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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE LIMITAÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO TRANSPORTADOR DE CARGAS À LUZ DO ARTIGO 750 DO NOVO CÓDIGO CIVIL Por: Monica Melanio de Almeida Quintino Orientador Prof. Diogo de Souza e Mello Rio de Janeiro 2008

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

LIMITAÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO

TRANSPORTADOR DE CARGAS À LUZ DO ARTIGO 750 DO

NOVO CÓDIGO CIVIL

Por: Monica Melanio de Almeida Quintino

Orientador

Prof. Diogo de Souza e Mello

Rio de Janeiro

2008

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

LIMITAÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO

TRANSPORTADOR DE CARGAS À LUZ DO ARTIGO 750 DO

NOVO CÓDIGO CIVIL

Apresentação de monografia à Universidade

Candido Mendes como requisito parcial para

obtenção do grau de especialista em

Responsabilidade Civil.

Por: . Monica M. A. Q.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, que nunca me deixou

fraquejar...

A Mama, aos amigos e familiares, que

sempre apostaram todas as suas

fichas no meu sucesso,

incondicionalmente...

À família B+S, que está crescendo e se

tornando a cada dia mais nossa casa...

Ao meu Lindo, que mesmo longe dos

olhos, nunca esteve tão perto do meu

coração.

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EPÍGRAFE

(...) Voici mon secret. Il est très simple :

on ne voit bien qu’avec le coeur.

L’essentiel est invisible pour les yeux.

Antoine de Saint-Exupéry

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DEDICATÓRIA

Aos meus Avós, que continuam me

acompanhando nessa jornada, como

estrelas cadentes atendendo todos os

meus pedidos;

À minha Mama, a responsável por cada

passo certo em direção ao infinito;

Ao meu Lindo: mais uma grande vitória na

nossa jornada (que está apenas

começando...).

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RESUMO

Analisa-se a responsabilidade civil do transportador aéreo de cargas à

luz do Código Civil. Para melhor compreensão do tema, o primeiro capítulo

volta-se à análise dos aspectos conceituais e históricos do instituto da

responsabilidade civil e seus elementos. No segundo capítulo são estudados a

responsabilidade civil do transportador aéreo, a legislação aplicável e os casos

paradigmáticos regidos pelo Direito Aeronáutico. O terceiro capítulo analisa a

aplicação do artigo 750 do Código Civil ao transporte aéreo de cargas e o

último capítulo trata de alguns reclamantes em potencial no transporte aéreo

de mercadorias.

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METODOLOGIA

O trabalho foi realizado através de pesquisa jurisprudencial e

doutrinária, além de entrevistas informais a especialistas do ramo aeronáutico.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................... 10

1 BREVES CONSIDERAÇÕES INICIAIS ACERCA DO TEMA......................... 13

1.1 Considerações históricas.......................................................................... 14

1.2 Responsabilidade Civil e Penal................................................................. 16

1.3 Situando a Responsabilidade Civil no ordenamento jurídico................ 16

1.4 Função da Responsabilidade Civil ........................................................... 17

1.5 Elementos modernos da Responsabilidade Civil.................................... 17

1.5.1 Ato ilícito.................................................................................................... 17

1.5.2 Culpa......................................................................................................... 18

1.5.3 Dano.......................................................................................................... 19

1.5.4 Nexo causal............................................................................................... 21

1.5.5 Imputabilidade........................................................................................... 22

1.6 Responsabilidade civil contratual e extracontratual............................... 23

1.7 Responsabilidade subjetiva e objetiva..................................................... 24

1.8 Responsabilidade Civil do transportador – relevância no atual Código

Civil.................................................................................................................... 24

2 RESPONSABILIDADE CIVIL DO TRANSPORTADOR AÉREO.................... 26

2.1 Considerações iniciais .............................................................................. 26

2.2 Danos materiais.......................................................................................... 28

2.3 Legislação pertinente/aplicável ............................................................... 29

2.4 Casos paradigmáticos ............................................................................... 34

2.4.1 Acidente aéreo .......................................................................................... 35

2.4.2 Atraso/cancelamento de vôo..................................................................... 36

2.4.3 Extravio de bagagem/carga....................................................................... 39

2.4 Conflitos modernos (Código de Defesa do Consumidor X Código

Brasileiro de Aeronáutica X Código Civil X Convenção de Montreal). ........ 42

2.5 Limitação da responsabilidade do transportador aéreo em relação a

danos materiais ................................................................................................ 45

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2.6 Limitação em relação a danos materiais decorrentes de extravio de

carga.................................................................................................................. 46

2.7 Comparações (Código de Trânsito Brasileiro, Código Penal, Lei de

Telecomunicações e Lei de Direitos Autorais) .............................................. 49

3 ARTIGO 750 do CÓDIGO CIVIL: favorável ou desfavorável à limitação?. 53

3.1 Gênese ....................................................................................................... 53

3.2 Posicionamentos........................................................................................ 56

3.3 Estudo de casos......................................................................................... 58

3.3.1 Caso 1: Flyone Serviços Aéreos Especializados Ltda X Variglog............. 58

3.3.2 Caso 2: ACE Seguradora X Vasp ............................................................. 63

3.3.3 Caso 3: Sul América Seguros X Variglog.................................................. 65

3.4 Conhecimento de transporte aéreo/AWB: NVD...................................... 68

3.5 Jurisprudência Comparada (transportes marítimo e terrestre).

Alternativas. ...................................................................................................... 70

4 SITUAÇÕES PECULIARES............................................................................ 73

4.1 Sub-rogação seguradoras de carga ......................................................... 73

4.2 Agentes de carga aérea ............................................................................. 73

4.3 Afretador ..................................................................................................... 75

4.4 Expedidor pessoa física/jurídica............................................................... 76

4.5 Soluções propostas ................................................................................... 78

CONCLUSÃO .................................................................................................... 80

Bibliografia Consultada e Citada .................................................................... 83

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INTRODUÇÃO

Diante do caótico cenário em que as companhias aéreas brasileiras

estão inseridas e das dificuldades de administração que enfrentam há pelo

menos 10 anos, agravadas por más políticas tributárias e desastrosas

ingerências administrativas, aqueles que nutrem amor pela aviação brasileira

preocupam-se e lutam por soluções para salvar a história da aviação comercial

de uma nação que contribuiu para o desenvolvimento da primeira aeronave.

Aqueles que trabalham direta e indiretamente no setor dormem aflitos, incertos

se encontrarão seus postos de trabalho no dia seguinte. O ambiente é de

despedida, triste, desmotivador. As famílias da Varig, da Vasp, da Transbrasil,

que dedicaram toda sua vida e calcaram-na em empresas antes sólidas e

promissoras, hoje vêem seus sonhos cada vez mais distantes e duvidam do

futuro.

Cada personagem tenta contribuir para minorar o prejuízo e reconstruir

o retrato do sucesso perdido no tempo, de um tempo em que trabalhar em

uma empresa aérea era sinônimo de competência, transparência e espírito

empreendedor. No campo do Direito Aeronáutico, ramificação do importante

ramo dos transportes, os profissionais lutam contra tendências

preconceituosas dos Tribunais, que por muitas vezes não entendem as

peculiaridades do transporte aéreo e se baseiam em decisões superficiais,

precipitadas e antiquadas proferidas por outros colegiados.

Penso que esta poderia ser minha pequena contribuição e

homenagem a um campo que me acolheu e abraçou desde o começo do curso

de Direito e pelo qual nutro profundo sentimento de gratidão e carinho,

juntamente com a curiosidade crescente de entender seus mais diversos

aspectos. É o começo de uma jornada profissional e pessoal para encontrar

soluções a antigos problemas de fincadas raízes.

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Um desses problemas envolve a limitação da responsabilidade do

transportador aéreo, prevista em toda a legislação especial que rege o

transporte aéreo brasileiro. A pesquisa realizada no trabalho que se segue

pretende demonstrar o atual posicionamento jurisprudencial acerca da matéria,

mais especificamente sobre a limitação da responsabilidade civil no transporte

de cargas, e estudar como o artigo 750 do Código Civil vigente se insere no

conflitante sistema de responsabilidade do transportador aéreo.

No capítulo 1 há informações relevantes sobre o surgimento do

conceito de responsabilidade civil, sua evolução histórica, seus elementos e

tipos/modalidades. Há ainda breves comentários sobre a relevância da

responsabilidade civil do transportador no panorama atual.

O capítulo 2 trata especificamente da responsabilidade do

transportador aéreo brasileiro: legislação aplicável e conflitos de legislação em

casos determinados. Inicia-se o estudo da limitação da responsabilidade do

transportador aéreo e suas bases jurídicas, comparando o disposto na

legislação aeronáutica com outros ramos da responsabilidade.

O tema da limitação supracitada desenvolve-se no capítulo 3, em que

se pretende analisar a motivação para a inserção dos dispositivos relativos ao

contrato de transporte no Código Civil vigente e o papel do artigo 750 no atual

contexto jurídico. Alguns especialistas gentilmente compartilham suas visões

acerca da aplicação de referido dispositivo e três ações em trâmite perante

Tribunais brasileiros são brevemente analisadas, questionando-se a

possibilidade da aplicação do artigo em questão nos casos concretos. Ainda

nesse capítulo, poderão ser encontradas informações sobre o conhecimento

de transporte aéreo e como uma situação muito peculiar e específica em sua

confecção e utilização (a não-declaração do valor da mercadoria) pode

influenciar na aplicação da limitação da responsabilidade. Propõem-se, por fim,

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alternativas para o tratamento dispensado aos expedidores de carga por modal

aéreo, comparando-o aos modais marítimo e rodoviário.

No último capítulo, analisa-se o sistema de limitação de

responsabilidade separadamente para alguns personagens da atividade do

transporte aéreo de cargas e apresenta-se uma solução à problemática da

aplicação da limitação da responsabilidade civil do transportador aéreo.

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CAPÍTULO 1

BREVES CONSIDERAÇÕES INICIAIS ACERCA DO

TEMA

O instituto da responsabilidade forma, com seus elementos e

desdobramentos, o mais interessante e completo microssistema do Direito. É o

instituto que mais utiliza noções filosóficas e sociológicas referentes à justiça, à

paz e ao anseio social para seu completo entendimento. Remonta aos

conceitos platônicos de bem e mal, exprime o mais singular sentimento de

reparação a fim de proteger a sociedade de seus próprios indivíduos. É

verdadeiramente a balança que equilibra nossas ações do dia a dia, que nos

faz refletir sobre o modo como vivemos perante os outros.

O quão caótica seria a sociedade se não houvesse o sistema de

reparação civil (restringindo, assim, nosso campo de pesquisa) organizado no

Ordenamento Jurídico? Provavelmente ainda seria utilizada a Lei de Talião

como forma de obter “vingança”, de “retribuir o mal pelo mal”, de apaziguar as

injustiças sociais. O sistema hoje impede a auto-tutela principalmente pelo

conforto que proporciona ao estabelecer as regras para não violar o

Ordenamento e, conseqüentemente, afetar os direitos de outrem, e uma

obrigação secundária de agir de modo a reparar qualquer dano causado a

outrem, considerando ou não (modernamente) a culpa e o intenção de quem

lesionar.

O princípio da Lei de Talião exprime a necessidade humana de obter

algum tipo de reparação, seja ela construtiva ou até destrutiva. Parte da

sensação de lesão que sentimos diante de alguma situação que consideramos

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injusta e que apresente algum prejuízo mormente ao nosso patrimônio, e

recentemente, à nossa dignidade.

O “injusto” vira ilícito a partir de sua previsão legal e a conduta que leva

à “vingança” pode ser culposa (imprudência, negligência ou imperícia) ou

dolosa. O buraco na janela do vizinho, causado por uma bola durante uma

partida de futebol em um campo próximo, seja proposital ou acidental, ensejará

um tipo de reparação, seja ela pecuniária ou de substituir o vidro quebrado, a

qual visará a retomar o status quo ante.

1.1 Considerações históricas

Segundo o Professor Carlos Roberto Gonçalves, há alguns estágios

históricos principais de evolução da noção de responsabilidade civil.

O primeiro remonta à época em que o dano causava reação imediata e

violenta, por instinto do ofendido. “Não havia regras, nem limitações”1, ensina o

Ilustre Prof., já que predominava a vingança privada, exteriorizada pela “reação

espontânea e natural contra o mal sofrido; solução comum a todos os povos

nas suas origens, para a reparação do mal pelo mal.”2

O princípio do “olho por olho, dente por dente” torna-se uma pena

alternativa à reação imediata, quando esta não é possível. A Lei de Talião veio

regulamentar a vingança premeditada. O conceito de reparação, nesta época,

ainda muito se confundia com o de punição.

Segue um período que o Professor chama de composição, em que a

compensação econômica passa a substituir a vingança a critério da vítima.

1 GONÇALVES, Carlos Alberto. Responsabilidade Civil, Saraiva, 2003, p. 4 2 BESSON, André. La notion de garde dans la responsabilité du fait des choses, Paris, Dalloz, 1927, p. 5

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Informa o prof. Alvino Lima, entretanto, que a vingança subsiste como

fundamento ou forma de reintegração do dano sofrido3.

À época do Código de Ur-Nammu, do Código de Manu e da Lei das XII

Tábuas, o legislador veda a auto-tutela e torna a composição econômica

obrigatória, além de tarifada. Mais tarde, passa ao Estado a função de punir.

Os romanos começam a distinguir pena e reparação, a partir do conceito de

delitos públicos (mais graves, que perturbavam a ordem - pena pecuniária era

recolhida aos cofres públicos) e privados (pena era destinada à vitima).

Quando o Estado se torna a única figura repressora dos delitos, surge a

separação entre responsabilidade civil e penal, bem como a ação de

indenização.

Em um momento posterior, na época de Justiniano (fim do séc. III ou

início do II, a.C.), foi aprovado um plebiscito que dá o direito ao titular de bens

de obter o pagamento de uma penalidade em dinheiro de quem tivesse

destruído ou deteriorado seus bens4. Surge, assim, a Lex Aquilia como o

instrumento jurídico que contém os elementos-chave da responsabilidade civil

e que virá a delinear o sistema de responsabilidade civil extracontratual: a

punição da culpa pelos danos injustamente provocados, independentemente

de relação obrigacional preexistente5. Pode-se facilmente identificar o foco na

concepção de culpa (negligência, imprudência e imperícia, ou dolo), a qual é

punível a partir de uma conduta danosa.

A partir do séc. XVII, a Escola do Direito Natural aperfeiçoou o conceito

até então vigente da Lex Aquilia, deslocando o enfoque da culpa para o dano.

A reparação advém do dano, elemento que afeta diretamente o equilíbrio do

patrimônio do lesado. Como conseqüência desse novo enfoque virá,

posteriormente, a teoria do risco que embasa a responsabilidade objetiva. Os

3 ALVINO LIMA. Da culpa ao risco, São Paulo, 1938, p.10. 4 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil, Responsabilidade Civil, Atlas, 2003, Vol. 4, 3ª ed., p. 19 5 idem

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franceses estabeleceram, a partir das idéias romanas, os princípios gerais da

responsabilidade civil.

1.2. Responsabilidade Civil e Penal

De acordo com a norma infringida, a ilicitude será Civil ou Penal. Não

há uma diferença substancial entre o ilícito penal e o civil; as leis são divididas

e sistematizadas por conveniência de distribuição. Uma diferença é relevante,

no entanto: como o ilícito penal envolve “condutas humanas que atingem bens

sociais de maior relevância, são sancionadas pela lei penal, ficando para a lei

civil a repressão de condutas menos graves.6”

A mesma conduta, no entanto, pode ser considerada ilícita tanto na

esfera penal quanto na cível. É a dupla ilicitude, que ensejará dupla sanção,

uma de natureza punitiva (penal) e outra, reparatória (civil).

1.3. Situando a Responsabilidade Civil no ordenamento

jurídico

Partindo do conceito de fato jurídico, que ocorre quando o fato social

se enquadra à hipótese prevista na norma em abstrato, passando pelo

conceito de ato jurídico e negócio jurídico, chega-se ao ato ilícito: base da

responsabilidade civil.

Adotando-se a teoria do duplo aspecto da ilicitude, tem-se que o ato

ilícito em sentido estrito caracteriza-se por ser o conjunto de pressupostos da

responsabilidade. Em sentido amplo, entende-se ato ilícito como a “conduta

humana antijurídica, contrária ao Direito, sem qualquer referência ao elemento

subjetivo ou psicológico.7” A prática de um ato ilícito em sentido amplo

6 FILHO, Sergio Cavalieri, Programa de Responsabilidade Civil, Malheiros, 2003, 5ª ed., p. 36 7 idem, p. 32

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causando um dano enseja a obrigação sucessiva de reparar, que nada mais é

que o fundamento da responsabilidade civil.

