UMA INVESTIGAÇÃO DO VOCÁBULO “COISA”: MÚLTIPLAS FUNÇÕES...
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UMA INVESTIGAÇÃO DO VOCÁBULO “COISA”: MÚLTIPLAS FUNÇÕES
SINTÁTICAS E SEMÂNTICAS, NUMA PERSPECTIVA VARIACIONISTA
Renata Lívia de Araújo Santos (autorabolsista), Solyany Soares Salgado (coautora
bolsista), Emanuelle Camila Moraes de Melo Albuquerque (coautorabolsista) e Maria
Denilda Moura (Profa Tutora e Orientadora). PET LETRAS UFAL (Universidade Federal
de Alagoas).
A partir da Teoria Variacionista de William Labov, realizamos um estudo sobre o uso do
item lexical coisa, estudando a forma como sua “manifestação” se dá na linguagem dos
falantes maceioenses, através do aspecto sincrônico, analisando a faixa etária e o sexo e
tendo como hipótese que esse vocábulo aparece em paradigmas sintáticos e semânticos
diferentes. Primeiro, coletamos os dados de forma assistemática, depois procuramos as
bases teóricas para analisar os dados. Através dessa análise, constatamos que esse
vocábulo pode ser empregado com funções sintáticas e semânticas distintas, conforme a
competência lingüística do falante.
INTRODUÇÃO
A língua, por ser um tipo de comportamento social, está em constante mudança. Ela
varia de acordo com aqueles que a utilizam. O homem é influenciado por uma
determinada época e cultura. A mistura ou convivência de povos diferentes também é
refletida na linguagem.
Dessa forma, partindo do princípio de que a língua é heterogênea pressupõese a
existência de diversas formas lingüísticas alternativas. A essas formas lingüísticas
alternativas dáse o nome de variantes.
Este trabalho tem como instrumento teóricometodológico a Teoria Variacionista de
William Labov que tem como objeto de estudo “a língua observada, falada, descrita e
analisada em seu contexto social, ou seja, em situações reais de uso” (ALKMIM, 2001, p.
31).
A partir dessa teoria, realizamos um estudo sobre o uso do item lexical coisa.
Estudamos, então, a forma como sua “manifestação” se dá na linguagem dos falantes de
Maceió, analisando a fala de pessoas de faixas etárias diferentes e ambos os sexos,
através de uma pesquisa de campo, tendo como hipótese que esse vocábulo aparece em
paradigmas sintáticos e semânticos diferentes, com o intuito de verificar se a variação de
significado das palavras influencia na variação das formas dessas palavras, e se é
utilizado mais por jovens do que por adultos, tendo em vista que estes têm uma maior
resistência a mudanças do que aqueles, devido ao contexto social que os cercam.
Levantar a hipótese de que as mulheres utilizam igualitariamente aos homens esse
item lexical. Esse dado, se comprovado, não vai de encontro a várias pesquisas que
comprovaram que as mulheres são mais resistentes a mudanças do que os homens,
devido ao seu papel na sociedade, mas irá mostrar o fator externo ao sistema lingüístico
influenciando esse sistema, uma vez que uma alteração no quadro social de homens e
mulheres pode ser refletida nas falas dos mesmos.
Todavia, apesar de termos muitos fenômenos para serem estudados no que diz
respeito ao vocábulo coisa, não se tem muitas pesquisas, ainda, sobre ele. Contudo,
Melo (1999, p. 2) realizou um estudo sobre esse item lexical “funcionando, em princípio
como palavra vicária no evento de fala de alguns informantes, e num segundo momento
como elemento aglutinante em expressões enumerativas”. Essa pesquisa comprova que
esse item lexical “revela diferentes valores semânticos no contexto oral dos falantes. Por
assumir novos significados com funções gramaticais distintas (...) podemos afirmar que
coisa passa por um processo de Gramaticalização” (MELO, 1999, p. 16).
Dessa forma, partindo do que já foi comprovado, verificamos neste trabalho se o
vocábulo coisa é usado por falantes de Maceió com distintas funções sintáticas e
semânticas. É importante ressaltar que há, ainda, uma necessidade de estudar esse
fenômeno semanticamente numa perspectiva sincrônica, pois o trabalho de Melo (1999)
traz a semântica através de uma perspectiva diacrônica. Para essa questão semântica,
levamos em consideração o contexto em que a palavra foi enunciada. Esse foi o grupo de
fatores posto em análise.
