UMA PUBLICAÇÃO DO OBSERVATÓRIO ASTRONÓMICO DE … · História da Ciência e Instrumentos...

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UMA PUBLICAÇÃO DO OBSERVATÓRIO ASTRONÓMICO DE LISBOA VERSÃO ELECTRÓNICA EM http://www.oal.ul.pt/oobservatorio/ A Nebulosa Rho Ophiuchi, um espectáculo de luz e cor

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A Nebulosa Rho Ophiuchi, um espectáculo de luz e cor

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O VALOR DO OBSERVATÓRIO ASTRONÓMICO DE

L ISBOA

FICHA TÉCNICA

O Observatório é uma publicação do Observatório Astronómico de Lisboa, Tapada da Ajuda, 1349-018 Lisboa, Telefone: 213616739, Fax:213616752; Endereço electrónico: [email protected]; Página web: http://oal.ul.pt/oobservatorio. Edição: José Afonso,Nuno Santos, João Lin Yun, João Retrê. Composição Gráfica: Eugénia Carvalho. Impressão: Tecla 3, Artes Gráficas, Av. Almirante Reis, 45A,1150-010 Lisboa. Tiragem: 2000 exemplares. © Observatório Astronómico de Lisboa, 1995.

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QUAL o valor do Observatório Astronómico de Lisboa (OAL)?Se fizermos esta pergunta a uma das muitas milhares de pessoas

que têm sido “tocadas” pelo OAL, teremos provavelmente respostassemelhantes a esta que recebemos há uns tempos de um utente do nossoserviço de “Consultório Astronómico” e ouvinte das nossas palestrasmensais via Internet:

“Quero apenas expressar os mais sinceros parabéns e agradecimentospor um serviço público de tão elevado nível que o OAL está a prestar àcomunidade. São iniciativas deste tipo, para promover a cultura científicados cidadãos tão essencial nos dias que correm, que temos de acarinhare elogiar. Parabéns por o OAL sair assim de um certo marasmo científicoe trazer agora com dinamismo a ciência para mais perto do cidadãocomum que se interessa por estas coisas do universo, e se dispor assim atirar dúvidas e dar formação científica junto do cidadão comum de ummodo tão competente, tão profissional e tão científico. A pergunta queapresentei foi-me esclarecida de um modo claro, simples e altamenteprofissional sem deixar margem a dúvidas, por isso quero aqui deixar umgrande abraço de gratidão a toda a ilustre equipa de cientistas do OALpor serem capazes de descer até à minha pessoa e satisfazerem-me umade tantas dúvidas que eu tenho acerca deste universo maravilhoso que merodeia. Bem hajam não só pela espectacular equipa que constituem comotambém pelo serviço de divulgação científica que tão profissionalmentedesempenham junto da comunidade em geral através do site do OAL.”

Fizemos a mesma pergunta a alguns especialistas (estrangeiros) emHistória da Ciência e Instrumentos Científicos e a resposta foi algo parecidocom isto:

“O OAL é uma preciosidade! Possui uma das melhores e mais bempreservadas colecções de instrumentos astronómicos antigos da época dasua construção, alguns únicos no mundo, de valor histórico incalculável.O próprio Edifício Central representa a memória do que melhor existiu naHistória da Astronomia portuguesa e europeia e não pode de modo algumser abandonado ou perdido.”

Perante estes factos, é de se esperar um apoio claro e um empenhamentoforte na manutenção e no desenvolvimento das actividades do OAL. Tomareipois todos de surpresa se disser que o OAL não existe! Não existe porqueo OAL faz parte da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa(FCUL) e, tendo em consideração a autonomia universitária, os sucessivosgovernos não são levados a intervir sem que para isso sejam solicitadospelos responsáveis máximos. De facto, compete ao Senhor Reitor da UL eao Presidente da FCUL efectuar os esforços que julguem necessários paragarantir não só as condições de eficiência para a manutenção do serviçopúblico oferecido pelo OAL, como a garantia de que o enorme valor históricoe patrimonial do OAL seja preservado para as gerações vindouras. Comopovo colectivo que somos, é uma parte da nossa memória, aquilo que fazde nós humanos e portugueses que importa salvar. Isto, contudo, aindanão foi compreendido. Ao contrário do público, dos estudantes, dosprofessores, dos jornalistas, aqueles que podem e devem fazer algo poresta preciosidade ainda não se aperceberam do seu valor. Será que, comodiz o povo, só quando perdemos algo é que reconhecemos o seu valor?

João Lin Yun, Director do Boletim O Observató[email protected]

Imagem da Nebulosa Rho Ophiuchi,localizada a aproximadamente 520anos-luz de distância. Esta nebulosaé formada por um sistema de váriasnuvens que se combinam paraoriginar um espectáculo de cor e luz.Podemos observar, na parte inferiorda figura, a estrela supergigantevermelha Antares, que se encontraenvolvida por uma nebulosa de tonsamarelados. Se Antares fossecolocada no lugar do Sol, a suaextremidade chegaria sensivelmenteaté à órbita de Júpiter, o que nosmostra o quão gigantesco é esteobjecto. No lado esquerdo daimagem, podemos observar umaoutra nebulosa, de tons azulados eno seu centro, um sistema estelartriplo designado por Rho Ophiuchi.No lado direito da imagem é possívelobservar um enxame estelar globu-lar.Existe uma grande quantidade depoeira um pouco por todo o sistemade nebulosas. Esta poeira está maispatente em grandes nuvens escurasvisíveis no lado esquerdo da imagem.Cortesia: Robert Gendler, Jim Mistie Steve Mazlin.

NA CAPA:

Créditos: NASA e The Hubble Heritage Team (STScI/AURA).

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PEQUENAS ESTRELAS TAMBÉM PODEM TER PLANETAS? Nuno Santos CAAUL/OAL

Dois estudos independentes,baseados em observaçõesrecolhidas com telescópios doESO, mostram que estrelas jovenscom apenas algumas vezes a massade Júpiter podem ter discos dematerial à volta. Este resultadosugere que estas estrelas podemformar verdadeiros sistemassolares em miniatura.

Hoje é globalmente aceite queos planetas se formam a partirda aglomeração de poeiras e gásexistentes em discos em torno deestrelas jovens. Estes discos,denominados de circum-estelaresou proto-planetários, aparecemnaturalmente quando uma estrelase forma. Dado que estes são opalco para a formação dosplanetas, podemos então inferir que muitas das estrelas de tiposolar deverão ter planetas em órbita. Tal facto vem sendoconfirmado com a recente descoberta de dezenas de planetasextra-solares.

Se para estrelas com massa semelhante ao Sol este parece serum problema “resolvido”, o mesmo não se pode dizer no querespeita às estrelas de massa muito pequena. Qual será o limitede massa a partir do qual uma estrela pode ter planetas em seutorno? Será que estrelas de massa muito pequena também têm

Observações recentes ajudaram adescobrir e estudar uma “nuvem”misteriosa de matéria, a mais de 10 milmilhões de anos-luz de distância, quese pensa representar uma etapa inicialda formação de uma galáxia, quando gásé atraído para uma aglomeração dematéria escura.

Nos últimos anos, os astrónomosdescobriram a existência, no Universolongínquo, de quantidades de matéria depouca luminosidade, com tamanhos quepodem mesmo ultrapassar o da nossaVia-Láctea. Frequentemente invisíveisem imagens normais, estas nuvensrevelam-se pela sua emissão nalgumatransição específica do átomo dehidrogénio, o elemento mais abundantedo Universo. A natureza destes corpos é ainda incerta, e váriaspossibilidades foram já levantadas para explicar a sua existência.

Recentemente, uma equipa de astrónomos descobriu uma destasnuvens, a cerca de 11.6 mil milhões de anos-luz de distância -observada portanto quando o Universo tinha apenas cerca de doismil milhões de anos de idade (dos quase 14 que se pensa ter). Osinvestigadores estudaram uma das regiões do céu mais observadasactualmente, denominada GOODS-Sul, onde existem já observaçõesa praticamente todos os comprimentos de onda possíveis emAstronomia. Utilizaram desta vez um filtro muito estreito, queapenas permite a passagem de radiação entre cerca de 5020 e 5080

angstrom (numa imagem “normal” do céu,na banda V do óptico por exemplo,aproveita-se toda a radiação recebida en-tre cerca de 3600 e 8200 angstrom). Filtrosdesta natureza são concebidos paradetectar a emissão numa determinadatransição de um determinado elemento.Neste caso, seria detectado hidrogénio (asua transição de Lyman-alpha) queexistisse a 11.6 mil milhões de anos-luz.

Usando o Very Large Telescope (doESO) e o instrumento FORS1 durantemais de oito horas, os astrónomosdetectaram uma nuvem de matériagigantesca. Com um diâmetro de 200 000anos-luz, é cerca de duas vezes maior quea Via-Láctea. Detectada unicamente nestaimagem particular (que revela a emissão

na transição de Lyman-alpha do hidrogénio), este corpo ainda assimemite uma quantidade de energia equivalente a dois mil milhões deestrelas tipo Sol.

Este material não parece ser devido à ejecção de matéria poruma galáxia activa, uma das possibilidades consideradas. Em vezdisso, os investigadores acreditam estar perante uma quantidadede matéria (gás) primordial em queda para uma aglomeração dematéria escura, uma das primeiras etapas que se deverá verificarna formação de uma galáxia como a nossa Via-Láctea. Se tal sevier a confirmar, esta é a primeira observação de um tal processo,até hoje unicamente uma possibilidade teórica.

discos à volta? Ou será que pelocontrário, as poucas centenas deestrelas com apenas algumasvezes a massa de Júpiter que fo-ram descobertas até agora podemafinal ser planetas gigantes queforam expulsos da sua órbita emtorno de uma estrela de maiormassa?

Duas equipas internacionais deinvestigadores, que incluemastrofísicos do Centro deAstronomia e Astrofísica daUniversidade de Lisboa,descobriram agora que estrelasde massa muito pequena tambémpodem possuir discos de gás epoeira à sua volta.

Para tal utilizaram ostelescópios NTT e VLT, do ESO,

para obter espectros e medir a magnitude no infravermelho devárias estrelas jovens com uma massa de aproximadamente 10vezes a massa de Júpiter. Os resultados mostram que estas estrelasemitem fortemente no infravermelho, o que indica a existência dematerial circum-estelar.

Esta descoberta sugere que mesmo as estrelas de pequena massase formam pelo mesmo processo que se formam as estrelassemelhantes ao Sol. E se existem discos, talvez estas estrelaspossam formar planetas em seu torno.

MATÉRIA (QUASE) INVISÍVEL José Afonso CAAUL/OAL

Imagem obtida com o VLT de uma das estrelas de pequena massaestudadas. Neste caso trata-se de um sistema binário. A estrela maisbrilhante tem uma massa equivalente a 25 vezes a massa de Júpiter,enquanto que a pequena companheira tem apenas 8 vezes a massa desteplaneta gigante. As observações mostram que ambas as estrelas possuemdiscos de material à sua volta. Cortesia do ESO.

A região do céu em torno da nuvem de matéria agoradescoberta. A imagem da esquerda é uma composiçãoóptica obtida a partir das observações com o telescópioespacial Hubble. Também são apresentadas as imagensópticas nas bandas R e B, onde a nuvem não é detectada.Contudo, na imagem com um filtro estreito, que revelaapenas a radiação entre cerca de 5020 e 5080 angstrom,este objecto é claramente detectado. Cortesia: KimNilsson (ESO e Univ. de Copenhaga) e colaboradores,NASA e ESA.

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O GRANDE REFRACTOR EQUATORIAL

Entre a comunidade do OAL designado, simplesmente,por Grande Equatorial (devido, obviamente, às suasdimensões e à sua montagem de tipo equatorial), esteinstrumento foi fabricado em 1864, pela firma A & G.Repsold, de Hamburgo. A objectiva, com 38,2 cm de diâmetro,foi feita por Georg Mërz (1793-1867), de Munique (Mërzfoi discípulo e sucessor de Fraunhofer),tendo custado 9 contos de réis, quase umterço da soma originalmente atribuída porD. Pedro V para a construção doObservatório (30 contos de réis). Adistância focal é de 6,82m.Consultado nos finais dos anos 50 do

século XIX, acerca da fundação de umobservatório astronómico em Lisboa,Wilhelm Struve (1793-1894), director doObservatório de Poulkova (Rússia),sugeriu que, entre os instrumentos aadquirir, constasse um grande telescópioequatorial, que serviria para estudar asnebulosas e as paralaxes relativas dasestrelas. A instalação do instrumento noOAL foi tardia; por volta de 1869 já todosos principais instrumentos seencontravam, de um modo geral,instalados e prontos a funcionar, mas oGrande Equatorial e a torre girante que o envolve só fo-ram instalados entre 1872 e 1876. A torre girante foidesenhada por Frederico Augusto Oom (1830-1890), queviria a ser o primeiro director do OAL. Foi tambémfabricada na Alemanha, tendo sido instalada por operáriosalemães que se deslocaram a Portugal para o efeito.Sendo constituída por placas de ferro, que perfazem duasparedes entre as quais circula o ar, o seu peso é estimadoem cerca de 40 toneladas. Devido à escassez de pessoalcientífico e à progressiva falta de fundos de que oobservatório iria padecer, o Grande Equatorialpermaneceu praticamente em desuso durante as primeirasdécadas da laboração do OAL. Uma das utilizaçõespontuais que lhe eram dadas consistia na observação deeclipses. Por exemplo, de um relatório publicado noperiódico Astronomische Nachrichten, sabemos que oastrónomo Frederico Tomás Oom (1864-1930), filho deFrederico Augusto Oom, utilizou este telescópio naobservação do eclipse anular-total de 17 de Abril de 1912.De modo a evitar o sobreaquecimento dos seuscomponentes, a abertura era reduzida a 15,8 cm. Existemfotografias onde se pode ver Frederico T. Oom usandoeste instrumento na observação solar pelo método deprojecção. O astrónomo Manuel Soares de Melo e Simas

(1868-1934) veio a revitalizar este instrumento, dando--lhe, a partir de 1911, uma utilização sistemática, masdiversificada nos objectos de estudo. Simas utilizou oEquatorial para observar manchas solares, ocultações deestrelas pela Lua, os planetas Marte e Júpiter, cometas,etc. O cálculo das órbitas de cometas era, aliás, uma dasactividades astronómicas da sua predilecção, à qual já sededicava enquanto oficial de artilharia/astrónomo amador.

Em 1923, aproveitou a observação daocultação de uma estrela por Júpiter, paratestar o desvio dos raios luminososprevisto pela teoria da relatividade geral.A observação, efectuada com o GrandeEquatorial, foi inconclusiva, pois outrosefeitos em acção provocavam desvios nomesmo sentido. Não é por isso que esteempreendimento empírico de Simas,figura que teve um papel importante narecepção da relatividade em Portugal,deixa de ser assinalável.

O Grande Equatorial foi posteriormenteutilizado em programas sistemáticos deobservação de ocultações de estrelaspela Lua. Estas observações, efectuadasno âmbito de campanhas internacionais,tinham como principal finalidade adeterminação do Tempo das Efemérides(TE), estabelecido em 1952 e redefinido

em 1955 pela União Astronómica Internacional. Na suasegunda formulação, o TE tinha como unidade o anotrópico (equinócio a equinócio) em 1900,0. Definia-se osegundo como uma fracção desse ano. Pretendia-se,deste modo, evitar as irregularidades que afectavam asescalas de tempo dependentes da rotação da terra, comoacontecia com o Tempo Universal (TU), nas suassucessivas formulações. O TE era usado nos cálculos damecânica celeste, mas era necessário conhecer o seudesfasamento relativamente ao TU. A determinação doTE baseava-se na longitude solar, ou seja, no movimentodo Sol ao longo da eclíptica. Uma vez que a Lua se moveem longitude 13 vezes mais depressa que o Sol, e porquea observação solar é difícil de efectuar, optava-se porfazer observações de ocultações de estrelas pela Lua,de modo a determinar com exactidão a sua posição naesfera celeste. No entanto, este tipo de trabalhoobservacional, que implicava demorados cálculos deredução, perdeu a importância quando, em 1967, osegundo atómico passou a constituir a unidade de tempo,substituindo a unidade até então em vigor, que era osegundo das efemérides. Prosseguiram, no entanto, asobservações de ocultações, pois estas ainda eram úteisna determinação dos perfis lunares e no estudo da órbita

INSTRUMENTOS COM HISTÓRIA:O GRANDE REFRACTOR EQUATORIAL E O CÍRCULO MERIDIANO DO OAL

Grande refractor equatorial do OAL.

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Pedro RaposoOAL

do nosso satélite.Nos anos 70, projectou-se nova revitalização do

instrumento, desta vez no âmbito da observação deestrelas duplas, mas tal não se chegou a concretizar.

O CÍRCULO MERIDIANO

Este foi, indubitavelmente, o instrumento mais importantena actividade observacional desenvolvida no OAL.Igualmente construído pelas casas A. & G. Repsold eMërz, em 1864, foi objecto de um estudo e beneficiaçãoaprofundados, por parte de César Augusto de CamposRodrigues.

Um círculo meridiano é um telescópio associado a umcírculo vertical graduado, que, colocado no meridiano(direcção Norte-Sul), permite efectuar a determinaçãodas coordenadas equatoriais dos objectos celestes:ascensão recta e declinação. O círculo meridiano era,por conseguinte, o instrumento essencial de qualquerobservatório astrométrico, isto é, que se dedicasse àdeterminação rigorosa de posições e distâncias de objectosastronómicos. Este instrumento permitia tambémdeterminar a hora (sendo conhecida a ascensão rectados objectos observados) e a latitude (sendo conhecida adeclinação dos objectos observados).

O círculo meridiano do OAL possui uma objectiva com135 mm de diâmetro, e distância focal de 1,955 m. Nãocabe aqui uma descrição exaustiva de todos oscomponentes do instrumento e do respectivo aparato, nema explanação da quantificação e controlo dos vários errosque afectam as observações com ele efectuadas (atéporque in loco, no decurso de uma visita ao Observatório,esta explanação será certamente muito mais elucidativa).Para quem se queira iniciar nesta temática, propomos aleitura do artigo (em francês) de F. Puel, “L’instrumentméridien de l’Observatoire de Besançon”, disponívelonline em http://www.obs-besancon.fr/IMG/pdf/Meridien.pdf.

Entre 1884 e 1886, Campos Rodrigues levou a cabouma série de observações sistemáticas da Estrela Polar.Com estas observações, o astrónomo pretendiadeterminar a latitude do Observatório, reavaliar oconhecimento das coordenadas desta estrela e calculara sua distância, caso a precisão das observações opermitissem (à distância a que, segundo a astrometriacontemporânea, se encontra a Polar, 390 anos-luz, seriatecnicamente inviável a concretização deste objectivo,nas condições em que Rodrigues trabalhava). No entanto,a falta de pessoal comprometeu a redução dasobservações, isto é, o tratamento matemático dos dadosobservacionais brutos, e também forçou Rodrigues adesviar-se, temporariamente, para trabalhos de outraíndole.

Em 1892, John Eastman (1836-1913), do ObservatórioNaval de Washington, lançou um apelo à comunidade

astronómica internacional, no sentido de se efectuaremobservações posicionais do planeta Marte, que estariaem oposição favorável (a uma distância da Terrarelativamente curta) em Agosto daquele ano. O objectivodesta campanha consistia em proceder a uma novadeterminação da distância média Terra-Sol. O OALrespondeu ao apelo, tendo Campos Rodrigues eFrederico T. Oom efectuado várias observações queforam reunidas num volume intitulado “Observationsméridiennes de la planète Mars pendant l’opposition de1892”, publicado em 1895 e distribuído por observatóriosde todo o mundo. As observações receberamapreciações muito positivas por parte de astrónomosestrangeiros. É de referir que, tendo os astrónomosportugueses procedido à determinação do diâmetro equa-torial de Marte, o valor que obtiveram erasignificativamente próximo do valor actualmenteestabelecido (6794 km).

Foi, no entanto, em 1900-1901, no âmbito da campanhade observação do asteróide Eros, que se efectuaram osmelhores trabalhos que despontam no historial desteinstrumento. A campanha de Eros tinha o mesmoobjectivo que o programa de observação de Marteanteriormente referido. O OAL contribuiu não comobservações do asteróide, mas sim com observações deestrelas de referência, a única tarefa que estava aoalcance das suas possibilidades. Fê-lo com grandeeficiência, ao ponto de a precisão das observaçõesmotivarem a atribuição do Prémio Valz (da Academiadas Ciências de Paris) a Campos Rodrigues, em 1904(ver O Observatório de Setembro de 2004).

O círculo meridiano permaneceu em funcionamentoaté aos anos 60 do século XX, altura em que a poluiçãoluminosa e a turbulência associadas à expansão da malhaurbana lisboeta comprometeram definitivamente a suautilidade. Tal como acontece com os principaisinstrumentos históricos do OAL, pode ser apreciado nasua instalação original, em bom estado de conservação.

Círculo meridiano do OAL.

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João Retrê

O aparecimento do primeirotelescópio foi um marco importanteno desenvolvimento da Astro-nomia. Ao longo dos tempos esteinstrumento foi sofrendo váriasalterações, de forma a optimizar asobservações dos corpos celestese, consequentemente, as informa-ções que obtemos destes. Desde apequena luneta de Galileu até aoTelescópio Espacial Hubble, sãoclaras as evoluções que estesaparelhos sofreram. O diâmetro doespelho primário (espelho colectorde luz) de um telescópio (reflector)é a característica principal para a sua performance. Quanto maioro diâmetro do espelho, maior será a área de colecção de luzproveniente de um objecto celeste e maior será a resolução enitidez das imagens obtidas.

Tendo isto em vista, existem projectos designados por ExtremelyLarge Telescopes (ELT), que visam o estudo da viabilidade daconstrução de telescópios terrestres com espelhos de diâmetroaté dez vezes superior ao dos actuais, 8 a 10 metros de diâmetro.

Um destes colossos em estudo, o Overwhelmingly LargeTelescope (OWL), é um instrumento conceptual do ESOoptimizado para observações no comprimento de onda do visívele infravermelho próximo. Caso esta ideia se materialize, otelescópio possuirá um espelho segmentado com 100 metrosde diâmetro. Cada segmento terá a forma hexagonal e umadimensão de 1,6 metros, formando no total uma área colectorade luz de 6 km2. Tal dimensão seria traduzida numa resolução enitidez de imagem bastante acima dos valores obtidos pelostelescópios actuais. Teoricamente, para observações realizadasno comprimento de onda do visível, o OWL teria uma resoluçãode 0,001 segundos-de-arco, o que equivale a uma resoluçãoaproximadamente 40 vezes superior à do Hubble (0,05segundos-de-arco). Se possuísse o poder de resolução do OWLum ser humano seria capaz de distinguir, a olho nu, dois objectosseparados por um metro, a aproximadamente 200 milquilómetros de distância. No entanto, a luz proveniente dosobjectos celestes é inevitavelmente distorcida pela turbulênciaatmosférica do nosso planeta, fazendo com que os telescópiosterrestres, como o OWL, não consigam alcançar a resoluçãoangular que a teoria prevê. Os valores habituais da resoluçãodestes são de 0,5-1,0 segundos-de-arco.

Existe porém, uma solução para este problema: usar no OWLum sistema de óptica adaptativa. Neste sistema, um sensorcolecta a luz proveniente de uma estrela de referência medindoa distorção que a luz dessa estrela sofre ao atravessar a atmosferaterrestre. Estas medições são transferidas para um computadorque controla um aparato de aparelhos dinâmicos ligados a umespelho deformável, colocado algures no percurso da luz dentrodo telescópio (eventualmente o próprio espelho secundário).O computador ajusta então a forma do espelho, através doajuste dos suportes, com o objectivo de compensar asdistorções da luz proveniente do objecto que se está a observar,eliminando assim os efeitos da atmosfera. Embora esta técnicajá tenha sido aplicada com sucesso em alguns telescópiosterrestres actuais, ainda se encontra em desenvolvimento,possuindo certas limitações que se espera virem a ser

superadas na próxima geração desistemas adaptativos. Com estesistema de óptica adaptativa, oOWL poderia então fazer uso, natotalidade, da sua inigualávelresolução angular.

Dadas as dimensões do OWL,este poderia e teria de serconstruído em módulos pré--fabricados, como peças de umpuzzle a montar no local onde esteinstrumento seria construído. Aestrutura que suportaria esteaparelho seria feita em aço epesaria 14 800 toneladas. Embora

este valor possa parecer extremamente elevado, um telescópiocomum com as dimensões do OWL pesaria cerca de um milhãode toneladas, o que faz do OWL um telescópio “leve” para oseu tamanho, aumentando assim a sua performance. Estamodulação do telescópio possibilitaria a produção em sériedos seus componentes, o que tornaria o aparato menosdispendioso. Outra vantagem seria a da entrada emfuncionamento antes de estar totalmente acabado. Com aestrutura e equipamento montados, e faltando apenas acolocação de alguns segmentos do espelho primário, seriapossível realizar observações. Mesmo com 50% dos segmentosmontados, o OWL teria um diâmetro de 50 metros, muito supe-rior ao de qualquer telescópio terrestre actual.

Com a construção do OWL, a ciência teria acesso a novas eentusiasmantes possibilidades. Com a sua extraordinária visãoangular, o OWL seria capaz de obter imagens de objectos doSistema Solar com resoluções comparáveis às obtidas comsondas espaciais. Seria possível observar a partir da Terraalguns pormenores da superfície e atmosfera de planetas eluas, tais como nuvens e vulcões, durante uma escala de tempomuito maior. Isto permitiria um estudo mais detalhado e umamelhor compreensão da dinâmica meteorológica e geológicados nossos vizinhos do Sistema Solar. A realização deobservações directas a planetas extra-solares seria possívelcom o OWL, permitindo assim inferir a eventual existência debio-esferas e consequentemente de vida. Até agora, embora játenham sido descobertos e identificados mais de uma centenadestes objectos, nunca foi possível observar um destesplanetas directamente, sendo a sua detecção efectuadaprincipalmente através da perturbação ínfima que o planetacausa no movimento da sua estrela anfitriã.

Com o OWL seria possível espreitar para trás no tempo,observando o Universo longínquo, e testemunhar o nascimentodas primeiras estrelas e galáxias. Seria também possível umamelhor compreensão dos processos que regem a formação desistemas planetários não só na nossa galáxia, como em outraspróximas de nós através da observação dos discos proto--planetários em torno de estrelas de várias idades.

São inúmeras e claras as possibilidades que um telescópiodestes poderia trazer à Astronomia e não só. A questão que secoloca é se o OWL se tornará ou não uma realidade! Olhandopara os projectos existentes, parece claro que por volta de 2020possuiremos vários telescópios com 20-40 metros de diâmetro.O salto para os 100 metros, porém, talvez tenha de esperaralguns anos mais...

A FUTURA GERAÇÃO DE TELESCÓPIOS TERRESTRES

OVERWHELMINGLY LARGE TELESCOPE

O Overwhelmingly Large Telescope. Cortesia do ESO.

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PARA OBSERVAR EM SETEMBROVISIBILIDADE DOS PLANETASMercúrio: Este planeta estará por cima do horizonte, sendo portanto necessário um horizonte livre para Oeste.Vénus: Por volta de meados do mês de Setembro, Vénus deixará de ser visível como estrela da manhã devido à suaproximidade do Sol.Marte: Marte será visível apenas no princípio da noite. Poderá ser identificado na constelação da Virgem durante todoo mês. Este planeta estará em conjunção com Mercúrio no dia 15 de Setembro.Júpiter: Poderá ser observado ao início da noite.Saturno: Este planeta irá ser visível antes do nascer do Sol.Urano e Neptuno: Urano estará em oposição às 11 horas do dia 5, podendo então ser observado durante toda a noite.A Lua passará perto de Neptuno no dia 5 por volta das 23h. Será necessário o auxílio de um telescópio para se poderobservar estes planetas.

Maarten Roos SeroteCatarina Fernandes

Carla Natário

ASTRO S

UDOKUA

STRO SUDOKU

Complete a grelha de modo a que cada linha, coluna e grelha 3x3 contenha asletras ADILPRSTU. Depois da grelha totalmente preenchida, descubra o nome (nosingular) de três “chuvas” de meteoros, que poderá estar escrito segundo qualquer

direcção e sentido. Nota: O nome de uma “chuva” de meteoros é atribuído de acordocom a constelação em que este fenómeno aparenta ter origem. A título de exemplo,

as Leónidas têm origem na constelação do Leão.

FASES DA LUA

Quarto Crescente 30 Set - 12hLua Cheia 07 Set - 20hQuarto Minguante 14 Set - 12hLua Nova 22 Set - 13h

7 de Setembro - Eclipse parcial da Lua. Com o seu nascimento aocorrer às 20h só poderemos observá-la a sair da sombra. O eclipsetermina às 21h50m. Será um eclipse quase penumbral, pois a Luaatravessa o cone de sombra da Terra quase tangencialmente.

23 de Setembro - Equinócio de Outono às 05h03m. Início doOutono. O Sol passa pelo equador celeste e o dia e a noite terãouma duração igual.

ALGUNS FENÓMENOS ASTRONÓMICOS

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1 de Setembro às 0h16 de Setembro às 23h

O CÉU DE SETEMBRO

Sol Mercúrio Vénus Marte Júpiter Saturno Urano Neptuno

Dia Nasc./Ocaso Ocaso Nasc. Ocaso Ocaso Nasc. Nasc. Pass. Ocaso Pass. Ocaso

01112130

07h 06m/20h 07m

07h 14m/19h 52m

07h 23m/19h 36m

07h 31m/19h 22m

20h 15m

20h 17m

20h 12m

20h 05m

05h 50m

06h 13m

06h 35m

06h 55m

20h 50m

20h 26m

20h 02m

19h 40m

22h 52m

22h 17m

21h 43m

21h 12m

05h 22m

04h 48m

04h 15m

03h 44m

20h 13m

19h 33m

18h 52m

18h 16m

01h 55m

01h 14m

00h 33m

23h 53m

07h 33m

06h 51m

06h 10m

05h 33m

00h 18m

23h 34m

22h 54m

22h 18m

05h 28m

04h 48m

04h 08m

03h 31m

(para Lisboa; são necessárias pequenas correcções para outros locais do país. Veja em www.oal.ul.pt para outros dias)NASCIMENTO, PASSAGEM MERIDIANA E OCASO DOS PLANETAS

O mapa mostra o céu como pode ser observado em Portugal (latitude 38º N) nos dias e horas (legais) indicados. Orienteo mapa com a direcção para onde olha virada para si, p.e. se estiver a olhar para o Norte, vire esta página ao contrário.Este mapa pode ser usado igualmente noutros dias e horas de Setembro, apresentando-se o céu um pouco diferente.