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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
A IMPORTÂNCIA DO SERVIÇO SOCIAL NO PSF:
O RESGATE DA FAMÍLIA PARA A PROMOÇÃO DA SAÚDE
Por: Gisele Costa de Araújo
Orientador
Prof. Maria da Conceição Maggioni Poppe
Rio de Janeiro
2009
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
A IMPORTÂNCIA DO SERVIÇO SOCIAL NO PSF:
O RESGATE DA FAMÍLIA PARA A PROMOÇÃO DA SAÚDE
Apresentação de monografia ao Instituto A Vez do
Mestre – Universidade Candido Mendes como
requisito parcial para obtenção do grau de
especialista em Saúde da Família.
Por: Gisele Costa de Araújo
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AGRADECIMENTOS
A Deus, fonte de força, fé e coragem.
Presença espiritual fundamental em
minha vida.
A minha família, que sempre me
incentivou, sendo sustentáculo nos
momentos mais difíceis, agradeço por
me permitirem aprender, a cada
instante, o que verdadeiramente é o
amor.
Às amigas Carmem Lília e Maria Lúcia,
companheiras de estudos e de
viagens, obrigada por terem
demonstrado cumplicidade,
companheirismo e, sobretudo, por
terem as palavras certas nas horas em
que estas foram necessárias.
Por fim, agradeço à equipe da
Universidade Cândido Mendes – A Vez
do Mestre, pela disposição em ajudar e
pela generosidade ao transmitirem o
saber; vocês muito contribuíram com o
meu aprendizado.
4
DEDICATÓRIA
.À minha família, pelo exemplo de amor e
companheirismo.
5
RESUMO
Com as transformações ocorridas no sistema de saúde após a implantação do
Programa Saúde da Família (PSF), faz-se necessário analisar a importância do
serviço social neste contexto, objetivando buscar as contribuições que este
profissional pode trazer para que as famílias participem de forma efetiva e
consciente na promoção da saúde. O estudo teve por objetivo discutir a
importância do Serviço Social no PSF, refletindo sobre as contribuições que
pode trazer para que as famílias se conscientizem da importância do seu papel
no que se refere à promoção da saúde. São inúmeras as atribuições que
podem ser assumidas pelo assistente social no Programa Saúde da Família,
destacando que estas devem ter como norte a defesa e a consolidação dos
direitos sociais.Desta forma, é na busca pela efetivação da cidadania que se
deve pensar a atuação do assistente social na equipe do PSF, tendo como
horizonte a concretização do projeto ético-político do Serviço Social e a
consolidação de um projeto efetivamente democrático e popular no fazer
saúde em família.
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METODOLOGIA
A metodologia utilizada no presente estudo foi pautada em estudos
qualitativos sobre o a importância do Serviço Social no PSF, através de
pesquisa bibliográfica manual e eletrônica, permitindo a reflexão a respeito do
tema, através de leitura crítica de livros, revistas, legislações e artigos.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 08
CAPÍTULO I - DO SUS AO PSF: A TRAJETÓRIA DA SAÚDE NO BRASIL 10
CAPÍTULO II - A IMPORTÂNCIA DA FAMÍLIA PARA A PROMOÇÃO DA
SAÚDE 25
CAPÍTULO III – AS CONTRIBUIÇÕES DO SERVIÇO SOCIAL NO PSF 36
CONCLUSÃO 47
BIBLIOGRAFIA 49
ÍNDICE 55
FOLHA DE AVALIAÇÃO 56
8
INTRODUÇÃO
Na historia recente do país, é possível observar inúmeras mudanças,
incluídos avanços e retrocessos, na área de saúde, até que se chegou ao atual
modelo de assistência à saúde, o Programa Saúde da Família (PSF),
concebido pelo Ministério da Saúde, em 1994, com o objetivo de proceder à
reorganização da prática assistencial em novas bases e critérios, em
substituição ao modelo tradicional de assistência.
Nos anos de 1980 o setor de saúde se destacou pelas propostas de
mudança no cenário nacional, tendo como marco histórico a discussão política
da VII Conferencia Nacional de Saúde, onde a questão da saúde ultrapassou a
análise setorial, contemplando as devidas articulações com as demais
questões que interferem na problemática da saúde, expressando as propostas
do movimento de Reforma Sanitária Brasileira, reivindicando a democratização
da saúde e apontando novas determinações para as condições de vida da
população.
Tais proposições foram incorporadas à Constituição Federal de 1988,
onde a saúde passou a ser concebida como direito de todos e dever do
Estado, ou seja, com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), este
passou a ser responsabilizado pela viabilização dos meios necessários ao
acesso a bens e serviços relacionados à saúde, através da democratização do
acesso, universalização das ações, descentralização, melhoria da qualidade
dos serviços, com adoção de um novo modelo assistencial pautado na
integralidade e equidade das ações.
Com o objetivo de promover mudanças no então modelo de
assistência à saúde no país, o Ministério da Saúde incluiu em seu plano de
metas e ações prioritárias, o Programa Saúde da Família (PSF), que trouxe em
seu bojo interesses contraditórios e as reflexões daquela política
macroeconômica e social. Tal programa expressa-se como uma estratégia
para a reorganização da atenção básica, na perspectiva da vigilância à saúde,
mediante uma concepção de saúde centrada na promoção da qualidade de
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vida, contribuindo para reorientar do modelo assistencial, em conformidade
com os princípios do SUS, imprimindo uma nova dinâmica de atuação nas
unidades básicas de saúde.
Assim, busca-se novas práticas profissionais mediante a
indissociabilidade entre trabalhos clínicos e a promoção da saúde. Para tanto,
a equipe de Saúde da Família precisa conhecer a realidade da população
usuária, considerando os contextos familiares e a vida comunitária.
Atualmente, a atenção centrada na família, entendida e percebida a
partir do seu ambiente físico e social, o que vem possibilitando às equipes que
atuam junto às famílias, uma compreensão ampliada do processo
saúde/doença e da necessidade de intervenções que vão além das práticas
curativas.
Neste contexto, para um modelo assistencial centrado no usuário,
propõe-se um processo de trabalho multiprofissional, com a produção do
cuidado, entendido enquanto ações de acolhimento, vínculo, autonomização e
resolução. É pensando neste aspecto que se percebe a importância de um
profissional de serviço social atuando junto a estas equipes, uma vez que é
fundamental orientar e mobilizar as famílias, a fim de torná-las parceiras na
promoção da saúde.
O objetivo do estudo foi discutir a importância do Serviço Social no
PSF, refletindo sobre as contribuições que pode trazer para que as famílias se
sensibilizem quanto ao seu papel, no que diz respeito à promoção da saúde.
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CAPÍTULO I
DO SUS AO PSF: A TRAJETÓRIA DA SAÚDE NO
BRASIL
As bases para o surgimento do Sistema Único de Saúde (SUS) foram
assentadas na década de 1980, provenientes de um forte movimento que
compreendia a reestruturação do sistema de saúde vinculado à luta pelo fim da
ditadura militar e pela redemocratização.
O País vivia um período intenso e rico de construção de propostas
fundamentadas na crítica e no questionamento ao sistema de saúde em vigor,
que estava centrado na assistência médica, representada pelo Ministério da
Previdência e Assistência Social (MPAS) e pelo Instituto Nacional de
Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS).
A 8ª Conferência Nacional de Saúde consolidou o processo de
discussão e o embate político setorial, construindo um consenso nacional
sobre as diretrizes gerais que deveriam, no âmbito da saúde, orientar a
Assembléia Nacional Constituinte de 1987/88. Posteriormente essas propostas
foram incorporadas ao texto constitucional, moldando o Sistema Único de
Saúde. Neste sentido, Bravo afirma que:
A VIII Conferencia, numa articulação bem diversa das anteriores, representou inegavelmente, um marco, pois introduziu no cenário da discussão da saúde a sociedade. os debates saíram dos seus fóruns específicos e assumiram outra dimensão com a participação de entidades representativas da população. A questão da saúde ultrapassou a análise setorial referindo-se à sociedade como um todo, propondo-se não somente o Sistema Único, mas a reforma sanitária (BRAVO, 2000, p. 109).
Entre os principais desafios do novo sistema estava passar de uma
cobertura aos previdenciários, para o atendimento à saúde de toda a
população brasileira; de um instituto com estrutura centralizada, passar a
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funcionar por meio de uma articulação entre o Ministério da Saúde, as
secretarias estaduais e municipais; alterar a lógica de compra de serviços paga
por produção, baseada em uma tabela de preços nacional, para sistemas que
reconhecessem as peculiaridades de cada município brasileiro; modificar uma
prática que lidava basicamente com a doença e com os doentes, para a
garantia da integralidade e a articulação das ações de promoção, prevenção e
recuperação da saúde.
Até a Constituição de 1988 a cobertura do Estado se dirigia apenas
àqueles que tivessem vínculo direto e formal com o processo econômico e com
a produção de bens e serviços.
Os excluídos do processo econômico formal eram também excluídos
da cobertura do Estado. A saúde era tratada como questão de misericórdia;
sendo a grande rede de Assistência à Saúde da população, formada pelas
Santas Casas de Misericórdia.
A Assistência Social era tratada como questão de caridade, a cargo de
associações, tais como a Sociedade São Vicente de Paula, arrecadadora de
alimentos através de campanhas do quilo, a fim de distribuí-los aos menos
favorecidos.
A Constituição Federal, promulgada em 5 de outubro de 1988,
substituiu o conceito de seguro pelo de seguridade social, eliminando a dupla
punição: exclusão do processo econômico formal e exclusão da cobertura do
Estado.
A Previdência Social, a Assistência Social e a Saúde foram
reconhecidas como direitos, nos termos dos artigos 194 a 204 da Constituição
Federal de 1988, onde o direito à Assistência Social e à Saúde não dependem
de contribuição direta do beneficiário.
Além disso, a saúde foi reconhecida como bem de relevância pública,
o que a torna também responsabilidade do Ministério Público Federal e
Estadual. Segundo Jorge:
Ao introduzir o conceito de Seguridade Social, o Constituinte de 1988 buscou estabelecer uma base sólida de financiamento para a seguridade como um todo, por meio de Contribuições Sociais, recolhidas pelas empresas em sua folha de pagamentos sobre o faturamento e sobre o lucro líquido. Estas receitas são arrecadadas
12
pelo Governo Federal, pelo recolhimento das empresas, mas quem paga, em última instância, é o consumidor final do produto ou do serviço, uma vez que a planilha de custos inclui nos preços finais os valores previstos das contribuições (JORGE, 2004).