1.4. Função da Responsabilidade Civil

A Responsabilidade Civil ampara o mais elementar anseio de justiça,

“ao obrigar o agente, causador do dano, a repará-lo.8” Assim, procura-se

restituir o equilíbrio da relação afetada pelo dano por meio da obrigação de

repará-lo integralmente, restabelecendo o status quo da vítima anterior à lesão.

1.5. Elementos modernos da Responsabilidade Civil

Veremos adiante os principais elementos que concretizam a

Responsabilidade Civil em nosso ordenamento. De acordo com a modalidade

de Responsabilidade, alguns elementos tornam-se menos relevantes para a

concretização da obrigação de reparar.

1.5.1. Ato ilícito

O ato ilícito pressupõe direta ou indiretamente a disposição de o

agente praticar aquela conduta e ocasionar certo efeito jurídico contrário ao

ordenamento. É “um comportamento voluntário que transgride um dever9”. A

voluntariedade está intimamente ligada à imputabilidade, desaparecendo

(parcial ou totalmente) ou tornando-se ineficaz quando o agente é

juridicamente irresponsável, e opõe-se à conduta compulsória ou irresistível

nos termos da lei.

1.5.2. Culpa

8 idem, p. 35 9 VENOSA, Sílvio de Salvo, Direito Civil, Responsabilidade Civil, Atlas, 2003, Vol. 4, 3ª ed., p. 22

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Ensina o Professor Venosa, “em sentido amplo, culpa é a

inobservância de um dever que o agente devia conhecer e observar.10” A

doutrina tem dificuldade em definir claramente a noção de culpa. O Professor

José de Aguiar Dias (1979; v. 1:136) entende que “a culpa é falta de diligência

na observância da norma de conduta, isto é, o desprezo, por parte do agente,

do esforço necessário para observá-la, com resultado não objetivado, mas

previsível, desde que o agente se detivesse na consideração das

conseqüências eventuais de sua atitude.”

No campo civil, a noção de culpabilidade abrange o dolo e a culpa.

Entretanto, enquanto a culpa representa a negligência, a imprudência e a

imperícia que o agente assumiu quando praticou o ato ilícito, o dolo

caracteriza-se pela expectativa de um resultado, que o agente

intencionalmente selecionou ao assumir determinada conduta ilícita. Não há

diferenciação entre os dois institutos no campo civil; a reparação obedecerá

aos mesmos critérios, bastando verificar se o agente agiu com culpa civil. Em

tese, o grau de intensidade da culpa não baliza o montante da indenização. No

entanto, o Código de 2002 apresenta dispositivo em sentido diverso, “se

houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o

juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização” (art. 944, parágrafo único). Como

regra geral, “a indenização deve ser balizada pelo efetivo prejuízo11” (a

indenização mede-se pela extensão do dano, conforme preceitua o caput do

artigo anteriormente mencionado).

Há, entretanto, uma tendência da jurisprudência brasileira em adotar o

critério do direito anglo-saxão que estabelece que a indenização serve não

apenas para reparar o dano causado, mas para punir o agente e reprimir

futuras condutas lesivas. Nesse sentido, pode o juiz ser influenciado a fixar a

reparação pecuniária observando a intensidade da culpa do agente.

10 VENOSA, Sílvio de Salvo, Direito Civil, Responsabilidade Civil, Atlas, 2003, Vol. 4, 3ª ed, p. 23 11 idem, p. 24

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1.5.3. Dano

O Professor Venosa trata do dano injusto em sua obra: “somente

haverá possibilidade de indenização se o ato ilícito ocasionar dano12”, ao qual

equipara a noção de lesão a um interesse: “trata-se, em última análise, de

interesses que são atingidos injustamente”, explica.

O dano ou interesse será indenizável se atual e certo, não cabendo –

em princípio – indenização por dano hipotético. “A materialização do dano

ocorre com a definição do efetivo prejuízo suportado pela vítima13.”

Alguns autores ainda consideram a perda da chance (perte d’une

chance) uma categoria indenizável, ao lado dos lucros cessantes e dos danos

emergentes, pois não se enquadra nem em um nem em outro. Para que seja

considerada, a perda da chance deverá situar-se na certeza do dano.

Na responsabilidade civil contratual, em que o dano representar o

inadimplemento contratual, o ressarcimento estará previsto no contrato

(cláusula penal). Em sede de responsabilidade aquiliana, somente no caso

concreto pode-se determinar a perda ou o prejuízo sofridos (inteligência do

artigo 946 do Código Civil), que será balizado pelo limite imposto pelo artigo

402:

“Salvo as exceções previstas em lei as perdas e danos devidas ao

credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente

deixou de lucrar.”

O dispositivo supra refere-se aos danos emergentes (diminuição de

patrimônio, o que a vítima efetivamente perdeu com a lesão) e lucros

cessantes (projeção contábil, o que a vítima teria recebido se não houvesse

ocorrido o dano, o que poderia razoavelmente ser esperado caso não tivesse

12 VENOSA, Sílvio de Salvo, Direito Civil, Responsabilidade Civil, Atlas, 2003, Vol. 4, 3ª ed., p. 28

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ocorrido o ilícito). Não há balizamento para a avaliação do dano moral, o que

torna a discricionariedade do juiz ainda maior nesses casos e incumbe a

jurisprudência de estabelecer parâmetros para a indenização.

O artigo 403 do Código Civil aplica a teoria da causalidade adequada,

muito criticada pela doutrina, ao cálculo das perdas e danos ao estabelecer

que “as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes

por efeito direto e imediato. O critério do lucro cessante deve lastrear-se em

uma probabilidade objetiva.14”

Há ainda a teoria do dano em ricochete ou reflexo, que considera o

dano que sofre uma pessoa por um dano causado a outra. A dúvida consiste

em saber se o último prejudicado pode acionar diretamente o causador do

dano e até que ponto o dano causado reflexamente deve ser indenizado. Os

tribunais brasileiros têm sempre verificado o nexo de causalidade no caso

concreto; em princípio, os danos reflexos não são indenizáveis, salvo em casos

de morte, em que pode ser pleiteada indenização pelos dependentes

econômicos da vítima.

O dano moral deve ser tratado à parte devido a sua dimensão e

diferente caracterização. Não se trata de lesão a um interesse, mas um

“prejuízo que afeta o ânimo, moral e intelectual da vítima.”15 Não deve se

considerar qualquer dissabor do cotidiano. Cabe ao magistrado avaliar se o

sofrimento no caso concreto afetou a psiquê da vítima, considerando os níveis

de sensibilidade do homem médio e da sociedade.

13 idem 14 VENOSA, Sílvio de Salvo, Direito Civil, Responsabilidade Civil, Atlas, 2003, Vol. 4, 3ª ed., p. 31 15 VENOSA, Sílvio de Salvo, Direito Civil, Responsabilidade Civil, Atlas, 2003, Vol. 4, 3ª ed., p.33

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Na realidade, o dano moral é irreparável, não sendo suscetível de

avaliação pecuniária pois não pode ser medido. A indenização, nesse caso,

terá o cunho de minimizar o sofrimento, trazer um conforto para a vítima.

Referida indenização também carrega um cunho punitivo, a fim de

desestimular o lesante (artigo 944 do Código Civil) mas não deve acarretar-lhe

a pobreza. Deve-se levar em conta a condição social e econômica dos

envolvidos no momento da fixação da indenização.

A prova do dano moral difere daquela do dano material à medida que a

razão da indenização do primeiro é o próprio ato ilícito. O juiz considerará

máximas de experiência, já que não há como avaliar por perícia a dor pela

morte, por exemplo.

Podem-se cumular danos morais e materiais oriundos do mesmo ato

ilícito e, assim, suas respectivas indenizações.

1.5.4. Nexo causal

Caracteriza-se por nexo causal “o liame que une a conduta do agente

ao dano.16” Analisando a relação causal, pode-se concluir quem foi o causador

do dano. O ofendido deverá identificar referido elemento essencial para buscar

ressarcimento.

No caso fortuito e na força maior, não há relação de causa e efeito

entre a conduta do suposto agente e o dano experimentado pelo ofendido. Se

o dano ocorreu por culpa exclusiva da vítima, rompe-se o nexo causal, não

havendo margem para reparação. Em alguns casos, a legítima defesa e o

exercício regular de direito ensejarão responsabilidade civil. O ofendido por

16 VENOSA, Sílvio de Salvo, Direito Civil, Responsabilidade Civil, Atlas, 2003, Vol. 4, 3ª ed., p. 39

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dano causado em estado de necessidade, em princípio, tem assegurado direito

à indenização.

Devem-se considerar duas questões na identificação do nexo causal: a

dificuldade em prová-lo e na identificação do fato que constitui a verdadeira

causa do dano (teoria da causalidade adequada, tratada anteriormente).

O fato de terceiro (pessoa além do ofensor e do ofendido) não vem

sendo considerado pela jurisprudência pátria uma excludente de nexo causal

para exonerar o causador do dano do dever de indenizar. No caso concreto,

verificar-se-á se o agente também concorreu para o dano. Em caso de culpa

exclusiva de terceiro, em princípio não haverá nexo causal entre a conduta do

ofensor e o dano causado. Entretanto, a jurisprudência tem preferido dar ao

agente a prerrogativa da ação de regresso a excui-lo do pólo passivo da

demanda. Se o agente houver concorrido para o dano, ele responderá

solidariamente nos termos do artigo 942 do Código Civil.

1.5.5. Imputabilidade

Presente na responsabilidade subjetiva, juntamente com a conduta do

agente, a imputabilidade é pressuposto da culpa e da responsabilidade. O

agente que não entende o caráter ilícito de sua conduta não pode, em

princípio, ser responsabilizado. Deve-se verificar o estado mental e a

maturidade do agente.

No lugar dos inimputáveis, respondem seus responsáveis legais. Há,

no entanto, uma moderna tendência de considerar o patrimônio do amental

para proporcionar a indenização em certos casos, segundo inteligência do

artigo 928 do Código Civil:

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23

“O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por

ele responsáveis não tiverem obrigação de o fazer ou não dispuserem de

meios suficientes.”

1.6. Responsabilidade civil contratual e extracontratual

Quando o dever jurídico infringido pelo agente causador do dano tiver

como fonte uma relação jurídica obrigacional preexistente (dever oriundo de

contrato/manifestação unilateral de vontade), então estamos diante da

responsabilidade contratual. Nessa modalidade, preexiste um vínculo

obrigacional, e o dever de indenizar provém de seu inadimplemento (ilícito

contratual e relativo).

Se, por outro lado, o dever jurídico violado estiver imposto em lei ou

como preceito geral do Direito, temos a responsabilidade extracontratual

(aquiliana). Entre o ofensor e a vítima, na responsabilidade subjetiva, não

preexiste nenhuma relação jurídica que possibilite lesão a um dever jurídico

criado previamente por ambos.

De acordo com a qualidade da violação é que a doutrina divide a

responsabilidade contratual da extracontratual. Em ambas há a violação de um

dever jurídico preexistente, mas há que se observar a sede desse dever para

distingui-las. Será contratual se o dever jurídico violado (inadimplemento ou

ilícito contratual) estiver previsto no contrato; será extracontratual, em

contrapartida, quando estiver definido na lei ou na ordem jurídica o dever

jurídico infringido.

1.7. Responsabilidade subjetiva e objetiva

Na concepção clássica de responsabilidade, a vítima só obtém

reparação do dano quando prova a culpa (em sentido lato, representando

culpa e dolo) do agente. É o fundamento da responsabilidade civil subjetiva, na

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24

qual a falta de cautela no agir é elemento essencial para a caracterização do

dever de indenizar.

A responsabilidade objetiva surgiu como uma alternativa para garantir

a reparação aos ofendidos em casos que não podiam ser amparados pelo

conceito tradicional de culpa. Vários fatores, como o desenvolvimento

tecnológico e industrial, contribuíram para o desenvolvimento de uma teoria do

risco pelos doutrinadores franceses, italianos e belgas, em que o dever de

reparar o dano independe da existência de culpa. Essa modalidade de

responsabilidade foi amplamente adotada pelo atual Código Civil, inclusive

para os contratos de transporte aéreo, objeto do presente estudo.

1.8. Responsabilidade Civil do transportador – relevância

no atual Código Civil

Há no atual Código Civil um capítulo dedicado exclusivamente aos

contratos de transportes, tamanha a importância que esse tipo de contrato

adquiriu desde a Lei das Estradas de Ferro, de 1912. Segundo o Professor

Cavalieri Filho, “de todos os contratos, nenhum terá maoir relevância social e

jurídica na atualidade do que o contrato de transporte. Milhões e milhões de

pessoas são transportadas diariamente de casa para o trabalho e vice-versa,

principalmente nos grandes centros urbanos, gerando um grande número de

problemas sociais e jurídicos, alguns deles até insolúveis. Pode-se dizer que o

transporte coletivo urbano tornou-se instrumento fundamental para o

cumprimento das funções sociais e econômicas do Estado moderno.17”

Explica-se a omissão de tão importante contrato no projeto de Clóvis

Beviláqua: na época da elaboração do projeto (última década de 1800), o

transporte coletivo era ainda incipiente. Durante os trinta anos de tramitação de

seu projeto no Congresso, o transporte coletivo se desenvolveu rapidamente,

justificando a edição do Decreto 2.681/1912 (Lei das Estradas de Ferro).

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25

O atual Código cuidou de incorporar tudo que a doutrina e a

jurisprudência solidificaram ao longo do século XX. Passou a disciplinar um

contrato que não foi criado durante a vigência do Código anterior (o que é

peculiar) e revogou a Lei das Estradas de Ferro.

Juntamente com dispositivos específicos do Código Comercial

(transporte marítimo), Código Brasileiro de Aeronáutica (transporte aéreo) e

diversos tratados internacionais vigentes no Brasil, o atual Código Civil passa a

regular um dos mais (senão o mais) importante contrato de massa brasileiro.

Embora o presente trabalho trate de questões específicas de transporte aéreo,

muitos dos questionamentos suscitados a partir da interpretação do Código

Civil poderão ser aplicados nos outros modais, guardadas suas peculiaridades.

17 FILHO, Sergio Cavalieri, Programa de Responsabilidade Civil, Malheiros, 2003, 5ª ed., p. 290

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26

CAPÍTULO 2

RESPONSABILIDADE CIVIL DO TRANSPORTADOR

AÉREO

2.1. Considerações iniciais

A aviação comercial foi um marco na história da humanidade. Com o

surgimento dos vôos regulares, as distâncias entre os povos foram diminuídas.

Seja para transportar carga mais rapidamente, seja para conhecer outros

países, o transporte aéreo revolucionou o conceito de transporte mundial.

Levavam-se dias ou até meses para se atravessar um continente o que era por

muitas vezes um entrave ao desenvolvimento mundial.

Atualmente, o transporte aéreo pode ser considerado bastante seguro,

com um índice de acidentes menor que todos os outro modais. No começo, no

entanto, a atividade era bastante arriscada. Os pioneiros, desbravadores,

assim consideradas as pessoas que desenvolveram a atividade entre 1919 e

1934, colocavam em risco suas vidas devido à precariedade tecnológico-

científica desse modal. Nesse cenário surge a Convenção de Varsóvia, 1ª

norma internacional reguladora de responsabilidade civil do transportador

aéreo perante os viajantes. Referida Convenção preocupou-se em “não impor

barreiras à evolução deste meio de transporte tão promissor, fixando em

patamares módicos as indenizações para os casos de danos decorrentes da

atividade”18.

Na realidade, temiam os interessados em desenvolver o transporte

aéreo que a reparação do dano fosse um entrave à evolução da atividade. A

regulamentação levou em conta, segundo Geraldo Bezerra de Moura 19:

18 CAVALCANTI, André Uchôa. Responsabilidade Civil do Transportador Aéreo. Renovar, 2002, p. 3.

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27

1. “As dificuldades próprias da circulação aérea, que

depende, ainda, das condições atmosféricas (por exemplo: as

turbulências, as tempestades, etc.);

2. A natureza especial dos riscos do ar;

3. O caráter internacional do transporte aéreo;

4. A preocupação de não prejudicar o

desenvolvimento e progresso da aviação comercia, evitando

estabelecer um tipo de responsabilidade altamente pesada, em

termos de indenização”.

Com a evolução da tecnologia e do mercado de seguros, hoje se

questiona até que ponto o princípio do restitutio in integrum pode ser fator que

prejudica a evolução da atividade, e se a mitigação desse princípio através da

aplicação de limites indenizatórios ainda seria adequada.

