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UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE BELAS-ARTES
DESIGN RURAL
Perspectiva de uma aldeia portuguesa e a sua transição para o século XXI
Ana Salomé Castiço Figueiredo Carreiro
MESTRADO EM DESIGN DE EQUIPAMENTO
ESPECIALIZAÇÃO EM DESIGN DE PRODUTO
2013
UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE BELAS-ARTES
DESIGN RURAL
Perspectiva de uma aldeia portuguesa e a sua transição para o século XXI
Ana Salomé Castiço Figueiredo Carreiro
MESTRADO EM DESIGN DE EQUIPAMENTO
ESPECIALIZAÇÃO EM DESIGN DE PRODUTO
Dissertação orientada pelo Professor Doutor Paulo Parra e co-orientada pelo Professor
André Gouveia
2013
DESIGN RURAL Ana Salomé Carreiro
Faculdade de Belas-Artes de Lisboa
ii
RESUMO
Desde sempre, o Ser Humano, na sua forma de estar e ser, é apresentado como
detentor do pensamento de Design, intrínseco nas suas acções. Este pensamento
acompanha-o ao longo de gerações e apresenta-se, muitas vezes, sobre a forma dos mais
variados objectos, contribuintes para a coabitação, sobrevivência e evolução da nossa
espécie. Mais se acrescenta, que tudo o que até hoje o Ser Humano produziu, reflecte as
suas necessidades e anseios, e portanto, essenciais marcas para o entendimento de toda
uma comunidade.
No entanto, o que devemos esperar quando um território, palco desta mesma
evolução, encontra falências na sua produção e planeamento das suas necessidades de
sobrevivência? Qual deverá ser a posição dos designers perante esta conjuntura? Esta
dissertação viaja precisamente ao encontro das temáticas mais pertinentes para o
encontro das respostas às questões precedentes. Temas como a globalização, a
perspectiva da sociedade sobre o universo rural ou até, a comercialização de produtos
culturais como via para a inovação, fazem parte do Enquadramento Teórico deste
trabalho.
Assim, e com a perspectiva do Design de Produto, abordámos as problemáticas
encontradas numa aldeia portuguesa, Monsanto da Beira. O seu actual paradigma é
entendido no Enquadramento Prático, através da análise detalhada do seu
enquadramento histórico, cultural, social, económico e ambiental.
O estudo culmina na apresentação de um modelo de negócio ao abrigo da marca
Laja – Das Pedras Nascem Coisas, criada para o efeito durante o presente trabalho de
investigação. Os produtos iniciais são não apenas, caracterizados pela forte presença
cultural existente em Monsanto da Beira, como também pelo trabalho gerado com
intuito de criar valor através do conhecimento da população e do seu saber material.
Palavras-Chave: Design de Produto, Design Rural, Identidade Cultural, Glocalização,
Aldeias Portuguesas.
DESIGN RURAL Ana Salomé Carreiro
Faculdade de Belas-Artes de Lisboa
iii
ABSTRACT
Since ever, the Human Being, in their way of be, is presented has a holder of the
Design though, intrinsic in their actions. This though is followed in every generation
and is presented, many times, by the most variable objects, which contribute for the
cohabitation, survival and evolution of our specie. We can also say that, everything
produced by Man is a reflection of his needs and worries, and so, essentials marcs for
the understanding of His community.
However, what should we expect of a territory, stage of this evolution, that has
an unsustainable production and planning of the survival needs? What should be the
designers position towards this conjuncture? This dissertation travels precisely to the
meeting point between the most important themes for the resolution of the precedent
questions. Themes as globalization, the perspective of the society about the rural
universe or even, the trade of cultural products as a path for innovation, make part of the
Theoretical Framework of this dissertation.
Therefore, and with the perspective of the Product Design, we approached the
problems that have been founded in a Portuguese village named Monsanto da Beira. Its
actual model is examined on the Practical Framework, through the detail analysis of the
historic, cultural, social, economic and environmental background.
This study culminates in a business model presentation under the brand Laja –
Das Pedras Nascem Coisas, created during this dissertation. The initial products are
characterized by the strong cultural presence existing in Monsanto da Beira, but also by
the work created with the aim of generating value towards the knowledge and labor of
the population.
Key-Words: Product Design, Rural Design, Cultural Identity, Glocalization,
Portuguese Villages.
DESIGN RURAL Ana Salomé Carreiro
Faculdade de Belas-Artes de Lisboa
iv
AGRADECIMENTOS
Não é fácil encontrar palavras que caracterizem verdadeiramente a presença de
todos num percurso tão importante como este que agora findou. Esta é, por isso, de
todas as páginas que perfazem este trabalho, a mais difícil de escrever.
Às duas povoações, Salvaterra do Extremo e Monsanto, que da minha vida
fazem parte e com as quais aprendi a ver os seus anseios e esperanças, problemas e
virtudes. Sem elas, com toda a certeza, não seria quem sou hoje, nem este trabalho teria
nascido.
À Faculdade de Belas-Artes de Lisboa, instituição que faz parte do meu percurso
académico e com a qual me orgulho de estar vinculada. Ao Professor Doutor Paulo
Parra, orientador e entusiasta deste trabalho de investigação. Ao Professor André
Gouveia, co-orientador desta dissertação, cuja presença foi tranquilizante nos momentos
de maior desgaste e dúvidas. A ambos agradeço a confiança e amizade depositadas em
mim e nas minhas capacidades ao longo do trabalho.
À minha turma de Mestrado, por ter sido a melhor equipa com quem tive o
prazer de trabalhar e estar. Ao Diego pela sua visão tão criativa; ao João pelo seu rigor;
à Vanda pela sua sinceridade.
Aos meus bons amigos Ana e Nuno, por todas as conversas que mantivemos
sobre incontáveis assuntos.
Ao Vítor, por ser sempre tão atento e interessado. Pela paciência que teve em
ouvir as minhas ideias e por todo o apoio, carinho e tempo que me deu.
À minha tia Fernanda por me fazer sempre acreditar nas minhas capacidades.
Ao meu irmão João Pedro por me fazer ver a vida de vários ângulos.
Aos meus pais, por me transmitirem, desde sempre, os melhores valores do
mundo!
A todos, Obrigada!
DESIGN RURAL Ana Salomé Carreiro
Faculdade de Belas-Artes de Lisboa
v
ÍNDICE
RESUMO ........................................................................................................................ II
ABSTRACT ................................................................................................................. IIIII
AGRADECIMENTOS ................................................................................................. IV
ÍNDICE ............................................................................................................................ V
ÍNDICE DE FIGURAS ............................................................................................. VIII
1. INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 1
1.1. Definição do tema .................................................................................................. 1
1.2. Objectivos da investigação .................................................................................... 3
1.3. Estrutura do trabalho ............................................................................................. 4
1.4. Metodologia utilizada ............................................................................................ 5
1.5. Motivações ............................................................................................................ 6
2. ABORDAGEM À TEMÁTICA ................................................................................ 8
2.1. O Design de Produto e Conceitos Adjacentes ........................................................... 8
2.1.1.Definição de Design de Produto .......................................................................... 8
2.1.2. Definição de Artefacto e Artesanato ................................................................. 13
2.1.3. Os componentes do circuito da Cultura do Design ........................................... 16
2.2. As valências do Design de Produto na promoção de territórios .............................. 21
2.2.1. Discrepâncias de oportunidades entre aldeias e cidades ................................... 21
2.2.2. Pensar globalmente; Produzir localmente ......................................................... 27
2.2.3. O Karma da Inovação ....................................................................................... 28
2.2.4. O Design de Produto como promotor da Cultura ............................................. 34
2.3. Estudos de Caso ....................................................................................................... 41
2.4.“Design Rural” como motor de crescimento económico, social, histórico e
ambiental ........................................................................................................................ 45
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3. ESTUDOS DE CASO ATRAVÉS DO DESIGN ................................................... 48
3.1. Designer + Artesão .................................................................................................. 49
3.2. Plataformas Online .................................................................................................. 52
3.3. Iniciativas de dinamização ...................................................................................... 55
3.4. Nicho de Mercado ................................................................................................... 58
2.5. Conclusões ............................................................................................................... 61
4. ANÁLISE DO TERRITÓRIO EM ESTUDO - MONSANTO DA BEIRA ........ 63
4.1. Enquadramento Histórico ........................................................................................ 64
4.1.1. Onde se situa? ................................................................................................... 64
4.1.2. A importância estratégica do local .................................................................... 68
4.1.4. Importância da aldeia durante o Estado Novo .................................................. 70
4.1.5. Entrada no século XXI ...................................................................................... 73
4.2. O Design e a Aldeia - Heranças Ancestrais e Contemporâneas .............................. 79
4.3. Habitabilidade do Espaço ........................................................................................ 90
4.3.1. Serviços Existentes ........................................................................................... 90
4.3.2. A Visão dos Intervenientes ............................................................................... 93
3.4. Iniciativas de dinamização do concelho de Idanha-a-Nova .................................... 97
4.5. Conclusões – Oportunidades de Intervenção......................................................... 102
4.6. Reflexão sobre o desaparecimento ........................................................................ 103
5. PROJECTO PRÁTICO – REPENSAR OS OBJECTOS E A COMUNICAÇÃO
TURÍSTICA DA ALDEIA ......................................................................................... 107
5.1. A Marca ................................................................................................................. 107
5.2. Produtos ................................................................................................................. 109
5.3. Business Model Canvas ......................................................................................... 123
5.4. A Visão do Design ................................................................................................. 131
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vii
6. CONCLUSÕES ....................................................................................................... 134
7. ANEXOS ................................................................................................................. 137
8. BIBLIOGRAFIA .................................................................................................... 148
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viii
ÍNDICE DE FIGURAS
Figura 1 . ........................................................................................................................ 10
Representação de bifaces (à esquerda) e pinturas rupestres (à direita).
Figura 2 . ....................................................................................................................... 17
Representação do esquema desenhado por Paul du Gay para esclarecer a Cultura do
Design e as suas componentes: Representação, Identidade, Produção, Consumo e
Regulação.
Figura 3 ......................................................................................................................... 19
Representação do esquema da Cultura do Design e suas componentes através do
exemplo de duas marcas: BIC e Moleskine.
Figura 4 . ........................................................................................................................ 31
Imagem das carrinhas Family Frost.
Figura 5 . ....................................................................................................................... 32
Exemplo de análise SWOT com as Forças, Fraquezas, Oportunidades e Ameaças de
uma empresa comum.
Figura 6 . ........................................................................................................................ 33
Exemplo de um Mapa de Posicionamento de Mercado, realizado por nós na disciplina
de Produto, Comunicação e Mercado no âmbito do Mestrado corrente.
Figura 7 ......................................................................................................................... 34
Imagem de uma das cartas da Ideo. Neste caso, representativo do método Shadowing.
Figura 8 ......................................................................................................................... 37
Modelo representativo descrito por Yu-Ju Chuang e Tsen-Yao Chang no âmbito das
conferências realizadas em Banguecoque em 2012, intituladas de Design Research
Society.
Figura 9 ......................................................................................................................... 37
À esquerda, a figura popular do Zé Povinho; à direita, as características couves de
faiança, decorativas ou auxiliares no serviço de mesa.
Figura 10 ........................................................................................................................ 38
Colecção Bordalo Pinheiro pela marca Vista Alegre.
Figura 11 ........................................................................................................................ 39
Imagem representativa das louças Mateus, inspiradas pelas faianças, cores e formas
Bordalo Pinheiro.
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Figura 12 ...................................................................................................................... 39
À esquerda, uma folha de alface e um caracol de cerâmica, e à direita um manjerico
também de cerâmicas. Ambas as peças são alusivas a histórias e costumes portugueses e
com clara influência das faianças Bordalo Pinheiro.
Figura 13 ...................................................................................................................... 42
Imagem de diversos produtos produzidos segundo os critérios da Traidcraft. Neste caso
específico, o café, as bolachas e o muesli foram integrados nos supermercados do Reino
Unido, por favor a permitir o acesso ao público consumidor decisor.
Figura 14 ...................................................................................................................... 43
Imagem do site online de Tamera.
Figura 15 ...................................................................................................................... 45
Fotografia de parte do espólio presente no MADE.
Figura 16 ...................................................................................................................... 49
Mobiliário desenvolvido no âmbito do projecto A Carpinteira.
Figura 17 ...................................................................................................................... 50
Peças cerâmicas desenvolvidas por artesãos para a XIX edição da Biennale
dell’artigienato Sardo.
Figura 18 ....................................................................................................................... 51
Peças cerâmicas desenvolvidas no âmbito do projecto TASA entre artesãos e designers.
Figura 19 ....................................................................................................................... 52
Mobiliário desenvolvido no âmbito do projecto Design à Mão.
Figura 20 ....................................................................................................................... 55
Comunicação e produtos desenvolvidos no âmbito do projecto da Aldeia Pedagógica.
Figura 21 ....................................................................................................................... 56
Produtos comercializados pela marca Lisbon Lovers.
Figura 22 ........................................................................................................................ 57
Casa desenvolvida através do fornecimento de matérias-primas e produtos de empresas
parceiras. A casa é integralmente construída e decorada com produtos portugueses.
Figura 23 ....................................................................................................................... 58
Azulejos hidráulicos desenvolvidos pela marca Artevida.
Figura 24 ....................................................................................................................... 59
Peças comercializadas pela marca A Vida Portuguesa.
Figura 25 ....................................................................................................................... 60
Edifício pertencente à Fábrica Vista Alegre.
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Figura 26 ....................................................................................................................... 64
Fotografia capturada no âmbito desta dissertação e que representa a aldeia de Monsanto
e a sua envolvente.
Figura 27 ....................................................................................................................... 65
Fotografia capturada no âmbito desta dissertação e que representa a aldeia de Monsanto
e a sua envolvente.
Figura 28 ....................................................................................................................... 65
Fotografia capturada no âmbito desta dissertação e que representa a aldeia de Monsanto
e a sua envolvente.
Figura 29 ....................................................................................................................... 66
Fotografia capturada no âmbito desta dissertação e que representa a aldeia de Monsanto
e a sua envolvente.
Figura 30 ....................................................................................................................... 66
Proporção entre penedos e pessoa.
Figura 31 ....................................................................................................................... 67
Gráfico demonstrativo da população residente nos “lugares” que compõe a aldeia de
Monsanto.
Figura 32 ....................................................................................................................... 68
Castelo de Monsanto construído no século XV ou XVI.
Figura 33 ....................................................................................................................... 71
A Torre do Lucano com o Galo de Prata, prémio concedido à aldeia vencedora do
concurso “A Aldeia Mais Portuguesa de Portugal”, realizado em 1938.
Figura 34 ........................................................................................................................ 72
Entrega do Galo de Prata, no dia 4 de Fevereiro de 1939, aos representantes da aldeia de
Monsanto que se deslocaram a Lisboa para o efeito. Na fotografia podemos observar
também a presença do Dr. Oliveira Salazar, então Presidente do Conselho de Ministros.
Figura 35 ....................................................................................................................... 72
População de Monsanto reunida para a cerimónia da colocação do Galo de Prata na
Torre do Lucano. (Fotografia retirada do site Rádio Clube de Monsanto a 3 de
Dezembro de 2013).
Figura 36 ....................................................................................................................... 74
Gráfico representativo da demografia da população portuguesa entre 1864 e 2011.
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Figura 37 . ...................................................................................................................... 75
Gráfico representativo da demografia da população do distrito de Castelo Branco entre
1864 e 2011.
Figura 38 ....................................................................................................................... 76
Gráfico representativo da demografia da população do concelho de Idanha-a-Nova entre
1864 e 2011.
Figura 39 ....................................................................................................................... 76
Gráfico representativo da demografia da população da freguesia de Monsanto entre
1864 e 2011.
Figura 40 ....................................................................................................................... 80
A primeira figura representa um machado. As duas seguintes são maços encontrados
para a moagem dos cereais datados do ano 133 a.C.
Figura 41 ....................................................................................................................... 81
Imagens dos vários objectos cerâmicos encontrados em Monsanto e datados do século I
d.C..
Figura 42 ....................................................................................................................... 82
À esquerda, diademas de ouro datados do século I. À direita objectos cerâmicos do
século II ou III d.C.
Figura 43 ....................................................................................................................... 82
Representação de armas romanas.
Figura 44 ....................................................................................................................... 83
Fotografia capturada no âmbito desta dissertação e que representa a capela de S. Pedro
de Vir-a-Corça.
Figura 45 ....................................................................................................................... 85
Á esquerda, o exemplo de um tropeço feito em cortiça. À direita, o exemplo de um
cocho também desenvolvido em cortiça.
Figura 46 ....................................................................................................................... 86
Exemplo do instrumento musical Adufe.
Figura 47 ....................................................................................................................... 88
Exemplo de uma rodilha com 13 cm de diâmetro.
Figura 48 ....................................................................................................................... 88
Marafonas desenvolvidas por habitantes de Monsanto.
Figura 49 ....................................................................................................................... 94
Análise dos objectos positivos e negativos que partiram da observação.
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xii
Figura 50 ....................................................................................................................... 95
Gráfico dos Problema, Necessidades e Preocupações segundo as opiniões da população.
Figura 51 ....................................................................................................................... 97
Análise Swot da Aldeia de Monsanto.
Figura 52 ....................................................................................................................... 98
Imagem de três edições da revista Adufe.
Figura 53 ..................................................................................................................... 101
Fotografia da exposição Museu Rural do Século XXI.
Figura 54 ..................................................................................................................... 104
À esquerda, fotografia de uma mulher indígena da tribo ojibwa, hoje desaparecida. A
imagem foi capturada em 1907 por Roland W. Reed, no Minnesota, Estados Unidos
América; À direita, rapariga monsantina fotografada por autor desconhecido e que
representa a vitória do Galo de Prata, em 1938.
Figura 55 ..................................................................................................................... 108
Imagens de inspiração de diferentes marcas e logos.
Figura 56 ...................................................................................................................... 109
Logo da marca Laja, em positivo e negativo.
Figura 57 ..................................................................................................................... 110
Imagens de inspiração para o desenvolvimento dos postais.
Figura 58 ..................................................................................................................... 111
Colecção de postais Os símbolos de Monsanto (exterior).
Figura 59 ..................................................................................................................... 112
Colecção de postais Os símbolos de Monsanto (interior).
Figura 60 ..................................................................................................................... 114
Imagem dos sulcos que pretendemos retirar a textura.
Figura 61 ..................................................................................................................... 115
Protótipo em plasticina.
Figura 62 ..................................................................................................................... 115
Molde em gesso.
Figura 63 ..................................................................................................................... 116
Protótipo em argila da tigela 1, resultante dos processos enunciados.
Figura 64 ..................................................................................................................... 117
Protótipo da tigela 1 e proposta de embalagem.
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Figura 65 ..................................................................................................................... 117
Protótipo em argila da tigela 2, resultante dos processos enunciados.
Figura 66 ..................................................................................................................... 119
Imagens de Inspiração para o desenvolvimento da boneca Maia.
Figura 67 ..................................................................................................................... 119
Proposta de embalagem para o produto Maia.
Figura 68 ..................................................................................................................... 120
À esquerda, o protótipo sem intervenção. À direita, o exemplo de um desenho,
aleatório, ilustrativo da versatilidade da boneca.
Figura 69 ..................................................................................................................... 122
Ilustração da proporção Utilizador/Rodilha.
Figura 70 ..................................................................................................................... 122
Protótipo do assento Rodilha e proposta de embalagem.
Figura 71 ..................................................................................................................... 123
Business Model Canvas.
Figura 72 ..................................................................................................................... 129
Tabela da Estrutura de Custos e Fluxos de Rendimentos.
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1. INTRODUÇÃO
1.1. Definição do tema
No âmbito do Mestrado em Design de Equipamento, leccionado na instituição
de ensino Faculdade de Belas-Artes, pertencente à Universidade de Lisboa, foi
desenvolvido o trabalho de investigação teórico-prático designado Design Rural -
Análise de uma aldeia portuguesa e da sua transição para o século XXI.