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, iniciou-se a
construção, em seu formato atual, do Sistema Único de Saúde, possibilitando
que houvesse unicidade no padrão de financiamento público da saúde no
Brasil, tendo como responsável um único órgão, o Ministério da Saúde.
Na década de 90, o setor saúde foi marcado pela implementação
gradativa dos preceitos constitucionais, regulamentados principalmente através
das Normas Operacionais Básicas (NOB) do INAMPS, de 1991, e do SUS, de
1993 e 1996. Em cada NOB, novas formas de relação entre os gestores foram
sendo introduzidas e, com elas, novos formatos de alocação de recursos no
setor.
Para Teixeira:
O movimento descentralizador foi iniciado com a implementação das Normas Operacionais Básicas de 1993 (NOB 01/93) (MS, 1993) e especialmente a de 1996 (NOB 01/96) (MS, 1996), que induziram a redefinição de funções e competências das três esferas de governo (federal, estadual e municipal) no que se refere à gestão, organização e prestação de serviços de saúde, através da transferência de recursos (financeiros, basicamente, mas também físicos, humanos e materiais) do nível federal e estadual para os municípios (SOUZA, 2002).
Um dos principais avanços da implementação do SUS, ao longo da
década de 1990, se relaciona ao acelerado processo de descentralização
político-administrativa, com progressiva transferência de responsabilidades e
recursos do nível federal para os gestores estaduais e municipais.
As Normas Operacionais do SUS têm representado um importante
instrumento de regulamentação desse processo de descentralização, à medida
que estabelecem, de forma negociada, mecanismos e critérios para a
transferência de responsabilidades e recursos para estados e municípios.
Ao longo da década de 1990, foram editadas quatro dessas normas W
as NOB 01/91, NOB 01/92, NOB 01/93 e NOB 01/96, sendo que as duas
últimas foram resultantes de processos de negociação progressivamente mais
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intensos entre os atores setoriais, particularmente no âmbito da Comissão
Intergestores Tripartite e do Conselho Nacional de Saúde.
A descentralização impulsionada por essas normas apresentou
resultados positivos relacionados, entre outros fatores, ao expressivo aumento
de transferências diretas de recursos do nível federal para o estadual e
municipal, ao fortalecimento da capacidade institucional de diversos estados e
municípios na gestão da saúde e à expansão da rede de serviços municipais
de saúde.
Por outro lado, o próprio avanço da descentralização evidenciou a
necessidade de enfrentamento de um conjunto de problemas, tanto no âmbito
da gestão, quanto no que se refere à atenção à saúde.
No que se refere ao modelo assistencial, o aumento da resolutividade
e a garantia de acesso aos serviços em todos os níveis de complexidade se
colocam como desafios: a configuração do elenco de procedimentos incluídos
na atenção básica (Piso de Atenção Básica fixo, PAB fixo) mostrou-se restrita,
apresentando baixa capacidade de resolução dos problemas mais freqüentes
dos usuários. Simultaneamente, ocorrem dificuldades de acesso à assistência
de média e de alta complexidade, em especial face à enorme concentração
desses serviços em poucos municípios e, mesmo a completa inexistência de
determinados serviços de alta complexidade em diversos estados. O
instrumental operacional utilizado para referências intermunicipais e
interestaduais tem sido insuficiente para garantir o acesso.
Um marco do processo de descentralização do SUS tem sido,
diferentemente da experiência internacional, a pequena autonomia
conquistada pelos governos estaduais somada à forte tendência à
municipalização.
Segundo Dain (2000, p. 106), este desenho é prejudicial ao sistema
por dois motivos. Primeiro, porque o papel que o estado poderia desempenhar
de equacionamento das relações entre financiamento, regulação e provisão
dos serviços não está acontecendo, e então não há uma referência regional ou
distrital para ajudar a operar o sistema. Segundo, porque "se a configuração
municipal fosse menos irracional e o critério de partilha favorecesse a
equalização do acesso dos cidadãos aos bens e serviços priorizados pelas
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políticas públicas, o arranjo federativo poderia acolher muito mais facilmente as
políticas setoriais descentralizantes e reforçá-las com recursos próprios das
localidades".
A NOB 01/93, do SUS, já não sofreu as influências do Inamps como as
NOBs anteriores. Em 1993, já havia acontecido a 9ª Conferência Nacional de
Saúde, enfatizando a necessidade da municipalização e, por conseqüência, a
nova Norma faz grandes mudanças no quadro estabelecido até então. A NOB
01/93 introduziu formas de gestão como critério de classificação dos Estados e
Municípios. A pactuação entre as esferas de governo seria feita através das
Comissões Intergestores Tripartite (CIT) e Intergestores Bipartite (CIB).
Os Estados e Municípios teriam que se habilitar a uma das três
formas de gestão incipiente, parcial ou semiplena, de acordo com o nível
organizacional e comprometimento com o SUS. Para os Estados, havia as
formas parcial e semiplena. Cada uma das formas representava um nível
diferente e progressivo de transferência de responsabilidades e autonomia de
gestão. Aqueles Municípios e Estados habilitados na condição semiplena
receberiam recursos pelo mecanismo de transferência fundo a fundo, como
previsto na Lei 8.080/90 (OLIVEIRA, 2000).
A NOB 01/96 criou duas novas formas de gestão municipal: a "Gestão
Plena da Atenção Básica" e a "Gestão Plena do Sistema Municipal". No
primeiro caso, o município ficaria responsável pela assistência básica, prestada
em unidades próprias ou através de contratos com provedores. No segundo
caso, o município seria totalmente responsável pelos serviços ambulatoriais e
hospitalares e teria autonomia para decidir sobre alteração de valor dos
procedimentos médicos e outros pontos relacionados ao pagamento dos
serviços.
A partir daí ficou mais evidente a preocupação da saúde com a
atenção básica, principalmente através da criação do Piso da Atenção Básica -
PAB - que introduzia um critério de financiamento diferente das formas de
financiamento já existentes no Ministério da Saúde.
A implantação das NOB 01/93 e 01/96 provocou um intenso processo
de municipalização da saúde, com a descentralização expressiva, para
estados e municípios, de responsabilidades, atribuições e recursos.
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A experiência acumulada no decorrer da década de 90 permitiu
avanços significativos na organização e na articulação das redes de serviços,
no desenvolvimento de processos de planejamento e na programação
assistencial em vários estados, mas também evidenciou um conjunto de
problemas críticos para o SUS.
Esses problemas estavam relacionados a: divisão de
responsabilidades da gestão/gerência dos serviços entre estados e municípios,
ocorrendo freqüentemente conflitos relativos ao princípio de “comando único
em cada esfera de governo”; ao processo de habilitação que, em muitos casos,
possuía um caráter meramente “cartorial”, sem produzir, em termos reais,
melhorias no acesso e na qualidade dos serviços de saúde; ao processo de
alocação dos recursos financeiros federais para o financiamento do SUS,
concentrado em algumas regiões do País por estar vinculado à lógica da oferta
de serviços e não nas necessidades da população e ao cálculo a partir de
séries históricas de produção de procedimentos; à fragilidade dos processos
de planejamento e programação, controle, regulação e avaliação dos objetivos
e metas estabelecidas por estados e municípios; e à insipiência organizacional
das redes regionalizadas de serviços.
Esses problemas repercutiram na capacidade de universalização,
integralidade e qualidade da atenção à saúde da população. A partir da
identificação dessas situações, o Ministério da Saúde, por intermédio da
Secretaria de Assistência à Saúde (SAS), deflagrou, no ano de 2000, um
amplo processo de discussão, envolvendo gestores estaduais – representados
pelo Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde (CONASS) – e
gestores municipais – representados pelo Conselho Nacional de Secretários
Municipais de Saúde (CONASEMS) –, reunidos na CIT.
Dessas discussões, resultou a Norma Operacional de Assistência à
Saúde (NOAS 01/01), cujo objetivo era promover maior equidade na alocação
de recursos e no acesso da população às ações e aos serviços de saúde.
Houve duas versões da NOAS. A NOAS 01/01, publicada em janeiro de 2001,
e a NOAS 01/02, publicada em janeiro de 2002.
A diferença básica entre as duas versões está situada no aspecto
relativo à condição de habilitação dos municípios que seriam considerados
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como sede de módulos, que na primeira versão deveria ser pleno de sistema
municipal e na segunda poderia também ser habilitado na condição de pleno
de atenção básica ampliada, tendo em vista a organização das redes
funcionais regionalizadas. Desta forma se referirá à versão NOAS 01/02 na
discussão da proposta da Programação Pactuada e Integrada – PPI.
A estratégia utilizada pela NOAS 01/02 foi a da regionalização,
buscando, via planejamento integrado, a conformação de redes regionalizadas
e funcionais de saúde, referidas a territórios delimitados e a populações
definidas. Para tanto, fundamentou-se na elaboração do Plano Diretor de
Regionalização (PDR) e das diretrizes para a organização regionalizada da
assistência; no fortalecimento da capacidade gestoras do SUS por meio da
instrumentalização de gestores estaduais e municipais para o desenvolvimento
das funções de gestão do planejamento, da programação pactuada, da
regulação, do controle e da avaliação dos serviços; e na criação e atualização
das modalidades de habilitação, buscando superar o caráter cartorial do
processo.
Assim, a NOAS 01/02 atualizou os requisitos para a habilitação de
municípios na ‘gestão plena de sistema municipal’ e instituiu a modalidade de
‘gestão plena de atenção básica ampliada’, cujos requisitos pressupunham a
ampliação da resolutividade da Atenção Básica.
Um dos objetivos fundamentais da NOAS 01/02 foi o fortalecimento da
capacidade gestora do SUS por meio de um conjunto de estratégias,
mecanismos operacionais e instrumentos voltados para subsidiar estados e
municípios no exercício das funções de gestão. Entre essas funções está a
Programação Pactuada e Integrada.
No tocante à Programação Pactuada e Integrada (PPI), a NOAS 01/02
definiu que, sendo um instrumento de organização dos modelos de atenção e
gestão do SUS, a PPI deveria articular e integrar as ações e serviços de
assistência ambulatorial, hospitalar, básica, de média e de alta complexidade,
permitindo a alocação de recursos entre os municípios e explicitando os limites
financeiros para a atenção da população própria e referenciada.
