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    623 MNEME R EVISTA DE HUMANIDADES, 11(29), 2011 JAN/ JULHO Publicao do Departamento de Histria da Universidade Federal do Rio Grande do NorteCentro de Ensino Superior do Serid Campus de Caic. Semestral ISSN15183394Disponvel em http://www.periodicos.ufrn.br/ojs/index.php/mneme

    Uma nova unio. Reconfiguraes dafamlia ayahu asqueira 1 no Alto daPaz 1 W AGNER LINS LIRA

    ResumoEste artigo direciona sua ateno ao estudo de caso de um dos ncleos doCentro de Harmonizao Interior Essncia Divina; o Alto da Paz Ch doCruzeiro , irmandade ayahuasqueira nordestina situada no distrito de RiachoDoce no estado de Alagoas. Para tal acompanharemos alguns fenmenoscomuns ao campo religioso da ayahuasca diante do surgimento de gruposdissidentes, que compartilham do uso ritual dessa beberagem psicoativa deorigem xamnica. Os conceitos de legitimidade, encantamento e

    desencantamento do mundo de Max Weber, assim como os de Michel Maffesolisobre errncia e sedentarismo sero fundamentais diante da compreenso eanlise dos fatores que influenciaram o surgimento desse grupo especfico, paraque possamos entender tanto os fenmenos institucionais como queles quelevam busca pelas novas prticas do campo ayahuasqueiro brasileiro, que vemsendo influenciado pelo universo Nova Era.Palavras-chave Ayahuasca; Dissidncia; Legitimidade; Desencantamento; Reencantamento.

    AbstractThis article directs attention for the case study of the Centro de HarmonizaoInterior Essncia Divina; the Alto da Paz Ch do Cruzeiro , a northeasternayahuasqueira fraternity located at Riacho Doce district in the state of Alagoas.To this, we accompany some common phenomena in ayahuasca religious field before the appearing of dissident groups that partakes ritual use of the xamanicpsychoactive beverage. Concepts of legitimacy, enchantment and disenchantment from Max Weber, as well Michel Maffesoli concepts about wandering and sedentariness are fundamental to comprehension and analysisof important factors on the appearing of this specific group. These are necessary

    1 Este artigo representa o quarto captulo de minha dissertao intitulada Os trajetos do xtasedissidente no fluxo cognitivo entre homens, folhas, encantos e cips: uma etnografiaayahuasqueira nordestina , defendida pelo Programa de Ps-Graduao em Antropologia daUniversidade Federal de Pernambuco no ano de 2009, onde tive a oportunidade de investigardois grupos ayahuasqueiros dissidentes: a Associao Espiritualista Unio do Vegetal (AEUDV)localizada no municpio de Riacho das Almas no estado de Pernambuco e o Centro deHarmonizao Interior Essncia Divina (CHIED) situado no distrito de Riacho Doce, Alagoas. Odirecionamento dessa comunicao est relacionado s mobilizaes institucionais do CHIEDalagoano, a partir da anlise do histrico dessa irmandade ayahuasqueira especfica, que temcomo referencial doutrinrio a linha da unificao estabelecida pelo mestre Francisco Souza de Almeida. Agradeo aos amigos do Essncia Divina pela hospitalidade e colaborao durante apesquisa de campo. Agradeo tambm ao meu orientador, professor doutor Eduardo Duartepela fora e dedicao durante nossa pesquisa. Os homens passam, ficam suas idias.

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    to understand the institutional phenomena as well as search phenomena fornew practices on Brazilian ayahuasca field influenced by New Age universe.

    Keywords Ayahuasca; Dissidence; Legitimacy; Disenchantment; Reenchantment.

    A linha da unificao

    urante esta comunicao entraremos em contato com uma novairmandade ayahuasqueira nordestina, o Centro de HarmonizaoInterior Essncia Divina (CHIED) cujo ncleo em questo situa-se,

    atualmente, no distrito de Riacho Doce, litoral norte do estado de Alagoas. Umcurto levantamento histrico -linear e cronolgico de cunho ilustrativo- serfeito para que o leitor compreenda o surgimento e a continuidade desse sistema

    ayahuasqueiro2, que segue guiado pela linha da unificao estabelecida,inicialmente, pelo mestre Francisco Souza de Almeida3. O CHIED alagoano,ncleo escolhido para tal anlise, sempre foi representado pelo mestre AndrLuiz, portanto acompanharemos parte de sua trajetria religiosa, iniciada naUDV 4, at o contato que o mesmo manteve com a linha da unificao, a partirdo filho do mestre Francisco, o mestre V encius, dissidente do CCC.

    Em seguida, o Andr tomou a iniciativa de abrir um ncleo do CHIED noestado de Alagoas. Veremos como essa filial especfica foi se organizando eganhando seu espao com responsabilidade e lucidez necessrias administrao do Vegetal5. Aps esse percurso histrico ilustrativo, seroapresentadas as imediaes espaciais desse ncleo alagoano denominado Altoda Paz, Ch do Cruzeiro , assim como a irmandade que constitui esse centro deharmonizao ayahuasqueiro. Dessa forma, acreditamos ter sido possvelmostrar suas atuais mobilizaes, a partir da anlise de certas conquistas eempreendimentos diante de uma nova reinterpretao do uso ritual da bebidaayahuasca.

    O Centro de Cultura Csmica Suprem a Luz, Paz e Am or (Gam a-DF)

    Conhecedor e buscador dos mistrios desta beberagem psicoativa, omestre Francisco Souza de Almeida fundou no ano de 1990, o Centro de CulturaCsmica Suprema Luz, Paz e Amor na cidade de Cuiab (MT). Por volta do anode 1996, a sede do CCC foi transferida para a cidade de Gama (DF) onde ficalocalizada at os dias atuais. A biografia desse lder espiritual nos mostra seus

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    laos de amizade e convivncia com alguns fundadores das principais religiesayahuasqueiras brasileiras.

    Alm de participar dos trabalhos com Raimundo Irineu (CICLU- Alto Santo),Francisco Souza de Almeida conviveu tambm com Sebastio Mota(CEFLURIS6) e posteriormente foi adepto na Unio do Vegetal, tendo aindacontato com outras ordens iniciticas como a Maonaria e a Rosa Cruz(LIMA, 2004, p.62).

    O mestre Francisco, antes de fundar o CCC, tambm entrou em contatocom o mestre Gabriel (fundador da UDV), mestre Antnio Geraldo (dirigente daBarquinha) e conheceu alguns trabalhos xamnicos durante sua estadia nafloresta amaznica7. Sem contar que foi por trs anos, mestre representante deuma dissidncia udevista, liderada pelo mestre Augusto Queixada, em RioBranco no Acre8. A conduo dos trabalhos com ayahuasca no CCC engloba,principalmente, os elementos daimistas e udevistas no mesmo processo mtico eritual. Essa a chamada linha da unificao que une Alto Santo, CEFLURIS eUDV num ecltico sincretismo religioso no qual chamadas, msicas, hinos e bailados so realizados a cada encontro9.

    A noo de sincretismo religioso parece ser um tema bastante recorrentenas discusses scio-antropolgicas. Principalmente em se tratando dos estudosque envolvem a tradio afro- brasileira cujo histrico nos remete aocolonialismo, de onde emergia um quadro inicial de subjugao das prticas deorigem africana, pelo sistema catlico dominante (VALENTE, 1976; SILVA,

    1994; SOARES, 1996; FERRETTI, 1999). Diante desse contexto social, asobrevivncia do sistema de crenas do dominado dependeu de uma espcie desincretismo mimtico, no qual determinadas prticas foram camufladas ereadaptadas ao sistema simblico dos dominadores. A partir da foramestabelecidas algumas associaes entre smbolos catlicos e africanos, comopor exemplo, santos e orixs.

    No caso do CCC, estamos falando de outro tipo de sincretismo religiosomuito comum nos dias atuais. O sincretismo da fuso, da unio entre osdiferentes cultos, idias e doutrinas aparentemente distintas, mas que so

    repensadas, reelaboradas e reinterpretadas cotidianamente. Podemos notar, nocaso ayahuasqueiro, que todas as igrejas incorporam elementos cristos,xamnicos e espritas em suas prticas doutrinrias, portanto veremos maisadiante que nada impede que novos grupos, em especial os derivados da linhado mestre Francisco, tambm compartilhem de outros universos simblicoscomo, por exemplo, o hindusta e o afro-brasileiro. Nesse sentido, osincretismo a tendncia unificao de idias ou de doutrinasdiversificadas e, por vezes, at mesmo inconciliveis (BOMFIM, 2006, p.173).

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    Essa nova configurao do campo ayahuasqueiro10, nos mostra a influncia das vivncias do mestre Francisco nas distintas esferas religiosas, em especialayahuasqueiras, onde pde ampliar seus conhecimentos a respeito dessa bebidasagrada.

    O Socilogo das religies, Max Weber (1994), investigou as relaes depoder (dominao) existentes no relacionamento entre a ao individual e aodos sujeitos ou grupos inseridos no mbito dessa dominao. A dominaoocorre por motivos e meios diversos, mas sempre guiada por um quadroadministrativo. Aqui nos interessa especialmente o fenmeno da legitimao, oucrena na legitimidade, que garante as chances de sobrevivncia de um grupoespecfico. Existem, ento, para Weber, trs tipos de dominao: a racional(legal ou burocrtica), a tradicional e a carismtica. Cada tipo de dominaosempre alega sua legitimidade. Segundo este autor, os grupos religiososreivindicam o poder e a legitimidade de suas aes scio-culturais seguindo,principalmente, dois princpios complexos; a legitimao tradicional e alegitimao carismtica. Essas duas formas de legitimao no so excludentes,chegando muitas vezes a interagir em conjunto quando um grupo deciderecorrer a tal processo.

    A legitimidade tradicional de um grupo, em especial religioso, estariaento ligada s formas de fazer como sempre se fez. Para tal, necessria amanuteno dos smbolos, assim como a continuidade com as basesdoutrinrias estabelecidas pelos fundadores. s vezes pode acontecer a alegao

    da legitimidade devido ao grau de parentesco (sanguneo ou por afinidade) como fundador, sendo tal alegao tambm pertencente ao processo de legitimaopela tradio. Weber (1994) detm-se longamente na anlise do tipo delegitimidade carismtica que est ligada ao contato direto com o sagrado.Segundo este autor, a dominao carismtica pode ocorrer:

    Em virtude de devoo afetiva pessoa do senhor e a seus dotessobrenaturais (carisma ) e, particularmente: a faculdades mgicas,revelaes ou herosmo, poder intelectual ou de oratria. O sempre novo, oextra-cotidiano, o inaudito e o arrebatamento emotivo que provocamconstituem aqui a fonte de devoo pessoal (WEBER, 1994, p.153).

    quando o mito de origem explica toda a trajetria dos fundadores e osurgimento da instituio, que so tidos como verdadeiros e incontestveis.Para Weber, quando ocorre a rotinizao do carisma e o grupo conquista sualegitimidade social. Dentro de um grupo, podem ainda emergir pequenos ougrandes pontos de conflito que fazem surgir novas possibilidades de umaliderana carismtica, quando vemos a recarismatizao da rotina. No difcil concluir que quanto mais prxima est da tradio, supostamente mais

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    legtima se torna uma irmandade ao mesmo tempo em que adquire posio erespeito de toda a sociedade em relao s suas prticas scio-religiosas.

    A partir da leitura de Max Weber (1994), podemos afirmar que alegitimao do CCC tambm se deu tanto nos ditames carismticos, devido aocontato direto do mestre Francisco com alguns fundadores e personagensimportantes na tradio ayahuasqueira, quanto nos parmetros tradicionais, visto que, a irmandade permanece com os smbolos e prticas das duasprincipais linhas religiosas brasileiras11: daimistas e udevistas. Portanto,segundo Weber, se faz necessrio aproximar-se da tradio e, no caso do CCC,criou-se um duplo vnculo no reforo de sua legitimidade. Veremos que esseduplo vnculo permite a amplitude do repertrio mtico compartilhado nosrituais, ao mesmo tempo em que se permite englobar elementos oriundos deoutros sistemas simblicos a partir da incluso de novos adeptos aos grupos,que so guiados pela linha da unificao.

    O mestre Francisco feza passagem no dia 21 de dezembro de 1999. Apso seu falecimento o CCC passou por algumas cises que ocasionaramdissipaes dessa matriz original, entre elas a Fraternidade Rosa da Vida- Luz,Paz e Amor e o Centro de Harmonizao Interior Essncia Divina (CHIED)liderado pelo mestre V encius, filho do mestre Francisco (LIMA, 2004, p.63-64). As duas dissipaes do CCC situam-se em Braslia (DF), tendo o CHIEDuma representao no estado de Alagoas, que ser abordada logo em seguida. Alm dessas duas dissipaes oriundas da matriz original, o CCC at o

    momento, possui filiais em Campo Grande (MS), Planaltina (DF), Cuiab (MT)e Capixaba (AC), totalizando uma mdia de 300 filiados. Exemplo claro de umairmandade, que elaborou uma configurao prpria e inovadora na comunhoda bebida ao mesmo tempo em que se permitiu unir doutrinas em prol doalcance maior do conhecimento ayahuasqueiro(Figura 1) .

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    Centro de Har mon izao Interior Essncia Divina(CHIED)

    Aps o falecimento do mestre Francisco, a sede geral do CCC, em Gama(DF), ficou por um tempo sendo representada por seu filho V encius, que passoua ser o mestre geral dessa irmandade ayahuasqueira. De acordo com SandraLcia Goulart (2004, p.15), um fenmeno comum s principais linhasayahuasqueiras brasileiras foi justamente o surgimento de cises e dissipaesque surgiram subseqentes ao falecimento dos fundadores. Os conflitos e

    disputas de poder, para esta autora, so inerentes ao surgimento dasdissidncias e fragmentaes no campo ayahuasqueiro, que se manifesta deacordo com o conceito de campo formulado por Bourdieu (1990, p.119), paraquem os campos sociais, principalmente religiosos, so espaos complexos ondeocorrem mltiplos jogos que envolvem disputas de poder diante doestabelecimento das regras desses mesmos jogos.

    Fatores internos aos grupos inseridos nesse campo como, por exemplo,divergncias pessoais, trocas de acusaes e afastamentos em massa so

    Linha udevista

    Linha daimista

    CCC

    Mestre

    Francisco.

    CHIED

    Mestre V e ncius.

    CHIED

    Mestre Andr.

    Fraternidade

    Rosa da Vida.

    Figura 1 . Surgimento do Centro deCultura Csmica e demais dissipaesda linha da unificao. Recentementefoi inaugurado um ncleo do CHIEDna cidade de Belm do Par.

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    comuns entre queles que discordam das regras desses jogos. Isso gerapequenos ou grandes focos de tenso, devido insatisfao de alguns adeptos.Esses fatores internos geradores de dissipaes podem afetar bruscamente osistema religioso, o que para Weber (1994) representa a recarismatizao darotina. Com o CCC no foi diferente, visto que, o mestre V encius, por motivos edivergncias pessoais, decidiu se afastar do quadro que preenchia nesse grupo,fundando uma nova irmandade. O CCC passou ento a ser representado por suairm, tambm filha do mestre Francisco, a Keteylen.

    Depois o Vencius foi para o Acre, preparou 60 litros de Vegetal por l, voltoupra Braslia e fundou o Centro de Harmonizao Interior Essncia Divina.Ele e a esposa dele, a Helen, receberam esse nome; Essncia Divina einiciaram os trabalhos por l. Isso foi de 2000 pra 2001 mais ou menos (Mestre Andr: representante do CHIED alagoano: 50 anos).

    Ento o mestre V encius passou a conduzir uma pequena irmandade emBraslia (DF), guiada pela linha da unificao estabelecida inicialmente por seupai, o mestre Francisco. Weber (1994) tambm explica que a legitimidadetradicional pode ser alegada a partir do grau de parentesco com o fundador. Assim aconteceu no CHIED que se legitimou tradicionalmente ecarismaticamente, pois alm de ser o filho do fundador do CCC, o mestre V encius tambm alegou ter recebido o nome do novo grupo diretamente doastral, devido relao direta mantida com o plano divino. Os elementos rituaisque compem as sesses desse centro ayahuasqueiro so oriundos,

    principalmente, dos sistemas daimistas e udevistas, existindo espao paraoutras doutrinas, pensamentos e filosofias que sempre so bem vindos em prolda harmonizao e do conhecimento. O atual representante do ncleo doCHIED alagoano, mestre Andr Luiz, antes de conhecer os trabalhos do mestre V encius, freqentou por algum tempo a sede geral da UDV em Braslia (DF);

    De incio eu era um discpulo que ficava com o p dentro e o outro p fora, euainda no tinha me colocado por inteiro dentro do trabalho, ainda no tinhame decidido. Depois de um determinado perodo eu consegui me firmar umpouco. Participei de alguns trabalhos importantes na UDV. Viajei paraRondnia com o grande mestre da recordao, o mestre Manoel Nogueira epude aprender muitas coisas com ele (Mestre Andr: representante doCHIED alagoano: 50 anos).

    Durante essa viagem que fez Rondnia com o mestre Manoel Nogueira,o Andr pde realizar alguns preparos do ch na floresta, assim como visitououtras irmandades, inclusive o centro onde o mestre Gabriel viveu antes defalecer. Essa convivncia lhe permitiu um maior aprofundamento na doutrinaudevista, mas mesmo assim ele decidiu se afastar da Unio, pois segundo o seu

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    relato, nessa poca, estava ligado aoutras foras . Mesmo afastado, o Andrafirma nunca ter esquecido o que aprendeu na UDV. Alguns mestres udevistaslhe apareceram em sonhos relembrando as coisas do esprito e cobrando a suaparticipao na doutrina.

    No fundo eu sabia que um dia teria que retornar a fazer essa conexo, nosabia como, mas sentia que havia essa necessidade. Uma fase da minha vidaem que ressurgiu a necessidade foi quando eu tive a oportunidade deconhecer o mestre Vencius, que filho do mestre Francisco o autor dessetrabalho de unificao (Mestre Andr: representante do CHIED alagoano: 50anos).

    Quando o Andr comungou pela primeira vez o Vegetal no grupo domestre V encius, imediatamente recordou dos elementos udevistas que foramaparentemente deixados de lado. As histrias e chamadas12 emergiram do seusubconsciente durante a sesso. Nesse instante, ele sentiu-se religado aotrabalho de modo que foi tomado pela necessidade de continuar revisitandoessa realidade espiritual. Ele freqentou o CHIED por alguns meses, chegando aparticipar do primeiro feitio13 realizado no grupo do mestre V encius emBraslia. No ano de 2002, o Andr decidiu mudar-se para Alagoas ondeestruturou residncia na Praia do Francs, localizada no litoral sul do estado. Antes da sua partida, o mestre V encius lhe confiou cinco litros de Vegetal paraque o Andr abrisse uma igreja nessa localidade. Inicialmente os encontrosaconteceram na sua residncia onde se reuniam alguns familiares e poucos

    amigos. Nessa poca, os trabalhos eram conduzidos de acordo com a linha daUDV.No ms de julho de 2003 o Andr participou de um feitio no CHIED em

    Braslia e trouxe consigo mais vinte litros da bebida. Assim os trabalhosrealmente comearam. Alm do Vegetal, o Andr tambm trouxe as letras e asmelodias dos cinco primeiros hinos que passaram a ser incorporados nos rituaisda irmandade que, at ento, seguia apenas com a linha da Unio do Vegetal.Estes hinos foram recebidos14 por alguns msicos que na poca eram fardadosno CHIED brasiliense. Trs hinos: Ave Maria , Caminho do Sol e o Amor , foram

    trazidos por Marco Bulamarqui. Os outros dois:Clareia e as Foras , foramrecebidos pelos adeptos Txa e Paulinho respectivamente. Com o tempo, algunsmsicos conheceram o grupo alagoano, se fardaram e todos passaram a estudar,ensaiar e incorporar outros hinos, principalmente daimistas nas sesses. Os bailados daimistas tambm foram incorporados dinmica ritual.

    Os sistemas udevistas compartilham de alguns cnticos conhecidos porchamadas, que so encaradas como sagradas. Elas representam, por assimdizer, uns dos principais contatos com a realidade espiritual cujas autorias

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    pertencem aos seres que habitam as distintas esferas astrais (GOULART, 2004,p.191-192; RICCIARDI, 2008, p.74). Os sistemas daimistas, por sua vez,compartilham de um fenmeno similar, pois os adeptos tambm cantam para odivino nos seus momentos rituais. Diferente das chamadas, os hinos somusicados e cantados por todos durante os trabalhos com o Santo Daime15.

    Os hinos representam o contato direto do daimista com a realidadesagrada, pois so revelaes divinas manifestadas em forma de msica, por issono podem sofrer interferncia humana. Nem os contedos das letras nem aprpria estrutura musical podem ser alterados. Para estes religiosos a msicano s transmite mensagens, sendo, ela prpria, uma mensagem (POLARI,1984; MACRAE, 1992; PACHECO, 1999; BOMFIM, 2006). Nos hinos daimistastambm esto implcitas as sanes sociais pensadas por Norman Zinberg(1984) e Edward MacRae (2004) e que asseguram o controle social do uso daayahuasca, perante a domesticao da experincia mstica (LIRA, 2009, p.97).

    O psiquiatra Norman Zinberg (1984, p.37), ao analisar o uso dospsicoativos afirma que as sociedades humanas constroem culturalmente algunsmeios relativos ao controle, uso e precauo das situaes adversas que possam vir a acontecer antes, durante e depois do efeito de determinadas substncias.Para tal, segundo este autor, so elaborados sanes e rituais sociais queminimizam as reaes danosas provocadas por certos entorpecentes.

    A pesquisa de Zinberg foi direcionada aos psicoativos ilcitos usadospelos norte americanos na dcada de 70. Para o nosso caso especfico, sua teoria

    nos ajuda a compreender como possvel administrar, estruturar e controlar osdiversos efeitos das experincias com ayahuasca. Segundo Zinberg (1984), assanes sociais estariam relacionadas regularidade com a qual a substncia administrada. Elas so informais e se estabelecem pela lei ou por grupos sociaisque ditam os valores e as regras em relao ao consumo. Os rituais sociaisservem de reforo s sanes. As regras e interditos comuns s sanes passama ser revisitados nesses momentos onde acontece o uso controlado dasubstncia. O ritual social est intimamente relacionado forma de obteno dopsicoativo, escolha dosetting fsico e social, s atividades aps o consumo e

    forma de lidar com as reaes adversas durante a experincia. A partir dos estudos de Norman Zinberg, do socilogo Howard Becker e

    do antroplogo Jean-Paul Grund, Edward MacRae (2004, p.2) afirma que taisautores levam em considerao que os grupos usurios de substnciaspsicoativas compartilham de um conjunto de saberes construdo e mantido apartir da vivncia dos indivduos nessas redes de relaes. Dessa forma, valores,normas, regras de conduta e rituais sociais passam a conduzir as modalidades

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    de uso, que incluem a vida dos sujeitos usurios e a disponibilidade dassubstncias.

    Ainda de acordo com MacRae (2004), notvel a permanncia dessespadres de controle mantidos e construdos pelos diversos grupos que fazem ouso da ayahuasca ou de outros entegenos16 ministrados ritualmente. O saberxamnico mantido e readaptado realidade de seus usurios. Apesar dasdistintas esferas que comungam esse ch, seu uso permanece controlado edirecionado s prticas espirituais de cunho divino cujas propriedades vo almda qumica e da fsica dos seus compostos. Esses religiosos acreditam que a bebida um ser divino e como tal merece respeito ao ser ministrada eproduzida, pois possui vida, sacralidade e vontade prpria. Esse respeito se fazpresente a partir do momento em que seus adeptos elaboram formas rituaispadronizadas, nas quais se cria uma atmosfera favorvel ao desenvolvimento daexperincia.

    O contedo dos hinos17, portanto estimula e estrutura os efeitos daayahuasca conduzindo as vises e sensaes dos participantes do ritual. Almdisso, segundo MacRae (1992, p.97), a partir dos hinos entoados nos sistemasde Juramidam18, os daimistas tm reforados e confirmados para si prpriosos valores implcitos nas Santas Doutrinas . Diferentemente dos sistemasudevistas19, aqui no h nenhuma restrio quanto escrita destas mensagens, visto que, comum encontrarmos textos impressos que contm as letras e asmelodias dos hinos. Quase sempre o daimista traz consigo o marac e um

    pequeno caderninho que representa os hinos que sero cantados na sesso. As vozes acompanham os acordes das violas, pandeiros e maracs. Os maracs, namo de cada um, permitem a marcao dos movimentos do bailado, que sodanas circulares nas quais a irmandade dana e canta os hinos nafora da bebida (MONTEIRO DA SILVA, 1983, p.74; MACRAE, 1992, p.100; CEMIN,2002, p.365; GOULART, 2004, p. 46; BOMFIM, 2006).

    Homens de um lado e mulheres do outro, a dana ou baile um meio deestabelecer comunicao com os seres espirituais que so homenageadosdurante os rituais. Os sistemas daimistas acreditam que o bailado realizado

    associado formao de um batalho de exrcito. Cada um bailando em seulugar seriam como soldados que marcham ordenadamente. o Exrcito deJuramidam, que se concentra para a batalha astral contra todas as forascontrrias ao trabalho espiritual (COUTO, 2002, p.395).

    Portanto, nas sesses do Centro de Harmonizao Interior EssnciaDivina podemos ver chamadas, hinos e bailados se revezando no decorrer doprocesso ritual. Certamente esse o principal diferencial dos sistemasayahuasqueiros oriundos da linha da unificao, estabelecida pelo mestre

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    633 MNEME R EVISTA DE HUMANIDADES, 11(29), 2011 JAN/ JULHO Publicao do Departamento de Histria da Universidade Federal do Rio Grande do NorteCentro de Ensino Superior do Serid Campus de Caic. Semestral ISSN15183394Disponvel em http://www.periodicos.ufrn.br/ojs/index.php/mneme

    Francisco Souza de Almeida e que une os elementos daimistas e udevistas emprol do amplo alcance divinal. Estes sistemas, em atual construo, mostram-seflexveis, permitindo-se incorporar outras influncias msticas e ideolgicas namedida em que novos adeptos vo chegando e se filiando aos centros emquesto, nos quais a pluralidade das crenas uma caractersticapreponderante.

    Em meados de abril do ano de 2005, um dos adeptos fardados do CHIEDalagoano, o Serginho, cedeu s imediaes de sua casa, na praia do Francs paraque a irmandade pudesse se reunir num espao mais amplo, at porque outraspessoas foram chegando a partir do momento em que a igreja foi tomando umamaior visibilidade. Eles construram, nessa propriedade, uma fornalha artesanalcom capacidade para duas panelas de cem litros, usadas durante os rituais defeitio do Vegetal.

    O primeiro feitio, em Alagoas, foi realizado em janeiro de 2006 quando airmandade passou a produzir o prprio Vegetal na propriedade do Serginho.Eles tambm iniciaram, nessa sede provisria, um pequeno plantio de marir echacrona20, porm os cips necessrios elaborao do ch ainda soadquiridos noutras localidades. Os cips utilizados nos trs ltimos feitios doCHIED alagoano vieram de Belm do Par a partir do contato estabelecido comuma comunidade de quilombolas que plantam o marir, mas usam apenas asfolhas deste cip em seus trabalhos rituais. Atualmente a irmandade auto-suficiente apenas em relao s folhas de chacrona, cujas podas das mudas j

    so capazes de suprir s necessidades dos feitios. Antes dos feitios, a irmandade se mobiliza financeiramente paraconseguir transportar o marir at Alagoas. Os cips costumam vir em carrosparticulares fretados pelo mestre Andr ou at mesmo em nibus de linhasrodovirias. Quase sempre os cips demoram um pouco, mas sempre chegampara suprir s necessidades do trabalho. No CHIED alagoano so produzidosem mdia cento e cinqenta litros de Vegetal durante os feitios, que costumamacontecer duas vezes ao ano. Cada feitio leva em mdia dez dias seguidos, nosquais os adeptos se revezam nos trabalhos, em mutires, de acordo com suas

    aptides e disponibilidades (LIRA, 2009, p.201).No incio do ano de 2008, a sede do CHIED alagoano foi transferida para

    uma propriedade no distrito de Riacho Doce, situado no litoral norte do estado. A irmandade uniu foras e adquiriu um amplo terreno com aproximadamentedez hectares de mata atlntica, onde nove famlias pretendem construir suascasas. Um dos objetivos implantar, nessa rea, os princpios da permaculturana tentativa de uma mudana de vida mais saudvel, sustentvel e consciente.Os princpios da permacultura, ou cultura permanente, so oriundos dos

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    estudos avanados das cincias biolgicas e ambientais, flexveis e atentas atual situao do Planeta Terra.

    Os australianos Bill Mollison e David Holmgren elaboraram esta tcnicana dcada de setenta a partir de pesquisas que levaram em considerao algunsprincpios ticos universais pertencentes s comunidades tradicionais, emespecial indgenas, e doutrinas espirituais que compartilham da idia de que ouniverso gira em torno da comunicao, compreenso, mutualismo esolidariedade entre todas as molculas da natureza. A partir desses estudos foipossvel estruturar uma nova forma de contato com os espaos naturais, menosagressiva e cunhada no planejamento consciente das ocupaes humanas.

    O planejamento das reas passa a ser direcionado sustentabilidade dosecossistemas que podem ser mantidos e cultivados harmonicamente, sem deixarde possuir diversidade, estabilidade e resistncia que, por sinal, so inerentesaos ecossistemas naturais. Nesses sistemas experimentais, h uma enormepreocupao com os desperdcios de energia, gua e alimento, pois objetiva-seuma nova relao com a natureza sem prejuzos para o meio ambiente. Para tal,deve existir harmonia durante a integrao entre homem e natureza que possaprover alimento, energia, abrigo e demais necessidades, sejam elas materiais ouno (MOLLINSON, 1998; HOLGREN, 2007; CSAR, 2008).

    No CHIED alagoano, o interesse pelo uso dessa tcnica revolucionria veio, segundo o mestre Andr, inicialmente a partir do contato com algunsamigos de Braslia que desenvolveram a permacultura em suas propriedades e

    estavam satisfeitos com o empreendimento da cultura permanente. O mestre Andr j desenvolve este trabalho na prtica junto Secretaria do Meio Ambiente da cidade de Macei a partir de uma ONG que desenvolve projetosnas reas de agro-ecologia e agricultura familiar. Uma das idias fazer do Altoda Paz um centro de referncia dessa nova forma de viver. Alguns adeptos destairmandade esto estudando e se aperfeioando atravs de cursos, palestras econgressos promovidos nessa rea das cincias naturais, pois pretendem, nofuturo, passar esses conhecimentos adiante a partir de cursos, palestras eatividades prticas organizadas por eles mesmos, na sede deste centro

    ayahuasqueiro alagoano.O Alto da Pa z

    Batizada com o nome de Alto da Paz, Ch do Cruzeiro essa novalocalidade fica localizada no interior de um vale natural. Dez hectares de mataatlntica, praticamente inalterados, perdem-se de vista entre o verde da floresta.Muitas rvores nativas de grande porte repousam seguras nesse cantinho da

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    paz. Vrias mudas de chacrona encontram-se transplantadas prximas entrada do centro, enquanto o marir cultivado em alguns cajueiros.

    Como vimos, a partir da leitura de Norman Zinberg (1984) e EdwardMacRae (2004), a seleo dosetting fsico, ou seja, a escolha do lugar no qual aexperincia com os psicoativos acontecem, influencia diretamente nodesenvolvimento da mesma. O objetivo dos rituais com a ayahuasca favorecera meditao de seus usurios em prol do bem estar antes, durante e depois daexperincia. Para tal, se faz necessrio selecionar o lugar (setting fsico) e aspessoas (setting social) para garantir a construo de uma atmosfera idealdiante do uso dessa bebida. Talvez por isso, os adeptos do Vegetal prefiramconstruir seus ncleos nas proximidades de reas naturais, relativamenteisoladas da cidade, e que permitem, ao participante da sesso, sentir-se maisrelaxado, acolhido e seguro durante a experincia.

    No anexo superior, prximo entrada do centro, uma oca feita compalhas de sap e madeira foi construda, sendo este o local no qual as sessescom o Vegetal acontecem. Muito grande e chamativa, a oca foi erguida poralguns ndios da tribo alagoana Wassu-Cocal . O mestre Andr teve contato comessa tribo quando efetuou um trabalho ambiental de reflorestamento numaaldeia localizada no municpio de Joaquim Gomes (AL). Ele fez amizade com ocacique e chegou a convidar alguns ndios para participarem dos trabalhos como Vegetal. Eles foram, gostaram da experincia e em seguida surgiu a idia daconstruo da oca.

    Alm da oca de palha, o grupo construiu uma cozinha, um quarto para oscaseiros e dois banheiros, masculino e feminino. Tudo isso com muito esforo eempenho dos mutires organizados desde que preciso. Nessa nova fase deconquistas da irmandade, qualquer ajuda, qualquer esforo, boa vontade edisponibilidade, sempre so bem vindos em prol da sustentabilidade do grupo. quando o empenho demonstra o comprometimento e o merecimento dosadeptos.

    Autores como Eduardo Galvo (1955), Antnio Cndido (1964) e HernaniCarvalho (1966) consideram o mutiro como sendo uma das formas de

    manifestao da solidariedade do homem rural brasileiro, que elabora umsistema de trabalho voluntrio e beneficente, no assalariado, mas que implicana reciprocidade entre vizinhos, amigos e familiares. Existe uma troca defavores em prol do auxlio queles que esto necessitando. O convite paraparticipar de um mutiro motivo de honra entre os roceiros, pois taistrabalhos reforam as relaes de amizade entre os mesmos, alm de ser ummomento ideal para troca de favores e idias.

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    No CHIED alagoano, a irmandade tambm se organiza e se mobilizaconstantemente, revezando-se nos trabalhos necessrios construo da novasede. Os mutires voluntrios acontecem a qualquer momento, a depender dasnecessidades do centro. Dessa forma, criam-se vnculos e laos afetivos a partirdo convvio direto dos adeptos com os trabalhos materiais e espirituais, em prolda construo de um bem comum. A recompensa vista a partir do esforo namanuteno de toda essa estrutura, que encarada como fazendo parte da vidade cada um. Por isso, eles afirmam que o Essncia Divina , portanto,construdo por toda a irmandade. So as pessoas que fazem esse centro deharmonizao ayahuasqueiro.

    Dentro da oca, no Salo Dourado21, as cadeiras de plstico posicionam-sedirecionadas mesa central onde senta o mestre Andr cabeceira principal, junto de cinco discpulos auxiliares que so convocados momentos antes dassesses. Por trs da mesa, sempre h uma grande mandala colorida, que foipintada e doada por um dos artistas fardados no centro, o Rafael. A oca sustentada por largas toras de madeira. Pendurados em algumas dessas torasesto os quadros com as fotos do mestre Francisco, mestre Irineu, mestreGabriel e uma foto do rosto de Jesus Cristo, impresso no Santo Sudrio.Exemplo claro da tolerncia religiosa existente nesse centro de harmonizaoayahuasqueiro, visto que tal tolerncia parece ser a principal caracterstica dasirmandades guiadas pela linha da unificao.

    Todas as religies so bem vindas aqui. Todas as egrgoras, todas as linhasdo pensamento, entendeu? No nosso centro, a gente respeita todo tipo depensamento. Voc pode ser budista, mrmon, catlico... A gente vai l (no Alto da Paz), todo mundo se respeita... Eu respeito o que voc acredita, possoat no acreditar, mas respeito e no discuto porque sei que todos esto buscando a mesma coisa, essa religao com Deus. Ento a gente est ali (no Alto da Paz) construindo e mantendo esse lugar, mas unindo as foras e comisso superando nossas dificuldades. Unindo e no excluindo! Pode ser queseja esse o nosso segredo. O segredo verdadeiro da harmonizao (Ruy:fardado no CHIED alagoano: 41 anos).

    Por enquanto, nessas imediaes, a luz eltrica ainda no chegou22.Durante as sesses, a iluminao fica por conta de um candeeiro a gs, alm dafogueira que sempre acesa longe da oca. O mestre Andr tambm leva para asesso algumas lmpadas carregadas com baterias de curta durao. noite,tudo isso necessrio para facilitar os movimentos do bailado, alm de permitira leitura das partituras e letras dos hinos, por parte dos msicos. As msicas,durante o ritual, ficam por conta donotebook do mestre Andr conectado aosom do seu veculo.

    Outro problema na localidade a falta d gua23 adquiridaprovisoriamente numa propriedade vizinha. A gua armazenada em trs

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    caixas dgua localizadas prximas oca. Muita coisa ainda precisa seridealizada e posta em prtica, portanto os problemas vo aos poucos sendosuperados e a irmandade vai crescendo custa dos seus prprios esforos.Segundo o mestre Andr, as coisas esto caminhando rumo melhoria dasestalagens. Logo os problemas sero resolvidos. Para tal, eles precisam da ajudade todos, sendo a irmandade, a principal responsvel pela sustentabilidade detudo aquilo. O trabalho voluntrio essencial. Nesse momento, os irmossempre se ajudam.

    A irm andade

    No Alto da Paz todos se conhecem. A unio est refletida no olhar, nasaes e palavras de cada um. Alm dos bens materiais, eles afirmam terconseguido cultivar a confiana e a unio nesse crculo restrito de amor,

    sensibilidade, solidariedade e reflexo. Para seus adeptos, o CHIED considerado uma grande famlia de poder. O mestre Andr sempre diz quequem faz o Essncia Divina so as pessoas que o freqentam. O acesso aostrabalhos restrito e sem publicidade24. O chamado vem a partir do momentoem que as pessoas de fora enxergam a mudana daqueles de dentro.

    O meu irmo estava vindo para esse centro h mais de um ano e me chamavasempre. Eu nunca quis ir at porque eu sou Mrmon e minha igreja noaceita o uso desse ch. Mas com o tempo eu fui vendo a mudana dele (doirmo). Bem mais centrado entendeu? Estudioso, querendo voltar prafaculdade, trabalhando e estudando... A eu quis ir conhecer e mesurpreendi. Estou l at hoje com minha esposa, me, filhos, irmos esobrinhos. No deixei de ser Mrmon, porque tenho uma vivncia muitoforte nessa religio, mas continuo bebendo o Vegetal porque ele me completae foi o exemplo do meu irmo que me fez procurar esse ch (Ruy: fardado noCHIED alagoano: 41 anos).

    Eles afirmam que o principal papel do ayahuasqueiro, no mundomaterial, servir de exemplo aos demais, mostrando que possvel visitaroutras realidades despercebidas pela tica comum e tirar proveito material eespiritual desses ensinamentos astrais. Essa seria a boa propaganda, e que,

    nesse caso, passa a ser transmitida pela narrativa oral diante da percepo damudana de comportamentos do ayahuasqueiro, que chama ateno dos que lheso mais prximos. Os ayahuasqueiros do CHIED tambm afirmam que dessaforma que as pessoas devem chegar aos centros. Atradas pelo bom exemplodaqueles de dentro.

    H religies em que os deuses se manifestam: surgem diante dos homens em beleza, esplendor, perfeio e poder e os levam a ver uma outra realidade,escondida sob a realidade cotidiana, na qual o espao, o tempo, as formasdos seres, os sons e as cores, os elementos encontram-se organizados e

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    dispostos de uma outra maneira, secreta e verdadeira. A divindade, levandoum humano ao seu mundo, desvenda-lhe a verdade e o ilumina com sua luz(CHAU, 2000, p.383-384).

    O CHIED alagoano tem em mdia vinte fardados e recebe atualmentecerca de quarenta pessoas por sesso de escala25. Alm disso, a irmandade

    freqentemente visitada por muitos adeptos da matriz brasiliense representadapelo mestre V encius. Apenas o mestre Andr quem dirige os trabalhos edistribui o Vegetal no centro alagoano. Nas raras vezes em que ele se ausenta, osdiscpulos mais antigos, principalmente os mestres Glauber e Fabiano, tmpermisso para distribuir o ch em momentos de concentrao ou ensaio dehinos26.

    Os fardados so queles discpulos mais antigos e que conseqentementeso os mais dedicados com as causas da irmandade. No CHIED, o ato de sefardar parte da iniciativa de cada adepto. Diferentemente dos sistemas

    udevistas, aqui no existe, por assim dizer, uma imposio direta dos mestres oudemais fardados para que o sujeito assuma tal responsabilidade. Essa escolha individual tendo em vista a necessidade e a disponibilidade de cada um, poispara ser um fardado deve-se estar ciente das responsabilidades e obrigaespara com a irmandade. Acima de tudo, o sujeito deve est sempre pronto edisposto a ajudar quando for solicitado.

    Lembrando que nos sistemas daimistas, fardado a forma de designartodo quele adepto que se reconhece daimista e aceita as obrigaes eprescries da doutrina (MACRAE, 1992, p.120; CEMIN, 2002, p.361; COUTO,2002, p.395; LABATE, 2004, p. 198). Os fardados so figuras importantssimaspara a sustentabilidade dos trabalhos das irmandades ayahuasqueiras. Suasatuaes voluntrias, tanto dentro quanto fora da atmosfera ritual, favorecem acontinuidade das prticas em questo, pois preciso que cada um saiba o quefazer na hora certa. No CHIED alagoano no diferente.

    A farda muito simples. Os homens usam camisas e calas brancas. Asmulheres usam a mesma farda sendo que muitas delas no aderiram s calas brancas e s substituram por saias longas, quase sempre brancas. As camisasdos fardados so bordadas com o smbolo do grupo, no lado esquerdo do peito,que consiste num triangulo lils e em seu interior uma estrela verde de seispontas, ou signo de Salomo. Ao redor do smbolo, os dizeres;Centro deHarmonizao Interior e embaixo do tringulo as palavras;Essncia Divina (Figura 2) .

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    Os visitantes devem preencher um formulrio antes das sesses deescala. Este documento encontra-se postado no site do grupo e precisa serentregue momentos antes da sesso, at mesmo para resguardar a irmandadede determinadas situaes adversas que venham a acontecer durante o ritual. Algumas perguntas desse protocolo giram em torno do histrico do visitantecomo, por exemplo, nome, endereo, filiao, histrico de doenas, usoscontrolados de medicamentos e outras drogas alteradoras da conscincia. O visitante pode participar de qualquer sesso de escala, desde que cumpra comesses princpios fundamentais.

    Tambm foi estabelecida uma taxa para os visitantes no valor de quinzereais que devem ser pagos momentos antes da sesso, mediante assinatura nolivro de freqncia que serve aos assuntos burocrticos e financeiros do grupo.Os fardados contribuem mensalmente com o valor de cinqenta reaisindividuais que so direcionados s prticas do ncleo como, por exemplo, aconstruo de novas edificaes na sede, trabalhos de feitio, salrio dos caseirose manuteno do plantio de marir e chacrona.

    Os adeptos sempre esto acompanhados da famlia. Filhos, filhas, tios,sobrinhos, netos, mes, irmos e avs que se encontram quinzenalmente nassesses de escala do CHIED. Todos na comunho harmnica das foras domarir e da chacrona. Arquitetos, mdicos, advogados, msicos, artistas,estudantes, psiclogos, poetas, socilogos, publicitrios... A faixa etria e asprofisses dos adeptos so as mais variadas possveis. Pertencentes classe

    mdia, a grande maioria reside na cidade de Macei e freqenta assiduamenteos rituais no Alto da Paz alagoano.

    Efeitos da plura lidade

    O histrico deste centro de harmonizao ayahuasqueiro, assim comosuas atuais mobilizaes e aquisies evidenciam, antes de tudo, uma forteinterao entre distintas tradies que, de certa forma, esto relacionadas obteno da ayahuasca e ao uso ritual dessa bebida de poder. Podemos verificar,

    Figura 2 . Emblema oficial do CHIED bordado nascamisas dos fardados nos dois ncleos (alagoano e brasiliense). Segundo o dicionrio dos smbolos deHerder Lexikon (1998, p.110) o hexagrama (selo deSalomo ou estrela de Davi) representa, no sentido maisamplo, a interpenetrao do mundo invisvel (espiritual)ao mundo visvel (material). O smbolo, representado pordois tringulos invertidos, compartilhado pelastradies crists, judaicas, islmicas e hindustas.

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    diante desse exemplo, as mltiplas trocas existentes, assim como algumaspontes estabelecidas onde circulam smbolos, msicas, plantas, pessoas efilosofias. Inclusive, para a antroploga Beatriz Caiuby Labate (2004), talcircularidade seria inerente rede de relaes27 que fomenta o campoayahuasqueiro. Essas pontes, no CHIED alagoano, foram erguidas,principalmente, entre o Distrito Federal, a floresta Amaznica e o estado de Alagoas. ndios, quilombolas, daimistas, udevistas, jovens e adultos das classesmdias compartilham dessa mobilidade cultural e ajudam a ampliar o alcanceda rede ayahuasqueira.

    Tais acordos, trocas e negociaes permitem a construo de um tecidocultural vivo, pulsante e evidente no qual, determinadas redes sociais,apresentam-se em constante fluxo de interao. Tal mobilidade permite osurgimento de novos cenrios possveis em atual construo, que nos remetemao princpio da circularidade cultural. O historiador e antroplogo italiano CarloGinzburg (1987), partindo dos estudos de Mikail Bakhtin, formulou o conceitode circularidade cultural na tentativa de acompanhar e compreender melhor asinteraes e distines que ocorrem constantemente nas sociedades. Ele ajuda apercebemos o carter dinmico de toda cultura, assim como o trnsito constantede objetos, imagens, smbolos e significados (GINZBURG, 1987, p.16-17).

    Devemos encarar esse processo de interao e circularidade entreculturas e tradies como uma via de mo dupla, pois todas as partes queinteragem nessas complexas redes de significaes culturais, assimilam e

    tambm fornecem novos elementos que circulam numa eterna troca desmbolos entre distintos sistemas culturais. Na verdade, a interao entre astradies humanas o que faz as culturas vivas. De acordo com Edgar Morin(1999), a sociedade e as culturas s existem devido s relaes e trocasincessantes feitas entre os sujeitos que do vida sociedade, portanto asociedade e a cultura tambm constroem os indivduos, a partir do momento emque lhes fornecem um sistema de cdigos, leis, interditos e rituais que os fazemser atores sociais constituintes de uma sociedade especfica. Esse seria oprincpio hologramtico, formulado por Morin (1999), no qual as partes contm

    o todo e o todo tambm contm as partes.Os sistemas ayahuasqueiros oriundos da linha da unificao

    exemplificam tal mobilidade diante da tolerncia religiosa refletida,principalmente, em seus rituais e no surgimento de novos hinos sagrados que,na maioria das vezes, so trazidos por alguns msicos fardados que alegam terrecebido letra e melodias diretamente do Astral Superior (LIRA, 2009, p.234-237). Tais hinos passam a ser estudados e incorporados nas sesses dairmandade, que desfruta de um amplo repertrio mtico muito alm daqueles

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    fornecidos pelos sistemas ayahuasqueiros tradicionais. Esses e outros elementossimblicos vm sendo reconfigurados cotidianamente devido amplitudetomada pelas principais religies da ayahuasca. Novos grupos se formam eoutras influncias surgem a partir dessa expanso dos conhecimentos da bebida(LABATE, 2004).

    Por isso, somos capazes de visualizar, por exemplo, outros hinos inditossendo recebidos por alguns msicos de grupos ayahuasqueiros alternativos. Oselementos que constituem esses novos hinos parecem mesclar alguns sistemassimblicos entre eles: a linha do oriente (hindusmo), as religies afro brasileiras, o cristianismo esprita kardecista e as esferas ayahuasqueiras comoum todo, sendo tal dinamismo influenciado diretamente pelo universo NovaEra.

    O antroplogo Marcelo Ayres Camura (1996) identifica o movimentoNova Era como um tipo de religiosidade flexvel e que incorpora o holismo e omstico na idia da juno, da unio das doutrinas em prol de um conhecimentoamplo e no excludente. A realidade vista como um todo integrado e vivo, oque permite articular num mesmo sentido todos os aspectos da vida humana (CAMURA, 1996, p.9).A principal caracterstica desse movimento religiososeria, justamente, a fluidez das prticas e construes simblicas de cartersincrtico a partir da juno de distintos elementos numa configurao original,que permite inmeras combinaes possveis.

    Para Fernando Brichal (2006) o movimento Nova Era (New Age ) surge,

    principalmente, a partir das inmeras mudanas paradigmticas impostas aoshumanos na contemporaneidade. As construes, percepes e relaes sociais,para este autor, esto cada vez mais carregadas de incertezas devido volatilidade dos sentidos, decorrente do carter mecnico e imediato adquiridopelas pocas atuais. Desta forma, h um forte questionamento em relao sconcepes das antigas religies, que so deixadas de lado ou mescladas aprticas esotricas, msticas e ocultas oriundas de distintos sistemas simblicos. Assim possvel a construo de uma nova realidade religiosa que resgataantigas prticas, antes esquecidas, e que representa uma fortuita tentativa para

    o reencantamento do mundo.O Essncia Divina pra mim veio pra quebrar todos os dogmas da igreja, doevangelho... Tudo fala de um s Deus o nosso Deus, ento eu sou dele e soudo Essncia Divina que tambm dele! Ento ns estamos todostrabalhando sem esse potencial de condicionamento que as igrejas impem eas pessoas se impem. L dentro de cada um na conscincia da lei do sentire a partir da, voc pode ter uma nova idia, uma nova concepo da vida edo mundo (Taty: adepta no fardada no CHIED alagoano: 29 anos).

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    Outra caracterstica do movimento Nova Era que o mesmo compartilhado por atores sociais pertencentes s classes mdias urbanas.Pessoas letradas, estudiosos de muitas reas, msicos, msticos, artistas, poetas,enfim indivduos dotados intelectualmente e que sempre questionam osparadigmas atuais. No caso dos novos ayahuasqueiros, especificamente osderivados da linha da unificao, tambm podemos detectar a presena deindivduos com considervel grau de instruo. Estudiosos e interessados natradio da ayahuasca, pois grande parte dela sustenta-se pela narrativa oral,ento cabe a todos estudar. Alis, o estudo , sem dvida, um fenmeno comumentre queles que compartilham o uso dessa bebida entegena. Seus discpulosso verdadeiros filsofos da natureza que se permitem descoberta dosmistrios da vida, do mundo e dos espritos por meio de suas doutrinas que sodiariamente interpretadas, reinterpretadas e representadas.

    O princpio hologramtico formulado por Morin (1999) nos permiteafirmar que, neste caso especfico, o contato da classe mdia amplia o repertriomtico da tradio ayahuasqueira devido conseqente incluso de novasprticas e smbolos relativos ao uso da bebida, que estende seu alcance paraalm do seu lugar de origem, a floresta Amaznica e os sistemas oficiaisayahuasqueiros brasileiros. Em nossa anlise, verificamos que a classe mdiainfluencia na tradio, mas a tradio tambm influencia na classe mdia apartir do momento em que alguns de seus membros passam a ser guiados pelosensinamentos do Vegetal, modificando atos e conceitos, a partir do uso ritual

    dessa bebida entegena. Por isso podemos ver, por exemplo, a adoo dosprincpios da permacultura no CHIED como uma forma de mudanaparadigmtica influenciada pelas filosofias doutrinrias comuns ao consumoritualstico de tal bebida.

    Porm Camura (1996) e Brishal (2006), em comum acordo, afirmamque o surgimento e a busca por essas novas prticas influenciadas pelo universoda Nova Era representam, alm de tudo, uma manifestao intelectual ereligiosa decorrente da falibilidade das explicaes contemporneasultrapassadas, que se mantm erguidas por frgeis paradigmas ocidentais em

    colapso. Diante desse cenrio de indeciso e incertezas o homem atual vivenciao chamado desencantamento do mundo que o faz buscar respostas e revelaesque possam preencher o vazio imposto por tal condio vertiginosa.

    A partir das pesquisas de Antnio Flvio Pierucci (2005), que consiste naanlise profunda desse conceito formulado originalmente por Max Weber, possvel afirmar que para os seres humanos, inicialmente, o mundo, o cosmo, anatureza e todos os seres que habitam o planeta eram considerados sagrados eencantados, de modo que a histria de suas origens era explicada nos primeiros

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    mitos cosmognicos oriundos das prticas mgico-religiosas. As coisas e a vidados seres que habitam o mundo, conseqentemente, adquiriram uma essnciadivinal. Dessa forma, para Weber, o mundo foi encantado. Os mitos das antigastradies religiosas sempre procuraram explicar perfeitamente a origem dessemundo que passa a ser guiado pelo encanto, magia, interveno e boa vontadedas divindades e deidades sobre humanas.

    O aperfeioamento da tcnica aliada razo desencantou esse mundoreligioso no qual a explicao de suas origens foi posta em dvida. O mundopassou a ser guiado por outras explicaes mais conceituais, exatas e cientficas.Os antigos mistrios so desvendados pela razo que se contrape sexplicaes emotivas oriundas das crenas arcaicas. Esse novo mundo passoua ser guiado pela tcnica. Novos mitos tambm foram estabelecidos, pois, diantedessa realidade, os mesmos so capazes de explicar, agora cientificamente, osurgimento, a continuidade e o devir daqueles que habitam esse novo mundo. Weber ainda afirma que o desencantamento do mundo favorece o surgimentode especialistas sem esprito e sensualistas sem corao, nulidades queimaginam ter atingido um nvel de civilizao nunca antes alcanado(WEBER, 1996, p.131). Desencantar o mundo seria justamente abolir a antiga viso mgico-arcica do mundo de forma que para Weber torna-se impossvelaos humanos um retorno s explicaes retrgadas desse mundo encantado.

    Acontece que os mitos vigentes nessa nova realidade mecnica e racionaltambm se mostram falveis quando o aperfeioamento da tcnica aliado ao

    imediatismo demonstra suas imperfeies refletidas, por exemplo, nos altosndices de poluio planetria, nas grandes guerras, doenas, misria, fome edemais colapsos scio-ecolgicos favorecidos pelo imediatismo racional. O fato que tambm percebemos algumas falhas na explicao desse mundodesencantado pela razo. Os mitos contemporneos da tcnica mostram-seineficazes quando confrontados situao atual do planeta.

    O mundo soberano da razo plena v-se incompleto, fragmentado eperdido em suas explicaes puramente mecanicistas. Conseqentementesurgem novas perguntas e dvidas que no podem ser solucionadas, pois a

    mecnica viso de mundo desconsidera a complexidade dos fenmenos,limitando e reduzindo tudo ao calculvel, ao matematizvel, ao analtico. quando vemos uma procura global por solues que consigam abarcar novasconcepes a respeito da vida, do mundo e dos seres. Isso nos faz pensar numasuposta busca pelo reencantamento do mundo no qual possvel encontrar, nacondio sagrada, uma nova explicao, uma nova realidade que seja capaz dedialogar com a razo em prol do alcance de uma verdade mais ampla, quesatisfaa e preencha tais aspiraes cotidianas.

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    O ser humano j provou de tudo. Na dcada de 70 onde houve, apesar darepresso militar, uma liberao na parte moral absurda com o sexo, com asdrogas, com o rock, que eu adoro, mas que foi usado como uma msica demuita liberao, libertinagem mesmo! Depois disso, o que foi que a gentecolheu? Doenas sexualmente transmissveis, a morte pela AIDS, guerras,poluio e dependncia qumica. Isso gerou pessoas que no conseguemmais se centrar entendeu? A o ser humano entra numa nova fase, que afase na qual ele j experimentou de tudo e que viu que nada daquilo ocompletou. Ele continua sentindo o vazio de no ter Deus no corao. Amor,paz... O ser humano continua sem isso. Ento essa busca pelo conhecimentodo Vegetal, eu acho que a busca de todo ser humano pra poder preencher oque ele tem de vazio dentro dele. A poro divina que ns temos enorme, sque a gente no conhece(Ruy: fardado no CHIED alagoano: 41 anos).

    De acordo com Mircea Eliade (2002, p.55) a existncia dos sereshumanos guiada tanto por sua condio histrica (profana) quanto pelacondio religiosa (sagrada). Por condio histrica entende-se quela condio

    humana cotidiana, regida por determinados sistemas e padres decomportamento compartilhados coletivamente. Cabe, portanto, condioreligiosa superar momentaneamente tais limites rotineiros e projetar osindivduos em um outro mundo, em um universo que no mais seu pequenoe pobre universo cotidiano (ELIADE, 2002, p.55). Essa ligao se d porintermdio dos mitos, ritos e xtases comuns s experincias religiosas.

    Ao analisarmos as teorias de Weber (1996) e Eliade (2002) podemosafirmar que a condio religiosa dos humanos encanta inicialmente o mundoque conseqentemente desencantado por sua condio histrica e racional.

    Atualmente o caso ayahuasqueiro nos permite afirmar que as explicaes dessemundo desencantado tambm so falveis na medida em que a razo dialogacom a emoo por intermdio do xtase sagrado, que opera, a nosso ver, umreencantamento do mundo o que permite aos adeptos unir o que estfragmentado em prol da busca por uma nova condio de ser humano nomundo.

    Refletindo sobre o fenmeno da ayahuasca, verificamos que nos diasatuais h um amplo resgate global dessas prticas msticas caboclas examnicas, que permitem aos seus adeptos conhecer e vivenciar os eventos domundo sob uma perspectiva diferente. O direcionamento dessas vivncias passaa ser conduzido pela realidade espiritual acessada mediante a ingesto dessasplantas de poder que so capazes de encantar, desencantar e reencantarmundos e percepes distintas, no acessveis realidade comum.

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    Consideraes finais. O nom adismo espiritual

    Muitas vezes um caminho possvel para o reencantamento do mundo justamente buscar as coisas que esto aparentemente distantes, no intuito deunir o que est disperso em prol de um conhecimento ampliado e esclarecedor.O socilogo Michel Maffesoli (2001), na tentativa de explicar os fenmenos queenvolvem a mobilidade e a circularidade entre tradies e culturas ps-modernas, recorre aos conceitos de errncia e sedentarismo que nos ajudam aentender o atual comportamento humano diante da impermanncia das coisas,dos sentimentos e emoes. Para Maffesoli, tanto a poro errante como asedentria so inerentes ao Homo sapiens. Elas convivem mutuamente, masno so percebidas como tais, pois o homem atual encontra-se perdido,fragmentado e, conseqentemente, desencantado com o mundo.

    Segundo este autor, a relao entre a pulso do outro lugar (errncia) e odesejo de se fixar (sedentarismo) conflituosa e atormenta todo o corpo social.Esta seria uma das conseqncias do eventual desencantamento do mundo,constatado na contemporaneidade e que parece contaminar de incertezas osdias atuais. Maffesoli afirma que existe nos humanos, uma forte necessidade desegurana (sedentarismo) adquirida devido ao pertencimento determinadanao, regio, cidade, cultura e tradio. Portanto tambm h, emcontrapartida, o desejo momentneo do desprendimento (errncia), muitas vezes estampado nas viagens, aventuras, xtases e demais experincias

    visionrias desfrutadas na atualidade.Neste sentido, a errncia passa a ser praticada por todos, pois onomadismo no exclusividade de alguns. Todo mundo pratica a errnciacotidianamente. Maffesoli inclusive vai afirmar que essa poro aventureira edionisaca dos humanos o que injeta uma nova energia nos tecidos sociaissaturados, estagnados e desacreditados, que no mais se sustentam sobre assuas verdades. Para este autor, o nomadismo o fundador das sociedades. A circularidade entre as culturas teria a sua origem nesse princpio bsico dahumanidade que pode, at mesmo, ser considerado uma constante

    antropolgica. A pulso do desejo do outro lugar, das prticas e concepes dooutro aparentemente to distante, mas que nos causa fascnio e repulsa aomesmo tempo, visto que, a nossa poro sedentria no aceita as novidades comfacilidade.

    Nos mbitos da f, a errncia passa a ser vista diante da multiplicidadedos deuses e religies cada vez mais solicitados e reelaborados. O nomadismoespiritual tambm seria o reflexo de modelos sociais perdidos no tempo atual eque no se permitem englobar uma viso mais complexa do homem e da

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    sociedade que busca, no holismo das populaes tradicionais, a explicao paraos seus problemas rotineiros. Para Marilena Chau (1986, p.83), talmultiplicidade:

    (...) determina um dos aspectos da religiosidade popular: a aceitaosimultnea de uma pluralidade de crenas aparentemente incompatveisentre si (...) exprime a fragilidade do controle social atravs de uma dasreligies e a resistncia implcita dos fieis a esse controle, na medida em queorganizam seu prprio sistema de crenas e devoes (...) uma peculiaridadedessa religiosidade a transgresso.

    A pulso da errncia permite a construo de determinadas pontes queunem o mundo contemporneo aos valores tradicionais, temporariamenteesquecidos. Tamanha mobilizao impressiona outros observadores sociaisacostumados com uma existncia estvel, mecnica e puramente funcional. A pluralidade da pessoa passa a ser evidenciada de acordo com o vis do

    fantstico, do imaterial e de outros procedimentos imaginrios que passam a serfluentes e comuns entre os atores sociais.

    Talvez por isso, somos capazes de notar a amplitude da procura pelosconhecimentos da ayahuasca nos tempos atuais. No caso especfico dos sistemasguiados pela linha da unificao, as pontes que so construdas, parecem ir almdos centros urbanos brasileiros e da floresta Amaznica. Seu alcance entende-setambm ao universo hindusta, afro-brasileiro, cristo, esprita, xamnico e,logicamente, daimista e udevista. Os grupos derivados da linha do mestreFrancisco apresentam-se abertos a outros dilogos e influncias filosficas, apartir, principalmente, do respeito s crenas alheias. como se a unio dascrenas promovesse uma maior harmonia.

    Nesse caso, parece existir uma tendncia em acreditar que quando sesegue apenas uma crena, fica-se bitolado e at mesmo limitado mesma. Podeser que essa limitao venha a gerar alguns conflitos, devido principalmente, sdisputas de poder e ao monoplio das verdades. Somos acostumados a verduelos entre doutrinas e nunca a unio das mesmas em prol de uma verdademaior. Os adeptos do CHIED alagoano costumam afirmar que o caminho para ailuminao e o esclarecimento do ser torna-se mais rpido quando h a uniodas informaes. Estes ayahuasqueiros nos do o exemplo de que nuncapodemos ser maniquestas, de forma que tudo se encontra interligado.

    (...) tudo isso, para o bem ou para o mal, permite viver, em tempo real esobretudo coletivamente, experincias culturais, cientficas, sexuais,religiosas que so justamente o prprio da aventura existencial (...) oenriquecimento cultural est sempre ligado mobilidade, circulao, quersejam as do esprito, dos devaneios e das fantasias que tudo no deixa deinduzir (MAFFESOLI, 2001, p.30).

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    Dessa forma, surgem os novos grupos ayahuasqueiros que ampliam suasredes de significado dando um maior alcance a tais ensinamentos da floresta,que conquistam diariamente as nossas mecnicas urbes contemporneas.Devemos lembrar que todas as tradies e culturas humanas esto, e sempreestiveram livre merc da ressignificao e reconfigurao de seus contedosmticos e simblicos, porque se assim no fossem, os sistemas culturais seriamestacionrios, imveis ou simplesmente engessados num passado distante. Osayahuasqueiros do CHIED alagoano nos mostram uma prova concreta desseconstante movimento a partir de sua fortuita tentativa de resgate de algumasprticas distantes. Ao juntar outras filosofias, teoricamente nocomplementares, em prol de um conhecimento global e no excludente, pois sepermitem unir as diferenas, tirando proveito das distines sem deixar depossuir um pertencimento, portanto um pertencimento tolerante, aberto aoutros dilogos e novas influncias.

    Eles no nos fazem esquecer a mobilidade das aes humanas, nem suascombinaes possveis que fogem ao controle de qualquer instituio, intelecto,esprito ou doutrina. No h como aprisionar os devaneios e nem tampouco odesejo de sonhar. Precisamos de nossa poro errante, para assim aprendermoscom ela. Esse carter fluxional visto, alis, em todos os mbitos da sociedade.Seria at mesmo um fator inerente raa humana, que sempre construiu o seucomplexo repertrio simblico por meio das inmeras bricolagens entre oserros e acertos de sua flexvel existncia.

    sempre bom lembrar que esses ayahuasqueiros reconfiguram atradio, mas seguem todo o padro exigido pelas leis da sociedade e pelo Vegetal. Existe, neste caso, um respeito mtuo para com a sociedade e para comos poderes visionrios da beberagem. Nada feito fora desses conformes legais.O Vegetal parece pedir apenas uma coisa aos seus adeptos. O respeito! Respeitoao produzir, falar, comungar ou pesquisar essa bebida sagrada. Esses vegetais,quando combinados, tm um forte poder, agora cabe aos indivduos canalizar edirecionar esse poder em prol da sua vida cotidiana, sempre pondo em prticaos ensinamentos transmitidos por estas plantas professoras.

    Notas:

    1 Todo indivduo, que tem como referencial simblico e religioso o uso ritual da bebidaayahuasca pode ser considerado um ayahuasqueiro.

    2 Considero como sistema ayahuasqueiro os grupos que fazem uso sacramental dessa infuso: asigrejas do Santo Daime (CICLU-Alto Santo e CEFLURIS), da Barquinha e do Centro EspritaBeneficente Unio do Vegetal (CEBUDV), assim como as dissidncias e dissipaessubseqentes dessas matrizes principais. Maiores detalhes consultar Goulart (2004) e Lira(2009).

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    3 Mestre Fundador do Centro de Cultura Csmica Suprema Luz, Paz e Amor. Veremos um curtoresumo da biografia desse lder espiritual durante o percurso histrico que faremos logo emseguida. No mais podemos dizer que o CHIED alagoano uma filial do CHIED brasiliense quefoi fundado pelo filho do mestre Francisco, o mestre V encius aps o falecimento do pai.

    4 A sigla UDV comumente utilizada quando se refere linha doutrinria estabelecida pelomestre Jos Gabriel da Costa, o fundador do Centro Esprita Beneficente Unio do Vegetal.

    5 O ch ayahuasca, nos sistemas udevistas, denominado Vegetal.

    6 O CEFLURIS (Centro Ecltico da Fluente Luz Universal Raimundo Irineu Serra) um grupodissidente do Centro de Iluminao Crist Luz Universal - Alto Santo, primeira religio daimistaestabelecida por Raimundo Irineu Serra na cidade de Rio Branco (Acre), por volta do ano de1930. O CEFLURIS foi fundado por Sebastio Mota de Melo um dos discpulos do CICLO-AltoSanto, que decidiu seguir um caminho prprio na comunho dessa bebida no ano de 1974, apsa morte de Irineu. O CEFLURIS o principal responsvel pela propagao da doutrina daimistano Brasil e no exterior. Maiores detalhes consultar MacRae (1992, p.72), Goulart (2004, p.84),Lira (2009, p.29).

    7 Dados encontrados no artigo Ayahuasca: A Sacralidade da Floresta e a ConscinciaEcolgica , escrito por Fabrcio C. G. da Vinha e postado na revista eletrnica Arca da Unio.Disponvel no site; http://arcadauniao.org/artigo.php?idArtigo=55&idEdicao=9. Acesso mai.2008.

    8 Dados levantados por Beatriz Caiuby Labate e disponveis no site;http://www.bialabate.net/news/o-centro-de-cultura-cosmica . Acesso fev. 2009.

    9 Veremos mais adiante, que comum entre as esferas ayahuasqueiras o ato de cantar para odivino. Isso acontece nos sistemas udevistas cujos adeptos entoam, durante os rituais, algunscnticos sagrados conhecidos por chamadas, e tambm nos sistemas daimistas, quecompartilham de hinos sagrados e de um tipo de dana circular, o bailado. A linha da unificao,estabelecida pelo mestre Francisco Souza de Almeida une os elementos simblicos dessas duaslinhas ayahuasqueiras, da a existncia de hinos, chamadas e bailados durante os ritos nessasirmandades.

    10 Segundo Goulart (2004) o campo ayahuasqueiro brasileiro formado por todos os centros,ncleos e igrejas que fazem o uso dessa infuso no pas.

    11 Monteiro da Silva (1983, p.94) e Goulart (2004, p.81) afirmam que a noo de linha amplamente divulgada entre os pesquisadores do tema ayahuasqueiro, no intuito analtico dedemarcao e recorte dos seus objetos de estudo. A noo de linha tambm adotadaepistemologicamente, por ser comumente presente nas narrativas dos fiis dessas instituiesreligiosas, quando se referem ao conjunto de grupos e centros especficos, sejam elespertencentes linha daimista, linha da barquinha ou linha udevista.

    12 As histrias e chamadas so elementos fundamentais para a doutrina udevista. Fazem parteda transmisso oral dessa religiosidade que se sustenta a partir da narrativa de seus mestres eadeptos, pois nenhum texto doutrinrio foi escrito ou deixado pelo mestre Gabriel. As chamadasso cnticos sagrados recebidos, principalmente pelo fundador, diretamente do plano astral.Maiores detalhes consultar; Andrade (1995), Brissac (1999), Goulart (2004), Ricciardi (2008),Lira (2009).

    13 Os sistemas daimistas denominam feitios os rituais direcionados produo do ch. O feitopara os daimistas seria o preparo para os udevistas. As esferas so distintas, mas o processo quase o mesmo, sendo o feitio ou preparo um momento importante no qual toda a irmandade seune para a confeco do Vegetal. Conseguindo a prpria bebida, os grupos se tornamindependentes em suas aes rituais. Os feitios so considerados marcos importantes nohistrico dos grupos.

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    14 Os hinos so trazidos ou recebidos quando o adepto estabelece uma ntima relao com oastral que o presenteia com tais mensagens divinas.

    15 Nome dado bebida pelo fundador da doutrina daimista Raimundo Irineu Serra.

    16 A palavra entegeno de origem grega e significa; Deus dentro de si , ou seja, o neologismode tal denominao refere-se a qualquer elemento da natureza que desperte ou leve a divindadepara dentro dos sujeitos (LABATE; GOULART; CARNEIRO, 2005).

    17 O contedo das chamadas udevistas tambm possui esse carter norteador durante aexperincia com ayahuasca. Maiores detalhes consultar Lira (2009, p.119-125).

    18 Monteiro da Silva (2002, p. 426) considera como Sistemas de Juramidam todos os centrosderivados do CICLU-Alto Santo que foi fundado pelo mestre Raimundo Irineu Serra.Juramidam, segundo MacRae (1992, p.70), representa a unio entre os adeptos (Midam) e Deus(Jura) que unidos constituem o Imprio Juramidam. Essa concepo daimista, para MacRae,indica ao mesmo tempo uma noo individualizada e coletiva da divindade.

    19 Os sistemas udevistas no permitem o registro escrito de suas histrias e chamadas, quedevem permanecer restritas memria e oralidade dos adeptos.

    20 O Vegetal (ayahuasca) produzido a partir da decoco de duas plantas amaznicas; o cipmarir (Banisteriopsis caapi ) e as folhas da chacrona (Psychotria viridis ).

    21 No CHIED alagoano esse o nome dado ao espao onde as sesses com ayahuasca acontecem.

    22 Dados relativos ao ms de junho de 2008. Aps a pesquisa de campo (agosto de 2007; abril,maio e junho de 2008) a irmandade conseguiu, junto companhia eltrica local, a implantaode alguns postes e fios de alta tenso, que conduzem energia at o Alto da Paz.

    23 Recentemente foi perfurado um poo artesiano capaz de suprir s necessidades da nova sede.

    24 O Centro de Harmonizao Interior Essncia Divina possui um site na internet para que osadeptos das duas irmandades (Braslia e Riacho Doce) possam, alm de tudo, agendar suasatividades como, por exemplo, feitios, mutires, ensaios de hinos, aniversrios e sesses deescala. O contedo do site tambm direcionado informao daqueles que pretendem visitaros centros pela primeira vez. Algumas fotos da irmandade e o estatuto dos ncleos tambmforam postados, estando acessveis no endereo;http://www.essenciadivina.org. O contedodeste site, segundo os adeptos, no direcionado propaganda e sim ao esclarecimento eorganizao interna dos ncleos em questo.

    25 Existem vrias sesses com o Vegetal no CHIED alagoano. As sesses de escala acontecemquinzenalmente e podem ser freqentadas por visitantes ou pessoas no filiadas ao centro.Existem ainda duas sesses exclusivas por ms para os filiados (fardados), alm dos rituais deproduo do ch (feitios), sesses extras, comemorativas e ensaio de hinos. Maiores detalhesconsultar Lira (2009, p.186-212).

    26 Os msicos costumam se reunir nos fins de semana que antecedem as sesses de escala emensaios nos quais comungam o Vegetal no intuito de estudar os hinosna fora . Essa preparao necessria para que os adeptos adquiram intimidade com os cnticos e aprendamcorretamente letra e melodia para no errar durante o ritual. O bailado tambm ensaiadonesses encontros.

    27 Labate (2004) ao analisar as novas modalidades de consumo da ayahuasca nos centrosurbanos, elabora o conceito de rede ayahuasqueira na tentativa de acompanhar os fenmenosemergentes nesse campo religioso. Essa rede, segundo a autora, seria um espao construdopelas entidades ayahuasqueiras em geral, que regulam o uso e a distribuio do entegeno, pormeio de suas prticas tradicionais elaboradas pelos principais lderes fundadores.

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