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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO “A VEZ DO MESTRE” O desenvolvimento da escrita na Alfabetização Por: Bianca Ferreira da Silva Orientador Mary Sue Pereira Rio de Janeiro 2007

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO “A VEZ DO MESTRE”

O desenvolvimento da escrita na Alfabetização

Por: Bianca Ferreira da Silva

Orientador Mary Sue Pereira

Rio de Janeiro

2007

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO “A VEZ DO MESTRE”

O desenvolvimento da escrita na Alfabetização

Trabalho de monografia da Universidade Cândido Mendes como condição para conclusão da Pós - Graduação. Com a orientação da professora Mary Sue Pereira.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus e à minha mãe, meu marido, minha filha e às amigas do IAM, que sempre me deram a maior força que eu pudesse concluir o Curso de Pós-Graduação.

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DEDICATÓRIA

Dedico à minha mãe, minha filha, meu marido e todas as amigas que

sempre me deram apoio.

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RESUMO

O desenvolvimento da escrita na alfabetização analisa o desenvolvimento da

escrita na alfabetização.

A importância desse tema é que é a partir da alfabetização que a criança se

prepara para iniciar a sua fase da escrita e a também onde se encontra muita

dificuldade e os erros da criança em relação a escrita.

É também na alfabetização que a criança aprende a escrever, por isso, se tem

que dar um tratamento especial, pois a escrita é uma nova atividade para a criança.

E a partir desses estudos que se pode ajudar nos possíveis erros para que mais

tarde a criança não venha a ter maiores dificuldades em relação a escrita.

Não se tratando adequadamente a escrita e também a fala na alfabetização, a

escola encontrará dificuldade para lidar com a leitura.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO CAPÍTULO I - O processo de alfabetização CAPÍTULO II – O desenvolvimento da escrita na alfabetização CAPÍTULO III - A escrita no método natural. CONCLUSÃO REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANEXO ÍNDICE FOLHA DE AVALIAÇÃO

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INTRODUÇÃO

A escrita seja ela qual for, tem como objetivo primeiro a leitura. A leitura é uma

interpretação da escrita que consiste em traduzir os símbolos escritos em fala.

A escrita tem como objetivo essencial o fato de alguém ler o que se escreve.

Quando se faz um desenho de uma casa para representar o objeto casa, não

se produz que se diga casa, então está se escrevendo a palavra casa. Aí está

claramente a diferença entre desenhar e escrever.

O caminho que a criança percorre na alfabetização é muito semelhante ao

processo de transformação pelo qual a escrita passa desde sua invenção. Assim

como os povos antigos, as crianças usam o desenho como forma de representação

gráfica. Elas também podem utilizar “marquinhas” individuas para representar aquilo

que não sabem escrever com letras. As crianças vivem em contato com vários tipos

de escrita: os logotipos, as palavras de transito, rótulos e cartazes entre outros tipos.

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CAPÍTULO I

O PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO

1.1. Alfabetização segundo Emília Ferreiro

Emilia Ferreiro, psicóloga e pesquisadora Argentina, radicada no México, fez

seu doutorado na Universidade de Genebra, sob a orientação de Jean Piaget.

Na Universidade de Buenos Aires, a partir de 1974, como docente, iniciou seus

trabalhos experimentais, que deram origem aos pressupostos teóricos sobre a

Psicogênese do Sistema de Escrita, campo não estudado por seu mestre que veio a

tornar-se um marco na transformação do conceito de aprendizagem da escrita, pela

criança.

Autora de várias obras, muitas traduzidas e publicadas em português, já esteve

algumas vezes no país, participando de congressos e seminários.

Falar de alfabetização, sem abordar pelo menos alguns aspectos da obra de

Emilia Ferreiro, é praticamente impossível.

Ela não criou um método de alfabetização, como ouvimos muitas escolas

erroneamente apregoarem, e sim, procurou observar como se realiza a construção

da linguagem escrita na criança.

Os resultados de suas pesquisas permitem isso sim, que conhecendo a

maneira com a que a criança concebe o processo de escrita às teorias pedagógicas

e metodológicas, nos apontem caminhos, a fim os erros mais freqüentes possam ser

evitados, desmistificando certos mitos vigentes em nossas escolas.

Aqueles que são, ou foram alfabetizadores, com certeza, já se depararam com

certos professores que logo ao primeiro mês de aula estão dizendo, a respeito de

alguns alunos: não tem prontidão para aprender, tem problemas familiares, é muito

fraca de cabeça, não fez uma boa pré-escola, não tem maturidade para aprender e

tantos outros comentários assemelhados. Outras vezes, culpam-se os próprios

educadores, os métodos ou o material didáticos. Com seus estudos, Ferreiro

desloca a questão para outro campo: “Qual a natureza da relação entre o real e sua

representação?”

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A escrita da criança não resulta de simples copia de um modelo externo, mas é

um processo de construção pessoal. Emilia Ferreiro percebe que de fato, as

crianças reinventam a escrita, no sentido de que inicialmente precisam compreender

seu processo de construção e suas normas de produção.

“Ler não é decifrar, escrever não é copiar.”

Muito antes de iniciar o processo formal de aprendizagem da leitura / escrita,

as crianças constroem hipóteses sobre este objetivo de conhecimento.

Segundo Emilia Ferreiro e Ana Teberowshy (pedagoga de Barcelona),

pesquisadoras reconhecidas internacionalmente por seus trabalhos sobre

alfabetização, a grande maioria das crianças, na faixa dos seis anos, faz

corretamente a distinção entre texto e desenho, sabendo que o que se pode ler é

aquilo que contém letras, embora algumas ainda persistam na hipótese de que tanto

pode - se ler as letras quando os desenhos. É bastante significativo que estas

crianças pertençam às classes mais pobres que por isso acabam tendo um menor

contato com material escrito.

1.2. Processo de construção da escrita

Níveis psicogenéticos de desenvolvimento da escrita (hipóteses que a criança

elabora sobre como se escreve):

• Pré-silábico. Não relaciona sons da fala com caracteres na escrita. No início,

desenha. Depois, começa a misturar desenhos e sinais gráficos.

Posteriormente, abandona os desenhos e utiliza quaisquer sinais gráficos

(letras, números, riscos,...), pode tentar estabelecer relações. Acha que para

escrever são necessárias muitas letras.

• Silábico: Escreva uma letra para cada sílaba.

• Silábico-alfabético: Fase intermediária. Representa algumas sílabas com uma

letra só, outras escrevem alfabeticamente.

• Alfabético: Representa os sons da forma que os ouve. Ainda não possui

regras de ortografia.

• Ortográfico: Escreve de acordo com o código social vigente.

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1.3. Alfabetização e Letramento. O que é letramento?

Letramento não é um gancho em que se pendura cada som enunciado, não é

treinamento repetitivo de uma habilidade, nem um martelo quebrando blocos de

gramática. Letramento é diversão é leitura à luz de vela ou lá fora, à luz do sol. É

viajar para países desconhecidos, sem deixar sua cama, e rir e chorar com

personagens, heróis e grandes amigos. São notícias sobre o presidente, o tempo, os

artistas da TV e mesmo Mônica e Cebolinha nos jornais de domingo. É um Atlas do

mundo, sinais de trânsito, caças ao tesouro, manuais, instruções, guias, e

orientações em bulas de remédios, para que você fique perdido.

É uma receita de biscoito, uma lista de compras, recados colados na geladeira,

um bilhete de amor, telegramas de parabéns e cartas de velhos amigos.

Letramento é, sobretudo, um mapa do coração do homem, um mapa de quem

você é, e tudo que você pode ser.

