UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … · A princípio a Psicomotricidade estava...

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU INSTITUTO A VEZ DO MESTRE PSICOMOTRICIDADE NA EDUCAÇÃO INFANTIL: O corpo como facilitador do desenvolvimento social e afetivo da criança de 0 a 3 anos Por: Andrezza Regly Carvalheiro Orientadora: Profa. Natália Pacheco Júnior Nova Friburgo 2010

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

PSICOMOTRICIDADE NA EDUCAÇÃO INFANTIL: O

corpo como facilitador do desenvolvimento social e

afetivo da criança de 0 a 3 anos

Por: Andrezza Regly Carvalheiro

Orientadora: Profa. Natália Pacheco Júnior

Nova Friburgo

2010

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

PSICOMOTRICIDADE NA EDUCAÇÃO INFANTIL: O

corpo como facilitador do desenvolvimento social e

afetivo da criança de 0 a 3 anos

Apresentação de monografia ao Instituto A Vez do

Mestre – Universidade Candido Mendes como

requisito parcial para obtenção do grau de

especialista em Psicomotricidade.

Por: Andrezza Regly Carvalheiro

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AGRADECIMENTOS

A Deus pela força necessária para

realizar este projeto...

Aos meus pais por me ensinarem a

fazer sempre o melhor possível...

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DEDICATÓRIA

A Angelina dos Santos Regly, avó querida

e amada, mulher de garra que me

ensinou que o mais importante na vida é

viver e realizar.

Aos meus pacientes da AFAPE, por me

ensinarem tanto sobre o ser humano, e

por me surpreenderem todos os dias.

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RESUMO

O presente trabalho busca apresentar a Psicomotricidade inserida na

Educação Infantil, atuando como ponto de referência no trabalho com crianças

de zero a três anos, considerando o papel do corpo na formação social e

afetiva neste período. Sabendo que nos primeiros anos de vida a criança

aprende através da experimentação, a escola deve ter consciência do papel

ativo das vivências iniciais na formação da personalidade da criança, e assim,

desenvolver um plano de trabalho voltado para a ação, a ação através do

corpo, considerado como primeiro instrumento utilizado pela criança para

comunicar-se. Trabalhar a partir da estimulação psicomotora é mais que

trabalhar o corpo de forma mecânica, é possibilitar a criança experimentar

através da relação, do toque, do contato com os demais momentos

afetivamente positivos que interferiam diretamente em sua aprendizagem social

e cognitiva. A Educação Infantil ao valorizar o corpo no processo de construção

do conhecimento passa a desenvolver uma proposta de ação voltada para o

desenvolvimento global, saudável do indivíduo, respeitando as diferenças e o

contexto sócio-afetivo de cada um.

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METODOLOGIA

O objeto de estudo do presente trabalho se restringe ao estudo da

Psicomotricidade na educação infantil com crianças de 0-3 anos de idade,

sendo desenvolvido através de uma pesquisa bibliográfica voltada para o tema,

utilizando os principais autores das áreas: LeBouch, Levin, Meur e Staes;

Saltini; Vigotsky; Pichon-Riviere; Oliveira e Costa.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO, p.08

CAPÍTULO 1. PSICOMOTRICIDADE, p.11

1.1. DEFINIÇÃO, p.11

1.2. OS ASPECTOS PSICOMOTORES, p.14

CAPÍTULO 2. EDUCAÇÃO INFANTIL, p.23

2.1. OBJETIVOS, p.24

2.2. O PAPEL DO CORPO, p.28

CAPÍTULO 3. DESENVOLVIMENTO SOCIAL E AFETIVO DA CRIANÇA DE 0

- 3 ANOS, p.33

CAPÍTULO 4. INSERINDO A PSICOMOTRICIDADE NA EDUCAÇÃO

INFANTIL, p.40

4.1. NORTEANDO A AÇÃO PSICOMOTORA NA ESCOLA, p.44

CONCLUSÃO, p.49

BIBLIOGRAFIA , p.51

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INTRODUÇÃO

A partir do tema Psicomotricidade e Educação infantil o presente

trabalho monográfico dá continuidade ao estudo do papel do desenvolvimento

psicomotor da criança de 0 a 3 anos para a formação de sua identidade,

viabilizando o questionamento a respeito da importância de uma estratégia de

ação psicomotora que se inicie nos primeiros anos de escolaridade do sujeito.

Assim, a Psicomotricidade – que estuda a relação existente entre a

motricidade, a mente e a afetividade – é considerada hoje como ciência

fundamental para aqueles que trabalham com crianças, pois, sabe-se hoje que

a função motora está intimamente relacionada ao desenvolvimento intelectual e

afetivo.

Desta forma, se torna fundamental uma reflexão a respeito de como a

educação infantil trabalha o corpo da criança, se dentro de seus objetivos e

propostas existe uma reflexão real e uma ação incisiva direcionada a estes

aspectos fundamentais do desenvolvimento infantil. É através da experiência

de origem motora que a criança recebe as primeiras informações do mundo

que a rodeia, vivenciando e experimentando o mundo a criança inicia seu

crescimento intelectual, social e afetivo.

Através de brincadeiras livres ou direcionadas a criança na pré-escola se

orienta sobre a existência do seu corpo, tal descoberta é função primordial do

trabalho psicomotor, levando a uma conscientização do corpo e a um

desenvolvimento otimizado.

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A criança, na infância, constrói o seu mundo através do movimento,

através da exploração. Sua comunicação, nestes dois primeiros anos de vida,

se dará quase que exclusivamente através do corpo, pois na ausência da

linguagem falada suas relações são corporais e motoras. Essas experiências

deverão ser trabalhadas na escola, principalmente em forma de jogos e

brincadeiras, tornando prazeroso o processo de aprendizagem, afetivas.

Nestes momentos recreativos, a sociabilização pode ser melhor

exercitada, pois as atividades desenvolvidas levarão a conscientização da

necessidade de um ambiente de cooperação e respeito mútuo que levará a

criança a ter maior autoconfiança e autocontrole.

Assim, os objetivos da Psicomotricidade na educação infantil devem ser

ampliados para além da visão biológica do processo de aprendizagem,

incorporando ao trabalho a afetividade e as diferenças socioculturais.

Ao brincar a criança irá experimentar, manipular objetos e materiais,

utilizando sua energia psíquica no sentido de desenvolver sua inteligência,

vivenciando situações nas quais a emoção está presente possibilitando a

expressão de sua vida afetiva, pois é a partir do nascimento e até os três anos

de idade que a criança começa a estabelecer suas estratégias relacionais,

tornando significativa toda relação estabelecida por ela neste período.

Ao reafirmar a importância da Psicomotricidade na educação infantil

como facilitadora do desenvolvimento da criança, o presente estudo visa rever

a forma como o adulto relaciona-se com a criança de 0 a 3 anos, salientando a

importância da disponibilidade do educador em perceber as necessidades da

criança e a responder a elas com naturalidade e autenticidade, tendo como

objetivos específicos: a) Definir a Psicomotricidade, caracterizando seus

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elementos básicos; b) Apresentar os objetivos da educação infantil, ressaltando

o papel do corpo neste período; c) Caracterizar o desenvolvimento social e

afetivo da criança de 0-6 anos, enfocando o papel do corpo na construção da

identidade; d) Propor a Psicomotricidade como base de um plano de ação para

a educação infantil.

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CAPÍTULO 1

PSICOMOTRICIDADE

A história do corpo é construída junto a história da humanidade, tendo

sido marcado por significações diversas, ora cientificas, ora culturais, ora

sociais. Assim, a origem da Psicomotricidade remonta à Antiguidade. “Um dos

primeiros momentos da Psicomotricidade, refere-se à idéia de Aristóteles sobre

o dualismo corpo-alma” (FILHO & SÁ, 2001:35).

Levin (2003) destaca que o percurso histórico do corpo discursivo e

simbólico, eixo do campo da Psicomotricidade, está marcado pelas concepções

que o homem tem construído acerca do corpo ao longo da história. “A história

da Psicomotricidade é solidária a história do corpo” (p.22).

Assim, apesar da Psicomotricidade ser considerada uma prática

independente, seu nascimento ocorre no momento em que o corpo transforma-

se num corpo falado.

1.1. DEFINIÇÃO

As primeiras pesquisas que dão origem ao campo de atual da

Psicomotricidade correspondem a um enfoque neurológico. Mais tarde, o corpo

passou a ser estudado pela Psicologia e pela Psicanálise a fim de

compreender a evolução da inteligência e suas perturbações.

