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Revista do Direito Privado da UEL Volume 3 Número 1 www.uel.br/revistas/direitoprivado UMA VISÃO PANORÂMICA DO CONDOMÍNIO GERAL NO CÓDIGO CIVIL Roberto Wagner Marquesi * Ana Cláudia Corrêa Zuin Mattos do Amaral ** RESUMO Este discurso aborda as principais questões referentes ao condomínio ordinário, tratando de seu conceito, elementos e efeitos jurídicos no Código Civil. Palavras-Chave: Direitos Reais. Condomínio Ordinário. Aspectos Jurídicos. ABSTRACT This speech addresses the key issues relating to ordinary condominium, treating the concept, elements and legal effects of the Civil Code. Keywords: Property Law. Condo Ordinary. Legal Aspects. _______________ * Doutorando em Direito Civil pela USP. Mestre em Direito Negocial pela UEL. Professor dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito Civil e Processo Civil da UEL. ** Doutoranda em Direito Civil Comparado pela PUC-SP. Mestre em Direito Negocial pela UEL. Professora dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito Civil e Processo Civil da UEL.

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Revista do Direito Privado da UEL – Volume 3 – Número 1 – www.uel.br/revistas/direitoprivado

UMA VISÃO PANORÂMICA DO CONDOMÍNIO GERAL NO CÓDIGO

CIVIL

Roberto Wagner Marquesi*

Ana Cláudia Corrêa Zuin Mattos do Amaral**

RESUMO

Este discurso aborda as principais questões referentes ao condomínio ordinário, tratando de seu

conceito, elementos e efeitos jurídicos no Código Civil.

Palavras-Chave: Direitos Reais. Condomínio Ordinário. Aspectos Jurídicos.

ABSTRACT

This speech addresses the key issues relating to ordinary condominium, treating the concept, elements

and legal effects of the Civil Code.

Keywords: Property Law. Condo Ordinary. Legal Aspects.

_______________ * Doutorando em Direito Civil pela USP. Mestre em Direito Negocial pela UEL. Professor dos Cursos de

Graduação e Pós-Graduação em Direito Civil e Processo Civil da UEL. **

Doutoranda em Direito Civil Comparado pela PUC-SP. Mestre em Direito Negocial pela UEL. Professora dos

Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito Civil e Processo Civil da UEL.

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1 INTRODUÇÃO

Superada a máxima oitocentista, segundo a qual o condomínio ordinário seria um

ambiente propício para a discórdia, mercê do que melhor seria se não existisse, vê-se que esse

direito real, como expressão da propriedade, constitui engenhosa e útil forma criada pelo

gênero humano para o acesso aos bens da vida.

Previsto em todos os Códigos Civis do Ocidente e fruto de lenta construção iniciada

entre os romanos, o condomínio ordinário assume posição de destaque na codificação Reale,

como uma forma de desdobramento dos poderes proprietários.

O trabalho aqui apresentado procura examinar os principais pontos desse instituto,

principiando por sua complexa natureza jurídica, ainda hoje controvertida

O trabalho, à evidência, não esgota nem poderia esgotar o assunto. Antes, é um convite para

reflexões de maior densidade e aprofundamento.

2 À GUISA DE CONCEITO

A adequada compreensão do conceito de condomínio exige um exame da ideia de

comunhão. Na generalidade dos casos, os direitos subjetivos podem ser exercidos por sujeito

plural, donde decorre a possibilidade de várias pessoas serem, simultaneamente, titulares de

faculdades sobre um mesmo bem corpóreo ou incorpóreo. Quando isso ocorre, vale dizer,

quando se têm vários sujeitos exercendo direitos sobre um mesmo bem e cujos interesses não

se excluam, surge a comunhão. Esta pode recair tanto sobre coisas como sobre créditos. Em

relação a estes, mencionam-se, como exemplos no Código, a comunhão de bens no casamento

(art. 1.639 e ss.), a solidariedade ativa nas obrigações em geral (art. 264 e ss.), os contratos

(art. 585) e a sociedade (art. 981 e ss.). Frequentemente se verifica, ademais, sua ocorrência

sobre bens corpóreos, como no usufruto simultâneo (art. 1.411), na habitação coletiva (art.

1.415) e na propriedade (art. 1.314). Finalmente, a comunhão pode recair sobre coisas e

créditos ao mesmo tempo, como no regime de bens acima citado.

A comunhão é fruto da prática jurídica e foi concebida como forma de incremento

das relações interpessoais. Numa sociedade civil, por exemplo, dois ou mais indivíduos,

atuando conjuntamente, têm maiores chances de atingir um resultado útil do que agindo sós.

E, no casamento, a soma dos esforços dos cônjuges, empenhados em construir um patrimônio

comum, permite a ambos uma condição mais confortável do que no estado de solteiro,

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porquanto ambos desfrutarão dos bens um do outro. É verdade que, em muitos casos, a

comunhão é acidental ou decorre da lei, como na hipótese de herança a ser partilhada por

vários herdeiros e no caso de muro ou parede divisória entre imóveis contíguos. Aqui, a

necessidade, e não a vontade, é determinante na gênese da comunhão. Mas tal não infirma,

antes confirma, sua função de regulação de interesses.

Daí a utilidade prática e fundamento econômico da comunhão.

Quando a comunhão recai sobre a propriedade, ocorre o condomínio ou

compropriedade. Logo, a comunhão é gênero, do qual o condomínio é a espécie. O

nascimento deste exige dois elementos: a) sujeito plural e b) coisa indivisa. Em suma, postula

pluralidade subjetiva e unidade objetiva (BESSONE, 1996, p. 79). O condomínio requer a

presença de dois ou mais proprietários, pouco importando sejam eles pessoas naturais,

capazes ou incapazes ou ainda pessoas jurídicas. Em relação à coisa, que será sempre

corpórea, exige-se sua indivisão. Coisa indivisa é aquela que não pode ser dividida ou que,

podendo sê-lo, ainda não o foi. Uma grande fazenda é um bem divisível, mas, se os titulares a

mantêm em comunhão, acha-se indivisa. Mas, se os vários herdeiros a dividirem, cada porção

tornando-se propriedade exclusiva e com escritura registrada, desaparecerá a comunhão e

surgirão vários domínios. Coisas há, contudo, que não comportam divisão, seja material seja

jurídica. Um carro não pode ser fisicamente partido sem perder sua substância

(indivisibilidade física, CC, art. 87), enquanto o imóvel rural de dimensões não superiores ao

módulo perde sua função sócio-econômica se fracionado for (indivisibilidade jurídica,

Estatuto da Terra, art. 65).

Assente ser o condomínio uma comunhão em que vários sujeitos são proprietários de

uma mesma coisa, pode-se conceituá-lo como a técnica jurídica por força da qual várias

pessoas são simultaneamente proprietárias de uma mesma coisa. Para o jurista espanhol Puig

Peña (1972, t. III, v. 1, p. 317), o condomínio é a forma de comunhão por força da qual a

propriedade de um bem corpóreo pertence a uma pluralidade de pessoas por cotas-partes

qualitativamente iguais.

O Direito não exige, no tema sob análise, seja a coisa imóvel. Embora a comunhão

sobre imóveis apresente maior interesse doutrinário, nada impede o condomínio mobiliário.

Um cavalo, um boi, uma bicicleta, um livro ou um anel de brilhante podem ser objeto da

compropriedade. Exigem-se apenas, ao lado do sujeito plural, o estado de indivisão e o

conteúdo econômico da coisa corpórea. Se dois alunos adquirem um exemplar de livro para

seus estudos, dele são condôminos. Se dois criadores arrematam um touro em leilão, dele se

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tornam condôminos. Às vezes tem-se condomínio dentro de sociedades ou associações. Em

relação a um clube de lazer, seus frequentadores se dizem associados, mas, em relação aos

bens que o compõem, há condomínio.

Sem embargo, não há confundir condomínio e sociedade. Não fosse pelo objeto, que

aqui é incorpóreo e lá material, várias outras diferenças podem ser assinaladas, dentre as quais

a relativa à affectio, presente numa e ausente noutro. No exemplo dos estudantes que

adquiriram o mesmo exemplar do livro para uso comum, é incorreto dizerem-se “sócios”. Se

são proprietários simultâneos de coisa corpórea indivisa, é reputá-los condôminos.

3 NATUREZA JURÍDICA

O condomínio é direito de propriedade, não é a própria coisa. É o direito que sobre

esta recai. Assim como ninguém “mora” numa propriedade, ninguém reside num

condomínio.O prefixo (con) anteposto à raiz (domínio) deixa clara essa ideia. Todavia, como

nele ocorre pluralidade de sujeitos, surge a aparente contradição com o caráter exclusivo com

que o domínio sempre foi conceituado. Afinal, como é possível conciliar a ideia de

pluralidade com o conceito de exclusividade? Segundo a máxima de Pothier (apud

MONTEIRO, 2002, p. 321), “próprio” e “comum” são conceitos contraditórios.