O presente trabalho explora contornos e problemas que não sendo recentes,
abordam perspectivas mais contemporâneas. Há largas décadas que Portugal é
atormentado pelo declínio da sua produção e por conseguinte, dos seus postos de
trabalho, o que de uma forma geral, se reflecte na diminuição das condições de vida dos
seus habitantes. Paralelamente a esta situação observa-se ainda, um decréscimo da taxa
de natalidade e uma percentagem de reformados e pensionistas cada vez mais elevada.
Sabemos de antemão que em diferentes pontos do país são sentidos os efeitos do
envelhecimento populacional, contudo será nos focos rurais que nos iremos centralizar.
Estas problemáticas, consideradas na dissertação, apresentam-se numa fase crucial e
delicada, na qual pretendemos incidir os nossos esforços. Os aspectos culturais,
dissimulados por sociedades cada vez mais globalizadas, têm ultimamente tomado força
numa tentativa de diferenciar a oferta dos seus produtos e serviços. Cada vez mais, a
inovação parte das questões culturais e históricas que cada um tende a explorar.
Alertados para esta tendência de valorização, desposemo-nos a investigar projectos que
surgiram no mesmo âmbito. Durante o decorrer deste estudo, muitas foram as
iniciativas que nasceram na base da promoção dos territórios, técnicas e sabedorias
nacionais. Contudo, durante o seu desenvolvimento, algo tende em não correr da melhor
forma, e as pequenas empresas que tentam encaminhar os esforços na valorização do
património, fecham actividade antes mesmo de passar a sua mensagem. No seguimento
deste raciocínio, arriscamos perguntar se será a percepção internacional e nacional do
país, a causadora desta desordem.
Sendo o Design uma disciplina fundamental para o entendimento e
desenvolvimento de qualquer produto ou serviço, parece-nos imprescindível a sua
posição em actos e tarefas tão complexas, como as que enumerámos no parágrafo
DESIGN RURAL Ana Salomé Carreiro
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anterior. A versatilidade desta disciplina pode apresentar-se de inúmeras formas. No
âmbito do Design de Produto, do Design de Serviços e mesmo até no Design de
Comunicação e Gráfico. Sobre as problemáticas que iremos abordar, podemos
acrescentar que os esforços desenvolvidos na sua resolução, não têm recolhido a visão
de designers profissionais, dispostos a contribuir para a melhoria dos aspectos
mencionados. Encontramos portanto, uma lacuna que pretendemos corrigir.
Para ilustrar melhor a nossa posição relativa a esta problemática, estabelecemos
uma pesquisa teórica e prática que visa precisamente delinear a posição de aldeias
portuguesas insustentáveis. Como tal denominámos o tema Design Rural como sendo o
abrigo para estas questões. Contudo, não é do nosso intuito circunscrever este trabalho
ao artesanato ou à concepção de produtos, como pode ser interpretado numa primeira
instância. A dissertação que aqui apresentamos pretende ser um documento que auxilie
futuros empreendimentos no mundo rural e cujas características demonstrem estar de
acordo com o bom funcionamento da mecânica histórica, social, económica e ambiental.
Encontrar soluções para realidades adversas na área dos transportes, alimentação,
produção, turismo, educação e em tantos outros aspectos inerentes à actual subsistência
humana, faz parte do trabalho de qualquer Designer. Portanto, queremos expressar que
por estarmos a mencionar comunidades circunscritas pelo âmbito rural, parece-nos claro
que, pela sua vastidão, este é um tema que abrange às mais diversas áreas. Assim, e
pelas suas particularidades, acreditamos que o Design Rural deve ser uma das respostas
a problemas relacionados com este universo.
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1.2. Objectivos da investigação
Os objectivos traçados para o desenvolvimento pleno do presente trabalho de
investigação, foram construídos ao longo de todo o processo de trabalho.
Delineámos como objectivos:
Clarificar o papel do Designer, e em particular do Designer de Produto e de
Sistemas, enquanto profissional apto para redesenhar, repensar e optimizar
produtos e serviços de carácter não só tridimensional mas também de índole
conceptual e nas mais diversas áreas.
Demonstrar que o Designer de Produto e de Sistemas, deve fazer parte
integrante desde o início da concepção de qualquer produto, por forma a incluir
o pensamento de Design em passos tão importantes quanto a Pesquisa e Estudos
de Mercado.
Promover o papel do Designer de Produto e de Sistemas como essencial para
potenciar novas formas de combate à insustentabilidade criada em espaços
rurais.
Esclarecer que a aposta cultural é uma mais-valia para a geração de valor.
Divulgar as aldeias portuguesas como locais não só de índole turística mas
também como pontos de referência relativamente à sua produtividade.
Apresentar um exemplo que possa ser um auxílio a outras aldeias e regiões,
nacionais ou internacionais, por forma a optimizar os seus recursos tangíveis e
intangíveis.
Clarificar o que pode ser considerado como Design Rural, conceito proposto na
presente dissertação.
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1.3. Estrutura do trabalho
O trabalho de investigação que sustentamos ao longo das próximas páginas é
organizado segundo seis capítulos e cuja estrutura é apresentada em duas fases: A
primeira, referente ao Enquadramento Teórico, apresenta os conceitos base,
indiscutivelmente importantes para a transmissão do pensamento que queremos
transmitir. A segunda, o Enquadramento Prático, engloba todo o material teórico
pesquisado e insere-o de uma forma prática, através de um caso específico.
O primeiro capítulo diz respeito à introdução da dissertação e no qual
caracterizamos todos os aspectos introdutórios do trabalho. São portanto abordados a
definição do tema, objectivos, estrutura, metodologia e motivações pertencentes.
O segundo capítulo, com o qual iniciamos o Enquadramento Teórico, denomina-
se Abordagem à Temática, interpreta o Design de Produto e os conceitos que estão
directamente relacionados com o presente tema de trabalho. Assim, e posteriormente à
apresentação clara dos conceitos base, sugerimos a leitura
Introduzimos ainda ao leitor a nossa conclusão do capítulo, onde dirigimos o
Design Rural como impulsionador de inovação, o que tal indicia uma alternativa ao
crescimento actual de algumas regiões enfraquecidas.
Ainda perante o Enquadramento Teórico, o terceiro capitulo denominado como
Estudos de Caso através do Design, indica os modelos de negócio, nacionais e
internacionais, que detenham algo em comum com a nossa problemática e no âmbito do
Design de Produto.
Do segundo momento desta dissertação, Enquadramento Prático, fazem parte
mais dois capítulos.
A Análise do Território em Estudo – Monsanto da Beira é o capítulo
primeiro e terá uma aplicação directa e prática no sentido de que irá interagir com as
diferentes componentes da povoação em questão, para que seja possível detectar as
oportunidades do lugar. Será analisada a sua importância histórica e contemporânea,
através de pesquisas sobre a aldeia bem como entrevistas aos seus habitantes e restantes
intervenientes. As conclusões e oportunidades que aqui nos pareceram satisfatórias, são
abordadas no capítulo Projecto Prático – Repensar os Objectos e a Comunicação
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Turística da Aldeia. Aqui, serão apresentados os objectos que fazem parte da colecção
originada por todo trabalho de investigação feito anteriormente. Também é apresentado
o panorama de custos, tempo, material e mão-de-obra utilizada, com o intuito de tornar
este projecto, um modelo de negócio viável.
Por último, o sexto capítulo, Conclusões, é tal como o nome indica, o capítulo
que sugere a finalização do documento através dos momentos mais relevantes ao longo
do trabalho de investigação e respectivas conclusões finais.
1.4. Metodologia utilizada
Para que a dissertação apresentada decorresse dentro do registo correcto,
científico e pertinente, vários foram os processos que possibilitaram a abordagem aos
temas aqui patentes. Sendo este trabalho de investigação teórico-prático, a sua
abordagem tomou naturalmente diversas metodologias, próprias para cada um dos
momentos.
Assim e, antes de mais, a orientação do Professor Doutor Paulo Parra e a co-
orientação do professor André Gouveia, tiveram um peso notório na base e no
desenvolvimento deste projecto, auxiliando-nos a contrapor ideias e a escolher o
caminho mais adequado.
Como referido anteriormente e, sendo este um trabalho de investigação científica
de cariz teórico-prático, a metodologia utilizada reflectiu dois momentos distintos. O
primeiro, teórico, baseou-se na análise e compreensão de bibliografia específica de
campos e autores incontornáveis como Gui Bonsiepe, Tomás Maldonado e Victor
Papanek, Paul du Gay, John Thackara e Tim Brown.
O segundo, prático, presenciou as características usuais na concepção do
projecto, desde a pesquisa focada no campo de estudo, entrevistas e debates, à
idealização prática dos produtos.
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6
1.5. Motivações
Qualquer trabalho de investigação traça com os seus autores uma relação para
além do pressuposto pensamento racional. A ligação emocional, intrínseca, conduz-nos
através de caminhos que nos levarão a colocar os nossos esforços ao encontro das mais
promissoras respostas. Este trabalho não foi excepção. Desde cedo soubemos que a
dissertação, iniciada um ano antes, teria de se relacionar inevitavelmente com uma
problemática real, quotidiana. Se assim não fosse, não estaríamos, certamente, a abordar
a palavra Design. Assim, percorremos um longo caminho onde naturalmente, nos
momentos de maior desgaste, recorríamos à ligação emocional que detemos com este
trabalho.
Podemos por isso afirmar que nos motivou:
Representar um estudo das problemáticas que se fazem sentir no mundo rural
português.
Abrir portas para o diálogo sobre a desertificação rural.
Introduzir as vantagens do Design na promoção dos territórios.
Procurar elementos para incluir o Design de Produto na ruralidade portuguesa.
Interagir com a população de Monsanto e poder transmitir em formato físico as
suas vontades.
Fazer com que este documento possa ser utilizado como consulta útil para
investigadores ou curiosos.
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7
Primeira Parte - Enquadramento Teórico
Quando iniciamos qualquer trabalho, de caracter teórico ou pratico, faz parte do
percurso pesquisar, analisar e confrontar os ideais que sedimentam a estrutura do
mesmo. Para o efeito serve esta Primeira Parte designada de Enquadramento Teórico,
cujo objectivo traçado é o de narrar com o maior rigor todo o percurso de investigação
efectuado por nós.
Assim iremos destacar, através de dois capítulos, os conceitos mais importantes
na elaboração desta dissertação, com vista a preparar a melhor abordagem para o
projecto prático. Primeiro, a abordagem levará a cabo os conceitos contíguos do Design
de Produto e do seu universo e no qual posteriormente, direccionamos os aspectos base
para a temática da promoção de territórios. Em segundo, e por último, focalizamos os
conceitos discutidos, em Estudos de Caso, com intuito de exemplificar e aprender com
os mesmos.
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8
2. ABORDAGEM À TEMÁTICA
2.1. O Design de Produto e Conceitos Adjacentes
All men are designers. All that we do, almost all the time, is design, for design is
basic to all human activity.
Vitor Papanek in Design for Real World
2.1.1.Definição de Design de Produto
Como capítulo inaugural do que pressupõe ser uma abordagem à temática das
necessidades do mundo de hoje, reconhecemos a importância de esclarecer o conceito
de Design de Produto como sendo parte integrante do presente trabalho de investigação.
Porque surge o Design? Com que intuito? Qual a sua importância? Algumas das
questões levantadas ainda não estão clarificadas de forma unânime, o que muitas vezes
demonstra ser problemático quanto à sua pertinência e comunicação. Assim, nos
parágrafos que se seguem propomos a leitura do significado da palavra Design, bem
como a sua origem e aplicações nos dias correntes.
Na ausência de uma palavra portuguesa que defina os contornos da prática e
significado, elegeu-se a palavra Design como uma “disciplina que visa a criação
de objectos, ambientes, obras gráficas, etc., ao mesmo tempo funcionais, estéticos e
conformes aos imperativos de uma produção industrial.”1 Esta definição fica no entanto
aquém daquilo que é verdadeiramente o universo do Design e que nos pode ser
apresentado sob diversas formas, como por exemplo no âmbito gráfico e de
comunicação, no sector de produção industrial, de serviços, ambientes, etc. No trabalho
que apresentamos é particularmente importante o entendimento de Design de Produto e,
como tal, iremos focar-nos na sua origem, potencialidades, métodos e congruências.
No espaço online do ICSID, Internacional Council of Societies of Industrial
Design, a definição de palavra é lida como uma “actividade criativa, cujo objectivo é o
de estabelecer as qualidades multifacetadas dos objectos, processos, serviços e o seu
sistema durante o ciclo de vida do objecto. O Design é, portanto, o factor central da
1 PRIBERAM – Design [Consultado em 29 de Agosto de 2013]. Disponível em
http://www.priberam.pt/dlpo/default.aspx?pal=design.
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9
inovação para a humanização das tecnologias e o factor crucial para as permutas
culturais e económicas.”2 A mesma instituição refere ainda as tarefas que devem ser
tomadas em conta, como exemplo, a protecção ambiental e suporte da diversidade
cultural e social.
Kostas Terzidis, arquitecto, engenheiro e actual professor na Universidade de
Harvard, tem desenvolvido ao longo do seu percurso profissional, diversos estudos na
área sobre os métodos do Design. A sua visão e explicação sobre o tema parece-nos
muito coerente e portanto introduzimo-la com a intenção de clarificar e simplificar a
palavra e o seu significado. Segundo Terzidis3, a palavra Design deriva do latim e
permite-nos por isso, analisá-la na forma original da mesma. Do prefixo de, surge a
referência a derivação e dedução. Já do termo sign, derivam as palavras marcar e
assinar. Desta forma obtemos Design como sendo o acto conceptual de imaginar,
interpretar e conceptualizar. Na prática, Design significa mais que o acima descrito, isto
porque a pesquisa, planeamento, teste e realização, bem como a atenção aos aspectos
sociais, económicos e ambientais da envolvente em causa, constam também eles do que
hoje podemos encontrar nesta disciplina.
Por isso, apesar da palavra Design manifestar uma intenção exclusivamente
conceptual, e de Terzidis explicar as diferenças entre a mesma terminologia e o acto de
planear e projectar, podemos hoje afirmar que o papel do Designer não se cinge
somente à idealização de algo, mas também à sua realização. Neste caso, podemos
comprovar que o Design é uma exteriorização das nossas necessidades enquanto
indivíduos e que, se desde sempre nos preocupámos em melhorar as nossas
insatisfações através da idealização e realização de acções, então desde o momento da
nossa existência que o Design faz parte do nosso pensamento.
Sustemos como exemplo as pinturas rupestres encontradas um pouco por todo o
globo terrestre, bem como os bifaces da mesma época. Ambos, enquanto objectos,
simbolizam as preocupações e necessidades dos indivíduos em encontrar alimentação
adequada e farta. A representação de animais de grande porte rodeados por homens
armados de instrumentos produzidos para a captura dos mesmos, não significam mais
2 [Tradução livre] Design is a creative activity whose aim is to establish the multi-faceted qualities of
objects, processes, services and their systems in whole life cycles. Therefore, design is the central factor
of innovative humanisation of technologies and the crucial factor of cultural and economic exchange. 3 MIT PRESS JOURNALS – The Etimology of Design: Pre-Socratic Prespective [Consultado em 29
de Agosto de 2013]. Disponível em http://www.mitpressjournals.org/doi/abs/10.1162/desi.2007.23.4.69.
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10
que a vontade que desta realização resultasse uma caça vitoriosa e substancial no que
diz respeito às carnes e peles dali provenientes.
Claro está que, para caçadas bem-sucedidas, os instrumentos teriam de ser
apropriados e as estratégias, bem delineadas. Como exemplo mais arcaico do que
poderemos considerar ser Design, apresentamos o biface, instrumento utilizado para
rasgar as carnes e peles dos animais. A idealização e realização deste instrumento, parte
da necessidade primária de alimentação, o que valida a premissa anteriormente
elucidada. Conscientemente, os produtores de bifaces, percepcionaram o fenómeno da
técnica de desbastação de material e compreenderam a importância do posicionamento
ergonómico da mão no envolvimento da pedra. Dizer que os nossos antepassados eram
designers, arquitectos, engenheiros ou médicos, parece-nos despropositado, isto porque
no momento da sua existência, tais nomenclaturas não existiam. No entanto, é-nos claro
que os princípios base de cada área estavam já presentes em cada individuo, na forma
como faziam curativos para sarar feridas ou na forma como produziam as suas
habitações e artefactos. Tal permite-nos validar a presença do Design enquanto
disciplina solucionadora de necessidades à sobrevivência do Homem.
Paulo Parra [1961-], designer, professor universitário e orientador do presente
trabalho de investigação, desenvolve no documento Design Simbiótico – Cultura
projectual, sistemas biológicos e sistemas tecnológicos, um estudo aprofundado sobre
objectos e sistemas simbióticos. Na página 317 do mesmo trabalho, podemos encontrar
Figura 1 - Representação de bifaces (à esquerda) e pinturas rupestres (à direita).
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11
um parágrafo pertinente quanto à essência do design: “Organismos vivos, os seres
humanos, para o garante da sua sobrevivência enquanto espécie e suprimento de
necessidades várias, recorreram, desde sempre, ao estabelecimento de associações com
outras espécies.” O autor explica ainda que “De início, essa associação foi
estabelecida com outras espécies biológicas, como o cão, o cavalo ou o camelo, ou com
espécies técnicos simples, como a pedra lascada, a lança ou o arco e flecha.”. Estes
ideiais suportam a tese que sustentámos nos parágrafos anteriores e que refere o design
como presente nas mais arcaicas acções do Ser Humano. O autor acrescenta ainda que
“Mais tarde, o ser humano passa a associar-se sobretudo, a espécies técnicas, o barco,
por exemplo, constituindo, desse modo organismos mais complexos (cosimbióticos)
capazes de realizarem funções e tarefas até então impossíveis”4.
Esta conclusão não é, contudo, comum nem unanime a todos nós. Alguns
autores, professores e investigadores defendem o Design como uma disciplina recente,
nascida da Revolução Industrial e não nos primórdios da vida Humana. Por estas
discrepâncias e por existirem desordens de entendimento do que significa Design
Industrial e Design de Produto, torna-se importante separar estes dois conceitos à
primeira vista, muito idênticos.
Introduzimos por isso, dois autores, que em concordância e nos seus respectivos
livros, abordam o tema do Design Industrial. Os dois representam uma forte ligação
com os designers de todo o mundo, pois ambos os seus percursos estão directamente
ligados com os primeiros passos do ensino do Design Industrial. Assim, o designer,
professor e teórico Tomás Maldonado [1922-] e Gui Bonsiepe [1934-] também ele
designer e professor, estão inevitavelmente ligados à percepção do termo. O primeiro,
de nacionalidade argentina, foi professor e posteriormente reitor da Escola de Ulm
[1952-1968] durante cerca de seis anos. A Escola de Ulm apresenta, a par da Escola
Bauhaus [1919-1939], teorias sobre o Design Gráfico e Industrial, o que as torna
portanto, importantes marcos para o desenvolvimento da profissionalização e teorização
da disciplina. Bonsiepe, de nacionalidade alemã, estudou na escola de Ulm e tal como
Maldonado leccionou também na mesma escola. Apesar de nenhum dos dois mencionar
4 PARRA, Paulo - Design Simbiótico – Cultura projectual, sistemas biológicos e sistemas
tecnológicos. Portugal: Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, 2007. Tese de
Doutoramento. Pag. 317.
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o conceito de Design de Produto distinto de Design Industrial, é possível retirar notas
conclusivas que distinguem os dois. O Design Industrial e o Design de Produto, inserem
particularidades distintas que importam explicitar. O Design Industrial remete-nos,
quase por impulso, para o momento histórico e impulsionador da Revolução Industrial
iniciada no século XVIII, no Reino Unido. O momento de que falamos contribuiu
largamente para o desenvolvimento de grandes complexos citadinos. A necessidade de
mão-de-obra que correspondesse à produção desenfreada de todo o tipo de produtos em
escalas nunca antes imaginadas e com o auxílio de maquinaria permitiram tal evolução.
Assim, Tomás Maldonado e Gui Bonsiepe referem como conceitos primordiais
na caracterização do Design Industrial o fabrico de peças através de processos
industriais, utilização de maquinaria e a produção em série.
Design de Produto não pressupõe por sua vez, os aspectos acima referidos.
Produto significa o “efeito de produzir ou aquilo que já foi produzido”5, não fazendo
referência a maquinaria. A produção em serie, por sua vez, pode ou não, ser aplicada, e
tomamos como exemplo os potes cerâmicos da antiguidade grega. A necessidade de
armazenamento de alimentos e outros objectos, tornaram a produção de potes muito
procurada e por isso produzida em serie através de linhas de montagem apuradas, não só
para dar vazão à sua procura mas também para facilitar a própria produção.
Em modo de conclusão, refere-se a Design Industrial todo e qualquer objecto
que utilize na sua formação, a utilização de maquinaria, processos industriais e que
detenha ou não, uma produção em serie. A Design Produto diz respeito todo e qualquer
objecto que reflicta uma necessidade e cuja modelação possa derivar de processos
manuais ou industriais, seriados ou não. Ambos têm em comum a reflexão da
preocupação com o seu utilizador e meio envolvente.
Como verificámos anteriormente, o design deve interagir com todos os factores
afluentes ao ser humano e por isso, necessariamente ao que o rodeia, seja no sentido
económico, social, cultural ou ambiental. Estes factores são por isso primordiais no acto
de projectar qualquer produto ou serviço. Hoje, o Design de Produto é por isso
imprescindível para o entendimento coerente das repercussões que a introdução de
determinado produto terá a curto e longo prazo no mercado, no ambiente e na
5 COSTA, J. Almeida e MELO, A. Sampaio - Dicionário da Língua Portuguesa, Portugal: Porto
Editora, 1994, pag.1459.
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13
sociedade. As empresas procuram designers que através das metodologias próprias da
disciplina, desenvolvam em parceria com os demais trabalhadores e utilizadores,
produtos responsáveis em todas as vertentes. Assim, o Design é muito mais que
desenhar e produzir objectos ou serviços. A sua importância reflecte-se na ponte que
este faz com utilizadores, clientes e trabalhadores, bem como na procura incessante de
soluções para as suas reais necessidades.
2.1.2. Definição de Artefacto e Artesanato
Inerente ao Design de Produto encontram-se as definições de Artefacto e
Artesanato, sendo por isso, do nosso maior interesse esclarecê-las, debatê-las e
confrontá-las no subcapítulo que agora se inicia.
Como introduzimos anteriormente, as vertentes do Design inclinam-se e expõe-
se das mais diversas formas. Seja no âmbito gráfico, de interiores ou serviços, os
designers têm como objectivos, optimizar tarefas, comunicar, satisfazer utilizadores e
gerar receitas, nunca esquecendo os ideais de equilíbrio social, económico e ambiental.
Todos eles geram produtos, sejam tangíveis ou intangíveis. O nosso objectivo neste
subcapítulo é procurar encontrar exemplos que retractem diferentes produtos e cujas
representações façam parte destes dois conceitos.
Porque é, então, importante saber o significado de Artefacto e Artesanato?
Porque são importantes para o Design de Produto e para este trabalho de investigação?
Antes de mais porque, como observámos, ambos reflectem uma Cultura que se
desenvolve entre premissas como a produção, a identidade e o contexto em que se
insere determinado produto. Hoje, mais que nunca, é necessário ser-se um conhecedor
do que nos rodeia.
Antes de prosseguirmos, cabe a este parágrafo, fazer a introdução a Tim Brown,
verdadeiro impulsionador da metodologia Design Thinking. Actual presidente e CEO da
IDEO, empresa norte-americana conhecida pelos serviços na área da consultoria e
inovação, Tim Brown é uma personagem incontornável do universo do design. O seu
desempenho enquanto designer, consultor e teorizador sobre a inovação e os processos
que a ela levam, tornaram-no numa das figuras mais respeitadas por empresas de todo o
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14
mundo. A introdução feita sobre Tim Brown, tem como intuito iniciar o debate do papel
do designer, que tem sofrido alterações nas últimas décadas, tal como refere no texto
The future of Industrial Design6. Se nos anos 70 e 80 do século XX, a preocupação do
designer era “tornar perfeitos um copo, uma cadeira ou carro (…) fazendo-o melhor,
mais eficiente e mais bonito”, hoje com o Mundo a tornar-se cada vez mais rápido e
complexo, a missão dos designers alterou-se ligeiramente. A alteração que é mais
destacada reside na centralização do utilizador durante a concepção de qualquer
produto, permitindo detectar as verdadeiras necessidades do mesmo. Denominado de
Human-Centered Design, este conceito, inerente ao Design, facilita o encontro de novas
oportunidades através da interacção com os utilizadores. A mudança de paradigma das
últimas décadas, que necessariamente mudou a forma de desenvolver produtos, sistemas
e serviços, deve-se particularmente à ponte que o designer deve estabelecer entre o
“mundo da tecnologia e o mundo das pessoas”, diz Tim Brown. Tal acontece porque a
centralização no consumidor permite um leque maior de oportunidade para a inovação.
Assim, será que o conceito de artefacto e artesanato também está a modificar-se?
Artefacto, da junção Arte e factu, “feito com arte” é, segundo o dicionário, um
objecto produzido pelas artes mecânicas. As artes mecânicas mencionadas dizem
respeito às forças (gravidade, eixos axiais, etc.) e às suas interacções. Por isso,
entendemos os produtos originados através, tanto da força do homem como da força das
máquinas, como exemplares de artefactos. Além do aspecto da produção, a conotação
dada a artefacto é, comumente muito ligada a produtos que representem interesse
sociológico e arqueológico. Entende-se por isso e, utilizando os exemplos anteriores, o
biface pode ser considerado um artefacto, pois através dos vestígios de pensamento nele
empregues, é possível esclarecer o modo como o Homem habitava o seu espaço,
procurava alimentos e desenvolvia as suas manufacturas. No dicionário inglês online
Oxford Dictionaries, verifica-se esta mesma premissa7.
Exposta a primeira abordagem à palavra, coloca-se a seguinte questão: se para
considerarmos artefacto, um produto requer um peso Cultural e uma forma de produção
mecânica, podemos considerar produtos contemporâneos, sem ordem arqueológica?
6 ARTWORKS – The future of industrial design [Consultado em 27 de Agosto de 2013]. Disponível
em http://arts.gov/art-works?p=17624. 7 OXFORD DICTIONARIES – Artifact [Consultado em 3 de Setembro de 2013]. Disponível em
http://oxforddictionaries.com/us/definition/american_english/artifact.
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15
Observemos por isso dois objectos distintos e aos quais podemos aplicar a palavra e o
significado de artefacto. O primeiro é nos dias de hoje, um dado adquirido como um
objecto de culto e de movimentação de massas. O IPhone tem sido objecto de estudo
desde a sua introdução no mercado, tanto pela sua importância na comunicação entre a
população, como também na ponte entre a tecnologia e os utilizadores. Hoje, este
objecto está para a humanidade como o telefone esteve nos seus primeiros anos de
existência. A cultura, a identidade e a produção de ambos, representam o processo
evolutivo do Ser Humano e, por isso, a sua aprendizagem e necessidades. Podemos
então considerá-los exemplares do conceito de Artefacto.
Como segundo exemplo, iremos utilizar o Código de Barras. Num primeiro
olhar e se nos questionássemos sobre o seu âmbito na denominação de Artefacto, ainda
antes de iniciar a presente dissertação, poderíamos, numa primeira instância, não
concordar da mesma. O código de barras, como o conhecemos hoje, foi criado em 1973
nos Estados Unidos da América, por Norman Joseph Woodland [1921-2012], co-
inventor do sistema8. Em 1976, aquando a sua introdução na Europa, tornou-se claro de
que o modo como são feitas as transacções, nunca mais seria o mesmo. Num mundo
onde as trocas comerciais tomam um papel crucial no abastecimento e nas necessidades
das populações, tornou-se imperativo unificar o sistema de compra e venda nos vários
pontos do globo. O código de barras é então, um exemplo virtual de artefacto.
Pode então concluir-se que por artefacto entende-se um objecto/produto cuja
Cultura permite analisar o contexto em que determinada sociedade vive ou viveu.
Exposto o primeiro significado, iremos nos próximos parágrafos introduzir o
termo Artesanato.
Artesanato, por sua instância, significa “manufactura de objectos com matéria-
prima existente na região, produzidos por um ou mais artífices com o auxílio dos seus
familiares, numa pequena oficina ou na própria habitação, com o fim de os trocar ou
vender”9. É também definido como “pequena indústria especializada; conjunto das artes
8 HIDDEN-HEROES – Bar Code [Consultado em 27 de Agosto de 2013]. Disponível em www.hidden-
heroes.net. 9 COSTA, J. Almeida e MELO, A. Sampaio - Dicionário da Língua Portuguesa, Portugal: Porto
Editora, 1994, pag.187.
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industriais”10
. No entanto, a visão e a conotação dada à palavra, induze-nos a classificá-
la como objectos toscamente produzidos à mão e que representam muitas vezes, formas
de estar antigas e não mais usadas. Esta afirmação não poderia estar mais incorrecta.
Artesanato não significa somente feito à mão, pouca valorização e nem sempre
representam localidades pouco desenvolvidas. O problema reside na não renovação das
indústrias e produtos.
Em modo de conclusão, podemos afirmar que a palavra Artesanato é uma
ramificação da palavra Artefacto e que, para a dissertação aqui apresentada existe o
maior interesse de lidar com os dois conceitos. As aldeias portuguesas, as quais fazem
parte do nosso objecto de estudo, estão focalizadas, na sua maioria, no artesanato para
as vias turísticas. Tal significa que, a concorrência com o mercado global pode ser
eficaz, isto porque os valores de cada região bem como os seus recursos são únicos.
Contudo existe uma massificação de produtos ditos artesanais e que não acrescentam
valor utilitário a quem os produz e quem os compra. Isto porque, grande parte dos
produtores não tem uma ponte viável para com os utilizadores e canais de distribuição.
Como acreditamos no curso evolutivo de tudo o que nos rodeia, queremos
contribuir para que as ideologias que cercam este conceito sejam alargadas e por isso
iremos desenvolvê-las ao longo deste trabalho de investigação.
2.1.3. Os componentes do circuito da Cultura do Design
Quando debatemos assuntos relativos às estratégias do Design, não podemos, em
caso algum, omitir a ténue linha que balança entre um produto bem ou mal aceite pelos
utilizadores. Partindo da premissa que o designer tem o papel fulcral de estabelecer o
equilíbrio entre os diferentes intervenientes de um sistema, torna-se por isso muito
importante que os parâmetros de todo o circuito, sejam entendidos como um só.
Este assunto aplica-se a qualquer projecto, seja ele no âmbito gráfico, de
produto, de interiores ou mesmo até, de serviços. O caso do presente trabalho de
10
COSTA, J. Almeida e MELO, A. Sampaio - Dicionário da Língua Portuguesa, Portugal: Porto
Editora, 1994, pag.187.
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investigação não é por isso, uma excepção. Tendo em conta que nos direccionamos, no
Enquadramento Prático do mesmo trabalho, para o desenvolvimento de um projecto
numa aldeia portuguesa, tencionamos abordá-lo coerentemente e segundo os princípios
que nos próximos parágrafos iremos introduzir.
Invariavelmente, a concepção de um produto apresenta uma Cultura própria.
Entenda-se por isso, que as características que o perfazem aplicam cargas de identidade
que nos motivam à procura/compra dos mesmos. Mas não somente. Interessa portanto,
num primeiro momento, definir o que é compreendido como Cultura do Design. Paul du
Gay, professor e teórico de Estudos Culturais, transmite através dos seus livros, a
percepção dos aspectos burocráticos e sociais que as marcas, objectos e publicidade
detêm sobre a sociedade. No seu livro Doing Cultural Studies: The Story of the Sony
Walkman, Paul du Gay apresenta-nos um mapa da representação do Circuito da Cultura,
utilizado para descrever o Walkman, da Sony. Tomámos a liberdade de representá-lo
nesta dissertação e explicar os diferentes estádios que pressupõe a Cultura do Design e o
entendimento do que nos rodeia. No seu parecer, existem cinco aspectos fundamentais
para o entendimento de qualquer objecto: Representação, Identidade, Produção,
Consumo e Regulação. Todos os elementos interagem entre si, sem que nenhum se
sobreponha, como elucida a Figura 3.
REPRESENTAÇÃO
IDENTIDADE
PRODUÇÃO CONSUMO
REGULAÇÃO
CULTURA DO DESIGN
Figura 2 - Representação do esquema desenhado por Paul du Gay para esclarecer a Cultura do
Design e as suas componentes: Representação, Identidade, Produção, Consumo e Regulação.
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Comecemos por analisar o parâmetro da Representação que como o próprio
nome indica, diz respeito às imagens representativas dos produtos. As imagens que aqui
referenciamos podem apresentar-se de diferentes formas, desde imagem 3D,
impressões, desenhos ou publicidade.
O termo Identidade, que por si só já representa e encerra qualidades com
características que o tornam particular em conformidade com outros. Quando nos
referimos a este critério não estamos somente a fazer alusão às suas características
formais mas sim à comunicação que determinado objecto transmite. Estas ideias são
mantidas pelo factor grupo e resultam de uma combinação de factores relativos à
comunicação que foi feita para divulgar o produto através da imprensa, redes sociais e
tendências. Pretende-se com isto dizer que, ao adquirir um produto não só está a
comprar a peça mas toda a identidade associada à marca.
O factor Produção, por outro lado, diz respeito às questões técnicas que estão
subjugadas a determinado produto. Os meios produtivos e a tecnologia são geralmente
os aspectos com os quais os designers de produto têm mais preocupações. Por essa
mesma razão e a par do que foi descrito anteriormente, o papel do designer deve ir para
além do design.
O Consumo é muito importante para caracterizar o sucesso ou insucesso de um
produto ou serviço. Não significa no entanto que um objecto vendido em pequena
escala seja considerado um fracasso. Por outras palavras é possível definir o Consumo
pela análise dos factores da cultura visual e valor que o objecto traduz na sociedade.
Por fim, para uma análise correcta e invariável de um objecto, será sempre
necessário analisar a Regulação do mesmo, que opiniões estimulam a sua venda ou por
exemplo em que mercados o produto que vai ser desenvolvido se irá inserir, pois estes
são aspectos fundamentais dos quais ninguém se pode descurar. Os motores de
Regulação podem ser todos aqueles que, de alguma forma, regulam ou controlem, a
visibilidade de um mesmo produto. Entrevistas e artigos escritos, podem ser bons
exemplos deste parâmetro, isto porque é executado de forma independente da marca
mas que, apesar de exterior, influência a sua visibilidade.
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Para elucidarmos melhor o circuito da Cultura, apresentaremos a par dos cinco
constituintes do mesmo, duas marcas, Moleskine e BIC, que reflectem o entendimento
da Figura 4.
BIC Moleskine
Representação
Identidade
Utilizadores comuns sem
definição de
sexo/idade/profissão
Pintores como Van Gogh e
Picasso; artistas; cultura; viagens.
Produção
Plástico e Metal
Papel e Capa similar a pele
Consumo
Massa / segmento baixo
Massa / segmento médio
Regulação Divulgação da BIC Icons
London Design Festival; Blue
Design; Visão.
Figura 3- Representação do esquema da Cultura do Design e suas componentes através do exemplo de
duas marcas: BIC e Moleskine.
As duas marcas apresentadas, pretendem demonstrar a disparidade entre um
produto e outro através dos cinco parâmetros do Circuito da Cultura. A BIC, empresa
francesa nascida em 1945, é uma marca conhecida em todo o mundo, através do seu
desenvolvimento de produtos como isqueiros, aparelhos de barbear e esferográficas. É
CULTURA DO DESIGN (BIC E MOLESKINE)
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precisamente com o cenário do final da II Guerra Mundial [1939-1945] e o
desenvolvimento da esferográfica na Europa e Estados Unidos da América, que a marca
obteve o seu primeiro grande sucesso: a esferográfica de preço acessível e produzida em
plástico transparente. Desde então que o reconhecimento desta marca é em grande parte
originada pela produção da BIC Cristal, nome dado à primeira caneta. Podemos então
analisar a caneta BIC segundo o Circuito da Cultura apresentado na Figura 2. Na
primeira coluna podemos observar a Representação da caneta, que se traduz num cartaz
publicitário com o slogan “Simples Assim”. As características da caneta expressam-se
não só através da fotografia da caneta, como também através da frase que a representa.
Em termos de Identidade, este parâmetro está directamente ligado com a história da
marca. O facto de ser uma caneta de baixo custo liga-a inevitavelmente à conotação das
grandes massas populacionais tal como nos indica o estilo de Produção, de baixo custo
e em série, e o Consumo. Por último, a Regulação, é feita através de revistas,
publicidade e blogs, como é o caso do artigo Everyday Icon #3 The Bic Biro11
disponível no blog Phaidon.
A marca de cadernos de notas Moleskine, de origem francesa, é conhecida pela
qualidade dos seus produtos e pelas personalidades que imortalizaram o uso dos
cadernos. De Van Gogh a Picasso, os blocos de notas produzidos com capa de pele, são
ainda hoje um objecto de culto para artistas, pensadores e todos aqueles que apreciam a
qualidade e a história da marca. Hoje em dia, o leque de produtos apresentados varia
tanto na coloração das capas, como para o efeito que são destinadas, com orientação de
target para todas as faixas etárias. Para demonstrar o efeito da Representação da marca
Molesinke, escolhemos uma publicidade em parceria com a marca Lego, destinada a
camadas mais jovens. As capas detêm ilustrações nas capas e fazem alusão,
precisamente ao brinquedo de construção, Lego. A identidade da marca está ligada, ao
contrário da BIC, à utilização de figuras intelectuais e artistas, com estatuto presente na
sociedade. O seu consumo, apesar de massificada, não abrange todos os extractos
sociais. Os preços médios de 10 € por caderno de notas, fixam o target no consumidor
culto, informado e de classe social média alta. A sua produção também denota as
mensagens subliminares que temos vindo a enumerar. A capa similar à pele em muito se
cruza com o exclusivo que a marca proporciona. Por fim, também a Regulação da marca
11
PHAIDON – Everyday Icon #3 The BIC Biro [Consultado em 29 de Novembro de 2013]. Disponível
em http://uk.phaidon.com/agenda/design/articles/2011/october/19/everyday-icon-3-the-bic-biro/.
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suscita diferentes parâmetros que a BIC com participações no London Design Festival e
em revistas como a Blue Design e Visão.
Estes são os princípios básicos para a análise completa de um produto, contudo
não serve somente para isso. Como foi referido anteriormente, hoje exige-se do designer
muito mais que o desenho formal de uma peça e isso obriga a que se conheça todo o
contexto socioeconómico em que se vai inserir, ou por outras palavras, que se insira em
todos os campos que foram descritos anteriormente.
O produto torna-se numa exígua porção daquilo que nos leva a comprar e por
isso torna-se obrigatório que qualquer designer esteja consciente de que os parâmetros
acima enumerados fazem parte do seu papel enquanto profissional. O circuito
apresentado é um auxiliar de extrema importância, não só porque torna a mais simples a
compreensão e análise do circuito de um produto, como também detemos a capacidade
de justificar os parâmetros e a apresentação de determinado produto no mercado.
2.2. As valências do Design de Produto na promoção de territórios
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança:
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
Luís Vaz de Camões in Sonetos
2.2.1. Discrepâncias de oportunidades entre aldeias e cidades
Todos os países são constituídos por localidades com mais ou menos população,
serviços, produtos ou infra-estruturas. Na Europa, ao longo de milhares de anos, o Ser
Humano deixou de ser nómada para fixar-se em espaços que para ele, conforme as suas
necessidades, considerava cómodos. É comum, apesar de variar consoante o povo,
encontrarmos vestígios passados em torno de rios e mares que proporcionariam
subsistência garantida. Naturalmente, a procura de meios para a sobrevivência
prevaleciam na escolha dos locais. Se a vida se desenvolvesse de forma equilibrada e
sustentada, não haveria motivos para abandonar as terras.
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Os factores que nos fazem hoje decidir sobre onde viver são os mesmos que nos
fizeram mover de território em território na procura de espaços adequados às nossas
necessidades. Estão apenas camuflados. As motivações que obrigam a população a
deslocar-se e fixar-se noutros espaços são variadas. Melhores condições de vida, estão
inevitavelmente ligadas as oportunidades de emprego, actual fonte de subsistência. A
este conjunto acrescem a presença de amigos, familiares e de todo o círculo social de
cada um.
É por isso do nosso interesse, pois só assim poderemos comparar cidades e
aldeias de forma equivalente e equilibrada, introduzir o conceito de sustentabilidade,
muitas vezes empregue de forma pouco clara e inconsciente. O conceito sempre existiu,
contudo, nas últimas décadas, ganhou proporções que nos fazem questionar o seu
verdadeiro significado. O tema sustentabilidade é abordado, infelizmente, com pouco
apuro e correcção. Desgastada, a palavra, tornou-se utilizada para ser “politicamente
correcta”12
e um chavão que faz duvidar quem a ouve ou lê num qualquer artigo. A
comunicação deste conceito tem sido induzida de forma tão pouco clara, que em
conclusão, pouco ou nada sabemos sobre o seu significado. Sustentabilidade não detém
só a palavra ecologia como um dos seus princípios fundamentais. Tal como o carácter
social, a parte económica também perfazem a definição. Um produto ou serviço que
detenha propriedades ecológicas, mas que não motiva as relações sociais ou
económicas, não pode ser designado como sustentável.
Sendo um tema tão importante e complexo para o desenvolvimento de qualquer
substância, muitos são os autores que esclarecem, abordam e estudam as complexidades
da sustentabilidade, tais como Vitor Papanek, John Tackara e Alberto Magnaghi, os
quais iremos introduzir ao longo dos próximos subcapítulos.
No ensino primário, os estudantes que iniciam o seu percurso escolar, aprendem
a distinguir cidades de vilas, vilas de aldeias e aldeias de cidades. A diferença entre as
mesmas distingue-se pela oferta de serviços e infra-estruturas: bombeiros, policia,
escola, hospital, supermercados, etc. Aprendemos, quase inconscientemente, que as
cidades são melhores abrigos, mais seguras, mais educativas e capacitadas de nos criar
melhores condições que uma aldeia, remota e sozinha. As pessoas são ostracizadas por
12
JENKS, Mike e DEMPSEY, Nicola - Future Forms and Design For Sustainable Cities. Holanda:
Architectural Press, 2005, pag. 263.
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não fazerem parte do modelo económico global. Não aprendemos a elucidar e a tirar
partido dos melhores factores das diferentes formas de estar. Assim, quando crescemos
e encontramos cidades com escolas sobrelotadas, hospitais igualmente cheios, pouco
policiamento e supermercados ineficientes, sentimo-nos perdidos e insatisfeitos. Afinal,
a sustentabilidade não é tão linear como explicam ser e envolve mais factores do que o
conservador “triângulo da sustentabilidade”, constituído pelos parâmetros social,
ambiente e economia. Os três representam a união que todos devem compor de modo a
encontrar fórmulas sustentáveis e assim a equilibrar-se. Inês Secca Ruivo [1972-],
designer e professora na Universidade de Évora, explica-nos no Catálogo Artes da Casa:
Ambientes Singulares, no que pode consistir precisamente este equilíbrio, e quais os
aspectos que podemos ter em conta. Na página 174 do mesmo livro observamos que
“Desejavelmente, e de acordo com a definição de desenvolvimento sustentável, o
objectivo dessa estratégia deve ser, em termos de acção educativa ou de viabilização de
resultados concretos, a contribuição para a criação de sistemas de concepção e
produção gradualmente auto-suficientes, que garantam localmente/ regionalmente/
globalmente o suprimento de necessidades identificadas; a prosperidade económica dos
povos; a atenuação de desequilíbrios sociais; e a gestão/preservação dos recursos
naturais e da biodiversidade.”13
.
A incapacidade de algumas cidades suportarem a densidade populacional
existente é visível pela própria organização urbana. São construídas ou “acrescentadas”
infra-estruturas com urgência em dar resposta ao número crescendo de população, o que
torna difícil gerir e conseguir atender às necessidades dos usuários desses mesmos
lugares, originando desorganização e pouco poder de resposta. A desorganização que
aqui é descrita advém muitas vezes, da má gestão económica e do mau planeamento dos
recursos que cada cidade pode produzir. Para responder às necessidades económicas de
um lugar que se tornou insustentável, o plano dos gestores e presidentes da câmara das
cidades, atravessa muitas vezes, a via do turismo, para que de alguma forma possam ser
contrabalançados os gastos que a população tem no seu dia-a-dia (importações,
transportes, etc.). O turismo mudou, portanto, de forma significativa e toma agora conta
das cidades, tornando-as grandes massas humanas e de infra-estruturas com poucas
relações entre si, o que prejudica gravemente a autenticidade de determinados locais.
13
Instituto do Emprego e Formação Profissional – Artes da Casa: ambientes singulares; Feira
Internacional de Lisboa. Portugal, 2011.
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Guy Debord [1931-1994], escritor e pensador francês, eternizou na sua obra mais
notória, A Sociedade do Espetáculo, o conceito de turismo da sociedade, o qual é
ajustado à época corrente. Ao longo do livro, Debord, debate O Capital, obra de Karl
Marx, através de vários discursos sobre o mundo do pós-guerra, no qual refere o
consumo e o capitalismo como fazendo parte de um espectáculo.
Das suas frases mais emblemáticas, existe uma em particular que se relaciona
notoriamente com a nossa dissertação: “Turismo – movimento humano considerado
como consumista – é fundamentalmente nada mais que o prazer de ir ver algo que se
tornou banal”14
.
Apesar de concordarmos com parte desta afirmação, não podemos deixar de
salientar que o turismo é, no século XXI, uma oportunidade para as localidades mais
pequenas, cujas oportunidades de gestão são mais facilmente praticáveis. Sabemos que
o autor, no momento em que editou o livro, quis, para além de criticar a política levada
a cabo pelos governantes mundiais e pelo rumo que tomam as suas acções, atingir a
sociedade consumista que aos poucos foi surgindo. No entanto, somos apologistas da
aceitação da sociedade de que hoje fazemos parte e serve-nos a frase que referimos
como uma outra perspectiva do conceito de Turismo e portanto importante para esta
dissertação. Queremos por fim salientar que ao referirmos uma obra política de carácter
anarquista, queremos, com todo o respeito, desvincular-nos de quaisquer outras
afirmações ou ideologias patentes na obra em questão.
Analisemos agora a condição habitacional humana, e a tudo o que a ela diz
respeito. Todos os habitats são, uns mais e outros menos, insustentáveis. Isto é, a
sustentabilidade enquanto todo é uma utopia porque o Ser Humano, na sua condição
física e psicológica, é um Ser insatisfazível e procura por todos os meios atingir o
melhor para si e para os seus, numa busca incessante da sua sustentabilidade e
equilíbrio. Assim encontram-se dentro dos seus objectivos, o encontro de um posto de
trabalho de que lhe dê sustento, um espaço seguro para poder habitar, acesso a
alimentação, educação, cultura e lazer que possa usufruir. Como veremos adiante, estes
não são aspectos fáceis de concretizar, em grande parte devido à escassez de produção e
14
[Tradução livre] “Tourism- human circulation considered as consumption – is fundamentally nothing
more than the leisure of going to see what has become banal”, DEBORD, Gui - La Societe du Spectacle,
França: Zone Books, 1994, pág. 168.
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empreendedorismo, que no caso de Portugal, tem vindo a agravar-se com a crise
económica hoje instalada.
Pëtr Kropotkin [1842-1921], escritor e teórico russo, aborda o tema da mão-de-
obra num dos seus livros mais pertinentes Fields, Factories and Workshops: or industry
combined with agriculture and brain work with manual work. O livro faz uma
enumeração dos bens produzidos em alguns países europeus, sul-americanos e asiáticos,
e relata como a monopolização de grandes empresas transtornam a evolução dos países
ditos em desenvolvimento. Tal como previra Kropotkin, a descentralização das
indústrias e a divisão laboral entre trabalhadores manuais e trabalhadores intelectuais,
acentuou ainda mais a procura de melhores e mais reconhecidos postos de trabalho.15
Adam Smith [1723-1790], filósofo e economista escocês, e à semelhança de Kropotkin,
também defendeu o conceito da “divisão laboral” com o objectivo de dividir todas as
nações em oficinas nacionais, onde cada uma desenvolve o seu bem e onde cada qual
tem a sua especialidade. Neste ideal revemos mais uma vez a virtude da
“glocalização”16
, e da potencialidade da procura de produtos específicos e inexistentes
noutros pontos do globo.
Podemos comprovar no entanto que a supremacia teorizada por Adam Smith não
foi conseguida de forma positiva para todos os países e um dos maiores receios do
autor, a monopolização de determinados produtores, tornou-se uma realidade prevista
por Kropotkin em 1912 e comprovada pela Europa nos pós-guerras. Como exemplo
contemporâneo desta profecia, podemos também observar a União Europeia como um
dos exemplos de tentativa de maximização dos recursos e de tentativa de hegemonia dos
países membros. Cada país desenvolveu ao longo dos anos enquanto estado-membro,
especialidades produtivas. No caso de Portugal e da sua entrada na União Europeia em
1986, verificou-se no entanto, o inverso daquilo que seria producente para o país. Os
incentivos ao abate de barcos e pomares fizeram diminuir substancialmente a
capacidade produtiva local o que originou o aumento da importação de alimentos, bens
e serviços. A diminuição de postos de trabalho, agravada pelas faltas de incentivo à
15
KROPOTKIN, Pëtr - Fields, Factories and Workshops: or industry combined with agriculture and
brain work with manual work, s.l., s.e.,1912. 16
União entre o termo Globalização e Localização, sendo que o primeiro é referente à perspectiva da
produção e visão mundial e o segundo refere-se ao individuo ou região. O termo significa, portanto, a
capacidade do individuo ou região gerar valor através das suas particularidades e ser integrado nas redes
globais.
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produção nacional, origina, ainda hoje, a procura de melhores condições de vida nos
centros urbanos e mesmo até, fora do país.
Este não é, no entanto, um trabalho de investigação que tenha o intuito de
discutir a viabilidade de doutrinas económicas ou de criar nós próprios uma nova linha
de pensamento que vise a restruturação e salvamento de uma Europa envelhecida,
dividida e endividada. Contudo, acreditamos nos nossos ideais e no nosso papel
enquanto designers para encontrar soluções eficazes para os problemas instalados.
Como podemos então reverter as situações visadas? E de que meios dispomos?
Para nos auxiliar a percepcionar a complexidade destas questões, tivemos em
conta o trabalho de John Thackara [1951-] e o seu livro In the bubble: Designing in a
complex world. Thackara é célebre por ter fundado a The Doors of Perception, da qual é
presidente, uma empresa de organização de eventos na Europa e India, e onde estimula
a criação de espaços sustentáveis, no amplo significado do conceito. Podemos referir
que na obra In the bubble, encontramos doze capítulos onde, um após um,
percepcionamos todas as vertentes e soluções que podem ser feitas para melhorar as
condições de vida no planeta terra. Desde exemplos fictícios a casos reais, Thackara
desenvolve uma escrita muito pertinente quanto à nossa vida quotidiana. Um dos
exemplos pode ser lido na página 44 no estudo de caso Spark, cuja intervenção, tomou
lugar numa região islandesa e onde houve restabelecimento da economia local através
da reabilitação e valorização dos bens tangíveis e intangíveis.
Mas debrucemo-nos sobre o nosso caso. Segundo John Thackara, uma
localidade para ser sustentável deve conter complexidade, estar fortemente ligada e ser
diversificada socialmente. No mundo rural existe, porém, pouca diversidade e uma
percentagem elevada de idosos o que origina escassa mão – de-obra.17
Como podemos
então combater um problema já instalado e irreversível? Como podem as pequenas
localidades ser competitivas quando se estabelecem este tipo de dificuldades? John
Thackara justifica: “através da criação de teias, cadeias e redes sociais, tecnológicas e
económicas com outras localidades.” Desta forma conseguem oferecer aquilo que as
grandes metrópoles não são capazes e de que falávamos no parágrafo anterior:
convivência e encontros sociais, que enriquecem o capital social, isto porque é nas
17
THACKARA, John - In the bubble: Designing in a complex world, Inglaterra: The MIT Press, 2005,
pág.77.
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localidades mais isoladas e pequenas, que as relações sociais são mais exploradas. E
quando as indústrias tradicionais desaparecem? Muitos são os casos de abandono das
terras. O êxodo rural é ainda hoje uma realidade, apesar de percentualmente ter
regredido nos últimos anos. Com a despovoação das aldeias, as indústrias denotam a
falta de mão-de-obra que origina insolvências, por mais tentativas que existam em
mantê-las activas.
Este é o actual paradigma português e a ausência de produção dos últimos anos é
apenas o topo de um iceberg. Cremos, porém, que o Mundo é constituído de ciclos e
que através de tentativas e erros, podemos aprender a distinguir o melhor que nos
rodeia.
2.2.2. Pensar globalmente; Produzir localmente
As palavras nominadas para construir o título dos próximos parágrafos fazem
parte de uma estratégia que não é uma novidade. Num mundo onde tudo parece estar ao
alcance de quase todos e onde a informação circula a velocidades nunca antes
verificadas, torna-se imperativo repensar e optimizar as fórmulas utilizadas por alguns
mercados e sectores industriais. Assim, o presente subcapítulo pretende abordar as
necessidades e vantagens que se verificam quando a máxima “pensar globalmente e
produzir localmente” é realizada.
A junção dos dois conceitos, pensar globalmente e agir localmente, reflecte-se
na palavra glocalização, uma corrente relativamente nova e introduzida no final dos
anos 80 do século XX.
Erik Swyngedouw [1956-] professor na Universidade de Manchester na Escola
de Ambiente e Desenvolvimento, faz em 1992, através do seu livro Towards Global
Localization, uma prelecção sobre o conceito glocal. Mais tarde, em 1996, Edward
Goldsmith [1928-2009] e Jerry Mander [1936-] relataram o mesmo parecer através do
livro The case against the global economy: and for a turn toward the local. O primeiro
autor, Goldensmith, é conhecido pela sua participação activa enquanto ambientalista,
tendo contribuído para a edição da revista britânica The Ecologist e também para a festa
política intitulada de Green Party of England and Wales, onde são discutidos
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problemáticas ambientas e humanas. Através do seu livro, em parceria com Jerry
Mander, temos consciência de que a oposição à sociedade industrial e a empatia com as
tradições populares eram, respectivamente, a sua maior luta e paixão. Por sua vez Jerry
Mander, economista e activista dos valores e direitos humanos e do ambiente, traduziu
as suas convicções através de campanhas contra adversidades e atentados para a
concretização da vida humana, animal e vegetal. O seu trabalho mais reconhecido data
de 1977 e denomina-se Four Arguments For The Elimination of Television, numa
tentativa de convencer as pessoas a não verem mais televisão, alegando que não era um
beneficio para o corpo e mente, bem como não era uma ferramenta democrática.
O conceito, g(global)-local, é descrito pelos três autores identificados. A
“glocalização” é descrita como uma doutrina de desenvolvimento local como
comunidade e bio regional, em oposição à globalização económica e ao poder das
empresas multinacionais.18
Por outras palavras, os locais devem desenvolver recursos
específicos de forma a conseguirem competir. Esta competição acontecerá se forem
incluídos os recursos específicos de cada região, que a tornaram fortes e com
capacidade de auto decisão.
Porque é tão importante este conceito nos dias de hoje? Como verificámos
anteriormente, o Mundo, tal como o conhecemos, é um híbrido de espaços sobre
desenvolvidos e subdesenvolvidos.
O designer tem por isso, a tarefa e a metodologia indicada para desenvolver em
parceria com os intervenientes, formas de equilibrar, optimizar e contrabalançar as suas
necessidades e problemas. Neste caso é então necessário que a própria povoação/região
seja eficiente e capaz de desenvolver as suas actividades, resultantes dos seus recursos
culturais, sociais, ambientais e históricos, nunca esquecendo os seus intervenientes.
2.2.3. O Karma da Inovação
Como explicado no primeiro subcapítulo, o design, enquanto disciplina e
profissão, tem um vasto número de possíveis intervenções em distintos campos do
18
MAGNAGHI, Alberto – The urban village: a charter for democracy and local self-sustainable
development. Inglaterra: Zed Books, pag.57.
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quotidiano. O nosso contacto diário com o design é extenso: desde a torradeira que
utilizamos para completar o nosso pequeno-almoço; o carro para nos deslocarmos até ao
trabalho; a revista que folheamos no intervalo de almoço; o serviço de visionamento de
filmes da nossa televisão. Tudo é design porque tudo é uma aproximação da melhoria e
da optimização de tarefas, com o intuito de atender o máximo de conforto. É-nos claro,
no entanto, que nem todos os produtos como as torradeiras, carros e revistas que passam
pelas nossas mãos, tiveram a intervenção de um designer durante o processo de
desenvolvimento. Talvez por isso, grande parte dos produtos falhe na tentativa de
introdução no mercado. Não por incapacidade de quem os faz, mas sim por pouca
observação dos problemas e necessidades dos consumidores.
Hoje, não se consente que ao trabalharmos na área do Design, não abordemos
um dos temas de maior debate e de maior pertinência na criação e lançamento de novos
produtos: a Inovação. Hoje, não se consente que ao trabalharmos na área do Design, não
abordemos um dos temas de maior debate e de maior pertinência na criação e
lançamento de novos produtos: a Inovação. Não é por acaso que utilizamos a palavra
karma para descrever esta questão, intrínseca na disciplina de design. Karma, palavra
utilizada, por exemplo, na religião budista, significa nada mais que a repercussão das
nossas acções. Se estas se reflectirem positivas e cuidadas, iremos certamente receber as
consequências da mesma forma. Por outro lado, o contrário acontecerá no caso de
desempenharmos más acções. Esta é portanto uma ideia que circula em torno do destino
e, acredite-se ou não, terá origem naquilo que estabelecermos como as nossas acções.
Do mesmo modo observamos a Inovação com os mesmos princípios. Se procurarmos e
atendermos às necessidades dos utilizadores, certamente que o produto, sistema ou
serviço que propusermos, irá ser de interesse para o público e não será desenvolvido em
vão. Tendo isto em conta, o título deste subcapítulo por nós proposto, deverá ter a tarefa
de despertar para a importância do tema, sem que este seja encarado com frivolidade,
como tantas vezes acontece.
Os veículos comunicacionais alegam, diariamente, que determinado produto é
inovador. Todos os dias, a estratégia de marketing utilizada pelas empresas, passa por
referir as palavras inovação e design, que advêm aos consumidores com a promessa de
que novos produtos vão mudar a vida, o bem-estar e a experiência de quem os utiliza. A
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“ilusão da necessidade” é por isso um trunfo para as marcas. Inês Secca Ruivo refere
que “O processo que gera no consumidor a “ilusão de novas necessidades” tem
origem, directa ou indirectamente, no ritmo crescente a que se processa a inovação ao
nível do desenvolvimento tecnológico e de materiais e, consequentemente, numa
permanente oscilação das formas e das respectivas tendências.”.19
É precisamente no
linear da necessidade/oferta, que a Inovação deve procurar oportunidades.
Contudo e apesar da importância da Inovação, que reconhecemos como fazendo
parte do processo de design, são ainda muitos os produtos que falham no momento
crucial de apresentação ao mercado. Tal como sugere André Gouveia [1983-], co-
orientador desta dissertação, designer e autor do documento Brieffing Innovation –
Metodologia para a Inovação de Produto, 96% dos produtos ditos inovadores, falham
ao entrar no mercado20
. Assim, colocamos as seguintes questões: afinal o que é a
inovação e porque é tão importante para que o produto seja bem aceite? Que tipos de
inovação existem? Podemos inovar mesmo que o pano de fundo seja o mundo rural?
Para esclarecer estas questões interessa, primeiro, delinear a acção da inovação.
Entende-se por inovação o acto de renovar, inventar e criar21
. Diz-se de um produto
inovador aquele que reinventou ou criou um critério ou forma nunca antes vivenciada.
Podemos por isso aplicar a palavra a um leque de produtos das mais variadas áreas,
fisionomias e interesses. Mas como podemos chegar à inovação sem constranger os
aspectos sociais, económicos e sociais do target em questão, e portanto garantir a sua
aceitação no mercado?
Durante uma conversa informal com o co-orientador desta dissertação, referido
anteriormente, tivemos acesso ao exemplo que até agora mais nos fascinou no âmbito da
inovação. Este caso, sobre o lançamento de um detergente para a roupa pela empresa
norte-americana Procter and Gamble, poderia ter ganho contornos muito positivos, não
tivesse sido comercializado no México. O novo detergente tinha a característica de não
fazer espuma enquanto a roupa era lavada. Contudo, atendendo às características
culturais do México, e se a observação dos utilizadores tivesse sido levada em conta,
19 RUIVO, Inês Secca – Design para o futuro. O indivíduo entre o artifício e a natureza. Portugal:
Universidade de Aveiro, 2008. Tese de Doutoramento. Pag. 39. 20
GOUVEIA, André Tiago – Briefing Innovation: Metodologia para a Inovação de Produto.
Portugal: Faculdade de Belas-Artes, 2010, pag.56. 21
COSTA, J. Almeida e MELO, A. Sampaio - Dicionário da Língua Portuguesa, Portugal: Porto
Editora, 1994. Pag.1028.
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rapidamente teria sido conclusivo que o povo mexicano só considera a sua roupa lavada
quando o detergente liberta a maior quantidade de espuma possível. O fracasso tornou-
se por isso uma realidade e uma chamada de atenção para a valorização dos aspectos
culturais e da população onde se irá integrar um produto ou serviço.
Relativamente à questão sobre a inovação no mundo rural, determinámos um
exemplo conhecido em Portugal, por parte dos adolescentes e jovens adultos que hoje
fazem parte da população portuguesa. Nas aldeias portuguesas, poucos são os pontos
comerciais que podemos encontrar e utilizar para compras volumosas. Geralmente, os
comércios locais comercializam os bens mais essenciais como farinhas, cereais,
lacticínios, verduras, carnes e peixes, deixando de parte produtos como gelados e
alimentos conhecidos e apreciados do público mais jovem. A inovação partiu da
companhia Family Frost, conhecida pelas carrinhas amarelas e pela música
característica para avisar a população que podia ir comprar os seus congelados.
Naturalmente que dentro da gama de congelados existiam as maiores tentações
que se podiam adquirir: gelados de todas as cores, feitios e tamanhos; hambúrgueres e
panados congelados; batatas fritas pré-fritas; entre outros. Este foi um negócio que
prosperou dentro das pequenas localidades e pouco dentro das grandes localidades. Nas
aldeias, a ausência de arcas congeladoras nos comércios existentes, motivaram muito a
aderência a este serviço e permitiram a continuação dos mercados locais, com a venda
dos produtos regulares. Também neste caso é necessário atender às características
culturais destas aldeias. As crianças, que passavam grandes temporadas com os avós em
aldeias portuguesas, foram os principais impulsionadores para o sucesso destas
Figura 4 - Imagem das carrinhas Family Frost.
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carrinhas. O acto de querer satisfazer os netos levava a que fossem adquiridos
guloseimas para satisfazer as delícias destes últimos. Assim, netos e avós aguardavam a
chegada da carrinha uma a duas vezes por semana, para que fosse possível fazer as
compras para a semana e para adquirirem um gelado.
Depois de analisados estes exemplos, podemos reflectir obre a viabilidade dos
mesmos. Não sabemos como foi direccionado o acto de pesquisa ou se durante a
introdução destes dois produtos no mercado, houve atenção aos processos utilizados em
Design. No primeiro caso, acreditamos que essa atenção não foi devidamente
desenvolta tendo em conta que a aceitação não existiu. No segundo, apesar de ter sido
um serviço que funcionou durante largos anos, sabemos também que a empresa entrou
em insolvência. As causas podem dever-se a vários factores: má gestão; mau
direccionamento do produto; pouca preocupação com as necessidades do consumidor.
Apresentamos de seguida três processos que direccionam o produto bem como facilitam
o encontrar espaços no mercado e que nos permite ter uma melhor visão das
oportunidades de negócio. O primeiro processo denomina-se análise SWOT, devido às
iniciais de Forças, Fraquezas, Oportunidades e Ameaças22
. Este é um processo utilizado
com o intuito de encontrar e expor as virtudes e fraquezas de um problema. A Figura 5
ilustra este esquema com exemplos do que é possível colocar sobre qualquer que seja o
produto ou serviço.
22
Respectivamente Streghts, Weaknesses, Opportunities e Threats.
Forças
Oportunidades
Fraquezas
Ameaças
Exemplo de Análise SWOT
Distribuição
Competência
Liderança de Mercado
Baixo Custo
Novas Tecnologias
Novos Usos do Produto
Novos Métodos de
Distribuição
Recessão
Novas estratégias das
empresas rivais
Empresas associadas
com desempenho Neg.
Falta de estratégia
Pouco investimento
Custos elevados
Falta de formação
Figura 5 - Exemplo de análise SWOT com as Forças, Fraquezas, Oportunidades e Ameaças de uma
empresa comum.
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33
Outro processo utilizado, neste caso para comparar produtos e serviços já
existentes e classifica-los segundo os parâmetros convenientes, é o Posicionamento de
Mercado. Este Mapa representado na Figura 7, dispõe os produtos de marcas
concorrentes e indica-nos qual poderá ser a abertura de oportunidade relativamente ao
mercado existente e da sua oferta.
Por último, apresentamos a Observação como um acto imprescindível durante a
idealização de qualquer projecto. Observar o utilizador e a forma como este interage
com objectos, sistemas e serviços, permitirá detectar oportunidades de intervenção.
Naturalmente, este método apresenta diversas ferramentas. Uma das possíveis
abordagens com os utilizadores designa-se Shadowing e permite ao observador estar
presente na maioria das acções do dia-a-dia da pessoa observada. Esta ferramenta
permite entender como um produto, sistema ou serviço afecta ou complementa o
utilizador. A IDEO desenvolveu 51 cartas intituladas Ideo Method Cards nas quais
apresenta precisamente o Shadowing como um método importante de observação. O
Exemplo de Mapa de Posicionamento de Mercado
Figura 6 - Exemplo de um Mapa de Posicionamento de Mercado, realizado por nós na
disciplina de Produto, Comunicação e Mercado no âmbito do Mestrado corrente.
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34
Figura 7 – Imagem de uma das cartas da Ideo. Neste caso, representativo
do método Shadowing.
exemplo dado dirige-se a uma acção que foi dirigida pela empresa e que consistiu em
observar camionistas e os riscos que correm devido à privação do sono (Figura 7).
Assim, terminamos este subcapítulo com o relembrar de que o papel do designer
é fundamental em todos os momentos da concepção de qualquer produto ou serviço. As
ferramentas de que dispomos, enquanto parte desta classe de profissionais, têm a
capacidade de prestar a maior atenção aos aspectos culturais, sociais, económicos e
ambientais, sem nunca esquecer a gestão dos mesmos na entrada do mercado.
2.2.4. O Design de Produto como promotor da Cultura
É-nos claro o potencial da Cultura como uma ferramenta para a inovação e, na
actual conjuntura que Portugal atravessa, torna-se imperativo sedimentar, por todas as
vias, aquilo que dela faz parte. Gonçalo M. Tavares [1970 -], escritor e professor
universitário português, metaforizou a problemática da Cultura nos tempos de crise, o
que para nós, enquanto estudiosos e apologistas deste critério como fazendo parte do
desenvolvimento, nos sensibilizou.
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35
“A cultura é qualquer coisa como pormos uma semente e demorarmos 10
ou 15 anos a receber os seus primeiros frutos. Depois [do tempo de espera],
todos os anos estamos a recebê-los. A questão da pobreza, é que exige já a
existência de algo e, a cultura, é qualquer coisa que promete algo. As pessoas
numa situação desesperante, de desemprego e de grande pobreza, estão a
vender a sua possibilidade de cultura, estão a vender a sua macieira. Se uma
pessoa tiver uma macieira com duas maçãs e uma outra pessoa chegar perto da
primeira com cinco maçãs e disposta a comprar-lhe a macieira, ela vender-lhe-
á a árvore porque estão ali cinco maçãs que precisa naquele momento. Isso
hipoteca completamente o futuro.”23
Este texto elucida metaforicamente a problemática da cultura e de tudo aquilo
que requer tempo e investimento. Deparamo-nos com escolha entre a necessidade de
construirmos e investirmos no que poderá, um dia, ser-nos uma mais-valia e a urgência
do agora e da venda do nosso investimento. Este texto serviu-nos como base de
construção dos próximos parágrafos, isto porque nos questionamos sobre que futuro
podemos almejar se abrirmos mão das características de um local? Se, em troca de uma
perspectiva de entrada num mercado global, devemos adquirir pensamentos e técnicas
forasteiras, porque não utilizá-las de acordo com a visão e cultura de cada país, região
ou comércio?
É de conhecimento geral que a globalização permite a comercialização de
produtos e informação a velocidades muito elevadas. Ao longo dos anos, com a
possibilidade de viajarmos por todo o mundo, as culturas tenderam a unificar-se na sua
forma de estar. O problema instalado, oriundo deste princípio, é a saturação e a pouca
inovação no mercado. No texto Next Innovation Playground: A cultual-oriented product
design model, integrante das conferências realizadas em Banguecoque no ano de 2012,
os autores Tsen-Yao Chang e Yu-Ju Chuang, defendem um modelo de design orientado
para a cultura, precisamente para combater a cultura global instalada. Tsen-Yao Chang,
foi convidada em 2012, para discursar sobre este texto, no TED Talks24
. Segundo a
mesma associação, Chang é doutorada pela Universidade de Robert Gordon, no Reino
Unido e exerce actualmente a função de Professora Assistente no Departamento de
23
Conferencias - Presentes no Futuro 2013, Lisboa. 24
Technology, Entertainment and Design – Ideas Worth Spreading. Fundação privada sem fins lucrativos
promotora de conversas em todo o mundo e relacionado com os temas enumerados.
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36
Design Criativo de Taiwan, na República da China. Os seus estudos incidem, na sua
maioria, sobre a orientação cultural para design de produto, indústrias criativas, e design
de comunicação.25
Apesar de durante a pesquisa não termos encontrado informação relativa à
formação de Yu-Ju Chuang para podermos expô-la na dissertação, foi com agrado que
notámos a lista de documentos já publicados. Os temas abordam problemáticas
relacionadas com a produtividade cultural em ambientes hostis, com exemplo de
crianças trabalhadoras, e como o pensamento de design pode intervir para melhores
perspectivas.
Foquemo-nos no entanto, nos ideais do manifesto Next Innovation Playground:
A cultual-oriented product design model. Este modelo parte da premissa que os factores
culturais providenciam histórias e experiências com as quais as pessoas são
identificadas. A consequência desta abordagem significa a oportunidade dos resultados
proporcionarem a criação de valor económico. Na figura 8, indicamos as conclusões
descritas por Yu-Ju Chuang e Tsen-Yao Chang 26
:
25
TED TALKS – TED x Yun TechU Tsen Yao Change Next Innovation Playground [Consultado em
25 de Novembro de 2013]. Disponível em http://tedxtalks.ted.com/video/TEDxYunTechU-Tsen-Yao-
ChangNext. 26
Design Resarch Socety 2012:Bankok, Tailandia: Department of Industrial Design Faculty of
Architecture,2012, pag.310.
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37
Para que esta tabela não seja tomada em vão, expomos nas próximas linhas um
exemplo que se enquadra com esta linha de pensamento. Assim tomemos as Faianças
Bordalo Pinheiro como análise. Dominadas por símbolos portugueses como o Zé
Povinho e por motivos animais e florais, claramente representativas de uma época, as
faianças Bordalo Pinheiro perderam ao longo dos anos, a importância e o estatuto que
haviam conseguido alcançar durante as primeiras décadas do século XX até cerca dos
anos 80 do mesmo século. No entanto, precisamente pela expressão da cultura e a
atenção prestada ao conceito do nacionalismo e glocalização, as faianças inspiradas no
artista e na sua obra, estão aos poucos, a surgir um pouco por todo o lado na primeira
década do novo milénio. Reflexos deste renascimento são, por exemplo: as peças
cerâmicas da Vista Alegre, com moldes pertencentes a Bordalo Pinheiro; as cerâmicas
Mateus, com clara inspiração na morfologia das peças do artista; e também da recente
mas promissora marca Laboratório d’Estórias.
Emoções e ideias culturais
Os simbolismos e as emoções culturais
podem invocar história, por forma a criar
repercussão entre o produto e utilizador.
Função do produto A função do produto deve conter as
experiências passadas.
Aplicação do material Materiais que consigam ligar a linguagem
da memória.
Técnicas de manufactura Unir o passado ao presente.
Padrão e Forma Utilização de imagens e bens
reconhecidos pela população.
Figura 8 - Modelo representativo descrito por Yu-Ju Chuang e Tsen-Yao Chang no âmbito das
conferências realizadas em Banguecoque em 2012, intituladas de Design Research Society.
Modelo de Orientação Cultural para o Design de Produto
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38
Figura 10 - Colecção Bordalo Pinheiro pela marca Vista Alegre.
Figura 9 - À esquerda, a figura popular do Zé Povinho; à direita, as características couves
de faiança, decorativas ou auxiliares no serviço de mesa
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39
Figura 12 - Imagem representativa das louças Mateus, inspiradas pelas faianças, cores e formas Bordalo
Pinheiro.
Figura 11 - À esquerda, uma folha de alface e um caracol de cerâmica, e à direita um
manjerico também de cerâmicas. Ambas as peças são alusivas a histórias e costumes
portugueses e com clara influência das faianças Bordalo Pinheiro.
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Todas as peças aqui apresentadas, traçam com o consumidor, verdadeiras
emoções e simbolismos culturais, descritos na Figura 8. Se considerarmos a tabela,
conseguimos facilmente relacionar as peças da Vista Alegre, Mateus e Laboratório
d’Estórias, com todos os parâmetros. Todos remetem a função do seu produto para as
funções passadas, os materiais e as técnicas unem o passado com o presente, e todos
tomam imagens e símbolos conhecidos da população. A nossa conclusão não poderia
deixar de ser mais animadora. Os aspectos culturais na sua ligação com os produtos são
de facto um veículo para a inovação e para o sucesso empresarial, sem no entanto
sentirmos o abandono das suas origens.
Sobre a Figura 8, temos apenas a acrescentar a conclusão retirada dos
subcapítulos precedentes e relativos à produção local. Esta concepção permitir-nos-á
mais facilmente concretizar os valores económicos que Yu-Ju Chuang e Tsen-Yao
Chang falam. Na ausência de recursos próximos e na importação de produtos, a
localidade poderá não conseguir atingir aquilo que os autores apelam.
Podemos por fim concluir, que um dos possíveis caminhos para a inovação, é a
utilização de bens culturais tangíveis e intangíveis próximos, os quais contêm valores,
ideias e imagens. O que pretendemos é a prosperidade da “macieira”, mencionada no
começo do texto, que nos oferece a cultura portuguesa e a oportunidade de aprendermos
com ela. Faremos, por isso, esforços para que todos os aspectos culturais sejam
entendidos e vistos como uma mais-valia na identidade de todas as localidades.
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2.3. Estudos de Caso
Para elucidarmos o que que ao longo dos subcapítulos anteriores foi descrito,
colectámos quatro exemplos distintos no que diz respeito à dinamização referida, sendo
um facto que cada região, tendo características próprias, necessita de uma abordagem
diferenciada das demais.
As sinergias, motivações e recursos, ocasionam diferentes abordagens.
Colectámos por isso, quatro exemplos de dinamização cujo ponto de união é a procura
do equilíbrio das respectivas regiões. Para o caso foram denominadas a empresa
TraidCraft, a Ecovila de Tamera e a vila de Campo Maior, o projecto Spark e o MADE,
Museu do Artesanato e Design.
Procuramos desta forma estabelecer com o nosso projecto, pontos comuns e de
aprendizagem com diversas formas de encarar a produção local, o envolvimento da
população e também a oportunidade de usufruir da cultura e bens das localidades.
TraidCraft
A quantidade de produtos que hoje nos é apresentada quando procuramos fazer
as compras do quotidiano é tão elevada que, no momento de adquirirmos um produto no
supermercado por exemplo, são várias as condicionantes que determinam a nossa
escolha. As variantes do preço/qualidade, a sedução visual do mesmo para com o
consumidor e até mesmo a sua origem, fazem-nos tomar a decisão que, para nós
apresenta ser a mais acertada. Até chegarem às nossas mãos, todos eles, mesmo
produtos similares de marcas díspares, atravessam um caminho distinto, de extracção de
matéria, produção e transporte, das quais pouco sabemos.
Nascida da necessidade de esclarecer e melhorar o assunto de trabalhadores mal
remunerados ou escravizados nos países em vias de desenvolvimento, a Traidcraft
promove o conceito do Comércio Justo. O que nos suscita o interesse nesta marca, é a
sua capacidade de combater uma realidade – a pobreza e as suas consequências –
através da consciência de que o mundo tal como o conhecemos hoje, sobrevive de
venda e compra de produtos e por isso, de mão-de-obra. De que forma actua a
Traidcraft e como equilibra a sua envolvente?
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Desta forma a Traidcraft permite ao consumidor, ter mais um factor de decisão
consciente na sua compra.
Ecovila de Tamera
O Centro Internacional de Pesquisa para a Paz, ou Tamera, como assim é
denominado vulgarmente, está situada na região do Alentejo, no sul de Portugal.
Apresenta-se como uma alternativa económica, social e ambiental
Relatamos aqui o exemplo da Ecovila Tamera, por examinar a perspectiva da
produção local, da desertificação populacional e das problemáticas ambientais, de uma
forma diferenciadora das demais. Reconhecemos que este projecto representa nos dias
de hoje uma utopia e pouca viabilidade na sua prática a uma escala maior. Contudo, não
deixamos de salientar que este trabalho de investigação pretende equacionar todas as
hipóteses de equilíbrio das regiões entre os factores sociológicos, históricos,
económicos e ambientais.
A vila de Tamera, que vive em comunhão com os princípios morais e éticos
apelados pela Paz, produz os seus próprios alimentos e energia não necessitando de
Figura 13 – Imagem de diversos produtos produzidos segundo os critérios da Traidcraft. Neste
caso específico, o café, as bolachas e o muesli foram integrados nos supermercados do Reino
Unido, por favor a permitir o acesso ao público consumidor decisor.
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capital para subsistir. Este é um exemplo de uma das possíveis formas de tornar uma
localidade de pequenas dimensões, num espaço sustentado somente por produção
própria.
Spark!
Tivemos conhecimento deste exemplo aquando da nossa leitura de In The
Bubble, de John Thackara, anteriormente referido. Halldór Gíslason, arquitecto,
designer e professor universitário islandês, colocou em prática o conceito de
sustentabilidade na sua totalidade. Gíslason, identificou o problema de uma localidade
perto da costa islandesa, que após vários anos de sustentação da população através da
pesca, se tornou insustentável. Do ponto de vista económico, os bens alimentares
importados, neste caso, aumentaram de volume, o que desequilibrou economicamente a
sociedade. Socialmente, forçou parte da população a recorrer a empregos fora da cidade,
encobrindo as relações sociais que por elas eram mantidas. Por fim, ecologicamente, o
facto de os bens serem importados e de se manterem relações de empregabilidade fora
Figura 14 - Imagem do site online de Tamera.
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da localidade, fez aumentar as emissões de gazes para a atmosfera devido ao aumento
do transporte de mercadorias e da população.