Dessa forma, a PPI traduziria as competências e responsabilidades
das três esferas de governo no que se refere à garantia de acesso da
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população aos serviços de saúde, quer pela oferta existente no território de um
município específico quer pelo encaminhamento a municípios de referência, na
busca crescente da equidade da distribuição dos recursos e da organização de
uma rede regionalizada e resolutiva.
A NOAS 01/02 priorizou a área assistencial da saúde, ao contrário das
outras NOB, que se referiam às áreas da Promoção da Saúde, da
Epidemiologia e Controle das Doenças, da Vigilância Sanitária e da Assistência
Farmacêutica.
Esse novo formato refletia a condição de baixa integração entre as
áreas do Ministério da Saúde, que foi, em conjunto com as outras instituições
integrantes da CIT, o principal protagonista da formulação da NOAS.
Portanto, a idéia de descentralização parece ter um potencial
significativo, no sentido de que o município pode assumir e atuar como base
da Federação, com maior agilidade para provocar as devidas transformações,
principalmente na área das políticas sociais, particularmente na saúde,
enquanto política pública. de fato, o movimento municipalista vem tendo um
progressivo crescimento, mas os resultados obtidos até agora têm sido
excludentes, na medida em que a inclusão foi acompanhada pelo
racionamento dos gastos por parte do Estado, acarretando o sucateamento da
atenção prestada. Neste sentido, Mattos afirma que:
Há problemas no financiamento do SUS. Os problemas não necessariamente derivam da famosa “insuficiência relativa de recursos”. Eles parecem resultar das decisões políticas e econômicas adotadas. Tanto no Legislativo quanto no Executivo dos três níveis de governo, encontramos defensores da redução de recursos que pelos dispositivos em vigor, deveriam ser destinados ao SUS, na tentativa de deslocá-los para outros programas capazes de melhorar as condições de vida da população (MATTOS, 2003, p. 87).
O SUS é o grande empregador dos trabalhadores de saúde, tanto no
setor público como no privado credenciado. A política de recursos humanos é,
hoje, o maior problema para a gestão do SUS nos municípios. Se, de um lado,
os profissionais de saúde não são responsáveis pelo caos em que se encontra
o SUS, por outro a população é punida pela política vigente dos Recursos
Humanos no SUS.
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A educação na área da saúde nunca foi tão enfatizada e não se trata
mais de formar pessoal competente tecnicamente, mas profissionais que
tenham vivido e refletido sobre o acesso universal, a qualidade e humanização
na atenção à saúde, com controle social.
Segundo o art. 6 da Lei nº 8090/92, é da competência do Ministério da
Saúde a ordenação da formação dos trabalhadores para o SUS, sendo a
mudança nesta formação um dos pontos primordiais do movimento estudantil
da área de saúde.
O Ministério da Saúde lançou, em 2004, a Política de Educação
Permanente, que se propõe a buscar alternativas para o desenvolvimento dos
trabalhadores do Sus, partindo do pressuposto da aprendizagem significativa e
propondo transformações das práticas profissionais, onde a capacitação dos
profissionais de saúde devem ser estruturados a partir de sua realidade de
trabalho, sendo a atualização técnico-científica apenas uma das facetas desta
transformação.
1.1 – A CRIAÇÃO DO PSF
O conceito de saúde vem passando por significativas mudanças,
especialmente no que se refere ao seu modelo, atualmente voltado à
promoção da saúde, preventivo, contando com a participação popular e a
interdisciplinaridade dos diversos profissionais, em lugar do modelo
hospitalocêntrico. Neste sentido, entende-se saúde não como o avesso da
doença, mas como a busca do equilíbrio do ser humano.
No processo de priorização do SUS, estabeleceu-se, em 1994, o
Programa de Saúde da Família (PSF) como modelo de atenção para todo o
País, a ser desenvolvido fundamentalmente pelos municípios. O PSF tem o
objetivo de ampliar a cobertura de atenção à saúde da família, atingir a
eqüidade e melhorar a qualidade de atenção à população em geral
(DOMINGUEZ, 1998).
O PSF se constitui na estratégia priorizada pelo Ministério da Saúde
para organizar a Atenção Básica, tendo por objetivo promover a reorientação
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das práticas e ações de saúde de forma integral e contínua, levando-as para
mais perto da família, melhorando, assim, a qualidade de vida dos brasileiros e
incorporando e reafirmando os princípios básicos do SUS (universalização,
descentralização, integralidade e participação da comunidade), mediante o
cadastramento e a vinculação dos usuários (BRASIL, 2006).
O PSF foi criado com o intuito de reorganizar a atenção à saúde em
novas bases e substituir o modelo tradicional, levando a saúde para mais perto
da família e, com isso, melhorar a qualidade de vida da população brasileira. O
programa prioriza as ações de prevenção, promoção e recuperação da saúde
das pessoas, de forma integral e contínua. O atendimento é prestado na
unidade básica de saúde ou no domicílio, pelos profissionais que compõem as
equipes de saúde.
Segundo Vasconcelos:
O PSF responde a uma nova concepção de saúde centrada na promoção da qualidade de vida e intervenção nos fatores que a colocam em risco, por meio da incorporação de ações programáticas mais abrangentes e do desenvolvimento de ações intersetoriais. E, ainda, propõe uma ampliação do lócus de intervenção em saúde, incorporando na sua prática o domicílio e espaços comunitários diversos (VASCONCELOS, 1999, p. 54).
A operacionalização do Programa de Saúde da Família deve ser
adequada às diferentes realidades locais, desde que mantidos seus princípios
e diretrizes fundamentais. O impacto favorável nas condições de saúde da
população atendida deve ser o objetivo maior de todo o processo de
implantação dessa estratégia.
Para tanto, é recomendado que uma equipe seja responsável, no
âmbito de abrangência da unidade básica, por uma área onde residam 3.000
famílias, com o máximo de 4.500 habitantes. Este critério deve ser flexibilizado
em razão da diversidade sociopolítica e econômica das regiões, levando-se em
conta fatores como: densidade populacional e acessibilidade aos serviços,
além de outros fatores considerados de relevância social (DOMINGUEZ,
1998).
Para a Associação Paulista de Medicina (APM, 2006), os municípios
ganham com o PSF, porque um maior número de pessoas passa a ser
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atendida nas Unidades de Saúde, recebendo assistência contínua e
qualificada. Melhoram os indicadores de saúde, reorganiza-se o sistema local
de saúde, diminui-se o número de exames complementares, de consultas
especializadas, de encaminhamentos de urgência e internações hospitalares
desnecessárias.
Desta forma, A proposta de humanização da assistência e o vínculo de
compromisso e de co-responsabilidade, estabelecido entre os serviços de
saúde e a população, fazem do Programa de Saúde da Família um projeto de
grande potencialidade transformadora do modelo assistencial.
O PSF, apesar de priorizar as ações de promoção e prevenção, busca
também realizar ações de recuperação e proteção à saúde, através de ações
coletivas e individuais de melhoria e manutenção da qualidade de vida. A
abordagem familiar ocorre através do direcionamento e participação dos
diversos profissionais de saúde, visando a construção de uma equipe
articulada, multiprofissional e interdisciplinar, cujas ações estejam pautadas na
atenção básica (BRASIL, 2000).
A estratégia do PSF incorpora e reafirma os princípios básicos do
Sistema Básico de Saúde (SUS) – universalização, descentralização,
integridade e participação da comunidade – e está estruturada a partir da
Unidade Básica da Família, a qual trabalha com base nos princípios de caráter
substitutivo, a qual o PSF não significa criação de novas unidades de saúde,
exceto em área totalmente desprovida das mesmas; integridade e
hierarquização onde a unidade de Saúde está inserida no primeiro nível de
ações e serviços do sistema local de assistência, denominado atenção básica;
cadastramento da clientela, a qual unidade de Saúde da Família trabalha com
território de abrangência definido e é responsável pelo cadastramento e
acompanhamento da população; equipe multiprofissional, na qual cada equipe
do PSF é composta, no mínimo, por um médico, um enfermeiro, um auxiliar de
enfermagem e de quatro a seis agentes comunitários de saúde (ACS). A
unidade de Saúde da Família pode atuar com uma ou mais equipes,
dependendo da concentração de famílias no território sob sua
responsabilidade (FONTINELE JÚNIOR, 2003).
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Os profissionais da equipe do PSF, segundo o Ministério da Saúde,
precisam ser capazes de atuar com criatividade e senso crítico, mediante uma
prática humanizada, competente, que envolva ações de promoção, prevenção
e recuperação da saúde. Deve ser capaz de planejar, organizar, desenvolver e
avaliar ações que respondam às necessidades da comunidade, articulando os
diversos setores envolvidos na Promoção da Saúde.
O PSF como modelo dessa nova realidade desenvolve programas e
ações de controle que atendem a toda população. Dentre as ações em saúde
desenvolvidas, destacam-se as ações na saúde da criança, na saúde do idoso
e na saúde da mulher, assim como o controle do diabetes e da hipertensão
(REIS, 2004).
A Portaria GM Nº 154/2008, publicada em janeiro de 2008, criou os
Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), que faz parte do programa Mais
Saúde, do Governo Federal, que tem por objetivo melhorar o Sistema Único de
Saúde até 2011.
Existem dois tipos de núcleos. O Nasf 1, destinado a cidades que
tenham pelo menos oito equipes de Saúde da Família, podendo um mesmo
município possuir mais de um Nasf, desde que tenha mais de 16 equipes.
No Nasf 1 devem ser contratados, no mínimo, cinco profissionais de
diferentes áreas, com exceção de fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais
que, por terem jornada de trabalho de 20 horas, podem ser contratados até
dois para cada núcleo.
O Nasf 2 se formará em cidades que tenham menos de 10 habitantes
por quilômetro quadrado, possuindo três profissionais de saúde. É necessário
que o município tenha pelo menos três equipes do programa de Saúde da
Família (BRASIL, 2008).
Os Nasf serão constituídos por equipes compostas por profissionais de
diferentes áreas de conhecimento, atuando em parceria com os profissionais
das Equipes de Saúde da Família, compartilhando as práticas em saúde nos
territórios sob responsabilidade das ESF, atuando diretamente no apoio às
equipes e na unidade na qual o NASF será cadastrado.
Os Nasf serão compostos por, no mínimo, cinco profissionais de nível
superior de diferentes ocupações, como Médico Acupunturista; Assistente
22
Social; Professor de Educação Física; Farmacêutico; Fisioterapeuta;
Fonoaudiólogo; Médico Ginecologista; Médico Homeopata; Nutricionista;
Médico Pediatra; Psicólogo; Médico Psiquiatra; e Terapeuta Ocupacional.