Assim, buscamos com essa pesquisa mostrar que a língua possui variantes e que
essas variantes significam as diversas maneiras de falar de cada comunidade e que elas
são um leque de alternativas que o falante pode utilizar em diferentes situações e para
cada tipo de pessoa.
Objetivamos, ainda, mostrar que as mulheres não são mais tão resistentes a
mudanças ou variações como tem sido demonstrado em várias análises. No mundo
capitalista, o perfil delas é a modernidade. Nesse mundo moderno a mídia aparece como
“a maior abertura democrática da sociedade moderna, particularmente na América (e,
portanto, no Brasil)” (PRETI, 2004), esta exerce um papel muito importante na sociedade,
é ela quem dita as regras (modas) e a população é o seu principal alvo e as mulheres,
mais especificamente, são as mais influenciadas pela mídia, principalmente pela
televisão.
O perfil da mulher moderna é a independência, assim, elas passaram a entrar no
mercado de trabalho, tendo mais contato com outras comunidades de fala, já o homem
deixou de ter o papel de ser o único a sustentar a casa. Logo, ocorrendo mudanças na
sociedade, poderá ocorrer também mudanças na língua dessa sociedade.
Esperamos, também, que esse estudo comprove que os falantes utilizam
cotidianamente o item lexical coisa, empregandoo nas inúmeras funções possíveis, e
possa vir a despertar o interesse do leitor para descobrir e analisar outras palavras que
exercem funções múltiplas.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICOMETODOLÓGICA
O período de desenvolvimento dessa pesquisa foi desde o dia 20/7/05 até o dia
15/3/06. Ela foi iniciada com a coleta de dados e esta coleta foi encerrada no dia 02/1/06.
Assim, sobrou um pouco mais de cinco meses para desenvolver a análise dos dados.
O embasamento teórico e a coleta de dados foram feitos em etapas diferentes.
Primeiro, coletamos os dados, sem nos preocuparmos com a parte teórica, depois da
coleta, procuramos as bases teóricas para analisar os dados. O levantamento de dados
foi feito através de coletas assistemáticas com falantes da cidade de Maceió, e
procuramos registrar os seus atos de fala no diaadia em situações onde não havia a
preocupação quanto à linguagem utilizada, sem que eles soubessem que estávamos
realizando uma pesquisa, pois, dessa forma, eles, em uma situação informal, não se
policiariam quanto à língua padrão. Logo, nessas conversas tivemos apenas o papel de
ouvinte, como um narradorobeservador onipresente, sem fazer interferências nas falas
ou sem motiválas a serem realizadas, então não se fez necessário o uso de um
gravador.
Dessa forma, foram analisadas 11 frases enunciadas por homens e 11 frases
enunciadas por mulheres. Procuramos selecionar a mesma quantidade de frases faladas
por ambos os sexos, para, a partir daí, verificarmos, quantitativamente, quais das faixas
etárias e qual dos sexos (mulher entre 15 e 25 anos de idade ou homem entre 45 e 55
anos, por exemplo) usavam mais o vocábulo coisa.
Assim, catalogamos as frases em que a palavra coisa foi enunciada e, em seguida,
eliminamos do corpus as sentenças que foram insistentemente repetidas e as que não
iriam ser necessárias à pesquisa.
Dividimos os dados em frases que foram usadas com formas sintáticas diferentes e
que apareceram com sentido diverso, para, assim, demonstrar que a palavra coisa pode
ser empregada com vários sentidos e sintaticamente diferente.
Os fatores extralingüísticos postos em análise foram o sexo e a faixa etária, esta foi
subdividida em dois grupos, um com informantes entre 15 e 25 anos e o outro com
informantes entre 45 e 55 anos, com o objetivo de verificar qual desses grupos utiliza com
maior freqüência a palavra coisa. Esses dois fatores extralingüísticos foram selecionados
para serem observados neste trabalho porque muitas pesquisas mostram que mulheres e
pessoas mais velhas são mais resistentes a mudanças, assim, temos o intuito de verificar
se esse quadro ainda está instável ou se já houve mudanças nele. Logo, para uma
melhor compreensão, foi feita uma tabela com esses dados.
A etapa seguinte da pesquisa consistiu de um levantamento das sentenças com o
objetivo de descobrir qual a função sintática do item lexical coisa em cada frase falada,
com a intenção de verificar quantitativamente qual das ocorrências seria de uso mais
freqüente.
A seguir, realizamos uma série de leituras sobre o tema, buscamos conhecimentos
prévios realizados em leituras anteriores que poderiam ser úteis durante o
desenvolvimento deste trabalho.
Logo, observamos que a língua passa por um processo de variação, onde as
variantes podem ser a língua culta e a língua coloquial. Algumas vezes, essa variação
pode se transformar em uma mudança, onde uma das variantes sobrepõese a outra. “As
línguas mudam todos os dias, evoluem, mas a essa mudança diacrônica se acrescenta
uma outra, sincrônica: podese perceber numa língua, continuamente, a coexistência de
formas diferentes de um mesmo significado” (CALVET, 2002, p. 89).
Isso se dá devido ao fato de a língua sofrer influência, como por exemplo, do
contexto sócioeconômico do falante e da situação em que a frase é pronunciada. Dessa
forma, levando em consideração que a língua varia conforme o contexto em que ela é
enunciada, e, assim, que ela sofre influências não só internas ao seu sistema, mas
também externas a ele, o item lexical coisa aparece em paradigmas sintáticos e
semânticos diferentes.
Segundo Melo (1999, p.3), o item lexical coisa apresenta, no léxico da língua
portuguesa, uma função vicária, palavras que se prestam a substituir outras palavras.
Esse item vem do Latim e possuía uma função conectiva, hoje, apesar de ele ainda ter
essa função, é tido como um item lexical.
Assim, através dessa função vicária das palavras, podemos observar como a
língua é dinâmica, cabendo à competência do falante enunciála numa estrutura
lingüisticamente permitida.
Chamamos a atenção para o que Sandmann (apud MELO, 1999, p.6) chama de
competência lexical “o que permite formar palavras novas e entendêlas, ao mesmo
tempo em que evita formações não previstas pelo sistema ou pela norma ou é capaz de
julgar boas ou más as que apreende como receptor”. Dessa forma, o item lexical coisa
possui essa flexibilidade e comprova o dinamismo da língua.
Desta maneira, partindo da concepção de que a língua natural não tem uma
gramática pronta e acabada e que por isso possui um dinamismo inerente, assumimos
que ela tem seu caráter social e utilitário, já que é um instrumento de interação e
integração entre seus falantes. E é nesta fronteira, entre língua e sociedade, que iremos
investigar a “manifestação” do vocábulo coisa na fala de habitantes de Maceió.
ANÁLISE DOS DADOS
Levando em consideração que a língua varia conforme o contexto em que ela é
enunciada, o item lexical coisa aparece em paradigmas sintáticos e semânticos
diferentes:
(03) Aquela coisinha é metida, viu?
(11) Ela é tão coisada que precisou de um homem.
(26) ... mas aí a gente coisa o horário.
ora como sujeito (03), ora como núcleo do predicado nominal (11), ora como núcleo do
predicado verbal (26); podendo ser interpretada como o substantivo diminutivo
‘menininha’, no sentido depreciativo, o adjetivo ‘fraca’ e ainda como o verbo ‘ajeitar’,
respectivamente.
No corpus, podemos ver que esse item lexical pode ser usado como substantivo,
verbo e adjetivo e, por isso, exerce funções sintáticas distintas. O corpus nos revelou que
o vocábulo coisa foi mais utilizado como núcleo de objeto, num total de 7 sentenças,
seguido de núcleo do predicado verbal , num total de 6 frases.
Dessa forma, percebemos que esse vocábulo não pode ser definido apenas numa
única classe gramatical, pois ele possui essa flexibilidade e, assim, comprova o
dinamismo da língua.
Partindo da concepção de que a língua natural não tem uma gramática acabada,
afirmamos que ela tem seu caráter social e utilitário, já que é um instrumento de interação
e integração entre seus falantes.
Paiva (2003, p. 41) afirma que “qualquer explicação acerca do efeito da variável
gênero/sexo requer uma certa cautela, vistas as peculiaridades da organização social de
cada comunidade lingüística e as transformações sofridas por diversas sociedades no
que se refere à definição dos papéis feminino e masculino”.
No corpus, podemos observar o número de adolescentes femininas que utilizam a
palavra coisa com diferentes sentidos, já com as mulheres de faixa etária entre 45 e 55
anos, o número é muito pequeno. O mesmo ocorre com o sexo masculino, provavelmente
devido ao papel dos jovens na sociedade, que sentem a necessidade de inovar, de serem
diferentes.
Contudo, a discrepância entre as idades não é tão grande quanto podemos
verificar com a que ocorre entre as mulheres. Isso, provavelmente, devese ao fato da
mudança do papel das mulheres na sociedade.
