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UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL MAURÍCIO MELO DE BONI LINGUAGEM E GÊNERO CINEMATOGRÁFICO: ANÁLISE FÍLMICA COMPARATIVA ENTRE O CINEMA BRASILEIRO E ESPANHOL CAXIAS DO SUL 2014

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UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL

MAURÍCIO MELO DE BONI

LINGUAGEM E GÊNERO CINEMATOGRÁFICO: ANÁLISE FÍLMICA COMPARATIVA ENTRE O CINEMA BRASILEIRO E

ESPANHOL

CAXIAS DO SUL 2014

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UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL

MAURÍCIO MELO DE BONI

LINGUAGEM E GÊNERO CINEMATOGRÁFICO: ANÁLISE FÍLMICA COMPARATIVA ENTRE O CINEMA BRASILEIRO E

ESPANHOL

Monografia de conclusão do curso de Comunicação Social, habilitação em Publicidade e Propaganda da Universidade de Caxias do Sul, apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel. Orientador Professor Me. Ronei Teodoro da Silva.

CAXIAS DO SUL 2014

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MAURÍCIO MELO DE BONI

LINGUAGEM E GÊNERO CINEMATOGRÁFICO:

ANÁLISE FÍLMICA COMPARATIVA ENTRE O CINEMA BRASILEIRO E ESPANHOL

Monografia de conclusão do curso de Comunicação Social, habilitação em Publicidade e Propaganda da Universidade de Caxias do Sul, apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel.

Aprovado(a) em ___ /___ /___

Banca Examinadora _______________________________________ Prof. Me. Ronei Teodoro da Silva – Orientador Universidade de Caxias do Sul – UCS _______________________________________ Prof. Me. Myra Adam de Oliveira Gonçalves Universidade de Caxias do Sul – UCS ________________________________________ Prof. Dr. Alvaro Fraga Moreira Benevenuto Junior Universidade de Caxias do Sul – UCS

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente à minha família. Aos meus pais por haverem

proporcionado tantas oportunidades de crescimento profissional e pessoal; Às

minhas irmãs por terem mantido o papel de minhas eternas melhores amigas.

Obrigado ao professor Ronei Teodoro por ter me acompanhado nestes

últimos meses trabalhosos. Minha evolução em tão pouco tempo foi resultado de

sua confiança nas minhas escolhas, seus ensinamentos extremamente valiosos e

nossas conversas descontraídas que afastavam o fantasma do tempo escasso.

Por fim, agradeço a todos que de alguma forma chegaram ao presente

trabalho (impresso ou eletrônico) interessados em abraçar seu conteúdo. A

intensão, por menor que seja, é o combustível necessário para o desenvolvimento

desta forma de arte única.

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“É importante compreender que, em termos de cinema, a ambição primeira de um país é ter um cinema que fale sua língua, independentemente de um critério de maior ou menor qualidade comercial ou cultural. O espectador quer ver-se na tela de seus cinemas, reencontrar-se, decifrar-se”.

Gustavo Dahl

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RESUMO Este trabalho tem como proposta a investigação da identidade cinematográfica contida em obras audiovisuais de diferentes países. Para isto, foram selecionados dois filmes, um espanhol e outro brasileiro, a fim de analisar fragmentos que evidenciassem a presença dessa identidade e que fosse reconhecível pelas suas escolas. Primeiramente, para um fundamento teórico que sustentasse a pesquisa, foi realizada uma pesquisa relacionada à história do cinema dos respectivos países, assim como sobre linguagem cinematográfica e gênero. Foi utilizado como método a análise fílmica comparativa na fragmentação destas obras. Por fim, os dados obtidos permitiram melhor compreender o uso de elementos que configuram tanto suas respectivas identidades cinematográficas quanto do cinema em geral. Palavras-chave: identidade cinematográfica, linguagem cinematográfica, gênero

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 – The Great Train Robbery: protagonistas e antagonistas...................16 Figura 2 – The Great Train Robbery: vilão em destaque......................................16 Figura 3 – Lonelly Villa: montagem paralela....................................................18-19 Figura 4 – The Birth of a Nation: montagem rítmica.............................................21 Figura 5 – Perseguidor Implacável.........................................................................26 Figura 6 – Bullit........................................................................................................27 Figura 7 – Operação França....................................................................................28 Figura 8 – Chinatown...............................................................................................29 Figura 9 – Seven: Os Sete Crimes Capitais...........................................................30 Figura 10 – O Cangaceiro........................................................................................34 Figura 11 – Os Fuzis................................................................................................35 Figura 12 – Terra em Transe...................................................................................37 Figura 13 – Central do Brasil..................................................................................39 Figura 14 – Cidade de Deus....................................................................................40 Figura 15 – Un Chien Andalou................................................................................42 Figura 16 – Viridiana................................................................................................43 Figura 17 – Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos.......................................45 Figura 18 – Os Outros.............................................................................................46 Figura 19 – Tropa de Elite: montagem paralela...............................................52-53 Figura 20 – Tropa de Elite: apresentação de Capitão Nascimento.....................54 Figura 21 – Grupo 7: sequência de perseguição.............................................55-57 Figura 22 – Grupo 7: Ángel e Elena...................................................................59-60 Figura 23 - Tropa de Elite: Nascimento e Rosane...........................................60-61 Figura 24 – Grupo 7: tiroteio e morte de Amador............................................62-63 Figura 25 – Tropa de Elite: morte de Baiano.........................................................64

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SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO........................................................................................................10

2 SOBRE O CINEMA E OS PRIMÓRDIOS DE UMA LINGUAGEM.........................13 2.1 EXPERIMENTOS NO CINEMA...........................................................................14

2.2 MONTAGEM........................................................................................................16

2.3 RITMO..................................................................................................................19

2.4 ELIPSES..............................................................................................................20

2.5 VEROSSIMILHANÇA FILMADA..........................................................................21

3 O GÊNERO POLICIAL...........................................................................................23 3.1 O GÊNERO E SUA ÉPOCA.................................................................................24

3.2 A SEQUÊNCIA DE AÇÃO.. .................................................................................25

3.3 TRANSFORMAÇÃO DO GÊNERO.....................................................................27

3.4 O TEOR DA VIOLÊNCIA.....................................................................................29

4 HISTÓRIA CINEMATOGRÁFICA: BRASIL E ESPANHA.....................................31 4.1 CINEMA BRASILEIRO.........................................................................................31

4.1.1 Desenvolvimento de um mercado nacional.................................................32 4.1.2 Cinema Novo...................................................................................................33 4.1.3 Glauber Rocha.................................................................................................35 4.1.4 Crise e Leis Audiovisuais...............................................................................36 4.1.5 Latino-americano contemporâneo................................................................38 4.2 CINEMA ESPANHOL...........................................................................................40

4.2.1 Luis Buñuel e o Franquismo..........................................................................40 4.2.2 Diretores contra o Regime.............................................................................42 4.2.3 Cinema espanhol pós-Franco........................................................................43

5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS...............................................................46 5.1 ANÁLISE DE CONTEÚDO...................................................................................46

5.2 ANÁLISE FÍLMICA...............................................................................................46

5.3 ESTRUTURA DE ANÁLISE.................................................................................48

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6 ANÁLISE DOS FILMES TROPA DE ELITE E GRUPO 7......................................50 6.1 SEQUÊNCIA 1.....................................................................................................51

6.2 SEQUÊNCIA 2.....................................................................................................57

6.3 SEQUÊNCIA 3.....................................................................................................60

7 CONCLUSÃO.........................................................................................................66

REFERÊNCIAS.........................................................................................................69

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                                                                                                                                                                                                                                                                             10  

1 INTRODUÇÃO

O crítico francês Gérard Betton introduz em seu livro Estética do

cinema (Martins Fontes) a afirmativa de que “o cinema é, antes de mais

nada, uma arte, um espetáculo artístico” (1987, pg. 1). O escritor francês

André Malraux publicou em Esquisse d’une psychologie du cinema (Esboço

de uma psicologia do cinema) que “de qualquer forma, o cinema é uma

indústria” (MARTIN, 1990, pg. 14). Os dois escreveram manifestos que

representam a dualidade pertinente acerca do que define o cinema. Seja na

Hollywood dos conglomerados empresariais detentores dos estúdios de

cinema, seja na produção cinematográfica brasileira dependente dos

incentivos capitais disponibilizados pelo governo, o artístico e o político-

econômico estiveram associados ao longo da história da sétima arte. Mesmo

tomando como material de análise um filme que não pertença aos principais

mercados, é possível visualizar a presença pertinente destes dois pontos. A

realidade cinematográfica contemporânea permite esta aproximação por ser

globalizada, onde se apresentam mercados relativamente novos capazes

tanto de receber influência do cinema tradicional e economicamente superior,

como influenciar a partir de formatos e linguagem dissociados dos pré-

estabelecidos.

A ideia central para o desenvolvimento deste estudo surgiu a partir dos

conhecimentos adquiridos na oficina Iniciación al Lenguaje del Cine

(novembro de 2012), realizada na cidade de Granada (Espanha). Ministrada

por Juan de Dios Salas 1 , possuía um temário com noções básicas

fundamentais à compreensão da realização fílmica. Os encontros eram

preenchidos com a visualização de trechos de filmes a fim de exemplificar

cada detalhe contido na construção de uma obra cinematográfica como, por

exemplo, vocabulário, linguagem, técnica, estética e estilo. O objetivo

principal, exposto por Salas no primeiro encontro, era capacitar à visão crítica

de uma obra cinematográfica, desenvolver uma avaliação além da mera

opinião de “este filme é bom” ou “aquele filme é ruim”. Um dos encontros foi                                                                                                                1 Diretor do Cine Club Universitario da Universidad de Granada.

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                                                                                                                                                                                                                                                                             11  

dedicado aos longas-metragens espanhóis da temporada, mais

precisamente, àqueles listados para a premiação dos prêmios Goya2 daquele

ano. À medida que mostrava os trechos, Salas expressava sua desilusão

com os filmes e levantou hipóteses, fundamentado no temário apresentado

na oficina, sobre o reflexo da má qualidade destes exemplos em todo o

mercado cinematográfico espanhol contemporâneo. Entre eles estava Grupo

7 (2012), ação/policial dirigida por Alberto Rodríguez. O longa-metragem

figura entre os gêneros menos explorados pelo cinema da Espanha, ao

contrário de outros mais recorrentes e melhor recebidos pelo público

espanhol. O caso de Grupo 7 se assemelha ao longa-metragem brasileiro

dirigido por José Padilha, Tropa de Elite (2007). Suas respectivas

repercussões nacionais e internacionais e avaliações críticas possuem pesos

diferentes, contudo, o que norteará o estudo a partir de seus exemplos será a

análise da estética e técnica presente nestes filmes.

Diante das informações apresentadas, é possível objetivar o trabalho

através da seguinte questão: quais os elementos estéticos e narrativos

utilizados nestes filmes que possam identificar uma identidade

cinematográfica própria?

Com base nessa questão, o presente trabalho terá como objetivo geral

investigar a presença de tal identidade nos longas-metragens citados. A partir

da análise das obras, pretende-se:

• Pesquisar o contexto histórico que justifique a presença de uma

identidade;

• Relacionar tópicos da linguagem cinematográfica e

características específicas dos gêneros presentes nas obras

para a análise fílmica;

• Encontrar as diferenças estéticas e narrativas presentes em

cada filme.

                                                                                                               2 Premiação aos profissionais da sétima arte realizada anualmente (desde 1987) pela Academia das Artes e Ciências Cinematográficas da Espanha .

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                                                                                                                                                                                                                                                                             12  

Esta pesquisa pretende contribuir para a área da comunicação

ampliando o conhecimento sobre o campo da Indústria Cultural. Procura-se,

com este estudo, auxiliar estudantes e profissionais das áreas do cinema e

audiovisual, contribuindo para o conhecimento sobre a análise fílmica e suas

diversas possibilidades de pesquisa nos campos da estética, estrutura

narrativa, gêneros e formatos. Também pretende agregar conteúdo ao estudo

do cinema enquanto identidade, apresentar estas possibilidades em

mercados cinematográficos em desenvolvimento, buscando ampliar o

conhecimento sobre a área de um ponto de vista contemporâneo.

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                                                                                                                                                                                                                                                                             13  

2 SOBRE O CINEMA E OS PRIMÓRDIOS DE UMA LINGUAGEM

Segundo Arlindo Machado, em seu ensaio sobre a arte

cinematográfica (2002), o cinema, em seus primórdios (1895 à primeira

década do séc. XX), era uma reunião de diversas modalidades de espetáculo

como o circo, o carnaval, a magia, a feira de aberrações, entre outras formas

da cultura popular. As salas de exibição exclusivas para a difusão dos filmes

ainda não existiam. Os filmes eram exibidos em teatros, circos e feiras como

atração para os intervalos das apresentações (MACHADO, 2002). Para fugir

destes espaços cedidos e instituir um exclusivo para o cinema foram criados

os nickelodeons, nome que deriva do fato de se pagar uma moeda de um

níquel para a entrada. Estas salas primitivas de exibição obtiveram

progresso paralelo à evolução do filme narrativo, que permitiu a longa

duração e a identificação e envolvimento da plateia.

Tanto nas casas de espetáculo, onde os filmes dividiam espaço com

outras atrações, como nos nickelodeons, o público constituía-se

principalmente das camadas proletárias dos cinturões industriais. Em

particular, nos Estados Unidos, onde o período inicial da indústria

cinematográfica, na primeira década do séc. XX, também foi o pico máximo

da imigração, majoritariamente vinda da Europa. As salas de exibição eram

frequentadas por estes estrangeiros (MACHADO, 2002), dado que os filmes

projetados advinham, em sua grande maioria, do estúdio de cinema

parisiense Pathé, dotado de um sistema pioneiro de produção e distribuição

em massa, estabelecendo seu maior mercado na América do Norte (ABEL,

2011). A hegemonia francesa acendeu a primeira guerra cinematográfica,

onde os estúdios norte-americanos pioneiros Edison, Biograph e Vitagraph,

perceberam que a condição para o desenvolvimento comercial

cinematográfico era a criação de um novo público. Segundo Machado (2002),

estas empresas buscaram a classe média e os seguimentos da burguesia, os

quais apresentavam-se como uma camada mais sólida, detentora de maior

poder econômico e com maior tempo para o ócio que os trabalhadores

imigrantes.

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                                                                                                                                                                                                                                                                             14  

[...]Estava claro que o cinema deveria começar a perder sua inocência, a sua gratuidade, a sua libertinagem e encaixar-se na linha de evolução das artes “elevadas”, tal como a entendiam os homens de cinema da época[...] (MACHADO, 2002, pg. 83)

É dizer, na busca de um novo público, os realizadores organizaram

uma esfera estrutural para seus filmes, iniciando a ampliação de uma

linguagem do cinema mais desenvolvida. Seus primeiros trabalhos com tal

viés apareceram na ficção com efeito de realidade. Algumas das dificuldades

enfrentadas pelo cinema na ação de firmar-se como forma de arte foram,

segundo Jaques Aumont (1995), as críticas que repousavam na ideia de que

havia se tornado refém do “modelo hollywoodiano”.

Este estaria cometendo três erros: ser americano e, portanto marcado politicamente; ser narrativo, na estrita tradição do século XIX, e ser industrial, isto é, fornecer produtos equivalentes. (AUMONT, 1995, pg. 94)

Aumont (1995) defende que a marcação que identifica o cinema

americano é evidente, porém, é válido para qualquer produção

cinematográfica. Para abandonar a roupagem de simples atração

experimental para curiosos e de produto industrial, o cinema precisou

equiparar-se às artes nobres, que na passagem do século XIX para o século

XX eram o teatro e o romance. Portanto, para que pudesse provar-se como

contador de histórias dignas de interesse, ser reconhecido como arte,

empenhou-se em desenvolver sua capacidade narrativa (AUMONT, 1995).

2.1 EXPERIMENTOS NO CINEMA

O desenvolvimento de uma linguagem cinematográfica deu-se como

um processo de maturação do período de experimentação e aprendizado dos

primeiros anos do cinema. As primeiras imagens cinematográficas eram

consideradas confusas demais para um público viciado no discurso linear e

organizado do teatro e do romance romântico/realista (MACHADO, 2002).

Dois casos ocorridos nos primeiros anos do cinema exemplificam o

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surgimento de uma linguagem própria. O clássico de Edwin S. Porter3, The

Great Train Robbery (1903), acompanhando uma tendência dos filmes em

ambientes externos, foi rodado inteiramente em planos gerais. O diretor

percebeu que a diferença entre os protagonistas (pelotão do xerife) e

antagonistas (bandidos) não seria perceptível ao público. O problema foi

resolvido com a retratação de um dos bandidos em um enquadramento

bastante próximo, com o propósito de este ser apresentado à audiência

(DANCYNGER, 2007).

Figura 1: The Great Train Robbery: protagonistas e antagonistas

Figura 2: The Great Train Robbery: vilão em destaque

� � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � �3 Edwin Stanton Porter (1870-1941), foi um cineasta norte-americano. Dirigiu filmes para a Edison Studios, de Thomas Edison, entre eles: The Great Train Robbery (1903) e Life of an American Fireman (1903).

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                                                                                                                                                                                                                                                                             16  

Uma cena do filme Enoch Arden (1908), de D. W. Griffith4, mostra a

esposa à espera do marido. Com a intenção de aproximar o público da ação,

o diretor utilizou um enquadramento próximo do rosto da esposa5. Segundo

Dancynger (2007), à época, a transição sem precedentes incomodou os

executivos da Biograph, receosos da reação do público, que poderia

interpretar o corte como uma decapitação. A solução de Porter e Griffith

refletiu uma necessidade dos realizadores em reduzir a distância entre

câmera e personagens gerando um efeito de transgressão à mise en scène6

teatral.

2.2 MONTAGEM

A montagem tem como sua definição mais básica a organização dos

planos de um filme em certas condições de ordem e duração7. Conforme

mostrado anteriormente, Griffith e Porter fizeram parte da evolução deste

processo. A utilização de planos inéditos pelos diretores exemplificou o

surgimento de processos mais evoluídos na realização cinematográfica. Em

capítulo dedicado ao assunto, Martin (1990) estabelece como ponto de

partida a distinção entre a montagem narrativa e a montagem expressiva, a

partir das quais surgirão outras definições de processos de montagem mais

específicos. O autor define a primeira como de aspecto mais simples e direto,

a qual consiste em reunir em sequência lógica ou cronológica fragmentos

precisos, que unidos contribuem para o movimento do conteúdo dramático e

psicológico (encadeamento dos elementos da ação e compreensão do

espectador). A segunda repousa na justaposição de planos para produzir um

efeito direto no encontro de duas imagens. Todavia, não há, de forma nítida,

uma separação entre as duas definições.

                                                                                                               4 David Llewelyn Wark Griffith (1875-1948), foi um cineasta norte-americano. Diretor de The Birth of a Nation (1915) e Intolerance (1916). 5 Um plano fechado na cabeça e ombros de uma pessoa ou um plano detalhe (ou primeiríssimo plano; inclui uma parte do rosto ou a mão, por exemplo) chama-se close-up. (DANCYGER, 2007, pg. 501) 6 Os elementos artísticos que contribuem para a aparência visual ou para o clima de uma tomada ou de uma cena, incluindo cenário, acessórios, figurinos e tipos de abordagem de câmera empregados (KEMP, 2011) 7 MARTIN, 1990, pg. 132

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Podemos exemplificar os primeiros avanços nas técnicas de

montagem a partir de uma estrutura lançada por Griffith quando dirigiu The

Lonelly Villa (1909) que mostra o tamanho da sua influência através dos

períodos de desenvolvimento do cinema. Chamada de “montagem paralela”,

o diretor intercalou cenas da invasão de ladrões à casa de uma família com

cenas do marido correndo para salvá-la. Griffith usou planos cada vez mais

curtos para aumentar a tensão e o drama até a solução do problema no

clímax final.

O suspense é forte, e o resgate, catártico. A intercalação de cenas também soluciona o problema do tempo, pois não é necessário apresentar ações completas para alcançar o realismo. O procedimento permite que as cenas possam ser fragmentadas e que apenas parte delas precisem realmente ser mostradas. O tempo dramático passa a substituir o tempo real como critério para a montagem (DANCYNGER, 2007, pg. 7)

Figura 3: Lonelly Villa: montagem paralela

montagem paralela

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                                                                                                                                                                                                                                                                             19  

O progresso cinematográfico cunhado no filme de Griffith inaugurou

apenas um dos processos da montagem narrativa. Segundo Martin (1990),

outros que surgiram posteriormente foram:

• Montagem linear – consiste no respeito ao tempo dramático

sem apresentar paralelismos de tempo que possam remover a

ação do tempo presente.

• Montagem invertida – subversão à cronologia, que transita

livremente entre os tempos passado, presente e futuro;

• Montagem paralela – fragmentos intercalados pertencentes à

duas ou mais ações a fim de relacioná-las em um ponto comum

na história.

2.3 RITMO

A montagem rítmica corresponde à duração dos planos escolhida para

definir diferentes graus de importância dramática e psicológica para o

espectador.

O ritmo é mais óbvio nas sequências de ação, mas todas as sequências são formatadas para um efeito dramático. A variação do ritmo guia os espectadores em suas respostas emocionais ao filme. O ritmo mais rápido sugere intensidade; o ritmo mais lento, contrário. (DANCYGER, 2007, pg. 413)

Ao estruturar cenas de perseguição8 em The Birth of a Nation (1915),

D. W. Griffith trabalhou o princípio da montagem rítmica, embora sua real

intenção residisse no clímax dramático. O ritmo começou a ser utilizado com

propósitos mais variados com Sergei Eisenstein9, onde desenvolveu uma

teoria da montagem original e própria, adotando o ritmo e a montagem

métrica como peças centrais de sua teorização e realização cinematográfica.

                                                                                                               8 a sequência mostra a cavalgada de membros da ordem Ku Kux Klan para salvar uma jovem das mãos de escravos negros. 9 Cineasta e teórico soviético(1898-1948)

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Figura 4: The Birth of a Nation: montagem rítmica

O ritmo tornou-se muito utilizado por diretores especializados em

filmes dos gêneros thriller, policial, aventura, gângster e guerra, o que

traduziu-se na força de suas mensagens, como em Z (1969), de Costa-

Gavras, Operação França (1971), de William Friedkin e Riders of the Lost Ark

(1981), de Steven Spielberg, Scarface (1984), de Brian De Palma e

Apocalypse Now (1979) de Francis Ford Coppola. A montagem rítmica em

cada gênero e filme possui propósitos diferentes, contudo, é a mistura de

excitação e insight na psicologia fragmentada do personagem principal que

capta a intenção (DANCYNGER, 2007).

2.4 ELIPSES

Dentro do processo de montagem cinematográfico há a decupagem,

que, segundo Martin (1990) consiste na escolha dos fragmentos de realidade

que serão criados pela câmera. É dizer, do total de material recolhido das

gravações, o processo suprime os tempos ociosos e de ação pouco

montagem rítmica

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                                                                                                                                                                                                                                                                             21  

significativos ao enredo dramático. Trata-se do processo de sugestão à

realidade apresentada, um recurso do cineasta à alusão e fazer-se entender

com meias-palavras (MARTIN, 1990). Se a sequência pretende mostrar um

personagem indo de sua casa para o escritório, por exemplo, a elipse servirá

para ligar seu movimento: fechando a porta de sua casa e em seguida

abrindo a do escritório, com a condição de que nenhuma ação relevante para

a história ocorra durante o trajeto.

Martin (1990) exemplifica o uso da elipse no que registra como o

primeiro caso do seu uso em um filme dinamarquês de 191110. Nele, uma

trapezista enciumada causa a morte de seu parceiro infiel não o segurando

durante um salto, mas tudo o que a cena mostra é apenas o trapézio a se

balançar sozinho. Além destas situações inerentes à forma dramática da

obra, há outras que, divididas em categorias, o autor denomina como

expressivas, ou seja, que contém um efeito dramático ou geralmente

carregadas de uma significação simbólica. Dentro destas categorias, cita a

“elipse de conteúdo” como a utilizada em razões de censura social. Situações

como morte, tortura, violência, relações sexuais, em suma, tabus sociais

proibidos de mostrar. Tais casos eram sugeridos no cinema por meio da

ocultação, alteração de ponto de vista, substituição por sombra ou reflexo ou

plano detalhe de ordem simbólica.

2.5 VEROSSIMILHANÇA FILMADA

Segundo Aumont (1995), o verossímil no cinema pode ser brevemente

definido como a relação de um texto com a opinião comum, mas também ao

funcionamento interno da história que ele conta. É dizer, constitui-se de um

dado número de regras reconhecidas pelo público que afetam as ações dos

personagens. Portanto, não importa a natureza da história, se o personagem

é humano, ele terá suas ações e consequências julgadas de acordo com as

máximas instituídas por sua sociedade.

                                                                                                               10 Den Kvindelige Daemon (A Filha do Diabo), de Robert Dinesen (1874-1972).

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                                                                                                                                                                                                                                                                             22  

O estabelecimento do verossímil no cinema não se dá propriamente

em função da realidade, mas dos textos de filmes já estabelecidos

(AUMONT, 1995). A criação de uma linguagem que não afetasse a atenção

do público, que não levasse ao estranhamento, foi trabalhada na repetição da

fórmula das convenções estabelecidas pelo próprio cinema. Aumont (1995)

se vale do exemplo do gênero western (faroeste) para explicar a presença do

verossímil. O espectador não se surpreende quando o herói se consagra ao

vingar-se de quem matou seu pai, pois, neste contexto configuram-se

máximas como “a honra da família é sagrada”. A própria linguagem

cinematográfica se vale desta repetição, como no emprego de procedimentos

narrativos secundários. No caso da subjetividade, temos a verossimilhança

psicológica, onde o enquadramento em primeiro plano habitou o público à

penetração na intimidade mental dos personagens. Assim como a presença

sonora de um personagem em sua ausência física, “fora-de-campo”,

processo denominado voice-over (AUMONT; MARIE, 2006). Segundo Martin

(1990) tratasse de um procedimento irreal, porém, visto com naturalidade,

desde que fundamentado do ponto de vista psicológico.

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                                                                                                                                                                                                                                                                             23  

3 O GÊNERO POLICIAL

O Dicionário Teórico e Crítico do Cinema define a palavra “gênero”,

dentro do campo das artes, como uma categoria de obras com características

comuns. Sua existência depende da aprovação de seu sentido pelo público e

critica, o que dá um caráter temporal, aparecendo e desaparecendo segundo

a evolução das próprias artes (AUMONT; MARIE, 2006). Sua formulação

depende de uma intertextualidade que intervém nos processos referentes à

chegada da obra ao público, é dizer, reconhece que o espectador assiste a

qualquer filme num contexto de outro, tanto aqueles que viu pessoalmente

como os que ouviu falar ou viu representados em outros meios de

comunicação (TURNER, 1997).

A partir desta dependência para com o público, os gêneros

cinematográficos construíram moldes estéticos particulares que tornaram-se

referência no reconhecimento de cada um, ocorrendo, segundo Nogueira

(2010), a instauração do cânone do gênero. É dizer, o conteúdo presente que

representa as virtudes estéticas de maior destaque em dado tipo de obra, em

função das premissas ajustadas de acordo com estilo e tema determinados.

Os filmes de pouco vínculo em relação aos gêneros dependem em grande

medida de sua própria lógica interna, enquanto que os filmes de gênero tem

uma relação contínua com suas referências intertextuais (ALTMAN, 2000).

Cada filme varia os detalhes, deixando intacto o esquema básico, até o ponto

em que planos utilizados em um se reciclam com frequência em outra, por

exemplo, o mesmo tiroteio, o mesmo ataque sigiloso, a mesma perseguição.

A presença do cânone no gênero cinematográfico apresenta dois momentos

distintos na configuração do conjunto comum: o formal e o informal.

No primeiro caso, contemplando os triunfos artísticos do passado, assegura a consolidação estética e temática de um gênero e, muitas vezes, para a sua dignificação; no segundo, aceitando ou descrevendo a sua mutação e muitas vezes a sua parodização, assume o futuro como terra incógnita, cheia de possibilidades de experimentação, invenção e mesmo ruptura. (NOGUEIRA, 2010, pg. 11)

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                                                                                                                                                                                                                                                                             24  

3.1 O GÊNERO E SUA ÉPOCA

Para representar o comportamento do gênero de acordo com o

contexto histórico de cada período, tomamos os exemplos de Power (2011)

do cinema hollywoodiano dos anos 70: O Poderoso Chefão (1972), e sua

sequência O Poderoso Chefão: parte II (1974) dirigidos por Francis Ford

Coppola, e Chinatown (1974), por Roman Polanski. Todos ambientados no

passado, denunciaram a falência moral presente na realidade norte-

americana (POWER, 2011). A saga mafiosa de Coppola reformulou os filmes

de gângster, mostrando a presença dos ítalo-americanos e da Máfia em solo

estadunidense. O filme de Polanski apresenta uma investigação às

organizações criminosas e à corrupção em uma Los Angeles dos anos 30.

Desilusão política, desconfiança nas autoridades e paranoia tornaram-se

presentes na temática destes filmes e de outros deste período, refletindo

sentimentos da sociedade americana contemporânea à eventos de respaldo

internacional11.

A tipologia de um personagem ou de uma série de personagens pode ser considerada representativa não apenas de um período do cinema como também de um período da sociedade. Assim a comédia musical americana dos anos 30 não deixa de ter relação com a crise econômica [...] (AUMONT, 1995, pg. 98)

Do ponto de vista teórico apresentado, a narrativa cinematográfica

corrobora o contexto realista dos filmes destacados anteriormente. Não

apenas o gênero em específico, mas todo o cinema, é estudado como

veículo de representação de uma sociedade criado por ela mesma.

Em Perseguidor Implacável (1971), de Don Siegel, o ator Clint

Eastwood interpreta Harry Callahan, um detetive da cidade de São Francisco

(EUA) de conduta moral peculiar que persegue um serial killer. Segundo

Power (2011), o filme não defende a política da justiça com as próprias mãos,

                                                                                                               11 “A década de 70 começou com o julgamento de Carles Manson pelos assassinatos que abalaram a elite de Hollywood. O arrombamento do prédio Watergate manchou o mais alto posto do país e a impopular guerra do Vietnã foi encerrada com a vexaminosa evacuação das forças americanas de Saigon”. (POWER, 2011, pg.340)

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conforme denunciaram os críticos da época, mas “seu tema é a destrutiva

sinergia entre o tira e o psicopata” (POWER, 2011, pg. 340). É dizer, a

criação de personagens para o gênero policial sob as marcações pertinentes

dos anos 70 levou à uma discussão dos valores seguidos por tais.

No período de tempo aqui considerado, registra-se uma dominância de um ou de outro subgênero, segundo uma lógica de desenvolvimento que, mesmo com a permanência de algumas características de fundo, mostra claramente as ligações do gênero com a evolução da sociedade americana e da instituição cinematográfica. (COSTA, 2003, pg. 102)

Figura 5: Perseguidor Implacável

3.2 A SEQUÊNCIA DE AÇÃO

Um fato da história do cinema revela que o primeiro gênero

cinematográfico legalmente considerado como uma unidade, e não mais

como um agregado de planos independentes, foi o “filme de perseguição”

(MACHADO, 2002). Logo, anterior à qualquer definição primária de gênero

no cinema, houve a classificação da sequência em montagem rítmica, a qual,

segundo Dancynger (2007), não restringe-se aos gêneros naturalmente

“acelerados” (ação, aventura, thriller), podendo sua utilização ser vista em

filmes de horror até a comédia, como, por exemplo, na série A pantera Cor-

de-Rosa (1964-1978), de Blake Edwards. Da montagem paralela lançada por

Griffith em 1915 surgiu a essência da sequência de ação, que nada mais é

que uma versão acelerada da tradicional cena do filme. A diferença entre

uma cena típica e uma cena de ação reside na natureza do choque de

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objetivos entre os personagens. Ao pretender alcançá-los, na cena de ação,

a montagem rítmica acelerada torna a ação mais dinâmica e dramática. Elas

são, com frequência, pontos de virada ou clímax de cenas em um filme

(DANCYNGER, 2007). Assim, a sequência de perseguição, mesmo não

sendo exclusividade de certos gêneros, é precisamente nos filmes onde ela

recebe destaque que sofrerá evolução maior.

Dancyger (2007) analisou duas sequências de perseguição para

explorar sua importância narrativa no contexto do cinema contemporâneo. A

primeira aparece em Bullit (1968), de Peter Yates. A sequência, que dura 12

minutos, utiliza uma fotografia que remete à um cuidado técnico voltado para

a estética, levando beleza às cenas, o que diminui o sentido de realidade.

Logo, é a coreografia da sequência que chama a atenção e a quita do fator

humano envolvido (a perseguição entre dois criminosos e o policial Bullit,

interpretado por Steve McQueen). O segundo exemplo aparece em Operação

França (1971), de William Friedkin. Na sequência de 10 minutos, ao contrário

de Bullit, a realidade é mantida com o uso da câmera na mão, efeitos

sonoros rudes e violência. O autor afirma que ambos os casos possuem

destaque na montagem, e são modelos da marcação da perseguição em

gêneros de ação.

Figura 6 – Bullit

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Figura 7 – Operação França

3.3 TRANSFORMAÇÃO DO GÊNERO

Há filmes que apresentam situações narrativas cuja função dramática

figura em mais de um cânone de gênero. Para Nogueira (2010), o thriller e os

filmes de ação têm tendência a partilhar certas características, o que os torna

próximos com frequência, “pois em ambos os casos se trata de dilatar a

tensão e adiar a resolução de um conflito até aos limites” (2010, pg. 40). Tal

dualidade foi uma das primeiras características de definição de gênero. Foi

somente perceptível após o primeiro momento de classificação dos filmes

através dos limites que definiam o cânone de cada um. Segundo Turner

(1997), para muitos diretores, o gênero era uma convenção a ser desafiada.

“Inevitavelmente, foi preciso definir o gênero para entender suas variações”

(TURNER, 1997, pg. 46). No final dos anos 60 houve uma revisão ideológica

dos gêneros clássicos. Tal movimento pretendeu renovar e desmistificar os

formatos tradicionais, como o western (COSTA, 2003). Além disso, houve um

maior apelo à mistura dos gêneros somado ao incentivo à integração de

tecnologias em meados dos anos 70.

[...] e não só as fronteiras entre os gêneros se tornam menos precisas, mas sobretudo, se impõem megagêneros que englobam, talvez camufladas, muitas características dos gêneros clássicos. (COSTA, 2003, pg. 139)

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Um exemplo de gênero clássico que foi reformulado junto às

transformações do cinema é o noir. Trata-se de um gênero cinematográfico

surgido nos anos 40 substituindo os filmes de gângster que dominaram a

década anterior (COSTA, 2003). O nome tem origem francesa e remete à

romances de temática policial. Em seu período clássico, suas características

foram marcantes e homogêneas, tanto em estilo como em temática. A

exemplo da fotografia – contrastada, preto e branca, nitidamente influenciada

pelo expressionismo alemão – como um dos aspectos imediatamente

reconhecíveis (NOGUEIRA, 2010). Dada a abrangência de sua temática,

revelou vários subgêneros: policiais; filmes de gângster; histórias de

detetives; thrillers; etc. O gênero caiu em desuso a partir do final da década

de 50, mas seus subgêneros desenvolveram-se de modo mais específico e

as propriedades do noir continuaram sendo reutilizadas em outros gêneros,

como comédia e musical, além de retornar em outros períodos, como

sucedeu com aquele que comumente se designa por neo-noir, constituído por

obras como Chinatown (Roman Polanski, 1974), Veludo Azul (David Lynch,

1986), Seven: Os Sete Crimes Capitais (David Fincher, 1995), entre outros.

Figura 8 - Chinatown

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Figura 9 – Seven: Os Sete Crimes Capitais

3.4 O TEOR DA VIOLÊNCIA

A primeira demonstração de violência no cinema, segundo Smith

(2011), ocorreu em 1903, na cena final de The Great Train Robbery, onde o

personagem dispara sua arma na direção da plateia. Tanto o filme quanto o

fragmento tornaram-se marcos no rompimento da fronteira entre o real e o

imaginário, “uma demonstração precoce da relação explícita entre o cinema e

a violência” (SMITH, 2011, pg. 23). Os primeiros formatos desta relação eram

contidos em gêneros específicos, a exemplo dos filmes de guerra, onde o

campo de batalha era o espaço natural do conflito. Segundo Mongin (1997), o

cinema contemporâneo rompeu este modelo, transferindo a violência para a

própria realidade. Ou seja, os filmes substituíram a falta da violência da

guerra com a da sociedade em estado natural, a qual desconhece seu

princípio e seu fim (MONGIN, 1997). Passou a ser de uso livre em todos os

formatos de obras cinematográficas. Um filme de ação policial, por exemplo,

não detêm a exclusividade sobre o uso da violência, contudo, esta é uma

característica de seu gênero. Dentro dele há a transformação do seu formato,

levando periodicamente ao surgimento de subgêneros ou ao nascimento de

um novo. O que causa a reação desconfortável no espectador está

relacionado à esta transformação, assim como em The Great Train Robbery,

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                                                                                                                                                                                                                                                                             30  

o teor da violência exibida à época deixou alguns espectadores aflitos

(SMITH, 2011). O cinema contemporâneo afasta-se da simplicidade desta

primeira demonstração, porém, a reação desconfortável da plateia reside

mais na novidade exposta que no teor apresentado.

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                                                                                                                                                                                                                                                                             31  

4 HISTÓRIAS CINEMATOGRÁFICA: BRASIL E ESPANHA

Para falar de dois filmes de países diferentes é importante apresentar

uma contextualização histórica afim de mostrar a herança cinematográfica

particular destas duas escolas. Com base neste capítulo, para a análise dos

materiais deste trabalho, será possível verificar se existe influência dos

respectivos contextos históricos culturais em cada uma das obras.

4.1 CINEMA BRASILEIRO

Segundo Labaki (1998), o cinema chegou ao Brasil apenas sete

meses após a projeção inaugural ao público parisiense dos irmão Lumière. A

primeira exibição pública ocorreu em 1898, quando o imigrante italiano

Affonso Segreto rodou na cidade do Rio de Janeiro a película “Fortalezas e

Navios de Guerra na Baía de Guanabara” (LABAKI, 1998). A inauguração,

em 1907, da Usina de Ribeirão das Lajes, no estado do Rio de Janeiro,

segundo Gomes (1996), influenciou diretamente no nascimento da indústria

cinematográfica brasileira. No início do século XX, a rede elétrica no país não

era suficiente para iluminar todas as casas, assim como para sustentar a

exibição fílmica em salas cinema. Com ela, a população recebera energia

elétrica possibilitando, em poucos meses, a inauguração de cerca de vinte

salas de exibição na cidade do Rio de Janeiro (GOMES, 1996). A partir da

primeira década do século XX, o cinema brasileiro desenvolve-se, dotado de

sólido circuito de distribuição e exibição, e lança seu primeiro ciclo de filmes

de ficção do período mudo.

Os Estranguladores (1908), de Antônio Leal, é considerada a primeira

ficção brasileira12 (GOMES, 1996), quando a grande maioria das produções

eram curtas documentais de obras do governo ou turísticas. Além disso, foi a

primeira obra cinematográfica do país com duração de quarenta minutos

(setecentos metros de rolo), ao contrário dos quinze minutos que duravam os

                                                                                                               12 Baseada em um crime hediondo ocorrido dois anos antes na cidade do Rio de Janeiro, onde uma quadrilha assaltou uma joalheria e estrangulou dois empregados durante a ação.

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                                                                                                                                                                                                                                                                             32  

filmes à época, e estabeleceu um novo padrão de quantidade de exibições no

país, passando mais de oitenta vezes. Segundo Gomes (1996), os filmes de

crimes continuaram a ser explorados pelos produtores, porém, o Brasil

buscou especializar-se em toda a sorte de gêneros de espetáculo

cinematográfico: melodramas históricos, religiosos, carnavalescos e

comédias.

4.1.1 Desenvolvimento de um mercado nacional

Segundo Gomes (1996), a indústria cinematográfica brasileira

desenvolveu-se com a abertura dos estúdios cariocas Cinédia, em 1930, e

Atlântida, em 1941, e o paulista Vera Cruz, em 1949. Estes pioneiros lançam

filmes cujo tema popularizou um gênero próprio chamado Chanchada,

produções de baixo custo e forte apelo popular, e comédias musicais como A

Voz do Carnaval (1933) e Alô, Alô, Brasil! (1935), primeiros trabalhos da

cantora Carmen Miranda13.

O estúdio Cinédia firmou-se com a fórmula da comédia musical, o que

manteve a continuidade de produção do cinema brasileiro por quase vinte

anos (GOMES, 1996). O estúdio Atlântida buscou os temas brasileiros,

predominantemente chanchadas, como Nem Sansão nem Dalila (1955), de

Carlos Manga, e Aviso aos Navegantes (1950), de Watson Macedo. Vera

Cruz destacou-se ao realizar grandes investimentos, contratando técnicos

estrangeiros e renegando a chanchada, ambicionando produções mais

priorizadas. O Cangaceiro (1953), de Lima Barreto, obtém sucesso

internacional e inaugura o ciclo de filmes sobre o cangaço nordestino. Foi,

também, responsável pelo lançamento da carreira de Amácio Mazzaropi,

conhecido pelo seu personagem Jeca Tatu, o mais exitoso do cinema

nacional. A crescente competição internacional e a falta de um sistema

próprio de distribuição fez Vera Cruz fechar suas portas quatro anos depois                                                                                                                13 Maria do Carmo Miranda da Cunha(1909-1955), cantora e atriz luso-brasileira. Alcançou o status de “estrela” em sua carreira artística entre os anos 30 e 50. Pode ser considerada a primeira artista de cinema brasileira à ter carreira de destaque internacional, Sempre acompanhada de seu figurino alegórico carnavalesco exportando a identidade brasileira para o mundo.

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de sua inauguração. Tendo acumulado ao longo do curto período um arquivo

de vinte e duas produções cinematográficas, os diversos profissionais,

técnicos e artísticos, que trabalharam com o estúdio seguiriam fazendo parte

do mercado audiovisual brasileiro. O fracasso de Vera Cruz não chegou a

colapsar o cinema brasileiro, pois, segundo Gomes (1996), “durante a década

de 1950, o aumento da produção foi constante, chegando a se estabilizar em

torno de mais de trinta filmes anuais no fim do período” (GOMES, 1996, pg.

78).

Figura 10 – O Cangaceiro

4.1.2 Cinema Novo

São Paulo e Rio de Janeiro figuravam como os mais expressivos

centros produtores do cinema nacional, além de ciclos regionais que ocorriam

em outras regiões do país (LABAKI, 1998). No entanto, em pouco tempo foi

notável que o imenso território brasileiro continha diversos talentos desde

fora do eixo principal. Segundo Gomes (1996), os primeiros anos da década

de 1960 foram influenciados principalmente por um fenômeno baiano, um

movimento intelectual de jovens diretores. O Cinema Novo caracterizava-se

pelo slogan “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça” (CARVALHO,

2006, pg. 290). Seus membros realizavam filmes de baixo orçamento com a

intensão de distanciarem-se das produtoras que detinham a grande fatia do

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mercado cinematográfico. Os representantes do movimento retratavam

conflitos políticos e sociais, porém, empregando uma estética realista. Nelson

Pereira dos Santos dirigiu, em 1963, a adaptação da obra de Graciliano

Ramos, Vidas Secas, onde retrata a pobreza rural na paisagem desolada do

nordeste brasileiro (KEMP, 2011). Outros trabalhos de destaque deste diretor

foram Rio, 40 Graus e Memórias do Cárcere. O primeiro, de 1955, é um

retrato da vida no Rio de Janeiro desde o ponto de vista de cinco meninos da

favela carioca; O segundo, de 1984, é uma adaptação de outro livro de

Graciliano Ramos onde relata autobiograficamente seu período na prisão em

1936. Ruy Guerra, em 1964, rodou Os Fuzis, que conta a história de um

grupo de soldados com a missão de proteger um armazém dos camponeses

famintos. Por este recebeu o prêmio Urso de Ouro de melhor direção no

Festival de Berlim do mesmo ano. Joaquim Pedro de Andrade apresentou um

olhar diferente da sociedade com seu filme Macunaíma, de 1969. Uma

comédia selvagem que analisa questões de raça, sexualidade e política.

Figura 11 – Os Fuzis

Na década de 60 chegou ao cinema brasileiro um prêmio de

reconhecimento cinematográfico internacional. O Pagador de Promessas

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                                                                                                                                                                                                                                                                             35  

(1962), de Anselmo Duarte (1920-2009), conta a história de um latifundiário

que promete carregar uma cruz nas costas até uma igreja em troca da saúde

de seu burro. O filme obteve Palma de Ouro no Festival de Cannes,

conquista até hoje única no país. Em Vereda da Salvação (1964), sobre um

homem que crê ser Jesus, Duarte trabalhou com temáticas religiosas

similares às de Os Fuzis. A crítica social presente nestes filmes levaram o

diretor à prisão por suspeita de trabalhar com os comunistas, além de ser

criticado por seus companheiros do cinemanovismo (KEMP, 2011).

4.1.3 Glauber Rocha

Glauber Rocha nasceu em Vitória da Conquista, Bahia. A infância no

interior baiano, onde cangaceiros, jagunços, beatos e políticos faziam parte

do cotidiano, proporcionaram ao jovem cineasta e escritor uma visão própria

sobre a realidade rural brasileira. Em 1964, aos 24 anos, Rocha lançou Deus

e o Diabo na Terra do Sol, seu primeiro longa-metragem. De visual

extraordinário, o filme retrata, através de uma narrativa poético-realista, os

violentos contrastes sociais e sua marca na vida dos trabalhadores rurais.