Outro ponto interessante se encontra na atual situação da atividade

aérea comercial mundial. Nos últimos dez anos, várias aerolinhas faliram ou

mudaram o escopo de suas atividades de modo a não fecharem suas portas.

Só no Brasil foi pedida a falência de duas grandes companhias e, mais

recentemente, outras duas grandes empresas ajuizaram pedido de

Recuperação Judicial. Além da gestão defeituosa, não se sabe até que ponto

os custos com indenizações e seguros contribuíram para a bancarrota dessas

empresas.

O presente trabalho cuidará de apresentar um panorama atual da

responsabilidade civil do transportador aéreo e a posição jurisprudencial

predominante no Brasil, relativo às relações com passageiros e remetentes de

carga que remuneram o transportador pelos serviços prestados. Em seguida,

questionará acerca da aplicação dos limites de indenização previstos em lei

para os danos materiais relativos especificamente ao extravio de cargas e

apresentará algumas situações peculiares no transporte de cargas e seus

reflexos no Judiciário.

19 Transporte Aéreo e Responsabilidade Civil. Aduaneiras, 1992, p.227.

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2.2. Danos materiais

Definiremos danos materiais com o escopo de melhor embasar nossas

futuras discussões acerca da limitação da reparação decorrente do extravio de

carga, conforme previsto em lei.

Como exposto no capítulo I, o dano material é aquele que repercute no

patrimônio do lesado, causando sua diminuição. Segundo Carlos Roberto

Gonçalves, “patrimônio é o conjunto de relações jurídicas de uma pessoa

apreciáveis em dinheiro20”. Pode-se avaliar o dano material verificando a perda

no patrimônio do lesado. Sua reparação consiste em recompor referido

patrimônio, tanto quanto possível restaurando o statu quo ante à ocorrência do

ato ilícito. Caso não seja possível referida reparação, cuida-se de compensar o

dano em forma de pagamento de uma indenização pecuniária.

O artigo 402 do Código Civil estabelece o critério para a reparação do

dano material: “Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas

e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o

que razoavelmente deixou de lucrar”. Carlos Roberto Gonçalves entende que

“são materiais os danos consistentes em prejuízos de ordem econômica

suportados pelo ofendido”21.

O dano material compreende, assim, o dano emergente e o lucro

cessante. O primeiro, também chamado positivo, “importa efetiva e imediata

diminuição no patrimônio da vítima em razão do ato ilícito. O Código Civil, ao

disciplinar a matéria em seu artigo 402 (reprodução fiel do artigo 1.059 do

Código de 1916), caracteriza o dano emergente como sendo aquilo que a

vítima efetivamente perdeu.”22

20 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. Editora Saraiva, 2003, 8ª ed., p. 627. 21 idem, p. 628. 22 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. Malheiros Editores. 5ª ed., p. 90.

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O dano emergente pode ser facilmente mensurado, importando no

desfalque sofrido pelo patrimônio do lesado. Será a diferença do valor do bem

jurídico que se tinha antes do ato ilícito e o que se passou a ter. É tudo aquilo

que se perdeu com a ocorrência do ato ilícito.

Lucro cessante é caracterizado por Cavalieri como “o reflexo futuro do

ato ilícito sobre o patrimônio da vítima”23. Será o bem ou interesse futuro, ainda

não pertencente ao lesado, atingido pelo ato ilícito; perda do ganho esperável

e/ou esperado, “frustração da expectativa de lucro, diminuição potencial do

patrimônio da vítima”24. Pode ser resultado da paralisação da atividade

lucrativa ou produtiva do lesado ou da frustração daquilo que era

razoavelmente esperado.

Também a perda de uma chance (perte d’une chance) da doutrina

francesa é comumente aplicada por nossos tribunais nos casos em que o

lesado não atingiu situação futura melhor devido ao ato ilícito. No entanto deve

ser essa chance real e séria, de modo que o lesado tenha um prejuízo

decorrente de uma chance de fato a obter uma possível vantagem, a qual fora

perdida devido ao ato ilícito.

2.3. Legislação pertinente/aplicável

O sistema de transportes aéreos encontra-se atualmente composto por

inúmeras companhias interligando praticamente todas as partes do mundo e

transportando milhões de passageiros diariamente. O serviço de transporte

aéreo se desenvolve também em âmbito internacional, o que torna necessário

observar o regime jurídico de cada estado nacional e criar leis e políticas

internacionais para regular a atividade.

23 idem 24 idem

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30

Tenta-se obter, por meio da assinatura de Tratados internacionais, a

uniformização do tratamento às companhias prestadoras do serviço e seus

usuários para o desenvolvimento da atividade internacional tendo em vista a

interseção de interesses dos inúmeros Estados envolvidos. Por outro lado, os

estados nacionais elaboram suas leis internas visando a proteger seus

cidadãos e companhias a eles ligadas. Surge, assim, a complexa

regulamentação aeronáutica, em que as leis internas surgem baseadas nos

princípios ventilados pela legislação internacional, mas paradoxalmente, nem

sempre com ela compatíveis.

Michel Pourcelet, citado na obra de Geraldo Bezerra de Moura,

enumera alguns fatores que influenciam na disposição e estrutura do

transporte aéreo, atribuindo-lhe caráter eminentemente internacional:

a) o tráfego aéreo mundial tem experimentado um

processo contínuo de desenvolvimentoe progresso no

transporte de cargas e passageiros;

b) a demanda desse tipo de transporte sem

fronteiras traduz a preferência moderna pela eficiência,

velocidade e economia;

c) o princípio de soberania que, no passado,

constituía-se num elemento de entrave para o progresso da

aviação, hoje sofre mudanças quanto ao ultrapassado conceito

de nacionalismo, para propiciar maior abertura de fronteiras no

contexto econômico e político da internacionalização do

transporte aéreo;

d) desses fatores resulta um quarto, qual seja, o

favorecimento a um processo de unificação das normas

relativas à navegação aérea, bem como na colaboração e

cooperação entre as Nações em termos de interesses políticos,

econômicos e tecnológicos.

O exercício da atividade de transporte aéreo no Brasil encontra-se

regido pela Constituição Federal, em seu artigo 21, inciso XII, letra c, o qual

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estabelece a competência da União para explorar, direta ou indiretamente, a

navegação aérea e a infra-estrutura aeroportuária.

A União também possui competência privativa para legislar sobre

direito aeronáutico, nos termos do artigo 22, inciso I, da Carta Magna.

Confirmando a intenção do legislador em garantir a regulamentação

específica para os transportes e aplicar os princípios que o cenário

internacional estabelece através da assinatura de convenções, o artigo 178 da

Lei Maior prevê que a lei disporá sobre a ordenação dos transportes aéreo,

aquático e terrestre, devendo, quanto à ordenação do transporte internacional,

observar os acordos firmados pela União, atendido o princípio da

reciprocidade.

Em âmbito internacional, o Brasil foi signatário de diversos tratados e

convenções sobre o tema, quais sejam:

a) sobre Aeronaves: Bruxelas, 1938 e Genebra, 1948

b) sobre Responsabilidade Civil: Varsóvia, 1929;

Roma, 1933 e 1952; Haia, 1955; Guadalajara, 1961; Guatemala,

1971; Montreal, 1975, 1978 e 1999.

Faz-se importante destacar que o Brasil assinou ainda os Protocolos

de Montreal 1, 2, 3 e 4, todos em vigor mediante a ratificação por decretos

exceto o Protocolo n° 3.

Conforme mencionado no capítulo I, o presente estudo mostrará um

panorama da responsabilidade civil do transportador aéreo relativa aos

passageiros e remetentes de carga que efetivamente pagam pelo serviço.

Posto isso, devemos distinguir os temas abordados por cada um dos tratados

a fim de limitar o escopo do trabalho.

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A Convenção de Varsóvia (1929) institui o sistema de responsabilidade

civil do transportador aéreo relativa aos passageiros e remetentes das

mercadorias que remuneram o transportador pelos serviços prestados,

pessoas transportadas gratuitamente e os tripulantes. Referida Convenção

sofreu alterações introduzidas pelos tratados de Haia (1955), de Guatemala

(1971) e de Montreal (1975). A Convenção de Montreal (1999), ratificada no

Brasil em Setembro de 2006, já em vigor internacionalmente, substitui o

Sistema Varsóvia, modificando-o profundamente.

A responsabilidade relativa aos danos a terceiros na superfície é

regulada pela Convenção de Roma (1952), modificada pelo Tratado de

Montreal (1978). Não se confunde com a Convenção de Roma (1933), que

dispõe sobre o seqüestro preventivo de aeronaves.

Por fim, a Convenção de Guadalajara (1961) regula o transporte de

fato, aquele em que o transportador contratual autoriza outro transportador a

realizar o transporte contratado com o primeiro.

No cenário nacional, citam-se os Decretos n° 16.983, de 22.07.1925;

20.914, de 06.01.01932; o Decreto-lei n° 32, de 18.11.1966, que editou o

Código Brasileiro do Ar de 1966, alterado posteriormente pelo Decreto-lei n°

234, de 28.02.1967; a Lei n° 5.710, de 07.10.1971; a Lei n° 6.296, de

15.10.1975; a Lei n° 6.350, de 07.07.1976; a Lei 6.833, de 30.09.1980 e a Lei

n° 6.997, de 07.06.1982. Atualmente rege o transporte aéreo doméstico a Lei

n° 7.565, de 19.12.1986, qual seja, o Código Brasileiro de Aeronáutica.

Segundo José da Silva Pacheco25, o atual Código abrange a matéria

aeronáutica:

a) expressa ou tacitamente deixada pelas diversas

convenções internacionais para o direito interno de cada país;

b) objeto de normas e procedimentos recomendados

pela OACI (Organização de Aviação Civil Internacional)

25 Comentários ao Código Brasileiro de Aeronáutica. Rio de Janeiro: 1998, p.16.

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relacionados a aeronave, pessoal aeronáutico, aerovias, infra-

estrutura, serviços auxiliares e facilidades à navegação;

c) constante de regras e convenções internacionais

e que, por sua relevância, deve, também, ser objeto da

legislação na esfera interna;

d) apenas discutida nos foros internacionais sem

obter total adesão dos Estados, mas de importância no âmbito

interno;

e) já cogitada nos dois anteriores Códigos, nas leis,

e decretos-leis e, por falta de leis, em portarias apesar de criar

direitos e obrigações;

f) sugerida por órgãos e entidades da Administração

Federal, Estadual, Municipal, associações de classe

empresarial e de empregados, institutos, professores, juízes e

estudiosos, cuja relação está publicada na Exposição de

Motivos que acompanhou o Projeto e que, de um modo ou de

outro, carecesse de normas de repercussão nas relações dos

diversos agentes entre si ou com a autoridade pública ou com

terceiros;

g) tida como relevante no direito comparado;

h) de relevância, discutida nas três últimas

Conferências de Transporte Aéreo da OACI, a partir de 1977,

nas cinco Conferências de Aviação Civil, realizadas no Brasil e

nos Seminários de Aviação Civil de 1972 e de 1979.

Acrescentamos à complexa rede de sistemas jurídicos que envolvem o

transporte aéreo o Código de Defesa do Consumidor, por coincidir, em vários

momentos, a figura do passageiro (usuário dos serviços de transporte), com a

do consumidor destinatário final do serviço prestado por um fornecedor: a

empresa aérea. Por se enquadrarem perfeitamente nas definições de

fornecedor e consumidor, tendo em vista que o contrato de transporte aéreo é

mormente um contrato “de massa” e, assim, de adesão, e que as companhias

aéreas e passageiros mantêm – em princípio – uma relação desequilibrada

haja vista que a aerolinha é econômica e tecnicamente mais forte que o

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consumidor-passageiro, tribunais de todo o Brasil vêm aplicando referido

Codex para dirimir os conflitos entre as partes supracitadas.

Como se não bastassem três sistemas jurídicos para harmonizar, em

2003 entrou em vigor o atual Código Civil com um capítulo inteiramente

dedicado ao contrato de transporte contendo regras que, segundo seu artigo

732, deverão ser aplicadas como norma geral sobrepondo-se a qualquer

dispositivo especial a ele contrário.

Nesse vasto universo não são raros os conflitos decorrentes da

aplicação dos dispositivos das normas acima mencionadas, dos quais

passaremos a nos ocupar daqui em diante.

2.4. Casos Paradigmáticos

2.4.1. Acidente aéreo

Assim está disposta a responsabilidade do transportador em casos de

acidente aéreo durante transporte internacional (cuja definição encontra-se no

artigo 1, 2, da Convenção que o rege: Montreal, e a contrário senso, no Código

Brasileiro de Aeronáutica):

Artigo 17. 1. O transportador é responsável pelo dano

causado em caso de morte ou de lesão corporal de um

passageiro, desde que o acidente que causou a morte ou a

lesão haja ocorrido a bordo da aeronave ou durante quaisquer

operações de embarque ou desembarque.

(...)

Artigo 20. Se o transportador prova que a pessoa que

pede indenização, ou a pessoa da qual se origina seu direito,

causou o dano ou contribuiu para ele por negligência, erro ou

omissão, ficará isento, total ou parcialmente, de sua

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responsabilidade com respeito ao reclamante, na medida em

que tal negligência, ou outra ação ou omissão indevida haja

causado o dano ou contribuído para ele. Quando uma pessoa

que não seja o passageiro, pedir indenização em razão da

morte ou lesão deste último, o transportador ficará igualmente

exonerado de sua responsabilidade, total ou parcialmente, na

medida em que prove que a negligência ou outra ação ou

omissão indevida do passageiro causou o dano ou contribuiu

para ele. Este Artigo se aplica a todas as disposições sobre

responsabilidade da presente Convenção, inclusive ao número

1 do Artigo 21.

Artigo 21

1. O transportador não poderá excluir nem limitar sua

responsabilidade, com relação aos danos previstos no número

1 do Artigo 17, que não exceda de 100.000 Direitos Especiais

de Saque por passageiro.

2. O transportador não será responsável pelos danos previstos

no número 1 do Artigo 17, na medida em que exceda de

100.000 Direitos Especiais de Saque por passageiro, se prova

que:

a) o dano não se deveu a negligência ou a outra ação ou

omissão do transportador ou de seus prepostos; ou

b) o dano se deveu unicamente a negligência ou a outra ação

ou omissão indevida de um terceiro.

(...)

Os artigos acima transparecem a responsabilidade por culpa

presumida do transportador, o qual poderá elidir sua responsabilidade se

provar alguma das excludentes acima. Também menciona limites

indenizatórios sujeitos à comprovação do dano sofrido pelo passageiro.

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36

Pairam as dúvidas: aplicam-se os limites indenizatórios acima ou o

princípio da reparação integral ventilado pelo Código de Defesa do

Consumidor? As excludentes supra podem ser utilizadas a despeito de

algumas não estarem previstas no Código de Defesa do Consumidor?

2.4.2. Atraso/cancelamento de vôo

Em casos de atraso de vôo internacional, dispõe a Convenção de

Montreal:

Artigo 19. O transportador é responsável pelo dano

ocasionado por atrasos no transporte aéreo de passageiros,

bagagem ou carga. Não obstante, o transportador não será

responsável pelo dano ocasionado por atraso se prova que ele

e seus prepostos adotaram todas as medidas que eram

razoavelmente necessárias para evitar o dano ou que lhes foi

impossível, a um e a outros, adotar tais medidas.

Artigo 20. Se o transportador prova que a pessoa que

pede indenização, ou a pessoa da qual se origina seu direito,

causou o dano ou contribuiu para ele por negligência, erro ou

omissão, ficará isento, total ou parcialmente, de sua

responsabilidade com respeito ao reclamante, na medida em

que tal negligência, ou outra ação ou omissão indevida haja

causado o dano ou contribuído para ele. Quando uma pessoa

que não seja o passageiro, pedir indenização em razão da

morte ou lesão deste último, o transportador ficará igualmente

exonerado de sua responsabilidade, total ou parcialmente, na

medida em que prove que a negligência ou outra ação ou

omissão indevida do passageiro causou o dano ou contribuiu

para ele. Este Artigo se aplica a todas as disposições sobre

responsabilidade da presente Convenção, inclusive ao número

1 do Artigo 21.

Artigo 22

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37

1. Em caso de dano causado por atraso no transporte de pessoas,

como se especifica no Artigo 19, a responsabilidade do transportador

se limita a 4.150 Direitos Especiais de Saque por passageiro.

2. (...)

Não há previsões específicas para cancelamento de vôo, de modo

que são confiados aos mesmos dispositivos que regulam a responsabilidade

por atraso. Verifica-se, também nesse caso, divergência entre a aplicação

da norma internacional e dos preceitos inseridos no Código de Defesa do

Consumidor.

