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1 UMA ANÁLISE CRÍTICA DO ENSINO DE HISTÓRIA DA MÚSICA NA GRADUAÇÃO NORTE-AMERICANA E SUAS POSSÍVEIS CONTRIBUIÇÕES À ACADEMIA BRASILEIRA Leonardo Salomon Soares Tramontina [email protected] Universidade de São Paulo Resumo: Há muito o ensino da historiografia musical no Brasil carece de postulados definidos e atualizados frente às práticas historiográficas dos principais centros de pesquisas do exterior. O intento do presente artigo é, por meio da análise crítica das palestras do mais representativo evento da área nos Estados Unidos – o II Institute for Music History Pedagogy, contribuir para o re-posicionamento e conseqüente atualização de tão importante disciplina no contexto brasileiro. Abstract: Since long, teaching methods of musical history in Brazil lack proper and updated paradigms, especially when compared to the practice in the universities around the world that have important research centers in this field. The intent of this paper is, through a critical report of one of the most important events of this area in the USA - the II Institute for Music History Pedagogy, - to contribute to the reshaping and upgrading of this important discipline in the Brazilian context. Curriculum: Possui graduação em Licenciatura em Música pela Universidade de São Paulo (2007). Mestrando na mesma instituição sob orientação de Rodolfo Coelho de Souza. Tem experiência na área de Artes, com ênfase em Musicologia Histórica e Metodologia de ensino de Historiografia Musical, atuando principalmente nos seguintes temas: História da Música e Apreciação Musical. Integrante do projeto de pesquisa coordenado pelo Prof. Diósnio Machado Neto intitulado “Desenvolvimento de método para o ensino de História da Música”. Inserido em um projeto de pesquisa intitulado “Desenvolvimento de Método para o ensino de História da Música” 1 , cujo propósito é estudar os paradigmas 1 Equipe composta em 2007, sob a coordenação do Prof. Dr. Diósnio Machado Neto.

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UMA ANÁLISE CRÍTICA DO ENSINO DE HISTÓRIA DA MÚSICA NA

GRADUAÇÃO NORTE-AMERICANA E SUAS POSSÍVEIS CONTRIBUIÇÕES À

ACADEMIA BRASILEIRA

Leonardo Salomon Soares Tramontina

[email protected]

Universidade de São Paulo

Resumo: Há muito o ensino da historiografia musical no Brasil carece de postulados

definidos e atualizados frente às práticas historiográficas dos principais centros de

pesquisas do exterior. O intento do presente artigo é, por meio da análise crítica das

palestras do mais representativo evento da área nos Estados Unidos – o II Institute for

Music History Pedagogy, contribuir para o re-posicionamento e conseqüente

atualização de tão importante disciplina no contexto brasileiro.

Abstract: Since long, teaching methods of musical history in Brazil lack proper and

updated paradigms, especially when compared to the practice in the universities around

the world that have important research centers in this field. The intent of this paper is,

through a critical report of one of the most important events of this area in the USA -

the II Institute for Music History Pedagogy, - to contribute to the reshaping and

upgrading of this important discipline in the Brazilian context.

Curriculum:

Possui graduação em Licenciatura em Música pela Universidade de São Paulo

(2007). Mestrando na mesma instituição sob orientação de Rodolfo Coelho de Souza.

Tem experiência na área de Artes, com ênfase em Musicologia Histórica e Metodologia

de ensino de Historiografia Musical, atuando principalmente nos seguintes temas:

História da Música e Apreciação Musical. Integrante do projeto de pesquisa coordenado

pelo Prof. Diósnio Machado Neto intitulado “Desenvolvimento de método para o ensino

de História da Música”.

Inserido em um projeto de pesquisa intitulado “Desenvolvimento de Método para

o ensino de História da Música” 1, cujo propósito é estudar os paradigmas

1 Equipe composta em 2007, sob a coordenação do Prof. Dr. Diósnio Machado Neto.

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historiográficos, musicológicos e metodológicos desta disciplina, o presente texto

decorreu, essencialmente, de uma análise crítica das informações obtidas num dos

principais eventos da área, o II Institute for Music History Pedagogy.

Ao avaliar – tomando como referência as discussões e colóquios do congresso,

bem como os estudos anteriores já realizados – as premissas que regem o ensino da

História da Música no contexto da graduação norte-americana, demonstrando como nela

se equiponderam historiografia, musicologia e metodologia, o presente artigo intenta

prover subsídios à construção do sistema pedagógico de tão importante disciplina, bem

como definir sua configuração no ambiente acadêmico.

Para compreender os modelos adotados pela academia americana no ensino de

História da Música, e com isso traçar paralelos com o contexto brasileiro, convém

apresentar um histórico dos acontecimentos e idéias mais pertinentes que permearam e

estruturaram o ensino desta disciplina, bem como delimitaram seus paradigmas atuais.

A partir da segunda metade do século XX, surgem nos cursos de pós-graduação

das Universidades Européias e Americanas grupos de intelectuais que buscam

abordagens pouco tradicionais da historiografia musical, mais críticas e próximas aos

estudos contemporâneos da antropologia e da história cultural, e menos atadas à

musicologia analítica2. Por meio de musicólogos que buscaram “... transcender os

limites da análise interna de obras musicais em favor de um entendimento mais amplo

da música... não apenas como obra ou estrutura autônoma mas, sobretudo como

linguagem ou enunciado situado num contexto sócio-histórico-cultural” (VOLPE, 2004.

p.113) a musicologia americana fez emergir novas perspectivas musicológicas,

expandindo o campo de pesquisa especialmente por meio de relações multidisciplinares.

Tendo em vista que, para os novos paradigmas, a música e as outras áreas do

conhecimento não só constroem o discurso histórico como possibilitam, cada área a seu

modo, um entendimento outrora velado em algumas abordagens, não provoca

sobressalto que a necessidade de inclusão – quando da pesquisa musicológica – dos

estudos provenientes de áreas não correlatas às musicais, se evidencia nesta mesma

época.

Em concomitância ao re-norteamento historiográfico-musicológico face à

interdisciplinaridade irromperam, na transmissão da História da Música, paradigmas

2 A principal figura articuladora nesta transformação foi o musicólogo alemão Carl Dahlhaus (1928-1989), ao fazer uma análise crítica dos movimentos historiográficos do final do século XIX e início do século XX sob a luz da História da Música.

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metodológicos mais pragmáticos e focados em premissas fundacionais do ambiente de

graduação norte-americano: a ênfase no bacharelado e na formação de músicos

performers. Os novos modelos pedagógicos materializaram-se no que EGGEBRECHT

(Grove’s 1973. p. 599) denomina Antologias músico-históricas (musico-historical

anthologies).

Desde sua origem, esta premissa didática tem o intuito de proporcionar aos

estudantes de graduação e aos musicólogos que exercem a atividade docente exemplos

musicais que representem estilos, gêneros, formas e práticas no transcorrer histórico.

Em outras palavras, oferecer a professores e alunos exemplos musicais que pudessem

resumir ‘adequadamente’ os paradigmas do ‘desenvolvimento’ histórico.

Entre os primeiros exemplos de Antologias incluem3 Geschichte Der Musik In

Beispielen (1931) de Arnold Schering, as conhecidas coleções de Davison e Apel

(1946-50) e a monumental coleção editada por Fereller, Das Musikwerk (1951). Deles

germinaram os principais eixos condutores de elaboração dos métodos de História da

Música vigentes. Por pertencerem cronologicamente à primeira metade do século XX,

os dois primeiros exemplos, e em menor medida a antologia de Fereller, “... revelam a

marginalidade dos musicólogos, aparentemente ignorantes das correntes históricas que

se desenvolviam na época, em particular a escola dos Annales” (CHIMÈNES, 2007. p.

19).

Ao se analisar, pois, o conteúdo e o modo como os exemplos e o texto escrito são

interligados, nota-se a ênfase quase absoluta nos aspectos da análise musical e no estudo

dos estilos e gêneros musicais cronologicamente inseridos, ambos de uma abordagem

historiográfica mais primeva e limitada, o que indica “... a amplitude da distância em

relação ao desenvolvimento das ciências humanas” (Idem, p. 20). É indispensável

atentar que, embora tais aspectos sejam imprescindíveis no entendimento iniciativo da

História da Música, eles representam apenas alguns dentre a profusão de discursos já

desbravados e aqueles por desbravar.

Desde então, uma miríade de novas antologias foi publicada. Trataremos de

exemplificar sucintamente como os métodos mais recentes têm considerado as

pesquisas atuais da musicologia histórica e de que forma as têm inserido em seus

materiais.

3 Vide bibliografia.

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Via de regra, as antologias contemporâneas constituem-se de: compêndio de

História da Música, uma Antologia de partituras (todas elas mencionadas no

compêndio) com curto texto de análise da obra, gravações correspondentes aos

exemplos da Antologia de Partituras, um livro de exercícios e um sítio eletrônico na

Internet (com materiais de apoio).

Os autores dos métodos mais recentes têm, grosso modo, demonstrado maior

sensibilidade para com as abordagens mais vanguardistas da História quando da

elaboração de seus livros. Isso se evidencia, majoritariamente, de duas formas: (1) nos

denominados “quadros de texto” e, com maior evidência, (2) na constante atualização e

revisão dos textos e exemplos musicais.

Os ‘quadros de texto’ (1) são inserções textuais à parte do corpus do assunto

principal, mas de alguma forma ligadas a ele. Suas temáticas com freqüência se

enquadram nos paradigmas da denominada historiografia cultural, especialmente a

história sob a ótica “...daquilo que ela havia deixado de fora ou tornado invisível”

(BURKE, 2004. p. 64), a saber: a história dos gêneros, econômica, organológica, da

recepção, consumo e produção musicais e da música considerada não séria, bem como

dos ritos musicais como representado e representador das estruturas sociais. Contudo, a

despeito da inconteste disposição, as manifestações mais explícitas de abordagens

sociais ou culturais da História são intencionalmente parcimoniosas, demonstrando que

não há intento em escrever, por exemplo, uma Antologia da música sob o ponto de vista

“feminista”, ou “da recepção e do consumo”. Segundo os autores, os ‘quadros de texto’

são inseridos somente quando sua abordagem representa fator contundente dentro da

cronologia e do tema referentes ao assunto tratado: há, por exemplo, ‘quadros’ sobre o

impacto da recém surgida classe média burguesa na definição dos padrões de consumo,

gosto e composição do Classicismo. Contudo, o mesmo não é feito nos capítulos sobre

o Medievo ou sobre o Romantismo, talvez pelo autor considerar a ascensão da classe

média pouco relevante para os períodos. Caberia, pois, questionar os critérios que

delimitam tais escolhas.

Na assídua reedição dos métodos (item 2), com o conseguinte transladado de

paradigmas, temas e exemplos musicais, é realçada a preocupação dos autores, do

ambiente acadêmico e do meio editorial, com os recentes logros nas pesquisas das

ciências humanas aplicadas aos estudos musicais. Por exemplo, ao deslindar a escolha

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de alguns dos exemplos musicais do seu Norton Anthology of Western Music4, o

musicólogo Jay Peter Burkholder observa que não procura selecionar necessariamente

‘as grandes obras musicais’ da História (sob o ponto de vista da análise musical

tradicional), mas exemplos que auxiliem seu discurso. Com isso, o autor acata o

princípio de que “não apenas obras ‘exemplares’ e bem sucedidas são importantes para

o nosso entendimento da história da música, mas também aquelas que não foram bem

sucedidas, justamente porque as deficiências nos informam sobre a estética e problemas

composicionais que o autor estava tentando resolver” (VOLPE, 2004. p. 131).

Entrementes, mesmo cônscios de que as “... formas de sumarização... não tenham

simplificado a tarefa, mas sim agravado suas dificuldades” (LANG, 1997, p. 3) os

métodos optaram por uma abordagem generalizadora do conteúdo historiográfico. E, a

despeito dos breves apontamentos em forma de ‘quadros de texto’, das incessantes

alterações no corpus dos exemplos musicais, textos, assuntos e objetivos didáticos, há

um padrão metodológico bastante consolidado5 que visa prioritariamente otimizar o

processo pedagógico, tendo sempre em vista a formação de instrumentistas e

compositores e as realidades práticas daí advindas.

Esta posição frente à disciplina de História da Música ensinada aos

instrumentistas justifica-se por dois motivos: (1) por ela aparentemente carecer de

elementos de apoio e de interesse diretos à performance musical, e (2) por ser este um

grupo profissional que não intenta pleitear para si uma carreira na musicologia histórica,

quando de seus estudos de pós-graduação. Vê-se, pois, que ambos países – Brasil e

Estados Unidos – enfrentam semelhantes dificuldades neste assunto. A musicologia

norte-americana, contudo, demonstra tratar os motivos do desinteresse dos

instrumentistas e compositores frente à disciplina, e as técnicas utilizadas para 'reaver'

tal interesse como objeto sistemático de estudo.

Contudo, quer se trate do contexto americano ou brasileiro, não se deve inquirir se

um músico ‘não-historiador’ estaria desobrigado, por circunstâncias de seu ofício

manual, a se fazer partícipe na contemporaneidade? E, além disso, cientes da escassez

de musicólogos de ofício – e da conseqüente modicidade nas pesquisas acadêmicas,

devem os docentes e as universidades brasileiras privar os graduandos de um contato

com os conhecimentos mais eruditos da pós-graduação? 4 Vídeo disponível no site: http://www.wwnorton.com/college/titles/music/grout7/video.htm. Acessado em 05/04/2009. 5 Para maiores detalhes, vide monografia “Análise de seis metodologias no ensino de História da Música”.