Estes núcleos surgiram da proposta de ampliar o desígnio de ações da
Estratégia de Saúde da Família e, conseqüentemente, a sua resolubilidade.
Entretanto, vale ressaltar que estes núcleos não se constituirão como porta de
entrada do Sistema, atuando de forma integrada com as equipes de saúde da
família e com toda a rede de serviços em saúde.
A proposta de criação de núcleos multiprofissionais para dar apoio às
equipes mínimas da estratégia de saúde da família, principal ação de atenção
básica do Ministério da Saúde, vinha sendo debatida há tempos, pois entendia-
se primordial a implementação de núcleos que reunissem profissionais de
diversas áreas no atendimento à população.
Desta forma, entende-se que a criação dos Núcleos de Apoio à Saúde
da Família servirá como uma importante ferramenta no sentido de ampliar a
abrangência das ações da Atenção Básica, bem como sua resolubilidade,
apoiando a inserção da Estratégia Saúde da Família na rede de serviços, além
dos processos de territorialização e regionalização a partir da Atenção Básica
(COFFITO, 2008).
A composição de cada um dos núcleos será definida pelos gestores
municipais, seguindo os critérios de prioridade identificados a partir das
necessidades locais e da disponibilidade de profissionais de cada uma das
diferentes ocupações.
A Saúde Pública possui três campos fundamentais de atuação: a
investigação, a educação e a prática dos serviços de atenção preventivos-
curativos para indivíduos, grupos, famílias e comunidade, incluindo os
conhecimentos do ambiente natural e social.
O significado da palavra prevenção na área da saúde é mais
abrangente do que simplesmente defini-la como o ato de evitar que algo
aconteça. Assim, distinguem-se três níveis de aplicação de medidas
preventivas: prevenção primária, secundária e terciária (PEREIRA, 1995).
O nível primário de prevenção é aplicado durante o período de pré-
patogênese, ou seja, quando o indivíduo se encontra em bom ou ótimo estado
23
de saúde. Dessa forma, pode-se considerar que a prevenção primária atua nos
períodos em que o organismo se encontra em equilíbrio, estabelecendo ações
que o mantenham nessa situação (ROUQUAYROL; ALMEIDA FILHO, 1999).
Esse nível engloba dois grupos de ações que o caracterizam: 1)
promoção da saúde, que inclui educação sanitária, nutrição adequada,
condições adequadas de trabalho, acesso a lazer e recreação, habitação
adequada, educação sexual, exames periódicos, campanhas de orientação
sobre temas específicos, dentre outros; 2) proteção específica, que por sua vez
é exemplificada pela aplicação de flúor dentário, pelo uso específico de
equipamentos de proteção individual na indústria, pela aplicação de vacinas,
etc (BRASIL, 2000).
O nível secundário de prevenção se estabelece quando o organismo
está no período de patogênese e em enfermidade real. São realizadas ações
com o objetivo de diagnosticar precocemente o problema e estabelecer as
medidas terapêuticas adequadas, objetivando o retomo do organismo ao
estado de equilíbrio anterior ou a interrupção do declínio desse organismo para
níveis mais inferiores da escala de saúde a de doença (BRASIL, 2001).
Na prevenção secundária, o diagnóstico precoce e o tratamento
imediato têm como finalidades: evitar a contaminação de terceiros; curar ou
estacionar o processo evolutivo da doença, a fim de evitar seqüelas e evitar
invalidez prolongada.
O nível terciário de prevenção é estabelecido quando o indivíduo
portador da enfermidade passou pelos estágios anteriores, permanecendo com
uma seqüela, residual e/ou uma incapacidade que necessitam ser
minimizadas, para se evitar, nesse caso, a invalidez total, depois que as
alterações anatômicas e fisiológicas já se encontram mais ou menos
estabilizadas, objetivando recolocar o indivíduo afetado em uma posição útil na
sociedade, na expectativa da máxima utilização de suas capacidades residuais
(BRASIL, 2001).
A Prevenção Terciária diz respeito a procedimentos e medidas que
evitem complicações, tais como invalidez, perda de função e morte, realizando-
se no ser já doente, buscando a cura e tratamento adequado, tendo por
24
objetivo evitar um estado mais grave e promover ações reabilitadoras, sempre
que possível.
O processo de trabalho no PSF deve ser embasado em uma visão
integral do ser humano e da assistência, buscando resolutividade, por
intermédio de ações de promoção e proteção à saúde, bem como tratamento e
recuperação, garantindo-se o atendimento a todas as necessidades por meio
de um sistema de referência e contra-referência (BRASIL, 2000).
25
CAPÍTULO II
A IMPORTÂNCIA DA FAMÍLIA PARA A PROMOÇÃO DA
SAÚDE
2.1 – FAMÍLIA E REDE DE PROTEÇÃO SOCIAL
No sentido popular, nos dicionários e retratando uma visão tradicional,
encontra-se o termo família designando pessoas aparentadas que vivem, em
geral, na mesma casa, particularmente o pai, a mãe e os filhos. Ou ainda,
pessoas do mesmo sangue, ascendência, linhagem, estirpe ou admitidos por
adoção.
A família está assim definida pela Constituição de 1988, em seu
Art.226, § 3º e § 4º:
Art. 226º A família, base da sociedade tem especial proteção do Estado. [...] § 3- Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. § 4 - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes (BRASIL, 1988).
As Constituições Brasileiras anteriores a 1988 tinham sob sua proteção
o modelo de família tida como legítima, entendendo como tal o modelo de
família nuclear: casal, incluindo duas gerações, com filhos biológicos. Neste
quadro, vale ressaltar a mudança inaugurada pela Constituição de 1988,
quando a participação da sociedade civil conseguiu, a partir da inserção do
título: “Da Família da criança e do adolescente e do idoso”, a ampliação do
conceito de família, reconhecendo a união estável entre o homem e a mulher
como entidade familiar.
26
Enfim, a Constituição Federal de 1988 foi um marco na evolução do
conceito de família, tomando por base o pensamento de Lévy-Brul de que “o
traço dominante da evolução da família é a sua tendência a se tornar um grupo
cada vez menos organizado e hierarquizado e cada vez se funda mais na
afeição mútua” (CARVALHO, 2006, p.99).
A família veio sofrendo mudanças em sua organização e composição,
percebidas nos diversos arranjos domésticos e familiares. As alterações na
estrutura das famílias vêm sendo percebidas, principalmente nos últimos trinta
anos e são decorrentes das mudanças ocorridas na estrutura da economia,
nos processos de trabalho e nas relações sociais em geral (JESUS, 2005).
E não são poucas as transformações pelas quais a família, na
contemporaneidade, vem passando em sua dinâmica e que ocorrem no bojo
das transformações societárias diversas: econômicas, culturais, políticas, etc,
chegando a estar estruturada sobre novos arranjos, que são assim definidos
por Symanski:
Família nuclear, incluindo duas gerações; famílias extensas, incluindo três ou quatro gerações; famílias adotivas temporárias (Foster); famílias adotivas, que podem ser bi-raciais ou multiculturais; casais; famílias monoparentais, chefiadas por pai e mãe; casais homossexuais com ou sem crianças; famílias reconstituídas depois do divórcio; várias pessoas vivendo juntas, sem laços legais, mas forte compromisso mútuo (SYMANSKI, 2002, p. 10).
É de modo especial, a partir dos anos 80, na chamada “década
perdida”, que as mudanças societárias impostas pela doutrina neoliberal e
manifestadas prioritariamente na economia e no Estado
(redução/desresponsabilização), acarretaram uma crise proveniente do
rebaixamento e compressão dos salários e concentração de riquezas,
afetando diretamente as estruturas familiares. Em relação a esse período,
Goldani destaca que:
[...] na chamada “década perdida”, a sociedade brasileira é marcada por um aprofundamento das desigualdades sociais – concentração de renda e drástica diminuição do salário para a maioria da população, e uma sofisticação do consumo de uma minoria – conformando um processo de ‘modernidade excludente’, no qual se acirram as diferenças (GOLDANI, 1994, p. 8).
27
Diante das dificuldades econômico-sociais, os indivíduos passam a
buscar formas de enfrentamento e de sobrevivência frente às condições
precárias de trabalho e má qualidade de vida, como a diminuição do tamanho
da família, com vistas a diminuir também o orçamento familiar e ainda uma
maior inserção das pessoas da família no mercado de trabalho, a fim de
melhorar as condições financeiras e aumentar a renda familiar.
Ainda nessa época, segundo Goldani (1994), os dados demográficos
mostram que o tamanho médio da família diminuiu de 4,8 para 3,9 pessoas e
também alterações nos arranjos familiares e aumento das famílias
monoparentais.
Há ainda, dentro do contexto desses novos arranjos familiares e de
modo especifico no cenário brasileiro do qual se está tratando, uma forte
tendência à valorização do modelo de família extensa, ou parentela, como
fonte de apoio e solidariedade, principalmente no trato do PTM. Para Rosa
(2005, p. 195), além de uma estratégia de sobrevivência, “esta prática
incorpora-se nas relações de solidariedade entre parentes consangüíneos, fato
observado nas famílias a partir da emergência de uma portadora de transtorno
mental no meio familiar”.
Para além da compreensão destes destaques, reside o fato de que em
qualquer desses arranjos, é na família que o sujeito tem seu primeiro contato
como grupo, aonde vai se inserir, adquirir conhecimentos e valores, enquanto
se reconhece como ser humano.
A família desempenha, neste sentido, um papel decisivo na educação
formal e informal, pois é nesse espaço que são absorvidos os valores éticos e
humanitários e onde se aprofundam os laços de solidariedade. Para Ferrari:
É a família que propicia os aportes afetivos e, sobretudo materiais necessários ao desenvolvimento e bem–estar dos seus componentes. Ela desempenha um papel decisivo na educação formal e informal, é em seu espaço que são absorvidos os valores éticos e humanitários, e onde se aprofundam os laços de solidariedade. É também em seu interior que se constroem as marcas entre as gerações e são absorvidos valores culturais (FERRARI, 2004, p. 12).