No transporte doméstico, o Código Brasileiro de Aeronáutica dispõe

sobre acidente, atraso e cancelamento de forma um pouco diferente:

Art. 256. O transportador responde pelo dano

decorrente:

I - de morte ou lesão de passageiro, causada por

acidente ocorrido durante a execução do contrato de

transporte aéreo, a bordo de aeronave ou no curso das

operações de embarque e desembarque;

II - de atraso do transporte aéreo contratado.

§ 1° O transportador não será responsável:

a) no caso do item I, se a morte ou lesão resultar,

exclusivamente, do estado de saúde do passageiro, ou se o

acidente decorrer de sua culpa exclusiva;

b) no caso do item II, se ocorrer motivo de força

maior ou comprovada determinação da autoridade

aeronáutica, que será responsabilizada.

§ 2° A responsabilidade do transportador estende-se:

a) a seus tripulantes, diretores e empregados que

viajarem na aeronave acidentada, sem prejuízo de eventual

indenização por acidente de trabalho;

b) aos passageiros gratuitos, que viajarem por

cortesia.

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Art. 257. A responsabilidade do transportador, em

relação a cada passageiro e tripulante, limita-se, no caso de

morte ou lesão, ao valor correspondente, na data do

pagamento, a 3.500 (três mil e quinhentas) Obrigações do

Tesouro Nacional - OTN, e, no caso de atraso do transporte, a

150 (cento e cinqüenta) Obrigações do Tesouro Nacional -

OTN.

§ 1° Poderá ser fixado limite maior mediante pacto

acessório entre o transportador e o passageiro.

§ 2° Na indenização que for fixada em forma de

renda, o capital par a sua constituição não poderá exceder o

maior valor previsto neste artigo.

Resta clara a responsabilidade objetiva do transportador, independente

de culpa de seus prepostos. As excludentes de nexo causal enumeradas

elidem a responsabilidade do transportador e reportam-se à culpa exclusiva ou

concorrente da vítima e de terceiro, comuns a outros diplomas. Os dispositivos

supracitados parecem em consonância com o Código de Defesa do

Consumidor e com o Código Civil, não fossem os limites indenizatórios e a

exclusão da responsabilidade do transportador diante de culpa de terceiro.

Aqui, mais uma vez, questiona-se a preponderância do Código de Defesa do

Consumidor e a reparação integral sobre os limites estipulados pela legislação

especial.

2.4.3. Extravio de bagagem/carga

Artigo 22

1) (...)

2) No transporte de bagagem, a responsabilidade do

transportador em caso de destruição, perda, avaria ou atraso

se limita a 1.000 Direitos Especiais de Saque por passageiro,

a menos que o passageiro haja feito ao transportador, ao

entregar-lhe a bagagem registrada, uma declaração especial

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de valor da entrega desta no lugar de destino, e tenha pago

uma quantia suplementar, se for cabível. Neste caso, o

transportador estará obrigado a pagar uma soma que não

excederá o valor declarado, a menos que prove que este valor

é superior ao valor real da entrega no lugar de destino.

3. No transporte de carga, a responsabilidade do

transportador em caso de destruição, perda, avaria ou atraso

se limita a uma quantia de 17 Direitos Especiais de Saque por

quilograma, a menos que o expedidor haja feito ao

transportador, ao entregar-lhe o volume, uma declaração

especial de valor de sua entrega no lugar de destino, e tenha

pago uma quantia suplementar, se for cabível. Neste caso, o

transportador estará obrigado a pagar uma quantia que não

excederá o valor declarado, a menos que prove que este valor

é superior ao valor real da entrega no lugar de destino.

4. Em caso de destruição, perda, avaria ou atraso de uma

parte da carga ou de qualquer objeto que ela contenha, para

determinar a quantia que constitui o limite de responsabilidade

do transportador, somente se levará em conta o peso total do

volume ou volumes afetados. Não obstante, quando a

destruição, perda, avaria ou atraso de uma parte da carga ou

de um objeto que ela contenha afete o valor de outros

volumes compreendidos no mesmo conhecimento aéreo, ou

no mesmo recibo ou, se não houver sido expedido nenhum

desses documentos, nos registros conservados por outros

meios, mencionados no número 2 do Artigo 4, para determinar

o limite de responsabilidade também se levará em conta o

peso total de tais volumes.

Não há disposições específicas para atraso de bagagem/carga; são

aplicadas as disposições referentes à responsabilidade por extravio. Nos casos

de extravio de bagagem ou carga, além dos questionamentos acerca da

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aplicação do Código de Defesa do Consumidor versus Convenção de

Montreal, há ainda as discussões que se iniciarão em torno da aplicação dos

dispositivos inseridos no atual Código Civil, que dizem respeito à declaração

especial de valor para a bagagem e “valor constante do conhecimento aéreo”,

este último objeto específico do presente estudo.

No transporte doméstico, o transportador responde no caso de extravio

de bagagens e cargas conforme disposto no Código Brasileiro de Aeronáutica:

Art. 260. A responsabilidade do transportador por

dano, conseqüente da destruição, perda ou avaria da

bagagem despachada ou conservada em mãos do

passageiro, ocorrida durante a execução do contrato de

transporte aéreo, limita-se ao valor correspondente a 150

(cento e cinqüenta) Obrigações do Tesouro Nacional - OTN,

por ocasião do pagamento, em relação a cada passageiro.

Art. 261. Aplica-se, no que couber, o que está

disposto na seção relativa à responsabilidade por danos à

carga aérea (artigos 262 a 266).

Art. 262. No caso de atraso, perda, destruição ou

avaria de carga, ocorrida durante a execução do contrato do

transporte aéreo, a responsabilidade do transportador limita-

se ao valor correspondente a 3 (três) Obrigações do Tesouro

Nacional - OTN por quilo, salvo declaração especial de valor

feita pelo expedidor e mediante o pagamento de taxa

suplementar, se for o caso (artigos 239, 241 e 244).

Art. 263. Quando para a execução do contrato de

transporte aéreo for usado outro meio de transporte, e houver

dúvida sobre onde ocorreu o dano, a responsabilidade do

transportador será regida por este Código (artigo 245 e

Parágrafo único).

Art. 264. O transportador não será responsável se

comprovar:

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I - que o atraso na entrega da carga foi causado por

determinação expressa de autoridade aeronáutica do vôo, ou

por fato necessário, cujos efeitos não era possível prever,

evitar ou impedir;

II - que a perda, destruição ou avaria resultou,

exclusivamente, de um ou mais dos seguintes fatos:

a) natureza ou vício próprio da mercadoria;

b) embalagem defeituosa da carga, feita por pessoa

ou seus prepostos;

c) ato de guerra ou conflito armado;

d) ato de autoridade pública referente à carga.

Art. 265. A não ser que o dano atinja o valor de todos

os volumes, compreendidos pelo conhecimento de transporte

aéreo, somente será considerado, para efeito de indenização,

o peso dos volumes perdidos, destruídos, avariados ou

entregues com atraso.

Art. 266. Poderá o expedidor propor ação contra o

primeiro transportador e contra aquele que haja efetuado o

transporte, durante o qual ocorreu o dano, e o destinatário

contra este e contra o último transportador.

Parágrafo único. Ocorre a solidariedade entre os

transportadores responsáveis perante, respectivamente, o

expedidor e o destinatário.

No caso supra, o referido Codex apresenta casos de excludentes de

nexo causal compatíveis com os princípios do Código de Defesa do

Consumidor. A dificuldade é saber se são ou não aplicáveis os limites

indenizatórios, em vista das disposições do Código Civil e do Código de

Defesa do Consumidor.

Os conflitos acima delimitados serão estudados de forma geral, de

acordo com a jurisprudência dominante no próximo tópico.

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2.4. Conflitos modernos (Código de Defesa do

Consumidor X Código Brasileiro de Aeronáutica X Código Civil

X Convenção de Montreal)

A posição predominante nos Tribunais de todo o país é pró-aplicação

do Código de Defesa do Consumidor, caracterizando qualquer relação de

transporte aéreo como relação de consumo (até mesmo com pessoas jurídicas

especializadas em transporte de cargas ou suas seguradoras sub-rogadas,

para as quais dedicaremos uma seção de nosso estudo). Seguindo a aplicação

de referido Codex, não cabem quaisquer limites indenizatórios pois contrariam

o princípio da reparação integral por ele garantida. Ainda quando alguns juízes

aplicam os limites previstos na legislação especial, eles são restringidos aos

danos materiais (ainda que não haja essa distinção no bojo da legislação

especial, parece-nos uma aplicação adequada, ainda que mitigada), daí

compensando-se no arbitramento dos danos morais para garantir a

integralidade da reparação.

Os principais argumentos e correntes para a aplicação do Código de

Defesa do Consumidor em detrimento da legislação aeronáutica especial

(Código Brasileiro de Aeronáutica e Convenção de Montreal) são, de forma

simplificada:

1) sua generalidade em relação às relações de consumo,

sendo aplicável sempre que a relação jurídica envolver consumidores,

convivendo ou sobrepondo-se a qualquer outro regime jurídico especial

cujas partes enquadram-se nos conceitos de consumidor/fornecedor;

“Não há dúvida que o Código Brasileiro de

Aeronáutica é lei de natureza especial perante o Código de

Defesa do Consumidor, porquanto aquele regulamenta

especificamente o contrato de transporte aéreo, ao passo que

este trata da proteção do consumidor nas relações de

consumo em geral.

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Ocorre que nem por isso a lei geral (Código do

Consumidor) deve ser afastada em sua aplicabilidade, pois

antes convive com a lei especial, naquilo que com esta não

conflite, segundo dispõe o artigo 2°, § 2°, a Lei de Introdução

ao Código Civil (...)”

(Data do julgamento: 11/12/97; n° distribuição: 61;

Recurso: Turma Recursal – SP; Autor: MS; Réu: V.S/A;

Relator: Alexandre Coelho; n° ficha: 256)

2) sua posterioridade em relação à vigência do Código

Brasileiro de Aeronáutica;

Na hipótese dos autos, há que se ampliar o Código

de Defesa do Consumidor, visto que sendo lei posterior da

mesma hierarquia do Código Brasileiro de Aeronáutica, as

normas daquele hão de prevalecer naquilo que dispuserem de

forma diferente.”

(Data do julgamento: 26/09/96; n° distribuição: 63;

Rescisória; TA – RJ; Autor: Varig S/A; Réu: América Latina de

Seguros e outros; Relator: Mello Tavares; n° ficha: 161)

3) entendimento de que a legislação especial somente se

aplicaria aos danos causados pelos chamados “riscos do ar”, riscos

inerentes à atividade da aviação (acidentes e incidentes aeronáuticos);

Responsabilidade civil. Transporte aéreo. Vôo

internacional. Extravio de bagagem. Extravio que não guarda

nenhuma relação com os riscos do vôo. Responsabilidade da

transportadora que se desloca para o campo do direito

comum, aplicando-se os arts. 159 [atual art. 186] e 1.056

[atual art. 389] do CC. Inadmissibilidade da limitação da

responsabilidade, condenada a ré ao pagamento do valor

integral do bem, deduzida a quantia já paga, referente à

cobertura obrigatória. Sentença mantida.

(1° TACSP – 2ª C. – Ap. – Rel. Rodrigues de

Carvalho – j. 08.06.1988 – JTACSP-RT 113/191).

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4) supremacia do ordenamento interno sobre o internacional.

“O atraso de vôo internacional, bem como o extravio

momentâneo de bagagem, impõem à companhia

transportadora o dever de indenizar o passageiro pelos danos

morais e materiais experimentados, em observância ao

preceito constitucional inserido no art. 5°, V e X, pouco

importando que a Convenção de Varsóvia limite a verba

indenizatória somente ao dano material, pois a Carta Política

da República se sobrepõe a tratados e convenções ratificadas

pelo Brasil”

(STF – 2ª T. – AgReg. – Rel. Marco Aurélio – j.

27.04.1998 – RT 755/177).

Não é ainda perceptível a posição dos Tribunais em relação à

aplicação dos dispositivos do Código Civil e da Convenção de Montreal ao

transporte aéreo. Em relação ao transporte de pessoas, entendemos que o

posicionamento dos tribunais não será modificado de forma substantiva.

Talvez haja alguma mudança referente ao transporte de coisas. Trataremos

especificamente do extravio de cargas à luz do Código Civil no próximo

capítulo.

2.5. Limitação da responsabilidade do transportador

aéreo em relação a danos materiais

Segundo uma das correntes acima mencionadas, após o advento da

Constituição Federal de 1988 ratificando o dever de reparar o dano moral,

ainda que fosse admitida a limitação presente na legislação especial, esta

estaria somente relacionada aos danos materiais sofridos pelos

passageiros/expedidores de carga. Embora a legislação específica não faça

referida distinção, e ainda considerando que “o que o legislador não

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diferenciou, não cabe ao operador diferenciar”, parece-nos coerente aceitar a

presente dicotomia a fim de realizar o estudo do dano material separadamente.

Conforme anteriormente exposto, os limites indenizatórios surgiram da

necessidade de viabilizar a aviação em uma época em que os “riscos do ar”

eram desproporcionais aos meios de que o homem dispunha para enfrentá-los.

Com o avanço da tecnologia, o homem – em princípio – teria melhores

condições de lidar com a atividade de transporte. Entretanto, em cada viagem,

está o transportador ainda sujeito às intempéries climáticas e fenômenos

naturais que são até previsíveis, mas inevitáveis. O que falar também de uma

peça perfeitamente mantida e preservada dentro de controles rigorosos de

qualidade, mas que se rompe sem uma explicação nem mesmo da física

mecânica, devendo ser substituída em tempo hábil, atrasando ou provocando

o cancelamento de um vôo e afetando dezenas, centenas de vidas de uma só

vez?

O transporte aéreo deve ainda ser considerado uma atividade de

especial risco, tanto que é regulamentado por dispositivos criados para regê-lo

adequadamente. A limitação da responsabilidade faz parte de uma realidade

específica, assim como a tarifação previdenciária em caso de acidentes de

trabalho. Como reparar os danos materiais causados por um acidente de

trabalho sem “quebrar” a máquina pública? Procurando homogeneizar o

tratamento aos danos de maneira a atender os interesses de todos sem levar o

Estado à bancarrota. Ainda que a aviação possua meios como o seguro de

responsabilidade civil para mitigar os efeitos de uma indenização excessiva por

atraso de vôo, é fato que esse custo é repassado a toda a cadeia que dela se

utiliza, ainda hoje entravando seu desenvolvimento.

Talvez esteja faltando encontrar um ponto de equilíbrio entre o exagero

de algumas indenizações e a irrelevância de alguns limites indenizatórios. Mais

adiante trataremos especificamente do extravio de carga, em que entendemos

ser perfeitamente aplicável a limitação aos danos materiais dele decorrentes.

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2.6. Limitação em relação a danos materiais decorrentes

do extravio de carga

O transporte aéreo de cargas, conforme anteriormente exposto, está

regido por - pelo menos - quatro diplomas, a saber: Código Civil, Código de

Defesa do Consumidor, Código Brasileiro de Aeronáutica e Convenção de

Montreal. Entre o Código Brasileiro de Aeronáutica e a Convenção de

Montreal, em nosso entendimento, não há qualquer conflito, posto que a

primeira regerá o transporte doméstico e a segunda, o internacional, conforme

suas próprias definições de um e outro transporte. Estudaremos, pois, o

conflito entre os dois primeiros e os dois últimos.

O primeiro ocupou-se de tecer princípios a serem observados em

todos os contratos de transportes sob sua égide:

“Art. 732. Aos contratos de transporte, em geral, são

aplicáveis, quando couber, desde que não contrariem as

disposições deste Código, os preceitos constantes da

legislação especial e dos tratados e convenções

internacionais”.

Em tese, estariam revogados todos os preceitos das leis especiais em

vigor que regem as modalidades de transportes contrariamente ao disposto

nos artigos 730 a 756. Segundo Rui Stoco, a questão parece, mas não é tão

simples, precipuamente porque o Código Civil não regulamentou inteiramente

a matéria: “contém apenas disposições gerais, nada dispondo sobre questões

específicas e peculiares das mais diversas modalidades de transportes (aéreo

interno, aéreo internacional, marítimo, rodoviário ferroviário, metroviário), seja

coletivo ou individual26”.

26 STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. Editora Revista dos Tribunais. 6ª ed., p. 285.

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De acordo com o artigo 2°, parágrafo 2°, do Decreto Lei 4.657/42 (Lei

de Introdução ao Código Civil), “a lei nova, que estabeleça disposições gerais

ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a anterior.”

Juntamente com Rui Stoco, também entendemos que a redação do

artigo deixou margem para diversas interpretações, cabendo ao aplicador da

lei determinar qual a disposição incidente no caso concreto, na ocasião de

choque de normas específicas com as novas disposições do Código Civil. Em

todo caso, as normas principiológicas e programáticas deverão ser aplicadas

indiscriminadamente a todos os contratos de transporte.

O segundo diploma dispõe genericamente sobre todas as relações de

consumo entre as figuras que caracteriza como consumidor e fornecedor. O

Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Eduardo Ribeiro, mencionou que

referido Codex “constitui lei de caráter geral, superveniente às leis que regulam

cada modalidade de transporte, de modo que não afeta as disposições

especiais ‘ainda que estas disponham diversamente do contido no Código de

Defesa do Consumidor’ (RT 731/216).27” Nesse ambiente, o artigo 732

supramencionado coaduna com a tese de que a intenção do legislador era

regulamentar o transporte de forma autônoma, como um contrato civil de suma

importância, e considerando as peculiaridades de cada modalidade, não

estando portanto sujeito à disciplina efetiva do Código de Defesa do

Consumidor.

Definida a regulamentação que entendemos ser a mais razoável, basta

determinar onde se encaixa a limitação da responsabilidade por danos

materiais decorrente do extravio de carga.

Os artigos do Código Brasileiro de Aeronáutica e da Convenção de

Montreal, mencionados no tópico 2.4. desenham um verdadeiro sistema de

27 STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. Editora Revista dos Tribunais. 6ª ed., p. 428.

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tarifação de responsabilidade, em que a indenização por danos materiais é

calculada com base em critérios objetivos de peso e valor constante do

conhecimento aéreo. Isto porque o transportador aéreo não conhece a carga

despachada por seu expedidor e não pode obrigá-lo a lhe fornecer todos os

detalhes de seu conteúdo a fim de avaliar os riscos do transporte. Quando o

usuário, no momento em que despacha suas mercadorias, não pretende

suportar taxa adicional (ad valorem, facultada pelo transportador para cobrir a

mercadoria através de segurança completa), oculta valores e paga de acordo

com o peso. Incoerente será se obtiver o pagamento de seu valor real, posto

que não haverá reciprocidade de tratamento. Estabeleçamos um paralelo com

o princípio da boa-fé objetiva que envolve o contrato de seguro. O risco é

avaliado de acordo com os dados fornecidos pelo segurado e o prêmio nessa

base calculado. Se o segurado omite ou modifica informações de modo a

agravar o risco para a seguradora, a cobertura para seu interesse estará

comprometida à medida que desequilibrou sua relação com a companhia.

Similarmente ocorre com a expedição da carga no transporte aéreo. Se o

expedidor não fornecer as características da mercadoria que quer transportar e

declarar seu valor, estando sujeito ao pagamento de uma taxa adicional

diferente daquela paga por peso de mercadoria despachada, o transportador

não poderá obrigá-lo a proceder de tal maneira. Deveria o expedidor, como a

legislação determina, arcar com o “risco” a que submeteu o transportador. Mas

não é o que ocorre na prática.

2.7. Comparações (Código de Trânsito Brasileiro, Código

Penal, Lei de Telecomunicações e Lei de Direitos Autorais)

Conforme bem sinaliza Rui Stoco,

“não cabe confundir a cláusula de não indenizar,

expressamente proibida no artigo 734 do Código Civil e na

legislação específica de regência, com a cláusula limitativa ou

restritiva do valor da indenização, que significa apenas o

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estabelecimento de um limite, como, aliás, é da nossa tradição

legislativa.28”

O próprio Código Civil fez ressalva à aplicação da legislação específica

a cada modalidade de transporte; sem escusas para os legisladores que não

conheciam o sistema limitativo em vigor no transporte aéreo. Fato é que a

aplicação de referido sistema em nada foi influenciada pelo Código Civil de

2002, o qual não lhe restringiu ou proibiu.

Ad exemplum, jamais nossos Tribunais declararam a invalidade ou

questionaram a constitucionalidade da multa reparatória prevista no artigo 297

do Código de Trânsito Brasileiro para crimes de trânsito, a qual é limitada.

Também o Código Penal consagrou o sistema de limitação do valor de

indenização ao determinar a “prestação pecuniária” (pena autônoma, restritiva

de direitos – artigo 43, I), estabelecendo um valor mínimo (1 salário mínimo) e

um máximo (360 salários mínimos) a ser pago à vítima ou seus dependentes.

“Segundo nos parece, e respeitando o entendimento daqueles que

preconizam solução diversa, se os valores margeados e estabelecidos em

valor limitado nas diversas leis de regência, visando a reparação do dano, são

pequenos e insuficientes, deve-se revê-los, mas não invocar a Constituição

Federal como fundamento da inexistência de limites de indenização29” quando

dispositivos infraconstitucionais posteriores à sua edição os consagram e

nunca foram questionados.

Assim também ocorre com a Lei 9.610, de 19.02.1998 (altera, atualiza

e consolida a legislação sobre direitos autorais). Em seu artigo 103, caput,

dispõe que “quem editar obra literária, artística ou científica, sem autorização

do titular, perderá para este os exemplares que se apreenderem e pagar-lhe-á

28 STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. Editora Revista dos Tribunais. 6ª ed., p. 298.

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o preço dos que tiver vendido”, e no parágrafo único menciona que “não se

conhecendo o número de exemplares que constituem a edição fraudulenta,

pagará o transgressor o valor de três mil exemplares, além dos apreendidos”.

Outro exemplo é a Lei n° 9.611, de 10 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre

o transporte multimodal de cargas, que em seu artigo 17, caput, dispõe: “a

responsabilidade do Operador de Transporte Multimodal por prejuízos

resultantes de perda ou danos causados às mercadorias é limitada ao valor

declarado pelo expedidor e consignado no Conhecimento de Transporte

Multimodal, acrescido dos valores do frete e do seguro correspondentes.”

Rui Stoco entende que

“a legislação civil em vigor mostrou-se plena de

exemplos de indenizações limitadas, por força mesmo do

princípio da socialização dos encargos, considerando-se que a

partir do revogado Código Civil de 1916 – prevendo inúmeros

limites indenitários em inúmeras hipóteses – tantas outras leis

importantes assim também procederam, de que são

exemplos:

a) a Lei de Imprensa (Lei 5.250/67, artigos 51 e 52):

máximo de 200 salários mínimos;

b) a lei de Direitos Autorais (Lei 9.610, art. 103):

valor de 3.000 exemplares;

c) a Lei 6.453/77 (dispõe sobre danos nucleares, art.

9°): 1.500 ORTN;

Também no revogado Código Civil de 1916, como

antes observado, já se confirmava essa tendência de tarifação

(artigos 1.531, 1.538, 1.541, 1.547, parágrafo único e 1.550).

Aliás, o Código Civil de 2002 também adotou esse

sistema em algumas passagens, como, por exemplo:

a) no art. 940 (demanda por dívida já paga: o dobro

do que houver cobrado);

29 STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. Editora Revista dos Tribunais. 6ª ed., p. 298/299.

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b) no art. 952 (restituição da própria coisa no

esbulho, ou seu valor correspondente).30”

Afastada a incidência do Código de Defesa do Consumidor

(retornaremos ao tema oportunamente, para eventuais observações mais

específicas) e caracterizada a possibilidade de atenção ao sistema limitativo,

passaremos a analisar o papel do artigo 750 no moderno transporte aéreo de

cargas, os conflitos que poderá acarretar e as praxes de mercado, que

solucionam ou maximizam a exposição ao problema.

30 STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. Editora Revista dos Tribunais. 6ª ed., p. 430/431.

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CAPÍTULO 3

ARTIGO 750 DO CÓDIGO CIVIL: favorável ou

desfavorável à limitação?

3.1. Gênese

O contrato de transporte, no qual uma parte se obriga, mediante

remuneração, a entregar coisa/pessoa incólume em um local contratado,

nasceu da necessidade das civilizações históricas de promover o intercâmbio

de pessoas e coisas. Os transportes, em especial o marítimo, tiveram grande

importância para o desenvolvimento das antigas cidades gregas. A Lex

Rhodia de iactu, de origem grega, teve papel fundamental no Direito Romano

regulando casos de avaria marítima e lançamento ao mar dos bens

transportados em caso de perigo de naufrágio (avaria grossa). Com o

desenvolvimento crescente da atividade, o contrato de transporte começa a se

distanciar dos princípios da empreitada e locação de serviços a priori

aplicáveis. Com o surgimento e aperfeiçoamento de outras modalidades de

transporte, houve a necessidade de criar disposições específicas para regular

o transporte de cargas e passageiros em suas peculiaridades.

A obrigação do transportador é de resultado e somente termina com a

chegada da pessoa/coisa incólume ao destino contratado. Sua execução se

inicia em diferentes momentos, dependendo do modal utilizado.

À época da criação do Código Comercial brasileiro, o transporte no

Brasil era ainda incipiente, o que justifica não ter sido o contrato disciplinado

especificamente: os artigos 99 a 118 referiam-se aos condutores de gêneros e

comissários de transporte. Também o Projeto do Código Civil de 1916,

elaborado na última década de 1800, pelo mesmo motivo omitiu referido

contrato. Entretanto, seu rápido desenvolvimento trouxe a necessidade de se

editar uma lei antes mesmo da entrada em vigor do Código Civil: a Lei das

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Estradas de Ferro (1912). Na visão de Sérgio Cavalieri Filho, o legislador pode

ter “se esquecido” do contrato de transporte, “preocupado com as questões do

Congresso, olvidando-se que o mundo aqui fora não havia parado; antes, pelo

contrário, as rodas estavam rodando, e cada vez mais rápido. (...) Pode

também ter ocorrido que o legislador imaginou que a Lei das Estradas de Ferro

já teria disciplinado suficientemente a questão, sem prever que outros meios

de transporte haveriam de surgir, e, por isso, deixou o contrato de transporte

apenas com a disciplina que recebera da Lei das Estradas de Ferro.”31

Luiz Edson Fachin entende que o Código Civil em vigor “opera o

retrocesso legislativo em matérias já disciplinadas pelas leis esparsas (...)”32,

justamente por conter matéria já regulada em legislação especial. Concorda

Rui Stocco:

“A observação é correta. O Código Civil invadiu

esferas de atuação de inúmeras leis, não só especiais, mas

específicas, disciplinadoras de atividades fundamentais (...)

Apenas a título de exemplo, veja-se que embora o

sistema legal brasileiro já dispusesse de amplo arsenal

legislativo acerca dos transportes em suas diversas

modalidades, cada qual disciplinada por lei interna ou tratados

e convenções internacionais, o Código Civil, afastando-se de

sua vocação de lei apenas subsidiária quando a matéria esteja

disciplinada em lei especial, de modo que só incidirá quando

esta for omissa, num rompante de supremacia assim

procedeu:

Instituiu o Capítulo XIV – ‘Do Transporte’ (arts. 730 a

756), incluído no Título VI (Das várias espécies de contratos)

no Livro I da Parte Especial.

Estabeleceu disposições gerais e regras acerca do

transporte de pessoas e de coisas.

31 CAVALIERI FILHO, Sergio, Programa de Responsabilidade Civil, Malheiros, 2003, 5ª ed., p. 291. 32 FACHIN, Luis Edson. Apreciação Crítica do Código Civil de 2002 na perspectiva constitucional do Direito Civil contemporâneo. Revista Jurídica. Porto Alegre. Notadez Ed., ano 51, n. 304, p. 17-22, fev. 2003.

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Portanto, disciplinou genericamente os transportes,

sem ingressar na particularização de cada modalidade (...)”33.

O autor supra conclui que o Código Civil “inverteu conceitos e

estabeleceu confusão teórica e de princípios”34 ao dispor, no artigo 732, “aos

contratos de transporte, em geral, são aplicáveis, no que couber, desde que

não contrariem as disposições deste Código, os preceitos constantes da

legislação especial e de tratados e convenções internacionais” quando as

regras nele previstas deveriam ser aplicadas “subsidiariamente, na omissão

das leis especiais, como legislação supletiva”.35

O artigo 750 versa sobre a responsabilidade do transportador no

transporte de coisas:

“A responsabilidade do transportador, limitada ao

valor constante do conhecimento, começa no momento em

que ele, ou seus prepostos, recebem a coisa; termina quando

é entregue ao destinatário, ou depositada em juízo, se aquele

não for encontrado.

De sua interpretação literal, depreende-se o intervalo em que compete

ao transportador zelar pela coisa sob pena de surgir uma obrigação secundária

de indenizar o expedidor da mercadoria. Referida indenização deverá ser

limitada ao valor constante do conhecimento, questão que analisaremos mais

detalhadamente adiante.

Para ratificar e combater a limitação, apresentamos posições de

advogados militantes especialistas na área:

3.2. Posicionamentos

33 STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. Editora Revista dos Tribunais. 6ª ed., p. 112. 34 idem

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55

O Professor José Gabriel Assis de Almeida entende que

“Ainda no tocante aos limites de responsabilidade, é

importantíssimo notar uma inovação do NCC. Segundo o art.

750: ‘A responsabilidade do transportador, limitada ao valor

constante do conhecimento, começa no momento em que ele,

ou seus prepostos, recebem a coisa; [...]’. Este dispositivo

significa que a responsabilidade do transportador é limitada ao

valor declarado pelo expedidor e que consta no conhecimento

de transporte.

Desde logo importa salientar que, segundo o artigo

ora em comento, fica excluída a indenização por lucros

cessantes. Assim, a indenização a ser paga pelo transportador

levará apenas o valor da mercadoria no momento do

embarque e não o potencial valor de revenda da mercadoria

ou o valor da mercadoria acrescido do valor de eventual multa

que tenha sido paga pelo expedidor ou pelo consignatário por

não terem entregue a terceiros a mercadoria em boas

condições ou no prazo correto.

Por outro lado, ocorre que, na esmagadora maioria

dos casos, o transportador não atribui valor à mercadoria e o

conhecimento de transporte é emitido com a menção ‘NVD’, o

que significa ‘no value declared’. Esta prática decorre do fato

de a carga estar normalmente segurada, pelo seu verdadeiro

valor, junto a uma companhia de seguros e ainda do fato de

que a indicação de um valor poderá significar, se esse valor

for relevante, o pagamento de uma taxa adicional. Ora, a

ausência de valor declarado impede o transportador de se

prevalecer da limitação de responsabilidade. Deste modo, é

do interesse do transportador que o conhecimento de

35 idem

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56

transporte contenha a declaração do real valor da mercadoria

transportada. (...)”36

O Professor José Gabriel demonstra-se favorável à aplicação da

limitação a que se refere o artigo 750 do Código Civil. No entanto, entende que

na situação específica de não haver valor declarado (como veremos adiante), o

transportador não poderá argüir a limitação em tela e deverá arcar com a

reparação integral.

Ele também aborda um outro ponto interessante: a exclusão da

reparação por lucros cessantes. Conforme mencionado no capítulo 1, o artigo

402 do Código Civil baliza as perdas e danos devidos pelo ofensor,

distinguindo e abrangendo danos emergentes e lucros cessantes, “salvo as

exceções previstas em lei”. Entendemos que o artigo em estudo enseje uma

dessas exceções, pois não contempla o ofendido com reparação por lucros

cessantes.

Maria Helena Diniz, em seu Código Anotado, entende

que “a responsabilidade civil do transportador limitar-

se-á ao quantum constante do conhecimento de frete, tendo

início a partir do instante em que ele, ou seu preposto, receber

a coisa e terminando com sua entrega ao destinatário ou seu

depósito em juízo, se aquele não puder ser encontrado,

evitando, assim, a mora. O risco com o transporte fica por

conta do transportador, exceto se a coisa se perder ou

deteriorar por culpa do remetente ou em razão de força maior.

Todavia, será preciso esclarecer que o limite de

responsabilidade ao valor atribuído pelo contratante só diz

respeito à sua avaria ou perda. O transportador responderá

pelas perdas e danos que remetente, destinatário ou terceiro

vierem a sofrer com o transporte, em razão de atraso, desvio

36 ALMEIDA, José Gabriel Assis de. Contrato de Transporte Aéreo no Novo Código Civil Brasileiro. Net, Rio de Janeiro. Seção Artigos. Disponível em: <http://sbda.org.br/revista/Anterior/1761.htm> Acesso em: 17 set. 2005

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57

de itinerário etc., sem qualquer limitação ao valor contido no

conhecimento de frete.” 37

Também a favor da limitação, contudo, mais abrangente que o

posicionamento acima está Marco Fábio Morsello38:

“Já no tocante ao contrato de transporte de coisas,

cumpre observar que, nos termos do artigo 750, há fixação de

responsabilidade limitada em relação ao transportador de

mercadorias, o que se coaduna com o Sistema de Varsóvia e

com o Código Brasileiro de Aeronáutica (rodapé: Cumpre

ressaltar que se trata de regime de responsabilidade objetiva

aplicável, inclusive, para hipóteses de atraso de vôo,

viabilizando-se a fixação de patamar-limite indenizável).

Observe-se, ademais, que sufragamos tal

entendimento na medida que, via de regra, referido contrato

de transporte não caracteriza relação de consumo, de modo

que o profissional contratante poderá regular seus interesses

celebrando eventual contrato de seguro, evitando provável

repasse no valor do preço pago pelo transporte de eventual

pretensão à cobertura ilimitada.”

3.3. Estudo de casos

3.3.1. Caso 1: Flyone Serviços Aéreos

Especializados Ltda X Variglog

“Flyone Serviços Aéreo Especializado Comércio e Serviços Ltda - ME

ajuizou Ação de Indenização em face de Variglog - Varig Logística S.A.,

dizendo ter contratado a ré para transportar mercadoria que lhe foi confiada,

entregando-lhe o material em sua loja, próxima ao Aeroporto Santos Dumont,

37 DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado, Editora Saraiva, 2005, 11ª Ed., revista, aumentada e atualizada de acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10-1-2002). 38 MORSELLO, Marco Fábio. Responsabilidade Civil no Transporte Aéreo, Editora Atlas, 2006, p. 433 e 437.

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por onde se faria o transporte. Afirma que a ré decidiu transportar a

mercadoria por caminho distinto do contratado e esta veio a ser roubada.

Informa que a ré possui seguro garantia pelas mercadorias que estão sob sua

guarda, mas que até a presente data se nega a indenizar a autora. Ressalta

que o verdadeiro dono das mercadorias vem lhe cobrando uma indenização o

que vem causando mácula à imagem da autora no mercado. Requer a

procedência do pedido para que a ré indenize a autora no valor da mercadoria

roubada, honorários advocatícios, bem como por danos morais. Com a inicial

de fls. 02/17, vieram os documentos de fls. 18/45 e de fls. 56/75. Contestação

às fls. 77/94, instruída pelos documentos de fls. 95/97, argüindo preliminares e

alegando não ser aplicável ao caso o Código do Consumidor nem o Novo

Código Civil e sim o Código Brasileiro de Aeronáutica. Afirma que não tem

qualquer prescrição contratual determinando o local de embarque das

mercadorias e como não existem vôos para Guarulhos partindo do Santos

Dumont, a carga teria que ser embarcada no Aeroporto Internacional. Informa

que a responsabilidade por dano ocorrido a carga é limitada. Ressalta que a

autora superestimou o valor das mercadorias e que não consta do

conhecimento aéreo atestado da ré quanto as características da carga, seu

estado e valor, não podendo ser admitido valor unilateralmente estimado pela

autora. Informa que o peso indicado pela autora, é incompatível com a

mercadoria supostamente transportadas pela ré. Defende, também, a tese de

que não tem qualquer relação com o ocorrido não podendo ser

responsabilizado, já que considera roubo um motivo de força maior. Impugna o

pedido de cobrança dos valores despendidos pelo autor a título de honorários

advocatícios já que existe o ônus da sucumbência. Quanto ao pedido de dano

moral, afirma o réu que este não se efetivou já que poderia também a autora

argüir força maior. Requer a improcedência do pedido autoral. Réplica às fls.

101/107, rebatendo os argumentos da contestação. Às fls. 110/111 e fls. 113,

as partes informam não terem provas a produzir. Realizada audiência

preliminar às fls. 117, restou infrutífera a conciliação, juntando a autora os

documentos de fls. 118/138. Decisão de fls. 139 indeferindo as preliminares e

designando AIJ. A autora juntou documentos de fls. 146/150. Cópia de agravo

de instrumento às fls. 152/161. Assentada de AIJ às fls. 177 com depoimentos

de fls. 178, fls. 179/180, fls. 181 e fls. 182/183. Memoriais às fls. 187/189 e

190/195. É O RELATÓRIO. DECIDO. Da aplicação do Código do Consumidor

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A questão da aplicação do Código do Consumidor já foi decidida na decisão de

fls. 139, agora mantida, no sentido de que sendo a ré prestadora de serviço,

como transportadora de carga, está sujeita ao Código do Consumidor, nos

termos expressos da Lei 8.078/90. Quanto à aplicabilidade da Convenção de

Varsóvia e do direito aeronáutico, transcreve-se considerações do

Desembargador Sergio Cavalieri Filho, a respeito do tema ´A Convenção de

Varsóvia e o Código do Consumidor: ´Após a vigência do Código do

Consumidor, tornou-se polêmica essa indenização limitada. De um lado, há os

que sustentam que, sendo integral o dever de indenizar estatuído pelo Código

(art.60,VI), as hipóteses de responsabilidade civil tarifadas, em sede de

acidente de consumo, restaram afastadas. De outro lado, os cultores do Direito

Aeronáutico defendem o princípio de que, no conflito entre a lei interna e o

tratado, prevalece o tratado, pelo que o Código do Consumidor em nada

poderia alterar a Convenção de Varsóvia. Sem nos aprofundarmos no debate,

manifestamos desde logo a nossa adesão ao primeiro grupo. No embate entre

as duas correntes que situam os tratados internacionais em face do direito

positivo dos países que os firmarem - monista, que dá primazia ao Direito

Internacional, e dualista, que atribui a prevalência ao Direito Interno, a nossa

Suprema Corte, desde o julgamento do RE 80.004, que se desenrolou de fins

de setembro de 1975 a meados de 1977, firmou entendimento no sentido de

que a Convenção, embora tenha aplicabilidade no Direito Interno brasileiro,

não se sobrepõe às leis do País. Logo, em face do conflito entre tratado e lei

posterior, prevalece esta última, por representar a última vontade do legislador,

embora o descumprimento no plano internacional possa acarretar

conseqüências. Desde então- e o Supremo Tribunal Federal ainda não mudou

a sua posição- parece-me não mais existir nenhuma sustentação para a tese

do primado do Direito Internacional, pelo que entendo também não mais ter

aplicação entre nós a indenização limitada prevista na Convenção de

Varsóvia.´ da responsabilidade de resultado e objetiva Também mantendo a

decisão de fls. 139, o transporte de mercadorias é uma modalidade de contrato

de transporte que pode ser executado por via terrestre, aérea ou marítima.

Esta responsabilidade é de fim, de resultado. O transportador tem que

entregar a mercadoria em seu destino, no mesmo estado em que a recebeu. A

responsabilidade do transportador só termina com a entrega da mercadoria e

durante toda a viagem e todo o percurso o transportador responde pelo que

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acontecer com a mercadoria. O fortuito interno não afasta a responsabilidade

do transportador. Somente o fortuito externo e a culpa exclusiva do lesado são

causas de exclusão da responsabilidade do transportador de mercadorias. No

caso sob exame, não ocorreu nem fortuito interno, fortuito externo e muito

menos culpa exclusiva do lesado. Pretender alegar que o roubo de carga

durante o trajeto constitui fortuito externo, de forma a excluir a

responsabilidade objetiva do transportador, não procede. O fato é plenamente

previsível, principalmente numa cidade como a do Rio de Janeiro. Assalto é

fato corriqueiro e como tal previsível, o que afasta o caso fortuito ou força

maior. A contratação do seguro é uma providência necessária e

imprescindível. Na sua falta, o transportador assume o risco e responde pelo

preço da mercadoria transportada. Transcreve-se abaixo decisão da Nona

Câmara Cível que esta Magistrada acolhe por seus próprios fundamentos:

´CIVIL. CONTRATO DE TRANSPORTE DE COISAS. EXTRAVIO DA CARGA.

EFEITO. No contrato de transporte de coisas e precípua obrigação do

transportador é a entrega da prestação no local de destino, íntegra. Por isso

que responde ele pelos danos sofridos pelo expedidos, no caso de extravio de

carga, e esta responsabilidade é efetivamente objetiva. Em Cidades como o

Rio de Janeiro, o roubo de carga não é evento imprevisível, logo, não constitui

caso fortuito. A contratação do seguro é uma providência do interesse

indeclinável do transportador, estando, pois, sujeita a iniciativa deste. Na sua

falta, assume o risco o contratante faltoso. Sentença correta. Apelo improvido.´

(Nona Câmara Cível- Apelaçãop Cível 16.891/2000 Relator:Dês Laerson

Mauro). Por outro lado, verifica-se no BO, constante às fls. 32, informação de

que a carga estava segurada. Há informação prestada pela parte autora

quanto ao seguro da carga, que não foi negada pela ré. Ao contrário, o

preposto da ré, ouvido às fls. 179, informa que : ´toda mercadoria que é

transportada, obrigatoriamente tem que ser feito um seguro; que o cliente é

quem paga o seguro; que o valor do seguro é de acordo com o valor da

mercadoria; que o cliente chega para embarcar a mercadoria com a nota fiscal;

que é emitido um documento de nome AWB...´ Sendo o seguro obrigatório, na

forma do Decreto-lei 61.867/67, se o mesmo foi ou não feito, não há o que se

discutir, a indenização é devida. E, o valor deve ser o constante no

´conhecimento de embarque´, que, ao contrário do alegado pela ré, é o valor

que registra a nota fiscal junta à fls. 29. Também fica mantida a decisão de

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indeferimento da prova pericial para apuração do peso declarada da

mercadoria. Tendo a ré recebido a mercadoria com as declarações constantes

no documento, não pode, posteriormente, no momento de pagar a

indenização, contestar o seu conteúdo. Da indenização O valor da indenização

é o constante no conhecimento de embarque, às fls. 28, de R$296.065,89,

acrescida do valor de R23.800,00 a título de honorários de advogado, gastos

para a defesa da autora, previsto no artigo 389 do Código Civil, tudo com juros

legais e correção, na forma do artigo 406 também do Código Civil a contar da

citação. Quanto aos danos morais, o pedido improcede, eis que ausentes os

requisitos para a sua concessão. Os danos relatados pela parte autora são

exclusivamente de ordem material. A jurisprudência já se posicionou que o

simples descumprimento da obrigação não gera dano moral. ISTO POSTO,

JULGO PROCEDENTE em parte o pedido da autora e condeno a ré no

pagamento da indenização no valor total de R319.865,89, com os acréscimos

legais, a contar da citação. Improcede o pedido de danos morais.

Considerando a sucumbência mínima da autora, condeno a ré no pagamento

das custas e honorários de advogado que fixo em 10% sobre o valor da

condenação. P.R.I.”

(Processo 2005.207.000658-8, 3ª Vara Cível da Comarca Regional da Ilha do

Governador/RJ, julgado em 06.02.2006)

Ato ilícito ocorrido em 8 de julho de 2004, sob a vigência do Código

Civil de 2002. Embora desfavorável à companhia aérea, o magistrado parece

ter tido o cuidado de verificar o conhecimento aéreo a fim de certificar-se do

valor declarado para a mercadoria. Não restou claro se a indenização integral

deveu-se pela aplicação do Código de Defesa do Consumidor ou do artigo 262

do Código Brasileiro de Aeronáutica (estudado nos capítulos anteriores)

combinado com o artigo 750 do Código Civil. A Apelação interposta pela

empresa aérea foi rejeitada pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

Há ainda uma outra questão nesse caso, de que não trataremos por

fugir ao escopo do nosso trabalho, mas muito importante atualmente: o roubo

de cargas como excludente de nexo causal e, conseqüentemente, de

responsabilidade da transportadora.

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62

3.3.2. Caso 2: ACE Seguradora X Vasp

ACE Seguradora S/A propôs ação regressiva de ressarcimento contra VASP

– Viação Aérea São Paulo alegando que se subrogou no direito da segurada

Promodal Logística e Transporte Ltda. em virtude de contrato de seguro de

mercadorias transportadas a terceiros que sofreram sinistro e foram extraviadas. As

mercadorias objeto do sinistro somam o valor de R$ 36.434,00 que foram pagos à

segurada, motivo pelo qual requer o pagamento da indenização no valor mencionado.

Juntou procuração e documentos.

A ré, citada, contestou requerendo conversão de rito e denunciação da lide.

No mérito, alegou a incidência da lei 7565/86 que prevê a limitação de

responsabilidade do transportador, impugnando a aplicação do Código de Defesa do

Consumidor. Afirma que as mercadorias foram roubadas o que afasta o dolo ou culpa

grave da ré e que não houve pagamento de taxa suplementar ‘ad valorem’ e a

segurada efetuou pagamento do frete pela quantidade de quilos transportados.

Pelo despacho de fls. 137, foi indeferida a alteração de rito e deferida a

denunciação da lide.

A denunciada contestou alegando limite de responsabilidade no montante do

capital segurado e invocou a necessidade do pagamento de franquia. No mérito,

invocou o Còdigo Brasileiro de Aeronáutica e a limitação de responsabilidade.

A fls. 207 a denunciada desistiu da denunciação do IRB.

A autora manifestou-se a fls. 209/212 e a ré, a fls. 219/220.

É O RELATÓRIO. FUNDAMENTO E DECIDO.

(...)

Os transportes por via aérea efetuados no território nacional regem-se pela

legislação especial, que é o Código Brasileiro de Aeronáutica, que não se encontra

derrogado ou revogado pela Constituição Federal, quer pelo Código de Defesa do

Consumidor.

A transportadora se obrigou pelo envio da mercadoria ao seu destino final, o

que não foi impugnado pela ré e que nos termos do artigo 245 do Código Brasileiro de

Aeronáutica, a execução do serviço persiste até a entrega do produto.

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63

Observo que a lei geral ñão revoga lei especial, salvo por expressa

revogação legal (lei de introdução ao Código Civil, art. 2°).

O Código de Aeronáutica estabelece, no art. 262, a limitação da obrigação a

3 OTN’s por quilo de peso e tal regra somente se afasta se comprovado que houve

declaração expressa de valor e mediante pagamento de taxa suplementar.

(...)

Não há provas do pagamento da taxa suplementar.

Desta forma, o transporte foi contratado sem que se elidisse a limitação de

indenização por extravio prevista na legislação específica.

(...)

Isto posto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação e condeno a ré a

pagar à autora o valor equivalente a 3 OTN’s por quilo de mercadoria sinistrada,

considerando o peso referido nos conhecimentos aéreos, acrescido de juros legais no

valor de 1%, (...).

P.R.I.C.

São Paulo, 01 de abril de 2005

(Processo 583.03.2004.009112-5, 1ª Vara Cível da Comarca Reginal III –

Jabaquara e Saúde/SP)

Ato ilícito ocorrido em 30 de abril de 2003, sob a vigência do Código

Civil de 2002. Novamente, a decisão está fundamentada na legislação especial

e não há menção ao Código Civil. Há uma apelação da autora aguardando

julgamento perante o Tribunal de Justiça de São Paulo (Apelação 7052931-0,

14ª Câmara de Direito Privado).

3.3.3. Sul América Seguros X Variglog

Vistos etc.

SUL AMÉRICA COMPANHIA DE SEGUROS, qualificada nos

autos, ajuizou ação ordinária de ressarcimento contra VARIG LOGÍSTICA S/A,

também qualificada.

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Relatou a requerente que por meio de contrato de seguro,

firmado com a empresa Faster Express Carga Aérea Ltda, garantiu a cobertura de

cargas em geral transportadas internamente em aeronaves. Disse que a segurada

contratou os serviços da ré para transporte de quatro caixas com os produtos

especificados nas notas fiscais nº 276184 e 051428, do Rio de Janeiro para

Brasília, porém, as caixas foram extraviadas. Afirmou que a ré foi negligente com

os bens transportados. Aduziu que o dano decorre do extravio das mercadorias,

que importaram no desembolso de R$180.690,04 pela autora. Requereu o

ressarcimento do valor pago atualizado monetariamente. Acostou documentos.

Citada, a ré apresentou contestação. Preliminarmente,

denunciou à lide Unibanco Seguros S/A. Sustentou a inaplicabilidade do CDC e a

aplicação do Código Brasileiro de Aeronáutica e da Convenção de Varsóvia que

limitam a responsabilidade do transportador aéreo. Afirmou a inexistência de ato

ilícito praticado pela ré. Requereu a improcedência do pedido.

Apresentada réplica.

Deferida a denunciação à lide, UNIBANCO AIG SEGUROS

S/A apresentou contestação. Preliminarmente, aceitou a denunciação à lide e

pediu o chamamento ao processo do IRB – Brasil Resseguros S/A. No mérito,

aduziu a existência de co-seguro, onde sua responsabilidade é limitada a 60%.