Seus tons de experimentalismo e de revolução artística, ao ignorar matrizes

da linguagem cinematográfica vigentes, expõem a influência do Neorrealismo

italiano e da Nouvelle Vague francesa. Não obstante, termina por definir a

própria identidade como “estética da fome”14 (CARVALHO, 2006), a qual foi

também utilizada pelos outros cinemanovistas e que serviu para a

popularização do movimento cinematográfico brasileiro.

A argumentação de Glauber Rocha baseia-se na crise de dependência crônica da América Latina – permanentemente colônia – para afirmar que o Brasil, tal como continente latino-americano, era um país subdesenvolvido, dominado pela fome. Em sua “tese”, as imagens da realidade brasileira de pobreza, injustiça social e alienação – ou seja, da “fome latina” – estariam sendo representadas e discutidas pelo Cinema Novo [...] (CARVALHO, 2006)

                                                                                                               14 publicado na Revista Civilização Brasileira, ano I, n" 3, em 1965.

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Segundo Kemp (2011), mesmo com as censuras à indústria do cinema

impostas pelo Golpe Militar em 1964, Rocha respondeu às restrições com

Terra em Transe (1967), uma alegoria política sobre um país fictício chamado

República Eldorado. O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (1969),

seu quarto longa-metragem, conta o relato de um pistoleiro contratado para

assassinar bandidos e que se converte em um revolucionário. Trabalho de

maior repercussão na carreira de Rocha que por este ganha o prêmio de

melhor direção no Festival de Cannes daquele ano (KEMP, 2011).

Figura 12 – Terra em Transe

4.1.4 Crise e Leis Audiovisuais

Em 1969, foi criada a Empresa Brasileira de Filmes, órgão estatal que

atuaria diretamente na produção do cinema brasileiro. A injeção de dinheiro

público trouxe mudanças na estética, política e economia da indústria

audiovisual. A produção nacional cresceu, assim como o interesse do público

(MICHEL, AVELLAR, 2012). Alguns títulos lançados neste período foram

Bye, Bye Brasil (1979), de Cacá Diegues; Pixote, a Lei do Mais Fraco (1981),

de Hector Babenco; Memórias do Cárcere (1984), de Nelson Pereira dos

Santos. Segundo Labaki (1998), o chamado “Novo Cinema Paulista” não teve

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                                                                                                                                                                                                                                                                             37  

tempo para amadurecer, pois ao final da década de 1980, o modelo de

produção da Embrafilme encontrou-se falido. Seu fim foi consequência da

crise de legitimidade da empresa ligada às constantes denúncias de

favorecimentos, assim como pelo agravamento da situação econômica do

país (LABAKI, 1998). Este episódio simbolizou a entrada do Brasil em um

período de crise no setor, que viria a mostrar recuperação apenas após 1992.

Com o fim da Embrafilme na década de 1980, diversos mecanismos legais de caráter fiscal surgiram na década seguinte com o objetivo de viabilizar a retomada da produção cinematográfica brasileira. Estes, no entanto fizeram com que o segmento da produção se tornasse excessivamente dependente dos recursos governamentais, seja por meio da aplicação direta dos recursos orçamentários (via Fundo Nacional da Cultura), seja principalmente por meio dos instrumentos de renúncia fiscal criados. (GORGULHO et al. 2009, pg. 318)

Na primeira metade da década de 80, o cinema brasileiro produzia

uma média de 94 filmes ao ano. Seus anos mais produtivos foram 1984 até

1986, sendo lançados 108, 107 e 107, respectivamente. No ano seguinte a

produção sofreu uma forte queda, consequência da diminuição de

financiamento governamental para o setor. Em 1987, 37 títulos foram

lançados, em 1988, foram 17, e menores números nos anos seguintes até

somente 3 em 1992 (EARP; SROULEVICH, 2008). O ponto extremo da crise

precedeu a mudança das políticas e da estrutura do cinema no Brasil,

movimento que nos anos seguintes seria chamado de A Retomada. A

recuperação da identidade cinematográfica surgiu depois da aprovação da

Lei do Audiovisual (nº 8.685/93), de investimento na produção e coprodução

de obras cinematográficas e audiovisuais e infraestrutura de produção e

exibição, e da Lei do Incentivo à Cultura (nº 8.212/91), também conhecida

como Lei Rouanet, que institui políticas públicas para a cultura nacional como

o Programa nacional de Apoio à Cultura (PRONAC). Estas reformas

fortaleceram o mercado no final dos anos 90, com grande auxilio financeiro

de empresas públicas, como a petrolífera Petrobrás e os grandes bancos

estatais.

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Segundo Labaki (1998), lançamentos com Carlota Joaquina (1995), de

Carla Camurati e O Quatrilho (1995), de Fábio Barreto, foram responsáveis

pelo retorno do público às salas de exibição, sendo o primeiro um título

independente que ganhou publicidade por sua participação em mais de

quarenta festivais de cinema, e o segundo recebeu uma indicação ao Oscar

de melhor filme estrangeiro. O maior símbolo da restauração do cinema

brasileiro foi a repercussão de Central do Brasil (1998), de Walter Salles. O

filme ganhou o Urso de Ouro no festival de Berlim e concorreu ao Oscar de

melhor filme estrangeiro, e sua protagonista, Fernanda Montenegro, ganhou

Urso de Prata em Berlim e concorreu ao Oscar de melhor atriz.

Figura 13 – Central do Brasil

4.1.5 Latino-americano contemporâneo

O cinema latino americano começou o novo milênio com

reconhecimento mundial. Produzindo filmes de forte cunho autoral e de

identidade, seus principais representantes eram Brasil, Argentina, México,

Chile e Peru, que no entanto seguiam em processo de construção de suas

indústrias cinematográficas (KEMP, 2011). Parte desta evolução deteve-se

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no combate à hegemonia do cinema norte-americano, o qual manteve seu

domínio através do financiamento pela exibição de seus filmes no mercado

externo, além de dispor pouco espaço para a projeção de filmes estrangeiros

em seu território. Tal ação levou países como Brasil e Espanha, cada um à

sua maneira, a estabelecer relações fortes com códigos de identificação de

sua nacionalidade, ou seja, referências estéticas e culturais que

caracterizassem a nacionalidade de um filme.

A produção cinematográfica brasileira, ainda que estabelecida em

diversas regiões, concentrava-se tal qual como quando surgiu, nos grandes

centros. Contudo, o número de produtoras aumentou graças ao maior

incentivo de cineastas que possuíam capital e reconhecimento na indústria,

tais como O2 Filmes, de Fernando Meirelles, diretor de Cidade de Deus

(2002) e O Jardineiro Fiel (2005); Zazen, de Marcos Prado e José Padilha,

diretor de Tropa de Elite (2007); e VideoFilmes, de Walter Salles, diretor de

Diários de Motocicleta (2004) e Na Estrada (2012). Estes nomes receberam

em suas carreiras reconhecimento internacional e foram responsáveis pela

descoberta de novos talentos como Karim Ainouz (Madame Satã, de 2002, e

O Céu de Suely, de 2006), Daniela Thomas (Terra Estrangeira, de 1995, e

Linha de Passe, de 2008, co-dirigidos com Walter Salles), Cao Hamburguer

(O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias, de 2006), entre outros.

Figura 14 – Cidade de Deus

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                                                                                                                                                                                                                                                                             40  

4.2 CINEMA ESPANHOL

Quando o Cinematógrafo chegou à capital espanhola, Madri, em 15 de

maio de 1896, o país vivia em uma regência monárquica, com uma indústria

mínima, população majoritariamente campesina e com altas taxas de

analfabetismo (MACÍAS, 2009). Apesar de ser lançado na Espanha apenas

cinco meses após a primeira exibição pública, em Paris, o cinema espanhol

não acompanhou o crescimento como em outros países de igual

oportunidade (Itália, por exemplo, em Roma e Turim). Para Belchí (1996),

esta carência se deveu à sua indústria cinematográfica ser composta de

pequenas produtoras economicamente precárias, governadas por estratégias

conservadoras e sem ambição artística. Segundo Macías (2009), além da

situação industrial, o cinema recebeu interpretações diversas, culturais e

morais, desde diferentes setores da sociedade espanhola.

[...] El cine es para unos espectáculo de moralidade dudosa y debe ser combatido desde postulados éticos y religiosos; para otros es un nuevo modelo de espectáculo al que debe potenciarse en sus facetas artísticas e incluso pedagógicas [...] (MACÍAS, 2009, pg. 43)

4.2.1 Luis Buñuel e o Franquismo

Segundo Buades (2006), Luis Buñuel (1900-1983) foi um dos

primeiros realizadores do “cinema de autor” da Espanha. Nascido em Aragão,

desde jovem Buñuel demonstra interesse pelo movimento artístico

surrealista, o que o leva a partir para Paris, aos vinte e cinco anos de idade,

após um período de estudos na Universidade de Madri. Na capital francesa

tem os primeiros contatos com o trabalho no cinema e conhece o artista

Salvador Dalí (1904-1989). Em 1929 é exibido o primeiro fruto da parceria,

Un Chien Andalou (br.:Um Cão Andaluz), sendo aclamado pela crítica,

lançando a carreira cinematográfica de Buñuel (BUADES, 2006). A dupla

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retorna em 1930 com outro trabalho de temática surreal, L'âge d'or (br.:A

Idade do Ouro), obra que os estabelece como fiéis ao movimento artístico.

Figura 15 – Un Chien Andalou

Em 1933, Buñuel retornou à Espanha, onde realizou o documentário

Las Hurdes (br.:Terra Sem Pão), um retrato das condições miseráveis da

população de uma das regiões mais atrasadas do país. Segundo Buades

(2006), seu trabalho foi vetado para exibição pelo governo republicano. A

desilusão de Buñuel, que já era integrante do partido comunista, o levou à

trabalhar em Hollywood para fugir da Guerra Civil que iniciou em 1936. Após

um curto período nos Estados Unidos, emigrou com sua família para o

México, iniciando a fase considerada a mais criativa de sua carreira, onde

obteve maior reconhecimento internacional. Realizou Los Olvidados (br.:Os

Esquecidos), em 1950, uma descrição do cotidiano de crianças e

adolescentes da periferia da Cidade do México. Com este filme ganhou um

prêmio no Festival de Cannes e evidenciou sua fase voltada à crítica social.

Após duas décadas no exílio, Buñuel retorna à Espanha, em 1960.

Segundo Buades (2006), o Franquismo o fez perceber que sob um regime

totalitário, embasado nas crenças católicas, não teria possibilidades que se

desenvolver artisticamente (quando seu filme Viridiana (1961) foi proibido de

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ser exibido em todo o território espanhol). Sucesso de crítica internacional e

ganhador da Palma de Ouro em Cannes, o filme causou a ira da Igreja

Católica considerando um ato de blasfêmia uma cena onde mendigos jantam

como se fosse a Santa Ceia (BUADES, 2006). Buñuel foi para Paris, onde

estabeleceu residência e continuou seu trabalho, ainda que retornasse ao

México periodicamente para o mesmo fim. Desta fase surgiu, entre outros

títulos, Le Charme Discret de la Burgeoisie (br.: O Discreto Charme da

Burguesia), de 1972, rendendo-lhe o Oscar de melhor filme estrangeiro,

convertendo-o no primeiro espanhol a receber tal premiação.

Figura 16 - Viridiana

4.2.2 Diretores contra o regime

�O período Franquista moldou a realização cinematográfica a partir de

um padrão estabelecido que atendesse às restrições e regras do regime

(BUADES, 2006). O tom das produções abusava do didatismo e imobilização.

Diretores como Luis García Berlanga (1951-2002) e Juan Antonio Bardem

(1922-2002) tiveram reconhecido esforço em trabalhar a linguagem para

manter o cinema como instrumento de denúncia contra o regime. Segundo

Buades (2006), apesar do empenho, o controle governamental e a

experiência americana em território espanhol levaram a população à

demonstrar pouco interesse pelo autêntico cinema nacional. A ditadura durou

até a morte de Franco, em 1975. O longo período de censura e restrições

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deixou deficiente a estrutura do mercado cinematográfico espanhol, assim

como a referência do público quanto à sua relevância.

Segundo Stimpson (2011), Carlos Saura, diretor desde 1960, teve com

seu trabalho focado no engajamento social tanto reconhecimento da crítica

internacional como cortes e perseguições por parte do regime. Com o fim da

ditadura, abre as portas para uma fase inédita em sua carreira, abordando

temáticas de cunho humorístico e, mais tarde, uma fusão entre a dança e o

cinema como Carmen (1983) e El Amor Brujo (br.:O Amor Bruxo) (1986). A

liberdade artística proporcionada pelo fim da ditadura leva Saura à transitar

livremente por temáticas até então não exploradas (BUADES, 2006), dado o

fato que durante o franquismo seu interesse era voltado à combater o regime,

ação essa que, para artistas como Saura, trata-se da essência de seu

trabalho como cineastas.

4.2.3 Cinema espanhol pós-Franco

A estética do cinema espanhol ganhou força com Mujeres al Borde de

un Ataque de Nervios (br.:Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos) (1988),

de Pedro Almodóvar (n. 1942). Aproveitando cores saturadas do melodrama,

comédia e surrealismo, o diretor alcançou crescente notoriedade com Todo

Sobre mi Madre (br.:Tudo Sobre Minha Mãe) (1999) e La Flor de mi Secreto

(br.:A Flor do Meu Segredo) (1995), “dominando o cinema nacional com sua

visão exotérica e excêntrica da Espanha pós-Franco” (WHEATLEY, 2011, pg.

476), além de abordar temas sobre a homossexualidade, prostituição e

religiosidade representando o movimento de desvencilhamento às restrições

ao cinema que, por muito tempo, cortaram os trabalhos originais dos

realizadores. Contudo, Almodóvar ainda trabalhava com estéticas

fundamentadas nas raízes da cultura espanhola, algo que seria superado

pelos próximos destaques no cenário espanhol.

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Figura 17 – Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos

Segundo Macías (2009), a nova geração de cineastas de meados dos

anos 1990 enfrentou uma indústria do cinema que buscava projetos

concretos para realizar no lugar de acreditar em profissionais qualificados e

com olhar artístico desenvolvido. Estes jovens diretores obtiveram sua

formação fílmica através de uma sóbria cultura literária e de fontes de

informação audiovisuais como vídeo, televisão, computador, marcas da

infância de sua geração.

Su nacimiento en democracia les ha hecho conocer como un regalo las nuevas formas sociales; su desconocimiento del franquismo no les obliga a cuestionarse el pasado ni a pasarle factura; por ello, frente a las generaciones precedentes, no suele ser éste un tema cinematográfico, al menos predominante mientras que, al contrario, las historias del presente, las formas de vida actuales, se convierten en el entramado para desarrollar sus ficciones. (MACÍAS, 2009, pg. 165)

O diretor hispano-chileno Alejandro Almenábar, segundo Buades

(2006), representa a geração de profissionais do cinema espanhol

desvencilhados do período franquista. Reflexo percebido em sua abordagem

de temas, na instituição de estética, influenciados tanto por escolas

internacionais como pela experimentação original. Seu filme de 2004, Mar

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Adentro (2004), é um relato realista-poético da história de Spaniard Ramon

Sampedro (1943-1998), tetraprégico que lutou durante 30 anos pelo seu

direito à eutanásia.

O cinema de Almenábar supõe a homologação do cinema espanhol às correntes cinematográficas internacionais. Sempre com um estilo próprio e pessoal. Almenábar supera os complexos e as obsessões que limitariam o trabalho de muitos de seus antecessores. Não se sente ligado a uma determinada tradição espanhola e assume os riscos de adentrar em campos inexplorados em seu país. (BUADES, 2006, p.282)

Anterior à Mar Adentro, Almenábar rodou um longa de terror

sobrenatural, Os Outros (2001). Estrelado pela atriz australiana Nicole

Kidman, a obra trouxe à carreira do diretor um respaldo internacional

diferente do obtido por Almodóvar anos antes. Segundo Macías (2009),

Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos tornou-se o filme espanhol de

maior bilheteria até então, além de gozar de grande reconhecimento além de

suas fronteiras. Cineastas como o já citado Almenábar, Juan Antonio Bayona

(O Orfanato, de 2007, e O Impossível, de 2012), Jaume Balagueró e Paco

Plaza ([REC], 2007), trabalharam com temáticas menos reconhecíveis como

de identidade espanhola como nos anos de Almodóvar. Passaram a

representar seu cinema com grandes produções, sendo exibidos em circuito

comercial fora da Espanha, além de presentes e ganhadores de premiações

internacionais.

Figura 18 – Os Outros

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                                                                                                                                                                                                                                                                             46  

5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Para o desenvolvimento do presente trabalho foram combinados dois

métodos para a construção de um procedimento metodológico próprio que se

adequasse aos objetivos da pesquisa. São eles: Análise de Conteúdo e

Análise Fílmica.

5.1 ANÁLISE DE CONTEÚDO

A Análise de Conteúdo, segundo Duarte e Barros (2005), baseia-se

num conjunto de procedimentos que podem ser igualmente aplicáveis a todo

e qualquer conteúdo analisável. Trata-se de um método confiável, pois

“permite que diferentes pessoas, aplicando em separado as mesmas

categorias, podem chegar às mesmas conclusões” (DUARTE; BARROS,

2005, pg. 286). Logo, é possível analisar uma obra cinematográfica

específica e observar características aplicáveis ao cinema como um todo.

Para a utilização deste método, foram selecionadas somente técnicas de

interesse que fizeram cruzamento com os objetivos do trabalho. A Análise de

Conteúdo possui atualmente três características fundamentais: (a) orientação

fundamentalmente empírica, exploratória, vinculada a fenômenos reais e de

finalidade preditiva; (b) transcendência das noções normais de conteúdo,

envolvendo as ideias de mensagem, canal, comunicação e sistema; (c)

metodologia própria, que permite ao investigador programar, comunicar e

avaliar criticamente um projeto de pesquisa com independência de

resultados. (DUARTE; BARROS, 2005)

5.2 ANÁLISE FÍLMICA

A Análise Fílmica, segundo Vanoye e Goliot-Lété (2002), consiste na

atividade de analisar uma obra cinematográfica a partir da desconstrução da

mesma. Sobre este método, o que diferencia o analista de um espectador

normal é o processo de distanciamento em relação à obra cinematográfica.

através de uma estrutura racional, o filme é analisado tecnicamente, e é

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submetido aos instrumentos de análise e às hipóteses levantados pelo

trabalho (VANOYE; GOLIOT-LÉTÉ, 2002).

Um filme está relacionado com o resto do cinema além de sua

definição de gênero ou estrutura narrativa. A análise fílmica trabalha este

vínculo através da identificação de figuras de conteúdo ou expressões que

associem uma obra cinematográfica à dado movimento ou tradição.

Analisar um filme é também situá-lo num contexto, numa história. E, se considerarmos o cinema como arte, é situar o filme em uma história das formas fílmicas. Assim como os romances, as obras pictóricas ou musicais, os filmes inscrevem-se em correntes, em tendências e até em “escolas” estéticas, ou nelas se inspiram a posteriori (VANOYE; GOLIOT-LÉTÉ, 2002, pg. 23)

A prática da Análise Fílmica baseia-se em uma estrutura proposta por

Michel Marie (apud VANOYE; GOLIOT-LÉTÉ, 2002) tendo em vista a

descrição do material a ser desconstruído. Alguns dos itens contidos na

estrutura da análise são:

• Numeração do plano, duração em segundos ou número de

fotogramas;

• Elementos visuais representados;

• Escala dos planos, incidência angular, profundidade de campo,

objetiva utilizada;

• Movimentos (no campo, dos atores ou outros, da câmera)

• Passagens de um plano a outro;

• Trilha sonora;

• Relações sons/imagens.

É importante destacar que esta pesquisa busca elementos específicos

das obras analisadas, portanto, a estrutura analítica construída considerou

informações que estivessem de acordo com o objetivo buscado.

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5.3 ESTRUTURA DE ANÁLISE

Algumas etapas estiveram contidas na estrutura de análise.

Primeiramente definiu-se a delimitação para realizar pesquisa, a qual diz

respeito à escolha dos filmes que serviriam de base. Conforme explorado no

capítulo dedicado à História dos cinemas brasileiro e espanhol, os temas

contidos em suas produções mudaram a partir dos anos 90, década de

surgimento de uma nova onda de diretores desvencilhados das respectivas

escolas tradicionais que buscaram realizar filmes de gêneros menos

explorados em suas respectivas produções nacionais. Definido isto, foram

escolhidos dois filmes cujos elementos cinematográficos os identificam como

de gênero ação policial. São eles: o brasileiro Tropa de Elite (2007), de José

Padilha, e o espanhol Grupo 7 (2012), de Alberto Rodríguez.

Duas situações que justificam tais escolhas, além da delimitação

temporal e de gênero: (a) o protagonismo de atores conhecido pelo público

no cinema brasileiro (Wagner Moura) e espanhol (Mario Casas e Antonio de

la Torre); (b) casos de filmes exibidos em cinemas de circuito comercial que

foram selecionados para competir em festivais internacionais (Tropa de Elite

ganhou o Urso de Ouro de melhor filme no Festival de Berlim de 2008, a

principal premiação do evento15; Grupo 7 foi selecionado para a competição

do prêmio de melhor narrativa do nova-iorquino TRIBECA Film Festival

201216).

Para a organização da coleta de dados foi necessário desconstruir as

obras para a observação de seus elementos empregados. Portanto, fez-se

útil a utilização da análise fílmica, que consiste, num primeiro momento, em

decompor uma obra cinematográfica em seus elementos constitutivos. Em

uma segunda etapa são estabelecidos elos entre esses elementos isolados

                                                                                                               15 Disponível em: <http://cultura.estadao.com.br/noticias/cinema,tropa-de-elite-vence-urso-de-ouro-no-festival-de-berlim,125659> 16 Disponível em: <http://www.rtve.es/noticias/20120307/pelicula-grupo-competira-festival-tribeca/505419.shtml>

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para a compreensão de como se associam e para a construção do todo

significante (VANOYE; GOLIOT-LÉTÉ, 2002).

Cada categoria foi analisa de acordo com os tópicos explorados nos

capítulos dedicados ao Gênero e à Linguagem Cinematográfica. Seguindo o

caminho dos objetivos da pesquisa, buscou-se estabelecer os padrões entre

os filmes escolhidos e o que os identificaria como pertencentes à uma

identidade cinematográfica nacional; e entre seus elementos

cinematográficos com os modelos apresentados em outros casos do gênero.

Identificou-se quais elementos da linguagem cinematográfica estão

presentes nas obras e de que modo isto os define no gênero; analisou-se os

elementos cinematográficos presentes e os padrões que estes estabelecem

entre os dois casos; por fim, foi verificado se as duas obras apresentam

estruturas narrativas que identifiquem uma identidade cinematográfica própria

de seus respectivos países.

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6 ANÁLISE DOS FILMES TROPA DE ELITE E GRUPO 7

Tanto o brasileiro Tropa de Elite, dirigido por José Padilha, como o

espanhol Grupo 7, dirigido por Alberto Rodríguez, contêm características que

os definem como gênero ação policial quanto às estruturas narrativas,

linguagem e estética. Suas histórias tratam de diferentes realidades, porém,

ambas tem como base fatos reais1718.

Tropa de Elite é ambientado em 1997, na cidade do Rio de Janeiro. O

título faz alusão ao esquadrão do Batalhão de Operações Policiais Especiais

(BOPE), a tropa de elite da polícia da cidade carioca. Prestes a tornar-se pai

e com estresse e ansiedade crescentes devido à pressão da profissão,

Nascimento (Wagner Moura), o Capitão de um dos batalhões, intenciona

deixar o posto, mas antes precisa encontrar alguém que o substitua e

execute seu trabalho com dedicação equivalente. Em pouco tempo, sua

atenção se volta aos aspirantes André Mathias (André Ramiro) e Neto

Gouveia (Caio Junqueira), amigos de infância inscritos no curso de formação

para o BOPE após conflitarem com a corrupção percebida em uma breve

experiência na Polícia Militar. Nascimento os põe à prova para avaliar qual

estaria à sua altura enquanto entra em um dilema pessoal sobre se faria a

escolha certa sem prejudicar o alicerce incorruptível de sua unidade policial

frente à guerra ao tráfico e à corrupção policial.

A história de Grupo 7 se passa nos anos que antecedem a Exposição

Universal de Sevilha 1992, popularmente “Expo 92”. Um grupo policial

chamado Grupo 7 cumpre a missão de erradicar o tráfico de drogas do centro

da capital andaluza até a abertura do evento. O uso de violência, coerção e

mentiras como métodos acumula tanto êxitos e condecorações quanto

denúncias da mídia e o aumento da tensão entre os policiais e os locais que

                                                                                                               17 A história de Tropa de Elite gira em torno de uma operação real do Batalhão que, para garantir a segurança do então Papa João Paulo II em visita ao Brasil, atuou nas favelas próximas à residência do arcebispo do Rio de Janeiro (BARRIONUEVO, 2007). 18 Rodríguez afirmou que o filme é um reflexo dos anos em que dois grupos de policiais (6 e 10) atuavam nas ruas de Sevilha sob o mesmo pretexto executado em Grupo 7 (PETIT, 2012).

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testemunham seus abusos. O veterano Rafael (Antonio de la Torre) e o

ingressante Ángel (Mario Casas) transformam-se à medida que avançam em

sua missão. Rafael, que iniciou sua carreira durante a ditadura franquista,

contesta sua própria violência investida até então, ao mesmo tempo que

Ángel, único integrante educado na democracia, torna-se cada vez mais

habituado ao excessos empregados pelo grupo.

6.1 SEQUÊNCIA 1

O filme brasileiro começa na favela carioca Morro da Babilônia, em

uma noite de festa de música funk. Uma viatura da Polícia Militar com cinco

policiais sobe uma rua em direção à festa enquanto, em outro ponto da

favela, Neto, com um rifle, e Mathias deslocam-se em uma moto por uma rua

estreita. Abandonam o veículo e seguem a pé apressados. Os dois chegam

ao terraço de uma casa com uma visão panorâmica da festa. Avistam os

policiais da viatura conversando com os traficantes. Neto atira na direção

deles, a multidão se dispersa e os traficantes se exaltam. Neto e Mathias são

perseguidos e inicia-se um tiroteio quando encurralados em uma rua. O

conflito armado é cortado e substituído pela imagem de uma grande avenida

da cidade carioca (figura 20, frame 1). Nela, duas viaturas do BOPE

deslocam-se velozmente em direção à favela. Em uma, Capitão Nascimento

fala os detalhes da operação policial para os outros membros no veículo.

Eles param onde outras viaturas da Polícia Militar estão estacionadas.

Nascimento proíbe os policiais de subirem na favela e sua equipe fardada de

preto avança morro acima. A sequência de introdução é encerrada por um

corte que dá lugar ao título do filme acompanhado da trilha sonora principal.

Figuras 19 – Tropa de Elite: montagem paralela

montagem paralela

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O protagonismo da história divide-se entre os aspirantes Mathias e

Neto e o Capitão Nascimento. A apresentação destes personagens ocorre de

duas maneiras nesta sequência. No caso de Nascimento, seu destaque é

percebido quando, nos planos iniciais, dirige-se ao expectador, em voice-

over, com um discurso sobre a inviabilidade do trabalho policial em conflito

com um sistema corrupto. Seu personagem só será apresentado

pessoalmente no final da sequência, contudo, seu papel de narrador

permeará ao longo de toda a obra. Neto e Mathias são introduzidos através

desta narração e de uma montagem paralela que mostra simultaneamente as

ações da dupla e de uma viatura da Polícia Militar que se dirige ao baile funk.

Figuras 20 – Tropa de Elite: apresentação de Capitão Nascimento

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Na sequência de abertura do filme espanhol, Ángel, à paisana,

acompanha um viciado pelas ruas estreitas de Sevilha a fim de encontrar um

ponto de tráfico de drogas. Os outros integrantes do grupo conversam dentro

de um carro estacionado. Ao avistarem o viciado e Ángel logo atrás, os

seguem em baixa velocidade. Próximos ao possível ponto de drogas, seu

carro é apedrejado pelos moradores dos prédios da rua. Os policiais

arrombam a porta e procuram pelos traficantes. Um suspeito corre escada

acima e é seguido por Ángel. A perseguição continua até o terraço de uma

antiga igreja. Encurralado, o suspeito tenta negociar e, aproveitando uma

distração do policial, saca uma navalha do bolso e aponta-a para seu

pescoço. Rafael chega e mesmo sob as ameaças de morte ao seu colega

investe contra o suspeito e o espanca.

Figuras 21 – Grupo 7 – sequência de perseguição

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A primeira parte da sequência, antes da entrada no prédio, é

caracterizada por planos longos e curtos. Na segunda parte o ritmo torna-se

acelerado dada a intensidade da ação, o que configura a utilização

preferencial de planos curtos. Ao contrário de Tropa de Elite, este não opta

pelo voice-over. A apresentação dos personagens é identificada, em um

primeiro momento, na conversa dos três policiais dentro do carro. No final da

sequência ocorre o segundo momento quando, no terraço da igreja, a cena

mostra as diferentes condutas dos dois policiais, logo, condiz aos dois

personagens que dividirão o protagonismo (Plano 105 ao 122). Enquanto

Rafael espanca o traficante caído, Ángel está suando e com a mão tremendo

(o que mais tarde será explicado por sua condição de diabético) e observa

reticente à ação de seu colega. Este momento apresenta a dualidade dos

personagens: o experiente e o novato, a agressividade e a vulnerabilidade.

São conceitos que permanecerão como perfil dos dois até a primeira metade

do filme.

O realismo contido nestas duas introduções apresenta diferenças

assim como as visualizadas na comparação entre as sequências de

perseguição dos filmes Bullit e Operação França. No trecho da sequência

que mostra Neto e Mathias de um lado e os policiais militares de outro em

estrutura de montagem paralela, José Padilha misturou a técnica clássica

com sua visão documental19. Na intensão de aproximar-se da sensação de

realidade, o diretor priorizou a utilização de efeitos sonoros do ambiente no

lugar de uma trilha e o uso da câmera na mão, na maioria dos casos,

simulando um ponto de vista dos personagens ou de caráter jornalístico na

cena. Alberto Rodríguez não investe no experimentalismo em Grupo 7. � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � �19 Perceptível em seu trabalho anterior, o documentário Ônibus 174 (2002).

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Abastece suas sequências com um método convencional. A diferença das

duas técnicas é melhor visualizada no número de planos contidos no material

analisado. O de Tropa de Elite possui tempo maior e menor número de

planos que Grupo 7, 71 planos em 7 minutos e 40 segundos contra 122

planos em 5 minutos e 22 segundos. A opção de Padilha pela câmera na

mão permite que não haja tantos cortes e encurtamento de planos já que o

movimento inscrito na técnica trabalha por si o ritmo da sequência. Por outro

lado, Alberto Rodríguez trabalha com a montagem rítmica, onde integra

cortes cada vez mais breves somados à uma trilha sonora de auxílio.

6.2 SEQUÊNCIA 2

Mostrar o modus operandi dos personagens em seus trabalhos como

policiais é um dos fatores que configura os filmes analisados como do gênero

ação policial. Por outro lado, algumas sequências são dedicadas a mostrar

como estes conduzem suas vidas pessoais, ou seja, testemunham a relação

que Nascimento e Ángel têm com suas esposas, Rosane e Elena. Estes

momentos representam marcações na estrutura narrativa que não rompem

com a tradição do gênero, pelo contrário, a variação destes momentos com

os personagens ocorre na eleição do roteiro e direção sobre como, quando e

onde apresentar o lado pessoal do personagem.

Estes momentos representam marcações na estrutura narrativa ao

apresentar de que maneira a descarga emocional vinda da dedicação à

carreira afeta suas relações pessoais. É natural do estilo adotado durante as

sequências de ação, destaque das obras escolhidas e do gênero em geral, a

imposição do ritmo acelerado, cada um à sua maneira, conforme explicado

anteriormente. As sequências escolhidas que envolvem a relação dos

personagens principais com suas esposas pretende aclarar a influencia desta

montagem rítmica onde, de tal forma, possivelmente intensifica o fator

psicológico natural deste ponto na história.

Em Grupo 7, Ángel e Elena (Inma Cuesta) discutem em casa após ele

ter ido buscá-la na delegacia por ter sido detida com drogas no carro do

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policial. Ele fica furioso porque já a havia advertido para não usar seu veículo

(o conteúdo encontrado havia sido apreendido por ele e seu Grupo). A

montagem desta sequência (dentro da casa) é composta de planos sem

movimento. O limite de espaço do cenário fechado, assim como o pouco

deslocamento dos personagens durante a ação, é semelhante ao ritmo de

cortes apresentado em outras sequências de ação, como a de perseguição

no início do filme. Aqui, a ausência de movimento da câmera na mão, porém,

de planos estáticos, é o que diferencia esta do resto. Em nenhum momento

há planos próximos do rosto dos personagens onde suas expressões seriam

destacadas. Pelo contrário, os planos transitam entre mostrar o corpo inteiro

ou desde a cintura. O afastamento da câmera é maior em duas situações:

visão externa, plano do casal discutindo na sala através do vidro que separa

a casa do jardim, vemos no reflexo o filho pequeno do casal com a babá no

pátio; visão a partir da cozinha através do acesso desta para a sala onde está

o casal, observamos Ángel falando ao telefone.

Figuras 22 – Grupo 7: Ángel e Elena

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Em Tropa de Elite, Nascimento, nervoso, discute com a esposa,

Rosane (Maria Ribeiro), sobre o erro que cometeu ao escolher um aspirante

(Neto) à substituto que não atende às suas expectativas. A câmera na mão

acompanha principalmente a Nascimento, em planos próximos de sua

cabeça, que testemunham sua carga emocional e o calor da discussão.

Alguns cortes presentes servem para que a câmera tenha um novo

posicionamento que permita a movimentação acompanhando a dos

personagens (sair de um ponto e chegar à outro; plano e contra-plano dos

dois). O processo de montagem, assim como em Grupo 7, é semelhante ao

utilizado nas sequências de ação, onde a câmera movimenta-se e sofre

cortes em pontos estratégicos. Comparando a análise anterior, onde fora

notada uma diferença entre número de planos, com esta, percebe-se uma

diferença menos significativa de número de planos. Enquanto a sequência de

Grupo 7 tem 12 planos contidos em 2 minutos, Tropa de Elite tem 8 em 1

minuto e 42 segundos. Justifica-se a diferença através do cenário, pois a

opção pelo uso da câmera na mão sofre perda de mobilidade em sequências

ambientadas em cenários de interior.

Figuras 23 – Tropa de Elite: Nascimento e Rosane

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��� 6.3 SEQUÊNCIA 3

As seguintes sequências contêm os três personagem de maior

destaque em cada história: de Tropa de Elite ,Capitão Nascimento, Mathias,

e o traficante Baiano (Fábio Lago); e de Grupo 7, Ángel, Rafael, e o traficante

Amador (Alfonso Sánchez).

Na sequência de Grupo 7, Retorno à Candelária, 4 minutos e 3

segundos, 56 planos, Ángel e Rafael, planejam vingar-se de Amador que os

humilhou depois que o Grupo, traído por um informante, foi pego em uma

emboscada. Para isto, retornam à área da cidade, Candelária. dominada por

ele. A dupla mata dois atiradores em um tiroteio nas escadas de um prédio.

Enquanto examinava um dos quartos do apartamento onde estavam os

atiradores mortos, Rafael é surpreendido pelo traficante com um soco e cai

no chão. Ángel o salva matando Amador com quatro tiros. Nesta sequência,

a invasão ao prédio para encontrar o traficante resulta em um combate

armado, diferente dos outros conflitos do filme, onde os policiais correm atrás

de seus suspeitos e os espancam quando encontram resistência. Além desta,

outra diferença da sequência em relação às outras está na opção de mostrar

os personagens sendo feridos. A maioria dos planos, mesmo que curtos,

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� � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � �

revelam as partes do corpo no momento que são atingidas pelos projéteis.

Tomando como exemplo a primeira sequência analisada, onde as cenas são

realizadas com técnicas para ocultar o ato violento em si. A sugestão de

Grupo 7 à maioria de suas cenas de violência não escondem a brutalidade,

porém, não atingem o ponto de chocar o espectador (como nesta final) ou,

em maior grau, como no casos apresentados em Tropa de Elite, onde a

realidade é mostrada de modo mais explícito e com menos recursos de

ocultação.

�� Figuras 24 – Grupo 7: tiroteio e morte de Amador

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Tropa de Elite segue o caminho de outros longas-metragens de

destaque como Cidade de Deus, de Fernando Meirelles, Carandiru, de

Hector Babenco e Central do Brasil, de Walter Salles. Cada um destes

exemplos apresentam um tipo de violência identificável pelo público

brasileiro. O filme de Padilha, surgido após estes, apresentou o uso de

técnicas documentais e ficcionais, eliminando os limites que as separam.

Esta condução, através de um realismo explícito, configurou polêmicas ao

filme e acusações de postura fascista ao diretor, assim como ao seu

personagem principal, Nascimento (ARANTES, 2008). A presença de cenas

de tortura foram debatidas quanto à serem explícitas e excessivas, assim

mesmo mantiveram o filme dentro de uma estrutura do gênero de ação

policial. Na sequência de Tropas de Elite, Morte do Baiano, 2 minutos e 24

segundos, 14 planos, Nascimento e Mathias encontram o esconderijo de

Baiano no Morro dos Prazeres. O traficante é ferido por um integrante do

Batalhão ao sair. O Capitão entrega uma escopeta calibre 12 para Mathias

que, contrariando o pedido de clemência de Baiano no chão, atira em seu

rosto.

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Os momentos finais desta sequência contêm o primeiro plano do

traficante ensanguentado no chão, seguido de três planos de aproximação do

rosto de Mathias, ponto de vista de Baiano. O último plano é interrompido aos

cinco segundos por um fade out 20 para branco com duração de dez

segundos até os créditos finais. O som da arma de Mathias disparando só é

ouvido após este fade, sendo um dos raros momentos de todo o filme em que

a elipse é empregada para não mostrar alguma categoria de violência. A

opção pela ocultação repousa sobre o estabelecimento da violência

verossímil, buscada na realização da vingança de Mathias pela morte do

amigo Neto.

Figuras 25 – Tropa de Elite: morte de Baiano

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� � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � �20 Técnica onde normalmente a cena começa normal e gradualmente converte-se em escura (DANCYGER, 2007). No caso, termina totalmente branca.

��

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                                                                                                                                                                                                                                                                             64  

A visão dos diretores (e da equipe técnica envolvida) autentica a

verossimilhança ao localizar os personagens em seu próprio ambiente. O

cenário urbano é retratado de forma verídica, remontando locações reais ou

utilizando as próprias, configurando um fator de verossimilhança ao filme. O

que é mostrado nas histórias, além de basear-se em fatos reais, cria ações

policiais fictícias em ambientes reais, tais como as perseguições pelas ruas

estreitas da zona central de Sevilha ou pelas ruelas ramificadas das favelas

nos morros do Rio de Janeiro.

À época do lançamento de Tropa de Elite a violência exibida foi

debatida abertamente. Padilha faz o uso da narrativa e estética na

justificativa de seu propósito. Está de acordo com o meio urbano labiríntico e

atmosfera de cores fortes e quentes, ou seja, o ambiente gerado tornou-se o

campo onde esta violência é cabível. Estas críticas retomam o tema

explorado no capítulo sobre Gêneros. Sua particularidade surge ao ser

apresentado um formato novo onde até então existia o modelo vigente.

Grupo 7 apresenta elementos reconhecíveis do gênero e não rompe com

tais. Sua sequência final apresenta um teor mais explícito da violência,

porém, faz referência somente à própria obra.

De um ponto de vista da história cinematográfica, o retorno às

respectivas origens não segue o mesmo caminho. Padilha resgata

características da essência estética que fora apresentada nas obras de seus

antecessores. O filme de Glauber Rocha, Deus e o Diabo na Terra do Sol,

por exemplo, cuja presença de uma narrativa poético-realista, violentos

contrastes sociais e luta de classes eram conceitos trabalhados sob sua

camada estética revolucionária. São elementos visíveis em Tropa de Elite,

ainda que em diferentes níveis. O cunho fantástico é o ponto praticamente

inexistente no longa-metragem policial, ao contrário dos contrastes sociais e

choque de classes, conceitos que Padilha utiliza sob sua estética.

O diretor de Grupo 7 faz parte da geração que desvencilhou-se da

característica tradicional do cinema espanhol. Ainda que seja contemporâneo

da carreira de Almodóvar, ele apresenta elementos peculiares e muito

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                                                                                                                                                                                                                                                                             65  

representativos da cultura espanhola, o que os novos diretores evitam nas

suas produções. Diferente de Padilha, Rodríguez não tinha à disposição

recursos históricos para resgatar no formato pretendido. Conforme analisado,

a influência repousa sobre o cinema norte-americano e sobre o próprio Tropa

de Elite21.

                                                                                                               21 Afirmou o diretor em entrevista ao portal cinemania.es. Disponível em: <http://cinemania.es/noticias/video-mario-casas-antonio-de-la-torre-y-alberto-rodriguez-hablan-de-grupo-7/>

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                                                                                                                                                                                                                                                                             66  

7 CONCLUSÃO

Este trabalho tinha como questão identificar a identidade

cinematográfica própria através dos elementos estéticos e narrativos

utilizados. Para tal, foram citados dois filmes como material para análise do

conteúdo contido em algumas sequências dadas como relevantes para o

objetivo da pesquisa. Através da questão norteadora, alguns objetivos

específicos foram explorados a fim de desenvolver a pesquisa. Neste sentido,

a partir dos dados observados na análise fílmica foi possível chegar às

seguintes conclusões.

A investigação contou com o desenvolvimento de uma pesquisa

histórica cujo objetivo era justificar a presença da identidade cinematográfica

própria de cada país. Conforme explorado nos capítulos teóricos do presente

trabalho, o cinema desenvolveu-se a partir das tentativas de seus

realizadores em afirmar seu ofício como arte. A história cinematográfica dos

dois países estudados revelou que as escolas pioneiras influenciaram a

formação dos alicerces de seu cinema nacional. Contudo, a invenção de

formatos originais surgiu do experimentalismo necessário à criação destes

novos mercados cinematográficos. Além da barreira geográfica, outros

fatores influenciaram o surgimento de formatos diferentes de sua identidade,

vez inspirada no modelo tradicional, vez pelo simples instinto de realizar o

que era essencial ao cinema em seu tempo. Foram encontrados, em

diferentes níveis, os traços identificáveis desta identidade nos filmes Tropa de

Elite e Grupo 7.

O caso brasileiro mostrou maior tendência em abraçar os elementos

que configuram sua identidade, dado tratar-se de uma obra vinculada à

denúncia da realidade, temática que representou o formato audiovisual

brasileiro em grande parte de sua história fílmica. No caso da Espanha, seu

cinema também serviu no retrato do real, porém, foi mais representado

através da influência artística, como, por exemplo, a obra de Buñuel inserida

no surrealismo e de Almodóvar de cunho fantástico.

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                                                                                                                                                                                                                                                                             67  

Outro objetivo da pesquisa propôs relacionar elementos da linguagem

cinematográfica e características específicas do gênero presentes para

identificá-los nas obras. Através dos tópicos apresentados no capítulo

dedicado ao assunto, e tendo sido exploradas as sequências para a busca

destes itens representados em cada filme, é possível concluir alguns pontos.

A análise das obras escolhidas permitiu averiguar, no contexto

contemporâneo, quais elementos estéticos e técnicos utilizados configuram

uma identidade cinematográfica própria, estando fortemente presente ou

meramente sugerida em tais obras. É possível pensar que a influência de

Tropa de Elite e Grupo 7 recebida através das escolas tradicionais repousa

no que os define como gênero, ou seja, os elementos presentes que

configuram as obras como de ação policial.

As sequências de ação escolhidas para análise refletem momentos

recorrentes do gênero policial. No espanhol, as técnicas e estrutura utilizadas

equiparam-se mais a este modelo, o que torna menor o espaço para uma

identidade própria. Percebeu-se que, ao tomar como material de análise os

filmes Tropa de Elite e Grupo 7, obras cinematográficas pensadas para a

exibição em circuito comercial, a presença da identidade cinematográfica de

cada país apareceria de modo mais natural em sua narrativa. Diferente, por

exemplo, de um filme artístico, o qual registraria com mais compromisso seus

elementos fílmicos nacionais. Por outro lado, a estética e técnica identificadas

em cada obra fazem parte da visão e estilo dos diretores, algumas

indissociáveis de seus trabalhos. As sequências de ação analisadas são os

momentos onde a visão documental de Padilha destaca-se. Contudo, este

fator não deixa de representar uma identidade. Os filmes representam o

cinema de seu país, criados por e para seu público nativo.

Por fim, é possível dizer que, de acordo com o universo escolhido para

o presente trabalho, a investigação da presença de uma identidade

cinematográfica própria nestes dois filmes revelou alguns pontos importantes.

Dada a complexidade inscrita nos processos intrínsecos da realização

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                                                                                                                                                                                                                                                                             68  

cinematográfica, os países selecionados apresentaram uma tendência a

implantar sua identidade de modo direto ou indireto na produção fílmica.

Mesmo em filmes de gênero onde esta presença é pouco recorrente, a

análise mostrou que os filmes apresentaram sinais identificáveis de sua

nacionalidade, de modo evidente ou sugestivo. A base para suas histórias

advinda de episódios reais dos respectivos países mostrou-se o elemento de

maior influência na identificação da identidade cinematográfica presente nas

respectivas obras. Portanto, é perceptível uma tendência destes mercados

cinematográficos em assumir suas respectivas realidades como material e

produzir filmes que contenham pontos de vista privilegiados em relação ao

exterior.

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                                                                                                                                                                                                                                                                             69  

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                                                                                                                                                                                                                                                                             71  

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                                                                                                                                                                                                                                                                             72  

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