28
Vai-se delineando, assim, a utilidade social da família, considerando as
mudanças ocorridas na composição familiar, sua visibilidade e aceitação na
sociedade. É nesse rumo que, no ano de 1994, foi instituído pela UNICEF
(Fundo das Nações Unidas para a Infância) o Ano Internacional da Família,
tendo como princípio direcionador a família como unidade básica da
sociedade, instrumento essencial de preservação, transmissão de valores
culturais, instituição que educa, forma e motiva o homem e merece assistência
e uma atenção especial.
Destarte, torna-se necessário ao se desenvolver projetos e programas
de atenção à família, ter um olhar voltado para esta como um núcleo onde as
pessoas se unem, principalmente por laços afetivos, compartilhando um
cotidiano em comum, em que são transmitidas tradições, onde há um forte
acolhimento dos seus membros e se formam crianças e adolescentes, sendo o
lugar privilegiado para se planejar o futuro.
Sendo assim, para Goldani (2002, p.30), “a ênfase atual na família
como lócus privilegiado para promover programas e políticas sociais, visando a
mudanças de comportamento”, fez com que ela passasse a merecer atenção
especial, obtendo reconhecimento de toda a diversidade e multiplicidade de
arranjos internos e de seus membros, o que gerou iniciativas políticas e
institucionais, exigindo do Estado que se tornassem parte das políticas oficiais
dirigidas ao segmento em questão.
Segundo Maurás e Kayayan:
A promoção e o apoio às famílias, sobretudo àquelas em situação mais vulnerável, e o reconhecimento das mesmas, enquanto agente social ativo e objeto de políticas públicas, constituem-se em fatores decisivos na busca dos objetivos prioritários do desenvolvimento humano, tais como a eliminação da pobreza, o acesso à saúde, a educação e a alimentação, a erradicação do trabalho infantil, a promoção da igualdade entre gêneros e a proteção integral a seus membros das crianças aos mais idosos (MAURÁS; KAYAYAN, 2004, p. 9).
Retornando aos efeitos da crise econômica, recessão e medidas de
ajuste nas populações dos países chamados em desenvolvimento, observa-se
que este é o contexto onde as famílias passam a agravar um alto índice de
29
vulnerabilidade e pobreza, tornando-se, inevitavelmente, dependentes dos
programas econômicos adotados.
De modo especial, as famílias de baixa renda foram afetadas de forma
brutal, favorecendo o avanço da desagregação familiar, da gravidez em
adolescentes, do aumento do trabalho infantil, e do crescimento da chefia
feminina, com mais força ainda nas áreas urbanas.
Neste sentido, criou-se a necessidade e preocupação cada vez maior
em direcionar as políticas sociais para grupos considerados economicamente
vulneráveis, com a pretensão de racionalizar os recursos disponíveis e
aumentar a eficiência da ação, prevenindo o aumento da distância social e
econômica entre segmentos de uma mesma população.
No período pós anos 90, a Reforma do Estado, o desemprego e
precarização do trabalho e as novas demandas de uma sociedade complexa,
entre outros, produziram limites e demandas por novos arranjos e maneiras de
gestão da política social como um todo. Segundo Carvalho (2003, p.16), “é
nesse cenário que as redes de solidariedade engendradas a partir da família
ganham importância na política social e, em especial, na proteção social
movida neste final de século”.
Dessa forma, a família como unidade de referência social e de
proteção social, torna-se possibilitadora de diminuir as condições de risco e
vulnerabilidade de seus membros, criando assim uma rede de solidariedade e
proteção, onde se torna o principal responsável por sua prole.
Evidente que, na realidade e no contexto da reestruturação produtiva, a
forma como as políticas sociais atendem a essas famílias é seletiva e
fragmentada, onde apenas os excluídos dos excluídos são atendidos, levando-
se em conta que a situação de vulnerabilidade das famílias está relacionada à
sua situação de pobreza e ao mesmo tempo à má distribuição de renda.
Segundo Sposati trata-se de resgatar um movimento de “exclusão dos
incluídos”:
A passagem da exclusão-inclusão não é instantânea e nem se faz de uma só maneira. E a inclusão, também, pela própria fragmentação dos programas sociais, se dá a partir de uma necessidade instituída. Com isto, a própria fragmentação é uma forma de não dar conta de
30
todas as necessidades, carências das pessoas. (SPOSATI, 2003, p. 75)
É uma condição extensiva de vulnerabilidade e fragilização, inclusive
no aspecto psicossocial dessas famílias, tornando-se importante o reforço do
mesmo no atendimento às mesmas. Desta forma, a família deve ser atendida
de forma integral, para que não haja uma segmentação dos indivíduos em
vários programas, como acontece em grande parte destes, que a tem como
matriz.
Diante de tais variações na composição do núcleo familiar, pode-se
questionar se o lar, como unidade de afeto e abrigo, espaço de amor,
solidariedade e segurança, estaria dissolvendo-se. Neste sentido, Pereira
afirma que tais mudanças não devem ser entendidas como negativas,
ressaltando que:
A aparente desorganização da família é um dos aspectos da reestruturação que ela vem sofrendo, a qual se, por um lado, pode causar problemas, pode, por outro, apresentar soluções. Trata-se, pois, de um processo contraditório que, ao mesmo tempo que abala o sentimento de segurança das pessoas, com a falta ou diminuição da solidariedade familiar, proporciona também a possibilidade de emancipação de segmentos tradicionalmente aprisionados no espaço restritivo de muitas sociedades conjugais opressoras (PEREIRA, 1995, p. 107).
Para Carvalho (2006, p. 267), é “fato de que o exercício vital das
famílias é semelhante às funções das políticas sociais: ambas visam dar conta
da reprodução e da proteção social dos grupos que estão sob sua tutela”. É
dessa forma que percebe-se a necessidade da efetiva participação e
compartilhamento das famílias no trato com as políticas públicas e, ao invés de
somente políticas compensatórias, se investir mais na autonomia do grupo,
com políticas de fato emancipatórias.
A família agrupada apresenta peculiaridades decorrentes dos vínculos
existentes entre eles. Não são as normas escritas nem conscientemente
admitidas e verbalizadas, mas aquelas compartilhadas entre seus membros,
tais como crenças, fantasias, expectativas inconscientes, que influenciam toda
dinâmica familiar, que se concretizam na distribuição de papéis e funções
31
familiares. A família é o grupo de origem de todos os grupos, é o grupo
primário.
Para existir família não basta que exista pai, mãe e filhos, mas é
necessário desempenhar funções uns em relação aos outros; há uma
interdependência. A identidade individual é conseqüência dos limites entre
eles. As fronteiras impedem as trocas, as mudanças decorrentes de terceiros.
A compreensão de família está fundamentada nas articulações dos aspectos
psicológicos, sociológicos e emocionais.
É consenso que a situação de vulnerabilidade das famílias encontra-se
diretamente associado à sua situação de pobreza e ao perfil de distribuição de
renda no país. Segundo Takashima:
Pobreza é fundamentalmente uma experiência humana frustrada, uma deteriorada qualidade de vida. Não seria, somente, uma determinada relação das pessoas com as coisas, mas uma relação destas consigo mesmas, com os outros e com o ambiente psicológico, social e ecológico (TAKASHIMA, 2008, p. 79).
De modo especial, as famílias de baixa renda são as mais fortemente
afetadas por diferentes tipos de problemas, favorecendo o avanço da
desagregação familiar.
Castel (1998, p. 569), ao analisar a inserção social da família tendo
como foco o enfraquecimento da condição salarial e a precarização do
trabalho, afirma que “a exclusão não é uma ausência de relação social, mas
um conjunto de relações sociais particulares da sociedade tomada como um
todo”.
Os efeitos desta dinâmica podem ser observados na desestabilização
dos estáveis; instalação da precariedade; déficit de lugares na estrutura social,
posições às quais estão associados uma utilidade social e um reconhecimento
público; vulnerabilidade social, desemprego e desfiliação. Desta forma, a
família tornou-se mais vulnerável, onde algumas vêem seu status social
ameaçado, incapazes de acompanhar as dinâmicas da sociedade salarial,
sendo denominados por Castel (1998), de inadaptados sociais.
Percebe-se, assim, que não se pode negar que as condições indignas
e a precariedade das contingências econômico-sociais que castigam a maioria
32
das famílias pobres brasileiras podem afetar de forma adversa o
desenvolvimento de seus membros, sendo possível compreender a
subalternidade expressa nos comportamentos destas famílias, tais como
alcoolismo, uso de drogas, participação em furtos e assaltos, explosões de
violência urbana, agressões a membros da família (muitas vezes, crianças) e
vizinhos, sendo considerados como formas de reação ao processo de exclusão
arquitetado pelo capital (CARVALHO, 2000, p. 100).
No que se refere às relações do Estado com a família, Mioto (2004)
afirma que a família, tomada como esfera privada e indiferente à esfera
pública, e apenas vista como referência para políticas sociais e as relações
entre organização familiar, estilo de vida e problemas sociais são vistos apenas
quando ameaçam a estabilidade e segurança social.
Assim, conforme Mioto (2004),
Disto deriva uma organização de serviços centrados basicamente em indivíduos-problema. Ou seja, a atenção é dirigida para a criança, o adolescente, a mulher, o idoso, a partir de situações específicas, tais como a doença, a delinqüência, o abandono, os maus-tratos, a exploração. Dessa organização derivam abordagens direcionadas à resolução de problemas individuais [...] têm uma leitura limitada das demandas que lhe são colocadas e perdem de vista os processos relacionados como um todo (MIOTO, 2004, p. 54-55).
No mesmo sentido, Genofre (2003) afirma que são priorizados pelas
políticas públicas o atendimento setorial aos segmentos minoritários (criança,
idoso, etc.), não havendo uma atenção especial à visão global da necessidade
de unir esses segmentos ajuntados no conceito de família, “vista como
sinônimo de cooperação, colaboração, aproximação e integração de seus
membros” (GENOFRE, 2003, p. 104); mesmo tendo-se hoje, a LOAS que tem
por objetivo a proteção da família, da maternidade, da infância, adolescência e
velhice, além de afirmar que a assistência social realiza-se de forma integrada
às políticas setoriais, entre outras coisas, a universalização dos direitos sociais.
Quanto a esta questão, Gueiros (2002) analisa que,
A complementaridade Família-Estado parece cada vez mais tênue, depositando-se nas famílias uma sobrecarga que na maioria das vezes não conseguem suportar, tendo em vista as precárias condições socioeconômicas em que parcela considerável da
33
população está submetida. Isso se acentua ainda mais quando se trata de configurações familiares que não contam com reconhecimento social e legal [...] além de não poderem contar, em certos, com o amparo legal e previdenciário disponível para as configurações familiares reconhecidas social e legalmente (GUEIROS, 2002, p. 117).
A família é o contexto mais importante para o desenvolvimento da
saúde física e mental dos indivíduos e, segundo estudos realizados sobre o
ambiente familiar, é fundamental que se busque conhecer as relações
familiares, a fim de que se tenha uma maior compreensão do desenvolvimento
dos indivíduos, sendo possível a elaboração de estratégias de intervenções
(MINUCHIN, 1990).
Observa-se que a família e a sociedade, de um modo geral, não estão
estruturadas para receber o doente e prestar auxílio à sua recuperação, pois,
como afirma Cohn:
Para ter saúde é necessária uma infra-estrutura satisfatória, ao passo em que as oscilações conjunturais dos rendimentos familiares refletem diretamente o impacto da situação econômica e os sacrifícios impostos às famílias que precisa utilizar-se de diversas estratégias para garantir a sua condição de sobrevivência (COHN, 1990, p. 32).
O núcleo familiar, por si só, não dispõe de meios para promover a
integração social e o desenvolvimento pessoal de seus membros, sendo
necessária sua inclusão em programas sociais que lhe permita condições
básicas de (re)inserção social e de cidadania, para que possa exercer o papel
que lhe é atribuído (GUEIROS, 2002).
Assim, não é fácil para a equipe profissional contar com este suporte
por parte das famílias, seja devido a aspectos econômicos (pobreza), seja
culturais (valores, interpretações distorcidas, a prática do não-diálogo e, por
conseguinte, da violência, seja ainda pelo baixo aporte afetivo).
Tais aspectos são prejudicados e/ou condicionados pelo contexto
socioeconômico, sendo possível perceber que quanto maior a pobreza, mais
complexos se tornam. No entanto, mesmo em meio a estas dificuldades, o
resgate da participação familiar é a meta da equipe profissional e, entre ela, de
modo especial, o serviço social, que intervém neste sentido em todas as
etapas do tratamento.
34
Para Guimarães e Almeida (2008, p. 131), é necessário que se afaste
a idéia de que o trabalho com famílias pode ser “conduzido de maneira
pragmática, aleatória ou voluntarista”, sendo preciso entender que o fato de
pessoas ou famílias estarem juntas “não concretiza, per se, um procedimento
grupal que possa conduzir seus membros a processos de autonomização e
mudanças da realidade familiar e social.”
O grande desafio à equipe de profissionais que atua junto a estes
indivíduos diz respeito à abordagem e mediação nas famílias, em busca de
apoiá-las e fortalecê-las em seu dia-a-dia, através de políticas de atendimento,
pois estas constituem partes que se relacionam entre si, onde uma não pode
prescindir da outra (TAKASHIMA, 2008).
Segundo Guimarães e Almeida (2008, p. 134), o trabalho com famílias
no Brasil deve priorizar metodologias que permitam sair do lugar solitário que
ocupam atualmente, para um espaço “que gere solidariedade e seja facilitador
de formas de enfrentamento das condições econômicas, sociais e políticas: um
espaço político no qual a ética seja o valor fundante.”
Mioto (2004), refletindo sobre a natureza e a especificidade das ações
profissionais com famílias, observa que o serviço social, no seu cotidiano,
desenvolve algumas ações diferenciadas pelas particularidades que
apresentam, tais como ações socioeducativas, ações socioterapêuticas, ações
periciais, ações socioassistenciais, ações de acolhimento e apoio
socioinstitucional.
As ações socioeducativas se relacionam àquelas que, por meio da
informação, da reflexão, ou mesmo, da relação, visam provocar mudanças
(valores, modos de vida); as ações socioterapêuticas são desenvolvidas na
presença de situações de sofrimento das famílias, expresso nas suas relações
ou pelos seus membros, buscando alterar esta situação; as ações periciais,
através do estudo e da avaliação das situações familiares, propõem-se a
emitir um parecer social para outrem; as ações socioassistenciais se
relacionam a toda ação de provimento e de sustentação para atendimento de
necessidades das famílias usuárias; e as ações de acolhimento e apoio
socioinstitucional consistem no acolhimento, apoio e na articulação de
35
recursos, através da ativação, integração e modificação das redes sociais e de
serviços para atender as demandas familiares.
Mioto (2004) afirma que as ações educativas têm-se colocado como
um campo fértil para o debate interdisciplinar, particularmente no campo da
educação popular, que vem sendo entendida, cada vez mais, também como
ações que se desenvolvem no interior dos serviços, na busca da qualidade do
atendimento e na defesa de direitos.
36
CAPÍTULO III
AS CONTRIBUIÇÕES DO SERVIÇO SOCIAL NO PSF
3.1 Demandas para o Serviço Social
O Serviço Social é, para Serra (2000, p. 174), antes de tudo, “uma
profissão de intervenção social e sua utilidade social será maior ou menor na
medida em que ela possa oferecer respostas úteis às necessidades sociais,
principalmente em tempos de incertezas e desafios de hoje”.
O objeto de trabalho do assistente social é a questão social e sua
origem encontra-se fundamentada na contradição que define a sociedade
capitalista, com sua produção cada vez mais social; e a apropriação do
trabalho, suas condições e seus resultados, cada vez mais privadas.
Dessa forma, o assistente social atua em um espaço de convergência
e de contradições, que é a própria sociedade, mediado por interesses
contraditórios, onde o profissional, entendendo esse caráter contraditório,
busca romper com o fatalismo/pragmatismo (visão determinista da sociedade)
ou messianismo/voluntarista (visão heróica da profissão), pois ambas as visões
são distorções dos processos sociais e históricos que não reconhecem a
realidade do mercado de trabalho (MENEZES, 2006).
Neste sentido, ao analisar os caminhos da prática profissional do
assistente social, Simionato (1999) afirma que estes se defrontam com duas
perspectivas teóricas distintas:
A que compreende a ação profissional como um campo de fragmentos, restrita às demandas do mercado de trabalho, cuja apreensão requer a mobilização de um corpo de conhecimentos e técnicas que não permite extrapolar a aparência dos fenômenos sociais; e, uma outra, que compreende a ação profissional a partir de uma perspectiva de totalidade, de caráter histórico-ontológico, remetendo o particular ao universal e incluindo as determinações objetivas e subjetivas dos processos sociais. Para tal, exige-se um
37
profissional com qualificação teórico-crítica e prático-operativa capaz de intervir sobre e nas demandas imediatas e de construir novas alternativas de ação conectadas aos processos macrossociais que transcendem o horizonte do projeto da pós-modernidade (SIMIONATO, 1999, p. 89).
A legitimidade do Serviço Social passa, fundamentalmente, pela sua
capacidade de responder às necessidades sociais, fonte de sua demanda, que
devem ser problematizadas, buscando compreender as mediações que
relacionam as necessidades fundamentais do processo de reestruturação
produtiva com as exigências do mercado de trabalho.
Para tanto, é fundamental que o assistente social identifique as
necessidades dos sujeitos (capital e trabalho) e, a partir do conhecimento
dessas necessidades, possa dar conta das requisições postas no seu cotidiano
profissional pelo mercado de trabalho.
As demandas com as quais o assistente social se depara em seu
cotidiano profissional são conseqüência da sociedade capitalista e sua
capacidade de resposta para o atendimento dessas demandas está
inteiramente ligada ao projeto hegemônico, colocado para a sociedade
brasileira nestes últimos anos.
É fundamental que os profissionais tenham clareza dos projetos que estão postos, o que eles significam e suas conseqüências. Isso quer dizer que o assistente social, como profissão inserida na divisão social e técnica do trabalho, pode no seu exercício profissional reforçar o projeto neoliberal com suas políticas seletivas, excludentes e focalistas, que visam ampliar a esfera privada em detrimento da esfera pública, contribuindo para minar os direitos daqueles que demandam seu trabalho para o atendimento de suas necessidades; ou, ao contrário, reforçar o projeto que defende o acesso universal, igualitário, integral e de qualidade das populações demandantes das políticas sociais públicas, contribuindo para que o seu trabalho efetive ações que apontem para o fortalecimento dos sujeitos coletivos dos direitos sociais (BEZERRA; ARAÚJO, 2007, p. 207).
Assim, o assistente social atua como mediador entre demandas que
resultam das condições de vulnerabilidade da população e as demandas
postas pela instituição, responsável pela implementação das políticas sociais
públicas, que se configuram dentro de uma perspectiva focalista, seletiva e
excludente para a prestação dos serviços públicos.
38
Ao discorrer sobre os desafios do exercício profissional do assistente
social, Iamamoto afirma que,
O Serviço Social requer olhos abertos para o mundo contemporâneo para decifrá-lo e participar de sua criação, desenvolvendo um trabalho pautado no zelo pela qualidade dos serviços prestados, na defesa da universalidade dos serviços públicos, na atualização do compromisso ético-político com interesses coletivos da população usuária. Dessa forma, o exercício da profissão prevê competências teórico-práticas, ético-políticas, técnico-operativas para defender o seu campo de trabalho, suas qualificações e funções profissionais. É ir além das rotinas institucionais e buscar apreender o movimento da realidade para detectar tendências e possibilidades nela presentes, passíveis de serem executadas (IAMAMOTO, 2005, p. 59).
A intervenção do profissional de serviço social deve se pautar sempre
através de preocupações específicas com a questão ética, direcionando a
intervenção para a satisfação das necessidades humanas específicas e para a
garantia dos direitos humanos e efetivação da proteção social, trabalhando
para o bem estar e realização pessoal dos seres humanos, valores adotados
da Federação Internacional de Assistentes Sociais (FIAS), a partir de 1993.
O atual Código de Ética do Serviço Social, de 1993, é um marco para a
categoria, tendo sido elaborado democraticamente, configurando, mais que um
conjunto de normas, um novo perfil profissional, cuja direção social, segundo
Miranda e Cavalcante (2005),
Fundamentada sob a Teoria Social Crítica, postula o enfrentamento de antigas e novas expressões da questão social através da montagem de estratégias que ampliem os limites impostos à cidadania e democratizem as políticas públicas e seu acesso diante do padrão de acumulação vigente e do modelo de proteção que lhe é inerente. Contudo, para atingir tais objetivos é preciso dirigir não apenas a ética, mas também o conhecimento e o saber profissionais à construção dessas novas estratégias de poder que possibilitem o enfrentamento concreto das desigualdades sociais, entendendo-se que todas as condutas profissionais têm implicações práticas e podem concorrer para distintos projetos e soluções (MIRANDA; CAVALCANTE, 2005, p. 14).
Assim, o profissional precisa reconhecer as necessidades e demandas
da população atendida, para que seja capaz de propor ações que vão ao
encontro dessas demandas, devendo romper com propostas prontas de ação,
na tentativa de efetivar o projeto profissional.
39
Para conhecer a população e, conseqüentemente, propor ações que
atendam às suas necessidades, é essencial a aproximação do profissional
pois, segundo Iamamoto (2002), do contrário,
O assistente social poderá dispor de um discurso de compromisso ético-político com a população, sobreposto a uma relação de estranhamento perante essa população, reeditando programas e projetos alheios às suas necessidades, ainda que em nome do compromisso. [...] é necessário romper as rotinas e a burocracia estéreis [...] para o desencadeamento de ações coletivas que viabilizem propostas profissionais capazes de ir além das demandas instituídas (IAMAMOTO, 2002, p. 34).
Dessa forma, o assistente social compromete-se com a qualidade e o
alcance dos serviços prestados, assegurando a defesa dos direitos sociais, da
cidadania e da justiça social, articulando teoria e prática em busca de
mudanças nas políticas tuteladoras, visando a participação dos usuários como
sujeitos políticos e de direito. Tais perspectivas são possíveis apenas no
cotidiano profissional, pois é neste espaço que o assistente social pode
construir alternativas coerentes ao projeto profissional. Para tanto, segundo
Boschetti (2004),
Um dos desafios postos hoje para a categoria profissional é a de manter as conquistas e avanços desse projeto profissional, pois apesar das adversidades da atual conjuntura, é no cotidiano do trabalho que estão as possibilidades de construir alternativas coerentes com ele, ou seja, materializá-lo, articulando os avanços teórico-metodológicos e éticos acumulados durante as décadas. Para isso, também é necessário uma tomada de posição ética e política que se insurja contra os processos de alienação vinculados à lógica contemporânea, impulsionando-nos a dimensionar nosso processo de trabalho na busca de romper com a dependência, subordinação, despolitização, construção de apatias que se institucionalizam e se expressam em nosso cotidiano de trabalho (BOSCHETTI, 2004, p. 79).
Tendo, portanto, um compromisso com o Código de Ética próprio da
profissão, o assistente social, na contemporaneidade, articula o Projeto Ético
Político com a defesa dos direitos sociais que também comportam
regulamentos próprios, como é o caso, por exemplo, da Saúde, com o Sistema
Único de Saúde – SUS e da Assistência Social, com a Lei Orgânica da
Assistência Social – LOAS.
40
3.2 A atuação do Serviço Social na saúde
A inserção do serviço social na área de saúde, especialmente no SUS,
levanta diversos questionamentos sobre o seu papel, pois este profissional não
é um mero executor das políticas públicas de saúde, tendo sido requisitado
para “instâncias de gerenciamento dos serviços de saúde, em todos os níveis,
[aquelas] apontavam para a necessidade da ação dos profissionais na
composição das equipes dos serviços públicos de saúde” (COSTA, 2000, p.
36).
Ainda segundo Costa, o assistente social é um articulador mas, para
isso, necessita utilizar a linguagem e o conhecimento, “tanto das razões que
levam o usuário e/ou sua família a ter determinado comportamento, quanto das
razões técnicas básicas que levaram o médico/equipe de saúde a optar por
uma determinada terapêutica” (COSTA, 2000, p. 53).
A ação do profissional, enquanto sujeito, na medida que tem que dar
conta da realidade, deve procurar romper com práticas tradicionais e
burocráticas. Há uma necessidade crescente de superação das rotinas
institucionais, de forma a assimilar o movimento do cotidiano, a fim de
transformar uma ação rotineira em uma ação crítica, sem perder de vista que a
vontade política deve ser confrontada com os limites e possibilidades da
realidade social.
Para tanto, deve-se ter em conta que essa forma de pensar a prática
surgiu de rebatimentos dentro da profissão, sobretudo do movimento de
reconceituação, enquanto uma busca pela ruptura com o conservadorismo, no
contexto de uma ofensiva neoliberal, de onde emanam as novas e mais graves
expressões da questão social que marcam a contemporaneidade, refletindo
profundas transformações e complexidades à própria profissão.
Segundo Iamamoto:
A fonte de nossos problemas é chave de suas soluções. Dessa maneira, a ruptura com profissionalismo estreito, a implosão do “estritamente profissional”, a abertura para mais longe - para o amplo horizonte do movimento da sociedade-é que torna possível iluminar
41
as próprias particularidades do Serviço Social, apreendendo-o na trama de relações que explicam sua gênese, seu desenvolvimento, seus limites e possibilidades; trama essa que condiciona o âmbito de alternativas que se apresentam aos sujeitos profissionais em cada momento conjuntural (IAMAMOTO, 2005, p. 203).
Muitas ações desenvolvidas a partir de programas (bolsa escola,
cartão cidadão, bolsa família, etc.) que atendem a grupos diferenciados, são
assistencialistas e tutelares e, como profissional inserido no campo das
políticas públicas, o assistente social não escapa da necessidade de busca por
uma nova maneira de trabalhar, de forma integral, a centralidade da família
nos programas. Refere-se aqui, com vista a essa integração, tanto a
necessidade de um trabalho interdisciplinar - envolvendo os diversos
profissionais, quanto intersetorial - envolvendo políticas e setores diversos, tal
como está proposto no Sistema Único da Assistência Social / SUAS - como
modelo de gestão, a partir da atual Política Nacional de Assistência Social,
aprovada em outubro de 2004.
Atualmente, para o Assistente Social que trabalha na área de saúde,
as demandas mais concretas partem dos usuários, dos benefícios sociais, da
garantia dos direitos, dos próprios profissionais que atuam na saúde, de suas
necessidades de assistência médica e do envolvimento dos familiares.
Na avaliação de Vasconcelos (2003, p. 441), “é na direção da
objetivação dos direitos sociais que os assistentes sociais podem firmar a
contribuição do Serviço social na construção de novos sujeitos coletivos, que
assim realizam seus direitos.”
Assim sendo, é possível captar desse modo de inserção, que o
assistente social é colocado para minimizar as contradições que surgem nas
instituições, levando em conta a pobreza, exclusão social e outras mazelas que
provêm das políticas econômicas e sociais do contexto de expansão do
capitalismo monopolista, neoliberalismo, globalização e da reestruturação
produtiva no Brasil, o que não torna a profissão diferente de outras áreas, uma
vez que, historicamente, é o mesmo processo.
Entende-se que, em relação à prática institucional na área da saúde, o
Serviço Social tem muitas vezes seu saber subordinado a outros, como
afirmado por Bisneto (2005, p.18), ao salientar que “o produto da prática
42
institucional do Serviço Social é alienado pelos poderes médicos e psi,
colocando ás vezes, dificuldades para o reconhecimento de sua competência
profissional.”
Entretanto, o profissional, na medida em que rompe com limites e traça
ações estratégicas para atuar em uma área onde não é o mandante, ao fazer
uma análise competente e crítica das relações existentes na prática social,
visto que nela também estão presentes os conflitos de interesse, a
contradição, que faz parte da ação social, tem a possibilidade de transformar
essas relações de forças, construindo categorias de análise para que, então,
possa dar conta da estrutura, da conjuntura e das correlações de forças
presentes na instituição. Assim, é fundamental entender, como mostra
Faleiros, que:
É na correlação de forças que se definem os problemas e também é por ela que são resolvidos. A análise de conjuntura, evidentemente compreendendo a conjuntura institucional, visa o estabelecimento de estratégias e táticas para fortalecer o pólo popular, a mudança da correlação de forças que determina o objeto de sua demanda e suas alternativas (FALEIROS, 2001, p. 54).
Bisneto (2005, p.126) conclui ainda que, devido a todo esse contexto
de contradições e desafios, sobretudo nas práticas institucionais, é complexo
analisar a atuação do assistente social, mas destaca que, ao mesmo tempo
em que se atende às demandas dos usuários, se atende também a dos
médicos, dos gestores, das famílias, dos coordenadores, atuando
terapeuticamente, elaborando projetos, oficinas, podendo ser técnico de
referência e executar outras tarefas. O autor reforça, ainda, que:
O principal, problema é atuar numa ordem capitalista em contexto neoliberal, onde as soluções para os problemas apresentados são meros paliativos para manter o sistema sem tocar na “questão social”. Vários autores críticos apontam a dificuldade de se construírem seres humanos emancipados, integrais, com valores do processo civilizatório, quando dentro da dominação burguesa (BISNETO, 2005, p. 127)
43
Bisneto também reafirma a dificuldade da prática interdisciplinar, pelo
fato de não haver uma compreensão do que seja interdisciplinaridade em
saúde mental:
Coloca-se a questão como uma articulação de saberes, sem levar em consideração que envolve questões de poder dentro das instituições e, conseqüentemente, interesses econômicos resultantes de práticas orientadas para este ou aquele fim ditado por um paradigma. Chega-se à conclusão de que as possibilidades da interdisciplinaridade dependem dos interesses estruturais da organização mediado pelos interesses dos sujeitos atores do processo de “trabalho” institucional (BISNETO, 2005, 116).
Neste processo de transformação da prática do Serviço Social, há a
busca de um profissional que viabilize o acesso dos usuários a serviços como
direito social, capacitando-os à participação na efetivação e garantia destes.
Nesta proposta, ao atender às demandas de seus usuários, o assistente social
se coloca frente a um sujeito de direitos, um cidadão.
Vale ainda lembrar, como afirma Iamamoto, que:
Um dos maiores desafios que o assistente social vive no presente é desenvolver sua capacidade de decifrar a realidade e construir propostas criativas e capazes de preservar e efetivar direitos, a partir de demandas emergentes no cotidiano. Enfim, ser um profissional propositivo e não só executivo. (2005, p. 20).
As demandas do serviço social são as mais diversas, por isso é
importante atentar para que não caia em uma rotina esvaziada de conteúdo
teórico-reflexivo, sendo necessário que este mantenha uma constante reflexão
sobre a prática, buscando apreender a realidade institucional e também dos
usuários, possuindo, para tanto, “um relativo domínio do discurso médico, que
o habilita a explicar alguns procedimentos terapêuticos de caráter
complementar/auxiliar e cuidados a serem tomados durante o tratamento”
(COSTA, 2000, p. 54).
O assistente social atua com educação em saúde, coordenando desde
o planejamento, divulgação, até a execução e avaliação de programas de
prevenção e cuidados, possuindo o papel de articulador.
44
Apesar de chegar ao serviço social demandas de caráter emergencial,
tais como “providenciar transporte, marcação de exames e consultas extras,
mobilização de recursos assistenciais” (COSTA, 2000, p. 56), o assistente
social não pode fazer dessa atividade algo burocratizado, como um mero
marcador de exames, mas fazer com que esta tenha visibilidade na instituição,
a fim de ser reconhecido como um profissional articulador.
Enfim, pode-se observar que o assistente social atua junto a uma
grande variedade de demandas que podem ser institucionais, dos próprios
profissionais e dos usuários. No entender de Costa (2000, p. 62-63), o
profissional do serviço social “cumpre papel particular de buscar estabelecer o
elo ‘perdido’, quebrado pela burocratização das ações, tanto internamente
entre os níveis de prestação de saúde, quanto, sobretudo, entre as políticas de
saúde e as demais políticas sociais e/ou setoriais”.
Considerando que o Programa Saúde da Família é um recurso
estratégico de atenção à saúde, que prioriza as ações de prevenção,
promoção e recuperação da saúde da população de forma integral e contínua,
incorporando os princípios básicos do Sistema Único de Saúde (SUS) -
Universalização, Descentralização, Integralidade e Participação através do
controle social - torna-se notória a importância da presença do assistente
social nesse contexto, como forma de reafirmação desses princípios
estabelecidos pelo SUS.
Se a saúde não é entendida apenas como a ausência de doenças,
mas como a busca do equilíbrio do ser humano, devendo, assim, romper os
estreitos limites da assistência curativa e avançar para modelos de assistência
multiprofissional que viabilizem ações, especialmente no âmbito da promoção
da saúde, gerando qualidade de vida, efetividade dos indicadores de saúde e,
como conseqüência, economia de recursos para os cofres públicos, a
presença do assistente social é primordial na assistência aos usuários do PSF.
Como abordado anteriormente, em janeiro de 2008, o Ministério da
Saúde autorizou, através da Portaria Ministerial nº 154, a implantação dos
Núcleos de Apoio à Saúde da Família (Nasf), que reunirão profissionais de
diversas áreas no atendimento à população.
45
Tais núcleos são um reflexo de uma iniciativa que vai ampliar o número
de profissionais vinculados às equipes de Saúde da Família, pois reunirão
profissionais das mais variadas áreas de saúde, como médicos (ginecologistas,
pediatras e psiquiatras), professores de Educação Física, nutricionistas,
acupunturistas, homeopatas, farmacêuticos, assistentes sociais,
fisioterapeutas, fonoaudiólogos, psicólogos e terapeutas ocupacionais. Esses
profissionais atuarão em parceria com as equipes de Saúde da Família,
ampliando a abrangência e o escopo das ações da atenção básica e
complementando o trabalho das equipes do PSF.
Vasconcelos (2003) afirma que nos novos serviços de atenção primária
à saúde expandidos no SUS, poucos profissionais dispõem-se a uma inserção
mais profunda no universo local, o que evidencia uma carência de um
profissional na equipe do PSF que trabalhe diretamente no acompanhamento
comunitário, focalizando o atendimento contínuo e diferenciado àqueles que se
encontram em situação de risco social.
Assim, é visível a necessidade de um profissional na equipe do PSF,
como afirma Vasconcelos:
O acesso à saúde como um direito social depende da gestão democrática dos serviços a partir da participação na definição e planejamento das políticas de saúde, da qualidade do controle social exercido pelos seus demandantes, da qualidade e quantidade dos serviços prestados, o que coloca demandas por organização e capacitação para uma participação consciente e crítica, as quais dependem de ações específicas, considerando as unidades de saúde com complexidades diversas. Assim, com clareza e segurança da direção do trabalho profissional, podem-se apontar objetivos específicos, demandas, metas, estratégias e ações, comuns e diferenciadas a partir da complexidade de cada unidade de saúde, com definição do papel central do assistente social em cada uma delas (Vasconcelos, 2003, p. 478).
Dessa forma o assistente social trabalhará diretamente com o usuário
aplicando seus instrumentos técnicos – cadastro sócio-econômico, visita
domiciliar e outros – conhecendo a realidade social – que pode ser fator
determinante na contração da enfermidade – e propondo ações
transformadora a partir de então, garantindo ainda o acesso a este direito
social. Com isso, pode-se afirmar que o trabalho do Serviço Social no
46
Programa de Saúde da Família trará a este uma conotação social, modificando
o caráter hospitalar de atendimento institucionalizado e o tratamento.
O grande desafio colocado aos assistentes sociais em seu trabalho no
PSF não é diferente daquele com o qual se deparam todos os profissionais
que lidam com as múltiplas expressões da questão social, vivenciando um
contexto que Netto (1996) define como de transformações societárias, cujas
repercussões rebatem diretamente no cotidiano dos usuários atendidos pelas
diferentes políticas sociais, entre elas o PSF.
Há que se ressaltar que atuar em PSF não requer apenas
conhecimento, mas também interação, vinculando, participação e co-
responsabilidade em uma equipe integrada e disposta a lutar pela melhoria da
qualidade de vida da população. Considera-se que é justamente na busca pela
efetivação da cidadania que se torna importante a experiência do assistente
social na equipe básica do PSF, tendo como horizonte a concretização do
projeto ético-político do Serviço Social e a consolidação de um projeto
efetivamente democrático.
47
CONCLUSÃO
As ações básicas em saúde constituem um conjunto de ações de
promoção, prevenção e assistência, devendo ser ofertadas de forma a facilitar
o acesso dos cidadãos, o mais próximo possível de sua residência.
O modelo de atenção proposto pelo Ministério da Saúde, e adotado
pelos estados e municípios, tem sido organizado e orientado para as ações de
promoção e prevenção em saúde, buscando romper com a proposta do
cuidado curativo, centrado na atenção hospitalar.
O Programa de Saúde da Família (PSF) tem representado importante
iniciativa nesse sentido, pois responde a uma nova concepção de saúde,
voltada para a qualidade de vida e os diversos fatores que a colocam em risco,
além de propor uma ampliação do lócus da intervenção de saúde.
Pode-se afirmar que são vários os aspectos que influenciam
diretamente no nível de saúde da população, dentre os quais destaca-se o
processo de trabalho, a falta de oportunidades e as condições
socioeconômicas e culturais.
Uma vez que o modelo de atenção à saúde implantado no PSF centra-
se na família, entendida e percebida em seu ambiente físico e social,
permitindo uma compreensão ampliada do processo saúde/doença e da
necessidade de intervenções que vão além de práticas curativas denota-se,
portanto, a importância e necessidade de um profissional da área social como
integrante da equipe que compõe o programa.
O profissional de serviço social é um elemento que possui condições
de propor ações na reorganização da sociedade, resgatando a dignidade das
camadas mais humildes, favorecendo o crescimento da sociedade pelo
desenvolvimento cultural, que se alia ao processo de promoção da saúde.
Para que haja eficiência e efetividade na proposta do PSF em
promover o autocuidado e hábitos de vida saudáveis, é necessário identificar
junto aos usuários aquilo que lhes é significativo, construindo, a partir de então,
conceitos que sejam coerentes a estes usuários. Desta forma, o assistente
48
social está habilitado a fazer tais intervenções e sondagens, levando a família
a assumir seu papel fundamental na promoção da saúde.
Conclui-se que são inúmeras as contribuições que o profissional de
serviço social pode trazer para um programa voltado à atenção integral à
saúde, ao se considerar que esta profissão assumiu um compromisso ético-
político com a democracia, a liberdade e a justiça social, expressas em seu
código de ética profissional, além de ter por objeto de trabalho as questões
sociais e uma formação teórico-metodológica que o habilita a lidar com a
realidade da classe trabalhadora em seu cotidiano, desempenhando um
importante papel nessa construção. Cabe ressaltar, ainda, que o assistente
social é reconhecido como um profissional da saúde.
Assim, pode-se afirmar que são inúmeras as atribuições que podem
ser assumidas pelo assistente social no Programa Saúde da Família,
destacando que estas devem ter como norte a defesa e a consolidação dos
direitos sociais.
A promoção da saúde demanda a consolidação de direitos, incremento
de poder comunitário e pessoal, através do desenvolvimento de habilidades e
atitudes, condizentes à aquisição de poder técnico e político parta atuar em
prol da saúde. Para que isso se efetive, é fundamental haver a participação
das famílias que compõem a comunidade, entretanto, tal participação
demanda conscientização e politização, a fim de que estas tenham condições
de verem seus direitos efetivados e de contribuírem para a promoção da
saúde.
O que não se pode admitir é a permanência de uma atenção à saúde
que não considere o indivíduo, seu contexto, e sua condição de sujeito. Em
sua inserção no PSF, o assistente social deve buscar a mudança nas
concepções de saúde e de assistência.
Desta forma, é na busca pela efetivação da cidadania que se deve
pensar a atuação do assistente social na equipe do PSF, tendo como horizonte
a concretização do projeto ético-político do Serviço Social e a consolidação de
um projeto efetivamente democrático e popular no fazer saúde em família.
49
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55
ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO 2
AGRADECIMENTO 3
DEDICATÓRIA 4
RESUMO 5
METODOLOGIA 6
SUMÁRIO 7
INTRODUÇÃO 8
CAPÍTULO I
DO SUS AO PSF: A TRAJETÓRIA DA SAÚDE NO BRASIL 10
1.1 - A Criação do PSF 18
CAPÍTULO II
A IMPORTÂNCIA DA FAMÍLIA PARA A PROMOÇÃO DA SAÚDE 25
2.1 – Família e Rede de Proteção Social 25
CAPÍTULO III
AS CONTRIBUIÇÕES DO SERVIÇO SOCIAL NO PSF 36
3.1 – Demandas para o Serviço Social 36
CONCLUSÃO 47
BIBLIOGRAFIA 49
ÍNDICE 55
56
FOLHA DE AVALIAÇÃO
Nome da Instituição: Universidade Cândido Mendes
Título da Monografia: A Importância do Serviço Social no PSF: O Resgate da
Família para a Promoção da Saúde
Autor: Gisele Costa de Araújo
Data da entrega:
Avaliado por: Conceito: