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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS PROJETO “A VEZ DO MESTRE” ROQUETTE-PINTO: O SEMEADOR DO SABER CATHERINE ARRUDA ELLWANGER FLEURY Trabalho monográfico apresentado como requisito parcial para a obtenção do Grau de Especialista em Docência do Curso Superior. RIO DE JANEIRO FEVEREIRO / 2002

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO

DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS

PROJETO “A VEZ DO MESTRE”

ROQUETTE-PINTO: O SEMEADOR DO SABER

CATHERINE ARRUDA ELLWANGER FLEURY

Trabalho monográfico apresentado como requisito parcial para a obtenção do Grau

de Especialista em Docência do Curso Superior.

RIO DE JANEIRO

FEVEREIRO / 2002

II

Em todos os ambientes que a pesquisa se deu, sempre

o acolhimento foi cordial e a lembrança das pessoas mais

antigas nas instituições consultadas, em relação à memória de

Roqutte-Pinto, foi sempre uma manifestação de afeto e

admiração pelo seu espírito empreendedor e “apaixonado”.

A essas pessoas fico agradecida e, em especial, a Vera de

Figueiredo Barbosa, da biblioteca do Museu Nacional e a

Simone Mesquita, arqueóloga, também funcionária do Museu

Nacional.

Aos meus colegas da Rádio MEC, destacando-se

Lígia Alcântara Canabarro, meu carinho especial pelas

atenções.

À memória de Da. Beatriz Roquette-Pinto, que

colocou-se à disposição para informações relevantes da vida

de seu pai, o biografado deste trabalho.

Aos meus filhos, Larissa e Newton Filho, dedico este

trabalho.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................1

I. O HOMEM ROQUETTE-PINTO ....................................................................................................... 3

II. BREVE HISTÓRICO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS NO BRASIL................................................... 10

III. O ANTROPÓLOGO ROQUETTE-PINTO...................................................................................... 14

IV. ROQUETTE-PINTO, PIONEIRO DA RADIODIFUSÃO NO BRASIL ..................................... 19

V. ROQUETTE PINTO E O CINEMA EDUCATIVO ...................................................................... 25

VI. ROQUETTE-PINTO, UM PIONEIRO DA EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA?.................................... 30

VII. CONCLUSÕES ..................................................................................................................................... 36

VIII. BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................................. 41

IX. REFERÊNCIAS ICONOGRÁFICAS................................................................................................ 44

1

INTRODUÇÃO

Este trabalho tem por objetivo examinar alguns dos aspectos da educação no Brasil

através da análise da vida e obra de Edgard Roquette-Pinto, um dos pioneiros da

radiodifusão no país.

A pesquisa faz, de início, uma exposição de dados biográficos de Roquette-Pinto

como sua trajetória intelectual e suas influências intelectuais, ressaltando seu caráter

idealista e sua adesão ao positivismo. A obra de Roquette-Pinto foi fundamentalmente a de

um educador que se destacou no campo da medicina, da antropologia e na utilização dos

meios modernos da ciência e tecnologia. Roquette-Pinto praticou o magistério em várias

instituições, ocupou o cargo de Diretor do Museu Nacional por vários anos e dedicou-se

também a educação popular, utilizando os novos meios de comunicação de sua época: o

rádio e o cinema.

Neste trabalho são abordados temas ligados a questão do nacionalismo e as relações

entre os diferentes projetos de construção nacional e o ideal de modernização. É

apresentado, no capítulo II, um resumo da história das Ciências Sociais no Brasil. As

atividades de Roquette-Pinto como antropólogo são focalizadas no capítulo seguinte.

O capítulo IV, dedica-se ao ato pioneiro de Roquette-Pinto: a criação da primeira

emissora de radiodifusão no país, a rádio Sociedade, a atual Radio MEC. As atividades de

Roquette-Pinto no Instituto Nacional de Cinema Educativo são focalizadas no capítulo V.

Este trabalho não pretende aprofundar os temas a que se propõe, mas sim, a

levantar questões quanto a uma melhor compreensão da cultura brasileira, em especial os

conflitos de nossos intelectuais diante de um sentimento contraditório entre a realidade

nacional e o pensamento ideológico da civilização ocidental.

A obra de Roquette-Pinto ainda não foi largamente estudada, havendo uma recente

tese de Doutorado em Ciências Sociais, PUC-São Paulo, de autoria de Ana Maria de Sousa

Barbosa – O Pássaro dos Rios nos Afluentes do Saber: Roquette-Pinto e a Construção da

Universalidade (SP-1996) – e duas Dissertações de Mestrado: uma apresentada ao

Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional da UFRJ,

Indigenismo e Antropologia – O Conselho Nacional de Proteção aos Indios na gestão

Rondon -1939- 1955 (RJ-1990), de autoria de Carlos Augusto da Rocha Freire, que discute

as atuações dos antropólogos Edgard Roquette-Pinto e Heloisa Alberto Torres, ambos

2

Conselheiros dessa Instituição no período estudado pelo referido autor; outra, O Brasil é

dos Brasilianos – Medicina, Antropologia e Educação na figura de Roquette-Pinto, de

autoria de João Batista Cintra Ribas, apresentada à Universidade Estadual de Campinas

(Antropologia Social).

Além das obras acadêmicas acima citadas, foram consultados o ensaio biográfico

Roquette- Pinto – O Homem Multidão, de Ruy Castro, feito para a revista comemorativa

dos 60 anos da Rádio MEC, em 1996, e também, por iniciativa do Ministério da Educação

e Cultura, em 1984, ano do centenário de Roquette-Pinto, uma outra biografia escrita por

Roberto Ruiz de Rosa Matheus – Edgard Roquette-Pinto: Aspectos Marcantes de sua vida

e obra. Também foi utilizado neste trabalho, o discurso de posse na Academia Brasileira

de Letras, de Alvaro Lins, Estudo sobre Roquette-Pinto.

As referências bibliográficas encontrar-se-ão no final do trabalho. A pesquisa foi

iniciada com busca nos setores de pesquisa da TV Educativa, da qual a presente autora é

funcionária, e no da Rádio MEC, ambas instituições pertencentes a Associação de

Comunicação Educativa Roquette-Pinto (ACERP). Várias bibliotecas foram consultadas

como as do Museu Nacional e Museu do Índio.

A entrevista com Da. Beatriz Roquette-Pinto Bojunga (já falecida), filha de

Roquette-Pinto, deu-se em sua residência em Copacabana. Foi também realizada uma

entrevista com o professor Luís de Castro Faria, que deu um depoimento sobre sua

convivência com Roquette-Pinto no Museu Nacional.

Como complemento da pesquisa, foram vistos, no setor de audio-visual do Museu

do Folclore, uma série de filmes do INCE, dirigidos por Humberto Mauro com a

supervisão de Roquette-Pinto. Todos referentes a série Brasilianas. Para efeito de pesquisa,

também foi consultado um programa feito pela TVE do Rio de Janeiro, Roquette-Pinto

Especial, feito no ano de 1995. Por último, foi feita uma visita a Igreja Positivista do Rio

de Janeiro, situada na Rua Benjamin Constant.

3

Ilus. 1: Foto – Roquette-Pinto.Fonte: Arqivo Nacional.

O HOMEM ROQUETTE-PINTO

Para Roberto Ruiz de Rosa Matheus,

“Roquette-Pinto é um universo. Uma selva densa

e exuberante como aquela que palmilhou ao lado

de Rondon e seus bravos homens, da qual extraiu

esse monumento ao saber e à observação mais

sensível que é Rondônia” (Matheus, 1984:3).

Edgard Roquette-Pinto nasceu no Rio de Janeiro a

25 de Setembro de 1884. Filho de Menélio Pinto Vieira de Mello e de Josefina Roquette

Carneiro de Mendonça, foi criado por seu avô materno, o fazendeiro João Roquette

Carneiro de Mendonça. Tão grande foi a influência de seu avô que o levou até a mudança

do nome no registro – Edgard Carneiro de Mendonça Pinto Vieira de Mello – para Edgard

Roquette-Pinto, com hífen. Ao se formar em Medicina em 1905 legalizou seu novo

sobrenome.

Conforme observa seu amigo e biógrafo, Roberto Ruiz de Rosa Matheu, no ano de

seu nascimento, 1884, o mundo vive o fin de siécle. Um século chegava ao fim marcado

por grandes transformações e uma enorme inquietação intelectual e científica. Grham Bell

revelara o seu telefone e Edson, o gramofone. Em 1984, Engels publica A Origem da

família, da propriedade privada e do Estado. Pasteur só no ano seguinte revelaria a sua

vacina anti-rábica e as ondas hertzianas seriam novidades dois anos depois.

O Brasil estava prestes a abolir a escravidão e os “senhores feudais” ainda

imperavam como os barões do café. Convivendo com isso surge o desenvolvimentos das

cidades. Centros como Recife, Salvador e São Paulo irão, juntamente com o Rio de

Janeiro, aspirar um padrão de vida europeizado. Os progressos do mundo “civilizado”

eram buscados com afã e constituídos como matéria de atração nos jornais da época.

As idéias do pensador francês, Augusto Comte, criador do positivismo, alcançaram

grande expressão no Brasil, principalmente pelo trabalho de Miguel Lemos e Teixeira

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Mendes, exercendo influências sobre diversos líderes republicanos, em especial Benjamim

Constant. O próprio lema Ordem e Progresso, presente na bandeira nacional, é um dos

ideais do pensamento comtiano.

Roquette-Pinto cresceria em meio a esses anseios por uma nova era, por um

progresso que correspondesse às dimensões do país e de seu potencial onde o maior

problema encontrava-se na reforma das mentalidades dominantes. O início de sua instrução

deu-se no Colégio Aquino, freqüentado pela elite carioca.

Dois homens influenciaram na sua formação: o biólogo Francisco de Castro (1857-

1901), que o convenceu a estudar Medicina, fazendo-o desistir da carreira na Marinha. O

segundo, o médico Henrique Batista, com cuja filha Riza irá casar-se em 1908, que o

converteu ao Positivismo, doutrina fundada pelo francês Augusto Comte (1798-1857).

Na Escola de Medicina, Roquette-Pinto ligou-se ao catedrático de Anatomia

Médico-Cirúrgica, prof. Augusto Brant Pais Leme, que o levou a interessar-se pelos

estudos das raças humanas e da Antropologia. Sua própria tese de formatura, em 1906, O

Exercício da Medicina Entre os Indígenas da América, já evidenciava sua vocação: a

Antropologia.

Já como médico legista ingressa no Museu Nacional por concurso, como assistente

da Seção de Antropologia e Etnografia. Torna-se depois Diretor desta instituição,

desempenhando vários trabalhos e realizando importantes estudos até 1936, quando

assumirá a direção do Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE).

Em 1911 conhece o então Coronel Cândido Mariano da Silva Rondon (1865-1958).

Como positivista, Rondon acreditava na ciência e na fraternidade como condições para o

progresso. Em suas expedições, a serviço da Comissão de Linhas Telegráficas, levava

geólogos, cartógrafos e outros peritos. Na volta de cada expedição entregava todo o

material coletado ao Museu Nacional. Muitos desses objetos foram estudados por

Roquette-Pinto, resultando daí o seu documento Nota Sobre os Índios Nhambiquaras do

Brasil Central. Sua primeira viagem ao exterior, em 1911, já foi feita com o compromisso

de se filiar a Rondon na sua próxima expedição à Serra do Norte, no interior do Brasil.

Em Julho de 1912, aos 27 anos, Roquette-Pinto segue para Mato Grosso para

juntar-se a expedição de Rondon. Como diz Ruy Castro (Castro:1996), nessa expedição

demonstra sua versatilidade: foi etnógrafo, sociólogo, geógrafo, botânico, zoólogo,

lingüista, médico, farmacêutico, legista, fotógrafo, cineasta e folclorista. “O mato não lhe

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era estranho”, diz ainda Ruy Castro ao lembrar suas vivências na fazenda do avô querido.