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Questionamentos à parte, a academia americana, ao privilegiar os estudos

performáticos na graduação (deixando a pesquisa acadêmica propriamente dita para a

pós) tem, desde a segunda metade do século passado, influenciado sobremaneira a

estruturação dos currículos das universidades americanas – e conseqüentemente a

elaboração de material didático que os nutre - de tal modo que não há disciplina da área

musical que não disponha de abundante material bibliográfico nos moldes

metodológicos das “Antologias”. Portanto, se por um lado os estudos historiográficos

são tratados em seus termos mais gerais e os pontos de vista da história cultural são

destilados por 'amostragens' – comprovando que as atualizações musicológicas se dão

num nível mais elementar, por outro, a busca por um pragmatismo pedagógico cada vez

mais eficiente tem, paulatinamente, se tornado a ocupação acadêmica de inúmeros

musicólogos.

Uma vez que a universidade brasileira, ao fundamentar seus cursos de graduação

em música, demonstra adotar práticas análogas às das faculdades americanas, o contato

com a postura destas frente às abordagens da História Cultural no ensino de História da

Música e frente aos paradigmas pedagógicos desta disciplina, pode sugerir diretrizes de

ensino à graduação e à pós-graduação brasileiras, quer se trate da denominada Música

Ocidental ou especificamente da tradição musical brasileira. Não obstante, antes de

definir quaisquer apropriações e adaptações metodológicas, há que se estudar as

especificidades de nosso ambiente musical6.

Sendo o Institute for Music Pedagogy um acontecimento representativo quanto às

abordagens, preocupações, predileções, métodos e objetivos supracitados, uma

visualização mais detalhada de seus componentes certamente permitirá o entendimento

dos paradigmas estruturadores da historiografia musical americana, o que, por sua vez,

pode ser útil na formulação dessa disciplina no Brasil.

Na resenha do livro Teaching Music History, James Briscoe faz notar que “hoje…

a musicologia… não reconheceu a pedagogia da Musicologia e Historia da Música

ensinadas na graduação como objeto de estudo acadêmico” (BRISCOE, 2002 p. 694).

Entretanto, como observa o autor e como comprovam ambos os I e II Institute for Music

History Pedagogy realizados, respectivamente, em 2006 e 2008, as inúmeras

6 O primeiro passo deste estudo, sob a forma de uma dissertação, está em andamento.

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problemáticas relacionadas à transmissão desta disciplina parecem receber, cada vez

mais, “um posto permanente em nossos currícula” (Idem, p. 694).

O congresso é parte de uma iniciativa do College Music Society cujo intento é

promover bienalmente, e em associação a outra instituição de ensino, um ambiente de

discussão e troca de experiências sobre o ensino de História da Música no contexto

norte-americano. Oficialmente denominado “The CMS/Juilliard Institute for Music

History Pedagogy” em sua segunda edição, o evento foi realizado entre os dias 4 e 8 de

junho de 2008. Suas 8 palestras, 3 debates, 3 concertos e 2 visitações ocorreram em três

lugares: nas instalações da “The Juilliard School of Music” – sob auspícios do

departamento de História da Música da mesma instituição, no “The Metropolitan

Museum of Art” e no “The Bruno Walter Auditorium of the Performing Arts Library at

Lincoln Center”.

Seguem, em sua cronologia, as palestras realizadas, bem como um resumo crítico

dos temas propostos:

“Textos, contextos e não-textos na pedagogia da História da Música”, James

Parakilas;

Em sua palestra, Parakilas buscou o amálgama entre as preocupações pedagógicas

mais pragmáticas evidentes no cenário norte-americano e o contato com as áreas da

pesquisa musicológica sob influência das novas correntes historiográficas, quando da

atividade docente.

Para isso, fez uso de suas atividades didáticas no Bates College, contexto onde

aplica três abordagens quanto ao conteúdo historiográfico, denominadas por ele,

respectivamente, de “Texto”, “Contexto” e “Não-texto”. O musicólogo, a fim de

exemplificá-las mais facilmente, delimita-as em torno: (1) dos desafios da partitura para

a performance musical, (2) de como se diferenciam as tradições de ensino de História da

Música referenciadas ou não pela notação musical tradicional, e (3) de como as diversas

abordagens no ensino desta matéria podem contribuir na ampliação das perspectivas

cognitivas dos alunos (e dos próprios professores).

A visão 'Textual' refere-se aos conhecimentos construídos a partir de uma tradição

que se ateve à análise de textos musicais (escritos, tratados e partituras). Sem, contudo,

dirimir a importância desta, o autor privilegia os outros dois constructos.

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A segunda abordagem, diz respeito ao entendimento da História da Música dentro

de um 'Contexto' e, segundo o palestrante, apresenta duas facetas: (a) uma vertente mais

tradicional e anciã, que infunde gêneros e estilos musicais a uma História geopolítica de

caráter cronista – e cujo exemplo representativo seria, segundo Parakilas, a Antologia

de Donald J. Grout e Claude V. Palisca, e (b) as linhas teóricas mais recentes, calcadas,

por exemplo, nos fluxos econômico-sociais como fontes da pesquisa histórica7. Ele

também observa o aparecimento de um terceiro caminho, responsável pela união entre

as duas histórias contextuais, sendo representado pelo método do Prof. Jay Peter

Burkholder8.

Influenciado pelos estudos históricos antropológicos do historiador francês Mark

Bloch, o 'Não-texto' tem por paradigma a oralidade e a recepção enquanto constructos

históricos. Seguindo o legado da escola dos Annales, Parakilas comenta existir algumas

épocas e situações (contextos temporais e/ou geográficos) que não somente se permitem

um entendimento via discurso oral ou via recepção, mas são construídos tendo por

principal meio de compreensão histórica tais premissas.

A música Pop, ao privilegiar como prática cultural o processo de gravação e

distribuição de Cds ou DVDs, reformula o conceito de autoria de uma obra. Uma

conhecida canção executada por Frank Sinatra – New York, New York, por exemplo –

tem sua autoria “apropriada” pelo cantor americano na medida em que o público os

indissocia. Diferentemente da 5ª Sinfonia de Beethoven, o compositor é excluído do

processo e o intérprete passa a ser o “autor”.

Outra atividade realizada é instigar os alunos a estudar, por exemplo, os modos de

transmissão orais do Jazz e de como elementos particulares desta manifestação cultural

– como o desapego por questões como as 'interpretações historicamente orientadas' –

são reflexos destes modos de ação frente à História.

No último exemplo, o palestrante diz também incentivar os alunos instrumentistas

a executarem as obras musicais estudadas. Com isso ele intenta oferecer uma

oportunidade de discussão sobre como determinadas decisões interpretativas

modificaram e modificam o ambiente musical e consequentemente a produção cultural. 7 Entre outros, o autor cita o antológico texto de W. Benjamin obre a reprodutibilidade da obra de arte e o livro “Noise: the political economy of music”, de Jacques Attali. 8 A opinião de Parakilas é condizente com o histórico do método de Burkholder. Inicialmente, o Norton Anthology of Western Music era uma combinação não criteriosa de dois materiais: a Antologia de partituras editada por Claude Palisca e o compêndio escrito pelo Prof. Donald Grout. Após o falecimento dos autores a editora Norton nomeou um musicólogo encarregado de compatibilizar os conteúdos e atualizar as abordagens de ambos materiais. O encarregado dessa tarefa, pois, foi o Prof. Peter Burkholder.

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Ao demonstrar seus procedimentos pedagógicos na graduação, Parakilas revelou

ser possível encontrar um meio termo que, simultaneamente, evite um pragmatismo

excessivo e pouco inovador e ofereça a possibilidade do graduando entrar em contato

com as vertentes historiográficas mais atuais.

“Como a História da Música funciona – ou não! – na mente de um performer”,

Michael Beckerman;

Nesta palestra, Beckerman elucubrou sobre como a História da Música poderia

integrar-se à performática musical, especialmente o que ele denomina de “dois modos

de execução”: a performance historicamente consciente, atenta às variações nos

discursos, parâmetros e entendimentos sobre a posição da música e do homem no

tempo, e a baseada nos 'instintos' do músico, em suas vivências subjetivas. Veremos,

entretanto, que a metodologia usada para mensurar tal integração parece inexata, uma

vez que oferece dados pouco factíveis e as conclusões, ao desatenderem importantes

variáveis, produzem resultados por vezes indistintos.

Sendo professor da New York University, Beckerman solicitou a três de seus

alunos o estudo de uma obra musical por eles desconhecida – o primeiro movimento de

um trio de cordas do compositor checo Gideon Klein9. Inicialmente, as únicas

informações disponíveis sobre a obra eram aquelas passíveis de serem obtidas na

própria partitura, essencialmente por intermédio da análise formal e harmônica. Após

alguns ensaios preparatórios, os instrumentistas foram ao estúdio de gravação.

A segunda etapa da pesquisa consistiu em informar aos músicos detalhes sobre a

vida de Klein, sobre o contexto em que a obra foi composta, bem como os momentos do

trio em que o compositor cita trechos de outras obras musicais que, direta ou

indiretamente, aludiam ao contexto desafortunado no qual Klein estava inserido. Após

mais alguns dias de ensaio, o grupo foi novamente ao estúdio.

Feito isso, comparou-se as gravações e, no que concerne à interpretação musical,

seguintes foram as evidências: (1) a segunda gravação é consideravelmente mais

extensa, (2) de caráter mais lúgubre (devido ao realce nas notas graves) e (3) apresenta

as citações textuais mais evidenciadas. 9 Compositor e pianista nascido em Prerov (1919-45), República Checa. Estudou composição com Alois Hába e piano no Conservatório de Praga. De origem judaica, foi ainda jovem deportado para o campo de concentração de Terezin onde, junto com outros músicos, executou obras próprias e obras de Shoenberg, Berg, Janacek, entre outros. Disponível em http://gideonklein.cz/ukuvod.htm. Acessado em 04/02/2009.

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Após demonstrar em pormenores as disparidades citadas, Beckerman tentou

associar as três dessemelhanças interpretativas à presença – ou não – dos dados

contextuais transmitidos aos instrumentistas. Não teriam as duas primeiras dissensões

(itens 1 e 2) – pondera o palestrante – sido originadas no anseio dos intérpretes em

enfatizar o contexto profundamente trágico em que a obra foi criada, priorizando a

execução mais lenta e 'triste'? Antes mesmo de responder, ele próprio nota a

incongruência metodológica desta abordagem, concluindo que a gravação poderia estar

mais lenta por este mesmo motivo, ou simplesmente por que os músicos estavam mais

cansados naquele dia, ou por terem tirado uma nota baixa em uma prova, ou brigado

com seus respectivos namorados, etc. Já o terceiro item – a evidência dos trechos onde

há intertextualidade – não deveria ser considerado elemento quando da comparação das

execuções, pois as informações fornecidas por Beckerman sobre quais eram e onde se

localizavam os temas e melodias apropriadas por Klein poderiam ter sido obtidas de

antemão, tivesse a obra sido analisada em seus pormenores.

Finda a exposição, o palestrante chamou ao palco um segundo trio de cordas

composto por alunos da própria Juilliard, outrora sujeito aos procedimentos do grupo

anterior. A cada um dos três integrantes foram inquiridas perguntas sobre as

disparidades interpretativas entre as versões, bem como sob quais paradigmas a obra foi

're-concebida' pelos músicos tendo em vista as novas informações contextuais

fornecidas por Beckerman.

O fato de respostas díspares e variadas terem sido dadas às mesmas perguntas –

impossibilitando assim conclusões de qualquer espécie – evidenciou as lacunas do

procedimento analítico de Beckerman que, curiosamente, demonstrou plena consciência

das fraquezas metodológicas de sua pesquisa.

Tais deficiências, contudo, trouxeram à tona uma discussão estética frutífera,

especialmente se inserida nos estudos da recepção e da interpretação musicais como

discursos temporais. Qual das execuções do trio era a mais 'integra' musicalmente? A

baseada puramente no 'instinto' dos músicos, ou a imbuída de informações históricas?

Sem tentar responder difícil questão, Beckerman, antecipou que tal problemática será

objeto de estudo acadêmico, em prossecução ao tema tratado na palestra. Espera-se,

pois, deste estudo vindouro contribuições mais concretas e veementes às pesquisas da

musicologia.

“Ensinando Música Antiga a performers e compositores” Craig Wright;

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A temática da palestra encontra-se em paridade com as preocupações de boa parte

dos professores de História da Música nos Estados Unidos: como devem ser norteados

os parâmetros pedagógicos, desde o seu nível mais elementar – o da relação professor-

aluno em sala de aula – até a seleção e abordagem dos conteúdos, a fim de despertar no

bacharelando o desejo por aprender a matéria. O autor, pois, parte do discurso –

recorrente entre os palestrantes e entre os docentes norte-americanos – de que, estando o

interesse da grande maioria dos alunos focado em áreas pouco envolvidas com a

historiografia musical, a disciplina de História da Música acaba por ser um nó górdio no

currículo da graduação. E adverte que, no caso da música antiga (anterior ao barroco

tardio), a ojeriza é potencializada pelo desconhecimento quase total do repertório.

Nas atividades letivas da Yale University, Wright diz separar suas classes entre

(A) instrumentistas e (B) compositores, pois, segundo o autor, uma vez que os anseios e

objetivos de ambos diferem em considerável grau, deve-se oferecer atividades,

conteúdos e exercícios diferenciados para cada curso, a despeito de objetivarem os

mesmos propósitos.

