a aplicao do procedimento de identificao

    12 Ibid, p. 144.13 Ibid, p. 154.

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    intersubjetiva render um resultado negativo e o protagonista no defendesatisfatoriamente um sub-ponto de vista positivo com respeito a esse contedoproposicional numa sub-discusso.14

    A pragma-dialtica tambm prope um procedimento de infernciaintersubjetiva, na qual o pode-se recorrer a regras lgicas para medir a validade daargumentao apresentada por uma das partes. Esse procedimento busca checar avalidade dos argumentos, que podero indicar a aceitabilidade ou no dos argumentosavanados.

    Alm disso, proposto tambm um procedimento de explicitao intersubjetiva,

    na qual tanto o protagonista quanto o antagonista se esforaro para explicitar aspremissas que esto implcitas na argumentao avanada. Com isso poder se alcanarum consenso sobre os esquemas de argumentos que sero admissveis na argumentao.

    Regra 8:

    a) O protagonista defende satisfatoriamente um ato de fala de argumentaocomplexo contra um ataque pelo antagonista com respeito a sua fora de justificao ou

    refutao se a aplicao do procedimento de inferncia intersubjetiva ou (aps aaplicao do procedimento de explicitao intersubjetiva) a aplicao do procedimentode teste intersubjetivo render um resultado negativo.

    b) O antagonista ataca satisfatoriamente a fora de justificao ou refutao daargumentao se a aplicao do procedimento de inferncia intersubjetiva ou (aps aaplicao do procedimento de explicitao intersubjetiva) a aplicao do procedimentode teste intersubjetivo render um resultado negativo.15

    necessrio fixar como e quando o protagonista defende conclusivamente umponto de vista e como e quando um antagonista ataca conclusivamente o ponto de vistaavanado pelo protagonista. Para que o protagonista tenha conclusivamente defendidoseu ponto de vista necessrio que ambos, o contedo proposicional e a fora deargumentao tenham sido conclusivamente defendidos. O antagonista, pelo contrrio,

    14 Ibid, p. 147.15 Ibid, p. 150.

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    ataca conclusivamente o ponto de vista do protagonista quando eficazmente ataca ou ocontedo proposicional do argumento, ou sua fora de justificao ou refutao.

    Regra 9:

    a) O protagonista defende conclusivamente um ponto de vista inicial ou sub-ponto de vista pelos meios de um ato de fala de argumentao complexo se ele defendeuambos o contedo proposicional posto em questo pelo antagonista e sua fora de justificao ou refutao posta em questo pelo antagonista.

    b) O antagonista ataca conclusivamente o ponto de vista do protagonista se eleataca satisfatoriamente tanto o contedo proposicional ou a fora de justificao ourefutao do ato de fala de argumentao complexa.16

    Se o antagonista concede que o contedo proposicional avanado peloprotagonista e sua fora de justificao ou refutao foram conclusivamente defendidoporm, num segundo momento se arrepende dessa concesso, ento ele pode requererque a argumentao seja retomada, naquele ponto especfico. A Regra 10 busca deixarisso claro. Essa regra denominada de: uso timo do direito ao ataque.

    Regra 10:

    O antagonista retm, ao longo de toda a discusso, o direito de pr em questoambos o contedo proposicional e a fora de justificao ou refutao de cada ato defala de argumentao complexo do protagonista que este ainda no defendeusatisfatoriamente.17

    Se o protagonista concede que o antagonista ataca conclusivamente o contedoproposicional avanado ou sua fora de justificao ou refutao, porm se arrependedessa concesso, o protagonista pode requerer que a argumentao seja retomada,naquele ponto especfico. Resulta da o que denominado de: uso timo do direito dedefesa, explicitado na Regra 11.

    16 Ibid, p. 151.17 Ibid, p. 152.

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    Regra 11:

    O protagonista retm, ao longo de toda a discusso, o direito de defenderambos o contedo proposicional e a fora de justificao ou refutao de cada ato de

    fala de argumentao complexo que ele executa e ainda no tenha defendidosatisfatoriamente contra cada ataque do antagonista.18

    O protagonista pode fazer um melhor uso do seu poder de defesa daargumentao avanada se ele puder retirar qualquer assertiva a qual ele tenha secomprometido anteriormente. A Regra 12 atenta-nos que isso pode ser levado a cabopelo protagonista em qualquer momento da discusso.

