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UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO
LATO SENSU EM DIREITO MILITAR
PAULO DE TARSO AUGUSTO JUNIOR
INTERROGATÓRIO NA JUSTIÇA MILITAR EM FACE DAS ALTERAÇÕES NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL COMUM
SÃO PAULO - SP 2011
UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO MILITAR
Interrogatório na Justiça Militar em face das alterações no Código
de Processo Penal Comum
PAULO DE TARSO AUGUSTO JUNIOR
Orientador: Prof. MS. Cícero Robson Coimbra Neves
Monografia apresentada na Universidade Cruzeiro do Sul como parte dos requisitos para a aprovação no Curso de Pós-graduação lato sensu em Direito Militar.
São Paulo - SP
2011
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UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO MILITAR
Interrogatório na Justiça Militar em face das alterações no Código de Processo Penal Comum
Paulo de Tarso Augusto Junior
Monografia apresentada na Universidade Cruzeiro do Sul como parte dos requisitos para a aprovação no Curso de Pós-graduação lato sensu em Direito Militar.
Data de aprovação ____/____/____ Nota: Banca Examinadora: _____________________________________________ _____________________________________________ _____________________________________________
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DEDICATÓRIA
A Deus que me colocou nesse caminho, abrindo as portas do conhecimento. Aos meus pais que, apesar do pouco tempo em que tive a oportunidade de convivência, puderam mostrar a importância da honestidade e do aprendizado À Ana Paula Zanelatto, minha companheira fiel e dedicada, que tem sido uma companheira incansável e apoiadora A minha linda filha Giovanna, minha inspiração.
5
AAGGRRAADDEEÇÇOO......
À minha querida e estimada mulher Ana Paula que com toda compreensão ficou ao
meu lado durante este tempo de cumplicidade, suportando meus momentos de mau humor.
A Giovanna, minha linda filha, que tem demonstrado a cada dia a menina mulher
maravilhosa que no futuro será.
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AUGUSTO JUNIOR, Paulo de Tarso. Interrogatório na Justiça Militar em face das alterações no Código de Processo Penal Comum. 65p. Monografia (Pós-graduação lato sensu em Direito Militar) – Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo, 2011
RESUMO
O interrogatório é o meio de prova e de defesa em que o réu poderá apresentar sua versão sobre os fatos que estão sendo lhe imputados. A Constituição Federal de 1988 trouxe em seu texto uma série de princípios os quais devem ser aplicados de forma absoluta na legislação infraconstitucional. O legislador brasileiro realizou nesta década uma série de mudanças na legislação processual penal, porém a legislação militar foi esquecida, criando uma situação diferenciada. Em que pese o Código de Processo Penal tratar de uma legislação especial, as alterações promovidas na legislação processual penal comum devem ser aplicada na legislação militar, pois estas modificações tiveram como fundamento adequação à nova ordem constitucional, aplicando de forma correta os princípios do Devido Processo Legal, da Ampla Defesa e do Contraditório.
Palavras Chave: Interrogatório; Princípios constitucionais. Do Devido Processo Legal; Ampla Defesa; Contraditório. Alteração na legislação processual penal comum. Aplicação da legislação militar.
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AUGUSTO JUNIOR, Paulo de Tarso. Interrogation in the military justice in the face of changes in the Code of Criminal Procedure Policy. 65p. Monograph (Postgraduate broadly on Military Law) – Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo, 2011
ABSTRACT
Interrogation is the evidence and defense in which the defendant may present his version of the facts that you are being charged. The Constitution of 1988 brought in its text a set of principles which must be applied in absolute constitutional legislation. Brazilian legislators made this decade a number of changes in criminal procedure law, military law but has been forgotten, creating a different situation. In spite of the Criminal Procedure Code dealing with special legislation, the changes made in the ordinary criminal procedural law should be applied in military law, because these changes have fitness as the foundation of the new constitutional order, correctly applying the principles of Due Process Of Law Defense of Broad and contradictory.
Keywords: Interrogation; Constitutional principles. Due process, legal defense, adversarial. Changes in common law criminal procedure. Application of military law.
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SUMÁRIO
Introdução 09
1. Dos Princípios Constitucionais 11
1.1 Do Devido Processo Legal 13
1.2 Da Ampla defesa 15
1.2.1 Ter conhecimento claro da imputação 15
1.2.2 Poder apresentar alegações contra a acusação 22
1.2.3 Direito de acompanhamento da prova e fazer contraprova 24
1.2.4 Ter defesa técnica por Advogado 25
1.2.5 Poder recorrer da decisão desfavorável 29
1.3 Do Contraditório 30
2. Natureza jurídica do Interrogatório 33
3. Alterações no Código de Processo Penal no tocante ao
interrogatório
40
3.1 Presença do defensor 41
3.2 Direito à entrevista prévia 43
3.3 Direito ao silêncio 46
3.4 Perguntas pelas partes ao réu 50
3.5 Presença do curador 54
3.6 Momento da realização do interrogatório 56
Conclusão 61
Referências 63
9
Introdução
O Código de Processo Penal Militar entrou em vigor por força do Decreto-lei
nº 1.002, de 21 de outubro de 1069, substituindo o Código da Justiça Militar,
aprovado pelo Decreto-lei nº 925, de 02 de dezembro de 1938.
O Processo Penal Militar reger-se-á pelas normas contidas no Código de
Processo Penal Militar, em tempo de paz e em tempo de guerra, conforme disciplina
o art. 1º deste Codex.
Se analisarmos o tempo de existência do Código de Processo Penal Militar
com o Código de Processo Penal Comum, aprovado por intermédio do Decreto-lei nº
3.931, de 11 de dezembro de 1941, poderíamos afirmar que a legislação castrense
seria mais atualizada, no entanto a legislação processual penal comum sofreu
inúmeras alterações, em especial após o advento da Constituição Federal Cidadã,
em 1988.
Infelizmente, o legislador brasileiro, possivelmente com repudia ao
militarismo, deixou de promover as alterações devidas na legislação militar,
tornando-o inadequado, desatualizado e injusto.
Neste trabalho não iremos apresentar todas as alterações promovidas na
legislação processual penal comum, mas tão somente aquelas que regularam o
interrogatório do acusado, ou seja, a Lei nº 10.792, de 01 de dezembro de 2003, a
Lei nº 11.689, de 09 de junho de 2008, Lei nº 11.719, de 20 de junho de 2008 e Lei
nº 11.900, de 08 de janeiro de 2009.
Estas duas leis produziram alterações no Código de Processo Penal,
possibilitando a presença do defensor durante o interrogatório, a possibilidade das
partes formularem perguntas ao réu, a garantia do direito de silencia não prejudicar
a defesa do réu e a realização do interrogatório no final da instrução.
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Como veremos, estas alterações possibilitaram a defesa de exercer o direito
constitucional consagrado na Carta Magna estabelecido no artigo 5º, inciso LV, do
contraditório e da ampla defesa.
Em que pese o texto constitucional e os seus princípios, a aplicação da lei
processual comum, mais recente e adequada ao Estado Democrático de Direito, não
tem aplicação imediata à legislação castrense, quer por ter um regramento próprio,
bem como os Tribunais Militares entenderem inaplicável na Justiça Militar.
Diante deste quadro, o militar está sujeito a uma legislação desatualizada e
contrária aos preceitos constitucionais, diferenciando ainda mais dos demais
cidadãos, ferindo o princípio da igualdade e descumprindo os princípios e garantias
constitucionais consagrados no artigo 5º da Carta Magna brasileira.
Este trabalho visa apresentar uma abordagem acerca dos princípios
constitucionais “Do devido processo legal”, Da Ampla Defesa” e “Do Contraditório”.
Em seguida, irá abordar a natureza jurídica do interrogatório e finalmente as
alterações produzidas na legislação processual penal comum e seus reflexos na
legislação castrense.
A crítica que se faz à legislação castrense tem por escopo mostrar a
necessidade imediata de realizar profundas alterações na legislação militar, não
descaracterizando, mas mantendo os princípios basilares militares contextualizado a
Constituição vigente.
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1. Dos Princípios Constitucionais
Para Del Vecchio, citado por A. Machado Paupério (1990, p. 309), princípios
gerais do direito são exatamente os mesmos do direito natural, ou ainda, na visão de
Gény, são os decorrentes da natureza das coisas.
Afirma ainda A. Machado Paupério (1990, p. 310) que “qualquer sistema de
direito positivo baseia-se, em última análise, em determinado número de princípios
gerais que lhe dão, por assim dizer, unidade."
Celso Bastos esclarece que o papel dos princípios é:
Aos princípios costuma-se emprestar as seguintes funções. Em primeiro lugar, sobretudo nos momentos revolucionários, resulta saliente a função ordenadora dos princípios. As revoluções no mais das vezes são feitas em nome de poucos princípios, a partir dos quais extrair-se-ão os preceitos que, ao depois, mais direta e concretamente regerão a sociedade e o Estado. Outras vezes, os princípios desempenham uma ação imediata, na medida em que tenham condições para serem auto-executáveis. Exercem, ainda, uma ação tanto no plano integrativo e construtivo, como no essencialmente prospectivo. (1997, p. 55/56)
A Constituição brasileira, promulgada em 05 de outubro de 1988, consagrou
uma série de direitos e garantias constitucionais. Diante do quadro de transição ao
regime democrático, em que foi instalada a Assembléia Nacional Constituinte,
alguns princípios, que estavam inseridos na legislação infraconstitucional, foram
erigidos à classe constitucional, alargando de forma significativa o campo dos
direitos e garantia constitucionais.
Segundo Luis Roberto Barroso:
Os princípios constitucionais são, precisamente, a síntese dos valores principais da ordem jurídica. A Constituição (...) é um sistema de normas jurídicas. Ela não é um simples agrupamento de regras que se justapõem ou que se superpõem. A idéia de sistema funda-se na de harmonia, de partes que convivem sem atritos. Em toda ordem jurídica existem valores superiores e diretrizes fundamentais que ´costuram´ suas diferenças partes. Os princípios constitucionais consubstanciam as premissas básicas de uma dada ordem jurídica, irradiando-se por todo sistema. Eles indicam o ponto de partida e os caminhos a serem percorridos. (1993, p. 285)
12
Paulo Bonavides, por sua vez asseverou que:
Ora, sendo a Constituição um sistema de regras e princípios que resulta do ´consenso social sobre os valores básicos´, e considerando mais, que os princípios, dada a sua qualidade normogenética, fundamentam as regras, parece bastante fácil compreender que os princípios estão no ponto mais alto da pirâmide normativa, são “norma das normas”, “fonte das fontes”. Nas palavras de BONAVIDES, “são qualitativamente a viga mestra do sistema, o esteio da legitimidade constitucional, o penhor da constitucionalidade das regras de uma constituição. (1999, p. 358)
Os princípios, fora do âmbito jurídico, são como idéias ou pensamentos
básicos e fundamentais para a criação de um conjunto de regras e preceitos.
No artigo 5º, da Magna Carta, o legislador constituinte inseriu uma série de
direitos e garantias individuais, que tem relação direta com o processo penal. Neste
trabalho, serão abordados somente alguns princípios que tem relação com o
assunto em questão.
Celso Bastos, ao comentar sobre os princípios constitucionais, esclarece:
Os princípios constitucionais são aqueles que guardam os valores fundamentais da ordem jurídica. Isto só é possível na medida em que estes não objetivam regular situações específicas, mas desejam lançar a sua força sobre todo o mundo jurídico. Alcançam os princípios esta meta à proporção que perdem o seu caráter de precisão de conteúdo, isto é, conforme vão perdendo densidade semântica, eles ascendem a uma posição que lhes permite sobressair, pairando sob uma área muito mais ampla do que uma norma estabelecedora de preceitos. Portanto, o que o princípio perde em carga normativa, ganha como força valorativa a espraiar-se por cima de um sem-número de outras normas. O reflexo mais imediato disto é o caráter do sistema que os princípios impõem à Constituição. Sem eles, a Constituição se pareceria mais com um aglomerado de normas que só teriam em comum o fato de estarem juntas no mesmo diploma jurídico, do que um todo sistemático e congruente. Desta forma, por mais que certas normas constitucionais demonstrem estar em contradição, esta aparente contradição deve ser minimizada pela força catalisadora dos princípios. (1997, p. 153/254)
Afranio Silva Jardim (2003, p.40), citando Eliézer Rocha, define princípios
processuais como sendo as idéias diretoras dentro da sistemática dos Códigos de
Processo. Eles encarnam o conteúdo da política processual. Assim o legislador
formula o princípio e o situa dentro do código, ou deixa que o intérprete tenha o
trabalho de os procurar e determinar dentro da vasta teoria geral do processo.
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1.1 Do Devido Processo Legal
A instrução criminal é um conjunto de atos visando à aplicação da lei. É por
intermédio do processo que o juiz, como órgão soberano do Estado, exerce sua
atividade jurisdicional e busca a solução mais justa.
Segundo Fernando da Costa Tourinho Filho (2001, p. 11/12): “o processo
consiste assim uma sucessão de atos que iniciam com a denúncia ou queixa e
culminam com a decisão final do órgão jurisdicional pondo fim ao litígio, dando a
cada um o que é seu.”
É por intermédio do processo penal que se limita o poder estatal, pois as
normas processuais devem ser cumpridas pelo juiz, bem como pelas partes. Sobre
esta afirmação, trazemos a lição de Klaus Tiedemann que diz:
A situação de conflito entre o cidadão e Estado no processo penal que surge da concretização do fato típico exige uma regulação jurídica o mais exata possível e uma limitação dos poderes estatais, bem como dos direitos e obrigações não só do suspeito, mas também de outros participantes do processo penal ... (2007, p. 145/146)
Do processo irradiam outros institutos fundamentais, tais como a jurisdição, a ação
e a defesa.
Vicente Grecco Filho traz uma importante lição acerca do processo. Este
possui uma dupla garantia, sendo uma ativa e outra passiva.
O processo é garantia ativa por que, diante de uma ilegalidade, pode a parte dele utilizar-se para a reparação dessa ilegalidade. Nesse sentido, existe a garantia do habeas corpus. (...) O processo diz-se uma garantia passiva porque impede a justiça pelas próprias mãos, dando ao acusado a possibilidade da ampla defesa contra a pretensão punitiva do Estado, o qual não pode impor restrições da liberdade sem o competente e devido processo legal. (2011, p. 33)
No exame das garantias do devido processo legal, deve ser abrangido às
garantias das partes e da atividade jurisdicional.
A garantia do devido processo legal tem como origem o artigo 39 da Magna
Carta, outorgada em 1215 por João Sem-Terra a seus barões na Inglaterra. No texto
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original falava-se Law of the land e em textos posteriores mencionaram como Due
Process of Law. Ao consagrar este direito, o Soberano estava limitando seu poder.
Esta garantia foi transcrita nas Emendas V e XIV da Constituição Norte-
americana, bem em diversas Constituições Européias: italiana, portuguesa,
espanhola, alemã, belga.
Afirma Antonio Scarance Fernandes (2007, p. 47) que: “predominou
inicialmente uma visão individualista do devido processo legal, destinado a
resguardar direitos públicos subjetivos das partes.”
No entanto esta tendência foi afastada, conforme posição de Ada Pellegrini
Grinover (1988, p. 2), em que as regras do devido processo legal são garantias, não
direitos, das partes e do justo processo.
Em nossa Constituição Federal, promulgada em 05 de outubro de 1988,
consagra no seu artigo 5º, inciso LIV que: “ninguém será privado da liberdade e de
seus bens sem o devido processo legal.
É, portanto na Constituição Federal que o processo penal irá encontrar sua
fundamentação, visto que nela estão consagrados os princípios do regimes
adotados por uma nação.
O texto legal não pode estar em dissonância com a Carta Magna, em
especial a vigente, denominada Constituição Cidadã, em que “... o sistema brasileiro
revela uma diretriz inequívoca de valorização da pessoal humana.” (Grecco Filho,
2011, p. 40)
Guilherme de Souza Nucci afirma:
Se eventualmente uma norma-regra, constante na Constituição, chocar-se com outra norma, sendo esta última um direito fundamental (norma-princípio), por exemplo, deve prevalecer este último, homenageando-se o valor a ele atribuído pelo poder constituinte originário. Vê-se, pois, que os direitos e garantias individuais são considerados axiologicamente superiores a outras normas constitucionais que não tenham o mesmo valor, embora, sempre que possível, deva o intérprete conciliar causais contradições, sem que haja prevalência de uma norma
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sobre a outra. Essa superioridade decorre, como já mencionado, da necessidade imposta pelo Estado Democrático de Direito, afinal, democracia não significa somente o exercício do poder da maioria, mas também o respeito pelos direitos da minoria. (2008, p. 69)
Em conclusão, se uma norma infraconstitucional chocar-se contra a
Constituição, em especial, no tocante aos direitos e garantias individuais,
prevalecerá à norma Constitucional.
Importante lição de Afranio Silva Jardim ao afirmar que o devido processo
legal não pode ser resumido aos princípios extraídos da Constituição Federal. Afirma
que:
A cláusula do ’devido processo legal’ deve significar hoje mais do que significava em épocas passadas. Assim, a questão não mais pode se restringir à consagração de um processo penal de partes, com tratamento igualitário, onde o réu seja um verdadeiro sujeito de direito e não mero objeto de investigação. (...) Agora, queremos mais do ‘devido processo legal’, até mesmo porque aquelas matérias mereceram consagração específica na Constituição de 1988, o que denota que o princípio que ora nos ocupa tem campo de incidência mais abrangente, campo mais fértil. (2003, p. 318)
1.2 Da Ampla defesa
Além do princípio do devido processo legal, detraímos de nossa Constituição
Federal o princípio da ampla defesa e do contraditório. Para alguns doutrinadores
estes dois princípios, ampla defesa e contraditório, é extraído do princípio do devido
processo legal, pois este, conforme ensinamento de Vicente Grecco Filho (2011, p.
47), “significa o adequado processo, ou seja, o processo que assegure a igualdade
das partes, o contraditório e a ampla defesa.
1.2.1 Ter conhecimento claro da imputação
Como ampla defesa, assegura ao acusado, o conhecimento claro da
imputação, que ocorre no momento da citação. Em que pese não ser objeto direto
do tema a ser abordado neste trabalho, merece ressaltar mais uma omissão do
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legislador brasileiro ao excluir a legislação castrense a devida alteração do artigo
366 do Código de Processo Penal.
A citação é o meio pelo qual dá ciência da acusação ao réu, devendo ser
realizada pessoalmente (mandado, precatória, rogatória, requisição ou carta de
ordem). Somente quando o réu não é localizado, que se procede à citação por
edital, ou conhecidamente como citação ficta.
Se o réu citado por edital não comparece na instrução ou não manda seu
defensor, o processo ficará suspenso, assim como a prescrição ficará suspensa até
que seja localizado e devidamente citado. Esta alteração deve-se à Convenção
Americana sobre Direitos Humanos,1 ratificado pelo Decreto 678/92, que assegura a
citação pessoal como exigência do devido processo legal. São garantia judiciais ter
ciência previamente e de forma pormenorizada da acusação que esta sendo
imputada, a fim de exercer seu direito constitucional de defesa.
1 Artigo 8º - Garantias judiciais 1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. 2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: a) direito do acusado de ser assistido gratuitamente por um tradutor ou intérprete, caso não compreenda ou não fale a língua do juízo ou tribunal; b) comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada; c) concessão ao acusado do tempo e dos meios necessários à preparação de sua defesa; d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor; e) direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado, remunerado ou não, segundo a legislação interna, se o acusado não se defender ele próprio, nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei; f) direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no Tribunal e de obter o comparecimento, como testemunhas ou peritos, de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos; g) direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada; e h) direito de recorrer da sentença a juiz ou tribunal superior. 3. A confissão do acusado só é válida se feita sem coação de nenhuma natureza. 4. O acusado absolvido por sentença transitada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos. 5. O processo penal deve ser público, salvo no que for necessário para preservar os interesses da justiça.
17
Em 17 de abril de 1996, foi promulgada a Lei nº 9.271, que alterou alguns
artigos do Código de Processo Penal, entre eles o art. 366, dando a seguinte
redação:
Art. 366 - Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312.
No entanto não foi promovida a devida alteração no Código de Processo
Penal Militar, sendo regulado pelos artigos 277 usque 293.
No artigo 277 prevê as hipóteses de citação de edital e no seu artigo 292
preconiza que “O processo seguirá à revelia do acusado que, citado, intimado ou
notificado para qualquer ato do processo, deixar de comparecer sem motivo
justificado.”
Além deste dispositivo, o artigo 412 reafirma as consequências do réu que
deixa de comparecer à audiência em que foi regulamente citado, quer pessoalmente
ou por edital, como segue:
Art. 412. Será considerado revel o acusado que, estando solto e tendo sido regularmente citado, não atender ao chamado judicial para o início da instrução criminal, ou que, sem justa causa, se prèviamente cientificado, deixar de comparecer a ato do processo em que sua presença seja indispensável.
Esta omissão legislativa fere os princípios constitucionais da ampla defesa e
do contraditório. Infelizmente o Superior Tribunal Militar não reconheceu a aplicação
do artigo 366 do Código de Processo Penal, em decisão de Embargos, tendo como
Ministro Relator Flavio Flores da Cunha Bierrenbach, conforme segue:
EMENTA: EMBARGOS. CITAÇÃO. EDITAL. NULIDADE. ART. 366, CPP. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE OMISSÃO. SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO. IMPREVISÃO LEGAL. PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL. 1. A aplicação subsidiária do Código de Processo Penal, no processo e julgamento de crimes militares, está regulada no artigo 3º, alínea "a", da lei processual penal militar. A regra exige, antes de tudo, a omissão para que se invoque a subsidiariedade. 2. A citação por edital e a revelia encontram regulamentação no Código de Processo Penal Militar, o que torna ausente a omissão necessária à invocação subsidiária. 3. O artigo 366, do Código de Processo Penal, tem
18
natureza dúplice, já que guarda norma de processo, como a suspensão, e de direito penal, como é o caso da suspensão da prescrição. Nesse caso específico, por representar restrição ao direito do acusado, em observância ao princípio da reserva legal, apenas por expressa disposição legal, e não pela via hermenêutica, é possível suspender o curso prescricional. 4. Configura omissão do legislador, e não do Poder Judiciário, a manutenção do texto do Código de Processo Penal Militar, a despeito de compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, como é o caso da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. 5. Embargos rejeitados. Decisão majoritária. (STM, Embargos nº 2006.01.049632-0 UF: DF Data da Publicação: 01/03/2007)
Discordo da posição formulada pelo Egrégio Superior Tribunal Militar, pois
manter a aplicação do disposto no Codex castrense está ferindo a norma
constitucional da ampla defesa, pois o acusado tem o direito de ter ciência da
acusação e somente após sua ciência que o processo deve prosseguir.
Surge então uma situação. Aplica-se o artigo 366 do Código de Processo
Penal por analogia na legislação castrense? Se o preconizado do artigo 366
contivesse somente norma processual, não haveria qualquer problema, pois admite-
se a aplicação analógica, pouco importando se em bonam ou malan partem.
No entanto o aludido comando traz conteúdo misto: penal e processual. A
legislação, doutrina e jurisprudência pátria não admite a analogia em malan partem.
Como resolver esta questão?
Quando da promulgação da Lei nº 9.271, de 17 de abril de 1996, os
doutrinadores divergiram quanto a forma de aplicação, apresentando três correntes:
a primeira que o artigo 366 poderia ser aplicado as crimes cometidos antes da sua
vigência; segunda corrente não permitia a aplicação do preconizado no artigo nos
crimes praticados anteriormente a promulgação da lei; e terceira corrente sugeria a
aplicação da norma pela metade, em que o processo ficava suspenso, mas o curso
prescricional não se interrompia. A Suprema Corte, bem como o Superior Tribunal
de Justiça adotaram a segunda teoria, em que não aplicava o artigo 366 aos crimes
cometidos antes da promulgação da referida legislação.
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No caso da Justiça Militar, não temos como aceitar a teoria adotada pelos
Tribunais Superiores, pois não se trata de uma situação transitória, pois a ausência
da norma na legislação castrense resultaria em sua inaplicação. A posição mais
coerente, até que seja revisto o artigo 277 do Código de Processo Penal Militar pelo
legislador ordinário, em adotar a terceira teoria, pois a suspensão do processo é de
suma importância com o fito de garantir o princípio da ampla defesa.
Flávio Piovesan (1997, p.68) assinala que “a Carta de 1988 introduz
inovações extremamente significativas no plano das relações internacionais (...), a
Carta de 1988 inova ao realçar uma orientação internacionalista jamais vista na
história constitucional brasileira.”
A decisão proferida pelo Superior Tribunal Militar afronta o texto
constitucional, bem como a Convenção Americana dos Direitos Humanos, pois uma
legislação infraconstitucional deve sujeitar-se aos Tratados Internacionais em que o
Brasil tomou parte. E ainda o próprio artigo 1º, § 1º que assim preconiza: “Nos casos
concretos, se houver divergência entre essas normas e as de convenção ou tratado
de que o Brasil seja signatário, prevalecerão às últimas.”
E ainda, na ocorrência de um conflito entre o Direito Internacional e o
Direito Interno, Flávia Piovesan (1997, p.123) traz uma importante lição:
Logo, na hipótese de eventual conflito entre o Direito Internacional de Direitos Humanos e o Direito Interno, adota-se o critério da prevalência da norma mais favorável à vítima. Em outras palavras, a primazia é da norma que melhor proteja, em cada caso, os direitos da pessoa humana. (1997, p.123)
O Supremo Tribunal Federal já se manifestou sobre o conflito entre um
tratado e uma legislação infraconstitucional conforme segue:
Os tratados ou convenções internacionais, uma vez regularmente incorporados ao direito interno, situam-se, no sistema jurídico brasileiro, nos mesmo planos de validade, de eficácia e de autoridade em que se posicionam as leis ordinárias, havendo, e conseqüência, entre estas e os atos de direito internacional público, mera relação de paridade normativa. (Precedentes. ADI 1480 / DF - DISTRITO FEDERAL AÇÃO DIRETA DE
20
INCONSTITUCIONALIDADE. Relator: Min. Celso de Mello. Julgamento: 26/06/2001)
Conforme o critério do próprio Supremo Tribunal Federal, a princípio, em
caso de conflito entre Tratado comum e lei infraconstitucional anterior, prevalece à
norma internacional, por ser mais recente (critério cronológico). Contudo, há de se
verificar se a norma mais recente é apta a revogar a anterior, ou seja, se é especial
em relação à norma anterior.
Segundo Valério de Oliveira Mazzuoli2, ao abordar o conflito entre tratados
e leis internas trouxe a seguinte afirmação:
O que ocorre, é que o § 2.º do art. 5.º da Constituição Federal, como se pode perceber sem muito esforço, tem um caráter eminentemente aberto, pois dá margem à entrada ao rol dos direitos e garantias consagrados na Constituição, de outros direitos e garantias provenientes de tratados. Está, a cláusula do § 2.º do art. 5.º da Carta da República, a admitir que tratados internacionais de direitos humanos entrem no ordenamento jurídico interno brasileiro a nível constitucional, e não no âmbito da legislação ordinária, como quer o Supremo Tribunal Federal. Nessa esteira, há quem sustente com brilhantismo, como Flávia Piovesan, que, quando a Carta da 1988 em seu art. 5.º, § 2.º, dispõe que "os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros direitos decorrentes dos tratados internacionais", a contrariu sensu, está ela "a incluir, no catálogo dos direitos constitucionalmente protegidos, os direitos enunciados nos tratados internacionais em que o Brasil seja parte". "Este processo de inclusão" – conclui esta ilustre Procuradora do Estado de São Paulo – "implica na incorporação pelo texto constitucional destes direitos".
No julgamento do Recurso Extraordinário nº 80.004-SE (RTJ 83/809) foi a de que
dentro do sistema jurídico brasileiro, onde tratados e convenções guardam estrita relação de
paridade normativa com as leis ordinárias editadas pelo Estado, a normatividade dos
tratados internacionais, permite, no que concerne à hierarquia das fontes, situá-los no
mesmo plano e no mesmo grau de eficácia em que se posicionam as nossas leis internas.
Trata-se da consagração do monismo moderado, cuja concepção já foi firmada e
sedimentada pelo Supremo Tribunal Federal, sem embargo de vozes atualíssimas a
proclamar a supremacia dos tratados de direitos humanos.
2Disponível em: < http://jus.com.br/revista/texto/1608/a-influencia-dos-tratados-internacionais-de-direitos-humanos-no-direito-interno> Acesso em 11.09.11.
21
Elisabete Eurich e Neudy Juliano Quadros trouxeram em seu artigo uma
decisão relevante sobre este tema, conforme seguir:
No dia 3 de dezembro de 2008, no julgamento do RE nº 466.343/SP3, em que se questionou a possibilidade ou não da prisão civil do depositário infiel, sendo relator o Ministro Cezar Peluso, o Plenário do STF decidiu por cinco votos a quatro, pela prevalência da tese defendida pelo Ministro Gilmar Mendes: a impossibilidade da prisão civil do depositário infiel prevista no Pacto de São José da Costa Rica, uma vez que os tratados de direitos humanos aprovados antes da edição da emenda nº 45/2004, como é o caso do referido Pacto, têm hierarquia de norma supralegal, ou seja, estão em um nível hierárquico intermediário - acima da legislação ordinária, mas abaixo das normas da Constituição. Desse modo, o Pacto de São José da Costa Rica torna inaplicável a legislação infraconstitucional que com ele seja conflitante, não havendo mais base legal para a prisão civil do depositário infiel, embora ela seja admitida pela Constituição Federal. Ressalte-se que o Ministro Celso de Mello, apesar de ter concluído pela inadmissibilidade da prisão civil do depositário infiel, defendeu a tese de que os tratados de direitos humanos aprovados antes ou não da emenda nº45/2004, têm hierarquia de norma constitucional. (2004, p.1)
De qualquer forma, um tratado de direitos humanos prevalece sobre uma
lei infraconstitucional, que é o caso do Código de Processo Penal Militar. Deveria o
Superior Tribunal Militar aplicar a suspensão do processo e da prescrição no caso
de ter havido uma citação por edital em que o réu não tenha comparecido, a fim de
garantir o princípio do devido processo legal.
Hans Kelsen afirmava:
Uma análise mais aprofundada mostra, porém, que o que se considera como conflito entre normas de Direito Internacional e normas de um Direito estadual não é de forma alguma um conflito de normas, que tal situação pode ser descrita em proposições jurídicas que de modo algum se contradizem logicamente. (1985, p. 343)
No julgamento do Recurso Extraordinário nº 466.343 e 349.703, o Supremo
Tribunal Federal, tendo como Relator o Ministro Cezar Peluzo decidiu que os
Tratados Internacionais sobre Direitos Humanos, desde que ratificados pelo Brasil,
são supralegais, ou seja, hierarquicamente superiores às normas
infraconstitucionais.4
3 Disponível em <http://www.stf.jus.br/imprensa/pdf/re466343.pdf> Acesso em 11.09.11. 4 Disponível em <http://www.stf.jus.br/imprensa/pdf/re466343.pdf> Acesso em 14.09.11.
22
Voltando ao princípio da ampla defesa, importante lição traz Fernando
Capez, ao afirmar:
Implica o dever de o Estado proporcionar a todo o acusado a mais ampla defesa, seja pessoal (autodefesa), seja técnica (efetuada por defensor) (CF, art. 5º, LV), e o de prestar assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados (CF, art. 5º, LXXIV). Desse princípio também decorre a obrigatoriedade de se observar a ordem natural do processo, de modo que a defesa se manifeste sempre em último lugar (2011, p. 64)
1.2.2 Poder de apresentar alegações contra a acusação
A ampla defesa possibilita ao réu, além de ter direito de conhecer de forma
clara a imputação que lhe é formulada, também o poder de apresentar alegações
contra a acusação.
Na legislação castrense, inexiste a oportunidade da defesa em contraditar
tecnicamente a denúncia, restando somente o remédio do habeas corpus em face
da falta de justa causa. Somente no final da instrução que a defesa poderá
apresentar seus argumentos fáticos e jurídicos, podendo ocorrer que o réu se sujeite
a um processo cujas provas de inocência são claras.
O caput do artigo 407 e seu parágrafo único do Código de Processo Penal
estabelecem que após o interrogatório do réu, abrirá o prazo de quarenta e oito
horas que o acusado, neste caso, seu defensor, oponha as exceções previstas nos
artigos 128 a 155 da legislação castrense. No entanto, qualquer alegação de defesa
será apreciada somente no julgamento, não prevendo expressamente uma análise
preliminar pelo juízo militar.
Diz o artigo 407 do Código de Processo Penal:
Art. 407. Após o interrogatório e dentro em quarenta e oito horas, o acusado poderá opor as exceções de suspeição do juiz, procurador ou escrivão, de incompetência do juízo, de litispendência ou de coisa julgada, as quais serão processadas de acordo com o Título XII, Capítulo I, Seções I a IV do Livro I, no que for aplicável. Matéria de defesa Parágrafo único. Quaisquer outras exceções ou alegações serão recebidas como matéria de defesa para apreciação no julgamento.
23
Não pode o Juiz de Direito Militar ou o Conselho de Justiça decidir pela
absolvição sumária ante a prova irrefutável de excludente de tipicidade, ilicitude ou
culpabilidade.
Com a edição da Lei nº 11.719/2008, em que se estabelece uma resposta
preliminar da defesa, no prazo de 10 dias após a citação do réu, ficou ainda mais
distante a consagração do direito da ampla defesa na Justiça Militar. Assim
disciplina:
Art. 396. Nos procedimentos ordinário e sumário, oferecida a denúncia ou queixa, o juiz, se não a rejeitar liminarmente, recebê-la-á e ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias.
O direito de apresentar as alegações contra a acusação está consagrado
no artigo 396A, introduzida pela aludida lei, que preconiza:
Art. 396-A. Na resposta, o acusado poderá argüir preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário
Esta atual redação é bem diferente a que dispunha o artigo 395, revogado,
estabelecendo que “O réu ou seu defensor poderá, logo após o interrogatório ou no
prazo de três dias, oferecerem alegações escritas e arrolar testemunhas.”
Na legislação comum, por celeridade e até mesmo em respeito à dignidade
da pessoa humana, permite ao magistrado absolver sumariamente o réu nas
seguintes hipóteses:
Art. 397. Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos, deste Código, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar: I - a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; II - a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade; III - que o fato narrado evidentemente não constitui crime; ou IV - extinta a punibilidade do agente a omissão não para por aí.
Por falta de previsão legal, no procedimento à luz do Código de Processo
Penal Militar deve terminar a instrução criminal, com a oitiva do acusado, das
24
testemunhas da acusação e da defesa, para que o Juízo Militar decida, salvo se
houver a renúncia das partes em produzir as provas orais, ante ao flagrante caso de
absolvição. Neste caso, fica a critério do Juízo e das partes para evitar um
desperdício de tempo.
1.2.3 Direito de acompanhamento da prova e fazer contraprova
A ampla defesa assegura ainda ao réu o poder de acompanhar a prova
produzida e fazer contraprova. Este direito somente será possível se o réu tiver sido
regulamente citado e, no caso da citação por edital, tiver comparecido ou
apresentado defensor na audiência.
Como poderá a defesa fazer a contraprova se o réu não tiver sido citado?
Durante o inquérito policial, o acusado não detém o direito de contrapor as provas
colhidas pela autoridade policial civil ou militar. Poderá até formular pedido ao
presidente do inquérito policial, que irá realizar se achar conveniente, conforme
preceitua o artigo 14 do Código de Processo Penal: “O ofendido, ou seu
representante legal, e o indiciado poderão requerer qualquer diligência, que será
realizada, ou não, a juízo da autoridade.”
No processo, o réu passa de um simples objeto de investigação, nas
palavras de José Frederico Marques (1998, p. 68) para um sujeito de direitos, em
que poderá acompanhar toda a instrução processual. Fernando da Costa Tourinho
Filho tece o seguinte comentário:
A presença do imputado no curso do processo é necessária, apesar de não ser indispensável. É em relação a ele que se propõe a ação penal e, por isso, cumpre-lhe defender-se. Deixando de comparecer em juiz, muito embora em princípio tal fato não lhe seja prejudicial, mesmo porque o juiz não pode deixar de nomear-lhe um defensor, contudo, estando presente, poderá fazer sugestões ao seu Advogado, no sentido de formular perguntas às testemunhas, esclarecendo certas circunstâncias que possam possibilitar ao Advogado fazer a testemunha contradizer-se, ou, pelo menos, esclarecer melhor os fatos. (2009, p. 373/374)
25
Ada Pellegrini Grinover ensinava:
O réu, sujeito de defesa, não tem obrigação nem dever de fornecer elementos de prova que o prejudiquem. Pode calar-se ou até mentir. Ainda que se quisesse ver no interrogatório um meio de prova, só o seria em sentido meramente eventual, em face da faculdade dada ao acusado de não responder. A autoridade judiciária não pode dispor do réu como meio de prova, diversamente do que ocorre com as testemunhas; deve respeitar sua liberdade, no sentido de defender-se como entender melhor, falando ou calando-se, e ainda advertindo-o da existência da faculdade de não responder. (1976, p.29)
O artigo 403 do Código de Processo Penal assegura ao réu à participação
de todos os atos processuais, inclusive o sorteio do Conselho de Sentença, ex vi: “O
acusado preso assistirá a todos os termos do processo, inclusive ao sorteio do
Conselho de Justiça, quando Especial.”
1.2.4 Ter defesa técnica por Advogado
Outro direito inerente à ampla defesa é o fato de ter o réu a defesa técnica
por Advogado, cuja função é indispensável à Administração da Justiça.
A assistência técnica e profissional do advogado, para a defesa do réu
durante todo o processo e julgamento da acusação contra ele articulada, é uma
injunção legal, conforme estabelecido no item II da Exposição de Motivos do Código
de Processo Penal, nos exatos termos:
E se, por um lado, os dispositivos do projeto tendem a fortalecer e prestigiar a atividade do Estado na sua função repressiva, é certo, por outro lado, que asseguram, com muito mais eficiência do que a legislação atual, a defesa dos acusados. Ao invés de uma simples faculdade outorgada a estes e sob a condição de sua presença em juízo, a defesa passa a ser, em qualquer caso, uma indeclinável injunção legal, antes, durante e depois da instrução criminal. Nenhum réu, ainda que ausente do distrito da culpa, foragido ou oculto, poderá ser processado sem a intervenção e assistência de um defensor. A pena de revelia não exclui a garantia constitucional da contrariedade do processo. Ao contrário das leis processuais em vigor, o projeto não pactua, em caso algum, com a insídia de uma acusação sem o correlativo da defesa. (GN)
A presença do defensor em toda a fase do processo é obrigatória, devendo
o juiz designar um defensor público, caso o réu esteja revel ou que não compareça
com seu patrono constituído.
26
Assim disciplina o artigo 261 do Código de Processo Penal: “Nenhum
acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor.”
Redação semelhante está no Código de Processo Penal Militar, em seu
artigo 71, que assim determina: “Nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido,
será processado ou julgado sem defensor.”
Um aspecto relevante previsto na legislação castrense é a presença do
defensor do réu, ainda que revel, na audiência do interrogatório. É o que determina o
artigo 306, § 19º: “Se o acusado declarar que não tem defensor, o juiz dar-lhe-á um,
para assistir ao interrogatório. Se menor de vinte e um anos, nomear-lhe-á curador,
que poderá ser o próprio defensor.”
Esta redação era inexistente na legislação processual comum até o
advento da Lei nº 10.792/2003, que exigiu a presença do defensor do réu durante o
seu interrogatório, conforme segue: “O acusado que comparecer perante a
autoridade judiciária, no curso do processo penal, será qualificado e interrogado na
presença de seu defensor, constituído ou nomeado.”
Neste ponto a alteração legislativa não diferenciou a legislação castrense
da comum, no entanto outras alterações foram introduzidas em respeito ao devido
processo legal que deixaram de ser exigidas na legislação militar.
A presença do defensor é de suma importância, tanto que a audiência será
adiada se por motivo justificado o defensor não puder comparecer, nos termos do
artigo 265, § 1º, do Código de Processo Penal, em face da alteração introduzida pela
Lei 11.719/08.
Se o defensor não provar o seu impedimento até a abertura da audiência, o
juiz deverá nomear defensor substituto para a prática daquele ato, à vista do artigo
265, parágrafo segundo, do Estatuto Processual Comum.
27
No antigo texto processual penal comum, a ausência do defensor, ainda
que justificada, não autorizava o adiamento da audiência, o que acarretava um
prejuízo para a construção da defesa técnica e feria o princípio do contraditório, pois
o defensor nomeado para que ato desconhecia a linha de defesa. Assim dispunha o
artigo 265:
Art. 265. O defensor não poderá abandonar o processo senão por motivo imperioso, a critério do juiz, sob pena de multa de cem a quinhentos mil-réis. Parágrafo único. A falta de comparecimento do defensor, ainda que motivada, não determinará o adiamento de ato algum do processo, devendo o juiz nomear substituto, ainda que provisoriamente ou para o só efeito do ato.
Infelizmente a legislação castrense não foi objeto de reforma. No entanto o
texto legal prevê a proibição do abandono do defensor do processo (art. 71, § 6),
bem como a imposição de penalidade ao defensor faltoso (art. 71, § 7º). Assim
dispõe o artigo 71 e seus parágrafos do Código de Processo Penal Militar:
Art. 71. Nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor. Constituição de defensor 1º A constituição de defensor independerá de instrumento de mandado, se o acusado o indicar por ocasião do interrogatório ou em qualquer outra fase do processo por termo nos autos. Defensor dativo 2º O juiz nomeará defensor ao acusado que o não tiver, ficando a este ressalvado o direito de, a todo o tempo, constituir outro, de sua confiança. Defesa própria do acusado 3º A nomeação de defensor não obsta ao acusado o direito de a si mesmo defender-se, caso tenha habilitação; mas o juiz manterá a nomeação, salvo recusa expressa do acusado, a qual constará dos autos. Nomeação preferente de advogado 4º É, salvo motivo relevante, obrigatória a aceitação do patrocínio da causa, se a nomeação recair em advogado. Defesa de praças 5º As praças serão defendidas pelo advogado de ofício, cujo patrocínio é obrigatório, devendo preferir a qualquer outro. Proibição de abandono do processo 6º O defensor não poderá abandonar o processo, senão por motivo imperioso, a critério do juiz. Sanções no caso de abandono do processo 7º No caso de abandono sem justificativa, ou de não ser esta aceita, o juiz, em se tratando de advogado, comunicará o fato à Seção da Ordem dos Advogados do Brasil onde estiver inscrito, para que a mesma aplique as medidas disciplinares que julgar cabíveis. Em se tratando de advogado de ofício, o juiz comunicará o fato ao presidente do Superior Tribunal Militar, que aplicará ao infrator a punição que no caso couber.
28
O artigo 74 do Código de Processo Penal Militar estabelece que a ausência
do defensor justificado resulte no adiamento da sessão, porém permite a realização
se for indispensável a sua presença.
Art. 74. A falta de comparecimento do defensor, se motivada, adiará o ato do processo, desde que nele seja indispensável a sua presença. Mas, em se repetindo a falta, o juiz lhe dará substituto para efeito do ato, ou, se a ausência perdurar, para prosseguir no processo. (GN)
Em que situação poderia o Conselho de Justiça entender ser dispensável a
presença do defensor? Se o artigo 133 da Constituição Federal prevê: “O advogado
é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e
manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.”
Em face da imprescindibilidade da presença do defensor em qualquer fase
do processo, não pode ser realizada a audiência, ainda que seja nomeado um
defensor ad hoc.
Guilherme de Souza Nucci (2006, p. 403) traz um julgado do Tribunal de
Justiça do Distrito Federal o qual considerou nulidade absoluta a ausência do
defensor no interrogatório, ao julgar o Habeas Corpus nº 2004.00.2.005446-2, sob a
relatoria do Desembargador Getulio Pinheiro, em 19.08.04, com votação unânime.
Além disto, a escolha do defensor cabe ao réu. O réu tem o direito de
escolher o seu próprio advogado, direito este consagrado inclusive no Pacto de São
José da Costa Rica, em seu artigo 8º, item 2, letra d.
Por isso, quando o advogado constituído não assume ou não prossegue no
patrocínio da causa, cabe ao juiz ordenar a intimação do réu para que, querendo,
escolha outro advogado. Antes dessa intimação ou enquanto não expirar o seu
prazo, não é lícito magistrado nomear defensor dativo sem expressa aquiescência
do réu.
29
Assim decidiu o Supremo Tribunal Federal:
Em tema de restrição à esfera jurídica de qualquer cidadão (e, com maior razão, em matéria de privação da liberdade individual), o Estado não pode exercer a sua autoridade de maneira abusiva ou arbitrária, desconsiderando, no exercício de sua atividade, o postulado constitucional da plenitude de defesa, pois o reconhecimento da legitimidade ético-jurídica de qualquer medida imposta pelo Poder Público – de que resultem consequências gravosas no plano dos direitos e garantias individuais – exige a fiel observância da garantia básica do devido processo legal”. (Habeas Corpus nº 92.091) 5
1.2.5 Poder de recorrer da decisão desfavorável
Tem ainda, como garantia do réu à ampla defesa, o direito de recorrer da
decisão desfavorável.
O princípio do duplo grau de jurisdição não está explicitado na Constituição
Federal, como ocorre com os outros princípios acima colecionados, mas se extrai da
interpretação do Capítulo III da Magna Carta, quando dispões os vários órgãos que
integra o Poder Judiciário e sua competência.
Por outro lado, conforme leciona Guilherme de Souza Nucci (2011, p. 91),
há expressa disposição no Pacto de São José da Costa Rica, em seu artigo 8º, item
2, letra h, a respeito do direito de recurso contra a sentença a juiz ou tribunal
superior.
Na legislação castrense, assim como ocorre na legislação penal comum,
prevê recursos de apelação, recurso em sentido estrito, dentre outros que
possibilitam o exercício deste direito, destacando que na Justiça Militar, em que o
júri não existe, permite que o tribunal superior reveja qualquer decisão proferida
pelos juízes de primeiro grau.
5 Disponível em: < http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/14776478/medida-cautelar-no-habeas-corpus-hc-92091-sp-stf> Acesso em 14.09.2011
30
1.3 Do Contraditório
Outro princípio que decorre do princípio Do Devido Processo Legal é o
Contraditório. Joaquim Canuto Mendes de Almeida (1973, p. 81) define o
contraditório como “a ciência bilateral dos atos e termos processuais e possibilidade
de contrariá-los.”
Pode-se afirmar também que do princípio do contraditório deriva o princípio
da igualdade, conforme lição de Afranio Silva Jardim (2003, p.40)
O princípio do Contraditório passou a integrar a Constituição brasileira em
1937, em seu art. 122, nº 11, segunda parte. Foi mantido nas Constituições
posteriores, de 1946 (artigo 141, § 25) e a de 1967 (artigo 140, § 16, renumerado
para artigo 153, § 16 em face da Emenda nº 1, de 1969).
Fernando Capez traz outra importante lição sobre a oportunidade de a
defesa contra-argumentar as provas produzidas:
A bilateralidade da ação gera a bilateralidade do processo, de modo que as partes poderão, em relação ao juiz, não são antagônicas, mas colaboradores necessários. (...) A importância do contraditório foi realçada com a recente reforma do Código de Processo Penal, a qual trouxe limitação ao livre convencimento do juiz na apreciação das provas, ao vedar a fundamentação da decisão com base exclusiva nos elementos informativos colhidos na investigação, exigindo-se prova produzida em contraditório judicial, ressalvadas as provas cautelares não repetíveis e antecipadas. (2011, p. 63)
Merece destaque o ensinamento de José Frederico Marques, ao comentar
sobre o princípio do contraditório:
Sem o contraditório não pode haver devido processo legal. Uma vez que a lide tem sentido bilateral, porque a sua parte nuclear é constituída por interesses conflitantes, o processo adquire caráter verdadeiramente dialético, enquanto que a ação, como diz CARNELUTTI, se desenvolve como contradição recíproca. (...) O princípio do contraditório – diz ROBERT WYNESS MILLAR – é inseparável da administração de uma justiça bem organizada e encontra sua expressão na parêmia romana do audiatur et alter pars, pois o juiz deve ouvir ambas as partes para poder decidir e julgar. (1998, p. 87)
Vicente Grecco Filho assinala:
31
Todos os atos do processo devem ser realizados de modo que a parte contrária possa deles participar, ou, pelo menos, possa impugná-los em contramanifestação. (...) Todavia, o que assegura o contraditório é a oportunidade de a eles se contrapor por meio de manifestação contrária que tenha eficácia prática. (...) O contraditório, que é o instrumento técnico da ampla defesa, deve estar presente em todo processo e não somente na instrução criminal, conforme dava a entender a redação defeituosa do texto constitucional anterior (2011, p. 48)
A lição de Antonio Scarence Fernandes sobre o contraditório é de singular
importância, conforme se vê:
No processo penal é necessário que a informação e a possibilidade de reação permitam um contraditório pleno e efetivo. Pleno porque se exige a observância do contraditório durante todo o desenrolar da causa, até o seu encerramento. Efetivo porque não é suficiente dar à parte a possibilidade formal de se pronunciar sobre os atos da parte contrária, sendo imprescindível proporcionar-lhe os meios para que tenha condições reais de contrariá-los. Liga-se, aqui, o contraditório ao princípio da paridade de armas, sendo mister, para um contraditório efetivo, estar as partes munidas de forças similares. (2007, p. 63)
No artigo 417, § 2º, disciplinava que a defesa tinha direito a arrolar até três
testemunhas, por sua vez, a acusação tinha o direito de arrolar até seis
testemunhas, o que demonstrava um desequilíbrio entre as partes. Atualmente não
existe dúvida quanto ao direito de ser arrolada o mesmo número de testemunhas. O
Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional este artigo ao apreciar o Habeas
Corpus nº 80.855-7/RJ
Assim decidiu o Superior Tribunal Militar6:
HABEAS CORPUS. ART. 417, § 2º, DO CPPM. DESIGUALDADE ENTRE O NÚMERO DE TESTEMUNHAS DE DEFESA E O DE ACUSAÇÃO. DISPOSITIVO PROCESSUAL CASTRENSE NÃO RECEPCIONADO PELA CONSTITUIÇÃO. Impetração visando a cassação do despacho que determinou a redução, a três testemunhas, do rol apresentado pela defesa. Preliminar de não conhecimento por inadequação da via eleita suscitada, de ofício, pelo Ministro-Relator, rejeitada por maioria. No mérito, configurado o cerceamento à ampla defesa em face da decisão que indeferiu o pedido de oitiva de quatro testemunhas de defesa, limitando a três. "Writ" procedente por afrontar as disposições do art. 417, § 2º, do CPPM, o princípio constitucional da isonomia entre as partes, ao estabelecer número de testemunhas de defesa aquém das apresentadas pelo Ministério Público Militar, previsto no art. 77, letra h, do mesmo Diploma Processual Castrense. Precedentes jurisprudenciais. Ordem concedida, à unanimidade de votos. (HC 34 34037/CE. 2005.01.034037-8. Rel. MIn. Marcus Herndl. Julgamento: 19/05/2005. Publicação: 27/06/2005).
6 Disponível em <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/6299662/habeas-corpus-hc-34037-ce-200501034037-8-stm > Acesso em 11.09.11.
32
No mesmo sentido temos o Habeas Corpus nº 2005.01.034028-77
apreciado pelo Superior Tribunal Militar:
HABEAS CORPUS. IGUALDADE NO NÚMERO DE TESTEMUNHAS ARROLADAS PELA DEFESA E PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. ISONOMIA PROCESSUAL. Pleito defensorial. Com o advento da Constituição Federal de 1988, tornou-se proibido tratamento diferenciado entre Acusação e Defesa, em obediência ao princípio da igualdade entre as partes. Inaplicabilidade do art. 417, § 2º, do CPPM. Inconstitucionalidade deste artigo declarada pelo STF na apreciação do Habeas Corpus nº 80. 855-7/RJ Concedida a ordem. Maioria. (HC 34029 CE 2005.01.034029-7. Relator: Marcos Augusto Leal de Azevedo. Julgamento: 12/05/2005. Publicação: 02/06/2005).
Ricardo Henrique Alves Giuliani (2007, p. 158) assevera que ainda assim
há uma violação ao princípio da isonomia. Pois, um sujeito acusado por dois delitos
em uma única denúncia, poderá o Ministério Público Militar arrolar até doze
testemunhas, enquanto sua defesa poderá arrolar apenas seis testemunhas.
Em face do princípio do contraditório não resta dúvida em que o número de
testemunhas das partes não exista diferenciação, quer haja um ou mais réus no
processo. Além disto, existe o princípio da igualdade, que no ensinamento de
Antonio Scarance Fernandes (2007, p. 68), “é aquele que coloca as duas partes em
posição de similitude perante o Estado e, no processo, perante o juiz.”
E prossegue: “Quando as duas partes são vistas em face de seus direitos e
puder ante um ato judicial, o tratamento diferenciado deve ser analisado à luz de
outro princípio, o da igualdade das partes.” (2007, p.68)
7 Disponível em <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/6298239/habeas-corpus-hc-34029-ce-200501034029-7-stm> Acesso em 11.09.11.
33
2. Da natureza jurídica do Interrogatório
Um dos atos mais importantes do processo, pois é por intermédio do
interrogatório que o juiz ouve do denunciado esclarecimentos acerca da imputação
que lhe foi feita pela acusação, possibilitando colher importantes informações para o
seu livre convencimento.
O interrogatório, na lição de Guilherme de Souza Nucci,
É uma ato processual que confere a oportunidade ao acusado de se dirigir diretamente ao juiz, apresentando sua versão defensiva aos fatos que lhe foram imputados pela acusação, podendo inclusive indicar meios de prova, bem como confessar, se entender cabível, ou mesmo permanecer em silêncio, fornecendo apenas dados de qualificação. (2006, p. 400).
Quanto à sua natureza jurídica, o interrogatório é o considerado, na
doutrina, como meio de prova, mas também como meio de defesa.
Segundo Julio Fabbrini Mirabete (2007, p. 272), por estar inserido no Título
VII – Da Prova, deve ser considerado que, perante a nossa legislação, o
interrogatório do acusado é um meio de prova.
Na mesma linha José Frederico Marques (1998, p. 296), tratando o
interrogatório como meio probatório, pois estaria inserido entre as provas arroladas
no Código de Processo Penal.
No entanto esta posição não é pacífica. O próprio José Frederico Marques
assinala outros doutrinadores que divergem de sua opinião, destacando Bento de
Faria e Edgar Costa, os quais conceituam como sendo unicamente um ato de
defesa.
Fernando da Costa Tourinho Filho (2009, p. 545) assevera que: “A despeito
de sua posição topográfica, no capítulo das provas, o interrogatório é meio de
defesa.”
34
E prossegue:
Se a República Federativa do Brasil tem como fundamento a dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III), se ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (CF, art. 5º, II), se ninguém poderá ser privado da sua liberdade sem o devido processo legal (CF, art. 5º, LIV), se o réu tem direito ao silêncio (CF, art. 5º, LXIII), se não há lei que obrigue o réu a falar a verdade, é induvidoso que o interrogatório (melhor seria denominá-lo declaração) é meio de defesa e não de prova. (2009, p. 547)
O Supremo Tribunal Federal, em decisão de Recurso de Habeas Corpus,
cuja relatoria coube ao Ministro Celso de Mello, considerou o interrogatório como
meio de defesa, conforme se vê abaixo:
Inicialmente, aduziu-se que, em face do advento da Lei 10.792/2003, o interrogatório passou a constituir um ato de defesa, além de se qualificar como meio de prova. Assim, salientando essa nova diretriz legislativa, asseverou-se que a falta do defensor ao ato de interrogatório do acusado pode representar situação de grave desrespeito ao seu direito de defesa, de modo a ensejar eventual nulidade do procedimento penal.” (RHC 89892/PR, rel. Min. Celso de Mello, julgado em 06.3.2007) 8
Lincoln Prates, citado por José Frederico Marques (1998, p. 296),
considera que o interrogatório é tanto um meio de prova como um meio de defesa.
Vicente Grecco Filho assinala que:
O entendimento mais aceito sobre a natureza do interrogatório é o de que é ato de defesa, porque pode nele esboçar-se a tese de defesa e é a oportunidade para o acusado apresentar sua versão dos fatos, mas é, também, ato de instrução, porque pode servir como prova. (2010, p. 215)
Guilherme de Souza Nucci considera o interrogatório como um meio de
defesa, primordialmente, mas em segundo plano, é meio de prova. Segundo o autor:
Note-se que o interrogatório é, fundamentadamente, um meio de defesa, pois a Constituição assegura ao réu o direito ao silêncio. Logo, a primeira alternativa se avizinha ao acusado é calar-se, daí não advindo consequência alguma. Defende-se apenas. Entretanto, caso opte por falar, abrindo mão do direito ao silêncio, seja lá o que disser, constitui meio de prova inequívoco, pois o magistrado poderá levar em consideração suas declarações para condená-lo ou absolvê-lo. (1999, p. 162)
8 Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=89892& classe=RHC&origem=AP&recurso=0&tipoJulgamento=M> Acesso em 14.09.2011
35
São, portanto, quatro posições acerca da natureza jurídica do
interrogatório, segundo Guilherme de Souza Nucci (2006, p. 400), a saber:
1ª Posição: é meio de prova, defendida pro Camargo Aranha;
2ª Posição: é meio de defesa, defendida por Galdino Siqueira, Manzini,
João Mendes Junior, Ada Pellegrini Grinover, Tourinho Filho, Adriano Marrey,
Alberto Silva Franco, Rui Stocco, Bento de Faria, Antonio Magalhães de Gomes
Filho, dentre outros.
3ª Posição: é meio de prova e de defesa, defendida por Frederico Marques,
Helio Tornagui, Mirabete, Vicente Grecco Filho, Marco Antonio Marques da Silva,
Carnelutti, dentre outros.
4ª Posição: é meio de defesa, primordialmente, mas em segundo plano, é
meio de prova, defendida por Hernando Londoño Jiménez, Ottorino Vannini,
Guilherme de Souza Nucci e Damásio Evangelista de Jesus.
O interrogatório é um ato do processo obrigatório, conforme preconizado
no artigo 302 do Código de Processo Penal Militar9, bem como no artigo 185 do
Código de Processo Penal10.
Durante o curso do processo, que segue até o trânsito em julgado da
decisão condenatória ou absolutória, o magistrado, na 1ª ou 2ª Instância, a qualquer
momento, fora do instante próprio, poderá ouvir o réu.
9 Art. 302. O acusado será qualificado e interrogado num só ato, no lugar, dia e hora designados pelo juiz, após o recebimento da denúncia; e, se presente à instrução criminal ou preso, antes de ouvidas as testemunhas. Comparecimento no curso do processo Parágrafo único. A qualificação e o interrogatório do acusado que se apresentar ou for preso no curso do processo, serão feitos logo que ele comparecer perante o juiz. 10 Art. 185. O acusado que comparecer perante a autoridade judiciária, no curso do processo penal, será qualificado e interrogado na presença de seu defensor, constituído ou nomeado
36
Afinal, é imprescindível que a autoridade judiciária ofereça ao réu a
oportunidade de se defender. Além disto, o juiz poderá ouvir novamente o réu,
conforme determinação no artigo 196 do Código de Processo Penal que diz: “A todo
tempo o juiz poderá proceder a novo interrogatório de ofício ou a pedido
fundamentado de qualquer das partes.”
A obrigatoriedade do interrogatório possibilita que o réu seja trazido
coercitivamente á presença do juiz, sendo que o réu poderá se reservar no direito de
permanecer em silêncio. É o que diz o artigo 260 do Código de Processo Penal: “Se
o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou
qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá
mandar conduzi-lo à sua presença.”
Guilherme de Souza Nucci (2006, p. 402) comenta que o interrogatório
deveria ser um ato facultativo e não obrigatório, pois inexiste necessidade de
constranger o réu a comparecer perante o juiz para que ele exerça do direito de
permanecer calado.
O Supremo Tribunal Federal11 já decidiu que o defensor técnico pode
considerar o interrogatório dispensável, de acordo com as circunstâncias do caso,
Julio Fabbrini Mirabete afirma que:
O interrogatório só é necessário quando o réu comparece até a decisão de primeira instância; depois disto, só deve ser realizado em face de determinação de superior instância quando esta entender útil ao esclarecimento dos fatos. (2007, p. 273)
A falta do interrogatório será considerada nulidade relativa, conforme
entendimento dos tribunais brasileiros, a luz do artigo 564, III, aliena e do Código de
Processo Penal e artigo 500, III, alínea c, do Código de Processo Penal Militar.
11 RTJ 75/760
37
Não haverá nulidade, se devidamente intimado não comparecer, pois não
pode argüir nulidade a parte que tinha dado causa, nos exatos termos do artigo 501
do Código de Processo Penal Militar que traz a seguinte redação: “Nenhuma das
partes poderá argüir a nulidade a que tenha dado causa ou para que tenha
concorrido, ou referente a formalidade cuja observância só à parte contrária
interessa.” Redação semelhante está estabelecido no artigo 565 do Código de
Processo Penal.12
Haverá nulidade e, desta vez, absoluta, se o réu não for intimado para o
seu interrogatório, cerceando o direito assegurado na Constituição Federal de ampla
defesa. A sua presença será analisada pela defesa convenientemente, pois é a
própria essência da autodefesa, como salienta Fernando Capez (2011, p. 225)
Na Lei nº 5.250, de 09 de fevereiro de 1967, que regulava o procedimento
de crime envolvendo a imprensa, que atualmente está suspensa sua eficácia em
face da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 130, trazia uma
importante regra que deveria ser adotada pela legislação comum, bem com o a
legislação castrense. Nesta lei especial previa a faculdade do réu em ser
interrogado, cabendo somente a ele requerer a sua oitiva, nos termos do artigo 45,
III, ex-vi:
Art. 45. Recebida a denúncia, o juiz designará data para a apresentação do réu em juízo e marcará, desde logo, dia e hora para a audiência de instrução e julgamento, observados os seguintes preceitos: I - se o réu não comparecer para a qualificação, o juiz considerá-lo-á revel e lhe nomeará defensor dativo. Se o réu comparecer e não tiver advogado constituído nos autos, o juiz poderá nomear-lhe defensor. Em um e outro caso, bastará a presença do advogado ou defensor do réu, nos autos da instrução; II - na audiência serão ouvidas as testemunhas de acusação e, em seguida, as de defesa, marcando-se novas audiências, se necessário, em prazo nunca inferior a oito dias; III - poderá o réu requerer ao juiz que seja interrogado, devendo, nesse caso, ser ele ouvido antes de inquiridas as testemunhas; (GN)
12 Art. 565. Nenhuma das partes poderá argüir nulidade a que haja dado causa, ou para que tenha concorrido, ou referente a formalidade cuja observância só à parte contrária interesse.
38
Permitir ao réu optar pelo seu interrogatório é possibilitar o exercício mais
amplo de defesa, pois caberá ao defensor decidir convenientemente se as
alegações verbais do acusado ajudarão em sua estrutura defensiva.
O direito brasileiro não pune o réu se vier a mentir durante o interrogatório.
Sobre esta assertiva, Vicente Grecco Filho (2011, p. 217) comenta que “no Direito
pátrio não há sanção para a mentira dita pelo acusado, ao contrário de outras
legislações que a punem com perjúrio, igual ao falso testemunho como uma forma
de “contempt of court (desacato ao juízo).”
José Frederico Marques (1998, p. 298), citando Stefano Costa, acrescenta
que “o réu não é obrigado a depor contra si próprio e tem o direito de responder
mentirosamente ao juiz que o interroga.”
O Supremo Tribunal Federal proferiu a seguinte decisão sobre a mentira do
acusado perante a autoridade policial ou judicial:
Esta Suprema Corte, fiel aos postulados constitucionais que delimitam, nitidamente, o círculo de atuação das instituições estatais, salientou que qualquer indivíduo que figure como objeto de procedimentos investigatórios, verbis: "...tem, dentre as várias prerrogativas que lhe são constitucionalmente asseguradas, o direito de permanecer em silêncio insere-se no alcance concreto da cláusula constitucional do devido processo legal. E nesse direito ao silêncio inclui-se, até mesmo por implicitude, a prerrogativa processual de o acusado negar, ainda que falsamente perante a autoridade policial ou judiciária, a prática da infração penal". (Ministro Celso de Mello - RHC nº 71.421-8/RS de maio de 1994, transcrita na RTJ 141/512)
Ocorre que a mentira apresentada pelo interrogado, em que pese não ser
passível de punição, poderá prejudicar sua defesa, no momento que perderá
credibilidade de outras partes de seu depoimento.
Além disto, poderá incorrer no crime de auto-acusação falsa, tipificado no
artigo 345 do Código Penal Militar, bem como o crime de denunciação caluniosa se
imputar fato a terceiros, tipificado no artigo 344 do Código Penal Militar.
39
A Lei nº 5.250, de 9 de fevereiro de 1967, que regula a liberdade de
manifestação do pensamento e da informação, atualmente com alguns artigos
suspensos, em razão de recente decisão da Suprema Corte brasileira, tendo como
relator o Ministro Carlos Ayres Brito, prevê no artigo 45, III, o interrogatório
facultativo, ou seja, cabia ao réu requerer sua oitiva, conforme segue:
Art. 45. (...) III - poderá o réu requerer ao juiz que seja interrogado, devendo,nesse caso, ser ele ouvido antes de inquiridas as testemunhas;
Apesar de não ser tema deste trabalho, comungo com a idéia do
interrogatório ser facultativo, pois se o réu tem o direito de permanecer em silêncio,
porque constrangê-lo a participar de uma audiência somente para manifestar o
direito de permanecer em silêncio, sendo perfeitamente possível ser requerido pelo
próprio réu ou seu defensor, após a oitiva da última testemunha de defesa ou na
manifestação preliminar.
40
3. Alterações no Código de Processo Penal no tocante ao interrogatório
No interrogatório, a legislação processual penal comum sofreu alterações
que merecem o destaque buscado neste trabalho.
Como muito bem salientado por Paulo Tadeu Rodrigues Rosa:
O legislador regulamentou o interrogatório em juízo alterando o Código de Processo Penal mas se esqueceu de regulamentar o interrogatório no Código de Processo Penal Militar, seguindo os mesmos equívocos já ocorridos em ocasiões anteriores quando da edição de novas leis. A Lei dos Crimes Hediondos não se aplica aos militares, federais ou estaduais, em razão do legislador ter expressamente mencionado que as modificações previstas na Lei 8072/90 somente se aplicavam ao Código Penal, Decreto-lei 2.848 de 7 de dezembro de 1940. (...) Ao acusado perante a Justiça Militar da União ou dos Estados-membros da Federação caberá por meio de seu defensor, dativo ou constituído, pleitear tratamento semelhante aos dispensado aos acusados perante a Justiça Comum, Federal ou Estadual, com fundamento no art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal, e com fundamento na Lei Federal n º 10.792/2002 combinada com o art. 3 º, alínea "a", do Código de Processo Penal Militar. (2003, p. 1)
Maria Helena Diniz, com maestria, leciona acerca da problemática da
aplicação jurídica, apontando suas situações que possam advir: Lacuna e antinomia.
Segundo a autora:
Quando o magistrado não encontra norma que seja aplicável a determinado caso, e não podendo subsumir o fato a nenhuma norma, porque há falta de conhecimento sobre um status jurídico de um certo comportamento, devido a um defeito do sistema normativo que pode consistir na ausência de uma solução, ou na existência de várias soluções incompatíveis, estamos diante de um problema de lacuna normativa, ao primeiro caso, ou de lacunas de conflitos, ou antinomia, no segundo. (...) A lacuna constitui um estado incompleto do sistema que deve ser colmatada ante o princípio da plenitude do ordenamento jurídico. (...) Se se apresentar uma antinomia ter-se-á um estado incorreto do sistema que precisará ser solucionado, pois o postulado desse princípio é o de resolução das contradições (1995, p.378)
As alterações produzidas na legislação processual comum, em
obediência aos princípios constitucionais e tratados internacionais devem prevalecer
em relação aos postulados desatualizados.
41
Carlos Maximiliano (1988, p.119) afirma que “o dever do juiz não
é aplicar os parágrafos isolados, e, sim, os princípios jurídicos em boa hora
cristalizados em normas positivas.
3.1 Presença do defensor
Em um Estado Democrático de Direito não é possível admitir a realização
de qualquer ato processual sem a presença do defensor do réu.
A nomeação do seu defensor poderá ocorrer ainda na fase do inquérito
policial, mas nada impede de substituí-lo na fase processual.
A escolha do defensor, pelo acusado, é de livre escolha, desde que tenha
condições de arcar com seus honorários. Poderá instrumentalizar a escolha de seu
defensor constituído por mandato ou durante o seu interrogatório, conforme
preconizado no artigo 71, parágrafo primeiro, do Código de Processo Penal, que
assim prescreve: “A constituição de defensor independerá de instrumento de
mandado, se o acusado o indicar por ocasião do interrogatório ou em qualquer outra
fase do processo por termo nos autos.” Redação semelhante na legislação comum
disposta no artigo 266.13
Até o advento da Lei nº 10.792, de 2003, o Código de Processo Penal não
trazia a obrigatoriedade da presença do defensor constituído ou dativo durante o
interrogatório do réu.
Assim dispunha o artigo 185, em sua versão original: “O acusado, que for
preso, ou comparecer, espontaneamente ou em virtude de intimação, perante a
autoridade judiciária, no curso do processo penal, será qualificado e interrogado.”
13 Art. 266. A constituição de defensor independerá de instrumento de mandato, se o acusado o indicar por ocasião do interrogatório
42
Se o réu não comparecesse com defensor, somente após o interrogatório é
que o juiz designaria um defensor dativo. Fernando da Costa Tourinho Filho (2009,
p. 550/551) cita em sua obra que o Supremo Tribunal Federal que a presença do
defensor no interrogatório “se consona e se harmoniza com a ampla defesa. Nesse
sentido já se manifestou o STF, em acórdão da lavra do eminente Ministro Marco
Aurélio de Mello.”
O próprio Supremo Tribunal Federal, entretanto, preferiu decisão diversa,
não se exigindo a presença do defensor durante o interrogatório:
HABEAS CORPUS" - INTERROGATORIO JUDICIAL - AUSÊNCIA DE ADVOGADO - VALIDADE - PRINCÍPIO DO CONTRADITORIO - INAPLICABILIDADE - PERSECUÇÃO PENAL E LIBERDADES PUBLICAS - DIREITOS PUBLICOS SUBJETIVOS DO INDICIADO E DO RÉU - PRIVILEGIO CONTRA A AUTO-INCRIMINAÇÃO - CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CARACTERIZADO - PEDIDO INDEFERIDO A superveniência da nova ordem constitucional não desqualificou o interrogatório como ato pessoal do magistrado processante e nem impôs ao estado o dever de assegurar, quando da efetivação desse ato processual, a presença de defensor técnico. A ausência do advogado no interrogatório judicial do acusado não infirma a validade jurídica desse ato processual. A legislação processual penal, ao disciplinar a realização do interrogatório judicial, não torna obrigatória, em consequência, a presença do defensor do acusado. (HC 68929 SP. Relator: Min. Celso de Mello. Julgamento: 21/10/1991. Órgão Julgador: Primeira Turma. Publicação: DJ 28-08-1992) 14
Julio Fabbrini Mirabete (2007, p. 275) afirmava que “a presença do defensor
tinha o sentido apenas de fiscalização do ato judicial, sendo, portanto, facultativa. E
havia decisões neste sentido.15
Antes mesmo da alteração legislativa, doutrinadores como Espínola Filho,
Galdino Siqueira, Pimenta Bueno e José Frederico Marques já entendia a
necessidade de estar presente o defensor do réu no interrogatório.
Posicionava-se José Frederico Marques:
O interrogatório em juízo é dirigido e feito pelo próprio magistrado a que está afeto ao processo. As partes nele não intervêm, embora deva estar presentes ao ato (não só Ministério Público, como ainda o defensor do réu). Na falta de defensor do acusado, o juiz está obrigado a nomear pelo menos
14Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/751543/habeas-corpus-hc-68929-sp-stf> Acesso em 14.09.2011. 15 RT 591/315, 593/340, 600/369, 610/407, 670/321, 723/595.
43
um patrono ad hoc para assistir à realização do interrogatório (artigos 263 e 265, parágrafo único). (1998, p. 300)
Com a alteração legislativa, o artigo 185 passou a ter a seguinte redação: “O
acusado que comparecer perante a autoridade judiciária, no curso do processo
penal, será qualificado e interrogado na presença de seu defensor, constituído ou
nomeado.” (GN)
Não resta qualquer dúvida quando a necessidade do defensor durante o
interrogatório, sob pena de nulidade absoluta do processo penal.
3.2 Direito à entrevista prévia
De nada adiante o defensor estar presente no interrogatório se não puder ter
alguns momentos de entrevista com seu cliente. Em muitos casos, o advogado, em
especial de réu preso, é contratado pelos seus familiares, tendo o primeiro contato
com seu defensor alguns minutos antes do início da audiência.
O defensor cuidadoso já teve acesso aos autos, no entanto, muitas vezes, o
réu se calou na fase do inquérito policial e, assim, o defensor não conhece os
detalhes dos fatos pela ótica do réu e somente da polícia, vítima e testemunhas.
Além disto, o defensor público e dativo na maioria das vezes somente conhecem o
réu naquele momento. Guilherme de Souza Nucci (2008, p. 416) comenta que estes
dois tipos de defensores são os principais destinatários da norma.
O interrogatório será realizado, na Justiça Militar, após a sua citação e é o
primeiro ato da instrução, como ocorria no procedimento comum, até o advento da
Lei nº 10.792/03 em que alterou o caput do artigo 185, inserido mais dois parágrafos,
sendo que prescreveu em seu parágrafo segundo, a seguinte redação: “Antes da
realização do interrogatório, o juiz assegurará o direito de entrevista reservada do
acusado com seu defensor.”
44
Em 2009, por intermédio da Lei nº 11.900, o legislador inseriu a modalidade
do interrogatório por videoconferência, alterando novamente o artigo 185 e dando
nova redação e numeração ao parágrafo segundo, conforme segue:
§ 5o Em qualquer modalidade de interrogatório, o juiz garantirá ao réu o direito de entrevista prévia e reservada com o seu defensor; se realizado por videoconferência, fica também garantido o Acesso a canais telefônicos reservados para comunicação entre o defensor que esteja no presídio e o advogado presente na sala de audiência do Fórum, e entre este e o preso.
Fernando da Costa Tourinho Filho esclarece:
Se a defesa técnica “é exigência insuprimível e constante”, dogma constitucional, não teria sentido devesse o Juiz proceder ao interrogatório de um réu sem que lhe permitir, se o requerer, entrevistar-se reservadamente com o seu Defensor. (2009, p. 549)
Julio Fabbrini Mirabete traz um julgado do Tribunal de Justiça de Alagoas o
qual decidiu pela inadmissibilidade do interrogatório logo após a citação do réu, pois
não teve o tempo suficiente para conhecer da acusação, bem o como aconselhar-se
com seu defensor, conforme segue:
Interrogatório – Ato contínuo à citação – Inadmissibilidade, se não foi dada ao réu a oportunidade de orientar-se sobre o conteúdo da acusação e aconselhar-se com seu advogado. Anulação de ambos os atos por violação aos princípios constitucionais do devido processo legal e da ampla defesa. (2007, p.513)
O Código de Processo Penal Militar, novamente, foi dispensado desta
importante alteração, inexistindo a obrigatoriedade da entrevista prévia do defensor
com o seu patrocinado antes de iniciar o interrogatório.
O suprimento de casos omissos na legislação castrense, conforme
mandamento no artigo 3º, estabelece que seja supridos pela legislação do processo
penal comum, ou seja, o Decreto-lei nº 3.689/1941, alterado, dentre outras
legislações, a Lei nº 10.792/03 e Lei nº 11.900/2008.
Assim dispõe o artigo 3º do Código de Processo Penal Militar:
Art. 3º Os casos omissos neste Código serão supridos: a) pela legislação de processo penal comum, quando aplicável ao caso concreto e sem prejuízo da índole do processo penal militar; b) pela jurisprudência; c) pelos usos e costumes militares;
45
d) pelos princípios gerais de Direito; e) pela analogia.
A aplicação do artigo 185, § 5º do Código de Processo Penal garante,
também, o exercício do princípio da ampla defesa, comentado no capítulo primeiro.
Paulo Ivan de Oliveira Teixeira traz a seguinte afirmação:
O seu § 2º - necessidade de entrevista do acusado com o seu defensor antes do interrogatório – também já vem sendo aplicada vem sendo aplicada na Justiça Militar Federal há bastante tempo. O juiz-Auditor tão logo receba a denúncia, designa data para qualificação e interrogatório do acusado, reservando apenas o prazo de 24 horas para que tenha contato com o seu defensor. (REVISTA DO STM - VOLUME 14/15 –1992-1993 – I ENCONTRO DE MAGISTRADOS DA JUSTIÇA MILITAR - PROCESSO PENAL MILITAR – DA DENÚNCIA À EXECUÇÃO PENAL NA 1ª INSTÂNCIA - PÁGINAS 27/30). Portanto, não é novidade para o CPPM a entrevista do acusado com o defensor antes do seu interrogatório. Sobre o tema, diga-se de passagem, há previsão legal: artigo 7º, inciso III, Lei 8096/94 - Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil. Decreto nº 592/92 – Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos que prevêem o direito do acusado de comunicar-se com defensor da sua escolha. No mesmo passo, a Convenção Americana de Direitos Humanos, aprovada pelo Decreto nº 678, de 6/11/92, que, pelo seu artigo 8º, § 20, alínea “d”, possibilita ao acusado ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicar-se livremente e, em particular, com o seu defensor. (2010, p.1)
Nenhum prejuízo advirá à Justiça permitir que haja esta entrevista anterior
ao início do interrogatório, garantido o seu sigilo e que seja realizada de forma
reservada.
No mais, o Pacto de São José da Costa Rica, em seu artigo 8, item 2, letra d
assegura ao acusado de ser assistido por um defensor de sua escolha e de
comunicar-se livremente e em particular, com seu defensor. Ora se o réu não teve a
oportunidade de ser conversar com seu patrono antes do interrogatório, caberá ao
juiz cumprir esta determinação.
Importante frisar o comentário de Guilherme de Souza Nucci (2009, p. 416)
de que “o devido processo legal, especificamente considerando-se a ampla defesa,
não se realizaria a contento se o réu fosse interrogado, sem ter advogado
constituído, nem ter tido a oportunidade de contatar um defensor.”
46
3.3 Direito ao silêncio
Acerca da garantia de o acusado não ser obrigado a depor contra si mesmo,
nem declarar-se culpado, além de significar importante garantia, nas palavras de
Antonio Magalhães Gomes Filho (2001, p. 152), evita a possibilidade de ser
condenado com base exclusiva em suas declarações.
Segundo Guilherme de Souza Nucci (2006, p. 432), o princípio de que
ninguém será obrigado a testemunha contra si próprio num processo criminal advém
do final do século XVI, na Inglaterra, como protesto aos métodos inquisitórias
promovidos pela Inquisição.
Em 1899, o Criminal Evidence Act reconheceu ao acusado, no curso do
processo, o direito ao silêncio e a faculdade de depor na condição de testemunha de
defesa, sob juramento, conforme citação em obra de Enio Luiz Rosseto (2001, p.
153)
O artigo 5º, inciso LXIII da Carta Magna garante ao preso o direito de
permanecer calado. Este direito não é exclusivo do preso, mas de qualquer indiciado
ou réu.
Além deste texto constitucional, o Pacto de São José da Costa Rica,
anteriormente citado, assegura em seu artigo 8º, item 2, letra “g” o direito de “não ser
obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada.”
Um direito assegurado pela Magna Carta brasileira não pode prejudicar o
réu. Esta assertiva, infelizmente não encontra eco na legislação militar. O artigo 305
dispõe que:
Art. 305. Antes de iniciar o interrogatório, o juiz observará ao acusado que, embora não esteja obrigado a responder às perguntas que lhe forem formuladas, o seu silêncio poderá ser interpretado em prejuízo da própria defesa. (GN)
47
Esta redação estava também prevista na versão original do artigo 186, que
assim estabelecia: “Antes de iniciar o interrogatório, o juiz observará ao réu que,
embora não esteja obrigado a responder às perguntas que Ihe forem formuladas, o
seu silêncio poderá ser interpretado em prejuízo da própria defesa.”
Os doutrinadores reconheciam que este artigo não havia sido recepcionado
pela Constituição de 1988, embora, como cita Julio Fabbrini Mirabete (2007, p. 278),
havia julgados decidindo em contrário.16
Conveniente citar a decisão a seguir proferida pelo Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo:
O réu teve assegurado seu direito ao silêncio, e se não o exerceu, foi porque não quis. Consequentemente, não havia qualquer irregularidade com o interrogatório, capaz de justificar sua anulação. Ademais a alegação de que a parte final do art. 186 do CPP, que determina que o réu será advertido das consequências de permanecer silente no interrogatório do réu se constitui em meio de prova, e, como tal, deve ser devidamente sopesado, pelo juiz. Assim como as respostas do réu, seu silêncio será igualmente objeto desta avaliação. (RT 724/608) 17
No mesmo sentido outra decisão do Tribunal de Justiça Paulista:
Processo. Crime. Nulidade. Inocorrência. Interrogatório. Paciente advertido de que seu silêncio poderá ser interpretado em prejuízo de sua própria defesa. Artigo 186 do Código de Processo Penal não revogado pelo art. 5º, inciso XLIII, da Constituição da República. Ordem denegada. (JTJ 192/307) 18
Em que pese o respeito às decisões proferidas pelos tribunais, a
Constituição Federal não permite interpretação contrária. Uma lei infraconstitucional
não pode afrontar a Lei de Hierarquia Maior, ainda mais em um texto elaborado sob
a vigência da Era Vargas.
O Supremo Tribunal Federal assim decidiu:
(...) A recusa em responder ao interrogatório policial e/ou judicial e a falta de cooperação do indiciado ou do réu com as autoridades que o investigam ou que o processam traduzem comportamentos que são inteiramente
16 RT 739/626-7; RJDTACRIM 25/172-3, 27/143. 30/376, 33/218. 17 Disponível em <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura& artigoid=8996> Acesso em 14.09.2011. 18 Disponível em <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura& artigoid=8996> Acesso em 14.09.2011.
48
legitimados pelo princípio constitucional que protege qualquer pessoa contra a auto-incriminação, especialmente aquela exposta a atos de persecução penal. (STF - HC 96.219 MC-SP, Rel. Min. Celso de Mello) 19
Julio Fabbrini Mirabete tece o seguinte comentário:
Não fazendo a Constituição qualquer reserva, proíbe, como corolário, que o silêncio decorra qualquer consequência desfavorável. O princípio de que ninguém é obrigado a acusar-se (nemo tenetur se detegere), adotado irrestritamente pela norma constitucional, impede qualquer consequência adversa ao acusado pelo seu silêncio no interrogatório. (2007, p. 278)
Guilherme de Souza Nucci, como magistrado que é, traz uma importante
lição:
Não se nega no espírito do magistrado o silêncio invocado pelo réu pode gerar a suspeita de ser ele realmente o autor do crime, embora, ainda que tal se dê, é defeso ao magistrado externar o seu pensamento na sentença. Ora, como toda decisão deve ser fundamentada, o silêncio jamais deve compor o contexto de argumentos do magistrado, para sustentar a condenação do acusado. É preciso abstrair, por completo, o silêncio do réu, caso o exerça, porque o processo penal deve ter instrumentos suficientes para comprovar a culpa do acusado, sem a menor necessidade de se valer do próprio interessado para compor o quadro probatório da acusação. (2008, p. 418)
Em 2003, a Lei nº 11.792 produziu uma alteração do artigo 186, trazendo ao
contexto constitucional, sacramentando que o direito ao silêncio não poderia
prejudicar a defesa do acusado. A redação dada foi a seguinte:
Art. 186. Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas. Parágrafo único. O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa.
No entanto o legislador deveria ter revogado a parte final do artigo 198 do
Código de Processo Penal, que tem redação semelhante na legislação castrense,
estabelecido no artigo 308, que assim dispõe:
Código de Processo Penal Art. 198. O silêncio do acusado não importará confissão, mas poderá constituir elemento para a formação do convencimento do juiz. Código de Processo Penal Militar Art. 308. O silêncio do acusado não importará confissão, mas poderá constituir elemento para a formação do convencimento do juiz.
19 Disponível em <http://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/148329/direito-ao-silencio-seu-significado-e-sua-dimensao-de-garantia> Acesso em 14.09.2011.
49
Existem doutrinadores que afirmam que este artigo, em sua parte final,
também não foi recepcionado pela Constituição Federal, a exemplo do disposto no
artigo 186, pois o exercício de um direito não pode ser interpretado em prejuízo do
réu ou servir de convicção ao magistrado.
Guilherme de Souza Nucci explica:
O direito ao silêncio é formulado, constitucionalmente, sem qualquer condição ou exceção, de modo que não pode o legislador limitá-lo de qualquer maneira. Assim, como consequência, deve-se reputar não recepcionada a parte final deste artigo, que menciona que o silêncio do réu “constituir elemento para a formação do convencimento do juiz”. (2008, p. 432)
O Supremo Tribunal Federal, em julgamento de Habeas Corpus assim
decidiu:
Qualquer individuo que figure como objeto de procedimentos investigatórios policiais ou que ostente, em juízo penal, a condição jurídica de imputado, tem, dentre as varias prerrogativas que lhe são constitucionalmente asseguradas, o direito de permanecer calado. "nemo tenetur se detegere". Ninguém pode ser constrangido a confessar a pratica de um ilícito penal. O direito de permanecer em silencio insere-se no alcance concreto da cláusula constitucional do devido processo legal. E nesse direito ao silencio inclui-se até mesmo por implicitude, a prerrogativa processual de o acusado negar, ainda que falsamente, perante a autoridade policial ou judiciária, a pratica da infração penal. (HC 68929 SP. Relator: Min. Celso de Mello. Julgamento: 21/10/1991. Órgão Julgador: Primeira Turma. Publicação: DJ 28-08-1992) 20
Outra decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal:
INTERROGATÓRIO - ACUSADO -SILÊNCIO. A parte final do artigo 186 do Código de Processo Penal, no sentido de o silêncio do acusado poder se mostrar contrário aos respectivos interesses, não foi recepcionada pela Carta de 1988, que, mediante o preceito do inciso LVIII do artigo 5º, dispõe sobre o direito de os acusados, em geral, permanecerem calados. Mostra-se discrepante da ordem jurídica constitucional, revelando apego demasiado à forma, decisão que implique a declaração de nulidade do julgamento procedido pelo Tribunal do Júri à mercê de remissão, pelo Acusado, do depoimento prestado no primeiro Júri, declarando nada mais ter a acrescentar. Dispensável é a feitura, em si, das perguntas, sendo suficiente a leitura do depoimento outrora colhido. (RE 199570 / MS, Min. MARCO AURELIO, 16/12/1997).21
20Disponível em <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/751543/habeas-corpus-hc-68929-sp-stf> Acesso em 14.09.2011. 21 Disponível em <http://jus.com.br/revista/texto/4860/o-condicionamento-da-liberdade-provisoria-a-realizacao-do-interrogatorio> Acesso em 14.09.2011.
50
E ainda temos a decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
EMENTA: Recurso em Sentido Estrito - Auto de Prisão em flagrante - Advertência da parte final do artigo 186 do Código de Processo Penal - Nulidade decretada - Relaxamento de flagrante concedido - A parte final do artigo 186 do Código de Processo Penal não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988, ante o princípio da não culpabilidade - Se tal advertência constar do Auto de Prisão em flagrante, este deverá ser anulado e, conseqüentemente, expedido alvará de soltura em face dos autuados – Negado provimento. (Recurso em sentido estrito. Nº000. 269.165-7/00 – Rel. Des. Jane Silva) 22
Não resta dúvida que o direito ao silêncio não irá prejudicar o acusado em
seu interrogatório, não sendo recepcionados pela Constituição Federal de 1988 os
artigos 305 e 308 do Código de Processo Penal Militar, em sua parte com conflita a
Lei Maior.
Ainda sobre o tema, inexiste a necessidade de consignar no interrogatório as
perguntas que foram formuladas ao réu e que deixou de responder exercitando o
direito ao silêncio se atingir todo o seu interrogatório.
3.4 Perguntas pelas partes ao réu
O interrogatório, para a maioria dos doutrinadores, é um ato judicial, em que
o magistrado formula as perguntas aos acusados durante o interrogatório. Esta
característica contrasta com as demais provas colhidas por intermédio do
depoimento de pessoas (ofendido e testemunhas), em que está garantido às partes
formularem as perguntas necessárias para a elucidação dos fatos.
O juiz não é o único interessado na busca da verdade, mas a acusação e a
defesa têm sua importância no processo penal.
Nesta linha, o artigo 303 do Código de Processo Penal Militar preconiza que
“O interrogatório será feito, obrigatoriamente, pelo juiz, não sendo nele permitida a
intervenção de qualquer outra pessoa.”
22Disponível em <http://jus.com.br/revista/texto/4860/o-condicionamento-da-liberdade-provisoria-a-realizacao-do-interrogatorio> Acesso em 14.09.2011.
51
Somente ao final do interrogatório realizado pelo magistrado, sendo
permitido aos Oficiais Membros do Conselho de Justiça formular perguntas por
intermédio do Juiz Togado, é que as partes poderão suscitar questão de ordem23,
mas não é permitido formular nenhuma pergunta ao réu, diretamente, ou por
intermédio do juiz de direito militar.
Claudio Amim Miguel e Nelson Cordibelli abordaram o interrogatório da
seguinte forma:
1. Da Qualificação e Interrogatório do Acusado. - a matéria vem tratada nos artigos 303/306 do CPPM; O interrogatório é ato privativo do Juiz, somente este pode inquirir o acusado. No processo penal militar, todos os membros do Conselho de Justiça podem fazer perguntas ao réu, sendo o primeiro o Juiz-auditor, e, posteriormente, os Juízes Militares por ordem de hierarquia. As partes não têm direito de formular perguntas ao réu. (2000, p. 146)
José da Silva Loureiro Neto (1996, p. 146) afirma: “Como o interrogatório
constitui ato privativo do Conselho de Justiça, as partes não poderão intervir, a não
ser quando houver manifesto abuso por parte de algum dos membros do Conselho.”
O Código de Processo Penal também adotava o mesmo procedimento,
conforme estava estabelecido no texto original da legislação, em seu artigo 187, ex-
vi: “O defensor do acusado não poderá intervir ou influir, de qualquer modo, nas
perguntas e nas respostas.”
José Frederico Marques (1998, p. 300), ao comentar este artigo, traz a
seguinte lição: “O interrogatório em juízo é dirigido e feito pelo próprio magistrado a
que está afeto o processo. As partes nele não intervêm...”
Em 2003, sobreveio a Lei nº 10.792, em que deu a seguinte redação ao
artigo 188 do Código de Processo Penal: “Após proceder ao interrogatório, o juiz
indagará das partes se restou algum fato para ser esclarecido, formulando as
perguntas correspondentes se o entender pertinente e relevante.” 23 Art. 303. Parágrafo único. Findo o interrogatório, poderão as partes levantar questões de ordem, que o juiz resolverá de plano, fazendo-as consignar em ata com a respectiva solução, se assim lhe for requerido.
52
Fernando Capez assinala:
O art.188 do CPP, no entanto, com a redação dada pela Lei nº 10.792/2003, possibilitou-lhes a formulação de reperguntas ao final do interrogatório, pois nesse momento caberá ao juiz indagar das partes “se restou algum fato para ser esclarecido. Convém ressaltar que tais perguntas são feitas em caráter meramente complementar e não obrigam o juiz a repassá-las ao acusado, podendo indeferi-las quando considerá-las impertinentes ou irrelevantes. Diante disto, fica mantida a característica de ser o interrogatório um ato privativo do juiz, mesmo com a possibilidade de as partes sugerirem uma ou outra indagação ao seu final, dado ser esta uma atuação complementar e de caráter excepcional. (2011, p. 401/402)
De forma diversa Edilson Mongenot Bonfin entende que ficou mantida a
judicialidade do interrogatório, em que é um ato privativo do juiz. Manifestou-se da
seguinte forma:
Entretanto, a atual disciplina do ato tornou obrigatória a presença do advogado e acabou por flexibilizar a judicialidade do interrogatório, uma vez que a nova redação do art. 188 do Código de Processo Penal, impingida pela Lei nº 10.792/2003, reforçou seu caráter contraditório,ao permitir que as partes manifestem-se acerca dos fatos que não restaram esclarecidos, após a inquirição do réu pelo juiz. Caberá ao juiz, então, formular as perguntas correspondentes, se as reputar pertinentes e relevantes. (2009, 342)
Guilherme de Souza Nucci (2006, p. 416) comenta seu receio em que um
dia viesse a permitir que as partes pudessem formular perguntas ao réu,
sustentando que o órgão acusador poderia formular uma série de perguntas,
constrangendo a confissão, ou mesmo a defesa poderia formular uma pergunta que
resultasse prova contra os interesses do réu. Como advento desta alteração
legislativa, acabou ocorrendo esta possibilidade, no entanto, caberá ao juiz coibir as
perguntas tendentes a constranger o réu ou provocá-lo a confessar, bem como as
que forem inadequadas ao caso.
A alteração também ocorreu na sessão plenária do júri, conforme nova
redação ao artigo 474, que assim dispõe:
Art. 474. A seguir será o acusado interrogado, se estiver presente, na forma estabelecida no Capítulo III do Título VII do Livro I deste Código, com as alterações introduzidas nesta Seção. § 1o O Ministério Público, o assistente, o querelante e o defensor, nessa ordem, poderão formular, diretamente, perguntas ao acusado. § 2o Os jurados formularão perguntas por intermédio do juiz presidente.
53
A redação do artigo 474 é diversa do artigo 188, pois no primeiro as partes
podem formular as perguntas diretamente ao magistrado, sendo que nos demais
ritos, as perguntas serão formuladas e avaliadas pelo magistrado, que poderá não
realizá-las.
Neste último caso, as perguntas formuladas perante o Conselho de
Sentença podem ser extremamente prejudiciais, pois sendo leigos, dificilmente as
respostas do réu será extraída completamente da consciência dos jurados e
poderão interferir quando for responder ao questionário formulado pelo juiz na Sala
Especial.
Na Justiça Militar, o Tribunal de Justiça Militar do Estado de Minas Gerais
acolheu o pedido da defesa em possibilitar que formulasse as perguntas ao
acusado, como se vê abaixo:
Embargos Infringentes – Correição Parcial – Possibilidade de advogado de um dos réu fazer reperguntas em interrogatório de outro – Princípio constitucional da ampla defesa – Provimento do recurso. EMENTA A possibilidade do advogado do réu formular reperguntas, na oportunidade do interrogatório, aplica-se na Justiça Militar Estadual, mesmo que a Lei nº 10.792/03 tenha modificado apenas o Código de Processo Penal Comum – Aplicação do princípio constitucional da isonomia.- Na ação penal promovida contra vários réus, a relação jurídico-processual que se estabelece envolve a multiplicidade de partes em um mesmo pólo, sendo impossível o seu fracionamento para isolar um réu dos demais. - Cada um dos co-réus tem interesse de defender-se das imputações formuladas pelo Ministério Público, bem como de qualquer informação oriunda do interrogatório dos demais réus que possa prejudicar a sua situação jurídica. - Conceder oportunidade para que a defesa técnica de um acusado participe no interrogatório de outro é medida que preserva o direito do primeiro produzir prova em sua defesa – observância do princípio constitucional da ampla defesa. - Recurso provido para determinar a renovação dos interrogatórios dos co-réus e permitir a participação efetiva da defesa técnica do embargante. (EMBARGOS INFRINGENTES Nº 169. Correição Parcial nº 65 – Embargos de Declaração nº 59–Processo nº 23.641/2ª AJME. Revisor e relator p/acórdão: Juiz Fernando Galvão da Rocha. Julgado em 05.05.2007.24
.
24Acórdão extraído do artigo de Paulo Tadeu Rodrigues Rosa. Disponível em: <http://jusvi.com/artigos/25208> Acesso em 11.09.2011
54
Paulo Tadeu Rodrigues Rosa, ao comentar a decisão proferida pelo Tribunal
de Justiça Militar de Minas Gerais, conclui:
Portanto, pode-se afirmar que a decisão proferida pelo Egrégio Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais é um precedente importante, que demonstra que o Poder Judiciário como guardião dos direitos e garantias fundamentais do cidadão tem buscado uma efetiva aplicação dos institutos que foram estabelecidos pela Constituição Federal de 1988 e pela legislação infraconstitucional. (2007)
3.5 Presença do Curador
A pessoa do curador é aquela que representa o menor de idade em um
processo. Como em matéria penal, o menor de 18 anos é inimputável, somente
aplicava o artigo 194 do Código de Processo Penal e artigo 306, § 1ª do Código de
Processo Penal Militar quando fosse maior de 18 anos e menor de 21 anos.
Ao comentar a idade da menoridade penal na Justiça Militar, Jorge César de
Assis traz a seguinte lição:
Já o Código de Processo Penal Militar estipulou como causa de nulidade (art. 500, inc. III, “f”) a falta de curador ao réu menor de dezoito anos. Assim foi disposto porque por ocasião da edição do COM, em 1969, seu art. 50 considerava imputável o maior de 16 anos e menor de 18 anos, desde que revelasse desenvolvimento psíquico para entender o caráter ilícito do fato e determinar-se de acordo com esse entendimento, e o art. 51 equiparava aos maiores de 18 anos , embora não tivessem essa idade, os militares, os convocados e os alunos dos colégios militares. Face ao advento do art. 228 da Carta Magna de 1988, tais dispositivos restaram definitivamente revogados. (2004, p. 121)
Esta exigência estava em consonância com o Código Civil de autoria de
Clóvis Bevilácqua, de 1916, que considerava o relativamente incapaz os menores de
21 anos e maiores de 16 anos.
Com a aprovação do novo Código Civil, por força da Lei nº 10.406, de 10 de
janeiro de 2002, aproximando-se da nova realidade brasileira, considerou o maior de
18 anos pessoa com capacidade plena, conforme regra contida no artigo 5º no
Estatuto Civil.25
25Art. 5o A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil.
55
Antes mesmo do novo Código Civil, o Supremo Tribunal Federal já havia
editado a Súmula 35226 em que não considerava nulo o processo penal em que não
tivessem sido nomeado o curados, se tivesse sido nomeado, no mínimo, defensor
dativo. Ora se o defensor dativo já era suficiente para não haver a necessidade de
curador, não havia outra situação em que a presença do curador fosse obrigatória.
Assim posicionava-se a quase totalidade dos doutrinadores. Julio Fabbrini
Mirabete (2007, p.76) afirma: “Com a redução da idade em que se atinge a
maioridade absoluta para 18 anos em razão da vigência do novo Código Civil,
instituído pela Lei nº 10.406, de 10-1-2002, o dispositivo processual perdeu sua
finalidade.”
Guilherme de Souza Nucci (2008, p. 429) já é mais categórico afirmando
que:
Vínhamos defendendo, assim que a Lei 10.406/2002 (Código Civil) entrou em vigor, a inaplicabilidade desse dispositivo, uma vez que o maior de 18 anos, sendo apto para todos os atos da vida civil, não mais necessitava de assistência do curador.
A Lei nº 10.792/03 revogou expressamente o artigo 194 em que se
estabelecia que: “Se o acusado for menor, proceder-se-á ao interrogatório na
presença de curador.”
No entanto manteve a disposição semelhante contida no artigo 1527 e no
artigo 26228 e 564, III29, em sua parte final, os quais exigem a figura do curador para
o acusado menor de 21 anos. Esta falha acaba sendo corrigida em face da
integração jurídica.
26 Sumula 352, do STF. Não é nulo o processo penal por falta de nomeação de curador ao réu menor que tem assistência de defensor dativo. 27 Art. 15. Se o indiciado for menor, ser-lhe-á nomeado curador pela autoridade policial. 28 Art. 262. Ao acusado menor dar-se-á curador. 29 Art. 564. A nulidade ocorrerá nos seguintes casos: III - por falta das fórmulas ou dos termos seguintes: c) a nomeação de defensor ao réu presente, que o não tiver, ou ao ausente, e de curador ao menor de 21 anos;
56
Eugênio Pacelli de Oliveira comenta:
Em relação à nomeação de curador ao réu menor de vinte e um anos e maior de 18 anos, já vimos a revogação do art. 194 do CPP, conforme art. 10 da Lei nº 10.792/03, implica também a revogação de todas as disposições de igual conteúdo, no ponto em que se alinha, agora sim, a incapacidade civil com a incapacidade processual penal, apenas e exclusivamente no que se refere ao menor de 21 anos e maior de dezoito anos, e também apenas no que se refere à necessidade de nomeação de curador. (2005, p. 372)
A legislação castrense ficou de fora desta alteração, mantendo-se a redação dos
artigos 7230 e 306, § 1º, mas não há outro entendimento senão torná-lo inaplicável em face
da Súmula do Supremo Tribunal Federal e a edição do Código Civil, pois os militares não
são uma categoria diferente em que a sua capacidade completa se dá aos 21 anos, até
porque, a partir dos 18 anos, pode ingressar no serviço militar, o qual irá exercer atividades
que muitos jovens da mesma idade ainda estão nos bancos escolares e sob a dependência
de seus pais.
3.6 Momento da realização do interrogatório
Uma importante alteração no Código de Processo Penal ocorreu em 20 de
junho de 2008, com a edição da Lei nº 11.719, em que trouxe modificação nos
procedimentos ordinário e sumário, além de outras regras.3132
O rito do júri sofreu alteração alguns dias antes dos ritos ordinário e sumário,
por intermédio da Lei 11.689, em 09 de junho de 2008.
Até o advento destas duas leis, o interrogatório era realizado no início da
instrução, logo após a sua citação. Com a promulgação da Lei nº 9.099, de 26 de
setembro de 2005, implantando os Juizados Especiais Civis e Criminais, o momento
do interrogatório foi alterado para o final da instrução.
30 Art. 72. O juiz dará curador ao acusado incapaz. 31 Art. 411. Na audiência de instrução, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, se possível, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado e procedendo-se o debate. 32 Art. 474 A seguir será o acusado interrogado, se estiver presente, na forma estabelecida no Capítulo III do Título VII do Livro I deste Código, com as alterações introduzidas nesta Seção.
57
Esta modificação foi aplicada também na Lei de Tóxicos, por intermédio da
Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, estabelecendo o interrogatório no final da
instrução, após a colheita das provas testemunhais.
Esta alteração do momento do interrogatório ocorreu tardiamente.
Apesar de adeptos a alteração legislativa, não há unanimidade, Edilson
Mongenot Bonfim tece a seguinte crítica:
A inversão lógica da instrução processual – que tem o interrogatório como o último ato – permitirá que o acusado construa sua versão sobre os depoimentos e provas colhidos, desviando-se do que lhe pareça comprometedor. Poderá, o réu, ajustar livremente sua versão de modo que melhor lhe aprouver. (2009, p. 488)
Por sua vez, na opinião de Ivan Luis Marques da Silva (2008, p.44) levou-se
corretamente o interrogatório corretamente para o último memento da audiência,
pois o réu somente pode se defender de forma ampla se souber, com antecedência,
as impressões pessoais e fáticas que as testemunhas de acusação têm para
afirmar. Após apresentado todo o acervo probatório, o réu terá condições de saber
exatamente do que defender e de que forma, aliado a sua autodefesa à defesa
técnica de seu defensor.
Ao trasladar o interrogatório do início da instrução para a última fase, o
processo penal foi revitalizado, adequando-se ao modelo constitucional vigente, em
obediência ao princípio da ampla defesa.
Estas duas alterações modificaram os procedimentos descritos na legislação
processual comum, sendo certo que a legislação castrense possui regramento
próprio.
No entanto esta alteração não foi objeto de reforma no CPPM. João Roberto
de Toledo tece a seguinte crítica quanto ao CPPM:
O código de processo penal militar, anacrônico e carecedor de urgente reformulação, mantém o interrogatório como ato processual que se segue ao recebimento da denúncia e precede à instrução processual, como dispõe o seu art. 302.
58
(...) O art. 302 do CPPM não está de acordo com o Texto Constitucional de 1988, nem atende às exigências constantes do art. 8º, nº 2, alíneas d e g, do Pacto de São José da Costa Rica, visto que impõe ao acusado o interrogatório sem que antes sejam apresentadas as provas de que dispõe a acusação, nem tampouco produzidas as contraprovas da defesa, ou a prova pericial, quando for o caso, o que contraria o senso comum da teoria processual penal contemporânea de oportunizar ao acusado sua defesa pessoal de forma efetiva e não apenas formalmente.33
Em que pese ter redação própria no Código de Processo Penal, isto não é motivo
para deixar de aplicar esta alteração no procedimento, tomando como exemplo o Supremo
Tribunal Federal que, nos procedimentos de competência originária, utiliza-se da Lei nº
8.038/90, sendo estabelecido em seu artigo 7º o interrogatório no início da instrução, ex-vi:
“Recebida a denúncia ou a queixa, o relator designará dia e hora para o
interrogatório, mandando citar o acusado ou querelado e intimar o órgão do
Ministério Público, bem como o querelante ou o assistente, se for o caso.”
Assim decidiu o Supremo Tribunal Federal, na Ação Penal nº 528, sob a
Relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski:
Como é sabido, a Lei 11.719/2008 modificou o art. 400 do CPP e transferiu o interrogatório para o final do procedimento, passando o dispositivo a contar com a seguinte redação “Art. 400. Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado”. Não se pode negar que se trata de um tema de altíssima relevância, dado o reflexo que a referida inovação legal exerce sobre o direito constitucional à ampla defesa, embora não tenha tido ainda o Supremo Tribunal Federal a oportunidade de posicionar-se definitivamente a respeito dele, nem mesmo em sede de questão de ordem. Revendo as notas taquigráficas da aludida sessão, a apoiar a tese da transferência do interrogatório para o final do procedimento, penso serem elucidativas as considerações tecidas na ocasião pelo eminente Ministro Celso de Mello. Em transcrição livre, dado que o v. acórdão ainda não foi inteiramente lavrado, nas palavras de Sua Excelência: “Agora, de outro lado, tal seja a compreensão que se dê ao ato de interrogatório, que, mais do que simples meio de prova, é um ato eminente de defesa daquele que sofre a imputação penal e é o instante mesmo em que ele poderá, no exercício de uma prerrogativa indisponível, que é o da autodefesa e que compõe o conceito mais amplo e constitucional do direito de defesa, tal seja a compreensão então que se dê ao ato de interrogatório - eu, por exemplo, vejo, no interrogatório, um ato de defesa, e isso foi muito acentuado por essa recente alteração introduzida pela reforma processual
33 Disponível em <http://www.jusmilitaris.com.br/uploads/docs/interrogatorio(1).pdf> Acesso em 14.09.2011
59
penal de 2008 -, portanto, a realização do interrogatório do acusado como o ato final da fase instrutória permitirá a ele ter, digamos, um panorama geral, uma visão global de todas as provas até então produzidas nos autos, quer aquelas que o favorecem, quer aquelas que o incriminam, uma vez que ele, ao contrário do que hoje sucede - hoje, o interrogatório como sendo um ato que precede a própria instrução probatória muitas vezes não permite ao réu que apresente elementos de defesa que possam suportar aquela versão que ele pretende transmitir ao juízo processante -, com a nova disciplina ritual e tendo lugar na última fase da instrução probatória o ato do interrogatório, o acusado terá plenas condições de estruturar de forma muito mais adequada a sua defesa,embora ele, como réu, não tenha o ônus de provar a sua própria inocência; cabe sempre o ônus da prova a quem acusa. O órgão do Ministério Público que deve acusar; deve acusar com base em provas lícitas e, além de qualquer dúvida, razoável. Mas, de qualquer maneira, o réu tem o direito de ser interrogado; pode, eventualmente, calar-se; pode, eventualmente, abster-se de qualquer resposta. Mas, de todo modo, tendo uma visão global de todos os elementos de informação até então produzidos, ele então poderá estruturar melhor a sua defesa. E, ainda, devemos ter em consideração que o processo penal é, por excelência, um instrumento de salvaguarda dos direitos do réu. O Estado delineia um círculo em cujo âmbito torna-se lícito ao Poder Público fazer instaurar a persecução penal e praticar todos os atos que levem à comprovação lícita da imputação deduzida contra determinada pessoa. O que não se pode é transpor os limites da circunferência, sob pena de o Estado, em assim agindo, incidir em comportamento ilícito. Portanto, são regras que claramente vêm definidas em favor do acusado. Já o dizia o velho João Mendes de Almeida Júnior, no seu conhecido "Curso de Processo Penal", em edição de 1911. E essa é uma posição que vem sendo reafirmada pela doutrina, especialmente hoje com a constitucionalização do processo, notadamente do processo penal, em que se estabelece uma clara relação de polaridade conflitante entre a pretensão punitiva do Estado, de um lado, e o desejo de liberdade do acusado, de outro”. Voltando a discussão para um aspecto mais formal, entendo que o fato de a Lei 8.038/90 ser norma especial em relação ao Código de Processo Penal, de cunho nitidamente geral, em nada influencia o que aqui se assentou. É que, a meu sentir, a norma especial prevalece sobre a geral apenas nas hipóteses em que estiver presente alguma incompatibilidade manifesta e insuperável entre elas. Nos demais casos, considerando a sempre necessária aplicação sistemática do direito, cumpre cuidar para que essas normas aparentemente antagônicas convivam harmonicamente. (GN) (STF, Agravo Regimental na Ação Penal nº 528. Rel. Min. Roberto Lewandowski, v.u, julgado em 24.03.2011) 34 35
Os eminentes Ministros superaram o questionamento de não se poder
aplicar uma norma processual comum, quando tiver uma norma especial, conforme
ocorre na legislação processual penal.
34 Disponível em <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/AP_528AGR.pdf> Acesso em 14.09.2011. 35 Disponível em <http://m.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=3840783> Acesso em 14.09.2011.
60
A interpretação da norma não pode ser exclusivamente literal, mas
sistemática e teleológica, obedecendo aos princípios gerais dos direitos e aos
Tratados Internacionais.
Interpretar, na visão de Paulo Nader:
É o ato de explicar o sentido de alguma coisa; é revelar o significado de uma expressão verbal, artística ou constituída por um objeto, atitude ou gesto. A interpretação consiste na busca do verdadeiro sentido das coisas e para isto o espírito humano lança mão de diversos recursos, analisa os elementos, utiliza-se de conhecimentos de lógica, psicologia e, muitas vezes, de conceitos técnicos, a fim de penetrar no âmago das coisas e identificar a mensagem contida. (...) Ao interpretar os textos jurídicos , o intérprete não se vincula à vontade do legislador, pois o moto-contínuo da vida cria a necessidade de se adaptar as velhas fórmulas aos tempos modernos (1995, p. 305/307)
Para João Roberto de Toledo (2001), a mantença do artigo 303 do Código
de Processo Penal, em que o interrogatório do réu ocorre logo após a sua citação
não foi recepcionado pela Constituição Federal e infringe o Pacto de São José da
Costa Rica, que lhe é norma superior por ter status supralegal reconhecido pelo
Supremo Tribunal Federal. Afirma ainda que a negativa do juízo militar em atender
ao pleito da defesa viabilizaria a imediata impetração de Habeas corpus em favor do
acusado, visto que o interrogatório do acusado logo após o recebimento da
denúncia, nos termos do art. 302 do CPPM, constitui prova ilícita, por violação das
garantias constitucionais e convencionais (tratados internacionais) do acusado
acima apontadas, além de ser ilegal por aplicar norma que perdeu seu suporte de
validade (não-recepção) ou foi simplesmente revogada, não mais subsistindo no
ordenamento jurídico.
61
Conclusão
O Código de Processo Penal Militar foi editado em um período de exceção e,
após a Constituição Federal ser modificada por uma Carta Cidadã, em 1988, a
legislação tem que se adaptar a esta nova ordem jurídica.
O princípio da ampla defesa deve ser cumprido, assim como os demais
princípios, devendo o intérprete buscar a solução mais justa para o caso concreto,
não podendo simplesmente se furtar de adaptar a norma vigente e eficaz por outra
norma mais nova e justa.
As alterações introduzidas na legislação comum podem ser perfeitamente
adotadas pela legislação militar, sem que fira o seu caráter de norma especial, pois
as modificações aprovadas pelo legislador não buscam promover uma diferenciação
da norma comum da especial, mas adaptar ao preceito constitucional, bem como os
inúmeros Tratados Internacionais em que o Brasil aceitou.
O Supremo Tribunal Federal, o guardião da Constituição Federal, como já
exposto no corpo deste trabalho, aplicou a alteração do momento do interrogatório
em seu procedimento especial, fundamentando sua decisão “a norma especial
prevalece sobre a geral apenas nas hipóteses em que estiver presente alguma
incompatibilidade manifesta e insuperável entre elas. Nos demais casos,
considerando a sempre necessária aplicação sistemática do direito, cumpre cuidar
para que essas normas aparentemente antagônicas convivam harmonicamente.”36
As alterações na legislação comum podem ser aplicada se utilizarmos o artigo
3º, alínea “a” do Código de Processo Penal Militar que preconiza a aplicação da
legislação comum quando da omissão legislativa.
Foram apresentadas decisões favoráveis quanto à aplicação da lei
processual comum, no entanto, ainda é muito tímida a manifestação dos tribunais 36 STF, Agravo Regimental na Ação Penal nº 528. Rel. Min. Roberto Lewandowski, v.u, julgado em 24.03.2011.
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brasileiros quanto esta questão, em especial ao Superior Tribunal Militar. Casa
estranheza que nos Estados da Federação em que a Segunda Instância não seja
Especializada, como ocorre nos Estados de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e São
Paulo, que ainda tenha uma jurisprudência conservadora.
O Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais, ainda que timidamente e por
maioria, reconheceu a possibilidade das partes formularem perguntas ao réu,
reconhecendo, assim, indiretamente, a aplicação da Lei nº 10.792/03.
Já se passaram alguns anos desde a edição das alterações comentadas
neste trabalho, no entanto ainda está em trâmite a reforma do Código de Processo
Penal Militar.
O direito de liberdade é um bem indisponível e não pode sofrer restrições
com a tese de que a norma especial prevalece sobre a norma comum. A falha do
legislador deve ser suprida pelo juiz, pois temos sempre a dúvida o que seria
melhor: Juízes bons e leis ruins ou leis boas e Juízes ruins.
Infelizmente nosso legislador não tem cumprido seu trabalho corretamente,
devendo o intérprete promover a devida hermenêutica, buscando a equidade e o fim
da norma, conforme artigo 5º, da Lei de Introdução ao Código Civil, que assim
preconiza: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e
às exigências do bem comum.”
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