Roquette-Pinto, na época bem jovem, apresentava um corpo atlético, fruto da prática

esportista, pois remara durante anos pelo Clube de Regatas Botafogo. Mais tarde, o poeta

Carlos Drumond de Andrade iria defini-lo como: “um civilizado a quem a civilização não

faria falta, porque seria capaz de reconstituí-la dentro da mata, adaptando-se ao meio e

extraindo dela valores culturais sem perda do instinto nativo, ou por um refinamento

prodigioso desse mesmo instinto” (Castro: 1996).

Dessa experiência resultou Rondônia, seu livro pioneiro de 1917, um marco nos

estudos etnográficos. Convém lembrar que o trabalho revolucionário de Bronislaw

Malinowsky (1884-19

42), Argonautas do Pacífico Ocidental, só seria publicado na Europa em 1922 e os

de Marcel Mauss (1872–1950) em 1925. Rondônia foi, na época, comparado aos Sertões

(1902), de Euclides da Cunha (1866–1909). Isto agradava muito a Roquette-Pinto,

admirador de Euclides, tendo inclusive escrito, posteriormente, um ensaio sobre o mesmo,

intitulado Euclydes da Cunha Naturalista, no seu livro Seixos Rolados (1927). A respeito

de Euclydes, que foi contemporâneo de Rondon na Academia Militar, diz então:

Cada brasileiro que sabe ler – ai de nós, somos tão poucos ainda! –poderia repetir aquela invocação que o Goethe põe nos lábios do sábioremoçado, sempre que

, finda a leitura, cerrasse páginas de Euclydes. Não há, nem houve, enunca haverá quiçá, quem descreva a natureza do Brasil de maneira tãoformidável (Roquette-Pinto, 1933:63).

E mais adiante, na outra página :..

E foi por essa miséria, e por essa tristeza que Euclides se apaixonou.Sentindo, como Heine, que é preciso transformar as nossa dores emcantigas; pensando, como o provérbio hebreu, que a melhor mentira aindaé a verdade, foi, a um só tempo, cientista e poeta. Em tudo quanto escreveufrisou os campos escuros, as sombras dos nossos quadros (Roquette-Pinto,1933:64).

Com isso, ele próprio se definia. Para Roquette, Os Sertões era comparável aos

Lusíadas ou a Dom Quixote. Sua paixão por Goethe o levaria a fazer várias traduções.

.Além do alemão, Roquette-Pinto era fluente em inglês, francês, italiano, espanhol e o Tupi

que, segundo dizem, o utilizava em conversas com Humberto Mauro, cineasta que a pedido

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seu, dirigiu mais de duzentos filmes educativos para o Instituto Nacional de Cinema

Educativo (INCE) do qual Roquette era diretor (Mauro, 1997:177).

De Roquette-Pinto, diria Gilberto Freyre, sobre seu aspecto físico: “com algo de

imperialmente brasileiro no seu porte” (Castro:19960). Em Casa Grande & Senzala, o

autor faz 24 referências sobre idéias de Roquette-Pinto.1

Seu interesse pelo radio surgiu em 1922 durante a Exposição do Centenário,

instalada na esplanada do Castelo. No dia 7 de Setembro, dia da inauguração, ouviu-se pela

primeira vez, no Brasil, o som de uma transmissão de rádio: foi ouvido o Hino Nacional e

um discurso do Presidente Epitácio Pessoa.

Amadeu Amaral (1875–1929), poeta e jornalista, em 1923, surpreendeu-se com a

demonstração de seu amigo, Roquette-Pinto, de uma transmissão de rádio, pois em sua

imaginação deveria tratar-se da alta ciência e, o que via, dava-lhe vontade de rir: uma vara

de bambu, plantada no jardim, servia de antena; fios de cobre e bobinas de papelão ligados

a uma torneira da pia e um telefone comum para se aplicar à orelha. Aquilo é que era o

rádio? (Matheus, 1984:48,49). Em seus Ensaios Brasilianos, Roquette, no capítulo cinco,

narra :

Um dia, em 1922, fui levado a estudar um pouco de radioeletricidade,tratando de certas pesquisas fisiológicas que não vêm a pêlo recordar. Omeio mais simples de obter no laboratório uma pequena fonte de ondascontínuas era construir um elemento heterogêneo, coisa fácil que, na época,era difícil porque as válvulas de três elementos eram raridade no Rio deJaneiro. Procurei no Observatório o meu velho e amigo Dr. Morize e delerecebi as lições de que precisava.... (Roquette-Pinto:1933)

Lutando contra leis burocráticas que não permitiam a prática da radiodifusão ao

cidadão comum – era privilégio exclusivo do Estado – consegue o direito e inaugura em 20

de Abril de 1923 a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro. Entre os sócios encontravam-se:

Henrique Morize, Juliano Moreira, Carlos Guinle, Afrânio Peixoto, Humberto de Campos,

José Oiticica, João Ribeiro, Antenor Nascentes, Luciano Gallet, Mario Azevedo e outros.

N inauguração da Rádio Sociedade foi lido um poema de Roquette-Pinto. O Raio.

Heloísa Alberto Torres, filha do grande abolicionista e pensador, Alberto Torres, leu um

1 Freyre, Gilberto, Casa Grande & Senzala, Rio de Janeiro, Editora Record, 1992 – Fundação GilbertoFreyre, Recife: p. XIV, XIX, 45, 49, 84, 96, 98, 131, 133, 135, 162, 163, 164, 166, 177, 289, 308, 358, 382,e95, 403, 409, 508, 521.

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conto infantil de Monteiro Lobato e Francisco Venâncio Filho leu uma página de Os

Sertões.

Grandes figuras do meio artístico ali deram início e divulgaram suas carreiras.

Porém nem tudo era música e literatura. Os acadêmicos também davam palestras e cursos

de acordo com suas especialidades: português, biologia, história, francês, geografia,

selvicultura. A Rádio Sociedade também teve a honra da visita de Albert Einstein, em

1925, por ocasião de sua visita ao Rio de Janeiro, então Capital da República.

O espírito amadorista da Rádio era patente, contudo a Rádio Sociedade, localizada

na Rua da Carioca, nº 45, depois de ter vindo do Pavilhão da Tchecoslováquia (Exposição

Internacional de 1922), funcionou até 1931 sem maiores problemas. O Decreto 20.047 de

27 de Maio de 1931, estipulava exigências tais que, para continuar seu funcionamento,

teria que se transformar em emissora comercial, o que desagradava a Roquette-Pinto e seus

companheiros. Para sua manutenção no ar o próprio Roquette-Pinto fazia a locução, tocava

piano e dividia essas atividades com seus amigos. Infelizmente, as transmissões pecavam

pela falta de qualidade técnica e as reclamações vinham pelos jornais.

Em 1933, convence seu amigo, Anísio Teixeira (1900–1971), então Secretário da

Educação, a fundar uma rádio-escola a ser mantida pela Prefeitura. Cria-se assim a Rádio

Escola Municipal.

Em Julho de 1936, desfaz-se de sua rádio entregando-a com toda a sua aparelhagem

ao Governo Federal com a condição de que esta não fosse vinculada à Presidência da

República, DIP, e sim, ao Ministério da Educação, passando então a ser chamada Rádio

MEC. Nessa ocasião chama seus filhos – Paulo, nascido em 1909, e Beatriz, em 1911 – e

participa sua decisão. Os filhos concordam. A reversão foi efetuada no dia 7 de Setembro

de 1936.

A separação de seu casamento foi feita numa época em que não era muito comum

acontecer no meio de famílias tradicionais como a sua. A separação ocorreu sem maiores

problemas e sua mulher, Riza, voltaria a se casar mais tarde. Roquette porém, nunca mais o

fez.

Em 1936, Roquette-Pinto voltou ao Museu Nacional, sempre como Diretor. Dali foi

para o INCE, o Instituto Nacional de Cinema Educativo. Junto com Humberto Mauro

(1897–1983), mais de duzentos filmes serão feitos, todos ligados à cultura, destinados ao

ensino científico, geográfico e artístico.

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Humberto Mauro, considerado por muitos como o “pai do cinema brasileiro”,

adaptou-se ao estilo de Roquette-Pinto: foi diretor, roteirista, autor de argumentos, ator e o

que preciso fosse para contornar os eternos problemas da falta de verbas. Durante as

filmagens de Descobrimento do Brasil, decidiu-se que o filme teria alguns trechos em tupi

e o grupo passa a estudar os cursos de Couto Magalhães de Gramática Tupi. Humberto

Mauro chega até a fazer um pequeno dicionário. Costumavam reunir-se num terreno de

Roquette-Pinto na Barra da Tijuca nos intervalos das filmagens. Lá a regra era só falar tupi

(Mauro:1997).

Em 1933, Roquette, por curiosidade, monta uma televisão primitiva, à base de

processos mecânicos usando o disco Kipkov. Instalou a emissão na sede da Rádio e um

receptor na casa de seu amigo Flávio de Andrade, em Santa Teresa, e fez uma única

transmissão.

De tudo Roquette-Pinto tirava prazer. Quando, em 1912, na expedição à Serra do

Norte anotou musicalmente os cantos dos nativos e, não contente, gravou-os em cilindros

de cera com o fonógrafo portátil que se usava na época, teve logo a preocupação de

mostrá-los a Villa-Lobos. Filmou tudo o que pode e fotografou ou desenhou o resto. Sua

filha Beatriz2 conta que, durante um ensaio de Villa-Lobos na Rádio MEC, quando este lhe

perguntou sua opinião, Roquette-Pinto respondeu: “Lindo! Lindíssimo! Porém o canto do

pássaro não é bem assim”.

Roquette-Pinto foi estimado pelos seus amigos, reconhecido tanto no meio

intelectual como pela cultura oficial e amado pelos seus familiares. Foi agraciado com as

condecorações: Insígnia da Estrela Polar da Suécia, Leão Branco da Tchecoslováquia,

Águia Azteca do México, Grande Medalha de Goethe da Alemanha, Oficial da Legião de

Honra da França e inúmeras honrarias nacionais.

O campo de seu prestígio estende-se ao tributo que vários naturalistas lhe fizeram

dando a algumas espécies o seu nome: Endodermophyton Roquttei (parasito da pele dos

índios de Mato Grosso) por Olímpio da Fonseca; Alsophila Roquettei por Brado e

Rosenstock; Agria Claudia Roquettei (borboleta) por May; Roquettia Singularis, por Melo

Leitão e Philoscartes Roquettei (pássaro do Brasil Central) por Snothlage.

Foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras, em 1927, ocupando a cadeira

15. Pertenceu a Academia de Ciências e foi membro do Instituto Histórico e Geográfico

2 Entrevista concedida à autora em janeiro de 1999.

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Brasileiro. Pertenceu a várias instituições exercendo sempre cargos de liderança. A

convivência com o poder lhe era familiar. Aos setenta anos recebeu o título de Professor

Honorário da Universidade do Brasil.

Roquette-Pinto faleceu no dia 18 de outubro de 1954, vítima de um enfarte, em seu

apartamento na Av. Beira Mar, enquanto escrevia um artigo para o Jornal do Brasil. Seu

corpo foi velado na Academia Brasileira de Letras, mas foi sepultado em Petrópolis junto

ao mausoléu da família de sua mãe.

Celso Kelly (1979), ao discorrer sobre o Plano Agache, refletindo sobre a aparência

dos três Ministérios – o do Trabalho, o da Fazenda e o da Educação - invoca a lembrança

de Roquette-Pinto associando-o a outros dois nomes, Portinari e Villa-Lobos. Escreve:

Um sábio, um pintor e um músico – três pesquisadores, criativos,voltados para a revisão e a renovação de valores e conceitos, a marcar notempo sua passagem pela terra. Foi para mim uma felicidade ter sido amigode tão expressivas figuras (Kelly, 1979:103).

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BREVE HISTÓRICO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS NO BRASIL

No Brasil, a Antropologia e Sociologia3 são duas Ciências que se interligam e se

complementam. No Brasil elas surgem juntas e se misturam com as outras ciências sociais

como a História.

Os primeiros trabalhos de cunho sociológico aparecem mais como obras literárias e

históricas, onde percebe-se idéias e tendências correntes da ciência social ainda em

formação e dominantes na Europa. Uma das influências mais marcantes são o positivismo

de Comte (1798-1857) e Littré (1801-1881), o evolucionismo de Spencer, a escola

antropológica italiana e as teorias antropogeográficas.

Dentro dessas correntes de pensamento, então predominantes na Europa,

escreveram, entre outros, Sílvio Romero (1851-1914), que procurava interpretar a História

do Brasil, a Literatura e o Direito segundo o evolucionismo spenceriano. Fausto Barreto,

com seus ensaios de tendências haeckelianas; Lívio de Castro, em seu livro, A Mulher e a

Sociologia, e, por último, Paulo Egídio (1843–1906), que introduz no Brasil, antes de

1900, a primeira análise de idéias durkheimianas, e que, em Estudos de Sociologia

Criminal e em Introdução Filosófica à Sociologia,em forma de folheto, aplicou à

Sociologia Jurídica os pontos de La Division du Travail Social, de Emile Durkheim.

A maior parte dos escritores que se utilizaram de pontos de vista sociológicos eram

autodidatas, eruditos ou diletantes que cediam a influências variáveis e sucessivas de obras

que lhes caíam nas mãos e passavam a ser fontes inspiradoras de seus trabalhos.

O livro Os Sertões (1902), de Euclides da Cunha ( 1866-1909 ), que analisa o

choque de culturas no interior da Bahia, e os ensaios políticos de Alberto Torres (1865-

1917) já apresentam pontos de vista nítidamente sociológicos. É, no entanto, com Oliveira

Viana (1883-1951), em Populações Meredionais do Brasil e Evolução do Povo Brasileiro

e mais tarde, com Gilberto Freyre (1900-1987), com Casa Grande & Senzala (1933) e

Sérgio Buarque de Holanda com Raízes do Brasil (1935) que tiveram início realmente, os

estudos de Sociologia no Brasil, seguido pelas obras de Caio Prado Júnior: Evolução

Política do Brasil (1933), Formação do Brasil Contemporâneo (1942) e A História

Econômica do Brasil (1945).

3 Nesse item prevalece a leitura de uma síntese do livro de Fernando de Azevedo, Princípios de Sociologia,São Paulo, Edições Melhoramentos, 8ª ed., 1958.

11

Foi no Colégio Pedro II e nas Escolas Normais, do Rio de Janeiro, de Recife e de

São Paulo, que se iniciou, no Brasil, o ensino da Sociologia, entregue de início a

professores em geral improvisados e autodidatas, portanto, sujeitos a divagações mais ou

menos literárias, a doutrinas duvidosas ou já ultrapassadas, assim como disputas

esclolásticas. Graças a fundação da Escola de Sociologia e Política e a criação das

Faculdades de Filosofia Ciências e Letras de São Paulo, em 1934, e a do Distrito Federal,

em 1935, aliado ao concurso das missões de professores estrageiros, em São Paulo e no

Rio, é que o ensino da Socilogia pode se estabelecer.

Entre esses professores, pode-se destacar , em São Paulo: Horace Davis, Samuel

Lowrie e Donald Pierson, norte-americanos, na Escola de Sociologia e Política; P.

Arbousse Bastide, C. Lévi-Strauss, Roger Bastide, G. Gurvitch e Charles Mozaré,

franceses, na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras, da Universidade de São Paulo; e,

no Rio de Janeiro, Jacques Lambert, além de professores visitantes, como Radcliff-Brown,

que professaram cursos especiais de Sociologia e Antropologia Cultural.

Foi essa colaboração um dos motivos que mais contribuiu para o ensino científico

da Sociologia no Brasil. Inaugurou-se, então, com a participação de professores franceses e

americanos, um período de efervescência para os estudos sociológicos no país. Surgem,

então, várias instituições ligadas à pesquisas sociológicas, estudos de etnologia e folclore .

Em 1936, Gilberto Freyre, que se encarregara dos cursos na Universidade do

Distrito Federal, criada por Anísio Teixeira, publica Sobrados e Mocambos, continuando

suas análises sobre a formação e evolução da sociedade patriarcal brasileira.

Em decorrência dessas atividades, aparecem novos trabalhos: Nelson Werneck

Sodré, que examina a formação da sociedade pastoril; Fernando de Azevedo com A

Cultura Brasileira; Costa Pinto com as Lutas de Família no Brasil Colonial.

Os estudos dos “povos primitivos”, iniciados no Brasil por Von Den Steinen, em

1888, Wilhelm Schmidt e Theodor Koch-Grünberg, e retomados, já no século XX, por

Colbacchini e particularmente por Kurt Nimuendaju (1883-1945), sobre os Canela

orientais, são os que parecem ainda despertar maior interesse dos pesquisadores.

Essas investigações tomaram novamente caráter científico com os trabalhos de

etnólogos do valor de Herbert Baldus sobre os Caigangues, os Tapirapé e os Tereno; de C.

Lévi-Strauss, sobre a organização social dos Bororo; e com os estudos de Egon Schaden,

sobre a mitologia de algumas tribos aborígenes do Brasil; de Kalervo Oberg sobre a

estrutura econômica dos grupos tribais aborígenes de Mato Grosso e com as obras

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realmente notáveis de Florestan Fernandes sobre a organização social dos Tupinambá e a

função social da guerra nessa sociedade.

Além desses pesquisadores surge, no Paraná, Loureiro Fernandes, diretor do Museu

Paranaense, que explora o mesmo campo de investigação, em que continuam a trabalhar

Roquette-Pinto (1884-1954) e Heloisa Torres (1895- ), que lhe sucedeu na direção do

Museu Nacional. Na Universidade do Brasil, Arthur Ramos (1903-1949), retomando as

pesquisas de Nina Rodrigues (1862-1906), prossegue em seus estudos sobre os negros no

Brasil. Arthur Ramos, também médico psiquiatra, é reconhecido como o autor que

introduziu a psicanálise nos estudos sociológicos e antropológicos no Brasil.

Essas obras e os trabalhos fundamentais de Emilio Willems sobre a aculturação dos

alemães e seus descendentes; as investigações de Horace Davis sobre o padrão de vida das

famílias operárias de São Paulo ( 1938 ); os estudos de Roger Bastide sobre a cultura afro-

brasileira, principalmente sob o aspecto religioso; as pesquisas de Samuel Lowrie sobre a

emigração e o movimento da população, em São Paulo; as de Donald Pierson sobre a

habitação e níveis de vida em São Paulo e sobre os negros da Bahia e as atividades de

professores da nova geração, entre os quais se destacam Egon Schaden, Florestan

Fernandes, Antônio Cândido, Lourival Gomes Machado e Guerreiro Ramos, marcam tão

notáveis progressos no domínio da investigação sociológica e antropológica que já se pode

considerar a pesquisa definitivamente incorporada.

Daí o impulso que adquiriu a Sociedade Brasileira de Sociologia na qual, em 1950,

se transformou a antiga Sociedade de Sociologia de São Paulo, fundada em 1935.

Posteriormente, em 1955, com o objetivo de congregar os especialistas em Antropologia,

foi criada, a Associação Brasileira de Antropologia, ABA.

Em 1939 é criado, no governo Vargas, o Conselho Nacional de Proteção aos Índios,

CNPI, para atuar junto ao Serviço de Proteção aos Índios, SPI, existente desde 1911. O

regulamento desse Conselho estipulava que dentre os seus 7 membros, um, fosse

representante do Museu Nacional, tendo sido escolhido então, o antropólogo Roquette-

Pinto, diretor do Museu na ocasião.

Em 1944 é fundada, no Rio de Janeiro, a Fundação Getúlio Vargas, encarregada de

elaborar os índices econômicos-sociais e criando um importante centro de estudos nas

ciências sociais.

Em 1953, Darcy Ribeiro (1922-1996) passa a dirigir o recém criado Museu do

Índio, ligado ao Serviço de Proteção aos Índios, lá permanecendo até 1956. De acordo com

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esse antropólogo (Ribeiro, 1985), realiza-se nas instalações do próprio Museu do Índio, o

primeiro Curso Brasileiro de Formação de Antropólogos em nível de pós-graduação sob o

patrocínio do Ministério da Educação (CAPES), sendo depois transferido para o Centro

Brasileiro de Pesquisas Educacionais, no MEC e, posteriormente, para o Museu Nacional.

O Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, o PPGAS, do Museu

Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro é considerado como o primeiro curso

de pós-graduação em antropologia social do país. Desde sua criação, em 1968, vem

desenvolvendo um crescente papel de destaque na comunidade científica. Além do curso

de Mestrado que funciona desde 1968 foi criado, em 1977, o Curso de Doutorado. Desde

então, essa entidade passou a contar com importantes colaboradores na área de pesquisa

Hoje, essa instituição acadêmica possui vários professores-pesquisadores de

destaque dando continuidade a uma tradição que vem desde o século XIX.

Mariza Peirano (1995) em A favor da Etnografia, falando sobre inspiração

antropológica, fala da transmissão de conhecimentos e a formação de novos especialistas

através do refinamento de conceitos, mas com a manutenção de problemas, favorecendo

uma prática onde os autores nunca são totalmente ultrapassados. Diz:

"Nomes conhecidos, que um dia foram criticados e combatidos,freqüentemente são incorporados nas gerações seguintes porque, relidos,revelam riquezas antes desconhecidas. Esse mecanismo de incorporaçõesde autores, que marcam a disciplina, talvez se explique como um culto aancestrais" (Peirano, 1995:21).

No Brasil como em qualquer outro lugar, o problema maior da Antropologia

consiste, principalmente, depois da década de 60, num desalentado esforço teórico das

ciências sociais em desempenhar-se no aprimoramento de seus critério de cientificidade. A

fragmentação imposta pelo chamado pós-modernismo tem se tornado sua maior

preocupação.

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O ANTROPÓLOGO ROQUETTE-PINTO

“A Ciência vai transformando o mundo. O “paraíso”, sonhado pelagente de outras idades, começa a definir-se aos olhos dos modernos, com aspossibilidades que o passado apenas imaginava. O homem culto chegou avoar melhor do que as aves: nadar melhor do que os peixes; libertou-se dojugo da distância e do tempo; realiza na América o que concebeu naEuropa, alguns segundos antes; ouve as vozes dos que morreram,conservada em lâminas, com o seu timbre, e as inflexões da dor e daalegria; imortaliza-se, arquivando a palavra articulada, com todas as suascaracterísticas, e as suas formas e seus movimentos com todas as minúcias;e enquanto, mágico, inesgotável, vai transformando o mundo e lutandocontra o absolutismo da morte , fazendo reviver as vozes que ela extinguiu,as formas que ela decompoz, o homem se esquece de transformar-se a simesmo, com a mesma vertiginosa rapidez” (Roquette-Pinto, 1917:XII).

Assim começa a escrever Edgard Roquette-Pinto, em 1917, Rondônia, seu livro

pioneiro, no qual faz um relato de sua participação na expedição feita por Rondon em

1912, então a serviço da Comissão de Linhas Telegráficas, numa epopéia memorável de

que relativamente poucos tomaram conhecimento. Registrou, com os seus conhecimentos

científicos, relações familiares, organização política, hábitos religiosos, formas

lingüísticas, habilidade manual, cantos e danças. E ainda realizou a primeira dissecação de

um indígena, de que se tem notícia. Anotou musicalmente os cantos dos nativos, gravando-

os em cilindros de cera com o fonógrafo portátil que se usava então. Filmou, fotografou,

desenhou. Coletou material para pesquisa, que transportou pelos milhares de quilômetros

através de rios, pântanos e picadas abertas. Todo esse material foi posteriormente estudado,

arquivado, classificado e encontra-se ainda hoje exposto no Museu Nacional. As anotações

musicais foram entregues a Villa-Lobos, que as elaborou em composições.

Por suas “aventuras”, no percurso pelas Selvas de Mato Grosso e do Amazonas e

pelas bacias dos rios Paraguai e Gi-Paraná, foi chamado por Ruy Castro, um de seus

biógrafos, de um “Indiana Jones da vida real”. Para Roquette-Pinto, “herói não quer

dizer valente; mesmo no conceito greco-romano quer dizer divino” (Matheus, 1984).

O principal objetivo da expedição era a pacificação dos nhambiquara, considerado

índios arredios. Arredios e hostis; vários mateiros de Rondon foram feridos e Roquette-

Pinto, mais uma vez, utilizou seus conhecimentos médicos.

Após a expedição, Roquette-Pinto passou quatro anos estudando o material

coletado e escrevendo o livro que deu seu lugar na imortalidade, pois foi devido a

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Rondônia e não a seus poemas que foi eleito para a Academia Brasileira de Letras em

1927.

Na verdade, Roquette-Pinto iniciou seus trabalhos de antropologia já com sua tese

de formatura em medicina, O Exercício da Medicina entre os Índios da América. Um de

seus primeiros trabalhos para o Museu Nacional, em 1906, mais como arqueólogo, foi

pesquisar os sambaquis do litoral do Rio Grande do Sul. Somente seis anos mais tarde

seriam divulgados os resultados de suas observações no Relatório da excursão ao litoral e

à região dos lagos do Rio Grande do Sul. Nesse trabalho inicial Roquette-Pinto demonstra

como as jazidas de Cidreira estavam desfiguradas pelo abandono a que ficaram relegadas

desde o ano de seu nascimento, 1884.

Em 1909, participando do Quarto Congresso Médico Latino-Americano, realizado

no Rio de Janeiro, Roquette-Pinto escreveu um ensaio intitulado Etnografia Indígena do

Brasil. Nesse trabalho faz uma síntese do esforço por uma classificação realizada

anteriormente por Martius, Von den Steinen e Ehrenich e dá suas primeiras contribuições à

etnografia legitimamente brasileira. Só a partir de Martius, dizia ele, se estava conseguindo

“pôr um pouco de ordem na babel classificatória, levando-se em conta menos os nomes

diferentes que as afinidades lingüistícas e culturais” (Roquette-Pinto, 1933).

Em 1911, Roquette-Pinto viajou à Europa. Acompanhava João Batista de Lacerda,

diretor do Museu Nacional ao I Congresso Universal das Raças. Lacerda levava uma tese

destinada a enorme controvérsia, Sur les métis au Brésil. Com todo seu prestígio, Lacerda

estava empenhado, numa admiração por Joseph Arthur Gobineau (1816-1882), diplomata

francês que foi embaixador no Brasil e autor de uma teoria de bases racistas que apostava

no “embranquecimento” do povo. Não era esse o pensamento de Roquette-Pinto. Suas

atenções estavam voltadas para os problemas de ordens patológicas inerentes aos estudos

raciais, muito comuns na época. Evidência disso é o que escreve no seu trabalho Eugenia,

publicado posteriormente, nos seus Ensaios de Antropologia Brasiliana (Roquette-Pinto,

1933) . Também incluído nesse livro, há um artigo, Concurso de Miss, escrito de uma

maneira entre o irônico e o divertido, em que analisa o conceito da beleza da mulher

brasileira, ou melhor, usando a linguagem antropológica, o tipo. Diz, então:

Ele sustentava (o suposto amigo do diálogo) que seria precisomandar aos Estados Unidos o “tipo brasileiro”. Eu, por meu lado,limitava-me a perguntar-lhe qual seria o tipo da francesa. A mulher morenae vistosa do Sul, a Arlesiana? A loura alta e angulosa, às vezes ruiva de

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Flandres? E o da Germania? A do norte ou do sul? Como pois querer que oBrasil possa apontar “um tipo”? (Roquette-Pinto, 1933).

As questões que envolvem o estudo das raças são sempre seguidas de polêmicas e

mal entendidos, ficando difícil uma discussão consistente nesse trabalho. Mas devemos

lembrar que a Eugenia como ciência, apesar de ter sido utilizada pelo nazismo e teorias

racistas, por isso mesmo vista com desconfiança, era utilizada na época , em parte pelo

reflexo do crescimento do desenvolvimento racionalista e o interesse cada vez maior pelo

planejamento social e também pela própria influência das teorias raciais, de onde a idéia de

racismo não está também excluída.

Dos resultados da sua estada junto a Comissão Rondon de 1912, resultaram uma

série de conferências no Museu Nacional, nos dias 5, 12, 18 e 30 de Dezembro de 1915 sob

o título de Série de Rondon, catalogadas e organizadas por Luís de Castro Faria,

antropólogo do Museu Nacional.

Em 1920, Roquette-Pinto esteve cerca de dois meses no Paraguai, para colher

materiais para a coleção do Museu Nacional, voltando novamente no ano seguinte, a fim

de lecionar fisiologia na Faculdade de Medicina de Assunção. Durante o período em que aí

esteve pode organizar uma apreciável coleção de peças de nhanduti (espécie de rendas

paraguaias) para o Museu Nacional, e de colher informações sobre esse artesanato, que foi

utilizado depois num trabalho, O nhanduti do Paraguai, levado ao XXI Congresso de

Americanistas.

Em 1924, representa o Brasil no XXI Congresso Internacional de Americanistas na

Europa. De volta ao Brasil faz um relatório com o seguinte trecho:

Teve particular importância para o Brasil a comunicação do prof.Krause, de Leipzig. Trata-se de um trabalho de relevo, defendido por quemrealizou explorações em nosso hinterland, mas cujas conclusões nos vimosobrigados a discutir e contestar, porque eram apoiadas em dadoscientíficos que os estudos realizados no Brasil, por autores brasileiros,desde 1910, depois das descobertas sensacionais de Rondon, contrariavamdecisivamente. Logo depois de haver o prof. Krause terminado a suabrilhante exposição, em que mostrou ignorar o que se havia feito em nossopaís, o Delegado do Brasil tomou a palavra e aproveitando-se dos própriosesquemas deixados no quadro negro pelo professor de Leipzig, demonstrouque as descobertas de Rondon, e de outros, alteravam completamente ascondições da etnografia indígena do Brasil, tanto ou mais quanto já ashaviam modificado as descobertas do prof. Von Den Steinen, em 1884, noXingu. Entre os cientistas que ouviram a discussão e apoiaram o delegadodo Brasil estava o venerando professor Von Den Steinen (Roquette-Pinto,1933).

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Desse congresso o Prof. Roquette-Pinto trouxe um mapa da América do Sul, hoje

patrimônio da Divisão de Antropologia do Museu Nacional sobre o qual os mais

renomeados americanistas presentes grafaram os seus nomes, exatamente nas áreas

cobertas pelas suas pesquisas. Entre eles estão: Franz Boas, Von Den Steinen, Fritz

Krause, Nordenskiold, Paul Rivet, Joyce, Gusinde, Max Schmit e outros.

Foi nesse mesmo ano de 1924 que, após seu regresso da Europa, Roquette-Pinto,

recebeu o cargo de Professor-chefe da Divisão de Antropologia e Etnografia do Museu

Nacional. Dois anos depois passaria a diretor da Instituição.

Já então seus interesses se dividiam com outras atividades como a implantação da

radiodifusão no Brasil e, na década de 30, com o Cinema Educativo.

Mesmo afastado do Museu Nacional, Roquette-Pinto continuou fiel à sua

antropologia. Num discurso proferido no Instituto Nacional de Cinema Educativo, diz:

“Durante mais de trinta anos de minha modesta vida denaturalista e professor dediquei o meu entusiasmo ao estudo daraça, da gente, dos tipos do Brasil. E quando os dados objetivos daciência, livres de qualquer influência sentimental, me convenceramde que os problemas humanos não derivam, no Brasil, deinfluências nocivas de cruzamentos ou atavismos biológicos e sãoexclusivamente questões do meio, de herança social e de cultura –voltei-me apaixonadamente para tudo quanto pudesse elevar, noplano físico e moral, os meus irmãos. Foi a minha velhaantropologia que me abriu esse novo caminho, no desejo de ser útil,única ambição veemente da minha alma brasileira. E então, julgueiencontrar na ciência e na técnica os dois “anjos da guarda”, quedevem marcar a estrada do nosso povo (Matheus, 1984).

Paralelamente às suas diversas atividades, escreveu textos literários e científicos. O

acadêmico, Álvaro Lins, que o sucedeu na Academia Brasileira de Letras, diz que o mérito

de Roquette-Pinto como artista está na sua “forma de expressão, ao estilo literário, ao

ritmo do seu mundo interior, quando exteriorizado para ordenar esteticamente a temática

do cientista e as idéias positivas do pensador” (Lins, 1956).

Quanto a sua atuação no Conselho Nacional de Proteção aos Índios (Gestão

Rondon 1939-1955), tanto sua posição, como a de Heloisa Alberto Torres, que o sucedeu,

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ficou restrita e distante das prerrogativas do SPI, devido a vários motivos de ordem

burocráticas e políticas. 4

4 Conforme conclusões de Carlos Augusto da Rocha Freire em sua dissertação de mestrado (Freire,1990:329).

Ilus. 2: Foto de Roquette-Pinto com índiosKozáinis, tirada pelo Tenente Pyrineus de Souza,durante a expedição liderada pelo Marechal Rondonem 1912Fonte: Cópia do livro Rondônia, edição de 1917.

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ROQUETTE-PINTO, PIONEIRO DA RADIODIFUSÃO NO BRASIL

Nós que assistimos a aurora do rádio, sentimos o que deveriam tersentido alguns dos que conseguiram possuir e ler os primeiros livros. Queabalo no mundo moral! Que meio para transformar um homem em poucosminutos, se o empregar com boa vontade, alma e coração (Roquette-Pinto,1933).

Foi por ocasião dos festejos comemorativos do Primeiro Centenário da

Independência (Setembro de 1922) que se ouviu pela primeira vez no Brasil uma

transmissão radiofônica, promovida por duas companhias americanas, a Western Electric e

a Westinghouse, que haviam instalado pequenas estações de 500 watts no pavilhão dos

Estados Unidos para demonstração da grande novidade. Seus transmissores tinham sido

montados na Praia Vermelha e no alto do Corcovado, ainda sem o Cristo, com 80 alto-

falantes distribuídos pela exposição.

Na abertura da exposição foi ouvido o Hino Nacional e um discurso do Presidente

Epitácio Pessoa. O som saía pelos alto-falantes causando admiração na multidão presente

ao evento. À noite, foi irradiada a ópera O Guarani de Carlos Gomes, direto do Teatro

Municipal. O som era rouco e falho. Nos dias seguintes foram transmitidas várias palestras

(Castro, 1996).

Terminando a exposição em Janeiro de 1923, a Westinghouse desmontou a estação

do Corcovado e a levou para os Estados Unidos, mas a Western conservou a sua na Praia

Vermelha, na esperança que o governo se interessasse em comprá-la, o que foi feito.

Porém o governo entregou a estação aos Correios para que ela operasse como telégrafo,

desiludindo os muitos radioamadores já existentes. O próprio Roquette-Pinto relata:

A verdade é que durante as solenidades comemorativas de 1922,muita pouca gente se interessou pelas demonstrações então realizadaspelas companhias Westinghouse ( Estação do Corcovado ) e WesternElectric ( Estação Praia Vermelha ). Creio que a causa principal dessedesinteresse foram os alto-falantes instalados nas torres do Serviço deMetereologia ( Pavilhào dos Estados ). Eram discursos e músicasreproduzidos no meio de um barulho infernal, tudo roufenho, distorcido,arranhando os ouvidos. Era uma curiosidade sem maiores conseqüências.No começo de 1923 desmontava-se a estação do Corcovado e a da PraiaVermelha ia seguir o mesmo destino se o Governo nào a comprasse. OBrasil ficaria sem rádio. Eu vivia angustiados porque já tinha a convicçãoprofunda do valor informativo e cultural do sistema, desde que ouvira as

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transmissões que foram dirigidas na época pelos engenheiros J. C.Stroebel, J. Jonotskoff e Mario Liberalli. Uma andorinha só não faz verão;por isso resolvi interessar no problema a Academia de Ciências, presididapelo nosso querido mestre Henrique Morize. E foi assim que nasceu aRádio Sociedade do Rio de Janeiro, a 20 de Abril de 1923. Alguns diasantes, encontrei-me com Amadeu Amaral que viera de São Paulo dirigir a“Gazeta de Notícias”. No seu jornal, o grande poeta entregou-me logo umacoluna. E a 14 de Abril de 1923, ali publiquei o primeiro grito pelo rádiobrasileiro. Terminava a minha crônica nos seguintes termos: ‘Até agoraesperei em vão que alguém mais autorizado quisesse fazer pela imprensa, otrabalho de vulgarização da radiotelefonia que o momento nacional estáexigindo. À falta dos que sabem muito do assunto, aqui estou eu, que quasenada sei, para auxiliar os nossos amadores incipientes. Estou convencidode que prestaremos todos um grande serviço ao Brasil (Matheus, 1984).

Os primeiros sócios foram: Henrique Morize, Juliano Moreira, Carlos Guinle,

Afrânio Peixoto, Humberto de Campos, José Oiticica, João Ribeiro, Antenor Nascentes,

Luciano Gallet, Oscar Borgert, Mário Azevedo e outros.

A Rádio Sociedade, primeira no Brasil, em sua constituição contara com a

contribuição de cientistas e homens de cultura por isso levando alguns críticos a tratá-la

como elitista e divorciada da realidade. Alguns autores, classificam a personalidade de

Roquette-Pinto como a de “um sonhador, um idealista”, que aspirou para o rádio o papel

da educação do povo e que ficou conhecido pela frase: “Pela cultura dos que vivem nesta

terra, pelo progresso maior do Brasil” (Castro, 1996).

No entanto Roquette-Pinto foi um homem de ação. Foi ele que se dirigiu ao

Presidente da República para utilizar uma das duas emissoras Western Electric de 500

watts, compradas dos americanos para o telégrafo. Obtida a autorização, adaptou o

transmissor ao serviço de radiodifusão, de início com o prefixo PRAA, sendo substituído

depois pelo de PRA-2. Roquette-Pinto teve também de lutar contra um obstáculo legal:

para possuir um receptor em casa, o cidadão tinha que requerer permissão ao Ministério da

Viação através dos Correios e Telégrafos, apresentando “fiador idôneo”. A polícia estava

autorizada a prender quem fosse flagrado ouvindo aparelhos desautorizados. Para

Roquette-Pinto, a missão do rádio não era de guardar segredos, era a de transmitir a coisa

que o Brasil mais precisava: educação. O rádio era um instrumento valioso possibilitando a

integração de milhões de brasileiros dispersos num imenso território, seria como que

completar, só que em escala nacional, a obra de Rondon.

Sua luta pela liberação do rádio da lei que dificultava que os cidadãos possuíssem

aparelhos domésticos começou pela Gazeta de Notícias. Fundou a Rádio Sociedade junto

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com seus amigos da Academia de Ciências, numa reunião feita na sala de física da Escola

Politécnica, no Largo de São Francisco, no dia 20 de Abril de 1923. Dessa reunião

resultou: aclamação de Henrique Morize como presidente, Roquette secretário e outros

acadêmicos tomando os cargos de secretários, tesoureiro e conselheiros. Os demais

presentes tornaram-se sócios-efetivos. Segundo Ruy Castro (1996), para a época, essa

atitude era quase um ato de desobediência civil, mas numa jogada hábil, Roquette-Pinto

indicou para presidente de honra o próprio Ministro da Viação e Obras Públicas, Francisco

Sá, de quem dependeria a revogação da lei que tornava o rádio uma atividade clandestina.

No dia 1º de Maio, a Rádio Sociedade fez a sua primeira transmissão experimental pela

estação da Praia Vermelha. No dia 11 de Maio, Francisco Sá revogou a lei.

No dia 19, fez-se uma abertura solene: Edgard Sussekind de Mendonça abriu a

transmissão recitando um soneto do próprio Roquette, O Raio ( a única cópia desse soneto

perdeu-se nessa noite ), Heloísa Alberto Torres leu um conto infantil de Monteiro Lobato e

Francisco Venâncio Filho leu uma página de Os Sertões. No seu discurso inaugural

Roquette-Pinto diz:

Todos os lares espalhados pelo imenso território do Brasilreceberão livremente o conforto moral da ciência e da arte, a paz serárealizada entre as Nações. Tudo isso há de ser o milagre das ondasmisteriosas que transportam no espaço, silenciosamente asharmonias”...”Que meio para transformar um homem em poucos minutos,se o empregarmos com a alma e o coração (Matheus, 19840).

As primeiras transmissões não eram regulares. A partir de 1925 é que a

programação se firmou: pela manhã o Jornal da Manhã, com o próprio Roquette-Pinto,

seguindo-se mais três noticiosos, o do meio-dia, o da tarde e o da noite. O resto da

programação era intercalada com músicas e matérias educativas.

Para alguns, a programação apresentava uma certa dose de austeridade, com um nível

erudito e cultural. Com seu programa “educação de massa”, a Rádio sociedade parecia, a

princípio, uma extensão da Academia de Ciências. Os acadêmicos faziam de tudo:

produziam, escreviam e apresentavam os programas. O próprio Roquette dava o exemplo:

produzia e apresentava o Jornal da Manhã, comentando as notícias. Outros levavam seus

discos, botava-os para tocar e falavam dos compositores, músicos e cantores. Ninguém era

pago.

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Nem tudo era música e literatura, os acadêmicos faziam palestras, de acordo com suas

especialidades. Muitas personalidades famosas no mundo da cultura visitaram a Rádio

Sociedade e ali deixaram registradas suas presenças, como Albert Einstein.

O espírito amadorista da Rádio era patente, contudo a Rádio Sociedade, localizada na

Rua da Carioca, nº45, depois de ter vindo do Pavilhão da Tchecoslováquia, funcionou até

1931 sem maiores problemas. O Decreto 20.047 de 27 de Maio de 1931, estipulava

exigências tais que, para continuar seu funcionamento, teria que se transformar em

emissora comercial, o que desagradava a Roquette e seus companheiros.

Em Julho de 1936, desfaz-se de sua rádio entregando-a com toda a sua aparelhagem ao

Governo Federal com a condição de que esta não fosse vinculada à Presidência da

República – DIP – e, sim, ao Ministério da Educação, passando então a ser chamada Rádio

MEC. A reversão foi efetuada no dia 7 de Setembro de 1936.

Roquette-Pinto ainda participa de outro fato pioneiro: em 1933, após convencer seu

amigo, Anísio Teixeira ( 1900–1971 ), então Secretário da Educação, ajuda a criar uma

rádio-escola a ser mantida pela Prefeitura, Rádio Escola Municipal, depois chamada Rádio

Roquette-Pinto em sua homenagem.

O órgão representativo das emissoras nacionais, a ABERT, em 1968, In Memoriam

de Roquette-Pinto adotou o dia do seu nascimento, 25 de Setembro, como O Dia da

Radiodifusão no Brasil. Ao deixar a Rádio Sociedade, Roquette-Pinto indica seu sucessor,

o seu assistente Francisco Gomes Maciel Pinheiro.

Em ondas médias e curtas, potente, a Rádio MEC tornou-se um símbolo na

radiodifusão brasileira, a opção pela cultura, desvinculada de qualquer relação comercial,

que seu fundador desejava.

Seus diretores que se seguiram corresponderam aos seus princípios: René Cavé,

Fernando Tude de Souza, Carlos Rizzini, Celso Brant, Mozart Araujo, Murilo Miranda e

todos que , com a expansão para Brasília, acompanhando a transferência do Governo, não

deixaram de sediar-se na cidade carioca, como era o desejo de Roquette-Pinto.

Os nomes mais expressivos da intelectualidade brasileira que lá trabalharam

continuaram colaborando. Uma opção, no serviço público, fez com que, para ela,

convergissem notáveis recursos, como a criação de uma Orquestra Sinfônica. Dezenas de

artistas começaram experimentando as suas aptidões, tal como Roquette-Pinto fazia antes

na Rádio Sociedade. Artistas como Fernanda Montenegro, Fernando Torres, Terezinha

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Amayo, Vera Nunes, Susi Arruda e tantos outros começaram a desenvolver seus talentos

nessa emissora dedicada a divulgação da cultura.

No seu acervo consta uma biblioteca deixada por Roquette-Pinto cujo patrono é

Mário de Andrade. No seu Jubileu de Prata, foi lançado A Canção Brasileira, gravação

ilustrada com nomes ainda relacionados ao seu mestre: Guiomar Novaes, Carlos Gomes,

Bidu Sayão, Villa-Lobos, Francisco Mignone e outros. O nome de Roquette-Pinto é

sempre lembrado.

Em 1990, no Governo Collor, a Rádio MEC passou a fazer parte, juntamente com a

TV Educativa, Canal 2, fundada por Gilson Amado, da Fundação Roquette-Pinto, órgão

federal. Seus funcionários passaram a funcionários públicos mediante a lei 8.112.

Atualmente, a ex-Fundação Roquette-Pinto, extinta por Decreto Presidencial pelo

Presidente Fernando Henrique Cardoso, foi transformada numa Organização Social,

Associação de Comunicação Educativa Roquette-Pinto (ACERP), de direito privado. É a

primeira experiência feita pelo Governo dessa forma institucional e está diretamente

subordinada à Secretaria de Comunicação da Presidência da República sendo, portando,

desvinculada do Ministério da Educação como temia Roquette-Pinto.

Apesar de todas as controvérsias a respeito da estatização ou não da Rádio MEC,

ela ainda presta serviços à comunidade voltada para uma programação nos moldes de seu

criador, possuindo uma Sociedade dos Amigos Ouvintes da Rádio MEC – SOARMEC –

com um jornal editado mensalmente, O Amigo Ouvinte, cuja presidente de honra era a filha

de Roquette-Pinto, Beatriz Roquette-Pinto Bojunga, falecida recentemente (Maio/99). Seu

presidente é o maestro Edino Krieger que, em artigo publicado em Setembro de 1996, dois

anos antes da sua extinção e com a possibilidade de uma mudança do nome de Rádio MEC

para outro a ser escolhido, já que este não fazia mais sentido devido a sua desvinculação

com o Ministério da Educação, dizia:

O que me parece, contudo, objetivamente, é que a soluçãoadequada seria não a mudança do nome da emissora, mas a sua restituiçãoao Ministério da Educação, em cumprimento aos termos da própria doaçãode Roquette-Pinto, que a desvinculação do Ministério da Educação e atransferência para uma Secretaria da Presidência da República contrariamfrontalmente [...] Penso também, que o binômio educação e cultura,incorporado ao próprio nome da emissora, representará sempre umagarantia de que os objetivos traçados por Roquette-Pinto não serãodesvirtuados por administrações futuras. Preocupação maior dos que vêmcom receio a mudança de nome ora proposta (Krieger, 1996).

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Para aqueles que consideram que o rádio começou com uma tendência “elitista” no

Brasil, convém lembrar que educação foi sempre uma preocupação maior na origem da

radiodifusão em todo o mundo e que em todos os países existe uma estação de rádio com

essa finalidade. Na imprensa carioca, no jornal O Globo, o escritor-jornalista Luís

Fernando Veríssimo (Veríssimo, 1999), escreve a respeito da programação de TV:

Chamam de elitista quem critica a qualidade dos programaspopulares na TV mas não há nada mais elitista do que achar que o“povão” não entende ou não quer outra coisa, que discernimento é coisade classe A, ou vá lá, de BB para cima, para usar a língua deles. NoHemisfério Norte também existem programas de ratos e leões, alguns atémais calhordas. O que não tem é a ameaça do padrão deles dominar oresto, e determinar uma televisão sem alternativas. O que os que lamentamo estado de nossa TV aberta e os que estão fugindo para a TV importadaquerem não é Cultura com C maísculo, documentários sobre Bizâncio eópera clássica. Querem é ter escolha (Veríssimo, 1999).

O compromisso que Roquette-Pinto tinha com o rádio era o de oferecer uma

educação ao povo brasileiro, não só voltada para o conhecimento erudito mas também para

a cultura popular. Sua intenção era produzir uma programção “educativa popular”, tornar o

ensino acessível a todos. Contudo, na época, o rádio era privilégio de poucos, sua

tecnologia ainda nova, importada, tornava-o um objeto de alto custo financeiro. Portanto

somente pessoas com poder aquisitivo maior é que

poderiam ter acesso ao novo veículo, o que foi

refletido então na sua programação inicial. Algumas

diretrizes que Roquette-Pinto enunciou foram

seguidas, como a criação, em 1933, da Rádio Escola

Municipal do Distrito Federal, tendo à frente o

educador Anísio Teixeira.

Ilus. 3: Foto – Inauguração da RádioMunicipal, depois chamada Roquette-Pinto– 1934. Roquette-Pinto (esq.) e PedroErnesto (sentado).Fonte: Arquivo Nacional – Setor de Consultas.

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ROQUETTE PINTO E O CINEMA EDUCATIVO

Roquette: Ecoara poxi ... (t: O tempo está ruim .. )Taunay : Jandé já-carune janondé amanassy pytybõ

reme. (T: Vamos comer antes, se a mãe chuva ajudar.)Humberto: Ore cunhãmendassara oicó moapyca. (t: Nossas

esposas estão cozinhando.)Bernardino: Xe ambyassy emiu yapuana. (t: Estou faminto e a

comida está cheirosa.)Roquette : I Caraíba moanga mbaé ? (t: O que vocês

pensam do estrangeiro ?)Humberto: Jande aupaba obaiti-ramó ié abá i Tecoarama te

obaití-ramó aan irõ!(t:Eles dizem que descobriram a nossaterra, mas o índio já habitava. Então, ninguém descobriu!)

Taunay: Caraíba omembéu maranduera upinduareymajepé (t: Portanto, os estrangeiros contaram uma história quenão é a verdadeira !) (Mauro, 1997).

Nesse divertido diálogo, registrado no livro de André Felipe Mauro (1997), Humberto

Mauro – o pai do cinema nacional, feito nos intervalos das filmagens de O Descobrimento

do Brasil, com direção de Humberto Mauro e com roteiro do próprio cineasta e de Affonso

de Taunay, vemos a disposição da equipe de consultores: Roquette-Pinto, Affonso de

Taunay e Bernardino José Sousa (baseado na carta de Pero Vaz de Caminha). Os três

amigos e mais o cineasta, decidem só conversar em tupi. Todos três são apaixonados pela

cultura brasileira.

Em 1936, atendendo ao Ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema, Edgard

Roquette-Pinto inicia o projeto de criação do Instituto Nacional de Cinema Educativo.

Roquette-Pinto já conhecia o cineasta Humberto Mauro desde quando era diretor do Museu

Nacional. Desde o seu início, o INCE, foi marcado por essa parceria que se estendeu até a

morte de Roquette-Pinto em 1954. Juntos farão mais de duzentos filmes, todos ligados à

cultura, ao ensino científico e artístico.

Devido as sempre “falta de verbas”, os dois amigos tinham, às vezes, que improvisar:

Humberto Mauro foi diretor, roteirista, autor de argumentos, ator e o que preciso fosse para

contornar as dificuldades financeiras, acontecendo o mesmo com Roquette-Pinto que

muitas vezes emprestou sua voz, de dicção perfeita, para a locução dos filmes. Roquette

também foi autor de roteiros e também dirigiu alguns filmes.

26

O INCE inicia suas filmagens em 28 de Maio, com dois filmes: a Lição prática de

Taxidermia, um documentário sobre zoologia, dirigido por Paulo Roquette-Pinto, filho de

Roquette, que também era médico e tinha trabalhado por pouco tempo no Museu Nacional.

A narração é do próprio Edgard Roquette-Pinto com fotografia e montagem de Humberto

Mauro; e o outro, O preparo da vacina contra a Raiva, sobre medicina, com orientação de

Agnaldo Alves Filho e Américo Braga. A narração era feita por Roquette-Pinto e a

fotografia e montagem de Humberto Mauro.

Em seguida, foram feitos outros relacionados a medicina e dois sobre dança:

Exercícios de elevação, mudo, 16mm, com orientação de Vera Grabinska e Pierre

Michailowsky e, O Cisne, com coreografia de Vera Grabinska e Pierre Michailowsky.

Ambos com fotografia e montagem de Humberto Mauro.

No dia 7 de Setembro do mesmo ano, isto é, 1936, foi feito a Entrega das

Instalações da PRA-2, uma reportagem, sonora, da entrega da Rádio Sociedade ao Mistério

da Educação e Saúde, também com fotografia de Humberto Mauro.

O Telégrafo também foi tema de filme bem como Astronomia, Física, Geografia,

Literatura, História, Medicina, Botânica, Zoologia, Música, Folclore, e todos assuntos

ligados ao conhecimento e a cultura brasileira, que ficaram conhecidos como Série

Brasilianas, como Canções Populares ( interpretação cinematográfica das canções

populares - várias séries ), Aboio e Cantigas ( o canto utilizado pelo vaqueiro para reunir a

boiada ), Engenhos e Usinas ( uma nostálgica ilustração do abandono dos primitivos

engenhos , superados pela tecnologia das usinas atuais ), Coisas de Trabalho ( o ritmo de

músicas inspiradas nas atividades do trabalho ), Manhã na Roça ( o alvorecer na roça com

a embolada de Almirante, O Galo Garnizé ) e outros, como várias reportagens de

comemorações do Dia da Pátria e etc.

Em Um Apólogo, de 1939, baseado em Machado de Assis, em que Roquette-Pinto

fez co-direção, o figurino do filme ( de época ) foi feito por sua filha Beatriz Roquette-

Pinto Bojunga, com desenhos de Santa Rosa.

Foram feitos também documentários como: Abastecimento D’Água do Rio de

Janeiro, Serviço de Esgoto do Rio de Janeiro e também filmes destinado às crianças como

o Dragãozinho Manso. Para a educação das crianças foi feito A Exposição de Brinquedos

Educativo,em 1942.

A música foi sempre focalizada: Ponteio (concerto para piano e orquestra – em

Formas Brasileiras) de Hekel Tavares, uma combinação de música erudita e folclore;

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Carlos Gomes, O Guarany, também seguindo a mesma linha; Fantasia Brasileira

(Concerto para piano e orquestra de J. Otaviano) e outros tantos que comprovam o

incentivo que Roquette-Pinto dava aos autores nacionais.

Com o Cinema Educativo, Roquette-Pinto contribuiu muito para a divulgação de

artistas brasileiros, dando ênfase aos autores contemporâneos, propiciando-lhes

oportunidades. Também aos cientistas brasileiros foi dado espaço para a divulgação de

seus trabalhos. Nessa época o talkie, o cinema falado, era ainda muito recente e Roquette,

que via o rádio crescer a passos rápidos, embora fora dos rumos que ele desejara, voltava-

se com o mesmo vigor para a criação do Instituto Nacional do Cinema Educativo,

sonhando com imensas filmotecas com a esperança de que com o cinema seria capaz de

mostrar por poucas imagens, aulas para as quais seriam necessárias milhares de palavras.

Ele acreditava pois, no poder do audiovisual como elemento essencial na educação

moderna.

Segundo Roberto Ruiz de Rosa Matheus (1984), a Reforma de Fernando Azevedo

(Decreto 2.940, de 22 de Novembro de 1928), conquistara Roquette-Pinto que aliou a

colaboração cinematográfica no processo da renovação do ensino. Os artigos 633, 634 e

635 do extenso decreto, preceituavam que:

As escolas do ensino primário, normal, doméstico eprofissional, quando funcionarem em edifícios próprios, terão salasdestinadas à instalação de aparelhos de projeção fixa e animadapara fins meramente educativos.”

“O cinema será utilizado exclusivamente como instrumentode educação e como auxiliar do ensino que facilite a ação do mestresem substituí-lo”.

“O cinema será utilizado sobretudo para o ensino científico,geográfico, histórico e artístico”.

“A projeção animada será aproveitada como aparelho devulgarização e demonstração de conhecimento, nos cursospopulares noturnos e nos cursos de conferências ... A DiretoriaGeral de Instrução Pública orientará e procurará desenvolver portodas as formas, e mediate a ação direta dos inspetores escolares, omovimento em favor do cinema educativo (Roquette-Pinto apudMatheus, 1984).

Hoje, aos nossos olhos acostumados com a televisão e outros métodos audiovisuais,

isso poderá soar até ingênuo. Porém, ao nos reportarmos para a época, vemos como esses

homens que pensaram um Brasil melhor, tinham uma preocupação com a educação e o

28

futuro do país. Costuma-se tratá-los como visionários e idealistas românticos, mas na

verdade seus ideais estavam centrados num sentimento nacionalista, característico da

época. É a época em que escritores como Mário de Andrade e outros se interessam pelo

folclore, pelos valores da cultura popular tão bem expressados na temática dos filmes

produzidos então pelo INCE.

Mário de Andrade, escritor e musicólogo, um dos intelectuais que se dedicou à

compreensão da cultura brasileira, bem como Lima Barreto, em outro contexto histórico,

desenvolveram atividades literárias e jornalísticas, exercendo cargos públicos à semelhança

de Edgard Roquette-Pinto. Esses homens, representativos de nossa intelectualidade foram,

a meu ver, verdadeiros gigantes: dedicaram-se a várias atividades visando sempre a

preservação de nossos valores culturais mas também com uma visão universalista. Tiveram

também uma preocupação com os ideais de modernidade. Roquette-Pinto, um homem

nascido ainda no século XIX, se diferencia um pouco pela sua ligação com o Positivismo,

que ele professou em seu Credo:

“Creio que o homem e a natureza são exclusivamentegovernados por leis, imutáveis, superiores a quaisquer vontades;

Creio que a ciência integrando o homem no universo, criouem sua mentalidade, ao mesmo tempo, uma infinita modéstia e umasublime simpatia para com todos os seres;

Creio que a ciência mostrando ao homem como o ódio e oamor são condicionados pelas reações do se cérebro, deu-lhe aposse de si mesmo, permitindo que ele se transforme e se aperfeçoeà custa das suas próprias forças;

Creio que a ciência, a arte e a indústria hão de transformar aterra no Paraíso, que nossos avós colocavam ... no outro mundo;

Creio que ao lado das grandes forças egoístas que vivem nocoração dos homens, jazem ali tesouros imensos de altruísmo efraternidade que a vida em comum há de fazer desabrochar cadavez mais;

Creio nas leis da Sociologia positiva e por isso creio noadvento do Proletariado conforme foi estipulado por AugustoComte, que nele via uma sementeira dos melhores tipos, realmentedignos de elevação política;

Creio, por isso, que a nobre missão dos intelectuais –mormente professores – é o ensino e a cultura dos Proletários,preparando-os quando chegar a sua hora;

Creio que sendo muito difícil conciliar os interesses daOrdem com o Progresso, muitas vezes antagônicos, só existe ummeio de evitar pertubação e desgraça: - resolver tudo à luz doaltruísmo e, principalmente da fraternidade;

29

Creio que a ordem material deve ser mantida, mormente nointeresse das mulheres, que são a melhor parte de todas as pátrias,e das crianças, que são a pátria do futuro;

Creio que no estado de inquietação do Mundo Moderno sóhá ummeio de manter a ordem material; é garantir a mais amplaedefinitiva liberdade espritual;

Creio cegamente no postulado de Fritz Muller: “Opensamento deve ser livre como a respiração”; (Roquette-Pintoapud Matheus, 1984).

Ao deixar o INCE, para ocupar outro cargo público, fez uma carta ao se amigo

Gustavo Capanema onde, depois de elogiar os funcionários, Roquette diz ter pensado

muito na escolha de sua substituição e nomeia Humberto Mauro, que havia chamado a

dirigir a parte técnica do INCE por ocasião da sua fundação, há dois anos. Humberto

Mauro passa então a dirigir o Instituto Nacional do Cinema Educativo mas sempre

contando com a amizade e colaboração de Roquette-Pinto.

Ilus. 4: Foto – Roquette-Pinto mostra ao Presidente GetúlioVargas uma máquina de gravação de filmes.Fonte: Arquivo Nacional – Setor de Consulta.

30

ROQUETTE-PINTO, UM PIONEIRO DA EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA?

Roquette-Pinto, como pedagogo, não se ateve a um ponto de vista rígido. Aderiu ao

Movimento de Renovação do País e subscreveu o Manifesto dos Pioneiros da Educação

Nova de 1932. Como educador, Roquette-Pinto acreditava na tecnologia como veículo

para a instrução. Seu trabalho pioneiro na radiodifusão e no cinema educativo bem o

demonstram. Sobre o rádio, diria:

Todos os lares espalhados pelo imenso território do Brasilreceberão livremente o conforto moral da ciência e da arte, a paz serárealizada entre as Nações. Tudo isso há de ser o milagre das ondasmisteriosas que transportam no espaço, silenciosamente as harmonias [...]Que meio para transformar um homem em poucos minutos, se oempregarmos com a alma e o coração! (Roquette-Pinto apud Matheus,1984).

Em muitas sociedades industriais do Ocidente, hoje em dia, os adultos passam uma

média de 25 a 30 horas por semana assistindo à televisão, e esta transformou-se na mais

importante fonte de informação com respeito a eventos nacionais e internacionais. Segundo

John B. Thomson (apud Outhwaite, 1996:114-115), para os primeiros teóricos da

comunicação de massa, associados ao Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt, a

comunicação de massa fizera surgir uma nova forma de ideologia nas sociedades

modernas. Ao produzir grandes quantidades de bens culturais padronizados e

estereotipados, a comunicação de massa estava fornecendo aos indivíduos meios

imaginários de escape das duras realidades da vida social e, com isso, debilitando sua

capacidade de pensar de forma crítica e autônoma.

Contudo, uma explicação diferente sobre a natureza da comunicação de massa foi

desenvolvida nos anos 50 e 60 pelos autores canadenses Harold Innis e Marschall

McLuhan. Às vezes chamados “teóricos da mídia”, Innis e McLuhan afirmaram que a

própria forma do meio de Comunicação pode influenciar a natureza da organização social

e da sensibilidade humana. A obra de Innis foi desbravadora no sentido de ter ligado o

desenvolvimento dos meios de comunicação a considerações mais amplas de tempo,

espaço e poder. MacLuhan apontou que as tecnologias de comunicação tiveram um

impacto fundamental sobre os sentidos e as faculdades cognitivas dos seres humanos. Em

contraste com as sociedades tradicionais, o desenvolvimento da escrita e da impressão

31

criou uma cultura que foi dominada pelo sentido da visão e por uma abordagem analítica e

seqüencial dos problemas. Ela permitiu que os indivíduos se tornassem mais

independentes, racionais e especializados. Mas o desenvolvimento da moderna mídia

eletrônica, de acordo com MacLuhan, criou um novo ambiente cultural em que o primado

da visão foi deslocado por uma interação unificadora dos sentidos e na qual os indivíduos

são unidos em redes globais de comunicação instantânea. Em outras palavras, a mídia

eletrônica criou uma “aldeia global”.

O trabalho dos teóricos da comunicação, entre outros, ajudou a ressaltar o fato de

que o desenvolvimento da comunicação de massa deu forma, de um modo profundo e

irreversível, à natureza da interação social e da experiência cultural no mundo moderno.

Outro autor, C.A. Rootes (apud Outhwaite, 1996:168-170), analisando a

denominada cultura de massa, observa como essa expressão é usada em geral de maneira

pejorativo. Rootes argumenta que existem versões tanto elitistas quanto amplamente

democráticas da crítica da cultura de massa, embora elementos das duas estejam em geral

associados. Aos olhos de seus críticos elitistas, o que põe a perder a cultura de massa é que,

para ser facilmente acessível às massas iletradas, ela busca agradar seus sentimentos e

emoções menos nobres, porém praticamente ubíquos. A cultura de massa é, de acordo com

isso, superficial e sentimental. A crítica democrática da cultura de massa contrasta-a com a

cultura popular autônoma e enfatiza o nível em que sua produção e distribuição se

encontram nas mãos da elite capitalista.

A educação de massa, longe de elevar o nível cultural geral, produz apenas um

“analfabetismo educado”, na medida em que a educação perde a sua função crítica e se

torna integrada com exigências da economia, deixando apenas a cultura amena, pouco

exigente e conformista dos “subúrbios dos colarinhos-brancos”.

Os defensores da cultura de massa afirmam que, como resultado da alfabetização

quase universal, da difusão do conhecimento pela cultura de massa, incluindo a televisão, e

de crescente tempo de lazer, a “arte elevada” hoje desfruta de um público mais amplo do

que jamais teve. As culturas populares podem ser “contaminadas”, mas a diversidade

cultural não desapareceu.

Somado às críticas à cultura e à comunicação de massa, há o grande debate a

respeito da chamada educação pós-moderna e multicultural. Entre os elementos

reveladores da pós-modernidade, conforme observa Gadotti, está “a invasão da tecnologia

eletrônica, da automação e da informação, que causam certa perda de identidade nos

32

indivíduos ou desintegração” (Gadotti, 2001:311). O pós-modernismo se volta para a

diversidade cultural, gerando uma educação multicultural. Seus efeitos sobre a educação

ainda não podem ser detectados.

O ensino à distância vem, de uma certa maneira, confirmar os sonhos de Roquette-

Pinto. Seu trabalho frente à Rádio Sociedade, doada em 1936 ao Ministério da Educação e

que passou a se chamar Rádio MEC, é hoje esquecido.

A formação atual do educador, segundo Arnaldo Niskier (2000:385), passa pela

dimensão técnica, a dimensão humana, o contexto político econômico e a parte de

conhecimentos a serem transmitidos. Tudo isso resume-se numa aquisição de competência,

que abrange as relações entre o saber e o fazer, a teoria e a prática, os princípios e

processos da tecnologia educacional. O tecnólogo, seria um psicólogo, um analista de

sistema ou um comunicador? Alguns críticos radicais, ainda na opinião de Niskier

(2000:386), consideram a tecnologia educacional como uma subordinação a visão

econômica. Mas afirma que haveria um outro ponto de vista, o humanista, onde o

tecnólogo não rejeitaria os princípios do tecnicismo. A dificuldade desse ponto de vista

residiria em determinar o que é melhor em educação. Para ele o processo ensino-

aprendizagem envolve três aspectos fundamentais: as concepções teóricas do professor e a

relação com a sua prática, as relações interpessoais que surgem na aula e a transmissão dos

conteúdos culturais com a metodologia educativa. Sua visão a respeito da educação à

distância é otimista e concorda com Hadwick & Rojas (apud Niskier, 2000:389) que uma

profissão tem que se basear em conhecimentos e comportamentos extraídos das ciências.

No caso da tecnologia educacional, estas seriam:

– a Psicologia, particularmente a experimental e seus conhecimentos eaplicações ao processo de ensino-aprendizagem e à avaliação;

– a Comunicação, incluindo os ramos básicos e os meios, assim como apsicologia e a sociologia da comunicação;

– a Matemática e o enfoque de sistemas com seus instrumentos de análise eplanejamento de sistemas, investigação das operações, análise de tarefas,sistemas de planejamentos e etc;

Com essa base científica, e recordando que várias fontes de informaçãotambém implicam trabalho de grupos interdisciplinares, é convenienteexaminarem algumas funções que poderiam ser parte da profissão do tecnólogoeducacional. (...) uma profissão necessita especialmente de funções e aconseqüente formação de equipes de especialistas, para atender às solicitaçõesde uma determinada situação. No caso da tecnologia educacional sugerimos asseguintes especializações:– analista de sistemas educativos

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– analista de sistemas de instrução– planejador de novas experiências de ensino-aprendizagem– produtor de materiais para os meios– especialista em motivação estudantil– psicólogo em dinâmica de grupos– avaliador e perito em medidas.Essas são apenas as mais óbvias. Cada um dos especialistas teria que recebertreinamento em sua especialidade, mas todos necessitariam de um treinamentocoletivo para obterem uma linguagem e uma abordagem comum e adotareminstrumentos, métodos e bases comuns para os trabalhos em equipe (Chadwick& Rojas, apud Niskier, 2000:389).

A atual tendência tecnicista em Educação, nos leva a identificar algumas

influências das idéias positivista (organização racional), ambientalista (orientação para o

mercado de trabalho) e behaviorista (ensino programado). Uma análise sobre essa

tendência evidencia essas influências e apontam para as relações entre professor e aluno,

que são estruturadas e objetivas, ocasionando um distanciamento nas relações pessoais e

afetivas.

Em contrapartida, hoje, apesar dos desníveis entre regiões e países, entre as

sociedades mais desenvolvidas e as subdesenvolvidas, há uma idéia universal sobre a

educação: a de considerar que não existe idade para a educação, de que ela se estende pela

vida e que não é neutra. Outra tendência presenciada nos dias de hoje é a de educação

popular, que para Moacir Gadotti (2001), ela não é destinada apenas às camadas populares,

mas pelo seu caráter popular, socialista e democrático que essa concepção traz. “Elas

correspondem às novas exigências de uma sociedade de massas e da classe trabalhadora

organizada, e não de indivíduos isolados ... ” (Gadotti, 2001:268).

Essas tendências atuais vão de encontro com os ideais de Roquette-Pinto,

professados em seu Credo Positivista, já visto anteriormente neste trabalho. Lembro aqui

dois de seus postulados: “Creio nas leis da Sociologia positiva e por isso creio no advento

do Proletariado conforme foi estipulado por Augusto Comte, que nele via uma sementeira

dos melhores tipos; Creio, por isso, que a nobre missão dos intelectuais – mormente

professores – é o ensino e a cultura dos Proletários, preparando-os para quando chegar a

sua hora”.

Interessante de se ver é como o positivismo é abordado pelos críticos da Educação,

como uma ideologia elitista. No caso de Roquette-Pinto, como educador e antropólogo, se

voltava para os aspectos da cultura brasileira, tanto no âmbito das chamadas cultura erudita

como da popular. Seu apreço pelo fazer manual se equilibrava com seu deslumbramento

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pela ciência e a tecnologia dela decorrente. Na Reforma de Fernando de Azevedo –

Decreto 2.940, de 22 de Novembro de 1928 (Matheus, 1984), Roquette-Pinto conseguiu

que fosse elaborado os artigos 633, 634 e 635:

“As escolas do ensino primário, normal, doméstico eprofissional, quando funcionarem em edifícios próprios, terão salasdestinadas à instalação de aparelhos de projeção fixa e animadapara fins meramente educativos.”

O cinema será utilizado exclusivamente como instrumento deeducação e como auxiliar do ensino que facilite a ação do mestresem substituí-lo.

“O cinema será utilizado sobretudo para o ensino científico,geográfico, histórico e artístico”.

“A projeção animada será aproveitada como aparelho devulgarização e demonstração de conhecimento, nos cursospopulares noturnos e nos cursos de conferências ... A DiretoriaGeral de Instrução Pública orientará e procurará desenvolver portodas as formas, e mediante a ação direta dos inspetores escolares,o movimento em favor do cinema educativo.”

Hoje, aos nossos olhos acostumados com a televisão e outros métodos audiovisuais,

isso poderá soar até ingênuo. Porém, ao nos reportarmos para a época, vemos como esses

homens que pensaram um Brasil melhor, tinham uma preocupação com a educação e o

futuro do país com uma grande clarividência. Costuma-se tratá-los como visionários e

idealistas românticos. Hoje, a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

incentiva o Poder Público a veicular os programas de ensino à distância em todos os níveis

e modalidades de ensino e a Internet pretende derrubar as paredes das escolas

convencionais.

Recentemente, na imprensa carioca (O Globo, 17/07/001:8) foi noticiado, com a

manchete “Pais poderão ter direito de educar filho em casa”, que um casal de Goiânia,

entraram na Justiça para serem os professores de seus três filhos menores. O parecer

favorável aos pais foi contestado pelo Ministério da Educação com base na Constituição,

na Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e no Estatuto da Criança e do Adolescente. O Ministro

argumentou que “os pais não podem, por convicção filosófica, política ou por presumida

capacidade de substituir os professores na arte de ensinar, privá-los do convívio escolar

ou renunciar, por elas, a esse direito” (idem). A disputa pelo direito de ensinar os filhos

em casa continua tramitando pela Justiça, o que demonstra que, de fato, estamos vivendo

uma época de mudanças.

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Os novos conceitos de uma nova educação para a totalidade estipulados por

pensadores atuais, como Edgar Morin, enfatizam no lema aprender a aprender e alertam

que o que se sabe agora pode mudar. A ética da compreensão, segundo Edgar Morin

(2001:99), “pede que se compreenda a incompreensão”. Morin diz que o que favorece a

compreensão é o “bem pensar” e a introspecção. Em suas reflexões sobre a complexidade

humana aponta para a subjetividade como uma abertura em relação ao outro.

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CONCLUSÕES

A vida e a obra de Edgard Roquette-Pinto (1884-1954) constitui num encontro

amoroso, se podemos dizer assim, entre a ciência, a técnica e a arte. Sua paixão pelo

conhecimento o levou à busca do saber com a generosidade e a solidariedade de sua

personalidade, semeando, aqui e ali, os grãos que mais tarde iriam florescer. Seu

temperamento inquieto o levava, movido pela curiosidade, a experiências intensas.

No pensamento grego, o eros tem a conotação de desejo, anseio e desequilíbrio, sendo

em geral de natureza sexual. Contudo, em Platão, embora o eros possa ser despertado por

uma pessoa específica, pode se transferir desta para sua beleza, para então ser atraído por

objetos em si, imateriais, tais como a forma de beleza. O desejo pela beleza imaterial

constitui uma espécie de recordação da visão das formas, tais como as da justiça, da

sabedoria e do conhecimento, que a alma pôde entrever na sua vida anterior. A beleza

física suscita a reminiscência deste estado e permite à alma começar a subir a escada de

regresso à verdade espiritual. O filósofo, o poeta, o amante e o discípulo das musas, ou

seja, o artista criativo são todos inspirados pelo poder divino do eros, que orienta a busca

apaixonada da luz ou seja, da sabedoria. A idéia de beleza como estímulo visível de uma

ascensão espiritual foi transmitida ao mundo medieval pelo neoplatonismo e, em especial,

por Santo Agostinho. Creio ser esse o sentido que Michel Maffesoli dá no seu ensaio “O

Paradigma Estético” (1986), quando fala no “direito de poetizar”, referindo-se ao

sociólogo, no sentido de estabelecer uma proximidade. Vai mais longe ainda quando diz

que o conhecimento não se limita à ciência, “a uma certa forma de ciência”. Pondera que

em nossa sociedade cada vez mais complexa, surge a necessidade de uma integração

intelectual que possa abarcar toda a multiplicidade dos elementos componentes da

sociedade. Interessante de se ver, é a colocação de Roquette-Pinto, na apresentação de seu

livro, Rondônia (1917), ao manifestar a mesma inquietação quanto aos acontecimentos

“vertiginosos” provocados pelo desenvolvimento moderno e a lentidão da transformação

do homem:

A Ciência vai transformando o mundo. O “paraíso”, sonhado pelagente de outras idades, começa a definir-se aos olhos dos modernos, com aspossibilidades que o passado apenas imaginava. O homem culto chegou avoar melhor do que as aves: nadar melhor do que os peixes; libertou-se dojugo da distância e do tempo; realiza na América o que concebeu na

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Europa, alguns segundos antes; ouve as vozes dos que morreram,conservada em lâminas, com o seu timbre, e as inflexões da dor e daalegria; imortaliza-se, arquivando a palavra articulada, com todas as suascaracterísticas, e as suas formas e seus movimentos com todas as minucias;e enquanto, mágico, inesgotável, vai transformando o mundo e lutandocontra o absolutismo da morte , fazendo reviver as vozes que ela extinguiu,as formas que ela decompoz, o homem se esquece de transformar-se a simesmo, com a mesma vertiginosa rapidez. (Roquette-Pinto, 1917:XII).

A visão de mundo de Roquette-Pinto, baseada nas suas convicções positivistas: O

Amor por princípio, e a Ordem por base; O Progresso por fim (Viver para outrem – Viver

às claras) o coloca como um idealista5. Seus amigos positivistas, como Rondon, também

compartilham do mesmo ideal de progresso, imbuídos de um espírito de solidariedade e

amor à humanidade, aliás o princípio fundamental da Doutrina Positivista.

No pensamento grego, a philia está mais próxima da amizade, e inclui o afeto e o

desejo pelo bem de outro. Em Aristóteles, exigem-se condições bastante severas para a

philia recíproca: a familiaridade, a virtude e a igualdade. Também estas qualidades são

normas observadas no pensamento positivista.

Rondon parece ter se filiado ao movimento positivista mais ortodoxo ligado à igreja

positivista. Já Roquette-Pinto pertencia mais ao movimento intelectual e mantinha

amizades em todos os círculos, interessando-se por várias idéias e atividades, como bem o

comprovam suas atividades no rádio e cinema educativo, onde abordava diversos temas

aliando seus conhecimentos de médico e antropólogo com seus interesses artísticos e

literários. Sua ligação ao positivismo era confessa, conforme pode-se ver em seu Credo:

Creio que o homem e a natureza são exclusivamente governados porleis, imutáveis, superiores a quaisquer vontades;

Creio que a ciência integrando o homem no universo, criouem sua mentalidade, ao mesmo tempo, uma infinita modéstia e umasublime simpatia para com todos os seres;

Creio que a ciência mostrando ao homem como o ódio e oamor são condicionados pelas reações do se cérebro, deu-lhe aposse de si mesmo, permitindo que ele se transforme e se aperfeiçoeà custa das suas próprias forças;

Creio que a ciência, a arte e a indústria hão de transformar aterra no Paraíso, que nossos avós colocavam ... no outro mundo;

5.O positivismo sempre foi encarado como uma doutrina radicalmente racionalista, mas aqui no Brasil, ela seconfigura paradoxalmente. Isso já é percebido por Sérgio Buarque de Holanda em seu livro Raízes do Brasil(1989).

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Creio que ao lado das grandes forças egoístas que vivem nocoração dos homens, jazem ali tesouros imensos de altruísmo efraternidade que a vida em comum há de fazer desabrochar cadavez mais;

Creio nas leis da Sociologia positiva e por isso creio noadvento do Proletariado conforme foi estipulado por AugustoComte, que nele via uma sementeira dos melhores tipos, realmentedignos de elevação política;

Creio, por isso, que a nobre missão dos intelectuais –mormente professores – é o ensino e a cultura dos Proletários,preparando-os quando chegar a sua hora;

Creio que sendo muito difícil conciliar os interesses daOrdem com o Progresso, muitas vezes antagônicos, só existe ummeio de evitar perturbação e desgraça: - resolver tudo à luz doaltruísmo e, principalmente da fraternidade;

Creio que a ordem material deve ser mantida, mormente nointeresse das mulheres, que são a melhor parte de todas as pátrias,e das crianças, que são a pátria do futuro;

Creio que no estado de inquietação do Mundo Moderno sóhá um meio de manter a ordem material; é garantir a mais ampla edefinitiva liberdade espiritual;

Creio cegamente no postulado de Fritz Muller: “Opensamento deve ser livre como a respiração. (Roquette-Pinto apudMatheu, 1984).

A imagem pessoal é uma imagem constituída por conteúdos do inconsciente

pessoal e por uma situação da consciência pessoalmente condicionada. A imagem que

Roquette-Pinto tem de si é manifestada em várias ocasiões como a de um homem seguro

de si, lutador e com grande força de vontade, bem expressada em “Rondônia” (1917: ),

quando diz: “Para os povos, como para os indivíduos, a auto-sugestão do valor próprio é

uma força imensa, visto que o homem decreta a própria ruína no dia em que desanima”.

É na fazenda de seu avô, chamada de Bela Fama, que vive quando menino. Sua

vida intelectual foi despertada desde cedo sendo educado num colégio da elite carioca.

Aparentemente sua vida discorreu num ambiente cheio de amenidades, o que contrasta

muito com a realidade nacional da época, onde os conflitos provocados por anseios de

modernização eram constantes e o conceito de nação estava ainda se definindo.

O mal estar provocado pelo sentimento de uma cultura considerada inautêntica,

imitativa, tem marcado profundamente nossa intelectualidade. Isso ocorre desde os tempos

da Independência e tem se manifestado através de todos os movimentos culturais. A voz

romântica de Castro Alves (1847-1871) já anunciava esse impasse . Os ideais nacionalistas

aparecem como sentimento antilusitanos e vão aos poucos se manifestando. A imagem de

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brasileiro tecida por José de Alencar, faz uma idealização do índio, buscando na relação de

seus personagens Iracema-Martim e Peri-Ceci uma síntese do índio com o europeu,

criando uma mitologia que visa uma situação conciliadora. Na verdade, está propondo um

sincretismo que irá perpassar toda a literatura brasileira, culminando com o romance

Maíra, de Darcy Ribeiro. Em oposição a esse ponto de vista, surgiu a figura de Joaquim

Nabuco (1849-1910) que sempre se colocou numa posição nitidamente européia, dando

origem a linhagem de pensadores voltados para esse ponto de vista.

Com Euclides da Cunha se evidencia o grande conflito do intelectual brasileiro.

Como jornalista, Euclides vai para Canudos e sofre o impacto da realidade estarrecedora.

Como Roquette-Pinto, seu admirador confesso, era positivista, mas o ideal positivista,

impresso na bandeira nacional, Ordem e Progresso, não condiz com a realidade nacional.

Quando pensamos no texto de Roberto da Matta (1986:31) Sobre a casa, a rua e o

trabalho, que fala do malandro como aquele que vive na rua sem trabalhar e ganha o

máximo com um mínimo de esforço e, a figura que se lhe contrapõe, a do caxias, que

talvez não seja a do trabalhador, mas a daquele que cumpre a lei, nos voltamos para duas

figuras emblemáticas de nossa cultura literária: Macunaíma, o malandro e, Policarpo

Quaresma, o caxias.

Com seu “Triste fim de Policarpo Quaresma”, Lima Barreto (Barreto, 1997:17)

também denuncia a decepção daquele que é movido por um ideal. Isto é evidenciado já de

início pela epígrafe, atribuída ao historiador Renan:

“O grande incoveniente da vida real e o que a torna insuportável ao homemsuperior é que, se para ela transportarmos os princípios do ideal, asqualidades se tornam defeitos, de tal modo que freqüentemente o homemíntegro aí se sai menos bem que aquele que tem por causas o egoísmo e arotina vulgar”.

De todas as formas de evasão da realidade, a crença mágica no poder das idéias,

como bem explicita Sérgio Buarque de Holanda (1989:118-119), foi de todas a que nos

pareceu a mais dignificante. O positivismo foi uma idéia transplantada e que aqui teve

dificuldade de se implantar. Só assimilamos esses princípios de uma maneira sentimental.

Ainda levando em conta as observações de S. B. de Holanda, nota-se como os movimentos

de tendências reformadoras no Brasil são sempre promovidos pelas elites, com inspiração

intelectual. Os positivistas, em determinado momento, chegaram a formar a aristocracia do

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pensamento brasileiro. Mas seus ideais de probidade, sinceridade e desinteresse pessoal,

não eram forças suficientes para enfrentar políticos mais ativos e inescrupulosos.

Apesar de Roquette-Pinto ter encontrado muitos obstáculos na sua vida e ter

convivido com inúmeras decepções, a meu ver, podemos situá-lo numa situação vantajosa,

não só porque sua história familiar tenha sido propícia, mas também devido ao fato de ter

sido um homem de ciência que soube “estetizar” o desenvolvimento de seu trabalho,

científico e técnico, aliado ao amor que tinha pelo fazer manual e a cultura popular.

Concluindo, as características de sensibilidade de Roquette-Pinto podem assim ser

sintetizadas: entrelaçamento entre as suas obras e os anseios da infância, suas aspirações

idealistas, sua luta pela educação do povo, seu espírito de amizade, o amor pelo trabalho

manual, sua poesia, sua paixão pela natureza, sua busca do saber e a sua infinita

curiosidade.

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REFERÊNCIAS ICONOGRÁFICAS

Ilustração I: Fotografia: Roquette-Pinto, enquanto Diretor do Museu Nacional. Fonte:

Arquivo Nacional (não há referência a data da foto, que é proveniente dos

arquivos do antigo jornal carioca Correio da Manhã).

Ilustração II: Fotografia: Roquette-Pinto com índios Kozáinis. Fonte: Cópia obtida da

primeira edição do livro Rondônia, (1917), de autoria de Roquette-Pinto.

Ilustração III: Fotografia: Roquette-Pinto na inauguração da Rádio Municipal, depois

chamada Rádio Roquette-Pinto. Fonte: Arquivo Nacional.

Ilustração IV:Fotografia: Roquette-Pinto e o Presidente Getúlio Vargas. Fonte: Arquivo

Nacional.