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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU INSTITUTO A VEZ DO MESTRE O INQUÉRITO POLICIAL E A POLÍCIA JUDICIÁRIA BRASILEIRA Por: Patricia Batista Areias Orientador: Prof. Francis Rajzman Rio de Janeiro 2010

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

O INQUÉRITO POLICIAL E A POLÍCIA JUDICIÁRIA BRASILEIRA

Por: Patricia Batista Areias

Orientador: Prof. Francis Rajzman

Rio de Janeiro

2010

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

O INQUÉRITO POLICIAL E A POLÍCIA JUDICIÁRIA BRASILEIRA

Apresentação de monografia ao Instituto A Vez do

Mestre – Universidade Candido Mendes como

requisito parcial para obtenção do grau de

especialista em Direito e Processo Penal.

Por: Patricia Batista Areias

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AGRADECIMENTOS

À minha querida avó por todo crédito,

amor, confiança e dedicação.

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DEDICATÓRIA

Aos professores, familiares e amigos

que sempre se fizeram presentes ao

longo dessa trajetória árdua, porém,

vitoriosa.

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RESUMO

O presente trabalho trata do valor e importância do inquérito policial e da

polícia judiciária no processo penal brasileiro. O destinatário imediato do

inquérito policial é o Ministério Público ou o ofendido, para formação da opinio

delicti que poderá redundar no oferecimento da denúncia ou queixa,

respectivamente. A pesquisa tem como objetivo geral discutir o verdadeiro

valor do inquérito policial, na sua forma de investigar e a função da polícia

judiciária no processo penal brasileiro. Há polêmica no estudo quanto a

indisponibilidade ou dispensabilidade do inquérito e sobre a investigação

presidida direto pelo Ministério Público.

Discute-se ainda, a respeito da necessidade e importância do inquérito

policial, principalmente quando nosso modelo é comparado ao de outros países

que possuem juizado de instrução. Ao analisarmos a exposição de motivos do

CPP, percebe-se a preferência do legislador pela investigação quando é

preconizado que “o juízo de instrução, que importaria em limitar a função da

autoridade policial a prender criminosos, averiguar a materialidade dos crimes

e territórios sejam fáceis e rapidamente superáveis”.

O presente estudo é de fundamental importância face ao aumento das

controvérsias e polêmicas envolvendo o inquérito policial.

PALAVRAS CHAVE: Inquérito, Polícia Judiciária, Investigação

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METODOLOGIA

Para tal estudo, propomos uma pesquisa de cunho bibliográfico. Utilizamos

livros de autores renomados, assim como Fernando Capez, Aury Lopes Júnior,

Paulo Rangel, que dissertem sobre o assunto em questão, bem como artigos e

periódicos jurídicos, dentre outras fontes literárias.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................... 09

1. O INQUÉRITO POLICIAL ............................................................................... 12 1.1. Base Histórica ................................................................................... 12 1.2. Conceito ............................................................................................ 14 1.3. Notitia Criminis .................................................................................. 17 1.4. Persecutio Criminis ............................................................................ 18 1.5. Natureza Jurídica ............................................................................... 19 1.6. Finalidade .......................................................................................... . 20 1.7. Sujeitos .............................................................................................. 22 1.8. Características .................................................................................. . 23

1.8.1. Escrito ................................................................................ . 23 1.8.2. Inquisitivo .......................................................................... . 24 1.8.3. Sigiloso ............................................................................... 25

1.9. Oficialidade ....................................................................................... . 27 1.10. Obrigatoriedade .............................................................................. . 28 1.11. Indisponibilidade ............................................................................. . 29 1.12. Dispensabilidade ............................................................................ . 29 1.13. Incomunicabilidade ......................................................................... . 30 1.14. O Advogado No Inquérito Policial ................................................... . 32 1.15. Inquérito Extrapolicial ..................................................................... . 34 1.16. Princípio Do Contraditório E Da Ampla Defesa .............................. . 34 1.17. Instauração ..................................................................................... . 37

1.17.1. Em caso de Ação penal Pública Incondicionada ......... . 37 1.17.2. Em caso de Ação penal Pública Condicionada ............ . 39 1.17.3. Em caso de Ação penal Privada .................................... . 40

1.18. Portaria ........................................................................................... . 42 1.19. O Inquérito Policial E A Lei 9.099/95 .............................................. . 42 1.20. Prazos ............................................................................................ . 43

1.20.1. Prazos especiais ............................................................. . 44 1.20.2. Contagem de prazo ......................................................... . 44

1.21 Encerramento ................................................................................... 44 1.22 Arquivamento Do Inquérito Policial .................................................. . 45

1.22.1. Arquivamento implícito .................................................. . 47 1.22.2. Arquivamento indireto .................................................... . 48 1.22.3. Revisão do arquivamento pelo Procurador de Justiça . 48

1.23 Desarquivamento ............................................................................. . 55 2. A POLÍCIA JUDICIÁRIA BRASILEIRA ......................................................... . 56

2.1. Divisão .............................................................................................. . 59 2.2. Deveres-Poderes Da Autoridade Policial .......................................... . 60

3. A INVESTIGAÇÃO DIRETA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO ........................ . 62

CONCLUSÃO .................................................................................................... . 65

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8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................... 67

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa definir e apresentar as principais características

do inquérito policial à luz da Constituição da República de 1988, sua finalidade,

princípios, meios de instauração, prazos, recursos, encerramento e

aplicabilidade no processo penal bem como seu procedimento. Também tem o

escopo de abordar a sua instauração nas ações penais públicas condicionadas

e incondicionadas além das privadas, bem como seu procedimento quanto ao

arquivamento e desarquivamento.

Muito se tem discutido acerca da constitucionalidade do inquérito policial

em razão de sua natureza inquisitorial e pela ausência do contraditório e da

ampla defesa. O presente estudo visa abordar alguns questionamentos com

entendimento doutrinário e jurisprudencial nesse sentido.

O aparelho repressivo de segurança pública na esfera federal é a polícia

federal e na esfera estadual é a polícia civil do estado, cujo resultado final de

seu trabalho é catalogado e documentado, dando origem ao inquérito policial

ou termo circunstanciado de ocorrência, este, reservado aos crimes de menor

potencial ofensivo e as contravenções penais.

A polícia civil cabe, fundamentalmente, conforme constitucionalmente

previsto, a indispensável e importantíssima tarefa de consolidar as informações

probatórias que servirão para instruir o inquérito policial, objetivando

instrumentalizar o processo penal. Mas não é somente essa a sua tarefa, pois,

além dessa atribuição, a polícia civil funciona como uma espécie de freio às

ações delituosas, no momento em que inicia as investigações. Inibe

significamente a atuação daqueles que vivem do crime, especialmente em se

tratando dos delitos contra o patrimônio. É necessário esclarecer, ainda, que,

somente através das investigações, muitas vezes dispendiosas, custosas, é

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10 que será possível cumprir os mandados de prisões.

Também merece destaque à aplicação do inquérito policial no processo

penal, haja vista a sua característica de ser meramente peça de informação

para eventual oferecimento da denúncia ou queixa-crime. Muitos defendem a

idéia de que o inquérito policial é uma peça informativa e por isso irrelevante,

chegando a ponto de afirmar ser ele dispensável, até mesmo conforme previsto

no próprio Código de Processo Penal Brasileiro, em seu artigo 39, § 5º. Quem

mais aduba esse pensamento são alguns ilustres representantes do Ministério

Público, entendendo, eles, que o trabalho da polícia civil é em vão. A

sustentação usada é que este não foi recepcionado pela Carta Magna de 1988.

Entretanto, observa-se que essa concepção é equivocada. Muitos delitos

requerem a presença física ao local da ocorrência, como é o caso dos crimes

contra a vida e, em especial, o homicídio. É no local do crime que se buscam

as informações importantes para a elucidação dos fatos, já que lá se

encontram os detalhes essenciais. É atribuição da polícia civil e da polícia

militar isolar o local da ocorrência de um crime, para preservar os elementos

indispensáveis à colheita das provas que serão catalogadas para fazer parte

integrante do inquérito policial. A perícia criminal se faz presente no local do

crime para realizar seu importante papel de vasculhar o local e colher as

informações essenciais, entretanto, a maioria das localidades ainda não conta

com o apoio da Criminalística e o trabalho de perícia e coleta de dados é feito

pela polícia civil, destacando-se à frente dos trabalhos a importante figura dos

Delegados de Polícia e de seus investigadores e não pelos Juizes de Direito,

Promotores de Justiça, ou quaisquer outros operadores do direito.

Cabe ao Delegado de Polícia presidir o inquérito policial, pois ele é o

operador do direito preparado e capacitado para o exercício dessa árdua tarefa

de buscar in locu as informações; ora pessoalmente, ora através de seus

investigadores, enfrentando diariamente toda espécie de malfeitores, muitos

destes sem nada a perder, dispostos a matar ou morrer.

A partir da Constituição Federal de 1988, mais do que nunca, o

Delegado de Polícia deve adequar-se aos princípios constitucionais,

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11 processuais penais que revestem o sistema processual penal, buscando

conscientizar seus inspetores, investigadores e oficias de cartório do valor da

investigação e da postura a ser adotada para que o trabalho seja pautado nos

princípios basilares da administração pública, quais sejam dentre eles:

moralidade, impessoalidade, verdade real, legalidade, publicidade e eficiência

dos atos policiais, e assim, de forma imparcial, possa subsidiar a propositura da

ação penal, isento de quaisquer atos abusivos, arbitrários, dignos, portanto de

credibilidade e de valor probatório para o fim a que se destinam.

Este trabalho, portanto, tem o condão de retomar a origem do inquérito

policial, discutir os sistemas representativos da atividade processual penal,

demonstrando as tendências atuais do inquérito policial no Brasil.

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CAPÍTULO I

O INQUÉRITO POLICIAL

1.1 Base Histórica

Desde a remota antiguidade sempre houve o processo investigatório

para apuração de diversos delitos, suas circunstâncias e seus autores.

Em Atenas já começava a nascer uma espécie de inquérito para apurar

a probidade individual e familiar daqueles que eram eleitos pelos magistrados.

Era uma sindicância de cunho investigatório, ou seja, era um procedimento, na

esfera administrativa, com o objetivo de descobrir a ocorrência de um fato e

sua autoria.

O imperador Dom Pedro II, em 03 de maio de 1871, na assembléia

nacional, fez um discurso contundente e peremptório no sentido de reformar a

legislação judiciária daquela época, pelo fato do Código de Processo Penal de

1832 refletir o liberalismo que dominava os espíritos, sendo que esses

princípios liberalistas mostravam-se ineficazes na repressão das desordens e

dos crimes, que se alastravam por vários pontos do país, gerando uma

anarquia nacional.

Em São Paulo e Minas Gerais no ano de 1842, a repulsa continuou,

sendo que Barbacena em Minas Gerais foi o centro de onde se expandiu a

revolta, que teve com maior defensor o Dr. Teófilo Benedito Otoni. Essa

rebelião foi sufocada pela forte atuação de Luiz Alves de Lim e Silva e Barão

de Caxias que conseguiram voltar com a paz nas duas cidades. Esse fato foi

decisivo para a modernização da legislação do processo penal, especialmente

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13 com a Lei nº 2033/71 regulamentado pelo Decreto nº 4824/71.

Diversas nomenclaturas teriam sido utilizadas ao longo dos tempos até

chegar ao atual “inquérito policial”, assim como também a atribuição ou

competência veio sofrendo alterações até que, no Brasil, o inquérito policial,

passou a atribuição dos Delegados de Polícia.

No Brasil, o procedimento investigatório como o nome juris Inquérito

Policial, surgiu com a reforma processual penal ocorrida em 1871, pelo Decreto

Regulamentar nº 4824, de 22 de novembro daquele mesmo ano.

O inquérito policial aparece de forma expressa no artigo 42 do Decreto

Regulamentar 4824/1871, que regulamentou a Lei nº 2.033, do mesmo ano,

trazendo a seguinte definição: “O inquérito policial consiste em todas as

diligências necessárias ao descobrimento de fatos criminosos, de suas

circunstâncias e dos seus autores e cúmplices; deve ser reduzido a termo”.

Ficando esclarecido, entretanto, que mesmo não tendo tal denominação,

o inquérito foi introduzido pela Lei nº 261 de 03 de dezembro de 1841. A Lei nº

261 de 1841, em seu artigo 2º previa que: “Os Chefes de Polícia serão

escolhidos entre os Desembargadores e Juizes de Direito; os Delegados de

Polícia e Subdelegados, dentre quaisquer Juizes e Cidadãos serão todos

amovíveis e obrigados a aceitar”.

Observa-se, portanto, que os dirigentes das organizações de polícias

eram selecionados entre os magistrados. Mudando, entretanto, com o passar

do tempo em razão das naturais dificuldades administrativas, sendo necessário

desvincular a organização policial da magistratura, conservando a

denominação “POLÍCIA JUDICIÁRIA”, justificando assim a sua origem.

São até hoje consagradas pela legislação processual penal brasileira

vigente no seu art. 4º, o Inquérito Policial, obedecendo à base estrutural

estabelecida pela Lei e pelo Decreto-Lei de 1871.

O Inquérito Policial foi mantido pelo atual Código de Processo Penal

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14 pelos motivos expressados na sua exposição dos motivos:

Foi mantido o Inquérito Policial como processo preliminar ou preparatório da ação penal, guardando as suas características atuais. O ponderando estudo da realidade brasileira, que não é apenas a dos centros urbanos, senão também a dos remotos distritos das comarcas do interior, desaconselha o repúdio do sistema vigente.