Estas, no momento em que passam a ingressar no mercado de trabalho, ampliam
seus contatos com a comunidade de fala, tendo em vista que é essa comunidade de fala,
em que o indivíduo está inserido, que determina os limites de fala individual. “É pelo
exercício da linguagem, pela utilização da língua, de uma estrutura lingüística, que o
homem constrói a sua relação com a natureza e com os outros homens” (ALKMIM, 2001,
p. 26).
O que será interessante é verificar se daqui a uns 30 anos, onde as jovens de hoje
serão as mulheres entre 45 e 55 anos de idade de amanhã, elas continuarão com essa
aceitabilidade em relação a variações ou se elas vão se tornar mais resistente a elas.
Podese observar, ainda, como esse item lexical pode ser usado com sentidos
diversos, como ele é flexível a variações, podendo ser empregado não só com o valor de
substantivo, mas também como um verbo ((21) façam), como um adjetivo ((25) fraca) ou
substituindo uma expressão ((29) recuperar a nota):
(21) Coisem lá.
(25) Ela é tão coisada que precisou de um homem.
(29) ...aí eu tirando 5,0 ou tirando 8,0 eu não preciso coisar.
ele é usado indistintamente tanto por homens como por mulheres das duas faixas etárias
em análise.
É importante ressaltar que numa mesma sentença a palavra coisa pode ter mais
de um sentido, por exemplo, na frase 21 além do sentido de “fazer”, ela pode ser
relacionada também com o sentido de “organizar”, “correr”, “ver” entre outros significados,
dependendo do contexto em que foi enunciada, comprovando assim, mais uma vez, a
dinamicidade da língua.
Todavia, não constatamos nenhuma relação da alternância de significado das
palavras com sua mudança sintática, como havíamos levantado no início da pesquisa,
como podemos observar na mesma frase, se trocarmos o sentido da palavra coisa, de
“façam” por “vejam”, ela continua exercendo a mesma função sintática que é o núcleo do
predicado verbal, sendo verbo intransitivo (08).
Conforme Gryner e Omena (2003, p. 89) “o significado lingüístico não se esgota
no conteúdo lexical, mas deriva em grande parte dos contextos lingüísticos ou
situacionais em que a forma ocorre”. Dessa forma, por ser influenciado por variáveis
externas à língua, o estudo da variável semântica na Teoria Variacionista, apesar de ser
contestada por alguns lingüistas, fazse necessário.
TABELA
Uso do vocábulo coisa
Distribuição por faixa etária e por sexo:
Masculino % Feminino % Total
15 a 25
anos
7 63,3 9 81,8 16
45 a 55
anos
4 36,3 2 18,1 6
Total 11 100 11 100 22
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conscientes da existência da diversidade lingüística, não se torna difícil constatar
a existência da evolução da língua, uma vez que a evolução é que gera a transformação,
que se dá no eixo do tempo ou, ainda, em um determinado ponto desse eixo.
Nesta pesquisa realizamos uma análise da língua falada por maceioense através
do aspecto sincrônico. Através do corpus e de sua análise, podemos constatar que esse
vocábulo coisa pode ser empregado com funções sintáticas distintas, podendo, assim,
possuir diferentes valores semânticos, sendo empregado conforme a competência
lingüística do falante.
Revelamos, também, que o sexo feminino na idade entre 15 e 25 anos estão
menos resistentes a variações em relação a pesquisas anteriores, que mostram que as
mulheres são conservadoras. Porém, é importante destacar que, nesse caso, não se trata
de formas estigmatizadas ou não estigmatizadas do vocábulo coisa, mas sim da
flexibilidade quanto ao seu uso, podendo assumir várias funções. E é em relação a essas
várias funções que as mulheres estão mais flexíveis.
Devemos lembrar também que através da tabela dos dados analisados, as
mulheres utilizaram mais o vocábulo coisa do que os homens (81,8 e 63,3,
respectivamente). Já na faixa etária entre 45 e 55 anos ocorreu o inverso (18,1 e 36,3,
respectivamente).
Isso nos leva a crer que as mulheres entre 15 e 25 anos estão mais flexíveis a
variações ou a mudanças do que as mulheres entre 45 e 55 anos, que continuam com
uma forte rejeição a essas variações ou mudanças.
Podemos, ainda, ratificar o que Melo (1999, p. 16) comprovou em seu estudo
sobre esse item lexical quando afirmou que ele “passa por um processo de
gramaticalização, por assumir novos significados com funções gramaticais distintas”.
Essa breve reflexão sobre o uso do vocábulo coisa continua revelando um leque
de possibilidades para uma futura investigação desse fenômeno, que nos instiga e nos
provoca ainda mais a desvendar o que ocorre.
REFERÊNCIAS
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