UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … JOSE CAMPOS SALMERON.pdf · A linguagem corporal...

50
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE LINGUAGEM CORPORAL: UM OLHAR PSICOMOTOR NA ARTE E EDUCAÇÃO SÉRGIO JOSÉ CAMPOS SALMERON Orientadora Profa. Fabiane Muniz RIO DE JANEIRO 2004

Transcript of UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … JOSE CAMPOS SALMERON.pdf · A linguagem corporal...

Page 1: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … JOSE CAMPOS SALMERON.pdf · A linguagem corporal se propõe a abrir caminhos e possibilitar a representação de um mundo imaginário.

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

LINGUAGEM CORPORAL:

UM OLHAR PSICOMOTOR NA ARTE E EDUCAÇÃO

SÉRGIO JOSÉ CAMPOS SALMERON

Orientadora

Profa. Fabiane Muniz

RIO DE JANEIRO

2004

Page 2: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … JOSE CAMPOS SALMERON.pdf · A linguagem corporal se propõe a abrir caminhos e possibilitar a representação de um mundo imaginário.

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

LINGUAGEM CORPORAL:

UM OLHAR PSICOMOTOR NA ARTE E EDUCAÇÃO

Apresentação de monografia à

Universidade Candido Mendes como

condição prévia para a conclusão do

Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu”

em Psicomotricidade.

Por: Sérgio José Campos Salmeron.

RIO DE JANEIRO

2004

Page 3: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … JOSE CAMPOS SALMERON.pdf · A linguagem corporal se propõe a abrir caminhos e possibilitar a representação de um mundo imaginário.

DEDICATÓRIA

Dedico esta monografia a todos que

estiveram ao meu lado contribuindo

diretamente ou indiretamente para esta

pesquisa. Aos meus familiares, por

apoiarem as minhas decisões de

progresso, incentivando sempre a ir

mais longe.

Page 4: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … JOSE CAMPOS SALMERON.pdf · A linguagem corporal se propõe a abrir caminhos e possibilitar a representação de um mundo imaginário.

AGRADECIMENTOS

Aos professores, por contribuírem para

o nosso crescimento profissional com

suas experiências de vida.

Aos meus amigos, por torcerem por

mais uma vitória.

A profa. Fabiane Muniz, pela

contribuição na conclusão deste

trabalho.

Page 5: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … JOSE CAMPOS SALMERON.pdf · A linguagem corporal se propõe a abrir caminhos e possibilitar a representação de um mundo imaginário.

RESUMO

Uma das principais funções do trabalho corporal é de estabelecer uma

conexão contínua corpo-mente; a percepção (como tomada de consciência) de

sensações e de suas manifestações em sensíveis mudanças corpóreas.

Para ir ao encontro da linguagem do corpo é preciso desenvolver as

possibilidades do movimento corporal, que exige a descoberta do próprio corpo,

percebendo seus aspectos físicos, psíquicos e suas inter-relações.

Para que a linguagem do corpo seja totalmente compreendida, é preciso

também entender a linguagem dos gestos, das atitudes e das ações.

A linguagem corporal se propõe a abrir caminhos e possibilitar a

representação de um mundo imaginário. Por isso além do desenvolvimento do corpo

deve-se cuidar do desenvolvimento da mente.

No trabalho com crianças, o diálogo corporal não se instala apenas através

do agir, mas também do sentir. A aprendizagem de conceitos, a elaboração de

raciocínios e a alfabetização, em consonância com o material afetivo e psicomotor,

vivenciados como atividades livres de educação psicomotora, tornam-se parte do

crescimento global da criança.

O trabalho corporal desenvolvido pelo ator, trata de conscientizá-lo de seu

instrumento, a partir da auto-observação num grande número de ações, a fim de

possibilitar autocontrole: vontade influindo no tônus muscular, alterações musculares

como conseqüência de elementos interiores aplicados em cada ação ou posição

particular.

Page 6: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … JOSE CAMPOS SALMERON.pdf · A linguagem corporal se propõe a abrir caminhos e possibilitar a representação de um mundo imaginário.

6

SUMÁRIO

Introdução.......................................................................................................................

...1

Capítulo I – O Corpo e o

Movimento................................................................................3

1.1 – Imagem

Corporal..........................................................................................4

1.2 – Como se Processa o Desenvolvimento da Imagem

Corporal.......................6

1.3 – A Experiência da “Falta” no Processo de Desenvolvimento da

Identidade

Corporal........................................................................................................9

Capítulo II – Linguagem

Corporal..................................................................................11

Capítulo III – A Comunicação com o

Corpo...................................................................14

Capítulo IV – A Linguagem e o

Corpo...........................................................................18

4.1 – A Fisiognomonia ou a Morfologia do

caráter.............................................18

4.2 – A Patognomonia das

Emoções...................................................................19

Capítulo V – O Corpo

Fala..............................................................................................22

Page 7: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … JOSE CAMPOS SALMERON.pdf · A linguagem corporal se propõe a abrir caminhos e possibilitar a representação de um mundo imaginário.

7

5.1 – Homem através de seu Corpo, Expressa

Emoções.....................................22

5.2 – A linguagem Silenciosa da Comunicação Não

Verbal...............................23

5.3 – A Ação é Comunicação com o

Mundo.......................................................23

5.4 – A Linguagem das Atitudes e dos

Gestos....................................................24

5.5 – A Linguagem da

Ação................................................................................24

5.6 – O Desenvolvimento da Capacidade de

Expressão......................................25

5.7 – As Dificuldades da

Expressão....................................................................25

Capítulo VI – Corpo

Integrado........................................................................................27

Capítulo VII – O Corpo como Objeto e Instrumento de

Aprendizagem.........................31

7.1 – Dois Níveis de

Corporalidade.....................................................................31

7.2 – O Lugar do Corpo na

Educação..................................................................33

Capítulo VIII – O Corpo na

Arte.....................................................................................35

Conclusão........................................................................................................................

38

Referências

Bibliográficas...............................................................................................39

Page 8: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … JOSE CAMPOS SALMERON.pdf · A linguagem corporal se propõe a abrir caminhos e possibilitar a representação de um mundo imaginário.

8

Anexos............................................................................................................................

.41

INTRODUÇÃO

A Unidade é algo a ser priorizado quando se trata do humano,

pois não há situação somática que não possua representação psíquica. O homem é

seu corpo (BRIKMAN, 1989).

A linguagem corporal se propõe a abrir caminhos e possibilitar a

representação de um mundo imaginário. Por isso além do desenvolvimento do corpo

deve-se cuidar do desenvolvimento da mente. Assim poderemos sentir e

compreender as situações que nos são dadas na experiência e criar novas situações.

A comunicação através do corpo, dá-se a partir do momento que

exista, assim como na linguagem verbal, um emissor, um receptor e um

entendimento da mensagem emitida.

Isso acontece naturalmente no dia-a-dia das pessoas, nos seus

relacionamentos interpessoais e pode ser de forma consciente ou inconsciente,

agradável ou desagradável.

Page 9: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … JOSE CAMPOS SALMERON.pdf · A linguagem corporal se propõe a abrir caminhos e possibilitar a representação de um mundo imaginário.

9

A unidade é algo a ser priorizado quando se trata do humano,

pois não há situação somática que não possua representação

psíquica. “O homem é seu corpo”.

O corpo que se expressa é um corpo fantasmático no qual se inscrevem

vivências, sentimentos, conflitos, que vão ser retomados simbolicamente e, a

posteriori, nomeados, inscrevendo-se no discurso psíquico. É um corpo de

fantasmas, que se reatualizam desde as fantasias primárias até as complexas

estruturas da cadeia significante do adulto, e pode “falar” sobre o mundo interno do

sujeito, quando uma vivência corporal remete ao discurso que o especifica

(GUIRAUD, 1991).

A criança percebe seu próprio corpo por meio de todos os sentidos, estando

o seu corpo ocupando um espaço no ambiente em função do tempo, captando assim

imagens, recebendo sons, sentindo cheiros e sabores, dor e calor, movimentando-se.

O corpo é o seu centro, o seu referencial, para si mesma, para o espaço que ocupa e

na relação com o outro.

Esse estudo, através de levantamento bibliográfico, se propõe investigar,

sobre a linguagem corporal na educação e na arte.

Page 10: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … JOSE CAMPOS SALMERON.pdf · A linguagem corporal se propõe a abrir caminhos e possibilitar a representação de um mundo imaginário.

10

CAPÍTULO I

O CORPO E O MOVIMENTO

Segundo Alves (2003), o primeiro objeto que a criança percebe é seu

próprio corpo. Este conhecimento se estrutura através de sensações, mobilizações e

deslocamentos.

Esquema corporal é a organização das sensações relativas ao próprio corpo,

como resultado da associação de elementos cada vez mais coordenados e complexos.