É interessante enfatizar o destaque que a Constituição Federal de 1988,

deu a segurança pública, no artigo 144, incluindo a Polícia Civil e o Delegado

de Polícia de carreira, imprescindíveis à política de segurança pública.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, a polícia brasileira está

mudando a sua forma de investigar, procurando adequar-se às garantias

constitucionais dos cidadãos, buscando valorar a prova na investigação,

evitando-se injustiças e apurações distorcidas da realidade, através da

implementação de técnicas de interrogatório, agindo com inteligência e

transparência, em face do Estado Democrático de Direito e não mais com o

emprego da força bruta, cujos resultados eram duvidosos.

1.2 Conceito

A palavra inquérito deriva do latim inquisitu, inquerre que significa

inquisição, ato ou efeito de inquirir, ou seja, ato ou efeito de procurar

informações sobre algo, portanto inquérito policial é o conjunto de atos com o

objetivo de procurar informações sobre o fato tipificado como delito.

Delito, infração e crime são sinônimos que significam uma atitude

positiva ou negativa realizada por um ser humano que é prevista em lei uma

sanção penal. Observa-se que nem todo comportamento do homem constitui

delito, apenas aquele que for previsto em lei. Isso ocorre em face do princípio

da reserva legal, previsto no art. 1º do Código Penal.

Além de apurar crimes o inquérito policial pode apurar também as

Contravenções Penais que são crimes de menor potencial ofensivo, por

exemplo, o jogo do bicho.

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15 Pode-se definir o inquérito policial, segundo a melhor doutrina, como um

procedimento investigatório prévio1, constituindo por uma série de diligências,

cuja finalidade é a obtenção de provas para que o titular da ação penal possa

propô-la contra o autor da infração penal.

Assim, cometido um delito, deve o Estado buscar provas iniciais acerca

da autoria e da materialidade, para apresentá-las ao titular da ação penal

(Ministério Público ou querelante), a fim de que este, avaliando-as, decida pelo

oferecimento ou não da denúncia ou da queixa-crime. Essa investigação inicial

composta de uma série de diligências é chamada de Inquérito Policial.

Segundo Aury Lopes Jr. o inquérito policial pode ser assim conceituado:

“A atividade desenvolvida pela polícia judicial com a finalidade de averiguar o

delito e sua autoria”.2

Trata-se de procedimento persecutório de caráter administrativo,

segundo Capez: “instaurado pela autoridade policial que tem como

destinatários imediatos o Ministério Público, titular da ação penal pública (CF,

art. 129, inciso I), e o querelante, titular da ação penal privada (CPP, art. 30);

como destinatário mediato tem o juiz, que se utilizará dos elementos de

informação nele constantes, para o recebimento da peça inicial e para

formação do seu convencimento quanto à necessidade de decretação de

medidas cautelares”3.

No dizer de Tourinho, o inquérito policial é assim explicado:

Não temos no Brasil a figura do instrutor. A fase processual propriamente dita é procedida de uma frase preparatória, em que a autoridade policial procede a uma investigação não contraditória, colhendo, a maneira do juiz instrutor as primeiras informações a respeito do fato infringente da norma da respectiva autoria4.

1 REIS, Alexandre Cebrian Araújo. Sinopses Jurídicas – processo penal – parte geral. v. 14. São Paulo: Saraiva. 1999, p. 5. 2 LOPES JR, Aury. Sistema de investigação preliminar no processo penal. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003. p. 82. 3 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 64. 4 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 75.

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16 No Brasil o meio mais comum para o colheita e apuração do delito é o

inquérito policial, contudo ele não é exclusivo.

Para Walter P. Acosta:

O inquérito policial, in genere, é todo procedimento legal destinado à reunião de elementos acerca de uma infração penal. É a instrução extrajudicial. Esse conceito, em sua amplitude, compreende também o flagrante, ou autos de flagrante que assim se denomina por resultar da circunstancia de surpreender-se o agente na prática do ilícito, mas que nem por isso deixa de equiparar-se ao primeiro procedimento citado, como elemento informador, é, pois, genericamente, o inquérito.5

No ordenamento jurídico brasileiro, existe diferença entre a polícia

preventiva e a polícia judiciária. A primeira é a ativa, pois prega sua vigilância

em proteger a sociedade e seus membros, em assegurar seus direitos,

evitando perigos, prevenindo delitos, e finalmente mantendo a ordem e o bem

estar público, essa é a polícia militar. Já a polícia judiciária, também chamada

de polícia civil, tem o encargo de rastrear e descobrir os crimes que não

puderam ser prevenidos, colher e transmitir às autoridades competentes os

indícios e provas, indagar quais sejam seus autores e cúmplices, e concorrer

eficazmente para que sejam levados ao tribunal. Portanto a polícia

administrativa tem caráter preventivo, evita a prática de crimes, garante a

ordem pública e impede a prática de fatos que possam levar ou por em perigo

os bens individuais ou coletivos; enquanto a polícia judiciária tem caráter

repressivo, inicia-se após a prática do delito, pois ela investiga os crimes para

eventuais sanções penais.

O artigo 4º, “caput” do Código de Processo Penal Brasileiro, prescreve

que “A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de

suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais

e de sua autoria”.

No âmbito estadual a polícia judiciária é atribuída às polícias civis. O art.

144, § 4º, da Constituição Federal de 1988, estatui que: “Às polícias civis,

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17 dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a

competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de

infrações penais, exceto as militares”.

Como o inquérito policial se constitui numa fase pré-processual da ação

penal e a Polícia Civil é o órgão de auxílio e apoio da Justiça, na prestação

jurisdicional do Estado e dessa forma está investida na condição de polícia

judiciária, quando apura infrações penais.

Na esfera federal as funções de polícia judiciária são exercidas, com

exclusividade, pela Polícia Federal, conforme expressa disposição do inciso IV

do § 1º do art. 144 da CF/88.

Concluído, o inquérito policial vem a ser uma peça meramente

instrumental, inquisitória, escrita, presidida por autoridade policial competente,

de caráter sigiloso, sendo uma medida preparatória para a ação penal, contudo

dispensável a propositura da mesma.

O inquérito policial encontra-se disciplinado nos arts. 4 a 23 do Código

de Processo Penal (Decreto-Lei nº 3.689, de 03.10.1941).

1.3 Notitia criminis

É com a notitia criminis que a autoridade policial dá início às

investigações. Dá-se o nome notitia criminis (notícia do crime) ao conhecimento

espontâneo ou provocado, por parte da autoridade policial, de um fato

aparentemente criminoso. Essa notícia do crime pode ser de cognição

imediata, de cognição mediata ou de cognição coercitiva.

A notitia criminis de cognição direta ou imediata, também chamada de

notitia criminis espontânea ou inqualificada, ocorre quando a autoridade policial

toma conhecimento direto do fato infringente da norma por meio de suas

atividades rotineiras, de jornais, da investigação feita pela própria polícia

judiciária, por comunicação feita pela polícia preventiva ostensiva, pela

5 ACOSTA, Walter P. O Processo Penal. 20ª ed. Rio de Janeiro: ed. do autor, 1990. p. 30.

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18 descoberta ocasional do corpo do delito, por meio de denúncia anônima etc. A

delação apócrifa (anônima) é também chamada de notícia inqualificada,

recebendo, portanto, a mesma designação do gênero ao qual pertence.

A notitia criminis de cognição indireta ou mediata, também chamada de

notitia criminis provocada ou qualificada, ocorre quando a autoridade policial

toma conhecimento por meio de algum ato jurídico de comunicação formal do

delito, como, por exemplo, a delatio criminis (art. 5º, II e §§ 1º, 3º e 5º do CPP),

a requisição da autoridade judiciária, do Ministério Público (art. 5º, II do CPP)

ou do Ministro da Justiça (art. 7º, § 3º, “b”, e art. 141, I, c/c o parágrafo único do

art. 145 do CP), e a representação do ofendido (art. 5º, § 4º do CPP).

A notitia criminis de cognição coercitiva ocorre no caso de prisão em

flagrante, em que a notícia do crime se dá com a apresentação do autor (cf. art.

302 e incisos do CPP). É modo de instauração comum a qualquer espécie de

infração, seja de ação pública condicionada ou incondicionada, seja de ação

penal reservada à iniciativa privada. Por isso, houve por bem o legislador tratar

dessa espécie de cognição em dispositivo legal autônomo (art. 8º do CPP).

Tratando-se de crime de ação pública condicionada, ou de iniciativa privada, o

auto de prisão em flagrante somente poderá ser lavrado se forem observados

os requisitos dos §§ 4º e 5º do art. 5º do Código de Processo Penal.

1.4 Persecutio Criminis

Com o passar dos tempos o legislador (na esfera penal) observa a

sociedade e percebe que um determinado comportamento deve ser proibido,

pois está em descompasso com a paz e a tranqüilidade social exigidas. Então

o legislador edita uma norma geral e abstrata que observa a todos,

indistintamente.

Quando alguém comete um ato ilícito, transgride a norma penal

proibitiva, nascendo para o Estado o jus puniendi. Desta forma, surge a

persecutio criminis (persecução penal), que é exercida pela polícia judiciária e

pelo Ministério Público.

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19 Verifica-se que a persecutio criminis apresenta dois momentos distintos:

o da investigação e o da ação penal. Esta consiste no pedido de julgamento da

pretensão punitiva, enquanto que a primeira é atividade preparatória da ação

penal, de caráter preliminar e informativo.

A pretensão punitiva decorre do direito concreto de punir que surge para

o Estado após a prática do crime. É a exigência de que o jus puniendi do

Estado prevaleça sobre o direito de liberdade do autor da infração penal, com a

sujeição deste à pena cabível na espécie.

A persecução penal tem início com a notitia criminis. A noticia do crime

dá lugar a informatio delicti, ou a atividade investigatória da persecução penal.

O inquérito policial, portanto, é o meio que se vale o Estado, através da

polícia, órgão integrante da função executiva, para iniciar a persecução penal

com controle das investigações realizadas do Ministério Público.

1.5 Natureza Jurídica

Muitas vezes se confunde a natureza jurídica de um instituto com seu

conceito, este com suas características. Conforme José Cretella6 “[...] dar a

natureza jurídica de um instituto é localizá-lo de modo perfeito, no sistema de

direito a que pertence esse instituto”.

O inquérito é medida preparatória para o exercício da ação penal e, por

sinal, dispensável, desde que o titular da ação penal tenha elementos que o

autorizem a ingressar em juízo.

Com relação à natureza jurídica Polastri conceitua assim: “é de

procedimento administrativo, pré-processual, autônomo e instrumental”7.

No mesmo pensamento, o professor Paulo Rangel conceitua a natureza

jurídica como “um procedimento de índole meramente administrativa, de

6 CRETELLA JR, José. apud RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 8ª ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004. p. 71. 7 LIMA, Marcellus Polastri. Curso de Processo Penal. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002.p.82.

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20 caráter informativo, preparatório da ação penal”8.

Ainda também acerca do mesmo assunto José Lisboa da Gama Malcher

fala que “o inquérito policial é um procedimento administrativo, com caráter

persecutório e de instrução provisória, documentando o fato em todos os seus

elementos, destinado a preparar a ação penal”.9

Portanto, entende-se que o inquérito policial é um procedimento

administrativo, pré-processual, preparatório da ação penal.

1.6 Finalidade

O direito de punir pertence ao Estado. Este, contudo, não pode auto-

executá-lo devido às imposições constitucionais que o impedem. Assim,

coarctado na sua liberdade de auto-executar o jus puniendi, em face dos limites

constitucionais, o Estado, para fazer valer o seu direito de punir, quando há

transgressão da norma penal, deve, tal qual o particular, dirigir-se ao Estado-

Juiz e dele reclamar a aplicação da sanctio júris.

Quando uma autoridade policial tem ciência de que em sua circunscrição

ocorreu uma infração penal, ela desenvolve intensa atividade visando à

elucidação do fato, isto é, procura colher dados a respeito da natureza da

infração, sobre quem tenha sido o autor, e, após as investigações, que formam

os autos do inquérito policial, ela os remete à autoridade judiciária e esta fará

que cheguem as mãos do Parquet. É o Promotor de Justiça na esfera estadual

e o Procurador da República na esfera federal que devem analisar o inquérito

e, então, tomar dentre outras, uma das seguintes providências: a) requerer o

arquivamento do inquérito; b) requerer a devolução dos autos a polícia para

novas diligências imprescindíveis ao oferecimento da denúncia; c) requerer a

extinção da punibilidade; d) oferecer a denúncia.

A finalidade do inquérito policial é de apurar o delito no sentido de colher

8 RANGEL, Paulo. op. cit., p. 71. 9 MALCHER, José Lisboa da Gama. Manual de Processo Penal. 3ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2002. p. 96.

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21 todas as informações possíveis a respeito do fato criminoso como o dia, local,

hora, maneira de execução, vítima e testemunhas. No caso da autoria, o

delegado deve desenvolver a necessária atividade visando descobrir o

verdadeiro autor do fato infringente da norma.

Os elementos introdutórios do inquérito policial são precipuamente

destinados ao órgão da acusação pública para instaurar a persecutio criminis in

judicio (persecução penal em juízo), que vem a ser a soma da atividade

investigadora com a ação penal promovida pelo Ministério Público ou ofendido.

Nesse entendimento a jurisprudência manifesta-se dizendo que: “O

inquérito policial destina-se a apurar a notícia de um crime em tese, reunindo

as provas indiciárias suficientes para que o Ministério Público ofereça a

denúncia10”.

Outro entendimento jurisprudencial acerca do inquérito policial diz que:

“O inquérito policial é um procedimento administrativo, visando apurar uma

infração penal e sua autoria e fornecer ao órgão da acusação os elementos

necessários à propositura da ação penal”.11

Portanto, a causa finalis do inquérito policial não é reunir provas para

viabilizar a condenação, e sim, reunir elementos de convicção que possibilitem

ao Ministério Público oferecer a denúncia ou o ofendido oferecer a queixa-

crime. Os elementos de convicção devem ser relativos à existência do crime e

a sua autoria, no sentido de possibilitar ao titular da ação ingressar em juízo

com a ação penal. Sendo que esses dados fornecidos pelo inquérito policial

são valorados pelo juiz processante e contribuem, de forma poderosa, para

uma definição judicial.

O inquérito policial é apenas informativo, pois sua finalidade é fornecer

ao Ministério Público ou ao ofendido, dependendo da natureza da infração, os

elementos necessários para a propositura da ação penal. Ademais tudo o que

esta no inquérito não passou pelo princípio do contraditório, que está inserido

10 STJ- HC 6859 – Rel. Edson Vidigal – j. 18.11.97 – DJU 2.3.98, p.123

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22 na fase judicial.

1.7 Sujeitos

Quem preside o inquérito policial é a autoridade policial, isto é, o

Delegado de Polícia que é a maior autoridade em uma delegacia. Tem

autoridade superior de direcionar os trabalhos da polícia e são bacharéis em

direito aprovados em concurso público.

Portanto, o inquérito policial é presidido por um delegado de polícia de

carreira. A atribuição administrativa desta autoridade é, como regra geral,

determinada em razão do local de consumação da infração (ratione loci). Nada

impede, entretanto, que se proceda à distribuição da competência em função

da natureza da infração penal (ratione materiae), como ocorre em alguns

estados, onde existem delegacias especializadas na investigação de

determinados crimes (DRF, DRE, DAS etc.).

O território dentro do qual as autoridades policiais têm competência para

desempenhar suas atribuições é denominada circunscrição (não se deve

utilizar a expressão jurisdição, uma vez que as atribuições das autoridades

policiais são exclusivamente administrativas). Jurisdição é o poder-dever de

dizer o direito conferido aos juízes.

Conforme o art. 22 do CPP, nas comarcas em que houver mais de uma

circunscrição policial, e no Distrito Federal, a autoridade com exercício em uma

delas poderá, nos inquéritos a que esteja procedendo, ordenar diligências em

circunscrição de outra, independentemente de precatórias ou requisições.

O sujeito passivo do inquérito policial é o indiciado que é o agente do

delito que está sendo investigado por meio do inquérito policial. Difere-se de

acusado, pois esta terminologia só usa-se quando o sujeito do delito já está

sendo processado por meio de uma ação penal, que se inicia com a citação

válida. O indiciado sofre um indiciamento, ou seja, é feita uma imputação ao

11 TACRIM-SP-AP- Rel. Camargo Aranha – JUTACRIM – SP 27/486

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23 suspeito do crime que está sendo investigado no inquérito policial.

O inquérito policial nas ações penais públicas terá como destinatário

imediato o Ministério Público. Nas ações penais privadas o destinatário

imediato será o ofendido. O destinatário mediato do inquérito policial é o juiz de

direito, uma vez que o inquérito fornece subsídios para que ele receba a peça

inicial e decida quanto à necessidade de decretar medidas cautelares (prisão

provisória, quebra sigilo telefônico), sendo que tais medidas tornam-no

prevento na eventual ação penal.

Os sujeitos do inquérito policial são vítimas e testemunhas, sendo que

elas possuem suma importância para inquérito policial, pois as mesmas

prestam declarações e informações sobre o fato delituoso, facilitando as

investigações policiais, e sendo corroboradas em juízo possuem máximo valor

probatório se estiverem em harmonia com as demais provas colhidas nos

autos.

1.8 Características

O inquérito policial possui características muito próprias e peculiares de

sua natureza jurídica. Ele caminha apenas em uma única direção, que é

apuração das infrações penais, logo a autoridade policial não pode emitir

nenhum juízo de valor sobre o inquérito quando estiver elaborando a sua

conclusão. Como diz Paulo Rangel “Há relatórios que são verdadeiras

denúncias e sentenças. É o ranço do inquisitorialismo no seio policial”12.

Portanto, aqui se procura ater apenas as principais características do

inquérito policial para que se possa entender seu real objetivo.

1.8.1 Escrito

O inquérito policial é escrito porque todas as suas peças serão reduzidas

a escrito ou datilografadas. Escrito significa caligrafado; datilografado.

12 RANGEL, Paulo. op. cit., p. 91.

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24 Modernamente, as peças do inquérito são datilografadas, evitando-se

problemas relacionados à perda de tempo, ou à necessidade de analisar, ou

até de descobrir o que realmente foi escrito pelo escrivão.

Está previsto no artigo 9° do Código de Processo Penal e determina que

“todas as peças do inquérito policial serão, num só processo, reduzidas a

escrito ou datilografadas e, neste caso, rubricadas pela autoridade”.

Exige-se, no entanto, algum rigor formal, especialmente na comprovação

da materialidade do delito, no interrogatório e no auto de prisão em flagrante,

por isso a necessidade de ser escrito ou datilografado (digitado) e rubricado

pela autoridade policial.

1.8.2 Inquisitivo

O caráter inquisitivo dá a autoridade policial à discricionariedade de

iniciar as investigações da forma que melhor lhe aprouver13. Desta forma,

pode-se afirmar que o inquérito é livre, não havendo regras previamente

determinadas para iniciar-se uma investigação.

A autoridade policial tem essa liberdade, contudo deve-se respeitar a

norma do art. 107 do Código de Processo Penal que estabelece que “não

poderão opor suspeição às autoridades policiais nos autos do inquérito, mas

deverão elas declarar-se suspeitas quando ocorrer motivo legal”. A autoridade

policial pode, a seu critério, indeferir os pedidos de diligências feitos pelo

ofendido ou pelo indiciado conforme estabelece o art. 14 do Código de

Processo Penal. Todavia, as requisições feitas pelo Promotor de Justiça

deverão ser cumpridas, em face que a requisição é uma ordem e o Parquet faz

um controle externo das atividades policiais.

No aspecto legal, ao artigo 6° do CPP, alude que a autoridade policial,

tão logo tenha conhecimento da prática da infração penal, deverá tomar as

providências que visam colher maiores informações sobre o fato ocorrido.

13 Idem. p. 89.

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25 Não é possível dar ao acusado o direito de defesa, pois ele não está

sendo acusado de nada, porém está sendo objeto de uma pesquisa feita pela

autoridade policial.

Percebe-se que o procedimento inquisitorial veda o princípio do

contraditório e da ampla defesa, pois este é próprio do processo penal, em que

se apresentam acusação e defesa.

Sempre se discutiu a possibilidade do contraditório no inquérito policial.

Com o advento da nova Carta Constitucional, sobretudo com base no art. 5º,

LXIII e LV, tal discussão veio mais à tona. O entendimento majoritário é no

sentido de que a falta do contraditório e da ampla defesa não ofende a

Constituição.

Frederico Marques versa que: “Aquelas garantias constitucionais são

dadas a acusados, e não a indiciados, que é o que existe no inquérito

policial”.14

1.8.3 Sigiloso

Sigiloso é uma derivação do substantivo sigilo, que significa segredo,

logo, sigiloso é algo em segredo.

O inquérito policial deve assegurar o direito à inviolabilidade da

intimidade, da vida privada, da honra e da imagem do investigado, nos termos

do art. 5º, X, da CF/88. Não se deve esquecer que milita em favor de qualquer

pessoa a presunção de inocência enquanto não sobrevindo o trânsito em

julgado de sentença penal condenatória (CF, art. 5º, LVII).

O sigilo que deve ser adotado no inquérito policial é aquele necessário à

elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade. Muitas vezes, a

divulgação pela imprensa, das diligências que serão realizadas durante o curso

de uma investigação, frustra seu objetivo primordial, que é a descoberta da

14 MARQUES, Frederico. O Inquérito Policial e a Instrução Criminal Contraditória. Campinas: Bookseller, 1998. p. 64.

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26 autoria e comprovação da materialidade, pois a sua publicidade poderia causar

prejuízos à investigação como o desfazimento dos vestígios deixados pelo

autor do delito dificultando os trabalhos de elucidação.

O art 20 do Código de Processo Penal, diz que “a autoridade assegurará

no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse

da sociedade”.

Conforme diz Romeu de Almeida Salles Junior:

Não se adota no inquérito policial o chamado princípio da publicidade. Este se harmoniza com o processo penal e não no inquérito. No processo penal a publicidade, como regra, é um princípio que se afina com a garantia de ampla defesa do acusado, muito embora, em algumas situações, no próprio processo penal seja mantido o sigilo.15

Para exemplificar, podemos citar o momento em que os jurados votam

os crimes submetidos ao Tribunal do Júri.

Essa característica difere-se do principio da publicidade contido na fase

de processo, como a uma garantia de ampla defesa do acusado.

Em razão da presunção de inocência, o simples fato de uma pessoa

possuir contra si um inquérito instaurado não pode ser mencionado pela

autoridade policial na emissão de atestados de antecedentes criminais.

Entretanto, se o requerente do atestado possuir condenação penal anterior,

poderá ser mencionado em seu atestado de antecedentes a instauração de

inquéritos. Essa regra consta literalmente do parágrafo único do art. 20 do

CPP, como se lê in verbis:

Nos atestados de antecedentes que lhe forem solicitados, a autoridade policial não poderá mencionar quaisquer anotações referentes à instauração de inquérito contra os requerentes, salvo no caso de existir condenação anterior.

15 SALLES JUNIOR, Romeu de Almeida. Inquérito Policial e Ação Penal. 7ª ed. São Paulo Saraiva, 1998. p. 6

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27 Para Paulo Rangel, o sigilo imposto ao advogado na investigação policial

é plausível, pois ele entende que a Lei 8.906/94, no art 7º, III e XIV, não

permite a intromissão durante a fase de investigação que está sendo feita sob

sigilo para que a inquisitoriedade não fique prejudicada, bem como a própria

investigação. Ele ainda comenta que o advogado tem o direito previsto no

Estatuto da Ordem, mas somente quando a investigação estiver sendo

conduzida sem sigilo16.

Por ser de natureza inquisitiva, veda ao advogado qualquer intromissão

no curso do inquérito. A consulta aos autos na fase do inquérito (cf. art. 7º, XIV

da Lei 8.906/84) é para poder o advogado melhor se preparar para eventual

acusação feita na ação penal ou, se for o caso, pra adoção de qualquer

providência judicial visando resguardar direito de liberdade. Nunca para se

intrometer no curso das investigações que estão sendo realizadas em face de

um fato que é indigitado a seu cliente e não imputado.

1.9 Oficialidade

Como a repressão criminal é função essencial do Estado, deve instituir

órgão que assegure a persecução criminal. É o princípio da oficialidade. A

oficialidade do inquérito policial significa que somente órgãos de direito público

podem realizar o inquérito policial, que são as Delegacias de Polícia,

Promotorias e o Poder Judiciário competente. Ainda quando a titularidade da

ação penal é atribuída ao particular ofendido, no caso de crimes de a ação

penal privada, não cabe a este a efetuação dos procedimentos investigatórios.

O inquérito deve sempre ser presidido por uma autoridade pública, no

caso, a autoridade policial (delegado de polícia de carreira) dentro dessa

característica o princípio da autoritariedade. O delegado de polícia que o

preside, jamais acusa, como também não defende, pois se busca uma

autoridade imparcial.

Caso não ocorresse dessa forma, as investigações deixariam de ser

16 RANGEL, Paulo. op. cit., p. 92.

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28 imparciais, pois se o ofendido pude-se realizar exclusivamente as

investigações, logicamente que estas provas seriam a favor dele e

consubstanciadas de fraudes, ocorrendo um prejuízo ao indiciado ou réu. Este

princípio, porém, não é absoluto face às ações penais privadas, públicas

condicionadas e privadas subsidiárias da pública, no caso de inatividade do

promotor de justiça.

1.10 Obrigatoriedade

Por ser indispensável que os delitos não fiquem impunes, ocorrendo à

infração penal é necessário que o Estado promova o jus puniendi, sem que se

conceda aos órgãos encarregados da persecução penal poderes

discricionários para apreciar a conveniência e oportunidade de apresentar a

pretensão punitiva ao Estado-juiz.

Pelo principio da obrigatoriedade a autoridade policial é obrigada a

instaurar o inquérito policial e o Ministério Público a promover a ação penal, em

se tratando de ação pública incondicionada (art. 5º, 6º e 24 do CPP) ou a ação

penal pública condicionada a representação ou requisição do Ministro da

Justiça, quando presentes, respectivamente, a representação e requisição.

A autoridade policial, na posso de informações que justifiquem a

instauração do inquérito, não pode negar-se a fazê-lo, obviamente tratando-se

de ação pública incondicionada ou condicionada. Também é obrigatória a

persecução, a iniciativa de investigação, para colheita das informações

necessárias.

No dizer de Tourinho: “Se a autoridade policial não investiga o fato nem

procura saber quem o cometeu, dificilmente se poderá instaurar um processo

contra o criminoso”.17

Este princípio, o mais difundido entre as legislações modernas,

contrapõe-se ao da oportunidade, utilizando por algumas. No Brasil, o princípio

17 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. v. I. 22 ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 198.

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29 da oportunidade fica restrito aos crimes de ação penal privada e pública

condicionada, quando é exercido pelas partes. Por outro lado, a Constituição

de 1988, permitindo a transação (art. 76 da Lei nº 9.099/95), não institui a

oportunidade, na medida em que não logrado êxito na transação da pena, o

Ministério Público é obrigado a oferecer a denúncia.

1.11 Indisponibilidade

Decorre do princípio da obrigatoriedade. Vigora inclusive no inquérito

policial. Uma vez instaurado, não pode ser paralisado indefinidamente ou

arquivado na Delegacia. A lei prevê prazos de conclusão. O Delegado de

Polícia pode, ao relatar o inquérito policial, representar para que o mesmo seja

arquivado. O Ministério Público igualmente requer o arquivamento ao juiz que

poderá concordar ou não. (vide regra do art. 28 do CPP).

Não se aplica à ação penal privada e à pública condicionada, antes do

oferecimento, respectivamente, da queixa e denúncia (neste caso, uma vez

presente a representação, não pode haver paralisação do feito).

A paralisação, no entanto, pode ser verificada no caso de deferimento de

hábeas corpus preventivo (quando ocorre o trancamento da ação penal ou da

persecução penal).

Vale destacar a criação das chamadas VPI’S (verificação preliminar de

inquérito) antes da instauração dos inquéritos, com o objetivo de investigações

preliminar, conforme dispõe o art. 5º, § 3º do CPP. Entende-se ser uma

evolução investigatória a criação das verificações preliminares, a fim de se

evitar instaurações sem o mínimo lastro probatório ou mesmo a justa causa.

Entretanto, cabe ao Ministério Público o controle externo das atividades

policiais para se evitar arquivamentos sumários acima dos interesses da

sociedade.

1.12 Dispensabilidade

O inquérito policial é peça meramente informativa. Nele se apuram a

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30 infração penal com todas as suas circunstâncias e a respectiva autoria. Tais

informações têm por finalidade permitir que o titular da ação penal seja o

Ministério Público, seja o ofendido possa exercer o jus persequendi in judicio,

isto é, possa iniciar a ação penal.

Se o titular da ação penal tiver em mãos os elementos imprescindíveis

para ingressar em juízo com a denúncia ou queixa, o inquérito policial tornar-

se-á dispensável.

Conforme leitura do art. 12 do CPP, é possível a apresentação da

denúncia ou da queixa mesmo que estas não tenham por base um inquérito

policial. O referido artigo fala que “O inquérito policial acompanhará a denúncia

ou queixa, sempre que servir de base a uma ou outra”.

Há, também, outro dispositivo na lei adjetiva penal que mostra a não

obrigatoriedade do inquérito policial para a apresentação da denúncia ou da

queixa. É o art. 27 do CPP que estabelece que “Qualquer pessoa do povo

poderá provocar a iniciativa do Ministério Público, nos casos em que caiba a

ação pública, fornecendo-lhe, por escrito, informações sobre o fato e a autoria

e indicando o tempo, o lugar e os elementos de convicção”.

Explicitamente acerca desse assunto é o art. 39 do CPP, em seu § 5º,

que tratando da representação nas ações penais públicas condicionadas, diz in

verbis: “o órgão do Ministério Público dispensará o inquérito, se com a

representação forem oferecidos elementos que o habilitem a promover a ação

penal, e, neste caso, oferecerá a denúncia no prazo de 15 (quinze) dias”.

Sobre a dispensabilidade, veja os artigos 12; 39 § 5º; 46, § 1º todos do

CPP e mais o art. 77 da Lei 9.099/95.

1.13 Incomunicabilidade

Incomunicabilidade é a qualidade de incomunicável. Quando se diz que

o indiciado está incomunicável, quer dizer que o indiciado não pode se

comunicar com quem quer que seja, salvo, com as próprias autoridades

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31 incumbidas das investigações. A incomunicabilidade destina-se a impedir que a

comunicação do preso com terceiros venha a prejudicar a apuração dos fatos,

podendo ser imposta quando o interesse da sociedade ou a conveniência da

investigação o exigir.

O art. 21 do CPP traz uma regra que grande parte da doutrina considera

não recepcionada pela Constituição de 1988. Assim fala este dispositivo:

Art. 21 A incomunicabilidade do indiciado dependerá sempre de despacho nos autos e somente será permitida quando o interesse da sociedade ou a conveniência da investigação o exigir.

Parágrafo único. A incomunicabilidade, que não excederá de 3 (três) dias, será decretada por despacho fundamentado do juiz, a requerimento da autoridade policial, ou do órgão do Ministério Público, respeitado, em qualquer hipótese, o disposto no art. 89, III, do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei no 4.215, de 27 de abril de 1963). (Redação dada pela Lei nº 5.010, de 30.5.1966).

A incomunicabilidade, evidentemente, era medida severa e, por isso

mesmo só poderia ocorrer quando o interesse da sociedade ou a conveniência

da investigação estivesse a exigi-la.

A Constituição de 1988, no Capítulo destinado ao Estado de Defesa e ao

Estado de Sítio, proclama, no art. 136, § 3º, IV que “é vedada a

incomunicabilidade do preso”. Parece evidente que se a Constituição proíbe a

incomunicabilidade até mesmo na vigência de um “estado de exceção” não

sendo nada razoável admiti-la em condições normais como conseqüência de

um simples inquérito policial.

Além disso, a incomunicabilidade é incompatível com as garantias

esculpidas no art. 5º da CF/88, nos incisos LXII18 e LXIII19.

Há aqueles que sustentam quem o art. 21 do CPP ainda é vigente. Vale

18 LXII - a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada; 19 LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada à assistência da família e de advogado;

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32 ressaltar que a incomunicabilidade não se estende ao advogado, conforme art.

7º, III, do Estatuto da OAB.

1.14 O Advogado no Inquérito Policial

É direito do advogado segundo o que preceitua o inciso XIV do artigo 7º

da Lei 8.906/94: “examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem

procuração, autos de flagrante e de inquérito, findos ou em andamento, ainda

que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos”.

Cuidou o legislador de especificar o direito do advogado de examinar os

autos de flagrante e inquéritos. A especificação fez-se necessária diante da

manifesta resistência dos policiais em permitirem o acesso dos advogados a

estes procedimentos em razão do sigilo que os grava, mais exatamente em

razão do disposto no art. 20 do CPP, com relação aos inquéritos policiais, que

assim preceitua: “A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à

elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade”.

Vale lembrar que o legislador dispensou a necessidade do instrumento

de procuração, tudo como fito de facilitar o exercício da advocacia, e ademais,

proteger o direito à ampla defesa do acusado.

Não se pode negar ao advogado vista de inquéritos ou autos a pretexto

de estarem conclusos à autoridade, ardiloso recurso utilizado por vezes pelos

policiais para dificultar o acesso do advogado aos autos. Assim, se o inquérito

estiver à disposição da autoridade, deverá esta dar imediato acesso ao

advogado, sob pena de incidir no abuso de autoridade.

Certo, portanto, que o advogado poderá extrair copias e tomar

apontamentos de peças de inquéritos e autos de flagrante; não poderá jamais

retirar das repartições policiais os autos dos aludidos procedimentos, enquanto

em andamento, mercê de sua peculiar natureza.

Estabeleceu-se, ainda, nos termos do inciso XVI do art. 7º do novo

Estatuto, ser direito do advogado: “retirar autos de processos findos, mesmo

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33 sem procuração, pelo prazo de dez dias”.

Ora, para os policiais, importa, na espécie, a retirada de processos de

natureza sancionadora, dado que os demais procedimentos que se

desenvolvem na polícia ali não se findam, como por exemplo, os inquéritos

policiais que não podem ser arquivados na polícia.

Nada obsta, entretanto, que tendo a repartição policial cópia de

inquéritos policiais findos, forneça-os ao advogado, desde que este faça prova

de que o referido inquérito já se prestou às suas finalidades em juízo.

Polastri resume o entendimento de forma objetiva:

Portanto, inexiste para o advogado o sigilo dos atos formais e de provas já produzidas, presente no inquérito ou outro procedimento investigatório, tendo o mesmo livre acesso a tais elementos para possibilitar a realização da defesa técnica; porem continua em pleno vigor o sigilo da conduta investigatória nos casos necessários, não sendo assegurado ao advogado a presença no ato da colheita probatória ou o contraditório em fase de investigação.20

Paulo Rangel diz que existe o sigilo para o advogado durante uma

investigação policial, porém, quando esta estiver gravada “sob sigilo”. Quando

a mesma estiver sem o aludido sigilo, por direito, o advogado poderá ter

acesso ao inquérito.21

A consulta aos autos é para que se houver realmente uma ação penal, o

advogado possa preparar uma melhor defesa.

Ademais, torna-se incontestável esse direito do advogado, com a edição

da Súmula Vinculante de número 14, aprovada em sessão plenária do

Supremo Tribunal Federal em 02/02/2009, onde reza que:

Súmula Vinculante 14

É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado

20 LIMA, Marcellus Polastri. op. cit., p. 83. 21 RANGEL, Paulo. op. cit., p. 92.

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34 por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.

1.15 Inquérito Extrapolicial

O inquérito elaborado pela polícia judiciária não é a única forma de

investigação criminal. O parágrafo único22 do art. 4º do CPP dita outras formas

de inquérito tais como: os inquéritos policiais militares (IPM) realizado pelas

autoridades militares para a apuração de infrações de competência da justiça

militar; o inquérito judicial, presidido pelo juiz de direito da vara empresarial em

que tramita o processo de falência, visando à apuração dos crimes

falimentares; as Comissões Parlamentares de Inquéritos (CPI’S), para

procederem nas investigações de maior vulto; o inquérito civil público,

instaurado pelo Ministério Público tendo como objetivo colher elementos para

propor a ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do

meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.

1.16 Princípio do Contraditório e da Ampla Defesa

Contraditório, é algo que envolve contradição; incoerência. Este princípio

é a possibilidade de contraditar uma informação e defender-se da mesma.

A Constituição Federal de 1988 o consagra no art. 5º LV, dizendo que

“aos litigantes em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral

são assegurados o contraditório e ampla defesa, com meios e recursos a ela

inerentes”.

Inicialmente, a garantia do contraditório e da ampla defesa consagrava-

se na Constituição revogada, aplicando-se apenas ao processo penal. Sendo

que com a promulgação da Carta Magna de 1988, foi alargado a todos

processos administrativos disciplinares e processos judiciais. Se o inquérito

22 Art. 4º [...]. Parágrafo único. A competência definida neste artigo não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função.

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35 policial é um procedimento administrativo e não processo, não há que se

cogitar o contraditório.

Clara manifestação do Estado Democrático de Direito, a garantia do

contraditório, traduz-se na ciência bilateral dos atos e termos do processo, com

a possibilidade de contrariedade, ou seja, possibilitando a atuação das partes

na formação da convicção do juiz. Ciência esta, que no processo civil é

eventual e não necessária, enquanto no processo penal eleva-se ao status de

obrigatório e necessário, não existindo, pois, um réu sem defensor, posto que

no processo criminal encontra-se em jogo o valor indisponível da parte, a

liberdade.

Ao lado do contraditório tem-se outra garantia constitucional: o da ampla

defesa. Esta mais utilizada no processo penal, onde há maior ênfase na

posição do réu. Sendo o contraditório garantia entendida tanto ao autor quanto

ao réu.

Com relação à aplicação destes princípios no inquérito policial,

necessário se faz, analisarmos a sua natureza jurídica. Sabe-se que uma

característica inerente ao inquérito policial é o seu caráter inquisitivo, ou seja,

as atividades nele desenvolvidas são presididas por uma única autoridade,

agindo esta de ofício ou provocada, empregando as atividades necessárias

para a execução do fim primário de todo inquérito policial que é o

esclarecimento do crime e sua autoria.

Diante disso, percebe-se que no inquérito policial predomina as

atividades probatórias, a fim de embasar uma futura e eventual ação penal

tornando dissociada, desta fase, a figura do “acusado”, existindo apenas o

“indiciado”. Como foi dito a garantia do contraditório forma-se pelo binômio

reação-ciência. Apesar, de no inquérito policial está o indiciado incapaz de

exercer o pleno direito do contraditório, deve ele, quando privado de sua

liberdade, ser aplicado no seu segundo elemento à ciência, através da nota de

culpa.

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36 A ausência do contraditório e da ampla defesa no inquérito policial é

doutrinária e jurisprudencialmente aceita. Por isso, afetado está o valor

probatório da investigação policial, embora o tenha, mas tão somente de valor

relativo, por exatamente, ter seus elementos colhidos na ausência das

garantias constitucionais em estudo.

Sendo assim, já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça:

[...] para que seja respeitado integralmente o principio do contraditório, a prova obtida na fase policial terá, para ser aceita, de ser confirmada em juízo, sob pena de sua desconsideração. Tal significa que, acaso não tipificada na fase judicial, a solução será absolver-se o acusado.23

Por ser desprovido do contraditório, o inquérito policial, peça informativa

dos elementos necessários para a propositura da ação penal, não justifica por

si só decisão condenatória, devendo, pois, no decorrer do processo criminal,

colhidos elementos que a justifique sob pena de ferir o art. 5º, LV da

Constituição de 1988.

O contraditório só é indispensável no processo, o qual sem ele não pode

tornar-se efetivo, pois pressupõe a criação de oportunidades iguais tanto para o

autor como para o réu de se manifestarem e apresentarem a sua defesa. O

entendimento reconhecido tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência

majoritária é que o inquérito policial não tem caráter contraditório, mas apenas

investigatório dos fatos.

Conclui-se, desta forma, que as garantias do contraditório e da ampla

defesa não estão asseguradas no inquérito policial, por ser este procedimento

administrativo de natureza inquisitória e informativa, formador da opinio delicti

do titular da ação penal. Entretanto, a ausência do contraditório e da ampla

defesa no inquérito policial, não implica em desobediência aos direitos e

garantias fundamentais do indiciado. Aury Lopes Jr. destaca que o sujeito

passivo não pode ser considerado como mero objeto de investigação, tendo

em vista que existe uma série de garantias constitucionais de valorização do

23 RESP 93464/GO, 6ª Turma. Relator Min. Anselmo Santiago. 28/05/98.

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37 individuo, exigindo portanto, uma leitura constitucional do CPP no sentido de

adaptá-lo a realidade.24 No Estado Democrático de Direito, como o nosso, as

garantias mínimas não poderão ser suprimidas.

Uma importante exceção, a título de curiosidade, são os inquéritos de

natureza administrativa, cuja instauração é determinada a Polícia Federal, pelo

Ministro da Justiça, visando à expulsão do estrangeiro, nos termos do art. 102

Lei Regulamentar 6815/80.

1.17 Instauração

O inquérito policial geralmente é instaurado através da portaria após o

recebimento da notitia criminis. Ocorrendo um fato definido como crime, ato

infracional ou uma contravenção, surge para o Estado o jus puniendi.

A autoridade policial tomando conhecimento desse fato abrirá o inquérito

policial para investigar a materialidade e autoria dos fatos, porém antes de

adentrar ao mérito das modalidades de instauração do inquérito policial, tem

que saber se o crime, ato infracional ou contravenção é de ação pública ou

privada.

A lei substantiva penal brasileira estabelece a regra sobre de como se

irá identificar a ação penal a ser aplicada ao crime, contravenção ou ato

infracional. O seu art. 100 prescreve que “a ação penal é pública, salvo quando

a lei expressamente a declara privativa do ofendido”. Assim, quando o

legislador diz que em tal ou qual caso “somente se procede mediante queixa”,

é sinal de que a infração é de ação penal privada.

Conforme art. 5º do CPP, o inquérito policial será iniciado: a) de ofício; b)

mediante requisição da autoridade judiciária; c) mediante requisição do

Ministério Público ou d) a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade

para representá-lo.

24 LOPES JR, Aury. op. cit., p. 137.

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38 1.17.1 Em caso de ação penal pública incondicionada

Quando o legislador silencia quanto à forma de se iniciar o processo é

sinal que o delito é de ação penal pública incondicionada, e nesse caso, a

propositura da ação penal independe da vontade de quem quer que seja,

cabendo apenas ao Promotor de Justiça da comarca competente para instaurá-

la.

Assim, percebe-se que a ação penal pública é a regra, e, para que ela

seja privada é necessário que a lei a declare.

No caso dos crimes de ação pública incondicionada o inquérito policial

pode ser iniciado por meio de portaria, requisição do Ministério Público ou Juiz,

requerimento da vítima e auto de prisão em flagrante, de acordo com o art. 5º

do CPP.

Quando iniciado o inquérito policial pela portaria do Delegado de Polícia,

nos crimes de ação penal pública incondicionada, esta instauração de ofício,

dar-se-á no caso de instauração sem provocação, que segundo Polastri, pode

ser de conhecimento direto ou através de petição ou delatio criminis por parte

da vítima do fato em tese delituoso, determinará a instauração de inquérito

através de portariam que se trata de uma peça singela com resumo da notitia

criminis.25

Nos casos em que a ação penal é pública incondicionada podemos citar

três formas previstas para a instauração do inquérito policial (não confundir

com a motivação do inquérito policial): portaria, auto de prisão em flagrante e

despacho ordinatório.

Na portaria, tomando conhecimento da infração penal objeto da ação

penal pública incondicionada, a autoridade policial deverá instaurar o inquérito

por esta modalidade. Esta consiste, basicamente, em um resumo do fato que a

motivou, com a objetivação das diligencias que devem ser realizadas no feito

25 LIMA, Marcellus Polastri. op. cit., p. 116.

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39 policial (nos casos do art. 5º, I, II, § 1º, alíneas “a”, “b” e “c”, § 3º do CPP).

No auto de prisão em flagrante à apresentação para autoridade policial

do sujeito autuado em flagrante, dispensa a elaboração de portaria oficial de

instauração do inquérito policial, uma vez que ali estão configuradas todas as

diligências a serem elaboradas, ou já elaboradas, bem como todo o fato

especificado através de declarações do condutor, testemunhas e o conduzido.

O despacho ordinatório ocorre nos casos de requisição de instauração

do inquérito pelo representante do Ministério Público ou do Juiz de Direito,

quando, mediante simples despacho, a autoridade policial determina o

cumprimento da requisição, ou seja, determina a instauração do inquérito.

Nesse caso, não há necessidade de elaboração de portaria (art. 5º, II do CPP).

Existem diferentes formas de motivação do inquérito policial. Vejamos:

Notitia criminis; requisição do Juiz; requisição do Ministério Público; requisição

do Ministro da Justiça; representação do ofendido ou representante legal e

requerimento do ofendido ou representante legal.

Vale lembrar que a condição necessária para a instauração do inquérito

policial é a tipicidade do fato e nesta verificação da tipicidade ao receber a

notitia criminis é dever da autoridade policial constatar se o fato está descrito

em alguma norma penal.

O art. 5º do CPP não prescreve que é ação pública incondicionada,

contudo, pelo silogismo do art. 4º do mesmo Codex, dispõe que a ação penal

quando depender de representação, o inquérito policial não poderá ser iniciado

sem esta.

1.17.2 Em caso de ação penal pública condicionada

Verifica-se aqui o princípio da oportunidade, onde a vítima ou seu

representante legal tem a discricionariedade de representar ou não acerca da

ação penal. Mas esta oportunidade só vai até o momento do oferecimento da

denúncia, ou seja, após oferecer a denúncia, a representação se tornará

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40 irretratável.

O crime, ato infracional ou contravenção será de ação penal pública

condicionada quando para promover a ação penal, a lei exigir a manifestação

de vontade de alguém, sendo obrigatória à satisfação da condição imposta pela

lei. É o caso em que o legislador prescreve que o crime “somente se procede

mediante representação”. Representação é a simples manifestação de vontade

da vítima ou de quem legalmente a represente no sentido de autorizar a

instauração do inquérito policial e posterior propositura da ação penal.

Requisição é exigir legalmente. A representação pode ser feita oralmente, que

será reduzida em um termo, ou por escrito, podendo também ser feita

pessoalmente, no caso em que a própria vítima a faz ou por meio de

procurador.

A ação penal, apesar de pública, pode estar condicionada à

representação da vítima ou a requisição do Ministro da Justiça. É a delatio

criminis postulatória, que pode ser dirigida ao delegado de polícia, juiz ou ao

promotor de justiça. Para a representação vale os procedimentos sobre o

requerimento da ação privada.

No tocante a ação pública condicionada a requisição do Ministro da

Justiça, esta só acontecerá quando for crime cometido por estrangeiro contra

brasileiro, fora do Brasil e casos de crimes contra a honra do chefe de governo

estrangeiro e quando o ofendido for o presidente da República. Há também

hipóteses previstas na Lei de Imprensa e Código Penal Militar etc.

O requerimento, na ação penal privada, ou a representação, na ação

penal pública condicionada, poderão ser indeferidos nas hipóteses de justa

causa para a não realização ou conclusão das investigações.

Do indeferimento do pedido ou representação cabe recurso

administrativo admissível ao Chefe de Polícia. É incabível o recurso judicial,

pois não há processo.

Temos como exemplos de crimes de ação pública condicionada a

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41 representação no caso dos crimes de injúria, calúnia ou difamação contra

funcionário público em razão de suas funções, furto de coisa comum,

estelionato contra cônjuge, irmão, tio ou sobrinho com quem o agente coabita,

crimes de lesão corporal leve, ou lesões corporais de trânsito; perigo de

contágio venéreo, ou, ainda, ameaça.

1.17.3 Em caso de ação penal privada

Nos casos em que a lei prevê expressamente que determinado crime se

apura mediante queixa, a ação penal é privada. Nestes casos, o art. 5º, § 3º do

CPP, diz que a autoridade policial somente deverá proceder ao inquérito

policial a requerimento de quem tenha a capacidade para intentá-la (ofendido

ou representante legal, art 30 e 31 do CPP). O flagrante, somente poderá ser

lavrado a pedido da vítima (formalizado), já que se trata de peça vestibular do

inquérito.

O requerimento não exige formalidades, basta que sejam oferecidos os

elementos indispensáveis à instauração do inquérito policial.

Na hipótese de prisão em flagrante, o respectivo auto só pode ser

lavrado quando requerida, por escrito ou oralmente, a instauração do inquérito

policial pela vítima ou outra pessoa que tenha qualidade para a propositura da

ação penal.

Com relação ao requerente considerado pobre, o entendimento

majoritário é no sentido de que basta declarar a pobreza, não se exigindo o

atestado.

Em casos de instauração do inquérito policial sem o requerimento é

cabível ao indiciado o hábeas corpus e ao ofendido mandado de segurança.

Deve-se ainda atentar-se para o prazo decadencial para apresentação

do requerimento. Entretanto, a instauração do inquérito policial não interrompe

este prazo decadencial.

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42 Sobre o prazo diz o art. 38 do CPP, in verbis:

Art. 38. Salvo disposição em contrário, o ofendido, ou seu

representante legal, decairá do direito de queixa ou de

representação, se não o exercer dentro do prazo de 6

(seis) meses, contando do dia e, que vier a saber quem é

o autor do crime, ou, no caso do art. 29, doa dia em que

se esgotar o prazo para o oferecimento da denúncia.

Encerrado o inquérito policial os autos só poderão ser entregues ao

requerente, se o pedir, mediante translado, ou, se não o fizer serão remetidos à

justiça.

Anote-se que o art. 35 do CPP não foi recepcionado pela constituição de

1988, por força do seu art. 226, § 5º. Assim, a mulher casada poderá requerer

a instauração do inquérito policial independentemente da outorga marital.

Os crimes de ação penal privada encontrados no Código Penal são os

crimes de calúnia, difamação, injúria, dano simples, estupro, sem lesão grave

ou morte, atentado violento ao pudor sem lesão grave ou morte e o exercício

arbitrário das próprias razões sem uso de violência.

1.18 Portaria

Quando a autoridade policial toma conhecimento de um fato definido

como crime de natureza pública incondicionada, fica obrigado a instaurar o

inquérito, e isto é feito através da portaria, pois é seu dever de ofício.

Portaria é ma peça administrativa, na qual a autoridade policial assinala

ter tomado ciência da prática do crime de ação pública incondicionada,

narrando, quando possível, o dia, lugar e hora em que foi cometido o crime,

identificação do suposto autor e da vítima. Finalizando essa peça o Delegado

determina a instauração do inquérito policial e ordena que sejam feitas as

diligências com intuito de se esclarecer os fatos. É comum pelos leigos ao

chegarem à delegacia quererem fazer um queixa. Isso é impossível, pois, como

é cediço, a queixa é a petição inicial da ação penal privada.

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43 1.19 O Inquérito Policial e a Lei 9.099/95

Com o advento da lei 9099/95, várias foram às inovações criadas em

nosso sistema penal e processual. No caso em estudo temos a supressão do

inquérito policial em infrações penais de menor potencial ofensivo. Entendeu

assim o legislador que nestes casos em que autores e vítimas, por encontrar-

se no local dos fatos, e, portanto, materialidade e autoria bem delimitadas,

desnecessária se faz qualquer investigação para este fim. Neste caso, exige o

legislador que a autoridade policial registre o fato de forma circunstancial e

encaminhe ao JECRIM, para se possível, rapidamente se resolva à questão26.

Entendemos por termo circunstanciado como um registro de ocorrência

minucioso e detalhado no qual se qualificam as pessoas envolvidas e as

testemunhas, constando o resumo de suas versões bem como as

circunstâncias (data, horário, local).

Desta forma, podemos afirmar que a regra tratando-se de JECRIM é a

ausência de instauração do inquérito policial, em razão da própria ausência de

investigação.

Na ocasião da lavratura do termo circunstanciado pela autoridade

policial, o autor do fato será imediatamente encaminhado ao juizado, ou em

caso desta impossibilidade, assumirá um compromisso de comparecer. Nestes

termos, não será imposta a prisão em flagrante nem será exigida a fiança.

Não obstante a lei 9099/95 adotar o termo circunstanciado, o inquérito

policial continuará a existir em algumas exceções. Nos casos de infração de

menor potencial ofensivo em que não for possível a imediata identificação do

autor do fato, será necessária a instauração do inquérito para a apuração da

autoria.

1.20 Prazos

Apesar do inquérito policial ter caráter discricionário, como já exposto

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44 anteriormente, ele tem seus limites, que no caso estabelecem prazos para sua

conclusão. O inquérito policial não pode prolongar-se indefinidamente, vez que

trará prejuízo para sociedade, para aplicação da justiça.

Nosso Código de Processo Penal estabelece diferentes prazos para o

indiciado preso e solto. Tudo isto está no art. 10, caput do CPP. Quando

indiciado for preso em flagrante, ou estiver preso preventivamente o prazo será

de 10 (dez) dias; na hipótese de solto mediante fiança ou sem ela, seu prazo

será de 30 (trinta) dias. Tal prazo, em regra, é improrrogável, todavia, não

configura constrangimento ilegal a demora razoável na conclusão do

procedimento investigatório.

Quando a prisão se torna ilegal, constrange a liberdade do indiciado,

assim podendo ser coibida pela via do hábeas corpus, com fundamento no art.

648, II do CPP.

1.20.1 Prazos especiais

Algumas infrações carecem de prazos mais dilatados tendo em vista a

sua natureza. A regra geral adotada é a do art. 10 do CPP, porém existem

prazos especiais para a conclusão do inquérito. Citam-se aqui algumas delas:

Lei nº 1.521/5127; Lei nº 6.368/7628; Lei nº 5.010/6629 entre outras.

1.20.2 Contagem do prazo

A regra utilizada pelo no ordenamento jurídico e a do art 798, § 1º do

CPP, porque se trata de prazo processual, ou seja, se despreza o dia do

começo (a quo), e inclui-se o dia final (ad quem). Para Capez, “o prazo para o

26 RANGEL, Paulo. op. cit., p. 167. 27 O prazo, estando o indiciado preso ou não, é de 10 (dez) dias. 28 A Lei nº 6.368/76 na sua parte processual sofreu alterações com advento da Lei 10.409/02, passando o prazo a ser de 15 (quinze) dias se indiciado preso, se solto o prazo será de 30 (trinta) dias (art. 29). 29 Art. 66. Crimes de competência da justiça federal. Estando o indiciado preso, o prazo é de 15 (quinze) dias, prorrogável por igual período. Entretanto, versando o fato sobre tráfico internacional de entorpecentes e, portanto, da competência da justiça federal, o prazo para ultimação do inquérito será o prescrito no art. 21 da Lei nº 6368/76, o qual por ser especial à lei em epigrafe, afasta a aplicação do mencionado art. 66.

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45 encerramento do inquérito policial não pode ser contado de acordo com a regra

do art. 10 do CP, pois não tem natureza penal, já que o seu decurso em nada

afetará o direito de punir do Estado”.30

1.21 Encerramento

Relatório é a exposição de todos os fatos apurados em uma pesquisa,

portanto o relatório do inquérito policial vem a ser a exposição escrita, feita pela

autoridade policial, a respeito de todas apurações policiais e procedimento em

torno de determinada infração penal.

Depois de logrado êxito com as diligências necessárias para a

elucidação do fato criminoso, o Delegado de Polícia irá encerrar o inquérito

policial com um relatório. Conforme estabelece o art. 10, parágrafo 1º do CPP,

o Delegado de Polícia, quando terminar o inquérito policial, fará um minucioso

relatório do que tiver sido apurado, que será remetido a juízo.

O relatório é composto pela introdução, desenvolvimento e conclusão. A

introdução é à parte do trabalho preliminar, genérico e apresentador,

anunciando os meios ou fontes com que se chegou a notittia criminis. A

segunda parte do relatório é o desenvolvimento onde será a narração

minuciosa das investigações realizadas durante todo o inquérito policial, as

pessoas ouvidas, tanto as testemunhas, como o autor e a vítima do delito.

Além de narrar todas as diligências, uma a uma, em ordem cronológica, ainda

que em linguagem sintética. O relatório facilita a apuração das declarações e

depoimentos das pessoas envolvidas. A última parte do inquérito é a

conclusão, que trata de esclarecer as diligências que não puderam ser

realizadas e as razões dos obstáculos. A lei exige que o relatório seja

minucioso, não podendo fazer rápidas considerações ou sucintos cotejos do

que foi apurado.

Na prática, o relatório encerra-se com a frase: “é o relatório”, a data e a

assinatura do Delegado de Polícia competente.

30 CAPEZ, Fernando. op. cit., p. 94.

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46 Encerrado o inquérito policial o Delegado remeterá, dentro do prazo

legal, ao Juiz que abrirá vista ao Ministério Público para as devidas medidas do

seu entendimento. Tais medidas são: oferecer a denúncia; requerer novas

diligências; extinguir a punibilidade se preenchido algum dos requisitos do art.

107 do Código Penal ou arquivar.

1.22 Arquivamento do Inquérito Policial

Arquivar significa guardar, recolher, depositar em arquivo, portanto o

arquivamento do inquérito policial é o paralizamento do mesmo em virtude de

não estar apto a se transformar em ação penal por motivos jurídicos relevantes.

A autoridade policial não pode apreciar os autos do inquérito dando juízo

de valor, nem ao menos pedir o arquivamento, pois a opinio delicti, cabe ao

titular da ação penal e não àquele que está incumbido de investigar o fato

infringente da norma. Sua vedação ao arquivamento está no art. 17 do CPP31.

O pedido de arquivamento, nos crimes de ação pública, fica afeto ao

órgão do Ministério Público32.

Tal providência só cabe ao juiz, a requerimento do Ministério Público,

que é o exclusivo titular da ação penal pública33,ou seja, somente o Parquet

pode pedir ao magistrado que arquive o inquérito e a este caberá homologá-lo

ou não. Caso contrário atuará de conformidade com o art. 28 do CPP.

Nas ações privadas não há a necessidade de solicitar o arquivamento,

nesse caso não existe a obrigação, pois é regido pelo princípio da

oportunidade; se, porventura, entender que não há elementos para dar início

ao processo, basta que o prazo decadencial flua sem oferecer a queixa (art. 38

do CPP).

Contudo isso, nada impede que a autoridade policial tendo encontrado

novas provas para propositura da ação penal possa empreender a novas

31 Art. 17. A autoridade policial não poderá mandar arquivar autos de inquérito. 32 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 90.

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47 diligências, nos termos do art. 18 do CPP.

Nesse sentido Tourinho diz que:

[...] o despacho que determina o arquivamento não faz coisa julgada [...] Nem poderia fazer, porque não se trata de decisão definitiva, de mérito. E somente as decisões que definem o juízo, que resolvem o meritum causae, é que transitam em julgado.34

Mirabete fala que as novas pesquisas podem ser feitas, desde que, com

as novas provas se alterem o “panorama probatório dentro do qual foi

concebido e acolhido o pedido de arquivamento do inquérito”.35

1.22.1 Arquivamento implícito

Arquivamento implícito é o fenômeno através do qual o titular da ação

penal pública (Ministério Público), deixa de incluir na denúncia algum fato

investigado ou algum dos indiciados, sem justificação ou expressa

manifestação deste procedimento, sendo que esse arquivamento irá se

consumar quando o juiz não se pronunciar com relação aos fatos omitidos na

peça de acusação.

O arquivamento implícito tem duplo aspecto. Subjetivo, quando a

omissão refere-se a um dos mais indiciados, e objetivo, quando concernente a

fatos investigados não considerados na decisão. O aludido arquivamento não

tem previsão legal e decorre da omissão conjunta do membro do Ministério

Público e do magistrado.

Averbe-se que ocorrendo o retratado arquivamento implícito terá plena

incidência o Enunciado 524 do Pretório Excelso, ou seja, não poderá haver

denúncia para incluir acusado ou fato novo sem que existam novas provas.

Convém lembrar que notícia de novas provas não se confunde com a

existência de novas provas. A primeira autoriza tão somente o

33 Idem, p. 95. 34 Idem, p. 90. 35 MIRABETE, Julio Fabrini. Apud. CAPEZ, Fernando. op. cit., p. 96.

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48 desarquivamento do inquérito policial, mas é a segunda que viabiliza o

exercício da ação penal sem qualquer tipo de constrangimento ilegal. Devemos

entender por novas provas àquelas que produzem alteração no quadro

probatório, do qual fora concebido e acolhido o requerimento de arquivamento.

Apesar de sempre presente, o arquivamento implícito é uma figura indesejada,

porquanto entendemos que o membro do Ministério Público deve sempre expor

em nota os motivos que o levaram a deixar de incluir na exordial acusatória um

fato criminoso ou um acusado.

1.22.2 Arquivamento indireto

Outro instituto que sempre merece destaque, mas que é quase

esquecido pela doutrina é o chamado arquivamento indireto. Muitos confundem

o presente instituto com o conflito de atribuição.

O arquivamento indireto surge quando o membro do Ministério Púbico se

vê sem atribuição para oficiar em um determinado feito e o magistrado, por sua

vez, se diz com competência para apreciar a matéria.

O arquivamento indireto nada mais é do que uma tentativa por parte do

membro do Ministério Público de arquivar a questão em uma determinada

esfera.

O exemplo clássico de arquivamento indireto é quando um promotor de

justiça entende que os fatos ali investigados são de competência da justiça

federal e o juiz entende ser ele competente. Dessa decisão não cabe o recurso

em sentido estrito previsto no art. 581, II do CPP, pois, nesse caso, o juiz se

declara incompetente e não competente.

A solução para dirimir a presente questão é a aplicação analógica do art.

28 do CPP, a fim de que o chefe ministerial dê a última palavra. Ou o

procurador geral concorda com a tese do membro do Ministério Público e o

magistrado deverá encaminhar os autos à justiça federal, ou abraça o

entendimento do magistrado e delega para outro membro do Ministério Público

atuar no feito na órbita da justiça estadual. No primeiro caso (o chefe do

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49 Ministério Público concorda com a tese do promotor de justiça), o juiz federal

que receber os autos poderá suscitar o conflito negativo de competência a ser

dirimido pelo Superior Tribunal de Justiça, com arrimo no art. 105, I, alínea “d”,

da Carta Política.

1.22.3 Revisão do arquivamento pelo Procurador de Justiça

Um dos princípios basilares da ação penal pública, conforme abordado é

o da obrigatoriedade (ou da legalidade), segundo o qual deve o Ministério

Público, havendo justa causa, oferecer denúncia imputando um fato delituoso a

alguém (neste sentido o art. 24 do CPP).

É bem verdade, outrossim, que este dogma processual penal sofreu

uma certa mitigação com o advento da lei 9099/95 quando consagrou no seu

art. 76 a transação penal, instituto que permite ao Ministério Público, ainda que

à vista de lastro probatório mínimo para iniciar a persecução criminal, abdicar

da denúncia e propor ao autor do fato a aplicação de uma pena não privativa

de liberdade.

Tal é a importância do principio da obrigatoriedade em nosso sistema

processual penal que o Código de Processo Penal concedeu ao juiz como

função absolutamente anômala a possibilidade de fiscalizá-lo disciplinando o

disposto no seu art. 28.

Assim, requerido que seja pelo Promotor de Justiça o arquivamento do

inquérito policial ou de qualquer outra peça informativa, deve o juiz,

discordando do parecer ministerial encaminhar os autos ao Procurador Geral

de Justiça que decidirá entre o conflito de interesses.

Questão que se apresenta, no entanto, é a que se refere àquelas peças

de informação que tem como objeto fato delituoso praticado por alguém

ocupante de cargo que lhe permite ser julgado por órgão superior: a chamada

prerrogativa de função, quando é o próprio chefe do Ministério Público quem

tem legitimidade para oferecer a peça acusatória.

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50 A questão a ser dirimida em tais casos versa sobre se o arquivamento

da respectiva peça de informação deve ser requerido ao tribunal competente

ou pode ser feito intra muros.

Não há razão plausível, nem do ponto de vista jurídico, nem sob o

aspecto lógico ou prático para se exigir que o Procurador Geral de Justiça (ou o

da República, conforme o caso) submeta a sua opinio delicti ao Poder

Judiciário que nada mais poderá fazer senão acatar o pronunciamento.

Observa-se que no sistema acusatório estão perfeitamente definidas as

funções de acusar, de defender e a de julgar, sendo vedado ao juiz proceder

como órgão persecutório. É conhecido o principio do ne procedat judex ex

officio, verdadeiro dogma do sistema acusatório.

Pelo sistema acusatório dos doutrinadores pátrios, talvez o que melhor

traduziu o conceito do sistema acusatório tenha sido o mais completo

processualista brasileiro, José Frederico Marques:

A titularidade da pretensão punitiva pertence ao Estado, representado pelo Ministério Público, e não ao juiz, órgão estatal tão somente da aplicação imparcial da lei para dirimir os conflitos entre o jus puniendi e a liberdade do réu. Não há, em nosso processo penal, a figura do juiz inquisitivo. Separadas estão, no direito pátrio, a função de acusar e a função jurisdicional (...). O juiz exerce o poder de julgar e as funções inerentes à atividade jurisdicional: atribuições persecutórias, ele as têm muito restritas e assim mesmo confinadas ao campo da notitia criminis. No que tange com a ação penal e à função de acusar, sua atividade é praticamente nula, visto que ambas foram adjudicadas ao Ministério Público.36

Ora, se assim o é, não haveria necessidade sequer de submeter ao crivo

do Poder Judiciário a decisão sobre o arquivamento de uma notícia crime.

Aliás, de lege ferenda, a reforma do Código de Processo Penal já altera

substancialmente o art. 23 do CPP deixando ao Ministério Público com

exclusividade tal atribuição.

36 MARQUES, Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. v. I. São Paulo: Forense, 2000. p. 64.

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51 O Projeto de Lei n°. 4.209/01, encaminhado ao Congresso Nacional

estabelece que o novo art. 28 assim estará redigido:

Se o órgão do Ministério Público, após a realização de todas as diligências cabíveis, convencer-se da inexistência de base razoável para o oferecimento de denúncia, promoverá, fundamentadamente, o arquivamento dos autos da investigação ou das peças de informação.

Vê-se que o arquivamento passa a ser objeto apenas da apreciação do

órgão do Ministério Público, retirando-se do Poder Judiciário essa anômala

função de fiscal do principio da obrigatoriedade da ação penal, tudo em

conformidade com o art. 129, I, da Carta Magna. Mas, para que não fique o

arquivamento em mãos apenas do respectivo Promotor de Justiça, o que não

deixaria de ser temerário, prevê o projeto de lei ora analisado que “cópias da

promoção de arquivamento e das principais peças dos autos serão por ele

remetidas, no prazo de três dias, ao órgão superior do Ministério Público,

sendo intimados dessa providência, em igual prazo, mediante carta registrada

com aviso de retorno, o investigado ou indiciado e o ofendido, ou quem tenha

qualidade para representá-lo”. Assim, a Procuradoria Geral de Justiça de cada

Estado da Federação deverá formar um colegiado especialmente destinado a

examinar os casos de promoção de arquivamento, preferencialmente formado

a partir de eleição entre todos os membros da Instituição (com período

determinado)37.

Visando a evitar possível procrastinação, dispõe o § 2° do art. 28 que se:

[...] as cópias referidas no parágrafo anterior não forem encaminhadas no prazo estabelecido, o investigado, o indiciado ou o ofendido poderá solicitar ao órgão superior do Ministério Público que as requisite.

Ademais, até que “em sessão de órgão superior do Ministério Público,

seja ratificada ou rejeitada a promoção de arquivamento, poderão o investigado

37 No âmbito do Ministério Público Federal há as Câmaras de Coordenação e Revisão com atribuição para, dentre outras funções, “manifestar-se sobre o arquivamento de inquérito policial, inquérito parlamentar ou peças de informação, exceto nos casos de competência originária do Procurador-Geral”, conforme prevê o art. 62, IV da Lei Complementar nº 75/93.

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52 ou indiciado, e o ofendido, ou quem tenha qualidade para representá-lo,

apresentar razões escritas”.

Dispõe ainda os parágrafos 4° a 7°:

§ 4º - A promoção de arquivamento, com ou sem razões dos interessados, será submetida a exame e deliberação de órgão superior do Ministério Público, na forma estabelecida em seu regimento. § 5º - O relator da deliberação referida no parágrafo anterior poderá, quando o entender necessário, requisitar os autos originais, bem como a realização de quaisquer diligências reputadas indispensáveis. § 6º - Ratificada a promoção, o órgão superior do Ministério Público ordenará a remessa dos autos ao juízo competente, para o arquivamento e declaração da cessação de eficácia das medidas cautelares eventualmente concedidas. Observa-se que, tomando a primeira providência, o Juiz de Direito agirá administrativamente, e não jurisdicionalmente, pois determinará que se arquive o procedimento investigatório como chefe que é dos serviços cartorários. § 7° - Se, ao invés de ratificar o arquivamento, concluir o órgão superior pela viabilidade da ação penal designará outro representante do Ministério Público para oferecer a denúncia.

No entanto, permite-se ao Juiz exercer este controle, ainda que se trate

verdadeiramente de uma atividade anômala.

Porém, tratando-se de uma peça informativa cuja posterior competência

para o julgamento seja originária de Tribunal (e a atribuição, por conseguinte,

recaia sobre o chefe do parquet), evidentemente que não se faz necessária à

remessa de pedido de arquivamento para o respectivo Tribunal, sendo

perfeitamente possível realizar-se administrativamente no âmbito do Ministério

Público.

Ora, se a última decisão é a do Procurador-Geral, não haveria qualquer

fundamento de submetê-la ao órgão judiciário que nada mais poderá fazer

senão arquivar. Não é possível ao Judiciário impor ao Ministério Público o

oferecimento de uma denúncia, tendo em vista que o art. 129, I da Constituição

Federal estabelece ser privativa do Ministério Público a titularidade da ação

penal pública.

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53 O festejado Tourinho Filho assim salienta:

Aliás, nem precisaria o Procurador requerer ao Tribunal o arquivamento. Se ele é o único dominus litis e se externou sua vontade no sentido de não dar início à ação penal, deverá, simplesmente, determinar o arquivamento. Por que o requereria, se tal requerimento não pede ser indeferido?38

Na mesma posição, Polastri ratifica:

[...] o mais acertado seria que se fizesse o arquivamento diretamente no âmbito do Ministério Público. [...] Certo é que necessário se faz algum controle, porém este poderá ser feito no seio da própria instituição, através do instituto do desarquivamento [...].39

No que se refere à atribuição originária do Procurador Geral para decidir

se instaura ou não a denúncia perante o Tribunal contra a pessoa que detém o

foro especial em razão da função, parece perfeitamente possível sustentar que,

nesse caso, diante da irrecusabilidade do arquivamento, pois o Poder Judiciário

sequer analisa o mérito, o arquivamento dos autos do inquérito ou das peças

de informações pode se dar na própria Procuradoria Geral de Justiça.

Não há sentido lógico, nem prático, que o chefe do Ministério Público

única autoridade processualmente legitimada a agir mediante denúncia contra

pessoa investida da função que lhe confere foro especial, deva dirigir-se ao

Tribunal para postular o arquivamento quando o Tribunal não tem outra

alternativa senão arquivar. Ainda que se admita apenas para argumentar, que

o Tribunal discorde do pedido de arquivamento, qual a conseqüência prática se

o Procurador Geral entender de não denunciar? Nenhuma. Simplesmente não

haverá processo sem que essa autoridade sofra qualquer conseqüência no

âmbito processual ou funcional. Não comete crime de responsabilidade. Não

está descumprindo a lei. Apenas que, por não ter formado o seu

convencimento em torno do crime e da autoria, cumpre fielmente, a função

institucional do Ministério Público de fiscalizar a aplicação da lei.

38 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 412. 39 LIMA, Marcellus Polastri. Ministério Público e Persecução Criminal. Rio de Janeiro: Lúmen Júris,

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54 O Egrégio Tribunal de Justiça do antigo estado da Guanabara, em certa

ocasião, decidiu exatamente assim: como nos casos de competência originária

cabe ao Ministério Público decidir, sem controle jurisdicional, quanto ao inicio

da ação penal, não há razão para se dirigir ao Tribunal para arquivar, devendo

o Procurador Geral determinar o arquivamento do inquérito ou das peças de

informação ao invés de requerê-la ao Tribunal40.

Neste mesmo sentido entende o Supremo Tribunal Federal:

Pertencendo à ação penal originária ao Procurador Geral da República, e não existindo acima dele outro membro do Ministério Público, uma vez que a suprema chefia deste lhe cabe, não depende, a rigor, de deliberação do Tribunal o arquivamento requerido41. Inquérito - Arquivamento. Requerido o arquivamento do processo pelo Procurador Geral da República, não cabe ao STF examinar o mérito das razões em que o titular único e último do dominus litis apóia seu pedido42.

Diante do exposto, parece-nos induvidoso que quando se tratar de peça

de informação referente à pessoa que detém (em razão do cargo) prerrogativa

de foro, o arquivamento deve ser promovido diretamente pelo Ministério

Público, não sendo necessária à remessa ao Judiciário, ainda que o expediente

dele provenha (neste caso, deve-se comunicar o arquivamento para que se

providencie a “baixa” nos registros).

Observa-se, por fim, que a Lei Orgânica do Ministério Público Estadual

(Lei Federal nº 8.625/93) não permite que fique apenas “nas mãos” do

Procurador Geral de Justiça tal atribuição, pois, pontifica no art. 12, XI, caber

ao Colégio de Procuradores de Justiça “rever, mediante requerimento de

legítimo interessado, nos termos da Lei Orgânica, decisão de arquivamento de

inquérito policial ou peças de informação determinada pelo Procurador Geral

de Justiça, nos casos de sua atribuição originária”. No mesmo sentido, o art.

18, XIII, da Lei Complementar Estadual n°. 11/96 que disciplina o Ministério

1997. p. 272. 40 BOSCHI, José Antônio Paganella. Persecução Penal. Rio de Janeiro: AIDE editora, 1987. p. 204. 41 STF - Inq. - Relator. Min. Luiz Gallotti - RT 479/395. 42 STF - Inq. - Relator. Min. Francisco Rezek - j. 26/06/85 - RT 608/447.

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55 Público do Estado da Bahia.

Assim, o que se faz imprescindível é a publicação oficial do

pronunciamento do Procurador Geral (dando oportunidade para que qualquer

interessado possa recorrer ao Colégio de Procuradores) e a informação ao

Tribunal (se a peça de informação dele originou-se).

1.23 Desarquivamento

Como já abordado, o arquivamento de inquérito policial não faz coisa

julgada, o que significa dizer que, a qualquer tempo poderá ser revisto,

contanto que não tenha ocorrido nenhuma excludente de punibilidade de que

alude o art. 107 do CP, com a nova redação dada pela lei 7.209/84.

O Código de Processo Penal não disciplina de forma clara o

desarquivamento do inquérito, limitando-se a referir-se a ele, de forma indireta,

no art. 18 do CPP.

A matéria recebe o beneplácito dos tribunais pátrios seguindo a esteira

do Pretório Excelso da República, de que a eventual propositura da ação penal,

com base em inquérito policial arquivado, sem a juntada de novas provas,

constitui constrangimento ilegal sanável pelo remédio jurídico habeas corpus,

visto caracterizar de forma evidente um cerceamento à liberdade de locomoção

do agente (art. 5º, LXVIII da CF/88).

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56

CAPÍTULO II

A POLÍCIA JUDICIÁRIA BRASILEIRA

Proveniente do latim, politia que por sua vez procede do grego politéia, e

que originariamente traz o sentido de organização política, sistema de governo,

e mesmo, governo, exprimindo, portanto, a ordem pública, a disciplina política e

a segurança pública instituída.

Desde os egípcios e os hebreus, observa-se que todos os países do

mundo possuem suas polícias. A França foi o primeiro país a introduzir na

contextura de sua linguagem jurídica, no século XIV, a palavra “polícia”. E por

uma divisão histórica que vem da Revolução Francesa, há o ramo da polícia

preventiva (uniformizada, ostensiva, para manter a ordem e evitar os crimes) e

o ramo da polícia judiciária (investigativa, com a finalidade de apurar as

infrações penais e respectivas autorias), reunindo-se provas e indícios contra

aqueles que cometem infrações penais, prendendo em flagrante os infratores

da lei penal e executando os mandados de prisão expedidos pelas autoridades

judiciárias. Em razão de agir somente após a consumação do fato delituoso, é

denominada polícia repressiva.

A partir da Lei 2.033, de 20 de setembro de 1871, as autoridades

policiais brasileiras passaram a ter a incumbência de procederem às diligências

investigatórias. Entretanto, somente após a proclamação da República,

desenvolveram-se as primeiras idéias para a criação da Polícia de Carreira,

tornando-se realidade, pela Lei 979, de 23 de dezembro de 1905, a criação da

carreira de Delegado de Polícia, com atribuição fundamental de presidir, dirigir

e supervisionar os procedimentos apuratórios, também existentes em outras

localidades do mundo, porem com suas peculiaridades em razão da

diversidade de cultura dos diversos povos, como os exemplos a seguir

descritos.

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57 Na República da China, em seu Código de Processo Criminal, na seção

I, a partir do art. 207, que trata da persecução, começando pela notitia criminis,

tem-se a preliminary investigation, ou seja, o procedimento da investigação

preliminar, nos moldes do nosso inquérito policial, pois não pode haver ação

penal e principalmente condenação sem os elementos sensíveis da prova.

Na Alemanha, em sua Ordenação Processual Penal, existe o chamado

processo de investigação ou procedimento preparatório vorbereitendes

verfahen como verdadeiro inquérito, para embasar a ação penal. Trata-se das

diligências que devem ser procedidas pela polícia, pelo Ministério Público ou

pelo bailio. Em sua função investigativa o Ministério Público pode socorrer-se

das autoridades e funcionários de polícia, mas independente da provocação a

polícia pode e deve investigar sobre os fatos puníveis independente da

provocação do Ministério Público. Há a figura do promotor investigador.

Na Espanha em sua Ley de Enjuiciamiento Criminal (Código de

Processo Penal) de 14/09/1881, modificada e atualizada por várias leis

orgânicas até 28 de dezembro de 1988, encontra-se os objetivos da Polícia

Judiciária, nos art. 282 e seguintes, além de inúmeros outros, verificando-se

que à polícia competem as diligências de prevención, que são atos necessários

à instrução criminal posterior. A ação da polícia é puramente assecuratória dos

vestígios do crime.

Na França, o Code de Procédure Pénale traz a Polícia Judiciária no

capítulo primeiro e segundo, competindo-lhe La recherche de police

(investigação de polícia) sob orientação do Procurador da República, deverão

os oficiais da Polícia Judiciária e seus agentes proceder a L’enquête

préliminaire, um procedimento apuratório preliminar lembrando-se o inquérito.

No México, tem-se a averiguación previa, etapa procedimental em que o

Ministério Público pratica diligências e realiza investigações de Polícia

Judiciária, verificando-se aí, sem dúvida, um verdadeiro inquérito preparatório

da ação penal, e, além disso, o Código de Procedimientos Penales para

ElDistrito Federal no título segundo estabelece que, para comprovação do

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58 delito e de suas circunstâncias, a Polícia Judiciária deverá elaborar um acta

registro de tudo que se relacione ao crime, antes da ação.

Na Argentina, em seu Código de Procedimientos em Materoa Penal, no

Título II, encontra-se o sumário ou Prevención del Sumario para comprovar a

existência de um fato punível penalmente, reunir suas circunstâncias e

descobrir seus autores, que é de competência do juiz, mas pode, pelos arts.

184 e 185, ser objeto de intervenção da polícia nas investigações.

Em Portugal, onde ate recentemente o procedimento apuratório de

crimes conhecia-se com o corpo de delito ou instrução preparatória, o atual

Código de Processo Penal Português, aprovado pelo Decreto Lei nº 78 de

17.02.1987, promulgado em 29.12.1987, pelo presidente Mário Soares, instituiu

o inquérito, no Título II, Capítulo I, art. 262 e seguintes, e que é dirigido pelo

Ministério Público (como o inquérito policial brasileiro é dirigido pelo Delegado

de Polícia) assistido pela Polícia Criminal (Polícia Judiciária portuguesa).

Na Áustria, a Ordenação Processual Penal dedica o capítulo 9, às regras

“das pesquisas dos atos puníveis e do levantamento sobre crimes e delitos”.

De particular interesse neste estudo de direito comparado sobre o inquérito

policial e a polícia judiciária são as disposições, segundo os quais o Ministério

Público pode pedir ao juiz de instrução, ao juiz do distrito ou à polícia que

façam o levantamento do crime. Pode ainda solicitar à polícia que ouça as

pessoas que possam prestar esclarecimentos e, em caso de urgência, que

proceda ao exame direto, isto é, à inspeção ocular (augenschein) e à busca

domiciliar (hausdurchsuchug).

Na Itália, o Código de Processo Penal de 1988 consagra atos de polícia

judiciária, separação das funções de acusar e julgar, preservando os direitos

individuais do acusado. Suprimiu a figura do juiz instrutor para dar lugar ao

promotor investigador. Os oficiais e agentes da polícia judiciária estão

obrigados a comunicar ao magistrado do Ministério Público o conhecimento

que tenham tido de qualquer infração. A fase judicial é precedida de

investigações preliminares a cargo do magistrado do Ministério Público, que

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59 permanece com o controle processual da atividade da Polícia Judiciária. A

polícia italiana apresenta, em regra, ao Ministério Público um relatório sobre a

infração penal, e a partir daí começa a colheita de prova perante o juiz. Há a

magistratura requerente e magistratura judicante.

Na Bélgica, o Código de Instrução Criminal (Code d’Instruction

Criminelle), é análogo ao Código Francês, a polícia judiciária exerce função

imprescindível nas investigações.

Na Holanda, o Código de Processo Penal regula o assunto no título 1º:

“Da pesquisa dos fatos puníveis”, trata dos funcionários dela encarregados, dos

comissários de polícia em relação aos fatos puníveis de que conhece o juiz

cantonal, dos guardas campestres e florestais. As comunicações feitas

verbalmente serão reduzidas a escrito, quando das investigações, tudo deve

ser comunicado ao Ministério Público.

Na Suíça, o Código de Processual Penal (Federal), reserva espaço a

polícia judiciária, a qual encube pesquisar os delitos da competência da justiça

penal federal, reunir provas e entregar os indicados à autoridade judiciária,

tomar as medidas de precaução para que não se percam os vestígios do crime,

comunicar tudo a autoridade judiciária, cientificar ao Ministério Público da

apreensão de objetos.

No Japão, o Código de Processo Penal Japonês “Kejisoshoho” no livro

3º, trata da pesquisa do crime “Hanzai no Kosa” e atribui ao Ministério Público,

ao prefeito de polícia, ao presidente de província, e excetuada a de Tóquio.

Considera os comissários gerais, comissários e subcomissários de polícia,

enquanto órgãos da polícia judiciária, como auxiliares do Ministério Público.

Observa-se, portanto, que em todos os países do mundo há

procedimentos investigatórios feitos pela polícia judiciária, embora, muitas

vezes dirigidos por membros do Ministério Público ou por juizes, praticando

atos que no Brasil e de atribuição especifica e constitucionalmente do

Delegado de Polícia de Carreira.

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60 2.1 Divisão

A polícia quanto ao lugar onde desenvolve a sua atividade pode ser:

terrestre, marítima ou aérea. Quanto à exteriorização ela é ostensiva ou

secreta. Quanto à organização é leiga ou de carreira. E, finalmente, quanto ao

seu objeto é administrativa, de segurança ou judiciária.

A Polícia Administrativa é aquela que tem por objeto as limitações

impostas a bens jurídicos individuais, temos como exemplo a Polícia

Aduaneira, a Polícia Rodoviária e a Polícia Ferroviária Federal, elas encontram-

se citadas na Lei Maior, nos art. 144, §§ 2º e 3º.

A Polícia de Segurança tem em seu objetivo as medidas preventivas,

pois ela visa a não perturbação da ordem jurídica, ou seja, a paz urbana. Age

sem limitações impostas pela lei, com certo poder discricionário, mas não

confundir discricionariedade com arbitrariedade, pois esta enseja o abuso de

poder, prepotência, que são condenados pela legislação pátria.

A Polícia Civil, também conhecida como Polícia Judiciária, é acionada

quando os crimes não puderam ser evitados pela Polícia de Segurança. O

papel da Polícia Civil é a de investigar os fatos já acontecidos que chegaram ao

seu conhecimento de alguma forma. A Constituição de 1988, no capítulo III,

que trata da Segurança Pública, traz no art 144, § 4º, que fala sobre a Polícia

Civil, as seguintes funções: “Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia

de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de

polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares”.

2.2 Deveres-Poderes da Autoridade Policial

A polícia judiciária é dotada de alguns atributos coercitivos tais como:

auto-executoriedade, imperatividade e exigibilidade.

Estes poderes próprios e especiais da autoridade policial consistem nas

seguintes atribuições: poder de requisitar; poder de intimar e conduzir pessoas;

poder de apreender coisas e efetuar buscas; poder de interditar locais; poder

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61 de prender pessoas. Esta enumeração não é taxativa, havendo ainda outros

poderes inerentes à atividade policial e atributos ao delegado de polícia. Vale

ressaltar, que tais poderes são na verdade “deveres-poderes”, depositados

pela lei a autoridade policial e são indelegáveis, na persecução de uma

finalidade pública.

Para Celso Antonio Bandeira de Mello, são deveres-poderes:

[...] tais poderes são instrumentais: servientes do dever de bem cumprir a finalidade a que estão indissoluvelmente atrelados. Logo, aquele que desempenha função tem, na realidade, deveres-poderes. Não “poderes” simplesmente.43

Foi exposto aqui alguns deveres-poderes inerentes às atribuições da

autoridade policial, poderes estes que demonstram a importância do papel do

delegado de polícia no cenário jurídico brasileiro. Não há que se olvidar que a

complexidade do nosso ordenamento jurídico, aliado as particularidades do

nosso sistema processual penal e à realidade social, demanda a existência de

prerrogativas próprias ao delegado de polícia, sem as quais a persecução

investigatória seria inviável. E assim é em outros sistemas, onde a polícia

possui os mesmos poderes, e às vezes outros, até mais amplos, de forma que

é justificável a existência destes poderes, que nada mais são, como antes dito,

deveres-poderes, que existem para dar meios à polícia judiciária de cumprir

uma finalidade que lhe é atribuída pela Constituição Federal.

43 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 12ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 69.

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CAPÍTULO III

A INVESTIGAÇÃO DIRETA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO

Não restam dúvidas de que o Código e Processo Penal Brasileiro, que é

do ano de 1941, encontra-se por demais dissociado da realidade atual, em face

das grandes mudanças comportamentais da sociedade.

Diversas normas e princípios foram introduzidos pela Constituição

Federal de 1988, vindo a conflitar com o referido Código de Processo Penal

vigente, fazendo com que muitas das normas, deste, perdessem a eficácia em

face da nova ordem jurídica constitucionalmente introduzida, ou passassem a

ser interpretadas de forma diferente, buscando amparo na Lei Magna.

A Constituição de 1988 estabeleceu como função institucional do

Ministério Público, exercer o controle externo da atividade policial (art. 129, VII).

Paulo Rangel assevera dizendo que o sistema acusatório fica reforçado, uma

vez que o Ministério Público se entrega à função de controlar as atividades

policiais, visando a uma melhor colheita do suporte probatório mínimo que irá

sustentar eventual imputação penal.44

Ainda na mesma linha de pensamento, Rangel fala que:

Entendemos que o controle externo deve ser exercido sobre as funções da polícia judiciária e da polícia preventiva, ou seja, tanto sobre a polícia civil (ou federal) e a polícia militar, respectivamente, pois a Constituição não distinguiu, não cabendo ao intérprete distinguir.45

44 RANGEL, Paulo. op. cit., p. 93. 45 Idem. p. 94.

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63

Mas observa-se que o Ministério Público tem, de certa forma, usurpado

a função que compete a polícia civil, no que tange a investigação e

especialmente quanto ao inquérito, tentando passar para a sociedade leiga que

o inquérito não passa de uma simples peça informativa, dispensável sem

qualquer valor probante.

Ora, o Ministério Público não integra os quadros da segurança pública,

não podendo usurpar a atribuição de órgão investigador, pois seria

inconstitucional. A polícia civil seja na esfera estadual ou federal, é o órgão

repressivo da criminalidade, com resultado final consubstanciado no inquérito

policial ou no termo circunstanciado de ocorrência.

O Ministério Público constitucionalmente é o dono da ação penal pública,

portanto, a ele compete decidir se oferece ou não a denúncia. Cabendo a ele,

também, por conseqüência, decidir pelo arquivamento ou não de um inquérito

policial legalmente instaurado e o juiz é obrigado a remeter os autos à

apreciação do procurador geral de justiça e este decidirá. Se o entendimento

deste for coincidente com a manifestação do membro do Ministério Público que

atuou naquele processo, então será devolvido ao juiz que não terá alternativa a

não ser arquivá-lo.

Aventou-se a possibilidade de acabar com o inquérito policial, entretanto,

o anteprojeto de reforma do Código de Processo Penal mantêm-no, porém, no

tocante à investigação policial, pretende-se atribuir funções ao Ministério

Público, na qualidade de destinatário da investigação policial, conferindo

funções de supervisão e controle dos atos policiais. A função investigatória

seria assumida pelo órgão ministerial, na supervisão e controle das atividades

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64 internas e externas da polícia, com flagrante usurpação da atual função do

delegado de polícia.

Os promotores de justiça não se encontram devidamente preparados e

capacitados para o exercício das funções típicas de segurança pública e

repressão criminal. No entanto, pretendem presidir, fiscalizar e supervisionar as

funções internas da polícia judiciária, em especial o inquérito policial.

O Ministério Público e a polícia civil possuem prerrogativas e garantias

constitucionais distintas no Brasil, devendo-se levar em conta que quaisquer

mudanças no sistema inquisitorial brasileiro, necessita-se-á de alterar também

a Constituição Federal de 1988, podendo resultar em prejuízo para a

sociedade. O órgão ministerial, integrante do sistema acusatório, passaria

então a ter função acusatória e inquisitória, passando a ser um “promotor

investigador”. Nessa sede de mudanças é preciso atentar para o que prevê a

Constituição da República, sob pena de passar por cima dessa Lei Maior. O

art. 144, § 4º da CF/88 e art. 4º do CPP vigente estabelecem regras básicas

que não podem ser simplesmente alteradas por normas infra-constitucionais.

A Constituição da República no art. 129, VII, prevê as funções

institucionais do Ministério Público. O dispositivo prevê o controle externo do

Ministério Público, mas não das atividades policiais internas de segurança

pública e dos atos discricionários dos delegados de polícia, estes últimos na

presidência dos inquéritos policiais, pois o órgão ministerial é o fiscal da lei, não

sendo sua competência ou atribuição presidir e opinar nos autos de

investigação.

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CONCLUSÃO

Muito embora no inquérito policial encontramos inúmeras dificuldades

em seu procedimento e aplicabilidade, entendemos não ser o mesmo

indispensável. É fato notório que o processo penal brasileiro, e isto inclui o

inquérito policial, carece urgentemente de reformas no sentido de modernizá-lo.

Entretanto, não podemos negar os seus avanços a fim de alcançar um real

estado democrático de direito.

É verdade que as características do inquérito policial são aparentemente

escusas, em razão da ausência do contraditório e da ampla defesa, todavia,

afirmamos ser o mesmo recepcionado pela Carta de 1988. Na verdade, por ser

o inquérito policial, meramente peça de informação para servir de base para

oferecimento da denúncia ou da queixa, além de ser vedada a sua utilização

como meio de prova para condenação do réu, não se pode exigir que o mesmo

tenha as mesmas garantias para o acusado previstas na Constituição de 1988

e no Código de Processo Penal. Caso assim fosse, o inquérito policial seria por

certo, meio de prova.

Entendemos ainda, ser o inquérito policial uma garantia para o indiciado,

por possuir um procedimento sigiloso. Do contrário, todos teriam acesso às

informações de um indiciado causando maiores prejuízos ao cidadão. É bom

lembrarmos que o indiciado não é sujeito de direitos e sim objeto de

investigação.

Por fim, entende-se necessária as verificações preliminares no inquérito

policial, a fim de se evitar indícios prematuros e infundados, pois mesmo sendo

sigiloso, é certo que o indício também gera constrangimento e expectativa por

parte do indiciado. Entretanto, diante do aumento da criminalidade e

envolvimento de policiais com o tráfico de drogas e o crime organizado, não

esquecendo do processo de criminalização primária, qualquer controle ou

verificação do inquérito policial deve ser vista com cautela, a fim de se evitar

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66 arquivamentos sumários e comprometedores.

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