UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO...

91
1 UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU PROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO NA EDUCAÇÃO INFANTIL Aluna: Cristiane Assumpção Corrêa Migueres Barbosa Rio de Janeiro, 15 de fevereiro de 2005.

Transcript of UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO...

Page 1: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

1

UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU PROJETO “A VEZ DO METRE”

EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO

A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Aluna: Cristiane Assumpção Corrêa

Migueres Barbosa

Rio de Janeiro, 15 de fevereiro de 2005.

Page 2: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

2

UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU PROJETO “A VEZ DO MESTRE”

EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO

A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Trabalho monográfico apresentado como

requisito parcial para obtenção do

grau de Especialista em Educação Infantil e

Desenvolvimento.

Orientadora: Profª Mary Sue

Page 3: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

3

Dedicação

Dedico este trabalho a uma criança que

representa todas aquelas que eu gostaria que tivessem

o privilégio do contato com os livros desde o momento

que nascem: o meu filho Bruno. Apesar dele ainda não

ter nascido, já reservei um lugar no seu quarto para

fazer o seu “cantinho da imaginação”, com livros de

plástico, papel, pano e borracha e vários fantoches.

Assim, eu pretendo contribuir para o desenvolvimento

do seu potencial criador, para no futuro ele se

tornar um cidadão com poder imaginário, inventivo e

inovador na nossa sociedade.

Page 4: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

4

Agradecimento

Os livros são uma fonte interminável de magia,

conhecimento, descoberta, fantasia e aprendizagem. E

é por isso que o meu agradecimento vai para esse

“ser-objeto” que tem o poder de encantar, de nos

fazer refletir, de nos fazer experimentar, de nos

fazer viajar em qualquer tempo e por qualquer espaço

sem sequer nos levantarmos da cadeira. Agradeço aos

livros que, em vários momentos dos meus 30 anos,

passaram pela minha vida e deixaram a sua

contribuição. Só assim eu pude me tornar uma cidadã

estimulada a promover, através de trabalhos como

este, a conscientização de que toda criança precisa

ter contato com a literatura desde os primeiros anos

de vida.

O meu “muito obrigado” também vai para alguém

muito especial, que esteve sempre ao meu lado, e me

incentivou a retornar à área da educação: meu marido.

Page 5: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

5

Sem a sua força e compreensão, eu não conseguiria

tornar o meu sonho possível.

Sumário

Resumo Informativo

.....................................................

....................................................

7

Capítulo I -

Introdução...........................................

.....................................................

..... 8

Capítulo II – Como Tudo Começou

2.1 – A visão histórica

................................................

.......................................11

Page 6: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

6

2.2 – A literatura infantil

................................................

.................................12

Capítulo III – A Magia dos Contos de Fadas

3.1 – Um mundo encantado

................................................

..............................14

3.2 – Breve histórico sobre os contos de fadas

.......................................15

3.3 – Desvendando um mito

................................................

............................17

3.4 – O significado dos contos de fadas

................................................

.... 19

3.5 – Um olhar psicanalítico sobre os contos de

fadas .........................23

3.6 – Bruxas, fadas e heróis ... e suas

significações .............................. 26

3.7 – Visões moralizantes X momentos

aterrorizantes ..........................30

Page 7: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

7

3.8 – Por que a bruxa tem que morrer no final?

........................................ 35

3.9 – O complexo edípico

................................................

.................................. 36

Capítulo IV – A Importância da Família

4.1 – Ouvir histórias: um momento de prazer

............................................. 40

4.2 – Família – a principal mediadora

................................................

.......... 42

Capítulo V – Contar Histórias: Uma Arte Mágica

.................................................. 44

Capítulo VI – Muito Prazer Sr. Livro

6.1 – O primeiro presente

................................................

................................ 48

6.2 – A criança e o livro

................................................

.................................. 49

Page 8: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

8

6.3 – Ilustração: uma importante linguagem

........................................... 51

Capítulo VII – A Biblioteca Escolar

7.1 – O acesso aos livros

................................................

.................................. 54

7.2 – Escola e biblioteca: duas aliadas

................................................

....... 55

7.3 – As ações

................................................

................................................

.... 56

7.4 – Serviços e atividades oferecidas pela Rede

de

Bibliotecas Populares do Rio de Janeiro

................................................

... 57

Capítulo VIII – O Potencial Criador da Criança

8.1 – Criatividade é um

dom?............................................

.............................. 61

Page 9: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

9

8.2 – Imaginação, criatividade,

escola..........................................

.............. 62

8.3 – Algumas práticas que dão certo

................................................

..... 63

Capítulo IX –

Conclusão............................................

.....................................................

. 66

Resumo Informativo

Esse trabalho pretende levar pais e professores

a uma reflexão e conscientização sobre a importância

da leitura e do acesso aos livros em todas as fases

da vida do ser humano, principalmente na primeira

delas: a infância.

A imaginação é o único trunfo que nos resta para

lidarmos com diversas situações que aparecerão ao

longo de nossas vidas. Aqui, os leitores poderão ter

Page 10: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

uma noção do poder que a literatura infantil

(principalmente os contos de fadas) tem para

contribuir com o desenvolvimento do potencial

criador, inventivo e inovador de qualquer ser humano.

Poderão também obter algumas dicas sobre os livros,

como trabalhar melhor seus conteúdos, e de como e

quando apresentá-los às crianças.

A magia oferecida pela literatura infantil

fascinou, encanta e envolverá todos aqueles que param

para ler e/ou ouvir histórias, desde um inocente bebê

até o mais antigo e sábio ancião.

Capítulo I Introdução

Hoje, em meio a tantas formas de comunicação

pelas quais somos bombardeados, fica um pouco

Page 11: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

complicado entender a importância de um livro, um

mero livro que alguém escreveu a ser lido por outro

alguém.

Ler é uma grande viagem, uma aventura do

espírito, algo que nos faz ir além e além. Mas, como

ir além? Refletindo, concordando, esclarecendo com

pais e professores a importância da leitura em todas

as fases da vida do ser humano, principalmente na

primeira delas: a infância. Quando uma criança viaja

com a leitura, ela não está sendo passiva, isto é,

não está vendo televisão onde tudo é apresentado a

ela como “produto acabado”. Ao contrário, na viagem

da leitura, a própria criança-leitora passa a ser o

próprio mocinho ou bandido atuando na história.

Como sabemos, as crianças pequenas adoram ouvir

histórias todos os dias, contadas pelos pais, avós e

professores, e é com esta finalidade que venho

apresentar este trabalho: levar ao conhecimento de

pais e educadores a importância da literatura na fase

da educação infantil. A leitura nunca deveria ser

considerada privilégio de uma minoria; todos os

esforços devem ser direcionados para a ampliação do

Page 12: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

número sempre crescente de pessoas que lêem,

principalmente de crianças. Já que o hábito da

leitura deve vir do berço, é preciso conscientizar

aqueles que convivem com crianças na 1ª infância que,

dentre várias responsabilidades, uma das mais

importantes é estimular esse contato.

Grandes pensamentos podem ser preservados dentro

de uma história. As crianças, além de se encantarem

com cenários e personagens, guardam idéias que serão

plantadas como sementes, irão crescer, criarão raízes

e então elas irão aprender. A história pretende

mostrá-las a realidade do mundo antes que elas sejam

machucadas lá fora.

Um dos maiores poderes da leitura/contação de

histórias é o desenvolvimento da imaginação. Quem não

a tem, não está seguro no mundo atual. Com imaginação

as crianças podem fazer uma escolha segura dos

caminhos a seguir antes de fazer uma opção. É um bom

exercício para a vida. Ela pode ser considerada um

músculo e por isso precisa ser exercitada,

principalmente pelas crianças.

Page 13: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

No decorrer deste trabalho será mostrado como a

contação de histórias faz parte do cotidiano das

pessoas desde o tempo da antigüidade; que riqueza

trazem os contos de fadas para o desenvolvimento de

quem os escutam; qual o papel da família e da escola

enquanto mediadoras de leitura; que características

deve ter um bom contador de histórias; que relações a

criança estabelece com o livro desde que nasce; qual

a importância da ilustrações do livro infantil; quais

as últimas ações que o governo fez para o incentivo à

leitura; e, por fim, demonstrar como a literatura

influencia no desenvolvimento do imaginário e da

criatividade da criança para que ela possa ser tornar

um exemplo de futura-cidadã.

Ao final de todo o trabalho de pesquisa

bibliográfica, pude concluir que: crianças que têm

oportunidade de ouvir histórias infantis nos

primeiros anos de vida conseguem desenvolver, com

mais facilidade, o seu poder de criatividade e

imaginação e, conseqüentemente, terão maiores

condições de se tornarem cidadãos seguros, com

pensamento claro, crítico, inventivo e inovador.

Page 14: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

Capítulo II Como Tudo Começou

2.1 - A visão histórica

A humanidade sempre contou histórias para se

comunicar, se entender, se explicar, para provocar

emoções, informar, passar valores e ensinamentos.

Tudo isso mesmo antes da escrita.

Sabe-se que há muitos e muitos séculos,

quando os homens viviam nas cavernas,

Page 15: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

costumavam participar de um ritual: reuniam-se em

volta de uma fogueira e o feiticeiro da tribo

contava uma história. As primeiras histórias

falavam da origem dos seres e das coisas, de

heróis invencíveis, deuses em seus mundos encantados

e viagens extraordinárias.

Muitas coisas aconteceram desde aquela época.

Agora temos automóveis, aviões e computadores, mas as

histórias jamais perderam a sua importância. As

lendas do folclore mundial continuam a nos encantar

em livros, revistas em quadrinhos, peças de teatro,

desenhos animados, filmes para televisão ou cinema.

E, até hoje, sempre que alguém senta para contar uma

história, pratica a deliciosa arte de abrir as portas

da imaginação. Afinal, o tempo passa, as pessoas

mudam, mas certas coisas, de tão boas, permanecem.

O ato de contar histórias consiste numa das

primeiras necessidades culturais – já que permite a

transmissão de expectativas coletivas – cada época

dita a forma pela qual tais necessidades

corporificam-se. Com o avanço da tecnologia, novas

técnicas de impressão, de ilustração, de utilização

Page 16: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

da linguagem foram sendo apropriadas ao texto

literário, bem como novas idéias foram sendo

transmitidas. Assim também aconteceu com a literatura

infantil quando passou a constituir uma estrutura

literária permeável ao progresso da civilização e às

novas necessidades da sociedade.

2.2 - A Literatura Infantil

A origem da literatura infantil aconteceu ao

final do século XVII, quando surgiu uma nova

mentalidade em relação à criança. Até então, a

infância, enquanto período do desenvolvimento humano,

com particularidades que deveriam ser respeitadas,

era inexistente. Quando a estrutura econômica e

social passou por drásticas transformações (com a

decadência do modelo aristocrático) a família começou

a se organizar diferentemente. Então, o modelo

burguês de sociedade propôs uma nova estrutura

familiar, tornando-se exclusivista e protecionista em

relação à criança. A partir daí surgiram estudos

sobre a infância nas várias áreas do conhecimento, já

Page 17: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

que era preciso formar homens melhor preparados para

a vivência social.

A literatura infantil passou a desempenhar um

papel fundamental neste contexto: contribuir na

formação dos futuros cidadãos. Assim, apareceram, a

princípio, Jean La Fontaine, Charles Perrault, Mme.

D’Aulnoy e Fénelon.

Nessa medida, foram produzidos textos

especialmente destinados à criança e outros, que

embora, a priori, tenham sido propostos aos adultos,

foram adotados pelo público mirim por atenderem aos

seus interesses ou porque passaram por um processo de

adaptação. Assim, a literatura infantil surgiu

vinculada a uma clara proposta pedagógica, o que

deixa marcas ao longo de sua evolução, comprometendo

o seu valor artístico.

A obra literária infantil promove um repensar

sobre a realidade do infante; realidade que pressupõe

entre outras coisas, a submissão ao mundo adulto e o

conseqüente desejo de superação da fase infantil,

como forma de aquisição de uma identidade

independente e/ou a rejeição dessa realidade que

Page 18: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

pressiona, dirige, oprime. É através da linguagem

simbólica que essa realidade se “reapresenta” à

criança, oferecendo uma possibilidade de reflexão, já

que é proposta em termos de ficção, de representação

de mundo.

Capítulo III A Magia dos Contos de Fadas

3.1 - Um mundo encantado

Embora outras formas de criação literária

destinadas ao público infantil tenham surgido, os

contos de fadas, efetivamente, imprimem uma marca à

literatura infantil, já que, por muito tempo, se

configuram como paradigma do gênero.

Todos nós, em algum momento de nossas infâncias,

já vivemos sob os encantos dos contos de fadas.

Também já vimos nossos filhos ou alunos se deleitarem

com eles. É indescritível a riqueza pedagógica que os

contos de fadas podem trazer para a escola. O susto,

o prazer, o medo, o encanto, a tristeza, a alegria,

enfim, as dezenas de sentimentos misturados e

Page 19: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

expressos nos rostos das crianças, ao ouvir histórias

na roda, nos faz perguntar: O que os contos de fadas

despertam no imaginário das crianças que tanto as

fascina, e por que são tão importantes para elas?

Como explicar o eterno encantamento que os contos de

fadas provocam nas pessoas? Por que gerações e

gerações de pais continuam a ler e a transmitir para

seus filhos essas e outras histórias infantis? A

resposta para todas estas questões está resumida numa

simples frase dita por Friedrich Schiller:

“Há mais sentido nos contos de fadas

que me contaram na

infância do que qualquer verdade que é

ensinada na vida”.

3.2 - Breve histórico dos contos de

fadas

Os contos de fadas existem há milênios. Em

diversas culturas, em todos os continentes, existem

histórias com estruturas e narrativas semelhantes aos

Page 20: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

contos que conhecemos hoje, e que são de origem

européia. Apenas para citar um exemplo, a história de

Cinderela tem um registro, de narrativa muito

semelhante à sua, na China do século IX d.C. A origem

da literatura infantil se confunde com o registro

escrito dos contos de fadas (pois eles já existiam na

cultura oral muito antes disso).

Considerado por muitos, o primeiro autor a

escrever para crianças, no século XVII, o francês

Charles Perrault, foi o primeiro a coletar e

organizar contos de fadas em um livro. Perrault

ouvia as histórias de contadores populares, e

então as adaptava ao gosto da corte

francesa, acrescentando ricos detalhes

descritivos, bem como diminuindo os trechos que

conotavam os rituais da cultura pagã popular (pois

vivia sob o contexto de conflito religioso entre

católicos e protestantes da época da Contra-Reforma

Católica). Também, ao final da narrativa, escrevia

sob a forma de versos, a “moral da história”,

traduzindo sua preocupação pedagógica, segundo a qual

as histórias deveriam servir para instruir moralmente

Page 21: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

as crianças. Assim, desde o seu primeiro registro, os

contos de fadas já começaram a ter seus detalhes, de

enorme riqueza simbólica, deturpados. Perrault

escreveu várias obras para adultos, mas foi

imortalizado pelo único volume que escreveu para

crianças, “Contos da Mãe Gansa”.

Na Alemanha do século XIX, os irmãos Jacob e

Wihelm Grimm também realizaram um trabalho de

coletânea de contos populares. Sendo filólogos, seus

interesses iniciais eram de coletar tais contos para

estudar a língua alemã e registrar seu folclore, de

modo a recuperar a realidade histórica do país. Os

contos que coletaram foram publicados nos dois

volumes de sua obra, “Contos da Criança e do Lar”,

que jamais pretendeu ser um livro infantil (dado seu

objetivo inicial) mas que foi adotado e lido por

crianças e famílias do mundo inteiro.

Os Grimm jamais escreveram qualquer dos contos

incluídos em suas obras. Eles meramente compilaram,

com base nos relatos de amigos e parentes sobre as

histórias que circulavam a séculos por toda a Europa

Central. Tiveram o mérito de registrar suas histórias

Page 22: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

nas versões originais, sem as adaptações e lições

morais de Perrault.

Somente a partir do século XIX, os contos de

fadas se transformaram em literatura infantil. Isso

aconteceu, em parte, em função das atividades de

vendedores ambulantes, conhecidos como “mascates” que

viajavam de povoado em povoado vendendo artigos

domésticos, partituras e pequenos volumes, chamados

cheap books, ou livros baratos (em português).

Custavam apenas alguns centavos e continham histórias

folclóricas drasticamente cortadas e contos de fadas

simplificados de modo a atrair públicos menos

literatos.

Depois da publicação dos trabalhos de Perrault e

dos Grimm é que surgiu a literatura infantil de fato,

com vários autores do mundo inteiro escrevendo para

crianças.

3.3 - Desvendando um mito

Um número substancial dos contos de fadas

escritos nos séculos XVII e XIX nunca chegaram a

Page 23: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

fazer parte das coletâneas das obras publicadas para

o público infantil. A razão é simples: originalmente,

os contos de fadas nunca foram feitos para as

crianças. Isso é um mito. Concebidos como

entretenimento para os adultos, os contos de fadas

eram contados em reuniões sociais, nas salas de fiar,

nos campos e em outros ambientes onde os adultos se

reuniam – não nas creches. É por isso, que muitos

destes, em suas versões integrais, incluem

exibicionismo, estupro e voyeurismo. Em uma das

versões de Chapeuzinho Vermelho, a heroína faz um

strip-tease para o lobo, antes de pular na cama com

ele. Numa das primeiras interpretações de A Bela

Adormecida, o príncipe abusa da princesa em seu sono

e depois parte deixando-a grávida. E no conto A

Princesa que Não Conseguia Rir, a heroína é condenada

a uma vida de solidão porque, inadvertidamente, viu

determinadas partes do corpo de uma bruxa. Até o

século XVIII, os contos de fadas eram dramatizados

exclusivamente em salões parisienses, onde eram

considerados divertissements para a elite mais culta.

Page 24: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

Observa-se então que a nossa sociedade encontrou

uma saída para resolver esse problema: realizou um

crescente processo de banalização dessas histórias.

Sob o império de Walt Disney ou de acordo com

puritanismos religiosos, os contos, herança

cultural da humanidade, têm sido deturpados,

perdendo suas características originais. Mas as

razões comerciais também tiveram o seu papel nisso.

Esses contos disneyficados têm um efeito extremamente

mais vendável que os contos originais. O mercado

infantil para os contos de fadas, alimentado por um

crescente reconhecimento de que as crianças tinham

interesses próprios e exclusivos, aumentava

tremendamente – e os editores estavam mais dispostos

a investir seu dinheiro em livros que os pais

consideravam aceitáveis.

Page 25: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

3.4 - O significado dos contos de

fadas

Então, o que torna os contos de fadas tão

cativantes? A explicação mais óbvia é que os contos

de fadas são uma fonte incomparável de aventuras

repletas de suspense que exercitam a imaginação; são

mais do que mero entretenimento. Por trás das cenas

de perseguição e dos resgates no último minuto, há

dramas sérios que refletem eventos que acontecem no

mundo interior da criança. Embora o atrativo inicial

de um conto de fada possa estar em sua capacidade de

encantar e entreter, seu valor duradouro reside no

poder de ajudar as crianças a lidarem com seus

conflitos internos enfrentados no seu processo de

crescimento. Além de serem aventuras mágicas, esses

contos auxiliam as crianças a conviverem com as lutas

internas que são partes da sua vida diária. Mas que

Page 26: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

lutas são essas? Sheldon Cashdan, autor do livro “Os

sete pecados capitais nos contos de fadas”, diz que:

“Os contos de fadas ajudam as crianças a

lidarem com seus conflitos psicológicos,

ao projetarem nos personagens suas lutas

internas entre o bem e o mal, além de

proporcionarem a elas a chance de lidar

com seus pecados capitais: vaidade,

gula, inveja, luxúria, mentira, avareza

e preguiça”.

• VAIDADE - Branca de Neve pode ter um significado

especial para uma criança que esteja lidando com

questões ligadas à aparência e ao potencial de ser

desejada – assunto que costuma preocupar muito as

crianças. Nesta clássica história, a vaidade é levada

até as últimas conseqüências. Não apenas a rainha é

obcecada por se a mais bela do reino, como também

Branca de Neve deseja possuir fitas e pente para

mostrar a sua sensualidade (na história original, a

bruxa tenta envenená-la com fitas e com um pente

antes de oferecer-lhe a maçã). O ato dos anões de

Page 27: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

colocarem a princesa num caixão de vidro também

demonstra como a vaidade pode encobrir tudo.

A embalagem transparente transforma Branca de Neve

num objeto de exibição e diminui a importância de

outros aspectos da suas personalidade.

• GULA - Num conto de fada, para qualquer lado que se

olhe tem alguém tentando conseguir comida, ou

tentando, desesperadamente, não virar comida. João e

Maria é um clássico que retrata os perigos potenciais

da gula em termos claros e diretos, porém começa com

uma família que sofre com a escassez de comida. Ele é

o mais importante conto sobre a auto-indulgência em

relação aos abusos alimentares. Demonstra o que pode

acontecer quando o apetite de alguém fica fora de

controle. Embora João e sua irmã tenham boas razões

para estar com fome, eles continuam a devorar a casa

da bruxa mesmo que já saciados e com isso se expõem

ao perigo.

• INVEJA - Na versão de Cinderela dos irmãos Grimm, a

inveja emerge como uma dinâmica bastante notória, e

Page 28: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

transparece tanto a inveja que a madrasta tem da

posição inicial de Cinderela no seio da família, como

a inveja que Cinderela tem dos privilégios usurpados

por suas irmãs adotivas. Se o dilema tem de ser

resolvido com sucesso, ou seja, se a história tem que

ter um final feliz – a inveja precisa ser encarada ou

destruída, ou pelo menos, condenada. Isso é

nitidamente retratado na vida real, de modo a expor

às crianças as conseqüências do ciúmes. O conto

explica que dominar o ciúme é um objetivo louvável e

traz a esperança de relacionamentos mais

satisfatórios.

• MENTIRA - A Menina dos Gansos é um conto que mostra

o preço que se paga quando se leva a mentira às

últimas conseqüências. Essa história, da coleção dos

irmãos Grimm, fala de uma serva que usurpa a

identidade de sua dona para poder se casar com um

príncipe numa terra distante. Logo ao chegar, ela

engana a corte e faz com que todos acreditem que ela

é a verdadeira princesa. Os contos de fadas que

retratam a mentira ajudam a combater certas

Page 29: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

tendências do eu que minam os relacionamentos

importantes. As situações que envolvem a mentira

avolumam ao longo da vida e às vezes é difícil saber

o que fazer. Os contos não pretendem dar as

respostas, mas ensinam aos leitores que há questões

importantes a serem consideradas quando a verdade

está na berlinda.

• LUXÚRIA - Nas primeiras versões de Rapunzel, a

bruxa descobre as visitas do príncipe quando percebe

que a cintura de Rapunzel está engrossando e

desconfia de algum indício de gravidez. Algumas

histórias, como esta, podem ser úteis para explorar

os aspectos físicos e psicológicos da luxúria. Os

contos de fadas que têm conotações sexuais

normalmente não lidam com o sexo em si, e sim com a

sexualidade precoce. As mensagens sexuais são

normalmente indiretas de modo que a criança não tem

de lidar com um assunto que não tem condição de

administrar. Vivemos numa época em que as crianças

são cada vez mais expostas aos aspectos mais vulgares

do sexo na televisão e nas revistas, e pode ser bom

Page 30: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

apresentar para elas um contexto de que sexo é

comprometimento e carinho.

• AVAREZA - João e o Pé de Feijão é um dos primeiros

entre os contos de fadas cujo foco é avareza. As

crianças que ouvem a história costumam ficar

impressionadas com a esperteza e a ousadia de João,

e de que ele é tão avarento quanto o gigante.

Afinal, ele sobe no pé de feijão uma

terceira vez para roubar uma harpa dourada e se

expõe ao perigo desnecessariamente, já que tinha em

suas mãos uma fonte inesgotável de riqueza: a galinha

dos ovos de ouro.

• PREGUIÇA - Pinóquio, de Collodi, é a história de

uma marionete que precisa superar a sua preguiça de

modo a se tornar um menino de verdade. É uma

representação clássica da preguiça e de suas

conseqüências.

Page 31: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

3.5 - Um olhar psicanalítico sobre os

contos de fadas

Com o advento da psicanálise, estudiosos do

mundo inteiro passaram a se interessar não apenas

pela interpretação de sonhos, mas também pela análise

de mitos, lendas e ... contos de fadas! Hoje, pode-se

compreender a profunda riqueza simbólica e a

utilidade dessas histórias, que são parte importante

de nosso patrimônio cultural. Segundo Cashdan, os

contos de fadas têm uma missão psicológica: resolver

lutas internas entre as forças positivas e negativas

do eu.

Diante de uma visão psicanalítica, pode-se

responder à seguinte pergunta: o que os contos de

fadas despertam no imaginário das crianças que tanto

as fascina, e porque eles são importantes para elas?

Ou, em outras palavras: afinal, porque as crianças

adoram, pedem para que sejam recontados centenas de

vezes, e assim fazem com que essas narrativas venham

perdurando através dos séculos?

Page 32: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

Para entender essa questão é preciso pensar um

pouco sobre o desenvolvimento da psique humana, pois

os contos de fadas são tão fascinantes porque

simbolizam o processo que percorremos nesse

desenvolvimento. Para a psicanálise, nossa psique se

constitui de três estruturas dinâmicas: o id

(princípio do prazer), o ego (princípio da realidade)

e superego (princípio moral). Dessas três estruturas,

nascemos dotados apenas do id, sendo que as outras

duas estruturas terão de ser construídas na relação

do sujeito com o mundo que o cerca. O id é a fonte de

nossa energia original (libido), que nos sustenta e

motiva a mover-nos em direção ao mundo, buscando

satisfazer nossos desejos (pulsões). Mas o id não se

preocupa que esses desejos se realizem de forma

correta. Ele se satisfaz com realizações

alucinatórias, através de imagens que condensam

muitos desejos num só objeto criado pela imaginação.

Também não se preocupa com o tempo e espaço. Para o

id tudo o que acontece é aqui e agora.

As crianças pequenas, que passarão ainda por

longo processo de sublimação dos desejos libidinais

Page 33: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

do id, estão sob forte influência desse aparelho da

mente, e a linguagem simbólica não-verbal desses

contos comunica-se diretamente com o imaginário da

criança. Como nos diz a pedagoga brasileira Fanny

Abramovich, tentando responder à nossa mesma pergunta

do porquê os contos de fadas causam tanto fascínio:

“Por que? Porque os contos de fadas

estão envolvidos no maravilhoso, um

universo que denota fantasia, partindo

sempre de uma situação real, concreta,

lidando com emoções que qualquer criança

já viveu... Porque se passam num lugar

que é apenas esboçado, fora dos limites

do tempo e do espaço, mas onde qualquer

um pode caminhar ... (...) Porque todo

esse processo é vivido através da

fantasia, do imaginário, com intervenção

de entidades fantásticas (bruxas, fadas,

duendes, animais falantes, plantas

sábias...).”

Page 34: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

Em outras palavras, os contos de fadas, ao se

iniciarem com sua clássica forma do “Era uma vez um

reino distante...” são tão atemporais quanto o id. O

reino do qual o conto fala pode ser qualquer um, em

qualquer lugar, bem como ser aqui e agora,

despertando assim a identificação imediata da criança

com o conto.

3.6 - Bruxas, fadas e heróis... e

suas significações

Os personagens típicos (bruxas, fadas etc) dos

contos não são puras criações da mente de seus

autores. São representantes talhadas pela humanidade

durante os milênios para simbolizar os seus

sentimentos mais profundos. Eles condensam todos

esses sentimentos numa forma de representação não-

verbal que também é utilizada pelo id, muito

semelhante à forma como as crianças pensam sobre suas

próprias emoções. Os personagens dos contos de fadas

têm determinadas características que provocam esses

Page 35: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

sentimentos. Em primeiro lugar, eles não têm nome

próprio, mas sim nomes que são ligados às suas

características físicas e emocionais: “Branca de

Neve” tem esse nome porque sua pele é branca como a

neve; “Bela Adormecida” assim se chama porque de fato

adormece por 100 longos anos e “Gata Borralheira” tem

essa alcunha porque suas irmãs invejosas obrigam-na a

dormir no borralho (cinza), significado de onde

também vem seu outro nome “Cinderela”. Isso faz com

que identificar-se com o personagem torne-se mais

fácil. Não tendo nome, ele não tem uma identidade

própria, e assim pode emprestar sua personalidade ao

ouvinte enquanto ele acompanha a narrativa.

Também os personagens de contos de fadas não têm

idade cronológica definida; podemos dizer que sua

idade situa-se, aproximadamente, entre 8 e 80 anos.

Os heróis em geral são dotados de características tão

presentes na infância (medo, vergonha, ingenuidade

etc) quanto na adolescência (desejo de conhecer e

dominar o mundo, autonomia, espírito aventureiro,

paixões arrasadoras e platônicas). Seus familiares

também não têm idade definida; a mãe tem idade para

Page 36: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

ser qualquer mãe e o pai idade para ser qualquer pai,

sejam brotinhos ou quarentões. Os personagens que se

interpõem em seus caminhos, como gnomos, duendes

feiticeiros, espíritos de toda a sorte (que podem,

inclusive, estar encarnados em plantas ou animais)

são, em geral, anciões, velhos muito velhos,

apresentando a sabedoria advinda de bastante

experiência pela vida e que será passada ao jovem

aventureiro. Desse modo, os contos encantam pessoas

de qualquer faixa etária, pois reproduzem, em seu

enredo, a passagem por todos os estágios da vida

humana.

Outra característica peculiar dos personagens de

contos de fadas é o maniquísmo. Nos contos, ou o

personagem é o herói “completamente bom”, ou o vilão

“completamente mau”. Dessa forma, os personagens

funcionam da mesma maneira que a mente infantil. A

criança pensa sob uma espécie de esquizofrenia, na

qual ela tende a separar os objetos de sua afeição em

bons ou maus, pois é difícil para ela aceitar que

alguém que ela ama possa negar-lhe, por vezes, a

realização de seus desejos, e desgostar-se com isso,

Page 37: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

sem , contudo, deixar de amar a pessoa querida. Essa

é uma característica advinda ainda do bebê, que ao

ser amamentado, vê a mãe “boa” que o alimenta, bem

como a mãe “má” que o desmama. A fim de assim poder

manter o relacionamento amoroso com a mãe, projeta as

características negativas em algum outro objeto que

ele possa rejeitar.

Esse pensamento mágico, que projeta no outro as

suas próprias deficiências, perdura durante toda a 1ª

infância e retorna na adolescência. Por isso, é muito

fácil para as crianças e jovens identificarem-se com

os personagens do conto, que também assim se

estruturam. É bom ressaltar que ao fazê-lo, a criança

não nega sua própria parte má, pois ela não

identifica apenas com a “Chapeuzinho Vermelho”

boazinha, mas também com o “Lobo Mau” (cujo nome

já dispensa comentários acerca do seu caráter).

Dessa forma, os contos de fadas, através das

identificações que os ouvintes estabelecem com seus

personagens, desempenham um importante papel para a

saúde mental das crianças, permitindo-lhes elaborar

seus sentimentos mais profundos e contraditórios. É

Page 38: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

bem verdade que esse tipo de identificação, através

do jogo simbólico, está presente em muitas das

brincadeiras espontâneas infantis, como brincar de

casinha, médico, e tantas outras brincadeiras que

qualquer criança faz, sem que seja necessária a

intervenção de um adulto. Mas nos contos, essas

fantasias adquirem uma dimensão mais ampla e

profunda. Segundo Bruno Bettelheim:

“Na brincadeira normal, objetos tais

como bonecas e animais de brinquedo são

usados para incorporar vários aspectos

da personalidade da criança que são

muito complexos, inaceitáveis e

contraditórios para ela enfrentar. Isso

permite que o ego da criança consiga

algum domínio sobre estes elementos, o

que ela não pode fazer quando solicitada

ou forçada pelas circunstâncias a

reconhecê-los como projeções de seus

processos internos. Algumas pressões

inconscientes nas crianças podem ser

elaboradas na brincadeira. Mas muitas

Page 39: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

não se prestam a isso porque são muito

complexas e contraditórias, ou muito

perigosas e socialmente desaprovadas.”

Essas pressões inconscientes profundas não

poderiam ser representadas pela criança numa

brincadeira, devido ao seu conteúdo potencialmente

violento e destrutivo, mas estão representadas no

universo simbólico dos contos de fadas, através das

vitórias dos heróis e da crueldade que os vilões dos

contos de fadas podem desempenhar.

3.7 - Visões moralizantes X momentos

aterrorizantes

Há quem se arrepie só de pensar no Lobo

engolindo a Vovozinha, na Madrasta lambendo os beiços

ao comer os pulmões e o fígado da Branca de Neve (na

versão original é assim), ou nos pais desnaturados de

João e Maria abandonando-os à própria sorte na

floresta escura. Como criancinhas tão inocentes podem

Page 40: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

gostar de histórias tão horripilantes? – pensam

alguns adultos. Assim, começa-se a censurar os

contos, dando-lhes um aspecto moralizante, como fez

Perrault na corte francesa, e Walt Disney nos tempos

atuais, esvaziando seu potencial conteúdo mágico. Sob

esse aspecto, vale lembrar duas características dos

contos de fadas: uma histórica e outra psicológica.

Esses contos são originados da tradição oral popular,

portanto de classes sociais cuja vida era triste e

dura como as crueldades das histórias que criaram.

Diz-nos Lígia Cadermatori sobre o aparente horror dos

contos de fadas:

“Esses aspectos estão no âmago dos

contos de fadas e, malgrado a

cristianização e os propósitos

moralizantes, eles permanecem perversos,

amorais e angustiantes como legítimo

produto da classe sofrida e

marginalizada que os gerou.”

Já sob a faceta psicológica, podemos afirmar que

são exatamente os detalhes escabrosos dos contos os

de maior significado na história. Invariavelmente,

Page 41: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

qualquer conto de fadas segue um enredo no qual o

herói abandona a casa de seus pais, passa por

diversas privações (seja na floresta escura, na casa

de doces da bruxa, no castelo mal-assombrado) e

então, como Fênix, renasce das cinzas glorioso e

triunfante, e vive “feliz para sempre”. Caso o herói

não fosse capaz de superar as privações por que

passa, personificadas nas crueldades dos vilões, ele

não conseguiria triunfar no final da história – é

exatamente aí que reside a mensagem positiva que as

crianças guardam dos contos e seus horrores. Isso

porque a narrativa dos contos reproduz a história de

vida de qualquer criança. Ela nasce protegida pela

família (equivalente à casa paterna dos contos), e

vive nesse meio até alcançar a maturidade. Quando já

está madura o suficiente, também é obrigada a deixar

a segurança do lar para alcançar outros mundos:

começa a freqüentar a escola, a fazer amigos fora de

casa e a ter de resolver seus conflitos com eles. É

esse processo que fará dela um adulto autônomo e

independente.

Page 42: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

Os contos asseguram à criança que, por mais que

ela possa ter problemas (notas baixas na escola, ser

desajeitado no jogo de futebol, perder um grande

amigo, enfrentar o divórcio dos pais etc) será capaz

de atravessar a “floresta escura” e superá-los, como

o herói dos contos. Segundo Marly Amarilha:

“Pelo processo de “viver”

temporariamente os conflitos, angústias

e alegrias dos personagens da história,

o receptor multiplica as suas próprias

alternativas de experiências do mundo,

sem que com isso corra risco algum.”

Por isso, as adaptações moralizantes dos contos

ou o temor do adulto em contar certos trechos quando

os está lendo em voz alta para crianças, tornam os

textos sem significados para elas. Alerta Abramovich:

“Se o adulto não tiver condições

emocionais para contar a história

inteira, com todos os seus elementos,

suas facetas de crueldade, de angústia

Page 43: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

(que fazem parte da vida, senão não

fariam parte do repertório popular...),

então é melhor dar outro livro para a

criança ler... Ou esperar o momento em

que ela queira ou necessite dele e que o

adulto esteja preparado para contá-lo...

De qualquer maneira, ou se respeita a

integridade, a inteireza, a totalidade

da narrativa, ou se muda a história...

(e isso vale, aliás, como conduta para

qualquer obra literária, produzida em

qualquer época, por qualquer autor...

Mutilar a obra alheia, acho que é um dos

pouco pecados indesculpáveis...)”.

Porém, da mesma forma como não cabe ao adulto que

conta a história modificá-la, retirando-lhes os

detalhes que lhe parecem violentos ou aterrorizantes,

também não lhe cabe interpretar diretamente a

história para a criança. E isso Bruno Bettelheim nos

esclarece muito bem:

Page 44: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

“Explicar para uma criança porque um

conto de fadas é tão cativante para ela

destrói, acima de tudo, o encantamento

da história que depende, em grau

considerável, da criança não saber

absolutamente porque está maravilhada. E

ao lado do confisco desse poder de

encantar vai também uma perda do

potencial da história em ajudar a

criança a lutar por si só e dominar

exclusivamente por si só o problema que

fez a história significativa para ela.

As interpretações adultas, por mais

corretas que sejam, roubam da criança a

oportunidade de sentir que ela, por sua

própria conta, através de repetidas

audições e de ruminar acerca da

história, enfrentou com êxito uma

situação difícil.”

Não cabe a pais e professores interpretar, ou

exigir da criança uma interpretação direta da

Page 45: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

história, através de “fichas literárias” ou coisas do

gênero, da moral do conto ouvido (como pretendeu

Perrault ao escrever a suposta mensagem final ao cabo

do texto). Mas cabe-lhes instrumentalizar o

pensamento e a fantasia da criança sobre o conto,

sugerindo-lhe que desenhe livremente sobre a

história, reconte-a a seu próprio modo, deixando-a

brincar de faz-de-conta com fantasias, bonecos,

maquiagem etc e, sobretudo, contando outra vez a

história, quantas e quantas vezes ela pedir, de novo,

desde o começo e com todos os detalhes e vírgulas...

Isso porque ao ouvir de novo o conto, a criança está

empenhada em uma das mais importantes tarefas,

segundo a psicanálise, para a construção da sua

personalidade.

3.8 - Por que a bruxa tem que

morrer no final?

Em todos os contos de fadas a morte da bruxa

está presente e ela não apenas morre, como morre

Page 46: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

violentamente. Mas por que isso tem que acontecer? E

por que tem que morrer de um modo tão horrível? As

respostas para essas perguntas não estão na história

e sim no leitor.

É impressionante como dentre as várias figuras

que marcam presença em um conto de fadas, a bruxa é a

mais atraente. Ela é a diva, a figura que dimensiona

a luta entre o bem e o mal. Ela tem habilidade de

colocar as pessoas em transes mortais e com a mesma

facilidade, trazê-las de volta a ida. Poucas figuras

são tão poderosas ou cheias de autoridade como a

bruxa. Mas para que um conto de fadas tenha sucesso,

ou seja, para que ele cumpra o seu objetivo

psicológico, a bruxa tem que morrer, porque ela

personifica as partes pecaminosas do eu. Ela é um

obstáculo que a criança precisa ultrapassar para que

a jornada tenha sucesso. Somente com a destruição da

bruxa é que a criança consegue garantir a erradicação

das partes más do próprio eu e a superioridade das

partes boas. E a justiça num conto de fadas, é

líquida e certa.

Page 47: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

3.9 - O complexo edípico

O Complexo de Édipo é um dos mais controversos

postulados defendidos por Freud, porém, nenhum

psicanalista, nem mesmo os que mais discordam das

idéias freudianas, como Jung, pôde negá-lo ou fugir

integralmente à sua idéia original. Mas o que isso

tem a ver com os contos de fadas?

Segundo á psicanálise, por volta dos 4 aos 7

anos de idade, a criança desenvolve um profundo

desejo pelo seu progenitor do sexo oposto (o menino

pela mãe e a menina pelo pai). Esse desejo é na

verdade uma primeira tentativa da criança para

compreender e vivenciar, a nível simbólico, a

sexualidade adulta, e é motivado pela erotização,

nessa faixa etária, dos órgãos genitais,

devido a razões maturacionais e biológicas. Na

tentativa de conquistar o progenitor que é o

objeto de seu desejo, a criança passa a identificar-

se e a imitar o progenitor de seu sexo – a

menina passa a imitar papéis femininos que vê a sua

Page 48: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

mãe desempenhando, como cuidar da casa, filhos,

trabalhar, enfeitar-se com jóias; e o menino,

passa a imitar seu pai, brincando de dirigir, lutar,

trabalhar, cuidar dos filhos etc. Porém, logo a

criança percebe que é inadmissível para a sociedade

que ela se case com o pai ou com a mãe, e sublima

seus interesses sexuais, voltando-se para as

atividades aceitas e valorizadas pela sociedade –

como para a escola, a prática de esportes,

brincadeiras etc. Esses desejos, ao serem sublimados,

de certa forma “adormecem” até o início da

adolescência, quando retornam voltados para a busca

de parceiros sexuais fora da família. Portanto, a

vivência e a resolução do conflito edipiano, fazem

com que a criança defina as bases de sua futura

sexualidade adulta. Ao identificar-se como o pai e a

mãe ela introjeta os valores morais e sociais, dando

início à formação do superego.

Como porém os contos de fadas expressam

simbolicamente a resolução do Complexo de Édipo, e

assim ajudam as crianças a superarem tais conflitos?

Page 49: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

Todos os contos de fadas têm uma narrativa muito

parecida, reproduzindo todos os estágios da vida

humana. Essa narrativa também reconta, de várias

maneiras, o Complexo de Édipo. As histórias

geralmente se iniciam com o herói deixando a sua

casa. Esse fato simboliza tanto a criança pequena,

que parte para a conquista de suas identificações

sexuais precoces, quanto o adolescente, que deixa o

ambiente familiar para buscar parceiros sexuais fora

de casa. Via de regra, os heróis saem de casa por

ordem de seus pais: Chapeuzinho Vermelho é enviada

por sua mãe para levar doces à avó, Branca de Neve é

expulsa pela madrasta invejosa, e assim por diante.

A sublimação do Complexo de Édipo também

acontece devido à intervenção da sociedade, de

maneira geral, e dos pais, de maneira mais direta. A

criança abandona o desejo de casar-se com o pai ou a

mãe porque a sociedade o desaprova, mas

principalmente porque percebe que, por mais que ela

imite o progenitor do mesmo sexo, sempre haverá

relacionamentos que seu parente desejado manterá

apenas com outros adultos e não com a criança. Quando

Page 50: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

o herói parte para suas aventuras, enfrentando

assombrações, lobos, bruxas ou qualquer outro tipo de

dificuldade, ele introjeta papéis adultos: torna-se

capaz de assegurar a sua própria existência, de

superar as dificuldades sozinho, é autônomo e

independente. Como João e Maria, que não apenas foram

capazes de escapar da bruxa, mas também encontram um

rico tesouro escondido na casa de doces, que os

tornou capazes de sustentar a si e à sua família,

superando o estado de pobreza do início da história.

O herói é capaz de encontrar o seu próprio

parceiro, formar família, casa-se, ter filhos. No

conto, o sapo transforma-se em príncipe para casar

com a princesa, o cavaleiro desperta a Bela

Adormecida de seu sono profundo; o Patinho Feio

torna-se um lindo e esplendoroso cisne. Ouvir essas

histórias assegura à criança que ela também será

capaz de superar as dificuldades, os sentimentos

profundos e contraditórios, despertados por seu

delicado e completo conflito emocional, e virá a

encontrar a felicidade. Por isso, cabe a ela mesma

vivenciar o conto e tirar dele a mensagem que lhe é

Page 51: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

útil – e não ao adulto. Quando o adulto se apressa em

fazê-lo, como disse Bettelheim, ele não apenas acaba

com a magia do conto, mas também priva a criança de

satisfação em conseguir chegar à mensagem positiva

que o conto carrega, sozinha. É a mensagem embutida

no simbolismo do conto que a criança busca dominar

quando nos pede que recontemos uma mesma história

infinitas vezes, sabendo que, ao ouvi-las, está de

certo modo ouvindo a sua própria história, e dessa

forma tornando-se mais capaz de superar seus próprios

conflitos.

Este é o poder mágico do conto de fadas – o

poder de fazer-nos conhecer e compreender melhor a

nós mesmos – e esta a razão de sua permanência entre

nós através dos séculos, bem como a razão do fascínio

que o simples ato de sentar-se junto a um adulto para

ouvir uma história ainda consegue despertar, mesmo

frente a um mundo cheio de brinquedos e maravilhas

tecnológicas.

A mensagem de sucesso e a segurança que os

contos carregam os fazem não apenas sempre presentes

Page 52: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

e fascinantes, mas sobretudo únicos e insubstituíveis

em sua importância para o imaginário infantil.

CAPÍTULO IV A Importância da Família

4.1 - Ouvir histórias: um momento

de prazer

Para penetrar na experiência dos primeiros anos

de vida de uma criança, o adulto está limitado a se

servir, por sua vez, da imaginação. Primeiro de tudo,

a história é o melhor instrumento para entreter essa

criança com esse adulto, principalmente na relação

mãe X filho.

Enquanto entre eles dois passa tranqüilo o rio

da história, a criança tem a oportunidade de

finalmente apreciar com calma sua mãe, observar

o seu rosto em todas as suas particularidades,

Page 53: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

estudar-lhes os olhos, a boca, a pele. Ela está

escutando, mas permite-se eventualmente se distrair

do que ouve, se por exemplo ela já conhece o

conto (e por isso, talvez, ela tenha maliciosamente

pedido a repetição). Até o fim da história a mãe está

ali, toda para a criança, com uma presença duradoura,

fonte de proteção e segurança. Quando a criança pede

uma segunda história, depois da primeira, talvez não

esteja realmente interessada na narrativa. Ela pode

estar querendo apenas prolongar o mais que puder

aquela sensação agradável, continuar ter a mãe ao

lado de sua cama, ou sentada na sua própria poltrona,

mas bem cômoda, para que não queira escapar muito

rápido.

A voz da mãe não lhe fala só de Chapeuzinho

Vermelho ou de Pequeno Polegar: fala de si própria.

Um semiólogo dizia que a criança está interessada,

neste caso, não só no conteúdo e em suas formas, não

só nas formas de expressão, mas na substância da

expressão, isto é, na voz materna, na sua modulação,

no seu volume, na música que comunica ternura, que

desata os nós da inquietação, que desaparece com os

Page 54: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

fantasmas do medo. Se a criança experimenta um medo

angustiante do qual não consegue defender-se, seria

de se concluir que o medo já estava nela. Se é a mãe

que conta a história do Pequeno Polegar abandonado no

bosque com seus irmãozinhos, a criança não teme que a

mesma sorte recaia sobre ela e pode prestar toda

atenção na astúcia do minúsculo herói. Se é a voz da

mãe que evoca o lobo, na paz e segurança da situação

familiar, a criança pode desafiá-lo sem medo. Ela

pode brincar de ter medo (um jogo que tem seu

significado na construção dos mecanismos de defesa)

segura de que para afugentar o lobo bastaria a força

do pai ou uma chinelada da mãe.

4.2 - Família – a primeira

medidora

Todo o processo de relação criança X livro passa

pela motivação de um mediador – o que intermedia a

ligação entre o acervo passivo e o leitor ativo.

Page 55: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

Muitas vezes as crianças até manuseiam os

livros, seja em casa ou na escola. Só que,

normalmente, estão sozinhas. Como criar o prazer da

leitura sem ter alguém que partilhe esse gosto de

ler? Como desenvolver as competências da criança de

uma outra forma? É esse o grande papel do mediador,

principalmente dos pais: motivar, dinamizar,

dramatizar, provocar sentimentos de alegria, susto,

prazer, emoção... É na família que a criança vai

encontrar os primeiros estímulos para a leitura. É

importante que essa instituição, que é a primeira da

qual participamos, tenha a nítida consciência disso:

é de sua inteira responsabilidade “salpicar” nos seus

filhos esse primeiro “pozinho mágico” que o levará ao

entusiasmo do que é a delícia de viajar através da

fantasia de um livro.

O desafio também faz parte das responsabilidades

de um mediador da família. Ele pode se arriscar em

oferecer outras propostas ao seu filho na primeira

infância, dando-lhe livros que lhe possibilitem o

treino da capacidade de questionar critérios e

desenvolver suas potencialidades. Assim, ao se

Page 56: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

tornarem adultas, as crianças terão condições, quando

tiverem que tomar alguma importante decisão, de

fantasiar as diferentes escolhas, imaginar os

diversos caminhos e poder optar por aquele que lhe

deu mais segurança. Sem imaginação não se pode fazer

suposições. O hábito de ouvir histórias na infância

vai permitir ao ser humano, por toda a sua vida, ter

a imaginação suficiente para sempre escolher o seu

melhor caminho.

Page 57: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

CAPÍTULO V Contar Histórias: Uma Arte Mágica

Emprestar a emoção, transmitir confiança,

motivar a atenção e despertar admiração são alguns

dos preciosos papéis de um leitor/contador de

histórias.

No universo da fantasia tudo é possível

acontecer! Quando uma criança escuta uma história a

sua “orelha que existe atrás da orelha” conserva a

significação do conto e o revela muito mais tarde.

Ela mergulha naquele mundo, identifica seus

personagens e faz uma interação com o seu real. A boa

contação não é aquela que só passa valores e

moralismos e sim aquela que permite a transgressão

para o universo da magia e fantasia. Aí está a grande

importância de um leitor/contador de histórias.

Segundo alguns autores, este profissional deve tomar

alguns cuidados para que o seu trabalho tenha um bom

resultado. Aqui estão algumas recomendações:

Page 58: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

• o momento da contação é um momento que deve ser

valorizado. É bom pedir que as crianças aproximem-

se e façam uma roda para viverem algo de especial.

Que cada um encontre um jeitinho gostoso de ficar:

sentado, deitado, enroladinho, não importa

como...cada um a seu gosto. E depois quando todos

estiverem acomodados, aí começar: “Era uma vez...”;

• o critério de seleção da história fica por conta do

contador/leitor, que deve respeitar o momento que

as crianças estão vivendo, os referenciais de que

necessitam e do quanto saibam aproveitar o texto.

“A criança é um ser onde a imaginação

predomina em absoluto. Nos livros ela

quer que lhe demos cartolas, coisas mais

altas que podem entender. Isso a

lijonseia tremendamente. Mas se o tempo

inteiro a tratamos puerilmente, ela nos

manda às favas.”

Monteiro Lobato

Page 59: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

• para transmitir confiança, motivar a atenção e

despertar admiração, deve-se estudar bastante a

história antes de contá-la;

• é preciso que seja criado um clima de encanto, de

envolvimento. Intervalos e pausas servem para

respeitar o tempo para que o imaginário de cada

criança construa seu cenário, visualize seus

monstros, crie seus dragões, vista a princesa,

pense na cara do padre, sinta o golpe do

cavalo, imagine o tamanho do bandido, entre outras

coisas mais;

• as pausas também são fundamentais logo após o

“então” ... Elas servem para dar o tempo para cada

criança imaginar o que vem depois. No momento do

conflito ela dá tempo, muito tempo, para que cada

ouvinte vivencie e tome a sua posição;

• nunca esquecer de usar modalidades e possibilidades

de voz. Falar bem baixinho nos momentos de reflexão

ou de dúvida e valorizar o momento do conflito;

Page 60: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

• é importante mostrar à criança que o que ela ouviu

está impresso num livro (se for o caso);

• quando conta-se um texto de autoria, é bom procurar

manter ao máximo as palavras. A sua modificação

seria uma espécie de traição ao autor;

• quando a história apresentar termos desconhecidos,

é bom explicá-los no momento certo em que aparecem

para que o entendimento da mensagem não fique

comprometido;

• é importante que se contem os contos com lobos e

bruxas, porque afinal isso é um processo de

desafios e conquista de maturidade. A criança tem

que passar pelas diversas fases da história para

que haja essa conquista.

Na escola, a roda da história é um dos momentos

mais ricos para a alfabetização, já que ali as

crianças, ao ouvirem as narrativas contadas pelo

Page 61: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

professor, podem experimentar diferentes estilos

literários e enriquecer seu repertório para o

desenvolvimento da leitura e da escrita. É importante

que o prazer de ouvir histórias seja retomado,

recuperado e ressignificado principalmente na fase da

Educação Infantil.

Diante de um ensino democrático, o educador deve

proporcionar à crianças de diferentes camadas sociais

o contato com a literatura rica, que estimula a

imaginação, e fazê-la descobrir que é capaz de contar

histórias a seu modo, mesmo que ainda não seja capaz

de escrever convencionalmente, num trabalho rico de

alfabetização.

CAPÍTULO VI Muito Prazer Sr. Livro

6.1 - O primeiro presente

Cada criança deveria receber, quando nasce,

entre os presentes tradicionais, ursinhos, bonecos de

Page 62: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

borracha ... um livro. Porque não é dado um livro a

um recém-nascido? Talvez, a principal razão seja

porque não é dado o valor, nem é lembrada a relação

que a criança pode e deve ter, desde muito cedo,

também com esse objeto.

É natural que um bebê de dias não vai explorar

um ursinho assim que ganhá-lo. Só mais tarde ele irá

agarrá-lo, abraçá-lo, embalá-lo, dar-lhe de comer,

levá-lo para passear... num jogo simbólico cada vez

mais elaborado. Mesmo os pais que não tiveram

formação como educadores, sabem, intuitivamente, que

há etapas que a criança tem que passar na relação com

os objetos/brinquedos que têm a ver com o seu

desenvolvimento psicomotor. Ao achar que tudo isso é

realmente muito natural, o adulto não exige que o

bebê descubra, desde que nasce, todas as

potencialidades lúdicas e afetivas que esse brinquedo

poderá lhe proporcionar. E o mesmo se passa com todos

os

outros objetos que a criança vai ganhando.

Page 63: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

Então porque o livro não faz parte dos objetos

com que ela contacta diariamente? Da mesma forma que

o ursinho e os bonecos estão no berço para que a

criança vá familiarizando e criando laços afetivos

com eles, porque é que o livro não pode estar? Num

primeiro momento ela irá tocá-lo sem nenhuma

intenção. Mas, quando conseguir agarrá-lo ela estará

se relacionando com um objeto a que chama-se livro.

Depois, passa-o de uma mão para outra, mete-o na boca

para melhor conhecê-lo, deixa-o de lado e volta a

pegá-lo. Como disse Madame Gratiot-Alphanderry –

primeira assistente de Wallon – interrogada durante

uma conferência em Lisboa, sobre quando dar livros às

crianças:

“O mais cedo possível, desde que nascem

e quando começam a agarrar os objetos”.

A realidade é que a maioria das crianças que

freqüentam as creches do nosso país continua sem

livros.

6.2 - A criança e o livro

Page 64: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

A primeira relação que a criança estabelece com

o livro é a relação lúdica. Depois, mais tarde, irá

descobrir e talvez reconhecer e identificar a imagem

que está na capa. E vai assim iniciando a leitura da

linguagem visual, linguagem essa que é dominada por

ela, mesmo sem se apropriar do conteúdo do livro.

Chegará um dia em que o bebê, involuntariamente,

conseguirá abri-lo. Isto, é claro, se o adulto lhe

der a oportunidade de o manusear, não deixando-o fora

de alcance com o pretexto de estragá-lo. E, ao

abrir o livro – que é mais um degrau do seu

manuseio – a criança terá prazer em ler as

ilustrações relacionadas com o seu cotidiano, se

elas forem semelhantes com o que ela conhece.

Ao identificar as imagens, a criança está

desenvolvendo um processo mental muito complexo. Ela

não está perante o objeto, mas perante a sua

representação. Ela reconhece e faz a correspondência

entre algo que já viu e conheceu e lê as imagens

encontrando-lhes um significado. Mesmo que ainda não

domine a linguagem verbal ela aponta e dá nomes às

Page 65: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

coisas usando sons e onomatopéias. Quando começam a

aparecer, além dos objetos, as personagens – crianças

ou animais antropomorfizados – interagindo com os

objetos e vivendo situações que ela já viveu, ela

identifica-se e projeta-se. Uma relação com o livro

que até aqui tinha sido sobretudo lúdica, passa agora

a ter uma relação afetiva.

“Oh! Bendito o que semeia

Livros... livros à mão cheia...

E manda o povo pensar!

O livro caindo n’alma

É germem – que faz a palma

É chuva – que faz o mar.”

Castro Alves

6.3 - Ilustração: uma importante

linguagem

Page 66: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

O livro infantil apresenta duas linguagens: a

ilustração e a escrita. As duas se completam. Não se

consegue escrever histórias para crianças sem

sintonizar muito bem esses dois aspectos: o desenho e

as palavras. É importante quando se lê

histórias para crianças apresentar a ilustração do

livro. Ela seria uma espécie de “sobremesa”. Não é a

toa que o livro infantil

é formado por dois autores: o escritor e o

ilustrador. Se o contador/leitor passar a substimar a

imagem, não mostrando cada detalhe dela, as crianças

crescerão perdendo o interesse pela arte.

A boa ilustração é aquele que consegue dar uma

boa interpretação do texto e não copiá-lo. É certo

que ela também conta uma história porque ela tem uma

narratividade. A imagem dá possibilidade ao leitor de

perceber muito mais coisas na história.

Foi na Inglaterra do século XIX, em razão da

revolução industrial, que o livro para criança

desenvolveu-se com maior cuidado gráfico e encontrou

condições econômicas favoráveis para uma adequada

distribuição. As primeiras obras que visavam o

Page 67: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

público infantil apareceram no mercado livreiro na

primeira metade do século XVIII. Embora nesse momento

começasse a existir um campo gráfico propício à

ilustração, foi em plena era vitoriana que se

presenciou a realização de um maior número de livros

ilustrados feitos especialmente para crianças. Esses

livros traziam imagens atraentes e interessantes,

elaboradas não apenas com a intenção de educar, mas

também de promover o prazer estético.

Assim como o escritor, o ilustrador é um autor.

Na seqüência de imagens, cria uma história, podendo

atuar de forma semelhante ao cineasta, quando adapta

uma obra literária para o cinema. Sem o recurso do

som, organiza os elementos figurativos conforme a

especificidade da sua linguagem, interpreta o verbal

e o traduz na sua visualidade.

“ A ilustração convive e faz parte do

contexto da história da arte. Ela é um

objeto de reprodução e está inserida em

uma indústria cultural. Relaciona-se com

outras linguagens, transita em uma

espaço multifacetado. Dialoga com o

Page 68: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

verbal mas pode utilizar recursos

advindos do cinema, da pintura e dos

quadrinhos. Ao se observar o trabalho

desenvolvido pelos ilustradores,

percebe-se que é composto por formas que

trazem em si um significado próprio.

Linhas, manchas, cores, composições,

enfim, todos os elementos plásticos que

compõe a ilustração poderão revelar um

conteúdo que diz respeito à sua

linguagem.”

(Marisa Mokarzel)

No caso específico da ilustração, muitas vezes

as figuras são retiradas de um mundo fantástico, não

sendo, por isso mesmo, extraídas da realidade. Isto

não quer dizer que não existem formas realistas, mas

elas acontecem em número bem menor. Em geral, na

literatura infantil, os bichos falam, há personagens

e elementos mágicos. Além de figurativa, a imagem

seqüencial dos livros para criança contam uma

história que é lida com grande satisfação e

entusiasmo.

Page 69: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

CAPÍTULO VII A Biblioteca Escolar

7.1 - O acesso aos livros

Para que haja uma prática de leitura, o primeiro

passo é que livros variados e de qualidade estejam ao

alcance de todos. O acesso aos livros proporciona às

crianças e aos jovens uma

escrita e uma leitura que os conduzem

à aprendizagem e à captação do

conhecimento. Ler e ouvir histórias em

espaços sociais dos mais diversos

contribui para a formação de pessoas

com capacidade de escrever de maneira

autônoma, original, crítica e criadora, tornando-as

cidadãs responsáveis e participativas. Por este

Page 70: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

motivo, é preciso resgatar a importância da

biblioteca e da escola como instituições

complementares e indispensáveis.

7.2 - Escola e biblioteca: duas

aliadas

A biblioteca tem dupla função: preserva a

produção do conhecimento humano e também a dissemina.

Na escola, seu principal objetivo é tornar-se uma

aliada no que tange o acesso à leitura. Por ser um

espaço aberto, ela representa um eficaz instrumento

de mudança social e por esse motivo, escola e

biblioteca precisam atuar conjuntamente. Trata-se de

uma parceria que compreende a escola com o encargo de

motivar o indivíduo para a utilidade da leitura, e a

biblioteca, com a sua função comunicadora cada vez

mais acentuada, de exercitá-la de modo regular

operando transformações em quem a freqüenta.

Formar leitores é dever da família, do grupo

social e do poder público. Talvez possa ser dito que

Page 71: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

é principalmente do “poder público”, uma vez que a

formação de cidadãos-leitores é peça fundamental na

construção de uma sociedade verdadeiramente

democrática. Mas hoje, no ano 2000 e nos 500 anos de

Brasil, sabe-se que não é possível simplesmente jogar

sobre qualquer governo esta responsabilidade. O ideal

é que cada lado deste tripé – família, sociedade

civil e estado – faça a sua parte, seja através de

parcerias ou de iniciativas autônomas.

7.3 - As ações

No estado do Rio de Janeiro, projetos como

“Biblioteca para Todos” têm mostrado que é possível

unir governo e sociedade em torno de um ideal comum:

formar cidadãos-leitores. Já na cidade do Rio de

Janeiro, a prefeitura, por sua vez, tem diversificado

as ações na área de incentivo à leitura buscando

alternativas que, entre outras coisas, supram a

deficiência da rede municipal de bibliotecas.

Page 72: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

A capital cultural do país que, segundo dados da

própria prefeitura, tem hoje uma população de

aproximadamente seis milhões de habitantes espalhada

por 158 bairros, conta com uma rede de 75

bibliotecas, sendo apenas 25 públicas (destas, cinco

são unidades volantes). Por isso, a Secretaria

Municipal de Cultura – SMC, responsável pela

coordenação dessa rede, tem investido em eventos que

envolvam outras instituições, principalmente as

escolas, para tentar atingir o maior número de

pessoas.

Durante todo o ano, a Diretoria de Bibliotecas

da SMC oferece à população, através de 20 bibliotecas

fixas, uma série de serviços e atividades culturais.

Hoje, segundo dados da SMC, a rede municipal atende

mensalmente cerca de 40 mil estudantes de 1º e 2º

graus e conta com um acervo que não chega a 400 mil

volumes. Deste total, 52 mil são títulos infantis e

juvenis. Já as bibliotecas volantes contam, cada uma,

com 4 mil títulos, e percorrem periodicamente 40

bairros que não têm unidades fixas, realizando

empréstimos de livros. A atualização do acervo é

Page 73: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

feita anualmente através da compra de novos títulos

pela SMC. A escolha dos títulos a serem adquiridos

parte de pesquisa em livrarias e publicações

literárias.

Outro projeto da SMC é a implantação de

bibliotecas comunitárias em áreas carentes, em

parceria com a Secretaria Municipal de

Desenvolvimento Social, dentro do Projeto Favela-

Bairro. Esse projeto tem como objetivo integrar a

favela à cidade, fornecendo à população de renda

baixa condições básicas para uma vida digna.

7.4 - Serviços e atividades

oferecidas pela Rede de

Bibliotecas Populares do Rio de

Janeiro:

• CAIXA ESTANTE: serviço volante de empréstimo de

livros que atende comunidades com dificuldades de

Page 74: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

acesso às bibliotecas, tais como hospitais, asilos,

creches, orfanatos. Atualmente atende os bairros de

Jacarepaguá e Grajaú e conta com 39 instituições

cadastradas.

• BRAILLE: atende leitores portadores de deficiência

visual com acervo especial em braille e fitas

gravadas. Funciona nas bibliotecas populares de

Jacarepaguá e Penha.

• GIBITECA: espaço destinado à leitura e empréstimo

de gibis. Funciona nas bibliotecas populares de

Bangu, Campo Grande, Irajá, Méier, Olaria, Ramos e

Santa Teresa.

• CORDELTECA: espaço destinado à pesquisa da cultura

popular através do acervo especializado em

literatura de cordel. Funciona na biblioteca da

Penha que, anualmente, realiza um concurso de

literatura de cordel.

Page 75: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

• BRINQUEDOTECA: espaço para atividades recreativas

que utiliza brinquedos e jogos educativos com a

finalidade de atrair o público infantil às

bibliotecas. Funciona em Bangu, Campo Grande,

Engenho Novo, Gamboa, Glória, Grajaú, Ilha do

Governador, Irajá, Jacarepaguá, Leblon, Méier,

Paquetá, Penha e Santa Teresa.

• HORA DO CONTO: narrativa de histórias para

crianças, jovens e público da terceira idade.

Acontece nas unidades de Bangu, Campo Grande,

Engenho Novo, Gamboa, Grajaú, Ilha do Governador,

Jacarepaguá, Méier, Paquetá e Santa Teresa.

• ENCONTRO DA TERCEIRA IDADE: tem como objetivo

integrar o idoso às atividades da biblioteca

através de seus interesses próprios, valorizando o

livro como fonte de conhecimento e lazer. Funciona

em Botafogo, Campo Grande e Paquetá.

• JOGOS EDUCATIVOS NO COMPUTADOR: lazer destinado a

crianças adolescentes que visa familiarizá-las com o

Page 76: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

computador. Nas bibliotecas de Bangu, Botafogo,

Campo Grande, Gamboa, Ilha do Governador, Irajá,

Paquetá e Penha.

• CONCURSO DE POESIAS: concurso literário de âmbito

municipal, realizado anualmente, com o objetivo de

estimular a criação poética de crianças, jovens e

adultos. Em Bangu, Campo Grande, Ilha do Governador

e Jacarepaguá.

• ACESSO À INTERNET: uso livre pelos usuários para

pesquisa. Disponível em Copacabana, Ilha do

Governador, Irajá, Paquetá, Rio Comprido e Santa

Teresa.

Page 77: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

CAPÍTULO VIII O Potencial Criador da Criança

8.1 - Criatividade é um dom?

Aquela idéia de que criatividade é um dom divino

ou privilégio de poucos, já faz parte do século

passado. No momento atual é necessário expandir e

aproveitar, o máximo possível, o talento e o

potencial criador presente em cada criança. Hoje, é

uma questão de sobrevivência ter a consciência

crescente de que a solução para os problemas exige

Page 78: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

muito esforço e criatividade. Pais e professores têm

um importante papel no processo de crescimento das

crianças e no desenvolvimento de suas habilidades

criativas. Estes adultos têm, efetivamente um enorme

poder e influência sobre esse ser, podendo contribuir

ou não para a construção de um processo de descoberta

de si mesmo e de suas habilidades. A maneira cruel

de como hoje a vida é encarada pelos adultos, não os

deixa perceber que naquela “coisinha” amassada e de

olhos fechados que eles colocam no mundo, existe um

poço enorme de potencialidades a serem exploradas.

8.2 – Imaginação, criatividade,

escola

Sem dúvida nenhuma, trabalhar com os recursos

oferecidos pela literatura infantil nos primeiros

anos de vida de uma criança, contribui muito para que

ela tenha oportunidade de desenvolver, com mais

Page 79: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

facilidade, o seu poder de criatividade e imaginação

e, consequentemente, terá maiores condições de se

tornar uma cidadã segura, com pensamento claro,

crítico, inventivo e inovador.

O que aconteceria se “uma expingarda com x no

lugar do s disparasse balas de açúcar, plumas e

violetas?” ou se a “hora transformada em ora, pedisse

demissão do relógio e fosse trabalhar na gramática

como advérbio?”. Estas são apenas algumas amostras

da riqueza, da criatividade e da fantasia que pais e

educadores podem propor às suas crianças.

Várias destas atividades que podem ser

apresentadas a partir dos três anos de idade, têm

como objetivo não só o contato afetivo com a criança

(contato esse que não deve ser desprezado), o

desenvolvimento da linguagem, da lógica, da estética,

mas principalmente, a liberação da criatividade, da

imaginação, da fantasia.

“Para mudá-la (a sociedade) são

necessários homens criativos que saibam

usar a sua imaginação. ...

Page 80: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

desenvolvamos... a criatividade de todos

para mudar o mundo.”

(Gianni Rodari)

8.3 – Algumas práticas que dão

certo

• TEMA FANTÁSTICO 1: exercício que parte de uma só

palavra e daí nascem estranhas aproximações.

EX: PEDRA = Pequenos Elefantes Dormiam Roncando

Alto

• TEMA FANTÁSTICO 2: as crianças são solicitadas a

anotar todos os usos possíveis e imagináveis de uma

determinada palavra. EX: tijolo

• BINÔMIO FANTÁSTICO: As palavras não estão presas ao

seu significado cotidiano, mas libertas da cadeia

verbal da qual fazem parte cotidianamente. São

“estranhas”, desambientadas”, jogadas umas contra

as outras em mares nunca dante navegados. Só então

Page 81: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

encontram-se em condições ideais para gerar uma

história. As palavras devem ser escolhidas ao

acaso. EX: cão e armário. O procedimento mais

simples para se criar uma relação entre elas é

ligá-las com uma preposição articulada: o cão com o

armário (seria um cão com um armário nas costas),

ou o armário do cão (para guardar sua coleção de

coleiras), ou o cão sobre o armário (para se

esconder), ou o cão no armário (vivia dentro dele

porque tinha vergonha de algo).

• HIPÓTESES FANTÁSTICAS: “O que aconteceria se ... ?”

As hipóteses são como retas: você as lança e,

alguma coisa, em algum momento, as encontra. Basta

perguntar “O que aconteceria se ... ?”. Para se

formular a pergunta, escolhe-se ao acaso o sujeito

e o predicado. A sua união fornecerá a hipótese

sobre a qual se deve trabalhar.

• PREFIXO ARBITRÁRIO: Um dos modos de tornar

produtivas as palavras, em sentido fantástico, é o

de deformá-las. Isso deve ser feito como um jogo: o

Page 82: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

jogo do conteúdo. O espírito desse jogo está no uso

de um prefixo arbitrário.

EX: basta um “des” para transformar um canivete, que

é um objeto perigoso, em um “descanivete”, objeto

fantástico e pacifista, que não serviria para fazer

a ponta do lápis, mas que, quem sabe, ajudaria a

fazê-la crescer de novo, contra a vontade dos donos

das papelarias e contra a ideologia do consumo.

Outro exemplo é o “descabide”, que ao invés de

pendurar roupas serve para dependurá-las quando

precisamos delas.

• ERRO CRIATIVO: de um lapso pode nascer uma

história.

EX: um “livvro” com dois “v”, seria um livro mais

pesado que os outros; um “otomóvel” seria um

carro com oito rodas. É errando que se aprende!

• VELHOS JOGOS 1: consiste em recortar as manchetes

dos jornais e

Page 83: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

misturá-las entre si, para encontrar notícias de

acontecimentos absurdos, sensacionais ou

simplesmente divertidos.

• VELHOS JOGOS 2: jogo dos bilhetinhos de perguntas

e respostas. Parte-

se de um bloco de perguntas que por si configuram

uma narração.

EX: Quem era? Onde estava? O que fazia? O que

disse? O que disseram as pessoas? Como acabou? O

primeiro grupo responde a primeira pergunta e

dobra a folha para que ninguém possa ler a

resposta. O segundo responde a segunda e assim

por diante.

Conclusão

Ao terminar todo o meu estudo de pesquisa

bibliográfica, pude concluir que crianças que têm

oportunidade de ouvir histórias infantis nos

primeiros anos de vida conseguem desenvolver, com

Page 84: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

mais facilidade, o seu poder de criatividade e

imaginação e, consequentemente, terão maiores

condições de se tornarem cidadãos seguros, com

pensamento claro, crítico, inventivo e inovador.

Não é à toa que a contação de histórias faz

parte do cotidiano das pessoas desde a antigüidade,

mesmo antes da escrita. Este ato consiste numa das

primeiras necessidades culturais, já que permite a

transmissão de fatos que organizam a história da

humanidade.

A literatura infantil passou a desempenhar um

papel fundamental ao final do século XVII, quando a

sociedade sentiu necessidade de formar homens melhor

preparados para a vivência social. Este fato vem

afirmar ainda mais a importância da literatura e do

acesso aos livros na vida de qualquer ser humano,

principalmente nos seus primeiros anos de vida. Logo,

chego à conclusão que a obra literária infantil é

capaz de promover um repensar sobre a realidade

porque oferece uma possibilidade de reflexão através

da linguagem simbólica.

Page 85: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

Embora outras formas de criação literária

destinadas ao público infantil tenham surgido, os

contos de fadas, efetivamente, imprimem uma marca à

literatura infantil. O poder mágico dos contos de

fadas de fazer-nos conhecer melhor a nós mesmos, é

que determina a sua permanência entre nós através dos

séculos, bem como a razão do fascínio que o simples

ato de sentar-se junto a um adulto para ouvir uma

história, ainda consegue despertar emoção, mesmo

frente a um mundo cheio de brinquedos e maravilhas

tecnológicas. A mensagem de sucesso e a segurança que

os contos carregam os fazem não apenas sempre

presentes e fascinantes, mas sobretudo únicos e

insubistituíveis em sua importância para o imaginário

infantil.

Já que chegou-se à conclusão de que a literatura

infantil é tão importante nos primeiros anos de vida

de uma criança, é imprescindível valorizarmos o papel

da família como a principal mediadora entre os

leitores e os livros. É nesta primeira instituição

que a criança tem grandes chances de adquirir o

prazer pela leitura. Os pais devem oferecer aos seus

Page 86: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

filhos livros que possibilitem o treino da capacidade

de questionar critérios e desenvolver suas

potencialidades. Assim, ao se tornarem adultas, as

crianças terão condições, quando tiverem que tomar

alguma importante decisão, de fantasiar diferentes

escolhas, imaginar diversos caminhos e poder optar

por aquele que lhe deu mais

segurança. O hábito de ouvir histórias na infância

vai permitir ao ser humano, por toda a sua vida, ter

a imaginação suficiente para sempre escolher o seu

melhor caminho.

No universo da fantasia tudo é possível

acontecer. E para que a história se torne mais

atraente e emocionante ela pode contar com um

“artista” muito especial: o contador de histórias.

Quando alguém se propõe a contar histórias para outro

alguém terá que emprestar a sua emoção, transmitir

confiança e despertar admiração naqueles que lhe

ouvem. A boa contação não é aquela que só passa

valores e moralismos, e sim a que permite a

transgressão para o universo da magia e fantasia.

Page 87: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

A primeira relação que a criança estabelece com

o livro é a relação lúdica, principalmente se este

lhe for oferecido nos primeiros anos de vida. Ao

identificar as imagens impressas, o bebê está

desenvolvendo um processo mental de representação.

Ele reconhece e faz correspondência entre algo que já

viu e conhece, lê as imagens e encontra-lhes um

significado, mesmo que ainda não domine a linguagem

verbal. É por isso que o livro infantil sempre tem

dois meios de linguagem: a ilustração e a escrita. As

duas se complementam. Não se consegue escrever

histórias para crianças sem sintonizar muito bem

esses dois aspectos: o desenho e as palavras.

Para que haja uma prática de leitura, o primeiro

passo é que livros variados e de qualidade estejam ao

alcance de todos. Ler e ouvir histórias em espaços

sociais dos mais diversos contribui para a formação

de pessoas com capacidade de escrever de maneira

autônoma, original, crítica e criadora, tornando-as

cidadãs responsáveis e participativas. Por este

motivo, é preciso resgatar a importância da

Page 88: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

biblioteca e da escola como instituições

complementares e indispensáveis.

Hoje, é uma questão de sobrevivência ter a

consciência crescente de que a solução para os

problemas exige muito esforço e criatividade. Por

isso, pais e professores têm um importante papel no

processo de crescimento das crianças e no

desenvolvimento de suas habilidades criativas. Sem

dúvida nenhuma, trabalhar com os recursos oferecidos

pela literatura infantil nos primeiros anos de vida,

contribui muito para que ela tenha oportunidade de

desenvolver, com mais facilidade o seu poder de

criatividade e imaginação.

Referência Bibliográfica

Page 89: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

1. ABRAMOVICH, Fanny. Literatura Infantil – Gostosuras

e Bobices. São Paulo,

Scipione, 1993.

2. ALENCAR, Eunice Soriano de. Como Desenvolver o

Potencial Criador. Rio de

Janeiro, Vozes, 1990.

3. BETTELHEIM, Bruno. A Psicanálise dos Contos de

Fadas. Rio de Janeiro, Paz

e Terra, 1980.

4. CASHDAN, Sheldon. Os Sete Pecados Capitais nos

Contos de Fadas. Rio de

Janeiro, Campus, 2000.

5. COELHO, Betty. Contar Histórias – Uma Arte Mágica.

São Paulo, Ática,

1996.

6. COELHO, Nelly Novaes. O Conto de Fadas. São Paulo,

Scipione, 1993.

7. FOLHA PROLER. Boletim da Fundação Biblioteca

Nacional, nº 9, Setembro

1999.

8. FOLHA PROLER. Boletim da Fundação Biblioteca

Nacional, nº 10, Outubro

Page 90: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

1999.

9. NOTÍCIAS. Boletim Fundação Nacional do Livro

Infantil e Juvenil, nº 8,

Agosto 1999.

10. NOT

ÍCIAS. Boletim Fundação Nacional do Livro Infantil

e Juvenil, nº 9,

Setembro 1999.

11. NOT

ÍCIAS. Boletim Fundação Nacional do Livro Infantil

e Juvenil, nº 1, Janeiro

2000.

12. PHI

LIPP, Neil. Volta ao Mundo em 52 Histórias. São

Paulo, Companhia das

Letrinhas, 1998.

13. ROD

ARI, Gianni. Gramática da Fantasia. São Paulo,

Summus, 1982.

Page 91: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … ASSUMPCAO CORREA.pdfPROJETO “A VEZ DO METRE” EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA COMO RECURSO

14. SOU

ZA, Angela Leite de. Contos de Fada: Grimm e a

Leitura Oral no Brasil.

Belo Horizonte, Lê, 1996.