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ANA MARIA ALVES BENETTI

0 DIREITO A EDUCAÇÁO EM FACE DO

PRINCIPIO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA

PESSOA HUMANA

MESTRADO EM DIREITO

UNIFIEO - Centro Universitário FIE0

OSASCO / 2004

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ANA MARIA ALVES BENETTI

O DIREITO A EDUCAÇÃO EM FACE DO

PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE

DA PESSOA HUMANA

Dissertação apresentada B BANCA EXAMINADORA do

UNIFIEO - Centro universitário FIEO -, como

exigência final para obtenção do titulo de Mestre em

Direito, tendo como área de concentração "Positivação e

Concretização Jurídica dos Direitos Humanos", dentro

do projeto - "A Tutela da Dignidade da Pessoa Humana

Perante a Ordem Política, Social e Econômica", inserido

na linha de pesquisa - "Direitos Fundamentais em sua

Dimensão Material", sob a orientação da Professora

Doutora Margareth Anne Leister.

UNIFIEO - Centro Universitário FIEO

OSASCO / 2004

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BANCA EXAMINADORA

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Ao Criador do Universo, pela grandiosidade

da Sua criação, pela minha vida.

A minha família, pelo amor, compreensão e

apoio.

Aos meus amigos, pela parceria e incentivo.

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AGRADECIMENTOS

Aos brilhantes professores do Curso de

Mestrado em Direito do Centro Universitário

FIEO, pelos conhecimentos desenvolvidos, pela

convivência humana edificante.

A amiga e estimada ProP DP Anna Cândida da

Cunha Ferraz, Coordenadora do Curso de

Mestrado em Direito, pela determinação e

sabedoria na condução de todo o processo.

A mestra orientadora ProP Dia Margareth Anne

Leister pela dedicação, apoio e inteligência que

direcionaram o aprendizado durante o curso e a

elaboração deste trabalho, meu respeito e

admiração.

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RESUMO

O presente trabalho pretende abordar a expressa inclusão do princlpio

constitucional da dignidade da pessoa humana, como fundamento da

República Federativa do Brasil e do Estado Democrático de Direito em que

ela se constitui, bem como as conseqüências jurídicas produzidas por essa

inovação na Carta Magna.

A relevância normativa do princípio constitucional da dignidade da

pessoa humana, é analisada no pensamento ocidental, culminando com a

análise constitucional.

Por outro lado, a dignidade da pessoa humana, enquanto 'valor fonte '

do sistema constitucional, apresenta-se como cláusula aberta e sustentadora de

novos direitos presentes no rol dentre os quais os direitos

sociais. Destaca-se, especialmente o direito à educação, que tem no Estado e

na família os entes responsáveis pela sua realização.

Numa relação mutuamente responsável entre o princlpio

constitucional da dignidade da pessoa humana e o direito a educação, a

todos assegurado indistintamente, as noções de Educação e de cidadania e

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democracia, modificadas através dos tempos e nos contextos onde se

desenvolveram, são abordadas, uma vez que a Carta Constitucional

expressamente prevê a todos os cidadãos brasileiros tratamento digno, sendo

cada um deles destinatário do respeito e da proteção do Estado.

Através da Educação, busca-se garantir na sociedade em constante

transformação, o acesso a condições existenciais mínimas. Assim, cada

pessoa, cada família, cada instituição escolar é chamada a ser responsável não

somente por seu próprio destino, mas também pelo das demais pessoas, numa

convivência participativa e solidária, encontrando no direito publico subjetivo

da educação, espaço propício para o estabelecimento de relações sociais e de

respeito a dignidade humana.

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SOMMARIO

I1 presente lavoro pretende abbordare l'inclusione de1 'principio

costituzionale della persona umana" come fondamento della Repubblica

Federativa de1 Brasile e de110 Stato Democratico di Dintto su cui esso si basa, ben

come la consequenza giuridiche prodotte da tale innovazione della "Carta

Magna".

Perché si potesse arrivare al rilievo normativo de1 principio costituzionale

della dignita della persona umana, é stato necessario analizzare tale nozione nel

pensiero occidentale.

Si e dirnostrato inoltre che ]a dignitá della persona umana, inquanto

"valore fonte" de1 sistema costituzionale, si presenta con clausola aperta e

fondamentale dei nuovi diritti preçenti nel mo10 costituzionale, fra i quali i diritti

sociali. Ln modo speciale i1 ''diritto all'educazione", qui tiene nel Stato i nella

Famiglia i responsabili per Ia realizazionv.

Nella relazione mutuamente responsabile mentre i1 principio

costituzionalle de110 dignita della personna umana i e1 diritto all'educazione, a

tutti assicurata indistintaqmente, le nozioni di Educazione, de citatanza e di

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democracia, modificate traverso le anni i in i contexti svilupati, sano abordati una

volta qui la Carta Costituzionale prevede i assicura a tutti i cittadini brasiliani

trattarnento degno, essendo ognuno di loro destinatari de1 rispetto e della

protezione dello Stato, garantendo gli tramite I'Educazione i1 diritto di accesso a

condizioni esistenziali minirne.

Pertanto, ogni persona e chiarnata a essere responsabile non soltanto de1

suo proprio destino, ma anche delle altre persone, in una convivenza participativa

i solidaria, encontrando nel diritto publico subjectivo della educazione, i1 spasso

ideale per i1 stablimento de relazioni socialli i di rispetto alla dignita urnana.

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RESUMO ............................................................................................................................ VI

SOMMARIO .................................................................................................................... VI11

INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 1

I . PRINC~PIO ................................................................................................................. 6

1 . 1 Noção de principio ............................................................................................ 6

1.2 Princípios gerais de direito ................................................................................ 9

1.2.1 Origem e fundamentos dos princípios gerais de direito .................... 17

..................................................................... 1.3 A normatividade dos princípios 23

1.4 Princípios e regras ........................................................................................... 31

........................................... 1.4.1 O Direito na concepção de Herbert Hart 32

1.4.2 O Direito na concepção de Ronald Dworkin ..................................... 35

1.4.2.1 0 s princípios e as regras ............................................... 39

1.4.3 Resposta de Hart criticas de Dworkin .......................................... 40

1.4.4 Os princípios enquanto mandados de otimização de Robert Alexy .. 44

1 4 . 5 Quanto ao conteúdo ........................................................................... 48

1.4.6 Quanto ao grau de abçtração .............................................................. 49

1.4.7 Quanto a resoluçfio de conflitos ........................................................ 51

1.5 Princípios constitucionais ................................................................................ 57

2 ANTECEDENTES HIST~RICOS DA NOÇÃO DE DIGNIDADE DA PESSOA

HUMANA .......................................................................................................................... 65

2.1 Dignidade da Pessoa Humana no Pensamento Ocidental ............................... 65

. 2.1 1 O Pensamento Grego ......................................................................... 68

2.1.2 O pensamento Cristão ....................................................................... 71

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2.1.3 A contribuição de Immanuel Kant .................................................... 83

2.1.4 O existencialismo de Jean Paul Sartre ............................................... 90

2.1.5 A reflexão dialética de Hannah Arendt ............................................. 93

3 TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA

HUMANA ........................................................................................................................ 100

3.1 A Constituição de 1988 e a dignidade da pessoa humana: fundamento da

República e do Estado Democrático de Direito ................................................................. 105

3.1.1 Antecedentes histórico-constitucionais do princípio da dignidade da

pessoa hmana .................................................................................................................. 108

3.2 Dignidade da pessoa humana: valor fonte do sistema constitucional .......... 120

3.3 Dignidade da pessoa humana: unidade axiológica do sistema Constitucional 127

3.4 Dignidade da pessoa humana: fundamento da República e do Estado

De1nocrBtico de Direito .................................................................................................... 135

4 . EDUCAÇÃO E PARTICIPAÇÃO DEMOCRÁTICA .................................... 143

4.1 Exercício da cidadania ................................................................................... 150

4.2 Prepararido o exerclcio da cidadania através da educaçso ..........................a 153

4.3 O direito à educação nos textos constitucionais brasileiros ............................ 160

........... 4.3.1 Aspectos relevantes do direito à educaçgo no texto de 1988 169

... 4.3.2 Do texto constitucional ao Estatuto da Criança e do Adolescente 172

5 . A RESPONSABILIDADE DA EDUCAÇÃO NA CONSTRUÇAO DA

DIGNIDADE HUMANA ....................................................................................... 179

5.1 Instrumentos viabilizadores do direito A educação ........................................ 184

5.2 0 direito à educação na LDB ........................................................................ 190

5.3 A organização da Educação escolar na CF e na LDB .................................... 194

5.3.1 A educação especial ......................................................................... 202

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........... 6 . POL~TICAS PÚBLICAS E O PRINC~PIO DA DIGNIDADE HUMANA 208

6.1 Educação e dignidade da pessoa humana - uma relação reciprocamente

responsável ................................................................................................... 2 1 1

CONCLUSÃO .................................................................................................................. 21 8

.............................................................................. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 223

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A importância dada pelo legislador constitucional a Dignidade Humana, a

elevou a condição de um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, o

que se comprova na leitura do inciso terceiro do artigo primeiro da Constituição

Federal de 1988, sendo possível estabelecer sua relação com a Educação

enquanto direito social a todos garantido, dever do Estado e da família, visando

ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e

sua qualificação para o trabalho.

Para demonstrar tal importância, a noçiío de principio, sua normatividade,

0s princípios gerais de direito, sao abordados, lembrando-se que as regras e

princípios situam-se dentro do ordenamento do sistema jurídico. Para Herbert

Hart, porém, os princípios são uma espécie de norma jurídica ao lado das regras,

dai a pouca consideração à presença de principios como parte do sistema

jurídico. No entanto, a teoria de Ronald Dworkin reconhece tal importância, o

que é confirmado e demonstrado por Robert Alexy, que considera os princípios

como mandados de otimização, ou seja, como preceitos que devem ser

cumpridos da melhor maneira possível e cuja limitaçiio será dada pelas

condições jurídicas e fáticas.

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Após tais análises teóricas, passa-se a diferenciar as regras dos princípios

em relação ao conteúdo, ao grau de abstração e a resolução de conflitos, que

podem ocorrer quando houver choque entre as suas disposições, sendo que

princípios colocados numa mesma hierarquia constitucional precisarão ser

submetidos ao 'princípio da proporcionalidade' aplicado ao caso concreto, para

busca de solução.

Uma vez firmada a importância dos princípios no cenário jurídico, é

demonstrada a evolução do conceito de 'pessoa humana' no pensamento

ocidental e o reconhecimento de sua dignidade, desde a Grécia Antiga, passando

pela patristica, pelo pensamento de Kant abordando algumas concepções de

dignidade humana desenvolvidas por pensadores do mundo ocidental.

Apresentada a evolução desses conceitos básicos, é na Constituição

Federal do Brasil (e na de inúmeros países), que a dignidade humana é elevada

ao mais alto patamar, não só pela sua afirmação, como também pelo

reconhecimento de outros direitos, dos quais ela é o alicerce, como no caso dos

direitos fundamentais.

Em seguida, percorre-se a evolução histórica dos direitos humanos e a luta

para a manutenção de valores ético-jurídicos que dêem sustentação para o

convívio harmonioso de uma sociedade fraterna, pluralista, sem preconceitos,

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fundada na harmonia social e comprometida com a ordem interna e

internacional.

Eis porque o fundamento constitucional da cidadania assume relevante

papel no direito a educação e se reflete na prática da democracia, na formação

consciente da pessoa cidadã e na luta pela dignidade humana, valor inerente a

cada pessoa.

O direito a educação presente nos textos constitucionais brasileiros,

revela-nos um percurso lento e gradual na direção dos princípios auto-

executórios da obrigatoriedade e da gratuidade, sendo que somente após a

Constituição Federal de 1988, é que o dever do Estado para com a educação

passou a ser acompanhado da garantia pelos poderes públicos, de dotação

orçamentária correspondente.

Decorrente da Constituição Federal, encontra-se na legislação

infraconstitucional - com destaque ao Estatuto da Criança e do Adolescente e a

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional -, a regulamentação para que as

garantias e direitos assegurados as pessoas sejam atingidos.

No mundo de hoje, com as relações sociais e culturais em constante

transformação, não é possível falar em dignidade da pessoa humana sem levar

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em consideração o dever do Estado para com a educação no seu aspecto formal,

ou seja, a garantia do ensino básico a crianças, adolescentes e a todos que a ele

não puderam ter acesso na idade própria.

Somente a efetivação do princípio da dignidade da pessoa humana faz

com que um Estado seja constitucional, uma vez que esse princípio, valor-fonte

que acompanha todo ser humano, é base do arcabouço jurídico.

Sendo um dever do Estado e da família, e direito de todos, com caráter

inclusivo, sem preconceitos ou discriminação, a educação precisa ser garantida,

e essa responsabilidade é distribuída pela União, Estados e Municípios, com

variados campos de atuação, disciplinados pela legislação decorrente da Lei

Maior.

Com vistas a essa garantia de direitos e controle da prestação do dever de

educar imputado ao Estado, existem instrumentos capazes de viabilizar a

prestação do direito à educação, que poderão ser efetivados pelo Ministério

Público e pelo Judiciário.

A educação, entendida como processo contínuo, determinante na

formação de pessoas mais preparadas para o exercício da cidadania e para a vida

em sociedade, encontra no seu aspecto formal - o ensino - uma relação

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reciprocamente responsável para essa construção: Educação e Dignidade

Humana.

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1.1 Noqão de principio

Para a fundamentação teórica do que virá a ser desenvolvido, é de

suma importância que se possa compreender o significado do termo princípio,

encontrado em determinadas normas que consagram direitos fundamentais. "Já

se torna cada vez mais difundido entre nós esse avanço fùndamental da teoria do

direito contemporânea, que, em uma fase 'pós-positivista' (GUERRA FILHO,

1996; BONAVIDES, 1997, p. 247), com a superação dialética da antítese entre

o positivismo e o jusnaturalismo, distingue normas jurídicas que são regras, em

cuja estrutura lógico-deôntica há a descrição de uma hipótese fática e a previsão

da conseqüência jurídica de sua ocorrência, daquelas que são princípios, por não

trazerem semelhante descrição de situaçaes jurídicas, mas sim a prescrição de

um valor, que assim adquire validade jurídica objetiva, ou seja, em uma palavra,

positividade". '

Com a mesma idéia de fundamento e alicerce, Miguel Reale define

princípios como:

I GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucionale Direitos Fundamentais. 2. ed Sào Paulo : IBDC, 2001.

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"verdades fundantes de um sistema de conhecimento, como tais

admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas,

mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional,

isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e

da práxis ". *

Entretanto, dentre as definições acerca do tema, a mais utilizada e

adotada é a de Celso Antonio Bandeira de Mello, que entende principio como:

'6 mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele,

disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas

compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata

compreensão e inteligência, exatamente por defnir a lógica e a

racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e

lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princbios que

preside a intelecção das dferentes partes componentes do todo

unitário, que há por nome de sistema jurídico positivo".

Fica evidenciado em tais conceitos que o principio não é somente o

começo, mas o alicerce, a estrutura, a viga mestra que nos permite entender todo

REALE, Miguel. Liqõespreliminares de direito. Sào Paulo : Saraiva, 1993, p.305. MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. I I . ed. (rev., atual. e ampl.) Sào Paulo :

Malheiros, 1999, p. 629-30.

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um sistema particularmente e, em especial, o sistema jurídico, objeto de estudo

neste trabalho.

Justamente pela importância intrínseca a esse alicerce que,

ocorrendo o desrespeito a um princípio orientador do sistema, no dizer do

mesmo mestre, anteriormente mencionado,

L' r e muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A

desatenção ao princbio implica ofensa não apenas a um espec9co

mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. E a

mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade,

conforme o escalão do princllpio atingido, porque representa

insurgéncia contra todo o sistema, subversão de seus valores

fundamentais, contumélia irremissivel a seu arcabouço lógico e

corrosão de sua estrutura mestraWa4

Conforme ensina Willis Santiago Guerra Filho, uma das principais

características para se distinguir os princípios jurídicos das normas que são

regras,

'' MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direi10 adminisrrarivo. 11. ed. (rev., anial. e ampl.) Sào Paulo : Malheiros, 1999, p. 630.

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I' I e a sua maior abstração, na medida em que não se reportam,

ainda que hipoteticamente, a nenhuma espécie de situação fatica,

que dê suporte à incidência de norma jurídica". c..) "O grau de

abstração vai então crescendo até o ponto que não se tem mais

regras e, sim, princlpios. A ambiéncia natural dos princlpios

jurídicos, como é fácil deduzir, será o texto ~onstitucional".~

1.2 Princípios gerais de direito

Ao se abordar a Ciência do Direito, nota-se que a primeira

apresentação dos princípios ocorre sob a forma de princlpios gerais de Direito,

de tal modo que, em sendo o princípio um alicerce, tal base, tal fundamento - 0s

princípios gerais de Direito -, constitui-se no próprio alicerce da Ciência do

Direito em si.

A impossibilidade do acobertamento integral de todas as relações

jurídicas, foi percebida pelo legislador, o que explica as modificações e

renovações legais surgidas, mas ainda assim, ocorre o inevitável surgimento de

lacunas. Vale ressaltar que não existem lacunas na ciência do Direito, mas tão

somente na lei, o que no dizer de Luís Roberto Barroso, significa que

GUERRA FILHO, Wllis Santiago. Op Ci , p. 53-54.

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"a omissão, lacuna ou silêncio da lei consiste na falta da regra

jurídica positiva para regular determinado caso. A ordem jurídica,

todavia, tem uma pretensão de completude, e não se concebe a

existência de nenhuma situação juridicamente relevante que não

encontre uma solução dentro do s i ~ t e m a " . ~

Para se buscar resolver eventual ausência de regra jurídica, O

recurso utilizado é a integração, ou a busca no sistema jurídico, pelo aplicador

do direito, de uma norma capaz de solucionar a hipótese não prevista de maneira

expressa pelo legislador.

Na busca por essa permissão legal que possibilita ao aplicador do

direito a utilização dos princípios gerais de direito, vai-se encontrar no art. 4" da

Lei de Introdução ao Código Civil, a seguinte prescrição:

6 '

quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a

analogia, os costumes e os princlpios gerais de direito".

Sabe-se, no entanto, que um sistema composto exclusivamente por

regras não pode conter a plenitude necessária para resolver as diversas questaes

que vão se modificando com o tempo. É normal, portanto, que o legislador se

" BARROSO. Luis Roberto. Inlerpre~ação e aplicação da consriluição. 4. ed. (rev. e atual.) Sào Paulo : Saraiva, 200 1, p. 140.

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defronte com lacunas quando da adequação do fato concreto ao tipo legal

previsto no ordenamento.

As omissões, ou lacunas são, desse modo, na realidade, verdadeiros

vazios legais, onde as relaçaes jurídicas que não foram previstas integralmente

pelo ordenamento, dependem de uma solução legal. Ao magistrado, com vistas

a resolver o caso concreto, diante de tais lacunas, incumbe utilizar-se de outros

institutos tais como a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

Alguns doutrinadores defendem a hipótese de que o aplicador do

direito deve respeitar a ordem que foi expressamente prevista no ordenamento,

para suprir as eventuais lacunas quando da resolução dos casos concretos, ou

se.ia, deve se valer primeiramente da analogia, depois dos costumes e, s6 então,

na ausência ou impossibilidade de aplicação de tais institutos, e que deve se

utilizar dos princípios gerais de direito.

Entretanto, no entendimento de Luiz Antonio Rizzatto Nunes

"...se, uma vez buscada a saída para o problema concreto da

lacuna nus normas do sistemu, ndo se u encontre, ainda que por

analogia, ou reconhecimento do costume juridico (que é a normu

jur idic~~ nZo escrita), entüo. uplicum-.se os princípios.

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Não porque eles são os últimos, mas pura e tão somente porque são

aquilo que resta quando não há norma alguma. Isso não implica

que as normas jurídicas a serem aplicadas têm vida independente

dos princrpios. Muito ao contrário. Elas estão totalmente ligadas a

eles. Nascem atreladas e não têm como se l i ber t~r" .~

Comenta Maria Helena Diniz, que o princípio geral de direito

4 4 r r uma diretriz paro a interpretação das lacunas estabelecidas

pelo prciprio legislador, mas é vago em sua expressão, reveste-se de

caráter impreciso, uma vez que o elaborador da norma não diz o

que se deve entender por principio ". 8

Isto significa dizer que os princípios se apresentam de forma abstrata

c. quando se toma uma decisão, privilegiando um principio em detrimento de

outro, apenas se tem uma diminuição circunstancial de sua eficácia, não

havendo perda de sua validade.

Ensina Willis Santiago Guerra Filho que "para evitar o excesso de

obediência a um principio que destrói o outro, e termina aniquilando os dois, há

KIZZATTO NUNES, Luiz Antonio. O princ$io conslitucional da dignidade da pessoa humana. Doutrina e jirrisprudência. São Paulo : Editora Saraiva. 2002, p. 23.

DINIZ. Maria Helena Compêndio de introdirção à ciência do direilo. 1 1 . ed. (atual.) São Paulo : Saraiva. 1999, p. 457.

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de ser considerado o 'princípio dos princípios': o princípio da

proporcionalidaded, e isto será possível após o emprego de uma metodologia

especificamente desenvolvida, para se buscar a interpretação constitucional.

O legislador apenas confirmou que é impossível ao ordenamento

prescrever regras para a resolução de todo e qualquer conflito, entendendo que

há dois princípios estruturantes do sistema jurídico brasileiro, condensados na

fórmula política adotada na Constituição Federal: "Estado Democrático de

Direito" - principio do Estado de Direito e o princípio democrático - que se

implicam mutuamente.

A dificil tarefa de interpretação norrnativa, foi deixada a cargo dos

estudiosos do direito, que aos poucos discutem e revelam as condições para sua

adequada aplicação; nesse sentido, os princípios seriam uma das formas, das

~ossibilidades, de se encontrar a solução para as mais diversas questões

colocadas para a análise e utilização por parte do aplicador do direito.

Fica evidenciado, entretanto, que a intenção do legislador não é

localizar os princípios gerais de direito no mesmo patamar que estão os preceitos

legais.

GUERRA FILHO, Wllis Sanbago Op. Cit., p. 56.

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Miguel Reale ensina que os princípios lógicos, gerais de direito

"são enunciações normativas de valor genérico, que condicionam

e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, quer para sua

aplicação e integração, quer para a elaboração de novas

normas " . 'O

Porém, o Direito não pode ser reduzido a uma instrurnentalização

normativa, sendo o resultado do fenômeno aprendido pelos operadores da

norma, a luz de valores que, num determinado contexto, seriam os mais

necessários, por estarem legalizados. O sentimento de Direito como Justiça,

como valor, alvo a ser atingido, traz em si a idéia de obrigatoriedade, de

comando. A norma representa para o jurista uma integraçiio de fatos segundo

valores.

No entanto, muitos desses princípios ainda permanecem sem a

respectiva previsão legal, o que, de modo algum, retira-lhes a eficácia, até

porque se mantêm como verdadeiras estruturas do ordenamento jurídico, mas na

conipreensão de Limongi França, isso "constituiriu umu redlrnu'uncia

incompatível com a moderna técnica de c o d i f c a ç ã ~ " . ~ ~

I0 REAI !1. Miguel. 0p.cit.. p. 306. I' FRA',CA, R.Limongi. Princ$iosgerais de direito. Enciclopédia Saraiva de Direito. Sáo Paulo, 1977, V. 61, p.56.

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O mestre português Jorge Miranda, explica que

"a função ordenadora dos princbios revela-se particularmente

nítida e forte em momentos revolucionários, quando é nos

princlfpios - nos quais se traduz uma nova idéia de Direito - e não

nos poucos e precários preceitos escritos, que assenta a vida

jurídico-política do país"."

Retomando o que ensinou, Limongi França conclui que o

legislador

I I adota inequivocamente a orientação racional de que, na verdade,

o ordenumento nüo pode deixar de ter lacunas. A ultrupassada

noção de plenitude das leis aí não encontra qualquer estribo, pois é

ele prciprio quem reconhece que a lei pode ser omissa. Oru, é

diante dessa omissão que cumpre recorrer às formas

complementares de expressão do direito, especialmente ao costume

e aos princlpios gerais de direito, uma vez que a analogia constitui

simples método de aplicação da própria lei". l 3

'' MIRANDA, Jorge. Munira1 de direito constitucional. Tomo 11,4. ed. (rev. e actual.) Lisboa : Coinibra Ed.. 2000, p. 199. " FRANÇA, RLimongi. Op. cit., p. 55.

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Afirmando que o princípio de direito é mais do que um instituto que

será usado apenas na ausência da regra jurídica, Roque Antonio Carrazza ensina

que

' I I e um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua grande

generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos

quadrantes do Direito e, por isso mesmo, vincula, de modo

inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que

com ele se conectam ". I4

E ainda, conforme Jorge Miranda,

d ' a ação imediata dos princlpios consiste em primeiro lugar, em

funcionar como critérios de interpretação e de integração, pois são

eles que dão a coerência geral do s i ~ t e m a . ' ~

Portanto, pode-se dizer que o sistema juridico é composto por

normas jurídicas que se apresentam sob a forma de regras e princípios. E,

justamente como parte desse sistema juridico, como seu alicerce e fundamento,

e que os princípios são utilizados como solução aplicável ao caso concreto,

quando as regras são insuficientes para a resolução de conflitos surgidos.

I4 CARRAZZA. Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 12.ed. (rev. ampl. e atual.) São Paulo : Malhciros, 1999, p.31-32. I5 MIRANDA, Jorge. Op. cit., p. 199.

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1.2.1 Origem e fundamento dos princípios gerais de direito

Miguel Reale em brilhante contribuição filosófica, revela

existir na cultura grega, mesmo antes dos sofistas, uma clara distinção entre o

justo por natureza e o justo por convenção ou por lei. Em Roma se repete a

distinção já posta na Grécia entre o Direito Positivo e o Direito Natural, OU

melhor, entre o justo por natureza e o justo por convenção ou lei.

Com o advento do Cristianismo opera-se distinção entre

Política e Religião, afetando também a Moral e o Direito, tornando-se o Direito

Natural uma lei da consciência, uma lei interior, inscrita no coração do homem

por Deus. Enquanto na Idade Média existia um sistema ético subordinado a uma

ordem transcendente, o homem renascentista procura explicar o mundo humano

segundo exigências humanas.

Procurar os elementos formadores da Ciência, indagar da

gênese dos fenômenos, de sua origem, é uma tendência constante entre os

pensadores integrados na ampla visão desses novos tempo. É o homem

colocando-se no centro do universo, passando a indagar a origem daquilo que o

cerca. É assim que surge a Escola do Direito Natural ou Jusnaturalismo que,

porém, se distingue da concepção clássica do Direito Natural aristotélico-

tomista. Para Santo Tomás, primeiro se dá a 'lei' para depois se por o problema

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do 'agir segundo a lei', enquanto que para o homem do Renascimento, primeiro

está o 'indivíduo' com o seu poder de agir, para depois se por a 'lei'.

É da 'auto-consciência do indivíduo que vai resultar a lei'. É

por isso que surge a 'idéia de contrato', sendo o Contratualismo a alavanca do

Direito na época moderna. A sociedade é um fato natural, mas o Direito é um

fato contratual. É dessa explicação, com todas as nuances de novas concepções e

idéias, que decorre a fundamentação teórica da ordem jurídica que se ~ ~ n h e c e

hoje'('.

Miguel Reale procura esclarecer a origem e o fundamento

dos princípios gerais de Direito, a partir de três correntes principais: a do Direito

Pátrio, a do Direito Comparado e a do Direito Natural.

Para a corrente que defende a origem desses princípios no

Direito Pátrio, o argumento é de que tais princípios encontrariam sua validade

nas normas vigentes em cada país. Tal corrente acredita que cada país

desenvolve seus próprios princípios que estão presentes na própria norma, ou

podem ser deduzidos da análise de seus textos normativos.

'" REAI,E, Miyel. f'ilosofirr do Direito. S h Paulo : Saraiva, 19%. p. 622-652.

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Limongi França explicita que esta é a corrente dos

positivistas em geral, que defendem

"ser a lei a única espécie de regra coercitiva admitida para a

solu~ão das controvérsias jurídica^".'^

Ao criticar tal corrente, Miguel Reale comenta que num

mundo globalizado não se pode esperar que exista urna muralha para fazer a

separação de um ordenamento para com os demais. Além disso, pode-se

considerar também que certos princípios são comuns a distintos ordenamentos,

uma vez que são consagrados pela humanidade."

Para os que defendem a segunda corrente, que encontra a

origem dos princípios gerais de direito no Direito Comparado, só podem ser

considerados princípios gerais de direito os preceitos confirmados através do

estudo comparativo das leis de povos distintos.

No que tange a esta corrente, Miguel Reale entende que deve

se considerar as estruturas sociais e políticas de cada povo, para que a dimensão

de um determinado preceito possa ser verificada, e não somente buscar extrair

~ o c á b u l o s semelhantes.

16 " F K A N C A K I i i i l r > t i g i C > p L,: p 5 0 KI.AL2L. Miguel. Op. cii,. p. 308.

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Já a terceira corrente, sustentada - segundo Miguel Reale -

por Sócrates ao "passar pelo cadinho do pensamento plut6nico e adquirir

plenitude sistemcitica no pensamento de Aristóteles", indica que a origem desses

princípios, como "a expressão da natureza hurnunu" seria encontrada no Direito

Natural, de tal modo que

< c o Direito Natural e' igual paru todos o s homens. nüo sendo

trm para os civilizados ntenienscs e outros para OS

búrbaro.~".'~ Também é nesta corrente que se apóiam os

jil6sofos estdicos, a ponto de "na0 fazerem qualquer

distinqão entre a lei natural e a lei racional".20

A existência precedente e a efichcia independente desta lei

natural, não precisam ser positivadas para que revelem sua força.

Na obra Antígona - de Sófocles (494-406 a.C) - pode-se

notar a força do Direito Natural, ao ser relatada a vida de uma das filhas de

Édipo e Jocasta. O irmão de Antigona, Polinice, havia morrido, mas o rei

Creonte determinara que ele n8o fosse sepultado. Antigona pretendia dar ao

irmão uma cova e, contrariando as ordens do rei, lhe diz

"' REALE, Miguel. Op. Cit., p. 3 13. '" Idem mesma página.

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"... tuas ordens não valem mais do que as leis não escritas e

imutáveis dos deuses, que não são de hoje e nem de ontem e

ninguém sabe de onde nasceram".2'

Por essa desobediência, a pena de Antígona é ser sepultada

viva numa parede rochosa. É nesse trecho da tragédia grega de Sófocles, que se

tem por evidenciada a crença na superioridade do Direito Natural em relação ao

Direito Positivo.

Para o estudioso mestre, em face dessa terceira corrente, não

há como entender que os princípios gerais de direito sejam sinônimos dos

princípios do Direito Natural. De maneira objetiva esclarece que

"a experiência histórica demonstra que há determinados

valores que, uma vez trazidos à consciéncia histórica, se

revelam ser constantes éticas inamovíveis que, embora ainda

não percebidas pelo intelecto, já condicionavam e davam

sentido à práris humana': 22

E prossegue dizendo:

21

7 , S~FOCLES. Antigona. 3. ed. Lisboa : Inquento, 1988, p. 35-36.

" REALE, Miguel. Op. cif., p. 315.

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"são essas constantes ou invariantes que formam o cerne do

Direito Natural, delas se originando os principios gerais de

direito, comuns a todos ordenamentos jurídicos".23

Também Limongi França entende que os princípios gerais de

direito não devem ser confundidos com os principios de Direito Natural,

esclarecendo sua definição como

"não apenas aqueles que decorrem das regras particulares

pelo ordenamento adotadas, senão também aqueles que,

embora não consagrados pelo direito positivo, são deduzidos

pela ciência jurídica. Por outro lado entre estes últimos,

estão c..) os princípios de doutrina e da legislação

comparada, como ainda as regras de direito cujo valor é

intrínseco, por se tratar de princípios do direito natural "."

1.3 A normatividade dos princípios

Um aspecto que merece discussão é o que se refere a força

normativa dos princípios, entendidos como espécie norrnativa, ao lado das

regras.

" REALE, Miguel. Op. cit., p. 3 16. I'' FRANÇA R. Limongi. Op. cit., p. 74.

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Segundo Norberto Bobbio,

"as normas jurídicas nunca existem isoladamente, mas sempre em

um contexto de normas com relações particulares entre si. Este

9 9, 25 contexto de normas costuma ser chamado 'ordenamento ,

quando os princípios são utilizados para manter o espírito da norma,

exalamente para que este sistema chamado ordenamento mantenha a coerência.

Pode-se entender a noção de sistema, como aponta Walter Brugger:

C..) é a multiplicidade de conhecimentos articulados segundo uma

idéia de totalidade. Nem um conhecimento isolado, nem muitos

conhecimentos desconexos constituem um sistema. Este só nasce

por conexão e ordenação segundo um comum princ@io ordenador,

por meio do qual se atribui a cada parte, no todo, seu lugar e

função impermutáveis. c..) o sistema é uma exigência da razão que

em toda multiplicidade busca unidade e ordem c..). (Brugguer,

Dicionário de filosofia, 1969, p. 382/3).

De maneira mais cotidiana, a definição para o termo 'sistema' é

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"o conjunto de regras e princípios sobre uma matéria, tendo

relações entre si, formando um corpo de doutrinas e contribuindo

para a realização de um Jim c..). Assim, todo conjunto de regras

que se deve aplicar na ordenação de certos fatos, integrantes de

certa matéria, constitui um sistema".26

No que diz respeito ao universo jurídico, temos que o sistema

jurídico

' 6 . e o conjunto de regras e princ@iosjuridicos que se insfifuem e se

adoram para regular todo corpo de leis de um país. Dentro dele

estabelecem-se os vúrios regimes jurídicos e se fundum as várias

instituições legais, sejam de ordem interna, sejam de ordem

externa". 27

Paulo de Barros Carvalho explica que neste sistema jurídico as

normas são dispostas numa "estrufura hierarquizadu", onde cada norma se

?' BOBBIO.Norberto. Teorin do ordenamenfojurídico. 7. ed. Brasília : Universidade de Brasilia, 1996, p. 19. "' PLACIDO e SILVA, De. Cócabulário jurídico. p. 761. " PLACIDO e SILVA, De. Iócabirlário jurídico. p. 762.

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fundamenta em normas superiores, '* o que, no dizer de Hans Kelsen, significa

que

"todas as normas cuja validade pode ser reconduzida a uma e

mesma norma fundamental) formam um sistema de normas, uma

ordem normativa. A norma fundamental é a fonte comum de

validade de todas as normas pertencentes a uma e mesma ordem

normativa, o seu fundamento de validade comum c..). É a norma

fundamental que constitui a unidade de uma pluralidade de

normas, enquanto representa o fundamento de validade de todas as

normas pertencentes a essa ordem n o r m ~ t i v a " . ~ ~

A partir das definições de sistema e de ordenamento jurídico, fica

evidenciado que o gênero - normas que compõem esse sistema - é formado por

regras e princípios; daí, conforme Norberto Bobbio,

"não há dúvida: os princbios gerais são normas como todas as

outras

E continua, confirmando essa verificação, valendo-se da citação de

Crisafulli,

CAIIVALHO, Paulo de B m s . Curso de direito tribirtário. 6 . ed. São Paulo : Saraiva, 1993, p. 98. '' KII .SLN, Hans.Teoriapcra do direito. São Paulo : Martins Fontes, 1998, p. 2 17. "' BORBIO, Norberto. Op. cif. p. 158.

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"para sustentar que os princípios gerais são normas, os

argumentos são dois e, ambos, válidos: antes de mais nada se são

normas aquelas das quais os princkios gerais são extraídos,

através de um procedimento de generalização sucessiva, não se vê

por que não devam ser normas tambkm eles: se abstraio da espécie

animal, obtenho sempre animais e não jlores ou estrelas. Em

segundo lugar: a função para a qual são extraídos e empregados é

a mesntu cumpridu por todas us normas, isto k, uJunqüo de regirlur

um caso ". 3 1

Norberto Bobbio empresta importante contribuição para a

atribuição da força normativa do princípio geral de Direito, chegando a entender

- tratando do ordenamento italiano - que, ao se utilizar dos princípios gerais,

devido à existência de uma lacuna, não se trataria, na verdade, de uma lacuna,

32 uma vez que o intérprete recorreu a uma norma como as demais.

Conforme explica Jorge Miranda,

"Os princbios não se colocam pois, além ou acima do Direito;

também eles - numa visão ampla, superadora de concepções

31 BOBBIO. Norberto. Op. cit., p. 158-9. '' Idem, p. 160

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positivistas, literalistas e absolutizantes das fontes legais -fazem

parte do complexo ordenamental".

Para o mestre português, os princípios não se contrapõem as normas

e sim as regras, as quais ele chama de "preceitos". Além do que, afirma:

"as normas jurídicas é que se dividem em normas-disposições e

normas-princípios ". ''

Foi preciso haver toda uma evolução do pensamento jurídico para

se chegar a conclusão de que os princípios gerais de Direito possuem força

normativa; no entanto, não significa que tal discussão já esteja plenamente

superada.

Em sua obra Curso de Direito Constitucional, Paulo Bonavides

incluiu no Capítulo 8" o título "Dos Princípios Gerais de Direito aos Principias

C~nstitucionais",~' apresentando uma discussão sobre a evolução da

importância e normatividade dos princípios, começando por apresentar a

evolução dessa normatividade, a partir de três diferentes fases: a jusnaturalista, a

positivista e a pós-positivista.

33 MIRANDA. Jorge. Op. cit., p. 198. 34 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito con<;titircional. I I . ed. Sào Paulo : Malheiros, 200 1 , p. 228.

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A fase jusnaturalista '' - primeira e mais antiga fase - vigorou de

uma forma mais ostensiva entre os Séculos XVI e XIX. Fundamentada no

Direito Natural, essa corrente filosófica reconhece que na sociedade existe uma

série de valores e as aspirações humanas independem do direito posto. Iniciada

na Antiguidade Clássica, seu desenvolvimento adquiriu melhor elaboração na

Idade Média.

Resposta aos tempos de poderio absoluto dos reis e marca da

ascensão da burguesia, o jusnaturalismo - dentro do período de revolução

intelectual denominado iluminismo -, entende que o Estado deve respeitar a

liberdade individual, pelo fato do homem possuir certos direitos natos.

Nesta fase, os princípios são entendidos como institutos abstratos,

que serviriam para inspirar os ''postulados de justiça", ainda que não

precisassem da força normativa.

A próxima fase foi dominada pela corrente filosófica do

positivi~mo,~~ com seu início no Século XIX até a primeira metade do Século

XX, compreendendo a ciência jurídica com características semelhantes as das

ciências exatas e naturais. O Direito era entendido como norma emanada pelo

Estado, "com carater imperativo e força coativa". O doutrinador mais

35 BARROSO, Luís Roberio. Funhmentos teóricos ejilosójicos do novo direito consrirttcional brasileiro. p. 13- 16. 3f3 Idem, p. 16-18.

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expressivo desta corrente foi Hans Kelsen, que levou ao extremo a idéia do

Direito como norma e "completude do ordenamento jurídico", onde não há

quaisquer lacunas.

Uma vez que toda a confiança centralizava-se nas leis, nesta fase a

questão principiológica tornou-se uma questão de Direito Positivo. Deste modo,

0s princípios gerais de direito passam a equivaler aos princípios positivados,

codificados e previstos pelo ordenamento como uma fonte subsidiária para a

solução de conflitos, o que, segundo Gordillo Caiias, funcionaria como

"~álvulas de segurança".37

A principal discussão entre as correntes jusnaturalista e positivista,

é que a primeira entendia que o ordenamento não pode prever todos OS

princípios que deverão ser usados para solução de conflitos, enquanto que a

segunda corrente acreditava ser possível ao ordenamento a previsão dos

princípios essenciais, e no surgimento de uma situaçilo nova, bastaria a

utilização da analogia.

Na corrente pós-positivista38 - com vigência a partir da segunda

metade do Século XX - que corresponde aos grandes movimentos constituintes,

37 BONAVIDES, Paulo. Op. cir., p. 235. 3 1 BARROSO. Luís Roberto. Op. cit., p. 19-20.

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retoma-se aos valores que se materializam em princípios ao serem

compartilhados por uma determinada comunidade, de tal modo que

"as novas Constituições promulgadas acentuam a hegemonia

axiológica dos princlpios, convertidos em pedestal normativo

sobre o qual se assenta todo o edifcio jurídico dos novos sistemas

~onsti tucionais".~~

A novidade desta corrente é o reconhecimento da força normativa

inerente a estes princípios e não o reconhecimento da existência de princípios.

Neste momento é superada a discussão entre o jusnaturalismo e o

positivismo, diferenciando-se

"normas jurídicas que são regras, em cuja estrutura lógico-

deôntica há a descrição de uma hipótese fatica e a previsão da

conseqüência jurídica de sua ocorrência, daquelas que são

princlpios, por não trazerem semelhante descrição de situações

jurídicas, mas sim a prescrição de um valor, que assim adquire a

validade jurídica objetiva, ou seja, em uma palavra,

positividade ". ' O

"' BONAVIDES, Paulo. Op. cit., p. 237. 40 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constirircional e direitosfùndamentais. p. 53.

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1.4 Princípios e regras

Para se chegar ao entendimento do Direito como um sistema de

princípios e regras, é necessário levar em conta o pensamento de Herbert Hart,

que, ao desenvolver sua teoria jurídica no âmbito do 'common law ', abordava O

Direito como uma união de regras primárias e secundárias.

A partir dessa idéia inicial analisa-se a teoria de Ronald Dworkin,

sucessor de Herbert Hart na Universidade de Oxford e, por fim, aborda-se O

trabalho de Robert Alexy.

1.4.1 O Direito na concepção de Herbert Hart

Em sua obra "O conceito de direito", o autor afirma quanto

ao Direito: "sua existência signijica que certas espécies de conduta humana já

não são facultativas, mas obrigatórias "," localizando, de maneira precisa, a

41 HART, Herbert. Oconceiro de direito. 2 . ed. Lisboa : Calouste Gulbekian, 1994. p. 11.

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definição de Direito como pertencente a 'yamilia geral de regras de

comportamento "."

Tal idéia fez com que se desenvolvesse uma teoria segundo a

qual o Direito deve ser compreendido como a união de regras primiirias e

secundárias,') de sorte que a estrutura que combina tal união de regras, pode ser

vista como "o coração de um sistema jurídico ".'I

As regras primárias são aquelas que exigem dos seres

humanos fazer ou deixar de fazer certas ações. Já as regras secundárias são as

que

"asseguram que os seres humanos possam criar - ao fazer

ou dizer certas coisas -, novas regras do tipo primário,

extinguir ou mod$car as regras antigas, ou determinar de

diferentes modos a sua incidência ou jscalizar a sua

aplicação ". "

Idem, p. 19-20. '" Idem, p. 91. 44 Idem, p. 107. 4q Idem. p. 91.

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Pode-se sintetizar, que as regras primárias seriam

responsáveis por impor deveres, enquanto as regras secundárias serviriam para

a criação, alteração e controle das primárias.

Assim, as regras secundárias serviriam para solucionar

possíveis "defeitos" das regras primárias, tais como o caráter estático, a

incerteza, e a inefi~ácia.'~ para chegar a essa solução, as regras secundárias se

apresentariam sob a forma de regras de reconhecimento, de alteração e de

julgamento.

Para Hart, as regras de reconhecimento são

"afirmações de facto internas de direito expressando o ponto

de vista daqueles que aceitam a regra de reconhecimento do

~istema",~'

e servem para validar as regras primárias, ou seja, definir

quais regras fazem parte do sistema jurídico, conferindo certeza a estas regras.

Além disso, uma vez que a regra de reconhecimento é o elemento definidor do

sistema jurídico, de sua presença dependem as demais, de tal modo que não se

46

47 HART, Herbert. Oconceito de direito. 2. ed. Lisboa : Calouste Gulbekian, 1994, p. 102-3. Idem, p. 119.

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pode questionar a validade a respeito dela mesma, uma vez que ela é

'Simplesmente aceita como apropriada para tal utilização".

As regras de alteracão são aquelas que servem para completar

o caráter estático das regras primárias, possibilitando não somente a

incorporação de novas regras, bem como a eliminação das antigas.

Já as regras de julgamento servem para substituir a possível

ineficácia das regras primhrias, de tal modo que outorga a alguns indivíduos o

poder

"para proferir determinações dotadas de autoridade

respeitantes à questão se, numa ocasião concreta, foi violada

uma regra prin~ária".'~

Outra idéia que merece ser destacada na teoria de Hart, diz

respeito ti existência de uma obrigaçilo juridica onde se pressupóe a existência

de regra j~r idica .~ ' Quando certas situaçaes não se enquadram perfeitamente As

regras previstas, o juiz deve se valer de seu discernimento pessoal para

Jn iIAKT. Herbert. Oconcei~o de direito. 2. ed. Lisboa : Calouste Gulbekian, 1994,. p. 120. 4'1

5 0 Idem. p. 104-7. Idcm. p. 94.

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"escolher entre as alternativas", que se apresentam nesta "penumbra de

incerteza ". 5'

1.4.2 O Direito na concepção de Ronald Dworkin

O autor foi quem primeiro observou que existem

determinadas situações onde os profissionais do Direito discutem acerca de

direitos e obrigações, que se resolvem com princípios e não com regras.

Em sua obra "Levando os direitos a sério", Ronald Dworkin

critica a teoria do positivismo jurídico de H.L.A.H~~~.''

Dworkin resume o positivismo nos seguintes "preceitos-

a) o direito de uma comunidade é um conjunto de regras que

são submetidas a "testes de pedigree" com o objetivo de

determinar quais comportamentos serão punidos ou

coagidos pelo poder público;

HART, Herbert. Oconceitode direito. 2. ed. Lisboa : Calouste Gulbekian, 1994,. p. 17. 5' Ressalte-se que na 2" ediçáo & tradução portuguesa da obra de Hart consta um pós-escrito, onde ele responde Bs criticas de Dworkin. chegando a reconsiderar alguns pontos de sua teoria, o que será descrito apbs a apresentação & teoria de Dworkin. " DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Sào Paulo : Martins Fontes, 2002, p. 28.

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b)como o direito é constituído por essas regras válidas,

quando um caso concreto não se enquadra nessas regras,

significa que ele será decidido por um juiz no exercício do

seu "discernimento pessoa?';

c) dizer que alguém tem uma "obrigação jurídica" significa

afirmar a existência de uma regra jurídica válida; caso

contrário, não existirá a mencionada "obrigação jurídica".

Para Dworkin, em sua visão Hart diferencia as regras

primárias das secundárias, entendendo as primárias como sendo

"aquelas que concedem direitos ou impõem obrigações aos

membros da comunidade", enquanto que as secundárias

"são aquelas que estipulam como e por quem tais regras

podem ser estabelecidas, declaradas legais, modijicadas ou

aboli da^".^"

Entre estas regras secundárias, existe a "regra de

reconhecimento", que seria uma "regra secundária fundamental", pela qual se

54 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a serio. São Paulo : Martins Fontes, 2002. p. 31.

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estabelece uma cadeia de validade para as regras jurídicas. Nesta regra de

reconhecimento a obrigatoriedade dependerá da aceitação pela comunidade."

O maior problema desta teoria consiste no fato de considerar

as regras jurídicas com uma estrutura aberta, possibilitando aos juízes exercitar

"seu poder discricionário para decidir esses casos por meio de nova

legislação ". A crítica de Dworkin reside nesse poder discricionário apresentado

pelos positivistas.

Ele entende que em casos mais difíceis, os juristas deveriam

se valer de padrões que funcionem como principias, políticas e não como

regras. Dworkin define política como sendo

"aquele tipo de padrão que estabelece um objetivo a ser

alcançado, em geral para a melhoria em algum aspecto

econômico, político ou social da comunidade"; por outro

lado, princkio signijca "um padrão que deve ser observado,

não porque vá promover ou assegurar uma situação

económica, política ou social considerado desejável, mas

porque é uma exigência de justiça ou equidade ou alguma

dimensão da m ~ r a l i d a d e " . ~ ~

'' DWORKiN, Ronald. Levando os direitos a skrio. Sào Paulo : Martins Fontes, 2002, p. 34. '" Idem, p. 36.

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Embora o juiz possa se valer tanto dos principios como das

políticas, Dworkin defende que as decisões devem ser geradas por princípios e

não por Isto porque os principios encontram menos objeções em

relação a correspondência do interesse coletivo. Fundamentando em princípios

sua decisão, o juiz não está criando nova lei, mas sim valendo-se da justiça ou

equidade para sustentar sua decisão.

1.4.2.1 Os principios e as regras

Para Dworkin, há uma diferença lógica entre os

princípios e as regras jurídicas.

Enquanto as regras são aplicáveis na presença dos

fatos por elas estipulados, sob pena de serem consideradas inválidass8 - tanto é

que, diante de um conflito de regras, a solução é encontrada verificando-se qual

delas é válida e, por conseqüência, qual delas é inválida -, os princípios não

apresentam conseqüências jurídicas que se aplicam diretamente diante de certas

condições.

57 DWORKIN, Ronald. Levundo os direi~os a sério. Sào Paulo : Martins Fontes, 2002, p. 132. '' Idem, p. 39.

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Eles possuem uma dimensão ou importância que,

para aplica-los, é preciso considerar o peso relativo de cada princípio59. Não se

pretende determinar qual dos princípios é válido e qual é inválido.

Quando ocorre uma colisão de princípios, o juiz deve

avaliar os princípios conflitantes que incidem sobre o caso concreto, decidindo

qual deles deve prevalecer. Os princípios que não vierem a ser aplicados nesta

situa~ão não deixarão de ser validos, nem perderão o seu peso relativo. 60

Para Willis Santiago Guerra Filho, existem questões

que (conforme ensina Dworkin), podem ser chamadas de 'hard cases ', as quais

"são as questões mais tormentosas, aquelas que

terminam sendo examinadas no exercício da

jurisdição constitucional, as quais não se resolve

satisfatoriamente com o emprego apenas de regras

jurídicas, mas demandam o recurso aos princlpios,

para que sejam solucionadas em sinfonia com o

fundamento constitucional da ordem j~rídica".~'

5'1 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos asério . SBo Paulo : Martins Fontes, 2002. p. 42. "" Idem, p. 114. h l GUERRA FILl10, Willis Santiago. Processo Consrirircional e Direitos F11ndamenrais. 2. ed. (rev. e ampl.) São Paulo : Celso Bastos, 2001, p. 53.

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1.4.3 Resposta de Hart hs críticas de ~ w o r k i n ~ ~

Após o falecimento de Hart em 1994, foi incluído para

publicação em sua obra "O conceito de Direito", um pós-escrito, no qual ele

responde a alguns dos argumentos de Dworkin, rebatendo-os, ou, simplesmente,

reconhecendo seus erros e melhorando sua teoria.

Procura esclarecer que o objetivo da obra foi o de 'tfornecer

uma teoria sobre o que é o direito", com uma "vertente regida por regrasW,6' O

que não a torna uma "teoria meramente factual do positivismo ", como dissera

Dworkin, uma vez que admite outros critérios, como os valores, por exemplo.

Por essa razão, Hart manifestava preferência pela designação de sua teoria como

')ositivismo moderado".64

Quando Dworkin o critica, alegando que sua teoria aponta

que a finalidade do direito é justificar a coerção, Hart responde esclarecendo que

este nunca foi o seu ponto de vista, ou seja,

"a unica referência que faço a coerção na minha discussão

das regras secundárias, surge a propósito da ineficiência,

"' I al msposta encoiilni-se iw P)s escrito da i" cdi(;5 du obra "O cotlcerto de drrrtto ", de 1994, npch o liileciiiicnto dc I liul. "' I 1AR'I'. Herbert. Op cii.. p. 300-301. <i4 Idciii p. 3 10-3 12.

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causadora do desperdício de tempo, de deixar a execução

das regras a pressão difusa, em vez de deixar as sanções

organizadoras aplicadas pelos tribunais". E continua,

alegando que isto é "simplesmente um remédio para a

inejciência e não uma justijicação ". 65

Quanto aos casos mais dificeis ou ainda, controvertidos, nos

Vais 0s "juristas razoáveis e inteligentes" discordam acerca da resposta

entendida como juridicamente correta, deve-se compreender que o direito é

"no fundamental, incompleto", não fornecendo qualquer

resposta para as questões que "não estão juridicamente

reguladas e, para se obter uma decisão, nesses casos, os

tribunais devem exercer a função restrita de criação de

direito", ao qtre Hart designa como "poder

discricionário". 66

Esclarece que tal poder não é ilimitado, ao contrário, é

limitado por "muitos constrangimentos que estreitam sua escolha", e, mesmo

em situações em que o direito não aponta qualquer resposta como correta, a

decisão do juiz não será arbitrária, de tal modo que

"' HART. Herbert. Op. cir., p. 3 1 1. (6 Idem, p. 314.

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"ele deve sempre ter certas razões gerais para justificar a

sua decisão e deve agir como um legislador consciente

agiria, decidindo de acordo com as próprias crenças e

valores J ' .67

No que diz respeito aos princípios, Hart reconhece seu erro

em não inclui-los como parte do sistema jurídico,6* mas esclarece a Dworkin que

não poderia incluir em sua teoria do direito os princípios jurídicos como parte do

sistema jurídico, a não ser que renunciasse a idéia da regra de reconhecimento,

sob pena de sua teoria perder a coerência.

Quando admite a inclusão dos princípios como parte do

sistema jurídico, Hart não vê como incoerência o reconhecimento da

importância desses princípios. Ao contrário, mantém a idéia da regra de

reconhecimento, uma vez que para serem aplicados, haverá a necessidade de se

verificar se pertencem ou não ao sistema jurídico, o que irá requerer a aplicação

dos critérios já definidos e trazidos pela regra de reconhecimento."

Para Hart, os princípios diferem das regras a partir de uma

questão de grau, uma vez que são mais gerais do que as regras. Além disso, a

h7 HART. Herbert. Op. cir.. p. 326. "' Idem p. 32 1-322. " Idem, p. 328.

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finalidade dos princípios é a de ser "objectos de adesão", contribuindo para a

justificação das regras.

Porém, além dessas duas diferenças, Hart indica uma terceira,

distinta de Dworkin, segundo a qual, tanto os princípios como as regras,

possuem uma dimensão de Deso, o que poderá ser considerado no conflito entre

regras, quando também observar-se-á qual delas é a mais importante para

resolver a questão.70

1.4.4 Os princípios enquanto mandados de otimizaçfio de

Robert Alexy

Para a diferenciação entre princípios e regras, Robert Alexy

apresenta seu modelo teórico, a partir da idéia central de que os princípios são

mandados de otimizacão.

Entende ele ser imprescindível para a teoria dos direitos

fundamentais, a distinção entre princípios e regras, de tal modo que não

diferenciá-los significaria a não-existência de uma teoria satisfatória sobre o

papel e a colisão dos direitos fundamentais. No entender do autor, tal distinção

'" HART, Herbert. Op. cir., p. 322-323.

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constitui o marco de uma teoria material normativa dos direitos fundamentais,

além de representar um de seus pilares.71

Reconhece ainda, não ser o primeiro a discutir o assunto, mas

afirma que a doutrina persiste na diferenciação entre norma e princípio, como se

fossem diferentes institutos. Exatamente por isso, antes mesmo de começar a

distinguir regras e princípios, esclarece que os dois são normas, uma vez que

ambos são juizos do dever-ser.

Alexy aponta o grau de generalidade como o fator mais

utilizado dentre os critérios existentes para diferenciá-los, de tal modo que os

princípios seriam normas com um grau de generalidade maior que o das regras.

Observa Alexy que a distinção não ocorre em relação a quantificação gradual,

mas sim, em relação à qualificação.72

É com base nessa diferenciação qualitativa que Alexy define

OS princípios como "mandados de otimização", ou seja, normas que ordenam

algo que deva ser realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades

" ALEXY, Roixrt. Teoria de 10s derechosJúndame~uies. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997. p. 81. '' Idem. p. 86.

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jurídicas e fáticas existentes, as quais são determinadas pelos princípios e regras

opostos.73

Já as regras, ao contrário, são normas que podem ou não ser

cumpridas; assim, se a regra é válida, deve-se respeitar exatamente o que ela

determina. As regras, portanto, contêm determinações para o que é fática e

juridicamente

Tal distinção demonstra-se na solução para as colisões de

princípios e conflitos de regras.

Na ocorrência de um conflito de regras, este só poderá ser

solucionado com a introdução em uma das regras, de uma cláusula de exceção,

ou, ainda, declarando-se inválida uma delas. Se não for possível a cláusula de

exceção, então a resolução do conflito será buscada no âmbito da validade da

regra.75

No que tange a colisão entre princípios, a solução será obtida

de forma totalmente distinta, de tal modo que, se dois princípios entram em

colisão, um deverá ceder em face do outro, o que não significa dizer que um

" ALEXY, Robert. Teoria de 10s derechosfirndamenlales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997, p. 86. 74 Ideni. p. 87. 7s Idem, p. 88.

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princípio é inválido por ter sido desprezado, mas que, sob certas circunstâncias,

um dos princípios precede ao outro.16

Isso ocorre porque os princípios possuem pesos diferentes,

daí levar-se em consideração a dimensão de peso para a tomada de decisão.

Alexy explica que entre os princípios se estabelece urna

''relução de precedência condicionada", onde se leva em consideração as

condições do caso concreto, nas quais um dos principios precede ao outro. Isto

significa dizer que, num determinado caso concreto, e sob aquelas condições,

um determinado princípio teria um peso maior do que um princípio oposto.77

Outra distinção entre princípios e regras, que precisa ser

considerada, diz respeito ao âmbito das razões. Enquanto os princípios são

razões primeiras, as regras são razões definitivas, a não ser que se tenha

estabelecido uma exceção. Quando os fatos previstos pelas regras estiverem

presentes, elas deverão ser cumpridas o que não ocorre com os princípios que,

para serem aplicados, submeter-se-ão a uma "relação de preferência

condicionada", para qiie se defina qual princípio será aplicado no caso

con~reto. '~

7(' ALEXY, Robert. Teoria de 10s derechosJwldamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997, p. 89. 7 7 Idem. p. 92-93. 78 Idem. p. 102-103.

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Para Alexy, não existem princípios absolutos, uma vez que,

se isto ocorresse, o próprio conceito de princípio deveria ser mudado.79 Assim

demonstra que, se os direitos coletivos fossem considerados princípios

absolutos, então os direitos fundamentais nunca seriam considerados um limite

para tais direitos coletivos.

Ao desenvolver este raciocínio, também pondera que, se os

direitos fundamentais fossem considerados absolutos, como seria possível

resolver a colisão entre direitos fundamentais que se contrapõem num

determinado caso concreto?

Apesar de Alexy reconhecer que não é possível a existência

de princípios absolutos, verifica que a dignidade humana traz em si a impressão

de ser absoluta, por ser tratada, algumas vezes, como regra, o que significa que

enquanto regra é absoluta, enquanto princípio não. Por outro lado, ainda que se

considere a dignidade humana como princípio não absoluto, ela traz em si um

alto grau de segurança em relação a outros princípios, o que equivale dizer que

nas relações de precedência, normalmente antecede a outros princípios

opostos. 80

7'1 Al.I<XY, Kobcr~. Teoria de 10s derechosfiuldurnentulrs. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales. 1997, p. 106. 80

Ideni. p. 106- 107.

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Para que se diferencie as regras e princípios, com base nas

teorias apresentadas, há que se considerar tal distinção sob três enfoques: quanto

ao conteúdo, ao grau de abstração e a resolução de conflitos entre eles.

1.4.5 Quanto ao conteudo

O conteúdo de informações apresentadas pelos princípios,

requer sempre uma interpretação extensiva, ou um "mandado de otimização" -

como diz Robert Alexy -; ou seja, deve ser aplicado da melhor forma possível,

de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas, para que a limitação de sua

abrangência seja determinada pelas características e pelos princípios opostos no

caso concreto.

As regras, por seu lado, possuem um conteudo de informação

menor, de tal modo que elas serão tanto melhores se tipificarem adequadamente

a situação que pretendem regulamentar, ou, no dizer de J.J.Gomes Canotilho:

"as regras c..) são normas que, verificados determinados

pressupostos, exigem, proíbem ou permitem algo em termos

defnitivos, sem qualquer e~cepção".~'

X I CANOTILHO. J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da consr~tu~ção. 3. ed. Coimbra : Almedina, 1999. p. 1.177.

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Justamente por essa diferença é que os princípios não

detalham as condições necessárias para sua aplicação, indicando apenas uma

direção e não especificando as situações que só poderão ser resolvidas com a

utilização daquele princípio. Nesse sentido, é preciso ocorrer a intermediação de

outros principios ou regras para a adequada aplicação dos

1.4.6 Quanto ao grau de abstraçao

Os princípios possuem um maior grau de abstração em

relação as regras, eis que eles não trazem nenhuma situação fática em seu

conteúdo -, como acontece com as regras que tendem a tipificar exatamente a

situação fática a qual ela deverá ser aplicada.

Os princípios são plenamente eficazes com seu conteúdo

vago e abstrato. No entanto, as regras precisam se afastar ao máximo da

abstração e do conteúdo vago para que possam produzir seus efeitos.

No dizer de Willis Santiago Guerra Filho,

" A esta idtia Hart deu o nome de conteúdo não-conclusivo dos princípios em seu pós-escrito, da obra "O Conceito de Direito ".

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"as regras trazem a descrição de estados-de-coisas formados

por um fato ou um certo número deles, enquanto nos

princl;tiios, há uma referência direta a valores. Daí se dizer

que as regras se fundamentam nos princrpios, os quais não

fundamentariam diretamente nenhuma ação, dependendo

para isso da intermediação de uma regra concretizadora"."

Deve-se ressaltar que, para Alexy, a diferença não é

quantitativa, mas qualitativa, a medida que seu conteúdo de mandado de

otimização é que realmente diferencia os princípios das regras, e não o grau de

a b ~ t r a ~ ã o . ~ ~

1.4.7 Quanto i resolução de conflitos

Entende Dworkin que as regras são aplicadas na forma do

"tudo ou nada", de tal modo que se a situação prevista por elas, ocorrer, somente

aquela regra poderá ser utilizada; entretanto, se houver uma segunda regra,

também adequada, cabível na mesma situação, uma delas seria válida e a outra,

inválida.

83 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Op. cit., p. 45. 84 ALEXY, Robert. Derecho y rmon practica. p. 1 1 e 14.

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O conflito das regras é chamado de antinomia, pela doutrina,

e se apresenta como

"um defeito que o intérprete tenta eliminar", diz Norberto

~obbio . '~ Cabe ao intérprete verijcar qual delas é a regra

válida e qual será considerada inválida. Esclarece ainda,

Norberto Bobbio que "a eliminação do inconveniente não

poderá consistir em outra coisa senão na eliminação de uma

das duas normas".86

A resoluçiio dessa antinomia jurídica surgida pelo conflito de

regras, segundo Bobbio, levara em conta critérios cronológicos, hierárquicos e

de especialidade. É evidente que o ideal seria que num ordenamento não

ocorressem tais antinomias, para que fosse mantida a coerência do ordenamento.

NO entanto, diante dessa possibilidade, é necessário o estabelecimento de

critérios para a resolução desses conflitos.

Pelo critério cronológico, - entende-se que se duas regras são

incompatíveis, a prevalência é da posterior em relação a anterior. Pelo critério

hierárauico, em sendo duas regras incompatíveis, a regra hierarquicamente

superior prevalece em relação a inferior. E, pelo critério da especialidade, se

8 5 ROBBIO, Norberto. Op. cil., p. 91. Kli Idem. mesma página

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duas regras forem incompatíveis, a mais específica prevalece em relação a mais

genérica.87

Para Robert Alexy, enquanto os conflitos de regras se

resolvem no campo da validade, os conflitos existentes entre princípios se

resolvem na dimensão do peso, uma vez que princípios em conflito são

igualmente válidos, ainda que venham a ser afastados na aplicação do caso

concreto.

Quanto a tensão entre princípios, esta não deve ser

considerada uma antinomia jurídica, uma vez que o ordenamento pode gerar

princípios com valores aparentemente em contraposição, para a aplicação no

caso concreto, sem que com isso se fira a coesão e a harmonia do ordenamento.

São tais principios opostos que limitam a aplicação dos princípios enquanto

mandados de otimização.

No entender de Eros Roberto Grau, o conflito entre princípios

permite ao aplicador ou intérprete do direito, fazer a opção pela utilização de um

determinado princípio em detrimento do outro, sem que isso represente uma

desobediência ao princípio n8o u t i~ i zado .~~

87 BOBBIO. Norberto. Op. cit.. p. 92-%. " GRAIJ. Eros Roberto. A ordem econômica nu Comriri<içdo de 1988. 6. cd. Siio Paulo : Malheiros. 2001. p. 98.

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O problema da tensão dos princípios não pode ser resolvido

no âmbito da validade, mas a partir de uma relação de precedência, onde as

condições apresentadas no caso concreto e a dimensão dos princípios opostos,

trarão a melhor resposta ao aplicador do direito.

Para a solução de conflitos, o núcleo essencial dos princípios

afastados, deve ser sempre resguardado, levando-se em conta o que J.J.Gomes

Canotilho chama de yrincipio da salvaguarda do núcleo

Enquanto o conflito de regras se resolve no campo da

antinomia, ocasião em que será questionada a validade das regras em colisão,

entre os princípios haverá ponderação, pelo julgador, acerca do uso adequado

de um determinado princípio em detrimento de outro, em determinada situação.

Essa "ponderação de valores ou de interesses" é a técnica

que busca estabelecer o peso relativo de cada principio, não podendo resultar

numa escolha arbitrária, "sob pena de violar o texto constitucionar'.

É fácil verificar que, em ocorrendo uma hierarquia entre os

princípios, um determinado princípio tem prevalência sobre outro; no entanto,

em se tratando de princípios constitucionais que ocupam uma mesma hierarquia

") CANOTILHO, J.J.Gomes Op. cit., p. 1.108.

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normativaw, faz-se necessário o uso do principio da ~roporcionalidade que, para

Willis Santiago Guerra Filho, diz respeito a

" busca de uma "solução de compromisso", na qual se

respeita mais, em determinada situação, um dos princkios

em conflito, procurando desrespeitar o mínimo ao($

outro(s), e jamais lhe($ faltando minimamente com o

respeito, isto é, jèrindo-lhe($ o seu "núcleo essen~ial':~'

A proteção desse "núcleo essencial" de um direito

fundamental, pretende "evitar o esvaziamento do direito fundamental mediante

o estabelecimento de restrições descabidas, desmesuradas ou

desproporcionais", segundo Gilmar Ferreira ~ e n d e s . ~ *

Ainda que o princípio da proporcionalidade nao se encontre

explicitado na Constituição Federal do Brasil, vale lembrar que ele é uma

" exigência inafastável da própria fórmula politica adotada

por nosso constituinte - a do 'Estado Democrático de

Direito' -, pois sem a sua utilização não se concebe como

bem realizar o mandamento básico dessa fórmula, de

Ou no dizer de CANOTILHO. J.J. Gomes. : "possuem igual dignidade", in op. cit., p. 1.109. '1 I GUERRA FILHO. Willis Santiago. Op. cit., p. 61. "' MENDES, Gilmar Femira. Direitos funcimenlais e controle de constitircionalidade: esrzdos de direito cr)nstitircional. p. 39.

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respeito simultâneo de interesses individuais, coletivos e

públicos". 93

Ou ainda, como nos ensina Luiz Antonio Rizzatto Nunes,

esse principio da proporcionalidade "é uma imposição natural de qualquer

sistema constitucional de garantias f~ndamentais".~'

Encontra-se no parágrafo 2", do art. 5 O , da Constituição

Federal, a prescrição acerca dessa possibilidade legal de utilização do principio

da proporcionalidade, a saber:

"Os direitos e garantias expressos nessa Constituição não

excluem outros decorrentes do regime e dos princbios por

ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a

República Federativa do Brasil seja parte".

Estando intimamente ligado ao princípio da igualdade, o

princípio da proporcionalidade permite o exame atento do peso dos princípios

colidentes. Willis Santiago Guerra Filho afirma que tal princípio ocupa o posto

mais elevado na escala principiológica, por se apresentar como o mais abstrato

93 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Op. cit., p. 61. E no mesmo sentido, BERGMANN, Hurnberto. A distinção entre princbios e regras e a redejnição do dever ab proporcionalidade. p. 152. ')-I NUNES, Luiz Antonio Riuato. O principio constitlrcional ab dignidade da pessoa humana: doutrina e jirrisprirdência. Sào Paulo : Editora Saraiva, 2002. p. 41.

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dos princípios. Tal abstração permitirá que este princípio venha a ser utilizado

nos conflitos entre princípios constitucionais, bem como nos conflitos entre

normas pertencentes ao ordenamento infraconstitucional.

No entendimento de Rizzatto Nunes, o princípio da

proporcionalidade deriva do princípio da dignidade humana, uma vez que, sendo

a dignidade da pessoa humana

"o valor supremo a ser respeitado, é a ela que a

proporcionalidade deve estar conectada. É nela que a

proporcionalidade nasce ". 95

Desse modo, a dignidade humana dará a diretriz para a

aplicação do princípio da proporcionalidade, que se apresentará como

instrumental para a busca da solução.

1.5 Princípios constitucionais

A Constituição Federal é a "norma fundamental" do ordenamento,

mantendo a integração de todo sistema normativo e indicando o caminho

" NUNES. Luiz Antonio Rizzato. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e juri.sprudéncia. Sào Paulo : Editora Saraiva, 2002. p. 42 e 55.

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escolhido pelo legislador constituinte para esclarecer qual é o espírito norteador

da norma fundamental.

Assim ensina Norberto Bobbio:

"é a norma fundamental que dá unidade a todas as outras normas,

isto é, faz das normas espalhadas e de várias proveniências um

conjunto unitário que pode ser chamado de ordenamento "."

E ainda prossegue afirmando que

"a norma fundamental é o critério supremo que permite

estabelecer se uma norma pertence ou não ao ordenamento; em

outras palavras, é o fundamento de validade de todas as normas do

sistema". 97

Na condição de 'norma fundamental', nossa Constituição traz em

seu conteúdo, regras e princípios que se relacionam entre si e, segundo Geraldo

Ataliba,

'V" ROHBIO. Norberto. Op. ccit., p. 49. '>7 Idem, p. 62.

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"mesmo no nível constitucional há uma ordem que faz com que as

regras tenham sua interpretação e eficácia condicionada pelos

princbios. Estes se harmonizam em função da hierarquia entre eles

estabelecida, de modo a assegurar plena coerência interna ao

sistema".98

O funcionamento desse sistema constitucional garante que certos

princípios sirvam como ligações, o que faz com que as regras constitucionais e

infraconstitucionais sejam mantidas num bloco sistemático.

Estes princípios constitucionais, no dizer de Celso Ribeiro Bastos

possuem dupla função.

A primeira delas é a de conceder unidade ao sistema constitucional,

de modo que, se não fossem os princípios constitucionais,

"a Constituição se pareceria mais com um aglomerado de normas

que só teriam em comum o fato de estarem juntas no mesmo

diploma jurídico, do que com um todo sistemático e congruente.

Desta forma, por mais que certas normas constitucionais

,JX ATALIBA, Geraldo. Repiblica e consliluição. Sào Paulo : Revista dos Tribunais, 1985, p. 6.

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demonstrem estar em contradição, esta aparente contradição deve

ser minimizada pela força catalisadora dos princípios". 99

Ainda, no dizer do mesmo mestre, a segunda função é a de

"servir como critério de interpretação das normas constitucionais,

seja ao legislador ordinário, no momento de criação de normas

infraconstitucionais, seja aos juizes, no momento de aplicação do

direito, seja aos próprios cidadãos, no momento da realização de

9 9 100 seus direitos .

No entender de José Afonso da Silva, os princípios constitucionais

apresentam-se sob a forma de duas categorias distintas: os ''princkios politico-

constitucionais" e os '3rincljpios jurídico-constitucionais".

Os princípios político-constitucionais são as decisões políticas

fundamentais que trazem a expressão das escolhas políticas de uma determinada

Constituição; são os '>princípios constitucionais fundamentais", segundo o

citado autor. Desse modo, os artigos 1" ao 4" da Constituição Federal explicitam

esse sentido.

99 BASTOS. Celso Ribeiro. Cirrso de direitoconstiticcional. 14. ed. Sào Paulo : Saraiva 1992, p. 154. I I X I Idem. mesma pagina.

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Por outro lado, os princípios jurídico-constitucionais são os

princípios informadores do ordenamento, que se desdobram em outras normas,

como se pode constatar no caso "do princrjpio da supremacia constitucional, da

9 , 101 isonomia, da autonomia individual, entre outros .

Segundo Jorge Miranda, classificam-se os princípios

constitucionais em b>rincrjpios constitucionais substantivos" e "princrIpios

9 , 102 constitucionais adjetivos .

Enquanto os princípios constitucionais substantivos são válidos em

si mesmos, refletindo os valores básicos da Constituição, os princípios

constitucionais adjetivos ou instrumentais são aqueles de "alcance técnico",

garantindo a "racionalidude e a operacionalidade do sistema".

O interesse maior repousará sobre os princípios político-

constitucionais, considerados "normas/princrjpios ') ou princípios fundamentais,

de José Afonso da Silva, ou ainda, já com outra denominação, sobre os

princípios constitucionais substantivos, de Jorge Miranda.

No entanto, a proposta de Canotilho apresenta o conteúdo da Carta

Constitucional dividido do seguinte modo:

I"' SILVA. Jod Afonso da Cirrso de direito cons~i~ucionalposi~ivo. 18 ed. SBo Paulo : Malheiros, 2000, p. 85-86. I"' MIRANDA, Jorge. Op. cif., p. 202.

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A. principios fkdamentais estruturantes: são aqueles que

alcançariam o maior grau de abstração, como o caso do

"princ@io do estado de direito" e "princ@io democrático". A

estes, Canotilho acrescenta o "princlpio republicano";

B. princípios fundamentais gerais, com um grau de abstração

menor que os anteriores: trata-se aqui, do art. 1' da Constituição

Federal de 1988, merecendo destaque o respeito a dignidade da

pessoa humana;

C. princípios constitucionais especiais: aqueles de menor grau de

abstração, servindo para a concretização dos principios

fundamentais gerais; no caso, os direitos humanos fundamentais

e o princípio da proporcionalidade;

D. regras: que não são principios, apenas regras con~titucionais.'~~

Na reedição do curso sobre as Constituiç6es Brasileiras, feita pelo

Centro de Estudos EstratégicosMCT, pelo Senado Federal e pela Escola de

Administração FazendáriaIMF, encontram-se comentários acerca do processo de

"" CANOTILHO. J.J.Gomes. Op. cit.. p. 1.157- 1.159. Esta classificaçào também C reiterada por GUERRA FILHO, Willis Santiago. in op. c i~ . , p. 48-49.

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elaboração da Constituição Federal de 1988 e a relevância que foi dada aos

direitos sociais, e assim diz um dos comentaristas da obra, Caio Tácito:

"Os direitos sociais do homem não se opõem, antes, completam as

liberdades tradicionais. Os direitos econômicos e sociais são um prolongamento

dos direitos e garantias individuais, contemplando a pessoa, além de sua

qualidade singular, para garantir seus direitos de participação na sociedade, a

substituição de um conceito de justiça distributiva pela de justiça comutativa,

que deve levar em conta as desigualdades individuais.

Assim, dentre os direitos sociais, o direito à Educação está previsto

nu atual Constituição, que eleva a hierarquia constitucional princlpios e

normas até então contidas na legislação básica de diretrizes da Educação

Nacional.

Em atendimento a tais direitos sociais, a Constituição, mais

adiante, discrimina o título relativo à Ordem Social, os mecanismos e os meios

de ação que o Estado tem o dever de oferecer ao indivíduo, à família, ou à

comunidade, titulares de direitos públicos subjetivos ou de interesses

legítimos. 9 , 1 0 4

'O4 COLEÇÃO CONSTITUIÇOES BRASILEIRAS. Walter Costa Porto (organizador). 1999, p. 28.

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Como ensina Luiz Antonio Rizzatto Nunes, a Dignidade Humana é

um Princípio Fundamental Estruturante, uma vez que a ordem democrática do

país reconhece a dignidade como elemento fundamental de legitimação do

Sistema Jurídico Nacional.

Acerca da Constituição e dos seus princípios, assim entende Celso

Antonio Pacheco Fiorillo:

"...antes de o art. 1 da Constituição Federal de 1988 apontar a

existência de um Estado Democrático de Direito com fundamentos

definidos nos incisos l a V, define o objeto da Lei Fundamental: é o

Brasil enquanto país e entidade política historicamente organizada,

em suma, enquanto "República Federativa". (..)o discurso

constitucional brasileiro inicia-se nao com o Estado, mas antes

com o próprio país Brasil enquanto realidade social, histórica e

cultural constituída em Estado"'05.

"" I:IOKII.I,O. Cclso Antonio Pachcco. O direito de antena em ,fite do direito rinthit~tircrl no Brasil. Siio Paulo : Saraiva 2000, p. 2.

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2. ANTECEDENTES HISTORICOS DA NOÇÃO DA DIGNIDADE

DA PESSOA HUMANA

2.1 Dignidade da Pessoa Humana no Pensamento Ocidental

Para subsidiar a análise da dimensão constitucional do princípio

fundamental da dignidade da pessoa humana, faz-se necessário usar como

referência, o significado assumido por esse princípio, ao longo do tempo no

pensamento ocidental.

O tema é bastante amplo, mas procurou-se situar suas mais

relevantes idéias em cada contexto histórico, buscando-se tentar identificar as

influências sofridas pelas diversas concepções de dignidade da pessoa humana

referidas no pensamento ocidental.

Quando se faz a opção pela análise do pensamento filosófico

ocidental, não significa que a idéia de dignidade da pessoa humana não possa

ser, ainda que rudimentarmente, localizada em outras culturas.

Já na Antiguidade Clássica podem ser encontrados vestígios de

certa preocupaçiío com a dignidade da pessoa humana, o que se percebe em

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alguns Códigos, como o de Hamurabi, da Babilônia e da ~ s s í r i a , " ~ o de Manu,

da Índia,''' embora sejam formas jurídicas elementares, apenas para menção

acerca da expressão de defesa da dignidade e dos direitos do ser humano. Por

força do conteúdo filosófico presente nas grandes religiões da história da

humanidade, e, a rigor, em todas as civilizações antigas, inclusive na China,

pode-se notar a preocupação com a dignidade humana, no estabelecimento de

leis destinadas a resguardar e proteger o indivíduo.''*

Por estarem sempre em processo contínuo de construção, a história,

e também a história do direito, não só fornecem indicadores acerca da existência

humana, como acabam contribuindo para a recriação do próprio conceito,

ajudando a compreender o tempo em que vivemos.

Assim sendo, buscou-se apresentar o tema, levando-se em conta a

relevância da noção estudada para a concepção jurídica que prevalece nos dias

atuais.

"" C ~ D I G O DE HAMUKABI (2067-2025 aC.; fundador do Primeiro Império Babilônico) - Conclusáo: "As justas leis que Hamurabi, o sábio rei. estabeleceu e com as quais deu base estável ao governo: - Eu sou o governador guardiáo, em meu seio trago o povo das tenas de Sumer e Acad. Em minha sabedoria eu os refreio para que o forte não oprima o fraco e para que seja feita a justiça B viúva e ao 6rfso. Que cada homem oprimido compamqa diante & mim, como rei que sou da justiça Deimi-o ler a inscrição no meu monumento. Deixai-o atentar nas minhas ponderedas palavras.(...). Nos dias a virem por todo tempo funiro, possa o rei que estiver no trono observar as palavras & justiça que eu tracei em meu monumento", p. 44. '"' C ~ D I G O DE MANU (aprox. entre 1300 e 800 aC; era filho de Brahma, pai da humanidade).Como exemplo - Livro Nono, m.450. "A mulher C considerada pela lei, como o campo. o homem como a semente; C pela cooperação do campo e da semente que tem lugar o nascimento de todos os seres animados", p. 100. 1111 Nesse sentido, ALVES, Cleber Francisco. Oprimipio constitucional da dignidade da pessoa humana: o enfoque da doutrino social da igreja. p. 13- 14.

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Luiz Antonio Rizzatto Nunes ensina que o conceito de dignidade

foi sendo elaborado no decorrer da história da humanidade e, neste século XXI,

apresenta-se como valor supremo, construído juridicamente, sendo garantida por

um princípio. Portanto, a dignidade e absoluta, plena, sendo importante lembrar

que a evolução do ideal jurídico mundial reflete-se no Texto Constitucional.

Para que se possa compreender a relevância assumida pela

dignidade, há que se levar em conta as violaçaes que foram praticadas, para se

lutar contra elas. Não há como se desconsiderar que o indivíduo, já com sua

dignidade inata, nasce, cresce e vive no meio social. A raiz da dignidade

humana está no simples fato de a pessoa existir, na sua superioridade racional,

independente de sua condição social, não sendo admissiveis quaisquer

discriminações. 'O9

E ainda prossegue Luiz Antonio Rizzatto Nunes, afirmando que

"não pode o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana ser desconsiderado em

nenhum ato de interpretação, aplicação ou criação de normas jurídicas" (...) "não

só esse princípio é vivo, real, pleno e está em vigor como deve ser levado em

conta sempre, em qualquer s i t~a~ão ' " '~ .

lll') NUNES, 1,uiz Antonio Riuano. Op. ccit., p. 46-50. 1 1 0 Idem. p. 5 1.

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Nesse sentido, há que se indagar, como o faz Rizzatto Nunes:

"como é que se poderia imaginar que qualquer pessoa teria sua dignidade

garantida se não lhe fosse assegurada saúde e educação?""'.

É a dignidade da pessoa humana valor supremo a ser respeitado e

princípio constitucional que, no desenvolvimento histórico da humanidade no

mundo ocidental, foi sendo lentamente construído, servindo de diretriz para a

harrnonização de outros princípios.

2.1.1 O Pensamento Grego

Pela sua influência na civilização ocidental (embora os

gregos não trabalhem diretamente a noção de dignidade da pessoa humana), bem

como pela relevância no desenvolvimento da reflexão filosófica sobre o

Homem, analisa-se o pensamento grego, uma vez que nele se percebe a idéia de

um homem com validade universal e n~rmativa."~

É o primeiro passo para a construção da noção de dignidade

humana, uma vez que é no seu contexto humano que tal noção, essa idéia é

desenvolvida.

I I I NUNES. Luiz Antonio R i m o . Op. cil., p. 46-50. ' " NOC;ARE. Pedra DaJlc. f/~,m<»lismos e anli-humanisms: intraduçüo a at?tro[m/ogh flosofk-a. Petr6polis : Vozes, 1985. p. 25-26.

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A grande contribuição da filosofia grega para o pensamento

ocidental foi um novo modo de pensar, racional e filosófico, que se opõe ao

pensamento mítico então dominante. Com o surgimento da pólis como criação

da vontade humana e com o desaparecimento do "rei divino", nova forma de

encarar os problemas se apresenta: o logos, a razão.

Como fmto dessa reflexão racional, as contribuiçaes gregas à

civilização ocidental, podem assim ser destacadas:

(a) a idéia de que a Natureza opera obedecendo a leis e princípios

necessários e universais que são passíveis de nosso

conhecimento;

(b) a idéia de que nosso pensamento também opera obedecendo a

leis, regras, normas universais e necessárias, permitindo

distinguir o verdadeiro do falso;

(c) a idéia de que as práticas humanas (a moral, a política, as

técnicas e as artes) dependem da vontade livre, da discussão e

deliberação, conforme valores e padrões estabelecidos pelos

próprios seres humanos;

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(d) a idéia de que os acontecimentos naturais e humanos são

necessários, porque respeitam a leis naturais ou da natureza

humana, bem como podem ser contingentes ou acidentais,

dependendo das escolhas humanas;

(e) a idéia de que os seres humanos aspiram ao conhecimento

verdadeiro, à felicidade. $ justiça, valores que d31o sentido às

suas vidas e as suas aç6es.l"

Da obra de Aristóteles - ktica a Niçdmaco -, podemos

destacar:

"Como ilimos, há dicas espécies de virtude, a iritelectital e a

moral. A prinieirrr deve, em grande pcrrfe, srru ger~rqao e o

crescimento ao ensino, e por isso requer experiência e

tempo; ao passo que a virtude moral é adquirida em

resulfudo do hábito, de onde seu nome se derivou por uma

pequena modificação dessa palavra (ethos, eihiké). (...) Não

é portanto, nem por ncrfrrrezu, nem contrariamcnfe à nafzrre;.u

que as virtudes se geram em nós; antes devemos dizer que a

nutztreza nos dá a capacidade de recebê-las e tal capacidade

113 CHAU~, Marilena, Convire h Filosofia. Sào Paulo : Ática 1999, p. 20-23.

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se aperfeiçoa com o hábito. c..) e do mesmo modo, tornamo-

nos justos praticando atos justos, moderados agindo

moderadamente, e igualmente com a coragem, etc. O que

estamos dizendo é confirmado pelo que acontece nas

cidades-Estados: os legisladores tornam bons os cidadãos

por meios de hábitos que Ihes incutem. Esse é o propósito de

todos os legisladores, e quem não consegue alcançar tal

meta, falha no desempenho de sua missão, e é exatamente

neste ponto que reside a diferença entre a boa e a má

constituição """

É o entendimento da filosofia grega como um todo,

conhecendo sua contribuição para o pensamento ocidental: a racionalização do

pensamento e da ação humana.

2.1.2 O Pensamento Cristão

Ainda que, por um lado, a filosofia grega tenha sido

importante para a superação da explicação mitológica, permitindo a

racionalização do pensamento humano, colocando O homem e sua relação entre

i l 4 ARISTOTELES. ,$;ca a N;cómaco. São Paulo : Martin Clare62002, Livro 11. p. 40-41.

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si próprio e a natureza como centro da reflexão, não há dúvidas que o

pensamento cristão foi o grande momento de elaboração da noção de dignidade

humana, até porque, na filosofia cristã, o homem é concebido a imagem e

semelhança de Deus.

Uma das mais importantes contribuições ainda no vigor do

império romano, no período antecedente ao surgimento do cristianismo, nos

chega a partir de Cícero (106-43 a.C) - forte personalidade de amplissima

cultura que se destacou na filosofia, oratória, oficio forense e na política -, que

pode ser considerado jusnaturalista, uma vez que, para ele, a explicitação da lei

natural toma-se a lei positiva, já que a lei natural prevê toda a conduta do

homem.

Também o jusnaturalismo de Cícero evidencia-se na distinção

que ele faz entre direito civil - próprio de cada povo e integrado nas leis

positivas vigentes na comunidade política -, entre o direito gentio - aquele que

todas as nações fazem uso, a maneira de um ordenamento positivo universal - e

o direito natural - o qual está acima dos outros, aparecendo, mesmo, como

fundamento de ambos.

Essa tese jusnaturalista do pensamento greco-romano também

se adapta aos dogmas do cristianismo, tendo se revelado na cisão da filosofia

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antiga em dois momentos - paganismo e cristianismo, uma vez que, a partir de

Cristo, uma nova concepção de mundo e de vida se apresenta, absolutamente

distinta das concepções até então vigentes.

Esse Deus que é único e transcendente, enquanto Criador de

tudo o que existe e superior ao mundo, difere dos antigos deuses na medida em

que estes faziam parte do mundo como superhomens, vítimas das mesmas

paixões e defeitos que os humanos.' "

A grande mudança provocada pelo pensamento cristão, reside

no fato de que, por terem sido concebidos a imagem e semelhança de Deus,

todos os homens são radicalmente iguais.

Nesse contexto, o Cristo - Deus-Homem - coloca sua missão

evangelizadora como a de reabilitaç30 e revalorização do homem, qualquer que

seja ele, independente de nobreza, posses e qualidades.''6

Esta maneira de pensar resulta numa grande transformação na

reflexão filosófica, visto que representa a idéia de uma igualdade inerente a todo

os homens e não somente aos escolhidos: Deus não faz distinções; todos

115 COMPARATO. F&io Konder. A ajrmaçdo histdrica dos direitos hitmanos. 2. ed. (rev. e ampl.) Silo Paulo : Saraiva 2001, p 1-8. "I' NOGARE. Pedro Dalle. Op. cit., p. 43-49.

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merecem o mesmo respeito e a mesma consideração - "não há judeu, nem

gentio".

Tal mudança era absolutamente inovadora naquele contexto,

vindo a provocar em maior ou menor grau, alterações significativas na própria

organização da sociedade e também na busca a igualdade entre os seres

humanos como expressão de respeito a sua dignidade.

É o ser humano sendo considerado na sua igualdade essencial

- ser humano -, ainda que possua múltiplas diferenças.

Mesmo que, durante séculos, essa igualdade não tenha valido

na realidade do cristianismo - que continuou admitindo a escravidão e a

inferioridade da mulher - não se pode retirar a extrema importância dessa

mensagem evangélica para a proteção da dignidade da pessoa humana.'"

Depois dos quatro Evangelhos, as Epístolas paulinas s2io os

documentos que, mais autenticamente contêm o núcleo do ensinamento de

Cristo. Porém, as "Cartas de São Paulo" também revelam um interesse

filosófico, porquanto em muitas de suas passagens, o "Apóstolo das Gentes"

117 COMPARATO, Fábio Konder. Op cil.. p. 17- 18.

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deixou entrever seu grande conhecimento do pensamento grego, cujas

concepções aproveita para suas construções teológicas e fil0s6ficas"~

A partir de Paulo de Tarso (Apóstolo Paulo), com a

disseminação da idéia de que o cristianismo era passível de ser adotado,

indistintamente, por todos os povos, é que a religião cristã passa a ser verdadeiro

corpo doutrinário, adquirindo pretensão universal.

Foi o Apóstolo Paulo quem, na Carta aos Gálatas, eleva todo

homem a uma condição de igualdade na filiação divina, quando diz

"não há mais nem judeu, nem grego; já não há mais nem

escravo, nem homem livre, já não há mais o homem e a

mulher; pois rodos vós sois um só em Jesus Cristo ".(Gálaras

3:28).

Diante da razão humana o pensamento cristão busca se

justificar, apresentando coerência e integração com o pensamento dos antigos

filósofos. Coube a outros teólogos, porém, aprofundar e dar consistência a idéia

de uma 'natureza comum' a todos os homens, O que pode ser feito, a partir dos

conceitos desenvolvidos pela filosofia

I In FERNÁNDEZ-GALIANO, Antonio y CID Benito de íh . s í~~ . Lecciones & Teoria de1 Derecho y Derecho Na/&. Segunda edición Editorial Universita, S A. ' I'' FERNÁNDU-GALIANO, Antonio y CID Benito de Castro. Lecciones de Teoria de/ &rec/w y Derecho NUIIVU/. Segunda edición, Editorial Universitas, S A.

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A intenção de racionalização do divino a partir de uma idéia de

igualdade inata a todos os seres humanos - concebidos a imagem e semelhança

de Deus - foi a forma assumida pela filosofia por cerca de mil anos. No período,

o pensamento cristão confunde-se com a própria filosofia. Por outro lado,

permeiam toda a reflexão filosófica do primeiro milênio, as tensões existentes

entre fé e razão, visíveis no pensamento cristão.

Com o Cristianismo, operou-se fundamental e decisiva

distinção entre Política e Religião, entre a esfera do Estado e a órbita de ação

própria do homem significando também clara discriminação entre Moral e

Política, sem contrapor uma a outra.

OS primeiros séculos de existência do cristianismo

submeteram a prova a vitalidade da nova doutrina, juntamente com constantes e

cruentas perseguições aos seus adeptos, eis que a constmção sistemática dos

dogmas ainda era incipiente, tendo de enfrentar grandes manifestações hereges.

Devido necessidade de se evitar todos os desvios da doutrina que se expandia,

a tarefa que exigiu o maior vigor intelectual do cristianismo foi direcionada para

o sentido polêmico de defesa, presente em grande pane dos escritos dos Padres

da Igreja.

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Não é de se estranhar, por conseguinte, que a literatura

patrística não oferece uma linha de continuidade nem pode se falar num

tratamento sistemático das questões, e ainda, o problema do direito natural não

recebe na Patrística um tratamento diferenciado, sem muitas novidades, pois, em

geral os autores se limitam a afirmar a existência de uma lei inserida na natureza

humana por seu Criador, com o mesmo alcance moral que já existia no

"Apóstolo das entes"'".

Dentro desse período inicial do cristianismo, há que se

mencionar a personalidade de Santo Agostinho (354-430) como grande matriz

de todo o pensamento medieval, momento culminante da Patrística, mas em

quem também ela declina.

Quando traz pela primeira vez o pensamento cristão, explica

sua teoria da lei natural, a qual precisa estar embasada na doutrina geral da lei,

assim explicada: "a lei natural intimamente conectada com a lei eterna, por um

lado e com a lei positiva, por outro, constituindo essa trilogia de leis um

conjunto coerente"'*'.

--

''" ~.'EKNÁNDU-GALIANO. Antonio.~. Op. cil.p.328. '" Idem. p. 330.

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Assim como Deus é o autor da lei eterna e, por sua vez, a lei

natural é a manifestação daquela no homem, as normas positivas devem estar

fundamentadas na lei natural, de modo que quando um preceito dado por uma

autoridade humana não evidencia essa conexão com a legalidade natural, carece

de condição de lei, e, portanto, não se tona obrigatório de cumprimento.

A missão do legislador, ao promulgar suas normas, deve se

apoiar em proibir tudo aquilo que "perturbe a ordem natural", ordenando, em

troca, toda conduta que favoreça essa ordem.

Mas foi Tomás de Aquino, o mais destacado e conhecido

pensador medieval, que se inspira não só em Aristóteles, como nos

ensinamentos dos juristas romanos, tendo deixado uma obra de extraordinário

labor jurídico"', sendo quem construiu o primeiro "sistema" filosófico e o

primeiro que articulou uma doutrina completa sobre a lei natural.

Pela relevância que teve para o Direito o pensamento cristão

de Tomás de Aquino (1225-1274), e ainda, pela circunstância de ter sido ele o

primeiro a referir-se por expresso ao termo "dignidade humana", o seu

pensamento filosófico - mesmo inserido no cristianismo -, precisa ser abordado

em separado.

'" REALE. Miguel. Filosofi do Direito. p. 636 - 637.

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Com ele chega ao apogeu a Escolástica, uma filosofia

iniciada no século XII e que no século seguinte, XIV, entra em decadência, mas

que é considerada o ingrediente filosófico mais importante da Idade Média.

Dentro deste pensamento as contribuições de Tomás de

Aquino são tão extensas e importantes que dão lugar a uma direção própria e

pessoal - o tomismo - de tal vigor que, as vezes, essa palavra é empregada para

designar a própria Escolástica.

Dentro da construção tomista, o conteúdo da lei natural, deve

ser examinado sob dois pontos de vista - quantitativo e qualitativo.

Sob o primeiro aspecto - maior ou menor número de preceitos

que compreende - encontram-se as tendências básicas as quais devem adequar-

se os mandamentos e proibiç8es da lei natural: tendência à conservação do

próprio ser - por exemplo o preceito que ordena a proibição do homicídio;

tendência à conservação da espécie - por exemplo OS preceitos relativos a

família e suas relações; tendência a conhecer a verdade e a viver em sociedade

- como os preceitos relativos a perfeiçâo intelectual do homem e suas relações

no âmbito da ~omunidadel*~.

'3 FERNANDEZ-GALIANO, Antonio y. Op. cit., p. 336-337.

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A concepção tomista de pessoa, por se distinguir da concepção

grega, é importante para que se consiga entender a noção atual de dignidade da

pessoa humana.

"Diferentemente de Santo Agostinho, para quem o pecado

tornara o homem perverso e violento, para Santo Tomás, os

humanos perderam a inocência original, mas não a natureza

que lhes fora dada por Deus. Por esse motivo, neles

permaneceu o senso de justiça, entendido como o dever de

dar a cada um o que lhe é devido e com ela fundaram a

comunidade política. ..) Foi a Santo Tomás que coube a

empresa histórica de retificar, num sentido cristão, o

aristotelismo, que corria ao lado da teologia, sem correlação

r, 124 orgânica com ela, e de superá-lo ... .

Desse modo, o pensamento tomista sobre o homem, pode ser

assim resumido: o homem é composto de matéria e de espírito, que formam uma

unidade substancial, o que não impede a alma humana de ser irn~rtal.'~' Sua

obra busca encontrar uma justificativa racional para a existência de Deus e para

a Fé.

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Da mesma forma, para Tomás de Aquino, pessoa C toda

"substância individual de natureza racional", conceito que ele recupera de

Boécio. Isto significa que a noção de pessoa deixa de ser apenas uma

exterioridade @ersona do verbo personare, que significava ecoar, corno a

máscara de teatro grega que fazia ressoar intensamente a voz da pessoa por ela

ocultada), passando a ser a própria substância, ou seja, a forma que dá ao ser de

deteminado ente individual, as características de permanência e

invariabilidade. Iz6

Assim, dessa concepção de pessoa se sobressai o caráter único

do ser humano, que o distingue de outros entes como ser racional e intelectual,

bem como, a idéia de que todos os seres humanos são iguais em dignidade, pois

que inata e naturalmente são dotados da mesma racionalidade, por terem sido

concebidos à imagem e semelhança de ~ e u s . ' ~ '

Para Tomás de Aquino, a "dignidade humana" é uma

qualidade inerente a todo ser humano, que repercute na distinção das demais

criaturas: a racionalidade. Através da racionalidade O ser humano passa a ser

livre e por seu destino, significando O que há de mais perfeito em

todo o universo e se tornando um valor absoluto.

'" "OMPARATO. Fábio Konder. Op. p. 19. '"idem. mesma piigina. Para este autor. foi essa concePW medieval de pessoa que serviu de base para a e labore do principio da igualdade essencial do ser humano.

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Na verdade, Tomás de Aquino não chega a elaborar uma

concepção própria de dignidade da pessoa humana. Afinal as concepções de

pessoa e de dignidade humana, embora construídas com rigor técnico, não

diferem da tradicional concepção adotada pela esco~ástica, '~~ da qual foi ele o

mais ilustre representante.'29

Importante também que se lembre o grande período de tempo

decorrido que foi necessário para que o conceito de pessoa, no que diz respeito

ao universo jurídico, se restringisse de maneira circunscrita ao homem, até pelas

concepções diferenciadas que o termo 'pessoa' adquiriu na história da

humanidade. 130

2.1.3 A contribuição de Immanuel Kant

Tendo vivido no século XVIII (1724-1804), este filósofo

alemão é responsável pelo que é conhecido como "revolução copémica" da

IZK Segundo ABBAGNANO, Nicola, in: Dicioruirio de FilosoJa, a Escolástica se refere h filosofia crista da Idade M d i a cujo problema filos6fico fundamental consiste em levar o homem a compreender a verdade revelada "' NOGARE, Pedra Dalle. Op. cit., p. 61-64, ressalta que enquanto na Idade Media o homem era visto unicamente em função de Deus, com o Renascimento o homem se apercebe de que tem Um lugar próprio neste mundo. Nesse contexto, o autor cita a contnbuiçh de Pico della Mirandola sobre o tema: De dignitale tiomines, ocasião em que identificada a Caractefistica da dignidade do homem na circunstância dele ser a única criatura liberta de natureza determinante. Apem o homem cria sua phpna natureza. 6 autor e projeto de si mesmo; com sua dignidade humana respeitada por todos, o ser humano tem a liberdade para agir conforme seu entendimento e opçáo racional. 130 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Op. cil., p. 10-1 1, onde 0 autor comenta as três mpçdes sobre 'pessoa': a) a virlgar - pessoa como ser humano; 6) ajilosbjca - pessoa 6 O ente dotado de razão, que realiza um fim moral e exerce seus atos de modo consciente: c) a jirrídica - pessoa corno todo ente físico Ou moral, suscetivel & direitos e obrig-s; sujeito de direito ou sujeito da relac;ão jurídica

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teoria do conhecimento, pois, transformando radicalmente os conceitos

dominantes - uma vez que ele colocou a própria razão no centro de todo o

conhecimento -, foi o primeiro a desenvolver a idéia de dignidade da pessoa

humana.

Por conta dessa revolucionária forma de pensar, parece haver

um certo consenso para se considerar sua construção teórica, como referencial

para o princípio da dignidade da pessoa humana, em termos filosófico-

constitucionais.

A razão é composta por uma estrutura - que é universal, a

mesma para todos os seres humanos, em todos os tempos e lugares - e pelo seu

conteúdo, diz Kant.

Desse modo, a estrutura da razão é inata ao ser humano,

existindo 'apriori 1 Já o conteúdo desta razão depende da experiência e, por isso

para Kant, o conteúdo existe 'a posteriori'.

Para ele, os seres racionais são chamados pessoas e, por sua

própria nanuem, se distinguem dos demais seres da natureza, de tal modo que

não poderão ser usados como meio, chegando, inclusive, na proibiçao da

mentira, uma vez que quando um homem mente a outro homem significa que

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"quer servir-se de outro homem simplesmente como meio,

sem que esse último contenha ao mesmo tempo o fim em

3, 131 SI .

Neste universo dos fins, tudo tem seu preço e por isso,

"quando uma coisa tem seu preço pode-se por em vez dela,

qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa

está acima de todo o preço, e portanto não permite

equivalente. então ela tem dignidade"."'

O homem possui dignidade porque não tem preço, não tem

um valor relativo, não permite uma substituição equivalente; possui um valor

intimo, em virtude de ser um fim em si mesmo.

Esta superioridade se expressa na superioridade do homem

sobre as outras coisas e não na superioridade de um homem sobre outro homem.

Dai dizer-se que o valor de dignidade não depende de sua condição étnica, de

classe social, uma vez que é da própria natureza do homem esse valor intimo

chamado dignidade.

131 KANT, Immanuel. Fu&xnenía@o da metafuica dos costumes. Lisboa : Ediç&s 70,2000, p. 230. 132

Idein. p. 234.

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Pode-se identificar na obra de Kant a exploração de dois

problemas filosóficos fundamentais: um relativo aos limites e as possibilidades

de aplicação do conhecimento; outro relativo a ação humana e aos problemas

morais nela envolvido^.'^^

Neste campo de investigação acerca da ação humana e da

moral, é que Kant desenvolveu sua concepção de dignidade da pessoa humana,

que pode ser identificada com a que prevalece atualmente.

Ao buscar esclarecer o dilema surgido pela introdução da

idéia do comportamento ético por dever, Kant apresenta sua compreensão sobre

o sujeito moral que tem em sua consciência as normas de conduta que o submete

ao bem, não em uma norma externa, reafirmando o papel da racionalidade na

ética.

Para Kant o homem como sujeito do conhecimento é ativo e

criador, capaz de se sentir responsável por seus próprios atos e de ter

consciência de seus deveres. É o sujeito livre para dar a si mesmo sua pr6pria

lei.'34

I" CHAUI. Mdle* /npdUFdo à critica da rcdopura, Kanr. Os Pensadores. Sho Paulo : Abril, 1993, p. 5-7. I'' VÁSQUES, ~ d ~ l f o Sgnchez. Ética. 16. ed. Rio de Janeiro : Civilizaçb Brasileira, 1996, p. 249.

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A este mundo de liberdade - dar a si mesmo sua própria lei -

o homem pertence como ser moral, pois se a razão prática humana é capaz de

criar normas e fins morais, também pode impô-los a si mesma. Isto significa

dizer que mais do que apenas respeitar um dever, o homem precisa do dever

para tornar-se um ser moral, que obedece a si mesmo, por ter consciente e

racionalmente estabelecido o dever.'35

Por sermos, além de seres morais, seres naturais (portanto

sujeitos a apetites, impulsos, paixões, desejos), os valores e fins morais não são

espontâneos em nós, precisando por tal razão, assumir a forma de dever.

Mas isso não significa que sejam definidos conteúdos fixos a

serem praticados em cada conduta, em cada circunstância; o dever é uma forma

que deve valer para toda ação moral. Trata-se de um 'imperativo categórico', de

uma ordem incondicional, uma 'lei moral interior ' . I J 6

0 imperativo categórico de Kant é expresso numa fórmula

geral:

135 CHAUJ, Mari]ena Convite àj/osofa. S&O Paul0 : Áticq 1999, p. 344-345. I30 Idem, p. 346 e da mesma autora in: Introdução a crítica da r d o pura, Kant. OS Pensadores. p. 14- 16, esclarece que. em oposição ao 'hperativo hipotético ' - que enuncia um mandamento subordinado a determinadas wndiçbes - Kant concebe o ' w r a t j v o categdnco '- desvinculado de qualquer condiçb, afirmando a autonomia de vontade a m o único p"ncipia de todas as leis morais, na medida em que a m~.& prática humana nos dh uma lei universal elaborada espontaneamente pela vontade do homem.

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"Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo

tempo querer que ela se torne lei universal"."'

Dessa fórmula, explica que o ato moral se realiza como

acordo entre a vontade e as leis universais que a própria vontade criou.

A partir desta fórmula, Kant deduz outras três fórmulas:

I ) '2ge como se a máxima de tua acção devesse tornar, pela

9 9 / 3 8 . tua vontade, em lei universal da natureza ,

2) "Age de tal maneira que uses a humanidade. tanto na tua

pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e

simultaneamente, como um fim e nunca simplesmente como

um (aliás, essa exigência é a que corresponde à sua

noção de dignidade da pessoa humana);

3) '.Age segundo márimas que possam simultaneamente ter-

se a si mesmas por objecto como leis universais da

9 , 140 natureza .

I37 KANT, Immanuel. F1,ndamen/ação da metaf~ica dos costumes. Lisboa : Ediçdes 70,2000, p. 59. 138

13,) Idem. mesma página

I40 Idem. p. 69. Idem. p. 8 1

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Percebe-se no pensamento de Kant, que todas as aç6es que

levem a 'coislpcação ' do ser humano, como instrumento de satisfação de outras

vontades, são proibidas por absoluta afronta à dignidade da pessoa humana. "O

valor de todos os objectos que possamos adquirir pelas nossas acções é sempre

con&ional",'4' por se sujeitar a satisfação e ao respeito a dignidade da pessoa

humana.

Seu pensamento é extremamente antropológico, considerando

que somente as pessoas, seres racionais, são um fim em si mesmo. Os demais

seres vivos, em função de sua irracionalidade, são considerados como coisas,'42

possuindo um valor relativo, na medida em que é um preço e não uma

dignidade.

Esta concepção ética antropocêntrica, impregnada de

profundo humanismo, em especial quando considerada em um mundo concreto

em que o homem é meio e no qual ainda não se verificam as condições efetivas

para transformá-lo em fim, parece ter servido de inspiração aos que desejam a

I J I KANT, Immanuel. Op. cit., p. 68. '.'- SARLET, Ingo wolfgmg. Di@h&? da pessoa hirmana e direitosfiindumenrais. p. 34-35, onde o autor critica esta c o n c e ~ h pelo seu antropocentrismo, considerando a pessoa humana a ocupar lugar privilegiado em aos demais seres Afirma ainda que semprc haverá como sustentar a dignidade da pr6pria vida no planeta wmo um todo. sendo neess&jo relativizar a wncepçào de Kant. formulada em um contexto histórico onde 0s recursos n a a i s e- tidos como inesgo~veis. Lembra, podm, que O valor relativo dos seres irracionais leva à concl&b de que a proteçào dos demais seres vivos existe devido à pdpria proteW conferida à dignidade da pessoa humana

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realização do principio da dignidade da pessoa humana no mundo (ainda

que vários pensadores, posteriores a Kant, negassem qualquer tentativa de

fundamentação metafisica ou religiosa da dignidade da pessoa humana).

O que se pode destacar é que, a grande maioria dos filósofos

até o século XIX admitiam a concepção de um Deus criador - que cria sabendo

o que faz e a partir de uma definição universal de natureza humana - sendo que

o homem individual realizaria um conceito que estava na inteligência divina: o

de natureza humana, ou seja, cada homem é um exemplo particular de um

conceito universal.

"Kant chega a propor, a partir de tal universalidade, que o

homem da selva, bem como o burguês, estão adstritos à mesma definição e

possuem as mesmas qualidades básicas" e mesmo em Marx "a essência do

homem precede essa existência histórica, que encontramos na natureza""'.

Para se abordar o problema da liberdade e significação da

existência, eliminando-se as essências de origem divina ou filosóficas sobre-

humanas, precisaremos nos valer das idéias apresentadas - e mesmo,

vulgarizadas - por Sartre, já no século XX, conforme V~~tXnOS a seguir.

I43 VASQUES, ~ d ~ l f o S h h e z . Op ril., p. 250, lembra que, se o homem age por puro respeito ao dever e n b obedece a outra lei, a n b ser a que lhe dita a sua consciência moral, 6 - com0 ser ra~lonal puro OU pessoa moral - legislador & si mesmo. 144

GUERRA FILHO, Wlliç Santiago. Para uma Fmofia da FibsoCa. Fortaleza : Casa de José de Alemr, 1999, p. 123

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2.1.4 O existencialismo de Jean-Paul Sartre

A filosofia existencialista de Sartre, presente em seus textos

filosóficos e em seus romances e peças teatrais, exerceu grande ascendência nas

gerações de 40, 50 e 60 do século passado, de forma a se transformar em icone

inspirador do movimento estudantil de sessenta.

O pensamento de Sartre e suas idéias sobre engajamento

político e liberdade, exerceram, não somente na Europa, mas também no Brasil,

sensível influência, gerando o movimento artístico do "Tropicalismo ".

Nos anos 60 do século XX, o mundo todo estava as voltas

com uma revolução de costumes, de sexo, de comportamento. O que antes era

velado, tornou-se oficial. Constata-se mais liberdade. OS mitos, os rituais, a

tradição, até então apregoados, deixam de existir. Passa a haver mais liberdade

entre os casais, famílias e a lei do divórcio soa como maior liberdade de escolha.

A mulher sai de seus lares em busca de trabalho e de uma

posiqão social onde possa se sentir mais independente. Percebe-se grande

confusão entre liberdade e libertinagem.

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Um dos filósofos mais populares do século passado, Sartre

tem uma obra extremamente representativa do momento conturbado de sua

produção. O pensamento de Sartre, por estar inserido no contexto da filosofia

e~istencialista, '~~ bem como, em virtude de sua nítida inspiração marxista, acaba

também por ser uma síntese dessa noção (marxista) de dignidade da pessoa

humana e da maneira de se ver o homem no contexto do Existencialismo.

Sartre entende que o homem primeiro existe antes de ter a sua

9' 146 essência, ou seja "a existência precede a essência . Isso significa que o

homem existe para si e que não foi criado a partir de uma essência anterior

(como uma essência divina, por exemplo).

Assim, não haveria uma natureza humana. Justamente porque

a existência precede a essência, é que o homem não está sujeito a um

determinismo. Seu futuro está por se construir e cabe ao homem a total

responsabilidade por sua existência.

NO entanto, em sendo inteiramente responsável por si

próprio, o homem acaba sendo inteiramente responsável por toda a humanidade.

Segundo ABBAGNANO, Nicola in Op. cci, coStUIna-se indicar por este termo um conjunto de correntes filosóficas cui= caracte"gicas não são os pressupostOS e as mcl&s, m a 0 insirument0 do qual se valem: a anuise da esisiPncia 1 . 6 SARTRE, Jean-Paul. 0 erislencjalismo é um h t m i s m o . 0 s Pensadores. p. 12.

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"Quando dizemos que o homem se escolhe a si, queremos

dizer que cada um de nós se escolhe a si próprio; mas com

isso queremos também dizer que, ao escolher-se a si próprio,

ele escolhe todos os homens. Com efeito, não há um de

nossos azos, um sequer que, ao criar o homem que desejamos

ser, não crie ao mesmo tempo, uma imagem do homem como

julgamos que deve ser. Escolher ser isto ou aquilo, é afirmar

ao mesmo tempo o valor do que escolhemos, porque nunca

~odemos escolher o mal, o que escolhemos é sempre o bem, e

147 nada pode ser bom para nós sem que seja para todos .

O futuro do homem está por se construir inteiramente, o que

significa para Sartre que

"o homem está condenado a ser livre. Condenado porque

não se criou a si próprio; e, no entanto, livre porque uma vez

* I 148 lanqado ao mundo é responsável por tudo quantojzer .

Para ele uma moral estabelecida niio pode auxiliar o homem

nessa escolha. Neste ponto, afasta-se de Kant, pois entende que nenhuma moral

- -

147 SARTRE, Jean-Paul. Oexistencialismo é um humanismo. Os Pensadores. p. 13.

I 4n Idem. Op. c~I . , p. 15.

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geral pode indicar o que fazer.lcY Em síntese, o homem nada mais é do que

aquilo que ele faz da sua própria vida, só existindo na medida em que se realiza.

Sartre também recusa a existência de uma natureza humana

que possa conduzir sua atuação, no que se afasta de São Tomás de Aquino e da

tradição cristã. Porém esclarece que há uma condição humana, ou ainda, uma

universalidade humana de condição, que corresponde aos limites que esboçam

sua situação no universo.

As situações históricas podem variar; a condição do homem

no mundo pode se alterar no contexto histórico, mas náo varia a necessidade de

se ter um projeto de vida. Ao se elaborar um projeto de vida pessoal que possa

ser compreendido por outros homens, estaremos frente a um valor universal. No

entanto, este valor não afasta a relatividade de cada época e de cada projeto

dentro de determinado contexto h i s t ~ r i c o . ' ~ ~

Sartre recusa a existência de uma dignidade inata ao ser

humano - divergindo de Tomás de Aquino e de Kant -, ressaltando que a

dignidade humana reside justamente no fato de sua existência estar toda por se

construir. Preocupa-se com uma "moral de ação e de c~m~rornisso". '~'

I.'" SARTRE. Jean-Paul, O ex&tencialism~ é um humanismo. 0 s Pensadores. p. 18-19. 150

151 Idem. Op. cit.. p. 22-23. Idem. Op. cil., p. 2 1.

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Em sua concepção de dignidade, assume relevância a

consciência que o homem tem de sua própria situação (condição) no mundo e de

sua responsabilidade na construção de um projeto de vida, ao mesmo tempo

pessoal e universal. Tal consciência, o homem pode atingir pelo 'cogito'

(penso); aquele que se reconhece pelo 'cogito' atinge também a todos os outros,

descobrindo-os como condição de sua existência.

Ao afirmar que "o existencialista não tomará nunca o

v > 152 homem corno um fim, porque ele está sempre por fazer , Sartre enfatiza que

a dignidade do homem reside na plena liberdade para fazer-se. Para ele, o

existencialismo é a única teoria capaz de conferir ao homem urna dignidade,

pois não o reduz a um determinismo que faria dele um objeto, tal qual as coisas.

Já a questão da condição humana e as tentativas de sua

destruiçâo num mundo conturbado, de transfomaçao em simples coisa, foi o

ponto central das finissimas análises de Arendt, buscando conhecer,

compreender para explicar, situaçdes muitas vezes ultrajantes para a dignidade

humana, que a seguir trataremos.

2.1.5 A reflexso dialbtica em Hannah Arendt

Para que se possa compreender o processo reflexivo

desenvolvido por esta admirável representante intelectual do sdculo XX, há que

'" SARTRE, Jean-Paul. O exjsiencialismo c! um humanismo. OS Pensadores. p. 27.

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se tomar como ponto de partida o exame da lacuna percebida entre o passado e o

futuro, que se reflete na crise do mundo contemporâneo.

O esgarçamento da tradição ocidental, teve em Hegel seu

ponto de partida, quando vislumbrou o desdobramento da História Mundial

numa unidade dialética, não considerando a autoridade de todas as tradiçi3es e

sustentando o seu pensar apenas no fio da própria continuidade histórica.

Assim, a história da Filosofia Ocidental que se construíra

com base no conflito bipolar entre o mundo das aparências e o mundo das idéias

verdadeiras, perdeu parte do seu significado com 0 movimento dialético - o real

é racional e o racional é real -, que Hegel buscou demonstrar e que preocupou

Mam e ~ i e t z s c h e . ' ~ ~

0 pensamento de Hannah Arendt é extremamente

representativo das razões históricas que levaram à ~ons t i t uc iona l i za~~~ do

principio da dignidade da pessoa humana, inicialmente na Alemanha e,

posteriomente, em diversas outras Constituições, inclusive a brasileira.

AO longo de toda a sua obra, pode-se observar uma

preocupação com a dignidade da pessoa humana. No entanto, em seus estudos

153 ARENDT, Hannah. Entre o passado e ofituro, p. 9- 16.

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sobre o totalitarismo, realizados a partir de uma profunda análise das

experiências nazistas e stalinistas, é que se pode identificar as principais razões

desta constitucionali~ação.'~~

Ao estudar a crise do Estado contemporâneo, que permitiu o

surgimento de Estados totalitários, a autora demonstra que em uma estrutura

burocrática de governo e de dominação, apoiada em uma ideologia e no terror,

os padrões morais e as categorias políticas tradicionais se enfraquecem,

permitindo-se as mais aviltantes ofensas a dignidade da pessoa humana.

Ao se referir a Primeira Declaração dos Direitos do Homem,

no fim do século XVIII, marco decisivo na história -, sendo que o Homem seria

a fonte da Lei, e não o comando de Deus nem 0s costumes da história -, a autora

faz referência à implicação trazida por essa Declaração: na nova sociedade

emancipada, os homens não estavam mais certos daqueles direitos sociais e

humanos que, até então, independiam de ordem política, garantidos não pelo

governo ou mas pelo sistema de valores sociais, espirituais e

religiosos.

Assim, o Homem surgia como soberano em questões de Lei,

assim como era proclamado como soberano em questaes de governo, dai parecer

I" JRENDT, Hannah. A obra referência desia parte de seu pensamento e As origens do iotuIiiarismo; porém a autora analisa diretamente o tema em Eichmann em Jemafém: Um reluto sobre u banali&& do mal.

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natural que os direitos "inalienáveis" do Homem encontrassem sua garantia no

direito do povo a um auto-governo soberano.

Em outras palavras, o homem surgindo emancipado e isolado,

levando em si próprio sua dignidade, de início já se diluiu como membro do

povo.

"Era o paradoxo contido na declaraç&o dos direitos humanos

inalienáveis: ela mesma se referia a um ser humano "abstrato", que não existia

em parte alguma. c..) Como a humanidade, desde a Revolução Francesa, era

concebida à margem de uma família de nações, tornou-se gradualmente

evidenre que o povo, e não o indivíduo, representava a imagem do homem'"ss.

A suposição dos Direitos Humanos tidos como

"inali~náveis " - porque seriam independentes de todos os governos - revelou-

se frágil porque ao deixar de ter um governo próprio, não restava nenhuma

autoridade capaz de proteger, ou instituição disposta a garantir a salvaguarda dos

direitos de inúmeras pessoas e povos.

O conceito dos direitos humanos foi tratado de modo

marginal pelo pensamento político do S ~ C U ~ O XIX e nenhum partido liberal do

155 ARENDT, Hannah. Orjgpm do To~alitarLFmo. p. 324 - 325.

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século XX houve por bem incluí-10s em seu programa, mesmo quando havia

urgência de fazer valer esses direitos, afirma Hannah Arendt.

"Quanto mais elevado era o nhmero de pessoas sem direitos,

maior era a tentação de olhar menos para O procedimento dos governos

opressores que para a condicão dos oprimido^""^

O fenômeno totalitário revelou que não existem limites às

deformações da natureza humana. Segundo seu relato, durante a Segunda Guerra

Mundial, até mesmo as próprias vítimas acabavam por perder a noção do valor

inerente a pessoa humana, uma vez que nessa época de terror, os lideres das

comunidades judaicas chegaram a negociar a libemção de judeus "mais cultos"

3, 157 OU "importantes", em troca de judeus "comuns .

A análise do totalitarismo permite identificar que neste tipo

de fenômeno criam-se as condições para se considerar os seres humanos como

supérfluos, retirando-lhes a condição humana, tratando-os como seres

descanáveis que podem ser trocados, substituídos, OU igualados a objetos.

'""ENDT, Hannah. Op. cit., p. 328. 157 Eichrnann em Jen~salém.

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A proposta de organização da sociedade pelo totalitarismo,

significa uma ruptura na evolução histórica da tradição ocidental, que escapa ao

bom senso e foge de qualquer critério razoável de

Na visão da autora a solução para a recuperação dos

mecanismos que venham a afastar a perspectiva totalitária, passa pela

recuperação da pluralidade do espaço público da palavra e da ação, permitindo-

se o pleno exercício da criatividade de cada ser humano; criatividade da ação

política que é percebida pelo exercício contínuo da liberdade pública, que faz

avançar e viver as in~ti tui~ões."~

Para ela, a liberdade e a palavra deveriam ser construídas a

partir da manutenção e constante promoção de um espaço público democrático,

que permitisse o pleno desenvolvimento das potencialidades humanas. Política e

liberdade, embora coincidentes, só se articulam quando existe mundo público;

nele poderá ser viabilizado o diálogo com OS outros, numa comunicação

ilimitada e sem fronteira, que não exprime a verdade, mas a instaura e reflete a

natureza dialógica da ~ o 1 i t i c a . l ~

Nesse sentido, LAFER, Celso. A reconstrufão dos direitos humanos: um diálogo com O pensamento de Ha-h Arendt. 159 ARENDT, Hannah. Entre opassado e o.@mro. P. 22. lu1 Idem, p. 26.

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Seu pensamento é representativo do momento histórico em

que se procedeu a constitucionalização da dignidade da pessoa humana, sob a

forma de princípio (no qual se destaca este 'valor-fonte'), em diversas

Constituições. Sua obra também serve de parâmetro para a compreensao da

importância que têm a preservação e a promoção da dignidade da pessoa

humana, em uma sociedade que se propõe democrática, como a do nosso país.

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3 TWTAMENTO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA

PESSOA HUMANA

Para que se possa abordar a proteção dos interesses públicos e privados,

tem-se na obra de Luiz Antonio Rizzatto unes'^' o necessário respaldo

doutrinário para fundamentar o que hoje se compreende por esse tema.

A princípio, cabe esclarecer que num "Estado Democrático de Direito",

como se constitui nosso país, a lei máxima é a Constituição e as normas dela

decorrentes, obrigam pessoas fisicas, jurídicas e o próprio Estado, uma vez que

seus comandos são imperativos.

Assim considerando, pode-se observar que a legislação infraconstituci~n~]

também precisará levar em conta as normas e princípios que estão presentes na

lei fundamental do Estado.

A esse respeito, Luiz Antonio Rizzano Nunes vale-se do ensinamento de

Canotilho, segundo o qual

"a superioridade hierúrquica da Constituição revela-se em três

perspectivas:

l'" NUNES, tuk Antonio R-. Comen~drios ao cddigo de drfesa do consumidor. Direito material - arrs 1 Ou 5.1, p. 1 a 73.

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"(I) as normas do direito constitucional constituem uma 'Iex

superior' que recolhe o fundamento de validade em si própria

('autoprimazia normativa 7; (2) as normas de direito constitucional

são 'normas de normas ' ('norma normarum '), afirmando-se como

fontes de produção jurídica de outras normas (normas legais,

normas regulamentares, normas estatulárias, etc.); (3) a

superioridade normativa das normas constitucionais implica o

princlpi~ da conformidade de todos OS aspectos dos poderes

políticos com a constituição".'"

Logo, não há como duvidar que as normas jurídicas mais importantes

encontram-se na Constituição. E ela que indica quem detém os poderes estatais,

quais são esses poderes, como devem ser exercidos e quais os direitos e

163 garantias que as pessoas têm em relação a eles.

No entanto, cabe lembrar que mesmo dentre as normas constitucionais

existem algumas mais relevantes porque contêm princbios, que são as diretrizes

do ordenamento jurídico, que afetam o sentido das normas e princípios que estão

presentes na legislação decorrente.

NUNES, ~~i~ ~~~~~j~ m t t o . Comentários ao cbdigo de ddesa do comumidor. Direito c o n s ~ i l u c i o ~ p. 14 1. I h3

Iuem. Comentários ao CDC. p. 1-2.

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Explica Rizzatto Nunes que na hipótese de um mandamento

constitucionaj contar com vários sentidos, sua interpretação será feita em

sintonia com o principio que lhe for mais próximo, porque uma interpretação

que atrite com um princípio constitucional não será entendida como jurídica.

Pela sua condição de normas qualificadas, os principios dão coesão ao

sistema jurídico, uma vez que eles guardam OS valores fundamentais do

ordençinlento jurídico. orientando e condicionando a aplicação de todas as

demais normas.

Valendo-se da expressão de David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior,

na obra "Curso de direito constitucional", Rizzatto Nunes a f i n a que "pode-se,

portanto, dizer que os princípios são "regras-mesrras dentro do sistema

positivo", cabendo ao intérprete buscar identificar as estruturas básicas, 0s

9, 164 fundamentos, os alicerces do sistema em análise .

AO ser adotada a dignidade da pessoa humana como base do Estado em

sua Lei Maior, tal opção significa que o indivíduo é o limite e o fundamento do

regime político deste pais, de tal modo que, no dizer de J.J.Gomes Canotilho,

República é uma organização política que serve o homem, não é o homem que

seme 0s aparelhos político-organizatÓri~~". E ainda afirma que essa pessoa,

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para a qual a República está a serviço, também pode cooperar com essa

organização politica, quando assume a condição de cidadão.

A primeira referência constitucional à dignidade da pessoa humana parece

ser encontrada na Constituição do México, de 1917, quando mencionava a

dignidade humana como valor que deveria orientar o sistema educacional

daquele pais.'" Também a Constituição Italiana de 27 de dezembro de 1947

estabelecia em seu art. 3" que "todos os cidadãos têm a mesma dignidade social

- 9 , 167 e são iguais perante a lei .

No entanto, foi a Lei Fundamental de Bonn, na Alemanha, de 23 de maio

de 1949, que primeiro erigiu a dignidade da pessoa humana, em uma formulação

principiológica, como direito fundamental, estabelecendo expressamente em seu

art. 1°, que "A dignidade humana é inviolavel. Respeitá-la e protegê-la é

9 9 168 obrigação de todos os poderes estatais .

É importante levar em consideração, que essa Lei Fundamental veio em

resposta aos horrendos crimes contra a humanidade praticados pelo nazismo,

onde a dignidade humana havia sido desrespeitada e cruelmente violada. Ao ser

165

I f*> CANOTILHO. J.J.Gomes. Op. cit.. p. 221. ALVES, Cleber Francisco. Op. cit., P. 129.

I"' NOBRE J ~ I O R , ~ d i l ~ ~ n Pereira O direito brasileiro e oprinc9io da dipidade & p s s w humana. p. 238. lon SILVA, jok *fonso A dignidade &pessoa humana com0 valor supremo drr democracia. p. 89.

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expressamente reconhecido e valorizado na Constituição alemã, o princípio se

disseminou por diversas Constituições de todo o mundo.

Em seguida, a Constituição Portuguesa, promulgada em 25 de abril de

1976, estabeleceu em seu art. 1°, quanto aos princípios fundamentais, que

"Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana

e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa

1 9 169 e solidaria .

Também a Constituição Espanhola, em seu art. 10, no 1, prevê que "A

dignidade da pessoa, os direitos invioláveis que lhe são inerentes, o livre

desenvolvimento da personalidade, o respeito à lei e aos direitos dos demais,

9 , 170 ~ãofund~menfos da ordem política e da paz social

Vale ressaltar que as Constituições de Portugal e da Espanha, assim como

da Alemanha, também surgiram como resposta à violação da dignidade da

pessoa humana nesses países.

Na França, apesar da tradiçáo para com a proteçáo dos direitos

individuais, o principio não está no texto constinicionai, tendo sido objeto de

criação hemenêutica do Conselho Constinicional.

'"" SILVA, José Afonso da Op. cif., p. 89. 171, NOBRE J ~ I O R . Edflson Pereira @. c~I., P. 237-25'.

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No leste europeu, após a queda do chamado socialismo real, as

Constituições de diversos países incluíram a dignidade humana entre suas

diretrizes, conforme explica Edílson Pereira Nobre.

Mencionam este princípio: a Constituição da República da Croácia, de 22

de dezembro de 1990 (art.25); a Constituição da Bulgária, de 12 de julho de

199 1 (Preâmbulo); a Constituição da Romênia, de 08 de dezembro de 1 99 1 (art,

1 O); a Lei Constinicional da República da Letônia, de 10 de dezembro de 1991

(art. 1"); a Constituição da República da Estônia, de 28 de junho de 1992 (art.

10); a Constituição da República da Lituânia, de 25 de outubro de 1992 (art. 2 1 );

a Constituição da República eslovaca, de 01 de setembro de 1992 (art. 12); a

Constitujção da República tcheca, de 16 de dezembro de 1992 (Preâmbulo) e a

ConstituiGão da Federação da Rússia, de 12 de dezembro de 1993 (m. 2 I).'''

3.1 A Constituição de 1988 e a Dignidade da Pessoa Humana:

Fundamento da República e do Estado Democrhtico de Direito

Para que se possa abordar O fwxiamento da dignidade da pessoa

humana presente na Constituição Federal de 1.988, há que se analisar, ainda que

brevemente, o contexto sócio-político presente no País, especialmente na

I71 NOBRE J(J~JIOR Edilson Pereira Op. cite, p. 239.

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segunda metade do século XX, até porque a repercussiio de movimentos e lutas

mundiais também atingiu a estrutura da nação brasileira.

Viu-se o Estado brasileiro sofrendo os efeitos de um golpe militar

que, em seus aproximados vinte anos de vigência, produziu efeitos colaterais

mutiladores na formação de pessoas socialmente responsáveis e solidárias, o que

se reflete no dificil desafio do despertar de uma consciência global.

"A democracia depende, em última análise, da educação. AO

contrário das ditaduras, não admite escravos, hordas, nem

rebanhos; mas, preocupada com a dignidade da pessoa humana e

com o respeito ri personalidade de cada um, consagra o primado da

opinião pública. ..) A democracia só interessa a sustentação de

uma ordem que deflua de uma disciplina consciente c..) O que a

democracia reclama para a preservação da ordem coletiva(: . .) deve

ser procurado pelo amanho da educação ':

enfatiza Sólon Borges dos Reis, em sua obra - A maior herança - as

fls. 115-1 16.

Cumpre verificar que o respeito à dignidade da pessoa humana não

é uma criagão constitucional, mas um conceito inerente ao ser humano. Neste

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sentido, o ordenamento constitucional, reconhecendo sua existência,

transformou-o num valor supremo da ordem jurídica.

Ensina Celso Fiorillo que o art. 1' da Constituição Federal se

caracteriza por ser um Estado de Direito Democrático, quer dizer, há duas

componentes inseparáveis: a componente do Estado de Direito e a componente

do Estado Democrático.

Entendendo que o Estado de Direito significa a sua subordinação 6

legalidade constitucional, busca em Canotilho e Pinto Ferreira as lições que

subsidiarão seu raciocínio:

". .. o Estado brasileiro é democrático porque está baseado em

fundamentos democráticos {incisos I a v do arl. 1% ou seja na

"soberania popular" combinada com a "dignidade da pessoa

humana" (art. 14 I, I . e parágrafo Único e principalmente o

- - preámbulo da Carta Magna do Brasil), na soberania popular,

cidadania e dignidade da pessoa humana com pluralismo polf io

,,ido pelo "sufágio universal e pelo voto direto e secreto",

bem como pela livre criação de partidos políticos (art. I O, II, 11. e V

da ~ f ) , e na cidadania combinada com a dignidade da pessoa

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humana em face da iniciativa popular, visando leis complementares

e ordinárias (art. 1 9 11 e 111 e 61 e $ 2 O da C@ ". ''*

3.1.1 Antecedentes Histórico-Constitucionais do Principio da

Dignidade da Pessoa Humana

Sem dúvida, as Constituições alemã, espanhola e portuguesa

exerceram forte influência na elaboração da nossa Constituição, tanto 6 que a

primeira Constituição brasileira a tratar do princípio da dignidade da pessoa

humana, enquanto fundamento da República e do Estado Democrático de

Direito em que ela se constitui, foi a de 1988.

O respeito a dignidade da pessoa humana não e apenas um

principio da ordem jurídica, diz Jose Afonso da Silva,

" mas o é também da ordem politica, econômica e cultural.

Daí a natureza de valor supremo, porque está na base da

vida nacional".' 73

172 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Op. ccil., P. 6. 173 SILVA, José Afonso da Op. cil., p. 92.

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Porém, a primeira referência ao tema da dignidade da pessoa

humana, em nosso pais, pode ser encontrada quando da Constituição de 1934,

ainda que de modo incipiente e em outro contexto, onde se observa expressa

referência à necessidade de que a ordem econômica fosse organizada de modo

que possibilitasse a todos uma "existência digna" (art. 1 15).'"

Já a Constituição de 1937 - até mesmo em função das

características autoritárias daquele momento político - não faz qualquer

referência ao tema.

A Constituição de 1946, no contexto de pós segunda guerra

mundial, retoma a idéia de organizar a ordem econômica e social, de forma a

garantir a todos existência digna; entretanto, fez expressa alusão a garantia do

trabalho hmano como meio de possibilitar essa existência digna (art. 1 4 5 ) ' ~ ~

Todavia, foi ao tempo da Constituição de 1967 que pela

primeira vez se mencionou a "dignidade humana" (art. 157, inciso 11) em uma

formulação principiológica. Na verdade, estabeleceu-se que a ordem econòmica

* ~ r t , l l ~ , A ordem ecoAmica deve ser organizada conforme 0s princilpios da justiça e as necessidades da vida nacional. de modo que possibilite a todos existkncia digna Dentro desses Ilmites. 6 -tida a liberdade ecodmica ParagraPho bico. Os poderes verifica&, periodicamente, 0 p?? de vi& nas vária. regiões

' ' 5 -h, 145. A ordem deve ser organizada conforme 0s PMclPlos da J U S ~ ~ W social, conciliando a liberdade de iniciativa com a valorizaçáo do trabalho humano. Paiágrafo h ~ c o . A *s 6 assegurado h.abalho que possibilite esistência digna 0 trabalho é o b i g w social."

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teria por fim realizar a justiça social, com base em alguns princípios, entre eles o

J , 176 da "valorização do trabalho corno condição da dignidade humana .

Nessa leitura, fica fácil perceber que não se tratava, ainda, do

princípio da dignidade da pessoa humana tal qual se encontra estabelecido na

Constituição vigente. Também a Emenda Constitucional no 1/69, apesar de ter

modificado o 'caput' do artigo para ampliar a finalidade da ordem econômica (e

social), que teria por fim realizar não só a justiça social, mas também o

desenvolvimento nacional, manteve a mesma estrutura anterior (art. 1 6 0 ) ' ~ ~ ,

fazendo referência ao princípio da "valorização do trabalho como condiçao da

dignidade humana".

Observe-se que a exortação à dignidade da pessoa humana,

prevista na Constituição de 1967 e mantida pela Emenda Constitucional no 1/69,

não foi suficiente para afastar o caráter autoritário desses textos.

Chega a ser um contra-senso a referência existente no

preâmbulo do Ato Institucional no 5 - documento responsável pela legitimaçfio

""-AT~, 157. A ordem ecoMmica tem por fim realizar a justiça social. com base nos seguintes principias: I - liberdade de iniciativa; 11 - valorizaçb do trabalho como condi* da dignidade humana; 111 - função social da propriedade, IV - hmonia e entre 0s fatores de prod*; V - de.vovimento eadmico; VI - repressão abuso do poder economico, pelo domínio dos mercados, a e l i m i W da concorrência e o aumento &itfio Q

lucros. (...)". *.A*. 160. A ordem econômia e social tem por fim realizar0 desenvolvimento nacional e a justiça social, com baW

nos seguintes p~nc~pios: I - de iniciativa; I1 - valor&% do trabalho como condição da dignidade humana; 111 - funçh social da proMedade; - harmonia e solidariedade entre as categorias sociais de produç8o; V - repressão

ao abuso do poder caracterizado pelo domínio dos mercados, a elimin- da ~ n c o r e n c i a e o aumento

abitráno de lucros: e e x p s h oportunidades de emprego produtivo.

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formal do autoritarismo entao reinante -, no sentido de que a 'Revolução' de

1964 teve a intenção de dar ao país um

"c..) regime que, atendendo ai(. exigências de um sistema

jurídico e político, assegurasse autêntica ordem democrática,

baseada na liberdade, no respeito a dignidade da pessoa

humana c. .) ".

Na verdade este Ato Institucional no 5 , que exortava no texto

a dignidade da pessoa humana, referendou um período de grande repressão

política e desrespeito aos direitos fwidarnentais e, também, à dignidade da

pessoa humana. Sem dúvida, a simples referência a dignidade da pessoa

humana, na doutrina, nas leis e até mesmo nas Constituições, demonstrou ser

incapaz de preservar a pessoa humana das violaçdes e das situaçdes de

aviltamento à sua dignidade.'"

Este paradoxo não passou despercebido do constituinte de

1988. NO antecedente a instalação da Assembléia Nacional

"' BOBBIO, Norbeflo. in: A era d;reilos. p. 24, onde explica que 0 problema fundamental dos direitos do honiem não 6 tanto o de justificá-los, mas o & protegê-los. Em outras p a l a v ~ m a mim é n b falar deles e justificá-los, e outra é garantir-lhes efetiva protew. Op til., p. 63. o mesmo raciocínio se aplica em a dignidade da pessoa humana

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os meios políticos, sociais e jurídicos se mobilizaram para

apresentar propostas a nova Constituição.

A título de exemplo, tanto o Anteprojeto José Afonso da

Silva, quanto o da Comissão Afonso a ri nos,'" ambos jd em seu artigo 10,

definiam o Brasil como Estado Democrático de Direito, cujo objetivo seria a

"dignidade dos brasileiros" OU a ''promoção da pessoa humana",

respecti~arnente.'~'

Além do mais, o processo constituinte foi marcado pela

participação ativa de constitucionalistas brasileiros - contrários a cultura jurídica

positivista preponderante e influenciados pelo constitucionalismo português e

espanhol contemporâneo - que pretenderam não somente reconstruir o Estado

de Direito após anos de autoritarismo militar, mas principalmente,

um fundamento ético à nova ordem constitucional

brasileira, tomando-a como uma estrutura normativa que

- "" O então Presidente JO* S-y enviou ao Congresso Nacional, em 28 de junho de 1985, mensagem com a proposta de convocação & m a AssemblCia Nacional Constituinte, resultando desta iniciariva a Emenda Constitucional no 26, & 27 de novembro de 1985. A Emenda convocatóna, alem da concessão de anistia dispunha, que os Deputados e Senadores se reuniriam, unicarnemimente, em Assembléia Nacional Constituinte, no dia 1' de fevereiro de 1987, em xs& de instalação dirigida pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal, Para fins de elei@o de seu presidente e inicio dos trabalhos. Conforme Paulo Bonavides e Paes de Andrade. História Constitucional do Brasil, p. 453. IXl1 A comiss& Providia de Estudos Constitucionais instihiida pelo Decreto no 91.450, de 18 de julho de 1985, conhecida tambem como Comis& Afonso *nos OU C0mi~~ão de Nothveis, entregou um anteprojeto & Con&biçào ao Presidente da República em 18 de setembm de 19860 qual a% do governo o tratamento de um relatório e n& ypnunenle & um anteprojeto. Tal antepmjeto nBD chegou a ser enviado A fww Constituinte. Idem. p. 453-454.

conforme C I ~ A D I N O , Gisele. Pltrralismo, direiro e &/iça diswibuliva: elementos da jilosoja ~ o m t i t t ' c i o ~ ~ l

contenporânea. p. 36.

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incorpora os valores de uma comtrnidade histórica

9 , 182 concreta .

Foi nesse contexto de instalaça0 de um Estado Democrdtico

de Direito, em aberta reação ao período autoritário que finalizava, que se

desenvolveram os trabalhos constitucionais, chegando ao ápice na promulgação

da Constiniição de 1988, cuja pretensão não se atém apenas a restaurar o Estado

de Direito no pais, mas "reencanrar o mundo", voltando-se contra o

positivismo, na busca de um fundamento ético para a ordem jurídica, e contra o

privatismo, na busca da efetividade do amplo sistema assegurado de direitos.'"

Quando confrontada com as Constituições anteriores, a

solução adotada pelo constituinte na fomula~ão do principio da dignidade da

pessoa humana, não deixa de ser uma ruptura ~aradi~mática,'" rompendo-se 0s

padrões de pensamento existentes.

A Constituição Brasileira de 1988 avançou

significativamente rumo a normatividade do principio, ao transformar a

dignidade da pessoa humana em valor supremo da ordem jurídica, declarando tal

i 82 Op. cit., p. 3-4. 183 Op. cit., p. 14. ln.i Para K U ~ , %mas S. A e s t ~ r ~ d a r revoluçde~ cientifim. p. 67. Paradigma C "um umnjunto de i]ustraçdes recorrentes e quase padronizadas & diferentes teorias nas Suas apli? WneituaiS, hstrurnentais e na observação. Esses sk os paradipas commidade, revelados nos seus mmys, mnfe*ncias e exercícios & laborat6rio". 0 autor ainda esclarece ( ~ p . cit., p. 125) que esm padronizeFbes são imut8veis. podendo se alterar diante de certos eventos: as revoluçdes científicas, ou seja, "aqueles episódios de Fsenvolvlrnento Wumulativo, nos quais um p&igma antigo 6 total ou por um novo, m@m~atí"el Wm 0 anterior".

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valor expressamente, em seu art. 1°, inciso 111, como um dos fundamentos da

República Federativa do Brasil, a qual se constitui em Estado Democrático de

Direito: 'Yrt. 1 4 A República Federativa do Brasil, formada pela união

indissolúvel dos Estados e Municbios e do Distrito Federal, constitui-se em

Estado Democrático de Direito e tem como findamentos : I - a soberania; II -

a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do

trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo polifico".

É marcante no texto constitucional a presença do povo, a

valorização da pessoa humana e da cidadania, aspirando-se a construção de uma

sociedade livre, justa e solidária, com erradicação da pobreza e da

marginalização, reduzindo-se as desigualdades sociais, sem quaisquer

preconceitos, ou seja: o princípio da Dignidade da Pessoa Humana está vivo e

pulsante no corpo da nossa Constiniição.

Para o constitucionalista José Afonso da Silva, a dignidade da

pessoa humana não e somente um principio constitucionai - e isso não lhe

esvazia o conteúdo -, entendendo que

"a Constituição lhe dá mais do que isso, quando a põe como

fundamento da RepUbIica Federativa do Brasil, constituída

em Estado Democrático de Direito. Se é fundamento, é

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porque se constitui num valor supremo, num valor fundante

da República da Federação, do Pais, da Democracia e do

Direito ".I8*

Ensina Celso Ribeiro Bastos,

"a Constituição traz como fundamentos do Estado brasileiro

a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, a

crença nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e

o pluralismo político. Esses fundamentos devem ser

como o embasamento do Estado; seus valores

primordiais, imediatos, que em momento algum podem ser

colocados de lado".186

Ainda que exista divergência em considerar a dignidade da

pessoa humana ora como principio, ora como valor, ora como fundamento,

ensina Willis Santiago Guerra Filho, que O primeiro artigo da Constituição

Federal de 1988, quando define a República Federativa do Brasil como um

Estado Democrático de Direito, "elenca 0s princ@ios sob os quais ela se

,, 187 fundumenta .

I85

I H(> SI1 \ A. José ~fonx> da Op. cci, p. 92. B h i OS, Celso Ribeiro. Curso de direito ~onst i t~~iona[ p. 157- 158.

1117 r.KRA FILHO, Willis !%nhqo. @ til., P. 19.

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Para que se tenha clara a dimensão do termo 'dignidade ' na

Constituição Federal de 1988, José Afonso da Silva explica que:

"a palavra dignidade é empregada seja como uma forma de

comportar-se, seja como atributo intrínseco da pessoa

humana; neste último caso, como um valor de todo o ser

racional, independentemente da forma como se comporte. ,$

com esta segunda significação que a Constituição tutela a

dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado

Democrático de Direito, de modo que nem mesmo um

comporramento indigno priva a pessoa dos direitos

fundamentais que h e são inerentes, ressalvada a incidênc ia

13 188 de pena]idades constitucionalmente autorizadas .

É o principio considerado como razão de ser do Direito e

também seu último fundamento. É por isso que a dignidade da pessoa humana

atrai para si, o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem.

NO artigo 5 O da Constituição Federal, esta estabelecido que

os direitos expressos são destinados aos brasileiros e aos estrangeiros

residentes no pais. Ressalte-se que, quando o artigo 1' da referida Constituição

I XX SILVA, José Afonso da. Op. C;(., p. 93.

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coloca a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado

Democrático de Direito, não pretende diferenciar O brasileiro ou o estrangeiro, e

sim, proclamar o valor universal do ser humano, seja ele brasileiro, estrangeiro

residente no país, ou ainda, um estrangeiro em trânsito.

A dignidade humana tendo seu reconhecimento,

"não se dirige a determinados indivíduos, abrange todos os

seres humanos e cada um destes individualmente

9 9 189 considerados .

A Constituição de 1988 representa para a ordem jurídica

brasileira um marco de ruptura e de superação dos padrões att então vigentes no

que diz respeito A defesa e - principalmente - à promoç6o da dignidade da

pessoa humana. O constituinte não se preocupou apenas Com a positiva~ão desse

' ~ ~ l ~ ~ f ~ ~ ~ ~ "W do pensamento ocidental, mas buscou, estruturar a dignidade da

pessoa humana de modo a lhe atribuir plena nomatividade, projetando-se por

todo o sistema jurídico e social.

'"' NOBRE J ~ I O R Edflson Pe~ira Op. C&., p. 241. 1x1 ~~t~ 6 o mesmo sentido que Celso Lafer utiliza em Seu Falho A recomtruçao dos direitos humanos: um diálogo

com o mnsamen,o de ffannak Are&, para se referir à &@idade da pessoa humana como valor fonte da a i * fiiosbfí& ocidental.

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É o princípio fundamental com inequívoca funçao de base,

alicerce, fundamento da República e do Estado Democrático de Direito. A

fórmula, apesar de não totalmente inovadora, atribui ao valor expresso na

dignidade da pessoa humana uma relevância axiológica sobre os demais valores

agasalhados na Constituição.

Poderia o constituinte, ter optado por se referir ao princípio

apenas no Preâmbulo, ou mesmo inseri-lo no 'caput' do artigo 5", de modo a

garantir aos "brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade

do direito" a dignidade.

Poderia, ainda, o constituinte sequer ter mencionado o

principio, o que, no entanto, não afastaria a circunstância de que sempre se

poderia reconhecer sua existência implícita no texto. Todavia, não foi esta a

o p ~ â o constitucional, e assim não procedendo, revestiu de relevância a fórmula

prevista no artigo 1°, inciso 111, da Carta Constitucional.

A dignidade da pessoa h~mana tarnbdm 6 mencionada, direta

e indiretamente, em outras passagens constitu~ionais. 0 artigo 170, por

exemplo, prescreve que

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"a ordem económica, JUndada na valorização do trabalho

humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos

existência digna, conforme os ditames da justiça social".

Por sua vez, o parágrafo 7" do artigo 226, estabelece que 0

planejamento familiar é de livre decisão do casal e funda-se nos princípios da

dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável. Também, o art. 227

impõe à família, à sociedade e ao Estado o dever de assegurar a criança e ao

adolescente o direito à dignidade, sendo que a Lei n. 8.069 de 13 de julho de

I 990 (ECA), detemina que "considera-se criança c. .) a pessoa até doze anos

de idade incom+tos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade

(art. 2") e ainda estabelece que ambos gozam dos direitos fundamentais inerentes

a pessoa humana (art. 39, em harmonia com o que reza o artigo 1°, 111, da

Constituicão ~ederal . I g 1

A Constituição de 1988, ao instituir um amplo sistema de

direitos e garantias fundamentais - quer sejam individuais, quer sejam

coletivos-, que vêm a constituir o núcleo básico do ordenamento constitucional

brasileiro, pretendeu não só preservar, mas acima de tudo, promover a dignidade

da pessoa humana, de tal modo que sempre poderá ser extraído tal principio a

partir da leitura textual.

19 1 F1ORILL.O. Celso Antonio Pacheco. Op. ci[.. P. 34.

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Aliás a Carta também buscou superar a concepção de direitos

subjetivos, para dar lugar a liberdades positivas, destacando o papel relevante da

atuação estatal, sempre enfatizando a responsabilidade pela justiça social e pela

dignidade da pessoa humana.

Na realidade, a análise do tema pode comportar diversas e

múltiplas questões acerca do papel que O principio da dignidade da pessoa

humana desempenha no ordenamento jurídico-constitucional.

A doutrina nacional também atribui múltiplos significados ao

principio: ora como valor absoluto; ora como critério interpretativo; ora como

direito fundamental em si mesmo; ora como direito ao livre desenvolvimento da

personalidade humana; ora como mera referência filosdfica sem maior

nomatividade. Incumbe ao estudioso do direito precisar O sentido que mais

adequadamente se ajusta ao entendimento correto do principio da dignidade da

pessoa humana, dentro do contexto onde Se encontra.

3.2 Dignidade da Pessoa Humana: Valor Fonte do Sistema

Constitucional

só se pode apreender corretamente a idéia de que a dignidade da

pessoa humana, prevista no artigo 1°, inciso 111, do texto constitucional, constitui

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fundamento da República do Estado Democrdtico de Direito por ela insti(ujdo,

quando se observa que ela esth impregnada de um valor historicamente construido.

Segundo as lições de Paulo Bonavides, o siatema constitucional

consiste em express8o que nos permite perceber o sentido tomado pela

Constituição, em face da ambiência social que ela reflete, e a C U ~ O S influxos esta

cada vez mais sujeita.

A terminologia 'sistrmu conslitucir~nul '. nos reiiiete à totalidade de

e formas a que uma Constiniição necessariamente se acha

vinculada. O sistema constitucional surge, entao, n8o apenas como sistema

jurídico, mas também como sistema político e social. A idéia de sistema remete

192 o intérprete às idéias de unidade, complexidade e totalidade.

A abordagem do tema leva em Conta que O constitucionalismo

contemporâneo tem caracterizado a Constituição como uma ordem objetiva de

Iy2 conrOme síntese do p n m e n m autor, in: Curso de direiro consiiiiccional, p. 75- 1 19.

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valores.'93 Isto significa que a Constituição constitui a concreta tradução dos

valores de uma comunidade, em um determinado momento histórico.

Por força de sua pretensão em instituir uma nova ordem juridico-

politico-social, a Constituição vem a ser o documento ideal para acolher 0s

valores, objetivamente considerados, que predominam em determinada

comunidade, em deteminado momento histórico.'"

Dessa forma, a idéia de Constituição como ordem objetiva de

valores se afasta, tanto do objetivismo axiológico, em que os objetos são

considerados valiosos em si mesmos (independentemente do sujeito), quanto do

subjetivismo axiológico, em que o valor do objeto se encontra no sujeito (e

depende do modo como o sujeito e afetado pelo objeto).

Quando discorre acerca da objetividade dos valores, Adolfo

Sánchez Vásques explica que 6 o homem - como ser histórico-social e com sua

"' No Rmil. adeptos desta concepção, entre OU~OS, BONAVIDES, Paulo. Ui Curso de direito c o ~ i ~ i o n a l ; SII,VA, J o d Afònx> &. in: Curso de direito c o ) ~ ~ t i t l ~ ~ i o f ~ ~ po~jtiw; CASTRO, Carios Roberto & Siqueira i,,: A Conr,;fuiGao e amIidades dos direirosfirndamentais do homem. Quanta ao direito ~ o n s t i t u c i o ~ ~ ajicnigens. SANTOS, Feman& Ferreira dos, in Principio conrlif~iom! dignidade da PsSm humana. p. 57-60, refere que o ~ ~ n s t i t ~ ~ i ~ ~ ~ l i ~ ~ ~ espanhol considera O ordenarnento mnstltuclonal daquele um sistema de valores, o que pode ser wnstatado pela anaise das obras de Eduardo Garcia de Enteda, Pablo Luais Verdú, Antonio Hehque pkrez ~.ufio. entm outros. Em p0mga.i a w n c e e 6 aceita tamMm J.J.@mesCanotiho. I '*l Em l içb sobre a ~eçjm@o Univçrsal dos Di~itns do Homem. BOBBIO. Nnrberto. in: A d a ~ i ~ ~ i , ~ . ~ , ,,, 2 6 27. menciona que a seu ver, vês modos de fundar 0s valo?: a W i r de uni dudo objctivo a ~ m o u nuturc,a humruis considcr&los como verdades evidentes em si mesmas e LX)fJsl&rá-los cmmo valores aceitos em dado periodo hjstbflco. A terceira hipótese seria a bica ps ive l de w m p r o v ~ h A Constitui* =sim, numa perspctiva democ&ica resultado do em dado momento histórico. A ideia Pare- se aplicar a Constituição como ordem objetiva dc vdoEs, que predomina no constitucionaiism~ contempodnem tons democdicos.

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atividade prática - quem cria os valores, 0s quais só se realizam no homem e

pelo homem. ' 95

Assim, tem-se que a objetividade dos valores constitucionais é

"especial - humana e social-, que não se pode reduzir a um ato

psiquico de um sujeito individual, nem lampouco às propriedades

narurais de um objeto real. Trata-se de uma objetividade que

transcende o limite de um indivíduo ou de um grupo social

determinado, mas que não ultrapassa O âmbito do homem como ser

9 , 196 histórico-social .

A objetividade dos valores cOnStit~~i0naiS tem por raiz o fato de

que eles são algo que o homem realiza em sua própria experiência e que vai

assumindo diversas expressões ao longo do tempo, em Um processo onde todos

os membros da comunidade participam, conscientes OU inconscientes de sua

significasão un ive r~a l . ' ~~

p0mnto, O texto constitucional pressupõe uma estrutura normativa

que envolve um conjunto de valores, 0s quais foram historicamente construidos

1'15

I <X> Élicu. p. 126. Idem. Op. cit., p. 127.

i ' j 7 ~~~f~~ adaptaçáo da ideia &rmvolvi& por REALE, Miguel. in Filoso$u do direito. p. 201-2W.

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no âmbito de uma comunidade concreta e que a Constituição houve por bem

positivar. Pode-se afirmar que

"a Constituição traduz 'uma ordem concreta de valores'partilhada

pela comunidade que, através dos mais diversos mecanismos de

participação políti~o-jurídica, deve buscar realizá-la 6. .)

Os valores constitucionais são a mais completa tradução dos fins

que a comunidade pretende ver realizados no plano concreto - da própria vida

real - mediante a normatização empreendida pela ~ o n s t i t u i ~ á o . ' ~ ~

A Constituição, enquanto ordem objetiva de valores, cumpre o

importante papel de transformar os valores predominantes em uma comunidade

histórica concreta, em valores constitucionais, com todos os efeitos e

implicações que essa normatização possa vir a ter.

Ainda que se considere que 0s valores são dotados de menor

nomatividade que os princípios e regras, não se pode negar que silo fonte de

soluGão jundica. É predominante 0 entendimento de que o sistema

1 'U

1 <N CITTADWO, Gisele. Op. cil., p. 227. Kefenndo-se sos direitos funda.mentaisANDRADE, J o d Carlos Vieim h: OS direitos fundamentais

constiri,içao porntguesa de 1976. p. 144-145, explica que estes do podem ser pensados W n a do ponto & vista do indivíduo, ma 'avalem juridicumeWe turnbem do F I O de vistu Comwlidade, ~ i i í o valores ou Jm qide esta se

propde a perseguir ".

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constitucional é composto por princípios e regras, estes espécies de nomas, o

que contribui para negar a nomatividade imediata e direta aos valores.

No entanto, não se pode desprezar a existência da normatividade

dos valores constitucionais. Tendo sido reconhecida como principio

fundamental pela Constituição de 1988, a 'dignidade do pessoa humana ' não

deixa de ser valor fwidamental para toda a ordem juridica.

Através dos princípios os valores elementares, fundamentais,

informam o sistema jurídico, conferindo harmonia e unidade às normas que o

compõem.

Por essa razão é que se afirma ser necessário buscar o sentido e

significado de um principio, não apenas no texto constitucionaí, mas também

nos valores, sentimentos e emoções que Ihe são s~bjacentes.*~~

O ensjnamento de Cármen Lúcia Antunes Rocha sobre os

principias, apresenta a pretensão normativa dos valores, ressaltando que:

'.Os pjncípios constitucionais Sã0 0s conferidos intelecrivos dos

valores superiores adolados em doda sociedade poliiica,

2tY I RO~JENBURG, Walter Claudius. Princípios ~0nSrifUciot~is. P. 65.

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materializados e formalizados juridicamente para prodwir uma

regulação política no Estado. Aqueles valores superiores

encarnam-se nos princhos que formam a própria essência do

sistema constitucional, dotando-o assim, para cumprimento de suas

funções, de normatividade jurídica. A sua opção ético-social

antecede a sua caracterização normativo-jurídica. Quanto mais

coerência guardar a principiologia constitucional com aquela

opção, mais legítimo serd o sistema jurídico e melhores condições

1I 201 de ter efetividade jurídica e social .

0 s vaIores traduzem-se em idéias gerais que fundamentam,

orientam e limitam criticamente a interpretação e aplicação das demais normas

do ordenamento jurídico, sem definir como devem ser aplicadas, incumbindo ao

interprete esse papel quando de sua utilização.

Considerar a Constituição como ordem objetiva de valores significa

admi~' iambém que, histórica e objetivamente, sempre haverh valores que terão

primuiu axiológica, o que representa maior deteminaçao de seu valor sobre 0s

demais. Na análise da Constituiçb brasileira, percebe-se que o valor fonte de

todo o sistema constitucional, é a dignidade da pessoa humana.202 Na verdade,

? t i l : ipim comitucio~is adminisrraç~7opriblica. p. 23. '"' :. :"tido do texto, Edilsom Pereira de Farias e Jod Afonso da Silva

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os direitos fundamentais são "a concreção histórica do princljpio fundamental

da dignidade da pessoa humana".

Por força de sua proeminência axiológica sobre os demais valores,

em face da Constituição de 1988, tem-se que uma das principais funç6es do

princípio da dignidade da pessoa humana baseia-se na circunstância de ser

elemento que confere "unidade de sentido e legitimidade a uma determinada

ordem constitucional"203. Em suma, o valor fonte dignidade da pessoa humana

confere uma unidade axiológico-nomativa de significado a Constituição

brasileira.

3.3 Dignidade da Pessoa Humana: Unidade Axiológica do Sistema

Constitucional.

A idéia de valor fonte do sistema ~ons t in i~ i~na l , eleva a dignidade

da pessoa humana a um papel relevante: Ser elemento que confere unidade

axiológico-nomativa ao sistema constitucional. Eduardo Garcia de Enteda,

acerca do constitucionalismo espanhol, comenta que a unidade do ordenamento

constitucional repousa em uma "ordem de valores" materiais expressos no texto

"" SARLET, Ingo wolfgang. Dignidade &PSSW humana e direitoswmentais na C o ~ ~ ~ I i ~ i ~ d o & d e r ~ / de 1% p.79.

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constitucional, h qual deverão ser adequadas todas as normas que compõem o

sistema jurídico.204

Dentre estes valores se sobressai o da dignidade da pessoa humana,

que se coIoca sobre os demais, em especial na Constituição brasileira.

Desse modo, o expresso reconhecimento da dignidade da pessoa

humana como principio fundamental traduz, ainda que parcialmente, a pretensão

constitucional de transformá-lo em um parâmetro objetivo de hmonização dos

diversos dispositivos constitucionais (e de todo O sistema jurídico), exigindo que

o intérprete busque uma concordância prática entre eles, para que o valor

acolhido como principio - sem desprezar os demais va~ores constitucionais - seja

verdadeiramente preservado.

É o entendimento de que a dignidade da pessoa humana confere

racionalidade ao sistema constitucional, fornecendo ao intérprete, uma pauta

valorativa imprescindível A correta aplicação da norma e justa S ~ ~ U Ç ~ O do caso

concreto.

O entendimento de pauta vaiorativa ou tábua axiológica, leva a

adinitir que a dignidade da pessoa humana foi acolhida peja Constituiç~o de

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1988, não apenas em função de sua positivação no artigo 1°, 111, mas,

principalmente, pelo reconhecimento de um amplo rol de direitos

fundamentaisros 0s quais constituem sua concreção histbri~a. '~

Ressalte-se a menção pela doutrina que, embora os direitos

fundamentais sejam, originariamente, direitos humanos, a diferenciação

terminológica se justifica em função de que estes (direitos humanos) costumam

ser entendidos como pautas ético-políticas, enquanto Os direitos fundamentais

corresponderiam a manifestaçóes positivas destes, em determinado ordenament~

jurídico.

Na verdade, quando a Constituição elaborou um longo rol de

direitos fundamentais, definindo os objetivos fundamentais do Estado, buscou

essencialmente concretizar a dignidade da Pessoa h ~ n ~ a n a .

Com isso, não se está querendo dizer que a dignidade da pessoa

humana se explica e se aplica quando cotejada apenas com a lista de direitos

fundamentais da Constituição de 1988. 207

'"' c ~ n a , ~ jh crmsto no pnsamento & RKHh C m n I~ufia Anmes. ZlYi FARIAS, Milsom J'esim de, C'olisOo de direitos. p. 70. Z(i7 ~l~~~ dpgm memo a fdar da dmiddc da piim hunluna =>iili) direito liindwiiriail. ~ ~ ~ l i l l ~ i r r ui,iii

diniensa> nesaiva pela qual .g veda toda e qualquer pdim que des~yrite a hWdade fisica h ser hmano.

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Em lição que se adequa ao princípio da dignidade da pessoa

humana, Karl Larenz, quando se refere aos princípios, menciona que

"o princrpio esclarece-se pelas suas concretizações e estas pela

união pe$ita com o ~r inc@o".~@

Afinal, de nada adiantaria a simples menção ao princípio da

dignidade da pessoa humana, se a Constituição de 1988 não garantisse um

núcleo básico de direitos aos cidadãos.

No ama1 contexto histórico, uma Constituição que não institua um

amplo rol de direitos fundamentais - ou Sequer legitime sua instituição pela

ordem infraconstitucional -, ainda que nela houvesse a menção ao princípio, não

estaria positivando a dignidade da pessoa humana em fórmula capaz de ser

nomatizada e, sequer, poderia ser considerada dm~ocrática.

A dignidade da pessoa humana constitui, assim, o valor supremo do

conjunto de direitos fundamentais e limite nonnativo das açdes dos poderes

públicos.

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Percebe-se então, a extensa e implícita relação existente entre a

dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais, uma vez que não se

pode abordar tais direitos sem levar em conta o princípio da dignidade.

"0 princ@io fundamental da dignidade da pessoa humana cumpre

um relevante papel na arquitetura constitucional: o de fonte

jurídico-positiva de direitos fundamentais. Aquele principio é o

valor que dá unidade e coerência ao conjunto dos direitos

fundamentais. c..) Em suma, os direitos fundamentais são uma

primeira e importante concretização desse princípio, quer se trate

dos direitos e deveres individuais e coletivos (art. 59, dos direitos

sociais (arts.óO a 1 I), ou dos direitos políticos (arts. 14 a 17).

Ademais, aquele princbio funcionará como uma 'cláusula aberta '

no sentido de respaldar o surgimento de 'direitos novos' não

expressos na Constituição de 1988. mas nela implícitos, seja em

decorréncia do regime e princ@ios por ela adotados, ou em virtude

de rr~tados internacionais em que O Brasil seja parte, reforfando,

assim, o disposto no art. 5 O $ 29 Estreitamente relacionada com

essa função, pode-se mencionar a dignidade da pessoa humana

como interpretativo do inteiro ordenamento

,, 209 constitucional .

?ir, FARIAS. Edilson p e ~ i r a de. Op. cci, p. 66-67.

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Desta maneira, o texto revela que além do fato dos direitos

fundamentais serem uma primeira e importante concretização do princípio,

assume relevância a noção de que a dignidade da pessoa humana se trata de

'cláusula aberta ', que irá respaldar o surgimento de 'novos direitos '.

Tal idéia apresenta-se compativel com a teoria das gerações de

direitos desenvolvida por Norberto ~obbio?" permitindo que o texto

constitucional recebesse novas gerações de direitos a partir da sua

compatibilização e de sua legitimação pelo princípio da dignidade da pessoa

humana.

Essa abertura da Constituição para a incorporação de novos direitos

tendo a dignidade da pessoa humana como 'ckjusula aberta' a respaldar o seu

surgimento, infere-se não apenas pela expressa existência da norma presente no

artigo 50 8 20,~" mas em especial pelo fato de que a dignidade da pessoa humana

é o objetivo maior a ser alcançado pelo Estado e pela sociedade. Desse modo, o

principio acaba sendo um instrumento de estabilidade constitucional, permitindo

que seu seja adaptado à evolução da sociedade e aos novos direitos,

sem necessidade de reforma e alteração do texto.

210 .4 Era dos Direitos. *IL " 0 s direitos e expressos nesta Constituiçáo não excluem ot~tros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotado$ ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte".

.

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Nessa relação de reciprocidade, quando o princípio se concretiza

através dos direitos fundamentais e estes se explicam por sua união perfeita com

o princípio, evidencia-se que a dignidade da pessoa humana confere aos direitos

fundamentais inteligibilidade, coesão e unidade, de tal modo que se torna

possível a construção de seu sentido e seu alcance.

Sobre este aspecto, Cleber Francisco Alves, a partir das lições de

José Carlos Vieira de Andrade, admite que:

"c..) existe uma unidade sistêmica relativamente aos direitos

fundamentais no constitucionalismo aberto da pós-modernid~d~,

'tendo como substrato o valor primordial da dignidade da pessoa

humana ', na medida em que se destina especzficamente a definir e

garantir a posição do homem concreto na sociedade política" e

afirma mais além que "'a expressão inserção do princlpio da

dignidade da pessoa humana, como firndamento do ordenamento

jurídico constitucional em nosso país', na esteira do que vem

ocorrendo em diversos outros países do mundo, traduz uma

pretensão de que tal princlpio confira uma unidade sistêmica e um

substrat~ de validade objetivamente considerado, notadamente

quanto ao; direitos e garantius fundamentais do h~mem"' .~"

"' Oprinc+io cons,itlrcjona/ da dignidade da pessoa hirrnana: o enfoque da doirtrina social da Igreja . p. 133-1 34:

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Importante se registrar o que diz Canotilho, acerca do

constitucionalismo contemporâneo, quando "os direitos sociais são

compreendidos como autênticos 'direitos su-ectivos' inerentes ao espace

existencial do cidadão exigindo do Estado uma atuação positiva na criação

de pressupostos materiais, indispensáveis ao exercício efetivo desses direitos.214

Celso Antonio Pacheco Fiorillo afirma textualmente

". . . para que a pessoa humana possa ter dignidade (CF, art. 1 q 111)

necessita que lhe sejam assegurados os direitos sociais previstos no

art. 6" da Carta Magna (educação, saúde, trabalho, luzer,

segurança, prer)id6nciu social, proteçuó a maternidade e a infáncia

e assisiência aos desamparados) como 'piso mínimo normativoJ:

ou seja, como direitos básicos".215

Na Constituição de 1988 o Estado passa a ter o dever jurídico de -

através de políticas públicas positivas - garantir ao cidadão as condições

'11 ~) j re j10 (qonvl,llrc;o,ur/ e i>orju da <'onv~i~tri~~do. p. 452. Aldiii desta diniensh subictiva. cii, que s&, w n s i ~ ~ o s direitos subj~~ivos públicos - no sentido de que @em ser OPstos em face do Estado -, os direitos sociais, e de resto todos direitos fundamentais, também teriam uma dimensão objetiva Esta dimensão objetiva arresponderia Nuela em que 0s diri.:tos fundamentais se mostram Corno principias mnf~rmadores da o r g a n w e atuafáo estata]. Por força disto, a doi, :rina tem preferido utilizar a figura do status em vez do direito subjetivo para caracterizá-los. 214 O . ,.b~ ,zádo a expressb direitos sociais em sentido amplo. abrangendo tanto os direitos sociais em sentido estrito. q,. ,ri, os direitos económicas e culturais. SILVA. J o g Afonso in Citrso de direilo ~ ~ i r > . l j l i , c ~ l n ~ / ~ ~ j ~ j ~ , &fine ,, . reitos sociais como "$resta@es positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em

. , ,:,gimionais. que possibilitam melhores condiçbes de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a iguali,;.. . ~it-s sociais desiguais". 215 O d,, . . a,llena em face do direito ambienta1 no Brasil, P. 14.

-.

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materiais mínimas para uma existência digna. Aliás, em tempos de globalização,

a exclusão social fica cada vez mais evidenciada e a situação de indignidade à

qual a pessoa humana é submetida, acaba sendo provocada pela deliberada

omissão estatal em garantir os direitos fundamentais ao cidadão.

3.4 Dignidade da Pessoa Humana: Fundamento da República e do

Estado Democrático de Direito

0 sistema jurídico não é absolutamente completo, uma vez que está

sempre sendo aperfeiçoado pelo pensamento jurídico como um todo -

lembrando-se que esse pensamento é relativo, sofrendo mudanças de acordo

com o momento histórico e o contexto social do Estado ao qual o sistema

jurídico se refere.

Retomando-se o teor da Constituição Federal que, de início, já declara

ser o regime-politi~~ brasileiro republicano do tipo federalista, bem como o ~ s t a d ~

brasileiro ser um Estado Democrático de Direito, em seu artigo 1' encontram-se 0s

seguintes fundamentos: a soberania; a cidadania; a dignidade da pessoa

humana; os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; o pluralismo

político.

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Além desses princípios fundamentais, pode-se também encontrar no

seu artigo 3", os objetivos hdarnentais da República Federativa do Brasil, a saber:

construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento

nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades

sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,

sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Na medida em que se tem estes princípios e objetivos como ponto

de partida para uma análise jurídico-legal, há que se procurar na legislação

infraconstitucional a coerência para com tais princípios, para que sejam

efetivados na aplicação da lei ao caso concreto.

De maneira geral, pode-se dizer que a Constituição brasileira

transformou a dignidade da pessoa humana em valor supremo da ordem

jurídico-política por ela instituída. Assim, aceitar a dignidade da pessoa humana,

enquanto valor supremo, valor fundante da República, implica em admiti-la não

somente como um princípio da ordem jurídica, mas também da ordem política,

social e e c o n ~ m i c a . ~ ' ~

Enquanto valor incorporado ao sistema jurídico constitucional, sob

a forma de princípio, 4 dignidade da pessoa humana sinaliza para uma inversão

"" SILVA, Jose Afonso da in A dignidade da pessoa humana como valor supremo da democracia. p. 92. .

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na prioridade política, social, econômica e jurídica, até então presente, do Estado

brasileiro constitucionalmente idealizado.

A partir de 1988, tem-se claro que a prioridade do Estado, em todos

OS seus aspectos, deve ser o homem, como fonte de sua inspiração e fim último.

Não o ser humano abstrato do Direito, dos Códigos, das Leis, mas o ser humano

concreto, da vida real.

É o Estado sendo concebido como estrutura voltada ao bem-estar e

desenvolvimento do ser humano, e este, por sua vez, passa a ser percebido como

o centro do universo jurídico e prioridade justificante do Direito.

A expressa inclusão da dignidade da pessoa humana na '@rmula

po/i,icav2'7 constitucional brasileira - presente nos artigos 1" a 4" - como

fundamento da República e do Estado Democrático de Direito em que ela se

constitui, traduz a pretensão da Carta Magna de não apenas instituir um Estado

republicano, que se sustenta como Estado Democrático de Direito, mas de

assentá-lo em uma base antropológica onde a pessoa humana constitui o limite,

o fundamento, a finalidade da sua existêilcia, ao buscar sua efetiva e concreta

dignidade.

-

?i7 GUERRA FILHO, Wi]lis Santiago. Op. cir., p. 20, e em especial nota 12, refere-se h noção de fórmula política como a esp~ssk ihlógica que organiza a convivência politica em uma estmtura social (conforme explica Pablo Lutas . Verdú).

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O constituinte de 1988

"além de ter tomado .uma decisão fundamental a respeito do

sentido, da finalidade e da justiJicação do poder estatal e do

~rópr io Estado, reconheceu expressamente que é o Estado que

existe em função da pessoa humana, e não o contrário, já que o

homem constitui a Jinalidade preckuu, e nüo meio da alividade

estatal". 'I8

Todavia, a pessoa a serviço da qual a República está, também é

chamada a cooperar na República, uma vez que pode (e deve) assumir a

condição de

Nesse sentido, Cannen Lúcia Antunes Rocha alerta que o principio

- dignidade da pessoa humana - deve ser obrigatoriamente conjugado com o da

cidadania, de tal forma que se afaste uma visão individualista, que poderia

conduzir a uma condição social na qual restassem comprometidos os interesses e

os bens de toda a co~etividade.~'~

?IX SARLET, Ingo wolfgang. A eJicacia dos direitosfundamenrais. p. 103. Vários sào os doutrinadores mos que ressaltam a base da Constituição brasileira Na doutrina lusitana, José Manuel M. Cardoso da costa ja havia ress&do esta base antrop$Ógica ao mencionar que "no reconhecimento do principio da 'dignidade pessoa humana' como fundamento do Estado, vai a revelação da a n y w ou do 'preSS~p0St0 antropológico' essencial em que repousam e de onde derivam os 'direitos fundamentais' Ou 'direitos do homem'.

confònne *taç& & idéia & CANOTILHO, J. J. Gomes. Op. cit., p. 221. ??(I Idein, rnesira página

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"Daí a importância de se interpretarem os princípios contidos no

art O 3 O da Constituição da República brasileira, acoplados aqueles

do art. 1 9 inclusive ao da dignidade da pessoa humana, de que eles

são emanação e complementação, porque impeditivos do

pensamento individualista que conduziria aos perigos de retorno ao

exagero interpretativo (. . .) ".22'

Trata-se de uma visão social e coletiva da dignidade da pessoa

humana, onde cada homem, ainda que seja autônomo, não deixa de considerar

sua responsabilidade em uma relação social (e de solidariedade comunitária),

evitando, assim, que qualquer pessoa seja reduzida a uma condição indigna de

subserviência a outro homem ou mesmo ao Estado.

Afirmar-se a relevância da cidadania juntamente com o princípio da

dignidade da pessoa humana, não significa obstáculo h pessoa dentro da ordem

democrática; pelo contrário, viabiliza a interligação entre os direitos

fundamentais e a democracia participativa222.

Na verdade, todas as Constituições pressupõem uma determinada

concepção de homem e de sua relação com a sociedade e com o Estado, visão

essa condicionada historicamente, uma vez que apresenta variações no espaço e

-

"' Conforme adaptaçb da idéia & CANOTILHO, J.J.Gomes. Op. cci, p. 34-35. '" CITTADWO, Gisele. Op. rir., p. 19.

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no tempo, e que pode ser extraída a partir da análise de cada sistema

constitucional.

Desse modo, parte da doutrina nacional se utiliza das categorias

definidas como: individualismo, personalismo e transpersonalismo, para

localizar a base de entendimento e opção constitucional sobre a concepção de

homem, cabendo dizer que a Constituição brasileira optou pela teoria

personalista.

Ensina o Professor Miguel Reale que, nos Estados onde a

concepção individualista é predominante, prevalece o entendimento de que a

ordem social justa é aquela em que se satisfazem os interesses individuais, não

restando espaço para a proteção de interesses ~ o l e t i v o s . ~ ~ ~

~á nos Estados onde predomina a concepção transpersonalista

prevalece o entendimento de que somente através da prevalência de valores

coletivos se pode satisfazer a felicidade individual, de tal forma que valores

individuais podem ser sacrificados em prol da co~etividade.~"

Por outro lado, nos Estados onde a concepção personalista

prevalece, não se estabelece um predomínio do indivíduo sobre o social (ou

"3 REALE, Miguel. in Filosojado direi~o. p. 277. "" Idem. mesma pagina

.

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coletivo) ou vice-versa. Ao contrário, parte-se da premissa de que os valores

individuais e coletivos, predominantes em cada realidade histórica, devem ser

compatibilizados caso a caso.225

O autor ressalta que na tendência personalista "brilha um valor

dominante, uma constante axiológica do jusro, que é o valor da pessoa

humana"226, de tal modo que tal valor constitui o limite para que o indivíduo se

submeta ao todo. E a noção de pessoa representa um elemento ético, que só se

revela quando o seu próprio "eu" é levado a reconhecer o valor do "eu" dos

demais, transcendendo assim os limites de sua individua~idade.~~'

Nesse sentido, o mesmo respeito

todos e cada um não se estende àqueles que são congêneres,

mas 21 pessoa do outro OU dos outros em sua alteridade. A

responsabiliza~ã~ solidária pelo outro como um dos nossos se

rc>re uo ~nóLs"flc~xh~e/ numa comzrnidaa'e que resiste u tt4& o que

é substancial e que amplia constantemente suas fronteiras

8,228 porosas.

225 REALE, Miguel. in Filoso@ do direito. p. 279. "" Idem, mesma pbgina 227 Op. cit., mesma página '" HABERMAS, Jiingen. A incltlsão do outro.

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Para que se possa compreender a dimensão de responsabilidade que

incumbe à Educação - enquanto direito de todos e dever do Estado e da família-,

na formação dessa 'cultura solidária', que tem como princípio a dignidade da

pessoa humana, há que se abordar o conceito de cidadania.

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Em todo o mundo, a Educação, sob suas mais diversas formas, tem por

tarefa maior criar vínculos sociais entre as pessoas, levando em consideração sua

origem comum. É a Educação sendo veiculo de culturas e de valores, e ainda

como lugar privilegiado para a construção de um espaço de socialização.

Inúmeros são os desafios enfrentados pela Educação, deparando-se com

uma contradição, quase sem solução: ''por um lado, é acusada de estar na

origem de muitas exclusões sociais e de agravar o desmantelamento do tecido

social, mas por outro, é a ela que se apela, quando se pretende restabelecer

algumas das 'semelhanças essenciais a vida coletiva ', de que falava o sociólogo

fruncês Emile Durkheim, no início deste

De outra parte, o conceito de democracia tem sido questionado

duramente, até porque a democracia representativa, o sistema de representação

política e o modelo de exercício de poder que a caracterizam, têm colaborado

para o desencanto dos cidadãos pela coisa pública. E, também, muitos países

enfrentam também duras crises nas políticas sociais.

2" DELORS, Jacques. f2lrca~ão - iun tesouro a descobrir. 6. Ed. São Paulo : Editora Cortez, 2001, p. 52.

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Ainda assim, a experiência vem demonstrando que os países

democráticos se desenvolvem melhor e com mais eficiência do que os

totalitários, pois a verdadeira democracia garante e concretiza os direitos

humanos; os deveres; a vida com segurança; o bem estar social; a liberdade de

expressão, de ação, de culto e de escolha; de participação na vida política,

destacando a relevância da Educação para tal.

A democracia, no entanto, somente poderá se concretizar de fato quando

todas as pessoas estiverem "conscientizadas" e "politizadas" sobre suas

responsabilidades, seus deveres e direitos. Quando o cidadão comum

compreender o valor da organização política e da sua importância para a

sociedade, saberá que seus direitos poderão ser assegurados com a colaboração

de todos.

"Hú pois que reinventar o ideal democrútico ou, pelo menos, dar-lhe

nova vida. (...) Trata-se de uma criação continua que apela à colaboração de

rodos. Esfa colaboração serú tanfo mais posifivu quanto mais a educação tiver

alimentado, em iodos nós, o ideal e a prática da democracia "230.

O que esta sendo questionado. de fato, e a capacidade de cada um de nós

se comportar como cidadão, consciente das vantagens coletivas e sociais da

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participação na vida democrática, desafio este também estendido aos sistemas

educativos.

Mas, há que se indagar: O que é ser cidadão?231

Pode-se dizer a luz da nossa Constituição que ser cidadão é ter direito a

usufruir a vida, liberdade, propriedade, igualdade perante a lei, em suma, ter

direitos civis e ainda poder participar da construção do destino da sociedade,

exercendo seus direitos políticos - votando e sendo votado, criando partidos

políticos.

Por outro lado, os direitos civis necessitam dos direitos sociais para que a

democracia seja assegurada; são tais direitos sociais que garantem a participação

da pessoa, individualmente, na riqueza coletiva: O direito a educação, a saúde, ao

trabalho, ao salário justo, a uma velhice tranquila, capazes de assegurar a todos

os cidadãos uma existência digna.

Considerando que cidadania não é um conceito fixo, imutável,

contemplado por uma visão homogênea a seu respeito - antes disso, t ~ m sua

definição atrelada a evolução histórica, ao contexto j~rídico-político-~~~i~~,

inclusive variando no espaço e no tempo -, pode-se perceber que mesmo dentro

de cada Estado, esse conceito sofreu muitas alterações nos dois Últimos séculos.

. 231 A esse propó-ito, ver item 3.1 retro.

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O tema da cidadania tem sido utilizado para abordar a chamada 'luta de

classes', mas é anterior a este tipo de conflito social. A cidadania consiste numa

prerrogativa

"inerente ao nascimento (ou adição) de delerminada pátria. Assim,

a primeira nota desse conceito é a comunidade e não a diferença.

Pode-se dizer que o tema da cidadania acha-se associado ao

aparecimento da civilização urbana. Admitida a premissa de que a

cidadania está associada a consciência da comunidade de

interesses, talvez se possa datar essa consciência, quando da

mortalidade provocada pela cólera, levando a implantação do que

hoje chamamos de saneamento básico. c..) os ingleses foram

pioneiros, levando em conta que, antes de dividirem-se em

anglicanos e dissidentes, os habitantes ingleses das cidades - os

cidadãos - tinham prerrogativas e direitos comuns - e,

naturalmente, também obrigações. (. . .) Transcorreu certo tempo até

que a noção de cidadania viesse a ser associada a direitos civis e

"A combinação de plena liberdade de consciência em

rnatt;ria religiosa, com u universulização de um tipo de educação

laica coroa o momento de plena explicitação do conteúdo da

cidadania"232

"' FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Op. cil., p. 15-16.

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A cidadania tem como referência maior na organização do Estado

democrático, os movimentos e lutas que culminaram na Declaração dos Direitos

Humanos e na Revolução Francesa, ocasião em que os direitos do cidadão

passaram a ser norteadores das decisões do Estado, tomando o lugar dos deveres

dos súditos.

A partir de então, dessa espécie de "marco histórico", o conceito e a

prática da cidadania no mundo ocidental, passaram por diversas transformações

e ampliação de abrangência, tornando-se tal conceito extensivo as mulheres,

crianças, minorias, que até então não eram vistas como participantes de uma

sociedade cidadã.

A fim de se confirmar tais transformações, na "Declaração Universal dos

Direitos Humanos ", proclamada pela Assembléia Geral da ONU - Organização

das Nações Unidas - ao término da Segunda Guerra Mundial, em 1948, vamos

encontrar:

"Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a

todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e

inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no

Considerando que o dL.sprt.20 e o desrespeito pelos

direitos humanos resultam em atos bárbaros que ultrajam a

du Humunidrrrle e que o udvcnto de um mun& em que

os homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade

de viverem u sulvo do lemor e da necessid~defoiproclarn~d~ como

a mais alta aspiração do homem comum; Considerando essencial

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que os direitos humanos sejam protegidos pelo Estado de Direito,

para que o homem não seja compelido, como último recurso, à

rebelião contra a tiranis e a opressão; Considerando essencial

promover o desenvolvimento de relações amistosas entre as

nações; Considerando que os povos das Nações Unidas

reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos humanos fundamentais,

na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de

direitos dos homens e das mulheres, e que decidiram promover o

progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade

mais ampla; Considerando que os Estados-Membros se

comprometeram a promover, em cooperação com as Nações

Unidas, o respeito universal aos direitos humanos e liberdades

fundamentais e a observância desses direitos e liberdades;

Considerando que uma compreensão comum desses direitos e

liberdades é da mais alta importância para o pleno cumprimento

desse compromisso; A Assembléia Geral proclama:

A presente Declaração Universal dos Direitos Humanos como o

ideal comum a ser atingido por todos OS POVOS e todas as nações,

com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade,

tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do

ensino e da educação, por promover 0 respeito a esses direitos e

liberdade, e, pela adoção de medidas progressivas de caraer

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nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a

sua observância universais e efetivos, tanto entre os povos dos

próprios Estados-Membros, quanto entre os povos dos territórios

6' 233 sob sua jurisdição .

Consta no Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional da

Educação para o século XXI, organizado por Jacques Delors, em 2001, e

podemos extrair do texto a página 60:

"A educação não pode contentar-se em reunir as pessoas fazendo-as aderir

a valores comuns forjados no passado. Deve também responder a questão: viver

juntos, com que Jinalidades, para fazer o quê? E dar a cada um, ao longo de

toda a vida, a capacidade de participar, ativamente, num projeto de sociedade".

A educação para a cidadania e para a democracia, portanto, não pode ser

limitada a um determinado tempo ou espaço como ocorre com a educação

formal; é preciso que as famílias e os demais membros da comunidade estejam

implicados diretamente.

'2 educu~ão dos cidadãos deve realizar-se durante toda a vida, para se

tornar uma linha de fo rp da sociedade civil e da democracia viva. Confinde-se até

- 233. CHALITA, Gabriel. Edircação: a solução está no afeto. p. 101.

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com a democracia quando todos participam na construção de uma sociedade

responsável e solidária, respeitadora dos direitos fundamentais de cada um. "234

4.1 Exercício da Cidadania

A abordagem até então feita quanto ao conceito de cidadão,

procurou enfocar a conciliação consciente entre o exercício dos direitos

individuais, fundados nas liberdades publicas e a prática dos deveres e da

responsabilidade de cada um em relação aos outros e às comunidades a que

pertencem; daí a relevância da educação e do ensino no processo de construção

dessa capacidade de discernimento, que se refletirá na garantia da dignidade

humana.

Tanto é, que Rizzatto Nunes ensina o destaque que se deve à

dignidade da pessoa humana, independentemente de definições políticas:

"Guardemos em mente a garanlia absoluta da "dignidade da pessoa

humana", depois dos "valores sociais do trabalho e da livre

iniciativa", da construção de "uma sociedade livre, justa e soli&riaV

e da promoção "do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,

sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminaçâo", e ainda,

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da igualdade de todos "perante a lei, sem distinção de qualquer

natureza", com a guranriu du "invic~lubilidade do direito a vida, a

1 1 235 liberdade, b igualdade, b sugurunça e b propriedade .

E ainda:

"José Celso de Mello Filho observa que a expressão "cidadão"

'define, tecnicamente, a pessoa natural no gozo dos direitos

polílicos. A ciduduniu é um utributo exclusivo dus pessoas fisicas

ou naturais. Cidadão é o 'eleitor"'.

José Afonso da Silva, por sua vez, ao desenvolver o tema da ação

popular. informa que cidadão é o 'nacional no gozo dos direitos políticos '. NO

entanto, segundo Canotilho, a base constitucional do princípio da igualdade é a

'igual dignidade social de todos OS cidadãos ... regra do estatuto

soe jal dos cidadãos. .. '. Assim, antes de direitos políticos, os

cidadãos possuem igual dignidade social, independentemente da

sua inserção econômica, social, cultural e obviamente políticaw,

também *firma Celso Fiorillo em sua obra. 1 236

"' h.lR\IES, L u i ,9ntonio Rizatto. Op cir., p. 52. 2 1f

I I ( )1<11.1.0. C!:lw Antonio Pacheco. Op crl., p. 16-1 7.

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É importante mencionar que a comunidade mundial através das

instituições do sistema das Nações Unidas, subscreveu em Jontiem, na

Tailândia, em 1990, a oferta universal. de uma educação digna para todos e que

possa oferecer além de uma base sólida para as aprendizagens futuras, as

competências essenciais que permitam uma participação na vida em sociedade,

como cidadãos verdadeiramente comprometidos com a transformação do seu

tempo.

"Toda a pessoa - criança, adolescente ou adulto - deve poder se

bene$ciar de uma formação concebida para responder às suas

necessidades educativas fundamentais. Estas necessidades dizem

respeito tanto aos instrumentos essenciais de aprendizagem

(leitura, escrita, expressão oral, cálculo, resolução de problemas),

como aos conteúdos educativos fundamentais (conhecimentos,

aptidões, valores e atitudes) de que o ser humano tem necessidade

para sobreviver, desenvolver todas as suas faculdades, viver e

trabalhar com dignidade, participar plenamente no

desenvolvimento, melhorar a qualidade de sua existência, tomar

decisões esclarecidas e continuar a aprender (Artigo 1 - I )

(Declaração Mundial sobre Educação para Todos e Quadro de

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~ ç ã o para Responder as Necessidades Educativas Fundamentais,

1990). "237

4.2 Preparando o exercício da cidadania através da educaç8o

"Em um mundo onde a violéncia grassir cada vez mais, onde a

agressividade é absolutamente assustadora, a solução não está em

mais agressividade nem em armamentos modernos. A solução está

no afeto. Em um mundo onde a criança, o jovem, o idoso são

desrespeitados, onde a liberdade dá lugar à escravidão, onde

milhões passam fome e vivem à mercê da caridade dos outros, a

está no afeto. Em um mundo onde se atingiram patamares

de excelência na robótica e na ciência, na evolução cibernética e

na da informação, mas não se conseguiu entender o

humano, a so~uçfio está no afeto". *"

A~almente, pode-se dizer que o conceito amplo de educação que se

desenrola ao longo de toda a vida, está voltado às suas dimensões: formal -

através do ensino - e informal ou 'não -formal' - responsabilidade de todos, da

sociedade e da família.

- --

"' DELORS. Jacques. Op. ~i(., p. 126. ""HALITA, Cabriel. Op. cit., p. 264.

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É no seio da família, em especial ao nível da educação básica (que

corresponde aos ensinos infantil e fundamental), que se forjam as atitudes

imprescindíveis para a aprendizagem que ocorrerá durante toda a vida. Vale

ressaltar que é no interior dos sistemas educativos que se forjam as

competências e aptidões que farão com que o aprendizado seja contínuo.

Estamos falando da relação mutuamente fecunda entre educação formal e

informal.

No entanto, esta concepção alicerçada no princípio da prioridade

absoluta - Educação, direito de todos, dever do Estado e da família - que,

aparentemente, nos é tão óbvia, somente há pouco tempo pode vir a ser assim

&tematizada e estruturada, quanto aos níveis de responsabilização.

Para que se analise a relação existente entre o conceito de cidadania

e o papel da educação na construção desse conceito, há que se considerar que a

instituição escolar - responsável pela educação formal - apenas nos dois últimos

séculos abriu-se à maioria da população, até porque a "democracia" ainda não

designava um sistema político identificado com O sufrágio universal, mas sim

um movimento de luta pelos direitos dos "de baixo ".

Deste modo, pode-se encontrar na segunda metade do século XD( e

inicii,, do século xX, numerosos movimentos, manifestações e lutas abordando

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a relação entre o conhecimento e o ensino religioso, ocasião em que se delineou

a separação entre Igreja e Estado no ensino público.

Na verdade, a grande luta ocorria entre o capitalismo e o socialismo

- enquanto formação social, historicamente qualificada, de forma determinante,

pelo seu modo de produção - repercutindo em todas as instituições, a começar

da própria escola, que até então havia sido local reservado a uma minoria

abastada ou ainda ligada ao exercício religioso.

A instmção laica, primária e profissional, obrigatória e gratuita em

todos 0s graus, começa a ser desenhada na Europa, resultando numa educação

universal, que a principio sofreu fortes resistências, quer das próprias famílias,

que precisavam de seus filhos para auxiliar na sua subsistência, quer dos

acadêmicos, que viam no ensino da leitura e escrita, uma política fatal, uma vez

que tirariam 0s homens de sua submissão social.

Assim, na segunda metade do século XD<, com a necessidade da

qualificação da mão-de-obra para a expansão da prod~ção industrial, floresceu a

aspiração a uma educação pública e universal.

NO entanto, duras criticas eram tecidas por filósofos e ideólogos

socialistas, por ser a educação desenvolvida sob o capitalismo, tomando 3 s

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pessoas alienadas, com seus saberes fragmentados e parciais. A nova educaçfio

que surgia nos discursos e textos produzidos, vislumbrava a importância do

aspecto teórico ao mesmo tempo que o prático, sendo voltada para os aspectos

intelectual, físico e politécnico.

Esse foi o teor da Revolução de Outubro de 1917 na Rússia, como

uma conseqüência da crise mundial do capitalismo, viabilizando o acesso à

instrução e a libertação da própria ciência, até então submetida ao controle

imposto pelo preconceito de classe e pela força governamental.

Foi em reação à Revolução Russa que se definiram as grandes

linhas da política internacional depois da Primeira Guerra Mundial, resultando

na previsão de direitos sociais bastante ampliados, quer com relação a produção

industrial quer com relação a expansão do comercio entre as nações.

Uma nova ordem supranacional acabou por se incorporar às ordens

constitucionais nacionais, após a segunda grande guerra mundial; desse modo, o

conceito de cidadania foi-se deslocando para 0 aspecto econômico, uma vez que

o modo de r e g u l a ~ ã ~ da relação social entre capital e trabalho assalariado era

visto como o detonador das crises nacionais e internacionais, já nas últimas

décadas do Século XX.

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Desse modo, os Estados detentores do poder de pressão sobre os

demais Estados, acabam dando suas instruções aos governos sob a forma de

"recomendações", que acabam sendo ~obedecidas, ate porque os países que se

recusam a seguir os conselhos, sofrem de pronto os reflexos 'punitivos' na sua

economia, inviabilizando seu crescimento.

No Brasil, após a proclamação da República, foi abolido o sufrágio

censitário, mas mantida a necessidade da capacidade de ler e escrever para se

participar do contingente eleitoral.

Com essa determinação, percebe-se uma dupla discriminação que a

Constituição acabava gerando - excluindo os analfabetos e isentando o governo

do dever de fornecer a instrução primária, antes presente na Constituição

imperial. Ou seja: para que o brasileiro fosse "cidadão" com seus direitos

políticos assegurados, era exigida uma qualidade social que só o direito social da

educação poderia fornecer, que, por sua vez, não era imposto como dever.

Desse modo, continuaram excluídos os menores de 21 anos, 0s

alienados mentais, religiosos, mendigos e as mulheres, além, claro, dos

analfabetos, que chegavam a 60% da população adulta, isto é, apenas um

mínimo contingente de. brasileiros poderia participar de qualquer processo

eleitoral.

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Uma das mais desafiadoras tarefas que se impõe a educação, é fazer

com que a diversidade inerente aos indivíduos e grupos humanos, possa ser

compreendida e respeitada, de sorte que a cidadania consciente e ativa se realize

plenamente, num contexto de sociedades democráticas.

Sem dúvida, não há como se deixar de dar importância a um

conjunto de fenômenos que surgem em razão da crise de relações sociais, tais

como, o agravamento das desigualdades, a pobreza, a exclusão, enfim,

disparidades presentes tanto nos países desenvolvidos, como naqueles em

desenvolvimento. No mundo, mais de um bilhão de seres humanos vivem numa

pobreza abjeta, passando fome todos os dias.

Além desses fatores, outros são mais acentuados em países em

desenvolvimento, como as migrações, o êxodo rural, o desmembramento das

famílias, a urbanização desordenada, a ruptura da solidariedade de vizinhança,

lançando grupos e indivíduos no isolamento e marginalidade.

0 s valores integradores são postos em discussão e o que parece ser

bastante grave, é que os conceitos de nação e o de democracia estão sendo

questionados. Muitos países também atravessam uma crise nas políticas sociais

que rompe com a solidariedade.

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Na França, por exemplo, é evidente a atitude negativa diante da

defesa da nação, empenho na obtenção de privilégios, prática de fraude fiscal,

ausência de participação na vida coletiva, na verdade o incivismo. Ou seja, não é

problema que diga respeito apenas ao ~ r a s i l . ~ ~ ~

Não há, porem, outro modo de organização, política ou civil, que

possa substituir-se a democracia e que permita levar ao exercício da liberdade.

"0 que está em causa é, de fato, a capacidade de cada um se

comportar como verdadeiro cidadão, consciente das vantagens

coletivas e sociais de participar na vida democrática. Trata-se de

um desa$o aos políticos, mas também, aos sistemas educativos,

papel, na dinâmica social, convém desde já de$nir".240

A educação, enquanto um dos requisitos para que os indivíduos

tenham acesso ao conjunto de bens e serviços que estão disponíveis na

sociedade, é hoje reconhecida como um dos direitos fundamentais do homem,

imprescindível para o exercício consciente da cidadania.

'3' FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Op. cit., p. 16.

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4.3 O Direito a educação nos textos constitucionais brasileiros

Ao longo dos últimos séculos, a educação tem sido proclamada

como um dos requisitos básicos e essenciais para que as pessoas tenham acesso

ao conjunto de benefícios disponíveis na sociedade, sendo também condição

necessária para que se possa gozar dos direitos inerentes ao exercício da

cidadania.

Celso Fiorillo comenta que o artigo 6" da Constituição Federal,

"ao apontar a educação enquanto direito social, remete-nos de

imedialo ao ar?. 205, que, ao assegurar a todos educação, visa o

pleno desenvolvimento dos cidadãos, pessoas indeterminadas

ligadas por circunstâncias de fato, preparando-lhes, antes de mais

nada, para o efetivo exercício da cidadania, bem como sua

quaIifcaçã~ para o trabalho. Sendo conceito mais abrangente que

o de mera instrução, visa a compreensão dos direitos e deveres da

peJ-soa humana, das liberdades fundamentais, assim como da

e expansão do denominado patrimônio ~ u I t u r ~ l ~ . ~ ~ '

O direito à educação consiste na compulsoriedade e na gratuidade

da educacão que deve ser possibilitada aos cidadãos de um determinado Estado.

'.'" DELORS. Jacques (org.). Educa~üo : um tesouro a descobrir. p. 54 . '." FIORILLO, Celso Antonio. Op. CI~., p. 24.

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Na verdade, o fato de se considerar a educação como um direito, revela, de

pronto, a obrigatoriedade do Estado em garantir a sua efetivação e o dever do

pai ou responsável de provê-la.

Durante o período imperial, em muitas províncias havia a

obrigatoriedade da instrução primária, acompanhada da previsão de multas para

os responsáveis que não cumprissem as determinações legais.

Há que se destacar que a gratuidade é a contrapartida da

obrigatoriedade da frequência do cidadão à escola, incumbindo ao Estado

fornecê-la a todos, pois do contrário, devido à compulsoriedade, não se teria um

direito do indivíduo e sim um Ônus para a família.

No Brasil, após a Proclamação da República, a gratuidade da escola

elementar e compulsória está explicitada desde a Constituição Federal de 1934,

ocasião em que um capitulo inteiro é dedicado à educação, onde o artigo 149

estabelece que:

"A educação é direito de todos e deve ser ministrada pela família e

pelos Poderes Públicos, cumprindo a estes proporcioná-la a

brasileiros e a estrangeiros domiciliados no País, de modo que

possibilite efcientes fatores da vida moral e econômica da ~ ~ ~ ã ò ,

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e desenvolva num espírito brasileiro a consciência da solidariedade

humana".

No seu artigo 150, onde se trata das competências da União,

definem-se as normas que seriam obedecidas para a elaboração do Plano

Nacional de Educação, a saber:

"a) ensino primário integral gratuito e de frequéncia obrigatória

extensivo aos adultos; b) tendência à gratuidade do ensino

educativo ulterior ao primário, af im de o tornar mais acessível".

Esses dois incisos deixam clara a influência do ideário dos

Pioneiros de 1932 - movimento desencadeado por intelectuais, artistas,

representantes de vários segmentos da sociedade emergente que se

industrializava, lutando pela outorga de uma Constituição para o Estado

brasileiro, com liberdades e direitos assegurados na Lei Maior.

Nessa ocasião a educação como fator preponderante na formação

do cidadão, foi defendida significativamente por educadores brasileiros, o que

viria a Viabilizar as futuras modificações constitucionais.

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Ainda que tenha vigorado apenas por pouco mais de três anos, a

Constituição de 1934 é referência para as opções político-educacionais que até

hoje permeiam debates acerca desse campo do conhecimento.

Em 1937, posteriormente ao golpe de 10 de novembro, foi redigida

por Francisco Campos - primeiro ministro da educação após 1930 - e decretada

por Getúlio Vargas, a Constituição Federal, que passou a vigorar, definindo a

responsabilidade quanto a educação no artigo 125:

"A educação integral da prole é o primeiro dever e direito natural

dos pais. O Estado não será estranho a esse dever, colaborando de

maneira principal ou subsidiária, para facilitar a sua execução ou

suprir as deficiências e lacunas da educação particular".

E ainda, o artigo 130 declarava a gratuidade do ensino primário,

mas abria espaço para a Sua negação:

ensino primário é obrigatório e gratuito. A gratuidade, porém,

não exclui o dever de solidariedade dos menos para com 0s mais

assim, por ocasião da matrícula. será exigida aos que

não alegarem, ou notoriamente não puderem alegar escassez de

recursos, uma contribuição módica e mensal para a caixa escolar ::.

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Era introduzida a intenção de se realizar a equalização social

através da educação, ou seja, o discurso já pressupunha que o acesso gratuito era

apenas destinado aos mais necessitados.

A Constituição de 1946, promulgada após a segunda guerra

mundial, já sofrendo o bafejo de ventos democráticos, retomava em muitos

aspectos as formulações e temas que estiveram presentes no texto de 1934.

Aparecia no artigo 166:

61A educação é direito de todos e será dada no lar e na escola.

Deve inspirar-se nos princkios de liberdade e nos ideais de

solidariedade humana".

Em seguida, no artigo 168, prescrevia:

"A legislação do ensino adotará OS seguintes princípios: I - o

ensino primúrio é obrigatório e só será dado na língua nacional; 11

- o ensino primário oficial é gratuito para todos; o ensino oficial

ulterior ao primário sé-10-á para quantos provarem falta ou

insuficiência de recursos".

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Além disso, o artigo 172 garantia os serviços auxiliares ou de

assistência aos estudantes carentes, prevendo que tais serviços de assistência

educacional deveriam assegurar condiqões de eficiência escolar justamente aos

alunos necessitados.

Esta foi a Constituição vigente até o Golpe Militar de 1964,

trazendo em si muitas das idéias que já estavam sendo discutidas e proclamadas

por várias nações que sofreram com O desrespeito à dignidade da pessoa humana

nos grandes conflitos mundiais da primeira metade do século XX.

Encontra-se no artigo 26 da Declaração Universal dos Direitos do

Homem, expressa pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 1948:

" ~ o d o s têm o direito à educação. A educação deve ser gratuita, ao

menos nos estágios elementar e fundamental. A educação

elementar deve ser compulsória".

ISSO significa que O direito a educação contém a obrigatoriedade e a

gratuidade, como princípios auto-executórios, OU seja: não há sequer a

necessidade de regulamentação, a não ser a dotação orçamentária

correspondente, prantida pelos poderes públicos responsáveis.

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Após o Golpe Militar de 1964, outro ordenamento jurídico fez-se

necessário, originando a Constituição de 1967, onde a educação é tratada no

artigo 168, da seguinte forma:

"A educação é direito de todos e será dada no lar e na escola;

assegurada a igualdude de oportunidades, deve inspirar-se no

princkio da unidade nacional e nos ideais de liberdade e

solidariedade humana. (. ..); $3" - A legislação do ensino adotará 0s

seguintes princlpios e normas: c..) fl - o ensino dos sete aos

quatorze anos é obrigatório para todos e gratuito nos

estabelecimentos primários oficiais; IIl - o ensino oficial ulterior

ao primário será, igualmente, gratuito para quantos, demonstrando

efetivo aproveitamento, pivvarem fa[ra ou insuficiência de

recursos. Sempre que possível, o Poder Público substituirá o

regime de gratttidade pelo de concessão de bolsas de estudo,

exigido o posterior reembolso no caso de ensino de grau superiorm.

Percebe-se a ampliação do período de escolarização obrigatória

para oito anos, ainda que se mantivesse a denominação "ensino primáriow.

Outro aspecto que merece ser destacado diz respeito à idéia de bolsas de estudo,

reembo]sáveis, o que resultou no mecanismo do credito educativo no ensino

superior.

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A Emenda Constitucional no 1, de 1969, também tratava do tema no

artigo 176, assim explicitado:

"A educação, inspirada no principio da unidade nacional e nos

ideais de liberdade e solidariedade humana, é direito de todos e

dever do Estado, e será dada no lar e na escola. c..); II - o ensino

primário é obrigatório para todos, dos sete aos quatorze anos, e

gratuito nos estabelecimentos oficiais; 111 - o ensino público será

igualmente gratuito para quantos, no nível médio e superior,

demonstrarem efetivo aproveitamento e provarem falta ou

insuficiência de recursos".

Pela primeira vez, em nível constitucional, era reconhecida a

educação como direito de todos e dever do Estado. Em termos de legislaqão

infra-constitucional, a primazia coube à Lei de Diretrizes e Bases da EducaFão

Nacional, a Lei de no 4.024161, que em Seu artigo 3" estabelecia que

'(0 direito à educação é assegurado: I - Pela obrigaqão do poder

público e pela liberdade de iniciativa particular de ministrarem o

em todos OS seus graus, na forma da lei em vigor; II - Pela

obrigação do Estado de fornecer recursos indispensáveis para que

a família e, na falta desra, 0s demais membros da sociedade

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desobriguem dos encargos da educação, quando provada a

insuficiência de meios, de modo que sejam asseguradas iguais

oportunidades a todos". .

As variações ao tratamento dado ao direito a educação nas

constituições brasileiras, demonstram haver lenta e gradualmente uma definição

das políticas públicas quanto aos seus níveis de responsabilidade. Desse modo,

a obrigatoriedade escolar para o ensino primário é introduzida em nível

constitucional. a partir de 1934 com cinco anos de duração. A partir de 1967

amplia-se para oito anos de duração a obrigatoriedade - é a educação elementar

abarcando 0s ensinos primário e ginasial, que passa a ser o ensino de primeiro

grau.

Outro aspecto percebido é a garantia da gratuidade no período da

escolarização compulsória, com exceção em 1937, quando surgem senões à

idéia de gratuidade. No entanto a gratuidade se mantém, chegando-se a prever o

mecanismo das bolsas de estudo restituíveis (em 1967).

Também se revela a influência das ~Oncepções católicas quando da

definição das instituições responsáveis pela educação - família e Estado -

precedendo a 'família' sobre 0s 'Poderes Públicos' (1934) OU 'ensino ministrado

no lar e na escola' (1 967).

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Entretanto, não estão previstos no texto da Emenda de 1969, os

mecanismos jurídicos para a garantia de tal direito, ainda que houvesse a

possibilidade do recurso ao mandado de segurança, ou seja, não havia garantia

de que as políticas públicas realmente se voltassem para o cumprimento do que

estava disposto na Constituição e na legislação que subsidiava o ensino.

4.3.1 Aspectos Relevantes do Direito a educação no texto de

O texto constitucional de 1988 apresenta várias novidades

quanto ao direito a educação: os direitos sociais são explicitados no artigo sexto,

com primazia a educação; a precedência do Estado no dever de educar é

reafirmada, como o fora em 1969; os objetivos gerais inspiradores da educação

conseguem permanecer a distância da polêmica em tomo de dois pólos: ou seu

carater propedêutico e formador da cidadania ou qualificador para o trabalho

(como se assistiu por longo tempo, em discussões envolvendo em especial o

ensino médio).

JA no artigo 206 vamos encontrar princípios que, na

realidade, pretendem colahorar para a efetivação da igualdade de todos perante

a lei, uma vez que na própria escola, muitas vezes, se reproduz a estigmatizagão-

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de significativa parcela da população, como a alegação de falta de vagas, O que

se reverte no abandono precoce da escola.

Quanto ao artigo 208, pode-se afirmar que o dever do Estado

para com a educação (e aqui, deve-se entender que o mais preciso seria 'ensino')

privilegia a dignidade da pessoa humana ao prever: o ensino fundamental,

obrigatório e gratuito, mesmo para os que a ele não tiveram acesso na idade

própria (admitindo o analfabetismo de grande parcela da população de jovens e

adultos); progressiva extensão da obrigatoriedade ao ensino médio @revendo

uma maior permanência no sistema educacional, necessária para o maior

desenvolvimento da pessoa); atendimento educacional especializado aos

portadores de deficiência, especialmente na rede regular de ensino (admitindo a

participação nomal das pessoas com necessidades especiais, que até então

ficavam à margem da educação formal da rede regular de ensino).

Também prevê o atendimento em creche e pré-escola às

crianças de zero a seis anos de idade (considerando essa faixa etária como parte

do conceito de educação 'básica', incorporando este nível de ensino ao sistema

regular); acesso aos níveis mais elevados de ensino, da pesquisa e da criação

(como uma declaração de intenções com a idéia liberal de 'igualdade de

opo*unidades'); ~ f e r t a de.ensino notumo regular, adequado as condi$Ões de

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cada uma (refletindo o reconhecimento do dever do Estado para com o aluno

trabalhador especificando a necessidade de adequação das condições).

Finalmente, ainda se revela neste artigo o atendimento ao

educando no ensino fundamental, através de programas suplementares de

material didático escolar, transporte, alimentação e assistência a saúde

(incorporando ao rol de deveres do Estado a necessidade de prestação desse tipo

de serviço, imprescindível para boa parcela da população, servindo como pré-

requisito de frequência a escola). Ressalte-se que

"a garantia constitucional destes serviços, ainda que

formulada de maneira incompleta, possibilita ampliar a lutu

pia sua ejêtivação para o âmbito do Sistema de Justiça. ~á

0s chamados yatores intra-escolares' da exclusão,

relacionados, grosso modo, com a qualidade do ensino, são

de tipificação mais dificil e, portanto, menos passíveis de

eXigibilidade judicial",

Romualdo Portela de Oliveira, em seu texto 'O direito

242 O L ~ V E I ~ , Romualdo porteia de, ADRIÃO. Theresa (orgs.). Gestão, Financiamento e Direito ~ d ~ ~ w : andise - da LDB e da Constituição Federai. São P d o : Xamã 2001, p* 29.

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4.3.2 Do texto constitucional ao Estatuto da Criança e do

Adolescente

Outro artigo da Constituição Federal que declara o direito à

educação e viabiliza mecanismos para que se efetive, é o artigo 227, que, ao ser

regulamentado, gerou o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA -,

sancionado pela Lei Federal n. 8.069, de 13.07.1990, passando a vigorar a

12.1 O. 1990, e que tem servido de fundamento legal para boa parte das ações

judiciais que pretendem garantir o direito à educação.

"É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à

criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito

à vida, a saúde, à alimentação, à educação, ao luzer, à

projissionaIizaçã~, a cultura, à dignidade, ao respeito, à

liberdade e í? convivência familiar e comunitária, além de

colocá-los a salvo de toda forma de negligência,

discriminação, exploração, violéncia, crueldade e opressão ".

O Estatuto da Criança e do Adolescente, em substituição ao

,,tigo &'Código de Menores" (que tratava legalmente dos menores 'excluidos'),

traz um novo enfoque que é a preocu~ação com a garantia de inclusão dos

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menores, crianças e adolescentes, ou seja, tem a preocupação de 'incluir' tais

pessoas.

Desse modo, o começo dessa transformação está no combate

ao analfabetismo, conforme estabelece o artigo 53 do ECA, estatuindo o direito

a educação da seguinte forma:

"A criança e o adolescente têm direito a educação, visando

ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparação para o

exercício da cidadania e qualificação para o trabalho,

assegurando-se-lhes: I - igualdade de condições para o

acesso e permanência na escola; II - direito de ser

respeitado pelos seus educadores; III - direito de contestar

cr irbrios avaliativos, podendo recorrer as instâncias

escolares superiores; IV - direito de organização e

em entidades estudantis; V - acesso a escola

pública e gratuita próxima de sua residência. Parágrafo

único. É direito dos pais OU responsáveis ter ciência do

processo pedagógico, bem cmto participar da de$nição das

propostas educacionais".

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Alguns dos incisos presentes neste artigo, reproduzem partes

do Artigo 206 da Constituição Federal, mas o inciso I11 e a parte final do inciso

V agregam novos elementos a 'Declaração do Direito a Educação' presente e

consagrada na Lei Maior. É admitida, desse modo, a discussão aberta sobre os

mecanismos de avaliação, que muitas vezes concorrem para a repetência dos

alunos, contribuindo para o abandono da escola, bem como a exigência de

escola "próxima de sua residência" antevê a necessidade de transporte escolar

gratuito, para os que estudam mais longe de suas casas.

É importante se fazer o destaque aos três parágrafos do artigo

208 da Constituição Federal, transcritos no artigo 54 do ECA: " f I O - o acesso

ensino fundamental é direito público subjetivo". Por "direito subjetivo" ~ o s é

Cretella Júnior entende:

o poder de exigir, que o titular do direito exerce, em

direçã~ àquele com O qual entra em relação jurídica.

Tratando-se de 'direitos su b~etivos ' há, pois, dois sujeitos:

ativo', O "credor", pessoa de quem emana a

exigência, o poder de exigir; 'sujeito passivo ', o "devedor1',

pessoa sobre quem r ~ c a i a exigência, o dever de cumprir a

ohrigaçã~.jurídi~a resultante da regra de direito.

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Os direitos públicos subjetivos podem ter o Estado tanto

como sujeito ativo como passivo. O parágrafo em questão

refere-se aquela modalidade em que o Estado figura como

sujeito passivo ". (Comentários 6 Constituição Brasileira de

1988, Rio de Janeiro : Forense, 1993, v. 8, p. 4.41 3-4).

Quanto ao parágrafo segundo, em seu texto 'O direito à

educação', à página 31-33, Romualdo Portela de Oliveira o transcreve,

comentando a seguir:

<I ( . . ) "0 não oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder

Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade

da autoridade competente". Traz como novidade a

possibilidade de responsabilizar diretamente a autoridade

incumbida da garantia do direito (por exemplo, o

público) diferentemente de uma

responsabilizu~ã~ do Poder Público como ente juridico

geral, embora permaneça a ausência de sanções pelo não

cumprimento da norma legal. Este elemento não é

desprezive/, pois muitas vezes se argumenta que não adianta

invocpur esse d;.~posifivo se nüo h4 SUII@O prev i s ,~ yuru o seu

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cumprimento. Resta, de qualquer forma, a tentativa de

enquadramento por 'crime de responsabilidade ' 'I.

O parágrafo terceiro prescreve "c..) compete ao Poder

Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e

zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela frequência à escola".

Apesar de já existir na legislação ordinária a responsabilidade

do Poder Público realizar o censo escolar e o chamamento a matrícula, esse

parágrafo traz importante contribuição e aperfeiçoamento dos levantamentos

estatísticos educacionais. Um levantamento consciente poderia auxiliar na

avaliação das necessidades do sistema, quanto expansão da rede física, ou

mesmo dimensionar o perfil da escolarização da população de uma deteminada

área, prossegue ainda o mesmo autor acima citado.

Na verdade, esse diagnóstico preciso da demanda, realizado

pelo pelos dirigentes, pelo Poder Público, objetiva muito mais atingir

o aluno que se encontra fora da escola do que aquele que já é matriculado.

Em sua obra sobre o ECA, a esse respeito, Antônio Chaves

comenta

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"Nunca será suficientemente encarecida a importância desse

chamamento geral ao aproveitamento das potencialidades de

cada criança, germe . de futuros cidadãos prestantes ou

indivíduos incapacitados, quando não conduzidos à

criminalidade - para a reconstrução nacional, chegando-se

a responsabilizar, pela vez primeira!, as autoridades

competentes pelo não-oferecimento de vagas no ensino

obrigalório público, bem como os pais ou responsável pelo

comparecimento à escola. ,,243

E necessário que os sistemas educativos revejam sua própria

organização prevendo as transições e diversificação dos percursos educativos,

para que se consiga escapar ao dilema que durante anos marcou profundamente

as políticas da educação: selecionar, ampliando o risco de exclusão e o insucesso

escolar, ou uniformizar os cursos, desrespeitando as capacidades e talentos

individuais. No ensino e na vida os percursos serão cada vez menos lineares, dai

a necessidade de domínio dos conhecimentos indispensáveis a compreensão do

mundo em que vivemos, que requer empenho e renovação continua dos esforços

já comenta Jacques Delors, quando da Conferência Mundial

sobre Educação para Todos - Jomtien (Tailândia), de 5-9 de março de 1990.

2." AVES, ~,,to,,i~. fime>llcjr,lu uo biluriiro du Criança e do Adolest.en~e 2 ed - Sá» Paulo : LXr, 1997, p, 239,

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Enquanto o artigo 54 do ECA repete literalmente o teor do

artigo 208 da Constituição Federal, no artigo 55 se prevê a responsabilidade dos

pais pela matrícula "Os pais ou respons,aveis têm a obrigação de matricular

seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino", e na omissão dos pais,

incumbe a própria comunidade tal dever.

No artigo 56 do ECA vamos encontrar "Os dirigentes de

estabelecimento de ensino findamental comunicarão ao Conselho Tutelar 0s

casos de: I - maus-tratos envolvendo seus alunos; II - reiteração de fa[ras

injustificadas e de evasão escolar, esgotados 0s recursos escolares; III -

elevados niveis de repetência", especificando as responsabilidades dos

dirigentes de estabelecimentos de ensino, em encaminhar problemas de maus-

tratos (previstos no Código Penal), faltas excessivas ou mesmo de altas taxas de

repetência, para o conselho tutelar. Assim, esse outro órgão, deverá tomar as

iniciativas para eliminar ou minorar tais problemas.

O ECA regulamenta de maneira detalhada o direito à

educação presente no texto constitucional, contribuindo para o esforFo de

ampliação e efetivação desse direito em nossa sociedade.

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5 A RESPONSABILIADE DA EDUCAÇÃO NA CONSTRUÇÃO DA

DIGNIDADE HUMANA

O principal direito fundamental constitucionalmente garantido é o da

dignidade da pessoa humana, ou seja, a autoridade moral de cada indivíduo, que

já nasce com o indivíduo. O ser humano é digno porque possui esse atributo

intrínseco à pessoa humana, que não pode ser desconsiderado.

A dignidade humana constitui valor fundamental da ordem jurídica para a

ordem constitucional, constituindo qualidade integrante e irrenunciável da

condição humana, devendo ser reconhecida, respeitada, protegida. Não é criada,

nem concedida pelo ordenamento jurídico, motivo porque não pode ser

desconsiderada, sendo inerente a cada ser humano. Também não pode ser

confundida com a humanidade como um todo.

Somente a efetivação do princípio da dignidade faz com que um Estado

seja ~ ~ ~ ~ t i t u c i o n a l . A negação deste princípio 6 a negação da própria

Constituição. Não se pode querer Preservar esta sem que haja total e irrestrita

observância àquele, pois ele é a base do arcabouço jurídico.

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A dignidade da pessoa humana é, em outras palavras, a verdadeira força

norrnativa da Constituição democrática, pluralística e comprometida com a

justiça, base do Estado democrático de direito.

Tratando-se de um princípio, a dignidade torna-se absoluta, plena, não

sendo possível colocá-la num 'relativismo ', aliás, como fez Reinhold Niebohr -

autor norte-americano contemporâneo, influente com suas idéias no período

Kennedy -, a respeito da idéia de bem e de mal, autor do conceito do 'paradoxo

da virtude", ... " não importa o quanto alguém pretenda fazer o bem, pois

sempre acabaráfazendo o mul a outrem ou seja, naquele momento histórico

tal conceito servia de justificativa aqueles que, desde o início, queriam fazer o

mal, pois, "ajnal, se o resultado era um dano, no fundo era inexorável, pois se

esturiu diante do paradoxo da virtude! ", complementa Rizzatto Nunes.

Esse tipo de 'interpretação relativa' sobre a dignidade, levou muitas

pessoas a condenação e a morte, julgados por idealistas que atuavam em prol do

bem maior, como se fossem detentores da verdade absoluta. Assim, em nome de

um único credo, milhares de seres humanos foram levados as fogueiras.

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Felizmente, pode-se dizer que o ideal jurídico evoluiu de maneira

universal, se comparadas as atrocidades cometidas no passado. Porém, ainda há

muito o que fazer.

Foi a partir da experiência nazista que as nações se uniram para gerar a

consciência de que se deveria preservar, a qualquer custo, a dignidade da pessoa

humana. E, para isso, primeiramente é preciso tomar conhecimento de todas as

violações praticadas, para podermos lutar contra elas.

Em seu estudo introdutório sobre O Estado constitucional, Peter Haberle

diz que:

~á que se partir da tese de que o conjunto dos direitos de tipo

pessoal, por um lado, e 0s deveres, por outro lado. devem permitir

ao ser humano chegar a ser pessoa, sê-lo e seguir o senh . Nesta

grantia jurídica, específica dos âmbitos vitais do 'ser pessoa ', da

identidade, encontra na dignidade humana seu lugar central: e o

mundo elo qual 0 ser hwnano chega a ser pessoa nos oferece

indícios do que seja a 'dignidade humanaJ. Aqui se devem

distinguir duas questões: como se forma a identidade humana

numa sociedadg, e em que medida se pode partir de uma c o n c e p ~ ã ~

de identidade válida entre culturas e, portanto, universal.

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c..) O Estado Constitucional, tendo como premissa a dignidade da

pessoa humana, é somente aquele democraticamente estruturado.

As demais premissas necessár.ias - direitos fundamentais, divisão

de poderes, controle judicial, etc - decorrem da dignidade".

É a formulação constitucional da dignidade da pessoa humana como um

autêntico princípio geral de direito, razão de ser do direito, podendo ser

considerada base do ordenamento jurídico, que se desdobrará na legislação,

decorrente da Lei Maior e que com ela não poderá ser conflitante.

Ainda no dizer do próprio autor:

"Tais elementos são: a dignidade humana como premissa,

realizada a partir da cultura de um povo e dos direitos universais

du humunidude, vividos u partir du individuulidude desse povo, que

encontra sua identidade em tradições e experiências históricas, e

suas esperanças nos desejos e na vontade criadora de um futuro; a

Constituição como contrato, em cujo marco são possíveis e

fins educativos e valores orientadores; o principio da

divj,yfio dos poderes; 0 princ*io do Estudo de Direiío e o Estado

social, o mesmo que o principio do Estado de cultura aberto; as

gurunlios dos direitos fundr«nentuis; u independsnria du

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magistratura. Tudo isto se incorpora numa democracia cidadã

9 9 2 8 constituída pelo princbio do pluralismo .

Um indivíduo nasce com integridade fisica e psíquica e, vivendo em

sociedade, adquire outros direitos que compõem a sua dignidade, tais como: sua

liberdade, sua imagem, sua honra, sua intimidade, sua consciência - científica,

espiritual. Todavia, cada sociedade civilizada tem seus próprios padrões e

convenções a respeito do que considera necessário e viável.

"Toda pessoa hzimana, pelo simples fato de existir,

independentemente de sua sitziação social, traz na sua

superioridade racional a dignidade de todo ser. N6o admite

discriminação, quer em razão do nascimento, da raça, inteligência,

mental, ou crença religiosa, segundo Chaves Camargo,

autor do livro "Culpabilidade e Reprovação Penal".

Somem-se ainda, OS direitos assegurados pela Constituição, que garantem

a educação, saúde, trabalho, lazer, segurança previdência social, proteção à

infância e à maternidade, assistência aos desamparados, tudo dentro de um

ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à qualidade de vida.

HABERLE, Pefer. EI fitodo constirircional. Estudo introdutório.

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5.1 Instrumentos viabilizadores do Direito à educa~iio

O princípio da Dignidade é .vivo, real, pleno e está em vigor,

devendo ser efetivado pelo Ministério Público e, ainda, podendo ser propostas

Ações individuais ou coletivas, como a Ação Civil Pública, o Mandado de

Segurança, Ação de Obrigação de Fazer.

Deve ser levado em conta tal principio sempre, em qualquer

simação, não podendo ser desconsiderado em nenhum ato de interpreta~ã~,

aplicação ou criação, quer pelo poder Executivo, Legislativo ou mesmo o

Judiciário.

Cabe a todos os operadores do Direito, tomar cada vez mais eficaz

o principio da dignidade humana. fi ele que, por ser o mais importante, dá

diretriz aos outros princípios, como 0s de igualdade, proporcionalidade. A

dignidade é a luz de todo o ordenamento, na existência de conflito de princípios.

NO conflito entre liberdade de expressão e intimidade, por exemplo ,

é o principio da dignidade que dá a direção Para a solução. Na colisão de honras,

é a dignidade que servirá - utilizando-se do principio da proporcionalidade -

para 0s direitos, limites e gerar a ~ ~ S O ~ U Ç ~ O .

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Quanto ao direito a educação, pode-se dizer que vários de seus

aspectos já haviam sido abordados pela legislação brasileira - ainda que de

forma esparsa, em alguns Estados - como, por exemplo, a gratuidade que

constava já na Carta Imperial. No entanto,

"o que se aperfeiçoou, para além de uma maior explicitação dos

direitos e de uma maior precisão jurídica - evidenciada pela redução - , foram

os mecanismos capazes de garantir, em termos práticos, os direitos

anteriormente enunciados, estes sim, verdadeiramente inovadores. Tais

mecanismos são o mandado de segurança coletivo, o mandado de injunçã~,

novidade legal em nossa tradição constitucional e a ação civil pública", explica

Romualdo Portela de Oliveira, a pág. 33 do texto 'O direito a educação'.

Quanto ao 'mandado de segurança', previsto no artigo 5", incisos

LXIX e LXX, nos seguintes termos:

I ~ X I ~ Y - conceder-se-á mondado de seglrronça para proteger

líquido e certo, não amparado por 'habeas-corpus' ou 'habeas-

data ', parido o responsáve! pela ilegalidade ou abuso de poder for

uuloridade pública OU agente de pessoa jurídica no exercício de

do Poder Público;

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WT - o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por

a) partido político com representação no Congresso Nacional; b)

organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente

constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa

dos interesses dos seus membros ou associados.

Fábio Comparato em sua obra 'Direitos Humanos e Estado ', 1989,

p. 96, observa que 'pelo mundudo de segurança, podem ser defendidos 0s

chamados direitos líquidos e certos, distintos da liberdade de locomoção, contra

utos ou omissõe.~ ubusivas do Poder Público. Süo considerados líquidos e certos

0s direitos cujo reconhecimento independe de uma instrução probatória no

pmce.~so (testemunhas ou vistoria. por exemplo)."

Por ser remédio constitucional especifico contra a violação de

direito líquido e certo pelo poder público, pode-se definir o seu campo de ação

pela isto é, onde não cabe 0 'habeas-corpus', cabe o mandado de

segurança, ensina o Professor Manoel Gonçalves Ferreira Filho.

Enquadra-se nestas condições o direito a educação, sendo possível a

desse mecanismo para a efetiva~ão de sua garantia. Por outro lado, a

amplia~ão da abrangên~ia do mandado de segurança para a defesa de direitos

coletivos da sociedade civil, alarga sobremaneira sua aplicabilidade.

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Quanto ao 'mandado de injunção', este está previsto no artigo 5 O ,

inciso LXXI, que dispõe textualmente: "conceder-se-á mandado de injunção

sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviuvel o exercício dos

direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes a

nacionalidade, à soberania e a cidadania".

Em sua obra já citada, Romualdo Portela de Oliveira destaca que o

mandado de injunção atribui 'poder legislativo' ao Judiciário, na hipótese de a

ausência dessa regulamentação prejudicar a garantia ou efetivação de um direito,

sendo pois "um instituto civil, outorgado ao legítimo interessado como remédio

constitzicional para a obtenção, mediante decisão judicial de equidade, a

imediutu e concreta uplicução de direito, liberdade ou prerrogativa inerente à

nacionalidade, a soberania popular ou a cidadania, quando a falta de norma

regulamentadora rorne inviável o seu regular exercício" mencionando estudo

de J O S ~ Afonso da sobre o tema.

Dentre as funções institucionais do Ministério Público,

constitucionalmente previstas, encontramos "III - promover o inquérito civil e

a aqão civil pública, para a proteção do pabimônio público e social, do meio

ambiente e de outros inte?-esses USOS e ~ 0 l e t i ~ 0 s .c..)" - artigo 129 da

Constituição Federal.

I"' O I . I V ~ : ~ R ~ Romiialdo I>»riela de. 0p. CII., p. 34.

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Também o Estatuto da Criança e do Adolescente disciplina as

ações, visando a proteção judicial dos interesses difusos e coletivos, prevendo

expressamente em seu artigo 208:

"Regem-se pelas disposições desta Lei as ações de

responsabilidade por ofensa aos direitos assegurados à criança e

ao adolescente referentes ao não-oferecimento ou oferta irregular:

I - do ensino obrigatório; II - de atendimento educacional

especializado aos portadores de deJciência; 111 de atendimento em

creche e pré-escola as crianças de zero a seis anos de idade; IV -

de ensino noturno regular, adequado às condições do educando; V

- de programas sup/ementares de oferta de material didático-

escolar, transporte e assistência a saúde do educando no ensino

fundamental; VI - de serviço de assistência social visando à

proteçfio a família, a maternidade. à infância e a adolescência, bem

como amparo às crianças e adolescentes que dele necessitem c..). purúgrqfi único. As hipófeses previstas neste artigo nfio cxc/lrem

,ju prole(.ão judiciul outros inleresses indivjduajs, difusos ou

co/eti\~os, prcíj?rio.s LI infiinciu e &r udo/escPnciu, prolcgichs j,r/u

fi,n,y(itl~i~ão r pela Lei".

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Quando analisa a abrangência desse artigo, Antônio Chaves, na

obra Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente, página 735, assim

expõe:

"Distingue Hugo Nigro Mazzilli, com Renato Alessi, por sua vez

baseado em Carnelutti, o interesse público que identiJica o bem

geral, ou seja, o interessa da coletividade como um todo, e que

pode ser chamado de interesse público primário, do interesse

público visto pelo Estado, que denomina interesse público

secundário, acrescentando: 'Confundem-se antes com o interesse

público primário os mais autênticos interesses difusos c..) e, num

sentido lato, também os interesses que, posto reflexamente, atinjam

toda a sociedade (nesse sentido, até mesmo o interesse individual,

se indisponível, deve ser considerado interesse público).

Por difuso se quer, exatamente, entender o interesse de um grupo

ou de grupos menos determinados de pessoas, entre as quais não

haja vínculo jurídico ou fático muito preciso. Por sua vez, interesse

coletivo é o que abrange categoria determinada ou pelo menos

determinável de indivíduos, como O dos associados de uma

enljdude de classe. Assim como ocorre com o interesse individual

indisponível também O interesse coletivo, se indisponível, está

inseri& nuquelas noções mais abrangentes de interesse público".

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É o amparo legal ao direito público subjetivo da educação, a todos

assegurado pela nossa Constituição e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente,

que, também no seu artigo 210, estabelece a legitimação concorrente do

Ministério Público, União, Estados, municípios, dentre outros, para as ações

cíveis fundadas em interesses coletivos ou difusos, visando a garantia do direito

a educação.

5.2 O Direito a educação na LDB

Tendo como referência o texto constitucional e o ECA, a Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB - Lei federal n. 9.394 de 20 de

dezembro de 1996 - após oito anos de discussão antecedentes a sua aprovação -,

estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Entretanto, ao ser

explicitada a declaração do direito a educação, algumas alterações no texto

infra-constitu~i~nal, merecem ser apontadas, ainda que não alterem o conteúdo.

Assim, enquanto o artigo 205 da CF está redigido nos seguintes

termos: "A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será

e incentivada com a colaboração da sociedude, visando ao pleno

desenvolvimento da pessoa, preparo para o exercicio da cidadania e sua

yuulificação pura o trubulho", o artigo 2" da LDB apresenta: "A e d ~ ~ ~ ~ ã ~ ,

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'dever da família e do EstadoI, inspirada nos princlpios de liberdade e nos

ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do

educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o

trabalho" (grifo nosso).

É interessante notar a inversão da ordem da família e do Estado na

declaração do dever de educar. Assim, se não tiver importância quanto à ordem

dos termos, não há divergência entre os dois documentos. Porém se os termos

tiverem significados diferentes (como ocorria quando da CF de 1934 que

privilegiava a formulação católica sobre 0 tema), então a LDB acaba sendo

inconstitucional. Historicamente, é uma disputa de sentido muito diferente.

Comparativamente ao artigo 208 da CF, encontramos no artigo 40

da LDB o detalhamento e ampliação do direito à educação e o dever de educar.

Assim, temos que:

"Artigo 4" - O dever do Estado com a educação escolar pública,

efetivado mediante a garantia de: 1 - ensino fundamental, obrigatório e

gratuito, inclusive para OS que a ele não tiveram acesso na ida,de própria; 11 -

progressiva extensão da obrigatoriedade e graniidade ao ensino médio

(reptindo a redução original da CF 88); 111 - atendimento educaciona]

especializado gratuito aoS ~ducandos com necessidades especiais,

preferencialmente na rede regular de ensino; IV - atendimento gratuito em .

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creches e pré-escolas as crianças de zero a seis anos de idade;" (grifos nossos,

lembrando-se que a gratuidade já estava prevista no inciso IV do artigo 206 da

C'F, como um dos princlpios básicos do ensino). Com a gratuidade literalmente

expressa no texto da LDB, a redação ficou mais clara.

Os incisos V, VI VIII do artigo 4" da LDB, repetem os incisos V, VI

e VI1 do artigo 208, ou seja: inciso V - acesso aos níveis mais elevados do

ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; VI

- oferta do ensino noturno regular, adequada às condições do educando; -

atendimento ao educando no ensino fundamental público, por meio de

programas suplementares (. ..).

Há dois acréscimos nos incisos da LDB quanto ao texto da

Constituiqão: VII - oferta de educação escolar regular para jovens e adultos,

com e modalidades adequadas as suas necessidades e

disponibilidades, garantindo-se aos que forem trabalhadores as condições de

acesso e na escola (trata-se de mecanismo democratizador, mas

uinda não regulamentado); - padrões mínimos de qualidade de ensino,

definidos como a variedade e quantidade mínimos por aluno, de insumos

indispensáveis ao desenvolvimento do Processo ensino-aprendizagem

(urriculando a qualidade à necessidade de um gasto mínimo por aluno, o que

sepundr, o inlerprgtação oficial atual. seria viabilizado pelo Fundo de

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Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do

Magistério - Fundef - dentro do tema ffinanciamento da educação 7.

Os artigos 5" e 6" da LDB detalham e normatizam aspectos que

estavam presentes no 'caput' e nos parágrafos do artigo 208 do texto

constitucional:

Artigo 5" - O acesso ao ensino fundamental é direito público

subietivo, podendo qualquer cidadão, grupo de cidadãos, associação

comunitária, organização sindical, entidade de classe ou outra legalmente

constituída, e, ainda, o Ministério Público. acionar o Poder Público para exigi-

10.

9' 14 Compete aos Estados e Municbios, em regime de colaboração

e com a assistência da União: I - recensear a população em idade escolar para

o ensino fundumenlal, e os jovens e udultos que a ele não tiveram acesso; 11 -

fuzer-/hes a chamada pública; - zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela

fiquência 6 escola. § 29 Em todas as esferas administrativas, o Poder Público

ossegurará em lugar o acesso ao ensino obrigatório, nos termos deste

artigo, em seguida 0s demais níveis e modalidades de ensino,

,,fim, as constitucionais e legais. $ 39 Qualquer das partes

no 'caput ' deste arfigo tem legitimidade para peticionar no Poder

~~,,~i~.á~i~, na hipótese do art. 208 da CF, sendo gratuita e de rito sumário a

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ação judicial competente. $ 44 Comprovada a negligência da autoridade

competente para garantir o oferecimento do ensino obrigatório, poderá ela ser

imputada por crime de responsabilidade. $59 Para garantir o cumprimento da

obrigatoriedade de ensino, o Poder Público criará formas alternativas de

acesso aos diferentes níveis de ensino, independentemente da escolariza~ão

anterior.

Artigo 64 É dever dos pais ou responsáveis efetuar a matrícula dos

menores, u partir dos sete anos de idade, no ensino fundamental.

Esses dois artigos da LDB detalham e elucidam diversos aspectos

da declaração do direito a educação, Presentes na nossa Constituição Federal.

Cumpre destacar o parágrafo terceiro, que garante a gratuidade e a rápida

tramitação de ações que tenham como causa de pedir a garantia do direito à

educação, precedendo outros tipos de ações e dispensando-se procedimentos

averiguadores que muitas vezes contribuem para retardar sobremaneira 0s

processos legais.

5.3 A organizaqão da educa(ião escolar na CF e na LDB

O 21 1 da Constituição Federal estabelece em seu 'caput7 que

..A uniuo, os E ~ J ~ ~ ~ ~ s , o Distrito Federal e os Municipios organizarão em ..

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regime de colaboração seus sistemas de ensino." Desse modo, em lugar de

Sistema nacional de educação ', a Constituição consagrou 'sistemas de ensino ',

ou seja, não houve clara intenção de organização de um sistema de educação

(conceito este que, por ser muito mais amplo, tem na institucionalização do

ensino formal, somente parcela do seu significado).

Entretanto, em seu artigo 22, inciso XXIV, a Constituição atribui à

União a competência exclusiva de legislar sobre as 'diretrizes e bases da

educação nacional'.

Na verdade, a LDB implica o sistema nacional da educação

(cxpressh instituci~nul do esjòrço organizado. autónomo e permanente do

~ ~ t ~ d o e da sociedade brasileira pela educação, compreendendo os sistemas de

ensino, dentre outros), pois estão definidos em âmbito nacional os fins e 0s

meios da educação, bem como de que forma serão atingidos os objetivos

preconizados.

É importante observar que, ao deixar de abordar explicitamente um

sistema nacional de educação, passando a criar um sistema nacional de ensino,

os legisladores da CF188 restringiram a abran@ncia do conceito Educacão

(g rifo nosso), sendo possíve1,perceber a desarticulação das políticas públicas

envolvendo as várias áreas que compõem 0s direitos sociais expressos na .

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própria constituição, em seu artigo 6", cujo atendimento tem a ver com o grau de

humanidade e de cidadania que se pretende alcançar.

Ainda no artigo 2 11 da Constituição Federal, em seus parágrafos

pode-se destacar que a União deve responsabilizar-se pela organização do

sistema federal de ensino e o dos Territórios - transformados em Estados após a

CF/88 - exercendo função redistributiva e supletiva que se referem as relações

entre a União e as demais instâncias administrativas do Estado.

Porém essa questão ficou destinada a legislação complementar,

quer seja no aspecto dos recursos financeiros, quer seja no que diz respeito à

assistência técnica. Além disso, menciona a Constituição que na organização dos

seus sistemas de ensino, para assegurar a universalização do ensino obrigatório,

as "formas de colaboração" serão definidas pelos Estados e Municípios, mas não

esclarece o que vem a ser esse regime de colaboração. Daí estar no título IV,

artigos 8" a 20 da LDB a organização da educação nacional e o estabelecimento

de dos sistemas de ensino.

Enquanto o artigo 8" da LDB reforça a incumbência da União de

coordenar a política educacional (sendo O Ministério da Educacão óórgão

cenirulizador, com competência normativa sobre OS demais sistemas de ensino),

o artigo 90 da LDB define O ,que vêm a ser as responsabilidades da União, ou

governo federal. Nesse artigo, em seu inciso I deve ser mencionada a ,

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incumbência da União em 'elaborar o Plano Nacional de Educação (PNE), em

colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios', que, segundo

o artigo 214 da CF deve ser estabelecido em lei.

Independentemente da opção metodológica a ser adotada na

elaboração do PNE pelos poderes públicos, deve-se ressaltar que "quanto mais

democrática, maior a possibilidade de se garantir a consecução dos objetivos,

na medida em que os que participaram da elaboração do plano, teoricamente,

estarão mais envolvidos na defesa tanto do seu conteúdo como de sua

implementação ", comenta Maria Aparecida Segatto Muranaka, as páginas 54-55

da obra organizada por Romualdo Portela de Oliveira.

No artigo 10 da LDB estão as responsabilidades definidas e

atribuídas aos Estados, muitas delas semelhantes as da União, sendo necessário

destacar-se que o Estado tem a incumbência de assegurar o ensino fundamental

e de oferecer, com prioridade, O ensino médio. E bastante coerente essa redação,

uma vez que o ensino fundamental com seus oito anos de duração, é o único 1

nível obrigatório em nosso pais, que deve ser contemplado e garantido para,

depois, ser oferecido o ensino médio, este ainda não obrigatório em âmbito

nacional, mas sim em alguns Estados-

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No artigo 11 da LDB estão as responsabilidades do Município, que

terão seu sistema municipal de ensino composto pelas instituições educacionais

de qualquer nível por ele mantidas e pelas instituições de educação infantil,

criadas e mantidas pela iniciativa privada.

Por outro lado, os municípios passam a ser os principais

responsáveis pelo ensino fundamental, ainda que possam dividir essa

responsabilidade com os Estados, O que viabiliza o acesso aos recursos

financeiros especificamente destinados ao ensino fundamental obrigatorio.

NO entanto, a educação infantil deverá 'ser Merecida' pelo

(em creches e pré-escolas), mas não ficou explícito, infelizmente, que

o município deva 'garantir' esse nível de educação para todos os que dela

necessitam e que a ela têm direito, como está no inciso XXV do artigo 7" da CF.

Ressaltem-se alguns pontos importantes desta lei: sistema

municipal de educação; ação redistributiva dos municípios para com suas

escolas, evitando-se distorções na distribuição de recursos; e escolas de nível

. , . médio ou superior mantidas pelo munlclplo SOmente serão permitidas quando

estiverem plenamente satisfeitas as necessidades da educação infantil e do

ensino fundamental.

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Nessa hipótese de escolas de nível médio ou superior, os

municípios deverão prever a utilização de recursos além daqueles que a CF em

seu artigo 212 determina e vincula para a União, Estados e municípios (18% e

25%, anual e respectivamente, no mínimo, da receita resultante de impostos).

0 artigo 206 da Constituição Federal apresenta os princípios

segundo os quais o ensino - genericamente denominado -, será ministrado, o

que permite entender que é cabível a todos OS níveis e para todo o território

nacional:

Artigo 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes

princ@ios: I - igualdade de condições para o acesso e

permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar,

pesquisar e divulgar o pensumento, a arte e o saber; 111 -

pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência

de instituições públicas e privadas de ensino; 1V - gratuidade do

ensino público em estabelecimentos oficiais; V - valorização dos

do ensino. garantidos, na forma da lei, planos de

carreira para o magistério público, com piso sa/arial profissional e

ingresso exclusivamente por c ~ ~ ~ c ~ r s o público de provas e títulos;

VI - democrútica do ensino público, na forma da lei; VI/ -

de padrão de qualidade.

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Ao se analisar o artigo 206, podemos destacar que aí se encontram

contemplados vários princípios de caráter democrático, citando-se por exemplo,

os incisos I, I1 e VII. A esse respeito, podemos mencionar Maria Aparecida

Segatto Muranaka e César Augusto Minto no texto Organização da Educação

Escolar da obra 'Gestão, Financiamento e Direito a Educação':

A igualdade de condições de acesso à escola é essencial para que

as diferenças socioeconômicas não privilegiem uns em detrimento dos outros.

Alim disso, assegurar vaga é necessário, mas insuficiente: é preciso garantir a

permanência do aluno na escola. O pluralismo de idéias e concepções deve ser

inerente à própria educa~ão, pois sem ele não se pode ensejar a libertação do

ser hzrmano. Ademais, é necessário universalizar as oportunidades educacionais

e, para tanto, a gratuidade dos estabelecimentos públicos é condição 'sine qua

247 non .

Especialmente o incis0 1 do artigo 206, revela a preocupação do

constituinte com a efetivação da igualdade de todos perante a lei, até porque

grande parte da população ainda hoje sofre as mazelas da evasão escolar, muitas

vezes provocada no interior da própria escola.

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Na análise do inciso IV, evidencia-se que a gratuidade diz respeito

às instituições mantidas pelos poderes públicos, até porque o ensino também é

livre à iniciativa privada; já O teor do inciso V traz inovação ao se referir à

valorização dos profissionais do ensino, ainda que não haja previsão de regime

jurídico único para todas as instituições mantidas pela União.

A LDB também contempla o tratamento aos profissionais da

educação em seu título VI, o que favorece a formulação de políticas públicas

para a recuperação da dignidade e da auto-estima também dos educadores,

muitas vezes desmotivados e necessitando de aperfeiçoamento profissional e

melhorias salariais.

Em se considerando o atual momento econômico e político e a

rapidez das transformaçaes que ocorrem na sociedade brasileira e no mundo, os

avanços contidos na LDB, trazem contribuições importantes para a garantia da

dignidade humana as pessoas que encontram na educação e no ensino,

ferramentas imprescindíveis para que o ser humano, ser social, possa

compreender e transformar Sua realidade.

Mesmo não aparecendo de forma expressa "dignidade da pessoa

hlrmana", no da educação, é absolutamente claro que tal principio se

depreende da leitura atenta de seus afiig@s e incisos, vindo a ser considerado e

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perseguido, uma vez que se está falando da formação de cidadãos, plenamente

desenvolvidos e qualificados para o trabalho.

5.3.1 A Educação Especial

O papel da educação especial assume a cada ano maior

importância para se atender as crescentes exigências de uma sociedade em

processo de renovação e busca incessante das democracia, que somente será

quando todas as pessoas, indiscriminadamente, tiverem acesso à

informação, ao conhecimento, aos meios nece~sários para a formação de sua

plena cidadania.

Nesse sentido, o alunado da educação especial

é aquele que - por apresentar necessidades próprias e

diferentes dos demais alunos no domínio das aprendizagens

curriculares correspondentes 2 sua idade - requer recursos

e melodologias educacionais especifcas.

Genericamente chamados de portadores de necessidades

educativa~ , especiais, class$cam-se em: portadores de

defici6ncia (mental, visual, auditiva, fisica, mUllip(aj, .

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portadores de condutas tbicas (problemas de conduta) e

porludores de altas habilidades (superdotados),

conforme a revisão conceitual presente no documento do

MEC - Política Nacional de Educação Especial.

Durante séculos os deficientes foram tidos como seres

distintos, a margem da organização social, chegando a ser sacrificados porque

nada de útil representavam para a sociedade. Porém, a medida que o direito do

homem à igualdade e a cidadania passaram a ser perseguidos, para que a

dignidade humana inerente a pessoa fosse a todos assegurada, a história da

educação especial começou a mudar.

Da rejeição inicial, passando pela compaixão, proteção e

filantropia (que até hoje ainda perduram e prevalecem), um longo caminho foi

percorrido, porém nas últimas duas décadas consideráveis avanços puderam ser

A postura que se pretende é calcada no respeito e no

reconhecimento da dignidade inerente a toda pessoa, sem discriminação.

Por obedecer aos mesnios princípios da educasSío geral -

igualdade, liberdade e respeito à dignidade -, a educação especial nofieia sua

as.o pedng(>giça p c ~ o m r i n c i ~ i o s específicos que sgo: ~>ri ,>~*i/>io <ir,

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normalização - prevalece sempre o direito de ser diferente e de ter suas

necessidades especiais reconhecidas e atendidas pela sociedade, r e~pe i t ando-~~

as características pessoais, aceitando-se a maneira desses indivíduos viverem;

principio da integração - se refere aos valores democráticos da igualdade,

participação ativa e respeito a todos e deveres socialmente estabelecidos,

implicando em reciprocidade; princkio da individualização - adequação do

atendimento educacional a cada portador de necessidades especiais, respeitando

seu ritmo e características pessoais; princípio sociológico da interdependéncia -

a sociedade civil deverá articular-se com Órgãos governamentais em ações

conjuntas e interdependentes; principio epistemológico da construção do real -

conciliação entre o que é preciso fazer para se atender às aspirações e interesses

dos portadores de necessidades especiais e aplicação dos meios disponíveis;

principio da @tividade dos modelos de atendimento educacional - embasa a

qualidade das ações educativas, envolvendo infra-estrutura; hierarquia de poder;

consenso político em tomo das funções sociais e educativas; principio do ajuste

económico com a dimensão humana - refere-se ao valor que se deve atribuir à

dignidade dos portadores de necessidades especiais como seres integrais;

principio da legitimidade - participação das Pessoas portadoras de necessidades

especiais ou de seus representantes legais, na form~lação de políticas públicas,

pianos, e programas.24'

248 M E ~ / S ~ ~ ~ p ~ - ~ c ç r e t a r i a de Educação Especial. Polírica Nacionalde Fdiicaçüo Especial. livro 1, 1994, p. 37-41,

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Falar em dignidade da pessoa humana no âmbito da

educação, diz respeito: a luta contra todo e qualquer tipo de apartação social e

suas causas; ao acesso de todos a informação a respeito dos direitos humanos e

sociais bem como seu usufruto; a garantia do acesso e permanência na escola; e

ainda, a garantia de melhores condições de ensino e aprendizagem, inclusive

com a mínima fragmentação do conhecimento e com a participação na

deliberação dos assuntos que são próprios do cotidiano escolar.

A Educação para a tolerância e para o respeito do outro é

condição necessária a vida democrática e deve ser considerada como tarefa geral

e permanente.

"A escola pode, quando muito, criar condições para a

prútica quotidiana da tolerância, ajudando os alunos a levar

em consideração OS pontos de vista dos outros e

eslimulund~, por exemplo, a discussGo de dilemas morais ou

9 9 249 de -casos que impliquem opções éticas .

Educação ajudar os alunos a constn.lir seu próprio sistema de pensamento e de

valores, sem ceder as influên~ias dominantes. Também não pode a

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contentar-se em reunir as pessoas, para que venham a aderir a valores comuns,

mas há necessidade de se ter claro o porquê de se estar juntos.

A escola, instituição por excelência, da prática da educação

formal, precisa ser, ela mesma, um modelo de prática democrática, onde as

pessoas conheçam seus direitos e deveres, compreendam seus problemas

concretos, participando da busca de soluções no exercício da gestão

den~ocrática.

A educação para a cidadania e para a democracia não se

limita ao espaço e tempo da educação formal, pois precisa considerar as famílias

e as conlunidades de maneira extensiva, abrangente e viva.

Ademais, a educação não pode ser neutra, do ponto de vista

ideoiógico. Precisa questionar continuamente a consciência de seus participantes

e ser o guia permanente da conciliação entre 0 exercício dos direitos individuais

dos cidadãos e a prática dos deveres e da responsabilidade em relação aos

outros e às comunidades as quais se pertence.

Pretende-se buscar uma relação de sinergia entre a educação

e a prática de uma democracia panicipativa, pois além do indivíduo preparar-se

para o de seus direitos, apóia-se numa educação permanente que

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permite construir uma sociedade civil ativa e que conta com cidadãos a serviço

de um destino solidário.

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6. POL~TICAS PÚBLICAS E O PRINCIPIO DA DIGNIDADE DA

PESSOA HUMANA

A constituiyão de 1988, resultado de muitas lutas sociais, trata 8

Educação como um bem público garantido a todo cidadão brasileiro, direito este

traduzido e reafirmado no ECA e na LDB. NO entanto, apesar dos movimentos

prira a universalização desse direito, o acesso e a permanêilcia ainda são grandes

problemas sociais. Isso ocorre devido às condições que contribuem para a

dcsig~iuldridc soci;il cluc se reflete na distribuição desigual do conhecin~cnto.

Desse modo o empenho pela democratizaçao do ensino faz parte da luta

para transformar essa situação, o que exigirá identificação dos mecanismos

existentes no sistema educacional que contribuem para a exclusão, bem como o

de políticas públicas para modifica-las.

AO propor uma educação pública de qualidade para todos, a secretaria de

educação que é comprometida com a democratização e com a dignidade

humana, buscará se amparar em princípios políticos (descentralizaGão,

participaçâo, autonomia, inclusão, humanização, cidadania ativa) que

constituam suporte teórico e conceitual para essa opção.

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A Educação inclusiva significa a aceitação e o respeito as diferenças

individuais, bem como o esforço coletivo para que as oportunidades de

desenvolvimento possam ser realizadas, tornando menos desiguais as relações

sociais quando levar em conta e respeitar a diversidade de indivíduos e dos

grupos humanos. Daí a necessidade de se privilegiar o desenvolvimento do

conhecimento de qualidades humanas que vão além do mero conhecimento

abstrato. Talentos individuais, riqueza de expressões culturais, respeito pelo

pluralismo.

Qualquer política de educação comprometida com o respeito ao princípio

constitucional da dignidade da pessoa humana, deve considerar o desafio

essencial de fazer com que se delineie uma educação intercultural, que seja

realmente um fator de coesão e de paz.

Não se pode aceitar sem questionamento, que os próprios sistemas

educativos conduzam a situações de exclusão. Com o abandono e o insucesso

escolares, que afetam grande número de alunos, milhares de seres humanos não

conseguem sequer ser recrutados para o mundo do trabalho, estando privados

da de inserção social e, por decorrência, não são vistos como

pessoas humanas dignas.

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São processos geradores de violência, de desvios individuais, destruindo o

tecido social, fazendo com que a escola seja acusada de ser fator de exclusão

social e, simultaneamente, solicitada como insti~uição-chave para a integração.

Há que se assumir a diversidade e o múltiplo pertencer como riqueza. É a

'edllcaçüo para o pluralismo ', princípio ativo do enriquecimento cultural e do

respeito a dignidade humana.

No mundo contemporâneo o alimento imprescindível é o que decorre da

repartição do saber, da distribuição do conhecimento, e ainda das necessidades

radicais de justiça, de liberdade, de direito de opinião, de proclamação da

superioridade política dos valores sociais que se agasalham na alma dos

cidadãos comprometidos com a construção de uma sociedade mais justa.

Esse ideal jurídico que evoluiu no mundo e que se reflete no texto

constitucional, sob o principio da dignidade da pessoa humana, não pode sofrer

arranhões, não pode deixar sua amplitude ser diminuída, ainda que sua

construção se faça dia-a-dia, em pequenas sihações, que resultarão num hturo

melhor para riossos filhos e netos.

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6.1 Educação e Dignidade da pessoa humana - Uma relação

reciprocamente responsável

Pode-se encaminhar a síntese da abordagem acerca do papel da

Educação no respeito ao Princípio da Dignidade Humana, tendo presentes os

Princípios Fundamentais de caráter universal, intrínsecos aos objetivos a serem

perseguidos pelos envolvidos - família, educadores, sociedade - no processo

educativo:

a) Educação é um Direito Fundamental da pessoa humana e

possui um valor humano universal;

b) Educação formal e não-formal, deve ser Útil a sociedade,

instrumento para a criação, progresso e difusão do conhecimento;

C) Uma Política de Educação deve se orientar pela preocupação

da equidade, da pertinência e da excelência;

d) Uma renovação ou reforma educacional precisa se basear em

informações p f u n d a s e sua análise refletida e na perfeita compreensão das

exigências próprias de cada situação particular;

-. e ) Iodas as siluaqões ccon6inicas, sociais e culturais precisUin

levar em conta os valores e preocupações fundamentais, sobre os quais já se tem

conseilso da coinunidadc internacional: direitos humanos, tolcrânciU c

conlpiecnção miltiia, busca da paz. lulu contra a pobreza, saúde;

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f) A responsabilidade pela Educação é de toda a sociedade,

além das instituições que têm essa especificidade.

"Dignidade é um conceito que foi sendo elaborado no decorrer da

história e chega ao início do século XXI repleta de si mesma como

um valor supremo, construido pela razão jurídica. Com efeito, é

reconhecido o papel do Direito como estimulador do

desenvolvimento social e fiei0 da bestialidade possível da ação

O novo tempo que se abre com o início do terceiro milênio está

imbuído de esperança de novas exigências sociais, onde o 'viver juntos' surge

como meio de cicatrizar as feridas abertas no império do ódio e da intolerância,

tão presentes no século XX. Com a queda do muro de Berlim, o curso da

história após 1989 provocou uma lógica econômica implacável, baseada na lei

do forte e nas exigências de um neoliberalismo sem alma, o que exige que

nossa consciência desperte ante as desigualdades do mundo.

Pode-se perceber : uma $diga' social devida as situações de

extrema pobreza; uma miséria ampliada para além do aspecto material,

estendendo-se aos planos espiritual, afetivo e de cidadania; o declínio do capital

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social numa sociedade individualista e destruidora de confiança nas relações

interpessoais; a progressiva substituição das lutas de classes por conflitos

étnicos ou religioso-culturais; o abandono do espaço cívico.

Em 2000, a Organização das Nações Unidas - ONU - estabeleceu

oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs), que os cento e noventa

e um países-membros (dentre eles, o Brasil) devem atingir até 2015. São eles:

I ")rradicar a extrema pobreza e a fome; 2")tingir o ensino

busico universal; 3")romover a igualdade entre os sexos e a

autonomia das mulheres; 4")eduzir a mortalidade infantil; 5 O )

melhorur u suúde muternu; 6O) comhuter O HIVIAIDS, u malária e

outras doenças; 70) garantir sustentabilidade ambiental; 8")

uma parceria mundial para o desenvolvimento.

Os oito objetivos estão divididos em dezoito metas e quarenta e oito

indicadores que deverão balizar os planos, programas e projetos de cada um dos

países. Através da busca incessante do atingimento do segundo grande objetivo

- utingir o ensino busico universal -, todos OS demais objetivos podem ser

alcançados, pois estão relacionados todos eles, a um amplo conceito de

educação.

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A leitura atenciosa dos oito grandes objetivos a serem perseguidos,

nos deixa antever o destaque a responsabilidade da educação e do ensino para

sua consecução, uma vez que nos programas e projetos educacionais legalmente

organizados se constata, inclusive, a presença da preservação do meio ambiente,

para a superação das desigualdades e para uma vida mais saudável.

"Os homens e mulheres, adultos e crianças, nascem e vivem nas

cidades. Sua qualidade de vida e as condições de desenvolvimento de sua

cidadania dependem, em grande medida, da forma como se estabeleça e se

articule seu potencial econômico, social, urbano, ambienta1 e cultural. Ainda

que as políticas e ações locais nüo dependam exclusivamente do municipio, é

inegável que no âmbito da cidade esse potencial pode ser explorado e colocado

a sewiço da maioria da populaçüo. Nesse processo, a educação tem lugar de

,125 1 destaque.

E ainda: Orientados pela perspectiva de trabalho articulado,

"buscaremos construir o Plano Municipal de Educação, a partir de discussões

orgânicas as redes municipal, estad~al e privada; as universidades;

os sindicatos (de todos os campos profissionais) e demais entidades organizadas

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da sociedade civil para, fundamentalmente, consagrar a educação como

DIREITO". 252

Este é o grande desafio do século XXI - a reconstrução das

comunidades humanas -, para o qual a Educação tem grande contribuição a

prestar.

Educar sempre foi e continua a ser uma tarefa eminentemente

social. A formação da personalidade madura resulta no fortalecimento da

autonomia pessoal e na construção de uma alteridade solidária. É a humanização

no crescimento interior do indivíduo.

É pela formação para a justiça que se pode reconstruir o núcleo de

uma educação moral das consciências; é pela apropriação do sentido da justiça

abstrato (equidade, igualdade de oportunidades, liberdade responsável, respeito

pelos outros, defesa dos mais fracos, respeito a dignidade da pessoa humana)

que se criam as atitudes psicológicas para a ação concreta da justiça social e para

a defesa dos valores da democracia.

A escola, "locus" privilegiado de socialização assume

relevância insubstituíveI na promoção da coesão social, da mobilidade humana e

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da aprendizagem da vida em comunidade. "A vida digna á aquela em que o

milagre se renova a cada dia na disposição de estar sempre pronto a viver".253

É pela construção de comunidades educativas plurais, com regras

claras de participação democrática que se educa para a verdadeira cidadania.

Novo século -

"sinônimo de horizonte de uma nova esperança Uma esperança

que, por ser eminentemente humunu e humanizadora, elege a

prioridade educativa como sua aliada incontornável na edficação

de umu nova ordem social onde todos contam e cada um possa ser

capacitado para participar ativamente num processo de

de.r.envolvimento que, pura o ser, recupera a centralidade da

pessoa no sua mais plena e inviolável dignidade':'j4

Uma escola capaz de respeitar a diversidade cultural e étnica,

referência para a comunidade onde está inserida, espaço de criação e de difusão

cultural, onde se busca a humanização das relações sociais e a inserção no

mundo, a partir de valores como a coopera~ão, O respeito, a solidariedade, a

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dignidade, este é o ideal a ser perseguido por aqueles que entendem a relação

reciprocamente responsável entre esses valores humanos e a educação.

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Pode-se concluir não haver dúvida de .que os princípios, ao lado das

regras, compõem o que se chama de sistema jurídico, seja de forma implícita,

como nos princípios gerais de direito, seja de forma explícita, como no caso dos

princípios previstos expressamente pelo ordenamento.

Os princípios devem ser considerados como mandados de otimização, 0

que significa dizer que o seu conteúdo deve ser aplicado da melhor forma

possível, encontrando seu limite na tensão com princípios opostos e diante das

condições fáticas do caso concreto.

Dessa forma, os princípios se diferenciam das regras, em especial com

relação ao conteúdo de modo que, enquanto estas prescrevem, proíbem ou

permitem determinada conduta especificamente tipificada, aqueles devem ser

aplicados da melhor e mais ampla maneira possível.

Quanto à eventual hipótese de conflitos entre regras, em havendo colisão,

resolve-se sol> o prisma da validade - OU uma regra é válida e a outra é inválida,

ou tem-se o caso de exceção a uma das regras. Já na ocorrência de tensão entre

opostos, não se leva em conta a validade e, sim, o principio que mais

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adequadamente possa ser aplicado ao caso concreto, continuando a ser válido o

principio que foi depreciado, ainda que não prevaleça em determinada situação.

Princípios colocados numa mesma hierarquia constitucional, precisam ser

submetidos ao 'principio da proporcionalidade', para que se estabeleça a

correspondência entre o fim desejado e o meio empregado, garantindo-se que as

vantagens alcançadas superem as desvantagens da não-aplicação de determinado

princípio.

Os princípios constitucionais são responsáveis por condensar os valores

fùndamentais de uma sociedade, conferindo unidade ao sistema, no sentido de

direcionar toda a atividade do legislador e do intérprete do direito, e é neste

contexto de relevância, que aparece o princípio da dignidade da pessoa humana.

Numa retrospectiva histórica no mundo ocidental, a importância da pessoa

humana é desenvolvida, de início, pelo cristianismo, onde o homem, sem se

levar em conta a raça, credo, condição social, é entendido como filho de Deus,

semelhante ao 'irmão' Jesus Cristo e igualmente destinatário da salvação.

A idéia prevalente é a de que a dignidade da pessoa humana não tem

preFo, ou seja, não se lhe permite qualquer substituição. e com isso adquire um

valor absoluto, que é fundamentado pela autonomia da pessoa. Esse valor

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absoluto faz com que a pessoa nunca seja utilizada como meio, mas somente

como fim; daí a sua dignidade, no entender de Kant.

Ensina Miguel Reale que o homem é designado como o valor-fonte de

todos os outros valores sociais; e quando o homem toma consciência dessa

dignidade, é que surge o conceito de pessoa. Desse modo, tal princípio coloca a

pessoa humana como centro de todo o ordenamento jurídico; enquanto princípio

fundamental a dignidade da pessoa humana traz em si como conseqüências

fundamentais: a manutenção da igualdade entre os homens, o impedimento da

degradação do ser humano, o respeito aos direitos fundamentais e garantia dos

meios de sobrevivência!

Abordar a questão da dignidade humana implica analisar o conceito de

cidadania, que sofreu transformações ao longo dos tempos e, hoje, está presente

na Carta Constitucional, sendo viabilizada a sua construção em cada um dos

brasileiros (não só pelo conhecimento dos fundamentos da cidadania), como

também permitindo, através da educação, sua progressiva, consciente e

abrangente expanszo.

Na área educacional, a análise dos textos constitucionais deixa claro que a

Constituição Federal de 1988 promove a repaflição de competências materiais

entre 0s entes federados, responsabilizando 0s governos locais e regionais

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(nlunicípios e estados) pela educação básica (educação infantil, ensino

fundamental e ensino médio), sendo a universalização do ensino fundamental a

prioridade nacional.

O direito a educação tem uma relação de reciprocidade para com 0

princípio da dignidade da pessoa humana. Mutuamente se "alimentamw,

especialmente numa sociedade múltipla, onde a educação é tida como o mais

básico, abrangente e fundamental dos direitos sociais, pela sustentação que ela

pode oferecer aos demais direitos sociais, tais como saúde, trabalho, lazer,

segurança, previdência social, proteção a maternidade e à infância e assistência

aos desamparados, segundo o artigo sexto da Carta Magna.

Ressalte-se que o fundamento da "digniu'ude du pessoa humunUv

representa o principio máximo para que todos os direitos e garantias assegurados

hs ~ C S S O U S na Constit~iiqâo Fcdcral, possam vir a ser interpretados. Desse modo,

o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei de Diretrizes e Bases da

Educa@ Nacional, enquanto legisla~ã0 infraconstituciona~, trouxeram

cntcndilnciito mais dctuihado para o respeito a CSsc priilcipio.

AS políticas públicas, os programas e projetos apresentados pelos

competentes na questão educacional, tendo por base os compromissos

internacionalmente assumidos para a universalização do ensino básico e a Lei

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de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, demonstram haver um movimento

para a construção de uma escola inclusiva, participativa, aberta e democrática.

Uma escola onde a educação tenha presente, no ensino formal que lhe

compete e nas relações humanas que ali se desenvolvem, o valor da dignidade

da pessoa humana, através dos claros objetivos a direcionar seu trabalho, através

da organização que respeita orientações e normas comuns e com o mesmo

padrão de qualidade, para que sejam experimentadas práticas de educação

continuada e inclusiva, em favor da superação de problemas relacionados com a

forn~ação permanente de pessoas, que possam se apropriar do saber, do

conhecimento, para a transformação de sua vida e da sociedade.

Por derradeiro, o controle do exercício das políticas publicas exercido pela

família, pela sociedade, se necessário for, encontra no Judiciário e no Ministério

Público os instrumentos viabilizadores da concretização dos direitos

constitucionalmente assegurados.

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