Alegou a limitação da responsabilidade do transportador aéreo, bem como a

inexistência de ato ilícito. Afirmou que a responsabilidade da seguradora é limitada

ao valor da apólice. Disse que o índice de correção monetária a ser utilizado é a

TR. Requereu a improcedência do pedido.

A autora replicou a defesa apresentada pela denunciada.

Deferido o chamamento ao processo do IRB, que citado,

apresentou contestação. Disse inaplicável o CDC. Ratificou as contestações

apresentadas pela ré e pela denunciada à lide. Propugnou a improcedência do

pedido. Juntou documentos.

Réplica em fls. 131/133.

Vieram os autos conclusos.

É O RELATÓRIO.

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PASSO A DECIDIR.

O feito comporta julgamento antecipado, nos termos do art. 330, incisos

I do CPC, eis que desnecessária a produção de qualquer outra prova, bastando para

o deslinde, os documentos colacionados aos autos.

Trata-se de ação ordinária de ressarcimento pela indenização

paga pela autora ao segurado, decorrente do extravio de quatro caixas transportadas

pela demandada.

O direito de regresso da autora contra a ré está previsto no art.

786 do CC, que determina que a seguradora sub-roga os direitos e ações que

competiam ao segurado contra o causador do dano. Assim sendo, para avaliar qual a

legislação aplicável deve-se analisar a relação estabelecida entre o segurado e a ré.

O documento de fls. 10 informa como segurada a Empresa

Faster Express Carga Aérea Ltda. A mercadoria extraviada é a descrita nas notas

fiscais de fls. 11 a 13, produtos farmacêuticos e placas de circuito. Diante dessas

informações, parece óbvio que o serviço prestado pela ré é referente à atividade meio

da empresa segurada, portanto, inaplicável o Código de Defesa do Consumidor.

Vale lembrar que o art. 3º do referido diploma legal é claro ao

definir que consumidor é toda pessoa física ou jurídica que utiliza produto ou serviço

como destinatário final. Por outro lado, entendo também não ser o caso de aplicação

do Código Brasileiro de Aeronáutica, tendo em vista que o mesmo encontra-se

superado, na medida que limita a indenização a OTN’s. Nesse contexto, impõe-se a

aplicação do Código Civil, pois é induvidoso que o contrato entabulado entre a

segurada e a ré é um contrato de transporte.

O transporte de coisas está disciplinado no art. 743 e seguinte

do CC. Em relação à responsabilidade do transportador, o art. 750 do CC, determina

que a mesma é limitada ao valor constante no conhecimento de transporte. Dessa

forma, o valor que o segurado teria direito em decorrência do extravio das

mercadorias é o declarado no conhecimento de fls. 14. Ocorre que o segurado optou

por não declarar o valor da mercadoria, visto que no espaço destinado à declaração

consta que o segurado possui seguro próprio.

Portanto, levando em consideração o disposto no art. 750 do

Código Civil, bem como a inexistência de declaração do valor declarado para o

transporte, merece improcedência a presente ação.

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De acrescentar que a opção da segurada por não declarar o

valor das mercadorias influi no valor a ser pago pelo transporte, e acaba por fulminar

eventual direito de regresso da seguradora.

(...)

PELO EXPOSTO, julgo improcedente o pedido formulado por

SUL AMÉRICA COMPANHIA NACIONAL DE SEGUROS contra VARIG LOGÍSTICA

S/A e declaro extinta sem resolução de mérito a denunciação à lide de Unibanco

Seguros S/A e o chamamento ao processo de IRB- Instituto de Resseguros do Brasil.

(...)

A Autora apelou e o Tribunal decidiu:

TRANSPORTE AÉREO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. EXTRAVIO DE MERCADORIAS. Autora que garantiu a cobertura de cargas a uma empresa, que por sua vez contratou os serviços da demandada, cujos produtos foram extraviados. Comprovada a contratação e o extravio das mercadorias, procede a ação de ressarcimento. Procedente a denunciação da lide. Improcedente o chamamento ao processo do IRB. APELAÇÃO PROVIDA. AÇÃO REGRESSIVA PROCEDENTE. CHAMAMENTO AO PROCESSO IMPROCEDENTE.

Ato ilícito ocorrido em 3 de dezembro de 2003, sob a vigência do

Código Civil de 2002. Extravio de carga durante trajeto Rio de Janeiro/Brasília.

Subrogação nos direitos de sua segurada, Faster Express, expedidora da

carga junto à Variglog e beneficiária da indenização paga pela seguradora. A

1ª Instância entendeu ser o pedido improcedente com base no artigo 750 do

Código Civil, uma vez que não havia valor declarado no conhecimento de

transporte. Entretanto, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul reformou a

decisão e condenou a empresa aérea ao ressarcimento do valor integral da

carga, com base no Código de Defesa do Consumidor.

(Processo n° 10500259341, 1ª Vara Cível do Foro Regional do 4° Distrito de Porto

Alegre/RS e Apelação n° 70017553991, 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do

Rio Grande do Sul)

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67

3.4. Conhecimento de transporte aéreo/AWB: NVD

O conhecimento de transporte aéreo (transporte doméstico) e o Airway

Bill (transporte internacional) estão regulamentados, respectivamente, pelo

Código Brasileiro de Aeronáutica e a Convenção de Montreal. Referidos

diplomas especificam as informações que obrigatoriamente deverão constar

nos documentos, o que é ratificado pelo artigo 744 do Código Civil (“ao receber

a coisa, o transportador emitirá conhecimento com a menção dos dados que a

identifiquem, obedecido o disposto em lei especial”). Sua emissão é obrigatória

(artigo 235 do Código Brasileiro de Aeronáutica), sendo o expedidor

responsável pela exatidão das indicações e declarações nele contidas (artigo

239 do mesmo Codex): características, natureza, valor peso e quantidade da

mercadoria (artigo 743 do Código Civil); nome da empresa emitente, número

do conhecimento, data, nome do remetente e destinatário, lugar da partida e

destino, importância do frete (pago ou a pagar), lugar e forma de pagamento

(Decreto n° 19.473 de 10 de dezembro de 1930, recepcionado pelo Código

Civil de 2002). Faz prova da existência do contrato, da mercadoria, de sua

integridade e seu valor, bem como do recebimento da mercadoria pelo

transportador e das condições de transporte (artigo 11, inciso I da Convenção

de Montreal, equivalente ao artigo 240 do Código Brasileiro de Aeronáutica). O

artigo 745 do Código Civil preceitua que, em caso de informação inexata ou

falsa descrição no documento, será o transportador indenizado pelo prejuízo

que sofrer.

O transportador responderá pelos danos causados à coisa

transportada (artigo 737 do Código Civil), por aqueles resultantes do atraso ou

interrupção da viagem (artigo 733, § 1°) e pelo depósito da mercadoria

transportada quando ocorrer impedimento ou interrupção do transporte pelo

qual seja responsável. A apuração de referida responsabilidade deverá estar

embasada nas informações constantes do conhecimento aéreo, a fim de que

seja calculado o valor da indenização devida, que será limitada ao valor aposto

no conhecimento, conforme estabelecido no artigo 750.

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Não haveria divergência na aplicação de referida limitação não fosse

uma prática muito comum no transporte aéreo: a NVD, que é a sigla para No

Value Declared (sem valor declarado), comumente encontrada no campo

destinado à inscrição do valor da mercadoria. Significa que o expedidor, por

conveniência, decidiu omitir o valor da mercadoria pra qual está contratando o

transporte, geralmente porque já contratou seguro próprio e não lhe interessa

pagar a taxa ad valorem, que seria calculada sobre o valor real da mercadoria.

Assim, o expedidor garante que o frete seja calculado baseado no peso da

coisa transportada.

Então, se a mercadoria é extraviada, por exemplo, estaria o

transportador obrigado a indenizar de acordo com o peso declarado no

conhecimento (3 Obrigações do Tesouro Nacional por quilo no transporte

doméstico e 17 Direitos Especiais de Saque no internacional), correto? Nossos

tribunais não têm entendido dessa forma. A jurisprudência é contrária à

limitação mesmo na situação acima. Ainda que o expedidor tenha omitido uma

informação essencial (valor da mercadoria) para obter um benefício (pagar

frete reduzido), os Tribunais garantem a reparação pelo valor integral da

mercadoria, geralmente aplicando o Código de Defesa do Consumidor em

detrimento da legislação especial (Código Brasileiro de Aeronáutica e

Convenção de Montreal).

Devido à tenra idade do Código Civil vigente, os pedidos judiciais

referentes à reparação integral de danos originados de fatos ocorridos sob sua

égide ainda não foram apreciados pelas Cortes Superiores. Resta saber qual

será o posicionamento delas em relação à aplicação do Código Civil para

referida questão.

3.5. Jurisprudência Comparada (transportes marítimo e

terrestre). Alternativas.

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No transporte marítimo, há dois contratos que têm natureza jurídica de

contrato de transporte e para os quais o Código Civil de 2002 é aplicado; são

eles o contrato de fretamento por viagem (voyage charter) e o contrato de

transporte realizado em linhas regulares.

O primeiro caracteriza-se por ser um contrato no qual o afretador terá

uma embarcação tripulada e armada à sua disposição para efetuar o

transporte de alguma mercadoria de seu interesse. O fretador permanece com

a gestão náutica (controle da navegação) e comercial (aproveitamento

econômico) da embarcação; somente coloca à disposição do afretador

embarcação para realizar algum tipo de transporte de que o último necessita.

O contrato de transporte por linhas regulares assemelha-se ao

transporte aéreo por linha regular: o navio percorre certo trecho em

determinadas datas, regularmente, havendo ou não carga a ser transportada.

Referido contrato também é regido genericamente pelo Código Civil de 2002

visto se tratar de contrato de transporte.

Ao contrário do que as Cortes entendem para o transporte aéreo de

cargas, no transporte marítimo a cláusula de limitação de responsabilidade tem

validade geralmente se corresponder a um benefício para o expedidor da carga

(o que efetivamente ocorre na maioria dos casos, em que o valor não é

declarado, ou o é em valor menor, para que não seja cobrada a taxa ad

valorem pelo transportador), conforme trecho do acórdão a seguir.

“No que tange a limitação do quantum no valor

contratado. Restou constatado o extravio de 682 pares de

tênis, perfazendo o importe de aproximadamente R$

36.066,30, bem como amplamente comprovado a

responsabilidade pelo evento ao transportador.

Realmente, nos documentos de transporte constou a

limitação de U$ 500,00, fl. 99. E não foi declarado maior valor.

No caso, o furto de mercadoria ocorreu em um “container”, o

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que indica a necessidade de ser obedecida a contratação.

Inclusive, a regra do art. 750 do Código Civil de 2002 indica

essa possibilidade. E no momento do negócio jurídico não

existia proibição de ser acordado dessa forma.

Neste sentido:

REsp 36706 / SP 993/0018797-0, Relator Ministro

SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, T4 - QUARTA TURMA,

data do Julgamento 05/11/1996 Ementa:

COMERCIAL. DIREITO MARITIMO. TRANSPORTE.

CLAUSULA LIMITATIVA DE RESPONSABILIDADE.

VALIDADE. PRECEDENTE DA SEGUNDA SEÇÃO.

RECURSO DESACOLHIDO.

- É VÁLIDA A CLAUSULA LIMITATIVA DA

RESPONSABILIDADE DE INDENIZAR INSERIDA EM

CONTRATO DE TRANSPORTE MARITIMO.”

(TJRS – Apelação 70009370792 – DÉCIMA

PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL – REGIME DE EXCEÇÃO DO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADODO RIO GRANDE DO

SUL – COMARCA DE RIO GRANDE)

Ainda nesse sentido, “É válida a cláusula limitativa de responsabilidade

do transportador (marítimo) quando estabelecida em caráter facultativo e com

correspondência na redução da tarifa”.

(TJSP – 1ª. C. – Ap. – Rel. José Cardinale – j. 27.12.1979 – RT

121/276).

Em relação ao transporte terrestre de mercadorias, entende Sérgio

Cavalieri: “Diferentemente do transporte de pessoas, a indenização pode ser

limitada, devendo, para tanto, exigir o transportador a declaração do valor da

bagagem (parágrafo único do artigo 734)”39. Embora o doutrinador refira-se ao

transporte de bagagens, entendemos que seu posicionamento para

mercadorias seja similar.

39 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil, Malheiros, 2003, 5ª ed., p. 332.

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Os Tribunais deveriam aplicar para o transporte aéreo de cargas o

mesmo tratamento jurisprudencial que cerca os transportes terrestre e

marítimo, com a aplicação da limitação a que os expedidores deveriam estar

submetidos quando optam por não declararem o valor de suas mercadorias.

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CAPÍTULO 4

SITUAÇÕES PECULIARES

4.1 Sub-rogação seguradoras de carga

Retomando o item 3.4., percebe-se que os expedidores de carga

comumente contratam seguros para cobrir suas mercadorias. Sendo assim, a

fim de não incorrerem em mais um custo com o pagamento da taxa ad valorem

(cobrada pelo transportador em relação ao valor do que está sendo

transportado), não declaram seu valor real para o transporte. Na contratação

do seguro, a seguradora está ciente da legislação aplicável, seja ela especial

(tratados e convenções) ou geral (Código Civil), e calcula o valor do prêmio

considerando o risco a que está exposta. Na ocorrência de um sinistro, ela

indenizará o segurado pelo valor contratado e se sub-rogará nos eventuais

direitos de seu segurado em face do ofensor, o qual cometeu o ato ilícito (em

tese, os transportadores). Desse modo, deveria pleitear o que seu segurado

pleitearia de acordo com seus direitos, ou seja, o valor da indenização limitada

já que não houve declaração especial de valor. Entretanto, não é o que ocorre.

Em uma situação extremamente favorável, a seguradora pleiteia o valor

integral das mercadorias, mesmo havendo recebido o valor do prêmio para

promover sua cobertura. No final do dia, a seguradora apenas “adiantou” o

valor da indenização para seu segurado, descaracterizando o objeto do

seguro, o qual envolve exposição a um risco previamente determinado, que

poderá ou não se concretizar. Com a sub-rogação do valor integral, não há

risco pois a seguradora sempre reaverá o que despendeu com seu segurado

somado ao valor do prêmio.

4.2 Agentes de carga aérea

São empresas de logística especializadas em despachar cargas.

Procuram a maneira mais econômica e eficiente de destinar as cargas de

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acordo com a necessidade de seus expedidores. Sua atividade-fim inclui

promover o transporte das mercadorias de acordo com o contratado pelo

cliente. Marco Fábio Morsello caracateriza o agente de cargas “como

mandatário com representação, incumbido pelo transportador de concluir em

seu nome os contratos de transporte de cargas, receber tais cargas e emitir os

respectivos documentos, sempre sob o status de representante da companhia

aérea.”40

Estão regulados pela Portaria n° 749B/DGAC, de 25 de junho de 2002,

expedida pelo Departamento de Aviação Civil, que a define em seu artigo 1,

parágrafo único, como “a pessoa jurídica que, na qualidade de intermediária,

agencie o transporte de carga aérea”, prevendo ainda que o “agenciamento de

carga aérea é considerado serviço auxiliar do transporte aéreo, conforme artigo

102 do Código Brasileiro de Aeronáutica, e só pode ser explorado mediante

ato de autorização expedido pelo Diretor-Geral do Departamento de Aviação

Civil” (caput do artigo supracitado).

Poderão as agências emitir conhecimentos aéreos dentro do Estado

da Federação a que estão autorizadas (artigo 12). É expressamente vedado o

agenciamento de carga aérea, direta ou indiretamente, por pessoa não

autorizada na forma das Instruções em questão (artigo 11).

Conforme caso apresentado no capítulo anterior (3.3.1.), os Tribunais

têm aplicado o Código de Defesa do Consumidor indiscricionariamente a

agentes de carga, profissionais especializados no agenciamento de carga –

dependentes do contrato de transporte para a efetivação de sua atividade

empresarial – e a expedidores eventuais, sem interesse comercial.

4.3 Afretador

40 MORSELLO, Marco Fábio. Responsabilidade Civil no Transporte Aéreo, Editora Atlas, 2006, p. 116.

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Há essencialmente três tipos de contratos de afretamento de

embarcação, quais sejam: afretamento a casco nu, afretamento por tempo e

afretamento por viagem. Sucintamente, o primeiro caracteriza-se por contrato

em que as gestões náutica e comercial da embarcação são transferidas ao

afretador, não restando com o fretador qualquer ingerência sobre decisões

(salvo as restrições pré-estabelecidas no contrato). Sua natureza jurídica

caracteriza-se por locação de coisa.

O segundo tem natureza jurídica de prestação de serviços, em que a

embarcação fica à disposição do afretador, tripulada e abastecida, por tempo

determinado. A gestão náutica permanece com o fretador; sua tripulação

cuidará para que os destinos planejados pelo fretador, que detém a gestão

comercial nesse caso, sejam cumpridos.

O contrato de afretamento por viagem é considerado essencialmente

um contrato de transporte, em que as gestões náutica e comercial

permanecem com o fretador, e o afretador precisa apenas promover o

transporte de sua mercadoria.

O Código Brasileiro de Aeronáutica prevê em seus artigos 133 a 135 o

contrato de afretamento por tempo acima explicitado, nada impedindo, no

entanto, que as outras duas modalidades sejam negociadas com embarcações

aéreas (comumente negociadas com embarcações marítimas). A aeronave é

colocada à disposição do afretador tripulada e armada para que a utilize em

suas atividades, geralmente comerciais. Assim, em tese, não caberia a

utilização do Código de Defesa do Consumidor para proteger o afretador em

sua relação com o afretador e não responderia o último por danos causados

pela gestão comercial, que está sob controle do primeiro.

4.4 Expedidor pessoa física/jurídica

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Entendemos que o Código de Defesa do Consumidor somente deveria

ser aplicado para o expedidor pessoa física/jurídica cujo objeto profissional não

envolvesse o transporte de cargas. Mas ainda assim, o limite de indenização

não poderia ser descartado, considerando os motivos que elencamos no

capítulo 2. Conforme leciona Cláudia Lima Marques, nem toda relação de

transporte será de consumo. Entendemos que, se o legislador dedicou um

capítulo no Código Civil ao contrato de transporte, referido contrato tem sua

importância também fora do contexto fornecedor-consumidor.

Entretanto, conforme pode-se constatar com a leitura da sentença

abaixo, os Tribunais relutam em adotar referida posição.

Vistos. SUL AMÉRICA COMPANHIA NACIONAL DE SEGUROS ajuizou a

presente AÇÃO DE RESSARCIMENTO POR SUB-ROGAÇÃO em face de TAM -

LINHAS AÉREAS S/A, alegando que no dia 01.09.99 foi firmado contrato de seguro

transporte com a empresa Semp Toshiba Informática Ltda., visando segurar suas

mercadorias transportadas por todo o Brasil. Ocorre que as mercadorias descritas na

exordial, no valor total de R$ 117.575,71, foram avariadas durante o transporte

realizado pela ré, cujo valor foi pago pela autora, que agora pretende dele ser

ressarcida, razão pela qual ingressou com a presente ação, pugnando pela

procedência. Citada, a ré ofereceu contestação (fls. 185/190), aduzindo preliminar de

ilegitimidade de parte e denunciação da lide. No mérito, argumentou que o despacho

da mercadoria não ocorreu com o pagamento da taxa ad valorem, razão pela qual a

indenização está sujeita à indenização prevista em lei, que é de três OTNs por quilo

despachado, razão pela qual a ação deveria ser julgada improcedente, ou que a

indenização fosse arbitrada nos termos do art. 262 da Lei n. 7.565/86. Houve réplica

(fls. 245/254). Foi deferida a denunciação da lide, advindo a contestação de fls.

288/294, ofertada por UNIBANCO AIG SEGUROS S/A, que salientou o limite de sua

responsabilidade, bem como o valor da franquia, requerendo ainda a denunciação do

Instituto de Resseguros do Brasil, bem como das co-seguradoras. No mérito, reiterou

os argumentos da contestação ofertada pela ré. Houve réplica (fls. 304/310).

Realizou-se infrutífera audiência de tentativa de conciliação, na qual ocorreu o

encerramento da instrução. É o sucinto relatório. Fundamento e decido. A preliminar

de ilegitimidade de parte deve ser afastada, eis que os documentos acostados à

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réplica acabaram por demonstrar a sub-rogação operada em favor a autora. As

denunciações requeridas pela ré-denunciada também devem ser afastadas, eis que

seu deferimento induziriam à introdução de fundamento jurídico novo, ausente na

demanda originária, além de procrastinarem de maneira indevida o feito, sendo que o

instituto da denunciação existe justamente por economia processual. No mérito, a

questão dos autos cinge-se ao valor a ser restituído à autora, em virtude das

mercadorias avariadas durante a execução do contrato de transporte pela ré. Defende

a autora que o pagamento dos danos deve ser integral, enquanto a ré entende que

somente deveria pagar o valor de 3 OTNs por quilo despachado, segundo o art. 262

da Lei n. 7.565/86. Ressalte-se, como premissa, que a ré sequer contestou ser

responsável pela avaria da mercadoria cujo transporte lhe foi cometido. Ademais,

nada há nos autos que indique que a mercadoria já estivesse avariada quanto lhe foi

entregue para o transporte, de tudo decorrendo a responsabilidade da ré pelo ocorrido

Definida a responsabilidade da ré pela avaria, resta saber qual a legislação aplicável

para efeito da indenização devida pela transportadora aérea: se a Convenção de

Varsóvia, com as modificações do Protocolo de Haia (promulgados no Brasil pelos

Decretos n?s. 20.704/31 e 56.463/65), que limitam quantitativamente a

responsabilidade do transportador, ou a Lei n. 7.565/86, ou se a legislação civil

comum e especificamente a Lei n. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), que

afastam a indenização tarifada. A questão é tormentosa e a jurisprudência está

dividida. No Superior Tribunal de Justiça há julgados que fazem prevalecer a tese da

aplicação da Convenção de Varsóvia e do Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei n.

7.565/86), que no art. 262 também, limita a responsabilidade do transportador aéreo

no caso de atraso, perda, destruição ou avaria de carga, ocorrida durante a execução

do transporte aéreo. Além dos precedentes citados na contestação, em outro caso

decidiu o Superior Tribunal de Justiça que "o extravio de mercadoria, em transporte

aéreo, sujeita-se às regras do Código Brasileiro de Aeronáutica, entre elas a

concernente à limitação da responsabilidade do transportador”.

(...)

Isto posto, JULGO PROCEDENTE a ação, CONDENANDO a ré TAM Linhas

Aéreas S/A no pagamento da quantia de R$ 117.575,71, atualizada monetariamente a

contar dos desembolsos efetuados, acrescida de juros moratórios de 6% (seis por

cento) ao ano contados a partir da citação, e até a entrada em vigor do Código Civil de

2.002 (11.01.03), quando os juros passarão a ser de 12% ao ano (artigo 406).

CONDENO a referida ré, ainda, no pagamento das custas processuais corrigidas pelo

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índice da correção monetária a contar do desembolso, bem como nos honorários

advocatícios, que arbitro em 10% sobre o valor da causa, atualizado desde o

ajuizamento. Por outro lado, JULGO PROCEDENTE a denunciação, e CONDENO a

denunciada na restituição, à ré denunciante, do valor por ela desembolsado,

obedecida a franquia e o limite do capital segurado. ARCARÁ a denunciada, ainda,

com as custas e despesas processuais da denunciação, e com a honorária

advocatícia arbitrada por equidade em R$ 1.500,00, reajustada a contar desta data.

P.R.I. custas de preparo R$ 2.988,19. Taxa de remessa R$ 35,56.

4.5 Soluções propostas

Diante da diversidade de personagens envolvidos no transporte aéreo

de cargas, discute-se a possibilidade de moldar o tratamento para a reparação

civil decorrente do extravio de cargas de acordo com o caso concreto. Isso

significa aplicar a regra que melhor atende às necessidades das partes, de

acordo com a finalidade do transporte contratado. Se o expedidor está

envolvido na cadeia de transportes profissionalmente, ele não poderá ser

considerado hipossuficiente de modo a justificar a aplicação do Código de

Defesa do Consumidor, nem mesmo destinatário final do serviço de transporte.

Nesse caso, aplicar-se-ia – sem divergências – a limitação imposta pela

legislação especial. No caso de expedidor que não obtém lucro com a logística

do transporte, que efetivamente contrata o transporte como destinatário final

do serviço, seja para suprir sua filial com artigos de uso próprio, seja para

enviar sua mudança, entendemos que o Código de Defesa do Consumidor

deveria ser aplicado, talvez até mitigando os limites indenizatórios em

situações específicas. O Código, inclusive, admite expressamente a limitação

da indenização para os consumidores-pessoas jurídicas em seu artigo 51,

inciso I, observado o critério de proporcionalidade entre custo-benefício,

endossando, assim, a aplicabilidade dos limites previstos na legislação

especial para os casos em que o expedidor-pessoa jurídica prefere não

declarar o valor de sua mercadoria a fim de obter um frete mais razoável.

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Outra possibilidade seria que todos os transportadores exigissem uma

declaração especial de valor e o respectivo pagamento de taxa complementar

para todas as cargas, ou pelo menos as mais valiosas, de modo a compensar

o agravamento do risco que suporta com o transporte. Entretanto, referido

procedimento prejudicaria a atividade das seguradoras e parece-nos

comercialmente inviável, já que os expedidores poderiam simplesmente

desistir do transporte pela via aérea diante do aumento do custo.

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CONCLUSÃO

A proposta do presente trabalho nasceu da necessidade prática de

avaliar o posicionamento dos doutrinadores e estudiosos de responsabilidade

civil, bem como dos tribunais brasileiros, acerca do reflexo do artigo 750 do

Código Civil em vigor na limitação da responsabilidade do transportador aéreo

pelo transporte de cargas. É certo que as dúvidas acerca da aplicação de

referido artigo serão dirimidas a cada decisão dos Tribunais e a cada

publicação que verse sobre o tema. Entretanto, com a conclusão do estudo

proposto, podemos afirmar que há uma inclinação doutrinária a aceitar a

limitação da responsabilidade do transportador aéreo nos casos em que se

logra afastar a aplicação do Código de Defesa do Consumidor.

Concluímos que, pelo menos por enquanto, os Tribunais continuam a

aplicar o Código de Defesa do Consumidor para contratos de transporte aéreo

de cargas, mormente devido ao posicionamento pacífico das cortes superiores

em adotá-lo para reger contratos entre expedidores de carga e transportadores

aéreos. No entanto, referido estudo jurisprudencial restou um tanto prejudicado

haja vista a maioria dos feitos envolverem atos ilícitos ocorridos antes da

vigência do atual Código Civil, não sendo por ele regidos.

A escassez de trabalhos na área de transportes e, principalmente, a

brevidade com que os doutrinadores de Direito Civil tratam a responsabilidade

civil decorrente do transporte aéreo tanto motivou o presente estudo como

determinou que houvesse muito mais construção que referências em sua

realização. É provável que os ilustres autores de obras consagradas aguardem

as decisões dos tribunais para estudar suas tendências e formar ou formalizar

seus posicionamentos.

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A principal discussão no Tribunal do Estado do Rio de Janeiro, por

exemplo, trava-se acerca da aplicação do Direito do Consumidor aos usuários

do transporte aéreo. A análise de casos envolvendo o transporte de cargas

parece-nos influenciada pela recorrente aplicação do Código de Defesa do

Consumidor aos passageiros em casos de atraso/cancelamento de vôo ou

extravio de bagagem. Acreditamos que referido posicionamento possa ser

questionado levando-se em consideração a posterioridade do Código Civil

vigente e sua abrangência como regra geral aos contratos de transporte. Em

sentido contrário, o Tribunal do Estado do Rio Grande do Sul, notadamente

vanguardista, começa a aplicar os preceitos do Código Civil ao contrato de

transporte (marítimo).

O posicionamento de Marco Fábio Morsello nos parece o mais

acertado:

“Finalmente, tendo em vista que adotamos a teoria

finalista, no âmbito de relações de consumo, restringindo,

destarte, o alcancce da figura do consumidor e, portanto, da

proteção especial fixada, dessume-se que, em sede de

contrato de transporte aéreo de mercadorias, raramente nos

depararemos com inserção dos ditames da Lei n° 8.078/90, na

medida em que vige, via de regra, relação contratual entre

empresários, sem vulnerabilidade presumida, com utilização da

mercadoria transportada para uso como insumo no próprio

mister, ou comercialização posterior, de modo que a norma do

artigo 750 do novo Código Civil comportará aplicação, sendo

compatível com o Sistema Varsóvia e o Código Brasileiro de

Aeronáutica, atrelados, respectivamente, à existência de

transporte aéreo doméstico ou internacional.”41

Outra questão que pudemos observar foi o diferente tratamento

jurisprudencial aos diversos tipos de modalidade de transporte. Explica-se:

parece-nos que o transporte marítimo tem sido tratado com mais rigor técnico

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que o aéreo. Entendemos que referida constatação deve-se ao fato de o

transporte aéreo envolver essencialmente passageiros e o marítimo, carga. Há

um certo cuidado no tratamento de passageiros, como não poderia deixar de

ser. Entretanto, em relação ao transporte de cargas, tanto o modal aéreo

quanto o marítimo deveriam ser tratados similarmente, guardadas as suas

peculiaridades.

41 MORSELLO, Marco Fábio. Responsabilidade Civil no Transporte Aéreo, Editora Atlas, 2006, p. 433 e 437.

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CAVALCANTI, André Uchôa. Responsabilidade Civil do Transportador Aéreo.

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perspectiva constitucional do Direito Civil contemporâneo. Revista Jurídica.

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VENOSA, Sílvio de Salvo, Direito Civil, Responsabilidade Civil, Atlas, 2003,

Vol. 4, 3ª ed.

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 2

AGRADECIMENTO 3

EPÍGRAFE 4

DEDICATÓRIA 5

RESUMO 6

METODOLOGIA 7

SUMÁRIO 8

INTRODUÇÃO 10

CAPÍTULO 1

BREVES CONSIDERAÇÕES INICIAIS ACERCA DO TEMA 13

1.1 Considerações históricas 14

1.2 Responsabilidade Civil e Penal 16

1.3 Situando a Responsabilidade Civil no ordenamento jurídico 16

1.4 Função da Responsabilidade Civil 17

1.5 Elementos modernos da Responsabilidade Civil 17

1.5.1 Ato ilícito 17

1.5.2 Culpa 18

1.5.3 Dano 19

1.5.4 Nexo causal 21

1.5.5 Imputabilidade 22

1.6 Responsabilidade civil contratual e extracontratual 23

1.7 Responsabilidade subjetiva e objetiva 24

1.8 Responsabilidade Civil do transportador –

relevância no atual Código Civil 24

CAPÍTULO 2

RESPONSABILIDADE CIVIL DO TRANSPORTADOR AÉREO 26

2.1 Considerações iniciais 26

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2.2 Danos materiais 28

2.3 Legislação pertinente/aplicável 29

2.4 Casos paradigmáticos 34

2.4.1 Acidente aéreo 35

2.4.2 Atraso/cancelamento de vôo 36

2.4.3 Extravio de bagagem/carga 39

2.4 Conflitos modernos (Código de Defesa do Consumidor X Código

Brasileiro de Aeronáutica X Código Civil X Convenção de

Montreal 42

2.5 Limitação da responsabilidade do transportador aéreo em relação a danos

materiais 45

2.6 Limitação em relação a danos materiais decorrentes de extravio

de carga 46

2.7 Comparações (Código de Trânsito Brasileiro, Código Penal, Lei

de Telecomunicações e Lei de Direitos Autorais) 49

CAPÍTULO 3

ARTIGO 750 do CÓDIGO CIVIL: favorável ou desfavorável à

limitação? 53

3.1 Gênese 53

3.2 Posicionamentos 56

3.3 Estudo de casos 58

3.3.1 Caso 1: Flyone Serviços Aéreos Especializados Ltda X

Variglog 58

3.3.2 Caso 2: ACE Seguradora X Vasp 63

3.3.3 Caso 3: Sul América Seguros X Variglog 65

3.4 Conhecimento de transporte aéreo/AWB: NVD 68

3.5 Jurisprudência Comparada (transportes marítimo e terrestre).

Alternativas 70

CAPÍTULO 4

SITUAÇÕES PECULIARES 73

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86

4.1 Sub-rogação seguradoras de carga 73

4.2 Agentes de carga aérea 73

4.3 Afretador 75

4.4 Expedidor pessoa física/jurídica 76

4.5 Soluções propostas 78

CONCLUSÃO 80

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA E CITADA 83

ÍNDICE 85

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FOLHA DE AVALIAÇÃO

Nome da Instituição: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES – INSTITUTO A

VEZ DO MESTRE

Título da Monografia: Limitação da Responsabilidade Civil do

Transportador Aéreo de Cargas à Luz do Artigo 750 do Novo

Código Civil

Autor: Monica Melanio de Almeida Quintino

Data da entrega:

Avaliado por: Conceito: