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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” AVM FACULDADE INTEGRADA EVASÃO DE DIVISAS E LAVAGEM DE DINHEIRO Por: SILVIO GERMANO BRITO DA SILVA Orientador Prof. Francis Rajzman Rio de Janeiro 2012

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

EVASÃO DE DIVISAS E LAVAGEM DE DINHEIRO

Por: SILVIO GERMANO BRITO DA SILVA

Orientador

Prof. Francis Rajzman

Rio de Janeiro

2012

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

TÍTULO DO TRABALHO

Apresentação de monografia à AVM Faculdade

Integrada como requisito parcial para obtenção do

grau de especialista em Direito Processual Penal.

Por: SILVIO GERMANO BRITO DA SILVA.

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AGRADECIMENTOS

Ás três mulheres da minha vida: minha

mãe Laura, filha Laura Carolina e

esposa Andréia, por serem as

inspirações do meu viver, que fazem

sempre eu pensar em seguir adiante.

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DEDICATÓRIA

Dedico esta obra à minha querida filha,

Laura Carolina, pois sua compreensão

em renunciar aos momentos de lazer para

esperar a conclusão do meu trabalho só

me impulsiona a buscar o melhor.

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RESUMO

A presente monografia tem como escopo a melhor compreensão do

Crime de Evasão de Divisas e o Crime de Lavagem de Dinheiro ou de Capitais,

demonstrando de forma sucinta e objetiva, muito embora com percuciência, a

conceituação dos respectivos crimes, as condutas típicas de cada modalidade

criminosa, bem como os elementos de distinção dos graves tipos penais.

Será abordado também acerca da existência dos órgãos formais de

controle existentes no nosso ordenamento que visam identificar as condutas

típicas dos criminosos e municiar o Ministério Público Federal com provas

necessárias à persecução penal.

Ainda poderemos vislumbrar as modalidades mais comuns dos crimes

em comento e que a tecnologia atual é usada pelo criminoso especialista nos

aludidos tipos penais, com o objetivo principal de beneficiar-se ocultando,

dissimulando e “lavando” quantias obtidas de maneira ilícita, verificando que

alguns criminosos chegam a adquirir obras de arte, joias, veículos, ouro, etc,

para mascarar a ocorrência do crime, cabendo ainda salientar que se valem de

doleiros, depósitos em conta CC5 e outras formas digitais para a consumação

dos crimes.

Por fim, o trabalho exemplifica com casos concretos reportados na

mídia, acerca da ocorrência dos crimes em estudo, traçando um parâmetro do

crime de evasão de divisas como crime antecedente da lavagem de dinheiro,

mencionando-se finalmente sobre a Legislação Interna e Externa que versa

sobre a matéria em questão.

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METODOLOGIA

Através da pesquisa minuciosa à legislação pertinente e a doutrina

acerca da matéria, onde podemos destacar as principais obras, quais sejam:

EVASÃO DE DIVISAS, de autoria dos Sábios José Carlos Tórtima e Fernanda

Lara Tórtima; LAVAGEM DE DINHEIRO, de André Luís Callegari; COMBATE

À LAVAGEM DE DINHEIRO, do excelente Fausto Martin de Sanctis; e

LAVAGEM DE DINHEIRO do autor Rodolfo Tigre Maia, dentre outros, foi

possível trazer a baila o estudo sobre dois crimes que, infelizmente, são

comuns no momento econômico atual do nosso país.

É sabido que, por muitas vezes, até os operadores do direito confundem

o crime de Evasão de Divisas com o de Lavagem do Dinheiro, sendo que os

doutrinadores acima mencionados, com a maestria que lhe são peculiares, nos

ensinam a distinção dos crimes e os elementos ensejadores das respectivas

tipificações penais.

Ressalte-se que outra excelente fonte de pesquisa eivada de exemplos

e flagrantes atuais, foi a leitura de Jornais que abordam os temas em estudo,

sempre em suas primeiras páginas, e não deixaram de ofertar um enfoque

positivo para o entendimento da matéria.

Portanto, o cruzamento dos ensinamentos dos doutrinadores com os

exemplos atuais reportados na mídia escrita possibilitaram o processo de

produção do presente estudo monográfico, que passarei a expor.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 8

CAPÍTULO I - Conceito 9

1.1 - Conduta Típica do Crime de Evasão de Divisas 11

1.2 – Conduta Típica do Crime de Lavagem de dinheiro 13

CAPÍTULO 2 - Distinção entre Evasão de Divisas e Lavagem

de Dinheiro 14

CAPÍTULO 3 – ÓRGÃOS FORMAIS DE CONTROLE 25

CAPÍTULO 4 – DAS MODALIDADES MAIS COMUNS DOS

CRIMES DE EVASÃO DE DIVISAS E LAVAGEM DE DINHEIRO 26

4.1 – DOS CASOS CONCRETOS NA MÍDIA 30 CAPIÍTULO 5 - DA EVASÃO DE DIVISAS COMO CRIME ANTECECENTE DA LAVAGEM DE DINHEIRO 32 CAPÍTULO 6 – DA LEGISLAÇÃO INTERNA E EXTERNA 37 CAPÍTULO 7 - CONCLUSÃO 38

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 40

BIBLIOGRAFIA CITADA 41 ÍNDICE 42

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INTRODUÇÃO

O criminoso, em geral, possui uma astúcia e sabedoria que se fosse

pautada para o bem certamente lhe traria respeito e admiração. Desde os

primórdios, muitos só possuem esta ‘qualidade’ para burlar o sistema legal em

prejuízo alheio. Vejamos que já em 1331, o Rei de Portugal, AFONSO IV,

proibia a saída de moeda do País, através das ORDENAÇÕES E LEIS DO

REINO, e considerava como crime o ato de tirar para fora do reino, sem a

autorização do Rei, prata e ouro amoedado. As penas naquela época eram de

morte e perda total de bens.

Ocorre que já naquele século, aparecia a figura do criminoso que

chegava ao cúmulo de esconder prata ou ouro no interior de pequenas

estátuas de santo, daí o dito popular do “santo do pau oco”. Este fato foi

verídico, tanto que foi relatado no Museu da Inconfidência (Banco Safra – São

Paulo, 1995, página 108) e a imagem usada para o evento danoso foi a de

Nossa Senhora do Rosário que portava moedas de outo em seu interior oco.

Ressalte-se a petulância do criminoso, que para enganar o Rei

arquitetava tamanho plano envolvendo a imagem de uma Santa. De igual

forma, nos dias atuais, os criminosos continuam arquitetando planos para

promover a evasão de divisas, com a finalidade de burlar nosso sistema penal,

porém, já usam até de meios digitais para alcançar o seu famigerado intento.

No mesmo sentido, outro crime em destaque é o de lavagem de

dinheiro, onde os agentes para tentar fazer crer que determinados valores

obtidos através de cometimento de um crime antecedente são lícitos, usam de

todos os artifícios, com o objetivo principal de enriquecimento ilícito, não

obstante uma série de delitos anteriores, o que será abordado com

percuciência no decorrer do presente estudo.

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CAPÍTULO I

TÍTULO DO CAPÍTULO

O CONCEITO

“A verdade renascerá mesmo que sepultada no mais profundo infinito”.

Willian Shakespeare – Hamlet.

Desde a infância escutamos que não existe crime perfeito, e

certamente não existe. Os crimes de evasão de divisas ou de capitais, bem

como o de lavagem de dinheiro buscam a perfeição, no entanto está longe de

alcançá-la, e como aludido na peça do brilhante Shakespeare, em adequação

aos crimes em comento, a verdade surgirá não importa quão profunda esteja

maculada, ou seja, a evasão dos capitais será descoberta cedo ou tarde, tal

como a lavagem do dinheiro. Frise-se que, na prática, são descobertas as

condutas delituosas de ambos os crimes, no entanto, nem sempre o capital

evadido ou lavado retorna aos cofres públicos ou ao seu verdadeiro dono.

Conceituando o crime de evasão de divisas, temos que se trata de um

crime contra a ordem financeira por meio do qual se envia dinheiro (capitais,

divisas) para o exterior de um país sem promover a devida declaração,

tampouco pagar os devidos impostos. Com a evasão de divisas, também

conhecida como evasão cambial, significa dizer que o País perde a reserva

monetária, ou seja, é uma espécie de desfalque monetário nos cofres públicos,

cujo capital evadido geralmente é enviado aos paraísos fiscais. A lei que tipifica

a conduta é a Lei nº 7.492/86.

O que se nota é que o dispositivo legal que tipifica o crime de evasão

de divisas visa coibir e punir o delinquente com a nítida finalidade de preservar

as reservas cambiais do País na tentativa de manter-se a estabilidade do

nosso Sistema Financeiro, sobretudo da própria economia.

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No tocante ao conceito do crime de Lavagem de Dinheiro, apesar de

não haver uma conceituação uníssona, verificamos que é um crime que

objetiva disfarçar a fonte criminosa dos proveitos do crime. Como bem aponta

Carla Veríssimo de Carli: “a importância da lavagem é capital, porque

permite ao delinquente usufruir desses lucros sem por em perigo a sua

fonte (o delito antecedente), além de protegê-lo contra o bloqueio e o

confisco. A lei que regula o dito crime é a Lei 9.613/98.

Mister salientar acerca do tema, os ensinamentos de Márcia Monassi

Mougenot Bonfim e Edilson Mougenot Bonfim (in BONFIM, Marcia Monassi

Mougenot; BONFIM, Edilson Mougenot. Lavagem de Dinheiro. 2. ed. São

Paulo: Malheiros, 2008. p. 29), verbis:

“1) a lavagem é um processo em que somente a

partida é perfeitamente identificável, não o ponto final;

2) a finalidade desse processo não é somente ocultar ou dissimular a origem delitiva dos bens, direitos e valores, mas igualmente conseguir que eles, já lavados, possam ser utilizados na economia legal.”

Portanto, os bens, direitos e valores obtidos com a consumação de

crimes são integrados ao sistema econômico financeiro com a mácula de

terem sido obtidos de forma lícita pelo criminoso. Em resumo, trata-se de uma

forma de maquiar a obtenção ilícita de capitais.

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1.1 – Condutas Típicas do Crime de Evasão de Divisas

Verificamos que o tipo penal da evasão de divisas tem a seguinte

redação:

Art. 22, Lei 7.492/86: Efetuar operação de câmbio não autorizada,

com o fim de promover evasão de divisas do País.

Pena – Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, a qualquer título,

promove, sem autorização legal, a saída de moeda ou divisa para o

exterior, ou nele mantiver depósitos não declarados à repartição

federal competente.

Constata-se que trata-se de norma penal em branco, uma vez que

compete ao Poder Executivo Federal regular e planificar a política cambial,

estabelecendo os limites, condições e a forma da saída de divisas do País. Os

órgãos que detém referida atribuição, nos termos da Lei nº 4.595/64, são o

Conselho Monetário Nacional e o Banco Central.

Com a vigência do artigo 65, da Lei nº 9.069/95, é considerado como

prática do crime de evasão de divisas efetuar operação cambial sem a

intermediação de um estabelecimento bancário, envolvendo valores acima de

R$10.000,00, com o especial fim de enviar esses recursos para o exterior,

Considera-se como outra conduta típica corresponde à remessa de

valores para o exterior, em quantia superior ao equivalente a R$10.000,00,

realizada sem a necessária transferência bancária, ou desacompanhada da

Declaração de Porte de Valores (DPV) quando a remessa é feita em espécie.

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Também incorre nas penas do artigo 22 aquele que mantiver depósito

no exterior, não declarado ao Banco Central, em valores superiores ao

equivalente a US$ 100.000,00 (Circulares BACEN nº 3.225/2004, 3.278/2005 e

3.313/2006).

Frise-se que a declaração do depósito no exterior deve ser

comunicada ao Banco Central e não à Receita Federal, na forma do

regulamento editado na Circular nº 3.071/2001 do Banco Central (autorizada

pela Resolução nº 2.911/2001, do Conselho Monetário Nacional).

Da análise do tipo penal de evasão de divisas, depreende-se que todas

as condutas são consideradas dolosas, já que não há previsão de crime

culposo. Considera-se também que o crime de evasão de divisas é comum,

em todas as suas modalidades, pois não se exige especial qualidade do sujeito

ativo.

Quanto ao sujeito passivo, logicamente é o Estado, que é o elaborador

e o executor da política cambial, levando-se em conta ainda a existência do

monopólio do controle das operações, através do Banco Central.

Cabe ainda ressaltar que o agente criminoso pode praticar todas as

condutas tipificadas na lei penal, porém, só responderá por um crime, aquele

que esgotar o iter criminis, o que será alvo de apreciação no caso concreto.

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1.2 - Condutas Típicas do Crime de Lavagem de Dinheiro

O art. 1º, da Lei 9.613/98, em seu caput estabelece os contornos da

conduta típica do crime de lavagem de dinheiro, em cujo cerne encontam-se os

verbos ocultar e dissimular a origem de bens ou valores, propriamente por

advirem do cometimento de crimes antecedentes.

Conforme destacado por Sérgio Fernando Moro (editora Saraiva, pag.

226), “embora a prática de ocultação ou dissimulação de produto de crime seja

bastante antiga, a tipificação e penalização pela legislação é muito recente,

remetendo às últimas décadas do século XX - a título de exemplo, a legislação

norte-americana é de 1986, a francesa de 1987, a suíça de 1990 e a brasileira

de 1998”. Não houve, ainda, decurso de prazo capaz de proporcionar

experiências e estudos suficientes para sanar dificuldades interpretativas e de

aplicação da legislação.

Juiz em vara especializada no crime em tela, o ponto fulcral do autor

com o trabalho é destacar que muito mais do que simples novo tipo penal, a

sistematização do crime de lavagem de dinheiro é estratégia de prevenção e

repressão à prática criminosa, especialmente ao chamado crime organizado.

Em suas bem escolhidas palavras, "é a consagração do velho adágio de que o

crime não deve compensar”, concepção que produz efeitos também no

processo penal. Sim, pois para o objetivo colimado não bastará provar a

autoria e a materialidade, mas também identificar e localizar o produto do

crime.

A Lei 9.613/1998 foi pensada dentro desse espírito: o sistema de

controle e identificação de operações financeiras não tem por função apenas

fornecer elementos para eventual investigação criminal, mas principalmente

impedir ou dificultar a utilização de entidades privadas pelo crime. O autor

bate-se pela importância do aspecto criminológico do tema, trazendo à colação

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palavras de Amartya Sen que corroboram a influência do ambiente na prática

de delitos dessa natureza: "o modo como as pessoas se comportam depende

frequentemente de como elas veem e percebem o comportamento dos outros".

Um ambiente corrupto, complementa o autor, diminui os custos morais da

corrupção ou do crime.

2 - Distinção entre os crimes de Evasão de Divisas e o de

Lavagem de Dinheiro

Para iniciar o rol de distinções entre os crimes em estudo, cabe ilustrar o voto do Ministro Gilson Dipp, ao julgar um recurso de um acusado onde sua

defesa pretendia a absorção do crime de evasão de divisas por considerar que

seria o meio para o cometimento do crime mais grave, qual seja, o de lavagem de capitais. No aludido caso, o Ministro Gilson Dipp ressaltou que ficou

comprovado o cometimento do crime de evasão de divisas e sua

caracterização como delito anterior e autônomo em relação à lavagem de

dinheiro, devendo ser, de fato, aplicada a regra do concurso de crimes.

Segundo o ministro, as condutas recebem punição autônoma. A lavagem de

dinheiro pressupõe a ocorrência de delito anterior, sendo próprio do delito que

esteja consubstanciado em atos que garantam ou levem ao proveito do

resultado do crime anterior, explicou.

É de suma importância transcrever parte do voto do Sábio Ministro no

que concerne ao presente estudo, configurando o acórdão uma verdadeira

aula com uma maestria que é peculiar ao Ministro, vejamos:

RECURSO ESPECIAL Nº 1.234.097 – PR (2011⁄0006045-5), Quinta Turma do STJ – Relator Ministro Gilson Dipp:

“...Passo, por fim, à análise do argumento relativo à possibilidade de absorção do crime de evasão de divisas

porquanto evidenciado tratar-se de crime meio para o

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cometimento do crime mais grave, qual seja, a lavagem de

capitais.

Em tal caso, não há que falar em consunção, mas em condutas autônomas, caracterizadoras de lavagem de dinheiro, por ter o agente alcançado as vantagens que

perseguia com o cometimento do crime. Isso porque a lavagem de dinheiro pressupõe a ocorrência de delito anterior, sendo próprio do delito que esteja consubstanciado em atos que garantam ou levem ao proveito do resultado do crime anterior, mas recebam

punição autônoma.

Este tema já foi objeto de deliberação por esta Corte,

quando do julgamento da APn n.º 458⁄SP, da qual fui relator para o acórdão lavrado nos seguintes termos:

“PENAL. LAVAGEM DE DINHEIRO. CONDUTAS DE

OCULTAR OU DISSIMULAR. NECESSIDADE. CRIME DERIVADO, ACESSÓRIO OU PARASITÁRIO. EXIGÊNCIA

DE DELITO ANTERIOR. PUNIÇÕES AUTÔNOMAS. EXISTÊNCIA DE CONCURSO DE CRIMES. CONFIGURAÇÃO DE CRIME ANTECEDENTE. DESNECESSIDADE DE PARTICIPAÇÃO. PRECEDENTES. JURISDIÇÃO PENAL E PROCESSO ADMINISTRATIVO

FISCAL. AUSÊNCIA DE VINCULAÇÃO. EMPRÉSTIMO DE REGRESSO. DENÚNCIA RECEBIDA.

I – O mero proveito econômico do produto do crime não

configura lavagem de dinheiro, que requer a prática das condutas de ocultar ou dissimular. Assim, não há que se falar em lavagem de dinheiro se, com o produto do crime, o agente se limita a depositar o dinheiro em conta de sua

própria titularidade, paga contas ou consome os valores em viagens ou restaurantes.

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II – No caso dos autos, entretanto, os valores foram

alcançados ao suposto prestador de serviços de advocacia e, depois, foram simuladamente emprestados a empresas de titularidade de um dos denunciados. Sendo assim, a ocultação da origem reside exatamente na simulação do empréstimo, que não seria verdadeiro,

porque, na verdade, o dinheiro já pertenceria, desde o início, ao denunciado, responsável pela venda da decisão judicial, com a colaboração do outro denunciado.

III – Não há que se falar em pós-fato impunível, mas em

condutas autônomas, caracterizadoras de lavagem de dinheiro, por ter o agente alcançado as vantagens que perseguia com o cometimento do crime. Isso porque,

conforme entendimento doutrinário, a lavagem de dinheiro, assim como a receptação é, por definição um crime

derivado, acessório ou parasitário, pressupõe a ocorrência de um delito anterior.

IV- É próprio da lavagem de dinheiro, como também da receptação (Código Penal, art. 180) e do favorecimento real

(Código Penal, art. 349), que estejam consubstanciados em atos que garantam ou levem ao proveito do resultado do

crime anterior, mas recebam punição autônoma.

V – Conforme a opção do legislador brasileiro, pode o autor do crime antecedente, responder por lavagem de

dinheiro, dada à diversidade dos bens jurídicos atingidos e à autonomia deste delito.

VI – Induvidosa, na presente hipótese, a existência de crime antecedente, uma vez que os ora denunciados foram condenados, por este Superior Tribunal, pela prática do

delito de corrupção passiva, no julgamento da APN 224⁄SP. Caracterizada a ocorrência do crime antecedente (Lei

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9.613⁄98, art. 1º, V), nomeadamente a corrupção passiva

(Código Penal, art. 317, § 1º), bem como o recebimento de vantagem material daí decorrente.

VII – O fato de um dos ora denunciados não haver sido denunciado pelo crime antecedente é irrelevante para a

responsabilização por lavagem de dinheiro. Conforme orientação deste Superior Tribunal de Justiça, a participação no crime antecedente não é indispensável à adequação da conduta de quem oculta ou dissimula a natureza, origem, localização, disposição, movimentação

ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes direta ou indiretamente, de crime, ao tipo do art. 1º, da Lei 9.613⁄98. Precedentes.

VIII – A jurisdição penal não está vinculada a eventual

resultado do processo administrativo fiscal, o que somente se dá no âmbito dos crimes contra a ordem

tributária, mas não na lavagem de dinheiro. Precedente.

IX – Tendo em vista o grau de abertura do tipo penal e as grandes variações na forma de execução, bem como o fato de não estar o conhecimento ainda consolidado, os organismos internacionais têm trabalhado com a identificação de tipologias, de formas comuns de

ocorrência de lavagem de dinheiro.

X – Entre as tipologias comuns de lavagem uma é justamente a do chamado empréstimo de regresso ou

retro-empréstimo, em que o dinheiro alegadamente emprestado já pertence ao tomador, havendo simulação de empréstimo por parte de empresa ou pessoa interposta para o lavador, dando aparência de licitude ao dinheiro

que, desde o início, já lhe pertencia.

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XI – Esse método, comumente referido na literatura sobre

lavagem de dinheiro, apresenta diversas variantes, dentre as quais a entrega de determinado bem em garantia ou em dação de pagamento, como no caso dos autos, em que há indícios no sentido de que o empréstimo foi simulado, tendo servido a aquisição de imóvel apenas para dar a

aparência de liquidação de um negócio jurídico destinado a tornar lícito o valor supostamente recebido a título de empréstimo.

XII – Com o investimento no empreendimento imobiliário e

a conversão dos valores oriundos da vantagem indevida paga ao funcionário público em razão da prática de ato de ofício, fechou-se o ciclo da lavagem de dinheiro.

XIII – Para efeito de recebimento da denúncia, são

suficientes os indícios coligidos nos presentes autos, aliados à inverossimilhança da justificativa dada por um

dos denunciados.

XIV - Denúncia recebida.” (APn 458⁄SP, julgado em 16⁄09⁄2009, DJe 18⁄12⁄2009)

No caso, ficou devidamente comprovado o cometimento do crime de evasão de divisas, bem como sua

caracterização como delito anterior e autônomo à lavagem de capitais, devendo ser, de fato, aplicada a regra do

concurso. Confira-se o acórdão recorrido, neste aspecto (fls. 1780⁄ 1786 e-STJ):

“A materialidade dos delitos de evasão de divisas restou

demonstrada pelos seguintes documentos (…)

Da mesma forma, a autoria delitiva também foi

suficientemente comprovada, na medida em que

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demonstrado que o réu, efetivamente, mediante

movimentações subreptícias e fraudulentas, manteve depósitos em conta corrente no exterior, sem declaração as repartições federais competentes.

Com efeito, o réu se utilizava da conta n.º 9007647, em

nome da off-shore Parned Investments Limited, mantida junto ao Merchants Bank de Nova York para a utilização de operações de câmbio no mercado negro, viabilizando a prática de operações de câmbio, com remessa ou internação de divisas, à margem do sistema oficial.

Do exame dos documentos cadastrais da referida conta (fls. 15 e seguintes do volume 2 do apenso I), verifica-se

que pai e filho estavam autorizados a movimentá-la, tendo constado a assinatura do contrato de abertura. Ainda,

fazem parte de tal documentação o contrato social da off-shore Parned, na qual consta o nome do réu como seu

procurador.

Também constam nos autos ordens de transferência da referida conta originadas do telefone⁄fax da empresa On Line Serviços de Cobrança Ltda., de propriedade do réu, para o Merchants Bank (volume 1 do apenso II).

Além disso, com base em tais documentos, o Laudo n.º 770-05 do Instituto Nacional de Criminalística, confirmou a

identificação do réu como representante da conta e o responsável pela sua movimentação financeira (fls. 143⁄-

150 do apenso I, vol. 1).

Veja-se, a propósito, o exame da autoria feito apropriadamente pela sentença (fls. 1105-1110):

(…)

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Frise-se que nem nas declarações de imposto de renda do

réu e da pessoa jurídica existiram quaisquer indicações de tais movimentações financeiras, nem houve quaisquer registros junto ao Banco Central.

Verifica-se, assim, que o réu manteve depósitos em conta

bancária no exterior, sem a devida autorização da autoridade competente, restando tipificada a conduta descrita no art. 22, parágrafo único, da Lei n.º 7.492⁄86.”

Não há, portanto, como se reconhecer a possibilidade de aplicação do princípio da consunção, à hipótese.

Diante do exposto, nego provimento ao recurso, nos termos da fundamentação acima.

É como voto...”

É de considerar-se que o crime de lavagem de dinheiro exige a prática

de outro crime antecedente, ou seja, o agente criminoso consegue o dinheiro

através de um crime e, se esse crime for um daqueles enumerados na lei, e o

criminoso, por exemplo, remeter os valores para o exterior, caracterizando a

intenção de ocultá-lo, neste momento, terá praticado o crime de lavagem de

capitais.

Desta forma, dois foram os crimes praticados: o primeiro, para

conseguir o dinheiro de forma ilícita, sendo o segundo (de lavagem), para

ocultá-lo. Ambos com bens jurídicos tutelados diversos. Na evasão de divisas o

dinheiro poderia até ser ganho honestamente e ainda assim o crime se

configuraria já com a realização da operação de câmbio (não a sua ocultação),

com a finalidade de remessa para o exterior. Na lavagem, o dolo específico do

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tipo é “ocultação” do dinheiro. Na evasão, o dolo específico do agente é a

própria remessa.

Os crimes distinguem-se ainda nas seguintes condutas: na lavagem, o

agente tem a intenção de “esconder” o dinheiro, exclusivamente porque

ocorreu a obtenção de forma criminosa. Daí podemos concluir que nem

sempre a remessa de dinheiro ao exterior tem o objetivo de “ocultação” ou

“dissimulação” — nos termos da lei de lavagem, podendo ter a finalidade de

investimento com sonegação de impostos. Quanto ao crime de evasão de

capitais, o agente quer “aplicar” o dinheiro no exterior — seja para obter melhor

rendimento, seja para sonegar a sua existência com o fito de não pagar

imposto de renda, por exemplo — mas não para, efetivamente, esconder a

origem que pode ser criminosa ou não.

Destarte, nem sempre a remessa do dinheiro ao exterior configura a

própria prática de crime de lavagem. Ressalte-se que se o dinheiro da remessa

é lícito, sem autorização, é evasão de divisas. Se o dinheiro é ilícito, a

operação de câmbio e a respectiva remessa ao exterior será de lavagem de

dinheiro, desde que obtido pela prática de um dos crimes enumerados na lei.

Na sucinta e objetiva obra EVASÃO DE DIVISAS, de autoria dos Ilustres José Carlos Tórtima e Fernanda Lara Tórtima, os doutrinadores

enriquecem os ensinamentos do tema e exemplificam casos de evasão de divisas Lato Sensu, vejamos:

“Tomem-se como bons exemplos as fraudes praticadas no comércio exterior. Na modalidade de superfaturamento de importação, o

importador fecha um contrato de câmbio para a compra de produtos estrangeiros, adquirindo dólares junto a uma instituição financeira

residente no Brasil, para pagamento ao exportador domiciliado no exterior. Verifica-se, portanto, que nesta hipótese os recursos em moeda estrangeira efetivamente saem do País, pois as posições positivas em dólar do banco aqui domiciliado ficam reduzidas na proporção do valor

remetido a um não-residente (critério contábil e econômico). Há, assim,

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baixa em nossas divisas, como sempre ocorre nas operações de

importação.

Ocorre que o importador brasileiro, fraudulentamente, lançou nas guias de importação um valor superior ao efetivamente pago, no estrangeiro, ao exportador lá domiciliado. Parte do suposto preço da

mercadoria importada é assim desviado para uma conta clandestina no exterior pelo próprio importador, ou por terceiro, com ele acumpliciado. Não hesitamos em reconhecer que esse caso sugere uma adequação típica ao referido dispositivo incriminador.

De fato, não há aqui como negar a saída de divisas do País, promovida pelo agente responsável pela importação, sendo que parte do montante foi remetido, já vimos, ilegalmente, por meio de fraude

consistente em declarar nas guias de importação um valor superior ao efetivamente recebido pelo exportador estrangeiro. Também é induvidoso

que nesse caso houve baixa nas reservas cambiais, pois os dólares saíram das posições, nessa moeda, de instituição financeira sediada no

Brasil.

Entretanto, quando afirmamos que a conduta em foco apenas sugere adequação ao preceito legal, tal ressalva fica por conta de verificar-se primeiramente se, de fato, dependeria o agente de autorização legal – elemento normativo do tipo do parágrafo único do art. 22 – para adquirir as mercadorias no exterior e remeter para os exportadores

estrangeiros os correspondentes recursos. A lei, como já examinado, sanciona o ato de “promover a saída de moeda ou divisas para o exterior,

sem autorização legal”, de sorte que, inexistindo a exigência da referida permissão nas normas extrapenais, desaparece pari passu a incriminação. Insistir-se no contrário, à guisa de ladear-se a dificuldade criada pela precária redação da lei, seria incorrer em lamentável, e, não obstante, muito frequente, violação do princípio da reserva legal. Não

bastasse, e ainda por conta da deficiente construção do tipo penal em exame, depara-se o intérprete com outra dificuldade. É que, diferentemente da redação do art. 16 da mesma lei (instituição financeira não autorizada), não previu o legislador para o parágrafo único do art. 22

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a hipótese de obter-se a autorização legal (para a remessa), mediante

fraude. E o princípio da taxatividade da lei penal, abrigado no dogma da reserva legal (art. 1º do Código Penal), inibe, também nesse caso, qualquer ampliação do alcance da norma penal, em desfavor do acusado.”

De igual forma, o brilhante e outrora Magistrado Federal, Fausto Martin

de Sanctis, em sua obra COMBATE À LAVAGEM DE DINHEIRO, da Editora

Millennium, traça comentários e ensinamentos relevantes ao presente estudo,

verbis:

“Viu-se que, dependendo da compreensão do bem jurídico tutelado

no crime em estudo, pode-se afirmar que não poderia o autor do delito

antecedente ser responsabilizado pela prática da Lavagem de Dinheiro,

uma vez que estaria ofendendo idêntico bem jurídico. Na verdade,

configuraria um verdadeiro crime progressivo, na modalidade de

postfactum impunível. Por exemplo, se entendido que o bem jurídico

tutelado fosse apenas à ordem econômico-financeira, haveria identidade

de proteção legal no caso de o crime antecedente se restringir àqueles

que atentam contra o Sistema Financeiro Nacional.

Entretanto, o bem tutelado no tipo de lavagem, como bem se

observou, não se cinge apenas à Ordem Econômico-Financeira ou

Socioeconômico-Financeira, como, inclusive, á Administração da Justiça,

não se caracterizando no desvalor de um único comportamento

particular, mas em uma conduta que, conjuntamente, coloca em risco ou

lesa interesse transindividual, verdadeira afetação de bem de natureza

coletiva.

Ora, no momento em que uma pessoa que praticou um delito

antecedente introduz ativo ao mercado, fruto da primeira ação, afeta o

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livre fluxo de capitais lícitos, atritando o correto financiamento desse

mercado, e a Administração da Justiça, bens jurídicos não

necessariamente coincidentes com os delitos antecedentes.

Assim, quando o sujeito, após realizar o crime, por si ou por

terceiros, camufla a origem criminosa dos valores então obtidos, passa a

cometer tipo diverso e autônomo previsto na Lei de Lavagem de Dinheiro,

de tal forma que também irá responder por ela.”

Por fim, outra nota diferencial do crime de lavagem de dinheiro se

refere aos seus contornos transnacionais, consubstanciados nos grupos

criminosos organizados que fixam sua sede em um país, comandam crimes

praticados em outro e ocultam o produto de sua atividade. Assim, ocorrendo o

processo e o julgamento desses crimes, será necessário contar com a

colaboração jurídica internacional, motivo pelo qual foi realizada a Convenção

das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional de 2000,

promulgada no Brasil pelo Dec. 5.015/2004, visando facilitar a persecução

penal em desfavor dos criminosos.

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3 – Órgãos Formais de Controle

As ações empregadas pelo Brasil para combater tanto a evasão de

divisas quanto a lavagem de capitais, são principalmente a força tarefa

evolvendo diversos órgãos como a Polícia Federal, Receita Federal, INSS e o

Ministério Público Federal, implicando uma reunião de esforços para contribuir

na investigação criminal.

Ocorre que a força tarefa se reúne e planeja as ações através das

preciosas informações fornecidas pelo COAF (CONSELHO DE CONTROLE

DE ATIVIDADES FINANCEIRAS) e pelo BANCO CENTRAL, que supervisam

as atividades financeiras, identificando movimentações atípicas e de grande

monta enviando relatórios aos órgãos competentes para a devida investigação

e apuração.

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4 – Das Modalidades mais comuns de Evasão de Divisas e

Lavagem de Dinheiro

A modalidade mais simples utilizada para a evasão de divisas é a

hipótese de dinheiro, em espécie, levada pelos próprios viajantes, como no

caso noticiado na imprensa de que os líderes religiosos da Igreja Renascer

evadiram certa quantia na tentativa de ingressar nos Estados Unidos sem a

devida declaração e tributação, o que foi descoberto e gerou a prisão a

consequente ação penal.

Outro método de evasão de capitais que também foi amplamente

noticiado nos meios de comunicação foi o “caso BANESTADO” , que remetia

as divisas através da chamada conta CC5. Tais remessas, inicialmente, eram

direcionadas de todo o Brasil para Foz do Iguaçu, sendo que no momento em

que as autoridades bloquearam o esquema, os criminosos começaram a se

valer de doleiros, os quais remetiam diretamente para o exterior.

A verdade é que onde existir linha telefônica ou rede de computadores

com acesso á internet continua sendo possível a evasão de divisas e até a

lavagem de capitais, pois os criminosos promovem a circulação do dinheiro

num determinado território, sem entrar ou sair dos países para que os doleiros

abrissem empresas em paraísos fiscais e essas empresas abrem contas em

bancos de vários países, sendo que após a abertura das contas ocorre a

movimentação por ordem bancária, seja por telefone, seja por fax, seja pela

internet, onde é possível remeter e receber dinheiro irregular por contrabando e

descaminho sob a forma até de importação e exportação fraudulenta.

No que se refere especificamente a lavagem de dinheiro, sem dúvidas

um dos métodos mais utilizados pelos lavadores de capitais é a Transferência

Eletrônica de Fundos, tal como acontece na evasão de capitais, sendo tal

método considerado como o mais importante mascaramento utilizado pelos

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criminosos, no entendimento do GAFI (Groupe d’Action Financiére sur le

Blanchiment des Capitaux).

Segundo André Luis Callegari, em sua obra LAVAGEM DE DINHEIRO,

2ª EDIÇÃO, ele entende que essa técnica é consequência da crescente

introdução de novas tecnologias no mercado e da resultante integração

financeira global, tornando as fronteiras internacionais um obstáculo cada vez

menor tanto para as atividades lícitas como as ilícitas. No pensamento do

Autor, ele assevera que: “Isso debilita a eficácia das normas reguladoras

dos mercados financeiros em cada zona geográfica, proporcionando

oportunidades para a lavagem do dinheiro. As vantagens dessa técnica

são evidentes: rapidez nas transações, redução dos rastros contábeis,

distância a que se pode remeter rapidamente os fundos e, por fim, o

anonimato em que se desenvolvem essas operações.”

Existe ainda a possibilidade do criminoso, lavador de dinheiro, adquirir

joias, obras de arte, veículos, ouro, etc., e posteriormente revender os bens no

Brasil ou no exterior. Com essa manobra há uma ocultação dos ganhos

ilegalmente obtidos sendo transformados nos bens patrimoniais exemplificados

acima que possuem certa significação financeira.

É certo que o esquema de adquirir os aludidos bens dificulta sua

localização, mesmo porque o preço declarado nunca corresponde ao real,

momento em que ao desfazer-se dos bens obtém em troca um bem cujo

autêntico valor será alvo de outras negociações tidas como legais.

O renomado Rodolfo Tigre Maia, em seu parabenizado livro:

LAVAGEM DE DINHEIRO (Lavagem de ativos provenientes de Crime), 2ª

EDIÇÃO, denomina os paraísos fiscais como “A GRANDE LAVANDERIA”,

tecendo as seguintes considerações:

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“Como já ressaltado, as instituições financeiras multinacionais

localizadas nos chamados ‘paraísos fiscais’ constituem uma importante

ferramenta na ‘lavagem’ de dinheiro. Inicialmente utilizados de forma

intensa apenas no circuito da evasão fiscal, hoje estes países são muitos

usados nas etapasa de conversão, dissimulação e integração do dinheiro

sujo, mercê do alto grau de proteção do sigilo bancário que asseguram e

das modalidades societárias ali admitidas, que possibilitam o anonimato

dos titulares.

Estas atividades envolvem o ‘depósito de fundos ilícitos em

contas numeradas secretas e o retorno destes ativos aos Estados Unidos

como empréstimos do banco estrangeiro ou de uma corporação de

fachada, montada sob as leis de um país estrangeiro. Não só a renda

ilegal, assim como suas fontes, são ocultadas do Internal Revenue

Service e agências de aplicação da lei, como o custo destes empréstimos

fictícios é frequentemente deduzido como despesas negociais na

declaração de imposto de renda do criminoso’ (Swanson et alii,

1996:528).”

Outra conhecida e malfadada modalidade de crime - que de certa

forma, patrocina a evasão de divisas e a lavagem de dinheiro sujo – é o crime

hediondo de tráfico de entorpecentes, sendo certo que o combate ao

narcotraficante configura também o combate à lavagem de dinheiro, pois o

crescimento e a manutenção do tráfico de drogas precisam da circulação dos

lucros ilícitos nos sistemas financeiros, o que urge um trabalho conjunto

também de instituições internas dos países, a fim de coibir e dificultar o

enriquecimento dos criminosos.

Cabe frisar que com advento da “Convenção de Viena”, em 1988,

quando vários países firmaram acordo para o estabelecimento de ações que

visassem coibir a lavagem de dinheiro e os crimes correlatos, o Brasil, por

intermédio de órgãos ligados aos Poderes Executivo, Judiciário e Legislativo,

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ao Ministério Público Federal e ao Banco Central, tem se dedicado ao difícil

combate, com a formação dos grupos de trabalho multidisciplinares e as

forças-tarefas outrora mencionadas, atingindo níveis estadual e federal para

coibir o crime organizado e, de corolário, a movimentação de capital ilícito,

procurando investir no treinamento de servidores e na estrutura necessária

para obtenção de dados referentes a movimentações financeiras suspeitas,

serviço já realizado pelo COAF com competência.

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4.1 – DOS CASOS CONCRETOS REPORTADOS NA MÍDIA

Em matéria publicada no Jornal O Globo de 19 de dezembro de 2011,

cuja reportagem foi de autoria do jornalista José Casado, verificamos um triste

exemplo do assunto ora discutido, vejamos o título da manchete: “BRASIL

VIRA PARAÍSO DE LAVAGEM DE DINHEIRO LAVAGEM” – Uma obscura

rede especializada em legalizar dinheiro, proveniente de atividades ilícitas

cresce no Brasil, que se tornou o principal centro de lavagem financeira

da América do Sul. Essa transformação acompanhou o crescimento da

economia mundial e das rotas de tráfico de drogas do país para EUA,

Europa e Ásia.”

No corpo da reportagem investigativa há notícia de que 43 mil pessoas

estão sendo investigadas, havendo inclusive uma condenação do outrora

Presidente do Suriname, Desiré Bouterse. Outra informação importante

extraída da reportagem é que os bloqueios no Brasil já somam R$ 1,1 bilhão e

os bloqueios no exterior quantificam R$ 792 milhões, o que é um verdadeiro

absurdo.

Outro triste exemplo que causa um temor no meio jurídico, é que existe

investigação no sentido de apurar que até membros do Poder Judiciário são

suspeitos de movimentação financeira atípica, vejamos trecho da reportagem

publicada no Jornal o Globo do dia 19 de janeiro de 2012, de autoria dos

repórteres Roberto Maltchik e Cássio Bruno, verbis:

“COAF: 205 do Judiciário têm operações suspeitas.

Grupo movimentou R$ 594 milhões entre 2000 e 2010; PF vai

investigar operação de servidor do TRT-RJ em 2002.

. BRASÍLIA e RIO. O Conselho de Controle de Atividades

Financeiras (COAF) identificou 205 membros da magistratura ou

servidores cuja movimentação atípica tem indícios de

irregularidade. Eles foram alvo de Relatórios de Inteligência

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Financeira (RIF), instrumento usado para aprofundar a análise de

operações consideradas suspeitas. Esse grupo do Judiciário

movimentou, entre 2000 e 2010, R$ 594,1 milhões.”

Portanto, verificamos que as condutas típicas dos crimes em estudo

têm incidência em todas as classes sociais, sendo no tráfico de drogas e no de

influências a forma mais comum de albergar os montantes ilícitos que serão

alvos da evasão e da lavagem.

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5 – Da Evasão de Divisas como crime antecedente da Lavagem

de Dinheiro

O Art. 1º da Lei 9.613/98 (Lavagem de Dinheiro ou de Capitais) assim foi

redigido pelo Legislador: “Ocultar ou dissimular a natureza, origem,

localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou

valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime: I - de tráfico ilícito de

substâncias entorpecentes ou drogas afins; II – de terrorismo e seu

financiamento; III - de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material

destinado à sua produção; IV - de extorsão mediante sequestro; V - contra a

Administração Pública...; VI - contra o sistema financeiro nacional; VII -

praticado por organização criminosa. VIII – praticado por particular contra a

administração pública estrangeira (arts. ... )”.

Podemos verificar que os crimes constantes do rol são aqueles que o

legislador considerou de alta gravidade e alta reprovabilidade. Acaso ocorra

previamente um desses crimes constitui elemento normativo do tipo de

lavagem de capitais (Art. 1º, caput e parágrafos 1º e 2º da Lei 9.613/98).

Percebe-se, além de tal exigência, na redação legal do caput do referido artigo,

primeiramente o termo “provenientes”, demonstrando que não bastará o

prévio cometimento de um dos crimes antecedentes, mas este deverá gerar os

bens, direitos ou valores que deverão ser o objeto do crime de lavagem de

capitais. Não obstante a clareza do texto legal acerca da exigência de que os

bens, direitos ou valores ‘lavados’ sejam oriundos da prática de um dos crimes

antecedentes, nos deparamos com verdadeiros malabarismos da Polícia

Federal, na modalidade de força tarefa, conforme já abordamos, com prisões

de indivíduos com a finalidade de investigar crime lavagem de capitais, com o

suposto crime antecedente de evasão de divisas, o que em muitos casos é

paradoxal, conforme veremos adiante.

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É bem verdade que os crimes da Lei 7.492/86 (contra o Sistema

Financeiro) figuram no rol dos possíveis crimes antecedentes (Art. 1º, VI da Lei

9.613/98), no entanto, há que ser considerada para se verificar a possibilidade

de formação do tipo de lavagem de dinheiro. Esta segunda questão diz

respeito ao fato de que os valores precisam, efetivamente, ter origem no crime

antecedente, não bastando o simples cometimento deste.

Entretanto, na realidade, devemos considerar que qualquer uma das

figuras criminosas tipificadas na Lei nº 7.492/86 que venha a gerar bens,

direitos ou valores servirá de base para o crime de lavagem de dinheiro,

integrando-o como elementar do tipo. No entanto, dentre as exceções

consideradas pelo professor Sérgio Pitombo (arts. 3º, 6º, 14, 15, 18 e 23), não

foi mencionado o Art. 22 e seu parágrafo único (evasão de divisas), ao qual ora

se destina extrema atenção, por ser o tipo mais invocado (como crime

antecedente), pelos órgãos persecutores, para abonar a deflagração das

mega-operações policiais que vêm causando arbitrariedades sob o pretexto de

se investigar o crime de lavagem de dinheiro.

Nesse diapasão, em pesquisa no Instituto Brasileiro de Ciências

Criminais – IBCCrim, verificamos um artigo do Ilustre Criminalista Ricardo

Sidi, Publicado no Boletim nº 163 - ano 14 - junho/2006, o qual com muita

propriedade discorre sobre a matéria, vejamos:

“Dentre os investigados nas mencionadas operações policiais, é

comum se ver empresários que constituem empresas off-shore (fora do

território nacional) para que estas recebam dinheiro oriundo de seus

caixas dois, além de empresários que mantêm no exterior contas

bancárias não declaradas à Receita Federal. Quando, nos dois exemplos,

estes empresários promovem a ‘legalização’ (esquentamento) desses

valores, sustentam os órgãos de persecução que estariam cometendo o

crime de lavagem de dinheiro, o que, em muitos casos, mostra-se um

equívoco. O cerne da questão reside justamente aí. O só fato do dinheiro

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estar investido numa off-shore ou depositado numa conta bancária no

exterior não declarada ao fisco – o que, em tese, pode configurar o crime

do Art. 22 da Lei 7.492/864 – não significa absolutamente que esse

dinheiro seja PROVENIENTE de crime contra o Sistema Financeiro

Nacional5. Muito pelo contrário, os valores objeto do crime de evasão

podem ter sua procedência totalmente lícita. Podem ser, ainda, como

comumente ocorre, valores de caixa dois, que, igualmente, é lícito em sua

origem, apesar de ter o agente enriquecido ilicitamente através da

POSTERIOR conduta de deixar de recolher impostos6. De qualquer sorte,

mesmo que se pudesse dizer que os valores de caixas dois têm sua

origem no crime de sonegação (Lei 8.137/90), este não consta do rol de

possíveis crimes antecedentes.

Cabe voltar olhos à redação do tipo do Art. 22 e parágrafo único da

Lei 7.492/86: “Efetuar operação de câmbio não autorizada, com o fim de

promover evasão de divisas do País”. Parágrafo único: “Incorre na

mesma pena quem, a qualquer título, promove, sem autorização legal, a

saída de moeda ou divisa para o exterior, ou nele mantiver depósitos não

declarados à repartição federal competente.” Apesar de se tratar de

conduta envolvendo valores (operação de câmbio, saída de moeda ou

divisa ou manutenção de depósitos não declarados), a leitura atenta do

texto legal demonstra que os valores OBJETO da conduta criminosa

podem perfeitamente ter origem lícita.

Vê-se, portanto, que a dissimulação ou ocultação da natureza,

origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de

valores que tenham sido objeto de crime de evasão de divisas não

bastará, por si só, para que se forme o tipo de lavagem de capitais. Será

necessário que tais valores tenham sua ORIGEM num dos crimes

antecedentes, que, naturalmente, terá que ser cometido de modo a

proporcionar ao agente um ganho patrimonial. Sobre a exigência de que

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haja acréscimo patrimonial, a Exposição de Motivos da Lei 9.613/98

demonstra a clara intenção do legislador8 em não admitir nos crimes

antecedentes “aqueles delitos que não representam agregação, ao

patrimônio do agente, de novos bens, direitos ou valores, como é o caso

da sonegação fiscal”. Senão vejamos: “Observe-se que a lavagem de

dinheiro tem como característica a introdução na economia de bens,

direitos ou valores oriundos de atividade ilícita e que representaram, no

momento de seu resultado, um aumento do patrimônio do agente. Por

isso o projeto não inclui, nos crimes antecedentes, aqueles delitos que

não representam agregação, ao patrimônio do agente, de novos bens,

direitos ou valores, como é o caso da sonegação fiscal. Nesta o núcleo

do tipo constitui-se na conduta de deixar de satisfazer obrigação fiscal.

Não há, em decorrência de sua prática, aumento do patrimônio com a

agregação de valores novos. Há, isto sim, manutenção do patrimônio

existente em decorrência do não pagamento de obrigação fiscal. Seria

desarrazoado se o projeto viesse a incluir no novo tipo penal – lavagem

de dinheiro – a compra por quem não cumpriu obrigação fiscal, de títulos

no mercado financeiro. É evidente que essa transação se constitui na

utilização de recursos próprios que não têm origem em um ilícito”.

Portanto, somente os crimes capazes de gerarem ganhos

patrimoniais para o agente poderão figurar como crimes antecedentes do

crime de lavagem de apitais. Talvez o exposto até aqui leve o leitor à

reflexão de que o crime de evasão de divisas poderia sim gerar acréscimo

patrimonial ao sujeito passivo na medida em que este deixa de pagar os

tributos inerentes à remessa e/ou manutenção de valores no exterior.

Ocorre que, nessa hipótese, tal enriquecimento ilícito viabilizado pela

sonegação de impostos não teria naturalmente a capacidade sobrenatural

de fazer mudar a origem, proveniência, procedência de alguma coisa. Se

o valor correspondente ao total de impostos economizados através do

cometimento de evasão de divisas for fruto de trabalho honesto, vendas,

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produção, prestação de serviço, etc, sua origem será esta – lícita – e,

obviamente, assim o será para sempre.

A correta pergunta que se deve formular para se verificar a origem

de determinado valor é: “Como este valor ingressou no patrimônio do

sujeito ativo?” e não “Como este valor se manteve no patrimônio do

sujeito ativo?”

Percebe-se, então, que o crime de evasão de divisas só poderá ser

crime antecedente de lavagem de capitais se o agente obtiver acréscimo

patrimonial com a sua prática, sem se considerar, evidentemente, o que

se deixou de expender em impostos, pois tal economia, além de não ser

acréscimo, não muda a origem de um valor já adquirido licitamente. Os

doleiros, por exemplo, obtêm lucro justamente com a prática do crime de

evasão. Se tal lucro for ‘lavado’ nos termos do Art. 1º da Lei 9.613/98,

haveria lavagem de capitais com antecedente em evasão de divisas. Já

com os clientes do doleiro isto não se operaria.

Conclui-se, por fim, que o fato de determinado valor ter sido objeto

do crime de evasão de divisas, podendo este, desta forma, provir,

efetivamente, de uma conta clandestina no exterior, não fará nascer a

presunção ou a conclusão automática de que este valor seja

PROVENIENTE de crime contra o Sistema Financeiro Nacional na

modalidade de evasão de divisas.

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6 - Da Legislação Interna e da Legislação Internacional

Com relação ao crime de evasão de divisas, temos a legislação

especial, ou seja, a Lei 7.492/86 especificamente em seu artigo 22;

Regulamento de Câmbio e Capitais Internacionais, introduzida pela Circular

3.280, de 09 de março de 2005, doravante denominado RCCI, e Instrução

Normativa 120/98 da Receita Federal c/c IN SRF 619/2006.

No que concerne ao crime de lavagem de capitais temos como a

Legislação Interna a Lei Federal nº 9.613/98; Lei Federal 9.034/95; e como

legislação internacional a Convenção Européia sobre Lavagem, Busca,

Apreensão e Confisco de Produtos de Crime; Proposta do Concelho

Econômico da ONU de Modelo da Convenção para Suspensão do Crime

Organizado Transnacional.

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7 – CONCLUSÃO

Face ao exposto no estudo ora apresentado, pode-se concluir a

respeito da redação dos textos legais (Leis 9.613/98 e 7.492/86), a

conceituação dos crimes de evasão de divisas e de lavagem de capitais; como

o agente criminoso atua e como se distinguem os tipos penais, sendo o crime

de evasão de divisas possivelmente antecedente ao crime de lavagem de

capitais. A distinção entre os crimes contribui para que seja evitada a

confecção da denúncia de forma equivocada que fatalmente proporcionaria a

nulidade da ação penal e a consequente eternização do feito criminal com

eventual impunidade dos criminosos.

De igual modo restou ainda explicitado quão é importante o

cruzamento de informações do órgão COAF (Conselho de Controle de

Atividades Financeiras), bem como do Banco Central do Brasil e da Receita

Federal, no sentido de municiar os órgãos competentes, seja Polícia Federal,

seja o Ministério Público Federal, a iniciar investigações e instruir as possíveis

ações penais contra os criminosos usuais dos tipos penais de evasão de

divisas e lavagem de capitais. Não se pode ignorar que a contribuição

internacional também é de suma importância para a localização das empresas

e doleiros que contribuem para o cometimento dos crimes, muitas vezes quase

que perfeitamente arquitetados.

A exemplificação apresentada na pesquisa, com casos concretos tem

papel importante no aprendizado, sobretudo para demonstrar o momento atual

do nosso país e como é comum os crimes em estudo, passíveis de serem

cometidos principalmente por empresários, doleiros, políticos, e conforme

investigação atual do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) poderá estar

atingindo até mesmo nossos Tribunais.

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Ora, a ganância por dinheiro e a obtenção de bens materiais como

condição específica de adquirir respeito e poder, através não só do dinheiro

como pela ostentação dos bens adquiridos, leva os incrédulos indivíduos à

qualidade de sujeitos ativo dos crimes em tela. Outro fator de contribuição para

o cometimento dos crimes objeto do estudo é o sentimento de impunidade que

assola nosso País, pois um criminoso praticante da evasão e lavagem de

dinheiro ao tomar ciência de que até no Judiciário pode estar ocorrendo os

crimes que, ele criminoso, é expert, o mesmo tenta justificar e até declarar que

se o judiciário pode, ele também pode!

Na realidade, os governantes não podem relaxar no combate ao

narcotráfico, crime cujo destino da obtenção ilícita é a prática dos outros

crimes objeto deste estudo, ou seja, combatendo o narcotráfico estar-se-á

combatendo a evasão e a lavagem de dinheiro, prejudicando a circulação e

lavagem do dinheiro obtido ilicitamente.

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BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

1. EVASÃO DE DIVISAS, Autores: José Carlos Tórtima e Fernanda Lara

Tórtima;

2. LAVAGEM DE DINHEIRO, Autor: André Luís Callegari;

3. COMBATE À LAVAGEM DE DINHEIRO, Autor Fausto Martin de Sanctis;

4. LAVAGEM DE DINHEIR, autor Rodolfo Tigre Maia;

5. Boletim nº 163, ano 14, Junho/2006 do Instituo Brasileiro de Ciências

Criminais - IBCCrim. artigo do Ilustre Criminalista Ricardo Sidi.

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BIBLIOGRAFIA CITADA

2. EVASÃO DE DIVISAS, Autores: José Carlos Tórtima e Fernanda Lara

Tórtima;

2. LAVAGEM DE DINHEIRO, Autor: André Luís Callegari;

3. COMBATE À LAVAGEM DE DINHEIRO, Autor Fausto Martin de Sanctis;

4. LAVAGEM DE DINHEIR, autor Rodolfo Tigre Maia;

5. Boletim nº 163, ano 14, Junho/2006 do Instituo Brasileiro de Ciências

Criminais - IBCCrim. artigo do Ilustre Criminalista Ricardo Sidi.

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 2

AGRADECIMENTO 3

DEDICATÓRIA 4

RESUMO 5

METODOLOGIA 6

SUMÁRIO 7

INTRODUÇÃO 8

CAPÍTULO I

(CONCEITOS) 9

1.1 – Condutas Típicas da Evasão de Divisas 11

1.2 – Condutas Típicas da Lavagem de Dinheiro 13

CAPÍTULO 2

DISTINÇÃO ENTRE EVASÃO DE DIVISAS

E LAVAGEM DE DINHEIRO 14

CAPÍTULO 3

ÓRGÃOS FORMAIS DE CONTROLE 25

CAPÍTULO 4

MODALIDADES MAIS COMUNS DE EVASÃO

DE DIVISAS E LAVAGEM DE DINHEIRO 26

4.1 – DOS CASOS CONCRETOS NA MÍDIA 30

CAPÍTULO 5

DA EVASÃO DE DIVISAS COMO CRIME ANTECEDENTE 32

CAPÍTULO 6

DA LEGISLAÇÃO INTERNA E EXTERNA 37

CAPÍTULO 7

DA CONCLUSÃO 38

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BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 40

BIBLIOGRAFIA CITADA 41

ÍNDICE 42