Por tudo isto, Gíslason iniciou o processo de recuperação da localidade,
intitulado de Spark!, e reuniu os elementos que dela fizeram parte durante anos de
exploração da pesca. Os bens fixos que se encontraram entre os elementos eram barcos,
portos, fábricas de peixe e material de pesca variado. A preocupação de Gíslason,
passava essencialmente por reabilitar os bens fixos (material de pesca) e criar empregos,
para contrabalançar a economia da localidade em questão. As soluções encontradas
permitiram equilibrar a economia e resolver os problemas de empregabilidade, já que
foram instaurados workshops sobre a tecnologia viking e aberta a observação de baleias,
o que atraiu turismo para a região. Este exemplo deve ser divulgado, para que outras
empresas possam também elas fazer sobreviver de forma produtiva e sustentável
cidades e lugares, valorizando a região com os seus próprios bens intangíveis e fixos, ao
invés de a massificar.
MADE, Museu de Artesanato e Design de Évora
Por forma a maximizar o espaço do antigo Centro de Artes Tradicionais e
preservar as técnicas e a identidade dos produtos portugueses, o Museu de Artesanato e
Design de Évora (MADE), potencializa o entender e a observação evolutiva do design
português como parte contributiva da identidade do país. O MADE é o segundo museu
a expor sobre a temática do design27
em Portugal e o primeiro a unir dois temas
inevitavelmente enlaçados: o artesanato e o design. Tal, permite-nos analisar de forma
mais rigorosa o percurso evolutivo dos artefactos através das técnicas, materiais e
morfologias utilizadas, bem como toda a sua envolvente histórica e cultural. A
importância de defender o espólio português e internacional num espaço físico comum
reflecte a sensibilidade e a consciência para a problemática descrita ao longo do
segundo capítulo do presente trabalho de investigação.
O trabalho e o percurso do professor e designer português Paulo Parra, mentor
deste projecto, reflectem sensibilidade e consciência sobre importância da problemática
27
MUDE, Museu do Design e da Moda.
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45
do artesanato e do design, patente no MADE. A contribuição do mesmo para
descentralizar o museu (Évora) de um grande centro urbano (Ex: Lisboa), é uma
vertente pouco usual mas eficaz. Assim, promove-se a criação de novos caminhos para
visitar não só o museu mas também as pequenas indústrias patentes por todo o país de
forma a indicar as suas particularidades.
2.4.“Design Rural” como motor de crescimento económico, social, histórico e
ambiental
Ao longo do capítulo, Abordagem à Temática, de carácter teórico e introdutório
às problemáticas da desertificação do interior do país, evocámos conceitos e exemplos
que nos permitem abordar com consciência e sensibilidade o presente tema. Assim,
serve o último subcapítulo desta fase, para organizar e concluir as ideias expostas de
forma a introduzir o leitor nos próximos desenvolvimentos.
Apesar de existirem esforços no sentido de introduzir o Design no mundo rural,
estes acontecem de forma pouco estimulada e nem sempre respeitadora daquilo que é
verdadeiramente o Design para o mundo Rural. Pertence-nos a nós, então, a missão de
esclarecer o que entendemos por “Design Rural” e delineá-lo nas suas funções. A
palavra rural significa “relativo, próprio ou pertencente ao campo ou à vida agrícola;
rústico; campesino”. Desta forma, e tendo em conta o subcapítulo onde analisamos a
Figura 15 – Fotografia de parte do espólio presente no MADE.
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46
palavra Design, entende-se a junção dos dois termos, o acto de pesquisar, projectar e
tornar real, serviços, produtos, comunicação, etc. que ajudem a estabilizar e a solucionar
problemas existentes em áreas rurais e com pouca densidade populacional. Tal deverá
ser feito sem nunca colocar em causa as fórmulas históricas, sociais, económicas e
ambientais da região.
Como verificámos nos subcapítulos anteriores, a estratégia a aplicar nestes casos
deverá centralizar a produção no local, bem como todos os seus recursos. Contudo não
deverá ser esquecido que a evolução faz parte do Ser Humano e que não podemos em
caso algum, deixar de ter presente o pensamento global e competitivo.
Também a cultura deve constar como base no desenvolvimento de novos
produtos e serviços. Fonte invariável de inovação, os aspectos culturais unem a
população em torno de algo que lhes é emocional e que as representa.
Conclui-se, que para entender o material cognitivo de determinada região,
devemos ter em conta a sua sabedoria, regras e cultura para entender as suas práticas
como o caminho para a inovação. Os resultados diferenciam-se de espaço para espaço e
são sempre uma simbiose entre o Ser Humano e a Natureza.28
Pertence-nos a nós,
designers, a sensibilidade ética e moral para não constranger a inovação social e técnica;
pensar nas consequências que o processo de design pode trazer à indústria, Natureza e
sistemas culturais; dar precedência à população e não utilizá-la apenas como um
“factor”; entregar valor às pessoas e não entregar pessoas aos sistemas.29
Na procura incessante de adaptar as aldeias a novos paradigmas, deparamo-nos
com a atribuição do desenvolvimento do turismo em diversas regiões portuguesas. Para
elucidar este mesmo pensamento, iremos no Enquadramento Prático deste mesmo
trabalho de investigação, envolver o leitor nos princípios encontrados para levar a
preceito uma intervenção numa aldeia portuguesa.
Assim, e em modo de conclusão, entende-se por Design Rural, todo e qualquer
processo directamente relacionado com o universo rural, que detenha o propósito de
estabelecer a sustentabilidade histórica, social, cultural e ambiental do espaço em
28
MAGNAGHI, Alberto – The urban village: a charter for democracy and local self-sustainable
development. Inglaterra: Zed Books, pag.46. 29
THACKARA, John - In the bubble: Designing in a complex world, Inglaterra: The MIT Press, 2005,
pag.96.
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questão. Será considerado Design Rural, todo e qualquer serviço ou produto que gere a
valorização de todos os aspectos acima mencionados, sem que em circunstância alguma,
destabilize o ecossistema existente. Mais se acrescenta, que dentro deste conceito se
adequam as metodologias patentes na disciplina de design e que, pelas particularidades
dos espaços rurais, devem ser, sempre que necessárias, utilizadas.
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3. Estudos de Caso através do Design
No capítulo que agora se inicia, pretendemos explorar e apresentar estudos de
caso que reflictam o pensamento de Design na sua composição e abordagem. Entre
marcas e projectos nacionais e internacionais, foram seleccionados para o efeito doze
casos que reflectem diferentes modelos de negócio. Procuramos por isso possibilitar ao
leitor, a leitura das questões inerentes de cada um, e também, reflectir sobre o que cada
marca ou projecto representa para o actual trabalho de investigação.
Deliberámos, para melhor entendimento do mesmo, a inserção e organização das
marcas em quatro grupos que agora explicamos: o primeiro, Designer + Artesão,
pretende apresentar projectos que tenham como princípio o trabalho e envolvimento de
artesãos com designers; o segundo grupo de casos de estudo, denominado Plataformas
Online, colecta mais três projectos que possuam a internet como veículo para o seu
funcionamento; do terceiro, Iniciativas de Dinamização, fazem parte projectos que
tenham como ponto de partida, uma problemática regional, isto é, cujos produtos
representem e dinamizem as potencialidades de um espaço, empresa ou comunidade;
por último, no grupo de Nichos de Mercado iremos referir três marcas que representam
modelos de negócio e receitas volumosas e que ocupem um lugar mais comercial no
mercado não perdendo no entanto, capacidade de manter uma cultura e comunicação
fiel e direccionada aos seus valores.
Apesar de serem casos distintos pela sua abordagem, motivações e produtos,
considerámo-los muito úteis a este trabalho de investigação por apresentarem um
caminho eficaz e de sucesso na geração coerente de valor e identidade. Assim, a
colectânea que agora apresentamos, retrata os diferentes ambientes, caminhos e
metodologias que as várias empresas tomaram num sentido comum: desenvolver uma
Cultura própria com o intuito de promover as suas aspirações, dentro de um mercado
competitivo.
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3.1. Designer + Artesão
A Carpinteira
O nome que dá origem ao blog A Carpinteira, surge da necessidade de encontro
de trabalho por parte de uma jovem licenciada em Design, Rita Valente, e a renovação
de uma carpintaria que, com o passar dos anos, perdera clientes e dinâmica. O encontro
das duas energias tornou-se, por isso, na simbiose entre a sabedoria das novas
tecnologias, tendências, técnicas e experiências do artesão da carpintaria, o casqueiro.
A carpintaria é agora constituída por três pessoas: dois sócios, Sr. Casimiro,
casqueiro de profissão; a sua esposa; e actualmente a designer que detém um papel
fundamental na divulgação da mesma. A Carpinteira, enquanto marca, detém uma
página na rede social facebook e também um blog, onde Rita Valente expõe as peças
originais, feitas por medida ou renovadas. Este tipo de exposição torna-se cada vez mais
apreciado e valeu-lhe o contacto com clientes de diferentes clientes: arquitectos e
decoradores que procuram peças singulares para os seus projectos e pessoas comuns que
pretendem remodelar alguma peça que caíra, entretanto, em desuso. O preço das peças é
variável consoante a tipologia do produto e se é ou não produzida de origem.
A individualidade que surge através do conhecimento do artesão e da sua forma
de observar o negócio, concedem-lhe não só a procura dos projectos como também da
sua técnica e modus operandi.
Figura 16 - Mobiliário desenvolvido no âmbito do projecto A Carpinteira.
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Biennale dell’artigienato Sardo
Sobre a primeira Bienal de Artesanato da Sardenha nascida nos anos 50, Gio
Ponti, arquitecto e designer italiano, refere-se às artesãs como trabalhadoras de
“excelente intuição e com mãos extraordinárias”. Em 2009 realizou-se a XIX edição da
feira que continua a sustentar as tradições do local através de uma visão contemporânea
e que atrai milhares de visitantes. A bienal demonstrou a sua importância não só na
qualidade de exposição e trabalho como também no papel fundamental que deteve na
dinamização da própria região.
A não-reprodução, a autenticidade, o trabalho dos artesãos e artesãs, a
antiguidade e genuinidade dos produtos apresentados criam uma ligação exclusiva com
as pessoas da comunidade. Este tipo de abordagem ao artesanato e ao turismo permite
também fomentar o mercado da região da Sardenha que desta forma contribui para o
reconhecimento das técnicas particulares da mesma.
Figura 17 - Peças cerâmicas desenvolvidas por artesãos para a XIX edição da Biennale dell’artigienato Sardo.
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Projecto TASA
Em Portugal a preocupação com o artesanato, as suas técnicas e os seus
produtores tem aumentado nos últimos anos como nunca antes tinha sido observado. A
necessidade de relatar as técnicas ancestrais e repensar a forma como são utilizadas são
algumas das questões que o projecto TASA - Técnicas Ancestrais, Soluções Actuais,
propõe esclarecer.
O projecto tem como palco o Algarve e os seus artesãos, que em conjunto com
dois designers, Álbio Nascimento e Kathi Stertzig, redesenharam produtos cuja
utilização já não se incluía no dia-a-dia de quem os comprava. O exercício manifestou-
se muito positivo e originou vinte e seis produtos distintos que podem ser comprados
online e por exemplo na Vida Portuguesa. O preço pode variar entre os 10€ e os 50€,
dependendo da tipologia do produto.
Apesar do tempo estimado para o projecto decorrer ter sido apenas entre Agosto
de 2010 e Agosto de 2011, podemos ainda hoje contar com actualizações na página do
facebook, presença em feiras de diferentes freguesias, uma residência artística, bem
como uma loja online com a venda dos produtos e um livro, fruto da investigação das
técnicas.
Figura 18 - Peças cerâmicas desenvolvidas no âmbito do projecto TASA entre artesãos e designers.
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3.2. Plataformas Online
Design à Mão
Desenvolvida em 2011 no âmbito da dissertação de mestrado da designer de
produto Rita Botelho [1983 - ], a plataforma online Design à Mão sugere a colaboração
entre artesãos e designers, portugueses e internacionais. A plataforma tem como
principais objectivos, aproximar diferentes gerações e motivar a criação de
oportunidades de troca de diferentes técnicas, abordagens de trabalho e projectos
inovadores que revitalizem o artesanato português. Actualmente existem sete designers
e dez artesãos que criaram até agora oito produtos tendo em conta o conhecimento e
artifício de cada um dos intervenientes.
Muitos são os casos de parcerias e tentativas de aproximação entre artesãos e
designers. Este projecto, sendo um deles, posiciona-se de uma forma diferente e prima
pela abordagem inédita em Portugal e pela apresentação gráfica do mesmo. Na nossa
perspectiva é um serviço de fácil utilização e permite a artesãos e designers proporem
um projecto. Não temos acesso no entanto, à informação relativa a percentagem de
ganho pelos diversos intervenientes, sejam artesãos, designers ou a própria plataforma.
É também de salientar que existe dificuldade em entender como se faz a aquisição dos
produtos já produzidos.
Figura 19 - Mobiliário desenvolvido no âmbito do projecto Design à Mão.
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ETSY
Criado no ano de 2005, a plataforma online ETSY surgiu por Rob Kalin,
fotografo, pintor e carpinteiro, que por não ter encontrado um local para expor os seus
produtos de forma adequada, solucionou a questão através do desenvolvimento de uma
plataforma online. O êxito da plataforma é visível através do rendimento das vendas ao
longo dos anos: se em 2005 facturaram apenas 0,17 milhões de dólares, em 2012 as
vendas atingiram os 895 milhões, atingindo desta forma um máximo histórico para a
empresa.
Pode justificar-se o sucesso da aposta devido ao crescente número de negócios
próprios, da facilidade do uso de novas tecnologias da informação, e por ultimo devido
à forte tendência e sensibilização das pessoas para os conceitos DIY30
, Fair Trade bem
como para produtos que apresentam características individuais e locais. Qualquer
pessoa pode fazer o registo e colocar objectos à venda, desde que obedeçam a uma das
seguintes três características: produtos feitos à mão; artigos vintage; ou matérias-primas,
como lãs e peles de animais. O custo de colocar um produto para venda é de 0,20€ e
quando o mesmo é vendido 3,5% do valor comercial reverte para a plataforma.
30
Do-it-yourself ou Faça você mesmo.
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Feitoria Produtos Portugueses
Utilizando a definição das antigas “embaixadas” do império colonial português,
a Feitoria representa hoje os interesses comerciais de marcas portuguesas. À semelhança
d’A Vida Portuguesa, o site oficial da marca dispõe online, os produtos tradicionais e
artesanais portugueses. Dos objectivos relativamente à concretização deste projecto
salienta-se a tentativa de aproximação das comunidades portuguesas, difundir a cultura
portuguesa, e por último, a criação de um circuito sustentável entre clientes, artesãos e
dinamizadores do projecto.
A Feitoria dispõe também de um blog onde promove eventos variados, produtos,
histórias e novos projectos, actualizando desta forma os interessados e fomentando
também a sua fidelização.
Apesar de não termos acesso a dados relativos ao crescimento económico da
empresa, e por isso sem possibilidade de saber se é ou não uma empresa lucrativa,
reconhecemos que o facto de possibilitarem a venda deste tipo de produtos sem ser
necessária deslocação a lojas de artesanato, é uma aposta muito positiva pois permite
uma divulgação muito eficaz por outras comunidades e países.
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3.3. Iniciativas de dinamização
Aldeia Pedagógica
A Aldeia Pedagógica é uma empresa criada em parceria com a Fundação
Calouste Gulbenkian, com o objectivo de dinamizar a aldeia de Portela, no distrito de
Bragança.
Tendo em conta a realidade do envelhecimento da população portuguesa, a
aldeia pedagógica surge da necessidade de criar relações entre gerações. O objectivo foi
desenvolvido a partir da dinamização das aldeias portuguesas e dos seus habitantes que
na sua maioria apresentam idades superiores a 50 anos. De forma a corresponder ao
objectivo, os fundadores disponibilizaram visitas de estudo em escolas do Ensino
Primário com o objectivo de visitar e aprender com os “mestres”, assim designados os
habitantes da aldeia. Desta forma crianças e idosos partilham várias actividades em
conjunto, seja na aprendizagem do cultivo de hortas, cozedura do pão ou mesmo até de
técnicas de serigrafia.
A Aldeia Pedagógica dispõe de página na rede social facebook e site próprio,
onde divulga todos os workhops e visitas à aldeia. No início da actividade, a marca
também utilizava este método para vender produtos alusivos, tais como compotas, chás,
ervas e licores, fruto dos conhecimentos dos habitantes. No entanto, tal deixou de se
verificar.
Figura 20 - Comunicação e produtos desenvolvidos no âmbito do projecto da Aldeia
Pedagógica.
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Lisbon Lovers
Da necessidade de valorizar as ofertas lisboetas, a marca surge com a missão de
integrar o mercado de souvenirs e roteiros da cidade através de uma comunicação mais
apelativa e que combata os actuais souvenirs de lojas de segmento mais baixo. A
criação da empresa ficou ao abrigo dos dois sócios que detinham experiência da gestão
de empresas e de uma dissertação de mestrado que determinou o conceito e a linguagem
com a qual a nova marca deveria trabalhar.
A marca é divulgada através do site onde é possível encontrar roteiros com os
lugares de excelência, dormidas, restauração e souvenires que tão bem caracterizam
Lisboa. Esta ponte criada entre visitantes, cidade e marca é muito inteligente no que diz
respeito à promoção da cidade, pois não se vinculam apenas em comercializar produtos
mas também o serviço de guia, por forma a apresentar a mesma aos visitantes.
Os seus objectos tornaram-se produtos cuja utilização não significa apenas mais
um souvenir, mas sim objectos de culto e de ampla promoção à cidade, sem no entanto
serem fixados a imagens características da mesma. Queremos com isto dizer que a linha
de produtos que apresentam faz alusão à cidade de forma a manifestar a novos
pensamentos e ideias sobre a mesma e de acordo com as necessidades de hoje.
Podemos afirmar que a marca foi muito bem aceite pelos consumidores, isto
porque a expansão das lojas físicas aumentou, bem como a sua visibilidade no mercado.
Os preços variam entre um euro e trinta euros, consoante a tipologia de produto.
Figura 21 - Produtos comercializados pela marca Lisbon Lovers.
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Uma Casa Portuguesa
Construída em 2010, a Casa Portuguesa situada em Penela, convida à
experiência dos produtos nacionais, através de alojamentos num espaço criado por mais
de 90 marcas portuguesas parceiras deste projecto como é o exemplo de Delta Q, Tupa,
Oh Wallpaper, Ecodepur, Recer e Sanitana.
O objectivo primordial do projecto passa pela valorização dos produtos
nacionais. A casa que toma o lugar de showroom é divulgada através de uma página no
facebook e também do site www.umacasaportuguesa.pt onde a interacção com o
visitante e as empresas envolvidas é muito positiva, dando-nos acesso aos seus produtos
e respectivos websites.
Esta modalidade potencializa futuros compradores que podem desta forma
experimentar e comprovar a qualidade dos produtos portugueses, tantas vezes posta em
causa.
Figura 22 - Casa desenvolvida através do fornecimento de matérias-primas e produtos de
empresas parceiras. A casa é integralmente construída e decorada com produtos portugueses.
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58
3.4. Nicho de Mercado
Artevida
Produzir localmente pressupõe que matérias-primas e mão-de-obra nasçam sobre
o mesmo espaço. Se assim for, as vantagens económicas e sociais tornam-se
suficientemente fortes para enfrentar as adversidades de que é feita a construção de um
modelo de negócio. Através desse pensamento nasceu a empresa Artevida, produtora de
mosaicos hidráulicos no Alentejo, mais precisamente em Fronteira.
Com o slogan “Think globally, produce locally” a Artevida utiliza a mão-de-
obra da terra onde está instalada e o mármore, cal e pó de pedra também oriundos da
região. Assim, os proprietários conseguem economizar no transporte da matéria-prima.
Além deste aspecto, o calor e o vento típicos da região, são indispensáveis para o
processo de concretização.
Hoje em dia exportam cerca de 50%, valor que outrora atingia os 80%. As peças
são particularmente adquiridas por decoradores para utilização em chão e paredes. A
empresa conta com artigos em revistas como Arquitectura e Construção, Casa Cláudia e
World of Interiors.
Figura 23 - Azulejos hidráulicos desenvolvidos pela marca Artevida.
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59
A Vida Portuguesa
Nascida da vontade de preservar a identidade portuguesa, A Vida Portuguesa,
sediada na baixa lisboeta, esforça-se por recolher as marcas e os objectos nacionais.
A empresa propõe recolher produtos de empresas portuguesas que respeitem a
identidade e os valores do país. Catarina Portas, jornalista, investigadora e mentora do
projecto, encontrou no nicho de mercado que surge em oposição à globalização e à
procura de produtos que reflictam a genuinidade do país, uma oportunidade de mercado.
O reflexo do trabalho e pesquisa pode ser observado através de sabonetes Ach
Brito, grafites aguareláveis Viarco, faianças Bordalo Pinheiro, petingas em azeite da
marca Tricana e todo um leque de produtos produzidos por indústrias portuguesas que
fizeram e fazem parte das lembranças dos portugueses. A experiência na visita a esta
loja traduz-se na fiel representação de costumes de Portugal, apreciados tanto por
turistas que procuram os exotismos do local que visitam, como por nativos que podem
assim orgulhar-se da cultura visual e material do país.
O trabalho de pesquisa de marcas portuguesas que sobreviveram durante
décadas começou em 2004 através da marca Uma Casa Portuguesa, para em 2007 ser
nomeada A Vida Portuguesa. O tempo de amadurecimento e a mudança do nome pode
ser explicado pela inoportunidade no mercado de então em aceitar produtos deste tipo
de empresas.
A divulgação é feita através de blog, página no facebook e site, onde se vendem
os produtos. Para além das plataformas on-line, a Vida Portuguesa, foi também alvo de
referência na Time Out Lisboa, Wallpaper, New York Times e Louis Vuitton City
Guide.
Figura 24 - Peças comercializadas pela marca A Vida Portuguesa.
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60
Vista Alegre Atlantis
A razão pela qual considerámos a marca Vista Alegre Atlantis como um caso
relevante para o desenvolvimento deste trabalho de investigação prende-se com todo o
seu processo evolutivo, desde o seu entendimento da produção local como uma mais-
valia para o seu crescimento, bem como o entendimento das necessidades dos seus
trabalhadores.
A história da marca Vista Alegre Atlantis remete-nos ao início do século XIX,
aquando a compra do espaço, no concelho de Ílhavo e a 7 Km de Aveiro, pelo fundador
José Ferreira Pinto Basto [1774-1839]. A área, adquirida em 1812, era no começo uma
região pouco desenvolvida. Contudo, com o fortalecimento da produção e da
necessidade de ter mais trabalhadores, foram construídas habitações com o intuito de
permitir o alojamento dos mesmos e dos seus familiares. Detemos por isso, o exemplo
da marca como boa dinamizadora de postos de trabalho e desta forma, da própria região.
Hoje em dia, podemos a afirmar que a agora Vista Alegre Atlantis, que conta
com quase dois séculos de existência, criou uma identidade tão forte que persiste e é
vista como uma das marcas mais conceituadas em todo o mundo. É importante salientar
que todo o seu percurso foi desenvolvido em torno de uma cuidadosa consciência da
identidade da marca.
Figura 25 - Edifício pertencente à Fábrica Vista Alegre.
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61
2.5. Conclusões
A recolha de empresas, marcas e projectos que de alguma forma se manifestam
similares com a nossa problemática ou que de alguma forma nos expressou interesse em
estudar, contava já com cerca de 35 casos e que, de certo modo seria muito difícil
expressá-los a todos neste trabalho de investigação.
Em forma de conclusão, subsiste a necessidade de entendermos que mais-valias
podem ser apreendidas e que equívocos devem ser evitados.
Os prós detectados manifestam-se maioritariamente no acto da interacção com o
consumidor. Foram por exemplo detectados serviços gratuitos de explicitação da cidade
de Lisboa pela Lisbon Lovers, que perfaz uma ponte entre visitantes e local muito eficaz
no que diz respeito orientar o consumo de artefactos. Também o facto de o consumidor
não ter de se dirigir a determinados locais para adquirir os produtos, é hoje uma
ferramenta muito importante, como demonstra a Feitoria de Produtos Portugueses e o
Projecto Tasa. Não podemos também deixar de salientar que a produção local e a
geração de emprego local permite um crescimento mais acentuado da empresa do que
se, por exemplo importasse matéria-prima. Fruto desta visão elegemos a Vista Alegre
Atlantis e Artevida. Por último, queremos referenciar o repensar dos objectos e técnicas
de produção com o intuito de inovar nas suas utilizações, como é o caso do Projecto
Tasa e Design à Mão.
As redes sociais e a manutenção de website, são hoje um veículo importante na
divulgação da informação. Sendo esta uma ferramenta imprescindível, reconhecemos
que a não actualização das mesmas provoca pouca fidelização e interesse por parte dos
consumidores.
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62
Segunda Parte - Enquadramento Prático
Posteriormente à introdução dos conceitos destacados e analisados na Primeira
Parte do trabalho de investigação, ingressamos na segunda fase do que denominámos
Enquadramento Prático. Este segundo momento pretende expor a nossa reflexão sobre o
tema através do enquadramento prático dos temas apreendidos, por forma a podermos
também nós, colaborar para o desenvolvimento de territórios com dificuldades.
Nos dois capítulos que se seguem apresentaremos, primeiro, a pesquisa
efectuada sobre uma aldeia portuguesa do nosso estudo, com o objectivo de dar a
conhecer a sua realidade. Segundo, a aplicação prática do que, consoante o estudo feito,
considerámos mais eficaz para a distanciar do seu actual paradigma.
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63
4. ANÁLISE DO TERRITÓRIO EM ESTUDO - MONSANTO DA BEIRA
Terra rude de gente simples e sã, mais nos parece, ao contemplá-la, um mundo distante
e pré-histórico, onde a civilização ainda não chegou.
Maria Manuela de Campos Milheiro (1972: 17)
O capítulo que se inicia pretende, tal como antevisto, iniciar o leitor à história e
realidade de uma aldeia portuguesa insustentável. Para o efeito, foi eleita a aldeia de
Monsanto da Beira, que nos apraz não só pelo seu historial, mas também, pela sua
população que tanto se interessa e defende a sua identidade e os seus saberes.
As dificuldades encontradas pela população são de caracter variado e por isso
um só trabalho de investigação será insuficiente para regenerar uma população
envelhecida e empobrecida. No entanto e apesar de esquecida por tantos anos,
Monsanto começa agora a ganhar uma nova vida, seja pela actual conjuntura do país,
que obriga aos que o habitam, procurar novos rumos e lugares muitas vezes situados no
interior, seja pelo interesse e novo olhar sobre a valorização do produto português.
Assim, e como teremos oportunidade de observar adiante, muitos são os esforços para
revitalizar regiões que durante décadas foram martirizadas pelo desequilíbrio
populacional e económico.
O capítulo organiza-se de forma a fundamentar o porquê de ser considerada uma
aldeia insustentável e para tal foram considerados os parâmetros descritos na Primeira
Parte do Trabalho de Investigação, que nos indica que para uma abordagem correcta e
justa deveremos entender a sua história, dinâmica do espaço e a importância da mesma
para a região, bem como interagir com os intervenientes, no âmbito de entender as suas
reais necessidades.
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64
4.1. Enquadramento Histórico
4.1.1. Onde se situa?
Monsanto da Beira é, tal como indicado no seu nome, uma aldeia Beiroa,
edificada no distrito de Castelo Branco no concelho de Idanha-a-Nova. A região é
caracterizada pelo clima temperado mediterrâneo, pouco húmido, o que significa um
terreno verdejante durante as estações do Outono, Inverno e Primavera, com a
temperatura média mínima disposta nos 5ºC. Já o clima verificado durante a estação do
Verão é antagónico à verificada anteriormente, com a temperatura média máxima
situada em 32º C31
. A paisagem altera-se e os terrenos de cultivo apresentam sinais de
secura extrema. Ao longo do concelho podemos observar terrenos irregulares, rios que
correm em curva e contracurva, entre montes e vales sinuosos.
31
ISTITUTO PORTUGUES DO MAR E DA ARMOSFERA – O Tempo na Cidade [Consultado em 15
de Maio de 2013]. Disponivel em http://www.ipma.pt/pt/otempo/prev.10dias/?localID=5&cidadeID=5.
Figura 26 - Fotografia capturada no âmbito desta dissertação e que representa a aldeia de Monsanto e a
sua envolvente.
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65
Situada na planície de Idanha, a meio de um monte escarpado, entre rochedos
cuidadosamente contrabalançados de cinco e mais metros de diâmetro, surge a aldeia de
Monsanto, que poderá induzir em erro quem pela primeira vez a observa. Certamente
irá pensar que em local tão hostil, não encontrará qualquer vislumbre de presença
humana. O ambiente é calmo, típico de terras provincianas sem desgaste industrial.
Figura 28 - Fotografia capturada no âmbito desta dissertação e que representa a aldeia de Monsanto e
a sua envolvente.
Figura 27 - Fotografia capturada no âmbito desta dissertação e que representa a aldeia de
Monsanto e a sua envolvente.
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66
Figura 29 - Fotografia capturada no âmbito desta dissertação e que representa a aldeia de Monsanto e a
sua envolvente.
Figura 30 - Proporção entre penedos e pessoa.
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67
A aldeia dispõe de 131,76 km² de terreno, e reparte-se em vários “lugares”, no
total de 24 espaços32
ocupados desde a base até meio do monte. Dos 24 lugares, 3 não
possuem, segundo o relatório efectuado pela ADRACES33
, qualquer habitante e 14 têm
menos de 20 habitantes.
No presente trabalho de investigação, iremos abordar apenas um dos lugares,
designado por Vila ou Monsanto, onde se encontra o maior número de arquitectura
religiosa e militar, e onde naturalmente, pela sua singular organização, se dirigem os
visitantes. Este espaço já se encontra organizado de forma a receber o circuito de
turismo existente, contudo apresenta algumas dificuldades na oferta dos seus serviços e
produtos. Por esse mesmo motivo, reconhecemos neste lugar, boas possibilidades de
intervenção e de comunicação com o exterior, o que justifica a nossa escolha.
32
Os 24 lugares de Monsanto denominam-se: Adingeiro, Carroqueiro, Relva, Devesa, Lugar Maria
Martins, Lugar de Junho, Lugar d’Água, Torre, Carriçal, Afonso Enes, Carro Quebrado, Sidral,
Monsantela, Monsanto, Valado, Barreira, Eugénia, Fonte Carvalho, Amial, Pomar, Vale de Paragem,
Serralheira, Jardim e Ramilo. 33
ADRACES – Observatório Local – Monsanto [Consultado em 15 de Maio de 2013]. Disponível em
http://www.adraces.pt/ficheiros/conteudos/ObservatorioLocal/Monsanto.pdf.
0
50
100
150
200
250
300
350
400
450
Adin
gei
ro
Am
ial
Bar
reir
a
Car
riça
l
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roquei
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Dev
esa
F. C
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Junho
L.
Mª
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nto
Pom
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Rel
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Ser
ralh
eira
Sid
ral
Torr
e
Val
ado
V.
de
Par
agem
2001
2007
(Est.)
Figura 31 - Gráfico demonstrativo da população residente nos “lugares” que compõe a aldeia de
Monsanto.
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68
4.1.2. A importância estratégica do local
Quando caminhamos na aldeia perdemos facilmente a percepção da realidade.
Imaginamos quem poderá ter pisado, tal como nós, as pedras que perfazem ruas, ruelas
e travessas. Fazemos contas aos aniversários de casas, árvores e pessoas. Viajamos até à
Serra da Estrela apenas com o esforço do olhar e caso queiramos avistar terras de
Espanha, podemos rodar sobre nós próprios.
Sabemos, sem ninguém nos afirmar, que o espaço onde nos encontramos foi
desejado e conquistado pela sua situação e qualidade geográfica, pois a quem Monsanto
pertencesse, permitiria o avistar de movimentações de tropas inimigas. Este lugar é por
isso, desde há muito, habitado por diversos povos que deixaram, aquando a sua
passagem, vestígios das suas crenças e necessidades.
Fundamentamos o presente subcapítulo maioritariamente através da obra da
historiadora e arqueóloga Maria Manuela de Campos Milheiro. O livro Monsanto –
História e Arqueologia, datado de 1972, refere minuciosamente a história da povoação,
desde a pré-história até ao românico, colectando por todas as fases, objectos e desenhos
elucidativos.
Figura 32 - Castelo de Monsanto construído no século XV ou XVI.
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69
Como referimos anteriormente, a geografia e morfologia de Monsanto fora,
desde cedo, muito cobiçada. Assim, os vestígios mais antigos, machados de pedra
polida e colares, datam do Paleolítico Anterior34
que podemos observar no Museu
Tavares Proença, em Castelo Branco.
Posteriormente à presença de povos pré-históricos, nomeadamente da cultura do
Bronze de el Algar35
, e seguindo o curso natural das conquistas portuguesas, o povo
lusitano que circunscreveu as suas conquistas entre o Douro e o Tejo, marcou também
presença em Idanha. Monsanto, sendo um cume no meio da planície, tinha todos os
factores para gerar interesse do povo lusitano. O modo mais eficaz de testemunhar a
presença deste povo, será através da descoberta de castros, habitações cuja planta se
destaca por ter o formato de uma circunferência. Contudo, estes vestígios foram em
grande parte destruídos pelo povo que aos lusitanos sucedeu: os Romanos. Com vista
em terminar qualquer vínculo com povos precedentes, os Romanos destruíram aquando
as suas conquistas, muitos castros. Por essa mesma razão, é-nos difícil comprovar a
existência do povo lusitano em Monsanto. Tavares Proença [1853-1932], político e
historiador português, refere no entanto, ter encontrado um antigo e resistente castro em
Monsanto, mas não menciona a sua localização.36
Como já introduzimos, o povo romano foi o povo precedente aos lusitanos, e
aquele que, talvez, mais vestígios terá deixado após a sua passagem. Em Idanha-a-
Velha, aldeia que dista 7 Km de Monsanto, podemos encontrar, pela sua geografia
plana, os vestígios de uma cidade romana. Por norma, os romanos, fixavam-se em áreas
planas, pois a sua hegemonia assim o permitia. Nos terrenos circundantes, inclusive em
Monsanto, foram encontrados inúmeros objectos, das mais diversas tipologias, desde
vasilhas cerâmicas, moedas, medalhões e jóias,37
que comprovam a existência deste
povo.
É interessante constatar que as moedas aqui encontradas, foram cunhadas, todas
elas, com a representação dos imperadores romanos, tal como seria de esperar. Contudo,
34
MILHEIRO, Maria Manuela de Campos – Monsanto – História e Arqueologia. Portugal: Rios e
Irmão Lta., 1972, pag.35. 35
MILHEIRO, Maria Manuela de Campos – Monsanto – História e Arqueologia. Portugal: Rios e
Irmão Lta., 1972. Pag.36. 36
MILHEIRO, Maria Manuela de Campos – Monsanto – História e Arqueologia. Portugal: Rios e
Irmão Lta., 1972. Pag.21. 37
MILHEIRO, Maria Manuela de Campos – Monsanto – História e Arqueologia. Portugal: Rios e
Irmão Lta., 1972. Pag. 53
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70
algumas destas moedas encontradas em Monsanto, são visigodas. A explicação
encontrada por Maria Manuela de Campos Milheiro reside no aspecto de “Todos os reis
bárbaros continuaram a cunhar moedas com a efigie dos imperadores romanos, porque
isso lhes dava mais aceitação.”. Assim, podemos afirmar que Monsanto foi também
palco de domínio Bárbaro.
Hoje, sem necessidade de combates e planos estrategas para derrotar quem
queira apoderar-se das terras, a população enfrenta um outro inimigo que apresenta
características e contornos diferentes dos quais a população fora outrora habituada a
combater. A despovoação e a dificuldade em acompanhar o ritmo do mundo e da
sociedade de hoje em dia, fazem com que inúmeras aldeias, não só Monsanto, fiquem
vulneráveis e “cristalizem”38
as formas de estar, pensar e agir. Este modo de
cristalização é observável na forma como as prioridades são hierarquizadas, sem que
exista um pensamento estratégico sobre a abordagem a fazer-se.
A aldeia apresenta no entanto uma importância estratégica que lhe permite
sobreviver à contagem dos anos. Inserida no plano de aldeias históricas protegidas, é
conjuntamente com outras na sua situação, palco de milhares de pessoas que procuram
avidamente um espaço onde usufruir da paragem do tempo, reconstruir a ponte com a
Natureza e aprender outros conceitos de estar.
4.1.4. Importância da aldeia durante o Estado Novo
De norte a sul, em muitos sítios do país vive gente em perfeito estado de graça
nacional, sem ter sofrido influências alheias e nocivas, e mantendo intactos, na sua
pureza e graça, os costumes tradicionais da terra.
in Diário de Notícias 24 Agosto 1938
No começo do século XX, surgiu na Europa uma corrente exaltadora da
nacionalidade, que por todos os meios fazia subsistir o interesse de preservar os saberes
e tradições do país. Tal como verificado no regime espanhol, alemão e italiano, a
exaltação da nacionalidade dos seus países pretendia fechar a economia, até então
enfraquecida com importações de matéria-prima e outros bens.
38
Termo utilizado por Alice Bernardo, Saber Fazer, para referir o estado do artesanato em Portugal.
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71
Em Portugal, a exaltação à nacionalidade registou-se de forma muito semelhante
aos países anteriormente referidos, contudo, no presente trabalho de investigação iremos
focar-nos apenas no concurso que permitiu a Monsanto catapultar a sua identidade.
Particularizamos portanto a primeira e única edição do concurso “A aldeia mais
portuguesa de Portugal”, organizada no ano de 1938 pela instituição governamental
designada por Secretariado de Propaganda Nacional (S.P.N.)39
. O objectivo desta
competição era encontrar e exaltar a aldeia que “maior resistência [tivesse] oferecido a
decomposições e influências estranhas e o mais elevado estado de conservação no mais
elevado grau de pureza [das suas] características” 40
. Ao seu vencedor seria entregue o
“Galo de Prata” símbolo a ser colocado no topo da igreja matriz da mesma aldeia.
De Norte a Sul do país foram seleccionadas duas aldeias por província, com
excepção da Beira Litoral da qual não consta no registo, qualquer participação. Como já
mencionado anteriormente, o concurso conteve apenas uma edição e por essa mesma
razão a aldeia de Monsanto é ainda hoje reconhecida como a aldeia mais portuguesa de
Portugal.
39
O Secretariado de Propaganda Nacional - SPN, foi criado em 1933 pelo governo de Salazar, tendo-lhe
sucedido em 1945 o Secretariado Nacional de Informação - SNI. 40
UNIVERSIDADE DO MINHO – A Aldeia Mais Portuguesa de Portugal [Consultado em 23 de Maio
de 2013]. Disponível em http://natura.di.uminho.pt/ipm.10/doku.php?id=documentacao.
Figura 33 - A Torre do Lucano com o Galo de Prata, prémio concedido à aldeia vencedora do concurso
“A Aldeia Mais Portuguesa de Portugal”, realizado em 1938.
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72
A vitória deste concurso, protagonizada pela aldeia de Monsanto conteve um
enorme valor sentimental. Ainda hoje, a população e os seus familiares, aqueles que
ainda se recordam ou que ouviram relatos da vitória, descrevem, orgulhosamente, os
dias que antecederam e sucederam à visita do júri, bem como a deslocação de alguns
aldeões a Lisboa, para a entrega do prémio. O ganho deste concurso representa assim
um importante marco para o entendimento sociológico e económico da aldeia, por ter
deixado o registo das condições das aldeias que participaram no concurso.
Figura 34 - Entrega do Galo de Prata, no dia 4 de Fevereiro de 1939, aos representantes da aldeia de
Monsanto que se deslocaram a Lisboa para o efeito. Na fotografia podemos observar também a
presença do Dr. Oliveira Salazar, então Presidente do Conselho de Ministros.