Dupré, neurologista francês, é considerado, então, figura fundamental

para o âmbito psicomotor, pois rompe com os pressupostos de

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correspondência entre a localização neurológica e as perturbações motoras da

infância.

Posteriormente, Wallon, ocupou-se em categorizar o movimento humano

como instrumento da construção do psiquismo, relacionando movimento e

afeto, emoção, meio ambiente e hábitos da criança. “Assim sendo, o

conhecimento, a consciência e o desenvolvimento da personalidade não

podem ser isolados das emoções” (LEVIN, 2003:25).

No início a Psicomotricidade estava voltada para a patologia, autores

como Wallon, Piaget e Ajuriaguerra voltaram tais estudos para o campo do

desenvolvimento. Em seus trabalhos estão todas as preocupações com uma

educação psicomotora de base. “Eles concebem as determinantes biológicas e

culturais do desenvolvimento da criança como dialéticas na construção do

motor, da mente e da inteligência” (COSTA, 2002:26).

A princípio a Psicomotricidade estava voltada para uma proposta

reeducativa, atentando para o estímulo da criança em suas funções

psicomotoras contrariadas em seu desenvolvimento. Segundo Costa (2002),

foi Piaget quem redimensionou esta visão, ao preocupar-se com a estimulação

adequada da criança em cada fase de seu desenvolvimento.

Redimensionando, assim, as questões da Psicomotricidade, para uma

instância primeira: educativa.

Costa (2002:27) conclui que “a educação psicomotora é básica, e o

corpo deve ser instrumento mediador entre o meio e o objeto numa relação

vivencial adequada”. Tal educação passa a ser pensada como de base na pré-

escola. Pois, a estimulação psicomotora condiciona todos os aprendizados da

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Educação Infantil, por levar a criança a ter consciência de seu corpo,

adquirindo habilidades motoras essenciais para seu desenvolvimento sadio.

Finalmente, a Psicomotricidade começa a ser vista como uma

motricidade da relação e assim, surgem as diferenças entre uma postura

reeducativa e uma terapêutica. Levin (2003) afirma que ao ocupar-se do corpo

como um todo, a Psicomotricidade começa a dar maior importância à relação

com a afetividade e o emocional.

São Lapierre e Aucoutourier, que esboçam a introdução da Psicanálise

na Psicomotricidade, tal contribuição introduz conceitos variáveis, como a visão

de inconsciente, transferência e imagem corpora, que marcam uma virada nas

perspectivas clínicas e teóricas do campo psicomotor, dirigindo um olhar clínico

e uma escuta do lugar do simbólico.

A história da Psicomotricidade, numa análise de Costa (2002:30), “o

corpo é considerado um instrumento na relação, realidade interna e externa,

um eixo de sustentação da vida sóciopsicoafetiva do sujeito”.

Com base nisto, a Psicomotricidade como ciência da educação procura

educar o movimento ao mesmo tempo em que desenvolve as funções da

inteligência, sem deixar de lado os aspectos emocionais.

Resumindo, “Psicomotricidade é uma ciência que tem por objetivo o

estudo do homem, através do seu corpo em movimento, nas relações com seu

mundo interno e externo” (FILHO & SÁ, 2001:36). Interpretada como uma

ciência holística de interação interdisciplinar, tendo o ser humano como um ser

único capaz de modificar e se adaptar, no qual a motricidade e o psiquismo são

resultantes das relações reais do homem com o meio, destacando que a

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educação do movimento é uma construção fundamental para o aprendizado da

comunicação, da expressão.

1.2. OS ASPECTOS PSICOMOTORES

Barros (ET AL, 2008), apresenta, de acordo com a literatura os principais

objetivos da Psicomotricidade como sendo:

v Melhorar o comportamento geral do indivíduo através da tomada de

consciência corporal;

v Desenvolver possibilidades de adaptação ao mundo exterior ao integrar

percepção e movimento;

v Desenvolver a coordenação, o controle e eficácia das praxias globais e

segmentares;

v Organizar a orientação e a estruturação espaço-temporal

Baseando-se nas fundamentações acima, encontra-se a possibilidade

de atuação através do trabalho desenvolvido nos aspectos psicomotores

considerados prioritários ao desenvolvimento psicomotor da criança.

“A criança em idade pré-escolar é um ser dinâmico, cheio de indagações espontâneas e com múltiplas habilidades físicas. Sua habilidade motora é utilizada para expansão de seu desenvolvimento. O jogo é seu meio de comunicação e aprendizagem”. (FLINCHUM, 1981:02).

a. Coordenação Motora

A coordenação motora é em parte considerada como instintiva, devido

ao papel determinante das contrações musculares e da maturação do sistema

nervoso, estando assim, ligada ao desenvolvimento físico. Como visa uma

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união harmoniosa dos movimentos, supõe-se que haja integridade do sistema

nervoso. Devido à abrangência deste aspecto psicomotor ele pode ser

subdivido em: coordenação global; fina e óculo-manual.

De acordo com Gomes (1995:21) “a coordenação dinâmica global

envolve movimentos amplos com todo o corpo (cabeça, ombros, braços,

pernas, pés, tornozelos, quadris etc.)”. Assim, diz respeito à atividade dos

grandes músculos, e depende da capacidade de equilíbrio postural do

indivíduo.

O equilíbrio está subordinado às sensações proprioceptivas cinestésicas

e labirínticas, pois é através da movimentação e da experimentação que o

indivíduo procura seu eixo corporal, adaptando-se e equilibrando-se cada vez

melhor. “Quanto maior o equilíbrio, mais econômica será a atividade do sujeito

e mais coordenadas serão suas ações” (OLIVEIRA, 2005:41).

Ao colocar grupos musculares diferentes em ação simultânea a criança

começa, através da experimentação, a adquirir a dissociação de movimentos.

Tendo condições de realizar múltiplos movimentos ao mesmo tempo, com cada

membro realizando uma atividade diferente, conservando a unidade do gesto.

Diversas atividades levam à conscientização global do corpo, Oliveira

(2005) apresenta algumas como o andar, que é considerado um ato

neuromuscular que requer equilíbrio e coordenação; o correr, que além de

requerer as condições anteriores ainda necessita da força muscular e da

resistência; e outras: saltar, rolar, pular, arrastar-se, nadar, lançar, pegar,

sentar. Para a autora, “esta experimentação do corpo leva ao esquema

corporal” (2005:42).

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A coordenação motora fina e óculomanual dizem respeito à habilidade e

destreza manual, mas somente a coordenação fina não é suficiente, é

necessário haver um controle ocular, onde a visão seja capaz de acompanhar

os gestos da mão, e esta é a coordenação óculomanual.

Oliveira (2005) afirma que “uma coordenação elaborada dos dedos da

mão facilita a aquisição de novos conhecimentos (...) é um instrumento de ação

a serviço da inteligência” (p.42), pois a escrita necessita da independência dos

membros para se processar de forma econômica, evitando o cansaço e

controlando o tônus muscular – a pressão sobre os dedos.

A mão é importante para o ser humano desde seu nascimento, pois

através dela inicia-se a exploração do mundo exterior.

Devido à importância da coordenação motora fina e óculomanual para o

grafismo Gomes (1995) afirma ser importante que a estimulação harmoniosa

dos pequenos músculos englobe tanto as mãos, quanto os dedos e os pulsos.

Pois, de acordo com Meur e Staes (1991:18) “por meio de diferentes

gestos em um plano vertical, a criança aprende a segurar corretamente o giz e

o lápis. Para que a criança adquira um traço regular, precisará trabalhar, com

certa rapidez”.

b. Esquema Corporal

Meur e Staes (1991:09) apresentam o Esquema Corporal como o

“elemento básico indispensável para a formação da personalidade da criança.

É a representação relativamente global, científica e diferenciada que a criança

tem de seu próprio corpo”.

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A percepção do corpo se dará na criança através dos seus sentidos. A

noção de corpo encontra-se no centro do sentimento de mais ou menos

disponibilidade e adaptação, da relação entre o vivido e o universo.

O corpo, portanto, é a maneira que o sujeito encontra de ser, uma forma

de expressão da individualidade. A criança percebe-se e percebe as coisas ao

seu redor através do seu próprio corpo. Oliveira (2005:47) diz que “todo ser tem

seu mundo construído a partir de suas experiências corporais” e toda

experiência corporal implica numa relação psicológica, onde o movimento não

está isolado, mas em estreita relação com a conduta e a personalidade.

Para a autora, todas as experiências da criança são vividas

corporalmente, assim, para que uma criança consiga agir através de seus

aspectos psicológicos, psicomotores, emocionais, cognitivos e sociais é preciso

que seu corpo esteja organizado.

