UMA TEORIA DA - redalyc.org · Introdução A literatura produzida pela escola da escolha racional...

24
Revista Brasileira de Ciências Sociais ISSN: 0102-6909 [email protected] Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais Brasil Pereira, Carlos; Mueller, Bernardo A theory of executive preponderance: the committee system in the Brazilian Congress Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 15, núm. 43, junio, 2000 Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais São Paulo, Brasil Available in: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=10704304 How to cite Complete issue More information about this article Journal's homepage in redalyc.org Scientific Information System Network of Scientific Journals from Latin America, the Caribbean, Spain and Portugal Non-profit academic project, developed under the open access initiative

Transcript of UMA TEORIA DA - redalyc.org · Introdução A literatura produzida pela escola da escolha racional...

Revista Brasileira de Ciências Sociais

ISSN: 0102-6909

[email protected]

Associação Nacional de Pós-Graduação e

Pesquisa em Ciências Sociais

Brasil

Pereira, Carlos; Mueller, Bernardo

A theory of executive preponderance: the committee system in the Brazilian Congress

Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 15, núm. 43, junio, 2000

Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais

São Paulo, Brasil

Available in: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=10704304

How to cite

Complete issue

More information about this article

Journal's homepage in redalyc.org

Scientific Information System

Network of Scientific Journals from Latin America, the Caribbean, Spain and Portugal

Non-profit academic project, developed under the open access initiative

UMA TEORIA DAPREPONDERÂNCIA DOPODER EXECUTIVO.O sistema de comissõesno Legislativo brasileiro*

Carlos PereiraBernardo Mueller

RBCS Vol. 15 no 43 junho/2000

Introdução

A literatura produzida pela escola da escolharacional sobre o funcionamento do sistema decomissões no Congresso dos EUA baseia-se nomodelo principal-agente, no qual um principaldelega tarefas para um agente num ambiente deinformação assimétrica, de modo que o bom fun-cionamento da relação depende da criação de umaestrutura de incentivos que alinhe os interesses deambas as partes.1 Nesta literatura, as comissões sãoentendidas como agentes, porém o principal variade acordo com as três grandes teorias. Pela teoriadistributiva (Weingast e Marshall, 1988; Shepsle eWeingast, 1987), as comissões servem aos propósi-tos de seus próprios membros, que usam estesistema como forma de obter ganhos de troca. Pelateoria informacional (Gilligan e Krehbiel, 1987;Krehbiel, 1991), o principal é a Câmara ou oplenário como um todo. De acordo com estateoria, o plenário concede certos poderes às comis-sões como incentivo para que se especializem,adquiram informação e passem esta informaçãopara o plenário. Finalmente, a teoria partidária(Cox e McCubbins, 1993 e 1994) vê o partidomajoritário como o principal. Segundo seus adep-

tos, as regras legislativas concedem ao partidomajoritário uma série de vantagens e poderesespeciais que são usados para controlar as açõesdas comissões em prol do interesse dos membrosdo partido.

Estas teorias foram desenvolvidas para oCongresso dos EUA e quase toda a literatura éespecífica à sua estrutura e instituições. Nesteartigo, buscamos usar as idéias centrais desta litera-tura para analisar o sistema de comissões perma-nentes da Câmara dos Deputados no Brasil. Exis-

* Este artigo é uma versão revisada de trabalho apresenta-do ao GT Instituições Políticas no XXIII Encontro Anualda Anpocs, Caxambu, MG, 19-23 de outubro de 1999.Gostaríamos de agradecer aos membros do GT peloscomentários e sugestões, em especial a Fernando Limon-gi, que foi nosso debatedor. Uma versão prévia do traba-lho foi também apresentada na 3rd Annual Conference ofThe International Society for the New Institutional Eco-nomics, Washington, 16-18 de setembro de 1999. Agra-decemos a Philip Keefer pelos comentários. Gostaríamosainda de expressar nossa gratidão a Eduardo Leoni eTatiana Ribeiral pela colaboração no processo de coletae operacionalização dos dados, bem como pelas suges-tões e críticas oferecidas ao texto. Somos muito gratostambém a Argelina Figueiredo e Fernando Limongi, pornos terem concedido acesso e compartilhado dados so-bre a produção e tramitação da legislação na Câmara dosDeputados, e a Lúcio Renno, pelos comentários.

46 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 15 No 43

tem, ao mesmo tempo, diversas similaridades ediferenças entre os Congressos destes países.Ambos são bicamerais em um regime presidenciale estruturados de acordo com um complexo siste-ma de comissões permanentes. Estas semelhanças,dentre outras, indicam que as teorias referidaspodem oferecer caminhos para explicar o funcio-namento do Congresso brasileiro. Por outro lado,várias diferenças importantes entre os dois Con-gressos, que serão destacadas aqui, sugerem quenenhuma dessas teorias será por si só capaz decumprir essa tarefa. Sendo assim, o propósito doartigo é contribuir para a criação de uma teoriaespecífica que explique o sistema de comissões doCongresso brasileiro. Tal teoria buscará, quandoapropriado, incorporar o instrumental e as idéiasdas teorias citadas acima, porém deverá ser capazde explicar as especificidades do caso brasileiro.Em particular, deverá ter como um de seus pressu-postos centrais o fato de o Executivo brasileirodeter significativo poder de influenciar o processolegislativo para assegurar resultados consistentescom suas preferências. Por essa razão a chamamosde teoria da preponderância executiva

Na próxima seção apresentamos, de formaresumida, os poderes legislativos do Executivobrasileiro, ressaltando a sua extrema supremacia.2

Baseados nisto, tomamos como premissa que aexistência e o funcionamento do sistema de comis-sões estão subordinados às preferências do Execu-tivo. Ou seja, se as comissões estão prestandoalgum papel no processo legislativo, este não podeser contrário aos interesses do Executivo, pois oExecutivo tem diversos meios de contornar ascomissões, forçá-las a cooperar ou punir seusdesvios. Surge portanto a pergunta: o que ascomissões podem fazer pelo Executivo? Dado queobservamos que as comissões cumprem uma ex-tensa gama de tarefas, e dada a premissa acima, aconclusão é a de que ou as comissões estãocumprindo uma tarefa que é do interesse doExecutivo, ou esta tarefa lhe é indiferente. Nestadireção, a seção seguinte analisa o sistema decomissões brasileiro pela ótica da teoria distributi-va. Apesar de existirem diversas razões para estateoria não se aplicar diretamente ao caso brasileiro,adaptamos algumas de suas idéias centrais para

mostrar como as comissões são úteis ao Executivo.Entretanto, como esta justificativa não parece sufi-ciente para explicar o funcionamento das comis-sões no Congresso brasileiro, na terceira seçãotestamos o poder explicativo da teoria informacio-nal. Adaptamos o modelo de Gilligan e Krehbiel(1987) para as instituições do Congresso brasileiroe derivamos algumas hipóteses que testamos comdados da legislatura 1995-1998. Resultados econo-métricos da análise da escolha de procedimentos(urgência versus não urgência) fornecem evidên-cias empíricas de que as comissões no Brasil têm,de fato, pelo menos parcialmente, um papel infor-macional.

Preponderância executiva em relaçãoaos procedimentos legislativos

Nesta seção descrevemos o poder de legislardo Executivo brasileiro, enfocando a sua habilida-de em impor, mediante dispositivos institucionais,as suas preferências à legislação que esteja sendodecidida no Congresso. O objetivo não é serexaustivo ou entrar nos detalhes,3 mas sim subli-nhar o fato de o Executivo possuir suficientesmeios e instrumentos para controlar as comissões.Tendo feito isto, estaremos em condição de expli-car, nas próximas seções, qual o papel das comis-sões dentro do que estamos denominando deteoria da preponderância executiva.

Dois aspectos do processo de tomada dedecisão no Congresso brasileiro são fundamentaispara o entendimento de como o Executivo contro-la o Legislativo: primeiro, o poder de legislargarantido ao presidente pela Constituição; e, se-gundo, a centralização do poder decisório nasmãos dos líderes dos partidos no Congresso.

Poderes constitucionaisDe acordo com Mainwaring e Shugart (1997),

existem três categorias amplas de poderes constitu-cionais do presidente: (1) poderes legislativos pró-ativos, ou seja, aqueles que permitem ao presiden-te legislar e estabelecer um novo status quo omais comum é a Medida Provisória (MP); (2)poderes legislativos reativos, ou seja, aqueles quepermitem ao presidente bloquear a legislação e,

UMA TEORIA DA PREPONDERÂNCIA DO PODER EXECUTIVO 47

como conseqüência, defender o status quo contraa maioria legislativa que queira mudá-lo sobre-tudo vetos totais ou parciais; e (3) a capacidade dopresidente de moldar ou até mesmo definir aagenda do Congresso, dado seu poder exclusivode iniciar certos tipos de legislação.

O principal poder pró-ativo do Executivogarantido na Constituição brasileira é a capacidadedo presidente de legislar através das MedidasProvisórias. Este dispositivo institucional o autorizaa promulgar prontamente uma nova legislação,sem a necessidade de aprová-la no Congresso. AsMedidas Provisórias conferem ao presidente nãosó o poder de legislar, como também grandeinfluência sobre a agenda do Congresso. Se oCongresso não bloquear uma Medida Provisóriano prazo de 30 dias, ela automaticamente vai parao topo da agenda do Congresso, deslocando ques-tões que vinham sendo discutidas prioritariamente.De acordo com a Constituição, a Medida Provisóriasó deve ser usada em situações específicas, mas naprática o Executivo tem feito uso indiscriminadodeste dispositivo. Não só o número total de Medi-das Provisórias tem crescido a cada legislaturanesta década, mas também muitas medidas vêmsendo reeditadas um grande número de vezes, jáque o Congresso raramente as desafia.4 Sem consi-derar as Medidas Provisórias reeditadas e somentelevando em conta aquelas que se transformaramem lei, o uso desse dispositivo tem sido alto, umamédia de 3,5 MPs por mês no período 1995-1998,o que confere ao Executivo um poder expressivona determinação da agenda do Legislativo, transfe-rindo, assim, para a oposição a responsabilidadede construir uma maioria para rejeitar uma emendaou decreto. Para que uma Medida Provisória per-maneça em vigor não é necessário que a maioriado Congresso a aprove, mas apenas que umamaioria não a rejeite.

No que diz respeito ao poder reativo, o maiscomum é o veto, que permite ao presidente defen-der o status quo, reagindo à tentativa da legislaturade mudá-lo. O mais usual é o veto total, por meiodo qual o presidente pode rejeitar a propostacompleta enviada pelo Congresso. Além de permi-tir ao presidente vetar proposições inteiras, a Cons-tituição brasileira também permite vetos parciais. O

presidente pode promulgar os artigos da propostacom os quais concorda, retornando ao Congresso,para reconsideração, somente as partes vetadas.Shugart e Carey (1992, p. 134) lembram que em-bora seja tecnicamente um poder negativo, o vetoparcial permite ao presidente dissecar a legislaçãoe criar pacotes finais que são mais aceitáveis aoExecutivo [] como resultado o poder presidenci-al se torna mais flexível e mais potente do que seriasomente com o veto total. Talvez por este motivoo presidente não tenha usado o veto total duranteo período analisado: todos os 83 vetos registradosforam a partes específicas de uma proposta. Cabenotar, também, que embora a Constituição de 1988tenha tornado relativamente fácil para o Legislativoreverter um veto presidencial, dado que isto requersomente maioria absoluta, o Congresso brasileironão fez uso desse dispositivo institucional ao longoda legislatura 1995-1998.

Além da Medida Provisória e do poder deveto, a Constituição brasileira define alguns temassobre os quais o Executivo tem o poder exclusivode iniciar legislação. Somente o presidente podeintroduzir propostas que digam respeito a proble-mas orçamentários e de administração pública, porexemplo. Em se tratando de leis orçamentárias,embora uma maioria no Congresso tenha o direitode propor emendas às propostas que foram intro-duzidas pelo presidente, esta maioria só pode fazeristo se essas emendas forem compatíveis com oplano de orçamento plurianual elaborado peloExecutivo, bem como com a Lei de DiretrizesOrçamentárias. Além disso, o Congresso não podeautorizar despesas que excedam as receitas orça-mentárias. Na prática, estas regras permitem aopresidente preservar o status quo em questõesorçamentárias simplesmente pela não introduçãode uma proposta.

Do total de 805 propostas que tramitaram noCongresso brasileiro entre 1995 e 1998, 648 (80,49%)foram iniciadas pelo Executivo, 141 (17,51%) foraminiciadas pelo Legislativo e apenas 16 (1,98%) peloJudiciário.5 O tempo médio para uma proposta doExecutivo ser sancionada pelo Congresso foi de 183dias; no caso das propostas iniciadas pelo Legislati-vo e pelo Judiciário, este prazo estendeu-se para1.194 e 550 dias, respectivamente.6

48 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 15 No 43

A situação assim descrita mostra que háuma clara divisão de trabalho dentro do Congres-so determinando quem legisla sobre cada tema.Das 648 propostas iniciadas pelo Executivo, 484(74,69%) são sobre temas ligados diretamente àeconomia, 110 (16,97%) são administrativas, e só54 (8,33%) são relacionadas a temas políticos ousociais. Por outro lado, das 141 propostas inicia-das pelos próprios parlamentares, 79 (56,02%)são das áreas política e social, 42 (29,78%) sãoadministrativas e 20 (14,18%) são sobre a áreaeconômica. Observa-se, assim, que a área deatuação do Congresso é restringida pela agendado presidente.

Outro instrumento importante que o Executi-vo pode utilizar para interferir na tramitação de umaproposta no Congresso é o pedido de urgência,equivalente à discharge petition no Congresso ame-ricano. Quando um pedido de urgência é feito parauma proposta, a comissão tem somente duas ses-sões para examiná-la e votá-la antes de mandá-lapara o plenário. Na prática, este prazo é muito curtoe as comissões dificilmente conseguem examinar ese posicionar em relação a uma proposta que tenharecebido um pedido de urgência. De acordo com oregimento da Câmara (Art. 54), o pedido de urgên-cia pode ser feito por três atores do Legislativo, alémdo presidente: (a) dois terços da Mesa Diretora; (b)um terço dos membros do plenário ou líderes querepresentem este número; (c) dois terços dos mem-bros da comissão relevante. Por sua vez, umaproposta que estiver sob pedido de urgência sópode receber emendas da comissão, de um quintodos membros da Câmara ou dos líderes que repre-sentem esse número. Ao contrário da dischargepetition no Congresso americano, o pedido deurgência é amplamente utilizado no Congressobrasileiro.

De 805 propostas promulgadas entre 1995 e1998, 294 (36,52%) receberam pedido de urgênciae 511 (63,34%) tramitaram normalmente. A maioriadas propostas que receberam pedido de urgênciafoi iniciada pelo Executivo 237 (80,61%), deum total de 294 propostas , mas a maioria dospedidos foi feita pelo próprio Congresso 70,40% deles, contra 29,60% de responsabilidadedo Executivo. O que significa que os próprios

deputados se abstêm de discutir e decidir sobregrande parte da nova legislação nas comissões.

Pedidos de urgência foram feitos principal-mente para propostas sobre temas econômicos(49,97%) e administrativos (28,91%); temas sociais(19,38%) e políticos (2,72%) têm recebido menospedidos de urgência. Em geral, pode-se dizer quequando o Legislativo pediu urgência para umaproposta, isto foi feito de acordo com os interessesdo Executivo. A taxa de aprovação de legislaçãocom origem no Executivo está altamente associadacom o pedido de urgência. Dado este fato, opedido de urgência será um dos pontos focais danossa análise nas próximas seções.

Esta descrição parcial do funcionamento doCongresso brasileiro mostra que se o partido dopresidente (ou a coalizão governista) dispuser deuma maioria na Câmara, o Executivo pode contarcom os líderes do partido para requerer urgênciapara as propostas que mais lhe interessarem veraprovadas. A combinação de Medidas Provisórias,vetos e pedidos de urgência fornece ao Executivoum poderoso conjunto de instrumentos para con-trolar a agenda do Congresso, bloqueando legisla-ção que não lhe interesse e promovendo aquelasconsideradas prioritárias.

Organização interna do Congresso brasileiroOs instrumentos e normas constitucionais

discutidos acima não são os únicos fatores quecolocam o Executivo em uma posição privilegiadaem relação ao Congresso. A centralização do pro-cesso de tomada de decisão dentro do Congressotambém serve a este propósito. As regras internasda Câmara garantem aos líderes dos partidos naMesa Diretora e no Colégio dos Líderes um papelcentral na condução do processo legislativo e nadefinição do sistema de comissões.

De maneira geral, é prerrogativa dos líderesdos partidos nomear, assim como substituir, aqualquer momento, os membros das comissões(Art. 10). Não há restrições quanto ao tempo depermanência dos deputados nas comissões. Apa-rentemente, existe uma auto-seleção por parte dosdeputados, porém, há evidências (que serão discu-tidas mais adiante) de que os líderes dos partidosinterferem significativamente no processo de no-

UMA TEORIA DA PREPONDERÂNCIA DO PODER EXECUTIVO 49

meação dos integrantes das comissões. Como mos-traremos, estas apresentam uma alta rotatividade.Os deputados mudam de comissão freqüentemen-te, não só a cada novo ano legislativo, como tam-bém em um mesmo ano. Além disso, demonstrare-mos que o Executivo, através dos líderes do partidoou coalizão governista, manipula as nomeações decertas comissões para colocar nelas um númeroestratégico de membros fiéis aos seus interesses.

Um bom exemplo do poder exercido peloExecutivo por meio dos líderes dos partidos que lhedão sustentação política no Congresso ocorreu naComissão de Trabalho da Câmara, durante a vota-ção do projeto de lei do deputado Paulo Paim (PT-RS) que previa o aumento do salário mínimo paraR$ 180,00. Conforme noticiou a Agência Estado (19/5/1999), a vitória da base governista foi apertada econquistada graças a uma manobra de última horados governistas, que substituíram dois deputadostitulares da comissão Wilson Braga (PFL) eRicardo Noronha (PMDB) por dois suplentes,João Ribeiro (PFL) e Pinheiro Landim (PMDB).

Com o objetivo de saber se os deputados queentraram nessa comissão eram mais fiéis ao gover-no do que os que saíram, comparamos os seusrespectivos índices de lealdade ao governo. Estesíndices foram construídos a partir das votaçõesnominais no plenário da Câmara de 1995 a 1998 evariaram de 7,75 negativos, para o deputado quemenos cooperou com o governo, a 8,52 positivos,para o deputado que mais cooperou (ver explica-ção mais detalhada deste índice mais adiante notexto). Dos parlamentares titulares que saíram,Wilson Braga obteve o índice de lealdade de 0,09(localizado entre os 20% que menos cooperaramcom o governo). Dos suplentes que entraram, JoãoRibeiro obteve o índice de 6,86 e Pinheiro Landim,de 7,70, situando-se, respectivamente, entre os40% e os 20% dos parlamentares que mais coope-raram com o Executivo. Este fato é uma forteindicação de que o Executivo atua de forma estra-tégica, junto com os líderes do partido (ou coali-zão) governista, substituindo membros das comis-sões que lhe são menos leais com o objetivo deassegurar a vitória de seus interesses (Leoni, 2000).

De acordo com as regras internas da Câmara,o processo de composição das comissões perma-

nentes deve levar em conta a proporção de repre-sentantes de cada partido na Câmara (Art. 25 § 1).Portanto, partidos maiores terão um número maiorde membros em cada comissão. Cada deputado sópode participar de uma comissão como membrotitular e não há uma regra de senioridade para ospostos hierárquicos da comissão, como ocorre nosEUA. Os postos de presidente, vice-presidente,secretário e relator não são cativos. Embora, ofici-almente, estas posições sejam escolhidas por votosecreto e maioria absoluta dos votos dos membrosda comissão a cada dois anos, na prática elas sãodeterminadas pelos líderes dos partidos.

Outro indicador da centralização do proces-so de tomada de decisão no Congresso brasileiro éa maneira pela qual os projetos são distribuídos àscomissões. O presidente da Mesa Diretora tem odireito de determinar quais comissões irão analisare dar um parecer oficial sobre cada projeto especí-fico. Esta regra tem conseqüências importantesporque, segundo o regimento da Câmara, quandoum projeto é analisado por mais de três comissõespermanentes, automaticamente uma nova comis-são especial deverá ser criada para analisá-lo.Dado que os líderes dos partidos têm poder parainfluenciar a composição das comissões especiais,pode ser estrategicamente interessante para elesmitigar o poder das comissões permanentes emcasos específicos.7

A maioria dos elementos discutidos nestaseção indica que o poder das comissões do Con-gresso brasileiro tem uma base institucional muitofraca. É verdade que a Constituição de 1988também concedeu às comissões permanentes uminstrumento que potencialmente as dotaria de umasignificativa fonte de poder: o poder terminativoou conclusivo. Por meio deste instrumento ascomissões podem aprovar uma proposta direta-mente, sem que seja necessário submetê-la aoplenário. Claramente, a intenção original destaregra era fortalecer as comissões dentro do Con-gresso. Porém, na prática, o poder conclusivo nãoteve este efeito. Das 805 propostas aprovadas entre1985 e 1998, 207 (25,20%) foram indicadas pelopresidente da Câmara como passíveis de seremaprovadas por poder conclusivo pelas comissões.No entanto, as comissões somente fizeram uso

50 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 15 No 43

deste direito em 106 (13,16%) casos, sendo queapenas 71 (8,81%) propostas realmente foramaprovadas pelas comissões sem emendas do ple-nário.8 Uma das razões pelas quais as comissõesnão têm feito uso mais freqüente deste procedi-mento é o alto número de pedidos de urgência.Das 207 propostas suscetíveis de serem aprovadasdiretamente pelas comissões, 96 receberam pedi-dos de urgência. Além disso, suspeitamos quegrande parte daquelas propostas que foram apro-vadas por poder conclusivo era matéria não con-troversa.

Para terminar esta seção, deve ser menciona-do outro meio amplamente usado pelo Executivopara fazer prevalecer suas preferências no Con-gresso. Alguns autores argumentam que no Brasila carreira legislativa não é particularmente atrativa(Bernardes, 1996; Figueiredo e Limongi, 1996),apresentando-se, em geral, como um passo inter-mediário a caminho de postos mais desejáveis noPoder Executivo, nos nível federal, estadual e/oumunicipal. Segundo estes autores, isto ocorre por-que diversos cargos importantes no país não sãoeletivos, sendo a nomeação de seus titulares forte-mente influenciada pelo Executivo. Além disso, oExecutivo no Brasil controla uma grande variedadede recursos, tais como crédito, execução de emen-das individuais dos parlamentares, concessões detelevisão e rádio, licitações etc., utilizando estestipos de favores como meio de obter apoio e votospara seus projetos no Congresso.9

Uma adaptação da teoriadistributiva para a teoria dapreponderância executiva

Na seção anterior foi mostrado que o Execu-tivo, no Brasil, possui amplos poderes para defen-der seus interesses no Congresso. Foi indicado queas comissões parlamentares aparentam ter muitopouco poder e cumprem somente papéis secundá-rios no processo legislativo. O direito de proporlegislação, o poder de retirar propostas das comis-sões mediante o pedido de urgência e o poder devetar legislação aprovada pelo plenário asseguramao Executivo meios significativos para perseguir osseus interesses. Nesta seção examinamos a teoria

distributiva para ver se suas teses e instrumentospodem nos ajudar a compreender melhor o funci-onamento do sistema de comissões no Brasil. Aidéia é mostrar que as comissões cumprem umpapel importante em um Legislativo dominadopelo Executivo, similar ao papel que desempe-nham em muitos sistemas parlamentaristas, pois,conforme observaram Shepsle e Bonchek (1997, p.472):

Se as comissões não tivessem nenhuma autorida-

de, ou se qualquer autoridade que porventura

tivessem levasse a pouco impacto sobre as políti-

cas finalmente aprovadas no Congresso ou no

sistema político, então praticamente a única coisa

que o membro de uma comissão poderia fazer

seria listar sua participação em seu currículo junto

com sua associação a outros clubes e sociedades

honorárias.

O primeiro ponto a destacar é que a teoriadistributiva, tal como formulada por Shepsle eWeingast (1987) e Weingast e Marshall (1988), nãose aplica diretamente ao Congresso brasileiro,devido ao baixo poder institucional nas comissões,como foi mostrado na seção anterior. Pela teoriadistributiva, o sistema de comissões levaria a umadivisão do poder de decisão em jurisdições dentrodas quais seus membros teriam significativas van-tagens em impor suas preferências, mesmo queestas fossem distantes dos interesses da maioria doplenário. Pelo que foi mostrado acima, as comis-sões brasileiras claramente não têm poder parafazer valer suas preferências. Em particular, a teoriadistributiva requer que os parlamentares tenham acapacidade de se auto-selecionar para as comis-sões de seu interesse e de lá permanecer e não sersubstituído contra sua vontade. Este não é o casono sistema de comissões brasileiro. Embora osdeputados muitas vezes consigam ser alocados nascomissões de sua preferência, não há nenhumagarantia de que isso vá acontecer ou de que, umavez nessa comissão, não venham a ser transferidospara outra quando assim for conveniente ao líderdo partido. Como mostraremos mais adiante, combase em dados empíricos referentes à legislatura1995-1998, as comissões brasileiras têm um alto

UMA TEORIA DA PREPONDERÂNCIA DO PODER EXECUTIVO 51

nível de rotatividade. Apresentaremos também al-gumas evidências que sugerem que essa rotativida-de se dá, muitas vezes, contra a vontade dodeputado que é colocado ou tirado de uma comis-são pelos líderes dos partidos. O ponto a sersublinhado é que, se isto está ocorrendo, uma dasprincipais condições da teoria distributiva estásendo violada e, portanto, esta explicação não seaplica ao caso em questão. No entanto, tambémiremos mostrar, na próxima seção, que a maioriadas comissões constituídas ao longo da legislatura1995-1998 tinha uma composição tal que seumembro mediano apresentava um alto índice delealdade à posição do Executivo, o que sugere queo Executivo usou seus poderes legislativos parafazer com que a composição das comissões lhefosse favorável. Surge, portanto, a questão: o queas comissões podem fazer pelo Executivo quejustifique que este despenda esforços para contro-lar sua composição? Não existe uma resposta óbviapara esta questão; afinal, as comissões não possu-em poder de agenda, poder de veto ou qualqueroutra fonte significativa de poder para afetar alegislação em exame.

Para tentar responder esta pergunta nos base-amos no trabalho seminal de Shepsle e Weingast(1987), que argumenta que o poder de proposta e opoder de barrar propostas na comissão (gate-kee-ping power) não são suficientes para justificar opoder exercido pelas comissões no Congresso dosEUA. Segundo estes autores, a chave do poder dascomissões parlamentares norte-americanas é a opor-tunidade que têm de vetar uma proposta após elater sido mudada pelo plenário, o veto ex-post. Istopode ser visto no painel I da Figura 1, que segue oexemplo de Shepsle e Weingast, onde temos umalegislatura composta de três pessoas, uma dasquais, C, tem os poderes de uma comissão. A figuramostra o ponto de status quo, SQ, assim como todosos pontos que são capazes de derrotar o status quopor uma maioria de dois membros, o conjuntoW(SQ). A comissão pode propor a legislação B, porexemplo, apresentada no painel II junto com oconjunto de pontos que pode derrotá-la, W(B).Uma vez que a comissão mande a proposta B parao plenário, esta pode ser modificada e movida paraalgum ponto que a comissão considere pior do que

B ou para o próprio status quo. Em particular, seriade esperar que o plenário alterasse a proposta paraqualquer ponto dentro de W(SQ) ∩ W(B), tal comoo ponto A. No trabalho de Shepsle e Weingast, acomissão é capaz de dissuadir estas modificaçõesna proposta porque tem o direito de vetar a novaproposta após ela ter sido analisada pelo plenário,quando a legislação é enviada à comissão deconferência (conference committee) que compatibi-liza as propostas do Senado e da Câmara. Como acomissão pode vetar uma proposta como A nestainstância, o plenário irá prever esta ação e, portanto,não mudará a proposta original para nenhum pontoque seja pior para a comissão do que o status quo.Desta forma, muito da deferência do plenário paracom as comissões, reconhecida pela literatura, deri-va, na realidade, das regras institucionais que deter-minam a seqüência pela qual passam as propostas.

SQC

X1

X2

X2

C

X1

SQ

B

W(SQ)

W(SQ) ∩W(B)

A

X2

X1

C

A

B

P1

I.

III.

II.

P2

SQ

Figura 1Veto Executivo e Veto Ex-Post

52 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 15 No 43

No caso brasileiro, porém, não há uma co-missão de conferência ou qualquer outra instânciana qual a comissão tenha oportunidade de vetar alegislação. Portanto, uma vez que a proposta B éenviada ao plenário, ela poderá ser alterada ehaverá uma alta probabilidade de a comissão sever prejudicada. Além disso, dado o fato de quepedidos de urgência são freqüentes no Congressobrasileiro, a comissão não tem nem a opção defen-siva de impedir que a proposta vá a plenário. Será,portanto, que as comissões são irrelevantes emtodo este processo? Devido aos amplos poderes doExecutivo no processo legislativo, é necessárioincorporá-lo à análise para responder esta pergun-ta. Se a comissão tem preferências que são distan-tes das do Executivo, então a resposta é afirmativa.Suponha, por exemplo, que o Executivo tem pre-ferências no ponto P2 no painel III. Então, oExecutivo pode propor legislação que seja distantedo ponto preferido da comissão, tal como noponto A, pedir urgência para tirar a proposta dacomissão e vê-la aprovada por uma maioria x1, x2.O fato de os pedidos de urgência serem comuns ede o Executivo geralmente ter o apoio de umamaioria na Câmara indica que este deve ser o casopara muitas propostas.10

Se, por outro lado, a comissão tiver suacomposição manipulada para que seu membromediano tenha alta lealdade ao Executivo, comoseria o caso se P1 representasse a posição preferidado Executivo, então poder-se-ia argumentar que ascomissões têm um papel a desempenhar. Umaproposta B da comissão poderia ser derrotada porqualquer proposta em W(SQ) ∩ W(B) porexemplo, pela proposta A. Porém, como a propos-ta pode ser vetada pelo presidente, é como se acomissão possuísse um veto ex-post. Na realidade,este veto não seria exercido pela comissão em si,mas como a comissão tem preferências muitopróximas das do Executivo, o argumento procedecomo se a comissão tivesse este poder. Se oplenário mudasse a proposta B para o ponto A, oExecutivo iria vetá-la e o status quo prevaleceria.Como todos os membros do plenário são racionaise prevêem esta ação, eles não tentariam derrotar B.Em algumas circunstâncias pode ser possível parauma maioria do plenário reverter o veto do presi-

dente. No painel III este poderia ser o caso, dadoque A é preferido ao status quo por uma maioriax1, x2. Porém, o Executivo tem o poder de vetarsomente partes da proposta, de modo que elepoderia manobrar a proposta vetada para umponto que não pode ser derrotado pelo status quo.

O argumento acima é somente um exemploe os resultados em casos específicos dependemdas preferências relativas dos atores. O pontocentral do argumento é mostrar que há, de fato,algo que as comissões podem fazer pelo Executivoquando as suas preferências são próximas. A co-missão, fortalecida pela ameaça de veto presiden-cial, é capaz de impedir que legislação contráriaaos interesses do Executivo chegue ao plenário.Deve ser reconhecido, porém, que se este é oúnico papel desempenhado pelas comissões, en-tão elas são atores secundários no processo legis-lativo. Intuitivamente, parece que a mera existên-cia de um sistema tão complexo e ativo como seobserva no Congresso brasileiro indicaria um pa-pel mais importante. Na próxima seção investiga-mos se é possível encontrar um papel informacio-nal para as comissões.

O papel informacional exercido pelascomissões na Câmara dos Deputados

O modeloComo a teoria distributiva oferece poucas justi-

ficativas para explicar a existência e o funcionamentodo sistema de comissões brasileiro, esta seção analisase a abordagem da teoria informacional é capaz degerar melhores resultados. O modelo apresentadoaqui é baseado em Gilligan e Krehbiel (1987), adap-tado às regras específicas do Congresso brasileiro como objetivo de explicitamente incluir o Executivo comoator relevante. A principal motivação por trás do mo-delo é a idéia de que o sistema de comissões existepara proporcionar ganhos informacionais para o ple-nário e o Executivo, por meio de subgrupos que seespecializam em tópicos específicos. Esta especializa-ção permite que as comissões adquiram informaçãosobre as verdadeiras conseqüências de uma propos-ta que será considerada pelo plenário. Decerto, as co-missões têm incentivos para, estrategicamente, distor-

UMA TEORIA DA PREPONDERÂNCIA DO PODER EXECUTIVO 53

Proposta introduzida na

comissão

Exec. e/ou plenário

escolhem Urg. ou

não Urg.

UrgênciaNão Urgência

Variável aleatória ωrevelada para a comissão

Comissão examina aproposta

Plenário escolhepolítica

Plenário escolhepolítica

f

NU c fEuN

x Nk= − −

−−ωσ2

2

2 2 1

3( )

c

NU cc

cEuN

x Nx k= − −

−− −ωσ2

2

2 221

3

( )

p

NU cp

pEuN

x Nx k= − −

−− −ωσ2

2

2 221

3

( )

Pay-offs

f

U

Eu = − ωσ2

c

U

cEu x= − −ωσ2 2

p

U

pEu x= − −ωσ2 2

Pay-offs

Crenças atualizadas Crenças não mudam

Variável aleatória ω nãorevelada para a comissão

Proposta enviadadireto ao plenário

cer a informação que possuem de modo a obter umganho à custa do plenário. Porém, sob certas circuns-tâncias o ganho informacional para o plenário, advin-do da redução da incerteza, pode ser suficiente paracompensar essa perda. Desta forma, o plenário podeconceder poderes especiais às comissões, tais comoclosed rules (Gilligan e Krehbiel, 1987) ou poderes deveto (gate-keeping power), como incentivos para quese especializem e revelem mais informações. Pode-se argumentar que em muitos casos as regras e insti-tuições observadas em legislativos se desenvolveram,ao menos em parte, no sentido da captura de ganhosinformacionais.

A seguir será feita uma descrição do nossomodelo informacional para o Congresso brasileiro.O modelo formalizado é apresentado no Apêndiceao final do artigo; aqui daremos uma descrição in-tuitiva de suas premissas, sua lógica e de suas hi-póteses derivadas. A premissa central do modelo foiapresentada no parágrafo anterior. Existe incertezaa respeito das conseqüências de uma proposta umavez que ela for aprovada e implementada. Comotodos os agentes são avessos ao risco, todos têm aganhar se a proposta for examinada e suas conse-qüências potenciais tornadas claras. Porém, existemcustos de especialização por parte dos deputados,assim como existem custos de se examinar a pro-posta. Sendo assim, o plenário oferece incentivospara que os deputados, em suas comissões específi-cas, se disponham a arcar com estes custos. Um dosincentivos usados é a concessão de poderes especi-ais às comissões, como o poder de veto e o poderde alterar as propostas. Por meio destes poderes osmembros das comissão podem influenciar o dese-nho da proposta e, com isto, obter para si ganhosdistributivos. O plenário sabe que os membros dascomissões agirão desta forma, porém encara estaperda distributiva como um custo devido à assime-tria de informação que será compensado com osganhos advindos da redução da incerteza.

No Congresso brasileiro, o plenário e/ou oExecutivo podem escolher se querem deixar acomissão examinar uma proposta ou se querempedir urgência e enviá-la diretamente para servotada no plenário. A estrutura desta decisão e osganhos líquidos de cada escolha estão representa-dos na Figura 2. Caso a proposta tramite com

pedido de urgência, a comissão não descobre nemtransmite qualquer informação que possa reduziras incertezas. Em compensação, a proposta évotada rapidamente e as partes não arcam comcustos de espera. Este é o custo que plenário,Executivo e membros da comissão arcam por terde esperar que uma proposta seja examinada aoinvés de ser diretamente votada.

Figura 2Estrutura do Jogo Legislativo Brasileiro

Naturalmente, estes custos variam de acordocom o conteúdo de cada proposta, pois dependemda urgência de cada ator em vê-la implementada. Sea urgência não for requisitada, a comissão examina aproposta e manda uma mensagem para o plenário arespeito das conseqüências que tal proposta propor-cionará se for implementada. Como a comissão tem asua própria preferência, ela não mandará uma men-

54 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 15 No 43

sagem necessariamente verdadeira. O jogo descritono Apêndice leva em conta o interesse de cada ator comissão, plenário e Executivo e busca acharum conjunto de estratégias para cada um, de tal for-ma que cada qual esteja fazendo o melhor que podedado o que os outros atores estejam fazendo. Cadaator sabe qual o interesse dos outros e sabe que osoutros conhecem o seu. Todos sabem que os outrosestão agindo estrategicamente dentro das regras dojogo. O resultado final é um equilíbrio em que nenhu-ma das partes quer mudar sua estratégia dado o queos outros estão fazendo.

O jogo é composto de duas partes. Primeiro, oplenário e o Executivo escolhem se haverá urgênciaou não. Em seguida, a comissão manda uma mensa-gem para o plenário que vota a proposta. Comosempre, nestes jogos, começa-se com o estágiofinal. O equilíbrio a que chegamos nesta parteenvolve as seguintes estratégias quando a urgêncianão é pedida: a comissão examina a proposta edescobre suas verdadeiras conseqüências; a men-sagem enviada pela comissão para o plenário nãodiz exatamente quais são estas conseqüências, po-rém indica, sem mentir, um conjunto de possíveisconseqüências próximas dentre as quais se encon-tra a verdadeira. O plenário, neste equilíbrio, acre-dita na mensagem da comissão e com base nestainformação escolhe a política que considera amelhor. Quando a comissão mandou a mensagem,ela previu que o plenário agiria desta forma e amensagem foi especificamente construída para queeste comportamento por parte do plenário levasse àmelhor proposta possível para a comissão, dadas ascondições do jogo. Caso a urgência tenha sidopedida, a comissão não examina a proposta e,portanto, qualquer mensagem que envie ao plená-rio será interpretada como sendo isenta de informa-ção. O plenário, então, vota a proposta simples-mente com base na informação que já possui. Naprimeira parte do jogo, que examinamos por últi-mo, o plenário e o Executivo olham para a frente edeterminam qual será o resultado para cada um nocaso da urgência ser pedida ou não. Com base nestaavaliação eles determinam se fazem ou não opedido de urgência.

No Apêndice mostramos um exemplo destejogo atribuindo valores arbitrários para as prefe-

rências de cada ator. As Figuras 3 e 4 (descritas eapresentadas no Apêndice) mostram os equilíbriospara os casos de urgência e não urgência. Semlevar em conta o custo de espera, o resultado semurgência é sempre melhor do que com urgênciapara todas as partes envolvidas. Porém, levandoem conta o custo de espera, e dependendo dotamanho deste, o resultado sem urgência pode vira ser pior do que o com urgência para algunsatores. Estas relações são mostradas nos Gráficos 1,2 e 3. Pode-se notar, nestes gráficos, que a variávelcrucial é a distância entre a preferência mediana dacomissão e a do plenário, ou seja, xc , que estálocalizado no eixo horizontal. Abstraindo momen-taneamente o custo de espera, para valores peque-nos de xc todos os atores preferem o procedimen-to sem urgência. À medida que xc aumenta, osresultados sem urgência caem mais rápido do queos resultados com urgência, de modo que eventu-almente se chega a um ponto onde a urgência setorna preferível. O custo de espera pode acelerar achegada a este ponto. Nos gráficos, um aumentodo custo de espera significa um deslocamento parabaixo da curva de resultados sem urgência. Nestesgráficos foi atribuído um pequeno custo de espera,porém é possível que este seja tão grande que acurva sem urgência seja sempre abaixo da curvacom urgência. Quando este for o caso, esperamosobservar o pedido de urgência seja qual for acomposição da comissão. A intuição por trás dosgráficos é a de que quanto mais coincidentes foremas preferências do plenário e da comissão, ou seja,quanto menor for xc , maior será o nível de infor-mação verdadeira transmitido pela comissão e,portanto, maior será o ganho de redução de incer-teza para todas as partes.

As considerações acima geram algumas hipó-teses que deverão ser confirmadas se de fato oCongresso brasileiro e seu sistema de comissõesforem afetados por considerações informacionaistal como modelado nesta seção. A variável-chaveneste modelo é xc , que mede a distância entre apreferência mediana da comissão e a preferênciamediana do plenário. Contudo, se considerarmos ojogo de uma forma mais ampla, levando em contao estágio precedente, quando a composição dacomissão é determinada, podemos considerar xc

UMA TEORIA DA PREPONDERÂNCIA DO PODER EXECUTIVO 55

-0,5-0,45-0,4

-0,35-0,3

-0,25-0,2

-0,15-0,1

-0,050

0 0,03

0,05

0,08

0,1

0,13

0,15

0,18

0,2

0,23

0,25

0,28

0,3

0,33

0,35

0,38

0,4

0,43

Xc

Eup-NU

Eup-U

-0,3

-0,25

-0,2

-0,15

-0,1

-0,05

00 0,

03

0,05

0,08

0,1

0,13

0,15

0,18

0,2

0,23

0,25

0,28

0,3

0,33

0,35

0,38

0,4

0,43

Xc

Euf-U

Euf-NU

-0,3

-0,25

-0,2

-0,15

-0,1

-0,05

0

0 0,02

0,04

0,06

0,08

0,1

0,12

0,14

0,16

0,18

0,2

0,22

0,24

0,26

0,28

0,3

0,32

0,34

0,36

0,38

0,4

0,42

0,44

Xc

Util

idad

e

Euc-NU

Euc-U

Gráfico 1Utilidade do Plenário

Gráfico 2Utilidade da Comissão

Euf-U

Euf-NU

Euc-NU

Euc-U

Eup-NU

Eup-U

Gráfico 3Utilidade do Executivo

Util

ida

de

Util

ida

de

Util

ida

de

56 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 15 No 43

como sendo endogenamente determinado. Todosos atores plenário, membros das comissões,partidos e Executivo têm interesse em que,ceteris paribus, a comissão seja altamente repre-sentativa do plenário como um todo. Isto é, se defato o sistema de comissões se desenvolveu comomeio de proporcionar ganhos de informação ine-rentes à especialização, então não seria de seesperar que as comissões fossem compostas pormembros medianos com preferências extremas(preference outliers), tal como presumido pelateoria distributiva. Podemos, portanto, deduzir aprimeira hipótese a ser testada na próxima seção:

Hipótese 1 Comissões representativas. Ascomissões tenderão a ser representativas das prefe-rências do plenário como um todo e não a ter seusmembros medianos com preferências extremas.

A respeito da escolha entre urgência (PU ) enão urgência (PNU ) para determinada proposta, omodelo gera as seguintes hipóteses:

Hipótese 2 Urgência. Quanto mais extremafor a preferência mediana da comissão, maior seráa probabilidade de um pedido de urgência, ceterisp a r i b u s .

Hipótese 3 Custos de espera. Quanto maiorfor o custo de espera de determinada propostapara os membros do plenário e o Executivo, maiorserá a probabilidade de um pedido de urgência,ceteris paribus.

Hipótese 4 Incerteza. Quanto maior for aincerteza envolvendo determinada proposta, me-nor será a probabilidade de um pedido de urgên-cia, ceteris paribus.

As Hipóteses 1, 2 e 3 saem diretamente domodelo e da discussão acima, porém a Hipótese 4merece alguns comentários. Teorias informacio-nais estão baseadas no fato de que a legislaçãopode levar a resultados finais bastante diferentesdas intenções originais das políticas, de modo quea especialização por parte das comissões podebeneficiar a todos os atores, já que estes são, emgeral, avessos ao risco. No entanto, nem todas aspropostas são igualmente suscetíveis à incerteza.Muitas propostas têm conseqüências claras e previ-síveis, de modo que há pouco potencial paraganhos informacionais. Nestes casos, considera-ções distributivas serão mais importantes e a ur-

gência tenderá a ser preferida, ceteris paribus, parareduzir os custos de espera.

Testes empíricos do modelo informacionalA primeira hipótese, comissões representati-

vas, pode ser testada comparando-se as preferên-cias dos membros das comissões às preferênciasdo plenário como um todo. A literatura sobrecomposição de comissões contém uma grandevariedade de tais testes. Cada uma das teorias geradiferentes hipóteses sobre a composição das co-missões e estas têm sido exaustivamente testadas.11

Neste trabalho, adotamos a metodologia sugeridaem Groseclose (1994b), que compara a preferênciamediana da comissão às medianas geradas atravésde uma simulação de Monte Carlo. Esta simulaçãoseleciona aleatoriamente 20 mil comissões do ple-nário, permitindo, assim, gerar uma distribuiçãoque nos mostra qual a probabilidade de observar-mos cada resultado possível da mediana, supondoque sua composição foi determinada aleatoria-mente. Com isto podemos determinar se a media-na da comissão real é representativa do plenário ouse se trata de uma preferência extrema.

Para termos uma medida das preferências dosdeputados tivemos de criar nosso próprio índice, jáque no Brasil só existe um índice criado por umgrupo de interesse.12 Para fazer isto usamos dadosde todas as votações nominais no plenário daCâmara dos Deputados no período de 1995 a 1998,classificando os votos como sendo favoráveis oucontra a posição defendida pelo Executivo.13 Quan-to maior for o índice, mais favorável à posição doExecutivo será o deputado, tratando-se, assim, deum índice de lealdade ao Executivo. Como aspreferências por temas específicos tendem a seraltamente correlacionadas com este índice maisgeral, justifica-se o seu uso como uma proxy.14

Para implementarmos o teste de composiçãodas comissões tivemos de levar em conta o altonível de rotatividade das comissões brasileiras.Embora, em geral, haja um núcleo de membrosestáveis em cada comissão, a composição total dascomissões tende a variar freqüentemente, até entreuma reunião e a seguinte. Portanto, ao contráriodos testes para o Congresso dos EUA, não pudemosseguir a premissa de que cada comissão tem uma

UMA TEORIA DA PREPONDERÂNCIA DO PODER EXECUTIVO 57

composição estática ao longo de cada legislatura.Determinamos, portanto, a preferência medianapara cada vez que a comissão se reuniu ao longo doperíodo 1995-1998 e plotamos estes valores se-qüencialmente para três comissões selecionadasnos Gráficos 4, 5 e 6.15 Neles também indicamos apreferência mediana do plenário, assim como ospontos que separam os 10% dos membros compreferências mais altas dos 10% com preferênciasmais baixas. Além disso, os gráficos mostram adistância que separa os 10% dos deputados imedia-tamente acima da preferência mediana do plenáriodos 10% imediatamente abaixo. Estes pontos sãoobtidos pela simulação de Monte Carlo e servem deníveis críticos contra os quais podemos comparar asmedianas das comissões reais para determinar sesão representativas ou extremas.16 Comissões commedianas acima (em valores absolutos) dos valorescríticos mais extremos indicam comissões compos-tas de preferências extremas (preference outliers). Jácomissões com preferências próximas à medianado plenário indicam comissões representativas.

O primeiro ponto a notar nos gráficos é a altavariação da mediana de cada comissão ao longo dotempo. Algumas comissões são relativamente estáveisao longo das legislaturas, porém a maioria delas apre-senta fortes flutuações. É bastante claro que as medi-anas tendem a mudar no momento que cada novoano legislativo começa, em fevereiro. Mas, em algunscasos, as medianas flutuam até mesmo dentro do mes-mo ano e de um encontro para o outro. Existem casosde mudanças bruscas nas medianas, que passam deníveis significativamente acima da mediana do plená-rio para níveis significativamente abaixo desta, como,por exemplo, a Comissão de Agricultura e PolíticaRural (CAPR).17

Para compreender o que motiva este altonível de rotatividade nas comissões, mandamosquestionários para uma grande amostra dos depu-tados em 1999. O principal objetivo era descobrirse a mudança de comissão era motivada porvontade própria do parlamentar, ou era forçadapelos líderes dos partidos, que detêm poderesregimentais para, estrategicamente, manipular acomposição das comissões, a fim de melhor influirno resultado da votação de determinadas propos-tas. A evidência encontrada indicou que ambas as

forças atuam sobre a composição das comissões.18

Muitos deputados responderam que suas idas evindas entre as comissões foram de fato negocia-das ou impostas pelo líder do partido. Porém,outros indicaram que geralmente conseguiam irpara a comissão de sua preferência. É interessantenotar que muitos justificaram preferir uma comis-são a outra devido à sua especialização em deter-minado tema. Embora tal evidência não seja muitorigorosa, e possa ser interpretada de maneirasdiferentes, para favorecer ou rejeitar cada teoria, édigno de nota que tanto os indivíduos como ospartidos atribuem bastante valor a ser membro deuma comissão, o que sugere que as comissõesdevem realmente estar preenchendo algum papelrelevante no processo legislativo.

Não há nenhuma forma definitiva de inter-pretar os gráficos para determinar qual teoriarecebe mais apoio. Como nota Groseclose (1994b,p. 448), existe um contínuo de testes, dependendodo valor crítico que se escolhe, e geralmente ostestes não confirmam nem rejeitam sem contro-vérsia a conclusão geral de que as comissõestendem a ter preferências extremas. No nossocaso, chegar a uma conclusão é ainda mais difícil,dada a natureza dinâmica da composição dascomissões. O que é claro, de acordo com osgráficos, é que diversas comissões têm suas medi-anas próximas ou acima do nível crítico mais altoem muitas das suas reuniões. A Comissão deTrabalho, de Administração e do Serviço Público(CTASP) é uma exceção e está sempre abaixo donível crítico inferior. À primeira vista, este padrãoaparenta favorecer a teoria distributiva. Porém, aexistência de um nível de rotatividade tão alto,aliado ao fato de que muito desta rotatividade nãoé conseqüência da vontade própria dos parlamen-tares, é incompatível com a teoria distributiva. Seos deputados não tendem a permanecer na mesmacomissão e podem ser substituídos contra a suavontade, então as comissões não servem comocompromissos críveis para realizar os ganhos detroca. É mais provável que a alta incidência demedianas próximas ou acima do valor crítico maisalto seja uma conseqüência da capacidade doExecutivo de influenciar tanto os votos dos depu-tados como a composição das comissões.

58 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 15 No 43

4,50

5,00

5,50

6,00

6,50

7,00

7,50

22/0

2/95

22/0

5/95

22/0

8/95

22/1

1/95

22/0

2/96

22/0

5/96

22/0

8/96

22/1

1/96

22/0

2/97

22/0

5/97

22/0

8/97

22/1

1/97

22/0

2/98

22/0

5/98

22/0

8/98

22/1

1/98

4,5

5

5,5

6

6,5

7

7,5

21/0

2/95

21/0

6/95

21/1

0/95

21/0

2/96

21/0

6/96

21/1

0/96

21/0

2/97

21/0

6/97

21/1

0/97

21/0

2/98

21/0

6/98

21/1

0/98

0,0

1,0

2,0

3,0

4,0

5,0

6,0

7,0

8,0

08/0

9/95

10/0

9/95

12/0

9/95

02/0

9/96

04/0

9/96

06/0

9/96

08/0

9/96

10/0

9/96

12/0

9/96

02/0

9/97

04/0

9/97

06/0

9/97

08/0

9/97

10/0

9/97

12/0

9/97

02/0

9/98

04/0

9/98

Gráfico 4CAPR - Agricultura

Gráfico 5CCJR - Constituição e Justiça

Gráfico 6CTASP - Trabalho, Administração e Serviço Público

UMA TEORIA DA PREPONDERÂNCIA DO PODER EXECUTIVO 59

Os gráficos também mostram que as media-nas de algumas comissões estão às vezes próximasà mediana do plenário, o que fornece algumaevidência de comissões representativas. Estasocorrências não aparentam seguir nenhum padrãoclaro, tornando o apoio à teoria informacionalfraco.19 É importante notar que a existência de altarotatividade também desfavorece a teoria informa-cional, uma vez que os deputados têm menosoportunidade de se especializar se não podempermanecer na mesma comissão.

Diante das questões discutidas nos parágra-fos precedentes, somos levados a afirmar que osresultados apresentados nos Gráficos 4, 5 e 6 sãoinconclusivos, uma vez que algumas comissõesem certas ocasiões são representativas do plená-rio, em outras têm preferências extremas, e emoutras ocasiões, ainda, não são nem representati-vas nem extremas. Ademais, não há nenhumaforma óbvia para determinar qual situação é maisfreqüente.

Para testar a Hipótese 2, usamos dados de225 propostas que foram aprovadas na Câmarano período de 1995 a 1998.20 Destas propostas,56% receberam pedido de urgência. O teste con-siste em rodar um probit sobre a escolha deurgência versus não urgência (P U ou PNU) usan-do uma série de variáveis de controle e, adicio-nalmente, uma variável que captura a distânciaentre a mediana da comissão e a mediana doplenário. A Hipótese 2 prevê que quanto maiorfor esta distância, maior será a probabilidade deurgência. A variável dependente, Urg, é igual a 1se a urgência foi pedida, e igual a zero se não foi.A variável explicativa chave é xc , que mede quãoextrema era a preferência mediana da comissãopara determinada proposta.21 Esta variável foiconstruída calculando qual a porcentagem dosmembros da Câmara com preferências entre amediana do plenário e a mediana da comissão.Foi usado o valor absoluto desta porcentagem,pois o que nos interessa é a distância total e nãoa sua direção. Desta forma, comissões com pre-ferências extremas estão mais próximas de 0,5 eas comissões mais representativas estão mais pró-ximas de zero. A teoria informacional prevê quequanto menor for o valor de xc , menor será a

probabilidade de urgência. Além de xc , adiciona-mos dois termos interativos que nos permitemseparar o efeito de xc de acordo com queminiciou a proposta, se o Executivo, o Legislativoou o Judiciário. Assim, a variável Leg foi criadamultiplicando xc a uma dummy igual a 1 se aproposta foi iniciada por um membro do Legisla-tivo, e analogamente para a variável Jud. As vari-áveis de controle são dummies para as comis-sões e dummies que indicam o tema principal daproposta, se econômica (Eco), social (Soc), políti-ca (Pol) ou administrativa (esta é a dummy ex-cluída). Finalmente, adicionamos também umavariável que mede o nível de heterogeneidadedas preferências dentro das comissões, Het.22

Esta variável não fez parte do modelo apresenta-do neste trabalho, porém sua inclusão é sugeridapor Gilligan e Krehbiel (1989), que propõem umateoria compatível que argumenta que comissõesmais heterogêneas são mais informativas do quecomissões especializadas de um só lado do es-pectro de preferências. Portanto, a expectativa éencontrar uma maior probabilidade de não ur-gência (PNU ) quando a comissão for mais hetero-gênea. A especificação da análise probit que ro-damos é:

Urgi = b0 + b1 xci + b2 Legi + b3 Judi + b4 Ecoi + b5 Soci+ b6 Poli + b7 Heti + a Com + ei (1)

onde Com é um vetor com as dummies de comis-são. Os resultados da análise probit estão apresen-tados na Tabela 1.

O principal resultado obtido nesta análiseeconométrica é o coeficiente positivo e estatistica-mente significativo para xc. Isto significa que, ceterisparibus, quanto mais distante for a preferênciamediana da comissão da preferência mediana doplenário, maior será a probabilidade de se requisitarurgência para esta proposta. Isto confirma a Hipóte-se 2, já que, de acordo com o modelo, quanto maioro valor de xc , menos há para ser ganho em termosde informação ao se deixar a comissão examinar aproposta. Dada a existência de custos de espera,quanto menor for o ganho informacional, maiorserá o interesse do plenário e do Executivo em ter aproposta votada rapidamente.

60 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 15 No 43

Tabela 1Estimativas probit da escolha de urgência (PU)

ou não urgência (PNU)

Variáve l Co e f i c i e n t e sConstante -2.037

(-0.870)xc 2.852*

(2.674)Leg -1.750*

(-2.891)Jud -0.926

(-1.064)Eco 0.324

(1.123)Soc 0.040

(0.167)Pol -0.165

(-0.293)Het 0.263

(0.544)CFT 0.484*

(2.180)CAPR -0.832

(-1.209)CCTCI 0.726

(1.257)CDUI 0.918

(1.070)CCJR 0.400

(0.896)CTASP -0.494

(-1.101)CDCMAM -0.2412

(-0.350)CSSF 0.220

(0.461)CEIC 0.127

(0.229)CVT 0.943

(1.260)CDN 0.765

(1.244)CRE 0.237

(0.322)Log verosimilhança -135.77p-value para H0: todos coef. = 0 0.007N 225% Corretos 68,4%

t-stat. Assintótica entre parênteses.* Significativo a 1%.

Seria desejável que tivéssemos uma variávelpara medir os custos de espera associados a cadaproposta. O coeficiente desta variável poderia,então, ser usado para testar a Hipótese 3. Deacordo com o modelo, esperaríamos um coeficien-te positivo para esta variável, já que propostas comaltos custos de espera iriam levar o plenário e/ouo Executivo a pedir urgência. Fazer isto pode pôra perder os potenciais ganhos informacionais, maspode ser justificado se os custos de espera evitadoscompensarem esta perda. Embora não tenhamosdados para medir os custos de espera, podemosfazer algumas inferências a este respeito ao exami-nar a diferença entre as propostas iniciadas peloExecutivo e pelo Legislativo. A variável interativaLeg permite a inclinação do efeito de xc sobre aprobabilidade de urgência ser diferente para aspropostas iniciadas por cada um dos poderes. Ocoeficiente de Leg é negativo e significativo, porémmenor do que xc. Isto significa que, para propostasiniciadas pelo Legislativo, a distância entre a medi-ana da comissão e a mediana do plenário tambémtem um efeito positivo sobre a probabilidade deurgência, porém este efeito é menor do que naspropostas iniciadas pelo Executivo. Ou seja, paradado valor de xc , uma proposta tem mais probabi-lidade de receber um pedido de urgência se tiversido iniciada pelo Executivo.

Nós interpretamos este resultado como umsuporte à Hipótese 3, relativa ao efeito dos custosde espera. O argumento é que, no Congressobrasileiro, no período analisado, as propostas inici-adas pelo Executivo tiveram, na média, maiorescustos de espera do que as propostas iniciadaspelo Legislativo. A razão para isto é a clara separa-ção entre a natureza das legislações promovidaspelo Executivo e pelo Legislativo. Embora as dum-mies temáticas não tenham captado nenhum efeitosobre a probabilidade de urgência, as propostasiniciadas pelo Executivo tendem a ser predomi-nantemente econômicas, ao passo que as propos-tas iniciadas pelo Legislativo tendem a ser predo-minantemente sociais. Dado o estado atual daeconomia brasileira, que passa por reformas fun-damentais, a legislação econômica deverá ter, namédia, maiores custos de espera do que a legisla-ção social. Portanto, o maior efeito de xc sobre as

UMA TEORIA DA PREPONDERÂNCIA DO PODER EXECUTIVO 61

propostas do Executivo é consistente com a noçãode que estas têm maiores custos de espera.

Finalmente, gostaríamos de poder testar tam-bém se as propostas que envolvem maior nível deincerteza tiveram uma menor probabilidade dereceber pedidos de urgência, com as outras variá-veis mantidas constantes (Hipótese 4). Quantomaior é o nível de incerteza, maior será o estragoque esta legislação poderá causar a todos os atores,e portanto, mais valiosa será a informação que acomissão poderá revelar caso lhe seja permitidoexaminar a proposta. Infelizmente, medir a incerte-za envolvida em determinada proposta é umatarefa muito complexa e não temos como testaresta hipótese com estes dados.

Conclusões

Este trabalho analisou o funcionamento dosistema de comissões no Congresso brasileiro usan-do os modelos e instrumentos da literatura deescolha racional desenvolvida para o Congressodos EUA. O fato mais marcante do Congressobrasileiro são os extensos poderes legislativos doExecutivo. Entre outros poderes, o Executivo brasi-leiro pode iniciar legislação, retirar propostas dascomissões via pedido de urgência, vetar em parteou no todo legislação aprovada no Congresso,influenciar na composição das comissões, influen-ciar na escolha dos presidentes e relatores dascomissões e criar comissões especiais. Uma conse-qüência direta dessa extrema preponderância doExecutivo é a fragilidade de nossas comissões parla-mentares, em contraste marcante com as comissõesdo Congresso dos EUA. Este trabalho buscou exa-minar se, dada esta situação, as comissões brasilei-ras são essencialmente irrelevantes ou se elas de-sempenham algum papel no processo legislativo.

Uma das mais importantes instituições doCongresso brasileiro é o pedido de urgência, que éamplamente usado e representa um importantelimite sobre o poder das comissões. Mostramosque, apesar da existência deste instrumento, oExecutivo deu-se ao trabalho de fazer com que ascomissões tivessem, em geral, membros medianosleais aos seus interesses, o que sugere que ascomissões podem desempenhar algum papel rele-

vante para o Executivo. Nossa primeira tentativa deencontrar tal propósito foi seguir a sugestão dateoria distributiva (Shepsle e Weingast, 1987) deque o veto ex-post seria a base do poder dascomissões. Adaptamos esta idéia para argumentarque o Executivo, no Brasil, pode se beneficiar decontar com um conjunto de comissões leais que,investidas com a ameaça de um veto presidencial,poderiam defender os seus interesses no Congres-so. Este arranjo institucional serviria para facilitarpropostas do interesse do Executivo, barrar pro-postas contrárias e evitar confrontos no plenário.No entanto, este papel nos pareceu insuficientepara explicar a existência de um sistema de comis-sões tão complexo. Voltamo-nos, então, ao instru-mental da teoria informacional para observar se ascomissões desempenhariam, alternativamente, opapel de gerar informação e reduzir incertezas.

Com este objetivo, foi montado um modeloinformacional para o processo legislativo brasileirobaseado em Gilligan e Krehbiel (1987). Este mode-lo teve como referência a premissa de que ascomissões são capazes de se especializar e adquiririnformação a respeito dos projetos e também dedecidir estrategicamente quanto desta informaçãoserá revelada ao plenário. O equilíbrio alcançadoneste jogo indica que, exceto pelo custo de espera,todos os atores envolvidos preferem que não hajaum pedido de urgência, pois assim a comissãopode obter e revelar informações, ajudando areduzir a incerteza que prejudica a todos. O ganhoinformacional para o plenário e para o Executivo émaior que a perda distributiva. No entanto, devidoaos custos de espera, em muitas circunstâncias oplenário e/ou o Executivo podem preferir pedirurgência. A principal hipótese testável gerada poreste modelo é a de que quanto mais extremasforem as preferências da comissão, ceteris paribus,maior será a probabilidade de ocorrer um pedidode urgência. Isto acontece porque quanto maiorfor a distância entre as preferências medianas dacomissão e as do plenário, menos informação serárevelada pela comissão em equilíbrio, de modoque será maior a probabilidade do custo de esperacontrabalançar o ganho informacional.

Esta hipótese foi testada usando um testeprobit sobre a decisão de pedir ou não urgência.

62 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 15 No 43

Foi encontrada forte evidência de que a probabili-dade de urgência aumenta à medida que aumentaa distância entre as preferências medianas dacomissão e do plenário. Isto é, sendo controladaspor outras variáveis importantes, aquelas comis-sões com preferências mais extremas tendem areceber pedidos de urgência mais freqüentemente.É exatamente isto que seria previsto pela teoriainformacional. As comissões mais representativasdo plenário é que teriam maior chance de reduzira incerteza, pois estariam em equilíbrio com oplenário, de modo que nelas seria menor a proba-bilidade de pedidos de urgência.

Certamente o Congresso brasileiro e seusistema de comissões são muito mais complexosdo que o retratado neste artigo. Talvez a nossa maisimportante contribuição tenha sido mostrar que,apesar das importantes diferenças existentes entreas instituições políticas do Brasil e dos EUA, osmodelos de escolha racional da Teoria PolíticaPositiva podem ser usados para analisar e entenderos atores políticos brasileiros e suas relações.Existe uma enorme agenda de pesquisa, que sóagora começa a ser explorada, a ser desenvolvidaaplicando-se esta literatura ao rico conjunto deinstituições e situações brasileiras.

Apêndice

O modeloNeste apêndice formalizamos o argumento

apresentado sobre o papel informacional das co-missões. Este modelo é baseado em Gilligan eKrehbiel (1987) e adaptado às instituições brasilei-ras. A chave do modelo é a relação de incertezaexistente entre as políticas, p, e seus resultados, x.Esta relação é expressa como x=p+ω, onde ω éuma variável aleatória uniforme distribuída nointervalo [0, 1].23 Os três atores considerados nomodelo são o eleitor mediano da Câmara, doravan-te chamado de plenário, o eleitor mediano dacomissão e o Executivo. Cada ator tem um pontoideal, xf , xc e xp , respectivamente. Para simplifi-car, e sem perda de generalidade, xf é normalizadopara zero e xc e xp são presumidos positivos. Todosos atores são avessos ao risco e têm funções de

utilidade quadráticas que decrescem à medida queo resultado final se afasta de seus pontos ideais:

µf = - (x - xf)2 - kf = -x2 - akf (A1)

µc = - (x - xc)2 - akc (A2)

µp = - (x - xf)2 - akp (A3)

onde k f, k c e k p são os custos de espera incorridospor cada ator por ter a proposta analisada em vezde votada imediatamente. A variável a é igual azero ou um conforme se permita ou não o exameda proposta pela comissão.

A estrutura do jogo é mostrada na Figura 2,que representa uma versão estilizada do fluxo delegislação no Congresso brasileiro. Uma proposta éapresentada na comissão, mas antes que esta aexamine, ou mesmo durante o processo de análise,o Executivo e/ou o plenário podem requerer ur-gência. Supomos que não há um custo para reque-rer urgência.24 Mediante o pedido de urgência, aproposta será inserida na próxima sessão legislati-va quer a comissão tenha concluído ou não seuparecer. Se tanto o Executivo como o plenáriopedirem urgência, a=1; caso contrário a=0. Se nãohouver pedido de urgência a comissão dedicarátempo e esforço para analisar o assunto, debater,promover audiências etc. No modelo, esta fase estárepresentada pela comissão aprendendo o verda-deiro valor de ω. A comissão então elabora umaproposta, b, que será enviada ao plenário.25 Esteatualiza suas crenças (beliefs) após observar amensagem da comissão e, então, escolhe a políticap de forma a maximizar sua utilidade esperadalevando em conta qual a melhor resposta às estra-tégias dos outros atores.

Para definir o resultado deste jogo, este foidividido em um jogo legislativo e um jogo deprocedimento. O equilíbrio legislativo define oresultado quando a urgência não é requisitada e acomissão examina a proposta. Baseado neste re-sultado, o equilíbrio do jogo de procedimentodetermina se o plenário e/ou o Executivo irãopedir urgência.

Para definir o equilíbrio legislativo temos deespecificar a estratégia para o plenário e para acomissão supondo que a urgência não foi requisi-tada. O conceito de equilíbrio usado é o de

UMA TEORIA DA PREPONDERÂNCIA DO PODER EXECUTIVO 63

equilíbrio seqüencial (Kreps e Wilson, 1982). Umaestratégia para o plenário é uma política p que,dado suas crenças sobre ω e a mensagem b,maximize sua utilidade esperada. Uma estratégiapara a comissão é uma proposta b que seja umaresposta ótima, dado que o plenário está seguindosua estratégia ótima. Finalmente, as crenças doplenário devem se confirmar no equilíbrio. Isto é:

Definição 1. Um equilíbrio legislativo se-qüencial é um conjunto de estratégias b*(.), p, ecrenças µ*(.) tais que:

1. Para todo ω ∈ Ω b*(ω) ∈ argmaxb Εµc(p* (b), ω);2. Para todo b, p*(b) ∈ argmaxp ∫ω Εµf (p (b*), ω) µ*

(ω / b)dω;3. µ* (b) ⊆ [0,1] para todo b e µ* (b) =ω / b = b* (ω) sempre que µ* (b) for não vazio.

Esta definição afirma que em equilíbrio (1) acomissão maximiza sua utilidade esperada dadoque o plenário está seguindo sua melhor estraté-gia; (2) o plenário escolhe sua estratégia ótimadado suas crenças sobre ω; e (3) o plenário temcrenças consistentes com a estratégia ótima dacomissão e elas se realizam no equilíbrio.

O próximo passo é determinar o equilíbriodo jogo de procedimento, ou seja, se urgência seráou não requisitada. Neste jogo, o plenário e oExecutivo escolhem o procedimento (urgência ounão urgência) de forma a maximizar sua utilidadeesperada dado o equilíbrio legislativo acima.

Definição 2. O equilíbrio para o jogo deprocedimento é um procedimento P* tal que:

o uEµf(P* / b*(ω), p*(b), µ(b)) ≥ Eµf(P / b*(ω), p*(b), µ(b)),para P* ≠ Po uEµp(P* / b*(ω), p*(b), µ(b)) ≥ Eµp(P / b*(ω), p*(b), µ(b)),para P* ≠ P

Esta definição afirma que tanto o Executivocomo o plenário olham para frente e comparamseus pay-offs no caso de urgência ser requisitadacom seus pay-offs no caso de urgência não ser

requisistada e da comissão examinar a proposta. Sequalquer um dos dois preferir o resultado comurgência, eles a requisitarão e conseqüentementea=1. Ou seja, o equilíbrio do jogo de procedimentoserá P*=PU. Caso nenhum dos dois prefira urgên-cia, a=0 e P*=P NU.

Equilíbrio com e sem urgênciaPara ilustrar o funcionamento do modelo,

mostraremos um exemplo do equilíbrio alcança-do quando xc =1/18, sob cada um dos procedi-mentos, PU e PNU. A Figura 3 mostra o equilíbrioque resulta quando urgência é requisitada(P*=PU), de modo que a proposta vai direto parao plenário para ser votada sem ser examinadapela comissão e, como conseqüência, esta nãotem a oportunidade de aprender ω. Neste caso,mesmo que a comissão mande uma mensagem b,

1

0

xp

xc

xf

x = p + ω

0

p*(b)

b*(ω)

ω, g

b, p, x

− ω_

ω_

Figura 3

64 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 15 No 43

o plenário percebe que esta mensagem não trazinformação nova sobre ω. A resposta racionalpara o plenário, neste caso, é tomar ω pelo seuvalor médio ω. Na figura, o eixo horizontal medeo valor realizado de ω e as crenças do plenário µ.O eixo vertical mede a proposta da comissão, b,a política escolhida pelo plenário, p, e o resulta-do final que é igual a p + ω. Os pontos ideais decada um dos atores estão mostrados no eixovertical, com xf = 0, xc = 1/18 e xp = 2/18. Alinha pontilhada mostra que neste equilíbrio oplenário escolhe sempre −ω, independente damensagem enviada pela comissão. A linha diago-nal em negrito mostra o resultado final x paracada realização possível de ω, dado este compor-tamento pelo plenário. Note que o resultado es-perado para o plenário é x = 0, que é seu pontopreferido. No entanto, dependendo do valor rea-lizado por ω, o resultado final pode vir a serconsideravelmente distante deste ponto. Expres-sões para as utilidades esperadas são obtidas so-mando as utilidades ponderadas sob cada realiza-ção possível de ω.

Quando P*=PU nós temos que ΕU

f = - σ2

ω ,ΕU

c = - σ2

ω - x2

c e ΕU

p = - σ2

ω . O termo σ2

ω representa

a perda informacional sofrida por cada ator. Soma-do a isto, a comissão sofre uma perda distributivade -x

2

c e o Executivo, uma perda distributiva de -x2

p.

Se nem o Executivo nem o plenário pediremurgência para uma dada proposta (P*=PNU ), então acomissão terá a oportunidade de examinar a pro-posta e aprender o verdadeiro valor de ω . Acomissão mandará então uma mensagem estrategi-camente elaborada para o plenário, que por sua veza interpretara como tal. A Figura 4 mostra o equilí-brio que resulta quando P*=PNU. Este equilíbrio étípico de jogos de sinalização (signaling games),com a comissão sinalizando uma região onde ωcaiu em vez de um valor específico. Suponha que ωtenha caído na região [0, a1]. A comissão, nesteequilíbrio, irá mandar qualquer mensagem entre 0e a1 , levando o plenário a atualizar as suas crençaspara considerar somente estes valores de ω comopossíveis. O resultado para esta região é dado pelalinha diagonal em negrito, que sobe a um ângulo de45 graus. A mesma lógica funciona para os outrosintervalos. Na fronteira entre os intervalos, a comis-

são deve ser indiferente entre os resultados em cadaintervalo adjacente.26 Pode-se mostrar que, nesteequilíbrio, a comissão tem de fato interesse emsinalizar o verdadeiro intervalo que contém ω. Noteque, como no caso em que P*=PU, o resultadoesperado do plenário é igual a seu ponto preferido.Porém, pode-se notar pelos gráficos que sua utilida-de esperada é maior do que no caso anterior, já queos valores absolutos dos resultados são menosdistantes de xf . O fato de que os agentes sãoavessos ao risco (funções de utilidade quadráticas)significa que recebem benefícios da redução deincerteza proveniente do aumento de informaçãoque é transmitida. Os valores precisos das utilida-des dos agentes são:

ΕNUf = -

σ2ω

- X2

c (N2 - 1)

- kf, ΕNUc = -

σ2ω

- X2

c (N2 - 1)

- - X2c- k

c,

e ΕNUp = -

σ2ω

- X2

c (N2 - 1)

- - X2p- k

p, onde N é o número

de intervalos para dado equilíbrio.

N2 3 N2 3

N2 3

1

0

a2a1

xp

xc

xf

-a1/2

x = p + ω

xc - a1

-(a1 +a2)/2

0

-(a2 +1)/2 xc - 1

xc

xc - a2

p*(b)

b*(ω)

ω, g

b, p, x

Figura 4

UMA TEORIA DA PREPONDERÂNCIA DO PODER EXECUTIVO 65

O termo -σ2

ω -

X2

c (N2 - 1) representa a perda

informacional que cada ator sofre. Somado a isto,a comissão e o Executivo ainda sofrem uma perdadistributiva de -X2

c e -X2

p, respectivamente. Final-mente, cada ator ainda tem uma perda devido aocusto de espera, ou seja, devido ao fato de PNU

levar mais tempo para gerar resultados do que P U.O equilíbrio mostrado na Figura 4 não é

único. Neste tipo de jogo geralmente existem diver-sos equilíbrios com diferentes números de parti-ções. O equilíbrio mostrado aqui é aquele com omaior número de partições (N=3) dado xc = 1/18. Éportanto o equilíbrio que gera a maior redução deincerteza e pode-se argumentar que há boas razõespara escolhê-lo (Gilligan e Krehbiel, 1987, p. 308;Crawford e Sobel, 1982, pp. 1.442-1.443). Note queo número de partições máximo pode ser aumenta-do à medida que xc diminui. No limite, xc é igual a xfe N é igual a infinito, ou seja, a linha pesada querepresenta o resultado alcançado seria sobre xf. Nooutro extremo, uma vez que as preferências dacomissão forem suficientemente distantes daquelasdo plenário (mais precisamente, para xc ≥ 3σ2

ω ), oequilíbrio fica idêntico àquele da Figura 3, ondeN=1 e não há transmissão de informação pelacomissão.

Agora podemos analisar a escolha de pro-cedimento entre PU e PNU para derivar hipótesestestáveis. Os Gráficos 1, 2 e 3 mostram as utilida-des esperadas para cada ator, sob cada procedi-mento, como uma função de xc, a distância entreas preferências da comissão e do plenário.27 Noteque para dados valores de custos de espera asutilidades esperadas de cada ator não aumentamà medida que xc aumenta. Todos os atores atin-gem sua mais alta utilidade possível quando aspreferências do plenário são idênticas às da co-missão (xc=0), pois neste caso a comissão revelao valor exato de ω. Presumindo um custo deespera igual a zero, a utilidade do plenário semurgência é mais alta do que com urgência paravalores baixos de xc. Isto permanece sendo ocaso até o ponto onde xc = 3σ2

ω = 0.25, após oqual os resultados para o plenário são iguais paraambos os procedimentos. À medida que aumen-tam os custos de espera do plenário, o procedi-mento sem urgência torna-se menos atraente com

relação ao procedimento com urgência. Para cus-tos de espera tais que kf > 3σ2

ω o plenário irápreferir urgência, independente de xc , e portantourgência será requisitada. A comissão e o Execu-tivo também irão preferir não urgência a urgênciaquando xc < 3σ2

ω = 0.25, dado que k c = k P = 0. Àmedida que seus custos de espera aumentam, osvalores de xc para os quais urgência é preferívela não urgência ficam maiores. Para valores sufi-cientemente altos de k c e k p eles sempre preferi-rão urgência.

NOTAS

1 Sobre o modelo principal-agent neste contexto verWeingast (1984).

2 Este trabalho se refere ao funcionamento do Congressobrasileiro desde a vigência da Constituição de 1988. Osdados empíricos são da legislatura 1995-1998.

3 Alguns trabalhos que tratam especificamente deste temasão Pereira (2000a), Figueiredo e Limongi (1996 e 1999)e Nicolau (1999).

4 A taxa de aprovação das propostas do Executivo é muitoalta e rejeições são raras somente 11 (2,4% do total)na legislatura 1995-1998. O contrário ocorre com aspropostas do Legislativo. Desde sua instituição pelaConstituição de 1988, das 4.422 Medidas Provisóriaseditadas, apenas 21 foram rejeitadas pelo CongressoNacional. Dentre elas, 9 no governo Sarney, 11 nogoverno Collor, nenhuma durante o governo ItamarFranco e apenas uma no governo Fernando HenriqueCardoso até o dia 30 de novembro de 1999 (O Globo, 2/12/1999).

5 Como foi mostrado por Figueiredo e Limongi (1995),este padrão de controle do Executivo sobre a agenda doLegislativo não é privilégio do atual governo. Presiden-tes dominam o processo legislativo desde 1989. De1.259 leis aprovadas entre 1989 e 1994, 997 foraminiciadas pelo Executivo, contra 176 iniciadas peloslegisladores e 86 pelo Judiciário.

6 Mais precisamente, o tempo médio de aprovação depropostas do Executivo é de 26 dias para as MedidasProvisórias; 58 dias para leis orçamentárias; 374 diaspara leis administrativas e 375 dias para leis ordinárias.

7 Comissões especiais também são criadas quando setrata de uma emenda constitucional. Como a agenda doCongresso, na década de 1990, tem sido objeto de umgrande número de emendas constitucionais, não sur-preende que o Executivo venha demonstrando uminteresse especial em ter presidentes e relatores leais nascomissões especiais.

8 Pelo regimento da Câmara, os legisladores têm cincosessões para emendar ou derrubar uma proposta apro-vada por poder conclusivo. Para que o plenário possa

N2 3

66 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 15 No 43

fazer isto bastam assinaturas de um décimo dos seusmembros.

9 Pereira (2000a) mostra que um dos principais determi-nantes do voto dos parlamentares em favor do Executi-vo no plenário da Câmara dos Deputados de 1995 a1998 foi a execução das emendas individuais dos depu-tados ao orçamento dos respectivos anos pelo Ministé-rio da Fazenda.

10 Legislação que cai na jurisdição da Comissão de Traba-lho, de Administração e do Serviço Público (CTASP),por exemplo, que foi a comissão com composição maiscontrária ao Executivo no período 1995-1998, pareceseguir este padrão geral. De todos as propostas queforam enviadas a esta comissão, 56% receberam pedidode urgência. Além disso, 26% de todos os vetos foramsobre legislação que passou por esta comissão.

11 Para uma boa revisão crítica de diversos testes vejaGroseclose (1994a e 1994b).

12 O único índice que encontramos disponível é aqueleque mede as preferências dos deputados com relação adireitos dos trabalhadores, criado pelo DepartamentoIntersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP).

13 Seria preferível tentar identificar os principais interessesrepresentados em cada comissão e usar somente osvotos relacionados com assuntos relevantes a estestemas. Porém, após entrevistar pessoas que trabalhamnas comissões, descobrimos que é muito difícil identifi-car os temas relevantes e também as votações relevantespara cada comissão. Optamos, portanto, por usar umíndice geral, embora admitamos que esta não é asituação ideal. O índice foi criado usando a seguintefórmula: índice = ln(ri + 0,5)/(ni-ri + 0,5), onde ri é onúmero de votos favoráveis dado pelo legislador i e nié o número de votações da qual o legislador i partici-pou. Adicionalmente o índice foi corrigido para hetero-cedasticidade.

14 Para testar isto, comparamos nosso índice com o índicedo DIAP e observamos que eles apresentam uma altacorrelação.

15 Por restrições de espaço, apresentamos apenas os gráfi-cos para três comissões. Entretanto, os gráficos das ou-tras comissões, bem como os dados do restante do traba-lho, encontram-se disponíveis em [email protected] oupe r e i ra c e@uo l . c om.b r .

16 Note que os valores críticos variam com o tamanho dascomissões.

17 O que sugere a necessidade de testar se esta variabilida-de é aleatória ou se pode ser explicada pelas caracterís-ticas das propostas consideradas na comissão a cadamomento. Isto não será feito neste trabalho, masentendemos que esta investigação pode ser objeto depesquisa futura.

18 Como o número de deputados que respondeu aosquestionários foi relativamente baixo, evitamos colocarmuita ênfase sobre estes resultados.

19 Note, porém, que a teoria informacional, tal comoapresentada em Krehbiel (1991, cap.3), admite comis-sões com preferências extremas ao levar em conta oscustos de especialização. Nós não temos nenhuma

indicação de até que ponto isto pode estar acontecendono nosso caso.

20 Neste período, 805 propostas foram aprovadas pelaCâmara. Deste total eliminamos 128 Medidas Provisórias(para as quais urgência não é relevante), as leis quepassaram por comissões mistas do Senado e da Câmara(principalmente questões orçamentárias) e as propostasda jurisdição das quatro comissões para as quais nãotínhamos dados.

21 Dado que a mediana da comissão pode ter variado aolongo do tempo, usamos a mediana média para o anoem que a proposta passou pela comissão.

22 Esta variável foi construída levando em conta o desviopadrão médio da preferência dos membros da comissãono ano em que a proposta passou pela comissão. Odesvio padrão das preferências do plenário como umtodo foi de 4,38, ao passo que o desvio padrão nascomissões variou de 3,54 a 5,72.

23 A política p provém de um espaço unidimensionalP∈R1. A distribuição de Ω, onde ω∈Ω, é de conhe-cimento de todos os atores. A média e a variância deΩ são ω = 1/2 e σ2

ω = 1/12.

24 Esta premissa é feita porque, como foi explicado anteri-ormente, as regras da Câmara fazem com que seja fácilrequerer urgência. Na legislatura 1995-1998, a urgênciafoi pedida para 210 (31%) das 677 propostas aprovadas.

25Trata-se de um jogo de cheap-talk de informação incom-pleta, como em Crawford e Sobel (1982). A propostaenviada pela comissão é sua mensagem para o plenário.A mensagem tem espaço b∈[0, 1].

26 Este é simplesmente o equilíbrio original de Crawford eSobel (1982).

27 As utilidades esperadas para os casos sem urgênciaforam calculadas usando o número mais alto de parti-ções para cada valor de xc e custos de espera de 0,02.É fácil perceber que estes custos de espera simplesmen-te movem as curva para cima e para baixo.

BIBLIOGRAFIA

BERNARDES, Franco C. (1996), Democracia concen-trada: a estrutura do poder decisório na Câma-ra dos Deputados. Tese de mestrado em Ciên-cia Política, Rio de Janeiro, Iuperj.

COX, Gary W. e MCCUBBINS, Mathew D. (1993),Legislative leviathan: party government in theHouse. Berkeley, University of California Press.

__________. (1994). Bonding, structure, and thestability of political parties: party governmentin the House. Legislative Studies Quarterly, 2:215-32.

CRAWFORD, V.P. e SOBEL, J. (1982), Strategic infor-mation transmission. Econometrica, 50 (6):1.431-51.

UMA TEORIA DA PREPONDERÂNCIA DO PODER EXECUTIVO 67

EPSTEIN, David. (1997), An informational rationalefor committee gatekeeping power. PublicChoice, 91: 3-4.

FIGUEIREDO, Argelina C. e LIMONGI, Fernando.(1995), Mudança constitucional, desempenholegislativo e consolidação institucional. Revis-ta Brasileira de Ciências Sociais, 29.

__________. (1996), Congresso Nacional: organiza-ção, processo legislativo e produção legal.Cadernos de Pesquisa , São Paulo, Cebrap, 5.

__________. (1997), Presidential power and partybehavior in the legislature. Trabalho apresen-tado em reunião da Latin American StudiesAssociation (LASA), Guadalajara, México.

__________. (1999), Executivo e Legislativo na novaordem constitucional. São Paulo, Ed. da FGV.

GIBBONS, R. (1992), Game theory for applied econo-mists. Princeton, Princeton University Press.

GILLIGAN, Thomas e KREHBIEL, Keith. (1987), Co-llective decision-making and standing commit-tees: an informational rationale for restrictiveamendment procedures. Journal of Law, Eco-nomics, and Organization, 3: 287-335.

GROSECLOSE, T. (1994a), The committee outlierdebate: a review and a reexamination of someof the evidence. Public Choice, 80: 3-4.

__________. (1994b), Testing committee compositi-on hypotheses for the U.S. Congress. TheJournal of Politics, 56 (2), May: 440-58.

KREHBIEL, Keith. (1991), Information and legislativeorganization. Ann Arbor, University of Michi-gan Press.

KREPS, D.M. e WILSON, R. (1982), Sequential equili-bria. Econometrica, 50 (4): 863-94.

LEONI, Eduardo, (2000), Organização legislativa emperspectiva comparada. Projeto de dissertaçãode mestrado apresentado ao Departamento deRelações Internacionais da Universidade deBrasília.

MAINWARING, Scott. (1999), Rethinking party sys-tems in the third wave of democratization: thecase of Brazil. Stanford, Stanford UniversityPress.

MAINWARING, Scott e SHUGART, Matthew S. (1997),Presidentialism and democracy in Latin Ame-rica. Cambridge, Cambridge University Press.

McCUBBINS, Mathew e SULLIVAN, Terry. (1987),Congress: structure and policy. Cambridge,Cambridge University Press.

NICOLAU, Jairo M. (1996), Multipartidarismo e demo-cracia. Rio de Janeiro, Ed. da Fundação Getú-lio Vargas.

__________. (1999), Sistemas eleitorais. Rio de Janei-ro, Ed. da Fundação Getúlio Vargas.

PEREIRA, Carlos. (2000a), What are the conditions forpresidential success in legislative arena: theBrazilian electoral connection. Tese de douto-rado, Nova York, The New School for SocialResearch.

__________. (2000b), Why the Brazilian legislatorshave decided to clean up their sidewalkers?The influence of the Brazilian political institu-tions on the process of state reform, in StuartNagel (ed.), Handbook of global politicalpolicy, Nova York, Marcel Dekker.

SANTOS, Fabiano G. (1999), Party leaders and com-mittee assignments in Brazil. Trabalho apre-sentado na 1999 Annual Meeting of the Ameri-can Political Science Association, Atlanta, Sep-tember 2-5.

SHEPSLE, Kenneth A. e WEINGAST, Barry. (1987),Institutional foundations of committee po-wer. American Political Science Review, 81:85-104.

SHEPSLE, Kenneth A. e BONCHEK, Mark S. (1997),Analyzing politics: rationality, behavior, andinstitutions. Nova York, W.W. Norton andCompany.

SHUGART, Matthew S. e CAREY, John M. (1992),Presidents and assemblies constitutionaldesign and electoral dynamics. Cambridge,Cambridge University Press.

WEINGAST, B.R. (1984), The congressional-bureau-cratic system: a principal-agent perspective(with applications to the SEC). Public Choice,44 (1): 147-91.

WEINGAST, B.R. e MARSHALL, W.J. (1988), Theindustrial organization of Congress; or, whylegislatures, like firms, are not organized asmarkets. Journal of Political Economy, 96 (1):133-63.