    Regra 12:

    O protagonista retm, ao longo de toda a discusso, o direito de retirar qualquerato de fala de argumentao complexo que ele executou, e a partir da remove aobrigao de defend-lo.19

    A pragma-dialtica se preocupou em estabelecer uma regra que impede umadiscusso de se tornar repetitiva ao adotar o que se convencionou a chamar denon bis inidem , ou seja, o que j foi matria de discusso no deve retornar num contextoidntico. A Regra 13 o enuncia.

    Regra 13:

    a) O protagonista e o antagonista podem executar o mesmo ato de fala ou omesmo ato de fala complexo com o mesmo papel na discusso somente uma vez.

    b) O protagonista e o antagonista devem, um aps o outro, mudar para atos defala (complexos) com um papel particular na discusso.

    c) O protagonista e o antagonista no podem executar mais que uma mudana deatos de fala (complexos) num determinado momento.20

    18

    Ibid, p. 152.19 Ibid, p. 153.20 Ibid, p. 154.

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    No estgio de concluso onde se aplica a Regra 14 so avaliados conjuntamentea defesa do ponto de vista pelo protagonista e o ataque a este pelo antagonista. Da aRegra seguinte determinar em quais situaes o protagonista deve retirar o manter seuponto de vista ou quais situaes o antagonista deve manter ou retirar seu ataque.

    Regra 14:

    a) O protagonista obrigado a retirar o ponto de vista inicial se o antagonista oatacou conclusivamente (na maneira prescrita na regra 9) no estgio de argumentao (etem tambm observadas as outras regras da discusso).

    b) O antagonista obrigado a retirar o pr em questo do ponto de vista inicialse o protagonista o defendeu conclusivamente (na maneira prescrita na regra 9) noestgio de argumentao (e tem tambm observadas as outras regras da discusso).

    c) Em todos os outros casos, o protagonista no obrigado a retirar o ponto devista inicial, nem o antagonista obrigado a retirar o seu pr em questo do ponto devista inicial.21

    Em qualquer momento em que houver uma retirada do ponto de vista peloprotagonista ou a retirada do ataque pelo antagonista a discusso alcana um fim. Claroque no h, nesse caso, uma resoluo da diferena entre os pontos de vistas distintos.Quando finalizada uma discusso, apontado quem foi o seu ganhador, de acordo com aregra 14, os interlocutores podem deliberar conjuntamente em iniciar outra discussoque tambm estaro sob a imposio das regras da discusso crtica propostas.

    Alm disso, importante o emprego e reconhecimento dos declarativos de uso,

    que apontam para uma amplificao, especificao ou ampliao de algum pontodeterminado da discusso. A Regra 15 regula a execuo e demanda do emprego dedeclaraes de uso.

    21 Ibid, p. 154.

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    Regra 15:

    a) Os debatedores tm o direito, ao longo de toda a discusso, de demandar ooutro debatedor a executar uma declarao de uso e a executar uma [declarao de uso]

    eles mesmos.

    b) O debatedor que demandado a executar uma declarao de uso pelo outrodebatedor obrigado a agir de acordo.22

    Falcias

    Desenvolveremos a seguir uma breve exposio sobre o estudo das falcias

    partindo da concepo da pragma-dialtica. De forma muito ampla, uma falcia ser:Toda violao de qualquer uma das regras do procedimento da discusso para conduziruma discusso crtica (por quaisquer das partes e a qualquer momento da discusso) uma falcia23.

    Anteriormente classificamos as regras conforme as fases da discusso propostospela pragma-dialtica. A Regra 1 regula o estgio de confrontao. As Regras 2 5visam o estgio de abertura. As Regras 6 13 conformam o estgio da argumentao e aRegra 14, finalmente, rege o estgio de concluso. Podemos ento separar o estudo dasfalcias como violaes de cada uma das regras tendo em vista esses quatro estgios dadiscusso. Porm, nos limitamos aqui a citar as falcias classificadas como maiscorriqueiras.

    As violaes da Regra 1 so aquelas que restringem a liberdade de ao de umadas partes com vistas de impedi-lo de tomar parte na discusso. Se uma das partes no

    consegue avanar um ponto de vista pela presso da outra parte constata-se falcia. Seuma parte desacreditada pela outra ou desmoralizada tambm se constata falcia equebra da Regra 1. J citamos trs tipos de falcias que podem ser encontradas, nesse ponto: a falcia do basto, ouargumentum ad baculum . A falcia que faz um apelo semoes da outra parte ou,argumentum ad misericordiam . E, em terceiro lugar a falciaque tem como alvo diretamente a credibilidade moral e integridade da outra parte, ouargumentum ad hominem .