Levin (2003:70) apresenta o esquema corporal como sendo constituído

através da evolução, do desenvolvimento psicomotor, sendo considerado como

“a imagem tridimensional que todos têm de si mesmos”, diferenciando-o da

imagem corporal, considerada como constituinte do sujeito desejante.

Assim, o esquema corporal, nas palavras de Dolto (1986 apud LEVIN,

2003:72) “especifica o indivíduo, enquanto representante da espécie, seja qual

for o lugar, a época ou as condições em que vive”. Enquanto a imagem

corporal ao contrário “é própria de cada um: está ligada ao sujeito e à sua

história”. Neste sentido, pode-se falar nas etapas de construção do esquema

corporal, três fases responsáveis pelo desenvolvimento psicomotor da criança.

A 1ª etapa, conhecida como Corpo Vivido, acontece até os três anos de

idade e é considerada a etapa de vivência corporal, onde o movimento é

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experimentado sem ser analisado. Utiliza-se a imitação, e é pela prática

pessoal, pela exploração que se ajusta, domina,descobre e compreende o

meio, coordenando suas ações. Para Oliveira (2003) neste momento acontece

o ajustamento, ou seja, através da memória de corpo a criança conseguirá

atingir eficácia nos ajustes posteriores. O objetivo desta fase é tornar o eu

unificado e individualizado.

A etapa que se segue, Corpo Percebido ou Descoberto, se dá dos três

aos sete anos, e é o momento no qual a criança passa a ter mais domínio

sobre seu corpo, os movimentos são aperfeiçoados e refinados. Aos poucos

consegue com maior eficácia ajustar suas ações aos objetos e às situações.

Desenvolvendo ainda uma percepção mais centrada do próprio corpo. Apesar

de ainda estar centrado no próprio corpo, passa a ter uma representação

mental dos elementos do espaço, vê seu corpo como ponto de referência e se

instauram a dominância lateral e as noções de tempo e espaço.

A etapa final, Corpo Representado, se dá dos sete aos doze anos, e é

considerado o momento no qual a criança amplia e organiza seu esquema

corporal. Evolui para a descentralização, deixando de utilizar somente seu

corpo como ponto de referência, aos poucos adquire-se noções de perspectiva,

reversibilidade, maior disponibilidade corporal, adaptação do gesto às

circunstâncias.

No desenvolvimento saudável do esquema corporal, para Oliveira

(2003:104), a criança adquire gradativamente “o domínio corporal e consegue

descobrir qual é o caminho que permite melhorar ainda mais este domínio

prevendo suas características próprias”, seu corpo irá obedecer-lhe.

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c. Lateralidade

Para Gomes (1995:22) a lateralidade é “a bússola do nosso corpo e

assim possibilita nossa situação no ambiente”. Desta forma, diz respeito, à

percepção dos lados direito e esquerdo e da atividade desigual de cada um

desses lados visto que sua distinção será manifestada ao longo do

desenvolvimento e da experiência.

Considerada ainda como a propensão que o ser humano tem em utilizar

de forma mais eficaz um dos lados do corpo do que o outro, Oliveira (2003)

considera que este predomínio motor, determina o lado dominante, onde

haverá maior força muscular, precisão e rapidez na utilização da mão, olho e

pé. O outro lado será apenas um auxiliar na ação, sendo igualmente

importante. “Na verdade os dois lados não funcionam isoladamente, mas de

forma complementar” (p.63).

A preferência por uma determinada lateralidade se dá através de

diferentes fatores, como a hereditariedade, a história de vida da criança, a

sociedade onde ela se insere e a aprendizagem.

A criança a princípio experimentará a utilização dos dois lados sem

interferências, e somente aos poucos escolherá o lado dominante.

Além da dominância lateral, onde a criança se tornará destra, canhota

ou ambidestra, o processo desenvolvimento leva a criança a reconhecer a

direita e a esquerda, tanto em si mesma, quanto no outro. O conhecimento de

direita e esquerda, para Meur & Staes (1991) decorre da noção de dominância

lateral. “É a generalização, da percepção do eixo corporal, a tudo que cerca a

criança; esse conhecimento será mais facilmente apreendido quanto mais

acentuada e homogênea for a lateralidade da criança” (p.12), e só se torna

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estável por volta dos cinco ou seis anos de idade, enquanto sua reversibilidade

somente após os seis anos e meio.

d. Estruturação Espacial

A estruturação espacial é considerada por Filho & Sá (2001:53) como “a

orientação, a estruturação do mundo exterior referindo-se primeiro ao eu

referencial e depois a outros objetos ou pessoas em posição estática ou em

movimento”. Ou seja, a criança com um desenvolvimento espacial saudável

saberá onde está, onde estão os objetos uns em relação aos outros e em

relação a si própria e como se organizar nos espaços que dispõe.

Aos poucos a criança tomará consciência da situação de seu próprio

corpo no meio ambiente, possibilitando, para Meur & Staes (1991:13)

“organizar-se perante o mundo que o cerca, de organizar as coisas entre si, de

colocá-las em um lugar, de movimentá-las”.

O desenvolvimento da estruturação espacial ocorre gradativamente, na

medida em que vai havendo a maturação do sistema nervoso da criança, “ela

vai se tornando capaz de perceber e coordenar estas múltiplas sensações

visuais, táteis, auditivas e cinestésicas” (OLIVEIRA, 2005:77).

Aos poucos conceitos como alto/baixo, em cima/ em baixo, atrás/ na

frente, longe/perto serão apreendidos em relação ao próprio corpo, para

gradativamente serem considerados em relação ao outro e ao ambiente. “Uma

pessoa que já possua uma orientação espacial bem definida dará ela mesma

as coordenadas para que saibamos quais são seus pontos de referência”

(OLIVEIRA, 2005:80).

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Deve-se salientar que somente após conseguir orientar-se no meio

ambiente a criança se torna apta a orientar-se espacialmente no papel, por isso

a educação deve se atentar a trabalhar no nível corporal, de movimentação, de

interiorização das ações, para somente depois iniciar os exercícios gráficos de

orientação.

e. Estruturação Temporal

A princípio a estruturação espacial e temporal acontece

concomitantemente, e toda e qualquer dissociação deste processo se dá

somente em caráter didático, a fim de facilitar o estudo dos processos, pois as

noções de corpo, espaço e tempo estão intimamente ligadas no movimento

humano.

Desta forma Piaget (apud OLIVEIRA, 2005:85) afirma “O espaço é um

instantâneo tomado sobre o curso do tempo e o tempo é o espaço em

movimento”. Afinal, o corpo coordena-se e movimenta-se dentro de um espaço

determinado, em função do tempo e em relação a uma referência.

Do mesmo modo que se falou acima da importância da orientação no

papel para a aquisição da escrita, “a palavra falada exige que se emitam

palavras de forma ordenada e sucessiva, uma atrás da outra, obedecendo um

certo ritmo e dentro de um tempo determinado” (OLIVEIRA, 2005:87).

A estruturação temporal é considerada por Meur & Staes (1991) como a

capacidade de situar-se em função da sucessão de acontecimentos, da

duração dos intervalos, da renovação cíclica dos períodos, do caráter

irreversível do tempo. Por serem muito abstratas, as noções temporais são

muitas vezes difíceis de serem adquiridas pela criança.

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O desenvolvimento da estruturação temporal é construído, assim como o

de estruturação espacial, exigindo esforço e trabalho mental da criança. Tais

noções necessitam de um desenvolvimento cognitivo mais avançado. A

princípio, na primeira etapa de desenvolvimento psicomotor a criança ainda

está vivenciando seu corpo e este ainda não existem em relação ao tempo e ao

espaço, estas noções são adquiridas gradativamente.

Seus gestos e movimentos vão se ajustando ao tempo e ao espaço

exteriores, assim aos poucos se toma consciência das relações de tempo. E os

conceitos primordiais para a aprendizagem vão sendo adquiridos, como:

simultaneidade; duração de intervalos; renovação cíclica dos períodos e ritmo.

Oliveira (2005) afirma que a aquisição formal da leitura e da escrita está

intimamente ligada ao desenvolvimento e organização das noções de tempo e

espaço, pois caso um não se encontre desenvolvido plenamente irá causar

danos no processo de leitura, da escrita e da matemática.

Somente um desenvolvimento psicomotor adequado possibilita uma

inserção na aprendizagem formal tranquila e saudável, capaz de relacionar-se

bem consigo mesma, com o meio, com os demais e com o processo de

aquisição da leitura e escrita de forma eficaz.

