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UMA PROPOSTA PARA O ENSINO DE ESTATÍSTICA INFERENCIAL NO 3º GRAU EM AMBIENTE PRESENCIAL E APOIO VIRTUAL André Luiz Morais Lo Feudo 1 GD12 - Probabilidade O objetivo de nossa pesquisa é elaborar uma proposta para o ensino de estatística inferencial no 3º grau, criando e implementando um cenário de aprendizagem com tarefas manipulativas e virtuais. As questões de pesquisa para operacionalizar este objetivo são: a) identificar que elementos são relevantes e, b) quais os aspectos do cenário de investigação que favorecem ou não a compreensão da inferência estatística. As tarefas manipulativas incluem dados coloridos e cartas de baralho; as virtuais foram baseadas num estudo realizado por Morgan (2011) com uso de computadores conectados a internet para acessar aplicativos gratuitos focados no estudo da inferência estatística. A fundamentação teórica foi baseada na mediação e zona de desenvolvimento potencial de Vygotsky (1998 e 2007), e na noção de cenários/ambientes de aprendizagem de Skovsmose (2000). A metodologia utilizada foi o Design Experiment segundo Cobb et al (2003), que permite a intervenção do pesquisador durante a pesquisa e apresenta como características, entre outras, ser prospectiva e reflexiva. Deste modo a pesquisa foi estruturada em 3 fases: fase 1 prospectiva - a elaboração do cenário de aprendizagem, incluindo as tarefas; fase 2, prospectiva e reflexiva- a implementação das mesmas com as participantes e sua análise parcial; fase 3, reflexiva - as modificações necessárias advindas de uma análise final e a proposta para aplicação futura no terceiro grau. Palavras-chave: Estatística Inferencial; Educação Matemática; Ambiente Virtual; Cenários de Mediação. 1 INTRODUÇÃO Em 2010 comecei a dar aulas particulares de estatística para alunos de graduação e pós-graduação de instituições de renome. A partir das dificuldades levantadas pelos alunos percebi que os mesmos resolviam os exercícios aplicando fórmulas e procedimentos, porém à custa de repetir excessivamente os mesmo passos até se sentirem seguros e sem garantir o entendimento da idéia geral como um todo, afinal segundo MORGAN (2011) substituir números em fórmulas pouco ajuda no entendimento conceitual. Como a proposta dos cursos destes alunos é aplicar métodos e procedimentos para cumprir o conteúdo no prazo, o curso funciona ao que se propõem. Esses alunos, freqüentemente questionavam sobre a utilidade do que era ensinado com perguntas do tipo: “Porque estou aprendendo isto num curso de psicologia?”; “Porque estudar estatística com tanta profundidade num curso de enfermagem?”; “Se um dia eu precisar utilizar a inferência, eu contrato alguém que saiba” etc. Estas perguntas 1 Universidade Anhanguera, e-mail: [email protected], orientadora: Dra. Janete Bolite Frant

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UMA PROPOSTA PARA O ENSINO DE ESTATÍSTICA

INFERENCIAL NO 3º GRAU EM AMBIENTE PRESENCIAL E

APOIO VIRTUAL

André Luiz Morais Lo Feudo1

GD12 - Probabilidade

O objetivo de nossa pesquisa é elaborar uma proposta para o ensino de estatística inferencial no 3º

grau, criando e implementando um cenário de aprendizagem com tarefas manipulativas e virtuais. As

questões de pesquisa para operacionalizar este objetivo são: a) identificar que elementos são relevantes e, b)

quais os aspectos do cenário de investigação que favorecem ou não a compreensão da inferência estatística.

As tarefas manipulativas incluem dados coloridos e cartas de baralho; as virtuais foram baseadas num estudo

realizado por Morgan (2011) com uso de computadores conectados a internet para acessar aplicativos

gratuitos focados no estudo da inferência estatística. A fundamentação teórica foi baseada na mediação e

zona de desenvolvimento potencial de Vygotsky (1998 e 2007), e na noção de cenários/ambientes de

aprendizagem de Skovsmose (2000). A metodologia utilizada foi o Design Experiment segundo Cobb et al

(2003), que permite a intervenção do pesquisador durante a pesquisa e apresenta como características, entre

outras, ser prospectiva e reflexiva. Deste modo a pesquisa foi estruturada em 3 fases: fase 1 prospectiva - a

elaboração do cenário de aprendizagem, incluindo as tarefas; fase 2, prospectiva e reflexiva- a

implementação das mesmas com as participantes e sua análise parcial; fase 3, reflexiva - as modificações

necessárias advindas de uma análise final e a proposta para aplicação futura no terceiro grau.

Palavras-chave: Estatística Inferencial; Educação Matemática; Ambiente Virtual; Cenários de Mediação.

1 INTRODUÇÃO

Em 2010 comecei a dar aulas particulares de estatística para alunos de graduação e

pós-graduação de instituições de renome. A partir das dificuldades levantadas pelos alunos

percebi que os mesmos resolviam os exercícios aplicando fórmulas e procedimentos,

porém à custa de repetir excessivamente os mesmo passos até se sentirem seguros e sem

garantir o entendimento da idéia geral como um todo, afinal segundo MORGAN (2011)

substituir números em fórmulas pouco ajuda no entendimento conceitual. Como a proposta

dos cursos destes alunos é aplicar métodos e procedimentos para cumprir o conteúdo no

prazo, o curso funciona ao que se propõem.

Esses alunos, freqüentemente questionavam sobre a utilidade do que era ensinado

com perguntas do tipo: “Porque estou aprendendo isto num curso de psicologia?”;

“Porque estudar estatística com tanta profundidade num curso de enfermagem?”; “Se um

dia eu precisar utilizar a inferência, eu contrato alguém que saiba” etc. Estas perguntas

1 Universidade Anhanguera, e-mail: [email protected], orientadora: Dra. Janete Bolite Frant

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eram constantes durante todas as aulas que ministrei por 6 meses seguidos, e mostravam a

falta de uso prático da estatística para o aluno dentro do curso e profissão que ele escolheu.

SKOVSMOSE, et al. 2012, constataram situação similar em pesquisa de campo

realizada com crianças estudantes que mostra a falta da importância da matemática no

ensino. Segue trecho retirado do resumo do artigo:

Nos relatos desses estudantes identificamos alguns temas. [ ] .... O

terceiro tema diz respeito à obscuridade da matemática. Embora

pareça claro a esses estudantes que a educação é relevante para

assegurar uma mudança na vida, as aulas de matemática não

parecem proporcionar qualquer indício a respeito de sua

importância. (SKOVSMOSE, SCANDIUZZI, VALERO, 2012, p.

231-260)

Além dos meus alunos não verem importância na disciplina inferência estatística,

constatei que nessas instituições a disciplina era oferecida em apenas um semestre com 2

aulas semanais (no máximo 4 por semana), tempo insuficiente para que os alunos

consigam aprender os conceitos. BATANERO e GODINO constataram o mesmo:

Professores universitários, que devem tentar chegar à inferência

estatística - uma vez que esta parte é a que será mais útil para os

alunos - têm que acelerar as explicações, abolir atividades práticas

e muitas das demonstrações ou raciocínios que poderiam levar o

estudante a compreender melhor a metodologia estatística. O

estudante não pode compreender o conteúdo em um tempo tão

limitado e só recebe uma aprendizagem mecânica que será incapaz

de aplicar em sua futura vida profissional. (BATANERO;

GODINO; 2005 p. 13, tradução nossa)

BATANERO (2005) no mesmo artigo também ressalta que a falta de laboratórios

equipados com computadores e similares com aplicativos apropriados para o ensino da

disciplina, como os muitos disponíveis conforme descrito o Third International Handbook

of Mathematics Education (THME) que será visto na p.5, contribuí para o agravamento de

todo esse quadro.

Assim minha experiência aliada a uma revisão de literatura me motivou a pesquisar

sobre a estatística inferencial em ambiente virtual considerado parte do ambiente de

aprendizagem, com o objetivo de elaborar uma proposta para o ensino de estatística no 3º

grau num cenário de aprendizagem com tarefas manipulativas e virtuais. As questões de

pesquisa para operacionalizar este objetivo são:

Que elementos são relevantes na elaboração do ambiente virtual?

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Que aspectos do cenário de aprendizagem elaborado favorecem ou não a

compreensão da inferência estatística?

2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

ARA (2006) fez uma pesquisa Bibliográfica onde foram analisados os dez livros

mais vendidos pelas editoras que tratam de Estatística para Engenharia, provando seu

ponto de vista que, nos cursos de engenharia, dá-se muito mais ênfase as fórmulas e

demonstrações matemáticas (aspecto determinístico) do que a probabilidade, planejamento

amostral e teoria da decisão (aspecto aleatório).

O autor conclui que para alcançar o equilíbrio desejado entre a concepção

determinística e aleatória é necessário a inclusão de tais aspectos na educação básica e na

formação de professores. Citou FISCHBEIN (1975) e BATANERO (2001) para justificar

que crianças desde antes do sete anos de idade já distinguem um fenômeno aleatório de um

determinístico utilizando atividades com jogos de caixas com bolas coloridas. Cita

D’Ambrosio (1998) justificando que uma nova prática de ensino de Estatística demanda

uma melhor preparação dos professores dando ênfase também no aspecto aleatório, de

forma que a matéria possa ser ensinada a partir dos raciocínios determinísticos e aleatórios

equilibrados.

CORDANI (2001) fez uma pesquisa voltada para a comparação entre as escolas de

inferência Clássica e Bayesiana abordando, tanto para variáveis discretas quanto contínuas,

exemplos teóricos e práticos (contextualizados) explicando para cada exemplo as

vantagens, desvantagens e os preferidos pelos alunos/professores, bem como a

predominância do uso da Estatística Clássica sobre a Bayesiana.

Assim como ARA (2006), CORDANI destaca a predominância do raciocino

determinístico na grande maioria dos alunos, justificando o alto índice de reprovação

causado pelo cálculo de Probabilidades e a Inferência Estatística.

A autora discorda da forma instrumental que usualmente a disciplina de inferência

Estatística é oferecida aos alunos: sem aprofundamentos sobre a origem e embasamento

dos conceitos que possibilitam o uso das técnicas ensinadas, ficando os alunos ou com a

impressão de que é tudo muito simples, ou que se tratam (em minha experiência) de

conceitos estilo caixa preta que só os especialistas em Estatística poderiam entender.

A pesquisadora ressalta a importância e necessidade de uma disciplina de

Estatística básica de nível universitário “integrada com as disciplinas de natureza

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quantitativa da própria área de concentração do aluno – a interdisciplinaridade viria

favorecer a contextualização e conceitos e técnicas poderiam ser melhor discutidas e

analisadas”.

SAMPAIO (2010) fez um experimento com alunos do segundo ano do curso de

Administração de uma Universidade privada de Campinas. A autora foi à pesquisadora

acompanhada de uma professora de Estatística de uma classe de 55 alunos que realizaram

um projeto extraclasse orientado via MSN, e-mail e YouTube (ambiente virtual). O

projeto consistiu dos alunos escolherem um tema preferido de um total de onze - Futebol,

Saúde, Meios de Informação, Mcdonalds, Computador, Alimentação, Alimentação dos

Estudantes, Viagens, Transporte Público e Bebidas, elaborar questionários para coleta dos

dados previamente definidos, cálculo de medidas da estatística descritiva (média, mediana,

desvio padrão, coeficiente de variação) e regressão estatística comparando as variáveis

quantitativas duas a duas para checar se há ou não correlação.

Os objetivos do trabalho foram utilizar o ambiente virtual para criar condições dos

grupos desenvolverem por meio de discussões uma Educação Estatística Crítica (EEC), e

estudar a natureza das discussões que se deram no ambiente virtual entre os alunos,

pesquisadora e professora: Matemáticas, Reflexivas, Técnicas e as Paralelas. A autora

observou que:

As Discussões Reflexivas e as Discussões Paralelas Reflexivas, são

as que mais colaboram para o desenvolvimento de uma EEC,

conceito este que partiu de uma concepção de Estatística contrária à

visão absolutista e, portanto, tenta combater a Ideologia da

Certeza, no sentido de promover uma educação que valorize o

caráter sócio-crítico da Estatística, considerando que há um

movimento de interferência mútua entre Sociedade e Estatística,

que pode colaborar com a busca por justiça social” (SAMPAIO,

2010).

A visão absolutista que SAMPAIO coloca acima está de acordo com a crítica feita

por ARA e CORDANI relativa à ênfase determinística dado ao ensino Estatístico em

detrimento do ensino aleatório. A decisão da pesquisadora de coletar dados e analisá-los

por sua vez, também está de acordo com a importância da análise exploratória de dados

(AED) para o desenvolvimento do raciocínio estatístico citada no capítulo 21 do Third

International Handbook of Mathematics Education (2013). Porém, em nenhum momento o

trabalho de SAMPAIO tratou de inferência estatística e tecnologia. Nem os trabalhos de

ARA e CORDANI, apresentaram atividades ou exemplos de Inferência Estatística com o

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apoio de tecnologia. Isto nos levou a buscar no Third International Handbook of

Mathematics Education (THME) o que tem sido pesquisado na área de Educação

Estatística. Traduzimos o resumo (abstract) do THME (e o compactamos) para dar ao leitor

uma idéia da riqueza de informações que o mesmo contém:

O THME é uma coletânea de trabalhos do que tem sido pesquisado

nos últimos 10 anos (Second Handbook foi editado em 2003,

enquanto os capítulos do THME foram escritos entre 2010 e 2011),

por 84 estudiosos de 26 nações diferentes...O THME nos dá um

inestimável compêndio, é o “estado da arte” da a maioria dos

desenvolvimentos recentes e promissores no campo da educação

matemática. (CLEMENT, M. A.; 2010).

Felizmente a Educação Estatística é parte da Educação Matemática, e ganhou no

capítulo 21 – Tecnologia para a Melhora do Raciocínio Estatístico no nível escolar – seu

espaço.

Foi no capítulo 21 do THME que descobrimos a organização Cause que apresenta

temas gerais da Educação Estatística armazenados em webinars, onde docentes da

disciplina de várias instituições americanas compartilham suas experiências e

experimentos realizados com o uso de tecnologia informática.

Segundo a Financial Services Commission of Ontario, “um webinar é um evento

on-line hospedado por uma organização/empresa,e transmitido para um seleto grupo de

pessoas por meio de seus computadores com o uso da Internet. (O webinar é também

conhecido como um webcast, evento on-line ou web seminário)”.

3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

3.1 CENÁRIOS DE INVESTIGAÇÃO DE OLE SKOVSMOSE

Ole Skovsmose é um professor universitário Dinamarquês que já lecionou na

Universidade de Aalborg (Dinamarca) e na Unesp (Brasil), autor dos livros traduzidos para

a língua portuguesa Educação Matemática Crítica e Desafios da Reflexão, têm em seu

artigo Cenários para Investigação a apresentação das diferentes formas de ensino de

Matemática estruturada numa tabela definida como Ambientes de Aprendizagem.

SKOVSMOSE (2000) define que “um cenário de investigação é aquele que

convida os alunos a formularem questões e procurarem explicações”. Distinguiu três tipos

de referências para abordar em sala de aula as questões e atividades matemáticas: ensinar

matemática com questões e atividades que se referem à própria matemática; ou que se

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referem a uma semi-realidade (por exemplo, as construídas para livros didáticos); ou que

se referem a situações da vida real mesmo. Combinando as três referências com os dois

paradigmas (dos exercícios e do cenário de investigação) Skovsmose chegou a uma matriz

(Tabela 1) com seis tipos diferentes de ambientes de aprendizagem.

Tabela 1: Ambientes de aprendizagem

Fonte: SKOVSMOSE (2000)

O ambiente (6) é o que apresenta o maior grau de realidade de todos os ambientes.

O autor defende que a educação matemática deve abranger e se locomover entre os

diferentes ambientes sem abandonar totalmente o cenário de exercícios, mas primeiro

dando ênfase aos ambientes tipo cenário de investigação para depois focar em exercícios.

3.2 A TEORIA DE LEV SEMYONOVITCH VYGOTSKY (L. S. VYGOTSKY)

Na teoria de desenvolvimento e aprendizagem de Vygotsky, além de avaliar o que o

sujeito consegue resolver sozinho, ou seja, o nível de desenvolvimento real ou efetivo,

Vygotsky também considera o que o sujeito consegue resolver com ajuda de outro sujeito

(professor ou aluno) mais experiente, ou seja, o nível de desenvolvimento potencial. Assim

a distância entre o desenvolvimento real e o potencial foi denominada por Vygotsky como

Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP).

O primeiro nível pode ser chamado de nível de desenvolvimento

real, isto é, o nível de desenvolvimento das funçôes mentais da

criança que se estabeleceram como resultado de certos ciclos de

desenvolvimento já completados... O segundo, nível de

desenvolvimento potencial, determinado através da solução de

problemas sob a orientaçâo de um adulto ou em colaboração com

companheiros mais capazes (VYGOTSKY, 2007, p.95).

VYGOTSKY (1998), para explicar o papel da escola no processo de

desenvolvimento do ser humano, faz uma distinção entre os conhecimentos construídos na

experiência pessoal e cotidiana das crianças – conceitos cotidianos – e aqueles elaborados

em sala de aula, adquiridos por meio do ensino sistemático e que necessitam da mediação

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de um professor ou de um companheiro mais experiente – os conceitos científicos. Esses

dois tipos de conceitos estão intimamente relacionados, pois fazem parte, na verdade, de

um único processo: o desenvolvimento da formação de conceitos. Ao se deparara com

conceitos científicos que não conhece a criança busca dar significado a eles por meio da

aproximação com outros conceitos já conhecidos.

Um dos desafios desta dissertação é justamente escolher exemplos/situações

básicas e cotidianas para aplicar os conceitos de Inferência Estatística por meio de

símbolos facilmente reconhecíveis pelos alunos, intervindo na ZDP tão importante para

acontecer à mediação, possibilitando a evolução dos sujeitos.

3.3 INFERÊNCIA ESTATÍSTICA: ABORDAGEM TRADICIONAL X SIMULAÇÃO

MORGAN (2011) realizou um webinar, que é uma apresentação via reunião virtual

com outros docentes de várias universidades americanas sobre os resultados de sua

experiência comparando o ensino de Inferência Estatística na forma tradicional e na forma

simulada, com o título Usando métodos de simulação para introduzir Inferência, com foco

em Bootstrapping e Randomization. O Bootstrapping foi proposto por Bradley Efron no

final dos anos 70 e é basicamente uma técnica de reamostragem (amostrar de uma mesma

amostra várias vezes) a partir de uma única amostra obtida com reposição. Por depender da

simulação de um número muito grande de amostras, seu uso só foi possível com o

desenvolvimento dos computadores.

A idéia básica da técnica bootstrap é: uma vez que não se dispõe de

toda a população de amostras faça-se o melhor com o que se

dispõe, que é o conjunto de amostrado. A técnica bootstrap trata a

amostra original como se esta representasse exatamente toda a

população. (COSTA, 2006)

Decidimos utilizar a abordagem não tradicional, denominada por MORGAN (2011)

como abordagem de simulação aleatória (Randomization), a qual basicamente consiste em:

“Decidimos sobre uma estatística de interesse (independente de conhecer a distribuição).

Simular muitas amostras aleatórias assumindo que a hipótese nula é verdadeira, e calcular

essa estatística para cada randomização” MORGAN (2011). Decidir sobre uma Estatística

de interesse significa estudar qual é o resultado mais esperado ou provável, ou estudar qual

resultado é o mais inesperado ou improvável de ocorrer.

Segundo MORGAN (2011) os problemas da abordagem tradicional são:

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- com uma fórmula diferente para cada teste, os alunos muitas vezes ficam atolados

nos detalhes e não conseguem ver a imagem maior, e

- colocar números em fórmulas pouco faz para ajudar na compreensão conceitual

Cabe observar que estes problemas estão alinhados com os comentários dos meus

alunos na ocasião em que dava aulas particulares (“Porque estou aprendendo isto num

curso de psicologia?”; “Porque estudar estatística com tanta profundidade num curso de

enfermagem?”; “Se um dia eu precisar utilizar a inferência, eu contrato alguém que

saiba” etc). Sendo assim vamos reproduzir o procedimento e applet utilizados por

MORGAN (2011) em nosso experimento em uma turma que cursa o 1º semestre de uma

das três faculdades que o pesquisador leciona.

Usaremos o mesmo aplicativo gratuito e procedimentos utilizados por Morgan

(2011) http://lock5stat.com/statkey/index.html localizado no endereço

http://www.causeweb.org/webinar/activity/2011-11/ para construir o histograma de

freqüências da amostra, para então simular o aumento gradativo da quantidade e tamanho

de amostras (reamostragem) para avaliar se os alunos percebem a demonstração prática da

inferência.

4 METODOLOGIA: DESIGN EXPERIMENT

A metodologia escolhida foi o Design Experiment segundo Cobb et al (2003). Este

tipo de metodologia envolve experimentos do tipo de cama de testes, onde é possível testar

e modificar as hipóteses iniciais ao longo da pesquisa. E vem ao encontro de nosso

objetivo principal ao considerar a “ecologia de aprendizagem” que representa um sistema

complexo e interativo, envolvendo vários elementos distintos do cenário de aprendizagem.

Segundo Cobb et al (2003) uma característica do Design é ser pragmático e teórico.

Pragmático por ter atuação direta para a sala de aula, e Teórico por trazer uma teoria

mesmo que humilde a partir da análise das interações ocorridas neste cenário.

O Design tem um aspecto inicial prospectivo já que o desenho é implantado como

um processo de aprendizagem baseado em uma hipótese da pesquisa. E à medida que as

intervenções e interações avançam novas hipóteses surgem a partir das reflexões. O que

leva a terceira característica que é relativa aos aspectos Iterativo, cíclico e flexível.

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4.1 FASES DA PESQUISA

1ª Fase – PROSPECTIVA: ELABORAR TAREFAS A PARTIR DE CONJECTURAS

LEVANTADAS DA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA E PRÁTICA DA SALA DE AULA.

As tarefas que serão propostas nessa dissertação terão duas etapas principais: a

primeira manipulativa feita com apoio de dados e cartas de baralho para verificar o

discurso dos alunos e como eles percebem o comportamento das probabilidades, e a

segunda e terceira tarefas são uma mistura de manipulação e virtualidade com applets

sendo instrumentos de mediação, pois permitem a visualização praticamente instantânea da

formação da distribuição de freqüência.

A tarefa 1 foi proposta por BOLITE FRANT (2003). As tarefas 2 e 3 foram

aplicadas por MORGAN (2011) utilizando o aplicativo gratuito

www.lock5stat.com/statkey. Ambas as tarefas foram escolhidas por serem situações

baseadas na vida real, conforme proposta de cenário de investigação seis de SKVSMOSE2.

Tarefa 1

Leia com atenção o problema, escreva sua resposta sobre a pergunta 1, individualmente, e

depois faça a 2 e a 3 em dupla. Lembre-se é muito importante para nós que você escreva o

mais possível para explicar o que está pensando. Não estamos interessados nas respostas

mas nas diferentes maneiras de pensar e resolver este problema. Sua anotações são de

muito valor.

“Dois amigos, Antônio e Pedro, brincam com dois dados. Se a soma dos dados der 2; 3; 4;

10; 11 ou 12 o Antônio ganha um ponto. Se a soma dos dados der 5; 6; 7; 8; ou 9, o Pedro

ganha um ponto. Ganha a partida quem faz dez pontos primeiro.

1 – Estas regras são justas? Porque você acha isso?

2 – Agora com seu (sua) colega (vocês podem jogar quantas partidas precisarem). O

resultado desses jogos vem a favor ou contra o que você disse na questão 1? Explique.

3 – Se você achou que as regras não foram justas, como você faria as regras para um jogo

mais justo? Explique.

2 Pg 5 deste documento

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As tarefas dois e três escolhidas foram as utilizadas por MORGAN (2011) por

serem situações baseadas na vida real (cenário de investigação seis de SKVSMOSE, ver

pág 5), utilizando o aplicativo gratuito www.lock5stat.com/statkey modificando o papel

dos alunos possibilitando jogar mais de 1000 vezes em apenas 1 clique, quantas vezes

forem necessárias e ao mesmo tempo registrando a ocorrência do número de caras. O

aplicativo da Statkey esta de acordo com a teoria de Vygotsky, pois funciona como um

instrumento que amplia a capacidade de percepção dos alunos.

A tarefa 2 utiliza o curioso caso do polvo Paul da Alemanha, que conseguiu prever

o resultado de oito jogos da copa do mundo de 2010. Assim como na tarefa 1, primeiro

queremos ver a bagagem do aluno para depois ver a mudança (se houver) no discurso da

dupla a partir do uso do aplicativo.

Figura 1: Polvo Paul

Disponível em: http://myfakingnews.firstpost.com/2014/06/05/paul-the-octopus-comes-alive/.

Acesso em 23 Mar

A terceira tarefa esta relacionada com o lançamento de uma nova droga, chamada

Desipramine, que promete reduzir o número de casos de reincidência de ex-viciados em

cocaína quando administrada no lugar da droga existente chamada de Lithiun. O

experimento consiste em tratar 48 pessoas viciadas aleatoriamente ou com a nova droga ou

com a antiga. A variável de estudo é se o paciente voltou a consumir drogas ou não após

ser tratado com uma das drogas, e a hipótese a ser testada é se a Desipramine é

significativamente melhor no tratamento dos viciados em cocaína.

O resultado do tratamento das 48 pessoas foi que 10 de 24 pessoas voltaram ao

vício mesmo com a nova droga, e que 18 de 24 pessoas voltaram ao vício com a droga

antiga. A diferença proporcional conforme figura 2:

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Figura 2: Resultado obtido pelo uso das 2 drogas

Disponível em: https://www.causeweb.org/webinar/teaching/2011-12/

Acesso em 14 Mar

Definimos então a hipótese nula de que não há diferença entre as drogas, e caso isso

seja verdadeiro, o resultado não mudará frente a uma nova simulação.

A partir daqui damos 48 cartas as participantes, onde 28 cartas de números

representaram o retorno ao vício, e 20 representaram que o paciente não retornou ao vício.

Pedimos as participantes jogarem algumas vezes (3 ou 4) para todos observarmos

os resultados em um gráfico de pontos, com o cuidado de antes de cada jogada as cartas

sejam bem embaralhadas. Partimos então para o uso do Statkey simulando mais de 1000

jogos obtendo em segundos o que seria inviável fazermos manualmente.

2ª Fase – IMPLEMENTAÇÃO DAS TAREFAS

Optou-se por trabalhar com apenas uma dupla composta de uma professora de

matemática (doravante chamada de MAR) e uma Bióloga recém-formada (PAM). O local

de aplicação das tarefas foi uma sala do laboratório Loveme (Learning Objectives in

Virtual Enviroment: Mathematics Education) da Unian.

O uso dos dados como instrumentos semióticos, auxilia e estimula os processos

intermental (interação com o grupo) e intramental (internalizar com significado

específico), conforme ARA (2006, p.100) propõe. A idéia do jogo em si estimula o diálogo

entre os alunos. Por exemplo, na primeira parte da tarefa 1 quando vão prever se as regras

são justas. Na segunda etapa jogando muitas vezes têm surpresa com o resultado, e na

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terceira após o jogo os alunos irão dialogar para mudar as regras e propor um jogo com

regras mais justas.

3ª Fase – UMA PROPOSTA PARA UM CENÁRIO DE ESTATÍSTICA INFERENCIAL

NO TERCEIRO GRAU

Após a implementação das tarefas, com as respectivas coletas dos dados e análise

com base na fundamentação teórica, será proposta um cenário combinando tarefas

manipulativas e virtuais para o ensino da Inferência Estatística.

5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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