    22 Ibid, p. 157.23 Ibid, p. 175.

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    Outros tipos de falcia que j nos referimos e que assolam constantemente osdiscursos: fuga do nus da prova (evading the burden of proof ), troca da necessidade daprova (shifting the burden of proof ), a falcia que torna um determinado argumentosacrossanto ou imune a criticismo e, em ltimo lugar a falcia que apela para asemoes da outra parte do discurso, comumente conhecida como falcia pattica( pathetic fallacy ).

    Outro tipo de falcia corriqueira aquela que uma parte atribui um argumentocomo sendo da outra parte, porm este argumento na verdade no da outra parte. Fala-se, nesse caso, de falcia do espantalho ( fallacy of the straw man ). A pragma-dialticanecessita de um estudo detalhado da empiria dos discursos, para identificar as falcias

    mais corriqueiras, o que, de fato, os tericos da disciplina fazem, porm no passaremospara uma anlise de exemplos no nosso caso.

    Outra famosa falcia que assola os discursos aquela que avana temas que nose referem ao contexto da argumentao que est sendo desenvolvida. Esse tipo defalcia conhecida comoignoratio elenchi . Outra importante falcia a ser considerada aquela em que uma das partes busca se auto-promover por algum ttulo prvio ouautoridade instituda o que se identifica com abuso de autoridade ou, a que ficoutradicionalmente conhecida falcia doargumentum ad verecundiam .

    Vimos que uma argumentao sempre implica elementos que no estoexpressos, ou seja, h vrios tipos de argumentos tcitos. H falcia quando uma daspartes sobrevaloriza algum argumento no-expresso conhecida como aumento do quefoi deixado no-expresso(magnifying what has been left unexpressed ). Alm disso, umprotagonista pode no querer aceitar algo que est tacitamente implicado no seu

    discurso, ocorrendo falcia de negao da premissa no-expressa (denying anunexpressed premise ).

    Tambm acompanhamos que no decorrer de nosso trabalho que a pragma-dialtica considera que a argumentao s pode ocorrer quando todos os pontos departidas de ambos os debatedores forem plenamente compartilhados entre si. H falciaquando isso falsamente ocorre, ou seja, quando algo assumido como compartilhado noo , ou quando negada uma premissa que de fato ambos, o protagonista e oantagonista, compartilham.

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    O que est sendo debatido, ou o que justamente objeto de discordncia entreum protagonista e um antagonista no pode pertencer s premissas que socompartilhadas por ambos no ponto de partida da discusso. Se isso acontece, h falciade argumentao circular, conhecida como petitio principii .

    Outra falcia comumente encontrada em vrios tipos de discursos a que apelaao conhecimento prvio de um povo ou grupo, como justificativa para a questo empauta. Essa falcia conhecida comoargumentum ad populum . Alm dessa falcia,identifica-se outra que ocorre quando h mau uso das relaes de causa e consequncia,h confuso entre os prprios fatos e os julgamentos: essa falcia conhecida comargumentum ad consequentiam . Associada a esta ltima encontra-se a falcia conhecida

    comosecundum quid , que opera uma m generalizao de determinado acontecimento.Tambm aqui encontramos a falcia post hoc ergo propter hoc , que se traduz emdepois disso, entretanto, por causa disso, mais um caso de confuso entre causa econsequncia.

    Encontra-se falcia quando trata-se um todo como mera soma de suas partes ouquando se assume que toda propriedade do todo se aplica a cada parte. Essas falciasso nomeadas, respectivamente: falcia da diviso e falcia da composio.

    Na fase de concluso da discusso podemos encontrar algumas falcias. Aprimeira ocorre quando o protagonista se recusa a retirar um ponto de vista que no foidefendido. A segunda ocorre quando o antagonista no retira sua crtica de umargumento eficazmente defendido. Uma terceira falcia ocorre quando o protagonistaacredita que seu ponto de vista verdadeiro, apenas porque no foi eficazmentecriticado pelo antagonista. A quarta falcia da fase de concluso, conhecida como

    argumentum ad ignorantiam , ocorre quando um dos lados acredita que seu ponto devista verdadeiro porque a outra parte no pode defender eficazmente seu ponto devista.

    Temos conscincia que para se tratar com toda a propriedade da vastssimaquesto das falcias na pragma-dialtica teramos que recorrer a exemplos, ou seja,teramos que realizar uma pesquisa emprica para identificar nas falas corriqueiras asfalcias apontadas acima. Reservamos esse estudo mais aprofundado para outro lugar.

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    BIBLIOGRAFIA

    EEMEREN, Frans van Eemeren. GROOTENDORST, Rob.Systematic Theory of Argumentation , Cambridge University Press, 2004.

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