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CAPÍTULO 2

EDUCAÇÃO INFANTIL

A Educação infantil evoluiu do que era chamada de uma educação

pré-escolar, entendida como todo atendimento fora do ambiente familiar as

crianças que não freqüentavam o que se considerava como escola.

A educação de crianças até seis anos em creches e pré-escolas tem

sido vista, cada vez mais, como um investimento necessário para o

desenvolvimento saudável responsável pelo ingresso de forma eficaz na

escolarização obrigatória.

Para Oliveira (2002:35), a partir da Lei 9394/96, são estabelecidas

“novas diretrizes e bases para a educação nacional, o atendimento a crianças

em creches (até três anos de idade) e pré-escolas (de quatro a seis anos)”

constituindo a educação infantil, nível de ensino integrante da educação básica.

Hoje, a educação infantil é desafiada a responder ao entendimento da

diversidade humana. As concepções existentes sobre educação infantil têm

cunho políticos próprios, distintos no espaço público e no privado, observados

pelas políticas públicas de cada país, além de determinar a prioridade na

matricula, tais políticas influenciam as metas de estimulação necessárias neste

ciclo educacional.

Desta forma, encontra-se hoje, de acordo com Oliveira (2002) uma

busca constante por reverter este quadro, fazendo com que a educação infantil

seja olhada sob a perspectiva sociohistórica, onde haja autonomia, tanto das

creches quanto das pré-escolas, em elaborarem seus projetos pedagógicos de

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acordo com as necessidades das crianças atendidas, sempre priorizando a

qualidade e o desenvolvimento saudável destas crianças.

A autora afirma ainda que “a definição de uma proposta pedagógica

para a creche ou a pré-escola deve considerar a atividade educativa como

ação intencional orientada para a ampliação do universo cultural das crianças”

(p.48), oferecendo a elas condições para compreender os fatos e eventos,

tornando-se hábeis a agir sobre a realidade de modo transformador.

Somente desta forma, o ambiente educativo poderá ser considerado

como ideal para o cultivo da cidadania, de um aprendizado com base nas

diferenças, envolvendo a aprendizagem de respostas mais adequadas à

formação de atitudes éticas, onde o direito a uma infância plena seja

respeitado, possibilitando a interação e a partilha na oportunidade de

crescimento cognitivo, social, psicomotor e afetivo.

Para Amorim (1994:13) “é neste contexto que se justifica a existência

da escola: lugar de acesso e iniciação aos saberes especializados” e a

educação infantil ocupa-se de atualizar as experiências e conhecimentos que a

criança constrói em seu cotidiano, através do brincar, descobrindo nas relações

estabelecidas estruturas de pensamento e ação, necessárias na

aprendizagem: relações de linguagem, lógicas, espaçotemporais,

psicomotoras, sócioafetivas.

2.1. Objetivos

Através das brincadeiras infantis a criança irá descobrir, aprender e

dar sentido ao mundo que encontra. “A pré-escola vai, portanto, buscar na

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produção lúdica o caminho para que a criança ingresse no mundo do adulto,

descobrindo-o a sua maneira” (AMORIM, 1994:15).

Mas para que tal conhecimento seja aprimorado, é preciso que seja

aprendido, de forma criativa, significativa. Para isso é necessário um

planejamento adequado, com objetivos que voltados tanto para o pensamento

quanto para ação.

O referencial curricular nacional da educação infantil (RCN) ocupa-se

em definir estes parâmetros básicos a qualquer instituição que atenda a

criança, voltando-se para a preocupação de sistematizar a ação do professor.

Nele constam os objetivos norteadores da ação, responsáveis por

conter o núcleo estratégico básico, a partir do qual a relação entre professor e

criança seja criadora de experiência. Amorim (1994:18) afirma se importante

salientar que “o trabalho que se propõe a seguir, razão e imaginação andam

juntas”.

O RCN apresenta a priori os objetivos gerais da educação infantil,

atentando para o atendimento das crianças de zero a seis anos:

• Desenvolver uma imagem positiva de si, atuando de forma cada vez mais independente, com confiança em suas capacidades e percepção de suas limitações;

• Descobrir e conhecer progressivamente seu próprio corpo, suas potencialidades e seus limites, desenvolvendo e valorizando hábitos de cuidado com a própria saúde e bem-estar;

• Estabelecer vínculos afetivos e de troca com adultos e crianças, fortalecendo sua auto-estima e ampliando gradativamente suas possibilidades de comunicação e interação social;

• Estabelecer e ampliar cada vez mais as relações sociais, aprendendo aos poucos a articular seus interesses e pontos de vista com os demais, respeitando a diversidade e desenvolvendo atitudes de ajuda e colaboração;

• Observar e explorar o ambiente com atitude de curiosidade, percebendo-se cada vez mais como

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integrante, dependente e agente transformador do meio ambiente e valorizando atitudes que contribuam para sua conservação;

• Brincar, expressando emoções, sentimentos, pensamentos, desejos e necessidades;

• Utilizar as diferentes linguagens (corporal, musical, plástica, oral e escrita) ajustadas às diferentes intenções e situações de comunicação, de forma a compreender e ser compreendido, expressar suas idéias, sentimentos, necessidades e desejos e avançar no seu processo de construção de significados, enriquecendo cada vez mais sua capacidade expressiva;

• Conhecer algumas manifestações culturais, demonstrando atitudes de interesse, respeito e participação frente a elas e valorizando a diversidade. (BRASIL, 1998a:30)

Ainda em seu conteúdo, o RCN, direciona alguns objetivos específicos

a faixa etária do zero aos três anos, atentando para o fato de que a instituição

deve criar um ambiente de acolhimento, capaz de proporcionar a criança

segurança e confiança, garantindo oportunidades para que seja capaz de:

• Experimentar e utilizar os recursos de que dispõem para a satisfação de suas necessidades essenciais, expressando seus desejos, sentimentos, vontades e desagrados, e agindo com progressiva autonomia;

• Familiarizar-se com a imagem do próprio corpo, conhecendo progressivamente seus limites, sua unidade e as sensações que ele produz;

• Interessar-se progressivamente pelo cuidado com o próprio corpo, executando ações simples relacionadas à saúde e higiene;

• Brincar; • Relacionar-se progressivamente com mais crianças, com seus professores e com demais profissionais da instituição, demonstrando suas necessidades e interesses (BRASIL, 1998a:63)

Destro desta perspectiva de ação há uma análise de diferentes teorias

psicológicas utilizadas na descrição e explicação do desenvolvimento da

27

criança, responsáveis também por nortear as questões pedagógicas na

educação infantil.

Para Oliveira, (2002) teóricos como Piaget, Vygostsy e Wallon

norteiam o pensamento da educação moderna através de suas teorias do

desenvolvimento infantil, sendo autores que valorizam a aprendizagem através

da relação criança-objeto, criança-criança e criança-meio. “A motricidade, a

afetividade, a inteligência e a cognição são faces de um processo de

construção coletiva. De acordo com as novas concepções, as instituições de

educação infantil devem privilegiar a organização de contextos” (p.140).

Assim, o RCN apresenta em seus conteúdos norteadores para a

educação da criança de zero a três anos, processos que possibilitem através

da convivência o crescimento pessoal:

• Comunicação e expressão de seus desejos, desagrados, necessidades, preferências e vontades em brincadeiras e nas atividades cotidianas.

• Reconhecimento progressivo do próprio corpo e das diferentes sensações e ritmos que produz.

• Identificação progressiva de algumas singularidades próprias e das pessoas com as quais convive no seu cotidiano em situações de interação.

• Iniciativa para pedir ajuda nas situações em que isso se fizer necessário.

• Realização de pequenas ações cotidianas ao seu alcance para que adquira maior independência.

• Interesse pelas brincadeiras e pela exploração de diferentes brinquedos.

• Participação em brincadeiras de “esconder e achar” e em brincadeiras de imitação.

• Escolha de brinquedos, objetos e espaços para brincar. • Participação e interesse em situações que envolvam a relação com o outro.

• Respeito às regras simples de convívio social. • Higiene das mãos com ajuda. • Expressão e manifestação de desconforto relativo à presença de urina e fezes nas fraldas.

• Interesse em se depreender das fraldas e utilizar o penico e o vaso sanitário.

• Interesse em experimentar novos alimentos e comer sem ajuda.

28

• Identificação de situações de risco no seu ambiente mais próximo. (BRASIL, 1998a:70).

2.2. O papel do corpo

O desenvolvimento infantil dar-se-á pela apropriação de linguagens e

formas cognitivas cada vez mais complexas que coexistem no entorno cultural

da criança. Tais situações ocorrem em inúmeros momentos de sua vida, onde

estabelece e percebe relações com elementos de sua cultura.

Desde o nascimento a criança desenvolve seu corpo e seus

movimentos. “Os mecanismos que usa para orientar o tronco e as mãos (...)

são complexos e acionados à medida que ela manipula (...) objetos”

(OLIVEIRA, 2002:147).

Pode-se dizer que no início deste desenvolvimento predomina a

dimensão subjetiva da motricidade, que encontra sua eficácia e sentido

principalmente na interação com o meio social, junto às pessoas com quem a

criança interage diretamente e que somente aos poucos se desenvolve a

dimensão objetiva do movimento, que corresponde às competências

instrumentais para agir sobre o espaço e meio físico.

Oliveira (2002) concorda que a criança ao “movimentar o corpo no

espaço, recebe informações próprioceptivas e externoceptivas necessárias

para interpretar e organizar as relações entre os elementos, formulando uma

representação daquele espaço” (p.148).

Dado o alcance que a questão motora assume na atividade da criança, é

importante que, ao lado das situações planejadas especialmente para trabalhar

o movimento em suas várias dimensões, a escola reflita sobre o espaço dado

29

ao movimento em todos os momentos da rotina diária, incorporando os

diferentes significados que lhe são atribuídos pelos familiares e pela

comunidade.

Nesse sentido, é importante que o trabalho incorpore a expressividade e

a mobilidade próprias às crianças. Os deslocamentos, as conversas e as

brincadeiras resultantes desse envolvimento devem ser compreendidas como

caráter lúdico e expressivo das manifestações naturais da motricidade infantil.

De acordo com o RCN (1998b) é durante o primeiro ano de vida que o

predomínio das emoções na interação bebê e adulto ou bebê e seus iguais

torna o movimento predominantemente influenciado pela dimensão subjetiva.

“O diálogo afetivo que se estabelece com o adulto, caracterizado pelo

toque corporal, pelas modulações da voz, por expressões cada vez mais

cheias de sentido, constitui-se em espaço privilegiado de aprendizagem”

(BRASIL, 1998b:33). Ao imitar o parceiro e o adulto a criança cria suas próprias

reações, ao lado dessas capacidades expressivas, o bebê realiza importantes

conquistas corporais que precedem a aquisição da marcha.

As ações exploratórias permitem que o bebê descubra os limites e a

unidade do próprio corpo, conquistas importantes no plano da consciência

corporal. As ações em que procura descobrir o efeito de seus gestos sobre os

objetos propiciam a coordenação sensóriomotora.

Para o RCN (1998b: 33), do “ponto de vista das relações com o objeto, a

grande conquista do primeiro ano de vida é o gesto de preensão, o qual se

constitui em recurso com múltiplas possibilidades de aplicação”.

Concluindo, aquisições como a preensão e a locomoção representam

importantes conquistas no plano da motricidade objetiva no primeiro ano de

30

vida, pois consolidam instrumentos de ação sobre o mundo, que serão

aprimorados conforme as oportunidades oferecidas à criança de explorar o

espaço, manipular objetos, realizar atividades diversificadas e desafiadoras.

A partir daí, e nos primeiros três anos de vida da criança, o exercício da

capacidade locomotora, somado ao progressivo amadurecimento do sistema

nervoso, propicia o aperfeiçoamento do andar, que se torna cada vez mais

seguro e estável, desdobrando-se nos atos de correr, pular e suas variantes. A

grande independência adquirida na exploração do espaço torna maior a

disponibilidade das mãos: a criança dessa idade é aquela que não pára, mexe

em tudo, explora, pesquisa.

Enquanto explora, vai aprendendo a adequar seus gestos e movimentos

às suas intenções e às demandas da realidade. O fato de manipular objetos

que tenham um uso cultural bem definido não significa que a manipulação se

restrinja a esse uso, já que o caráter expressivo do movimento ainda

predomina. “Assim, se a criança dessa idade pode pegar uma xícara para

beber água, pode também pegá-la simplesmente para brincar, explorando as

várias possibilidades de seu gesto” (BRASIL, 1998b: 42).

Nesta fase, acontece ainda o desenvolvimento dos gestos simbólicos,

dimensão expressiva do ato motor, ligados ao faz-de-conta possui função

social e cultural. No plano da consciência corporal, nessa idade a criança

começa a reconhecer a imagem de seu corpo, o que ocorre principalmente por

meio das interações sociais que estabelece e das brincadeiras que faz diante

do espelho. Aprendendo a reconhecer as características físicas que integram a

sua pessoa, o que é fundamental para a construção de sua identidade.

31

Desta forma, de acordo com os RCNs, podem-se apresentar os

objetivos relacionados ao movimento das crianças de zero a três anos,

organizados para que as crianças desenvolvam as seguintes capacidades:

• Familiarizar-se com a imagem do próprio corpo; • Explorar as possibilidades de gestos e ritmos corporais para expressar-se nas brincadeiras e nas demais situações de interação;

• Deslocar-se com destreza progressiva no espaço ao andar, correr, pular etc., desenvolvendo atitude de confiança nas próprias capacidades motoras;

• Explorar e utilizar os movimentos de preensão, encaixe, lançamento etc., para o uso de objetos diversos (BRASIL, 1998b: 45).

Baseado nesta perspectiva o RCN ainda apresenta os conteúdos

necessários a serem trabalhados nesta faixa etária, sempre voltados para o

desenvolvimento global da criança:

• Reconhecimento progressivo de segmentos e elementos do próprio corpo por meio da exploração, das brincadeiras, do uso do espelho e da interação com os outros.

• Expressão de sensações e ritmos corporais por meio de gestos, posturas e da linguagem oral.

• Exploração de diferentes posturas corporais, como sentar-se em diferentes inclinações, deitar-se em diferentes posições, ficar ereto apoiado na planta dos pés com e sem ajuda etc.

• Ampliação progressiva da destreza para deslocar-se no espaço por meio da possibilidade constante de arrastar-se, engatinhar, rolar, andar, correr, saltar.

• Aperfeiçoamento dos gestos relacionados com a preensão, o encaixe, o traçado no desenho, o lançamento etc., por meio da experimentação e utilização de suas habilidades manuais em diversas situações cotidianas (BRASIL, 1998b: 47).

Para Oliveira (2002: 148) a criança “ao alterar sua colocação postural

conforme lida com objetos, variando as superfícies de contato com eles,

32

trabalha diversos segmentos corporais com contrações musculares de

diferentes intensidades”, e consequentemente se desenvolve com o esforço.

A escola deve estar atenta a estas questões e assim, a organização do

ambiente, dos materiais e do tempo deve atentar para o auxilio das

manifestações motoras das crianças integrando-as nas diversas atividades da

rotina. Para isso, os espaços externos e internos devem ser amplos o suficiente

para acolher as manifestações da motricidade infantil. Os objetos, brinquedos e

materiais devem auxiliar as atividades expressivas e instrumentais do

movimento.

33

CAPÍTULO 3

DESENVOLVIMENTO SOCIAL E AFETIVO DA CRIANÇA

DE 0 - 3 ANOS

Desde cedo as crianças se envolvem em interações responsáveis por

auxiliá-las a construir uma lógica na ação, através de estratégias não verbais.

Ao interiorizar formas de interação social já vivenciada, a criança se aproxima

de estratégias para memorizar, narrar, solucionar problemas.

Em Oliveira (2002:136) lê-se que “em todo esse processo, o afeto é um

regulador da ação, influindo na escola ou rejeição de terminados objetivos”.

Além disso, o afeto proporciona expressividade, assim em toda atividade

humana afeto e cognição são aspectos inseparáveis.

O bebê já ao nascer é um ser ativo, agente de seu próprio

desenvolvimento, com certa condição de perceber e reagir as situações. “Os

bebês nascem com estruturas pré-adaptadas para iniciar, manter e terminar

interações com parceiros humanos e realizam, desde o nascimento, verdadeira

atividade de pesquisa do real” (OLIVEIRA, 2002:137).

Inicialmente, serão apresentadas duas teorias, consideradas como as

mais importantes que falam sobre o desenvolvimento da personalidade desde

a primeira infância (zero a três) anos até a idade adulta, salientando os

aspectos afetivos e sociais que são constituídos no sujeito enquanto criança,

34

Manning (2000) apresenta Freud como o primeiro teórico a perceber que

os problemas emocionais do adulto estavam relacionados aos conflitos da

infância que não tinham ficado resolvidos. Assim, ele formulou uma teoria

motivacional do desenvolvimento, com estágios psicossexuais. “Freud

sustentava que a não-satisfação das necessidades em qualquer dos estágios

tinha como resultado o conflito emocional” (MANNING, 2000: 66).

A criança de zero a um ano, aproximadamente, para Freud encontra-se

no estágio de desenvolvimento oral, onde o centro de prazer e da existência do

bebê advém da boca. “A boca é o centro da gratificação e a criancinha

experimenta a maioria dos objetos colocando-os na boca” (MANNING, 2000:

66).

Ainda neste período a criança é excessivamente dependente dos outros

para satisfazer seus desejos. Suas necessidades precisam ser satisfeitas

imediatamente, o bebê não sabe esperar.

Quando estas necessidades emergenciais começam a não ser

atendidas imediatamente, e a criança precisa enfrentar a realidade de ter que

esperar ou de se acomodar, desenvolvendo novas formas de gratificação

atenuantes a necessidade primária o ego começa a emergir. É o conflito com o

meio ambiente que faz a criança ter o seu primeiro contato com a realidade. O

principal conflito desta fase está relacionado ao desmame.

Do um aos três anos o estágio de desenvolvimento passa do oral, para o

anal, é quando se inicia o treinamento para o asseio corporal. Neste momento

a criança se foca para os músculos necessários ao controle dos movimentos

intestinais. O prazer neste momento é obtido principalmente na região anal –

35

“inicialmente por expelir as fezes e posteriormente por retê-las” (DAVIDOFF,

1983: 522).

Neste estágio, Manning (2000) afirma que se desencadeia um conflito

entre os pais e a criança, relacionado ao uso do vaso sanitário, e ao desafio a

autoridade realizada pela criança a não usá-lo. Este treinamento é o conflito

central da fase anal, pois remete a tensão existente entre o impulso para o

prazer e as restrições da sociedade, solicitando a criança, consequentemente,

o controle de impulsos naturais.

Existe uma conexão entre a construção da identidade e a comunicação

(verbal e não verbal) que a criança estabelece com o adulto, pois comunicar

significa reconhecer o outro como distinto de nós. Para Vecchiato (1989) é

como chegar a um acordo, uma complementaridade e uma colaboração.

Quando as fases de desenvolvimento são simbolicamente vivenciadas

em toda a duração e intensidade necessárias, segundo o autor, a evolução da

comunicação retoma seu curso, liberada dos obstáculos que se situaram em

seu caminho. “O processo consiste em passar lentamente do princípio do

prazer ao da realidade” (VECCHIATO, 1989: 14), e assim tornar-se apta a

atuar na sociedade.

Assim como Freud, Erik Erikson sustenta a idéia de que a criança passa

por uma série de estágios do desenvolvimento. Para Erikson os conflitos entre

“as necessidades psicológicas da criança e as imposições da sociedade como

um todo” (MANNING, 2000:67) que determinam a superação de cada estágio.

36

Para o autor a autoconfiança e o otimismo decorrem da satisfação das

necessidades físicas e emocionais do indivíduo. Assim, se o conflito não é

resolvido de maneira completa e adequada, o resultado é o pessimismo e a

dúvida em relação a si mesmo.

Assim no período do zero aos três anos a criança passa por duas fases

diferenciadas, de acordo com Erikson (apud MANNING, 2000) a primeira, do

nascimento aos dezoito meses envolve a relação de dependência com o

adulto, particularmente a mãe, e diz respeito ao conflito entre a confiança e a

desconfiança.

“Nesta ocasião, o relacionamento com a mãe é da máxima importância”

(DAVIDOFF, 1983: 528), se as necessidades básicas da criança não são

atendidas de maneira carinhosa, a criança não consegue aprender a confiar

nas pessoas. Assim, para desenvolver a confiança básica, a criança precisa

ser acolhida de forma adequada.

Tal confiança permitirá ao bebê confiar nos outros e em si mesmo, além

de torná-lo mas receptivo as novas experiências, certos de terem capacidades

de lidar com elas. “Erikson acredita que uma ligação entre mãe cheia de

simpatia e seu filho torna a criança capaz de prever acontecimentos familiares

que ocorrem na vida diária” (MANNING, 2000: 68), fazendo com que os

acontecimentos sejam experimentados de forma mais tranquila, facilitando o

desenvolvimento de uma assimilação correta dos novos estímulos.

Oliveira (2002) considera que os bebês estão em constante busca por

obter satisfação de suas necessidades fisiológicas, afetivas e cognitivas e

delas retirarem significados, e para isso modulam seus meios de expressão, os

mais rudimentares, como gritos, choro e gesticulações.

37

Um bebê confiante, habituado a ter suas necessidades atendidas, se

comporta de maneira relaxada, dormindo, comendo e movimentando-se bem.

Mas quando a criança não recebe coerentemente os cuidados desenvolve uma

desconfiança básica, que acarretará sentimentos de menos valia, tornando a

criança desconfiada, por não saber em quem confiar.

Tal situação pode acarretar no futuro a incapacidade de ajustar-se a

novas situações ou de realcionar-se positivamente com outras pessoas, devido

ao medo e suspeita desenvolvida nesta fase inicial.

Por volta dos dois anos, e paralelamente a fase anal de Freud, Erikson

apresenta o segundo desafio, o estágio de desenvolvimento que implica no

conflito entre a autonomia e a vergonha ou dúvida. “Nesta ocasião, as crianças

têm suas capacidades em desenvolvimento rápido. Gostam de correr,

empurrar, puxar, segurar e largar” (DAVIDOFF, 1983: 528).

O papel do adulto, especialmente dos pais, neste período é fundamental.

A criança ao andar e explorar o ambiente ao seu redor deve ser ao mesmo

tempo em que contida e protegida, encorajada a ação. Pois é este equilíbrio

entre proteção e estimulação que determinará o desenvolvimento adequado

desta fase.

A criança quer ser independente, mas descobre que não é tão capaz

quanto gostaria. Assim, os pais podem reagir de três maneiras ao processo de

ganho de independência de seu filho. Primeiro podem se mostrar super-

protetores, com medo da criança se ferir; segundo podem ser permissivos

demais sem estabelecer limites claros a ela; terceiro podem adotar uma

posição de equilíbrio.

38

Ao oferecer uma atenção onde o equilíbrio é a base, o adulto

proporciona a criança um ambiente saudável com um mínimo de restrições. “A

última alternativa parece ser a mais sensata. Permite a exploração, mas

também levam em conta as limitações da criança” (MANNING, 2000: 68).

Erikson (apud MANNING, 2000) considera que o desenvolvimento da

autonomia depende da segurança e da orientação dadas pelos pais, além das

oportunidades de tomada de decisão e do uso das novas habilidades. E para

crescerem precisam cair, levantar-se, molhar as calças, derramar a comida,

num processo constante de aprendizagem sobre o próprio corpo.

Vecchiato (1989) afirma que é quando a criança brinca, através de suas

produções simbólicas, através de suas posturas e comportamento, que

cuidadosamente se elaboram interpretações a fim de compreender sua

realidade psicológica.

O estabelecimento de uma relação afetiva entre a criança e as pessoas

de seu entorno é considerado fundamental ao seu desenvolvimento. Para

Vecchiato (1989), o essencial parece ser a qualidade do relacionamento

corpóreo e da comunicação afetiva. Como pôde ser visto acima, o corpo está

presente em todo o processo, delineando o processo e caracterizando

crescentemente o caminhar da criança pelo processo de amadurecimento

afetivo, social e cognitivo.

“A motricidade, a afetividade, a inteligência e a cognição são faces de

um mesmo processo de construção coletiva” (OLIVEIRA, 2002:140). Ser

colocada em um ambiente que não lhe desperte medo, mas incentive a

exploração, ter sua atenção dirigida a aspectos significativos para si mesmas

39

são elementos que motivam o processo de desenvolvimento, suscitando uma

ação, afetivamente adequada e socialmente integrada.

Assim, uma boa evolução afetiva é expressa através da postura, das

atividades e do comportamento da criança. Dificuldades de aprendizagem

podem estar associadas a algumas perturbações afetivas, devido as atitudes

de afastamento social e isolamento devido a insegurança para realizar

qualquer atividade, principalmente as que envolvam competição.

Para Oliveira (2005:122), muitas crianças “apresentam falta de

segurança, inibição, falta de interesse pela escola. A auto-imagem e

consequente autoestima diminuem e isto acarreta ou um isolamento (...) ou

comportamentos agressivos”.

Considerando-se ainda, que a construção de conhecimentos a respeito

dos outros, de si mesmo e da realidade social é influenciada pelas ações e

interações significativas da vida cotidiana. Todo o panorama acima

apresentado “é muito importante, pois dele se pode inferir que as crianças têm

diversos modos de inserção e compreensão do mundo físico e social que as

rodeia” (KRAMER, 2003:42).

40

CAPÍTULO 4.

INSERINDO A PSICOMOTRICIDADE NA EDUCAÇÃO

INFANTIL

Diante das diferentes abordagens existentes em Psicomotricidade a

primeira atitude a ser tomada quando se começa um trabalho é definir a que

ele se propõe, estabelecendo metas e objetivos com clareza e coerência.

Neste momento, ao trazer o tema para a realidade escolar, espera-se

contribuir com melhor clareza sobre um trabalho de Psicomotricidade dentro da

escola, nos primeiros anos da Educação Infantil – zero aos três anos.

Para Barros ET AL (2008:99) “a Psicomotricidade aliada à Educação tem

um caráter preventivo”, sua ação não diz respeito somente a estimulação no

plano motor, mas uma experimentação corporal vivida com o meio, através da

sensório motricidade, do tônus e dos afetos unidos “às representações

originárias inconscientes que constituem o nascimento do psiquismo”

(AUCOUTURIER, 1997 apud BARROS ET AL, 2008:99).

O inconsciente, as fantasias, o mundo imaginário da criança, suas

carências, suas angústias, seus processos defensivos, o conteúdo simbólico

dos relacionamentos, tudo isto se encontra ligado à vivência corporal.

Assim, a Psicomotricidade contemplará o estudo do desenvolvimento

infantil a partir do corpo e de suas representações, englobando a fase não

verbal da criança que se caracteriza por um período fundamental na

construção do psiquismo.

41

Quando se pensa em um trabalho de estimulação psicomotora à criança,

de zero a três anos, situada num ambiente escolar é preciso nortear a prática a

partir de um conjunto de atitudes diante da criança e das atividades que

permeiem o agir e o pensar na educação.

Para Wallon (apud GALVÃO, 2005) tudo o que foi vivido pela criança se

interliga e forma uma base para as experiências futuras.

Desta forma é preciso conhecer cada criança e respeitar suas

individualidades, pois são seres únicos, que trazem suas vivências, mesmo que

modificadas ao longo do tempo, mas carregando com elas a representatividade

deixada por cada momento vivido.

Outro aspecto importante é acreditar no potencial das crianças. Saber

que as dificuldades, obstáculos e as insatisfações fazem parte do percurso

escolar, porem é preciso despertar o desejo de aprender através das

interações com o mundo.

Ao se favorecer que a criança se comunique, expresse e crie se permite

a ela descentrar-se dos sentimentos, distanciando-se do que está sendo vivido

em relação às suas emoções para poder pensar e agir sobre elas, vivendo

assim cada momento como uma passagem para o crescimento pessoal, se

tornando autônoma e sócioafetivamente estável.

Neste sentido, o trabalho psicomotor deve proporcionar a criança uma

aprendizagem desejada como busca por auto-realização. Piaget afirma que

“viver intensamente as fases sensório-motora e pré-operatória permite que a

criança descubra, por meio da manipulação e da exploração, as coisas ao seu

redor, as pessoas e o espaço” (2001 apud BARROS ET AL, 2008:100).

42

Cabe ao educador estar atento a esse desenvolvimento, pois será o

mediador desse despertar para a aprendizagem desejante. Suas atitudes são

fundamentais, por isso deve ser: não diretivo, permitindo a criança construir

seu caminho; ter clareza das regras e objetivos, respeitando o grupo e

amenizando conflitos; propor atividades adequadas a faixa etária com a qual

trabalha, favorecendo o avanço cognitivo, psicológico e social.

Ferreira e Caldas (1984) salientam “que a professora do pré-escolar

esteja preparada para enfrentar as necessidades afetivas e os conflitos

normais dessa idade. A adaptação da criança está na dependência da

orientação da educadora” (p.04).

Um objetivo que deve estar sempre presente no plano de ação

psicomotor generaliza a idéia acima diz respeito a estimulação da criança

através dos jogos e das brincadeiras. Atividades que são prazerosas por já

fazerem parte do universo infantil e favorecerem a relação entre fantasia e

realidade.

O que irá diferenciar a estimulação decorrente do ambiente educacional

do ambiente específico da Psicomotricidade é a forma como a ação é

conceituada. Aucouturier (apud BARROS ET AL, 2008) considera a ação como

uma transformação recíproca, que tem sempre por objetivo transformar o outro

e, aos poucos, transformar o ambiente. “Portanto, agir significa estabelecer

uma relação de transformação com o meio: eu o transformo e,

automaticamente, ele me transforma – é dialético” (p.101).

A ação através da brincadeira irá levar a criança gradativamente a

simbolizar, ao brincar com seu corpo – escorregar, arrastar, rolar, encher e

43

esvaziar, cair, saltar, equilibrar, desenhar, rabiscar – potencializará sua

existência no mundo que servirá de base para o seu amadurecimento psíquico.

A relação entre ação e este amadurecimento psíquico se dá através das

mobilizações da criança no espaço, das trocas relacionais, e também ocorre na

escola, através das experiências vivenciadas na sala de aula.

Para Lovisaro (1999: 14) “o jogo entra, nesse caso, favorecendo a

educação dos alunos, levando a criança a aprender brincando e não brincar

para aprender. (...) O jogo simbólico (...) permite a criança assimilar a realidade

externa à sua realidade interna”.

Na ação, a criança é um ser único, particular, que troca com o mundo e

com as pessoas através de suas experiências. Na sua individualidade há uma

história de vida que deve ser respeita pelo trabalho psicomotor, neste sentido o

psicomotricista deve se colocar disponível para o acolhimento das diferentes

maneiras de ser e dificuldades, sejam elas de nível cognitivo, emocional, social

ou motor.

Por isso as ações desenvolvidas no ambiente de estimulação

psicomotora devem estar baseadas num espaço de expressão motora e de

brincadeira livre. “É a partir do prazer vivido na relação com o outro e com o

espaço que a criança se abre para o mundo, para a aprendizagem e para o

prazer de pensar” (BARROS ET AL, 2008:102).

Assim, a inserção da Psicomotricidade na Educação Infantil tem como

principal objetivo favorecer o desenvolvimento da criança para a aquisição do

conhecimento. Para atingir tal objetivo é preciso estabelecer parâmetros claros

para o profissional que irá desenvolver a proposta psicomotora na escola, ele

deve adotar “um comportamento participativo e não uma posição de

44

determinador de tarefas” (LOVISARO, 1999:18), e para isso precisa saber o

que, como e onde realizar as atividades psicomotoras.

4.1. NORTEANDO A AÇÃO PSICOMOTORA NA ESCOLA

A escola deve considerar que “o homem não vive somente em interação

com o mundo de uma realidade exterior, mas sobretudo, ele vive uma relação

simbólica” (SALTINI, 2002:30). Assim para que a ação psicomotora tenha uma

validade educacional é preciso que a escola reflita sobre o homem, realizando

uma análise profunda de suas teorias, adequando-as a este conceito.

Ao se vislumbrar o sujeito como um ser em processo, um sujeito de

ação, o meio educacional deve adaptar-se pensando na criança também como

um ser em construção de sua personalidade, com potenciais a serem

desenvolvidos e que necessitam de um ambiente adequado para tal.

a) A SALA

A sala para se realizar o trabalho de estimulação psicomotora precisa

ser acolhedora e segura, oferecendo uma estrutura básica para um trabalho

corporal confortável, sendo então, limpa, climatizada, arejada e iluminada.

Tanto as crianças, quanto os profissionais devem estar descalços, com roupas

confortáveis e o mínimo possível de acessórios para facilitarem o movimento e

evitarem acidentes.

Além do ambiente físico bem preparado, deve-se salientar que a sala

também diz respeito ao clima que se estabelece neste ambiente, acolher

significa permitir a cada criança ser e estar do jeito que lhe é possível. “Haverá

um espaço e um tempo dentro da escola quando poderei colocar em evidência

45

a meus colegas, o mundo em que vivo, minhas idéias, fantasias, minhas

descobertas, invenções, desejos e sonhos” (SALTINI, 2002:31).

b) OS MATERIAIS

A maioria dos materiais consiste em espumas e tecidos, sua função é a

de ser transformável, de acordo com a necessidade e a fantasia de cada

criança, pois as ações psicomotoras implicam em transformações recíprocas.

Fazem parte das atividades psicomotoras, então: blocos de espuma,

almofadas, colchonetes, tecidos em diversos tamanhos, espaldar, cavaletes e

pranchas de madeira, dentre outros que se fizerem necessário de acordo com

o que se deseja trabalhar.

Os materiais acima descritos são indispensáveis, pois, “favorecem as

relações tônicas, sensoriais e emocionais que podem intermediar a ação”

(BARROS ET AL, 2008:103).

Como a proposta se baseia na expressividade da criança, ela deve se

sentir livre para agir da forma que lhe convém. Apesar da pouca idade elas

próprias devem determinar o que é importante vivenciar para o seu melhor

desenvolvimento psicomotor. “É possível brincar de explorar seu corpo em

atividades de pular, rolar, se equilibrar, arrastar, se distanciar, cair, entrar, sair”

(BARROS ET AL, 2008:103).

A partir da segurança material e afetiva que a sala e os materiais

proporcionam a criança se permite descobrir possibilidades de exploração do

corpo, e automaticamente, buscar o prazer.

c) AS ATIVIDADES

Neste momento não existe a intenção real de determinar um guia de

ações que determinem o plano de estimulação psicomotora, mas sim tornar

46

claro as atividades para estimulação corporal e como elas auxiliam a criança

em seu desenvolvimento afetivo e social.

Saltini (2002:48) salienta que “a educação deve ser pensada não através

de suas diversas disciplinas, mas principalmente como meio de promover a

própria vida, apropriando-se dela com as mãos.

Assim, atenta-se neste momento por propor o uso de brincadeiras e

jogos para a estimulação psicomotora, pois tais atividades trazem consigo o

simbolismo e a intencionalidade capaz de resgatar o prazer na vivência e assim

favorecer o desenvolvimento infantil, mas sem determinar que atividades

melhor se adequassem a tais fins visto que cada turma é uma turma, cada

criança é uma criança, e a sua individualidade deve ser respeitada.

Aucouturier (apud BARROS ET AL, 2008) apresenta três níveis de

expressão psicomotora onde a criança exterioriza e projeta sua história, que

são:

1. As atividades que remetem às sensações internas do corpo, e estão

ligadas ao sistema límbico, dependendo dele as sensações de equilíbrio

– brincadeiras de empurrar, resistir, afastar, balançar, girar, rodar, subir,

cair, equilibrar, desequilibrar, trepar e saltar.

2. As atividades que remetem às experiências de prazer e desprazer, às

imagens e vivências que surgiram na relação com o outro – esconder e

aparecer, construir e destruir, prender e soltar, esvaziar e encher,

encaixar e desencaixar.

3. As atividades referentes ao simbólico, também chamadas de faz-de-

conta. Segundo Piaget (2001 apud BARROS, 2008: 105), “por meio

destas brincadeiras de fantasiar, a criança compreende e se apropria do

47

mundo que a cerca, favorecendo sua integração ao meio social cada vez

mais complexo. (...) são fontes de futuras operações mentais” – blocos

que se transformam em casas e torres; tecidos que viram telhados,

capas, roupas; jornais que se transformam em espadas, chapéu,

varinhas, dinheiro.

Tais brincadeiras são universais, e independentemente da cultura irão

surgir. Toda criança brinca e representa, o fato de serem livres para agir no

tempo e no espaço faz com que o interesse e a forma como lidar com o

material se diferenciem de acordo com a faixa etária.

As atividades de estimulação psicomotora devem ter um tempo máximo

de 50 minutos, realizadas em salas dentro da escola, com crianças da mesma

faixa etária e quando não realizada pelo professor, este deve estar sempre

presente.

d) O PROFISSIONAL

O último aspecto a ser apresentado como norte do trabalho de

estimulação psicomotora é o sistema de valores e atitudes daquele que irá

desenvolver as atividades, seja ele o professor ou o psicomotricista.

Assim, tal profissional precisa reconhecer certos procedimentos que

norteiem a forma como ele deve atuar em favorecimento da relação com a

criança e dentro de um enquadre.

A serenidade e a paciência do educador, mesmo em situações difíceis, fazem parte da paz que a criança necessita. Observar a ansiedade, a perda de controle e a instabilidade de humor, vai assegurar à criança ser continente de seus próprios conflitos e raivas, sem explodir, elaborando-os sozinha ou em conjunto com o educador. A serenidade faz parte do conjunto de sensações e percepções que garantem a elaboração de nossas raivas e conflitos. Ela conduz ao conhecimento de si -

48

mesmo, tanto do educador quanto da criança (SALTINI, 2002:89).

Seria ótimo poder estabelecer um diálogo com a criança, onde se possa

perceber o que está acontecendo, usando tanto o silêncio, quanto a fala, e o

corpo, compartilhando sentimentos, oportunizando a criança experimentar seus

sentimentos de forma adequada.

Para tal fim, primeiro o profissional deve ter uma formação teórica

adequada, conhecer profundamente o desenvolvimento infantil, sabendo

distinguir as características de cada faixa etária e compreender a atitude das

crianças inseridas em um contexto histórico e social.

Reconhecer suas próprias limitações e projeções pode evitas as

transferências negativas, atentar para manter atitudes respeitosas e

acolhedoras.

Ter uma relação empática com a criança significa ajustar-se a ela,

quanto ao seu ritmo, tônus e engajamento. Estar disponível corporalmente,

poder ouvir e utilizar a linguagem para esclarecer, compreender, desfazer os

conflitos e utilizá-la no plano simbólico.

Outra atitude de suma importância é oferecer segurança, criando um

enquadre adequado, onde as crianças consigam compreender o conjunto de

normas e atitudes que auxiliam na fluência das atividades pelos diferentes

dispositivos espaçotemporais, “a fim de percorrer o itinerário de maturação

psicológica que vai do prazer de agir ao prazer de pensar” (BARROS ET AL,

2008:106).

Para finalizar o profissional deve acreditar no potencial da criança e

confiar nela e na sua capacidade de criar, se expressar e comunicar.

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CONCLUSÃO

De acordo com as leituras que embasaram o presente trabalho pode-se

concluir que o movimento, ação motora, é considerado como o primeiro meio

usado pela criança no estabelecimento de contato com o ambiente. É através

do seu corpo que o bebê estabelecerá suas primeiras relações com o adulto,

especialmente sua mãe – ou cuidadora.

Tal contato inicial se dará através do toque e da ação motora, a qual

dará a nuance afetiva dessa socialização inicial. Devido ao papel primordial do

corpo nos primeiros anos de vida da criança, aqui representado pela 1ª

infância, a saber, do zero aos três anos, as escolas de Educação Infantil têm

procurado atualizar seus planos para atender a estas necessidades

psicomotoras.

Apesar de não perder seu papel no desenvolvimento dos indivíduos nas

idades seguintes, é neste primeiro momento, caracterizado como a etapa do

corpo vivido, que a criança necessita estabelecer o maior número de contatos

voltados para a experimentação e vivência corporal.

O corpo da criança de zero a três anos é um corpo em processo de

formação e por isso tem urgência em se movimentar, em agir. As escolas

precisam estar atentas a este corpo, não somente na busca constante por

controlá-lo, adequando a crianças ás necessidades futuras da aprendizagem

formal, mas e, principalmente, oferecendo estímulos que auxiliem na

construção deste eu motor, tão importante para a formação da personalidade.

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Atentar para o fato que a Psicomotricidade é necessária a formação do

eu representa conscientizar-se de que o corpo é um fator socializador e

construtor de afetividade. Ou seja, neste momento, as relações sócioafetivas

necessitam do corpo, do movimento para serem construídas e aprimoradas.

O toque, movimento corrente no estabelecimento das relações sociais

pode ser caracterizado como um aspecto psicomotor carregado de afetividade,

já que é através dele que as principais habilidades sociais se formam além de

darem confiança a criança na experimentação do próprio corpo como um todo.

Cabe, então, as escolas de Educação Infantil buscarem junto aos seus

profissionais desenvolverem uma proposta de ação onde o corpo seja visto

como agente desejante do processo de aprendizagem e, assim, relacionem a

atividade motora ao contexto educacional.

Agir pelo corpo e para o corpo na Educação Infantil é oferecer subsídios

a criança de desenvolver-se de forma saudável e global. Respeitando as

necessidades de sua faixa etária e observando o papel ativo do corpo na

construção da personalidade, enquanto agente socializador e catalisador das

emoções.

Uma escola onde aprendizagem e afetividade andam juntas, o corpo é

valorizado, o indivíduo é formado e se busca construir um mundo melhor.

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