O esquema corporal nada mais é do que a imagem de si mesmo, isto é, uma imagem

que tem como particularidade o interesse afetivo que lhe dirige o sujeito. A par da

elaboração do esquema corporal, que resulta de atividades mentais, temos que

considerar a tomada de consciência de si, como Ego corporal, que resulta da relação

do sujeito com os demais.

A construção do esquema corporal se dá a partir da maturação neurológica,

da evolução sensório-motora e da relação com o corpo do outro.

Sendo o movimento uma resposta muscular à estimulação sensorial, só se

pode estudar na unidade sensório-motora, isto é, levando em consideração a

informação motora.

Sherrigton e Head distinguem dentro da sensibilidade:

• Uma sensibilidade interoceptiva:

- é a sensibilidade visceral

Page 11: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … JOSE CAMPOS SALMERON.pdf · A linguagem corporal se propõe a abrir caminhos e possibilitar a representação de um mundo imaginário.

11

• Uma sensibilidade proprioceptiva:

- é ligada às posturas, movimentos e atitudes

• Uma sensibilidade exteroceptiva:

- englobando as funções táteis, visuais e auditivas.

Movimento reflexo: reação involuntária, esterotipada e localizada no

organismo a um estímulo específico. Os reflexos podem ser inatos ou adquiridos por

aprendizagem. Exemplo: reflexo pupilar – reflexo de sucção.

Movimentos voluntários: são os atos intencionais que encerram dois

elementos importantes: motivação e antecipação. Tais características dão ao

movimento voluntário a conotação de atividade psicomotora por excelência. Já que o

projeto motor é a intencionalidade convertida em ato, representa o ponto onde se

reúnem as faculdades intelectuais e psíquicas e as possibilidades motrizes.

Movimentos automáticos: reações globais do organismo aos estímulos do

meio, sem possibilidades de decomposição e análise. São reações aprendidas

tornando-se involuntárias, isto é, a partir de um estímulo, surge uma cadeia de

respostas que se sucedem com o controle consciente do sujeito. Exemplo: na marcha,

os primeiros movimentos são voluntários seguindo-se uma ação automática.

1.1 - Imagem Corporal

Imagem corporal é a figuração do próprio corpo formada e estruturada na

mente do mesmo indivíduo, ou seja, a maneira pela qual o corpo se apresenta para si

próprio. É o conjunto de sensações sinestésicas construídas pelos sentidos (audição,

visão, tato, paladar), oriundos de experiências vivenciadas pelo individuo, onde o

referido cria um referencial do seu corpo, para o seu corpo e para o outro, sobre o

objeto elaborado (ALVES, 2003).

O termo Imagem Corporal vem sendo usado freqüentemente de maneira

permutável com a terminologia Esquema do Corpo, em estudos neurológicos e

Page 12: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … JOSE CAMPOS SALMERON.pdf · A linguagem corporal se propõe a abrir caminhos e possibilitar a representação de um mundo imaginário.

12

psicológicos, onde ocorrem também resistências a determinadas definições e muitas

confusões metodológicas e conceituais.

O esquema corporal é tido como a "experiência imediata de uma unidade

do corpo, (....) percebida, porém é mais do que uma percepção, (...) chamamos de

esquema de nosso corpo", ou mesmo, segundo Brikman (1989), que o denomina

como modelo postural do corpo. O aludido é a imagem tridimensional que todo

sujeito tem do seu próprio corpo, não abordando sob a ótica de uma mera sensação

ou imaginação, mas da percepção corporal, mesmo que a informação tenha chegado

através dos sentido.

A imagem que pode ser visual, motora, auditiva, tátil, entre outras, não

pode ser analisada separadamente os itens ou adotar para casa estrutura um padrão

único para a avaliação de alteração em todas as estruturas.

Toda mudança reconhecível entra na consciência comparando-se com

situações já vivenciadas, realizando assim uma avaliação da nova situação que gera

uma mudança na Imagem Corporal.

Há uma distinção desobstruída proposta primeiramente por Feldenkrais

(1987), entre um esquema do corpo considerado como "um padrão combinado de

encontro em que todas as mudanças subseqüentes da postura estão sendo medidas

(...) antes que a mudança postural incorpore o consciente."; e a imagem do corpo

como "uma representação interna na experiência consciente da informação visual,

tátil e motor, da origem corporal".

Segundo Vayer e Toulouse (1982), a imagem corporal pode ser definida

como a visão do nosso corpo que produzimos em nossa mente. A imagem corporal é

definida como a representação mental do próprio corpo.

Page 13: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … JOSE CAMPOS SALMERON.pdf · A linguagem corporal se propõe a abrir caminhos e possibilitar a representação de um mundo imaginário.

13

1.2 - Como se processa o desenvolvimento da Imagem Corporal?

A Imagem Corporal se desenvolve desde o nascimento até a morte, dentro

de uma estrutura complexa e subjetiva, sofrendo modificações que implicam na

construção contínua, e reconstrução incessante, resultante do processamento de

estímulos (GUIRAUD, 1991).

Durante os anos pré-escolares a criança desenvolve de forma acentuada o

seu conceito a respeito da imagem corporal. Com um pensamento e uma linguagem

mais abrangente, começa a reconhecer que a aparência das pessoas pode ser mais ou

menos desejável e as diferenças de cor ou raça. Ela conhece o significado das

palavras "bonito" e "feio" e reflete a opinião que os outros têm a respeito de sua

aparência.

Aos cinco anos, por exemplo, a criança já compara sua altura com a de seus

pais e pode dar-se conta de ser alta ou baixa, especialmente quando as pessoas se

referem a ela, chamando-a de "alta ou baixa para a idade".

Apesar de seus progressos no desenvolvimento da imagem corporal, o pré-

escolar ainda tem uma noção pouco definida a respeito dos limites do seu corpo,

além de possuir escassos conhecimentos de sua anatomia interna. Em virtude disto,

qualquer experiência invasiva o atemoriza, especialmente quando há solução de

continuidade da pele, tais como pequenos cortes ou escoriações. Em seu pensamento,

em conseqüência de uma pele rompida pode escapar todo o seu sangue e interiores.

Por isto, os curativos são tão importantes para segurar tudo dentro, e qualquer

arranhão precisa de mercúrio ou esparadrapo, para que a interpretação da imagem

corporal da criança seja atendida evitando distúrbios que possam surgir

posteriormente.

A criança percebe seu próprio corpo por meio de todos os sentidos, estando

o seu corpo ocupando um espaço no ambiente em função do tempo, captando assim

imagens, recebendo sons, sentindo cheiros e sabores, dor e calor, movimentando-se.

Page 14: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … JOSE CAMPOS SALMERON.pdf · A linguagem corporal se propõe a abrir caminhos e possibilitar a representação de um mundo imaginário.

14

O corpo é o seu centro, o seu referencial, para si mesma, para o espaço que ocupa e

na relação com o outro.

A noção do corpo está no centro do sentimento de mais ou menos

disponibilidade e adaptação que temos de nosso corpo e está no centro da relação

entre o vivido e o universo. É nosso espelho afetivo-somático ante uma imagem de

nós mesmos, do outro e dos objetos.

O esquema corporal, da maneira como se constrói e se elabora no decorrer

da evolução da criança, não tem nada a ver com uma tomada de consciência

sucessiva de elementos distintos, os quais, como num quebra-cabeça, iriam pouco a

pouco se encaixar uns aos outros para compor um corpo completo a partir de um

corpo desmembrado (BERGE, 1988).

O esquema corporal revela-se gradativamente à criança da mesma forma

que uma fotografia revelada na câmara escura mostra-se pouco a pouco para o

observador, tomando contorno, forma e coloração cada vez mais nítidos. A

elaboração e o estabelecimento deste esquema parecem ocorrer relativamente cedo,

uma vez que a evolução está praticamente terminada por volta dos quatro ou cinco

anos. Isto é, ao lado da construção de um corpo 'objetivo', estruturado e representado

como um objeto físico, cujos limites podem ser traçados a qualquer momento, existe

uma experiência precoce, global e inconsciente do esquema corporal, que vai pesar

muito no desenvolvimento ulterior da imagem e da representação de si mesmo, idem.

A imagem corporal é continua e representativa do esquema postural e

acompanha o indivíduo desde o seu nascimento até o ultimo suspiro, sofrendo

adaptações e transformações globais de acordo com o momento vivido.

Quanto maior forem os estímulos e as possibilidades de novas experiências

do recém nascido durante toda sua trajetória de vida, mais completa será a sua

formação do esquema corporal, principalmente sob o ponto de vista psicomotor. As

experiências corporais que determinam a imagem corporal corroboram para a

modelação de um esquema que refletirá na adolescência e na vida adulta. Sua forma

Page 15: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … JOSE CAMPOS SALMERON.pdf · A linguagem corporal se propõe a abrir caminhos e possibilitar a representação de um mundo imaginário.

15

poderá ser lapidada, porém terá seus elementos da construção inicial preservados,

apesar das transformações ocorridas ao longo da vida.

O esquema corporal é uma aquisição lenta e paulatina. Desenvolve-se desde

antes do nascimento, se incrementa em forma notável desde este até o terceiro ano de

vida e, logo, continua em permanente evolução adaptativa pelo resto da existência do

individuo. Se estrutura sobre a base dos componentes neurológicos em

desenvolvimento e maturação onde se liga fundamentalmente, as percepções

exteroceptivas, proprioceptivas e interoceptivas que permitem estabelecer, em um

momento inicial a consciência sobre localização espacial total, a capacidade e o

funcionamento de uma determinada parte do corpo, a consciência inicial sobre a

magnitude do esforço necessário para realizar uma determinada ação, e a consciência

sobre a posição do corpo e suas partes no espaço durante esta ação.

Estas noções que se desenvolvem prioritariamente durante os primeiros

meses de vida extra-uterina, mas que se inicia durante a vida intrauterina, como já se

abordou, vão ocorrendo cada vez mas fáceis e inconscientes pela repetição continua e

eficaz de cada ato em questão, até chegar a automatização da resposta frente ao

estímulo específico.

Liga-se sem associações ao estabelecimento dos reflexos em que as

percepções sensoriais, sensitivas e proprioceptivas se conjugam para gerar a

excitação neuronal que, em nível central ou em nível da medula espinal, desencadeia

a motricidade requerida como resposta ao estímulo percebido ou a uma ação gerada

conscientemente.

Ainda que pareça evidente, é necessário aclarar que o esquema corporal se

implanta e evolui, especial e especificamente, sobre a maturação do conjunto

neuromúsculo-esquelético e que se liga ao processo de ereção que leva o neonato

através das etapas de rastejar, engatinhar e primeiros passos, até ao total domínio da

marcha e orientação, as quais são suportadas pelo eixo axial que está localizado na

coluna vertebral.

Page 16: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … JOSE CAMPOS SALMERON.pdf · A linguagem corporal se propõe a abrir caminhos e possibilitar a representação de um mundo imaginário.

16

A imagem corporal do bebê amadurece aos poucos na medida em que ele

experimenta o toque, a exploração do espaço, a manipulação e contato com objetos.

A idéia de separação de seu corpo de outros corpos e objetos se dá gradativamente

(LE BOULCH,1987). Trinta (1990) e Lapierre (1984) concordam que a percepção da

existência do corpo próprio, individual, se dá por volta dos 18 meses. Le Boulch

(1987) aponta que Lacan, após Wallon enfatizam a grande importância da "fase do

espelho", quando a criança vê sua imagem projetada no espelho, olha por trás do

mesmo... Até então, a imagem de seu corpo encontra-se incompleta, fragmentada. A

imagem do todo acontece quando ela se vê no espelho. Ela passa então da imagem

do corpo fragmentado à compreensão da unidade de seu corpo como um todo

organizado. Guiraud (1991) ressalva a importância da imagem corporal não ser

limitada a imagens visuais, mas como fruto da absorção de experiências vividas.

A imagem corporal nunca é estática. Ela muda de ação para ação. De início,

quando a imagem está sendo estabelecida, sua taxa de mudança é alta; novas formas

de ação que, apenas um dia antes, estavam além da capacidade da criança, são

rapidamente conseguidas.

1.3 - A experiência da "falta" no processo de desenvolvimento da

Identidade Corporal

A criança não espera nada do mundo exterior de plenitude e fusionalidade.

A perda da plenitude fusional não assegura a separação do Eu e do não-EU, a qual

exige uma dissociação perceptiva entre as sensações provocadas pelo exterior e as

sensações internas, que se revertem em experiência (LAPIERRE, 1984).

Os objetos transicionais e os desejos do homem ocorrem para minimizar, ou

seja, compensar a falta do se ou de um ser. O desejo de possuir o corpo do outro se

transforma em desejo possessivo pelos objetos.

Page 17: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … JOSE CAMPOS SALMERON.pdf · A linguagem corporal se propõe a abrir caminhos e possibilitar a representação de um mundo imaginário.

17

A falta no corpo, oculta no inconsciente, vai emergir no consciente sob a

forma simbólica de uma falta do ter. Mas o ter não pode nunca preencher esta falta e

o desejo de posse pelos objetos torna-se incontrolável cumulativo e desabando como

uma avalanche.

La Pierre contextualiza a experiência da "falta" no processo de

desenvolvimento da Identidade Corporal na necessidade do individuo transferir ou se

apoiar, e porque não dizer, consumir o outro. Este se revela desde o nascimento do

bebê, quando se corta o cordão umbilical e há a separação do líquido amniótico, até a

fase adulta quando ainda há a necessidade de recuperar o trauma ocorrido na quebra

da fusionalidade. Para o autor a construção da identidade corporal ocorrerá espelhada

no que o outro apresenta, e sobre o desejo do individuo reproduzido pelo outro.

A construção deste modelo corporal surgirá de uma maneira pela qual o

sujeito tenta consumir, enquanto objeto, o corpo de um outro individuo para suprir o

seu espaço fusional interior.

Na fantasmática fusional da criança, as "cavidades" são aberturas para o

mundo misterioso do interior do outro, daí o desejo inconsciente de penetrar nestas

cavidades (...), onde a criança com seus dedos , a mão, o olhar, e com todo o corpo

explora estes orifícios na busca da interioridade alheia no seu próprio corpo, fato que

no futuro vai se investir nas relações sexuais.

Para o surgimento da identidade corporal, o corpo deve estar reunido com

uma imagem global que aparece por volta do oitavo mês de vida, durante o estágio

do espelho, que ainda é imperfeita mas que se aprimora com o reforço. As

experiências motoras corroboram para o conhecimento das dimensões corporais

permitindo atingir com maior facilidade esta totalidade.

Page 18: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … JOSE CAMPOS SALMERON.pdf · A linguagem corporal se propõe a abrir caminhos e possibilitar a representação de um mundo imaginário.

18

CAPÍTULO II

LINGUAGEM CORPORAL

Linguagem corporal é uma necessidade de exprimir-se fisicamente,

uma reação contra as inibições do século passado, e a necessidade de criação é

resposta ao fato de que tudo se compra, nada de fabrica pessoalmente, com isso, os

instintos de criatividade estão totalmente recalcados (GUIRAUD, 1991).

A expressão corporal nos faz tomar consciência de lembranças

nostálgicas que relegamos ao mais profundo do nosso ser. Mexer-se com liberdade é

exprimir nossos sentimentos mais escondidos, partilhar o que pensamos mas não

sabemos dizer, reencontrar o contato com a natureza e com o outro, realizar um

pouco nossa necessidade de autenticidade.

Expressão corporal sem exigências é liberdade sem responsabilidade.

Há certamente terapias de grupo e psicodramas muito salutares, mas

são tratamentos que geralmente se dirigem a casos patológicos.

A linguagem corporal não tem o intuito de curar distúrbios psíquicos

graves, mas simplesmente ajudar as pessoas a encontrarem melhor equilíbrio para

viverem mais de acordo com sua natureza profunda.

Para ir ao encontro da linguagem do corpo é preciso desenvolver as

possibilidades do movimento corporal, que exige a descoberta do próprio corpo,

percebendo seus aspectos físicos, psíquicos e suas inter-relações.

Page 19: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … JOSE CAMPOS SALMERON.pdf · A linguagem corporal se propõe a abrir caminhos e possibilitar a representação de um mundo imaginário.

19

Expressar tem vários significados, em relação com o corpo, com a

mente, a emoção, a sensibilidade e a capacidade de dar e receber.

Podemos dizer que possibilita ao indivíduo:

Manifestar de forma corporal e plenamente sua mente, sua emoção e suas

idéias;

Relacionar-se e integrar-se criativamente com os membros de sua sociedade;

Aprender a desfrutar e manejar seu corpo como uma totalidade integrada.

Para que a linguagem do corpo seja totalmente compreendida, é

preciso também entender a linguagem dos gestos, das atitudes e das ações.

A linguagem corporal se propõe a abrir caminhos e possibilitar a

representação de um mundo imaginário. Por isso além do desenvolvimento do corpo

deve-se cuidar do desenvolvimento da mente. Assim poderemos sentir e

compreender as situações que nos são dadas na experiência e criar novas situações.

As expressões corporais revelam evidentemente muitas coisas diferentes. É

o resultado, ou da busca de um objeto dotado de valor, ou de uma condição mental.

Suas formas mostram a atitude da pessoa que se move numa determinada situação.

Pode tanto caracterizar um estado de espírito e uma reação, como atributos mais

constantes da personalidade. As expressões podem ser influenciadas pelo meio

ambiente do ser que se move.

Os movimentos expressivos no corpo e rosto...servem como primeiro

meio de comunicação entre a mãe e seu filho. Os movimentos expressivos conferem

vivacidade e energia às nossas palavras faladas. Revelam os pensamentos e

intenções dos outros, de modo mais verdadeiro do que o fazem as palavras, que

podem ser falseadas... A livre expressão de uma emoção através de sinais externos,

intensifica...

Page 20: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … JOSE CAMPOS SALMERON.pdf · A linguagem corporal se propõe a abrir caminhos e possibilitar a representação de um mundo imaginário.

20

Por outro lado, a repressão, até onde isso for possível de todos os sinais

externos, enfraquece nossas emoções. Aquele que se permite expressar por uma

gesticulação violenta incrementará sua ira; aquele que não controla os sinais de

medo, vivenciará esse medo em grau mais elevado; e aquele que permanece passivo,

quando subjulgado pelo pesar, perde sua melhor oportunidade de recuperar a

elasticidade mental.

Page 21: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … JOSE CAMPOS SALMERON.pdf · A linguagem corporal se propõe a abrir caminhos e possibilitar a representação de um mundo imaginário.

21

CAPÍTULO III

A COMUNICAÇÃO COM O CORPO

Nosso corpo fala e nós falamos com nosso corpo de diversas maneiras e

em diversos níveis (FELDENKRAIS, 1987).

O corpo pode falar por intermédio de nossas emoções, que são os

"movimentos" do nosso organismo, exemplo: trememos de medo, coramos de

vergonha, fazemos careta de dor, etc. Estas são reações físicas, pelas quais se

exprimem os nossos sentimentos, que são traduzidos pela linguagem, o modo pelo

qual concebemos e representamos esses fenômenos. As reações físicas, são também

chamadas de signos. Os signos fisiognômicos e cinestésicos são naturais,

espontâneos e meio inconscientes, o que deveria fazer recusar-lhes o status de

linguagem.

Esses signos têm a função inicial de conhecer o caráter, o estado de saúde, os

sentimentos do outro e são utilizados "artificialmente" para conhecer o nosso

caráter, nossos sentimentos, por exemplo, abrimos a boca espontaneamente sob

efeito de surpresa, mas podemos fazê-lo deliberadamente para mostrar que estamos

surpresos. Constitui-se então, desta forma um objeto gestual em que a relação entre

signos e as relações naturais de que derivam tornou-se há tempos, obscura, como de

costume nas linguagens articuladas, por exemplo, a saudação mediante inclinação de

cabeça remonta um reflexo de submissão muito antiga.

Conforme a natureza e a função que apresentam pode-se distinguir

diferentes tipos de códigos corporais:

Page 22: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … JOSE CAMPOS SALMERON.pdf · A linguagem corporal se propõe a abrir caminhos e possibilitar a representação de um mundo imaginário.

22

- Primeiro: os substitutos da linguagem articulada, gestos e mímicas suprem os

sons;

Exemplo: linguagem dos surdos-mudos, dos trapistas e dos

boookmakers, etc.

- Segundo: os auxiliares da linguagem articulada, gestos e movimentos corporais

acompanham a fala; estudo dos auxiliares da linguagem articulada deu origem a três

disciplinas:

- Cinésia: estudo dos gestos e mímicas;

- Proxênica: estudo das posições do corpo num espaço cultural (abraço,

posição num cortejo);

- Prosódica: estudo das entonações e variações por meio das quais se exprimem

os sentimentos e intenções dos interlocutores (gritos, lágrimas e risos).

Através das fontes de informações que interpretamos com o auxílio de

códigos (fisiognomias e caracterologias), nosso corpo fala .Por outro lado, nós

falamos com o corpo através de um sistema de gestos, mímicas, deslocamentos e

gritos. Imaginamos um mundo segundo o modelo de nosso corpo, formando assim

conceitos e palavras a partir de imagens corporais. Fazemos o nosso corpo falar, ao

utilizá-lo como modo de expressão de uma realidade extracorporal, e falamos com o

corpo, na medida em que nos servimos de gestos e mímicas corporais para transmitir

informações.

Temos, a respeito do corpo do outro apenas uma visão sincrética, isto é,

uma apreensão global e mais ou menos confusa de um todo. Traduzindo

espontaneamente por um sentimento: ele está contente..., ele está triste..., ele está

deprimido..., ele está com raiva... ou por uma intenção: ele quer me seduzir..., me

convencer ou me dominar... ele mente etc. É seu corpo que o diz mesmo antes que

ele tenha pronunciado uma palavra. Compreende-se esta linguagem do corpo sem ter

necessidade de identificar e de analisar os múltiplos elementos que a constituem. É

Page 23: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … JOSE CAMPOS SALMERON.pdf · A linguagem corporal se propõe a abrir caminhos e possibilitar a representação de um mundo imaginário.

23

neste sentido que Sapir a define como “alguma coisa que não está escrita em lugar

algum, que ninguém conhece, mas que todo mundo compreende”.

A linguagem corporal é universal, porque ela repousa sobre estruturas

arcaicas, inatas, transmitidas de geração em geração, inscritas de alguma forma no id.

Essas estruturas neuropsicomotoras fazem parte do patrimônio gene´tico da

humanidade. A espécie humana, como cada espécie animal, tem seus códigos

gestuais e seus rituais de comunicação. Há até uma certa analogia entre os códigos

gestuais de diferentes espécies, o que permite ao homem e ao animal

compreenderem-se na expressão dos sentimentos primários (BRIKMAN, 1989).

Esses códigos constituem, às vezes, rituais, sinais emitidos

espontaneamente e percebidos também inconscientemente pelo outro.

O corpo fala essencialmente de sentimentos. O corpo é a expressão mais

direta do sistema e se presta muito mal a sua utilização pelo sistema. O corpo fala de

desejos e de fantasmas, não de realidade objetiva.

O corpo não é feito para informação objetiva, mas para comunicação. O que

é então a “comunicação”, tal qual a entendemos? “Comunicar e “comunicação”

aparecem na língua francesa na segunda metade do século XVI. O sentido básico é

ainda muito próximo ao do latim “communicare” (colocar em comum)... esta

colocação em comum compreende até aparentemente, a união dos corpos.. Até o

século XVI, “comunicar” e “comunicação” são, então, muito próximo de

“comungar” e “comunhão”... a partir desse sentido de “partilha”, aparece no século

XVI o sentido “partilhar” uma novidade. Desde então, no fim do século,

“comunicar” começa a significar também “transmitir”... é esse sentido de

transmissão que predomina em todas as acepções francesas contemporâneas. “A

nova comunicação”.

Quando fala-se de comunicação em análise corporal, é para designar o

estabelecimento de uma relação muito profunda, com uma partilha de sentimentos de

forte carga emocional, com uma união numa troca íntima.

Page 24: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … JOSE CAMPOS SALMERON.pdf · A linguagem corporal se propõe a abrir caminhos e possibilitar a representação de um mundo imaginário.

24

A relação se limita habitualmente a um nível mais superficial, e o corpo

exprime sempre espontaneamente os sentimentos, os desejos e os fantasmas.

Exprime pela atitude, mímica, olhar, gesto (ou imobilidade), contato, distância,

ritmo, respiração, tonalidades vocais, ato e maneira com a qual ele utiliza os objetos.

Todas essas mensagens não-verbais que constituem, ao que parece, dois terços da

relação. Ainda, é necessário que essas diferentes partes da mensagem sejam

coerentes entre si, para que haja a percepção de uma mensagem global e sem

ambigüidade. Esta coerência é assegurada pelo tônus, pelas modulações tônicas

involuntárias geradas pelas tensões psíquicas que se transmitem simultaneamente, a

partir do mesencéfalo, para todas as partes do corpo.

Page 25: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … JOSE CAMPOS SALMERON.pdf · A linguagem corporal se propõe a abrir caminhos e possibilitar a representação de um mundo imaginário.

25

CAPÍTULO IV

A LINGUAGEM E O CORPO

Estudo dos índices corporais são divididos em duas partes: a forma do

corpo e seus movimentos (WEIL e TOMPAKOW, 1988).

A forma do corpo constitui uma morfologia do caráter que interpreta o

comprimento do nariz como signo de faculdades permanentes.

Chamamos de fisiognomonia, esse estudo, que hoje sobrevive em diversas

caractereologias.

Por outro lado, existe uma cinética das emoções, que são designadas pelo

nome de patognomonia. E, os traços fisiognomicos e patognomicos, encontram-se na

origem de metáforas: uma acolhida pode ser fria ou calorosa, por exemplo.

4.1 - A Fisiognomonia ou a Morfologia do Caráter

Podemos dizer que o corpo "fala" na medida em que nos dá

informações sobre a personalidade das pessoas: sexo, idade, origem étnica, social,

estado de saúde, o caráter, etc.

Page 26: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … JOSE CAMPOS SALMERON.pdf · A linguagem corporal se propõe a abrir caminhos e possibilitar a representação de um mundo imaginário.

26

A aparência física do indivíduo é o que nos leva a dizer se ele é

energético ou tímido, inteligente ou estúpido, sincero ou velhaco, antipático ou

simpático (TRINTA, 1990).

Desde a antiguidade, a análise do caráter pela morfologia tem dado

origem a constituição de estruturas de signos em oposição: testa/queixo,

largo/estreito, etc. Estruturas que são investidas de conteúdo psíquico

correspondente: testa "inteligência"/queixo "vitalidade", onde testa larga "grande

inteligência", queixo estreito "vitalidade reduzida", etc.

Aristóteles imaginava relações entre o homem e o animal, onde o

indivíduo que tivesse cara de raposa, ou pescoço de touro, partilharia com esses

animais certos traços de caráter (astúcia , obstinação, etc).

Na mesma época, Camper definiu a noção de ângulo facial como

medida da inteligência, enquanto Gall inventava a frenologia ; o estudo do caráter a

partir da forma do crânio.

Partindo de critérios psicanalíticos, alguns distinguem: os

dependentes, os inibidos, os desregrados, etc. Todos esses sistemas são

"sistemáticos", ou seja, constituem classes a partir de combinações de pequeno

número de traços críticos básicos. Exemplo:

- Emotivos - inativos - primários – nervosos

- Não emotivos - ativos - primários - sanguíneos.

4.2 - A Patognomonia das Emoções

A patognomonia é o termo pelo qual Lavanter designa o estudo dos sinais

físicos de nossas emoções, é a interpretação das paixões, ou a ciência que trata dos

sinais da paixão. A fisiognomonia é a interpretação das forças, ou a ciência que

explica os signos das faculdades (WEIL e TOMPAKOW, 2000).

Page 27: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … JOSE CAMPOS SALMERON.pdf · A linguagem corporal se propõe a abrir caminhos e possibilitar a representação de um mundo imaginário.

27

Uma examina o caráter quando em ação, a outra o considera no estado de

repouso...

A patognomônica é exatamente como a fisiognomônica, uma linguagem

natural, porém, insere-se uma linguagem artificial, utilizada voluntariamente para

fins de comunicação, com a qual, aliás, está estreitamente imbricada, como mostram

os gestos espontâneos ou premeditados que acompanham a fala. Essa ciência dos

sinais exteriores de nossas emoções compreende, de início, um estudo dos índices

naturais e espontâneos que as manifestam; na cólera, por exemplo, enrubescemos,

empalidescemos, batemos com os pés etc. Mas, por outro lado, podemos fingir a

cólera, para fazer crer que estamos encolerizados; e, enfim, imita-la, ao descrever um

indivíduo encolerizado, por exemplo.

As duas situações - a natural e a artificial - ligam-se uma à outra, mas

são distintas. Por um lado, certos sintomas não podem ser reproduzidos

voluntariamente (por exemplo, o rubor ), por outro lado, existem linguagens gestuais

que são substitutos da fala (surdos- mudos, trapistas etc.).

Acrescentamos também que a dança é um modo de expressão

corporal, também é uma linguagem do corpo.

O estudo da linguagem constitui, sem dúvida - e à falta de coisa

melhor - , a abordagem mais simples e a mais eficaz desse tema. Com efeito,

expressões do tipo esfregar as mãos, cruzar os braços, dobrar a espinha etc., ou

derivados, como sobrancelhudo, ofegante , arrufado etc., atestam a existência de uma

relação entre gestos corporais e sentimentos a eles ligados.

A fisiognomonia e a patognomonia constituem disciplinas muito

diferentes, pois se podemos pôr em dúvida a pertinência de um sistema que pretende

ver no reflexo da alma, é claro, em contraposição, que nossas emoções se

manifestam por gestos, gritos e mímicas que permitem observá-las e idendificá-las.

Outra diferença importante, enquanto é difícil simular nossa aparência física, gestos,

gritos e caretas podem ser reproduzidos e modificados à vontade, de modo que

podemos abrir a boca para exprimir uma surpresa, mais ou menos, fingida ou sincera,

Page 28: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … JOSE CAMPOS SALMERON.pdf · A linguagem corporal se propõe a abrir caminhos e possibilitar a representação de um mundo imaginário.

28

enquanto é difícil (a não ser com a ajuda de maquilagem) modificar o perfil ou a

espessura de nossos lábios.

Page 29: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … JOSE CAMPOS SALMERON.pdf · A linguagem corporal se propõe a abrir caminhos e possibilitar a representação de um mundo imaginário.

29

CAPÍTULO V

O CORPO FALA

5.1 - Homem através de seu Corpo, Expressa Emoções

Alguns acontecimentos, levaram o homem moderno a grandes

mudanças nas formas de expressar-se.

Segundo Weil e Tompakow (2000), em sua obra "O Corpo Fala", os

autores citam o aparecimento da linguagem falada e o processo de civilização do

homem primitivo, como principais fatores.

As invenções de ferramentas e máquinas também podem ter

contribuído de forma gradativa para esse acontecimento. Logicamente ao que se

refere a expressão corporal no sentido utilitário, que requer esforço físico.

Estamos atualmente na era da "Comunicação Automatizada" e desde

que temos registros os povos nunca estiveram tão interligados tecnologicamente.

É justamente em plena era da Comunicação que podemos perceber

nossa sociedade tentando resgatar ou reaprender alguns dos princípios básicos de

expressão que fazem do homem um ser completo: instintivo, emocional e racional.

"O homem atual não mais necessita tão intensamente do esforço físico

para a sobrevivência".

Page 30: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … JOSE CAMPOS SALMERON.pdf · A linguagem corporal se propõe a abrir caminhos e possibilitar a representação de um mundo imaginário.

30

Para que haja comunicação, é necessário apenas que o recptor entenda

a mensagem do emissor. Isto pode acontecer consciente ou inconscientemente, no

silêncio de um simples gesto.

5.2 - A Linguagem Silenciosa da Comunicação Não Verbal

Os gestos, expressões corporais, faciais, coloração da pele, o brilho

nos olhos percebido em algumas situações, tudo isso dentro de um contexto, pode ser

entendido como forma de comunicação, tanto a percepção de uma mensagem não

verbal, quanto a reação da mesma podem ser conscientes ou inconscientes (TRINTA,

1990).

"Pela linguagem do corpo você diz muitas coisas aos outros e eles tem

muitas coisas a dizer para você".

A característica dominante do símbolo, é fugir da palavra ou frase

escrita por extenso.

Frase já é um grupo de símbolos (palavras), por sua vez também

composta de símbolos (letras), de fugazes vibrações sonoras. Tudo isso sujeito a um

código gramatical de origem empírica e lastrado com inevitável imprecisão

semântica, especialmente a deterioração do significado percebido.

5.3 - A Ação é Comunicação com o Mundo

Dinâmica da ação e dinâmica corporal - Para o indivíduo se

autoconstruir ele precisa ser sujeito de sua ação, princípio dinâmico de todo

desenvolvimento, e só tem significado quando de comunica com o mundo.

Para a construção da personalidade, este indivíduo deve assegurar e

assumir as informações de suas interações com o meio.

Page 31: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … JOSE CAMPOS SALMERON.pdf · A linguagem corporal se propõe a abrir caminhos e possibilitar a representação de um mundo imaginário.

31

A dinâmica da ação é um movimento existencial aberto para o mundo.

5.4 - A Linguagem das Atitudes e dos Gestos

Corpo é modo e meio de integração do indivíduo na realidade do

mundo, logo, carregado de significado (TRINTA, 1990)

Sempre soube-se que as posturas, as atitudes, os gestos e sobretudo o

olhar exprimem melhor do que as palavras, as tendências e pulsões, bem como as

emoções e sentimentos da pessoa que vive uma determinada situação, num

determinado contexto.

Seqüências de comportamento foram analisadas e mostraram que as

posturas, as atitudes, os gestos e as mímicas unem-se como as frases num diálogo

verbal e constituem informações que são compreendidas pelo outro.

5.5 - A Linguagem da Ação

As posturas, as atitudes, exprimem o que é a personalidade, o que são

seus sentimentos, é a ação que expressa a intenção.

A psicologia do conhecimento nos ensinou que a ação permite

apreender, reconhecer e construir a realidade do mundo material, a realidade dos

objetos e do espaço.

A ação não é somente relação com o objeto, é um meio de

comunicação com o outro, é o significado afetivo contido nas atitudes e gestos.

Há uma observação que todos podem fazer: a de que crianças

pequenas na praia, crianças de nacionalidades diferentes, utilizando pois, linguagens

verbais diferentes, são capazes tanto de brincar juntas, como de imaginar e

desenvolver projetos bem elaborados.

Page 32: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … JOSE CAMPOS SALMERON.pdf · A linguagem corporal se propõe a abrir caminhos e possibilitar a representação de um mundo imaginário.

32

A ação não é privilégios da infância. Permite a cada interlocutor

inserir-se no diálogo, propor, aceitar, recusar, imitar, compreender o outro.

5.6 - O Desenvolvimento da Capacidade de Expressão

Por volta de um ano e meio a dois anos de idade, a inteligência

sensório motora passa para a inteligência pré-operacional, também chamada de

inteligência representativa, caracterizando-se pela capacidade de falar sobre

realidades ausentes, através do uso de símbolos.

Quando o homem passou a criar significados usando gestos corporais,

sons vocais e objetos como símbolos de realidades ausentes ou como forma de

expressão de seus sentimentos e pensamentos, iniciou-se a comunicação gestual, a

linguagem oral e a criação de simbolismo com objetivos, marcando temores e

esperanças e servindo à adoração de deuses.

Na criança, os gestos expressivos e criativos substituem os

movimentos puramente imitativos e condicionados.

Aos 4 anos, os objetos do mundo passam a provocar, além de

sensações e respostas motrizes, a representação de aspectos do meio ambiente que

impressionaram a criança.

5.7 - As Dificuldades da Expressão

Quando os psicólogos identificam uma imagem de corpo e um

esquema corporal, bem como seu relacionamento numa perspectiva libidiana ou

quando de esforçam por definir seu vaivém como a condição do processo de

simbolização, eles não fazem outra coisa senão expressar numa linguagem particular,

a da psicanálise, a organização permanente das informações pelos três níveis

funcionais do sistema nervoso.

Page 33: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … JOSE CAMPOS SALMERON.pdf · A linguagem corporal se propõe a abrir caminhos e possibilitar a representação de um mundo imaginário.

33

Conhecimento do corpo é inibido pelo dualismo corpo-espírito, que

faz parte de nossa cultura e particularmente da psicologia.

Page 34: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … JOSE CAMPOS SALMERON.pdf · A linguagem corporal se propõe a abrir caminhos e possibilitar a representação de um mundo imaginário.

34

CAPÍTULO VI

CORPO INTEGRADO

O corpo integrado é o objeto de estudo e da abordagem terapêutica em Psicomotricidade (BERGE, 1988).

Esse corpo age, se estrutura e se situa num mundo organizado espaço-temporal, que é mensageiro de idéias e sentimentos, e que expressa o mundo fantasmático, o desejo e a personalidade global.

É a partir da própria vivência corporal e das primeiras cenestesias e

sensibilidades que se inscrevem psiquicamente que vai surgindo a noção do próprio

corpo e de si mesmo.

As pulsões e os fantasmas primitivos inconscientes ligam-se,

originariamente, a estas vivências primárias e, na “relação corpo-a-corpo e coração a

coração”, vai se formando um Eu Corporal, base do Ego, com a função de adaptação

à realidade.

Esse rudimento de Eu, ainda sem consciência de si mesmo, poderíamos

dizer ainda em pedaços, supre-se nas fontes narcísicas primárias e é reinvestido

libidinalmente, pois insere-se na relação objetal primária.

As primeiras manifestações psíquicas expressam-se em atividades

tônicomotoras que vão se integrando num verdadeiro “diálogo corporal” através da

relação objetal. Por intermédio dessa linguagem corporal, codificadas em inibição,

relaxamento, impulsos ou descargas motoras de tensão, são estabelecidos os

primeiros significantes para o vínculo mãe/filho.

Page 35: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … JOSE CAMPOS SALMERON.pdf · A linguagem corporal se propõe a abrir caminhos e possibilitar a representação de um mundo imaginário.

35

Estas expressões tônico-motoras do bebê são interpretadas pela mãe, que

lhes atribui significação de elementos de relação e, logo, passam a ser utilizadas

como meio de comunicação mãe/filho. O corpo é, assim, desde o início da vida,

catequizado libidinalmente e reinvestido, a partir da relação com a mãe, nos

momentos de cuidados de maternagem, ou de expressão de afeto entre ela e seu bebê.

É um corpo que vai começar a ter um limite, um contorno, à medida que for

se criando um espaço do “dentro e do fora”. Este começa a se instaurar através de um

espaço entre a mãe e o bebê, espaço originado com a possibilidade de lidar com a

tensão da estimulação e da frustração, com a capacidade de adiar satisfações e criar

representantes psíquicos e fantasiar. Daí surgem, associadas e concomitantes, uma

imagem corporal e a imagem do outro.

O corpo que se expressa é um corpo fantasmático no qual se inscrevem

vivências, sentimentos, conflitos, que vão ser retomados simbolicamente e, a

posteriori, nomeados, inscrevendo-se no discurso psíquico. É um corpo de

fantasmas, que se reatualizam desde as fantasias primárias até as complexas

estruturas da cadeia significante do adulto, e pode “falar” sobre o mundo interno do

sujeito, quando uma vivência corporal remete ao discurso que o especifica (BERGE,

1988).

É neste sentido de corpo testemunha do psiquismo que Françoise Besobeau

usa seu conceito de “Corpo Lembrete” (aide-mémoire) e Lapierre fala do corpo

fantasmático em Psicomotricidade Relacional.

É esse corpo que pode tornar-se a sede de bloqueios ou de passagens ao ato,

expressar-se por instabilidade ou impulsividade, e prender-se em inibições ou

passividade, quando o sujeito não consegue elaborar seu vivido no plano simbólico.

É no domínio da ação que o corpo se especifica como instrumento de

adaptação à realidade. À medida que o corpo age, vai ocorrendo maturação

neurológica e a organização dos movimentos e gestos. Concomitantemente, há um

Page 36: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … JOSE CAMPOS SALMERON.pdf · A linguagem corporal se propõe a abrir caminhos e possibilitar a representação de um mundo imaginário.

36

melhor domínio de tensões moduladas e diferenciadas, afirmando-se a base tônica e

postural das atividades corporais.

Desta base projetam-se movimentos cada vez mais objetivos. Movimentos

coordenados, intencionais, com seqüências gestuais adaptadas ao espaço e ao tempo,

capazes de adaptar sua rapidez, precisão e força de acordo com as necessidades da

ação. Movimentos que vão se organizando praxicamente e se definindo de acordo

com a lateralidade dominante. Movimentos que vão sendo acompanhados por

sensações e percepções cada vez mais diferenciadas e que vão, progressivamente,

inscrevendo-se em esquemas de ação (no sentido piagetiano) e tornam-se

instrumentos de cognição.

Esse corpo, que é, portanto, instrumento de conhecimento sobre esse

mesmo mundo e torna-se expressão do sujeito e elemento de contato afetivo e de

comunicação com os outros.

É esse corpo inteiro, integrado, que é o objeto da Psicomotricidade. É esse

corpo que deve-se enfocar em quatro dimensões interligadas e, necessariamente,

influentes entre si, que pode-se classificar em quatro campos, para facilitar a

abordagem de suas características (LAIPERRE e AUCOUTURIER, 1986):

1. Corpo instrumento de ação (funcional )

- Corpo do tônus.

- Corpo das atitudes e posturas.

- Corpo da motricidade.

- Corpo das sensações.

- Corpo das percepções.

- Corpo da lateralidade.

- Corpo das emoções primárias (a nível icônico).

2. Corpo instrumento de conhecimento

- Corpo do conhecimento sobre si mesmo, corpo do Esquema Corporal.

- Corpo que conhece o objeto e o outro.

Page 37: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … JOSE CAMPOS SALMERON.pdf · A linguagem corporal se propõe a abrir caminhos e possibilitar a representação de um mundo imaginário.

37

- Corpo que conhece o mundo: o espaço, o tempo e a causalidade.

- Corpo que vai permitir o percurso da ação ao pensamento.

- Corpo base primária da possibilidade de abstração, da operatividade no

sentido piagetiano e do raciocínio lógico.

3. Corpo fantasmático e relacional

- Corpo da imagem corporal e dos fantasmas primitivos.

- Corpo diferenciado sexualmente de acordo com papéis sociais.

- Corpo influenciado por papéis culturalmente definidos.

- Corpo manipulado, reprimido, ou valorizado, de acordo com a ideologia da

sociedade.

É este corpo de quatro dimensões integradas, e que foi tão longamente esquecido pelo pensamento racional e idealista do século passado e início deste, que a Psicomotricidade buscar reabilitar.

É este corpo total, base da pessoa integrada, que está tendo a oportunidade

de mostrar a sua linguagem.

É este corpo redimensionado, que é levado a se inscrever psiquicamente e

abre o percurso para a inteligência e a afetividade, que devemos valorizar em nosso

trabalho, sem esquecer o contexto mais amplo psicossocial.

É este corpo que deve-se compreender integralmente para não incorrer no

erro de enfatizar um “corpismo” que tende a se tornar estéril e estagnado,

contrapartida pragmática e epicurista dos anteriores racionalismo e idealismo.

Page 38: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … JOSE CAMPOS SALMERON.pdf · A linguagem corporal se propõe a abrir caminhos e possibilitar a representação de um mundo imaginário.

38

CAPÍTULO VII

O CORPO COMO OBJETO E INSTRUMENTO

DE APRENDIZAGEM

O sentido dos gestos não é dado, mas compreendido. É através do meu

corpo que compreendo o outro. Quer se trate do corpo do outro ou do meu próprio

corpo, eu não tenho outro meio de conhecer a não ser vivê-lo (FELDENKRAIS,

1987).

É na educação psicomotora que buscamos profilaticamente dar espaço ao

mundo psicomotor da criança, dar espaço para sua expressão através das atividades

corporais lúdicas, espontâneas e livres. É a partir da relação psicomotora que o

educador ajuda a criança em sua expressão pessoal, em suas pesquisas, permitindo-

lhe exprimir suas vivências afetivas e, sobretudo, manifestar o seu desejo.

A criança possui – e é – um corpo que fala e se estrutura, com a linguagem

estruturando, assim, o próprio sujeito.

7.1 - Dois Níveis de Corporalidade

O sujeito vive sua corporalidade em dois níveis: um estruturado com

atividades motoras elaboradas tanto no sentido da busca de conhecimento,

inicialmente sensório-motor e, a seguir, lógico, racional; outro, fantasmático, é o

nível do inconsciente, dos desejos e conflitos vividos na relação com o outro. Esses

Page 39: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … JOSE CAMPOS SALMERON.pdf · A linguagem corporal se propõe a abrir caminhos e possibilitar a representação de um mundo imaginário.

39

dois níveis de vivência corporal se inter-relacionam e têm mútua interferência em

qualquer manifestação humana. Sabemos que o período sensório-motor é uma fase

essencial, pois é através da vivência corporal que a criança adquirirá mais

conhecimento e autonomia sobre si mesma.

Pode-se observar, em creches, crianças de pouca idade com personalidades

bem estruturadas, com perfis de comportamento instalados e difíceis de serem

modificados; encontra-se também crianças atrasadas no seu desenvolvimento

psicomotor e outras ainda que se mantêm sem nenhuma possibilidade para o outro,

estando muitas vezes, portanto, defasadas em relação ao seu grupo escolar.

A aula de psicomotricidade relacional é um momento livre no qual, utiliza-

se objetos variados como bolas, panos, caixas, etc., a criança pode inventar, colocar

seus desejos e se relacionar, fazendo uso de toda a sua motricidade global. Através

dessa atividade motora, a criança usa o seu corpo colocando em jogo componentes

motores, afetivos e mentais e passa a se conhecer mais, a ter cada vez mais domínio

sobre si mesma, da forma que mais gosta – brincando.

No trabalho com crianças, o diálogo corporal não se instala apenas através

do agir, mas também do sentir. A aprendizagem de conceitos, a elaboração de

raciocínios e a alfabetização, em consonância com o material afetivo e psicomotor,

vivenciados como atividades livres de educação psicomotora, tornam-se parte do

crescimento global da criança.

O objetivo é dar sempre à criança o poder de seu próprio desenvolvimento.

Acompanhar a criança nas suas explorações: olhar, estimular, motivar e fornecer o

material de que a criança necessita, que desenvolva sua linguagem corporal,

desenvolvendo e permitindo a imagem e consciência do corpo, os movimentos

espontâneos, expressivos e representativos.

A psicomotricidade é um corpo em relação; a atividade motora é uma

porta aberta ao desenvolvimento da livre comunicação.

Page 40: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … JOSE CAMPOS SALMERON.pdf · A linguagem corporal se propõe a abrir caminhos e possibilitar a representação de um mundo imaginário.

40

7.2 - O Lugar do Corpo na Educação

"O corpo é a origem de todo conhecimento e meio de relação e

comunicação com o mundo exterior" - Ajuriaguerra

A educação, desde uma perspectiva mais ampla, contempla tanto a

aquisição de conhecimentos como o desenvolvimento harmônico da personalidade, a

criatividade, a conquista da identidade e o equilíbrio afetivo. É o resultado de um

processo comunicativo autêntico, resultando na individualidade de cada um dos

implicados neste processo. Acredita-se que existe no sujeito uma dimensão

intelectual, que nossa sociedade valoriza e reforça sempre que seja "produtiva", e

existe uma dimensão emocional - afetiva que muitas vezes é esquecida e até ignorada

(BRIKMAN, 1989).

Segundo as teorias de Wallon e Ajuriaguerra, temos, no nível corporal, uma

organização tônica involuntária, espontânea, ligada a vivências afetivas e

emocionais, vinculada às pulsões, proibições, aos conflitos relacionais, uma forma

espontânea de atuar com um significado simbólico que não podemos esquecer. Esta

organização tônica individual está presente em qualquer ato e acompanha o sujeito

na sua evolução.

Ainda referindo Wallon, antes do aparecimento da fala, a criança comunica-

se com o ambiente através de uma linguagem corporal e utiliza o corpo como uma

ferramenta operacional e relacional, seja qual for o nível evolutivo ou o domínio

lingüístico em que se encontre.

Ao nosso ver um novo paradigma se impõe neste momento - O homem é o

seu corpo - em contraposição a um outro subjugado por séculos de pensamento

cartesiano - O homem e o seu corpo. Esta visão cartesiana ainda está muito presente

na prática educacional, mesmo que o discurso não demonstre. Valoriza-se a produção

intelectual do sujeito por um lado e a performance corporal por outro, ignorando a

totalidade do indivíduo.

Page 41: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … JOSE CAMPOS SALMERON.pdf · A linguagem corporal se propõe a abrir caminhos e possibilitar a representação de um mundo imaginário.

41

O Homem existe como ser de comunicação neste universo - universo de

espaço-tempo, dos objetos e do outro-, na medida em que é capaz de estabelecer

relações significativas entre seu corpo (corpo funcional) com suas sensações e

produções, e tudo o que pertence ao mundo exterior.

Estabelecer estas relações depende, antes de tudo, do desejo e do prazer de

comunicar, de produzir e de criar. Vemos como um grande desafio para a Educação

olhar para nossas crianças e adolescentes especialmente, mas também para os adultos

como uma unidade dinâmica e indivisível, como seres inteiros, como seres de alma,

corpo e mente. Este novo paradigma - O homem é o seu corpo - exige de nós,

educadores, um olhar para o nosso corpo resgatando em nós esta unidade do ser,

como um ser inteiro, com um corpo que pensa, que sente, que intui, que age, que

sofre, que ama, um corpo que deseja; que deseja ver, ouvir, sentir, tocar, brincar, rir,

mas que também chora, sofre ...

Resgatar o corpo do educador para resgatar a educação. Os valores

fundamentais como solidariedade, confiança, respeito à individualidade, honestidade,

lealdade e compaixão são transmitidos pelo homem e não pelas máquinas.

Acreditamos que desenvolver estes valores é um dos papéis fundamentais da

Educação juntamente com a transmissão de conhecimentos, facilitando o processo

ensino-aprendizagem e promovendo o desencadear do gosto pela descoberta.

Agir, conhecer, desenvolver-se implicam, ao nosso ver, em permitir à

criança entrar em contato com o desejo dela.

A partir daí será possível pensar em processo ensino-aprendizagem. Ela se

torna criativa e criadora comprometendo-se com esse processo. Nesta abordagem

quando se fala de corpo como unidade dinâmica e indivisível, nos referimos em

principio às quatro dimensões interligadas e necessariamente influentes entre si.

Page 42: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … JOSE CAMPOS SALMERON.pdf · A linguagem corporal se propõe a abrir caminhos e possibilitar a representação de um mundo imaginário.

42

CAPÍTULO VIII

O CORPO NA ARTE

De acordo com Azevedo (2002), um ator deve dar conta da

capacidade expressiva de seu corpo.

O ator deve ser aquele que entra diretamente em contato com o

fenômeno da expressão, percebendo como, quando e por que ela ocorre em si

mesmo. Deve aprender a ver-se, a trabalhar seu corpo e partes deste como um artista

ao misturar as cores, observando o efeito, preparando um quadro.

O trabalho corporal desenvolvido pelo ator, trata de conscientiza-lo de

seu instrumento, a partir da auto-observação num grande número de ações, a fim de

possibilitar autocontrole: vontade influindo no tônus muscular, alterações musculares

como conseqüência de elementos interiores aplicados em cada ação ou posição

particular.

O ator precisa desenvolver extrema sensibilidade do corpo na relação

com os impulsos criativos psicológicos, já que é motivado por impulsos artísticos,

impulsos vindos de sua imaginação trabalhando juntamente com seu físico, precisa

também desenvolver uma psicologia rica em cores e matizes, trabalhando com

intensidades variadas, sentimentos e sensações bem delineadas, conseguindo

relacionar tudo ao trabalho corporal, manter tanto o corpo como seu mundo

psicológico a serviço de sua arte.

Page 43: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … JOSE CAMPOS SALMERON.pdf · A linguagem corporal se propõe a abrir caminhos e possibilitar a representação de um mundo imaginário.

43

O que se pretende é que, por meio do corpo, o mundo interno do ator

torne-se diretamente participante de toda e qualquer ação criada a partir do exterior.

O ator, com domínio de seu corpo, será hábil fisicamente e tornará sua

técnica imperceptível, porque já estará assimilada a sua própria personalidade. Desse

domínio fazem parte: relaxamento, prontidão, agilidade, flexibilidade, precisão,

concentração, equilíbrio, entrega, vontade, contato, plasticidade, memória, fluência,

sensibilidade, acabamento, economia, imaginação, auto-exame, harmonia,

organicidade, transparência, controle, cooperação, composição e decomposição,

projeção, pesquisa sistemática, auto-disciplina e liberdade.

Dominando um método personalizado de trabalho, a ser realizado na

relação com o corpo como instrumento, passando para o corpo símbolo e terminando

com a investigação do corpo como signo teatral, considerar-se-ia o treinamento

realizado em suas bases, já que ele necessita de uma continuidade de pesquisa a ser

efetuada ao longo dos anos; pesquisa essa a ser encaminhada em direção a arte do

movimento por meio da experimentação de suas várias linguagens (AZEVEDO,

2002).

Localizar no próprio corpo as intenções de um ente ficcional, deixá-

las realizarem-se sensivelmente, conectá-las com sua inteireza de artista, são

procedimentos que asseguram o surgimento de impulsos dirigidos para a criação e

para a ação criativa. Sem liberdade, ousadia e, sobretudo, a mais íntima entrega, não

há impulsos autenticamente criativos, imprevistos em sua manifestação somática.

Esses impulsos aparecem em ações inesperadas, em configurações imprevistas, mas

são, no fundo, profundamente relacionados ao processo que está sendo desenvolvido.

Todo o ser do ator, seu soma, terá de estar aberto, decididamente, a

cada nova manifestação que dele exigir a personagem por ele representada.

E quando isso ocorre, naqueles raros momentos em que o ator se deixa

possuir, seu corpo se nos apresenta como pura força, talvez, mais que em qualquer

outro momento de sua existência, habilitado por uma espécie de magia.

Page 44: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … JOSE CAMPOS SALMERON.pdf · A linguagem corporal se propõe a abrir caminhos e possibilitar a representação de um mundo imaginário.

44

É impossível trabalhar corretamente o corpo do ator sem uma invasão

em sua capacidade interpretativa; assim como não se pode lidar com a interpretação

deixando de lado o corpo do ator. Se a técnica interpretativa não pode ignorar o fato

corporal, por sua vez a técnica corpórea deve encontrar sua especificidade no trato

com o ator.

Há, sem dúvida, a necessidade de se traçar os contornos de tal

trabalho, tentando, a partir do corpo,a conexão com a percepção e a imaginação

artísticas.

O trabalho do ator visa a transformação. Um ator é seu próprio corpo e

seu corpo não pode jamais ser tratado como uma entidade apartada de si, suprimida e

castrada em suas sensações, emoções e pensamentos. Ele não será nunca um

invólucro, mas a concretude que torna visível e palpável a invisibilidade interior.

Pode parecer óbvia tal afirmação, mas o que se quer é o

desenvolvimento de uma consciência corporal que permita o jogo, o risco, o erro;

uma consciência criança, uma consciência de artista, que, atenta ao que ocorre no

corpo, possa permitir o acaso, a surpresa, o susto.

Essa forte inter-relação corpo-mente não poderá ser esquecida e será

tomada como fundamento para qualquer labor a ser desenvolvido com o ator.Seu

treinamento baseia-se num treino corporal e afetivo, pois, quanto mais trabalha com

seu físico, mais descobrirá (se se permitir) a intrincada rede de afetos presente em

seu corpo ou a ser presentificada através dos impulsos tornados atos; até mesmo pela

inibição desses impulsos, antes de sua realização, e se esta repressão for proposital e

consciente.

Page 45: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … JOSE CAMPOS SALMERON.pdf · A linguagem corporal se propõe a abrir caminhos e possibilitar a representação de um mundo imaginário.

45

CONCLUSÃO

O corpo é concebido como um meio de expressão, um instrumento a

serviço de um encadeamento de idéias, mais ou menos intelectualizada, enquanto que

numa relação de tipo fusional, o corpo, ao mesmo tempo emissor e receptor, é em si

mesmo o elemento fundamental de uma relação indissociavelmente psico-somática.

O nosso corpo não é um somatório de órgãos justapostos, mas sim

uma autoposse indivisível da nossa existência completa; quer dizer, a autodescoberta

não é mais que um sentir-se corporalmente no espaço e no tempo.

O sujeito no mundo expressa-se e concretiza-se através da atividade

corporal. É esta atividade que virá a ser transformada em linguagem propriamente

dita.

A partir daí a comunicação não verbal surge com uma importância

fundamental para a compreensão da problemática da comunicação humana. A

linguagem verbal apóia-se numa linguagem corporal que facilmente se pode observar

não só na criança, mas também na arte. As emoções se expressam fundamentalmente

no campo mímico corporal, e o corpo, nesta perspectiva, é um emissor de sinais de

significado sociocultural.

No término da pesquisa pode-se afirmar que o corpo é o objeto de estudo e

da abordagem terapêutica em Psicomotricidade, ele age, se estrutura e se situa num

mundo organizado espaço-temporal, que é mensageiro de idéias e sentimentos, e que

expressa o mundo fantasmático, o desejo e a personalidade global.

Page 46: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … JOSE CAMPOS SALMERON.pdf · A linguagem corporal se propõe a abrir caminhos e possibilitar a representação de um mundo imaginário.

46

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVES, F. Psicomotricidade: corpo, ação e emoção. Rio de Janeiro: Wak, 2003.

AZEVEDO, S.M. O Papel do Corpo no Corpo do Ator. São Paulo: Perspectiva,

2002.

BERGE, W. Viver o seu corpo. 4 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1988.

BRIKMAN, L. A Linguagem do Movimento Corporal. São Paulo: Summus

Editorial, 1989.

FELDENKRAIS, M. Consciência pelo movimento. São Paulo: Summus,1987.

GUIRAUD, P. A Linguagem do Corpo. São Paulo: Ática, 1991.

LAPIERRE, A. A Falta - Fusionalidade e Identidade. In: Fantasmas Corporais e

Prática Psicomotora. São Paulo: Manole, 1984.

LAPIERRE, A. AUCOUTURIER, B. Fantasmas corporais e prática psicomotora.

Porto Alegre: Artes Médicas, 1986.

LE BOULCH, J. O desenvolvimento psicomotor - do nascimento até 6 anos. Porto

Alegre: Artes Médicas,1987.

TRINTA, A. R. 2 ed. Comunicação do corpo. São Paulo: Ática, 1990.

Page 47: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … JOSE CAMPOS SALMERON.pdf · A linguagem corporal se propõe a abrir caminhos e possibilitar a representação de um mundo imaginário.

VAYER, P. & TOULOUSE, P. Linguagem Corporal. Porto Alegre:Artes Médicas,

1982.

WEIL, P. & TOMPAKOW, R. O Corpo Fala. 19 ed. Petrópolis: Vozes, 1988.

Page 48: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … JOSE CAMPOS SALMERON.pdf · A linguagem corporal se propõe a abrir caminhos e possibilitar a representação de um mundo imaginário.

ANEXOS

Page 49: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … JOSE CAMPOS SALMERON.pdf · A linguagem corporal se propõe a abrir caminhos e possibilitar a representação de um mundo imaginário.

ATIVIDADES EXTRA-CURRICULARES

Page 50: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … JOSE CAMPOS SALMERON.pdf · A linguagem corporal se propõe a abrir caminhos e possibilitar a representação de um mundo imaginário.

FOLHA DE AVALIAÇÃO

Universidade Cândido Mendes

Título: Linguagem Corporal: um olhar psicomotor na arte e educação

Autora: Sérgio José Campos Salmeron

Data da entrega:

Avaliado por: Conceito:

Avaliado por: Conceito:

Avaliado por: Conceito:

Conceito Final: