Unidade 02 – GEOTECNIA DE FUNDAÇÕES · desenvolver um manual, sob a supervisão da Divisão de...

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Tópicos em Geotecnia e Obras de Terra Prof. M. Marangon Unidade 02 – GEOTECNIA DE FUNDAÇÕES 2. 1 - Aterros sobre Solos Moles Tendo em vista os inúmeros problemas verificados em trechos rodoviários da malha brasileira construída sobre depósitos de solos moles, assim como na construção de aterros em geral, o Departamento Nacional de Estradas de Rodagens (DNER), através de seu instituto de Pesquisas Rodoviárias (IPR), tomou a iniciativa de densenvolver um manual sobre o assunto, pioneiro no Brasil, de modo a oferecer ao engenheiro rodoviário, não necessariamente um especialista em mecânica dos solos, uma fonte de consulta de grande utilidade. Para tanto, contratou a Geomecânica S. A. Tecnologia de solos, Rochas e Materiais para desenvolver um manual, sob a supervisão da Divisão de Pesquisas do IPR e a participação da Divisão de Estudos e Projetos, também do DNER. A construção de aterros sobre solos moles requer do engenheiro uma série de conhecimentos técnicos que abramgem desde as fases de investigação do terreno e de elaboração do projeto geotécnico propriamente dito, até as de execução e de controle de obra. O densenvolvimento deste assunto na disciplina “tópicos” utiliza-se de partes selecionadas, pelo professor, do Manual de Projeto e Execução de Aterros sobre Solos Moles DNER/IPR – Relatório RJ.4218/072-B – Maio/90. Vista de área de solo mole (fundação) que receberá um aterro de rodovia 46

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Unidade 02 – GEOTECNIA DE FUNDAÇÕES

2. 1 - Aterros sobre Solos Moles Tendo em vista os inúmeros problemas verificados em trechos rodoviários da malha brasileira construída sobre depósitos de solos moles, assim como na construção de aterros em geral, o Departamento Nacional de Estradas de Rodagens (DNER), através de seu instituto de Pesquisas Rodoviárias (IPR), tomou a iniciativa de densenvolver um manual sobre o assunto, pioneiro no Brasil, de modo a oferecer ao engenheiro rodoviário, não necessariamente um especialista em mecânica dos solos, uma fonte de consulta de grande utilidade. Para tanto, contratou a Geomecânica S. A. Tecnologia de solos, Rochas e Materiais para desenvolver um manual, sob a supervisão da Divisão de Pesquisas do IPR e a participação da Divisão de Estudos e Projetos, também do DNER. A construção de aterros sobre solos moles requer do engenheiro uma série de conhecimentos técnicos que abramgem desde as fases de investigação do terreno e de elaboração do projeto geotécnico propriamente dito, até as de execução e de controle de obra. O densenvolvimento deste assunto na disciplina “tópicos” utiliza-se de partes selecionadas, pelo professor, do Manual de Projeto e Execução de Aterros sobre Solos Moles DNER/IPR – Relatório RJ.4218/072-B – Maio/90.

Vista de área de solo mole (fundação) que receberá um aterro de rodovia

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Construção de aterro sobre solo mole: Fundação – Solo Sedimentar, de origem aluvionar; Ocorrência esperada de adensamento do soloargiloso “mole”, que ocorre quase na totalidade dos casos; Necessidade de transporte de solo para o aterro – escolha de jazida com menor DMT, possível. EXEMPLO DE OBRA DE IMPLANTAÇÃO DE VIA COM TRECHO EM SOLO MOLE EM J. FORA – Acesso Norte (1995-1996)

Vista aérea do trecho em solo sedimentar – margens do Rio Paraibuna

Vista aérea de uma jazida de solo

Construção do Aterro propriamente dito: Menos complicado. Assunto visto em outras disciplinas

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2. 1. 1 – Investigação Geotécnicas de Campo Introdução As investigações geotécnicas de campo em trechos rodoviários a serem implantados em aterros sobre solos moles devem ser programadas e executadas sob reígidos critérios, sob a pena de insucessos nas fases de projetos e de execução da obra e, fatalmente, na operação da rodovia. O conhecimento do perfil do subsolo ao longo das áreas de interesses, bem como das características e doa parâmetros de compressibilidade e resistência ao cisalhamento das camadas de solos moles, constitui condição fundamental para o desenvolvimento dos projetos. O programa de investigações geotécnicas de campo deve prever a definição e o detalhamento dos perfis geotécnicos longitudinal e transversais ao longo dos trechos de interesse, para permitir o desenvolvimento das soluções de projeto adequadas a cada caso. Após a constatação, nos estudos geológicos, de afloramento desses sedimentos de alta compressibilidade, ou da probabilidade de sua ocorrência em profundidade, serão programadas as investigações a serem realizadas. Para aterros extensos, é recomendável a realização de uma sondagem a percussão piloto no ponto mais baixo do eixo projetado. Se o resultado dessa sondagem confirmar a existência de camadas de solos de baixa consistências, deverão ser executadas outras ao longo do eixo, com afastamento máximo de 100 m, de forma a definir uma seção geotécnica longitudinal do subsolo em toda a extensão do aterro. Para aterros de pequena extensão serão executadas no mínimo três sondagens. As sondagens devem ser executadas de acordo com a norma ABNT NBR-6484 e até profundidades que delimitem a camada compressível e o terreno subjacente de maior resistência, respeitando os critérios da paralisação estabelecidos na mesma norma. Além dos perfis individuais dos furos de sondagem, será desenhada a seção geotécnica longitudinal, com base no perfil topográfico e nos resultados das sondagens executadas ao longo do eixo do aterro. . Sondagens Reconhecimento do sub-solo a partir de sondagens:

• À trado para simples reconhecimento (superficial ?) • À percussão para reconhecimento da estrigrafia e do impenetrável

Solo Mole ? Momenclatura atribuída à consistência de solo predominantemente argiloso, com o valor do N - SPT entre 3 e 5, segundo a NBR 7250. Trata-se de solode origem sedimentar (aluvionar), com resistência ao cisalhamento extremamente baixa, saturado (NA elevado), relativamente homogêneo em toda a profundidade do depósito. São solos muitíssimo compressível (característica relativa a sua capacidade de deformar). Os solos ditos “muito mole” (N - SPT entre 0 e 2) apresentam todas as características destacadas acima, porém em condições de comportamento ainda mais desfavorável. A estes solos é comum se referir também como “solo mole”, de uma forma generalizada.

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Exemplos de perfil de sondagem à trado e à percussão (1995) - em que se observa grande ocorrência de solo mole (até 17,0m)

Sondagem à Trado

Sondagem à Percussão

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a) Investigações Detalhadas para Projetos

Aterros covencionais As investigações detalhadas para projetos de aterros convencionais abramgem a realização de:

- sondagens complementares para o detalhamento das seções geotécnicas longitudinal e transversal do subsolo;

- coleta de amostras indeformadas da camada compressível, com amostrador de tubo aberto, para a execução em laboratório de ensaios de resistência ao cisalhamento e de compressibilidade;

- ensaios de palheta in situ (vane test) ao longo da camada de argila de baixa consistência, em furos de sondagem escolhidos nos locais de maiores altura e espessura da camada compreessível, para a definição dos parâmetros de resistência ao cisalhamento.

Os critérios para a distribuição das sondagens complementares na área do aterro devem

ser estabelecidos de modo a melhor caracterizar zonas críticas em termos de espessura da camada mole, ou locais onde o perfil seja mais heterogêneo. Algumas dessas sondagens devem ser executadas nas bordas do aterro, para o conhecimento do perfil geotécnico também no sentido transversal.

Além desses critérios, as sondagens complementares devem ser planejadas com as

finalidades de coletar amostras indeformadas para ensaios de laboratório e de realizar ensaios de palheta, dentro de um programa global de investigações visando a obtenção dos dados necessários às decisões de oprojeto (remoção parcial ou total, bermas, altura crítica, recalques ao longo do tempo, drenagem vertical, etc).

Os furos destinados à coleta de amostras e à realização de ensaios de palheta devem ser

programados exclusivamente para cada uma dessas finalidades e posicionados próximo a um local sondado anteriormente, de modo a facilitar a programação dos serviços.

Para possibilitar a caracterização integral do depósito mole, a amostragem deve ser

contínua ao longo da camada e os ensaios executados com espaçamento entre si de 1,0 m. A quantidade de furos será determinada em função da natureza e do vulvo da obra, devendo entretanto ser executados no mínimo três furos para amostragens e três para ensaio de palheta.

Para garantir a boa qualidade da amostragem, devem ser utilizados diâmetros mínimos de

100 mm para os tubos de revestimento e de 75 mm para os tubos amostradores.

Aterros especiais Quando o vulvo dos problemas geotécnicos do aterro conduzirem a sua classificação como aterro especial, as investigações geotécnicas de campo deverão ser mais amplas e envolver a participação de consultoria especializada em mecânica dos solos, que desenvolverá, de comum acordo com o DNER, um plano de investigações adequado ao problema identificado. Em princípio, além das investigações previstas para os aterros convencionais, será realizado um maior número de sondagens de grande diâmetro (φ 100 mm, 125 mm ou 150 mm), e a coleta de amostras indeformadas será feita com amostrados de pistão estacionário, também de grane diâmetro (75 mm, 10 mm e 125 mm), instalação de instrumentação geotécnica.

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Além dos ensaios de palheta in situ (EP), poderão ser executados ensaios de penetração de cone (CPT) e piezocone (PCPT), dilatômetro Marchetti (DMT) e permeabilidade in situ, capazes de medir no campo propriedades e parâmetros dos solos moles de interesse para o desenvolvimento do projeto do aterro. De acordo com as necessidades do projeto, poderão ser executados apenas alguns ou, excepcionalmente, todos esses ensaios, além de outros não citados neste manual, desde que justificados. As fotos abaixo ilustram um exemplo de área que receberá um grande aterro com finalidade de servir como uma barragem de terra, que servirá para fechar o vale (até então aberto) com o objetivo de criar um reservatório para armazenamento de líquidos, permanentemente.

Vista de área da área de fundação (solo mole) que receberá um aterro de barragem

Vista em detalhe do terreno de fundação durante o início dos serviços para a construção do aterro

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b) Investigações Complementares Durante a Construção

Durante a construção de aterros sobre solos moles, mesmo os convencionais, e a despeito da existência do projeto executivo, é frequente a ocorrência de problemas não previstos (rupturas e recalques) que requerem um estudo especial para sua solução envolvendo eventualmente a realização de uma campanha de investigações específicas englobando sondagens adicionais, coleta de amostras indeformadas e ensaios de campo e de laboratório. Em cada caso, o programa de investigações devem ser estabelecidos de comum acordo entre o DNER e o projetista. No caso de aterros especiais, o programa de investigações formulado para a fase de projeto conterá obrigatóriamente as investigações a serem realizadas durante a execução da obra. 2. 1. 2 - Investigações Geotécnicas de Laboratório Introdução

Os ensaios de laboratório podem ser os correntes (usuais) ou especiais, dependendo dos objetivos a serem alcançados e das dificuldades apresentadas pelos solos de fundações; aplicando-se geralmente a projetos de aterros convencionais e especiais, respectivamente.

Os ensaios correntes são os de: * caracterização, de adensamento edométrico, triaxial UU e de cisalhamento direto no

material de aterro; Os especiais são os de: * caracterização não correntes (análise mineralógica e teor de matéria orgânica), de

adensamento CRS e triaxial CU.

Execução de Ensaio Oedométrico (de Adensamento)

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Moldagem de Corpo de Prova em Amostra Indeformada, para ensaio de cisalhamento direto

Ensaios Correntes

Ensaios de caracterização Os índices físicos do solo são determináveis através de ensaios de caracterização, que podem ser realizados com materias oriundos de restos de modelagem de corpos de prova de ensaios de resistência ou compressibilidade. Os ensaios de caracterização a serem realizados e as respectivas normas de execução são:

ENSAIOS NORMA Limite de liquidez (LL) ABNT NBR-6459 Limite de plasticidade (LP) ABNT NBR-7180 Análise granulométrica ABNT NBR-7181 Densidadede real dos grãos ABNT NBR-6508 Com relação aos ensaios de limites de liquidez e de plasticidade, recomenda-se que sejam realizados sem a secagem prévia do material, ao contrário do prescrito nas respectivas normas. Para classificação dos solos, efetuada em função dos resultados dos ensaios de caracterização, recomenda-se a adoção do Sistema Unificado de Classificação dos solos (USCS). Ensaios de Adensamento Oedométricos Os ensaios edométricos (visto no curso de Mecânica dos Solos II) vizam a obtenção de parametros de compresssibilidade e de adensamento para o cálculo de recalques e de sua variação com o tempo. Para obtenção de bons resultados nestes ensaios, recomenda-se a utilização de amostradores de pistão estacionário com diâmetro superior a 100mm e corpos de prova com diâmetros menores que o do mostrador, mas nunca inferiores a 50mm .

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A amostra do solo deve ser ensaiada sob a condição de deslocamento lateral nulo em um anel edométrico, iniciando com uma tensão vertical em torno de 10kPa aplicada à amostra e mantida constante durante 24 horas, período durante o qual os deslocamentos verticais da amostra serão registrados em intervalos crescentes . A seguir, a tensão vertical será duplicada, efetuando-se o registro dos deslocamentos verticais. Em geral, são aplicados de oito a dez incrementos de carga, duplicando-se sussecivamente a tensão vertical até que o valor máximo desejado seja alcançado. Recomenda-se que este valor seja no mínimo cerca de duas vezes a tensão vertical atuante e nunca inferior a 800kPa. O ensaio de adensamento é detalhado numa norma da ABNT, incorpora procedimentos de ensaios e cálculo mais recentes . Os itens enfatizam recomendações específicas paras solos moles . Principais parâmetros (Consultar as Notas de Aula de Mecânica dos Solos II) • Coeficiente de adensamento CV . O coeficiente de adensamento CV pode ser calculado pelos métodos de Taylor e de Casagrande (este conhecido também por método log t). Entretanto observa-se a forma da curva de adensamento dos estágios iniciais representada no gráfico log t em geral não permite o cálculo de CV para estes estágios, razão pela qual recomenda-se a adoção do método de Taylor. • Parâmetros de compressibilidade

Os parâmetros de compressibilidade índice de compressão CC e índice de recompressão CR são obtidos através da curva de índice de vazios (e) versos tensão efetiva vertical (log σ’V), conforme ilustrado na figura 01, pela qual se observa que é incorporado ao ensaio um ciclo de carga e descarga . No caso de argila muito mole são recomendados pequenos incrementos de carga (com uma relação ∆σV/σV = 0,5 ) no ínicio do ensaio, de forma a se obter uma melhor definição da pressão de sombreamento σVm . O coeficiente de compressão secundaria é calculado para um incremento de carga através do gráfico de índices de vazios versus tempo (escala log ), mostrado na figura 02. Cα = ∆e ∆log t

54Figura 01 - Gráfico de índice de vazios versus tensão vertical

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Figura 02 - Gráfico de índices de vazios versus tempo

No caso de amostras de boa qualidade de argilas muito moles, o trecho vigem não é linear. Nesse caso deve-se determinarar o valor CC para o domínio de tensões efetivas representativo das condições de campo, conforme ilustrado na figura 03, onde ∆σV é o acréscimo de tensão vertical total na profundidade de interesse.

Figura 03 - Determinação de CC no caso de trecho virgem não linear

• Coeficiente de permiabilidade k O coeficiente de permeabilidade pode ser obtido indiretamente, a partir do ensaio de adensamento oedométrico, pela seguinte equação, baseada na teoria de adensamento de Terzaghi:

k = CV . mV . γa

onde : CV = coeficiente de adensamento; mV = coeficiente de compressibilidade volumétrica; γa = peso específico da água. Entretanto, como a utilização dessa equação resulta em valores de k subestimados em decorrrência de deficiências da teoria de Terzaghi, o coeficiente de permeabilidade pode ser medido alternativamente de forma direta, através de uma fórmula de adensamento (figura 04), na qual a drenagem pela base pode ser separada da drenagem da água pelo topo da célula através de uma torneira.

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Figura 04 - Esquema da célula de adensamento

Na torneira é conectada uma bureta graduada, na qual é feita a medição em um ensaio de permeabilidade de carga variável, no final do estágio de 24 horas de funcionamento. Dependendo da permeabilidade do solo, é utilizado outro período de 24 horas para a medição, findo o qual aplica-se outro estágio de carregamento e assim por diante. O cálculo de k é feito pela equação k = 2,3 a . L log h1 A(t2 - t1) h2 onde: a = área de seção tranversal do tubo; A = área do corpo de prova de altura L;

t1 e t2 = tempos nos quais as alturas h1 e h2 são medidas no tubo. Através desse procedimento é possivel obter a variação do índice de vazios com a permeabilidade, sendo esses dados representados no gráfico e versus k superposto no gráfico e versus log σ’V . Ensaios Triaxiais UU O ensaio triaxial não consolidado não drenado, ou simplesmente ensaio triaxial UU, objetiva definir a resistência não drenada “Su” do solo de fundação, a ser utilizada na análise de estabilidade. O ensaio é realizado considerando condições idealizadas de campo nas quais a construção do aterro é rápida o suficiente para não permitir o adensamento do solo argiliso da fundação, de modo que a resistênsia deste durante o carregamento seja a mesma de antes da construção. Contudo, o tempo de construção de um aterro não tem tal rapidez; fato que aliado ao alto valor in-situ inicial o coeficiente de adensamento, faz com que haja alguma drenagem durante a construção. Com isso os resultados obtidos em um ensaio triaxial UU são conservadores.

No ensaio triaxial UU a amostra de solo é cisalhada na mesma unidade in situ. Assim, nenhum adensamento é permitido na execução. A figura 05 mostra o esquema da célula triaxial usada nesse ensaio. Recomenda-se o uso de corpos de prova com diâmetro de 100mm ou 50mm e relação altura /diâmetro variando entre 2,0 e 2,5. O ensaio é realizado em duas fases: na primeira é aplicada uma pressão confinante σC e na segunda, o corpo de prova é cisalhado aumentando-se a tensão desvio (σ1 - σ3) e registrando-se a deformação do corpo de prova, cuja velocidade deve ser de cerca de 0,5mm/min. e nunca superior a 1,0mm/ min. para as dimensões do corpo de prova aqui recomendadas.

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O valor da tensão-desvio máxima (σ1 - σ3) máx. correspondente à condição de ruptura é então obtida conforme indicado na figura 06, onde se verifica que a resistência não drenada do solo Su é igual a (σ1 - σ9 ) máx. /2, o que corresponde à condição φ = 0.

Figura 05 - Esquema da célula triaxial para ensaios UU.

Figura 06 - Apresentação de resultados do ensaio UU

Quando realizado com tensão confinante nula, o ensaio é de compressão simples e não requer uso da célula triaxial. Neste caso o corpo de prova fica exposto durante o ensaio e sua umidade pode variar, podendo resultar em uma resistência maior que a medida em um ensaio triaxial UU. Por essa razão, que o ensaio UU é considerado melhor que o de compressão simples, sendo, portanto, o recomendado. O ensaio de compressão simples é descrito na norma DNER IE - 04 , onde a resistência não drenada é chamada de coesão da solo. Os procedimentos adotados neste ensaio são, em grande parte, válidos para o ensaio UU, exeto quando à fase de aplicação da pressão é confinante. Os resultados dos ensaios triaxiais UU são muito influenciados pelo alongamento do solo. Em particular os resultados dos módulos de deformação do solo (Eu , por exemplo ) são menos confiáveis que os ensaios CU. Por outro lado, os resultados de Su do ensaio UU são em geral dispersos. Por essas razões, recomenda-se a realização de mais de um ensaio UU em cada profundidade e com ensaios em vários pontos de uma mesma vertical da camada mole para uma boa definição da variação da resistência com a profundidade.

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Ensaios de Cisalhamento Direto do Material do Aterro Tendo em vista que não é possível o perfeito controle das condições de drenagem durante o ensaio de cisalhamento direto, recomenda-se que os ensaios sejam do tipo lento. As amostras do material do aterro devem ser compactadas e em condições de umidade e peso específico bastante próximas das do campo. Devem ser realizados no mínimo de três com o objetivo de definir a envoltória em tensões efetivas (para a obtenção de “c” e “ϕ”), a ser utilizada na análise de estabilidade da obra. A velocidade (v) a ser adotada deve ser: v = ∆lf / 50 . t 50 onde: ∆lf = deslocamento para a condição de ruptura; t50 = tempo necessário para o solo atingir 50 % do adensamento para a carga

normal aplicada.

Figura 07 - Aspecto do equipamento durante a realização de ensaio e o detalhe da caixa de cisalhamento com o extensômetro para medição da deformação vertical do CP.

Figura 08 – Traçado da envoltória de resistência ao cisalhamento, para a obtenção dos parâmetros “c” e “ϕ”.

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2. 1. 3 – Análise de Estabilidade e de Recalques em Projetos de Aterros sobre Argila Mole 2. 1. 3. 1 – Análise de Estabilidade

Roteiro para Análise de Estabilidade

Tanto nos projetos convencionais quanto nos especiais de aterros sobre argila mole, a análise de estabilidade deve ser desenvolvida de acordo com o roteiro básico a seguir, em ordem crescente de detalhamento do projeto:

a) Cálculo da altura máxima admissível do aterro para a resistência média não drenada Su

da fundação;

b) Definição do talude do aterro, para o qual se recomenda a inclinação de 1(V) : 2(H), e de sua resistência, mediante a utilização,

• no caso de aterros com altura superior a 3,0 m, dos ábacos de Pilot e Moreau (1973), que consideram a resistência do aterro (ϕat ≠ 0; cat = 0) e admitem a resistência Su da argila mole constante com a profundidade;

• no caso de aterros com altura h inferior a 3,0 m, dos ábacos de Pinto (1974), que desprezam a resistência do aterro mas admitem Su constante com a profundidade;

c) Análise de estabilidade utilizando métodos de fatias e com o apoio de programas de

computador, através dos métodos de: (visto com detalhes na Unidade 04, deste curso)

• Bishop simplificado, quando forem previstas superfícies potenciais de ruptura do tipo circular (casos correntes); • Janbu simplificado, quando forem previstas superfícies potenciais de ruptura do tipo não circular (casos especiais).

Se a altura máxima admissível de aterro calculada em (a) for igual ou superior à altura em

projeto, o aterro poderá ser construído em uma etapa, conforme detalhado a seguir. Se for inferior, o aterro deverá ser construído em etapas ou com bermas. PROJETOS CONVENCIONIAS

Figura 09 – Aspecto de aterro com 4,0m de altura construído sobre solo mole.

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Análise em termos de tensões totais e de tensões efetivas •

A análise de estabilidade de um aterro sobre argila mole pode ser realizada em termos de tensões totais (“ϕ”.= 0 ) ou em termos de tensões efetivas. A primeira é uma análise simples, que exige o conhecimento apenas da resistência não drenada Su do solo de fundação - também designada pelo simbolo “c” (coesão) no caso de argilas moles -, razão pela qual é recomendada para aterros constituídos em uma etapa. Na segunda, além dos parâmetros efetivos “c” e “ϕ” do solo; é preciso conhecer os excessos de poropressões gerados pela construção do aterro, sendo consequentemente uma análise mais complexa e onerosa, não recomendado para aterros construídos em uma etapa, podendo porém se justificar no caso de aterros construídos em várias etapas.

Definição dos parâmetros de resistência Para a análise em termos de tensões totais o perfil de variação da resistência não drenada Su com a profundidade deve ser obtido com base nos resultados de ensaios de laboratório (compressão simples ou, preferencialmente, triaxial UU e de palheta). A experiência brasileira recente (Ortigão et al, 1987; Ortigão 1988) sugere que os resultados do ensaio de palheta não devem necessariamente ser corrigidos conforme proposto por Bjerrum (1972). Assim, enfatiza-se a necessidade de realização de ensaios UU (não consolidado não drenado ) e de palheta de campo para a definição do perfil final de resistência a ser utilizado em projeto. No estado atual do conhecimento brasileiro recomenda-se quando os perfis de resistência de laboratório e de campo forem relativamente próximos, seja adotado um perfil médio de resistência. Se, ao contrário, houver uma grande diferença entre tais perfis, é recomendável a construção de aterro experimental e levado à ruptura para a definição da resistência não drenada in situ. A resistência do aterro também deve ser considerada na análise de estabilidade, pois do contrário o projeto se torna conservador. A importância da consideração dessa resistência, cujos parâmetros são obtidos através de ensaios de cisalhamento direto, é proporcional à altura do aterro. Entretanto podem ser feitas estimativas preliminares do fator de segurança do aterro sem a consideração de sua resistência utilizando, por exemplo, os ábacos de estabilidade descritos adiante.

a) Cálculo da altura máxima admissível do aterro para a resistência média não drenada Su da fundação;

Uma estimativa inicial da altura crítica HC de um aterro sobre a argila mole pode ser feita utilizando-se teorias de capacidade de carga. No caso de depósitos profundos, a altura crítica HC é calculada em relação à largura do aterro por:

HC = 5,14 Su γ ( 1 ) onde Su é a resistência não drenada da camada de argila e “γ” o peso especifico do aterro. A altura do aterro será, então, H = HC /FS , sendo o valor FS = 1,5. O valor de H assim definido despreza a inclinação do talude, a resistência do aterro e a variação de SU com a profundidade, mas pode ser útil para cálculos bastante preliminares.

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No caso de aterros de largura média B da base grande em relação à espessura da camada h , ou seja, B / h > 1,5 , deve ser utilizada a figura 10 para a obtenção do valor do fator de capacidade de carga NC , a ser empregado no lugar de 5,14 na equação 1.

Figura 10 - Ábaco para cálculo de altura crítica de aterros

b) Definição do talude do aterro e de sua resistência, mediante a utilização dos:

Ábacos para depósito com resistência constante com a profundidade Um ábaco muito conhecido para o cálculo de bermas de equilíbrio é o de Jacobson, aplicável a solos moles com resistência não drenada constante com a profundidade, não levando em conta a resistência do aterro. A figura 11 apresenta o roteiro para o cálculo de bermas por esse método. Pilot e Moreau (1973) também desenvolveram vários ábacos, incluindo casos de aterros com bermas de equilíbrio, que consideram a geometria e a resistência do aterro (c = 0 e ϕ ≠ 0).

A figura 12 apresenta ábacos para um aterro simples (ϕ=35°) e três inclinações de talude.

Figura 12 - Äbaco para análise de estabilidade de aterro sobre depósito com resistência

constante com a profundidade.

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Figura 11 - Dimensionamento de Bermas pelo método de Jakobson

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Exemplo 1 Considere-se um aterro com altura H=2,8m , largura da base igual a 30m, peso específico γ = 18 kN / m3 e talude com inclinação de 1 (V) : 2 (H) , sobre uma camada de argila de 12m de espessura e SU = 15kPa , conforme ilustrado na figura 13a . Neste caso, tem-se: NC = 5,52 , de acordo com a figura 10 HC = 5,52 × Su = 5,52 × 15 = 4,60m γ 18 FS = 4,60 = 1,64 2,80

Figura 13 - Exemplos para o uso de ábacos de estabilidade.

Aplicando os ábacos de Pilot e Moreau, tem-se: N = 15 = 0,30 18 × 2,8 h / H = 12 / 2,8 = 4,3 Aplicando o diagrama da figura 12 correspondente à inclinação de 1(V):2 (H) e considerando que, para h/H > 1,5 , os valores de FS =1,70. Verifica-se, assim, que a consideração da resistência do aterro e da inclinação do talude nos ábacos de Pilot e Moreau resultam em um valor de FS mais realista e superior ao obtido com o cálculo da altura crítica.

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Ábacos para depósito com resistência crescente com a profundidade Um cálculo considerando o crescimento da resistência com a profundidade, qua é uma característica comum nos depósitos de argila mole, pode ser realizado pelos ábacos de Pinto (1974), mostrados nas figuras 14 e 15, respectivamente para depósitos profundos e rasos.

Figura 14 - Ábaco para a análise de estabilidade de aterro sobre depósito profundo com

resistência crescente com a profundidade.

Figura 15 - Ábaco para a análise de estabilidade de aterro sobre depósito raso com

resistência crescente com a profundidade. 64

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Esses ábacos não consideram a resistência do aterro, mas podem ser úteis no caso de aterro baixos, situação em que a parcela de resistência proporcionada pelos mesmos será relativamente pequena em comparação com a parcela devida à massa de argila. Exemplo 2

Adotando o aterro do exemplo 1, porém considerando a resistência crescente com a profundidade, definida por Suo = 3kPa e s1 = 2kPa / m, conforme ilustrado na figura 13 b, tem-se um valor médio de resistência da camada de argila igual a:

Su = 2Suo + s1 x h = 2 × 3 + 2 × 12 = 15kPa 2 2 ou seja, igual ao valor constante do exemplo 1. Entretanto, o valor esperado para FS deve ser inferior ao daquele exemplo, como visto a diante. Para aplicação dos ábacos de Pinto tem-se:

s1 × d = 2 × 5,6 = 3,73 Suo 3

s1 × h = 2 × 12 = 8 Suo 3 Utilizando o gráfico da figura 14, visto que s1.h / Suo > 1,5 , obtém-se NC = 13 e: ∆σf = NC × Suo = 13 × 3 = 39 ∆σ = 2,8 × 18 = 50,4 ∴FS = 39 = 0,77 50,4 Comparando os resultados dos exemplos 1 e 2 verifica-se que a variação da resistência com a profundidade tem grande influência no valor do fator de segurança. Para aterros coesivos baixos recomenda-se considerá-los como totalmente fissurados, utilizando diretamente, portanto, os ábacos de Pinto. Porém, uma análise empregando um programa de computador considerando o aterro c = 0 e ϕ = 0 pode levar a uma subestimativa considerável do fator de segurança, porque o momento instabilizante devido a uma cunha ABD na figura 16, se erroneamente considerado pelo programa, abaixará substancialmente o valor do mesmo. Assim, o programa deve ser adaptado para considerar uma superfície de ruptura composta (BC), como ilustrado na mesma figura. O resultado de um programa com tal alteração utilizasndo o método de Bishop simplificado deverá ser virtualmente o mesmo que o obtido pelo ábaco de Pinto.

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Figura 16 - Analise de estabilidade de aterro fissurados.

c) Análise de estabilidade utilizando métodos de fatias e com o apoio de programas de computador, através dos métodos de: (visto com detalhes na Unidade 04, deste curso)

Método de Bishop simplificado para superfícies circulares

A análise de estabilidade de aterros sobre argila mole para o caso genérico de superfícies circulares deve ser efetuada pelo método de Bishop simplificado, no qual o fator de segurança FS é calculado pela seguinte equação, cujas variáveis estão definidas na figura 17:

∑ [ ci li + ( Wi - ui li ) ] FS = cos αi ∑Wi sen αi [ 1 + ( tg ϕi tg αi ) ] F

Figura 17 - Ánalise de estabilidade de superfícies circulares pelo método de bishop.

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O fator de segurança adotado na prática deve ser da ordem de 1,5 , pois valores menores resultarão em deformações prejudiciais ao uso da rodovia. Poderão ser adotados FS de até 1,3 apenas quando as deformações forem toleráveis, devendo tais valores serem justificados. Atualmente, análises de estabilidade de taludes são feitas em computadores de grande porte ou em microcomputadores, porém a utilização dos programas deve ser precedida de testes sobre sua confiabilidade. Os problemas algumas vezes associados à solução matemática do método de Bishop simplificado (Whitman et al, 1967; Ducan et al, 1981; Ching et al, 1983) devem ser considerados. Palmeira et al, (1979) discutiram a superação desses problemas para o caso específico de aterros sobre solos moles. Exemplo 3 Considere-se um caso típico de aterro de 5m de altura, dotado de uma berna de 2m de altura e 10m de largura, assente sobre um depósito com nível d’água na superfície do terreno e contituído de uma camada superficial de areia com 2m de espessura, seguida de duas camadas de argila, sendo uma muito mole, com 2m de espessura e resistência não drenada constante igual a 5kPa, e a outra mais resistente, com 6m de espessura e resistência não drenada crescente linearmente com a profundidade (10 a 20kPa ). Os parâmetros de resistência adotados para o aterro e a areia são indicados no quadro 1

FATIA h1 h2 h3 h4 γ1h1 γ2h2 γ3h3 γ4h4 p=∑γihi ( m ) ( kPa ) 1 2,5 - - - 45 - - - 45 2 5,0 1,0 - - 90 19 - - 109 3 5,0 2,0 1,0 - 90 38 13,5 141,5 4 5,0 2,0 2,0 1,6 90 38 27 24 179 5 3,5 2,0 2,0 4,4 63 38 27 66 194 6 2,0 2,0 2,0 5,8 36 38 27 87 188 7 2,0 2,0 2,0 5,8 36 38 27 87 188 8 1,0 2,0 2,0 4,8 18 38 27 72 155 9 - 2,0 2,0 2,4 - 38 27 36 101 10 - 2,0 1,0 - - 38 13,5 - 51,5 11 - 1,0 - - - 19 - - 19

CAMADA TIPO γ ( kN / m3 ) c ( kPa ) Φ ( ° )

1 Aterro 18,0 5 20 2 Areia 19,0 0 28 3 Argila 1 13,5 5 0 4 Argila 2 15,5 Variável 0

Água: γw = 10 kN / m3

Quadro 1 - Cálculo das pressões verticais nas fatias

A figura 18 mostra a posição de um círculo de ruptura escolhido arbitrariamente, com

22m de raio, tangenciando o limite da camada argilosa inferior e dividido em 11 fatias, aproveitando os pontos de mudança das camadas.

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Figura 18 - Exemplo de cálculo pelo método de Bishop simplificado

A figura 19 mostra a planilha de cálculo utilizada. Como há mais de um tipo de solo

envolvido, calculou-se a parte o valor da pressão vertical na base de cada fatia (quadro 1). Como o fator de segurança F aparece implicitamente na equação que fornece Fs (fator de segurança F calculado), é necessário realizar um cálculo iterativo. Adotou-se inicialmente F = 1,00 obtendo-se Fs 1,160; a segunda iteração partiu de F = 1,10, obtendo-se Fs = 1,156. Para confirmação, realizou-se uma terceira iteração, com F = 1,20, obtendo-se Fs = 1,162. Construiu-se então um gráfico (como mostrado abaixo) de F versus Fs, na mesma escala. A reta a 45° intercepta a curva de variação de F versus Fs em 1,16, que é o valor desejado.

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O cálculo por computador seria feito com um número maior de fatias, teria maior precisão e forneceria para Fs um valor ligeiramente diferente. Deve-se obsevar ainda que o círculo adotado não é o mais crítico e que seria necessário calcular os para raios menores. Se isto fosse feito, ter-se-ia encontrado para a posição de centro do círculo, o valor Fs = 1,06.

2. 1. 3. 2 - Análise de Recalques

Para a análise de recalques são calculados usualmente o recalque total e a variação do recalque com o tempo.

Figura 19 – Registro de área próximo à UFJF (rua marginal ao córrego de São Pedro – antes da construção do Germann Village –abaixo na foto) correspondente a bacia de solo sedimentar (compressível) e do início da implantação da via que apresenta hoje recalque considerável, junto a ponte que dá acesso ao início do acesso São Pedro (seta). • Recalque total

O recalque total de um aterro sobre argila mole tem três componentes:

• recalque não drenado, ou recalque imediato, que está associado a deformações elásticas cisalhantes a volume constante logo após a colocação do aterro sobre o terreno;

• recalque por adensamento primário, ou recalque por adensamento, que em geral responde pela maior parcela do recalque total;

• recalque por compressão secundária, ou recalque secundário, que é decorrente da compressão do esqueleto sólido e, portanto, não está asssociado à expulsão da água dos vazios do solo.

a) O recalque imediato é calculado com base na equação:

Si = 2q x b ( 1 - ν ) x I (1)

E

onde: q = incremento de tensão vertical decorrente do aterro, ou seja, produto da altura do aterro pelo seu peso específico;

b = semilargura da plataforma do aterro; E e ν = parâmetros elásticos do solo de fundação; I = fator de influência, obtido da figura 20.

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Considerando o solo de fundação saturado tem-se, para a equação 1, ν = νu = 0,5 e E = Eu sendo E determinado através do ensaio triaxial consolidado não drenado CU, se houver resultados disponíveis, ou por meio de correlações, como a apresentada na figura 21.

Figura 20 - Ábaco para cálculo de tensões verticais induzidas por um aterro.

Figura 21 - Variação da relação Eu/Eu com o índice de plasticidade em razão de

sobreadensamento.

O ábaco de cálculo de tensões verticais de Osterberg (1957) considera o aterro com uma distribuição trapezoidal igual a seu peso em cada ponto da superfície carregada, ou seja, despreza a rigidez do aterro, hipótese aceitável em casos práticos, e utiliza o princípio da superposição, como exemplificado na figura 22. No caso de bermas, é prática corrente (Leroveil et al, 1985) considerar a profundidade z para a parte superior do aterro acima da berma a partir de seu topo, conforme apresentado na figura 23.

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Figura 22 - Princípio de utilização do ábaco de Osterberg para aterro simples.

Figura 23 - Princípio de utilização do ábaco de Osterberg para aterro com bermas.

b) O recalque por adensamento primário é calculado para o caso de carregamento de um solo da condição sobreadensada para normalmente adensada pela equação: So = ∑ [ Cs x ∆h x log σ’vm + Cc x ∆h x log σ’vf ] (2) 1 + eo σ’vo 1 + eo σ’vm onde: Cc = índice de compressão Cs = índice de recompressão ∆h = espessura da subcamada correspondente eo = índice de vazios da subcamada σ’vm = tensão de sobreadensamento no meio da subcamada σ’vo = tensão efetiva vertical in situ no meio da subcamada

σ’vf = tensão vertical final no meio da subcamada, decorrente da sobrecarga do aterro na superfície, ou seja: σ’vf = σ’vo +∆σ, onde o acréscimo de tensão vertical ∆σ = q x I, definidos na equação 1.

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Exemplo 4 Considere-se um aterro sobre argila mole com as características geotécnicas e

geométricas indicadas na figura 24, sobrecarga aterro q = γal x hal =18 x 4.5= 81kpa e acréscimo de tensão vertical em cada subcamada ∆σ = q x I, onde I = 1,0 , pois a base do aterro é grande em relação à espessura da camada de argila (B/h = 40/B = 5).

Fig 24. Exemplo para cálculo de recalques por adensamento primário

O cálculo de recalques aplicando a equação 2 resulta em:

z (m)

∆h (m)

σ’vm (a) (kPa)

σ’vm (b) (kPa)

σ’vf (kPa)

01 eCs

+

01 eCc

+ ∆S

(m)

1,0 2,0 4,0 20,0 85,0 0,042 0,208 0,31 3,0 2,0 13,0 26,0 94,0 0,041 0,179 0,22 5,0 2,0 23,0 46,0 104,0 0,041 0,179 0,15 7,0 2,0 34,0 34,0 115,0 0,032 0133 0,14

S = Σ ∆S = 0,82 m (a) σ’vo = Σ (σv – uo ) = Σ (γ - 10) z γw = 10 kN/m³ na profundidade z (b) σ’vm = σ’vo x OCR

Alternativamente, o recalque por a densamento pode ser calculado de forma mais simples pela equação (visto em Mecânica dos Solos II):

Sa = Σmv x ∆σ x ∆h (3)

onde: mv = coeficiente de compressibilidade volumétrica para o nível de tensão vertical atuante no meio da subcamada de espessura ∆h ;

∆σ = acréscimo de tensão vertical.

c) Os fundamentos teóricos do cálculo dos recalques secundários ainda são objeto de estudo no meio acadêmico. No estado atual do conhecimento é recomendado apenas calcular os limites inferior e superior desse componente do recalque total, conforme sugerido por Leroveil et al (1985). Esses limites são calculados segundo os modelos A e B da figura 25 (Ladd et al, 1977).

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Figura 25 - Efeito da compressão secundária sobre a relação deformação-tempo segundo

dois modelos de comportamento.

No caso do limite inferior (modelo A), o cálculo se baseia na hipótese simplista de que o recalque secundário só se verifica após o tempo de ocorrência da compressão primária. Assim, paraq um determinado tempo de vida de obra, o limite inferior do recalque secundário é calculado por: SSA = h x Cα x log t v (4) 1 + e tp

onde: h = espessura total da camada de argila; Cα = índice de compressão secundária; tv = tempo de vida da obra (dias); tp = tempo de ocorrência da compressão primária (dias).

O limite superior (modelo B) resulta dos trabalhos de Bjerrum (1972) e é calculado admitindo-se que os recalques secundários ocorrem durante o adensamento primário, a uma velocidade semelhante à observada em laboratório no final do adensamento primário, em geral após um dia. O cáculo é efetuado pela equação: SSB = h x Cα x log (tv) (5) 1 + e

Os dois modelos incorporam hipóteses discutíveis e têm como resultado previsões de recalques sedcundários bastante distintas. No estado atual do conhecimento, recomenda-se a adoção da média entre os valores obtidos pelos dois cálculos (equações 4 e 5), o que é dado por: Ss = h x Cα x log tv (6) 2 ( 1 + e ) tp

O valor de tp a ser utilizado nas equações 4 e 6 deve ser o correspondente ao grau de adensamento U de 90%, que é fornecido pela equação: tp = 0,848 x H2

d / cv

onde Hd é o maior caminho de drenagem da camada mole.

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No cálculo do recalque secundário deve ser considerado ainda o efeito de submersão do aterro, que resulta basicamente na diminuição da tensão vertical aplicada na superfície, a qual passa de q para um valor q*. Admitindo-se como despresível o acréscimo de peso específico úmido devido à submersão, tem-se: q∗ = q - S’ x γw 2

onde S’ = Si+ Sα , ou seja, o recalque por compressão secundária, não é computado. Com o valor de q assim obtido deve ser calculado o novo recalque por adensamento Sα corrigido pelo efeito da submersão.

Exemplo 5

A figura 26 mostra um exemplo simplificado do cálculo do recalque total, basicamente o mesmo utilizado para os cálculos de estabilidade com o emprego de ábacos. Na prática, os cálculos são realizados dividindo-se a camada total em subcamadas, conforme exemplo 4, porém foram efetuados aqui apenas para o meio da camada (profundidade z = 6 m), para simplificar.

Figura 26 - Exemplo para cálculo de recalques totais

a) Recalque imediato S Para a utilização do ábaco de Osterberg (figura 20), tem-se:

475,093,00,66,556,1

622,18

===== Iza

zb

mxxxE

IbxqxSu

ui 17,0

2000475,0)5,01(4,9188,22)1(2 22

=−

=−

b) Recalque por adensamento Sa

kPaxxxIxq 48)475,02()188,2( ===∆σ

mxxmxhxS va 15,1101248 3 ==∆= −σ c) Recalque por compressão secundária Ss

anomsegcmxCv /6,1/105 224 == −

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diasanosxxc

Htv

dp 964.608,19

6,160848848,0 22

===

diasanostv 500.36100 ==

%11

=+

=e

CC ααε

mxxSa 31,0964.6500.36log

201,012 2

==

d) Recalque S

mSSS ai 32,115,117,0 =+=+=

e) Consideração do efeito de submersão

kPaxSqq w 8,437,64,502

* =−=−=γ

f) Recalque por adensamento considerando o efeito de submersão

mxxxSa 00,11021261,41 3 == −

g) Recalque total corrigido com efeito de submersão

mS 48,131,000,117,0 =++=

Portanto, o aterro com 2,80 m de altura recalcará 1,48 m e, a longo prazo, sobrará apenas 1,32 m acima do nivel do terreno. Se a cota do greide da estrada para essa condição não for aceitável, deverão ser realizados novos cálculos. • Variação do recalque com o tempo

O cálculo da variação de recalques com o tempo deve ser feito pela teoria de

Terzaghi, aplicando-se a equação:

(07)xUStS aa =)(

onde: Sa (t) = recalque por adensamento em um tempo t qualquer; Sa = recalque final por adensamento, calculado, por exemplo, pela equação 2; U = grau de adensamento médio para o tempo t.

O valor de U é calculado em função do tempo T, definido por:

2d

v

HtxcT = (08)

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onde Hd é o comprimento máximo de drenagem da camada compressiva. Assim, no caso de camada com fronteiras drenantes superior e inferior, Hd é igual à metade da espessura h da camada; no caso de camada com apenas uma fronteira drenante, H = h.

A relação entre o grau de adensamento U e o fator de tempo T é fornecida pelo quadro 2,

válido para o caso de excesso de propressão inicial constante ou linearmente variável com a profundidade, condição na qual a grande maioria dos casos práticos se encontram.

Quadro 2 - Relação entre o tempo T e o grau de adensamento U para excesso de

progressão constante ou linearmente variável com a profundidade.

As etapas a serem seguidas para o cálculo da variação de recalques com o tempo são:

a) cálculo do recalque por adensamento Sa (equação 2 ou 3);

b) estimativa do valor de Cv a ser adotado;

c) para um dado valor de t, cálculo do fator de tempo T (equação 08);

d) para o valor de T calculado, obtenção no quadro 2 do valor de U;

e) cálculo do valor de Sa (t) pela equação 07;

f) repetição das etapas c e para vários valores de tempo t, até que seja obtido um valor de U próximo de 90%.

A utilização da equação 08 exige que se escolha um coeficiente de adensamento Cv representativo do depósito. Entretanto, como Cv varia com o nível de tensão aplicado, de posse da curva Cv - log Cv de uma amostra representativa de laboratório deve-se utilizar o valor de Cv médio entre as tensões efetiva in situ c e final c. Por outro lado, sabe-se que a velocidade de recalque prevista com Cv medida em laboratório é em geral mais lenta que a observada in situ, ou seja, resulta em valores de 5 a 10 vezes menores. Para superar tal dificuldade há vários caminhos, dois dos quais lançando mão de ensaios in situ. O primeiro consiste na realização de ensaios de permeabilidade en situ e no cálculo de Cv pela equação:

wvv xmxkC γ=onde: K = coeficiente de permeabilidade in situ;

mv = coeficiente de compressibilidade volumétrica medido no ensaio de adensamento edométrico (para a tensão efetiva média in situ);

γv = peso específico da água

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O segundo caminho consiste no cálculo do valor de Cv diretamente, a partir de ensaios de dissipação com piezocone (não estudado neste curso), o que possibilita uma boa definição da variação de c com a profundidade. Exemplo 6

Considerando novamente o exemplo da figura 26, tem-se: H = 6,0 m, = 1,6 m2/ano e S = 1,00 m. A variação de recalque S (t) é colocada pelo quadro 3.

Quadro 3. Variação de recalque S (t)

PROJETOS ESPECIAIS Análise de Estabilidade:

- Superfícies de Ruptura

Quando a heterogeneidade da fundação ou outras condições geométricas indicam a possibilidade de ocorrência de superfície de ruptura não circulares, estas devem ser pesquisadas, recomendando-se para tal o método de Janu simplificado, que é o mais simples e difundido. O cálculo é realizado de forma muito semelhante à do método de Bishop simplificado, com uma pequena alteração na equação 2, que passa a ser:

]F x tgtgα 1 [ cosα x x tgαW

] tg)∆xu(w∆x[cFs

ii2iii

iiiiii

φφ

+

−+=

∑∑

Exemplo 7 O roteiro de cálculo é semelhante ao do exemplo 3, do qual foram utilizados para exemplificar a aplicação do método de Janbu. A figura 47 mostra a superfície escolhida, que passa em sua maior parte na camada horizontal de menor resistência. A figura 27 e o quadro 4 apresentam, respectivamente, a planilha de cálculo e o cálculo da pressões verticais. Uma diferença a ser assinalada é a introdução do fator de correção f0 na expressão geral de Fs pelo método simplificado. Janbu fez o gráfico mostrado na figura 28, da qual se obtém, em função de d/L e o tipo predominante de solo, o valor f0 pelo qual se deve multiplicar cada Fs encontrado, de modo a se aproximar do verdadeiro Fs.

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Figura 27 - Exemplo de cálculo pelo método de Janbu simplificado

No exemplo, f0 = 1,10, ou seja, o valor verdadeiro de Fs é cerca de 10% maior que o valor encontrado. O resultado obtido (Fs = 0,68 ), comparado com o valor de 1,06 fornecido pelo método de Bishop para superfícies circulares, mostra que, quando há uma pequena espessura com resistência muito menor que as demais, a superfície crítica não é circular. Neste caso, um projeto baseado em círculos seria enganosamente seguro.

FATIA h1 h2 h3 γ1h1 γ2h2 γ3h3 p=∑γIhi ( m ) ( kPa ) 1 2,5 - - 45 - - 45 2 5,0 1,0 - 90 19 - 109 3 5,0 2,0 1,0 90 38 13,5 141,5 4 3,5 2,0 2,0 63 38 27 128 5 2,0 2,0 2,0 36 38 27 101 6 1,0 2,0 2,0 18 38 27 83 7 - 2,0 1,0 - 38 13,5 51,5 8 - 1,0 - - 19 - 19

CAMADA TIPO γ ( kN / m3 ) c ( kPa ) φ ( ° ) 1 Aterro 18,0 5 20 2 Areia 19,0 0 28 3 Argila 1 13,5 5 0 4 Argila 2 15,5 Variável 0

Água: 3w 10kN/mγ =

Quadro 4 – Cálculo das pressões verticais nas fatias

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Figura 28 - Determinação do fator de correção F0 do método de Janbu simplificado.

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2. 1. 4 - Soluções para aceleração de recalques

Segundo Almeida (1996), em seu livro “Aterro sobre Solos Moles”, ao planejar a construção de um aterro sobre solo mole várias são as alternativas. A primeira delas consiste em evitar o problema, removendo a camada mole, alternativa esta utilizada quando a camada é de espessura relativamente pequena, em geral até cerca de 4m. Não sendo esta alternativa viável, constrói-se o aterro sobre a camada mole. Esta construção pode-se dar em uma única etapa, caso o fator de segurança quanto a ruptura seja aceitável, ou em várias etapas, caso seja desejável permitir o contínuo ganho de resistência da camada de argila mole durante cada etapa. O aterro pode ser construído em seção trapezoidal simples ou com bermas laterais para aumentar o fator de segurança. Geotêxteis na interface aterro-fundação são também utilizados para aumentar o fator de segurança contra a ruptura.

As técnicas utilizadas para aceleração ou diminuição de recalques de aterros sobre solos

moles são apresentadas na tabela 01. Dentre estas técnicas uma das mais utilizadas é a de drenos verticais na camada de argila mole visando acelerar os recalques.

Neste último caso o pré-carregamento com sobre altura de aterro é muitas vezes utilizado. Estacas granulares com o objetivo de acelerar e diminuir recalques e aumentar o fator de segurança contra a ruptura são menos utilizadas no Brasil, mas largamente utilizadas no exterior. Algumas das técnicas mencionadas acima são objeto de abordagem neste curso.

Tabela 01 – Principais características dos métodos utilizados para controle de recalques (Segundo Almeida, 1996, adaptado de Magnan, 1994)

Método Dados necessários Desvantagens Confiabilidade Comentários Pré-

carregamento Compressibilidade,

permeabilidade Tempo necessário Baixa, se recalques

desejados são pequenos

Lento e barato

Pré-carregamento com drenos

verticais

Compressibilidade, Permeabilidade

horizontal e vertical

Menor tempo necessário que pré-

carregamento simples

Mais confiável Rápido e relativamente

caro

Substituição da argila

Espessura da camada

Local para disposição do solo extraído

Boa em casos de total substituição

Rápido e caro

Colunas granulares

Resistência do solo e módulos

Equipamento, testes de campo preliminares

Boa após análise dos testes de campo

Rápido e caro

Lajes estaqueadas

Resistência do solo ______ Boa Muito caro

Letro-osmose Propriedades físico-químicas,

compressibilidade permeabilidade

Destruição de eletrodos, eletricidade

necessária

Incerta Muito caro

Aterro com materiais

leves

Compressibilidade, permeabilidade

Proteção do material leve

Baixa, se recalques desejados são

pequenos

caro

Aterros estaqueados

Resistência do solo e módulos

______ Boa Rápido e caro

Colunas de argamassa injetada

Resistência do solo e módulos

______

Boa Rápido e caro

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Apresentaremos neste curso algumas das técnicas utilizadas para a aceleração dos recalques desenvolvidos em camadas de solo mole. a) Drenos verticais Quando a espessura do solo argiloso é de tal ordem que o tempo necessário para o adensamento desejado é incompatível com os prazos da obra, ou quando há necessidade de acelerar a ocorrência dos recalques, como nos casos de aterro com sobrecarga temporária e de aterro construído em etapas, podem ser empregados drenos verticais.

O conjunto de fotografias mostra a execução da técnica de acelaração de recalques a partir da execução de drenos verticais de areia, para uma área de fundação de uma barragem de terra. A foto mais a esquerda mostra o equipamento (trado mecânico) utilizado para furar a camada mole. A foto acima mostra vários pontos equidistantes em que foram executados os furos, e a inferior mostra a área que recebeu os inúmeros furos de drenos.

Durante a construção do aterro são gerados excessos de pressão na água dos poros da camada argilosa, a qual migra das regiões de alta pressão para as fronteiras drenantes. No caso de uma camada argilosa com duas faces drenantes, o caminho da drenagem é igual à metade da espessura da camada. A presença de drenos verticais com espaçamento relativamente pequeno entre si (da ordem de 1 a 3 m) diminui esse caminho, fazendo com que a dissipação dos excessos de pressão se dê em um tempo muito menor. Como os tempos de adensamento são proporcionais ao quadrado do caminho da drenagem, se este for dividido por dois o tempo de adensamento será quatro vezes menor.

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O cálculo da instalação de drenos verticais é feito através da teoria desenvolvida por Nabor Carillo em 1942 e descrita por Richart (1957). A figura 29 mostra uma instalação típica de drenos de areia, incluindo drenos longitudinais coletores e instrumentação usual. Para dimensionar uma rede de drenos que permita obter um grau de adensamento de U% em um tempo t desejado, deve-se proceder da seguinte maneira (Magnan, 1983):

Figura 29 - Instalação típica de drenos de areia

- determinar, a partir do perfil geotécnico deo terreno, a espessura h e a distância de drenagem vertical H da camada compressível; através de ensaios de adensamento obtém-se os valores dos coeficientes de adensamento c e c para os fluxos nas direções vertical e horizontal, respectivamente;

- calcular o grau de adensamento vertical U que se pode atingir no tempo t desejado, através da teoria do adensamento unidimensional de Terzaghi, com os parâmetros H e c e utilizando os ábacos da figura 30.

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Figura 30 - Abacos para cálculo do grau de adensamento vertical U.

- calcular o grau de adensamento horizontal U necessário para alcançar no tempo t o grau

de adensamento global, através da fórmula de Carillo (figura 31), na qual os graus U são expressos em decimais;

Figura 31 - Ábaco para cálculo do grau de adensamento horizontal

- determinar os diâmetros d e D dos drenos e de suas zonas de influência, de modo a se

obter por adensamento horizontal um grau de adensamento U ao fim do tempo t; utiliza-se o ábaco da figura 32, que fornece diretamente a relação entre d e D, desde que c U e t sejam conhecidos;

- através do diâmetro D a zona de influência de cada dreno, calcular o espaçamento L dos drenos pelas fórmulas:

L = D/ 1,13 no caso de malha quadrada; L =D/ 1,05 no caso de malha triangular.

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Figura 32 - Ábacos para a determinação dos diâmetros d e D dos drenos e de suas zonas

de influência

Como pode ser verificado pelo ábaco da figura anterior há uma infinidade de conjuntos de valores de d e D que satisfazem a solução do problema. A distância entre os drenos só pode ser fixada se for fornecido o diâmetro dos mesmos, o qual depende do tipo de dreno que se vai utilizar. Em cálculos preliminares é comum adotar um diâmetro de 30 cm.

No caso de drenos tipo cartão, é indispensável levar em conta a reduzida permeabilidade na direção vertical e calcular um diâmetro de dreno circular equivalente. Cada fabricante fornece características de seu dreno e indica a maneira de efetuar esses cálculos. Exemplo 9

Considere-se uma camada argilosa com 20 m de espessura, drenada ambos os lados e com coeficientes de adensamento vertical Cv = 2,0 x 10-8 m2/s e horizontal Ch = 5 x 10-8 m2/s, para a qual se deseja dimensionar uma rede triangular de drenos com 30 cm de diâmetro, que permita obter uma portcentagem de adensamento de 80% em três meses.

Pelos ábacos das figuras 30 a 32 podem ser determinados, sucessivamente, com H = 20/2

= 10 m (a camada apresenta drenagem pelas duas faces):

- o grau de adensamento vertical, ou seja, U = 5% (figura 30); - o grau de adensamento horizontal necessário, ou seja, U = 79% = 80% (figura 31); - o diâmetro da zona de influência de drenos com 30 cm de diâmetro, ou seja, D = 1,50

m, e o espaçamento dos drenos para malha triangular, ou seja, L = 1,50/1,05 = 1,43 m.

Os cálculos de drenos verticais assim efetuados são simplificados, pois desprezam o efeito do amolgamento e da diminuição da permeabilidade do solo ao redor do dreno, decorrentes da cravação. A consideração desse efeito, conhecido como smear, nos cálculos de drenos verticais é simples, mas foge ao escopo deste manual. A experiência acumulada

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internacionalmente com o uso de drenos verticais e os cálculos dos mesmos são detalhados por Magnan (1983). Resultados comparativos de cindo diferentes tipos de drenos verticais instalados em argila mole do Rio de Janeiro são apresentados por Collet (1986) e Almeida et al (1989). b) Pré-carregamento

O uso de sobrecargas temporárias, ou de pré-carregamento, tem por objetivo alcançar rapidamente o recalque final previsto para o aterro, antes de sua entrega ao tráfego, e consiste na colocação sobre o mesmo de uma camada extra durante o tempo t necessário para que o recalque final previsto para o aterro sem essa sobrecarga seja obtido. Após o tempo t a sobrecarga é retirada, deixando-se o aterro no greide de projeto (figura 33). Os cálculos de recalques e de sua evolução no tempo (ítem 2. 1. 3. 2), assim como os de estabilidade (ítem 2. 1. 3. 1), devem ser feitos para as duas alturas de aterro.

Como a altura total de aterro, incluindo a sobrecarga, deve ser compatível com a resistência do solo de fundação, o emprego dessa solução sofre algumas limitações. Por exemplo, se o solo de fundação tiver resistência muito baixa, pode ser necessário o uso de bermas temporárias para garantir a estabilidade do aterro; ou, se a espessura do depósito mole for superior a 5m, a altura de sobrecarga eficaz será grande (equivalente ou pouco menor que a espessura do depósito), podendo requerer o emprego de métodos de aceleração de recalque (drenos verticais). Em ambos os casos, o emprego de sobrecarga ficará onerado.

Figura 33 - Utilização de sobrecarga temporária para aceleração dos recalques

É necessário ainda prever um local para depósito do material constituinte da sobrecarga

ou seu reemprego em outro local próximo da estrada, após sua remoção.

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Apesar dessas limitações e excluindo a possibilidade de remoção total da camada mole, esse método é o mais eficaz para se obter um greide final livre de recalques e o mais usado em locais críticos de estradas, como encontros de pontes e viadutos e locais de passagem de bueiros.

Figura 34 - A figura ilustra um exemplo em que foram utilizadas duas técnicas, em conjunto, para aceleração dos recalques esperados: a da construção de drenos verticais de areia associado à um colchão drenante e a construção de um aterro excedente, a ser removido, com a intenção de atuar como um carregamento maior do que irá atuar. c) Estacas de material granular como elemento de reforço e drenantes

Estacas de areia ou de brita podem ser utilizadas como elementos de reforço e drenantes

no interior de camadas compressíveis, conforme demonstrado em inúmeras observações de campo e em modelos físicos de laboratório. As vantagens das estradas granulares são:

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- diminuição de recalques do aterro; - diminuição de deslocamentos laterais do aterro; - aceleração de recalques com o tempo; - melhoria da capacidade de suporte, permitindo que seja atingida uma maior altura de

aterro.

Em geral, as estacas granulares são utilizadas sob todo o aterro, mas podem ser empregadas apenas na região sob o talude, quando os objetivos principais forem o aumento da capacidade de suporte da fundação e a diminuição de deslocamentos laterais. Mesmo nesses casos (Almeida et al, 1985; Almeida e Parry, 1986) as estacas granulares contribuem para a diminuição dos recalques e para sua aceleração. d) Estacas de alívio

Nessa solução, o aterro é inteiramente suportado por estacas e, como o subsolo não é

solicitado, não ocorrem recalques. No Brasil, essa solução tem sido utilizada para fundações de tanques de petróleo. Em estradas, foi usada na Suécia e na Tailândia, não havendo registros de seu emprego em estradas brasileiras. É uma solução adequada para superar os problemas de empuxos laterais de aterros sobre a argila mole junto a encontros de pontes. Um projeto desse tipo foge à alçada deste curso, uma vez que exige estudos particulares e o emprego de metodologia de cálculo ainda não sedimentada. 2. 1. 5 – Instrumentação Geotécnica - Introdução

Em alguns casos de obras de engenharia, principalmente aquelas de grande porte, ou que

envolva algum nível maior de risco que possa comprometer não só perdas materiais significativas, mas também risco de perda de vidas humanas, há a necessidade de se acompanhar a evolução do seu comportamento após a sua conclusão. Assim, nestes casos são montados instrumentos apropriados para o acompanhamento, com leituras, das informações mais relevantes no que se refere ao seu comportamento.

- Técnicas e Instrumentos Disponíveis

As técnicas de observação do comportamento de aterros sobre solos moles incluem a seleção do tipo e a determinação da quantidade de instrumentos a serem utilizados, sua localização e instalação, a aquisição de dados, a análise e a interpretação dos resultados. Esse conjunto de técnicas constitui o que se chama de instrumentação geotécnica, e tem sido objeto de grande interesse e desenvolvilmento no Brasil nos últimos dez anos.

A instrumentação geotécnica é diferenciada para casos correntes e casos especiais de

construção de aterros sobre solos moles. Nos primeiros são utilizados equipamentos que, por sua simplicidade, podem ser fabricados na própria obra, estando incluidos nessa classificação o piezômetro Casagrande, o medidor de nível profunda e o marco superficial.

Alguns desses instrumentos, como o piezômetro Casagrande e a placa de recalque,

possuem tubos de acesso cuja extremidade superior fica acima do nível do aterro, prejudicando o tráfego na rodovia, inclusive durante a construção. Assim, quando a manutenção da instrumentação de um aterro rodoviário é necessária por um longo período, inclusive após sua

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liberação ao tráfego, devido as características do solo de fundação, ou seja, nos casos especiais de construção de aterro, devem ser usados equipamentos mais sofisticados, fabricados por instituições técnicas e que demandam pessoal especialmente treinado para sua instalação e operação e para a análse dos resultados.

É importante ressaltar que a observaçào do comportamento de uma obra levar a uma

redução de custos e ao aumento da segurança e da confiabilidade. O custo de um programa de observação atinge no máximo 3% do custo total da construção, sendo, portanto, insignificante em relação ao custo total da obra.

- Programa de Monitoração

As fases de um programa de monitoração constam da figura a seguir. Somente através do planejamento cuidadoso de cada uma delas os investimentos em observação do comportamento de uma estrutura podem apresentar o retorno esperado.

Programa de Observação

Decidir quanto ao objetivo da instrumentação

Selecionar os instrumentos e as grandezas a serem medidas.

Planejar o número de seções a serem instrumentadas e a localização dos instrumentos.

Testar e instalar instrumentos e obter leituras iniciais

Efetuar leituras durante e/ou após a construção

Previsão do

comportamento da obra

Processar e analisar os dados

Reavaliação Os custos relativos de cada uma dessas fases são:

FASE CUSTO (%) Aquisição do instrumento 10 Instalação 20 Aquisição de dados 20 Análise 50 TOTAL 100

Observa-se que o custo relativo das fases de leitura e análise é maior que o das precedentes, representando 70% do custo da instrumentação. É importante ressaltar, porém, que a experiência demonstra que muitos programas de observação de obras resultam em insucesso, mais por insuficiência de alocação de recursos em aquisição de dados e análise do que por falha na quantidade de instrumentos ou em sua instalação.

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Planta 01 – Exemplo de projeto de instrumentação, em planta, da fundação de uma

barragem de terra sobre 10,0m de solo mole − Objetivos da Instrumentação Sumariamente, a instrumentação pode ter os seguintes objetivos (conforme Peck, 1969, Terzaghi et al, 1967): - detecção de perigo iminente; - obtenção de informações vitais durante a construção;

- avaliação do comportamento de medidas corretivas (por exemplo, reforço de fundação);

- melhoria do método construtivo; - acumulação de experiência local; - prova judicial; - avaliação de modelos matemáticos e de mecanismos de comportamento. Em se tratando de aterros sobre solos moles, os problemas mais importantes são os que dizem respeito à estabilidade e as deformações, os quais estão inseridos nas observações destinadas a detecção de perigo iminente e à obtenção de informações vitais durante a construção.

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