Antes, entretanto, de especificar os traços próprios a cada grupo, há que explicitar

as técnicas didáticas comuns a ambos: (1) a necessidade de se enfatizar que a beleza e

complexidade do repertório antigo equiparam-se às das grandes obras primas do

repertório clássico tradicional (barroco, classicismo, etc.); e (2) o estudo das obras e

especialmente da teoria musical antiga contribui para o entendimento de questões

fundacionais relacionadas à interpretação musical.

Para o performer (grupo A), o musicólogo sugere, por exemplo, que os

bacharelandos (especialmente em canto) aprendam a Solmização solfejando uma obra

conhecida, ou percebam mais claramente as diferenças entre canto responsorial e

antifonal adaptando a uma melodia de cantochão existente uma letra da música pop

(prósula). Já para pianistas e cravistas, Wright realiza em suas aulas um estudo mais

aprofundado da teoria musical antiga no que concerne aos sistemas de afinação, desde a

lira grega até o temperamento barroco. A dramatização teatral também é um recurso

utilizado pelo autor que, para demonstrar como o cantochão se insere na solenidade da

liturgia da igreja medieval, apaga as luzes da sala, acende incenso e velas, numa

reprodução parcial da vida religiosa da época. No caso das formas e ritmos das danças

de corte medievais e renascentistas, professor e alunos reproduzem de forma

simplificada as coreografias e gesticulações típicas desse contexto.

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Duas são as abordagens para manter o interesse dos compositores (grupo B) pelo

conteúdo das classes: demonstrar, sob o olhar da análise musical, as analogias entre as

práticas composicionais antigas e as do século XX e XXI (a isoritmia em Machaut e o

minimalismo de Steve Reich, por exemplo), e um trabalho final em que é requerida do

aluno a composição de uma pequena obra utilizando determinadas técnicas presentes

em certos compositores de outrora (contraponto palestriniano, cadência de Landini,

etc.). O musicólogo observa que este exercício final em estilo neo-medieval ou neo-

renascentista tem estimulado seus estudantes a adquirir maior respeito e reverência

pelos compositores antigos. Além disso, ao utilizar procedimentos de criação

paradigmáticos da pós-modernidade (o estudo das linguagens composicionais de outrora

e as citações), Wright instiga os alunos a ponderar sobre problemáticas da

contemporaneidade, em especial a “desconstrução” (HELLER, p. 13-32) da confiança

em um saber científico cujas conquistas espelhariam (e seriam espelhadas pelo) o

desenvolvimento da humanidade.

Quanto aos exemplos musicais, o autor aventa para peças capazes de propor

desafios e questionamentos, que tenham relevância para os estudantes como intérpretes

e compositores, e que permitam traçar conexões com obras atuais e/ou próximas do

cotidiano dos alunos.

Como exemplificado, os postulados filosóficos do autor demonstram ter como

âmago uma pedagogia musical centrada especificamente numa abordagem analítica da

História da Música. Contudo, é mister observar que, se por um lado a análise musical

tradicional oferece aos compositores e intérpretes exemplos e soluções mais

assimiláveis e imediatas, em conformidade com os propósitos profissionais dos

instrumentistas, por outro, demonstra combalir os intentos de extrapolar o prisma

analítico em prol de entendimentos outros da História.

“Selecionando pontos, conectando pontos: a Antologia como História”, Mark Evan

Bonds;

Partindo de micro para macro problemáticas, ou seja, de questões analíticas

pontuais em obras musicais ditas paradigmáticas, para o modo como elas se inserem no

edifício social como um todo, o intento de Bonds nesta palestra é elucidar seu modus

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operandi ao escolher e selecionar os ‘pontos’ para seu método “A history of music in

Western Culture”10.

Por ‘pontos’ entende-se toda e qualquer observação e abordagem (Bonds não

distingue claramente ambas) que o docente – responsável pela escolha e transmissão do

conteúdo – considera relevante em se tratando da historiografia musical ensinada à

graduação. Podem ser, portanto, fatos históricos, elementos estilísticos, procedimentos

analíticos e composicionais, ou abordagens históricas (atuais ou não).

Nesta seleção consideram-se, inicialmente, parâmetros quantitativos tais como:

(1) o tempo que os cursos de música disponibilizam em seus currículos para a

disciplina, (2) a proporção entre o número ideal de páginas, partituras e CDs e a

viabilidade financeira do material (preços exeqüíveis, lucro, etc.), (3) o direito autoral

de imagens, gravações e partituras. Quanto aos fatores qualitativos, almeja-se um

aprumo equânime entre história cronológica, analítica, estilística, racial, e de gêneros

que, em concomitância à imprescindível contribuição na formação do instrumentista,

também incite discussões mais abrangentes, transpassando o limite da própria música.

Findos os procedimentos de escolha, Bonds tratou de exemplificar suas estratégias

conectivas, todas elas concernentes – direta ou indiretamente – ao chamado “musical

borrowing”, ou apropriação musical. Normalmente conhecido em seu sentido literal – a

citação verbatim11, o termo costuma ter, entrementes, nuances outras, sendo que de

algumas delas o autor faz uso sistemático.

Ao se estudar os exemplos proferidos, observa-se oito tipos principais de “musical

borrowing”: (1) a simples ‘atualização’ estilística de um trecho musical, geralmente

melódico (2) um mesmo texto ‘musicado’ por diferentes compositores, (3) a adaptação

de técnicas de composição e conceitos formais ou teóricos (gêneros, encadeamentos

harmônicos, texturas, formas, instrumentação, etc.) a uma nova linguagem, (4) a

reutilização de uma temática político-social existente, agora ligada a um novo contexto

temporal (geralmente ligada à Ópera buffa), (5) a apropriação de gêneros musicais

associados a certos pathos dramáticos (como o papel do coro como comentarista da

ação dramática), (6) as citações autobiográficas dentro de uma obra, (7) a ‘re-

composição’ ou ‘re-arranjo’ de obras já existentes e (8) a citação literal crítica, onde a

10 BONDS, Mark Evan. A History of music in western culture. New Jersey: Prentice Hall, 2003. 11 Um exemplo paradigmático de musical borowing literal no século XX é a Sinfonia de L. Berio, na qual ele não somente cita trechos de obras musicais, mas fragmentos textuais.

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inserção do conteúdo musical existente é elemento sine qua non à construção do

discurso musical da nova obra.

Através da análise comparativa, por exemplo, de quatro Lieder compostos,

respectivamente, por Reihardt, Schubert, Schumann e Hugo Wolf, todos tendo como

texto o poema Kennst du das Lang, o musicólogo busca demonstrar como a

metamorfose dos paradigmas românticos alterou paulatinamente o gênero ao longo do

século XIX. Em segundo lugar, ele explicita o conceito – herdado da escola dos Annales

– de que tais novos esclarecimentos só foram evidenciados por meio dessa visão

específica sobre a História12.

Há, pois, neste fluxo conectivo entre pequenos e grandes eventos, a iniciativa de

conciliar análise musical ao todo historiográfico, demonstrando concordância ideológica

com o pressuposto de que “... uma verdadeira Teoria da Música deve mostrar como a

sensibilidade dos homens de uma sociedade dada pode se simbolizar pela escrita

musical” (FAUQUET apud CHIMÈNES, 2007, p. 23).

Como observação adenda, é curioso notar como uma didática pragmática, cujo

objetivo cardinal é despertar o interesse nos graduandos, acaba por fornecer um olhar

em paridade com as mais hodiernas vertentes da pesquisa historiográfica.

“O ensino da História da Música através da arte”, Barbara Hussano Hanning e

“Saindo do fundo do poço, ou, Ensinando pelo contexto”, James Briscoe.

Pela similitude na temática e no modo como ela é tratada, optou-se pela análise

conjunta destas duas palestras.

Partindo da teoria psicológica da ‘percepção inteligente’ de Rudolf Arnheim, pela

qual a percepção e o entendimento artísticos não são mais considerados constructos

intelectuais vagos e subjetivos, os palestrantes apresentam táticas pedagógicas que se

assemelham às práticas conectivas de Bonds. Ao contrário deste, contudo, fazem uso

não de citações, mas de associações pictórico-musicais. Para transmitir aos seus alunos,

por exemplo, o procedimento da isoritmia na Escola de Notre Dame, Hanning associa

suas linhas rítmicas aos diferentes layouts (arcadas, galerias, clerestorium, triforium) da

catedral gótica que dá nome à escola. O ponto de fuga em uma obra renascentista é

12 É por meio deste tipo de aborgadem sobre o ‘passado’ que a ‘história infinita’ de Jenkins se produz, demonstrando que “nós, de certa maneira sabemos mais sobre o passado do que as pessoas que viveram lá” (JENKINS, p. 34).

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comparado aos pontos de imitação da polifonia de Josquin. A fim de elucidar os

artifícios psicológicos do drama operístico barroco em seu intento de mover os afetos do

público, ambos se utilizam de intensas análises de obras de Bernini, Caravagio e

Artemisa Getilineschi.

Nas fartas exemplificações notam-se duas tipologias de associações músico-

visuais: uma mais direta e com intentos claramente mnemônicos, que concatena quase

literalmente elementos musicais (ritmo, textura, forma, etc.) a imagens visuais, e as

relações indiretas, cujo objetivo é tornar mais inteligível aos alunos um conceito amplo

e abstrato que transpassa os limites entre as artes (nos moldes iniciados por Panofsky);

em outras palavras, transpor à imagética conceitos abstratos complexos, a fim de

facilitar seu entendimento. Ao conciliar ambas tipologias, Briscoe e Hanning – assim

como Bonds e Wright – explicitam os já reportados paradigmas da Academia

estadunidense frente à disciplina de História da Música ensinada à graduação.

“História da Música e o estudo no estrangeiro, e as conexões que ambos podem

criar na sala de aula”, Mark Pottinger;

Este colóquio decorreu das vivências de uma viagem-curso de quatro semanas

realizada por Pottinger e seus alunos do Manhattan College a Paris e seus arredores. O

objetivo da mencionada jornada era fomentar, por meio de estratégias não usuais, a

discussão das características e dos contextos da produção musical na região, desde a

música medieval e a escola de Notre Dame até a chanson pop e o jazz gaulês. Dentre as

táticas utilizadas, houve aulas em sítios arqueológicos, catedrais, museus, visitação de

lugares históricos e parques. Afora as atividades mencionadas, requeria-se do aluno

passeios livres pelos bairros da cidade, visitas a concertos, além de provar da

hautcoisine em um restaurante parisiense e assistir a um Jam Session.

Por meio de uma didática mais palatável, o método de Pottinger, de soslaio

inopinado e prescindível, almeja encalçar nos graduandos a imanente juntura entre a

História das Idéias e das práticas musicais: busca-se demonstrar, por exemplo, como o

contato com o mobiliário urbano, ruelas, cheiros, sabores e vestimentas pode enriquecer

o entendimento dos acontecimentos, justamente por serem estes feitores do discurso

historiográfico em igual medida aos grandes eventos geopolíticos. Infere-se, pois, que o

musicólogo prioriza uma análise em que a música pode ser um foco ímpar à percepção

de eventos extra-musicais (políticos, filosóficos e artísticos, etc.), ou seja, que ela

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“... participa de redes de representação onde se apropria de significado e nela cria

identidade” (MACHADO NETO 2007, p. 18).

A conjunção entre o que o professor denomina de História das Idéias e das

práticas musicais na França foi mediada especialmente por dois projetos finais. Ambos

exigiam dos alunos dados e análises que clarificassem como uma determinada obra de

arte, compositor e personagem (escolhidos pelos discentes) representam e refletem o

período em que viveram.

Na impossibilidade de organizar uma viagem desta magnitude, o autor sugere

paralelos em menor escala, tais como visitações a museus, bibliotecas e lugares

históricos, ou mesmo por meio de programas de computador tais como o Google Earth,

por meio dos quais é possível percorrer, por exemplo, as ruas de Paris ou de Londres e

observar construções em seus pormenores.

Ao transpor a interatividade da viagem à sala de aula presencial, além de utilizar

técnicas análogas às de Bonds e Wright como, por exemplo, dramatização, execução

pelos alunos das obras estudadas em classe, etc., Pottinger age em concordâncias às

práticas pedagógicas vigentes nos Estados Unidos. Fica evidente, conquanto, que tais

procedimentos são utilizados como catalisadores de um entendimento que pretende

ultrapassar o lugar comum da análise musical, no qual o exercício da arte composicional

e interpretativa é considerado em sua autonomia.

Ao supracitado, acresce-se um item incomum à maioria das abordagens: a

inserção dos alunos como figuras ativas nas escolhas metodológicas do docente,

permitindo a eles, por exemplo, a possibilidade de contribuir na elaboração dos Sylabi

do curso. Na explicitação do conteúdo a ser transmitido e da didática de ensino e de

avaliação, confere-se seriedade à atividade docente, respeito pela disciplina e segurança

aos discentes.

“Decodificando a disciplina de História da Música”, Jay Peter Burkholder;

Apesar do autor do Norton Anthology of Western Music aportar sobrelevada

importância aos entendimentos culturais da história, subordinando, em seu método, a

musicologia analítica ao discurso histórico, o tema de seu colóquio acercou-se às

contribuições mais recentes dos estudos pedagógicos da educação superior,

desenvolvidos e adotados pelos professores da Indiana University.

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Basicamente, eles consistem de mecanismos cujo objetivo é externar os múltiplos

modelos didáticos utilizados pelo professor na transmissão dos conteúdos, a fim de

sanar eventuais agruras de entendimento dos alunos.

Antes de adentrar em seus pormenores, é conveniente observar que a idéia básica

que permeia tais mecanismos se assemelha à de Pottinger, quando este informa aos

alunos seus procedimentos metodológicos, aceitando, inclusive, sugestões em seus

Sylabi. Não obstante, o chefe da cadeira de Musicologia da Universidade de Indiana

destrinça o tema, apropriando-se de estudos de outros campos educacionais.

Como tarefa iniciativa, o autor nomeia aquelas que acredita serem as principais

dificuldades do alunado americano na História da Música: (1) identificar e diferenciar

as principais características de estilo e gênero musicais; (2) desenvolver estratégias para

identificar obras desconhecidas por data, gênero, estilo e compositor; (3) relacionar

apropriadamente uma obra musical a seu contexto cultural; (4) selecionar quais aspectos

do contexto de uma obra são mais ou menos relevantes; (5) escrever sobre música

utilizando prosa descritiva que pontue características concretas da obra; (6) escrever um

artigo defendendo ou contestando uma tese dada.

Objetivando 'decodificar' a disciplina, bem como resolver tais dificuldades,

Burkholder propõe uma série de passos que consistem, essencialmente, em: localizar os

entraves específicos da turma, esmiuçar e explicitar as táticas que um musicólogo

experiente (no caso, o próprio professor) utilizaria para sanar tais agruras, criar um

ambiente de ensino estimulante, e avaliar e compartilhar os logros obtidos após este

processo (através de exercícios, discussões e pequenos artigos).

Após minuciar os procedimentos de decodificação, o autor apresentou uma

asserção noviça e singular, outrora não considerada por outro palestrante, e

imprescindível à formação do pesquisador: o ensino do pensamento e da escrita

argumentativa utilizada no ambiente científico. Alicerçando-se na literatura que versa

sobre as técnicas de escrita na pesquisa científica, bem como atentando para a o caráter

imperioso da denominada Cultura Geral como elemento formativo do conhecimento13,

Burkholder demonstrou como orienta e incita seus alunos a escrever sobre música e a

defender ou ‘atacar’ uma tese utilizando-se dos meio apropriados.

Conclusão:

13 O tema da cultura geral foi, inclusive, abordado em uma das mesas redondas do evento (“Cultural Literacy”).

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Pelas temáticas apresentadas no II Institute, confirma-se uma tenaz preeminência

de postulados e estratégias referentes à otimização de um processo pedagógico

centrado, sobretudo, nos objetivos profissionais dos bacharelandos. Isso se evidencia,

por exemplo, nas táticas mnemônicas de Hanning e Briscoe, nas associações de Wright,

Bekermann, Bonds e Pottinger, bem como na preocupação de Burkholder em entender e

aperfeiçoar as práticas didáticas. Discussões referentes à necessidade da atualização

historiográfico-musicológica como orientadora dos paradigmas da disciplina e como

aporte ao entendimento foram tíbias. Apenas Pottinger e, especialmente, Parakilas

demonstraram preocupações para além das técnicas puramente pedagógicas. Conclui-se,

pois, que a pluralidade na abordagem do conteúdo não foi plenamente considerada

como fator pedagógico.

Contudo, postular a inexistência de uma preocupação da Academia norte-

americana pelo tema seria prematuro, uma vez que a observação criteriosa dos

compêndios de História da Música e de seus materiais auxiliares (antologia de

partituras, livros de exercícios, gravações e sítios na Internet) revela que a apropriação,

pela graduação, dos paradigmas historiográficos e musicológicos mais atuais –

presentes nas pesquisas da pós-graduação – tem se avolumado e adquirido deferência.

No caso específico do Institute, isso se manifesta especialmente em Pottinger e

Parakilas, curiosamente os únicos palestrantes que não são autores de Antologias14.

Ambos comprovam ser possível conciliar a tão imperiosa eficiência pedagógica

centrada na performance às abordagens historiográficas capazes de enriquecer o

entendimento da História. Ambos demonstram, com isso, seguir o conselho de

Hepokosky (2005, sem pág.):

“… apesar de costumeiramente não se inserir questionamentos intrincados nos cursos de

graduação, devemos, contudo, sensibilizar os estudantes à existência de análises musicológicas

mais ‘complexas’, com as quais alguns deles entrarão em contato no futuro. Se a musicologia não

é sempre ensinada per se, deveria ao menos ser referida com freqüência, invocada da mesma

forma que se invoca o Cálculo (como uma espécie de terra prometida da matemática) aos

estudantes de Álgebra I”.

14 Para uma análise pormenorizada dos métodos, vide bibliografia: TRAMONTINA, Leonardo S. S. Análise de seis metodologias de ensino de História da Música.

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A despeito da mencionada conciliação, a graduação americana definiu a

subordinação da pedagogia e do conteúdo historiográfico à realidade profissional dos

estudos performáticos, tida como sua linha mestra, assumindo formalmente as

conquistas e reveses decorrentes desta postura. E, na medida em que isso se generaliza,

recrudescem as contribuições e os estudos acadêmicos na área. As palestras do Institute

for Music History Pedagogy corroboram, pois, a premissa de que a pedagogia vem

paulatinamente sendo tratada nos Estados Unidos como objeto de estudo científico

(BRISCOE, 2004, p. 694).

Antes de traçar correlatos capazes de enriquecer o ensino desta disciplina no

Brasil deve-se ter em mente que, a despeito do supracitado recrudescimento das

pesquisas (consubstanciados por artigos, livros e congressos) e do conseguinte avanço

na formulação dos métodos de ensino, o estudo sistemático da pedagogia desta

disciplina pelo ambiente acadêmico estadunidense é deveras recente e está, todavia, em

consolidação. Uma pesquisa realizada por James Briscoe (1999, sem pág.) revela que

até recentemente, dos cursos de pós-graduação em musicologia nos EUA e Canadá,

apenas quatro requeriam ou ofereciam em seus currículos a disciplina de Pedagogia da

História da Música.

Em contrapartida ao que se possa inquirir, tal situação inconclusa pode ser

deveras produtiva na medida em que permite aos estudiosos brasileiros o contato com

paradigmas e modelos ainda em formação, possibilitando fecundos diálogos e trocas

entre ambos contextos.

Num primeiro momento, a postura da Academia brasileira perante o estudo da

História da Música na graduação, ao subordinar seu estudo à interpretação musical,

parece assemelhar-se à das universidades norte-americanas. Esta afirmação,

entrementes, é inconclusa, uma vez que o sistema pedagógico no Brasil carece tanto de

linhas definidas de ensino quanto de didáticas que permitam a aplicação direta do

conteúdo histográfico (de premissas atuais ou não) no aperfeiçoamento da prática

instrumental.

Como inferido em uma pesquisa realizada entre 2006 e 2007 (TRAMONTINA,

2007, p. 251-253) a docência brasileira costuma adotar uma atitude acrimoniosa frente

aos estudos sistemáticos sobre a receptividade, a compreensão e memorização do

conteúdo, bem como sobre sua serventia para o bacharelado. Tal postura, justificada por

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um construtivismo eclético15, de termos vagos tais como “esforço de desburocratização

do ensino” onde “cada semestre é diferente dos demais” e o “critério, o horário, etc., são

informais” é implausível no mundo da pesquisa acadêmica. Demonstra-se partir mais de

uma indiligência pedagógica do que de uma atitude originada a partir de um paradigma

mais heterodoxo e menos hermético que costuma permear a tradição de ensino no

Brasil. Outrossim, cabe indagar a efetividade dessas condutas pouco sédulas, uma vez

que elas em nada contribuíram para a profissionalização da atividade docente no âmbito

da historiografia, pedagogia e da pesquisa científica.

Se, por um lado, o ecletismo pedagógico tem sido improfícuo, por outro, as

tentativas no sentido de apresentar aos graduandos perspectivas tais como a da

Antropologia Histórica, da História Social, da História da Recepção, da Cultura popular,

e dos Gêneros, etc., costumam ser realizadas por meio de uma coadunação equivocada

entre interpretação histórica da música antiga e estilos musicais. Em outras palavras, à

denominada “musicologia aplicada” (STEVENS apud KERMAN 1987, p.255) é

atribuída uma abordagem vanguardista, fazendo com que se passe por História Cultural.

Neste processo, tanto o pragmatismo pedagógico quanto a atualização histórico-

musicológica são desabonados.

Soma-se a isso o explícito descaso da Universidade para com a disciplina,

evidente, por exemplo, na indisponibilidade de matérias nos cursos de pós-graduação

focadas na profissionalização do ensino de História da Música. Como conseqüência do

fomento ao diletantismo, a matéria é costumeiramente transmitida por docentes cujos

focos de pesquisa distam por completo dos estudos sobre historiografia musical. Por

advirem de outras áreas da música, eles costumam ter um conceito ainda mais

desacertado das possíveis funções da História da Música no ambiente universitário

(dentre os temas de discussão diletos entre estes professores encontra-se a já

mencionada “interpretação historicamente orientada”).

Acaso não seria desatino substituir um professor de violino, impossibilitado de

lecionar, por um professor de piano? No entanto, tal procedimento parece ser lugar

comum nas disciplinas teóricas. Conversas informais com ex-alunos bem como

experiências pessoais revelam que, até o ano de 2007, tais substituições ocorriam

assiduamente no Departamento de Música da Universidade de São Paulo. Neste caso,

15 Vide: SOUZA, M. C. C. C. . À sombra do fracasso escolar: a psicologia e as práticas pedagógicas.. Estilos da Clínica (USP), SAO PAULO, v. 3, n. 5, p. 63-82, 1998.

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seria proba a veemente observação de alguns dos palestrantes, segundo a qual um curso

bem estruturado e uma matéria transmitida e organizada de modo claro e consciencioso

confere respeito mútuo ao professor, ao aluno e ao objeto de estudo.

Em se tratando especificamente da historiografia musical brasileira, o problema se

agrava na medida em que parte considerável das pesquisas dos cursos de pós-graduação

não se parelha aos pressupostos da “musicologia hermenêutica” (MACHADO NETO,

2007, p.1), insistindo no “... vínculo majoritário da produção musicológica como

problemas de catalogação de arquivo, modelos metodológicos para transcrições e

edições de partituras, panoramas históricos sociais regionais e a análise musical...

relacionada à prática musical do pesquisador” (Idem, p. 12). Em outras palavras, parte

considerável da Academia insiste no anacrônico positivismo criticado por Joseph

Kerman (KERMAN, 1987, p. 31-74) desde o último quartel do século XX. Segundo

observa Myrian Chimènes, “Trata-se... de uma concepção internalista da musicologia,

que prevalece ainda nas monografias, e de uma história reduzida a seu objeto,

construída exclusivamente sobre a análise e evolução das formas” (CHIMÈNES, 2007,

p.18).

Destas vicissitudes decorre uma situação desestimuladora: o instrumentista,

mesmo depois de cursar seis semestres da matéria – quando há professores disponíveis

– é incapaz de aplicar em seu ofício performático os conhecimentos obtidos em sala de

aula e tampouco está devidamente apto a buscar um entendimento mais rico da música

como discurso histórico, ou a fazer contribuições relevantes à pesquisa musicológica.

Vê-se, pois, que a História da Música enquanto disciplina é tratada pela Academia e

pela própria Universidade como disciplina episódica.

Antes de enfrentar tais problemas com probidade, é imperativo ao ambiente

acadêmico no Brasil definir – por meio de artigos, eventos e discussões – as diretrizes

da transmissão e do conteúdo de História da Música ensinada na graduação para, a

partir daí, buscar um diálogo com a Academia norte-americana. Neste sentido, a

observação crítica sobre o Institute permitiu inferir três interpelações capazes de sugerir

modelos viáveis ao contexto brasileiro: (1) a ênfase no pragmatismo pedagógico

subordinado à performance musical, (2) o estudo centralizado nas postulados filosóficos

da História Cultural presentes na pós-graduação, (3) a linha representada por Parakilas e

Pottinger (e pela Antologia de Burkholder) sugerida no já mencionado texto de

Hepokosky (2005, sem p.), que busca fundir (1) e (2).

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A última proposta, ao estimular o contato dos graduandos com estudos

normalmente associados à pós e, concomitantemente, aproximar suas táticas

pedagógicas aos anseios profissionais dos alunos (em sua maioria no bacharelado e sem

a pretensão de seguir uma carreira na Academia), pareceu capaz de fomentar dois

importantes desdouros presentes no país: o estímulo à pesquisa musicológica, tão

desdenhada pelos instrumentistas (aqui e nos EUA) e o desenvolvimento da pedagogia

da historiografia musical. Mediante tal interpolação, o aluno recém graduado teria uma

visão mais atilada do discurso histórico (podendo, numa eventual investida acadêmica,

tratar do tema com mais propriedade) e do próprio labor performático. Deferido o item

(3) como modelo adotado, o segundo passo seria quantificar a importância relativa entre

História Cultural e pragmatismo pedagógico.

Desde as discussões menos usuais de Parakilas e Pottinger, as preocupações de

Beckerman, Bonds e Wright referentes à performance musical, até as táticas

pedagógicas de Briscoe, Hanning e Burkholder, a totalidade das palestras analisadas no

presente sugere, de diferentes maneiras, procedimentos e idéias úteis à

consubstanciação da historiografia musical ensinada no Brasil. Cabe aos agentes

envolvidos a iniciativa da troca de experiências e discussões.

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