O problema da natureza jurídica do condomínio é tema de vivo debate na doutrina,

que, malgrado copiosa, longe está de um consenso. Cuida-se de verdadeira vexata quaestio,

um dos pontos mais intrincados do Direito das Coisas. Nesse sentido, Serpa Lopes (1996, v.

VI, p. 352ss) apresenta e esmiúça ao menos doze concepções construídas em torno da

natureza jurídica do instituto, as quais, em grande esforço de interpretação, ora discorrem

sobre a coisa ora resvalam para o direito que sobre ela incide, ora cuidam da divisão ideal de

uma e de outro.

Duas são as principais vertentes doutrinárias em torno da natureza jurídica do

condomínio: a) a teoria das propriedades parciais e b) a teoria da propriedade integral.

Consoante a primeira, o condomínio seria a conjunção de vários direitos de propriedade, cada

um deles exercido sobre uma parte ideal ou intelectual da coisa, chamada cota ou quinhão.

Possuindo a coisa em sua inteireza, sobre a qual pode exercer posse, cada condômino não é

tido senão como titular da dita cota ou quinhão, sendo esse o objeto de sua propriedade. Logo,

num terreno adquirido em iguais condições por dois sujeitos, cada um seria dono de metade,

de modo que haveria duas metades ideais, cada uma objeto do domínio do respectivo

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adquirente.

Os adeptos dessa corrente partem da premissa de ser a indivisão um estado

transitório, pois, cedo ou tarde, a coisa será dividida ou alienada e, daí, cada um dos

condôminos receberá sua parte em dinheiro ou será proprietário da parte agora dividida. Logo,

se o condomínio se resolve nessas condições, tal se deve ao fato de cada condômino ser,

desde o começo da indivisão, proprietário exclusivo de sua parte ideal. É nesse sentido que se

expressa Trabucchi (1996, p. 446): “la divisione ha natureza dichiarativa, e pertanto la parte

materiale di beni, che serà attribuíta in concreto a ciascum condômino, si entende come fosse

stata fin dell’inizio oggeto di sua exclusiva proprietà”.1

Em abono dessa tese pode-se invocar a redação do art. 1.314 do Código Civil, que,

ao cuidar do direito de disposição do condômino, afirma recair ele sobre a cota, e não sobre a

coisa. Esse argumento pode levar à tentadora e singela conclusão de que o domínio de cada

um é parcial no sentido de recair sobre a dita porção ideal. Logo, haveria várias propriedades

parciais, concorrentes e simultâneas. Admitindo-se a existência de propriedades parciais,

recaindo sobre fração ideal, conciliar-se-ia o condomínio com o caráter exclusivo da

propriedade. A propriedade, no condomínio, permanecerá exclusiva porque seu objeto (cota)

será exclusivo.

A segunda concepção, a teoria da propriedade integral, sustenta a ideia de que o

direito de cada condômino recai sobre toda a coisa, e não sobre partes ideais. Cada um pode

se apresentar como proprietário diante de terceiros, dizendo-se dono de toda a coisa. Contudo,

é certo ser esse direito limitado pelos direitos dos demais comunheiros. A cota ou porção ideal

subsiste, não como objeto do direito de propriedade, porém como um critério aferidor dos

direitos e responsabilidades de cada comunheiro. É a teoria adotada por Scialoja, sufragada

por ASCOLI e seguida por boa parte da doutrina pátria. São palavras do jurista italiano: “io

credo che il condomínio sia um rapporto di concorrenza di piu proprietà sulla medisma cosa: a

ciascum condomino spetta sulla cosa un diritto, che è appurato il diritto di proprietà, non

qualche cosa di frazionario (SCIALOJA, 1993, v. 1, p. 432).2

O art. 1.314 do Código, ao possibilitar a cada um dos condôminos reivindicar a coisa

comum, ou proteger-lhe a posse sem a anuência dos demais, pareceu inclinar-se pela segunda

_______________ 1 Tradução livre: “a divisão tem natureza declarativa, e portanto a parte material dos bens, que será atribuída em

concreto a cada condômino se entende como se do início objeto de sua exclusiva propriedade. 2 Tradução livre: “eu creio que o condomínio seja uma relação de concorrência de várias propriedades sobre uma

mesma coisa: a cada condômino compete sobre a coisa um direito, que é precisamente o direito de propriedade,

não qualquer coisa de fracionário”. Confira-se, também, ASCOLI, Alfredo. Istituzioni di diritto civile. Nápoles:

Francesco Perrella, 19-¿. p. 73.

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teoria. E, com efeito, a teoria das propriedades parciais deve ser rejeitada, pela simples e

óbvia razão de que a propriedade não pode incidir sobre direitos, no caso as cotas ideais. O

objeto do domínio são sempre coisas, jamais abstrações. Pretender fazer incidir a propriedade

sobre direitos seria subverter a lógica do domínio, que sempre teve nas coisas seu objeto. E,

como explica Sá Pereira (1924, v. 8, p. 396-397):

O domínio não se exerce sobre essa parte ideal, porque as coisas ideais não são

suscetíveis de domínio; nem sobre uma parte material, porque a nenhuma parte

material a parte ideal do consorte corresponde. O domínio de cada consorte não se

restringe a uma parte da coisa indivisa; mas abarca toda a coisa.

O que de fato ocorre no condomínio é a existência de uma só propriedade, direito de

propriedade a ser exercido por todos e sobre toda a coisa. Na pitoresca sentença de Cujacio, “a

parte indivisa está, à semelhança da alma, toda no todo e toda em qualquer parte”

(MAXIMILIANO, 1956, p. 8). Pode o condômino, portanto, dizer-se dono do bem e assim se

apresentar diante de terceiros, seja para contrair obrigações ou exercer uso e gozo, seja para

reivindicar ou agir em demanda possessória.

Sem embargo, no âmbito interno, nas relações entre os titulares, cada condômino

tem seu direito delimitado pelos poderes dos demais. No caso de um livro de estudos, por

exemplo, o condômino A pode tomá-lo para preparar-se para uma determinada prova,

conservando-o consigo num determinado fim de semana. Mas, caso o condômino B queira

usá-lo no fim de semana seguinte, igualmente para estudar para a prova, A não poderá se

opor, porque isso causará um desequilíbrio na relação jurídica. Mas, se um e outro sofrerem

turbação por terceiros, um ou outro poderão postular medida possessória sem a anuência.

A cota constitui um mecanismo criado pela tecnologia jurídica para expressar os

limites dentro dos quais cada condômino pode agir em face dos demais. Logo, se, num imóvel

rural, A detém dois terços das cotas, dois terços dos frutos lhe pertencerão, assim como dois

terços das despesas lhe serão carreados. Da mesma forma, alienado o imóvel, dois terços do

preço a ele pertencerão. Quando da declaração ao Fisco, A se apresentará como “proprietário

de dois terços”, mas isso outra coisa não significa senão ter, em face da coisa, dois terços de

suas vantagens econômicas e igual tanto quanto a suas despesas.

É erro, pois, afirmar que o direito de propriedade recaia sobre cotas. Como é assente

na doutrina, o direito dos condôminos é qualitativamente igual, mas quantitativamente

desigual. Todos os condôminos têm direito ao uso, gozo, fruição e disposição sobre o bem,

porque proprietários são, mas a medida em que tais direitos podem ser exercidos é delimitada

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pela cota (BARASSI, 1945, p. 307). Dito em outras palavras, em cada condomínio há direitos

de propriedade sobre a coisa inteira (uso, gozo etc), mas cada um deles é quantitativamente

delimitado em seu exercício (1/4, 1/3, 1/2 etc).

Se não houvesse limitações no exercício do condomínio, aí sim se poderia falar em

ofensa ao princípio da exclusividade, porque qualquer dos comunheiros poderia explorar a

coisa a seu talante, dela destacando todos os frutos. Se assim agisse, o condômino interditaria

aos demais a percepção dos frutos, anulando-lhes o poder de gozo. Como a propriedade é o

direito de tirar da coisa suas utilidades, dela fazendo uso e fruição - e se cada comunheiro

pode fazê-lo na medida de sua cota e possuindo toda a coisa -, fica claro que a propriedade se

exerce sobre o todo, mas seu exercício se limita pelas cotas.

Assim, parece que a disciplina do condomínio brasileiro é simpática à teoria da

propriedade integral.

Essa a função e o sentido das cotas, não a de atribuir propriedades. Tal asserção não

derroga o princípio da propriedade como direito exclusivo; no condomínio, o exercício da

propriedade é de todos, porém delimitado pelo exercício dos demais. A exclusividade se

mantém, todos se conservam donos, porém na medida de suas cotas, das quais, repita-se,

donos não são. Como singularmente se expressa Silvio Rodrigues (1951, p. 23), no

condomínio, à semelhança do que ocorre na sociedade, tudo é de todos e nada é

especificamente de cada um.

Daí a feliz conceituação de Carlos Maximiliano (1956, p. 7), que, a propósito, busca

inspiração também na doutrina italiana:

Condomínio é uma relação de igualdades que se limitam reciprocamente; uma

situação de equilíbrio que torna possível a coexistência de direitos iguais sobre a

mesma coisa, limitando em cada um o poder de gozo e disposição da mesma, tanto

quanto é exigido por igual direito dos outros.

Fica, desse modo, assinalado o conceito e assentada a natureza jurídica do

condomínio..

4 DOMÍNIO E CONDOMÍNIO

Esse sistema, que refoge ao modelo clássico de domínio, baseado no sujeito singular,

levou CLÓVIS (1956, p. 214) a considerar o condomínio uma forma anormal de propriedade. A

anormalidade repousaria na coexistência de vários titulares sobre a mesma coisa, cada um

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deles exercendo direitos de propriedade, usando-a e fruindo-a, conquanto limitados pelos

direitos dos consortes.

Esse estado de anormalidade pode dar azo a conflitos. A apropriação dos bens da

vida e sua utilização econômica são necessárias ao homem, que deles procura extrair todas as

utilidades e comodidades possíveis. Por isso a propriedade nasceu em Roma sob o signo da

exclusividade. A pluralidade de sujeitos sobre a mesma coisa traz o inconveniente de ter de

acomodar interesses que às vezes se contrapõem. Isso é particularmente verdadeiro no tocante

à introdução de benfeitorias na coisa. Em relação a estas, nem sempre haverá consenso. Numa

chácara de lazer composta por quatro condôminos, e.g., dois deles podem não concordar com

a construção de uma piscina. O dissenso é apto a gerar discórdias, levando mesmo ao fim da

comunhão.

Por tais razões o condomínio, à exceção da forma edilícia, onde a questão da

propriedade anormal não está presente, é visto com certa reserva pelo ordenamento, que chega

a estimular sua extinção. Prova disso está no art. 1.320 do Código, que confere a cada

condômino a faculdade potestativa de, a qualquer tempo, pleitear a extinção da comunhão. E,

nesse diapasão, o § 2º. do mesmo dispositivo limita em cinco anos o tempo de duração do

condomínio eventual, embora permita sua prorrogação voluntária.

Sem embargo das suscetibilidades humanas e das dificuldades que a coexistência

pode trazer, não há negar a utilidade prática e econômica do condomínio, particularmente da

modalidade edilícia, tida hoje como poderoso instrumento de ocupação do espaço nas grandes

cidades.

5 ESCORÇO HISTÓRICO

Parcas as informações acerca dos antecedentes históricos do condomínio. Sabe-se

que em Roma, ainda no direito pré-clássico (753-126 a.C.), verifica-se a ocorrência da

pluralidade de herdeiros de uma mesma coisa indivisa. Fala-se, então, num consortium inter

fratres (MOREIRA ALVES, 1978, p. 290), a expressar a propriedade simultânea de dois os

mais irmãos que haviam herdado do pai coisa indivisível. Decerto por isso os romanistas

identifiquem no consortium o embrião do condomínio. Já nas Institutas de Gaio (Século II

d.C., período clássico portanto) vê-se que, “sendo a mesma coisa legada per vindicationem a

duas ou mais pessoas, conjunta ou separadamente, e todas pedindo o legado, as partes são de

cada legatário, acrescendo-se ao co-legatário a porção do que desiste do legado (2.199)”

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(CORREIA; SCIASCIA, 1955, v. II, p. 127).

O primitivo instituto condominial guarda analogia com os colegiados romanos,

compostos à semelhança de um tribunal, ou seja, dotado de vários julgadores. Nesses

tribunais, as decisões não obrigavam senão por unanimidade de votos e, assim, o voto

divergente de um dos magistrados tornava sem efeito a decisão dos demais. O gênio criativo

dos romanos parece ter estendido essa solução aos consórcios como forma de contornar o

princípio do exclusivismo da propriedade. Assim é que os vários proprietários, co-herdeiros

de um mesmo bem, podiam tomar decisões solitárias acerca da coisa comum, porém o veto de

um só deles bastava para impedir a eficácia da deliberação. Esse poder de veto emprestou dos

colegiados a expressão jus prohibendi. Atribui-se a Papiniano (150-212 d.C.), também no

período clássico, o seguinte excerto: “nella cosa comune nessuno dei proprietari può

legittimamente fare alcunche contro il volere di qualche altro; donde la evidente conseguenza

che se há uno jus prohibendi”.3

Daí afirmarem os estudiosos que a unanimidade nas deliberações tenha sido uma

característica do condomínio dos primeiros tempos. Segundo Fadda (1907, p. 108), no

condomínio, forjado à imagem dos colegiados, havia direitos que interessavam apenas ao

comunheiro e direitos que eram de toda a comunhão. Aqueles permitiam ao consorte agir

livremente na coisa (caminhar pelo imóvel, por exemplo), mas estes podiam ser neutralizados

pela proibição (extrair frutos da coisa, por exemplo). Para o exercício desses últimos,

necessária era a unanimidade. Contudo, os atos praticados por qualquer condômino,

conquanto não impugnados pelo direito de veto dos demais, reputavam-se lícitos e eficazes.

Não é de surpreender que, numa era em que a propriedade se apresentou tão

individualista e solitária, o condomínio tenha surgido apenas acidentalmente, como técnica

para se adaptar à exclusividade. Vale dizer, em outras palavras, que a gênese do instituto não

foi espontânea, como se deu com a posse, o casamento e o testamento, mas deveu-se antes à

necessidade de acomodar interesses plurânimes sobre coisas herdadas em estado de indivisão.

Não fossem as contingências da sucessão de bem indivisível, e o condomínio certamente não

apareceria em eras tão distantes.

Uma análise de tais informações conduz à conclusão de que, ao menos nos dois

primeiros períodos da história romana, ainda era nítida a noção da propriedade exclusiva e

absoluta dos comunheiros, pois a única restrição se resumia ao poder de veto. Tênue ainda é a

ideia de solidariedade, que aparecerá somente com Justiniano (483-565 d.C.) e alterará a

_______________ 3 Tradução livre: “na coisa comum, nenhum dos proprietários pode legitimamente fazer algo contra a vontade de

qualquer outro; donde a evidente consequência de um jus prohibendi”.

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fisionomia do condomínio, traçando-lhe os contornos essenciais (interesses que se limitam).

De fato, em suas Institutas (526-533 d.C.) encontram-se disciplinados alguns direitos e

obrigações dos condôminos e a previsão de várias ações judiciais, como a de divisão e a de

extinção, v.g. É também sob Justiniano que é fixado o sistema da cota, quinhão ou porção,

donde afirmar-se que o condomínio de regulação justinianeia é a base sobre que assenta o

condomínio ordinário contemporâneo.

Ao lado do condomínio romano, baseado na ideia da concorrência de titulares sobre

a coisa e no sistema de cotas, em que cada comunheiro pode exercer pessoalmente faculdades

dominiais, evoluiu em solo alemão o chamado condomínio coletivo ou domínio de mãos

juntas (geimeinshaft zur gesammten hand), que difere profundamente do modelo romanista

por não admitir a ideia dos quinhões. O modelo parece ser fruto da concepção medieval de

propriedade da terra, centrada na concessão de titularidades reais imobiliárias segundo

critérios nobiliárquicos, a permitir que todos os concedentes e concessionários se sentissem

donos simultaneamente, embora nenhum deles, a rigor, pudesse ser reputado proprietário.

No paradigma tedesco da mão comum, como não existem cotas individuais, a

alienação só se pode fazer sobre o todo e com a concordância de todos e, de igual forma,

impossível é a faculdade de pleitear a divisão. Como se cuida de propriedade comunitária,

eventual oneração real, como a hipoteca, embora constituída por um só, grava a coisa toda e

não uma cota. Comentando o Diploma alemão, Hedemann (1955, v. II, p. 265-266) aponta os

efeitos da propriedade de mão comum: a) ninguém pode dispor livremente de sua parte; b)

ninguém pode exigir livremente a divisão e c) a administração é comum, não se aplicando o

critério da maioria, como no modelo romano.

Mas é importante ressaltar que tais regras não se aplicam a todo e qualquer

condomínio alemão, mesmo porque a compropriedade em mão comum existe apenas na

sociedade (par. 718), no casamento (par. 2.032) e entre legatários (par. 1.437)

(ENNECERUS; KIPP; WOLF, 1971, t. III, p. 613). No condomínio comum, por exemplo,

incidem as regras das cotas, segundo se vê dos par 741 e 1.008.

A propriedade de mãos juntas assemelha-se a um ente personificado, como a

distinguir a comunhão e a figura dos vários condôminos. Sem dúvida, a solidariedade é aqui

bem mais forte do que no paradigma romano.

Ambos os modelos vigem hodiernamente, conquanto a maioria dos sistemas

ocidentais e orientais tenha se inclinado pelo paradigma romano, como o fazem os Códigos

Italiano, Espanhol, Português, Argentino, Mexicano, Chileno, Chinês, Japonês, Filipino e

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Macalense, dentre outros. Assim o direito brasileiro, embora autores existam a sustentar que a

comunhão universal de bens no casamento seja uma manifestação da propriedade comunitária

alemã (WALD, 2003, p. 135).

6 MODALIDADES

Vários critérios podem ser adotados para classificar o condomínio. O legislador

pátrio elegeu, como parâmetro classificatório, a forma de apresentação da comunhão. Assim é

que coexistem em nosso sistema três espécies de condomínio, a saber: a) condomínio

ordinário (art. 1.314); b) condomínio edilício (art. 1.331) e c) condomínio necessário (art.

1.297). Autores há a optar pelo critério da fonte, donde falarem em condomínio voluntário e

involuntário, a este denominado “acidental”. Todavia, aquele critério parece mais adequado,

não só por sua praticidade, como também por facilitar o entendimento acerca das várias

formas de compropriedade.

Ordinário é o condomínio que recai sobre móveis ou sobre imóveis em estado de

indivisão, quer urbanos quer rurais. Pouco importa seja divisível ou não a coisa; se ela é

móvel ou está indivisa, condomínio ordinário se tem. O estudo aqui empreendido, que

esmiúça os arts. 1.314 e ss. do Código, refere-se à comunhão ordinária, embora se aplique

supletivamente às outras modalidades, especialmente à edilícia.

O condomínio ordinário pode ser voluntário ou forçado. Aqui, toma-se o vocábulo

“voluntário” não para designar a fonte de onde se originou a comunhão (contrato ou

testamento, por exemplo), mas para referir a possibilidade de divisão. Assim, condomínio

ordinário voluntário é aquele que recai sobre bens divisíveis e só se mantém indiviso por

vontade das partes. Essa comunhão pode ser dissolvida por divisão a qualquer momento, ad

nutum dos titulares (art. 1.320). Se A e B adquirem uma fazenda, tem-se aqui condomínio

ordinário voluntário, dado o caráter divisível do bem e a opção dos titulares por se

conservarem em comunhão.

Sem embargo, o condomínio ordinário pode revelar-se forçado. Esta é a

compropriedade cujo objeto, móvel ou imóvel, apresenta-se indivisível, seja por força da lei

seja em função de suas características. A palavra “forçado” opõe-se aqui ao vocábulo

“voluntário”, no sentido de que os condomínios são obrigados a estar em comunhão caso

queiram conservar a coisa consigo. Vale dizer, não podem pedir a extinção do condomínio a

não ser abrindo mão da coisa (art. 1.322). Logo, se C e D arrematam uma rês em leilão ou se

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adquirem uma chácara para lazer, bens estes indivisíveis, ter-se-á condomínio ordinário

forçado.

Ambas as formas, voluntária e forçada, regem também as coisas adquiridas por

herança ou legado quando a coisa for móvel ou achar-se indivisa. Aqui, não se faz importante

saber a causa da comunhão. Importa antes apurar a natureza da coisa herdada ou legada.

Logo, os bens herdados ou legados podem ser objeto de condomínio ordinário, quer

voluntário quer forçado.

Edilício, de seu turno, é o condomínio cujo objeto são bens imóveis urbanos

compostos por partes privativas e partes de uso comum, de que são exemplos os edifícios de

apartamentos ou salas comerciais. A espécie vem regulada nos arts. 1.331 e ss. do Código e

na Lei 4.591/64, que trata de condomínio e incorporações. Adiante-se, porém, que a forma

edilícia, à símile da ordinária, também pode derivar de negócio entre vivos ou de sucessão por

morte.

Finalmente, necessário é o condomínio imposto pela lei em situações especiais e

tendo por escopo manter a ordem e o sossego entre imóveis contíguos. Dele são exemplos a

comunhão derivada da vizinhança (CC, art. 1.327 e 1.297 e ss.) e algumas formas de acessão

natural, como a formação de ilhas (art. 1.249, I), a aluvião (art. 1.250) e o álveo abandonado

(art. 1.252). Impende ressaltar que todo condomínio necessário é forçado no sentido de que os

comunheiros nele se conservam mesmo contra a vontade. Só poderão titular a coisa na

qualidade de condôminos, e não como proprietários singulares. É o exemplo dos muros ou

cercas divisórias.

Outros critérios podem ser admitidos, como o que enquadra a coisa quanto a sua

forma de divisão. Nesse sentido, conhece-se o condomínio pro diviso e a comunhão pro

indiviso. No primeiro, de que é exemplo o condomínio edilício, existe comunhão de direito,

mas não de fato, pois cada condômino exerce poderes privativos sobre sua unidade. Na

segunda, a comunhão é de fato e de direito, porque os condôminos não se localizaram na

coisa, exercendo posse sobre o todo, portanto (MONTEIRO, 2003, p. 206). É o exemplo dos

vários titulares que adquiriram uma casa na praia ou o dos agricultores que, comprando uma

fazenda, resolvem explorá-la em comum.

Captando-se a causa remota do condomínio, conclui-se, portanto, serem suas fontes

o contrato, a sucessão legítima, o testamento e a lei, sem excluir as formas aplicáveis à

aquisição da propriedade, como a usucapião e as acessões. Quanto à prescrição como causa

geradora do condomínio, v., particularmente, a usucapião coletiva multifamiliar disposta no

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art. 10 do Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001).

7 EFEITOS

7.1 Direitos do Condômino

Os direitos do condômino resultam tanto de sua condição de proprietário quanto do

seu estado de comunheiro. Como proprietário que é, assistem-lhe os mesmos poderes

previstos no art. 1.228 do Código. Ao lado deles situam-se os poderes relacionados à

indivisão. É o que se vê da cabeça do art. 1.314, que, ao abrir o capítulo concernente ao

condomínio geral, assim enuncia:

Art. 1.314. Cada condômino pode usar da coisa conforme sua destinação, sobre ela

exercer todos os direitos compatíveis com a indivisão, reivindicá-la de terceiro,

defender a sua posse e alhear a respectiva parte ideal, ou gravá-la.4

Para facilitar o entendimento do tema, convém examinar em apartado os vários

poderes do condômino. Decorrentes de sua condição de proprietário, tem ele os direitos

seguintes.

a) Uso e gozo compatíveis com o estado de indivisão. Como proprietário que é,

afigura-se natural ter o condômino os poderes primários do domínio, ou seja uso e fruição.

Em relação ao primeiro, tem-se que o titular pode manter a coisa consigo para aproveitar-lhe

as vantagens e comodidades. Tratando-se de um automóvel, pode empregá-lo em uma

atividade profissional, utilizá-lo no transporte de uma mudança ou simplesmente usá-lo para

fins de lazer. Cuidando-se de uma casa na praia, pode comodá-la ou habitá-la nas férias,

frequentando-a em qualquer época do ano e introduzindo-lhe benfeitorias. Se condômino de

uma fazenda, pode percorrer-lhe as divisas, vistoriá-la, usar as cavalariças, plantar e derrubar

árvores, instalar uma cultura, erigir acessões, reparar uma cerca, perfurar poços, constituir

servidões etc.

_______________ 4 Em termos semelhantes está redigido o art. 1.102 do Código Civil Italiano: “Ciascun partecipante può servirsi

della cosa comune, purché non ne alteri la destinazione e non impedisca agli altri partecipanti di farne parimenti

uso secondo il loro diritto. A tal fine può apportare a proprie spese le modificazioni necessarie per il migliore

godimento della cosa”. Tradução livre: “cada um dos participantes pode servir-se da coisa comum, desde que

não altere a destinação e não impeça os outros participantes de fazer igual uso segundo o seu direito. Para tal fim

pode acrescentar, a suas próprias expensas, as modificações necessárias para o melhor aproveitamento da coisa”.

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No tocante ao poder de gozo ou fruição, é lícito ao condômino, em relação aos bens

acima referidos, alugar o veículo ou a casa a um terceiro, aproveitando-lhes os frutos. No

tocante à fazenda, pode extrair-lhe os produtos agropecuários, dá-la em parceria ou

arrendamento e celebrar os contratos agrários em geral. Tal como na propriedade comum, o

poder de fruição diferencia-se da faculdade de uso por proporcionar um rendimento

econômico do bem, traduzido primordialmente na percepção de frutos naturais (café, algodão

etc.), industriais (produtos) e civis (aluguel, preço de arrendamento etc.).

Sem embargo de uso e fruição serem assegurados ao condômino, tais poderes não

podem ser exercidos discricionariamente. O art. 623, I, do Código anterior empregava a

expressão “usar livremente da coisa” e, com isso, trazia a falsa impressão de que o condômino

poderia aproveitar a coisa à revelia dos consortes. O vigente art. 1.314 não repete a fórmula e,

assim, deixa clara a regra de o exercício dos poderes condominiais sofrer limitações. E, de

fato, não é lógico nem razoável supor que uso e fruição possam ser exercidos

discricionariamente, pois o condomínio são poderes que mutuamente se limitam, como se viu

da lição de Maximiliano, transcrita no item 3 retro.

Dessa forma, quando o Código afirma que o consorte pode exercer “todos os direitos

compatíveis com a indivisão”, há de entender que poderá exercê-los desde que não interfira

nem prejudique os legítimos interesses de seus comunheiros.

Trazendo tal raciocínio para os exemplos acima estudados, importantes conclusões

práticas se apresentam. Em relação ao automóvel, o condômino pode usá-lo e fruir as

utilidades. Mas, tendo-o empregado num final de semana, não o poderá reempregar no

seguinte, se outro consorte o quiser Quanto ao gozo, é lícito a ele alugar ou arrendar o

veículo, desde que tal seja aceito pela unanimidade. E, ainda que o entregue em locação,

deverá repartir os frutos com os demais (arts. 1.314, parágrafo único e 1.319).

No caso da fazenda e da casa na praia, embora o condômino tenha-lhes uso e gozo

assegurados, não as poderá desfrutar em sua plenitude. Se empregou a casa para lazer no mês

de janeiro, não poderá usá-la em fevereiro, se outro consorte a quiser habitar com a família

em férias. Quanto ao imóvel rural, idênticas limitações se observam: contratos agrários só se

poderão constituir com a aquiescência da unanimidade e, percebendo o condômino frutos,

também deverá partilhá-los com os demais.

Algumas questões põem-se aqui a debate.

Se o condômino tem a faculdade de usar a coisa, podendo, pois, habitar o imóvel,

indaga-se da possibilidade de residir na coisa como locatário. Responde-se positivamente,

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desde que a maioria o autorize (art. 1.323) e o aluguel seja destinado a todos os consortes, na

proporção das respectivas cotas. De igual sorte, achando-se a coisa locada a terceiro,

pergunta-se se poderá o condômino reavê-la para uso próprio, de cônjuge, companheiro,

ascendente ou descendente, forte no art. 47, III, da lei inquilinária. Também aqui a resposta é

positiva, ressalvando-se não ser necessária a anuência dos demais, pois a coisa permanecerá

em seu estado anterior, ou seja, alugada, e os demais já haviam anuído na locação5. Contudo,

como já visto, deverá o condômino ou terceiro pagar o aluguel aos consortes, na proporção

das respectivas cotas, como visto acima;

b) Poder de reivindicação. Na condição de proprietário, poderá o condômino

também reivindicar, reavendo o bem a terceiro que injustamente o detiver. A reivindicação

visa à tutela do domínio e disso decorrem três consequências no âmbito da co-propriedade:

primeiro, não é possível reivindicar contra condômino, eis que este também é proprietário e,

nessa qualidade, poderá opor seu direito ao reivindicante; segundo, a reivindicação só pode ter

por objeto toda a coisa, e não a parte ideal, pois, achando-se esta indivisa, não existe uma

porção física destacada ao reivindicante. Logo, se ele não puder reivindicar toda a coisa, não

terá meios de reivindicar sua parte nela (BESSONE, 1996, p. 85). Finalmente, por ser indivisa a

coisa, a procedência do pedido reivindicatório a todos os comunheiros aproveitará, ainda que

apenas um deles tenha vindicado.

Titular do jus possidendi, vale dizer posse de proprietário, ao condômino é lícito o

manejo das ações e medidas possessórias, seja contra terceiros seja contra os próprios

consortes. Tal não exclui a possibilidade do desforço imediato contra uns e outros, presentes

as hipóteses do art. 1.210, § 1º., do Código. Se um dos condôminos, ainda nos exemplos

apresentados, impede o outro de usar a casa da praia, consumada estará a turbação; também

caracterizada estará a turbação se determinado condômino embaraçar a plantação de soja feita

por um deles. No exemplo dos sem-terra que invadem área em condomínio, presente estará o

esbulho e o ajuizamento da reintegratória por um a todos aproveitará. Condômino ou terceiro

que tenta arrebatar a posse de veículo, legitimamente exercida pelo consorte, sujeita-se às

consequências do desforço imediato. E assim multiplicam-se os exemplos.

Na verdade, todos os remédios judiciais de proteção à posse e ao domínio podem ser

postulados pelo condômino, por ser este possuidor e proprietário. Mencionam-se, assim, os

embargos de terceiro (CPC, art. 1.046), as ações confessórias e negatórias de servidão, a ação

de dano infecto, a ação de demarcação (CPC, art. 946, I), a ação de usucapião (CC, arts. 1.238

_______________ 5 Todavia, a retomada para uso próprio ou para as pessoas indicadas no art. 47, III, da lei inquilinária, não será

admitida quando a coisa estiver locada a condômino;

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ss e CPC, arts. 941 ss.) e a ação de imissão na posse, dentre outras. Registre-se, por fim, a

possibilidade da ação de nunciação de obra nova quando terceiros ou os próprios consortes

pretenderem realizar obras que prejudiquem ou alterem a coisa comum (CPC, art. 934, II).

Tal como ocorre com a reivindicação, o provimento liminar ou definitivo nas

possessórias aproveitará a todos.

c) Poder de disposição. A faculdade de dispor produz, na sede condominial, duas

irradiações: o poder de alienar e o poder de constituir ônus e garantias reais. Quanto ao

primeiro, tem-se ser livre ao consorte doar sua cota, para tal não sendo necessária a anuência

dos demais, pois os atos gratuitos de disposição de bens não geram preferências. Nesse caso,

terceiros ingressarão na comunhão mesmo contra a vontade dos comunheiros, que poderão,

não obstante, pedir a extinção do condomínio.

Todavia, a possibilidade de alienação onerosa, vale dizer a venda do quinhão,

apresenta-se bem mais complexa, como abaixo se verá.

Quanto à constituição de garantias reais, pode o condômino fazê-lo sobre o seu

quinhão e à revelia dos comunheiros. A anuência destes será necessária apenas quando a

garantia gravar toda a coisa. Logo, a hipoteca sobre o quinhão de uma casa é de livre

conveniência do condômino-hipotecante; idem em relação ao penhor sobre quinhão de

automóvel. Tais direitos defluem do disposto na última parte do art. 1.314 e, em relação à

hipoteca, estão eles previstos no art. 1.420, § 2º. Contudo, não parece possível possa o

comunheiro dar em anticrese seu quinhão, salvo se concordância dos demais houver, pois essa

espécie de garantia implica o exercício da posse por terceiros, circunstância vedada pelo

parágrafo do art. 1.314.

Questão que pode gerar complexidade reside na resolução da cota condominial em

ação de divisão, pendendo ônus hipotecário. Se isso ocorrer, ou seja, se, por força de sentença

em ação de divisão, o condômino deixar de ser proprietário na pendência de garantia real, a

hipoteca caducará por perda do objeto (SERPA LOPES, 1996, v. VI, p. 348). Idêntica solução

aplica-se à garantia pignoratícia.

No tocante aos ônus reais, como o usufruto, as servidões e a superfície, uma vez que

todos geram o exercício da posse por terceiros, necessária será a anuência da unanimidade dos

consortes, como se vê do parágrafo do art. 1.314.

Vistas os poderes relacionados ao direito de propriedade, examinem-se agora os

direitos decorrentes do fato da indivisão.

d) Direito de preempção. A preempção, preferência ou prelação ocorre quando o

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comunheiro deseja alienar onerosamente o quinhão a terceiros. Deverá, antes, comunicar aos

consortes sua intenção. A notificação, escrita e extrajudicial, deverá registrar todas as

condições por que pretende realizar o negócio, especialmente as condições de pagamento,

como preço e prazos. Recebidas pelos condôminos as notificações e interessando-se estes por

adquirir o quinhão, aplicar-se-á o sistema de preferências, que consiste na opção por um

dentre os vários interessados na compra do quinhão.

Em concorrência com terceiro, terá preferência o consorte que igualar ou cobrir a

proposta por aquele oferecida. Se mais de um consorte pretender a cota em negociação,

preferirá aquele que tiver benfeitorias de maior valor e, persistindo o empate, aquele que

possuir o quinhão maior. Caso, ainda assim, não se chegue a uma solução, o quinhão será

adjudicado àqueles consortes que o desejarem, desde que paguem o preço oferecido pelo

terceiro. A regra vem estampada no parágrafo do art. 504 do Código, redigido

especificamente para a venda de quinhão condominial: Sobre isso não há controvérsia ou

grandes debates nem na cátedra nem nos pretórios.

Contudo, frequentes são os casos de condômino que aliena onerosamente a coisa sem

prenotificar os demais. Em tal caso, aplicar-se-á o disposto no caput daquele dispositivo.

Art. 504. Não pode um condômino em coisa indivisível vendar a sua parte a

estranhos, se outro consorte a quiser, tanto por tanto. O condômino, a quem não se

der conhecimento da venda, poderá, depositando o preço, haver para si a parte

vendida a estranhos, se o requerer no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, sob pena

de decadência.

Algumas observações são necessárias a respeito desse dispositivo. O prazo é de

decadência (não de prescrição) e atinge seu termo em 180 dias (não em 6 meses) após a data

do registro (imóveis) ou da tradição (móveis), pouco importando a data do negócio. O

domínio assim adquirido pelo terceiro, ou seja, sem a prenotificação dos consortes, constitui

propriedade resolúvel, passível de adjudicação pelo comunheiro ou comunheiros que, naquele

prazo, depositarem o preço do negócio. Logo, o terceiro que assim adquire tem a expectativa

de ser privado do direito de propriedade.6 Tal possibilidade recomenda ao terceiro, interessado

na compra de quinhão, o cuidado de averiguar se a notificação foi enviada ao universo dos

condôminos.

Em se tratando de condômino preterido na posse, como ocorre nos casos de locação,

_______________ 6 Silvio Rodrigues (1951, p. 199) discorda da solução prevista no art. 504, que, a seu ver, ofende o princípio da

segurança jurídica;

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arrendamento ou parceria, deve-se operar a analogia com o art. 504. O prazo será o mesmo de

180 dias, mas não haverá pagamento de preço. Reconhecendo a procedência do pedido, que

pode ser acolhido como tutela antecipatória, o juiz investirá o consorte na posse da área

transmitida, carreando ao requerente, porém, a obrigação de remunerar os demais pelos frutos

que vier a perceber. Não se trata de evento raro, sendo comum em condomínios rurais de

pequenas dimensões, onde um ou mais dos herdeiros arrendam o imóvel a estranhos,

preterindo o irmão agricultor. Como aqui não há registro, conta-se o prazo a partir da tradição

ou, numa opinião mais liberal, a partir da ciência inequívoca do consorte preterido.

É necessário assentar, finalmente, só ser possível o exercício da preempção quando a

coisa for indivisível. Uma fazenda, embora indivisa, não autoriza a preferência. Idem em

relação a um apartamento, embora compreendido no conceito de condomínio (art. 1.331).

e) Direito de pedir a divisão ou a venda da coisa. Não pode o condômino ser

compelido a manter-se em comunhão. Por isso a lei lhe confere o direito potestativo de

pleitear ou a divisão da coisa ou a extinção do condomínio (art. 1.320). Em relação à primeira

hipótese, que pressupõe evidentemente a divisibilidade, aplicar-se-ão as regras referentes à

partilha de herança (CC, arts. 2.013 a 2.022), como, por exemplo, a possibilidade de se

proceder por escritura pública quando amigável a divisão, ou a intervenção judicial, caso não

se chegue a um consenso.

Se amigável a divisão e imóvel a coisa, lavra-se e registra-se a escritura,

consumando-se daí a partilha e a extinção do condomínio. Quando os condôminos divergirem

acerca da partilha da coisa imóvel, possível será o ajuizamento da ação de divisão, prevista no

art. 946, II, do CPC. Cuida-se de procedimento complexo, demorado e custoso, a envolver

trabalhos de agrimensura, demarcação, avaliação etc. Vencidas as várias exigências desse tipo

de processo, o juiz deliberará sobre a divisão efetiva (CPC, art. 979). Cumprirá a ele, ao

decidir, velar pelo maior equilíbrio entre os condôminos, sendo-lhe lícito, para tal fim, agir

com o sistema de compensações.

É o caso da divisão de uma grande fazenda condominial. Supondo uma área de dois

mil hectares, deixada a quatro filhos por óbito do pai, a divisão não ocorrerá com o simples

destaque de quatro partes de quinhentos hectares e sua entrega a cada um dos herdeiros. Um

terreno com tal dimensão é certamente composto de áreas heterogêneas, de valor diverso.

Assim, haverá áreas de reserva florestal, porções com grande incidência de pedras, partes não

servidas por mananciais de água, terrenos pantanosos ou de várzea e espaços com acessões e

benfeitorias (casas, depósitos, silos, poços etc.), além das regiões cultiváveis.

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Destinando os vários quinhões aos herdeiros, deverá o juiz assegurar a cada um

destes porções equivalentes em valor venal. Aquele que receber os espaços com as acessões

será contemplado com uma área menor, que se compensará com o valor daquelas; já aquele

que receber a área pantanosa, perceberá um quinhão maior; o herdeiro que receber área não

servida por água terá o quinhão assistido por servidão de aqueduto, e assim sucessivamente,

de forma a que todos, ao final, sejam de igual forma contemplados.

Todavia, tratando-se de coisa móvel ou imóvel indivisível, impossível será o

aparelhamento daquelas providências e a solução, agora, será a venda da coisa. Aqui se

apresentam duas possibilidades: concordando os consortes em adjudicar a coisa a um só deles,

maiores dificuldades não ocorrerão. O condomínio se extinguirá e, em seu lugar, nascerá um

domínio solitário. Se os comunheiros, contudo, não quiserem vender seus quinhões a um só,

então a coisa será oferecida a estranhos, aplicando-se o sistema de preferências em favor do

condômino. Se o condômino, sozinho, adquirir o bem, extingue-se o condomínio. Idem se

terceiro o fizer. Contudo, havendo dois ou mais condôminos interessados, aplicar-se-á o

sistema de preferência previsto no art. 1.322, que é o mesmo do parágrafo do art. 504. Se,

ainda assim, não se conseguir apurar a preferência, aplicar-se-á a regra do parágrafo único do

art. 1.322.

O parágrafo único daquele dispositivo, que peca pela falta de clareza, manda fazer

uma licitação entre terceiros, que será seguida de nova licitação entre os condôminos. Entre

estes e aqueles, será vitorioso o que oferecer maior lanço. Se os lanços forem de igual valor, a

preferência será do condômino.

É o que se vê da redação seguinte:

Art. 1.322. Quando a coisa for indivisível, e os consortes não quiserem adjudicá-la a

um só, indenizando os outros, será vendida e repartido o apurado, preferindo-se, na

venda, em condições iguais de oferta, o condômino ao estranho, e entre os

condôminos aquele que tiver na coisa benfeitorias mais valiosas, e, não as havendo,

o de quinhão maior.

Parágrafo único. Se nenhum dos condôminos tem benfeitorias na coisa comum e

participam todos os condomínio em partes iguais, realizar-se-á licitação entre

estranhos e, antes de adjudicar a coisa àquele que ofereceu maior lanço, proceder-se-

á à licitação entre os condôminos, a fim de que a coisa seja adjudicada a quem afinal

oferecer maior lanço, preferindo, em condições iguais, o condômino ao estranho.

Veja-se tudo isso num exemplo. A, B e C são condôminos de um veículo avaliado

em 25 mil reais. Desentendendo-se com os demais, A pede a extinção do condomínio. B

dispõe-se a comprar a coisa, mas quer pagar apenas 20 mil reais. A e C não concordam com o

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valor. O bem é oferecido a estranhos. Apresenta-se D e oferece 23 mil reais, mas A e B se

insurgem, oferecendo também 23 mil reais. Afastam o terceiro, mas a disputa fica entre eles.

Como nenhum dos dois introduziu benfeitorias no bem e os quinhões são iguais, oferece-se a

coisa a estranhos. Apresenta-se novamente D, aumentando a oferta para 24 mil reais. É o

maior valor até agora, mas, antes de a coisa ser entregue a D, mais uma licitação se fará, desta

feita entre os condôminos. Então, mais uma vez apresentam-se A e B. Aquele cobre os vinte e

quatro mil reais, mas este se dispõe a pagar vinte e quatro mil e quinhentos reais. Será este o

vencedor e o veículo a ele será adjudicado.

Cuida-se, como se vê, de soluções complexas, mas que conduzem ao melhor

resultado possível.

f) Direito de eximir-se às despesas de conservação renunciando ao quinhão. A

renúncia é forma de perda da propriedade (art. 1.275, II). No caso da indivisão, a renúncia

pode ocorrer quando o condômino não puder ou não quiser mais contribuir para a

conservação do bem. Em tal caso, poderá ele simplesmente abandonar a coisa aos demais e,

ao fazê-lo, ficará de pleno direito isento ao dever de contribuir para as despesas de

conservação. Se os condôminos aceitarem o quinhão renunciado, dele se tornarão

proprietários na proporção dos pagamentos que fizerem. É a regra do art. 1.316, que constitui

uma inovação ao regime anterior.

O Código não diz se a isenção atinge as despesas pretéritas não pagas ou apenas as

vindouras. Renunciando ao seu direito, o condômino deixa de ser proprietário e, desse dia em

diante, já não estará mais obrigado a conservar o bem. Em relação às despesas antigas não

pagas, parece lógico que a renúncia, aproveitando aos demais, imponha-lhes o pagamento até

o limite do proveito que tiverem. É a melhor interpretação do par. primeiro daquele

dispositivo.

Finalmente, caso o consorte renuncie à propriedade e os demais não queiram assumir

os respectivos ônus com a conservação, o condomínio será então extinto, seja pela divisão

seja pela venda (art. 1.316, par. 2º.).

7.2. Deveres dos Condôminos

Vistas as faculdades defluentes do condomínio, passa-se agora às obrigações, com a

ressalva de que algumas delas constituem um reflexo material dos poderes acima examinados,

razão por que serão aqui apenas referidas. Essas obrigações, como é natural, têm por fonte ou

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as relações entre os comunheiros ou os negócios entre estes e terceiros.

a) Dever de contribuir para as despesas de conservação. A mais importante das

obrigações do comunheiro vem prevista no art. 1.315 do Código. Assim como o condômino

faz jus ao uso e gozo da coisa, podendo extrair-lhe as utilidades, comodidades e frutos, resta

claro deva contribuir para mantê-la apta ao atingimento de sua finalidade. Tratando-se de uma

comunhão que pode ser divida em partes ideais quantitativamente desiguais, o valor da

contribuição deve ser proporcional ao valor do quinhão. Um condômino que possui cota

equivalente à metade da coisa pagará metade das despesas. Consoante o parágrafo daquele

dispositivo e salvo prova em contrário, presumem-se iguais os quinhões de todos.

A expressão “despesas de conservação” deve ser entendida em sentido lato, para

compreender não apenas os gastos relacionados à preservação da coisa em sua materialidade

ou integridade física, mas também aqueles que derivam do fato da propriedade e de sua

exploração econômica. É o caso dos impostos prediais e sobre veículos, assim como as taxas

cobradas em inspeção de corpo de bombeiros, o prêmio dos seguros, as tarifas de água e

energia, as indenizações a serem pagas a empregado demitido etc. O art. 1.315 manda, ainda,

aplicar aos gastos com o procedimento de divisão do bem o mesmo critério da

proporcionalidade dos quinhões.

Quando, para a conservação da coisa, se realizam despesas diante de terceiros, que se

tornam por isso credores, há distinguir duas situações. Se as dívidas são contraídas por todos

os condôminos simultaneamente, sem discriminação da parte imputável a cada e sem se

convencionar solidariedade, entende-se que cada um deles tenha se obrigado na proporção do

respectivo quinhão. Logo, se um deles não paga a dívida, dele o credor poderá cobrar apenas

o correspondente ao quinhão. Como a solidariedade não foi estipulada nem a lei a prevê em

tal situação, impossível será ao credor demandar a dívida aos demais (art. 265). Também não

há de aplicar o princípio do concursu parte fiunt (art. 257), porquanto os quinhões podem ter

peso diferente. Cuidando-se, contudo, de obrigação indivisível (os condôminos se obrigam a

entregar um cavalo, v,g.), poderá o credor exigir o animal a qualquer deles (art. 259).

Talvez não sejam essas as soluções mais vantajosas ao terceiro, mas elas decorrem

do fato de o condomínio ser um ente despersonalizado. A cada condômino, portanto,

corresponderá uma relação jurídica com o terceiro.

Sem embargo, pode dar-se de um dos condôminos contrair obrigações em favor de

toda a comunhão. Surgirão aqui duas relações jurídicas: a do terceiro para com o devedor-

condômino e a deste para com os consortes. Dada a despersonalização da entidade

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condominial, não poderá o credor demandar a dívida de todos, mas apenas do comunheiro que

com ele contratou. Este assumirá o total da dívida perante aquele, mas terá ação regressiva

contra os consortes, os quais concorrerão também na proporção de seus quinhões.

É a regra que emerge do Código, litterim: “Art. 1.318. As dívidas contraídas por um

dos condôminos em proveito da comunhão, e durante ela, obrigam o contratante; mas terá este

ação regressiva contra os demais”.

A solução pode gerar problemas ao credor. Medite-se no seguinte exemplo. A, B e

C, domiciliados na Cidade de São Paulo, são condôminos de uma casa em Campos do Jordão

e convencionam que, durante o inverno, cada um deles a usará num dos meses da estação (A

em julho, B em agosto e C em setembro). Durante a estada de B, um vendaval arrebata as

telhas à casa, obrigando-o a adquirir materiais em determinado depósito de construção. B

assume a dívida e é emitida duplicata para resgate em 30 dias, tendo ele indicado a referida

casa como sua residência (ele, de fato, lá reside temporariamente, embora domiciliado na

Capital). Passa-se o prazo convencionado e o credor se dirige até a casa, onde encontra agora

C. Considerando não estar este obrigado ao pagamento e achando-se B de volta à cidade, o

credor terá dificuldade em receber o crédito.

Tal solução, como de resto todas as que se referem às relações com terceiros,

também deflui do fato de o condomínio ser um ente sem personalidade jurídica.

É de advertir, todavia, que nem sempre o condômino devedor terá o direito de

regresso contra os consortes. Tal somente será possível em se tratando de benfeitorias

necessárias, como no exemplo da substituição das telhas. Cuidando-se de benfeitorias úteis ou

voluptuárias, imprescindível será a autorização da maioria (art. 1.323), conforme se verá

adiante, no tema da administração do condomínio.

b) Dever de não alterar a substância da coisa e de não dar posse a estranhos. Tem-

se aqui um exemplo de obrigação negativa. A substância identifica-se com a destinação do

bem. Uma casa de moradia não pode ser transformada numa clínica; um veículo de passeio

não pode ser convertido num táxi; campos de pastagem não podem ser substituídos por

campos de trigo. Ao condômino não é dado promover tais alterações, a menos que os demais

assintam. Não se contentou o legislador com o critério da maioria; quis antes o da totalidade,

à semelhança do que fez no art. 1.351, que trata da mudança de destinação do condomínio

edilício.

Idêntico critério aplica-se à transmissão da posse a estranhos. A locação, o comodato,

o arrendamento, a parceria, o usufruto e seus desmembramentos só poderão ser constituídos

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mediante aquiescência de todos. Se o condômino der posse a estranhos à revelia dos demais, o

ato será tido por ineficaz, podendo os consortes, por si ou conjuntamente, invalidar o negócio

e reintegrar-se na posse da coisa.

As obrigações negativas aqui referidas encontram-se no parágrafo do art. 1.314:

“nenhum dos condôminos pode alterar a destinação da coisa comum, nem dar posse, uso ou

gozo dela a estranhos, sem o consenso dos outros”.

c) Dever de notificar da intenção de venda os consortes e de partilhar os frutos. Tais

obrigações já foram analisadas quando do discurso sobre o direito do condômino de exercer a

preferência e de aproveitar os frutos (cf. 6.1., a e b). Em relação aos frutos, convém aditar

que, achando-se eles pendentes, colhidos ou estantes, poderá o condômino promover cautelar

de sequestro para impedir que o consorte que os plantou deles se desfaça (CPC, art. 882, I);

cuidando-se de frutos percebidos, lícito ao condômino será promover ação de prestação de

contas, a fim de apurar o quinhão que lhe cabe no produto da venda (CPC, art. 914, I). Como

era dever do comunheiro partilhar os frutos com os demais, não o fazendo estará sujeito a tais

ações, às quais se poderá cumular o pedido de perdas e danos, a teor da regra geral do art. 186

do Código.

8 ADMINISTRAÇÃO

O condomínio é direito de propriedade e, como tal, implica o aproveitamento

econômico da coisa, seja para exploração de suas riquezas seja, simplesmente, para desfrute

de suas comodidades. Nem sempre assistem aos condôminos, contudo, condições de explorar

pessoalmente o bem e é possível, ainda, que desavenças surgidas no seio da comunhão

impossibilitem ou inviabilizem seu uso. Nesse caso, eles não aproveitarão, pessoalmente, as

vantagens da coisa. Doutro lado, embora possam exigir a qualquer tempo a venda ou divisão,

a fim de por termo à comunhão, é possível que tais providências não lhes sejam convenientes

ou oportunas, razão por que culminarão por deliberar sobre a destinação da coisa comum.

Daí a redação do art. 1.323:

Art. 1.323. Deliberando a maioria sobre a administração da coisa comum, escolherá

o administrador, que poderá ser estranho ao condomínio; resolvendo alugá-la,

preferir-se-á, em condições iguais, o condômino ao que não o é.

É bem verdade que os condôminos podem deixar abandonada a coisa. Mas o

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legislador parte da idéia de que, não podendo eles aproveitá-la pessoalmente, tomarão uma

dentre duas decisões: administrar o bem ou dá-lo em locação. Na primeira hipótese, nomearão

mandatário, que poderá ser um dos próprios condôminos ou um terceiro. O critério de escolha

é o da maioria absoluta, calculada esta não sobre o número de titulares, mas sobre a dimensão

dos quinhões. Se um dos condôminos não se conformar com a escolha, poderá pedir a divisão

ou venda do bem, direito que, como se viu, pode ser exercido a qualquer tempo. Do contrário,

será civilmente obrigado pelos atos do procurador.

Os atos do mandatário obrigam os condôminos segundo o regime geral do contrato

de mandato (art. 653 ss.). Tal negócio pode ser efetivado verbalmente ou por escrito. Num e

noutro caso, haverá representação. É possível também a figura do mandato tácito, o que

ocorre quando um dos condôminos, tomando a frente da comunhão, começa a administrar

sem oposição dos demais. Se, por exemplo, um dos filhos assumir a administração da fazenda

herdada ao pai e entregar anualmente aos irmãos o produto da venda das safras, sem qualquer

questionamento da parte destes, será presumido mandatário de todos (art. 1.324).

Quanto à extensão dos poderes do administrador, tem-se serem eles apenas

negociais, resumindo-se aos atos de conservação da coisa e de sua viabilização econômica. O

administrador de um cavalo de corrida poderá prover-lhe alimentação, adestramento,

veterinário, vacinas e inscrevê-lo no turfe, mas não poderá vendê-lo, dá-lo em penhor ou

comodá-lo. Estes atos, porque abusivos, reputam-se ineficazes diante dos condôminos, mas

aqueles, sendo necessários à conservação do animal ou implicando frutos civis, consideram-se

válidos. Verificando-se o condomínio em um latifúndio canavieiro, a compra de veículo de

passeio não obrigará os comunheiros, porque manifestamente estranha ao objeto daquela

empresa rural. Por isso se recomenda ao terceiro, também aqui, maior cautela quando

negociar com mandatários de condomínio.

Não querendo o universo condominial possuir a coisa nem nomear administrador,

poderá, na dicção do art. 1.323, alugá-la. Entenda-se nestes termos: não sendo a coisa

possuída ou administrada, a posse será entregue a terceiros, não necessariamente a título de

locação como refere o dispositivo, porquanto admissível a celebração de quaisquer contratos

de empréstimo, como o arrendamento e a parceria agropecuária. Logo, o vocábulo locação,

previsto no dispositivo, deve ser interpretado ampliativamente, para o fim de se entender

qualquer contrato de empréstimo oneroso. A idéia é a de que o condomínio traga vantagens

econômicas aos titulares que não o podem administrar, donde afastar-se o empréstimo

gratuito.

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O art. 1.323 permite que a cessão da posse seja decidida pela maioria, enquanto

providência semelhante, a teor do parágrafo do art. 1.314, exige “o consenso dos outros”,

dando a idéia de unanimidade. A diversidade de critérios reside no fato de que a situação

regulada pelo primeiro dispositivo pressupõe uma potencial anencefalia do condomínio, que

não está sendo administrado pelos titulares. Logo, para não tornar as coisas ainda piores, o

legislador houve por bem seguir o critério da deliberação por maioria. A situação regulada

pelo segundo dispositivo é diversa, porque lá existe uso pessoal da coisa

No caso de administração, ainda que útil e proveitosa, o condômino é obrigado a

acatar a decisão da maioria, mas, não se conformando, poderá pedir venda ou divisão, direito

que, como se viu, é potestativo e pode ser exercido sem justa causa e a qualquer tempo.

Ocorrendo de os condôminos deliberarem sobre a cessão temporária da posse, seja

por locação ou outro contrato, deverão assegurar a preferência ao consorte. Na negativa,

aplicar-se-á a solução apresentada no item 6.1, “a”, acima (direito de preempção), podendo o

condômino obter a posse para si em analogia com o art. 504 do Código.

Questão tormentosa repousa nas deliberações, pois, se o art. 1.325, § 1º., exige

maioria absoluta, nem sempre se atinge esse quorum, ou então ocorre de as votações

resultarem em empate. Numa e noutra hipótese, qualquer dos condôminos poderá provocar a

intervenção jurisdicional, mediante procedimento especial de jurisdição voluntária, forte no

art. 1.112, IV, do CPC. Ouvidos os demais condôminos, proverá o juiz a solução que entender

mais razoável, não sendo obrigado, nesse caso, a adotar parâmetro de legalidade estrita (art.

1.109 do mesmo diploma).

O Código atual incluiu a questão da distribuição dos frutos na subseção referente à

administração (art. 1.326). Dos frutos já se falou em item anterior, aduzindo que sua partilha

se dará na proporção dos quinhões. Acrescente-se, contudo, que tal critério é apenas supletivo

da vontade, podendo os condôminos, ou ainda o doador ou testador, dispor em contrário.

9 EXTINÇÃO

As causas de extinção do condomínio identificam-se com as do direito de

propriedade. Logo, deixará de existir a comunhão quando houver perecimento da coisa,

desapropriação, expropriação, usucapião por condômino ou terceiro etc. Tais fatos já foram

analisados quando do exame da propriedade empreendido no capítulo correspondente. Sem

embargo, outras causas existem, estas relacionadas com o simples fato da comunhão, todas

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elas se aplicando a móveis e a imóveis. São elas:

a) Consolidação. É o enfeixamento das cotas condominiais nas mãos de um só, seja

ele estranho ou condômino. O condomínio se extingue por desaparecimento da pluralidade

subjetiva. Em seu lugar nasce um domínio solitário. A consolidação pode decorrer ou de ato

negocial ou de processo de extinção ou divisão de que decorra a aquisição da propriedade por

um só sujeito;

b) Divisão. É o fracionamento da coisa em várias porções distintas, de tal forma que

casa uma delas constitua um domínio solitário, titulado por um só sujeito. Trata-se do

desaparecimento da unidade objetiva. Como antes visto, a divisão ocorre ou pela forma

amigável ou pela forma judicial. Bens móveis também poderão ser divididos, como no caso

de um rebanho, uma partida de mil sacas de café beneficiado e uma coleção de livros raros;

c) Termo final do prazo legal ou convencional. O legislador vislumbra no

condomínio uma forma anormal de propriedade e, por conta disso, estimula-lhe a extinção, ao

argumento de que sua continuidade, além de perene fonte de discórdia, constitui mecanismo

antieconômico de aproveitamento da propriedade. Ao estimular tanto a divisão quanto a

venda da coisa, o legislador mostra sua ojeriza à indivisão. E em outros dispositivos dá mostra

dessa antipatia, como se observa dos parágrafos do art. 1.320, que limitam em cinco anos o

prazo de duração da indivisão, podendo este ser prorrogado (parágrafo primeiro); impedem o

doador ou testador de doar ou legar por prazo superior a esse (parágrafo segundo) e permitem

ao juiz dissolver a comunhão antes de atingido o prazo convencional de duração (parágrafo

terceiro).

Tais soluções não se sustentam na contemporaneidade, cediça a utilidade prática do

condomínio, mesmo ordinário. Os dois primeiros parágrafos aqui referidos, cuja orientação se

achava no velho Código, não foram assimilados pela sociedade brasileira, até porque o prazo

da indivisão pode ser prorrogado pelos comunheiros; o terceiro, cuja regra não era

contemplada pelo antigo Código, parece fadado ao mesmo destino. Vale dizer, portanto, não

se conhecer na prática a extinção do condomínio em razão de advento de termo, tanto é

verdade que Orlando Gomes (2006, p. 321) não vê o vencimento do prazo como causa

extintiva da comunhão.

10 CONCLUSÃO

Uma análise aprofundada da disciplina do condomínio ordinário, à luz do novo e do

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velho Código, mostra não ter sido prioridade do Projeto Reale introduzir alterações

substanciais na matéria. De fato, os arts. 1.314 e ss., aqui examinados, não constituem

inovação de fundo, senão mera alteração literal de alguns dispositivos. Permanecem os

fundamentos históricos do instituto, vale dizer a teoria da propriedade integral, o que melhor

se afeiçoa ao princípio da funcionalização dos direitos reais.

Nesse sentido, pode-se afirmar que, embora o novo Código não tenha introduzido

substanciais alterações, o princípio da socialidade implica em que o instituto do condomínio

deve ser visto à luz da função econômica e social dos direitos reais, previstos no art. 5º.,

XXIII, da CF.

O condomínio é um poderoso instrumento de realização da propriedade.

Compreendê-lo sob a ótica dos princípios é elementar na nova ordem jurídica, onde impera a

idéia da repersonalização dos direitos privados.

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