Se, no início da década de 80, os estudos acerca da psicogênese da língua

escrita trouxeram aos educadores o entendimento de que a alfabetização, longe de

será apropriação de um código, envolve um complexo processo de elaboração de

hipóteses sobre a representação lingüística; os anos que se seguiram, com a

emergência dos estudos sobre o letramento, foram igualmente férteis na

compreensão da dimensão sócio-cultural da língua escrita e de seu aprendizado. Em

estreita sintonia, ambos os movimentos, nas suas vertentes teórico-conceituais,

romperam definitivamente com a segregação dicotômica entre o sujeito que aprende

e o professor que ensina. Romperam também com o reducionismo que delimitava a

sala de aula como o único espaço de aprendizagem.

Reforçando os princípios antes propalados por Vygotsky e Piaget, a

aprendizagem se processa em uma relação interativa entre o sujeito e a cultura em

que vive. Isso quer dizer que, ao lado dos processos cognitivos de elaboração

absolutamente pessoal (ninguém aprende pelo outro), há um contexto que, não só

fornece informações especificas ao aprendiz, como também motiva, dá sentido e

“concretude” ao aprendido, e ainda condiciona suas possibilidades efetivas de

aplicação e uso nas situações vividas. Entre o homem e o saberes próprios de sua

cultura, há que se valorizar os inúmeros agentes mediadores da aprendizagem (não

só o professor, nem só a escola, embora estes sejam agentes privilegiados pela

sistemática pedagogicamente planejada, objetivos e intencionalidade assumida).

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O objetivo do presente artigo é apresentar o impacto dos estudos sobre o

letramento para as práticas alfabetizadoras.

Capitaneada pelas publicações de Angela Kleiman, (95) Magda Soares (95, 98)

e Tfouni (95), a concepção de letramento contribuiu para redimensionar a

compreensão que hoje temos sobre: a) as dimensões do aprender a ler e a escrever;

b) o desafio de ensinar a ler e a escrever; c) o significado do aprender a ler e a

escrever, c) o quadro da sociedade leitora no Brasil; d) os motivos pelos quais tantos

deixam de aprender a ler e a escrever, e e) as próprias perspectivas das pesquisas

sobre letramento.

O significado do aprender a ler e a escrever

Ao permitir que as pessoas cultivem os hábitos de leitura e escrita e respondam

aos apelos da cultura grafocêntrica, podendo inserir-se criticamente na sociedade, a

aprendizagem da língua escrita deixa de ser uma questão estritamente pedagógica

para alçar-se à esfera política, evidentemente pelo que representa o investimento na

formação humana. Nas palavras de Emilia Ferreiro, “A escrita é importante na

escola, porque é importante fora dela e não o contrário”. (2001)

Retomando a tese defendida por Paulo Freire, os estudos sobre o letramento

reconfiguraram a conotação política de uma conquista – a alfabetização – que não

necessariamente se coloca a serviço da libertação humana. Muito pelo contrario, a

história do ensino no Brasil, a despeito de eventuais boas intenções e das “ilhas de

excelência”, tem deixado rastros de um índice sempre inaceitável de analfabetismo

agravado pelo quadro nacional de baixo letramento.

O quadro da sociedade leitora no Brasil

Do mesmo modo como transformaram as concepções de língua escrita,

redimensionaram as diretrizes para a alfabetização e ampliaram a reflexão sobre o

significado dessa aprendizagem, os estudos sobre o letramento obrigam-nos a

reconfigurar o quadro da sociedade leitora no Brasil. Ao lado do índice nacional de 16

295 000 analfabetos no país (IBGE, 2003), importa considerar um contingente de

indivíduos que, embora formalmente alfabetizados, são incapazes de ler textos

longos, localizar ou relacionar suas informações.

Dados do Instituto Nacional de Estatística e Pesquisa em Educação (INEP)

indicam que os índices alcançados pela maioria dos alunos de 4ª série do Ensino

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Fundamental não ultrapassam os níveis “crítico”e “muito crítico”. Isso quer dizer que

mesmo para as crianças que têm acesso à escola e que nela permanecem por mais

de 03 anos, não há garantia de acesso autônomo às práticas sociais de leitura e

escrita (Colello, 2003, Colello e Silva, 2003). Que escola é essa que não ensina a

escrever?

Independentemente do vínculo escolar, essa mesma tendência parece

confirmar-se pelo “Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional” (INAF), uma

pesquisa realizada por amostragem representativa da população brasileira de jovens

e adultos (de 15 a 64 anos): entre os 2000 entrevistados, 1475 eram analfabetos ou

tinham pouca autonomia para ler ou escrever, e apenas 525 puderam ser

considerados efetivos usuários da língua escrita. Indiscutivelmente, uma triste

realidade!

Os motivos pelos quais tantos deixam de aprender a ler e a escrever

Por que será que tantas crianças e jovens deixam de aprender a ler e a

escrever? Por que é tão difícil integrar-se de modo competente nas práticas sociais

de leitura e escrita?

Se descartássemos as explicações mais simplistas (verdadeiros mitos da

educação) que culpam o aluno pelo fracasso escolar; se explicam muito mais pelas

relações estabelecidas na dinâmica da vida estudantil; se o desafio do ensino

pudesse ser enfrentado a partir da necessidade de compreender o aluno para com

ele estabelecer uma relação dialógica, significativa e compromissada com a

construção do conhecimento; se as práticas pedagógicas pudessem transformar as

iniciativas meramente instrucionais em intervenções educativas; talvez fosse possível

compreender melhor o significado e a verdadeira extensão da não aprendizagem e

do quadro de analfabetismo no Brasil.

Nesse sentido, os estudos sobre o letramento se prestam à fundamentação de

pelo menos três hipóteses não excludentes para explicar o fracasso no ensino da

língua escrita. Na mesma linha de argumentação dos educadores que evidenciaram

os efeitos do “currículo oculto” nos resultados escolares de diferentes segmentos

sociais, é preciso considerar, como ponto de partida, que as práticas letradas de

diferentes comunidades (e portanto, as experiências de diferentes alunos) são muitas

vezes distantes do enfoque que a escola costuma dar à escrita (o letramento

tipicamente escolar). Lidar com essa diferença (as formas diversas de conceber e

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valorar a escrita, os diferentes usos, as várias linguagens, os possíveis

posicionamentos do interlocutor, os graus diferenciados de familiaridade temática, as

alternativas de instrumentos, portadores de textos e de práticas de produção e

interpretação...) significa muitas vezes percorrer uma longa trajetória, cuja duração

não está prevista nos padrões inflexíveis da programação curricular.

Em segundo lugar, é preciso considerar a reação do aprendiz em face da

proposta pedagógica, muitas vezes autoritária, artificial e pouco significativa. Na

dificuldade de lidar com a lógica do “aprenda primeiro para depois ver para que

serve”, muitos alunos parecem pouco convencidos a mobilizar os seus esforços

cognitivos em beneficio do aprender a ler e a escrever (Carraher, Carraher e

Schilenimann, 1989; Colello, 2003, Colello e Silva, 2003)

Por último, ao considerar os princípios do alfabetizar letrando (ou do Modelo

Ideológico de letramento), devemos admitir que o processo de aquisição da língua

escrita está fortemente vinculado a uma nova condição cognitiva e cultural.

Paradoxalmente, a assimilação desse status (justamente aquilo que os educadores

esperam de seus alunos como evidência de “desenvolvimento” ou de emancipação

do sujeito) pode se configurar, na perspectiva do aprendiz, como motivos de

resistência ao aprendizado: a negação de um mundo que não é o seu; o temor de

perder suas raízes (sua história e referencial); o medo de abalar a primazia até então

concebida à oralidade (sua mais típica forma de expressão), o receio de trair seus

pares com o ingresso no mundo letrado e a insegurança na conquista da nova

identidade (como “aluno bem-sucedido” ou como “sujeito alfabetizado” em uma

cultura grafocêntrica altamente competitiva).

...a aprendizagem da língua escrita envolve um

processo de aculturação – através, e na direção

das práticas discursivas de grupos letrados – não

sendo, portanto, apenas um processo marcado

pelo conflito, como todo processo de

aprendizagem, mas também um processo de

perda e de luta social. (...)

(...) há uma dimensão de poder envolvida no

processo de aculturação efetivado na escola:

aprender – ou não – a ler e escrever não equivale

a aprender uma técnica ou um conjunto de

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conhecimentos. O que está envolvido para o aluno

adulto é a aceitação ou o desafio e a rejeição dos

pressupostos, concepções e práticas de um grupo

dominante – a saber, as práticas de letramento

desses grupos entre as quais se incluem a leitura

e a produção de textos em diversas instituições,

bem como as formas legitimadas de se falar

desses textos - , e o conseqüente abandono (e

rejeição) das práticas culturais primárias de seu

grupo subalterno que, até esse momento, eram as

que lhe permitiam compreender o mundo.

(Kleimaan,2001, p.271)

Como exemplo de um mecanismo de resistência ao mundo letrado construído

por práticas pedagógicas (ainda que involuntariamente ideologizantes) no cotidiano

da sala de aula, Kleiman (2001) expõe o caso de um grupo de jovens que se

rebelaram ante a proposta da professora de examinar bulas de remédio. Como

recurso didático até bem intencionado, o objetivo da tarefa era o de aproximar os

alunos da escrita, favorecendo a compreensão de seus usos, nesse caso, chamando

a sua atenção para os perigos da auto-medicação e para a importância de se

informar antes de tomar uma medicação (posologia, reações adversas, efeitos

colaterais, etc). Do ponto de vista dos alunos, o repúdio à tarefa, à escola e muito

provavelmente à escrita foi uma reação contra a implícita proposta de fazer parte de

um mundo ao qual nem todos podem ter livre acesso: o mundo da medicina, da

possibilidade de ser acompanhado por um médico e da compra de remédios.

Na prática, a desconsideração dos significados implícitos do processo de

alfabetização – o longo e difícil caminho que o sujeito pouco letrado tem a percorrer,

a reação dele em face da artificialidade das práticas pedagógica e a negação do

mundo letrado – acaba por expulsar o aluno da escola, um destino cruel, mas

evitável se o professor souber instituir em classe uma interação capaz de mediar as

tensões, negociar significados e construir novos contextos de inserção social.

Perspectivas das pesquisas sobre letramento

Embora o termo “letramento” remeta a uma dimensão complexa e plural das

práticas sociais de uso da escrita, a apreensão de uma dada realidade, seja ela de

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um determinado grupo social ou de um campo específico de conhecimento (ou

prática profissional) motivou a emergência de inúmeros estudos a respeito de suas

especificidades. É por isso que, nos meios educacionais e acadêmicos, vemos surgir

a referência no plural “letramentos”.

Mesmo correndo o risco de inadequação terminológica, ganhamos a

possibilidade de repensar o transito do homem na diversidade dos “mundos

letrados”, cada um deles marcado pela especificidade de um universo. Desta forma,

é possível confrontar diferentes realidades, como por exemplo, o “letramento social”

com o “letramento escolar”; analisar particularidades culturais, como por exemplo, o

“letramento das comunidades operárias da periferia de São Paulo”, ou ainda

compreender as exigências de aprendizagem em uma área específica, como é o

caso do “letramento científico”, “letramento musical” o “letramento da informática ou

dos internautas”. Em cada um desses universos, é possível delinear práticas

(comportamentos exercidos por um grupo de sujeitos e concepções assumidas que

dão sentido a essas manifestações) e eventos (situações compartilhadas de usos da

escrita) como focos interdependentes de uma mesma realidade (Soares, 2003). A

aproximação com as especificidades permite não só identificar a realidade de um

grupo ou campo em particular (suas necessidades, características, dificuldades,

modos de valorização da escrita), como também ajustar medidas de intervenção

pedagógica, avaliando suas conseqüências. No caso de programadas de

alfabetização, a relevância de tais pessoas é assim defendida por Kleiman:

Se por meio das grandes pesquisas quantitativas,

podemos conhecer onde e quando intervir em

nível global, os estudos acadêmicos qualitativos,

geralmente de tipo etnográfico, permitem

conhecer as perspectivas específicas dos

usuários e os contextos de uso e apropriação da

escrita, permitindo, portanto, avaliar o impacto das

intervenções e até, de forma semelhante á das

macro análises, procurar tendências gerais

capazes de subsidiar as políticas de

implementação de programas.

Sem a pretensão de esgotar o tema, a breve análise do impacto e contribuição

dos estudos sobre letramento aqui desenvolvida aponta para a necessidade de

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aproximar, no campo da educação, teoria e prática. Na sutura entre concepções,

implicações pedagógicas, reconfiguração de metas e quadros de referência,

hipóteses explicativas e perspectivas de investigação, talvez possamos encontrar

subsídios e alternativas para a transformação da sociedade leitora no Brasil, uma

realidade politicamente inaceitável e, pedagogicamente, aquém de nossos ideais.

No Brasil, o termo “letramento” foi usado pela 1ª vez por Mary Kato, em 1986,

na obra “No mundo da escrita: uma perspectiva psicolingüística” (São Paulo, Ática).

Dois anos depois, passa a representar um referencial no discurso da educação, ao

ser definido por Tfouni em “Adultos não alfabetizados: o avesso do avesso” (São

Paulo, Pontes) e retomado em publicações posteriores.

O autor utiliza a expressão “escrita verdadeira” em oposição à “escrita escolar”,

um modelo muitas vezes artificial, cujo reducionismo não faz justiça à

multidimensionalidade da língua viva.

Como evidência desse paralelismo, é possível, por exemplo, termos casos de

pessoas letradas e não alfabetizadas (indivíduos que, mesmo incapazes de ler e

escrever compreendem os papéis sociais da escrita, distinguem gêneros ou

reconhecem as diferenças entre a língua escrita e a oralidade) ou de pessoas

alfabetizadas e pouco letradas (aqueles que, mesmo dominando o sistema da

escrita, pouco vislumbram suas possibilidades de uso).

Em uma sociedade como a nossa, o mais comum é que a alfabetização sseja

desencadeada por práticas de letramento, tais como ouvir histórias, observar

cartazes,, conviver com práticas de troca de correspondência, etc. no entanto, é

possível que indivíduos com baixo nível de letramento (não raro membros de

comunidades analfabetas ou provenientes de meios com reduzidas práticas de

leitura e escrita) só tenham a oportunidade de vivenciar tais eventos na ocasião de

ingresso na escola, com o inicio do processo formal de alfabetização.

Para um estudo mais aprofundado dos modelos “Autônomo” e “Ideológico”

descritos por Street, remetemos o leitor à leitura de Kleiman, 1985.

Dinâmica porque pressupõe o movimento intenso de um pólo ao outro;

reversível porque a experiência em qualquer um dos pólos remete ao

amadurecimento nos demais.

Para mais dados sobre a pesquisa do INAF (objetivos, população envolvida,

critérios de análise e resultados obtidos), remetemos o leitor à leitura de Ribeiro

(2003).

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1.4. OS OBJETIVOS DA ALFABETIZAÇÃO INICIAL

Frequentemente os objetivos se definem de forma muito geral nos planos e

programas, e de uma maneira muito contraditória na prática do dia a dia e nos

exercícios propostos para a aprendizagem.

É comum registrar nos objetivos que a criança deve alcançar o prazer pela

leitura e que deve ser capaz de “expressar-se por escritos”. As práticas

convencionais levam, todavia, a que a expressão escrita se confunde com a

possibilidade de repetir formulas estereotipadas a que se pratique uma escrita fora

do contexto.

A ênfase praticamente exclusiva da cópia, durante as etapas iniciais de

aprendizagem excluindo tentativas de criar representações para séries de unidades

lingüísticas similares ou para textos elaborados, faz-se com que a escrita se

apresente como um objeto alheio e própria capacidade de compreensão. Está ali

para ser copiado, reproduzindo e não compreendido, nem recriado.

Um dos objetivos ausentes dos programas de alfabetização de crianças é o de

compreender as funções da língua escrita na sociedade, a criança que cresce em

família onde há pessoas alfabetizadas e onde ler e escrever são atividades

cotidianas, recebem estas informações através da participação em atos sociais onde

a língua escrita cumpre funções precisas. Por exemplo: a mãe escreve a lista de

compras, leva a lista ao mercado e a consulta antes de terminar as compras. Busca-

se na lista telefônica o nome, endereço e telefone de algum serviço. Recebe-se uma

carta ou alguém deixa um recado que deve ser lido por algum familiar quando

chega; sem querer transmitem-se informações sobre outra das funções da língua

escrita.

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CAPÍTULO II

DESENVOLVIMENTO DA ESCRITA NA ALFABETIZAÇÃO

2.1. A Psicogênese de língua escrita

A análise epistemológica construtivista leva ao redimensionamento das

concepções acerca do modo pelo qual o sujeito se apropria do sistema de

representação escrita contestando-se as perspectivas de treino, cópia, reforço ou

estalo no processo de aprendizagem da escrita. As pesquisas desenvolvidas pela

psicolingüística Emilia Ferreiro e colaboradores demonstram que esta aprendizagem

e resultado de um processo de construção cognitiva que se estabelece pela

interação do sujeito com a escrita enquanto objeto de conhecimento culturalmente

contextualizado.

Assim como a humanidade ao longo do seu processo de desenvolvimento,

construiu as formas de representação escrita das quais dispomos hoje, o sujeito ao

longo de sua história pessoal, percorre um processo evolutivo similar e chega à

escrita alfabética.

A aprendizagem da língua escrita, não se dá de forma natural. O aprendizado

da língua, enquanto sistema de representação está fortemente vinculado a ocasiões

sociais de interação entre ela mesma e os sujeitos.

Muito antes de chegar à escola, à medida que seu contexto ofereça situações

de interação com o código escrito, a criança já efetiva tentativas para ler e escrever.

2.2. A construção da escrita de nossas crianças

As pesquisas que vêm sendo realizadas há alguns anos por Emilia Ferreiro

têm, sem dúvida, colaborado para uma melhor compreensão do processo de

aquisição da escrita de nossos alunos.

Nossa prática tem mostrado que apesar de todo o interesse, a procura de

novos caminhos, as dinâmicas utilizadas, a criatividade que nos é pedida a cada

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momento não temos conseguido dar conta de alfabetizar uma grande parcela de

alunos em nossas escolas.

Emilia Ferreiro vem levantando as hipóteses que as crianças (de qualquer

classe social) têm a respeito da língua escrita.

Uma criança é um ser que pensa. Desde que nasce ela indica uma aventura de

compreensão do mundo que a cerca.

Ora, se a criança pensa (e nos dá provas disso quando faz perguntas

incríveis!) sobre os objetos do mundo, será que não pensa também na língua escrita

que tem um valor imenso na nossa sociedade?

A língua é um objeto cultural do conhecimento – o homem constrói o mundo, o

homem constrói a língua. O mundo não está pronto, o mundo está sendo construído

por nós.

Por menor que seja o contato da criança com a língua escrita, através de

letreiros de ônibus, cartazes nas ruas, rótulos de alimentos remédios, indicações de

todos os tipos por onde se anda, a língua escrita é um fato. Como a criança a

percebe? (O que representa/) Pra que servem estes sinais? (Como representar/).

As crianças que têm mais contato com a escrita avançam nas hipóteses e na

compreensão da função social da escrita mais rapidamente. Logo, nós professores,

precisamos criar nas nossas salas de aula um clima que favoreça à alfabetização –

textos reais e significativos, vários alfabetos com letras diferentes (alfabeto com

letras cursivas, alfabeto com letras “script”, alfabeto com maiúsculas de imprensa),

propiciar o acesso a revistas, jornais e folhetos para que recortem, comparem

palavras, letras e sílabas. Ler histórias para eles, aproveitar qualquer situação em

que a língua escrita possa ser usada para redigir histórias, bilhetes, convites,

críticas, relatórios, poesias e tantos outros textos.

Se dermos um lápis para uma criança bem pequena ela provavelmente fará

algo com ele. Se já tiver observado pessoas escrevendo provavelmente “escreverá”

rabiscos, desenhos e até letras e/ou números. Provavelmente também ela dirá o que

escreveu ou desenhou. O que vale é intenção daquele ato.

Percebemos também na criança, a necessidade de refletir na escrita

características do mundo real: “meu nome é menor do que o do meu pai (Gabriela /

Ari) por que papai é grande!”

Uma outra hipótese revelada por muitas crianças pesquisadas por Ferreiro é a

de que para se ler é preciso que haja uma quantidade mínima de letras (em geral,

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três) e, muitas vezes, a criança considera que as letras devem ser variadas, não

pode portanto haver letras juntas repetidas.

É comum também observarmos crianças que ao serem solicitadas a escrever

utilizam as letras de seu próprio nome, às vezes, acrescentando uma ou outra letra

diferente:

E l e F A ( b o r b o l e t a) RAFAEL (06 anos), provavelmente pensava assim

quando fez estas escritas.

A p F E o ( l e ã o)

Observem que todas estas crianças apresentadas até agora ainda não

descobriram que a escrita é um sistema de representação da fala. Ainda não fazem

nenhuma relação FALA / ESCRITA. Talvez o que continue a prevalecer para elas

sejam a intenção da escrita e as hipóteses que vêm construindo.

Veja agora a Cíntia que nós conhecemos em um CIEP:

R n t a (borboleta), que lê r n t a

bor bo le ta

r a t ( leão), que lê r a t

le a u

T a i ( prego) (estica a leitura para usar todas as letras)

Cintia já faz a relação FALA / ESCRITA (embora ainda não convencional) –

escreve com a hipótese silábica da escrita (uma letra para cada sílaba), mas nos

mostra também que tem presente a hipótese da quantidade mínima de letras para

escrever um palavra (escreve para leão, mas coloca mais uma letra (t) para atender

a sua idéia de que não se pode escrever com menos de 03 letras e lê, esticando a

palavra para usar todas as letras). A mesma coisa acontece com a palavra “prego”.

Ricele (06 anos – CA) nos deixa perceber que também pensa que a cada sílaba

corresponde uma letra. Algo não está claro, entretanto. Ao escrever pato, escreveu

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duas letras e rapidamente acrescentou mais uma. Duas letras não são suficientes.

Com gato e vaca a mesma coisa se repetiu.

Observe que Ricele já avançou nas

hipóteses em relação à Cíntia. Ela já está

estabelecendo a relação fala / escrita.

As crianças abaixo nos mostram que também chegaram, ou estão chegando, á

descoberta da relação fonográfica convencional e começam também a oscilar entre

silabas com uma letra e silabas com mais de uma. Estão avançando nas suas

hipóteses, estão construindo novos caminhos que vão levá-las a entender

exatamente como a língua escrita representa a fala. Vivem a hipótese silábico-

alfabética.

Paulo (06 anos) escreve

Joanathan (06 anos – CA), após uma grande reflexão sobre as partes do corpo

e suas funções, lista algumas delas assim:

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( braço )

( sovaco )

( coxa )

( cabelo )

( joelho )

( olho )

( cabeça )

E o Bruno escreveu nomes de animais:

( pintinho )

( bezerro )

( coelho )

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Podemos perceber que não “comeram letras”, mas acrescentaram letras,

porque ampliaram a visão que tinham da escrita. A partir do conflito entre a hipótese

e a quantidade de letras e/ou entre a hipótese silábica e a realidade de escrita a que

está exposta, em que ao tentar lê-la não consegue confirmar as suas hipóteses, a

criança “sente necessidade de fazer uma análise que vá “mais além” da sílaba”.

(Emilia Ferreiro – Psicogênese).

Muito significativo é o caso citado por Ferreiro em palestras no Rio de Janeiro,

1988 em que um menino chamado Júlio, ao refletir sobre seu próprio nome, percebe

que suas hipóteses não dão conta das letras do seu:

Lê, primeiro: J Ú L I O não consegue usar todas as letras.

Lê, depois: J Ú L I O também é impossível.

Conclusão: Culpa a mãe de ter-lhe posto um nome tão difícil!

Chegando a hipótese alfabética a criança compreende “que cada um dos

caracteres da escrita corresponde a valores sonoros menores que a sílaba, e realiza

sistematicamente uma análise sonora dos fonemas das palavras que vai escrever”.

(Emilia Ferreiro – Psicogênese).

caxoro vaca aossa ( a onça )

pirrigito boi

O macaco foi pasia ele comeu uma flor / fuguete Daniel – CA

29/11/89

onibo ispassial

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Às vezes, observamos crianças que nesse momento sentem que precisam de

determindo som, mas não sabem exatamente onde colocá-lo:

Rafaela ( 06 anos ) b o b r o l e t a

Maria clara ( 06 anos ) Eu so a T i e R G

( Eu sou o tigre )

Daniel ( 06 anos ) z e b a r

( zebra)

É uma grande conquista para a criança a aquisição da língua escrita.

Quando ela chega à hipótese alfabética, entretanto, se por um lado, venceu o

grande desafio de saber o que a escrita representa e como representa, por outro, ela

se defronta com as dificuldades ortográficas, sinais que não são letras (sinais de

pontuação, acentos), letras maiúsculas e minúsculas, o limite das palavras (onde

tenho que deixar espaço no texto?), a separação no final da linha, e muitas outras

características de nossa escrita.

Estimulando a escrita e pedindo que leiam o que escreveram, podemos

perceber o que cada criança está pensando sobre a escrita naquele momento.

Manuseando textos (revistas, livros, gibis, etc.) e tentando mesmo lê-los, vão

refletir e observar as características da língua escrita, tanto em relação à construção

(relação som / letra e os vários tipos de sílabas) quanto em relação às dificuldades

ortográficas.

É preciso “errar” para aprender. O importante é que, nós professores,

pensamos em como devemos encarar e trabalhar esse erro:

. O erro que precisa ser respeitado e

. O erro que precisa ser corrigido, que precisa de uma informação.

Quanto mais uma criança escreve e lê, mais chances ela tem de avançar na

construção da escrita.

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2.3. Evolução histórica da escrita

A escrita é uma produção social e, como tal, sofreu inúmeras transformações

ao longo da história da humanidade. A forma de escrita mais antiga de que temos

notícia é a pictográfica. Para representar um objeto qualquer usava -se um desenho

convencionado (mas reconhecível) desse objeto. O pictograma representava o

próprio objeto. A escrita pictográfica, portanto, só permitia a representação dos

objetos que se podia desenhar.

Um outro sistema de escrita da mesma natureza, mas mais avançado é o

ideográfico. Esse sistema de escrita foi muito difundido na antiguidade pelos egípcios

e continua atualmente na escrita chinesa. A diferença entre um pictograma e um

ideograma é que, apesar de os dois representarem o objeto a que se referem, o

fazem de forma diferente: o ideograma é uma convenção, refere-se ao objeto por

analogia. Isto é, ele dá uma idéia do objeto representado e, para ser lido, precisa ser

aprendido. Em chinês, a cor vermelha é representada pela montagem de quatro

outros ideogramas: rosa, cereja, ferrugem e flamingo. Quatro objetos cujo atributo

comum é a cor vermelha.

“Diante do par de palavras BOI / ARANHA. O

experimentador: nestes cartões estão escritas

duas palavras, boi e aranha. Onde você acha que

está escrito boi e onde está escrito aranha?

A criança: está escrito boi (apontando para a

palavra aranha) e aqui está escrito aranha

(apontando para a palavra boi).

O experimentador: por que você acha que aqui

(boi) está escrito aranha e aqui (ARANHA) está

escrito boi?

A criança: porque essa daqui ta pequena e esse

daqui ta, grande. Tia me ensinou que boi começa

com A”. (Emilia Ferreiro, 1980, p.359-362).

Vê-se, portanto, aqui, o divorcio entre o conhecimento da letra e as hipóteses

dessa criança a respeito da escrita. Para ela, a escrita devia conformar-se à sua

concepção ainda realística da palavra, ou seja, coisas grandes têm nomes grandes e

coisas pequenas têm nomes pequenos.

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Mas o fato é que, em vez de confirmar, a realidade, dentro e fora da escola,

desmente seguidamente a teoria que a criança construiu sobre o que é que a escrita

representa. Desmente e problematiza, obrigando a criança a construir uma nova

teoria, uma nova hipótese. A criança começa então a se dar conta das características

formais da escrita e constrói então duas hipóteses que vão acompanhá-la durante o

processo de alfabetização:

a) De que é preciso um número mínimo de letras, entre 02 a 04, para que seja

esteja escrita alguma coisa e,

b) De que é preciso um mínimo de variedade de caracteres para que uma série

de letras “sirva para ler”.

A idéia de que uma letra sozinha “não serve para ler”, “não diz nada”, nos dá

uma pista para compreender a dificuldade das crianças, mesmo as mais avançadas,

com a escrita isolada dos artigos.

O contato, no universo urbano, com os dois sistemas permite estabelecer

progressivamente essa diferenciação. Mas, mesmo quando a criança já tem claro

que “desenha-se com figuras” e “escreve-se com letras”, a natureza do sistema

alfabético ainda permanece um mistério a desvendar.

Ainda antes de supor a escrita como representação da fala, a criança faz várias

tentativas de construir um sistema que se assemelhe formalmente à escrita adulta

buscando registrar as diferenças entre as palavras através de diferenças na

quantidade, posição e variação dos caracteres empregados para escrevê-las.

Enquanto não encontram respostas satisfatórias para as duas perguntas

fundamentais: “O que a escrita representa?” e “Qual a estrutura do modo de

representação da escrita?”, a criança continua pensando e tentando adequar suas

hipóteses às informações que recebe do mundo.

A descoberta, pela criança de que a escrita representa a fala, leva-a a formular

uma hipótese ao mesmo tempo falsa e necessária: a hipótese silábica.

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2.4. Dificuldades de aprendizagem da escrita

O atraso na escrita, por sua vez, tem outras conotações, posto que ainda que

também seja possível observar um mau funcionamento em algum dos módulos e,

sobretudo, nos processos léxicos da mesma forma que nas dificuldades de

aprendizagem da escrita ou disgrafias, a origem do atraso é diferente e deverá

encontrar-se em escolarização inadequada, escassa motivação e, sobretudo, baixa

motivação de aproveitamento, baixa inteligência ou ambiente familiar inadequado ou

desfavorável. Já vimos, nas definições de dificuldades de aprendizagem, como

todos esses são fatores de exclusão.

1. Os atrasos na escrita podem apresentar dificuldades de planejamento, como

no caso de inteligência pobre, escassa criatividade ou entornos culturalmente

empobrecidos, que se manifestam em pouca quantidade de escrita e

impulsiva – sem pensar -, mais escrita descritiva do que valorativa, sem julgar

sua importância, etc. O mesmo acontece com as dificuldades na construção

sintática, que refletem na escrita, uma linguagem com poucos elementos

gramaticais ou com gírias de classes sociais concretas ou de dialetos

marginais.

2. Também podem aparecer, e é o mais comum, dificuldades nos processos

léxicos, que se manifestam de diversas formas. Se tem um léxico reduzido,

manifestam-se no fato de não encontrarem as palavras pertinentes, típico de

ambientes marginais e níveis sócio-econômicos-culturais baixos ou com

escolarização escassa. O mesmo ocorre na recuperação da palavra, seja

pela rota fonológica ou visual, com atrasos similares aos disgráficos

fonológicos superficiais. Quando se inicia o ensino da escrita, se esta se

realiza pelo método global, podem aparecer similitudes com os disgráficos

fonológicos ao não adquirir os mecanismos de transformação de fonema a

grafema e, se esta se inicia pelo método fonético ou silábico, ocorre o

contrário com similitudes aos disgráficos superficiais. Isso levou, no passado,

erroneamente, a atribuir ao método utilizado a causa das dislexias e

disgrafias (Quirós, 1980; Froufe, 1989), o que é, evidentemente, discutível.

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3. Quando se observam dificuldades nos processos motores, estas podem ser

de três tipos, segundo os subprocessos empenhados, seja nos alógrafos ou

na recuperação de alógrafos, seja nos padrões motores gráficos, ou seja, na

organização geral e nos processos mais externos e puramente executivos.

a) Nos alógrafos podem acontecer confusões, mescla de maiúsculas e

minúsculas ou de diferentes tipos de escrita, adições ou omissões, etc.

b) Nos padrões motores gráficos aparecem manifestações tais como

desenhos inadequados das letras, grafemas grandes ou pequenos em

excesso, inclinação, desproporção entre as letras, etc.

2.4.1. Desenvolvimento das habilidades

Trata-se de uma dificuldade significativa no desenvolvimento das habilidades

relacionadas com a escrita. Esse transtorno não se explica nem pela presença de

uma deficiência mental, nem por escolarização insuficiente, nem por um déficit visual

ou auditivo, nem por alteração neurológica. Classifica-se como tal apenas se

produzem alterações relevantes no rendimento acadêmico ou nas atividades da vida

cotidiana. A gravidade do problema pode ir desde erros na soletração até erros na

sintaxe, estruturação ou pontuação das frases, ou na organização de parágrafos

(Gregg, 1992).

“(Costuma-se apresentar-se com outras alterações superpostas, como os

transtornos do desenvolvimento na leitura (Stanovich, 1992), transtornos do

desenvolvimento da linguagem do tipo expressivo e receptivo (Paul, 1992)),

transtornos do desenvolvimento matemático (Semrud - Clikeman e Hynd, 1992),

transtornos no desenvolvimento da coordenação ou de habilidades motoras (Deuel,

1992) e, também, com transtornos de conduta de tipo desorganizado”. (Hooper,

Hynd e Mattison, 1992).

O início depende da gravidade, vindo desde os 07 anos, no segundo ano do

primeiro grau, nos casos mais graves, e aos 10 anos, no quinto ano da Educação

Primária, ou inclusive mais tarde, nos casos mais leves.

Há pouca informação sobre o curso e a incidência, posto que até recentemente

não foi recuperado e enfatizado seu interesse (Cuetos, 1991, 1993; Gregg, 1992).

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Sugere-se, contudo, uma freqüência e um curso similares aos do transtorno do

desenvolvimento da leitura.

Foram observados mais casos em familiares de primeiro grau com problemas

no desenvolvimento da linguagem e das aprendizagens escolares do que na

população em geral.

Devem ser excluídos desse diagnostico a deficiência mental, déficits visuais ou

auditivos, déficits na coordenação motora ou escolarização inadequada ou

insuficiente.

2.5. - O Modelo da psicologia da escrita

Baseando-se nos conhecimentos atuais sobre os processos cognitivos

implicados na conduta de escrever, juntamente com os avanços da neuropsicologia

cognitiva e da linguagem, ao mesmo tempo em que da psicologia cognitiva em geral,

foram propostos diversos modelos modulares sobre o funcionamento mental na

realização da escrita (cf. Ellis e Young, 1992; Patterson e Shewell, 1987). As

afirmações da psicologia da escrita, tal como as da psicologia da leitura, têm base

em dados clínicos procedentes de lesões cerebrais – neuropsicologia cognitiva e

neurolingüística -, em dados experimentais muito controlados – um exemplo recente

pode ser visto, sob alguns aspectos, em Dominguez (1994) -, em dados de

simulação através de computador, em dados procedentes da metodologia

observacional e em dados procedentes da metodologia seletiva. Esses enfoques

têm a virtude de supor modelos completos de explicação da escrita, além de explicar

com clareza as características de sua alteração, a forma de avaliação e intervenção.

Trata-se de elaborar toda uma psicologia da escrita. A partir desses modelos, as

alterações “disgráficas” (dificuldades de aprendizagem da escrita) ou o atraso na

escrita vão fazendo sentido ao refletir em alterações em algum dos módulos ou

submódulos que representam processos ou subprocessos implicados na escrita.

Partindo da complexidade da tarefa da escrita, é possível analisaras condutas

cognitivas ou processos que implica. Por exemplo, escrever uma carta supõe decidir

sobre o conteúdo da mesma, decidir como vamos nos expressar, decidir a estrutura

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sintática ou gramatical que vamos dar-lhe, decidir o léxico que utilizaremos decidir

sobre a aplicação de diversas regras ortográficas, sobre aspectos supra-

segmentares, como pontuação, etc., assim como decidir e encadear os movimentos

grafomotores necessários. É tal o acúmulo de condutas que, de forma simultânea e /

ou seqüencial, é necessário colocar em funcionamento que alguém disse que,

teoricamente, é impossível aprender a escrever (Elbow).

2.5.1. – Processos cognitivos envolvidos na escrita

Seria necessário falar, pelo menos, de quatro grandes processos com seus

respectivos subprocessos envolvidos na escrita, entendendo esta como uma

conduta criativa e complexa.

1. Em primeiro lugar, processos de planejamento da mensagem, juntamente

com seus subprocessos de geração de idéias e hipóteses, de organização

das idéias e de revisão da mensagem.

2. Em segundo lugar, processos de construção sintática, juntamente com seus

subprocessos de construção da estrutura, de colocação de palavras

funcionais, etc.

3. Em terceiro lugar, os processos de recuperação de elementos léxicos, com os

subprocessos de recuperação dos grafemas, seja pela via fonológica ou

indireta, ou seja, pela via ortográfica, ou direta, ou visual.

4. O quarto conjunto de processos cognitivos tem a ver com os processos

motores nos quais seriam incluídos os subprocessos de recuperação dos

alógrafos e de recuperação dos padrões motores. Processos que culminariam

com a produção da escrita de forma aberta.

Assim concebida, a escrita é um processo complicado que vai exigir vários

anos de esforços escolares para sua aprendizagem e que, evidentemente, não

culmina com a aquisição dos simples automatismos gráficos, ao contrario.

Igualmente, a escrita não é a leitura, mas, ao contrário, envolve habilidades

diferentes e relativamente independentes. O fato da escrita ter sido

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proporcionalmente menos estudada do que a leitura, dado que o controle da leitura

foi mais fácil, posto que sabemos o que apresentamos, não justifica o fato da

identificação em forma de processos inversos. A escrita é algo mais, com

habilidades especificas que é preciso treinar e ensinar. Uma comparação entre o

exposto no capítulo sobre psicologia da leitura e o exposto neste, sobre psicologia

da escrita, esclarece que os processos cognitivos são diferentes.

2.5.2. processos intervenientes na tarefa da escrita

Não intervêm os mesmos processos no ditado que na cópia; na escrita à mão

ou à máquina; na escrita compreensiva que na não compreensiva. Não intervêm os

mesmos processos na escrita de palavras familiares que na das não familiares ou

pseudopalavras. Na realidade, caberia falar de várias rotas, segundo o tipo de

escrita ou tarefa que se realize. Até mesmo dentro de cada tarefa, por exemplo, no

ditado, podem participar diversas rotas.

Pensemos, por exemplo, no ditado, em que se parte da palavra falada e se

chega à escrita.

Uma rota possível consiste em partir da análise acústica dos sons, na qual se

identificam os fonemas componentes das palavras. A seguir, se produz um

reconhecimento das palavras que estão representadas no léxico auditivo e ativação

das respectivas palavras. Produz-se a extração do significado do sistema semântico.

Depois, ativa-se a forma ortográfica das palavras, que está armazenada no léxico

ortográfico. A seguir, a forma ortográfica passa ao depósito grafêmico. Iniciam-se os

processos motores com a recuperação dos alógrafos e dos padrões motores

gráficos antes de executar-se externamente a escrita dos respectivos grafemas.

Essa rota supõe a compreensão do significado do escrito e a aferição da ortografia

correta.

Outra rota possível (a de pseudopalavras e de palavras pouco freqüentes)

partirá da analise acústica, irá ao mecanismo de conversão acústico-fonológica, ao

armazém de pronuncia dos sons, à fala (no caso de que se repita a palavra),

aomecanismo de conversão de fonema a grafema, para chegar ao armazém

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grafêmico e, daí, aos processos motores, incluindo a recuperação dos alógrafos e a

dos padrões motores gráficos, antes de executar-se externamente a escrita.

O caso de não compreensão daquilo que se escreve, mas com ortografia

correta, ocorreria no uso do sistema semântico, quando se produziria um tipo de

transtorno: o da “surdez para o significado das palavras”, como ocorre em certos

pacientes afásicos.

No caso da cópia, supõe-se a leitura e, a seguir, a escrita da palavra. Podem

ser utilizados diferentes caminhos, por exemplo, partindo-se da fase da leitura com a

análise visual ou identificação das letras componentes das palavras, ativa-se o

léxico visual, no qual estão as representações ortográficas ou visuais das palavras,

conexão com o sistema semântico (caso de extração de significado) para iniciar-se a

fase de escrita (rota visual), com a ativação do léxico ortográfico, no qual encontram

as formas visuais ou ortográficas das palavras que são passadas ao armazém

grafêmico e, daí, aos processos motores, com a recuperação de alógrafos e de

padrões motores gráficos, antes da execução externa. Se seguíssemos a rota

fonológica, na fase da escrita partiríamos da analise visual; utilizaríamos o

mecanismo de conversão grafema a fonema, que transforma as palavras em sons,

sons que são levados ao armazém da pronuncia e, daí, aos processos motores.

Pode também dar - se um passo direto do sistema visual ao armazém grafêmico,

quando não se compreende o que se lê e escreve.

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CAPÍTULO III

A ESCRITA NO MÉTODO NATURAL

3.1. O que o professor deve conhecer a respeito do ensino da escrita

O papel do professor durante essa fase do processo se resume em focalizar e

tirar o maior proveito possível das situações reais da vida social da classe, o que

inclui todo o conjunto de experiências que empreguem como recurso ou meio a

linguagem escrita, isto é, caberá ao professor levar seus alunos a fazerem,

gradativamente, uso da linguagem escrita para registrarem fatos ocorridos sob forma

de resumos de estudos, anotações, relatórios ou redigirem avisos, convites,

agradecimentos, e ainda comporem histórias, poesias, peças teatrais, sempre em

função do objetivo a que se destina essa comunicação. Devendo o professor

lembrar que muito mais valor que o produto final alcançado tem o próprio trabalho

em si e, sobre este, deverá redigir toda a sua atenção e cuidado.

A fim de auxiliar o professor a selecionar com maior precisão recursos,

materiais e técnicas que empregará como estimulo à consecução de determinados

objetivos faz-se necessário esclarecer aqui alguns aspectos da linguagem

relacionados às suas funções específicas.

Relações entre aspectos e características da linguagem escrita e suas

funções como meio de comunicação

1. – A linguagem oral existe por necessidade social de comunicação. Ela visa a

afetar, influenciar ou modificar o comportamento de outro indivíduo. Ex.:

“Passe-me o pão, por favor?” ou, apenas, pôr em comum algo entre dois

indivíduos – Ex.: Saudações informais: “Oi”, “alô”, “Tudo bem?” etc.

2. – A linguagem escrita existe porque existe linguagem oral, que é

necessidade social de comunicação entre indivíduos.

3. – A linguagem escrita reflete, portanto, a linguagem oral, mas tem como

função primordial registrar, por tempo indeterminado, alguma comunicação,

visto que a linguagem articulada (sem ser gravada) desaparece no tempo e

no espaço, logo a seguir de sua emissão oral.

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4. – Há, porém, características especiais do registro escrito, em função do

receptor a quem se destina:

- Linguagem escrita para uso do próprio autor. Ex.: anotações de aula,

lembretes, agenda, receitas etc.

Sua forma é característica do autor e, para ser eficiente, não exige obediência

às convenções estabelecidas que regem a língua escrita. Ela assume a

expressão gráfica do pensamento, “em voz alta”. Desde que o autor possa

compreender (decodificar) o que escreveu, sua função atingiu o nível de

eficiência desejado.

- Linguagem escrita com finalidade social de comunicação. Esta,

evidentemente, será tanto mais eficiente quanto mais de perto seguir as

regras e convenções pertinentes ao código escrito e aceito da língua

empregada. Isto é, será tanto mais possível despertar no leitor as reações

que o autor pretende quanto mais for comum e conhecida de ambos a forma

escrita utilizada, ou seja, as convenções do código utilizado da língua em

questão.

5. – Outras características da forma da língua escrita devem ser observadas, em

função do conteúdo da mensagem que o autor pretende registrar.

- Mensagem de conteúdo criativo. Ex.: composição de historias, peças

teatrais, poesias etc., onde a forma assume um aspecto inventivo original,

novo. Através dela o autor visa a comunicar pensamentos, idéias e opiniões

suas sobre alguma coisa ou fato. Ex.: redação de novelas, contos, crônicas

etc. Esse tipo de composição, embora pertinente a um determinado sistema

lingüístico, causará os efeitos que almeja, na medida em que o autor

conseguir lidar, jogar, combinar formas escritas da língua com a habilidade

necessária, que, fatalmente, envolverá aspectos de apelo aos sentidos do

leitor, afetando-o através da beleza, choque, surpresa, encantamento etc.,

produzidos pelo arranjo original que o autor der ao seu texto (conteúdo).

Evidentemente, esta será obrigatória e, necessariamente, uma das formas a

ser mais desenvolvida desde o início do ensino da escrita, pois desse

desempenho (transposição da imaginação para o papel impresso)

dependerão todos os outros níveis de desempenho, por mais diferentes que

sejam suas finalidades.

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- Mensagens de conteúdos funcionais. Ex.: relatórios de pesquisa, relatórios

de observações, resumos de estudos, redação de convites, avisos etc. Essa

linguagem exige objetividade, clareza e exatidão necessária à composição

precisa dos fatos relatados. Evidentemente, esse tipo é necessariamente

mais formal que o anterior. Isto é, exige um desempenho da escrita que

obedeça às formas da língua (ortografia e sintaxe) a fim de estabelecer a

comunicação no nível de exatidão necessário. Dentro desse tipo de

composição se enquadram formas mais padronizadas, como as de

memorando, solicitações etc. Apesar dessa aparente rigidez, essa forma de

linguagem expressa concomitantemente um estilo ou características próprias

da organização de pensamento do autor.

Ambos os tipos de mensagem, quer sejam criativas ou “funcionais”, visam

ao estabelecimento de comunicação entre dois (no mínimo) indivíduos

diferentes e, portanto, devem submeter-se a determinadas convenções

(pertinentes à língua expressa) para que seja realmente viável o

estabelecimento de comunicação. Em síntese: para que seja decodificado e

interpretado o código, este terá que ser do conhecimento de ambos – autor e

leitor.

Observação: O emprego da terminologia composição de conteúdo

“funcional” tem por fim definir sua característica básica de funcionalidade de

fatos reais. Independente do tratamento que se der ao conteúdo, essa

composição terá sempre por finalidade primordial apresentar informações

exatas sobre determinados fatos, os quais o autor não pode criar (inventar).

6. – A linguagem é um comportamento do homem e, como tal, reflete toda uma

estrutura social com seus valores, preconceitos, usos e costumes. É,

portanto, um fato e um processo em constante modificação e não pode ser

encarada como algo pronto, acabado, rígido e imutável.

7. – Uma língua, qualquer que seja, observada como e enquanto processo de

comunicação, apresenta diversas variantes lingüísticas de acordo com o

grupo social que as utiliza, como por exemplo:

- crianças, jovens e pessoas idosas (variantes etárias);

- médicos, engenheiros, economistas e professores (variantes profissionais);

- cariocas, paranaenses, baianos (variantes regionais ou geográficas).

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Inúmeros outros fatores também determinam, influenciam, condicionam ou

representam variantes lingüísticas, ou “modos de falar diferentes” de uma

mesma língua. A partir desse conhecimento, tiramos as seguintes conclusões:

a) Para que a comunicação se efetue com um mínimo de atrito, é

necessário que falante e ouvinte “falem a mesma língua”.

b) Não se pode considerar, em matéria de comunicação (que é justamente

o objetivo da linguagem), que uma variante seja mais ou menos correta

do que outra.

c) Pelas características, aspectos e funções da língua, que acabamos de

expor, podemos concluir que o professor deverá orientar o processo de

ensino da leitura e da escrita:

• Sobre os alicerces da linguagem oral, qualquer que seja a variante

lingüística, utilizada por seus alunos, seja esta reflete toda uma

estrutura básica de pensamento e estrutura social do grupo a que

pertence. Esta representa o conteúdo ideativo – objeto da

comunicação a ser tratada na forma escrita.

• Em direção ao domínio de um código lingüístico aceito

oficialmente na língua nacional, não com sentido de atingir um

padrão de linguagem supostamente mais correto ou mais perfeito,

porém com o objetivo de possibilitar um eficiente processo de

comunicação entre indivíduos de um mesmo povo. O que quer

dizer levar o aluno a fazer uso da linguagem escrita como

instrumento efetivo de comunicação dentro de sua língua. Dominar

a leitura como fonte de prazer e informação, e a escrita como

processo de expressão e comunicação de suas idéias. E, portanto,

utilizá-los como meios ou recursos do seu próprio desenvolvimento

psicológico, intelectual e social.

Um indivíduo que não consegue se fazer entender pelo que

escreve, ou outro que não é capaz de tirar conclusões sobre o que

leu na própria língua materna, evidentemente sofrerá fortes

obstáculos para alcançar o desenvolvimento pleno de suas

potencialidades, como indivíduo e cidadão. E isso é o que se pode

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imaginar de pior para a obtenção do desenvolvimento, liberdade e

independência de um indivíduo, de um povo ou de uma nação.

3.2. Escrita com finalidade social de comunicação escrita para seu próprio uso

Cabe ao professor estimular, auxiliar e orientar a criança a utilizar-se da escrita

como meio de registrar alguma idéia e evitar esquecê-la.

Incentivar o aluno a:

- fazer uma relação, por escrito, dos objetos que deverá levar a uma passeio

determinado,

- anotar uma receita de cozinha de qualquer comida que tenha experimentado

fazer e/ou gostado na escola;

- anotar fatos interessantes, vistos durante uma excursão, para discuti-los mais

tarde com os colegas;

- desenhar “o que mais gostou, dentre as coisas que fez ontem” e depois

escrever embaixo.

Composições criadoras

Toda criança inventa historias espontaneamente. A atitude de entusiasmo,

aprovação e interesse que o professor demonstrar, desde o início, será diretamente

responsável pela continuação e desenvolvimento dessa capacidade natural. Não

bastam palavras, é necessário que, o professor sugira o seu registro, que no início

será feito através da expressão plástica, pela criança, e escrito, pelo professor. É

necessário que o professor incentive o aluno a experimentar técnicas e tipos de

apresentação variados, para que ele aumente o seu numero de experiências

criadora, e descubra e desenvolva suas próprias aptidões e habilidades em lidar com

os mais diversos materiais. E, finalmente, é da maior importância que o professor

demonstre a sua satisfação pelo trabalho – pela tentativa da criança em fazê-lo,

apoiando o aluno sempre que se fizer necessário e valorizando de alguma forma a

sua obra. Por exemplo, expondo-a no painel da sala; dentre os livros da biblioteca de

aula; projetando-a para a própria turma, outras crianças ou familiares, caso seja feita

para retro-projeção ou auxiliando-a na montagem de uma peça, caso a história tenha

sido escrita para teatro.

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CONCLUSÃO

Acredito que a partir desses estudos possamos entender os processos que tem

contribuído com o sucesso e o fracasso das crianças na apropriação da leitura e da

escrita.

E que também não é apenas a escola que tem a responsabilidade de

alfabetizar a criança, pois a família e o meio em que a criança vive podem contribuir

bastante nesse processo do ensino aprendizagem.

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ANEXOS

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FERREIRO, Emilia. Cultura escrita e educação. Porto Alegre: Artes médicas, 2001

______ “Alfabetização e cultura escrita”, Entrevista concedida à Denise Pellegrini In

Nova Escola – A revista do Professor. São Paulo: Abril, maio /2003, pp.27-30

LEITE, S.A.S. (org.) Alfabetização e letramento – contribuições para as práticas

pedagógicas. Campinas: Komedi/Arte Escrita, 2001

KLEIMAN, A.B. (org.) Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a

prática social da escrita. Campinas: Mercado das Letras, 1995.

______ “Programas de educação de jovens e adultos” In Educação e Pesquisa –

Revista da Faculdade de Educação da USP. São Paulo, v.27, n.2, p.267-281

TFOUNI, L.V. Letramento e alfabetização. São Paulo: Cortez, 1995.

HOLL, Jaqueline. Alfabetização possível. Porto Alegre: Mediaço, 1997.

FERREIO, Emilia. Com todas as letras. Porto Alegre: Cortez, 4.ed.

GARCIA, Jesus Nicásio. Manual de alfabetização de aprendizagens. Porto Alegre:

Artmed, 1998.

RIZZO, Gilda; LEGEY, Eliane. Alfabetização Método Natural. 2.ed. Rio de Janeiro:

Francisco Alves.

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ÍNDICE FOLHA DE ROSTO 2

AGRADECIMENTO 3

DEDICATÓRIA 4

RESUMO 5

SUMÁRIO 6

INTRODUÇÃO 7

CAPÍTULO I

(O processo de alfabetização)

1.1 – Alfabetização segundo Emília Ferreiro 8

1.2 – Processo de construção da escrita 9

1.3 – Alfabetização e letramento. O que é letramento? 10

1.4 – Os objetivos da alfabetização inicial 17

CAPÍTULO II

( Desenvolvimento da escrita na alfabetização)

2.1 – A psicogênese da língua escrita 18

2.2 – A construção da escrita em nossas crianças 18

2.3 – A evolução histórica da escrita 25

2.4 – Dificuldades de aprendizagem da escrita 27

2.4.1 – Desenvolvimento das habilidades 28

2.5 – O modelo da psicologia da escrita 29

2.5.1 – Processos cognitivos envolvidos na escrita 30

2.5.2 – Processos intervenientes na tarefa da escrita 31

CAPÍTULO III

(A escrita no processo natural)

3.1 – O que o professor deve conhecer a respeito do ensino da escrita 33

3.2 – Escrita com a finalidade social de comunicação 37

CONCLUSÃO 38

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ANEXOS 39

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 40

ÍNDICE 41

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FOLHA DE AVALIAÇÃO

Nome da Instituição: Universidade Cândido Mendes

Título da Monografia: O Desenvolvimento da escrita na alfabetização

Autor: Bianca Ferreira da Silva

Data da entrega:

Avaliado por: Conceito: