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Universidade de Brasília Faculdade de Direito Clezide Francisco Silva Junior O EXERCÍCIO ABUSIVO DO DIREITO DE RECORRER NO SISTEMA RECURSAL CÍVEL COMO ESPÉCIE DE ABUSO DO DIREITO PROCESSUAL E FATOR QUE CONTRIBUI PARA A DENEGAÇÃO DA JUSTIÇA Brasília 2011

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Universidade de Brasília

Faculdade de Direito

Clezide Francisco Silva Junior

O EXERCÍCIO ABUSIVO DO DIREITO DE RECORRER NO SISTEMA

RECURSAL CÍVEL COMO ESPÉCIE DE ABUSO DO DIREITO PROCESSUAL E

FATOR QUE CONTRIBUI PARA A DENEGAÇÃO DA JUSTIÇA

Brasília 2011

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Clezide Francisco Silva Junior

O EXERCÍCIO ABUSIVO DO DIREITO DE RECORRER NO SISTEMA

RECURSAL CÍVEL COMO ESPÉCIE DE ABUSO DO DIREITO PROCESSUAL E

FATOR QUE CONTRIBUI PARA A DENEGAÇÃO DA JUSTIÇA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Direito da Universidade de Brasília como parte do requisito para obtenção do diploma de Bacharel em Direito.

Orientador: Professor Vallisney de Souza Oliveira

Brasília

2011

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Universidade de Brasília

Faculdade de Direito

O EXERCÍCIO ABUSIVO DO DIREITO DE RECORRER NO SISTEMA

RECURSAL CÍVEL COMO ESPÉCIE DE ABUSO DO DIREITO PROCESSUAL E

FATOR QUE CONTRIBUI PARA A DENEGAÇÃO DA JUSTIÇA

CLEZIDE FRANSCICO SILVA JUNIOR

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Direito da Universidade de Brasília como parte do requisito para obtenção do diploma de Bacharel em Direito.

Aprovado pelos membros da banca examinadora em ______ / ______ / ______ , com menção

______________ , ( ____________________________________________________ ).

Banca Examinadora

__________________________________

Prof. Vallisney de Souza Oliveira

__________________________________

Prof. _______________________

__________________________________

Prof. _______________________

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AGRADECIMENTOS

Ao Grande Arquiteto do Universo, por ter guiado todos os meus passos.

Aos meus queridos e saudosos pais, Clezide e Zaire, que infelizmente partiram tão

cedo, pelo amor, carinho, dedicação e esforço para prover minha educação e formação.

À minha querida esposa, Ivonete, e amados filhos, Camila e Rodrigo, que sempre

estiveram junto a mim, pelo estímulo de todos os dias para prosseguir e superar os óbices de

percurso nas fases desse estudo.

Aos meus irmãos, pelo incentivo perene para a conclusão dessa jornada.

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RESUMO

O presente estudo tem por objetivo examinar a problemática do exercício abusivo do direito de recorrer no sistema recursal cível brasileiro. Tal questão, como espécie de abuso do direito processual, mostra-se como fator que contribui para a denegação da justiça. O tema é atual e recorrente no cotidiano dos tribunais. Representa um dos mais significativos óbices para que se alcance uma prestação jurisdicional tempestiva, definitiva e justa. A doutrina e a legislação processual civil abordam o assunto com superficialidade. Para tanto, o estudo extraiu do sistema recursal cível, relevantes aspectos doutrinários. Lograram-se breves considerações sobre os fundamentos do direito de recorrer, os princípios recursais básicos e, ainda, quanto ao efeito suspensivo dos recursos. Em seguida, chegou-se ao abuso do direito processual, tratando-se de suas manifestações e conseqüências no âmbito do processo civil. Pela estreita relação com o escopo da pesquisa, os deveres processuais e a litigância de má-fé foram analisados. Com base em casos concretos, procurou-se tecer considerações sobre julgados relacionados a tais fatores, desenvolvendo o tema com fulcro no posicionamento doutrinário atual, mediante a teoria objetiva do abuso do direito. Aplicada à questão recursal, essa tendência assevera que o exercício abusivo de recorrer traz danos ao processo e, naturalmente, proveito para o sujeito que o pratica. Foram também observados os aspectos do projeto do Novo Código de Processo Civil pertinentes ao conteúdo pesquisado, bem como as sanções previstas na legislação processual. Por fim, chegou-se à conclusão de que o desvio do direito de recorrer, cristalizado na forma de abuso, é fator potencial que ofende a dignidade da justiça. Procrastinar a solução do feito em demasia é retardar a justiça, consequentemente, denegando-a.

Palavras-chaves: Abuso. Direito de recorrer. Direito processual.

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ABSTRACT

This study aims to examine the problem of abusive exercise of the right to appeal civil appeal system in Brazil. This question, as a species of abuse of procedural law, it is shown as a factor that contributes to the denial of justice. The current theme is recurring in daily courts. Represents one of the most significant obstacles to reaching a timely adjudication is final and fair. The doctrine and civil procedural legislation addressing the issue with superficiality. To this end, the study drew from the civil appeal system, relevant aspects of doctrine. Succeeded to briefly consider the merits of any appeal, the appellate basic principles and also on the suspensive effect of appeals. Then, it was the abuse of procedural law, in the case of its manifestations and consequences in civil proceedings. Because of the close relationship with the search scope, duties and procedural litigation in bad faith were analyzed. Based on concrete cases, we tried to make considerations on trial related to these factors, developing the core issue with the current doctrinal position, through the objective theory of abuse of rights. Applied to the appellate issue, asserts that this tendency to call the abuse causes damage to the process and, of course, benefit to the individual who practices it. Were also observed aspects of the project of the New Code of Civil Procedure pertaining to the content searched, and the penalties provided for in procedural law. Finally, we reached the conclusion that the deviation of the right to appeal, crystallized in the form of abuse, is a potential factor that offends the dignity of justice. Procrastinating the solution of too much is done to delay justice, thus denying it.

Keywords: Abuse. Right to appeal. Procedural law.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

Ag - Agravo de Instrumento

AgRg - Agravo Regimental

AO - Ação Originária

Art. - Artigo

CD - Câmara dos Deputados

CF - Constituição Federal

Cfr. - Conferir

CN - Congresso Nacional

Coords. - Coordenadores

CPC - Código de Processo Civil

DJE - Diário da Justiça Eletrônico

DJU - Diário da Justiça da União

EC - Emenda Constitucional

EDcl - Embargos de Declaração

MJ - Ministério da Justiça

MP - Ministério Público

Rel. - Relator, Relatora

REsp - Recurso Especial

RMS - Recurso em Mandado de Segurança

STF - Supremo Tribunal Federal

STJ - Superior Tribunal de Justiça

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ................................................................................................................... 8

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 10 1 SISTEMA RECURSAL CÍVEL ........................................................................................ 15

1.1 Conceito de recurso ...................................................................................................... 15 1.2 Fundamentos do direito de recorrer ........................................................................... 19

1.3 Princípios básicos .......................................................................................................... 25 1.3.1 Princípio do duplo grau de jurisdição .................................................................... 26

1.3.2 Princípio da taxatividade ......................................................................................... 28 1.3.3 Princípio da singularidade ...................................................................................... 29

1.3.4 Princípio da fungibilidade ....................................................................................... 31 1.3.5 Princípio da proibição da reformatio in pejus ....................................................... 33

1.4 Efeito suspensivo dos recursos ..................................................................................... 35 2 O ABUSO DO DIREITO PROCESSUAL ........................................................................ 38

2.1 O Processo Civil e a tutela jurisdicional ..................................................................... 38 2.2 O abuso do processo: manifestações e consequencias ............................................... 45

2.3 Deveres processuais e a litigância de má-fé ................................................................ 53 3 O EXERCÍCIO ABUSIVO DO DIREITO DE RECORRER ......................................... 70

3.1 Posições doutrinárias atuais ........................................................................................ 70 3.2 Projeto do Novo Código de Processo Civil: aspectos relacionados ao tema ............ 79

3.3 Sanções ........................................................................................................................... 86 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 94

REFERÊNCIAS ...................................................................................................................... 99

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APRESENTAÇÃO

As manifestações recorrentes de insatisfação da população pela forma como o Poder

Judiciário tem conduzido a atividade jurisdicional, principalmente no que tange à celeridade

do processo, refletem o aparente distanciamento para se alcançar uma prestação jurisdicional

tempestiva, definitiva e justa.

Ocorre que, muitas das críticas dirigidas aos órgãos da Justiça, carecem de argumentos

fundamentados e ancorados em estudos de maior amplitude com base na doutrina, no

ordenamento legal e na estrutura política e jurídica.

É temerário atribuir ineficácia a todo um sistema processual elegendo apenas questões

pontais, como por exemplo, o exercício abusivo do direito de recorrer, desconsiderando a

complexidade que as demandas individuais e supra-individuais atuais exigem para a solução

pacífica dos conflitos de toda ordem na sociedade.

Dentre os anseios mais prementes dos jurisdicionados, figura o acesso à uma Justiça

qualitativa, que disponha de instrumentos eficientes para a composição justa da lide. Tal fato

tem sido perseguido ao longo do tempo por movimentos de renovação e de atualização do

direito processual.

Nesse sentido, verifica-se que o atual Código de Processo Civil (CPC), mesmo com

vigência anterior à Constituição Federal (CF) de 1988, avançou na regulação processual civil,

ajustando-a à realidade social daquele período, pois o CPC de 1939 já estava defasado e

anacrônico.

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Hoje, o Projeto do Novo CPC, em tramitação na Câmara dos Deputados (CD), nas

palavras do Senador José Sarney,

[...] pretende atender aos reclamos dos cidadãos no sentido de garantir um novo Código de Processo Civil que privilegie a simplicidade da linguagem e da ação processual, a celeridade do processo e a efetividade do resultado da ação, além do estímulo à inovação e à modernização de procedimentos, garantindo o respeito ao devido processo legal1.

Em suma, espera-se que as profundas reformas esperadas sejam concretizadas e

ataquem, com todo vigor, os problemas processuais, como por exemplo, o abuso do direito

processual, buscando agilizar a ação da Justiça.

                                                                                                                         1 ANTEPROJETO do Novo Código de Processo Civil. Brasília: Senado Federal, Subsecretária de Edições Técnicas, 2010. Pronunciamento do Senador José Sarney, Presidente do Senado Federal, ao receber da Comissão de Juristas o Anteprojeto.  

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INTRODUÇÃO

O Direito Processual Civil é fascinante e instigante. Possui características, normas e

princípios próprios necessários à resolução de conflitos contidos na esfera de regulação do

direito privado. Abarca inúmeras possibilidades de pesquisa e estudo por elencar diversos

comandos normativos que apontam para um caminho a ser perseguido no âmbito do processo

civil para diversas situações.

Todavia, em um cenário onde a complexidade de demandas, aliada a uma litigiosidade

sem precedentes, não está associada ao dinamismo doutrinário, jurisprudencial e de produção

jurídico-legislativa, muitas questões de cunho processual permanecem sem remédios

normativos adequados que afastem a morosidade da justiça na composição da lide.

Sabe-se, entretanto, que não basta produzir leis. As pessoas querem tão somente boas

leis revestidas de cunho prático e que possam realmente, quando aplicadas, proporcionar

àqueles que batem à porta do Judiciário o pronto e justo atendimento aos seus interesses,

quando contrapostos.

Por outro lado, desconsiderando os problemas estruturais e administrativos da Justiça,

as respostas quanto à celeridade processual estão aquém do almejado pelas partes que

integram a relação processual. A prestação jurisdicional tempestiva e definitiva não é

alcançada num prazo razoável. Isso tem levado a um descrédito da jurisdição pela população.

Nesse sentido, pronunciou-se o Ministro Luiz Fux2: “É aqui e alhures não se calam as

vozes contra a morosidade da Justiça. O vaticínio tornou-se imediato: “Justiça retardada é

Justiça denegada”, e com esse estigma, arrastou-se o Poder Judiciário, conduzindo o seu

desprestígio a índices alarmantes de insatisfação aos olhos do povo”.

                                                                                                                         2 Presidente da Comissão de Juristas encarregada da elaboração do Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil e atual Ministro do Supremo Tribunal Federal.  

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A dinâmica processual civil não pode ficar refém de formalismos desnecessários ou de

manejo inadequado de recursos com fins meramente protelatórios, que desviem a finalidade

do processo e, conseqüentemente, obsta sua efetividade e celeridade.

Aos poucos, tal quadro está sendo revertido pela iniciativa de movimentos

renovadores e reformistas atinente ao processo civil. O esforço de processualistas, juristas,

doutrinadores, magistrados e outros profissionais do direito que atuam nessa área, somados à

cooperação significativa dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, proporcionaram

modificações de peso na legislação processual civil. A Emenda Constitucional nº. 45, de 8 de

dezembro de 2004, que estabeleceu a Reforma do Judiciário, marcou o início dessa fase.

Ademais, a legislação infraconstitucional que se seguiu após esse novel comando

constitucional simplificou procedimentos. Para exemplificar, cita-se a Lei nº. 11.277, de 2 de

fevereiro de 2006, que alterou os artigos 504, 506, 515 e 518 do Código de Processo Civil

(CPC) em vigor, relativamente à forma de interposição de recursos, ao saneamento de

nulidades processuais, ao recebimento de recurso de apelação e a outras questões.

Em 2008, com a introdução do artigo 543-C no CPC, pela Lei nº. 11.6723, de 2 de

maio daquele ano, deu-se um importantíssimo passo no aprimoramento da prestação

jurisdicional. O princípio da celeridade processual, cuidando-se da segurança jurídica, passou

a ter maior relevância, pois se alterou a sistemática de julgamento de Recursos Especiais

repetitivos no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Vale ressaltar que, diante de tantas propostas que se concretizaram para eliminar

óbices que abalam a efetividade e celeridade processual, impedindo que o processo tenha uma

duração razoável, cabe uma indagação: por que persiste ainda crise na Justiça?

                                                                                                                         3 Acresceu o artigo 543-C ao Código de Processo Civil, estabelecendo o procedimento para o julgamento de recursos repetitivos no âmbito do Superior Tribunal de Justiça.  

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Sobre esse tema, existe uma infinidade de respostas. Sem dúvida, o exercício abusivo

do direito de recorrer é uma delas. Enquadra-se como componente da vertente jurisdicional

que procura entender as causas limitadoras no sistema recursal cível que tornam o processo

mais complicado e menos rápido e direto.

A propósito, é interessante e curioso notar que “a única referência que se faz ao abuso,

na legislação processual civil, é a previsão do artigo 273, II, do CPC, (abuso do direito de

defesa)”4, descrito a seguir:

Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:

I – [...]

II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.

Quanto ao abuso do direito na interposição de recursos, o problema não é novo.

Conhecido há bastante tempo, é pouco discutido na doutrina, principalmente no que diz

respeito aos meios legais para reprimi-lo.

Entende-se que ocorre pelo fato de nosso sistema recursal cível ser dotado de uma

pluralidade de recursos que são apreciados na segunda instância e também nos Tribunais

Superiores, conforme disposição legal, considerando a especificidade de cada situação

submetida a julgamento.

A esse respeito, “recorrer é um direito, de que se pode abusar, e de que amiúde se

abusa largamente com graves prejuízos para uma das partes, que não pode descansar do

incômodo da demanda”5.

                                                                                                                         4 ABDO, Helena Najjar. O abuso do processo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 19.  5 CASTRO FILHO, José Olímpio de. Abuso de Direito no Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1960, p. 156.  

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No linguajar popular, tem-se a expressão: “ganha mas não leva”, ou melhor, a parte

ganha a causa, mas não consegue obter os benefícios de uma sentença vitoriosa a seu favor.

Tal fato ocorre porque a outra parte da relação processual, inconformada com a decisão

judicial em seu desfavor, recorre até onde é possível, no intuito de protelar, atuando para

mudar totalmente ou reformar parcialmente o que havia sido decidido em instância inferior.

A partir do exposto anteriormente, o presente estudo destaca o exercício abusivo do

direito de recorrer no sistema recursal cível como espécie de abuso do Direito Processual e

fator que contribui para a denegação da Justiça.

Pode-se dizer que a principal motivação da pesquisa em curso deu-se pelo fato da

doutrina nacional, que versa sobre assunto tão relevante, apresentar limitada produção que

esclarecesse por completo os atos que embaraçam o processo, uma vez que o CPC e o projeto

do Novo CPC, tratam superficialmente, em seus dispositivos, a referida questão.

Deste modo, o desenvolvimento do estudo deu-se conforme as partes destacadas a

seguir.

O primeiro capítulo traça as linhas básicas do Sistema Recursal Cível brasileiro. Tal

abordagem mostra-se fundamental para melhor compreensão do desenrolar do tema. Na

terminologia jurídica, o recurso tem significado em sentido lato e estrito. Entretanto, foi

considerada apenas a definição específica de recurso (sentido estrito) por ajustar-se

adequadamente aos aspectos aqui discutidos, conforme a recorribilidade processual. Ainda

nesta parte do estudo, ao tratar dos fundamentos do direito de recorrer, procurou-se esclarecer

que não só o inconformismo das partes, quanto à decisão proferida, fundamenta o exercício de

impugnação em um sistema jurídico. Ao discorrer sobre os princípios básicos na esfera

recursal no âmbito do processo civil, verificou-se que existem opiniões doutrinárias

dissonantes ao se referirem ao duplo grau de jurisdição.

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O capítulo finaliza destacando o efeito suspensivo dos recursos, que, por procrastinar a

formação da coisa julgada, tem sido muito criticado por adiar a eficácia da decisão recorrida.

Por outro lado, torna-se necessário, pois as decisões que tornam-se objeto de impugnação

podem ser reformadas.

O segundo capítulo versa sobre o abuso do Direito Processual. O Direito Processual

Civil e a tutela jurídica, ambos direcionados para a realização da Justiça, têm relevância

extrema na concretização dos escopos do processo. No prosseguimento das ideias, com a

análise do dever de verdade e de lealdade processual, foi possível identificar o abuso no

processo com maior clareza, quando tais deveres gerais processuais estão ausentes. Ademais,

a litigância de má-fé constitui caso de abuso do processo nas hipóteses elencadas no art. 17 do

CPC.

No terceiro e último capítulo, vislumbrou-se atingir o ápice da questão fática e da

problemática ora em discussão, quer seja, o exercício abusivo do direito de recorrer como

espécie de abuso do direito processual. Nesse diapasão, serão apreciadas posições doutrinárias

atuais e os aspectos relacionados ao tema no projeto do Novo CPC. Ao final, analisam-se

alguns casos concretos de julgados com situações de abuso ao recorrer, onde a oposição de

embargos de declaração manifestamente protelatórios distorce o exercício da recorribilidade.

Também serão apreciadas as sanções postas pela legislação.

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1 SISTEMA RECURSAL CÍVEL

1.1 Conceito de recurso

O Sistema Recursal Cível brasileiro, muito discutido no cotidiano forense e na

academia, tem sido atualizado para atender às demandas hodiernas que permeiam a

processualística civil. É composto pelo instituto jurídico do recurso.

No Direito Processual Civil brasileiro em vigor, algumas particularidades delimitam

esse instituto, como bem aponta Barbosa Moreira.

Não ministra o Código de Processo Civil uma definição de recurso; examinando-se, porém, as várias figuras ali arroladas sob esse nomen iuris, verifica-se que o denominador comum de todas elas consiste em que o seu uso não dá margem à instauração de novo processo, senão que apenas produz a extensão do mesmo processo até então fluente6.

O referido argumento torna-se importante porque distingue o recurso das outras ações

autônomas de impugnação7.

Outros traços característicos dos recursos que serão vistos adiante referem-se ao

impedimento para a formação da coisa julgada e da voluntariedade da parte que,

inconformada com a decisão, resolve recorrer.

Faz-se importante notar que

[...] o vocábulo recurso provém do latim recursus, cujo significado (curso retrógrado, caminho para trás, volta) revela a exata ideia do instituto jurídico: nova compulsão das peças dos autos para averiguação da existência de algum defeito na decisão causadora da insatisfação do recorrente.8

                                                                                                                         6 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil de 1973. Vol. V. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 232.  7 Remédios processuais utilizados contra decisões judiciais já transitadas em julgado, dando margem à instauração de novo processo. Um exemplo típico é a ação rescisória.  8 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 3.  

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Na nomenclatura jurídica, normalmente o recurso tem significado estrito. Todavia, em

sentido lato, em obras não específicas, considera-se que instrumentos como a ação rescisória,

a reclamação constitucional, o mandado de segurança, entre outros, mesmo não sendo

recursos, quando interpostos para proteger direito, enquadram-se na categoria recursal.

Outros mecanismos processuais, denominados de sucedâneos recursais9, como por

exemplo, a correição parcial e o pedido de reconsideração, desempenham função recursal

quando visam à impugnação de decisão judicial.

Vale destacar que a doutrina majoritária atem-se aos recursos com significado estrito.

No Código de Processo Civil (CPC) não há conceituação desse instituto no Título X,

conforme o princípio da taxatividade recursal. Revestem-se de tecnicismo para sua

admissibilidade, seguindo critérios próprios na legislação processual civil.

Objetivamente, os recursos são definidos como

[...] meios de impugnação às decisões judiciais previstos em Lei, que podem ser manejados pelas partes, pelo terceiro prejudicado e pelo Ministério Público, com o intuito de viabilizar, dentro da mesma relação jurídico-processual, a anulação, a reforma, a integração ou o aclaramento da decisão judicial impugnada”10.

O processualista Nelson Nery Junior11 já havia formulado conceito semelhante

extraído com base na análise do CPC. Ao ampliar suas considerações quanto ao motivo da

impugnação ser vício formal do ato impugnado ou vício de conteúdo, afirma que “tanto o

error in procedendo, que enseja a anulação da decisão, quanto o error in judicando, causa de

sua reforma, são corrigíveis por meio de recurso”.12

                                                                                                                         9Não são ações autônomas de impugnação nem recurso. São formas de impugnação de decisão judicial, conforme previsão legal no âmbito do processo civil.  10 MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recursos e ações autônomas de impugnação – Processo Civil moderno. Vol. 2. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 30.  11 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios Fundamentais – Teoria Geral dos Recursos. 5. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 184.  12 Ibidem, p. 180.  

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Conforme se depreende dos conceitos postos até então, é defeso ao órgão jurisdicional

manejar recursos, pois a interposição destes se dá conforme o caput do art. 49913 do CPC. No

Direito Processual Civil brasileiro não existe recurso ex offício.14

Ocorre que, com base no artigo anteriormente citado, ao tratar dos legitimados para

recorrer, desponta questão interessante no que diz respeito ao impedimento ou à suspeição na

situação prevista no art. 31415 do CPC. Por conseguinte, tem-se o seguinte questionamento: é

possível o juiz recorrer?

Para suprir a superficialidade ou provável lacuna de tal abordagem no CPC, Nelson

Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery16, referindo-se aos artigos 314 e 499 do CPC,

asseveram que:

Os réus dos incidentes de exceção de suspeição ou impedimento (juiz, membro do MP, perito, intérprete e serventuário da justiça), se vencidos em exceção julgada procedente, serão afastados do processo e condenados nas custas e despesas processuais do incidente (CPC 314). Contra essa decisão adversa, terá o excepto legitimidade e interesse em interpor recurso para vê-la reformada. Se o excepto for juiz, somente caberá RE ou REsp, mas não RO, desde que atendidos os pressupostos constitucionais (CF 102 III e 105 III), pois a procedência da exceção se dá por acórdão de tribunal; se o excepto for membro do MP, perito, intérprete ou serventuário da justiça e a procedência da exceção tiver sido decretada por: a) juiz singular, caberá o recurso de agravo, pois se trata de decisão interlocutória (CPC 162 § 2º e 522); b) por tribunal,caberá somente RE ou REsp, mas não RO, desde que atendidos os pressupostos constitucionais (CF 102 III e 105 III).

À luz dos esclarecimentos acima, essa é uma situação excepcional; entretanto, possível

de acontecer. Concretizado o incidente processual, o juiz pode figurar como parte passiva na

exceção de suspeição ou impedimento. Assim, terá legitimidade para recorrer e, dependendo

do caso, interpor recurso especial ou recurso extraordinário contra o acórdão do Tribunal que                                                                                                                          13 Art. 499, do CPC. O recurso pode ser interposto pela parte vencida, pelo terceiro prejudicado e pelo Ministério Público.  14 Cf. MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil de 1973. Vol. V. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 233: “Como é notório, o estatuto de 1939 falava, no art. 822, em apelação necessária ou ex offício, para aludir ao ato por que o próprio juiz submetia sua sentença ao tribunal. O vigente diploma afastou-se desse modelo, a despeito da expressão apelação voluntária, que escapou ao legislador no antigo parágrafo único do art. 475, e onde o adjetivo podia fazer supor a existência de apelação que não fosse voluntária”.  15 Art. 314, do CPC. Verificando que a exceção não tem fundamento legal, o tribunal determinará o seu arquivamento; no caso contrário condenará o juiz nas custas, mandando remeter os autos ao seu substituto legal.  16 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil comentado. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 806; 975.  

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18

deu provimento à exceção. O juiz excepto terá capacidade postulatória, dispensando-se

advogado para a interposição do recurso, se assim desejar.

No Direito Processual Civil brasileiro, as correntes doutrinárias enumeram múltiplas

conceituações para o instituto jurídico-processual denominado recurso. Todas apontam para

uma terminologia jurídica, onde os conceitos apresentados para definir tal termo são postos

com termos semelhantes.

Chega-se à referida conclusão pela compilação de diversas obras elaboradas por

renomados processualistas e estudiosos do direito de recorrer. Não poderia ser diferente, uma

vez que, para a composição do conceito, o supedâneo foi a lei para dotar o recurso de

essenciais particularidades.

Obviamente, alguns conceitos de recursos são mais elaborados, redigidos com

amplitude proposital a fim de melhor diferenciá-los de outros meios de impugnação. Outros,

sintéticos, porém, com núcleo elucidativo e de fácil entendimento. Ambos cumprem a

finalidade, quer seja definir recurso em conformidade com a doutrina e a legislação

processual civil.

Finalmente, em complemento ao assinalado anteriormente, no que diz respeito à

conceituação de recurso, características fundamentais e especificidades, serão apresentados

conceitos que, dentre tantos outros, indubitavelmente contribuirão para a plena e necessária

correlação das idéias que darão seguimento aos próximos tópicos a serem discutidos.

Assim, nas lições de Bernardo Pimentel Souza,

[...] em sentido estrito, ou seja, em linguagem técnica, e à luz do direito brasileiro, o recurso pode ser assim definido: remédio jurídico voluntário que pode ser utilizado em prazo peremptório pelas partes, pelo Ministério Público e até por terceiro prejudicado, apto a ensejar a reforma, a cassação, a integração ou o esclarecimento de decisão jurisdicional, por parte do próprio julgador ou de tribunal ad quem, dentro do mesmo processo em que foi lançado o pronunciamento causador do inconformismo”17.

                                                                                                                         17 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 3.  

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19

Na concepção de José Carlos Barbosa Moreira, “pode-se conceituar recurso, no direito

processual civil brasileiro, como remédio voluntário idôneo a ensejar, dentro do mesmo

processo, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração de decisão judicial que se

impugna”18.

Ultrapassadas as observações acerca de noções conceituais sobre a definição jurídica

de recurso e seus aspectos característicos, a seguir, tem-se a discussão quanto aos

fundamentos do direito de recorrer.

1.2 Fundamentos do direito de recorrer

O direito de recorrer é entendido pela doutrina majoritária como continuação do

exercício do direito de ação. É uma garantia constitucional assegurada com base no art. 5º,

LV, da Constituição Federal (CF). Adquire relevância no sistema jurídico por sinalizar para a

realização da Justiça em sua plenitude, o que significa impedir o prejuízo a algum dos

litigantes quando a prolação de decisão judicial ensejar imperfeição e, consequentemente,

contrariar a correta aplicação do direito.

Acerca da ação, fundamental por projetar o direito de recorrer como sua própria

extensão, as partes envolvidas na relação jurídica, ao exercê-la, almejam obter do Estado uma

prestação jurisdicional. Esta pode ser justa ou injusta, favorável ou desfavorável, a depender

da situação ou pólo em que se coloque o jurisdicionado.

Em nossa Carta Magna, o direito de ação garante o acesso à justiça: “A lei não

excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, conforme redação do

art. 5º, inciso XXXV. Logo, observa-se que a ação possui natureza constitucional,

extremamente importante na condução do devido processo legal (art. 5º, inc. LIV, CF/88).

                                                                                                                         18 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil de 1973. Vol. V. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 233.  

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20

Assim é que

[...] a doutrina dominante distingue, porém, a ação como direito ou poder constitucional – oriundo do status civitatis e consistindo na exigência da prestação do Estado – garantido a todos e de caráter extremamente genérico e abstrato, do direito de ação de natureza processual, o único a ter relevância no processo: o direito de ação de natureza constitucional seria o fundamento do direito de ação de natureza processual19.

Ainda, para melhor compreensão do direito de recorrer e seus fundamentos, convém

destacar o conceito de ação. Donizetti20 afirma que “a ação é o meio de se provocar a tutela

jurisdicional do Estado, que será exercido mediante o processo, independentemente da

existência ou não do direito material invocado – o que só será resolvido ao final, com o

julgamento de mérito”.

Por outro lado, Theodoro Júnior21 entende que a ação é “o direito a um

pronunciamento estatal que solucione o litígio, fazendo desaparecer a incerteza ou a

insegurança gerada pelo conflito de interesses, pouco importando qual seja a solução a ser

dada pelo juiz”.

Diante de tais considerações gerais sobre o direito de ação, pretende-se nas colocações

a serem formuladas adiante sobre o direito de recorrer, limitá-las ao que está circunscrito pela

doutrina dominante, quer seja, o recurso como uma forma do exercício do direito de ação no

segundo grau de jurisdição.

Quanto a isso, cabe esclarecer que a existência de correntes doutrinárias que discutem

o recurso como ação constitutiva autônoma, cujo pensamento, em apertada síntese, está

expresso a seguir:

                                                                                                                         19 DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo. 18. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 256.  20 DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de Direito Processual Civil. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 46.  21 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria Geral do Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento. Vol. 1. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 51.  

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21

A corrente de pensamento que entende o recurso como uma ação autônoma de impugnação das decisões judiciais, com a finalidade de modificá-las (natureza desconstitutiva), quer para anular a decisão formalmente inválida, quer para reformar a decisão injusta, tem como seus principais defensores Gilles, Betti, Provinciali, Mortara, Guasp e Del Pozzo, entre outros.

Fazem eles um paralelo entre o direito de ação e o de recorrer, identificando este último como sendo o exercício, após a decisão judicial, do próprio direito de ação. Para tanto, exigem a presença das condições da ação recursal bem como dos pressupostos recursais.

Dão ao recurso a natureza jurídica de ação autônoma de impugnação de conteúdo constitutivo negativo, já que o recurso visa a desconstituição da decisão judicial”.22

No Direito Processual Civil brasileiro e, consequentemente, no Sistema Recursal

Cível, essa linha de pensamento doutrinário não prevaleceu. Por outro lado, a doutrina

predominante ocupa-se em estabelecer que o recurso é continuação do procedimento,

compreendido no direito de ação. Por conseguinte, não confere autonomia ao direito de

impugnar decisão judicial. A tese de Rocco, processualista italiano, defende esse

posicionamento, conforme evidenciada a seguir nas lições de Nery Júnior:

Doutrina Rocco que o direito de impugnar está compreendido no direito de ação.

Nega, no entanto, autonomia esta ação de impugnação, salientando que ela pressupõe sempre o exercício de outras faculdades que as normas processuais consideram cronologicamente precedentes ao recurso.

Trata o recurso como sendo uma faculdade e não um ônus ou obrigação, voltada à impugnação de decisão judicial quanto ao seu aspecto formal e material.

Concebendo o recurso como atividade compreendida no direito de ação, guardando, portanto, essa natureza jurídica, não vacila em afirmar, entretanto, ser o recurso uma renovação do procedimento.

Nada obstante, continua a expor sua teoria, reforçada agora com a tratativa dos requisitos da ação recursal, que são equiparados aos requisitos para a propositura de toda e qualquer ação. Exige ele que, para propor uma ação de impugnação, o interessado deve ter legitimidade e interesse consubstanciado na sucumbência, que nada mais são do que as condições da ação existentes no direito positivo brasileiro (art. 267, VI, do CPC)”.23

Percebe-se , conforme o exposto, que o direito de recorrer não enseja outra ação; segue

pressupostos que se assemelham aos da ação, exigindo legitimidade e interesse da parte que

inconformada, resolve impugnar a decisão judicial.

                                                                                                                         22 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios Fundamentais – Teoria Geral dos Recursos. 5. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 185.  23 Ibidem, p. 190-191.  

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22

Cabe ainda salientar que, em tese, o direito de recorrer, como continuação do direito

de ação, ocorre no mesmo processo. Com isso, a decisão de instância inferior é submetida à

análise no juízo hierarquicamente superior.

O inconformismo da parte, ocasionando a apreciação da decisão de primeiro grau pela

instância superior quando há interposição de recurso, é entendido pela doutrina brasileira

como um dos fundamentos do direito de recorrer.

A via recursal é o caminho que deve ser percorrido no sistema jurídico, estabelecido

pela legislação processual civil, para os casos assim previstos no Direito Civil. Se não houver

recurso, a decisão judicial que contraria o interesse do litigante não poderá ser impugnada ou

atacada e, naturalmente, não será demonstrada a irresignação do sucumbente.

Como um dos fundamentos do direito de recorrer, o inconformismo das partes quanto

à decisão proferida, contrariamente a seu interesse, justifica-se pelo fato de ninguém ser

infalível. O juiz pode cometer algum erro e julgar mal, proferindo sentença defeituosa e

injusta. Nesse sentido, considera-se que “tendo em vista a falibilidade do ser humano, não

seria razoável pretender-se fosse o juiz homem imune de falhas, capaz de decidir de modo

definitivo sem que ninguém pudesse questioná-lo em sua fundamentação ao julgar”24.

Ademais, faz parte do comportamento de qualquer pessoa não acatar decisão em seu

desfavor. Se o adversário sair vitorioso no litígio, fatalmente não haverá aceitação da parte

vencida e, consequentemente, motivação para ser revisto o que fora decidido inicialmente.

                                                                                                                         24 NERY JUNIOR, Nelson. Teoria Geral dos Recursos. 6. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 39.  

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23

A propósito, é certo que tal fundamento, diante do que representa no processo civil,

concretiza o princípio do duplo grau de jurisdição. Promovendo a ilustração e o resgate

histórico dessa questão, tem-se constatado por meio de estudos acerca do direito romano que

[...] evidentemente foram os próprios romanos que, sentindo a necessidade de haver novo julgamento sobre a causa já decidida, instituíram o duplo grau no principado, após o período inicial do procedimento no direito romano clássico, onde era negado o exercício do direito de recorrer25.

Outro fundamento apontado pela doutrina para justificar a razão de ser dos recursos ou

do direito de recorrer é “o interesse do próprio Estado em que a decisão seja proferida

corretamente”26.

Nesse sentido, objetivamente, faz-se essencial que a eficiência e a credibilidade da

justiça quando ocorre a atuação estatal no exercício da jurisdição. Com finalidade corretiva, a

estrutura do sistema jurídico disponibiliza instrumentos legais e efetivos de controle e

acompanhamento da atividade judicante.

A CF, ao destinar competência recursal a órgãos colegiados, como disciplinado no art.

108, inciso II, por exemplo, procura garantir o acesso à via recursal, como forma de se

alcançar uma Justiça melhor qualificada. É o que se pode depreender pela redação, por

exemplo, do dispositivo exposto a seguir:

Art. 108. Compete aos Tribunais Regionais Federais:

I – [...]

II – julgar, em grau de recurso, as causas decididas pelos juízes federais e pelos juízes estaduais no exercício da competência federal da área de sua jurisdição.

                                                                                                                         25 NERY JUNIOR, Nelson. Teoria Geral dos Recursos. 6. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 38.  26 MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recursos e ações autônomas de impugnação – Processo Civil moderno. Vol. 2. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 28.  

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24

No CPC, existe referência à correção da sentença, como dispõe o art. 463.

Art. 463. Publicada a sentença, o juiz só poderá alterá-la: I – para lhe corrigir, de ofício ou a requerimento da parte, inexatidões materiais, ou lhe retificar erros de cálculo; II – por meio de embargos de declaração.

Assim, diante da constatação de pronunciamentos defeituosos quando da prolação da

sentença por magistrados, a via recursal é entendida como forma de controle no processo

civil, capaz de impedir imperfeições nas decisões judiciais.

Ao litigante sucumbente é possível exercer o direito de recorrer para que possa ter

pleno convencimento e certeza de que não houve erro no julgado. Isso só ocorre quando, na

interposição do recurso previsto na legislação processual, a decisão inicial é submetida ao

reexame por outro órgão judicial.

Outro fundamento do direito de recorrer, acentuado pela doutrina, corresponde à

uniformização para a aplicação do direito. A esse respeito, posiciona-se o professor Bernardo

Pimentel Souza: “Se não houvesse o sistema recursal, o risco da subsistência de julgados

antagônicos diante de casos idênticos seria ainda maior, o que causaria inegável descrédito em

relação ao Poder Judiciário”27.

A finalidade que tal fundamento induz ao proporcionar a uniformização da

jurisprudência leva a crer que, com a interposição de recursos, necessariamente haverá

unidade de inteligência na aplicação de normas constitucionais e federais.

Diante do fato,

[...] é o que sucede com os recursos extraordinário e especial. Decerto, a aplicação do direito pelo órgão judicante seria precária se não permitisse preservar a unidade de sua compreensão, evitando interpretações divergentes do direito positivo. Intenta-se, por isso, na medida do possível, à recondução da unidade de inteligência da norma, em função do entendimento unificador e estabilizador que lhe devem dar os tribunais28.

                                                                                                                         27 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 7.  28 MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recursos e ações autônomas de impugnação – Processo Civil moderno. Vol. 2. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 30.  

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25

O Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ), nos casos

de conhecimento e provimento dos recursos extraordinários e especiais, respectivamente, têm

dado respostas satisfatórias à sociedade quando acionados em questões complexas e

polêmicas trazidas por esses recursos. Desempenham relevante papel ao dirimir dúvidas

dessas novas demandas, proporcionando segurança jurídica com a estabilização do direito.

Vale destacar que a uniformização da jurisprudência está regulada no CPC pela

redação dos artigos 476, 477, 478 e 479. Os Tribunais, no exercício de suas competências, na

publicação de seus acórdãos, tomam a mesma direção do STF e STJ, em relação à formação

de uma jurisprudência sólida, quer seja, estipulam balizas e parâmetros com base nas matérias

impugnadas dos órgãos judiciários a quo, com o fim maior de cristalizar a aplicação do

direito.

Finalmente, quanto aos fundamentos do direito de recorrer, conclui-se, por

conseguinte que, estes fixam os contornos e limites dos princípios básicos do sistema recursal

cível.

1.3 Princípios básicos

No sistema recursal cível, o estudo de seus princípios proporciona a amplitude

necessária para o entendimento da processualística civil em sede recursal. Não é de hoje que,

tanto a doutrina quanto a jurisprudência, analisam a incidência dos princípios fundamentais

dos recursos no processo civil. O objetivo almejado prende-se ao encontro de alternativas

adequadas para aperfeiçoar a sistemática atual de interposição dos diversos recursos em nosso

sistema jurídico.

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26

Diante de tais considerações e mesmo pela importância que esses princípios

representam para a convergência das ideias afetas ao abuso do direito de recorrer, tornou-se

obrigatório destinar algumas linhas a fim de comentá-los.

1.3.1 Princípio do duplo grau de jurisdição

Vários doutrinadores explicam tal princípio apegando-se basicamente à reapreciação

de uma decisão judicial por outro juízo. No entendimento de Araken de Assis,

[...] ao vencido na primeira apresentação da solução do conflito, raramente convencido desse resultado, a lei confere o direito de provocar outra avaliação do seu alegado direito, de ordinário perante o órgão judicial diverso e de superior hierarquia. Às vezes, a reapreciação ocorre perante o mesmo órgão judiciário, alterada ou não a composição originária29.

Para justificar o referido princípio, a argumentação que se faz é que ocorre maior

possibilidade de acerto na segunda decisão, levando-se em conta que no órgão judicial de

hierarquia superior, os juízes são mais experientes, atuam em colegiado e, consequentemente,

encontram-se melhor habilitados para proferir uma decisão sem falhas.

Por outro lado,

[...] os opositores do princípio do duplo grau de jurisdição afirmam que, se os órgãos superiores são mais capazes de realizar boa justiça, a demanda deveria ser lhes encaminhada diretamente; caso contrário, não sendo presumivelmente melhores os julgadores de segunda instância, não haveria razão para a adoção do duplo grau, ante o risco de se substituir uma decisão correta por outra errônea30.

É certo que o princípio do duplo grau de jurisdição já existia em diversos sistemas

jurídicos em épocas remotas. A própria história do Direito trata de tal princípio no direito

romano, que serviu de modelo para a construção da doutrina e de institutos jurídicos de

muitos países.

                                                                                                                         29 ASSIS, Araken de. Manual dos Recursos. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 70.  30 MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recursos e ações autônomas de impugnação – Processo Civil moderno. Vol. 2. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 47.  

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27

No Império Romano,

[...] duas características do sistema recursal cumpre ressaltar: a primeira, não só o duplo grau de jurisdição restava garantido a partir do estabelecimento da justiça pública em Roma, como também a pluralidade de instâncias, o que permitia à parte apresentar mais de uma apelação; e, segunda, a existência de limitações ao direito de recorrer em razão do grau hierárquico do prolator da sentença31.

Assim, da análise reflexiva do referido princípio, pode-se aferir que, em sua essência,

não houve mudanças ao longo do tempo. O princípio se impõe como instrumento cabível para

sanar falhas e possibilitar que haja certeza e segurança, com maior probabilidade de se ter

uma decisão submetida à revisão que, em tese, estará isenta de erros.

Quanto a isso, Barbosa Moreira destaca:

A verdade, porém, é que a garantia de mais provável acerto resulta, principalmente, de uma circunstância especial: o controle exercido pelo juízo ad quem beneficia-se da presença, nos autos, de material já trabalhado, já submetido ao crivo do primeiro julgamento, e ao da crítica formulada pelas próprias partes, ao arrazoarem, num sentido e noutro, o recurso32.

Vale acrescentar ainda que a aplicação de tal princípio não é ilimitada. Em

determinadas hipóteses, é vedado o cabimento de recurso. O art. 519 do CPC prevê, por

exemplo, o caso em que ocorre irrecorribilidade da decisão judicial33.

                                                                                                                         31 ARAUJO, Thicianna da Costa Porto. O princípio do duplo grau de jurisdição. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande do Sul, 56, 31 ago. 2008. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5030>. Acesso em: 06 mai. 2011.  32 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil de 1973. Vol. V. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 237-238.  33 Art. 519, do CPC. Provando o apelante justo impedimento, o juiz relevará a pena de deserção, fixando-lhe prazo para efetuar o preparo. Parágrafo único. A decisão referida neste artigo será irrecorrível, cabendo-lhe ao tribunal apreciar-lhe a legitimidade.  

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28

1.3.2 Princípio da taxatividade

Em nosso ordenamento jurídico, é sabido que compete ao Congresso Nacional (CN) a

elaboração de leis que versem sobre matérias de competência privativa da União, conforme

disposição do art. 22, I, da CF. Dentre tais matérias, insere-se o direito processual.

Obviamente, é defeso aos estados-membros legislar sobre questão recursal, incorporada no

processo civil.

O texto constitucional é claro e afasta de plano a competência concorrente e residual

desses entes políticos para legislar, criando ou extinguindo recursos previstos em lei federal. É

por essa razão que “a vedação à criação de novos recursos é fruto da adoção do princípio da

taxatividade, segundo o qual somente são considerados como tais aqueles designados, em

numerus clausus, pela lei federal”34.

No CPC, os recursos estão enumerados no art. 496, que possui a seguinte redação:

Art. 496. São cabíveis os seguintes recursos: I – apelação; II – agravo; III – embargos infringentes; IV – embargos de declaração; V – recurso ordinário; VI – recurso especial; VII – recurso extraordinário; VIII – embargos de divergência em recurso especial e em recurso extraordinário.

Todavia, no CPC, os artigos 120, parágrafo único, 532, 545 e 557, § 1º, referem-se à

interposição de agravos internos, e no art. 544, de agravo contra decisão que não admite

recurso especial ou recurso extraordinário.

                                                                                                                         34 NERY JUNIOR, Nelson. Teoria Geral dos Recursos. 6. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 49.  

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29

1.3.3 Princípio da singularidade

Esse princípio é também denominado de princípio da unicidade ou da

unirrecorribilidade. Sucintamente, significa que, para cada tipo de decisão judicial, será

interposto apenas um recurso para impugná-la, de acordo com as especificidades de

adequação prevista na legislação processual.

A esse respeito, Nelson Nery Junior afirma que “para cada ato judicial recorrível há

um único recurso previsto pelo ordenamento, sendo vedada a interposição simultânea ou

cumulativa de mais outro visando à impugnação do mesmo ato judicial”35.

À luz desse entendimento, observa-se que a apelação é interposta para impugnar

sentença, conforme o art. 513, do CPC. Do mesmo modo, os agravos na forma retida e por

instrumento são cabíveis nas situações definidas no art. 522, do CPC, em se tratando de

decisões interlocutórias passíveis de ataque.

Todavia, o principio da singularidade recursal comporta exceções. Contra uma mesma

decisão é possível a oposição de embargos declaratórios e a interposição de outro recurso.

“Além de poder ser impugnada por recurso específico, toda decisão jurisdicional pode ainda

ser atacada por meio de embargos declaratórios, recursos que podem ser interpostos até

mesmo em conjunto”36.

Em julgado do STJ, em 2002, não foram conhecidos os embargos de declaração

opostos por contrariar o princípio da unirrecorribilidade dos recursos, transcrito abaixo:

Ag n. 438.568/SC – AgRg – Edcl, 1ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 2 de dezembro de 2002, p.248: PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PRINCÍPIO DA UNIRRECORRIBILIDADE DOS RECURSOS. 1. O princípio da unirrecorribilidade, vigente no sistema processual civil brasileiro, veda, em regra, a interposição simultânea de vários recursos contra a mesma decisão judicial. 2. Embargos de declaração não conhecidos37.

                                                                                                                         35 NERY JUNIOR, Nelson. Teoria Geral dos Recursos. 6. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 119.  36 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 114.  37 Ibidem, p. 114.  

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30

Como dito anteriormente, pelo princípio da unirrecorribilidade ou unicidade dos

recursos, não é possível a interposição simultânea de vários recursos contra a mesma decisão

judicial. O sistema recursal, em regra, veda a simultaneidade e privilegia a sucessividade

recursal. Assim, em seu voto, o Ministro Luiz Fux (Relator) consignou que

[...] a pretensão da embargante não merece prosperar. Isto porque, atacando o mesmo acórdão, proferido em sede de agravo regimental, a empresa já interpôs um outro agravo regimental, protocolado anteriormente a estes embargos. Assim, tendo em vista o mencionado princípio da unirrecorribilidade, não são admissíveis os presentes embargos.38

Outra exceção acerca do princípio da singularidade recursal está configurada no art.

498 do CPC.

Art. 498. Quando o dispositivo do acórdão contiver julgamento por maioria de votos e julgamento unânime, e forem interpostos embargos infringentes, o prazo para recurso extraordinário ou recurso especial, relativamente ao julgamento unânime, ficará sobrestado até a intimação na decisão nos embargos.

Diante de tal sistemática, o CPC permite que haja interposição simultânea de recursos

pelas partes em relação ao mesmo acórdão. Assim, resta estabelecido que as partes poderão

interpor simultaneamente embargos infringentes, recurso especial quando um dos

fundamentos do acórdão tiver natureza infraconstitucional e recurso extraordinário quando o

outro fundamento tratar de matéria constitucional.

Ainda sobre essa discussão, existem posicionamentos contrários, com expressão

argumentativa com base na complexidade das decisões dos acórdãos, integrada por capítulos

distintos.

                                                                                                                         38  Extrato de texto do voto do Ministro Luiz Fux da 1ª Turma do STJ ao julgar o EDcl no AgRg no Agravo de Instrumento n. 438.568 - SC.  

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31

Nas considerações de Barbosa Moreira tem-se o devido esclarecimento:

[...] assim, por exemplo, se a Câmara, no julgamento da apelação, decide reformar a sentença de mérito, por unanimidade quanto a uma parte da matéria impugnada ou por simples maioria quanto a outra parte, nesta caberão embargos infringentes (art. 530), e naquela, possivelmente, recurso extraordinário e/ou especial: tal hipótese, regulada pela expressa disposição do art. 498, não constitui, no que tange aos embargos, verdadeira exceção ao princípio de que ora se trata: para fins de recorribilidade, cada capítulo é considerado como uma decisão per se39.

No mais, é oportuno lembrar que nos casos de sucumbência recíproca, poderá haver

mais de um recurso sobre o mesmo pronunciamento judicial. Em se tratando de sentença,

cada parte poderá apelar naquilo que lhe foi desfavorável, atribuindo-se ao autor e réu o

direito de recorrer valendo-se de um único meio de impugnação, que é o recurso de apelação

adequado contra sentença.

1.3.4 Princípio da fungibilidade

No sistema recursal cível, a incidência do princípio da fungibilidade aplica-se quando

existir dúvida objetiva da parte para interpor determinado recurso, inexistência de erro

grosseiro e que o recurso tenha sido interposto no prazo previsto para a impugnação adequada

à decisão judicial proferida. Em suma, tal princípio permite que um recurso interposto seja

trocado por outro, desde que se configurem essas hipóteses.

Atualmente existem questionamentos se ainda é possível ocorrer fungibilidade

recursal. Mas, em que pese ter o legislador envidado esforços para simplificar a prática

recursal no CPC em vigor, a resposta tem sido sim. Diversos julgados de Tribunais referem-se

a esse princípio, decidindo pela sua aplicação.

                                                                                                                         39 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil de 1973. Vol. V. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 249.  

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32

Na abordagem dos requisitos para incidência da fungibilidade, há o entendimento de

que a dúvida objetiva “pode se originar da imprecisão dos termos da lei, da divergência

doutrinária quanto à natureza do pronunciamento e da circunstância de o juiz proferir um

pronunciamento em lugar de outro”40.

Como exemplo, tem-se uma dessas situações no CPC: o art. 395 trata como sentença o

ato que resolve o incidente de falsidade ou autenticidade de documento. Outras imprecisões

permeiam o CPC, gerando certas dúvidas.

Quanto ao erro grosseiro, ocorre “quando o inconformado interpõe recurso em total

desconformidade com o texto legal e em desacordo com a orientação uniforme dos doutores e

dos tribunais, em relação ao recurso adequado”.41 Seria caracterizado no caso onde, em vez de

apelar na situação prevista no art. 29642, do CPC, o recorrente agrava da sentença. Isso não

justifica a aplicação da fungibilidade.

Por fim, no que diz respeito ao prazo, a jurisprudência aponta no sentido de considerar

a fungibilidade quando o recurso errôneo, ao ser interposto, atender ao prazo previsto na

legislação processual correspondente ao recurso cabível. Em oposição, alguns processualistas

consideram o prazo irrelevante, argumentando que bastaria a constatação de dúvida objetiva e

inexistência de erro grosseiro.

                                                                                                                         40 MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recursos e ações autônomas de impugnação – Processo Civil moderno. Vol. 2. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 64.  41 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 121.  42Art. 296. Indeferida a petição inicial, o autor poderá apelar, facultando ao juiz, no prazo de 48 horas, reformar sua decisão. Parágrafo único. Não sendo reformada a decisão, os autos serão imediatamente encaminhados ao tribunal competente.  

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33

1.3.5 Princípio da proibição da reformatio in pejus

Explicitamente não consta no sistema recursal cível a proibição de reforma de decisão

judicial que implique para o recorrente uma piora naquilo que foi objeto de sua insatisfação e

tenha sido alcançado pelo julgamento do recurso.

Não é difícil entender porque isso ocorre. Seria anormal e contrário ao direito, o

tribunal ad quem ao julgar um recurso, interposto por uma das partes que logrou uma vitória

parcial no julgamento da causa, retirar-lhe tal conquista.

Em razão disso, decorre que “é ao recorrente que cabe delimitar o âmbito do mérito

recursal, devendo deduzir razões de impugnação e formular pedido de reforma da decisão

(âmbito de devolutividade do recurso)”43.

Todavia é possível ocorrer uma reforma da decisão desfavorável ao recorrente, mesmo

tendo o órgão ad quem o dever de julgar o recurso pela delimitação do inconformismo

descrito pela parte que realiza a impugnação: “O órgão ad quem deve examinar a questão

posta nestes limites e não pode piorar a situação do recorrente, a não ser que esta piora

decorra da cognição de matéria de ordem pública, de ofício ou acolhendo preliminar(es)

alegada(s) pelo recorrido em contra-razões”44.

Vale destacar que não haverá reforma para pior se a parte contrária tiver provido pelo

Tribunal o recurso que venha a interpor. Da mesma forma, se houver decisão contrária ao

único recorrente, na situação em que são conhecidas ex offício questões de ordem pública45.

                                                                                                                         43 MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recursos e ações autônomas de impugnação – Processo Civil moderno. Vol. 2. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 67.  44 Ibidem, p. 67.  45O CPC, em seu art. 267, § 3º, trata do conhecimento de ofício pelo juiz de matéria de ordem pública em qualquer tempo e grau de jurisdição.  

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34

Para a segunda hipótese (matéria de ordem pública), como ilustração, tem-se a

seguinte situação em que há sucumbência recíproca:

João pleiteia de Pedro indenização por ato ilícito; a sentença acolhe parcialmente o pedido, condenando o réu a pagar danos emergentes, mas rejeita os lucros cessantes, que se conforma com o ato; o autor, porém, apela no órgão ad quem para obter a verba que lhe fora negada. O tribunal julga o autor parte ilegítima (art. 267, VI, do CPC) ou reconhece a existência de coisa julgada (art. 267, V, do CPC)46.

Quanto aos fundamentos desse princípio, afirma Nelson Nery Júnior que

[...] em nosso direito positivo não há regra explícita a respeito da proibição da reformatio in peius. Essa proibição, que entre nós efetivamente existe, é extraída do sistema, mais precisamente da conjugação do princípio dispositivo, da sucumbência como requisito de admissibilidade e, finalmente, do efeito devolutivo do recurso47.

Com relação ao art. 475, inciso I, do CPC que versa sobre remessa obrigatória para

confirmação de sentença pelo Tribunal quando proferida contra a União, o Estado, o Distrito

Federal e o Município, e as respectivas autarquias e fundações de direito público, existem

opiniões divergentes na doutrina quanto à aplicação da reformatio in pejus em sentença

desfavorável contra órgão estatal.

No caso de agravamento da Fazenda Pública, isto é, ter ocorrido reforma para pior na

análise da decisão submetida ao reexame necessário pelo Tribunal, existe jurisprudência do

STF48 que nega essa possibilidade, julgando o acórdão sem efeito ou nulo.

Com a mesma inteligência, o STJ posicionou-se por meio da Súmula n°. 45: “No

reexame necessário, é defeso, ao Tribunal, agravar a condenação imposta à Fazenda Pública”.

                                                                                                                         46Situação hipotética e ilustrativa extraída de ASSIS, Araken de. Manual dos Recursos. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 104; 112.  47 NERY JUNIOR, Nelson. Teoria Geral dos Recursos. 6. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 119.  48STF, 11.12.1984, R.E. nº. 103.875, in D.J. de 8.2.1985, p. 849, In: MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil de 1973. Vol. V. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 434.  

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35

De outra parte, há quem discorde, sustentando a argumentação de que

[...] a remessa obrigatória não é recurso, mas condição de eficácia da sentença. Por tal razão estaria incorreto desviar-se o raciocínio de reforma da sentença sujeita ao duplo grau obrigatório, para que se a examinasse sob o ângulo da reformatio in peius, instituto que se refere única e exclusivamente aos recursos49.

1.4 Efeito suspensivo dos recursos50

O efeito suspensivo, ou também conhecido como obstativo, para o senso comum, é

tido como um dos gargalos que procrastinam as decisões judiciais, impedindo, naturalmente,

a formação da coisa julgada. Como visto, o efeito essencial é adiar a eficácia da decisão

recorrida.

Ao tratar dessa questão, BARBOSA MOREIRA diz que

[...] a expressão efeito suspensivo é, de certo modo, equívoca, porque se presta a fazer supor que só com a interposição do recurso passem a ficar tolhidos os efeitos da decisão, como se até esse momento estivessem eles a manifestar-se normalmente. Na realidade, o contrário é que se verifica: mesmo antes de interposto o recurso, a decisão, pelo simples fato de estar-lhe sujeita, é ato ainda ineficaz, e a interposição apenas prolonga semelhante ineficácia, que cessaria se não se interpusesse o recurso52.

Como visto, o ato decisório permanece sem eficácia quando atacado por recurso com

efeito suspensivo, impedindo-se, conforme o caso, a execução imediata ou mesmo provisória,

segundo previsão do CPC, nos dispositivos presentes no art. 475, I, § 1º, segunda parte, e no

art. 521, segunda parte.

                                                                                                                         49 NERY JUNIOR, Nelson. Teoria Geral dos Recursos. 6. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 190.  50 O presente tópico encerra o conteúdo correspondente ao Capítulo 1- Sistema Recursal Cível. Este capítulo, basicamente, teve como objetivo apresentar uma visão geral do sistema recursal, buscando-se ressaltar e esclarecer determinados aspectos que serão mais coerentes e essenciais para uma relação com o abuso do exercício do direito de recorrer. Assim, sob esse prisma, será tratado apenas o efeito suspensivo que, para o trabalho em tela, possui maior congruência e identidade com os demais pontos da pesquisa.  52 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil de 1973. Vol. V. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 258.  

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36

Outra característica do efeito suspensivo é que sua incidência pelo manejo de

determinado recurso cabível à questão recorrida deverá ser de acordo com o previsto em lei.

Realmente é o que ocorre com a apelação que, em princípio, será recebida com efeito

suspensivo, conforme o caput do art. 520, CPC.

Em relação ao agravo de instrumento, a sistemática é diferente. Segue outro

procedimento quando pode ser recebido com efeito suspensivo se o relator do recurso

entender que se encontram presentes os requisitos referidos no art. 558, CPC53.

Nota-se ainda que determinadas questões afetas ao efeito suspensivo dos recursos

merecem uma análise com maior profundidade, haja vista que não estão dispostas com clareza

no sistema recursal do CPC, gerando dúvida.

Como exemplo, é possível questionar: como será a extensão do efeito suspensivo na

apelação quando a sentença for impugnada em parte? Há disposição legal no art. 505, do

CPC, que prevê tal situação mas, em consequência, não existe o devido esclarecimento.

Segundo Nelson Nery Júnior, na situação descrita anteriormente,

[...] surge a dúvida sobre a extensão do efeito suspensivo do recurso, se alcança apenas a parte da decisão objeto de impugnação, permitindo a execução provisória da parte não impugnada, ou se, ao contrário, o efeito suspensivo se estenderia à totalidade da decisão, impedindo a eficácia mesmo do capítulo que não fora objeto de impugnação54.

Referindo-se ainda a tal problemática, o referido processualista, com base no direito

processual suíço, assevera que:

Há quem entenda que, possuindo a apelação característica de novum iudicium, sua interposição faz com que o efeito suspensivo em que é recebida se estenda por toda a sentença, ainda que se trate de apelação parcial, pois as exceções estipulando executividade provisória parcial à sentença deveriam vir expressis verbis na lei. O problema está equacionado, ao nosso ver com equívoco, porque a doutrina suíça fala em execução provisória da parte não recorrida da sentença, quando, na verdade, se trata de execução definitiva, pois naquela parte a sentença já transitou em julgado55.

                                                                                                                         53MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recursos e ações autônomas de impugnação – Processo Civil moderno. Vol. 2. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 109.  54 NERY JUNIOR, Nelson. Teoria Geral dos Recursos. 6. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 453.  55 Ibidem, p. 454.  

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37

Conforme o exposto, faz-se necessário que sejam atendidas determinadas condições

diante da possibilidade da execução definitiva da parte da sentença já transitada em julgado,

em se tratando de recurso parcial. A divisão da decisão em capítulos e autonomia entre as

partes da decisão para o que será impugnado e aquilo que será passível de execução seriam

condições a serem observadas.

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38

2 O ABUSO DO DIREITO PROCESSUAL

2.1 O Processo Civil e a tutela jurisdicional

No que tange às relações jurídicas particulares, o processo, utilizado como o

instrumento para o exercício da jurisdição, enfrenta óbices para ser efetivo e realizar, de

forma plena e definitiva, a Justiça. A razão maior disso decorre da constatação de que há um

sistemático e recorrente abuso processual.

Nestes últimos anos, principalmente com a promulgação da Constituição Federal (CF)

de 1988 e, posteriormente, com a Emenda Constitucional nº. 45, de 2004, e leis processuais

que alteraram o Código de Processo Civil (CPC) a partir de 2005, o processo civil passou por

profundas transformações.

Tais movimentos de reforma da legislação processual, ainda hoje presentes com o

projeto do Novo CPC, seguem um norte, quer seja, a satisfação do consumidor da jurisdição

que almeja uma justiça célere e pronta. Em síntese, o jurisdicionado deseja que sejam

atendidos os comandos constitucionais destinados à máxima eficácia da tutela constitucional

do processo.

Diante do exposto, revela-se extremamente oportuno relembrar a conceituação de

processo que é distinta de procedimento. Segundo Elpídio Donizetti, processo é “o método

pelo qual se opera a jurisdição, com vistas à composição dos litígios. É instrumento de

realização da justiça; é relação jurídica, portanto, é abstrato e finalístico”56.

                                                                                                                         56 DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de Direito Processual Civil. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 74.  

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39

Outras acepções acerca do que seja o processo caminham no mesmo sentido. Assim,

também é definido como “instrumento por meio do qual os órgãos jurisdicionais atuam para

pacificar as pessoas conflitantes, eliminando os conflitos e fazendo cumprir o preceito jurídico

pertinente a cada caso que lhes é apresentado em busca de solução”57.

Da análise dos conceitos apresentados, extrai-se o escopo jurídico do processo,

compreendido como “a atuação da vontade concreta do direito”.58 Todavia, há um enorme

fosso entre o ideal e o real sistema processual civil, cujo modelo precisa ser revigorado e

renovado sob pena de tornar esse escopo inatingível.

Nesse particular, vale apontar que o descompasso causado entre a atividade

jurisdicional e suas restrições não está unicamente na legislação processual. Em princípio,

provém do excessivo número de demandas que chegam ao Judiciário em progressão

geométrica.

Atualmente, os Tribunais e todas as instâncias judiciais estão abarrotados de

processos, causando assim, uma crise na Justiça. Tais conflitos, levados por uma cultura de

não aceitar acordo ou a conciliação prévia, se eternizam nos escaninhos do judiciário.

Todas estas circunstâncias que tornam a funcionalidade do sistema processual

reduzida, onde o processo, muitas vezes, tem sido inoperante para a obtenção da justa

composição da lide, foram traduzidas do seguinte modo:

Um sistema processual civil que não proporcione à sociedade o reconhecimento e a realização dos direitos, ameaçados ou violados, que têm cada um dos jurisdicionados, não se harmoniza com as garantias constitucionais de um Estado Democrático de Direito.

Sendo ineficiente o sistema processual, todo o ordenamento jurídico passa a carecer de real efetividade. De fato, as normas de direito material se transformam em pura ilusão, sem a garantia de sua correlata realização, no mundo empírico, por meio do processo59.

                                                                                                                         57 DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo. 18. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 23.  58 Ibidem, p. 24.  59 Trecho do pronunciamento da Exposição de Motivos para a elaboração do Novo Código de Processo Civil. In: ANTEPROJETO do Novo Código de Processo Civil. Brasília: Senado Federal, Subsecretária de Edições Técnicas, 2010, p.21.  

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40

A transcrição anterior merece atenção pelo fato de haver determinada vontade

político-institucional, proporcionada pela cooperação dos Poderes Executivo, Legislativo e

Judiciário, no sentido de restabelecer o equilíbrio do sistema processual, ajustando o processo

para a satisfação da sociedade em suas novas tendências.

Sucede, porém, que não basta o resultado justo das decisões judiciais. O que se

persegue é que haja menos complexidade e uma duração razoável do processo, conforme

previsto no art. 5º, inciso LXXVIII, CF60.

Da mesma forma, não se concebe o desvio de finalidade dos atos processuais com

intuito de embaraçar a Justiça e adiar a formação da coisa julgada. Para tal, deve-se aplicar

com rigor o previsto na lei processual, a fim de coibir e impedir o abuso do direito no

processo, manifestado corriqueiramente por meio de recursos manifestamente protelatórios61.

Parece, assim, que atuando na instrumentalidade do processo, tentando descomplicá-lo

e canalizando ações que limitem seu desvirtuamento, eliminando as formas de abuso,

provavelmente haverá uma correspondência maior com a efetividade.

Na abordagem da temática, ao tratar a efetividade do processo, relacionando-a com a

instrumentalidade, Barbosa Moreira assinala que:

Querer que o processo seja efetivo é querer que desempenhe com eficiência o papel que lhe compete na economia do ordenamento jurídico. Visto que esse papel é instrumental em relação ao direito substantivo, também se costuma falar da instrumentalidade do processo. Uma noção conecta-se com a outra e por assim dizer a implica62.

                                                                                                                         60 Art. 5º, LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.  61 Tal aspecto encontrar-se-á exposto no capítulo 3 do presente estudo.  62 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Por um processo socialmente efetivo. Revista de Processo, São Paulo, v. 27, n. 105, p. 181, Jan./Mar., 2002.  

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41

Prossegue ainda, numa linha de raciocínio, em que considera como escopo do

processo a atuação da lei:

Qualquer instrumento será bom na medida em que sirva de modo prestimoso à consecução dos fins da obra a que se ordena; em outras palavras, na medida em que seja efetivo. Vale dizer: será efetivo o processo que constitua instrumento eficiente de realização do direito material63.

Nesse sentido, pode-se depreender que, para a marcha processual seguir sem

obstáculos, é fundamental que o processo esteja legalmente instruído e que a atuação dos

sujeitos processuais seja conforme as normas de direito processual.

Tal aspecto vem corroborar a premissa de que a instrumentalidade do processo

constitui peça importantíssima que irá proporcionar adequadamente a consecução de todos os

propósitos norteadores do Direito Processual, legitimando a jurisdição e eliminando todos os

resíduos de insatisfação.

Sob esse aspecto, “o processo bem estruturado na lei e conduzido racionalmente pelo

juiz cônscio dos objetivos preestabelecidos é o melhor penhor da segurança dos litigantes”64.

Considerando ainda a questão da instrumentalidade processual e, como já observado, o

processo é dinâmico pela manifestação das partes, aos partícipes dessa relação jurídica,

incluindo-se o juiz, há imposição de deveres, direitos, ônus e faculdades. Cabe ao juiz exercer

sua função, garantindo às partes o devido processo legal. Entretanto, tem a atribuição de

dirigir e controlar o processo e pôr limites às atividades das partes, assegurando o dever de

lealdade processual.

                                                                                                                         63 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Por um processo socialmente efetivo. Revista de Processo, São Paulo, v. 27, n. 105, p. 181, Jan./Mar., 2002.  64 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1987, p. 383.  

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42

Dinamarco, ao referir-se à observância empírica da ordem processual e das formas do

procedimento, destaca:

Sem transformar as regras formais do processo num sistema orgânico de armadilhas ardilosamente preparadas pela parte mais astuciosa e estrategicamente dissimuladas no caminho do mais incauto, mas também sem renegar o valor que tem, o que se postula é, portanto, a colocação do processo em seu devido lugar de instrumento que não pretenda ir além de suas funções; instrumento cheio de dignidade e autonomia científica, mais nada mais do que instrumento65.

Acrescente-se a isso que a tendência do Direito Processual Civil caminha para a

efetividade do processo e, naturalmente, atingir seus escopos institucionais.

Em linhas gerais,

[...] o processo civil atual se encontra direcionado e condicionado aos resultados, não tolerando quaisquer comportamentos que impeçam a concretização do direito material e atentem contra a moralidade e a ética, destacando discussões acerca da aplicação da litigância de má-fé, do abuso de direito e da vedação da conduta contraditória66.

Em decorrência do que foi anteriormente tratado, é correto afirmar que pela via

processual, busca-se proteger o direito material. Quanto a isso, não resta dúvida! Todavia,

vale frisar que a prestação jurisdicional será realizada quando aquele que demandar o faça

atendendo às condições da ação67 para a instauração do processo.

Instaurado o processo, haverá consequentemente a resposta do Estado-juiz por meio da

prestação jurisdicional acerca da situação jurídica material controvertida. Segundo Elpídio

Donizetti, “a essa prestação jurisdicional que ultrapassa a simples resposta ao direito de ação

para definir ou satisfazer o direito material dá-se o nome de tutela jurisdicional”.68

                                                                                                                         65 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1987, p. 383.  66 PRETEL, Mariana Pretel e. A boa-fé objetiva e a lealdade no processo civil brasileiro. Porto Alegre: Núria Fabris Editora, 2009, p. 15.  67 São condições da ação: possibilidade jurídica do pedido; interesse de agir e legitimidade das partes.  68 DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de Direito Processual Civil. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 20.  

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43

Percebe-se assim que tanto a tutela jurisdicional quanto a prestação jurisdicional

decorrem do exercício do direito de ação. Por outro lado, enquanto todos têm direito a esta, só

o autor ou réu, caso seja titular efetivo do direito material, terão concedida a tutela

jurisdicional.

Para José Roberto dos Santos Bedaque, a tutela jurisdicional

[...] tem o significado de proteção de um direito ou de uma situação jurídica, pela via jurisdicional. Implica prestação jurisdicional em favor do titular de uma situação substancial amparada pela norma, caracterizando a atuação do Direito em casos concretos trazidos à apreciação do Poder Judiciário. É o estudo da técnica processual a partir do seu resultado e em função dele69.

Observa-se que a característica fundamental da tutela jurisdicional é que a mesma

encerra a lide e está intimamente ligada ao provimento jurisdicional final, protegendo o

direito caso seja atendida a pretensão da parte que o invocou.

Vale lembrar que a tutela jurisdicional pode ser concedida a favor do réu. À guisa de

exemplo, seria a situação no processo de conhecimento em que há improcedência do pedido

do autor pelo órgão jurisdicional que julga o feito.

Nessa abordagem contida sobre a tutela jurisdicional, convém relacioná-la com o

abuso do direito processual. Existindo o abuso, ficarão comprometidos os interesses levados a

juízo e, conseqüentemente, não serão protegidos e assegurados os direitos pleiteados. A tutela

jurisdicional não seria efetivada.

Como visto, o processo é o meio para atingir a tutela jurisdicional. Para se chegar até

ela, segue-se uma sequência lógica. Inicia-se com o exercício do direito de ação

desencadeando a prestação jurisdicional. No prosseguimento, instaura-se o processo seguindo

sua instrumentalidade com as formas procedimentais, de acordo com o devido processo legal.

Culmina com o julgamento do mérito e o provimento final ao ser prolatada a sentença.

                                                                                                                         69 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material sobre o processo. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 26.  

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44

Ocorre que, quando há manejo abusivo da via recursal com fins manifestamente

protelatórios, não há porque se falar em tutela jurisdicional. Tem-se como justificativa o fato

do direito não estar garantido e protegido efetivamente. Isto significa que o direito deixou de

ser dito.

Em nossa doutrina, a tutela jurisdicional é classificada de várias maneiras. A

classificação mais didática e metodológica considera o provimento jurisdicional em

consonância com a pretensão das partes nos casos de ameaça de lesão ou violação do direito.

Assim, pode-se dizer que a tutela cognitiva, a tutela executiva e a tutela cautelar, são espécies

de tutela jurisdicional.

Para Elpídio Donizetti,

[...] na doutrina clássica, entende-se por tutela cognitiva (ou de conhecimento) a que acerta o direito, ou seja, contém a afirmação acerca da existência ou não do direito postulado em juízo. Por sua vez, a tutela executiva é usualmente definida como a que engloba a satisfação ou realização de um direito já acertado. Finalmente, a tutela cautelar, como o próprio nome diz, tem finalidade acautelatória, buscando assegurar a efetividade de outro tipo de tutela (cognitiva ou executiva)70.

Outras classificações estão em sintonia com o Direito Processual moderno, onde a

tendência é o processo eficiente e rápido. Para tal, a tutela de urgência é concebida como uma

tutela jurisdicional diferenciada. Desdobra-se em tutela cautelar e antecipação de tutela. Sobre

tais tutelas que visam tornar útil o provimento final da Justiça, afastando a tutela tardia, mais

comum no procedimento ordinário, Humberto Theodoro Júnior explica:

A tutela cautelar apenas preserva a utilidade e eficiência do futuro e eventual provimento e a antecipação de tutela, por meios de liminares ou de medidas incidentais, permite à parte, antes do julgamento definitivo de mérito, usufruir, provisoriamente, do direito subjetivo resistido pelo adversário71.

                                                                                                                         70 DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de Direito Processual Civil. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 22.  71 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria Geral do Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento. Vol. 1. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 65.  

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Essas tutelas, como o próprio nome diz, são excepcionais e, se concedidas em

desacordo com o previsto na legislação processual, representam abuso de poder ou de direito.

Enfim, o Direito Processual Civil caminha para solucionar os litígios com maior

certeza e rapidez. Os aperfeiçoamentos no processo, como instituto maior para o exercício da

jurisdição e obtenção da tutela jurisdicional, refletem o vigor dessa tendência moderna do

Direito.

Todavia, em que pese os esforços nesse sentido, ainda há muito a se fazer para coibir,

limitar ou expurgar todas as formas de abusos processuais que simbolizam contrafortes de

grande magnitude a impedir a celeridade e a efetividade da prestação jurisdicional.

2.2 O abuso do processo: manifestações e consequências

O termo “abuso”, no contexto do Direito Processual Civil, vai de encontro aos pilares

que erguem o processo. Quando a sistemática processual é envolvida por atos contrários aos

direitos que estão em jogo na disputa de uma relação processual que visa tutelar o direito

material, o processo perde o foco. A efetividade, traduzida pela satisfação do provimento

final, perde força e os esforços canalizados na instrumentalidade ficam comprometidos. Esse

é o quadro que se emoldura nas situações caracterizadas pela doutrina como abuso do direito

processual.

O abuso é estudado como fenômeno e possui abrangência porque interfere nos escopos

do processo, obstruindo o alcance dos mesmos.

Em nossa doutrina, mesmo representando grande interesse de profissionais do Direito

em aprofundar essa temática, o abuso processual tem sido tratado com superficialidade.

Algumas obras, entretanto, buscam caracterizá-lo e sistematizá-lo, desnudando todas as suas

facetas e interferências no processo.

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Nas palavras de Helena Najjar Abdo, “a importância do tema reside em sua atualidade;

relevância prática; multidisciplinaridade (envolve aspectos do processo civil, do direito civil,

da teoria geral do direito e até mesmo da filosofia do direito)”72, entre outros aspectos.

Quanto à jurisprudência, os Tribunais são cautelosos nas questões de abuso

processual, provavelmente pela forte subjetividade presente nessas situações. Normalmente,

os acórdãos trazem as conclusões acerca da existência de litigância de má-fé.

Esta decorre de atos dolosos praticados pelas partes e seus procuradores no curso do

processo com a finalidade de causar dano processual ou embaraço nas decisões judiciais. No

CPC, a tipificação desta conduta está regulada no art. 17 e seus incisos. Já o art. 16 destaca:

“responde por perdas e danos aquele que pleitear de má-fé como autor, réu ou

interveniente”.73

Nessa questão, a litigância de má-fé reflete apenas uma forma de manifestação de

abuso. Entretanto, para se concretizar, é fundamental em sua análise, verificar que os atos

praticados pela parte na relação jurídica processual, tiveram feição anormal. Seria um

desvirtuamento do exercício do direito subjetivo, ou seja, o abuso desse direito.

Ao referir-se ao direito subjetivo, Daniel M. Boulos assevera que, “sendo a maior de

todas as armas, deve estar submetido ao controle do Direito que o assegura. Como realidade

jurídica, deve encontrar seus limites no próprio ordenamento jurídico do qual promana”74.

O indivíduo, ao extrapolar os limites impostos pela norma, comete o abuso do Direito,

que tem sido, na visão de juristas e estudiosos desse problema, o suporte para a formulação

doutrinária relacionada ao exercício abusivo do direito de demandar, do direito de defesa e do

direito de recorrer.

                                                                                                                         72 ABDO, Helena Najjar. O abuso do processo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 23.  73 Oportunamente, será melhor detalhada no tópico 2.3 deste capítulo.  74 BOULOS, Daniel M. Abuso do Direito no novo Código Civil. São Paulo: Editora Método, 2006, p. 37.  

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Os pressupostos da teoria do abuso do Direito, no ramo do Direito Privado, onde uma

das partes sofre os prejuízos com o abuso nas relações particulares, passaram a ser

considerados também no Direito Processual Civil. As distorções e desvios no exercício do

Direito Processual, passaram a afetar não somente os litigantes, mas também os órgãos

jurisdicionais, prejudicando-lhes em sua função pacificadora.

Ao comentar a inclusão dos componentes definidores do abuso do direito no processo,

José Olímpio de Castro Filho observou o seguinte:

[...] transplantaram-se para o processo civil as noções de abuso, dolo, fraude, culpa para compor a figura da lide temerária, ou para focalizar os direitos, deveres, ônus ou encargos ou limites à atividade das partes, tudo visando ao mesmo objetivo de não permitir que o processo, instrumento para a realização do direito, se constituísse em elemento para prejudicar a outrem (teoria subjetivista), ou em elemento para o exercício do direito em desacordo com a sua finalidade social (teoria objetivista)75.

Conforme o exposto, pode-se extrair que o abuso processual surge de atos

injustificados que culminam em dano à parte contrária e ao Estado. Este, em consequência,

não consegue exercer a jurisdição com certeza e rapidez, haja vista que a solução do litígio

não se concretiza satisfatoriamente.

É importante ressaltar que o ato abusivo no processo possui aparência de legalidade.

Não viola frontalmente a lei, mas carrega em si um desvio de finalidade daquilo que se propõe

alcançar.

Só há abuso quando se pratica o ato processual de modo irregular. Exemplificando:

seria o caso da oposição de embargos de declaração com propósito manifestamente dilatório

dificultando à efetividade processual.

                                                                                                                         75 CASTRO FILHO, José Olímpio de. Abuso do Direito no Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1960, p. 31.  

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A oposição de embargos de declaração é ato lícito no sistema recursal cível. É

facultado à parte fazê-la em juízo se assim desejar para sanar uma omissão, contradição ou

obscuridade na sentença ou acórdão. Todavia, esses recursos manejados com excesso e para

outra finalidade representam abuso no exercício de um direito processual.

Na situação anterior, as partes, consideradas como sujeitos processuais parciais na

relação processual, no afã de atingir seus objetivos e interesses na disputa processual,

protagonizam com maior constância, atos abusivos na dinâmica do processo.

Outras manifestações de abuso processual revelam-se por meio de condutas omissivas

ou comissivas, englobando não apenas as partes em conflito, mas seus procuradores, o

Ministério Público (MP) e eventualmente o magistrado.

O MP, na condição de parte e os procurados dos litigantes, ainda que conheçam a

legislação processual, a doutrina e a jurisprudência, também incorre nestes erros inescusáveis,

podendo ser responsabilizado pelos prejuízos causados tanto ao sujeito oponente quanto ao

Estado.

Contudo, vale destacar que os atos de abuso no processo podem surgir pela maneira

como o juiz o tem conduzido. Mesmo estando em posição de imparcialidade, pode atentar em

sentido contrário aos princípios e normas processuais. Ao valer-se da investidura de sua

autoridade, concedida pelo poder da jurisdição, procede ou faz uso desse poder com

irregularidade ao dirigir o processo. Configura-se assim, o abuso processual.

Ainda é interessante notar que o abuso no processo manifesta-se de formas não tanto

convencionais, com diferenças e consequências distintas das que já foram apontadas. Em uma

situação jurídica peculiar, onde há desvio de finalidade, aparência de legalidade, liberdade

para a prática do ato, mas ausência de conflito entre as partes, o abuso existe comprometendo

o exercício da jurisdição com o fim de pacificação social. Essa situação está prevista no art.

129 do CPC, sendo ressaltada por Helena Najjar Abdo:

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O abuso ocorre, em geral, quando o processo é desviado de suas finalidades institucionais e dirigido a outros fins alheios àqueles para os quais foi designado. Assim, quando dois litigantes simulam uma controvérsia em juízo (CPC, art. 129), desvirtuam o processo de seu escopo magno, qual seja o de pacificação social, pois, no caso concreto, o conflito não existe, é apenas simulado, não restando, portanto, qualquer conflito a ser pacificado76.

Para melhor compreensão do abuso descrito anteriormente, onde mostra-se patente o

desvio de finalidade do processo devido à simulação das partes (colusão), convém observar o

previsto no art.129 do CPC.

Art.129. Convencendo-se, pelas circunstâncias da causa, de que o autor e réu se serviram do processo para praticar ato simulado ou conseguir fim proibido por lei, o juiz proferirá sentença que obste aos objetivos das partes.

Conforme o exposto, o ato abusivo, ao manifestar-se na instrução processual, trouxe

conseqüências apenas para o Estado. As partes valeram-se do órgão jurisdicional para obter

um resultado em desconformidade com o direito, com uma pretensão infundada para ter um

resultado contrário à lei.

Tal conduta, numa análise plausível, merece total repulsa. Ao resultar em dano ao

Estado, justifica-se uma reação de plano, que importe em sanção rigorosa para coibir tal

abuso. É inconcebível acionar a Justiça de modo irresponsável, implicando em dispêndio de

tempo e custo sem uma conclusão que chegue ao provimento judicial final.

Ocorre que, o legislador processual, na redação deste artigo, limitou-se a autorizar o

juiz a anular o processo simulado tão logo perceba o intento escuso das partes. Assim, deverá

proferir sentença terminativa pela qual se extingue o processo sem resolução de mérito,

conforme previsto no art. 267, inciso VI, do CPC77.

                                                                                                                         76 ABDO, Helena Najjar. O abuso do processo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 85.  77 Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução do mérito: Inciso VI – quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual.  

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Como se percebe, no art. 129 do CPC, não consta sanção alguma para as partes. Estas

ingressaram em juízo de forma temerária e lesiva ao interesse público, provocando despesas e

tempo gasto do órgão judicial na apreciação de um processo simulado, com constatação de

abuso de Direito Processual.

De acordo com entendimento pessoal, o mais razoável e justo seria a imputação de

multa, a exemplo dos casos de litigância de má-fé, dispostos nos artigos 16, 17 e 18 do CPC78.

A aparência de legalidade do ato abusivo e o desvio de finalidade do instrumento

processual para se chegar a um escopo estranho, diverso do escopo institucional perseguido

na relação jurídica processual, representam os critérios mais efetivos para a identificação do

abuso processual.

A doutrina, entretanto, enumera outros requisitos para a classificação dos atos

abusivos. Faz sentido tal busca de critérios suplementares porque, diante do exercício de uma

situação jurídica subjetiva, onde o agente possui a titularidade para agir no curso do processo,

é fundamental distinguir o que é prática abusiva do mero erro ou uso equivocado de um

dispositivo processual.

Neste sentido, o processualista italiano Michele Taruffo dispõe:

Violating a procedural rule is not abusive per se in any case, since not every mistake is any abuse (as many reporters stressed). However, an unjustified gross procedural mistake may be considered as abusive, specially when its effects are unduly harmful to any other party, let alone when the law is consciously misapplied just in order to harass or to harm another party. Therefore the problem arises of how to distinguish simple violations of procedural rules (that may be considered as innocent or justifiable mistakes) from abusive violations of procedural rules (i.e.: instances of bad faith, harmful acts, unjustifiable breach of rules, gross mistake. fraudulent conduct, and so forth). The interpreter should use a more general and different standard according to which some violations of procedural rules may considered as abuses, while other violations are not abusive79.

                                                                                                                         78 Nesta pesquisa não se pretende discutir a intenção do legislador que não previu uma pena específica a ser atribuída àquele que comete dano processual ao Estado na conduta tipificada e já mencionada com fulcro no artigo 129 do CPC.  79 TARUFFO, Michele. Abuse of procedural rights: comparative standards of procedural fairness. The Hague/London/Boston: Kluwer Law International, 1998, p. 8.  

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Constata-se que Michele Taruffo leva em consideração que nem toda violação a uma

norma processual importa em ato abusivo. Salienta, entretanto, que especialmente erros

grosseiros e injustificáveis com efeitos prejudiciais e o desvio deliberado da lei para

incomodar ou causar dano a outra parte são tidos como violações abusivas às normas

processuais. Ressalta também que, por essa razão, surge o problema de como distinguir a

simples violação da norma processual, considerada como erro justificável e não intencional,

de condutas abusivas, tais como: atos fraudulentos e lesivos, má-fé, erros grosseiros e brechas

injustificáveis na lei.

Taruffo prossegue afirmando que, para a distinção de violação abusiva de outra não

abusiva, o intérprete deve utilizar um princípio ou uma norma mais geral e diferente, segundo

a qual algumas violações das regras processuais podem ser consideradas como abusos,

violações enquanto outras não são abusivas.

Para acrescentar ao já exposto, principalmente no que tange ao desvio de finalidade,

alçado como um dos critérios mais importantes para definir a existência de abuso, Helena

Najjar Abdo assevera que

[...] não basta o critério do desvio de finalidade para caracterizar o ato como abusivo. Em complemento a esse critério, devem ser observadas as circunstâncias de cada caso concreto, notadamente quanto à existência dos seguintes elementos: falta de seriedade do ato, ilicitude e ilegitimidade do escopo visado pelo agente, lesividade à administração da justiça e presença de dolo ou culpa80.

A boa-fé tem sido uma baliza para aferir ou formar um juízo de valor quanto à conduta

do sujeito da relação processual. Todavia, quando o agente atua de forma anômala no

processo, obstando a consecução dos seus escopos, enquadra-se normalmente nas situações

em que o CPC define, em seu art. 17, como litigância de má-fé. Tem sido comum em alguns

julgados a condenação de sujeitos processuais somente nessa modalidade de abuso de direito

processual.

                                                                                                                         80 ABDO, Helena Najjar. O abuso do processo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 101.  

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Conforme exposto, um erro justificável desprovido de ânimo para causar prejuízo à

outra parte ou mesmo embaraçar o processo é tido como simples violação de uma norma

processual. Não caracteriza um ato abusivo.

Assim, por exemplo, na hipótese de dúvida, há a interposição de um recurso que não é

adequado para a recorribilidade de determinada decisão judicial. Nesse caso, se estiverem

presentes os requisitos previstos para a aplicação do princípio da fungibilidade recursal81, o

recurso interposto não é considerado como instrumento que objetiva um desvio de finalidade.

Em consequência, não é ato abusivo ao exercício de um direito garantido pelo devido

processo legal.

Em tal dimensão, achou por bem o legislador de não engessar a legislação processual,

pois na aplicação da fungibilidade recursal, isentando o agente de prática abusiva, o

tecnicismo formal foi mitigado.

Outra discussão doutrinária acerca do abuso do processo é quanto ao dano ser

consequência ou decorrente da prática abusiva. Muitos doutrinadores entendem que o dano é

pressuposto da conduta abusiva no processo.

Nesse sentido, sustentam que se um direito processual for exercido de forma irregular

e resultar em desvio de finalidade sem no entanto ocasionar prejuízo a algum sujeito

processual, não há que se falar em abuso.

Contudo, a linha de argumentação que essa corrente doutrinária defende é que o abuso

do processo tem como origem de fundamentação teórica a teria do abuso do direito. Esta, por

conseguinte, prevê a existência de dano.

Neste contexto, vale destacar que o abuso manifesta-se para provocar efeitos negativos

na esfera jurídica do oponente na relação processual. Disso resulta o dano que pode causar

prejuízos materiais e morais à parte contrária.

                                                                                                                         81 Cfr. tópico 1.3.4 – Princípio da fungibilidade.  

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Por outro lado, a doutrina ocupa-se em estabelecer outras formas de danos decorrentes

de prática processual abusiva. Nesse particular, trata do agravamento do dano marginal,

entendido como a demora temporal para a entrega definitiva da prestação jurisdicional, devido

à tramitação do rito processual.

Sobre tal questão, Helena Najjar Abdo acrescenta que, “como o abuso do processo

provoca, no mais das vezes, quer direta, quer indiretamente, a procrastinação do feito,

costuma suceder aquilo que aqui se denomina potencialização do dano marginal, o qual deixa

de ser fisiológico para assumir o caráter patológico”82.

Em outra hipótese, as conseqüências negativas provenientes da manifestação do dano

processual atingem também o próprio Estado. A administração da Justiça fica prejudicada

com repercussões para a celeridade processual.

Ademais, o processo, desviado de sua finalidade, ao sofrer a ação de abuso, permanece

limitado, estrangulando a efetividade e, naturalmente, impedindo a plena satisfação do direito

material da parte que realmente é merecedora do provimento definitivo.

Com isso, deduz-se que, havendo prática processual abusiva, o interesse público, razão

de ser da jurisdição, será afetado pelos efeitos negativos do dano, independentemente de ter

alguma das partes sofrido prejuízo.

2.3 Deveres processuais e a litigância de má-fé

Nos tópicos antecedentes deste capítulo tratou-se mais especificamente de fatores que

ligados diretamente ao processo influenciam sobremaneira em sua instrumentalidade.

                                                                                                                         82 ABDO, Helena Najjar. O abuso do processo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 125.  

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Avaliou-se que, em decorrência da manifestação de atos abusivos, a prestação

jurisdicional fica comprometida, redundando em insatisfação do jurisdicionado que vê o dano

marginal ser potencializado. A consequência dessa situação alcança a efetividade e a

celeridade processual, com graves reflexos para a dignidade e administração da justiça.

Faz-se importante acrescer ao conteúdo já exposto, noções que ressaltam a

importância que se deve destinar ao cumprimento dos deveres processuais. Como

pressupostos básicos, são essenciais para a consecução dos escopos do processo.

Assim, a litigância de má-fé representa o oposto. Por se contrapor principalmente à

boa-fé e à lealdade processual, que explicitamente estão dispostas no art. 14 do CPC, inciso II,

como deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo, a

litigância de má-fé tem estreita ligação com o abuso de direito. Quando ocorre no processo,

caracteriza uma das formas de abuso, pois provoca um desvio intencional em sua finalidade

causando algum dano processual.

Tais questões correlacionadas diretamente com a dinâmica do processo servem para

ampliar o estudo da temática processual sob variados ângulos. Atualmente, o enfoque

converge principalmente para a morosidade da Justiça.

Embora ainda não se possa afirmar, mas limitando-se a ética no fenômeno jurídico

pela inobservância de deveres processuais ou desqualificando-os por não considerar o

relevante e fundamental papel que representam no processo, provavelmente não haverá

espaço para um processo probo.

Ademais, procedimentos e atos abusivos, como a litigância de má-fé terão campo fértil

para prosperar. Assim, terão fracassado todos os esforços por lealdade, probidade, boa-fé

processual, entre outros, abrindo-se um abismo entre o jurisdicionado e a essência da

processualística civil.

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Em uma visão crítica, questionadora e pragmática, despida de ideologia, faz-se

necessário repensar o processo e reinterpretar o Direito Processual Civil numa tentativa de

resgatar os princípios éticos e morais de toda ordem jurídica. Apesar do momento de ebulição

vivenciado com as atuais reformas das leis processuais, a correção de rumos há muito vem se

formando, mas ainda de forma tímida e incipiente.

Por tudo isso é que se discute a responsabilidade de todos os envolvidos na relação

processual. Para as partes, com mais ênfase, para postular em juízo, é exigido o correto

cumprimento dos deveres processuais. Sem mecanismos eficazes para vedar o abuso de

condutas contrárias à efetiva resolução das controvérsias, continuará existindo o

processamento de recursos abusivos com fins protelatórios e outros atos de abuso de direito

processual. Infelizmente, não há como negar que nessa situação, o processo passa a ser um

instrumento infiel e incoerente com as premissas magnas do Direito Processual Civil.

Assim sendo, em prol de se exprimir a significância que se deve dispensar aos deveres

processuais durante o transcorrer do litígio pela via judicial e, em contrapartida, os prejuízos

que podem advir quando a má-fé processual manifesta-se, faz-se importante destacar os

aspectos que dizem respeito a essa problemática.

Nesse panorama, verifica-se que os deveres processuais são tidos como um dos efeitos

provocados pelo processo em uma relação jurídica.

Segundo Humberto Theodoro Júnior, deveres, ônus e obrigações processuais são

efeitos que se apresentam na forma negativa. Com isto, quer dizer que

[...] incidem, de forma ampla, não apenas sobre as partes, mas também sobre o órgão julgador e seus auxiliares. Basta dizer que o Estado, através de seus órgãos judiciários tem o direito de investigar a verdade real, de apreender bens, de alienar bens e direitos das partes; mas tem, também, o dever de respeitar o devido processo legal, de assegurar às partes o contraditório etc., e, principalmente, de prestar a tutela jurisdicional, isto é, de dar solução ao litígio, quando regularmente deduzido em juízo84.

                                                                                                                         84 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria Geral do Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento. Vol. 1. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 87.  

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56

Aos litigantes, seus procuradores e nos casos com previsão legal onde terceiros

participam do processo, os principais deveres processuais que lhes cabem cumprir são o dever

de dizer a verdade, agir com boa-fé, proceder com lealdade e colaborar com a Justiça. Por

serem de natureza pública, seu descumprimento implica em sanções definidas conforme a

gravidade do ato e, naturalmente, ao dano causado ao processo.

Na doutrina, a classificação dos deveres processuais normalmente se dá em função da

especificidade do que o agente incumbido do dever realiza no processo. Assim, os juízes, as

partes, os procuradores e os auxiliares da justiça cumprem deveres específicos e deveres

gerais comuns a todos, tais como, a lealdade e a boa-fé processual.

Como o fulcro da pesquisa está direcionado para o exercício abusivo do direito de

recorrer, contido no abuso do processo e inserido no sistema recursal cível, a tônica das

abordagens estarão circunscritas apenas aos deveres das partes e de seus procuradores. Estes

sujeitos processuais, na disputa de seus interesses contrapostos, protagonizam situações onde

o desrespeito a esses deveres são mais constantes e comuns.

Ainda, diante desse recorte de conteúdo, supõe-se que a correspondência aos aspectos

característicos da litigância de má-fé, atribuídos às condutas desses partícipes da relação

processual relativas a esses deveres, será melhor identificada, podendo com isso haver uma

correlação com outros pontos preliminarmente examinados.

Sobre a importância de uma análise reflexiva quanto aos deveres processuais, é

pertinente a opinião de Paulo Henrique Soares Lucon que, ao tratar da responsabilidade civil

processual, considera o seguinte: “Um dos temas relevantes do processo civil na atualidade

diz respeito à responsabilidade das partes no processo civil, decorrente de deveres processuais

gerais e específicos”85.

                                                                                                                         85LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Fraude de execução, responsabilidade processual civil e registro à penhora. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre, v. 5, Mai./Jun. 2000, p. 131-145. Disponível em: <http://www.novo.direitoprocessual.org.br>. Acesso em: 23 mai. 2011.  

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Essa opinião reforça o que a doutrina e a legislação processual já indicam. Os atos

praticados pelas partes é que movimentam e impulsionam o processo, conduzido pelo

julgador. Sem a observância dos deveres processuais ou mesmo procedendo de forma

temerária ou irresponsável, as partes se assim procederem, tumultuarão a prestação

jurisdicional, trazendo logicamente embaraços ao rito processual.

No mesmo viés, a postura ética a ser assumida pelas partes quando participam da

relação jurídica processual é premissa primordial na consecução dos deveres processuais.

No CPC, o legislador explicitou a previsão de comportamento ético a ser perseguido

pelos sujeitos processuais de forma cristalina, ao estabelecer, no art. 14, condutas voltadas à

verdade, lealdade e boa-fé, conforme disposto na redação infra do caput deste artigo e dos

seus incisos I e II:

Art. 14. São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo: I – expor os fatos em juízo conforme a verdade; II – proceder com lealdade e boa-fé;

Nos incisos III, IV e V do artigo citado, as ações trazidas também são éticas do ponto

de vista que também representam comportamentos adequados e norteadores para o bom

desenvolvimento do processo. Entretanto, não serão abordadas neste tópico em face da

delimitação de conteúdo com fulcro para situações caracterizadoras dos deveres de verdade,

lealdade e boa-fé processual.

Ao comentar sobre a ética, Rui Stocco, com muita propriedade, salienta que “segundo

a ética, o homem, vivendo em sociedade, tem o dever moral de agir de boa-fé, enquanto,

segundo o direito, o homem tem obrigação legal de não agir de má-fé”86.

                                                                                                                         86 STOCO, Rui. Abuso do direito e má-fé processual: aspectos doutrinários. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 53.  

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58

Quanto à lealdade processual, prossegue dizendo “que a disposição contida no inciso

II do art. 14 do CPC tem natureza apenas programática, mas sem efetividade ou poder de

coerção, na medida em que não estabelece nenhuma sanção para a hipótese de a parte ou seus

procuradores agir com deslealdade”87.

As alegações do referido autor são pertinentes, oportunas e atuais, visto que no

mínimo cabe um questionamento: por que no próprio art. 14 não consta expressamente a

sanção correspondente ao desrespeito dos deveres das partes e de seus procuradores?

Provavelmente, quis o legislador, ao regular a responsabilidade das partes por dano

processual nos artigos 16, 17 e 18, tipificar as condutas e a forma de imputar a sanção quando

confirmada a violação. Todavia, pelo que se depreende da redação do art. 17, reuniu-se

determinados atos possíveis de serem executados por algum pólo da relação processual, sob a

espécie de abuso denominada de litigância de má-fé.

Nessa tipificação, presente nos incisos I ao VII do art. 17, não constou literalmente o

enquadramento de conduta contrária ao dever de lealdade e da boa-fé processual. Apenas,

houve referência ao dever de verdade.

Assim, pelo que se pode observar, é passível de sanção e consequentemente,

considerado litigante de má-fé, aquele que proceder conforme o art. 17, inciso II: “alterar a

verdade dos fatos”. Nesse particular, o legislador foi coerente porque resgatou o dever de

verdade processual citado no art. 14, inciso I: “expor os fatos em juízo conforme a verdade”.

Se for violado, ao litigante será imposta uma sanção.

                                                                                                                         87STOCO, Rui. Abuso do direito e má-fé processual: aspectos doutrinários. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 53.  

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59

O dever de verdade, reputa-se de tanta importância que, para Pontes de Miranda,

[...] as partes e seus representantes ou advogados têm o dever de fazer as suas comunicações de fato e enunciados de fato com inteireza e veracidade (sem omissão, que lhes altere a verdade). Quem omite, de jeito a não ser veraz, falta ao dever de veracidade. Quem expõe os fatos como não foram, ou não são, ainda que só ou nada lhes acrescente, não procede verazmente88 .

Quanto ao dever de boa-fé e lealdade processual, provavelmente por serem mais

abrangentes como norteadores dos princípios éticos do processo e estabelecidos como

paradigmas e imperativos de conduta das partes no transcorrer do processo, não foram

expressamente proclamados nas hipóteses do art. 17, caracterizadoras da litigância de má-fé.

A boa-fé, primordial para a eficiência e utilidade do processo, a muito é discutida e

estudada pela doutrina. Assim, acerca do assunto, vale transcrever o pensamento de Giuseppe

Chiovenda:

Impende ao litigante o dever de boa-fé, o que compreende: 1) a obrigação de não sustentar teses de que por sua manifesta inconsistência é inadmissível que o litigante esteja convencido; 2) a obrigação de não afirmar conscientemente coisas contraditórias à verdade; 3) a obrigação de comportar-se em relação ao juiz e ao adversário com lealdade e correção89.

Em uma análise do exposto pelo referido processualista, pode-se verificar a ligação

intrínseca da boa-fé à verdade, à lealdade e à correção. Isto significa dizer que, ao agir o

litigante na relação processual, onde tem a boa-fé presumida, apenas lhe caberá buscar o seu

direito. Por conseguinte, não utilizará meios atentatórios à dignidade da justiça, que resultem

principalmente em abuso e dano processual.

No que tange ao dever de lealdade processual, muitos doutrinadores entendem que sua

violação acarreta o desvio do processo pela ação revestida de má-fé de uma das partes,

impossibilitando que a parte contrária exerça principalmente o contraditório.

                                                                                                                         88 MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo I: arts. 1º a 45. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 338.  89 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. 4. ed. Campinas, SP: Bookseller, 2009, P. 923.  

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60

Importante ressaltar que a lealdade processual importa em condutas éticas focadas

para o processo de resultado. Corresponde também a obrigações jurídicas passíveis de sanção

caso haja desrespeito às regras processuais.

Nesse sentido, normalmente, a lealdade está intimamente relacionada com a verdade

processual. Se a parte dolosamente mentir ou omitir algo no intuito de prejudicar a outra,

principalmente impedindo ou dificultando qualquer ato no processo para fazer valer seus

interesses, estará incorrendo em conduta desleal.

Nas lições de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery,

[...] o litigante tem o dever de agir com lealdade e boa-fé. Não pode provocar incidentes inúteis e/ou infundados. A ele é vedada a utilização de expedientes de chicana processual, procrastinatórios, desleais, desonestos, com o objetivo de ganhar a demanda a qualquer custo90.

Observa-se que, conforme os dizeres desses processualistas, o dever de lealdade e os

demais deveres processuais assemelham-se às regras de um jogo. Na disputa, os participantes

têm que seguir procedimentos previamente determinados com base na sinceridade, lisura,

dignidade, correção e honestidade.

Para se chegar à vitória ou a um resultado esperado, deve-se respeitar o adversário e

não utilizar artimanhas ou mecanismos desleais na contenda. Aquele que atua para auferir

vantagem sobre o opositor, pela inobservância das normas ou mesmo desvirtuando-as, fere o

dever de lealdade.

No processo, não é diferente. Existe até a expressão “fair play processual” para

compará-lo a uma disputa honesta, livre de abuso, cavilação e chicanas processuais.

Em algumas situações, torna-se difícil, no desenvolvimento do processo, caracterizar o

desrespeito ao dever de lealdade. A razão provavelmente esteja no fato da carga de

subjetividade que envolve o ato violador.

                                                                                                                         90 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil comentado. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 418 e p. 806.  

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Também não se pode desconsiderar que as consequências e reflexos dessa conduta

cristalizam-se no final, quando o resultado aponta para o desvio de finalidade e abuso

processual.

Ademais, convém destacar que a doutrina já consolidou entendimento sobre

determinadas condutas como sendo desleais. “São exemplos de atitudes desleais: a) indicar

endereço errado de testemunhas, a fim de inviabilizar o seu depoimento; b) ingressar com

seguidas petições desnecessárias provocando tumulto processual; c) requerer a ida dos autos

ao contador para atrasar o processo”91.

Além destas, outras condutas abusivas são praticadas na relação processual.

Consideradas como comportamentos contrários aos deveres processuais, manifestam-se

exclusivamente para causar dano processual à parte contrária.

Assim, conforme mencionado na abordagem dos deveres processuais das partes e dos

seus procuradores, o art. 17 do CPC trata da litigância de má-fé. Esta tem sido uma das

práticas mais comuns de abuso do direito processual. Ocorre quando o litigante age com má-

fé para intencionalmente tumultuar o processo quando sabe que será vencido na controvérsia.

O legislador processual reuniu diversos tipos de condutas, tidas como antíteses dos

deveres de verdade, probidade, lealdade e boa-fé processual, no art. 17, conforme disposto a

seguir:

Art.17. Reputa-se litigante de má-fé aquele que:

I – deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso;

II – alterar a verdade dos fatos;

III – usar do processo para conseguir objetivo ilegal;

IV – opuser resistência injustificada ao andamento do processo;

V – proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo;

VI – provocar incidentes manifestamente infundados;

VII – interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.

                                                                                                                         91 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil comentado. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 418.  

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62

Analisando-se a tipificação de condutas capituladas nos incisos do art. 17, verifica-se

que todas contrariam os princípios éticos do processo. São atitudes abrangidas pela má-fé

processual que, de acordo com Rui Stocco, é conceituada como “a qualificação jurídica da

conduta, legalmente sancionada, daquele que atua em juízo, convencido de não ter razão, com

ânimo de prejudicar o adversário ou terceiro, ou criar obstáculos ao exercício do seu

direito”92.

Nas palavras de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery, “a má-fé é difícil de

ser provada, podendo o juiz inferi-la das circunstâncias de fato e dos indícios existentes nos

autos”93.

Vale lembrar que a doutrina majoritária compreende que o rol que elenca as condutas

que configuram a litigância de má-fé é taxativo.

Nesse sentido, concorda Rui Stocco, para quem “as hipóteses de caracterização de

litigância de má-fé estão arroladas em numerus clausus no art. 17 do CPC, ou seja,

taxativamente, não comportando ampliação. Esse o entendimento quase pacífico dos nossos

doutrinadores”.94

A posição do referido autor, provavelmente teve respaldo na interpretação de Nelson

Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery95 que, ao tratarem das hipóteses de litigância de má-

fé do art. 17 do CPC, praticamente chegaram a conclusões idênticas.

Todavia, ainda existem vozes que pensam diferentes quando discutem o assunto, ao

relacioná-lo com o abuso de direito no processo.

                                                                                                                         92 STOCO, Rui. Abuso do direito e má-fé processual: aspectos doutrinários. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 87.  93 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil comentado. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 422.  94 STOCO, op cit., p. 97.  95 NERY JUNIOR; NERY, op cit., 423.  

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63

Assim, como contraponto afirma Frederico Garcia Pinheiro96:

O art. 17 tipifica condutas ilícitas não-abusivas, tal qual é feito por diversos outros dispositivos esparsos pelo Código de Processo Civil. A tipificação pressupõe o enquadramento exaustivo de condutas, previstas numerus clausus. A compreensão adequada da teoria do abuso de direito rebate a tese, por exemplo, daqueles que, como Valentino Aparecido de Andrade, admitem a extensão da litigância de má-fé a outras condutas não-tipificadas, pelo fato de também serem ofensivas à lealdade e boa-fé processual.

Independente da discussão doutrinária acerca da taxatividade ou não dos tipos de

conduta que caracterizam a litigância de má-fé com base no art. 17 do CPC, o mais

importante é a identificação, pelo julgador, da ocorrência dessas situações. Cabe ao juiz,

dentro dos limites constitucionais, o dever de coordenação, vigilância e controle do processo.

Deve, portanto, no exercício desses deveres, condenar como litigante de má-fé, aquele que

incorra nessas hipóteses de condutas indevidas, conforme a lei processual.

Em relação ao conceito de litigante de má-fé que consta no art. 17 do CPC, outros são

apresentados pela doutrina como complemento ao disposto na legislação processual civil.

Nesse sentido, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery, ao reunir de maneira ampla

diversos aspectos da má-fé processual, conceituam como litigante de má-fé

[...] a parte ou interveniente que, no processo, age de forma maldosa, com dolo ou culpa, causando dano processual à parte contrária. É o improbus litigator, que se utiliza de procedimentos escusos com o objetivo de vencer ou que, sabendo ser difícil ou impossível vencer, prolonga deliberadamente o andamento do processo procrastinando o feito97.

                                                                                                                         96 PINHEIRO, Frederico Garcia. Abuso de direito processual na jurisprudência do STJ. Jus Navigandi, Teresina, a. 13, n. 1706, 3 mar. 2008. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/10998>. Acesso em: 28 mar. 2011.  97 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil comentado. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 423.  

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Ainda, merece atenção uma particularidade presente no CPC, quanto àqueles que

poderão ser responsabilizados e, caso condenados por litigância de má-fé, sofrerem a

imputação de sanção. Sabe-se que, no processo civil, as partes, para postularem direito em

juízo, têm de constituir procurador ou defensor. Estes profissionais, em tese, possuem

condições técnicas para levar avante as exigências postas pela dinâmica do processo.

Entretanto, na formulação do art. 16 do CPC, o legislador apenas considerou o autor, o

réu ou o interveniente como improbus litigator. O procurador das partes ficou excluído das

sanções por litigância de má-fé. É o que se depreende da leitura do referido artigo, transcrito a

seguir:

Art. 16. Responde por perdas e danos aquele que pleitear de má-fé como autor, réu ou interveniente.

As partes é que respondem por improbidade de seus representantes, arcando com as

sanções por danos processuais, cabendo-lhes, se assim desejar, ingressar com ação própria,

fundada no direito de regresso.

Vale frisar que esses profissionais, no caso de improbidade processual, poderão ser

punidos disciplinarmente. Estão sujeitos ao Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil

(OAB), Lei nº. 8.906, de 4 de julho de 1994, e ao Código de Ética e Disciplina da OAB, que

regulam as infrações e sanções disciplinares para os advogados inscritos que exercem as

atividades privativas da advocacia.

A crítica que se faz por alguns doutrinadores é quanto à falta de coerência entre o art.

14 do CPC, que trata dos deveres das partes e de todos aqueles que participam do processo, e

o art. 16, que exclui os advogados das partes das sanções em caso de condenação por

litigância de má-fé.

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Outros posicionamentos são contrários. Portanto, seguem alinhados com a

jurisprudência recente, pacificada pelo STJ, quanto a essa matéria. Nesse particular, sustentam

que cabe exclusivamente ao Conselho Seccional da OAB98 punir os desvios de conduta e

infrações de seus advogados inscritos. A apuração e verificação das condutas aéticas e

ímprobas dar-se-ão em processo específico, com aplicação de sanção disciplinar se for o caso.

Ademais, já existe previsão legal em que o advogado responde solidariamente com seu

cliente quando, coligado com este, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa atos

para lesar a parte contrária99.

Sobre tal questão, julga-se oportuno ilustrar com trechos transcritos de julgados em

2004 e 2010, constando os entendimentos com fundamentação divergente, conforme verifica-

se abaixo:

Disponibilização: Sexta-feira, 29 de Abril de 2011 Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte I São Paulo, Ano IV - Edição 942 1026 incentivou a prática desleal, atuando em conluio com sua patrocinada para ludibriar o Juízo e a parte contrária. Se a advogada assim procedeu, deve também responder pela ilicitude processual, visto que, sendo a única com capacidade postulatória para atuar em juízo, dela também se exige que atue com lealdade e boa-fé nos processos (art. 14 do CPC), não sendo possível considerá-la como mera intermediária dos interesses de seu representado. Não vejo como fugir da hipótese de enquadrá-la também como responsável pela litigância de má-fé, a fim de evitar a proliferação de novas demandas semelhantes e demonstrar que o Judiciário está atento a práticas desleais, estendendo à causídica as sanções previstas nos artigos 14, 16 a 18, todos do Código de Processo Civil. Neste sentido, confira-se os precedentes: “PROCESSO CIVIL - EMBARGOS DE EMBARGOS DECLARATÓRIOS NO AGRAVO REGIMENTAL - DENÚNCIA ESPONTÂNEA - ERRO MATERIAL - INEXISTÊNCIA DE PARCELAMENTO - LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ - MULTA E INDENIZAÇÃO. 1. Ação que visa excluir multa cobrada em pagamento efetuado diretamente em agência bancária. Equívoco do Tribunal ao julgar apelação, que considerou tratar-se de parcelamento do débito. Ocorrência de erro material. 2. Litigância de má-fé dos advogados da empresa autora, que se omitiram em apontar a ocorrência do erro na primeira oportunidade em que se manifestaram nos autos após o julgamento, vindo a fazê-lo somente após o julgamento de diversos recursos, quando a decisão que iria prevalecer seria desfavorável à sua cliente. Imposição, aos advogados subscritores dos recursos, de multa de 1%do valor atualizado da causa, além de indenização ao recorrido de 5% do valor atualizado da causa. 3. Anulação de todos os julgamentos posteriores ao do apelo, para que o Tribunal corrija o apontado erro material. 4. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos modificativos”. (STJ, 2ª Turma, Edcl nos Edcl do AgRg do REsp n. 494021/SC, rel. Ministra Eliana Calmon, j. 17/6/2004, DJU 13/9/2004 - p. 204) E, ainda: STJ, 2ª Turma, Edcl nos Edcl do AgRg. No REsp n.

                                                                                                                         98 Conforme o art. 70 da Lei nº. 8.906, de 4 de julho de 1994 (Estatuto da OAB).  99 ESTATUTO da OAB, art. 32.  

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66

427839/RS, rel. Ministra Eliana Calmon, j. 17/10/2002, DJU 18/11/2002 - p. 205; RJTAMG 70/29.

Superior Tribunal de Justiça - STJ

RECURSO ESPECIAL Nº. 1.173.848 - RS (2008/0119729-4)

RELATOR: MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

RECORRENTE: OSVALDO SALLES

ADVOGADO: DARCI F CAPPELLARI

RECORRIDO: CSZ ADMINISTRADORA DE CARTÕES DE CREDITO COMERCIO E PARTICIPAÇÕES LTDA

ADVOGADO: NESTOR CÉSAR BUAES E OUTRO(S)

EMENTA

CIVIL E PROCESSO CIVIL. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. CONDENAÇÃO SOLIDÁRIA DO ADVOGADO. IMPOSSIBILIDADE.

1. É vedada a esta Corte apreciar violação a dispositivos constitucionais, sob pena de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal.

2. Inviável o conhecimento do recurso especial no que concerne ao alegado julgamento "ultra petita", pois, nas razões do apelo excepcional, não há indicação de qualquer dispositivo infraconstitucional pretensamente violado. Súmula nº. 284/STF.

3. Revisar a decisão que reconheceu a má-fé do recorrente somente seria possível mediante incursão indevida nas provas produzidas nas instâncias ordinárias, o que é defeso em sede de recurso especial, Incidência da súmula nº. 07/STJ.

4. Responde por litigância de má-fé (arts. 17 e 18) quem causar dano com sua conduta processual. Contudo, nos termos do art. 16, somente as partes, assim entendidas como autor, réu ou interveniente, em sentido amplo, podem praticar o ato. Com efeito, todos que de qualquer forma participam do processo têm o dever de agir com lealdade e boa-fé (art. 14, do CPC). Em caso de má-fé, somente os litigantes estarão sujeitos à multa e indenização a que se refere o art. 18, do CPC.

5. Os danos eventualmente causados pela conduta do advogado deverão ser aferidos em ação própria para esta finalidade, sendo vedado ao magistrado, nos próprios autos do processo em que fora praticada a alegada conduta de má-fé ou temerária, condenar o patrono da parte nas penas a que se refere o art. 18, do Código de Processo Civil.

6. Recurso especial conhecido em parte e, nesta parte, provido.

Brasília, 20 de abril de 2010(data do julgamento)

Como pode ser observado nestes julgados, em 2004 houve precedente do STJ na

condenação de advogado, procurador da parte em juízo, por conduta ilícita no processo,

configurada como litigância de má-fé.

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67

Atualmente, a jurisprudência nacional está pacificada no sentido do advogado

responder em ação própria quando for responsabilizado por dano processual, provocando em

conseqüência, a condenação da parte que representa por litigância de má-fé.

Outro ponto em discussão que tem gerado polêmica entre doutrinadores e juristas é a

condenação por litigância de má-fé de ofício por juiz ou tribunal, consoante o art. 18 do CPC.

Art. 18. O juiz ou tribunal, de ofício ou a requerimento, condenará o litigante de má-fé a pagar multa não excedente a 1% (um por cento) sobre o valor da causa e a indenizar a parte contrária dos prejuízos que esta sofreu, mais os honorários advocatícios e todas as despesas que efetuou.

Indaga-se que, dessa forma, com uma condenação de ofício, não estariam sendo

observados preceitos processuais assegurados por comandos constitucionais. Sobre isso, ao

comentar o caput do art. 18 do CPC, determinado pela Lei nº. 9.668, de 23 de junho de1998,

Rui Stocco explica:

Mas a novidade e a novel alteração possui virtude e defeito. Virtude de dar ao julgador instrumento eficaz para coibir os abusos, as chicanas e a fraude processual, impondo, desde logo, e sem delongas a reprimenda necessária, de modo a colocar o procedimento de volta aos trilhos, na consideração de que a litigância de má-fé ofende mais ao Estado-Juiz e a dignidade da justiça do que a outra parte litigante.

Contudo, constitui nódoa, que se converte em vício ou grave defeito, permitir que se aplique uma pena, seja de que natureza for, sem assegurar o direito de defesa.

Mais do que defeito, tal previsão ofende o due process of law e afronta os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.100

                                                                                                                         100 STOCO, Rui. Abuso do direito e má-fé processual: aspectos doutrinários. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 100-101.  

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Sobre o referido tema, mas com posicionamento favorável à condenação ex officio por

litigância de má-fé, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery pronunciam-se

apresentando as razões seguintes:

A Lei 8.952/94 já deixara expresso o dever de o juiz condenar, de ofício, o litigante de má-fé, como já exposto na 1ª edição destes comentários. A Lei 9.668/98 reafirma essa regra. O destinatário primeiro da norma é o juiz ou tribunal, de sorte que lhe é imposto um comando de condenar o litigante de má-fé a pagar multa e a indenizar os danos processuais que causou à parte contrária. Isto porque o interesse público indica ao magistrado que deve prevenir e reprimir os abusos cometidos pelos litigantes, por prática de atos que sejam contrários à dignidade da justiça. Deve assim proceder de ofício, independentemente de requerimento da parte101.

Na verdade, o que tem trazido controvérsia é a imputação da condenação, implicando

em ressarcimento para a parte contrária sem ter ouvi-la ou sem a motivação e vontade para tal.

No caso do litigante acionar o julgador por meio de requerimento, estaria plenamente

demonstrada a pretensão de ver o ofensor sendo punido pelo abuso no desenvolvimento dos

atos judiciais.

Quanto a essa temática, faz-se importante indagar qual seria a solução plausível.

Existe opinião que vislumbra uma modulação ou calibragem no poder-dever do magistrado na

aplicação do art. 18 do CPC. Seria a situação de interpretar a norma partindo-se da premissa

que se deve levar em consideração seu aspecto teleológico para aplicá-la sem, contudo, deixar

de prestigiar e cumprir os comandos constitucionais. Em suma, corresponderia a uma

harmonização da norma à CF.

Rui Stocco concorda com esse entendimento, esclarecendo que

[...] quando o magistrado vislumbrasse a possibilidade de aplicação de sanção por litigância de má-fé, poderia despachar nos autos esclarecendo que, havendo possibilidade dessa imposição, que a parte se manifestasse e apresentasse os esclarecimentos ou defesa que entendesse pertinentes para, só então, após os esclarecimentos ou o decurso in albis do prazo, tomar a providência que julgasse cabível102.

                                                                                                                         101 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil comentado. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 427.  102 STOCO, Rui. Abuso do direito e má-fé processual: aspectos doutrinários. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 101.  

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69

Por fim, a litigância de má-fé tem se revelado como uma espécie de abuso processual

eventual, mas que se faz presente no cotidiano dos juízos de primeira instância e nos

Tribunais. Por assumir diversas formas para lesar o processo em toda sua amplitude pública e

privada, deve ser coibida e reprimida com todo rigor.

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70

3 O EXERCÍCIO ABUSIVO DO DIREITO DE RECORRER

3.1 Posições doutrinárias atuais

O sistema processual funciona bem quando são cumpridas as normas processuais.

Qualquer desvio de finalidade que traga prejuízo ao curso do processo, implicará sem dúvida

em abuso.

Atualmente a doutrina tem dedicado importância especial ao estudo do exercício

abusivo de atos processuais, mais detidamente os que ocorrem na esfera recursal por

empreenderem de forma incisiva maior prejuízo para a administração e dignidade da Justiça.

Diante disso é que, nos últimos anos, tem havido um esforço por parte de

doutrinadores, juristas, magistrados entre outros membros do Poder Judiciário, mais

precisamente os que atuam no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo Tribunal

Federal (STF), com o objetivo de corrigir e reverter distorções do sistema recursal. Esse

quadro lastimável de abuso processual é fruto do manejo de recursos procrastinatórios com

desvirtuamento do direito de recorrer.

Assim, repercutiu satisfatoriamente as recentes reformas processuais que foram

acolhidas pelo Congresso Nacional (CN). Estas reformas acrescentaram e aperfeiçoaram

dispositivos do Código de Processo Civil (CPC). Criaram mecanismos específicos por meio

de legislação processual civil para coibir a manipulação de recursos com fim

intencionalmente lesivo ao processo.

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Nessa área, vale destacar o efeito positivo que acompanhou a implementação da Lei

nº. 11.276/2006, que tem por objeto o não recebimento de apelação no juízo de

admissibilidade. Significa dizer que a apelação não terá seguimento caso a sentença esteja em

conformidade com Súmula do STJ ou do STF. Considerada inovadora, essa lei avançou mais

um passo para evitar que processos continuassem sem atingir a tutela jurisdicional definitiva.

Com isso, foi eliminado mais um obstáculo, dentre tantos outros, para se ter um processo com

duração razoável de tempo.

Mesmo como remédio processual paliativo, essa lei atingiu uma das formas

corriqueiras de abuso, quer seja, a procrastinação do feito, impedindo a solução do litígio por

meio de interposição de recursos com esse fim.

Nesse diapasão, a doutrina atual, ainda incipiente, caminha numa tendência voltada

para a teoria objetiva do abuso do direito. Isto significa dizer que o posicionamento

doutrinário privilegia o resultado de determinado ato judicial do sujeito da relação processual

e a finalidade que ele almeja ao proceder dessa maneira no curso do processo. Portanto, o

agente que protagoniza um ato abusivo processual, em tese, causa dano e aufere proveito

pessoal com a situação.

Para a corrente doutrinária subjetivista, o fundamento é a emulação. O litigante, ao

intentar o abuso, teria apenas a motivação de prejudicar a parte contrária, sendo essa atitude

desprovida de vantagem para si. Agiria, portanto, com espírito de emulação. No processo, o

ato emulativo caracteriza-se pelo prejuízo causado à parte oponente, “geralmente praticado

sem justo motivo, com o fim de desrespeito ou represália”.103

No tocante à questão recursal, pelo que se depreende dos fundamentos da teoria

objetiva do abuso do direito, o exercício abusivo de recorrer provoca não só danos

processuais, mas proveito em função de quem o pratica.

                                                                                                                         103 ABDO, Helena Najjar. O abuso do processo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 146.  

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Ao protelar a solução do litígio por via recursal, a parte que interpôs o recurso será

beneficiada de alguma forma. Normalmente, o efeito suspensivo do recurso é a conseqüência

mais comum nesses casos, pois acarreta dilações indevidas no trâmite do processo.

Nesse sentido, Milena de Oliveira Guimarães afirma que “a doutrina nacional e

estrangeira costumam apontar como exemplos de abuso processual os atos procrastinatórios

ou o próprio abuso do direito de defesa”104.

Completa ainda, ressaltando que “não há abuso sem prejuízo, e a procrastinação do

feito é danosa tanto às partes quanto à administração da justiça, uma vez que o processo é

informado pelo princípio da economia”105.

Outro aspecto tratado pela doutrina diz respeito à relação direta que existe entre a

violação dos deveres processuais de lealdade e probidade pelas partes e seus procuradores e o

exercício abusivo do direito de recorrer.

Para tal, na dialeticidade, característica do sistema processual, exige-se

responsabilidade dos litigantes, integridade moral do advogado e observância aos princípios

éticos que devem estar presentes na propositura da demanda e desenvolvimento dos atos

judiciais.

Quando o direito de recorrer é exercido com desvio do permitido pela essência do

conteúdo da norma processual na busca de um fim impróprio ao direito, apaga-se a boa-fé e

macula-se o devido processo legal, cristalizando o abuso e, naturalmente, ofendendo a

dignidade da justiça.

                                                                                                                         104 GUIMARÃES, Milena de Oliveira. O abuso do direito de recorrer como ato atentatório á dignidade da justiça. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; NERY JUNIOR, Nelson (coords.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis. Vol. 9. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 351.  105 Ibidem.  

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Conforme é possível verificar, a boa-fé no processo civil é baliza para a identificação

do abuso processual. Serve como referência para a correta utilização de instrumentos

processuais, entre os quais figuram os recursos. Cria deveres jurídicos e limita o exercício de

direitos subjetivos.

Pela importância que representa no processo, Brunela Vieira de Vicenzi, em estudo

para identificar, no sistema jurídico brasileiro, a aplicação da regra da boa-fé em dois

diferentes momentos na relação processual, destaca o seguinte:

Num primeiro momento, a boa-fé permite criar a presunção de que há um comportamento leal e cooperativo dos litigantes no processo, o que de certa forma acelera o procedimento e permite maior eficácia dos provimentos jurisdicionais. Num segundo momento, a regra da boa-fé assume a função de fonte criadora de deveres de cooperação e colaboração, e é regra limitadora do exercício inadmissível de posições jurídicas na relação jurídica processual que tem lugar perante o órgão jurisdicional estatal.106

Vale frisar que o dever de boa-fé foi prestigiado pelo legislador no CPC, constando da

redação do art. 14, inciso II: “proceder com lealdade e boa-fé”.

Como visto, a lealdade e a boa-fé visam salvaguardar a dignidade da justiça. Contudo,

diante da generalidade posta pelo legislador, tais deveres considerados como regras

principiológicas, devem ser invocados pelo julgador para reprimir e impedir qualquer ato

abusivo ao processo.

Em se tratando da interposição de recurso com intuito manifestamente protelatório,

conduta procrastinatória, tipificada como litigância de má-fé, caberá ao juiz aplicar a sanção

devida com base nos artigos 16 e 18 do CPC.

Para esta situação com previsão no art. 17, inciso VII, do CPC, não há o que se

discutir. Configurado o abuso do direito de recorrer, como modalidade de litigância de má-fé,

deve-se punir o sujeito da relação processual que assim procedeu.

                                                                                                                         106 VICENZI, Brunela Vieira de. A boa-fé no processo civil. São Paulo: Atlas, 2003, p. 24.  

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Todavia, quando a conduta não está expressamente no CPC, isto é, não está prevista

no rol taxativo do art. 17, ou em outros artigos, como os que dispõem sobre embargos de

declaração manifestamente protelatórios (art. 538, parágrafo único) e recurso manifestamente

inadmissível e inadequado (art. 557), compete ao magistrado aplicar o art. 125, incisos II e III

do CPC, conforme se segue:

Art. 125. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, competindo-lhe:

I – [...];

II – velar pela rápida solução do litígio;

III – prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da Justiça;

IV – [...].

Principalmente, com base no inciso III deste artigo e “em nome da lealdade e da boa-

fé, deverá o juiz impedir genericamente a fraude processual, a colusão e qualquer conduta

antiética e procrastinatória”107.

Ademais, na adequação de violação dos deveres processuais a determinados casos

concretos, onde haja provável omissão da norma, é possível o juiz suprir a regra legal aberta,

preenchendo as lacunas da lei, tornando-a passível de aplicação.

Quanto a isso, com muita propriedade, extrai-se das lições de Humberto Theodoro

Júnior, que

[...] a interpretação do juiz não deve ser servil à literalidade da lei, porque nela influem razões axiológicas inevitáveis no ato de concretizar o preceito abstrato traçado pelo legislador. Para tanto, não violará a lei, mas, fiel a ela, desvendar-lhe-á o sentido justo e adequado, em conformidade com preceitos de hermenêutica que o próprio direito consagra108.

                                                                                                                         107 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Revista Jurídica, Rio de Janeiro, n. 368, p. 26, Jun. 2008 - Doutrina Civil.  108 Ibidem, p. 24.  

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Assim tem sido a atuação de muitos juízes para enquadrar condutas típicas que se

mostram contrárias ao desenvolvimento do processo, entre as quais o exercício abusivo do

direito de recorrer. Normalmente, para efeito da aplicação da sanção devida, a litigância de

má-fé processual abarca, em muitos casos concretos, os atos violadores dos escopos

processuais que postergam o feito valendo-se do sistema recursal.

O julgador ao complementar a lei, interpretando-a quando se faz necessário, forma sua

convicção e exerce seu poder-dever plenamente, imbuído de sua missão constitucional da

eficácia jurisdicional. Mas, em diversas situações essa tarefa não tem sido fácil.

Aquele que se conduz contrário às leis processuais age dissimulado, buscando atingir

um objetivo ilegal na composição da lide, desviando a finalidade do processo com atos que,

em princípio, têm aparência de legalidade. Há forte subjetividade, por exemplo, para

caracterizar a oposição de embargos de declaração manifestamente protelatórios. Em face

disso deixa-se de condenar o embargante por litigância de má-fé, ou melhor, exercício

abusivo do direito de recorrer.

Provavelmente, esta dentre outras situações que dizem respeito ao fenômeno dos

recursos protelatórios tem despertado em muitos estudiosos do processo civil, principalmente

magistrados, críticas ácidas ao sistema recursal cível.

Existe até entendimentos doutrinários que se referem ao elevado número de recursos,

presente no sistema processual brasileiro, como fator limitador da satisfação definitiva da

parte vitoriosa que teve julgamento favorável em primeiro grau. O recurso quando manejado

com intuito de postergar o feito, não confere efetividade ao processo e tem sido apontado

como uma das primeiras causas que contribui para a denegação da Justiça.

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Segundo Brunela Vieira de Vicenzi,

[...] os recursos no sistema processual brasileiro são causa potencial do aumento do tempo do processo (tempo de julgamento). Como meios de impugnação das decisões de primeiro grau, são desfocadamente vistos como mais uma fase obrigatória do procedimento; sua utilização é quase automática pelo vencido, revelando, infelizmente, desrespeito e descredibilidade pelo julgamento monocrático de primeiro grau de jurisdição, ou seja, pela figura do juiz e pelo julgamento por ele dirigido em primeira instância109.

A autora, ao tratar da responsabilidade processual pelos recursos com intuito

manifestamente protelatório, prossegue afirmando ainda que “outra questão preocupante é a

utilização do recurso de forma temerária, atuando, assim, os meios de impugnação das

decisões como instrumentos causadores de demora fisiológica e patológica”110.

Vê-se, portanto, que a problemática que envolve o sistema recursal leva em

consideração não só o tempo para julgamento do recurso, diante do número de vários a serem

interpostos, mas também recursos infundados, protelatórios que em decorrência, causam dano

processual.

Como ilustração, merece destacar as palavras do Ministro Luiz Fux, do STF, na

ocasião em que discursou no Seminário sobre o Novo Código de Processo Civil, realizado em

12 de abril de 2011, no Ministério da Justiça (MJ).

A prodigalidade recursal (muitos recursos), a litigiosidade desenfreada e o formalismo em excesso são barreiras à duração razoável do processo. Um milhão de ações em que o litígio envolve caderneta de poupança produz um milhão de recursos para julgamento111.

                                                                                                                         109 VICENZI, Brunela Vieira de. A boa-fé no processo civil. São Paulo: Atlas, 2003, p. 104.  110 Ibidem.  111 Breves comentários do Ministro Luiz Fux do STF ao Projeto do Novo CPC durante Seminário sobre o tema no Ministério da Justiça em 12 de abril de 2011. O Projeto encontra-se na Câmara dos Deputados para aprovação.  

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A conseqüência maior disso é que a doutrina está movimentando-se com maior ênfase

para reformular o atual sistema recursal, de forma a ampliar e a atualizar as iniciativas já

consolidadas anteriormente. Todavia, alguns pontos ainda estão sendo analisados com cautela

para assegurar o legítimo direito de recorrer, impedindo que prevaleça o abuso recursal

voltado para prolongar a indefinição do feito.

Nessa abordagem onde figura o excessivo número de recursos, quando estes são

interpostos com intenção de postergar o provimento definitivo e a garantia constitucional do

direito de recorrer para reexame da decisão, ainda não houve consenso na doutrina brasileira

para se chegar a uma solução efetiva.

O que tem sido prioritariamente discutido é a duração razoável do processo, ameaçada

pela interposição de recursos manifestamente protelatórios. Alguns processualistas tendem a

aceitar que seria uma solução diminuir o número de recursos para conter essa distorção.

Incluindo-se nesta tendência, Barbosa Moreira, citado na Exposição de Motivos112

pela Comissão de Juristas encarregada da elaboração do Anteprojeto do Novo Código de

Processo Civil, presidida pelo então Ministro do STJ, Luiz Fux, trata do assunto afirmando

que:

Pôr na primeira instância o centro de gravidade do processo é diretriz política muito prestigiada em tempos modernos, e numerosas iniciativas reformadoras levam-na em conta. A rigor, o ideal seria que os litígios fossem resolvidos em termos finais mediante um único julgamento. Razões conhecidas induzem as leis processuais a abrirem a porta a reexames. A multiplicação desmedida dos meios tendentes a propiciá-los, entretanto, acarreta o prolongamento indesejável do feito, aumenta-lhe o custo, favorece a chicana e, em muitos casos, gera para os tribunais superiores excessiva carga de trabalho. Convém, pois, envidar esforços para que as partes se dêem por satisfeitas com a sentença e se abstenham de impugná-la.

                                                                                                                         112 ANTEPROJETO do Novo Código de Processo Civil. Brasília: Senado Federal, Subsecretária de Edições Técnicas, 2010, p. 27.  

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Outras posições doutrinárias, calcadas no duplo grau de jurisdição, defendem a revisão

de decisões monocráticas por órgãos jurisdicionais superiores. Acreditam que assim evita-se

abuso de poder por parte de juízes e prestigia-se a segurança jurídica que será fruto da decisão

final com o trânsito em julgado. No caso de recursos serem usados indevidamente, como

ocorre com os recursos classificados de protelatórios ou temerários, o caminho é aplicar as

sanções devidas previstas na lei.

Ainda, é merecedor de reflexão o contraponto esclarecedor e oportuno apresentado por

Brunela Vieira de Vicenzi, quando se refere ao duplo grau de jurisdição e ao exercício do

direito de recorrer. Este é posto à disposição do vencido, que inconformado com a decisão,

usa inúmeros recursos. Assim, beneficia-se do atual modelo recursal, presente em nosso

sistema processual, para adiar indefinidamente a certeza final sobre o direito material

perseguido pela parte vitoriosa.

Sobre isso, afirma a autora mencionada acima:

Não se há de negar, ao menos no momento histórico atual (no qual a cidadania e a democracia plena ainda não são efetivamente garantidas pelo Estado) que há de ser mantido no sistema infraconstitucional o princípio do duplo grau de jurisdição. Porém, é preciso limitar o direito ao exercício incondicionado pelas partes de um grande número de recursos, a fim de que seja preservada a garantia da tutela jurisdicional adequada e tempestiva prevista no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal113.

Nesse contexto é importante salientar que os princípios norteadores do processo atuam

harmonicamente. Não se pode deixar de conciliar todos os fatores que interagem para a

efetiva e definitiva prestação da tutela jurisdicional. Restringir o direito de recorrer,

eliminando recursos, parece não ser o melhor caminho para rechaçar recursos interpostos com

finalidade abusiva.

                                                                                                                         113 VICENZI, Brunela Vieira de. A boa-fé no processo civil. São Paulo: Atlas, 2003, p. 109.  

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Aspectos como celeridade, segurança jurídica, devido processo legal, rigorosa atuação

dos magistrados, entre outros, devem ser conjugados no mesmo patamar para afastar qualquer

ato de má-fé processual. Recursos infundados, manejados sucessivamente sem o respaldo

legal que justifique o inconformismo do recorrente devem ser combatidos duramente sob pena

de alimentarem novos abusos processuais.

Entretanto, não só esses recursos dilatórios são responsáveis pela procrastinação do

feito. Diversos fatores, como estrutura financeira e administrativa inadequada do judiciário,

efeito suspensivo e tempo demasiado para julgamento de recursos, legislação anacrônica,

desvalorização das decisões dos juízes de primeiro grau, etc., contribuem nesse sentido. Falar

o contrário soa como falácia.

Por fim, vale ressaltar que, embora a doutrina atual faça referência a recursos

manifestamente protelatórios, ainda busca-se uma definição exata e completa para explicá-los.

Dessa forma, colabora Paulo Henrique dos Santos Lucon, sustentando que “são situações de

recurso com intuito manifestamente protelatório, construídas pela jurisprudência, quando o

meio de impugnação suscita matéria já transitada em julgado, preclusa ou contrária a

entendimento há muito pacificado pela jurisprudência”114.

3.2 Projeto do Novo Código de Processo Civil: aspectos relacionados ao tema

O Projeto nº. 166, de 2010, em tramitação na Câmara dos Deputados (CD), versa

sobre legislação processual civil. Tem por escopo a criação de um novo CPC que, após a

aprovação e promulgação, substituirá o atual que vigora desde 1973.

                                                                                                                         114 LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Abuso do exercício do direito de recorrer. Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis. Vol. 4. São Paulo: RT, 2001, p. 885.  

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Esse movimento de grande magnitude, renovador do sistema processual, há muito

esperado por toda a sociedade, é uma resposta à falta de efetividade da justiça. A prestação

jurisdicional definitiva tem de ser tempestiva, sendo inadmissível que para sua outorga, o

processo tenha uma tramitação excessivamente longa.

Com esse pensamento, a Comissão de Juristas encarregada da elaboração dos

comandos normativos deste Projeto pautou seus trabalhos para tornar o processo mais célere e

mais justo.

Seguindo um viés de caráter pragmático, com vistas à obtenção de uma legislação

sistemática e funcional, foram atacadas as causas da morosidade da justiça e, naturalmente, da

cultura de uma litigância desenfreada e sem precedentes que culmina com o judiciário

abarrotado de processos por julgar.

Das inúmeras e significativas modificações que redundaram na construção desse

Projeto do Novo CPC, destaca-se a proposta de redução da complexidade do sistema recursal.

O inconformismo latente do litigante sucumbente alimenta a constante e indiscriminada

interposição de recursos. Essa situação é fruto da própria lei processual que disponibiliza

diversos meios de impugnação das decisões judiciais, onde o elevado número de recursos é

fator preponderante.

Como anteriormente verificado, abusa-se do direito de recorrer com o propósito de

causar dano à outra parte da relação processual e ao Estado, pois atenta-se contra a dignidade

e a administração da justiça. Infelizmente, nesse Projeto essa questão foi tratada

superficialmente.

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Busca-se, contudo, entender qual o verdadeiro motivo que afastou os responsáveis

pelas inovações modificativas da legislação processual a não prestigiarem tema de

importância capital. Deduz-se que provavelmente tenha sido pela forte subjetividade das

condutas abusivas, dificultando, portanto, a criação de remédios processuais concretos,

efetivos e objetivos para banir esse mal.

Mantiveram-se as mesmas generalidades relativas aos deveres processuais das partes e

de seus procuradores e da mesma forma, quanto à responsabilidade das partes por dano

processual, principalmente no que tange à litigância de má-fé. Essas matérias estão dispostas

nos artigos 14, 15, 16, 17 e 18 do CPC em vigor.

Faz-se importante destacar da Exposição de Motivos do Anteprojeto115, os seguintes

recortes:

Desapareceu o agravo retido, tendo, correlatamente, alterado-se o regime das preclusões. Todas as decisões anteriores à sentença podem ser impugnadas na apelação. Ressalte-se que, na verdade, o que se modificou, nesse particular, foi exclusivamente o momento da impugnação, pois essas decisões, de que se recorria, no sistema anterior, por meio de agravo retido, só eram mesmo alteradas ou mantidas quando o agravo era julgado, como preliminar de apelação. Com o novo regime, o momento de julgamento será o mesmo; não o da impugnação.

Previu-se a sustentação oral em agravo de instrumento de decisão de mérito, procurando-se, com isso, alcançar resultado do processo mais rente à realidade dos fatos.

Uma das grandes alterações havidas no sistema recursal foi a supressão dos embargos infringentes. Há muito, a doutrina da melhor qualidade vem propugnando pela necessidade de que sejam extintos. Em contrapartida a essa extinção, o relator terá o dever de declarar o voto vencido, sendo este considerado como parte integrante do acórdão, inclusive para fins de prequestionamento.

O recurso de apelação continua sendo interposto no 1º grau de jurisdição, tendo-lhe sido, todavia, retirado o juízo de admissibilidade, que é exercido apenas no 2º grau de jurisdição. Com isso, suprime-se um novo foco desnecessário de recorribilidade.

                                                                                                                         115 ANTEPROJETO do Novo Código de Processo Civil. Brasília: Senado Federal, Subsecretária de Edições Técnicas, 2010, p. 33.  

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Os referidos extratos que constam da Exposição de Motivos do Anteprojeto do Novo

CPC guardam bastante relevância no que tange à simplificação do sistema recursal. Constata-

se, em face desta perspectiva, que o objetivo pretendido caminhou para a redução de recursos

e conseqüentemente da recorribilidade.

Todavia, dentre outras propostas de dispositivos previstos no Anteprojeto e, mais

recentemente no Projeto que se encontra na Câmara dos Deputados, a problemática referente

ao exercício abusivo do direito de recorrer foi tratada indiretamente. Também, quanto às

sanções e demais dispositivos para intimidar e coibir efusivamente condutas processuais

manifestamente protelatórias por meio do manejo de recursos, a ampliação foi tímida.

Assim, para corroborar estas afirmações, serão comentados na sequência alguns

pontos principais, com base no Debate Público116 do MJ, com críticas e sugestões on-line que

foram recebidas até 16 de maio do ano em curso, atinentes a esta temática e que comporão o

texto do Novo CPC. Serão comparados com a redação dos dispositivos do CPC em vigor.

• DOS DEVERES DAS PARTES E DOS SEUS PROCURADORES: O art. 80, caput

possui mesma redação do art. 14 do CPC de 1973. O § 5º foi alvo de crítica porque diz

que “aos advogados públicos ou privados, aos membros da Defensoria Pública e do

MP não se aplica o disposto nos §§ 1º a 4º, devendo sua responsabilização ser apurada

pelos órgãos de classe respectivos, aos quais o juiz oficiará”. Isto quer dizer que na

violação do dever processual, a sanção a ser aplicada pelo juiz não alcança esses

partícipes do processo.

• LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ: O art. 83 do Projeto do Novo CPC manteve redação

idêntica ao art. 17 do CPC de 1973. As críticas convergiram para o inciso VII –

interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório. As alegações apontam no

sentido de que ainda não se tem uma definição exata de “recurso com intuito

                                                                                                                         116 BRASIL. Ministério da Justiça. Debate Público do Código de Processo Civil. Disponível em: <http://participacao.mj.gov.br/cpc/>. Acesso em 8 jun. 2011.  

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manifestamente protelatório” e que o magistrado, para aplicar uma pena e condenar o

sujeito parcial do processo que incorrer nesta conduta de litigância de má-fé, terá de

utilizar critérios subjetivos.

• ROL DE RECURSOS: O art. 948 do Projeto excluiu o Agravo Retido e os Embargos

Infringentes que constam do sistema recursal e estão previstos no atual CPC. Os

posicionamentos foram favoráveis no sentido de que o processo será mais célere sem a

interposição desses recursos, mais especificamente, dos embargos infringentes. Outras

opiniões entendem que a extinção do agravo retido acarretará maior volume de

trabalho para os Tribunais quando julgarem os recursos de apelação.

• EFEITO SUSPENSIVO DOS RECURSOS: “Art. 949. Os recursos, salvo disposição

legal em sentido diverso, não impedem a eficácia da decisão”. O caput desse artigo

assegura que não haverá efeito suspensivo automático, propiciando assim a execução

imediata da sentença de primeiro grau.

Diversas posições discordaram. A justificativa para a necessidade de haver efeito

suspensivo repousa sob a alegação de que o percentual de provimento nas apelações é

elevado, havendo reforma parcial e muitas vezes total da sentença monocrática. O efeito

suspensivo proporciona maior segurança jurídica. Sem ele, poderá ocorrer prejuízo para

ambas as partes. Ainda, a morosidade da justiça está no tempo excessivo para o julgamento

das apelações.

Houve muita polêmica quanto aos parágrafos desse artigo pelo fato de ser possível

solicitar ao Tribunal o efeito suspensivo quando for interposta a apelação. Nesse caso o

apelante deverá encaminhar uma petição autônoma que será analisada pelo Relator.

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No Debate Público do MJ, inúmeros posicionamentos convergiram no sentido de que

os Tribunais ficarão congestionados, haja vista que sempre será solicitado o efeito suspensivo

na apelação. Ademais, serão produzidas duas peças para apreciação em segundo grau de

jurisdição.

Pela importância que a questão despertou, serão transcritos abaixo os parágrafos do

artigo 949.

Art. 949. [...]

§ 1º. A eficácia da decisão poderá ser suspensa pelo relator se demonstrada a probabilidade de provimento do recurso, ou, sendo relevante a fundamentação, houver risco de dano grave ou difícil reparação, observado ao art. 968.

§ 2º. O pedido de efeito suspensivo do recurso será dirigido ao tribunal, em petição autônoma, que terá prioridade na distribuição e tornará prevento o relator.

§ 3º. Quando se tratar de pedido de efeito suspensivo a recurso de apelação, o protocolo da petição a que se refere o § 2º impede a eficácia da sentença até que seja apreciada pelo relator.

§ 4º. É irrecorrível a decisão do relator que conceder o efeito suspensivo.

Por outro lado, festejando a eliminação do efeito suspensivo, automático em sede

recursal no Código em vigor e proposta no Projeto do Novo CPC, Luiz Guilherme Marinoni e

Daniel Mitidiero, salientam que “o autor que já teve o seu direito declarado não pode ser

prejudicado pelo tempo do recurso que serve unicamente ao réu. A tutela jurisdicional tem de

ser tempestiva, ao mesmo tempo que é imprescindível igualmente evitar o abuso do direito de

recorrer”.117

• EMBARGOS DE DECLARAÇÃO: A oposição de embargos de declaração como

direito legítimo da parte que ao recorrer, demonstra sua irresignação com a sentença

ou acórdão que traz obscuridade ou contradição, havendo ainda a possibilidade de

haver omissão em algum ponto sobre o qual devia pronunciar-se o juiz ou tribunal

(art. 538, CPC de 1973), tem suscitado distorção no exercício da recorribilidade.

                                                                                                                         117 MARINONI, Luiz Guilherme. MITIDIERO, Daniel. O projeto do CPC: crítica e propostas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 178.  

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85

Tem sido comum em muitos julgados a oposição de embargos de declaração

indiscriminadamente, com intuito protelatório, contrariando frontalmente previsão legal.

Nestes casos, configura-se a litigância de má-fé e responsabilização da parte que assim agiu,

implicando em condenação e sanção.

Com o Projeto do CPC, este recurso foi disciplinado para tentar impedir seu desvio de

finalidade que acarreta abuso processual na espécie de abuso do direito de recorrer.

As alterações propostas de maior relevância referem-se ao efeito suspensivo, à

limitação para oposição de embargos declaratórios protelatórios e ao aumento do valor da

multa quando manifestamente protelatórios. Isto será apresentado a seguir com a transcrição

do art. 980 e seus §§ 4º e 5º do Projeto.

Art. 980. Os embargos de declaração não têm efeito suspensivo e interrompem o prazo para a interposição de outros recursos por qualquer das partes.

[...]

§ 4º Quando manifestamente protelatórios os embargos, o juiz ou tribunal condenará o embargante a pagar ao embargado multa não excedente a cinco por cento sobre o valor da causa.

§ 5º Não serão admitidos novos embargos declaratórios, se os anteriores houverem sido considerados protelatórios.

No CPC em vigor, a multa seria não excedente a um por cento do valor da causa,

conforme o art. 538, parágrafo único. Também não havia menção expressa quanto ao efeito

suspensivo.

Algumas críticas formuladas dizem respeito à extinção da multa que seria elevada para

até dez por cento na reiteração de embargos protelatórios, de acordo com o que vigora

atualmente (art.538, parágrafo único).

Há entendimento de que foi um retrocesso não apenar gravosamente com multa o

embargo de declaração dilatório que intentar sucessivamente embaraçar ou causar dano

processual pela conduta abusiva no direito de recorrer.

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86

3.3 Sanções

As sanções previstas na legislação processual destinadas a coibir o abuso em sede

recursal ainda provocam debates doutrinários acalorados. Parcela considerável de

processualistas considera que é necessário aperfeiçoar os mecanismos para intimidar e punir o

litigante de má-fé que utiliza dolosamente seu direito de recorrer.

A justificativa que normalmente sustenta esta posição tem sido o resultado nem tanto

significante para sanear as condutas abusivas neste particular. Diante do elevado efeito lesivo

sofridos pelo Estado e pelo sujeito parcial da relação processual em atos procrastinatórios

recursais, o remédio processual, diga-se a sanção, para combater esse assédio processual, tem

aplicação limitada pelas contingências da própria lei.

Em muitos julgados, a condenação por litigância de má-fé com base no inciso VII do

art. 17 do CPC118 revela-se parcialmente ineficaz. O sucumbente mantém uma contínua

irresignação, prejudicando a parte contrária pela via recursal.

Sendo assim, por vezes, os embargos de declaração opostos repetidamente não visam à

correção da decisão judicial. São desviados propositalmente para postergar maliciosamente o

processo.

Esse artifício é cômodo para o litigante habitual recorrente. Normalmente, podendo

custear serviços advocatícios de nível técnico num patamar de qualificação superior ao do

litigante eventual, vale-se da chicana recursal. O motivo é que compensa agir dessa maneira.

Sabe que, se a decisão judicial em seu desfavor não for reformada parcial ou totalmente e no

caso de condenação por abuso do direito de recorrer, as penas impostas de caráter pecuniário

serão irrelevantes.

                                                                                                                         118 Código de Processo Civil. Art. 17. Reputa-se litigante de má-fé aquele que: VII – interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.  

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87

Alguns casos concretos nesse sentido são emblemáticos. Os julgados provam que as

sanções impostas como solução repressiva para conter a abusividade não estão purgando a

contento as distorções do sistema recursal cível no que tange a comportamentos abusivos dos

sujeitos parciais do processo.

Como exemplos do cotidiano da atividade dos órgãos jurisdicionais, particularmente

com viés na oposição de embargos de declaração protelatórios, por ser questão inquietante e

deveras recorrente nos tribunais, passa-se a seguir à descrição e comentário de casos

concretos com transcrição de julgados ilustrativos que têm contribuído para a formação de

jurisprudência e servem de reflexão para as conclusões pertinentes ao tema.

Neste primeiro caso concreto, extraído de julgados do STJ, houve reiteração na

oposição de embargos de declaração no recurso em mandado de segurança. A Quinta Turma

do STJ considerou os embargos protelatórios e, por isso, aplicou a penalidade prevista no art.

538, parágrafo único, do CPC. Em breve síntese, ocorreu o seguinte: SUPERIOR

TRIBUNAL DE JUSTIÇA - EDcl nos EDcl nos EDcl nos EDcl no RECURSO EM

MANDADO DE SEGURANÇA Nº. 19.846 – RS: O recurso em questão chegou ao STJ em

15 de abril de 2005. Em 4 de maio de 2006 foi julgado o mérito do pedido, isto é, a possível

anulação da demissão de um Oficial de Justiça do Rio Grande do Sul. Inconformada, a defesa

ingressou com a oposição de embargos de declaração. Em 3 de outubro de 2006, houve novo

julgamento em que a Quinta Turma manteve a posição por entender que a intenção da parte

era a reapreciação do julgado para alterar o conteúdo da decisão. Novamente a defesa

ingressou com embargos de declaração. A decisão foi mantida em 6 de fevereiro de 2007. A

defesa insistiu pela terceira vez com embargos de declaração e, em 10 de maio de 2007, a

Quinta Turma não só rejeitou o recurso, como aplicou multa de 1% (um por cento) sobre o

valor da causa. A defesa, pela quarta vez, apresentou embargos de declaração. No julgamento

em 18 de setembro de 2008, a Turma aumentou o percentual da multa para 5% (cinco por

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88

cento), condicionando a apresentação de qualquer outro recurso ao depósito do valor, tal qual

prevê o artigo 538, parágrafo único do CPC. Em 2 de fevereiro de 2009, o Vice-Presidente do

STJ, em decisão monocrática, não admitiu o Recurso Extraordinário. Em agosto de 2009, foi

interposto Agravo de Instrumento que segundo o controle de movimentação processual do

STJ119 no mês de junho deste ano, consigna que aguarda decisão do Agravo no STF.

A EMENTA e o ACÓRDÃO de 18 de setembro de 2008, data do julgamento deste

caso, têm o seguinte teor:

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

EDcl nos EDcl nos EDcl nos EDcl no RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 19.846 – RS (2005/0055924-1)

RELATOR: MINISTRO JORGE MUSSI

EMBARGANTE: SÉRGIO MOACIR DE OLIVEIRA CRUZ

ADVOGADO: DEIVT DIMITRIOS PORTO DOS SANTOS E OUTRO(S)

EMBARGADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

EMENTA

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. VÍCIOS. INOCORRÊNCIA. REITERAÇÃO DAS RAZÕES RECURSAIS. ELEVAÇÃO DA MULTA APLICADA. EMBARGOS REJEITADOS.

1.Descabe a concessão de excepcional efeito infringente em recurso integrativo, se a decisão embargada não ostentar qualquer vício de omissão, obscuridade ou contradição.

2.Diante da reiteração dos mesmos argumentos antes rechaçados, deve ser elevada a multa aplicada pelo acórdão ora embargado para o percentual de cinco por cento do valor dado à causa, a teor do disposto no artigo 538, parágrafo único, do Código de processo Civil.

3.A interposição de eventual recurso, doravante, fica condicionada ao depósito do valor respectivo, sob pena de não conhecimento.

4.Embargos de declaração rejeitados.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, rejeitar os embargos. Os Srs. Ministros Laurita Vaz, Arnaldo Esteves Lima e Napoleão Nunes Maia Filho votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Felix Fischer.

Brasília (DF), 18 de setembro de 2008. (Data do Julgamento).

MINISTRO JORGE MUSSI – RELATOR

                                                                                                                         119 SUPERIOR Tribunal de Justiça. Sistema de Consulta Processual. Disponível em: <www.stj.gov.br>. Acesso em: 9 jun. 2011.  

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89

Da análise deste caso, pode-se inferir que os quatro embargos opostos tiveram intuito

manifestamente protelatórios. Chama atenção o prolongamento no tempo para se chegar a

uma tutela jurisdicional definitiva que pelo exposto ainda não se concretizou haja vista que a

parte sucumbente aguarda decisão do STF no julgamento de Agravo de Instrumento.

Não obstante as sanções iniciais aplicadas no STJ, a parte prosseguiu opondo

sucessivos embargos de declaração seguindo o regramento processual, que não impõe limite

para deter sucessivos recursos desta natureza. Apenas prevê aplicação de multa.

Também há que se perguntar: a sanção aplicada inicialmente foi na dose certa? Na

elevação do percentual da multa para 5% (cinco cento) houve coerência diante da insistência

em recorrer, mesmo sabendo a parte que não lograria êxito face terem sido rechaçados os

recursos anteriores? Por que há morosidade do órgão jurisdicional para obstar de plano o

exercício abusivo do direito de recorrer?

Para a maior parte destes questionamentos, ligados a fatores diversos e complexos,

algumas respostas podem ser retiradas do corpo deste trabalho, conjugando-se o conteúdo

anteriormente posto.

Outras poderão ser respondidas com base num estudo analítico-crítico da legislação

processual e da própria estrutura orgânica e administrativa do Poder Judiciário.

Nesse diapasão, é mister destacar que a legislação processual permissiva possibilita

que essas condutas sejam realizadas no desenvolvimento do processo, pois há um Estado

Democrático de Direito com garantias constitucionais que devem ser respeitadas.

Ainda, a existência de praticamente quatro instâncias jurisdicionais alimenta por vezes

o abuso no recorrer, desviando a finalidade precípua do sistema recursal. Além do mais, a

imposição de sanção não se opera de maneira efetiva para reprimir danos processuais, mesmo

com a aplicação de multas e possibilidade de indenização à parte contrária pelos prejuízos

causados pelo litigante que atua com má-fé.

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90

Em outra concepção com pensamento similar na abordagem sobre a imputação de

sanção por abuso processual, Helena Najjar Abdo assegura que

[...] importa reiterar, todavia, a recomendação de que é necessário ter cautela ao impor sanções ao abuso cometido no âmbito do processo, devendo-se respeitar os limites atinentes à aplicação de penalidades, particularmente as garantias do contraditório, do acesso à justiça e da ampla defesa, assim como a necessidade de prova da ocorrência do abuso120.

O segundo caso concreto refere-se a embargos de declaração em Ação Originária121 no

STF, tendo sido rejeitados e considerados procrastinatórios. À parte embargante foi imposta

multa pelo abuso do direito de recorrer, com será visto em seguida.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

AO 1290 – AÇÃO ORIGINÁRIA

ORIGEM: MT – MATO GROSSO

EMB. DECL. NOS EMB. DECL. NA QUESTÃO DE ORDEM NA AÇÃO ORIGINÁRIA

RELATOR: Min. CELSO DE MELLO

EMBARGANTE: JOSÉ GERALDO DA ROCHA PALMEIRA

ADVOGADO: ZAID ARBID

EMBARGADO: ORLANDO DE ALMEIDA PERRI

EMENTA

SEGUNDOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – AUSÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS DE EMBARGABILIDADE – RECURSO UTILIZADO COM O OBJETIVO DE INFRINGIR O JULGADO – INADMISSIBILIDADE – ABUSO DO DIREITO DE RECORRER – IMPOSIÇÃO DE MULTA – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS – OS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NÃO SE REVESTEM, ORDINARIAMENTE, DE CARÁTER INFRINGENTE.

Os embargos de declaração, desde que ausentes os seus requisitos de admissibilidade,

não podem ser utilizados com o indevido objetivo de infringir o julgado, sob pena de

inaceitável desvio da específica função jurídico-processual para a qual esse tipo recursal se

acha instrumentalmente vocacionado. Precedentes.

                                                                                                                         120 ABDO, Helena Najjar. O abuso do processo. São Paulo: Editora Revista dos tribunais, 2007, p. 228.  121 Ação Originária – AO 1290. DJE- 152. Divulgação: 13-08-2009. Publicação: 14-08-2009. Julgamento: 30/06/2009. In: SUPREMO Tribunal Federal. Sistema de Consulta Processual. Acesso em 09 de junho de 2011. Site www.stf.jus.br.  

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91

EXERCÍCIO ABUSIVO DO DIREITO DE RECORRER E CAUSA DE VALOR

INESTIMÁVEL: POSSIBILIDADE DE IMPOSIÇÃO DE MULTA. O abuso do direito de

recorrer, por qualificar-se como prática incompatível com o postulado ético-jurídico da

lealdade processual, constitui ato de litigância temerária repelido pelo ordenamento positivo,

especialmente nos casos em que a parte interpõe recurso com intuito protelatório, hipótese em

que se legitima a imposição de multa, mesmo que se trate de causa de valor inestimável.

Precedentes. FINALIDADE DA MULTA. A multa a que se refere o art. 538, § único, c/c o

art.18, ambos do CPC possui inquestionável função inibitória, eis que visa a impedir o

exercício abusivo do direito de recorrer e a obstar a indevida utilização do processo como

instrumento de retardamento da solução jurisdicional do conflito de interesses. Precedentes.

DECISÃO. A Turma, por votação unânime, rejeitou, por incabíveis, os embargos de

declaração e, por considerá-los procrastinatórios, impôs, à parte embargante, pagamento de

multa, fixada em R$ 500,00 (quinhentos reais), condicionada a interposição de qualquer outro

recurso ao prévio depósito do valor dessa mesma multa, tudo nos termos do voto do Relator.

Ausentes, justificadamente, neste julgamento, a Senhora Ministra Ellen Gracie e o Senhor

Ministro Eros Grau. Presidiu, este julgamento, o Senhor Ministro Celso de Mello. 2ª Turma,

30.06.2009.

De maneira semelhante ao caso anterior, a apreciação pelo STF para se chegar ao

julgamento em 30 de junho de 2009 demandou tempo, haja vista que a distribuição naquela

Corte Suprema ocorreu em 24 de maio de 2005.

Quanto à sanção, “a multa, evidentemente, não tem qualquer caráter ressarcitório, mas

apenas punitivo e inibitório, pois visa a impedir o exercício irresponsável do direito de

recorrer uma vez que, sem o depósito prévio da multa, ausente está o pressuposto objetivo de

admissibilidade de novos recursos”.122

                                                                                                                         122 LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Abuso do exercício do direito de recorrer. Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis. Vol. 4. São Paulo: RT, 2001, p. 892  

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92

No Código de Processo Civil as sanções a serem impostas ao litigante que abusar do

direito de recorrer não estão dispostas exclusivamente no Título X que corresponde aos

Recursos. Nesta parte do CPC, o artigo 538, parágrafo único, refere-se à fixação de

percentuais para imputação de multas quando houver oposição de embargos de declaração

manifestamente protelatórios. Se forem reiterados, a multa será elevada a até 10%. A

referência será o valor da causa.

Já o artigo 557, § 2º trata da condenação do agravante, quando manifestamente

inadmissível ou infundado o agravo. A multa será de 1% a 10% do valor corrigido da causa.

A lei processual também prevê restrição de direitos quando condiciona a interposição

de qualquer outro recurso ao depósito da multa prevista para as hipóteses dos artigos 538,

parágrafo único e 557, § 2º.

No que tange à violação dos deveres processuais pelas partes e seus procuradores há

previsão no artigo 14, parágrafo único, de aplicação de multa conforme a gravidade da

conduta no valor não superior a 20% do valor da causa. Essa sanção é atribuída ao litigante

que não cumprir com exatidão os provimentos mandamentais ou criar embaraços para à

efetivação de provimentos judiciais.

Quanto à aplicação de sanções face à litigância de má-fé, o legislador previu além de

multa, indenização por perdas e danos. Os artigos 16 e 18 do CPC disciplinam as hipóteses e

parâmetros para a cobrança dos percentuais das multas, bem como limites para valores

relativos à indenização.

Vale destacar que as sanções, previstas na legislação processual, destinadas ao

litigante que exerce o direito de recorrer de maneira anômala, abusando desse direito, não

podem ser aplicadas de forma genérica.

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93

Cabe ao juiz a responsabilidade maior de interpretar a lei para aplicá-la com justiça.

Antes de reprimir, deve-se prevenir. A solução depende de uma análise criteriosa de cada caso

concreto que traz especificidades. Deve-se levar em consideração a desigualdade das partes,

em oposição ao que prega o direito processual.

Por fim, quanto à recorrente oposição de embargos de declaração manifestamente

protelatórios, desviados de sua finalidade para suprir omissão, contradição ou obscuridade de

sentença ou acórdão não bastaria um requerimento simples ao órgão julgador ou uma petição

descrevendo os pontos que porventura não tiveram pleno entendimento? Talvez, como

sugestão, fosse o caso de repensar a utilização de embargos de declaração como tipo de

recurso.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo teve o escopo delimitado pela questão do abuso do direito de

recorrer e seus reflexos na prestação jurisdicional tempestiva e definitiva. Nas abordagens

sobre tal problemática, verificou-se a existência de extrema complexidade para conciliar o

acesso à Justiça, as garantias constitucionais relativas ao processo e a aplicação da legislação

processual diante de uma litigiosidade desenfreada e sem precedentes.

O Código de Processo Civil (CPC) de 1973, que vigora atualmente, traz no Livro I,

Título X, o regramento que deve ser seguido na processualística civil quando a matéria versar

sobre recursos. No CPC, não consta expressamente a definição de recurso. Todavia, da leitura

do art. 496 ao art. 565, sabe-se que serve para impugnar decisão judicial em uma mesma

relação processual.

Tal aspecto fundamenta o direito de recorrer. Entendido como continuação do direito

de ação, é legítimo à parte exercê-lo para demonstrar sua irresignação com o resultado da

composição da lide. Com a interposição do recurso, poderá ocorrer a reforma parcial ou total

do ato que foi objeto da impugnação.

Ademais, o respaldo maior que consigna sua fundamentação está atrelado ao que

assegura a Constituição Federal (CF) de 1988, em seu art. 5º, inciso LV: “aos litigantes, em

processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e

a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

Com igual importância para a aplicação do sistema recursal cível, também foram

ressaltados os princípios. Como norteadores das ações processuais, pautam pela correção de

comportamentos em sede recursal. Limitam desvios de finalidade, como na proibição de

reformatio in pejus. É essencial observá-los para evitar que haja anomalia no manejo de

recursos.

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95

Quanto ao efeito suspensivo dos recursos, conclui-se que ao impedir a formação da

coisa julgada com a procrastinação do feito, alimenta as insatisfações em conseqüência de

tornar a justiça menos célere e pouca efetiva para definir ou satisfazer o direito material.

Em contrapartida, o efeito suspensivo não pode desconsiderado, haja vista que com a

reforma parcial ou total do objeto da impugnação, não haverá prejuízo para a parte recorrente.

Normalmente serve de artifício para o litigante malicioso que abusa do direito de recorrer ao

interpor recurso com intuito manifestamente protelatório.

Ultrapassada a primeira fase do estudo, onde se procurou resgatar aspectos de maior

relevância doutrinária do sistema recursal cível, partiu-se para uma análise do abuso do

Direito Processual. Buscou-se compreender melhor a amplitude desse fenômeno para se

chegar à certeza de que o abuso do direito de recorrer é uma espécie de abuso do direito

processual. Sob esse prisma, verificou-se que a jurisprudência e o posicionamento pacífico da

doutrina caminham nesse sentido.

Em face ao recorrente e sistemático abuso processual, o escopo jurídico do processo,

compreendido como a atuação da vontade concreta do direito, pode tornar-se inatingível.

Nas manifestações dos atos abusivos constatou-se que existe uma aparência de

legalidade e desvio de finalidade. O litigante extrapola os limites impostos pela norma,

exercendo seu direito subjetivo como faculdade para agir no processo com a intenção de

causar dano. Este atinge diretamente a parte contrária na relação processual e, indiretamente,

o próprio Estado. Há, portanto, comprometimento para a administração e dignidade da

Justiça.

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96

Também foi possível inferir que os comportamentos abusivos potencializam o dano

marginal. A demora que decorre da dinâmica processual fica desprovida de razoabilidade.

Desaparece o lapso temporal aceitável para a solução do litígio. Ocorre, então, uma

“patologia” que assola a definitiva entrega da prestação jurisdicional por causa da

procrastinação do feito.

Por oportuno, vale frisar que por ocasião do estudo do abuso no processo, é possível

afirmar que seus pressupostos foram extraídos da teoria do abuso do direito no Direito

privado. Daí a conclusão de que é praticado pelos sujeitos processuais, possui aparência de

legalidade e ao desviar a finalidade do rito processual, acarreta dano.

Cuidou-se ainda de analisar os deveres processuais que estão expressamente dispostos

no art. 14 do CPC. A boa-fé e a lealdade processual são deveres básicos, essenciais para a

consecução dos escopos processuais. Já a litigância de má-fé, cujas condutas estão tipificadas

no art. 17, se contrapõe a esses deveres. Tem sido a forma mais comum de abuso processual.

No que tange à prática da litigância de má-fé em sede recursal, a interposição de

recurso com intuito manifestamente protelatório é conduta prevista no art. 17, inciso VII,

sujeita à sanção.

Em um cenário que visa coibir atos abusivos de qualquer natureza que impliquem em

descrédito para a Justiça, principalmente nas condenações por litigância de má-fé, causa

estranheza a não imputação de sanções aos advogados das partes. O assunto tem gerado

crítica sob a alegação de incoerência entre o art. 14 (deveres processuais), o art. 16 e o art. 18,

que versam sobre responsabilidade para indenizar por perdas e danos e aplicação de sanções

por litigância de má-fé.

Na conclusão do estudo sobre esta matéria, tem-se que a jurisprudência pacificada do

Superior Tribunal de Justiça (STJ) aponta no sentido de que cabe a Ordem dos Advogados do

Brasil (OAB) punir os desvios de conduta de seus advogados inscritos.

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97

Outra questão polêmica é a condenação de ofício por juiz ou tribunal nos casos de

litigância de má-fé. Há entendimento discordante argumentando que nessa situação não é

assegurado o direito de defesa.

Ao prosseguir, diante das posições doutrinárias atuais que tratam do exercício abusivo

do direito de recorrer como espécie de abuso do direito processual, tem-se que, inicialmente,

as reformas implementadas nos últimos anos e que acrescentaram e aperfeiçoaram

dispositivos do CPC com o objetivo de corrigir as distorções do sistema recursal cível foram

positivas. Contudo, ainda persiste a manipulação de recursos com fim intencionalmente lesivo

ao processo.

O exercício abusivo do direito de recorrer é espécie de abuso processual. Retira seus

fundamentos da mesma fonte. Significa dizer que está contido no sistema processual para

onde foram carreados os pressupostos da teoria objetiva do abuso do direito. O sujeito

processual, ao causar dano no desenvolvimento do processo, almeja um resultado para tirar

proveito pessoal com a situação. É o que ocorre quando há interposição de recurso

manifestamente protelatório.

Nessa situação, normalmente é violada a boa-fé e a lealdade processual. A

consequência tem sido a condenação por litigância de má-fé. O direito de recorrer desvia-se

do permitido pela norma processual, ofende a dignidade da justiça e cristaliza-se na forma de

abuso.

Vale lembrar que a aplicação de sanção nem sempre acontece. É difícil identificar o

abuso do direito de recorrer. A aparência de legalidade da conduta abusiva em sede recursal e

a subjetividade para enquadrar o ato no rol de tipificação do art. 17 do CPC são óbices que o

julgador enfrenta para rechaçar tais comportamentos.

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98

Entendimentos doutrinários asseguram que o elevado número de recursos existentes

no sistema processual brasileiro, aliado ao efeito suspensivo e às várias instâncias de

recorribilidade, desprestigiam os julgamentos monocráticos em primeira instância. Aumentam

o tempo de duração do processo quando protelatórios, causando dano processual. É fator

potencial que contribui para a denegação da justiça.

No Projeto nº. 166 que, caso aprovado na Câmara dos Deputados (CD), substituirá o

CPC em vigor, a questão do abuso do direito de recorrer foi abordada superficialmente. As

propostas com maior significado relacionadas ao tema tratam da supressão do efeito

suspensivo dos recursos que atualmente é automático. Também foram excluídos o agravo

retido e os embargos infringentes do rol de recursos. Os embargos de declaração não terão

efeito suspensivo e serão limitados. Entretanto, neste Projeto perde-se a chance de suprimi-

los. Uma petição ao órgão julgador solicitando esclarecimento poderia suprir omissão,

contradição ou obscuridade presente em sentença ou acórdão.

Tais iniciativas são válidas, contudo pontuais e paliativas. Ainda não existe solução

ideal para conciliar as garantias do devido processo legal com instrumentos eficazes para

impedir o abuso do direito de recorrer.

Observa-se que existe a necessidade de serem aperfeiçoadas as sanções que objetivam

intimidar e punir com rigor quem utiliza dolosamente seu direito de recorrer. Só assim evitar-

se-á prejuízo para o recorrido, embaraço ao processo e dilação por demasia do feito. Tal

aspecto foi corroborado com a ilustração dos julgados apresentados.

Por fim, pode-se afirmar por todo o exposto que o abuso do direito de recorrer

contribui para a denegação da Justiça.

Em suma, nas palavras do Ministro Luiz Fux: “Justiça retardada é justiça denegada”.

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