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UMA PROPOSTA PARA AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO DOS ESTUDANTES EM ATIVIDADES ENVOLVENDO O CONCEITO DE TRIÂNGULOS Caio Sérgio Oliveira Xavier 1 GD8 Avaliação em Educação Matemática RESUMO Esse artigo refere-se a uma dissertação vinculada ao Programa de Pós Graduação em Educação Matemática (PPGEM/UESC) cujo objetivo principal foi desenvolver uma proposta com base na Teoria dos Conjuntos Fuzzy (TCF) para a avaliação do desempenho dos estudantes em atividades envolvendo área de triângulos; e os objetivos específicos: investigar os métodos de avaliação utilizados pelos professores no contexto escolar pesquisado e elaborar uma sequência de ensino envolvendo área de triângulos fundamentada na Teoria dos Registros de Representação Semiótica (TRRS). A TCF permite a investigação de situações que envolvem a subjetividade e imprecisão, situação que ocorre na avaliação por meio de variáveis linguísticas. A TRRS consiste nos diversos tipos de representações de um objeto matemático para o processo de ensino e aprendizagem dos conceitos. Metodologicamente, a pesquisa foi desenvolvida em duas fases. Na primeira fase, os sujeitos da pesquisa foram quatro professores de matemática e uma coordenadora pedagógica de uma unidade escolar do interior da Bahia. Como instrumento para a coleta de dados utilizamos: entrevista estruturada e observação não participante. Ao analisar tais dados observamos que os aspectos cognitivos, afetivos e psicomotores são os critérios de avaliação mais utilizados. Na segunda fase uma proposta avaliativa com base na Teoria Fuzzy e uma sequência de ensino visando a dedução da fórmula para o cálculo da área de triângulos. Dessa forma, percebemos que a TCF permitiu elaborar uma proposta permeando as diferentes concepções dos professores. Já a sequência de ensino possibilitou analisar e interpretar as diversas representações do conceito de área de triângulos. . Palavras chave: Avaliação; Triângulos; Teoria dos Conjuntos Fuzzy; Teoria dos Registros de Representação Semiótica. CONTEXTUALIZANDO Ao nos remetermos ao processo educativo em nosso país, no período anterior a 1990, a preocupação do Governo Federal estava na ampliação de vagas no Ensino Fundamental, dado o interesse em expandir o número de acessos de crianças e adolescentes a rede pública de ensino. Com o desenvolvimento de ações, como a criação de unidades escolares, intensificou-se no país a investigação sobre a qualidade do ensino e aprendizagem, adotando 1 Mestre em Educação Matemática pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da Universidade Estadual de Santa Cruz- UESC, e-mail: [email protected]. Orientador: Prof. Dr. Eduardo Silva Palmeira, e-mail: [email protected]

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UMA PROPOSTA PARA AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO DOS

ESTUDANTES EM ATIVIDADES ENVOLVENDO O CONCEITO DE

TRIÂNGULOS

Caio Sérgio Oliveira Xavier1

GD8 – Avaliação em Educação Matemática

RESUMO

Esse artigo refere-se a uma dissertação vinculada ao Programa de Pós Graduação em Educação Matemática

(PPGEM/UESC) cujo objetivo principal foi desenvolver uma proposta com base na Teoria dos Conjuntos

Fuzzy (TCF) para a avaliação do desempenho dos estudantes em atividades envolvendo área de triângulos; e

os objetivos específicos: investigar os métodos de avaliação utilizados pelos professores no contexto escolar

pesquisado e elaborar uma sequência de ensino envolvendo área de triângulos fundamentada na Teoria dos

Registros de Representação Semiótica (TRRS). A TCF permite a investigação de situações que envolvem a

subjetividade e imprecisão, situação que ocorre na avaliação por meio de variáveis linguísticas. A TRRS

consiste nos diversos tipos de representações de um objeto matemático para o processo de ensino e

aprendizagem dos conceitos. Metodologicamente, a pesquisa foi desenvolvida em duas fases. Na primeira fase,

os sujeitos da pesquisa foram quatro professores de matemática e uma coordenadora pedagógica de uma

unidade escolar do interior da Bahia. Como instrumento para a coleta de dados utilizamos: entrevista

estruturada e observação não participante. Ao analisar tais dados observamos que os aspectos cognitivos,

afetivos e psicomotores são os critérios de avaliação mais utilizados. Na segunda fase uma proposta avaliativa

com base na Teoria Fuzzy e uma sequência de ensino visando a dedução da fórmula para o cálculo da área de

triângulos. Dessa forma, percebemos que a TCF permitiu elaborar uma proposta permeando as diferentes

concepções dos professores. Já a sequência de ensino possibilitou analisar e interpretar as diversas

representações do conceito de área de triângulos.

.

Palavras chave: Avaliação; Triângulos; Teoria dos Conjuntos Fuzzy; Teoria dos Registros de Representação

Semiótica.

CONTEXTUALIZANDO

Ao nos remetermos ao processo educativo em nosso país, no período anterior a 1990, a

preocupação do Governo Federal estava na ampliação de vagas no Ensino Fundamental,

dado o interesse em expandir o número de acessos de crianças e adolescentes a rede pública

de ensino. Com o desenvolvimento de ações, como a criação de unidades escolares,

intensificou-se no país a investigação sobre a qualidade do ensino e aprendizagem, adotando

1 Mestre em Educação Matemática pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da

Universidade Estadual de Santa Cruz- UESC, e-mail: [email protected]. Orientador: Prof. Dr.

Eduardo Silva Palmeira, e-mail: [email protected]

assim o uso de avaliações como um mecanismo investigativo do desempenho e das

deficiências na aprendizagem dos estudantes.

Segundo Borges (2011) a preocupação passou da criação das políticas para a expansão da

oferta e operação da rede, para uma política de qualidade, analisadas por meio de testes

padronizados em larga escala. Nesse contexto ressaltado, foram estabelecidas avaliações

externas nas três esferas do ensino: Fundamental, Médio e Superior; tais como, SAEB,

ENEM, ENADE, Provinha Brasil, ambas estabelecidas pelo Governo Federal.

Esses modelos de avaliação, em sua maioria, estão centrados na interpretação e resolução de

problemas, utilizando a Teoria de Respostas ao Item (TRI) como uma maneira de avaliar as

habilidades e competências do sujeito, analisando cada item presente no teste ou exame, sem

a relevância do escore total, ou seja, o desempenho final não dependerá exclusivamente do

teste e sim de cada item que o integra. Todavia, esses procedimentos para análise das

respostas divergem do modelo de avaliação adotado pelos professores do nível básico, que

em sua grande maioria, fazem o uso do mesmo instrumento para avaliar o desempenho dos

estudantes, ponderando o número de acertos nas questões. Diferentemente, na TRI os

resultados são fornecidos por grau de proficiência dos itens.

Quanto a avaliação adotada pelo professor em sala de aula, a Lei de Diretrizes e Bases nº

9.394/96, recomenda no Artigo nº 24 (Inciso V, Alínea a) que a avaliação do desempenho

do estudante deve ser contínua e cumulativa, prevalecendo os aspectos qualitativos sobre os

quantitativos, assim como, os resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas

finais. Nesse sentido, os Parâmetros Curriculares Nacionais, (BRASIL, 1998) descrevem a

avaliação como um componente do processo de ensino e aprendizagem, considerando

aspectos relativos ao desempenho dos estudantes, tais como: aquisição de conceitos, domínio

de procedimentos e desenvolvimento de atitudes.

Por meio dessas indicações, as unidades escolares têm a possibilidade de definir, através de

seu contexto, o processo avaliativo em dois campos, a saber: qualitativo e/ou quantitativo.

O primeiro campo é composto por um conjunto de pontos correspondentes a assiduidade,

comportamento, auto avaliação, participação nas tarefas, dentre outros. O segundo campo,

quantitativo, abrange os aspectos relativos a compreensão dos conceitos (cognitivo) e deste

modo, caracteriza-se por testes, provas, listas de exercícios e trabalhos individuais e

coletivos, cujo os resultados são armazenados pelos professores em diários de classe e ao

final do período letivo, levados para o conselho de classe2.

Todavia, Buriasco e Soares (2012) afirmam o que se faz frequentemente nas escolas

distancia-se de qualquer concepção de avaliação, ao verificar superficialmente o rendimento

escolar dos alunos apenas para conferir uma nota. Ainda relativo à prática dos professores,

Hoffmann (2009), menciona o fato do professor avaliar centralizado na nota, como uma

consequência de suas histórias de vida e das influências vivenciadas enquanto estudante,

levando a resumir o processo avaliativo a um valor numérico ou conceito.

Relativo a avaliação dos estudantes, restringindo nosso olhar para os aspectos cognitivos,

especificamente para a Geometria, Cardoso (2012) descreve que os resultados das avaliações

em larga escala, associada a matrizes de referência utilizadas, comprovam que os estudantes

possuem dificuldades em resolver problemas que envolvem conceitos geométricos. Para

Almouloud (2003) uma dessas dificuldades está no fato dos conceitos de Geometria

requererem a coordenação de diferentes registros de representação, o que pode ser um

empecilho para a interpretação do problema a ser resolvido e, consequentemente, para sua

resolução.

Com esses pontos ressaltados, buscamos na referida dissertação responder as seguintes

questões de pesquisa: Quais são as contribuições de uma proposta com base na Teoria Fuzzy

para a avaliação do desempenho dos estudantes em atividades envolvendo área de

triângulos? Quais são as contribuições de uma sequência de ensino envolvendo área de

triângulos, fundamentada na Teoria dos Registros de Representação, para avaliação do

aspecto cognitivo? Assim, temos como objetivo geral desenvolver uma proposta com base

na Teoria Fuzzy para a avaliação do desempenho dos estudantes em atividades envolvendo

área de triângulos. Os objetivos específicos foram: investigar os métodos de avaliação

utilizados pelos professores no contexto escolar pesquisado; elaborar uma Sequência de

Ensino envolvendo área de triângulos fundamentada na Teoria dos Registros de

Representação Semiótica visando avaliar o aspecto cognitivo.

Para alcançar esses objetivos e responder a nossa questão de pesquisa, apresentamos a seguir,

o embasamento teórico que permitiu o desenvolvimento desse estudo.

2 Entendemos como conselho de classe a reunião realizada ao final do ano letivo para discutir a situação dos

estudantes que não conseguiram a pontuação mínima para avançar ao ano seguinte.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Nessa investigação, nos baseamos na Teoria dos Registros das Representações Semióticas

(TRRS) e Teoria dos Conjuntos Fuzzy (TCF), que interligadas permitiram o

desenvolvimento desses estudos. As discutiremos de maneira sucinta, nas subseções abaixo.

Teoria dos Registros das Representações Semióticas (TRRS)

A Teoria de Registro de Representação Semiótica (TRRS) foi desenvolvida por Duval

(1995). Nessa teoria, Duval acredita que os objetos matemáticos não são acessíveis, se não

for através de suas representações, tratando-se de uma abordagem cognitiva, relacionada à

obtenção de conhecimentos, que permite ao sujeito compreender um determinado conceito

matemático, representado utilizando alguns registros semióticos como a representação

algébrica, representação gráfica, representação analítica.

Duval (2012) descreve as representações semióticas como sendo “produções constituídas

pelo emprego de signos pertencentes a um sistema de representações que tem inconvenientes

próprios de significação e de funcionamento” (DUVAL, 2012, p.269). Logo, o gráfico de

uma função afim, a fórmula algébrica para o cálculo da área de um retângulo, a representação

geométrica de um triângulo equilátero são alguns exemplos de representações na qual os

sistemas semióticos são distintos.

Nessa abordagem, Duval distingue três tipos de transformações entre os registros semióticos:

formação, tratamento e conversão. A primeira refere-se ao desenvolvimento de uma

representação semiótica, com base na aplicação de regras de conformidade e na seleção de

algumas características do conteúdo envolvido. Temos como exemplo: escrever uma

fórmula, desenhar uma figura geométrica, elaborar um esquema.

O segundo tipo de transformação (tratamento) trata-se de uma mudança interna ao registro.

Por exemplo, o cálculo de integrais é uma forma de tratamento próprio das escritas

simbólicas. A conversão é caracterizada pela alteração na representação de um registro, tal

como, para representar a área delimitada por um triângulo, podemos representar essa região

graficamente ou representar analiticamente, com intuito de facilitar a realização ou

compreensão.

Para o aluno compreender de forma significativa um conceito matemático, especificamente

a figura geométrica triângulo, é importante que ele observe e identifique a diferença entre os

objetos matemáticos e suas representações. Além disso, é fundamental que o sujeito possa

reconhecer as diversas representações de um mesmo objeto matemático, ou seja, coordene

os registros de representação. Duval (2003) acredita que para melhor compreensão dos

conhecimentos matemáticos adquiridos, é preciso que o aluno use pelo menos dois registros

de representações.

Nesse interim, esse autor salienta que a dificuldades dos estudantes para a apreensão dos

conceitos matemáticos está atrelada a conversão ou mobilização de dois registros de

representação, afirmando que “a compreensão em matemática implica a capacidade de

mudar de registro”. (DUVAL, 2003, p.21). Dessa forma, a TRRS pode auxiliar no processo

de ensino e aprendizagem dos conceitos de matemática, já que “uma pluralidade de registros

de representação de um mesmo objeto e a articulação desses diferentes registros é condição

para a compreensão em matemática” (DUVAL, 2003, p.31).

Teoria dos Conjuntos Fuzzy (TCF)

Desenvolvida por Lofti A. Zadeh (1965), a TCF se caracteriza pela possibilidade de

investigar e tratar matematicamente informações carregadas de subjetividade e imprecisão,

assim como, informações expressas por variáveis linguísticas. Segundo Corcoll-Spina

(2010) o termo Fuzzy tem origem inglesa e significa incerto, impreciso ou nebuloso, tais

como são as variáveis linguísticas.

Goncalves (2007) cita que a função essencial das variáveis linguísticas estar em fornecer um

modo sistemático de caracterizar fenômenos que possuem um grau de complexidade ou são

mal definidos, por carregarem implicitamente uma imprecisão ou incerteza. Essas variáveis

podem ser descritas por meio de conjuntos fuzzy e representados por funções de pertinência.

Uma função pertinência possibilita associar a cada elemento do conjunto um valor no

intervalo [0,1] equivalente ao grau de pertinência desse elemento ao conjunto definido,

evidenciando o nível de compatibilidade do elemento ao conceito a ser representado pelo

conjunto. Como exemplo que remete a essa situação, temos hipoteticamente o conjunto dos

alunos excelentes. Não há uma pertinência que defina quais são os elementos desse conjunto,

pois, o que é um aluno ser excelente? Qual deve ser o rendimento para o aluno ser

considerado excelente? O que poderá vir a ser um aluno excelente para um professor, pode

não ser para um outro. Logo, em investigações de casos como esses, que se estruturou e

definiu o conceito de função de pertinência.

Para Faria et. al (2008) a teoria dos conjuntos fuzzy é interessante ao possibilitar expressar

numericamente valores de variáveis imprecisas, tais como, bom, ótimo, ruim e excelente.

Essa relação é possível através da elaboração de um Sistema Baseado em Regras Fuzzy, que

Corcoll- Spina (2010) descreve como um sistema que permite a simulação de ações e

decisões humanas de caráter mais formal. Esse sistema de inferência está organizado em

quatro etapas: fuzzificação, base de regras, a inferência e a defuzzificação.

Ao escolher as variáveis de entrada no sistema (por exemplo: ruim, regular, bom e ótimo),

a fuzzificação consiste na modelagem matemática dessas variáveis; estabelecendo os

intervalos e as funções de pertinência equivalente a essas variáveis. Assim, podem ser

definidas funções de pertinência para esses termos, tal como se considerarmos a variável

Ruim definida no intervalo [0, 3].

Ruim (R (x)): {

1, 𝑠𝑒 𝑥 = 0−𝑥

3+ 1 , 𝑠𝑒 0 ≤ 𝑥 ≤ 3

0, 𝑠𝑒 𝑥 ≥ 3

A etapa referente a base de regras está atrelada a criação das proposições relacionadas aos

operadores lógicos se e então, visando mapear todas as possíveis situações que poderão

acontecer no sistema proposto. No caso da avaliação do desempenho dos estudantes

utilizando as variáveis de entrada citadas anteriormente, podemos citar como exemplo: Se o

aluno é assíduo, realiza pouco as atividades e tem um bom rendimento na prova então o

aluno é regular”.

Na terceira etapa, denominada inferência, são tratadas matematicamente cada proposição

Fuzzy, por meio das técnicas da lógica subjacente. Nessa etapa, são obtidas as conclusões

(resultados) com base nas regras estabelecidas, auxiliando no delineamento final do conceito

relativo a situação investigada. Logo, ao inserir no sistema de inferência, as notas

correspondentes a cada uma das variáveis de entrada, o próprio sistema por meio dos

conjuntos das bases de regras, seleciona quais as regras que serão ativadas e qual o resultado

final do desempenho do estudante.

A última etapa da elaboração de um sistema Fuzzy consiste na defuzzificação, nos quais os

resultados encontrados através do sistema de inferência são traduzidos para um número real.

Por exemplo, o estudante na situação hipotética: Se o aluno é pouco assíduo, realiza pouco

as atividades e tem um rendimento ruim na prova então o aluno é ruim”. Nesse caso o

desempenho do estudante foi ruim, com isso, aplicando o método de defuzzificação podemos

ter uma nota correspondente a essa variável, por exemplo, que o desempenho sem valores

numéricos seja de 3.2.

Nesse sentido, a TCF surge como ferramenta potencial para diminuir ou suavizar as

discrepâncias no ajustamento das notas qualitativas no processo avaliativo, visto que essa

teoria permite fazer uma interpretação muito adequada de variáveis que contenham

imprecisão, vagueza, falta de informação, dualidades; além de permitir a associação entre

variáveis qualitativas e quantitativas.

Após apresentar de forma resumida as teorias que fundamentaram a pesquisa aqui descrita,

a seção a seguir explicita os procedimentos metodológicos que nortearam a coleta e análise

dos dados.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Essa investigação possuiu uma abordagem qualitativa, que Ludke e André (1986) descrevem

como “um estudo ao ser realizado numa situação natural, com a coleta de dados

descritivamente, é flexível e tem o foco na realidade de maneira complexa e contextualizada”

(LUDKE; ANDRÉ, 1986, p.18).

Dado o nosso objetivo principal de desenvolver uma proposta para avaliar o desempenho

dos estudantes, optamos por realizar nossa investigação em duas fases, a saber: a diagnóstica

e a construção da proposta. Na primeira fase, buscamos compreender quais os critérios

adotados pelos professores de uma escola municipal do Interior do Estado da Bahia, para

avaliar os estudantes. A escolha da rede municipal de ensino, se deu pelo fato dos resultados

avaliativos serem expressos por variáveis linguísticas, por exemplo, regular, bom e ótimo.

Assim, adotamos como sujeitos da pesquisa quatro professores que lecionam matemática e

a coordenadora pedagógica responsável por essa área. A opção por esses profissionais se

deu pelo fato deles estarem lotados na rede municipal de ensino considerado como ambiente

de investigação e possuir o interesse em participar da pesquisa.

Para coletar as informações necessárias nessa fase, realizamos uma entrevista estruturada

composta por treze questões (subdivididas em três grupos) dado o interesse em conhecer os

critérios adotados para avaliar o desempenho dos estudantes, suas concepções em relação ao

processo avaliativo, os principais instrumentos utilizados. Para visualizar na prática as ações

utilizadas pelos professores para avaliar o desempenho dos estudantes foi realizada uma

observação não participante das aulas de matemática de uma turma do 9º ano do Ensino

Fundamental, durante o período de três meses.

As coletas desses dados foram importantes para o desenvolvimento da segunda fase da

pesquisa que consistiu na elaboração de uma proposta avaliativa pautada em variáveis

linguísticas. Além dessa proposta, estabelecemos uma sequência de ensino, composta de

cinco etapas, com o intuito de propor ao estudante a dedução do conceito de área de

triângulos. Vale salientar que a elaboração da proposta e a da sequência de ensino na

pesquisa descrita não foram aplicadas durante essa investigação.

Partindo disso, apresentamos na seção a seguir os principais resultados encontrados com o

desenvolvimento desses procedimentos metodológicos.

RESULTADOS ALCANÇADOS

Na primeira fase, ao realizarmos uma entrevista estruturada com os professores de

matemática e com a coordenadora pedagógica de matemática buscou-se compreender as

práticas utilizadas para avaliar o desempenho dos estudantes, sendo assim, elaboramos treze

questões que divididas em três grupos.

As questões do primeiro grupo possibilitaram a construção do perfil desses profissionais, no

qual percebemos que dentre os professores entrevistados, três são formados em Licenciatura

em Matemática e um em Ciências Econômicas, já a coordenadora pedagógica possui a

formação em Pedagogia. Outro fator que chamou a atenção é o fato desses profissionais

atuarem a um tempo significativo no contexto investigado (uma média de 15 anos

aproximadamente).

Na questão do segundo grupo “Em sua concepção, o que é avaliação da aprendizagem? ”

buscamos identificar a concepção dos professores sobre o que é avaliar. De forma geral,

analisamos que para esses profissionais a avaliação trata-se de um processo contínuo e

dinâmico, visando analisar se os objetivos específicos propostos foram alcançados, o que

possibilita analisar o desempenho dos estudantes e ao professor repensar suas práticas.

As questões “Quais critérios são utilizados em sua prática docente para a avaliação da

aprendizagem dos estudantes? ”, “O uso de provas e testes faz parte de sua metodologia de

avaliação? ”, “Como são atribuídas as notas ou conceitos aos estudantes? Como essas

avaliações são relatadas? Há um programa específico para essa ação? “Quais tipos de

avaliação da aprendizagem estão inseridos em sua prática? ” e “Existe um modelo de

avaliação que auxilie em sua prática? ” juntas compõem as questões do terceiro grupo,

traziam como objetivo identificar as práticas avaliativas e os principais critérios presentes

em suas ações avaliativas.

Analisando as respostas fornecidas, observa-se que a avaliação do desempenho dos

estudantes ocorre de forma contínua e processual, considerando a fatores como: participação

oral e escrita, atividades em classe, trabalhos em grupos, mudanças e atitudes, assiduidade e

aquisição do conhecimento. Vale ressaltar que o uso de provas e testes também faz parte dos

instrumentos avaliativos adotados pelos professores.

Nesse sentido, os aspectos relacionados a avaliação do desempenho apresentar

características de um sistema de classificação dividido em três domínios que vão ao encontro

da Taxinomia de Bloom: o cognitivo, o afetivo e o psicomotor. Em relação a atribuição das

notas ou conceitos aos estudantes, identificamos que os conceitos atribuídos ao desempenho

dos estudantes utilizam as variáveis: Sim, Não, Ainda não e Não Avaliado, no qual, a

variável sim está relacionada ao estudante conseguir alcançar o objetivo de forma clara; não,

se o estudante não conseguiu alcançar o objetivo esperado, apresentando dificuldades; ainda

não, se ainda não alcançou o que é proposto no objetivo , e por fim, não avaliado, quando o

desempenho do estudante com base nesse objetivo ainda não foi observado pelo professor.

Durante a observação não participante, analisamos no terceiro trimestre as práticas

avaliativas de um dos professores de matemática que participaram da entrevista. Nesse

período, foi possível observar que esse professor avaliava o desempenho dos estudantes de

forma contínua, ponderando as atividades propostas em sala, o comportamento e assiduidade

dos estudantes, a participação durante a exposição dos conceitos.

As informações coletadas na primeira fase da pesquisa (entrevista semiestruturada e

observação não participante) foram importantes para o desenvolvimento da segunda fase da

pesquisa, que consistiu na elaboração da proposta de avaliação fundamentada na TCF.

Nesse viés, utilizamos o software Matlab R2013a, especificamente, o Toolbox Fuzzy já que

permite o processamento dos dados por meio de sistemas de inferência. Nessa ferramenta,

desenvolvemos as quatro etapas referentes ao sistema de inferência: fuzzificação, elaboração

da base de regras, sistema de inferência e a defuzzificação. Na primeira etapa, foram

considerados os conhecimentos cognitivos, a participação dos estudantes nas atividades e a

assiduidade o comportamento. Em relação as variáveis linguísticas, adotou-se os termos

ruim, regular, bom e ótimo para a avaliação do desempenho dos estudantes, relacionadas no

intervalo entre [0, 10]. Dessa forma, tem-se os seguintes intervalos: ruim [0, 4]; regular [2.5;

6]; bom [5, 8] e ótimo [7, 10].

Na segunda etapa, as bases de regras foram elaboradas de forma condizente com a avaliação

no ambiente investigado e utilizando a árvore de possibilidades para montar os possíveis

casos que poderiam acontecer nesse contexto. Assim, foram estabelecidas 64 regras que

contemplasse o maior número de situações. Dentre essas, temos “se o cognitivo é regular e

a participação em atividades são bons e a assiduidade comportamento são ótimas então o

resultado final é bom”. Uma vantagem dessa proposta ao estabelecer bases de regras está no

fato desses termos permitirem ao professor ter opiniões distintas quanto ao desempenho dos

estudantes, mas que serão balizadas de formas indistintas pelo sistema de inferência.

Na terceira etapa, adotamos o modelo de inferência de Mandani que permite analisar todas

as regras que implementadas no sistema que combinadas auxiliam na tomada de decisão,

nesse caso, o conceito final relativo ao desempenho dos estudantes. Logo, ao inserir as notas

das variáveis de entrada, o próprio sistema de inferência ativa aos conjuntos de bases de

regras, identifica quais regras são ativadas e por fim, qual o resultado final do desempenho

do estudante. Já quarta e última etapa, relativa a defuzzificação, os resultados que são

fornecidos pelo sistema de inferência são traduzidos para um número real.

De forma geral, descrevemos como um ponto positivo na utilização de uma proposta

avaliativa com base na Teoria dos Conjuntos Fuzzy está na padronização dessa ação,

evitando a disparidades nos conceitos, ao tratar-se de avaliações pautadas em variáveis

linguísticas.

Para a avaliação do aspecto cognitivo, foi estabelecida uma Sequência de Ensino para a

dedução da fórmula da área de triângulos com base na TRRS, ponderando as diversas

representações desse objeto matemático (representação natural, representação natural,

representação numérica, representação algébrica e representação figural) visando

proporcionar aos estudantes a possibilidade de associar os diferentes tipos de representação,

compreender as similaridades e diferenças entre cada registro.

Sendo assim, a desenvolvemos em cinco etapas: A primeira etapa focalizando o contexto

histórico das primeiras técnicas de medição; a segunda etapa propõe observar a planta de um

apartamento, dada a discussão das técnicas atuais para a medição de áreas; a terceira etapa

são abordadas o cálculo de área de figuras planas e quarta etapa focalizando o conceito da

área de quadrados e retângulos, ambas trazendo o uso de malhas quadriculadas, por fim, a

quinta e última etapa propõe a formalização por meio do algoritmo da fórmula para a área

de triângulos.

Todas as etapas foram organizadas em quatro momentos, sendo apresentado no primeiro

momento a leitura e observação da situação motivadora; no segundo momento a discussão

coletiva entre os estudantes; no terceiro momento a resolução de exercícios aplicando as

técnicas discutidas na etapa e no quarto e último momento sugerimos que o professor

socialize e formalize os conceitos abordados no momento.

Nesse aspecto, a aplicação dessa SE pode ser uma prática importante para o desenvolvimento

do processo ensino-aprendizagem-avaliação no sentido do professor não fornecer

imediatamente o conceito ao estudante e sim proporcionar a possibilidade do próprio

estudante formalizar ao conceito abordado, além disso, possibilita a sala de aula ser um

espaço de reflexão, construção e socialização de ideias e conhecimentos. Em relação ao uso

dos diversos registros para a compreensão de conceitos matemáticos, fazemos a alusão a fala

de Duval quando menciona que para a realização de uma atividade matemática será original

se requisitar que o estudante realize a conversão ou tratamento de pelo menos dois registros

de representação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao desenvolver essa investigação, observamos como contribuições da elaboração de uma

proposta avaliativa com base na Teoria Fuzzy o fato do professor ter a possibilidade de

utilizar distintos critérios e instrumentos para avaliar o desempenho dos estudantes, não

restringindo apenas ao aspecto cognitivo. Além disso, o fato do professor poder determinar

o desempenho dos estudantes por meio de termos linguísticos poderá diminuir a

subjetividade existente no contexto investigado.

Quanto as contribuições da elaboração da Sequência de Ensino pautada na Teoria dos

Registros de Representação Semiótica, ressaltamos o fato da avaliação não utilizar provas e

testes como únicos instrumentos avaliativos; a possibilidade do estudante construir seu

próprio conceito coordenando os diversos registros de representação para uma melhor

compreensão do objeto matemático em questão (conceito de área de triângulos).

Para melhor percepção das contribuições da proposta avaliativa e da sequência de ensino, a

aplicação desses instrumentos no contexto investigado permitirá uma melhor compreensão

das possíveis contribuições e limitações.

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