Figura 35 - População de Monsanto reunida para a cerimónia da colocação do Galo de
Prata na Torre do Lucano. (Fotografia retirada do site Rádio Clube de Monsanto a 3 de
Dezembro de 2013).
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73
As condições que proferimos, como o sentido de tradicionalidade e a resistência
a alterações das mesmas, eram na altura motivos satisfatórios para a descoberta
incessante de um herói que fosse representativo desta mesma ideologia e que de
exemplo servisse a um caminho honorável e de respeito à nação. Mas, se por um lado a
imaculidade procurada pelo júri representava a fidelidade à pátria e a tentativa de
progresso da economia, por outro, a não manifestação de qualquer indústria e o seu
isolamento, representavam o esquecimento do governo pelas suas pessoas e
dificuldades. A produção dos campos de cultivo, feita de sol a sol e manualmente, era
muitas vezes acompanhada de apenas uma fatia de pão e azeitonas para o dia de
trabalho. As crianças não tinham calçado e o analfabetismo afectava quase toda a
população. O ganho deste concurso representa por isso não só o galardoamento de uma
aldeia mantida sob tradições e costumes seculares, mas também a premiação camuflada
da pobreza e do analfabetismo.
4.1.5. Entrada no século XXI
Por forma a dar continuidade ao subcapítulo anterior, propomos o
esclarecimento do que foi a entrada da aldeia de Monsanto no século XXI e, que
mudanças ocorreram ao longo dos anos. O que modificou com o ganho do prémio de
1938? O que representa para Portugal a existência desta aldeia? Com base nestas
questões fizemos o levantamento de dados que nos permitiram entender a demografia
do país, distrito, concelho e freguesia, bem como os bens tangíveis e intangíveis da
aldeia.
Comecemos então pela análise demográfica. Os gráficos, apresentados com base
nos Censos realizados ao longo de século e meio, mostram-nos uma retrospectiva
daquilo que foi e é a realidade demográfica de Portugal e também, no Distrito de
Castelo Branco, Concelho de Idanha-a-Nova e da Freguesia de Monsanto. Os dados dos
quatro gráficos que serão apresentados podem ser também observados no Anexo da
página 145, em forma de tabela e com a numeração exacta do número de habitantes.
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74
Da observação deste gráfico, são várias as conclusões que podemos retirar.
Vejamos por exemplo o número de habitantes ainda no século XIX e agora no século
XXI. A população, outrora com 4.286.994 milhões de habitantes, mais que duplicou no
começo do novo milénio, e apresenta agora 10.562.178 milhões de habitantes. A
tendência crescente, foi abalada somente uma vez, de 1960 para 1970, possivelmente
devido à emigração com destino a país como a França, Suíça, Canadá, entre outros.
Contudo, e apesar deste episódio isolado, podemos afirmar que Portugal tem registado
um crescimento com saldo positivo relativamente ao número dos seus habitantes.
Associados a este número, crescente de década para década, estão as condições que
foram sendo proporcionadas. Naturalmente, estas condições não se verificaram somente
para os nativos portugueses. No “pós 25 de Abril de 1974”, e com o final da Guerra do
Ultramar, os soldados e as famílias que tinham estabelecido as suas vidas nas ex-
Colónias portuguesas em África41
, foram obrigadas a regressar ao seu país de origem.
Também os colonos viram Portugal como uma escapatória para uma vida mais estável.
Esta mudança fez aumentar mais de um milhão de habitantes portugueses no espaço de
41
Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe.
0
2.000.000
4.000.000
6.000.000
8.000.000
10.000.000
12.000.000
Gráfico Demográfico da População Portuguesa
Nº de
Habitantes da
População
Portuguesa
Ano
População
Figura 36 - Gráfico representativo da demografia da população portuguesa entre
1864 e 2011.
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75
dez anos. A partir desse momento os Censos têm registado o aumento da população
portuguesa, não só composta por famílias portuguesas como também novos imigrantes
maioritariamente da Europa de Leste, China e Norte de África. Um pouco por todo o
país, podem agora observar-se novas culturas e formas de estar. No entanto, no ano
corrente e devido à actual conjuntura que o país atravessa, uma nova geração de
emigrantes abandonou Portugal, com perspectivas de condições de trabalho e de vida
superiores às vivenciadas até então. Quem abandona o país, não são só portugueses
como também os imigrantes que outrora estabeleceram vida em Portugal. Assim,
deduzimos que nos próximos censos, a realizar em 2021, sofra o segundo declínio
populacional registado no espaço de cinquenta anos.
Vejamos agora o que acontece com os restantes locais. Terão verificado, à
semelhança do país, o crescimento da sua população? Como tivemos oportunidade de
verificar no subcapítulo X, o êxodo rural demoveu e continua a demover a intenção das
pessoas a fixarem-se em locais rurais, com poucos habitantes e poucas alternativas de
empregabilidade e de vida. Mesmo as cidades capitais de distrito apresentam um
decrescimento acentuado da percentagem de população residente. Por estas razões,
fazemos antever ao leitor, a negação da questão colocada anteriormente.
0
50.000
100.000
150.000
200.000
250.000
300.000
350.000
População de
Castelo
Branco
População
Ano
Gráfico Demográfico de Castelo Branco
Figura 37 - Gráfico representativo da demografia da população do distrito de Castelo Branco entre 1864 e
2011.
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76
0
5000
10000
15000
20000
25000
30000
35000
40000
Gráfico Demográfico de Idanha-a-Nova
População de
Idanha-a-Nova
População
Ano
0
500
1000
1500
2000
2500
3000
3500
4000
4500
Gráfico Demográfico de Monsanto
População de
Monsanto
População
Ano
Figura 38 - Gráfico representativo da demografia da população do concelho de Idanha-a-Nova entre 1864
e 2011.
Figura 39 - Gráfico representativo da demografia da população da freguesia de Monsanto entre 1864 e
2011.
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77
Ao contrário do que se verifica aos dados referentes à demografia da população
portuguesa, os restantes, como podemos observar, representam um decréscimo a partir
do ano de 1950, o qual ainda hoje se faz sentir. Justificamos este decréscimo com o
final da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) que teve como efeito a recuperação das
economias e desenvolvimento de grandes centros urbanos com condições de vida e
oferta de trabalho superiores às vivenciadas no meio rural. Entre os anos 1933 e 1974,
em Portugal, registou-se a maior taxa populacional em Monsanto, Idanha-a-Nova e
Castelo Branco, alguma vez registada pelos Censos. No entanto, registou-se também a
maior percentagem de abandono da mesma aldeia, concelho e distrito. Diminuição que é
ainda hoje uma realidade. Mais tarde e a par do que se pode observar nas Figuras X, X e
X as localidades perderam quase um terço da sua população entre 1960 e 1970. O texto
que se segue explica precisamente este momento.
“Legiões de camponeses deixaram, nos anos 60, o mundo rural e
emigraram para as cidades ou para o estrangeiro - Os primeiros foram
trabalhar nas fábricas que nasciam para produzir principalmente os têxteis que
a Europa do pós-guerra, agora numa situação desafogada, consumia. Os
segundos sustentaram a balança de pagamentos nacional na década crítica de
70. Portugal aderiu cedo a todas as organizações económicas internacionais
que surgiam, para ajudar as empresas. Os investidores privados eram o motor
da economia, pois o Estado não gerava receitas para criar infra-estruturas.”42
Anteriormente, introduzimos o prémio que abriu portas ao turismo da aldeia,
como um canto de Portugal imaculado e no qual podemos ainda apreciar a Natureza e o
Homem em sintonia. As razões pelas quais Monsanto foi a vencedora em 1938 do
concurso “A Aldeia Mais Portuguesa de Portugal” continuam ainda hoje muito
presentes e sentidas pela população. Desde então poucas foram as modificações
sofridas, já que a ausência de indústrias e a produção local prevalece, o que afecta a
economia local. Para justificarmos e complementarmos esta afirmação, foi realizado um
levantamento com fim a entender que trabalhos são ainda realizados na aldeia de
Monsanto e quais as fontes de rendimento da população. Segundo os dados relativos aos
últimos censos realizados em Portugal, no ano de 2011, a taxa de empregados
42
DIÁRIO DE NOTICIAS – Especial Revolução de Abril [Consultado em 23 de Maio de 2013].
Disponível em
http://www.dn.pt/especiais/interior.aspx?content_id=1210686&especial=A%20revolu%E7%E3o%20de%
20Abril&seccao=POL%CDTICA.
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representava 20,5% contra 1% de desempregados e 78,5% de pensionistas e reformados.
É interessante também verificar que dos 20% empregos apresentados, 9,5% representam
o sector primário, 26,5% o sector secundário e 64% dizem respeito ao sector terciário.43
De uma região que poderia facilmente corresponder em percentagem
superior, relativamente ao sector primário, com extracção e produção de matéria-prima,
é ao contrário das nossas expectativas, o sector terciário a ocupar o lugar com maior
emprego. Desengane-se no entanto, quem deduzir que pela história da povoação, os
empregos gerados possam relacionar-se com campanhas turísticas, museu ou até mesmo
de hotéis e residenciais. Apesar do forte caracter histórico e cultural, não se verificaram
até agora, intuitos expressivos de contribuir para a criação de condições base para fechar
a economia em torno do turismo. O sector terciário corresponde por isso a lares e
pontuais negócios de restauração. Mais se acrescenta, que a produção de bens nesta
aldeia é muito tímida e cria um claro desequilíbrio entre gastos e ganhos. Vejamos o
seguinte exemplo. Muitos são os produtos importados de localidades vizinhas ou mais
distantes, o que obriga a um esforço acrescido em termos de transportes e capital. Se um
turista comprar uma embalagem de bolos típicos e analisar a sua proveniência,
rapidamente detecta na respectiva embalagem que são encomendados da povoação de
São Miguel d’Acha que dista 22 km de Monsanto. As lãs, casacos e outros produtos de
vestuário são produzidos, também vendidos num comércio local localizados na Vila,
são importados da Covilhã e do Fundão que distam, respectivamente, 68 km e 50 km.
Poderíamos enumerar ainda mais produtos cuja sua produção não ocorre na terra. O
desgaste económico que ocorre da importação constante de bens consumíveis e
turísticos sem nunca conseguir obter um lucro que permita investimentos, fazem com
que o desgaste da população e a procura por trabalho seja manifestamente elevado.
Contudo, deixemos os aspectos da produção e respectivas indústrias para o subcapítulo
que sucede, onde analisaremos com rigor as heranças ancestrais e contemporâneas da
aldeia.
Tal como foi referenciado, os habitantes da aldeia são na sua maioria reformados
e pensionistas, portanto um contributo nulo ou quase nulo para a sustentabilidade
financeira do local. No entanto, não podemos descartar a sua existência. A nossa
conclusão perante este subcapítulo parte precisamente deste princípio e termina com
43
Sector Primário- actividades que extraem ou produzem matéria-prima; Sector Secundário- actividades
de transformação da matéria-prima; Sector Terciário- actividades de prestação de serviços.
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uma prelecção sobre os conceitos gerados em torno da mão-de-obra útil e activa. É-nos
importante esclarecer que esta aldeia não se rege pelas normas de uma cidade como
Lisboa ou Porto, grandes centros populosos. Por essa mesma razão, também o
quotidiano e tarefas feitas por crianças, adultos e idosos num caso e no outro são
completamente distintas. Se assim é, também o mercado e os seus serviços, com vista
na sustentabilidade económica, devem ser necessariamente diferentes. A questão que
aqui colocamos irá ser abordada adiante e pretende repensar no problema aqui
delimitado: Como podemos optimizar a intelectualidade e a mão-de-obra de idosos que
são considerados inactivos na órbita laboral?
4.2. O Design e a Aldeia - Heranças Ancestrais e Contemporâneas
No subcapítulo que agora iniciamos, faz parte do nosso objectivo, exemplificar
objectos e indústrias existentes na aldeia, bem como comprovar, através dos mesmos,
que o Design, enquanto disciplina, fez parte dos primórdios deste local. É-nos claro,
para nós que elaboramos uma dissertação no âmbito do Design de Produto, que a partir
do momento em que o ser humano se desenvolve, que pela sua Natureza, encontre
fórmulas de sobrevivência, através da necessidade alimentar, habitacional ou cultural.
Contudo, somos conscienciosos de que este é um tema que requer cuidado na sua
explicação e de que é um tema que gera controvérsia.
O desenvolvimento deste capítulo motiva-nos pela inexistência de um
documento similar e que elucide a linha do tempo em torno do que era e é a produção e
o simbolismo de Monsanto. Justificamos por isso este capítulo como sendo
imprescindível para fundamentarmos o tema do nosso trabalho. É do nosso intuito que o
leitor, ao consultar este subcapítulo, seja transportado ao longo das experiências locais e
que no final do mesmo, tenha o conhecimento dos produtos existentes em Monsanto,
bem como a via de produção respectiva.
Assim, damos início à primeira de três fases, em que sugerimos o conhecimento
de símbolos descobertos em escavações feitas à aldeia; matérias-primas, produção e
venda dos produtos; e por último, a produção actual com visão sobre o turismo. Com as
três vertentes, pretendemos que seja entendida a aldeia como um espaço evolutivo, que
insere sobre si um percurso com encontro às suas preocupações.
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Como tivemos a oportunidade de explicar no subcapítulo 4.1.2. A importância
estratégica do local, Monsanto tem sido conquistada e reconquistada ao longo de
centenas de anos. Provas destas invasões e vivências são os objectos que são
encontrados um pouco por todo o terreno correspondente a Monsanto. Os objectos
remontam a culturas como os Lusitanos, Árabes e Romanos, e as peças outrora
fabricadas não são hoje mais que símbolos que nos ajudam a entender o quotidiano dos
mesmos. Assim, e com base no livro Monsanto – História e Arqueologia as peças mais
antigas remontam à Pré-História. Na Figura 47 podemos observar aquilo que é a
silhueta de um machado produzido em metal, instrumento utilizado para os afazeres que
requeriam desbaste e precisão.
Figura 40 - A primeira figura representa um machado. As duas seguintes são maços encontrados
para a moagem dos cereais datados do ano 133 a.C.
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Segundo Maria Manuela de Campos Milheiro foram também descobertos maços
graníticos, cerca de uma rocha com sulcos entre 5 a 18 centímetros de diâmetro, que se
pressupõe terem sido utilizados para moagem dos cereais, representados na Figura 48 e
49.
Relativamente ao povo romano, não será de estranhar que as peças descobertas
sobre esta altura tenham características cerâmicas e metalúrgicas. Vejamos primeiro os
exemplos dos potes cerâmicos aqui encontrados. Estes vasos em muito se assemelham
com os potes ainda hoje utilizados nas cozinhas das famílias de Monsanto, tanto com
recurso à decoração como também para guardar água, azeitonas e outros alimentos.
Relativamente a peças metalúrgicas destacam-se as extremidades de armas, como
flechas, e também diademas, brincos e anéis de ouro.
Figura 41 - Imagens dos vários objectos cerâmicos encontrados em Monsanto e datados do século
I d.C..
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Figura 42 - À esquerda, diademas de ouro datados do século I. À direita objectos cerâmicos do século II ou
III d.C.
Figura 43 - Representação de armas romanas.
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Estes foram os objectos de pequeno porte encontrados nos últimos anos. Há
ainda a acrescentar túmulos datados do Cristianismo e peças arquitectónicas datadas do
século VIII como é o caso da capela de S. Pedro de Vir-a-Corsa.
Depois da abordagem relativa a peças encontradas e caracterizadoras dos povos
respectivos, repare-se nas noções ergonómicas e morfológicas que todos os objectos
detinham e nas variações que uma mesma técnica e forma poderiam obter. Colectámos
por isso imagens tão importantes como púcaros, cântaros, bilhas, urnas, tigelas e pratos,
todos eles com significados e funções diferentes. Observe-se por exemplo nas asas dos
cântaros da Figura 41 e compare-se a qualquer uma outra peça semelhante e
concretizada nos dias de hoje. Se concordarmos em denominar um objecto com esta
morfologia e produzido sob a auscultação de máquinas industriais ou forças manuais de
peça com sentido da disciplina de Design por reflectirem uma necessidade e função,
então não poderemos duvidar presença da mesma disciplina em alturas tão remotas
como a Pré-História. Esta é uma conclusão que já tínhamos anunciado no segundo
capítulo deste mesmo trabalho, mas que agora o sustentamos com exemplos práticos do
objecto em estudo.
Figura 44 - Fotografia capturada no âmbito desta dissertação e que representa a capela de S.
Pedro de Vir-a-Corça.
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Depois de examinados os símbolos e objectos provenientes de povos seculares,
introduzimos agora a segunda parte deste capítulo, que visa expor as indústrias e
matérias-primas fizeram e fazem parte desta aldeia.
Como tivemos oportunidade de expor anteriormente, Monsanto é uma povoação
sem influências industriais significativas. Por este mesmo aspecto, considera-se a aldeia
um museu vivo ou mesmo até um ecossistema inserido num ambiente raro de perfeita
harmonia entre Natureza e Homem. Assim, as suas indústrias continuam idênticas às
verificadas em 1961, data da primeira edição do livro Monsanto - Etnografia e
Linguagem e no qual foram descritas curiosidades sobre os produtos, formas de estar e
linguagem da aldeia. Tendo em conta a última vez que tal foi inventariado, sentimo-nos
com o bom dever de continuar o trabalho exaustivo de Maria Leonor Buescu, e registar
os novos produtos introduzidos na aldeia dessa data em diante. Naturalmente, hoje em
dia muitas são as culturas que já não são praticadas. Mesmo assim iremos registá-las
para uma ampla e verdadeira visão de todo o sistema.
Primeiro, entenda-se por indústria, a capacidade de produzir algo através de
actividades que manipulam matérias-primas para originar bens e produtos.44
No caso
especifico de Monsanto, as indústrias presentes dizem respeito a transformações, na sua
maioria, de carácter privado e individual. Para nos facilitar o entendimento e os
paralelismos entre indústrias e produtos, comecemos por enumerar a matéria-prima
existente. As culturas agrícolas praticadas oscilavam entre a produção de trigo, milho,
azeitona, tabaco, linho e sobreiros, em proporções elevadas. Os dois primeiros,
utilizados para a produção de farinhas, deixaram de ser verificados, e são somente
cultivados em campos privados de pequena escala e o mesmo se verifica com as
oliveiras, utilizadas para extrair as azeitonas e assim produzir azeite. Sendo uma zona
fronteiriça e por isso uma zona relacionada com o contrabando entre Portugal e
Espanha, o tabaco era o bem com maior geração de riqueza, não só pela sua procura
mas também pela mão-de-obra utilizada. Também o linho, utilizado na indústria têxtil
deixou de fazer parte das culturas agrícolas de Monsanto. As serranas, mulheres que
detinham o conhecimento para fiar e tecer o linho, deixaram, por conseguinte, de fazer
parte da aldeia, significando desta forma, a extinção da profissão. Devemos ainda referir
a utilização do sobreiro, que não sendo muito acentuada nesta região, é mesmo assim,
muito importante para extracção da cortiça e para o fabrico de produtos ditos típicos. O
44
PRIBERAM – Industria [Consultado em 23 de Maio de 2013]. Disponível em
http://www.priberam.pt/dlpo/industria.
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85
tropeço e o cocho são exemplos comuns daquilo que podemos encontrar como objectos
auxiliares e fabricados em cortiça. O primeiro, designa uma tipologia de assento distinta
para mulheres e homens. Para as primeiras, o tropeço deverá medir cerca de 20 cm de
altura, enquanto para os homens deverá ser ligeiramente mais alto. Pelas qualidades da
cortiça, macios e resistentes, este era o banco de maior utilização, principalmente na
cozinha, onde decorria a maior parte da vida familiar. Lamentavelmente, apenas um ou
dois habitantes desenvolvem ainda esta tipologia de produtos e somente quando
encomendados, sem serem expostos e comercializados ao público geral. O segundo
exemplo, os cochos desenvolvidos também em cortiça, são utensílios similares a
grandes colheres e utilizados pelas pessoas para beber água. Tal como o primeiro
exemplo, a sua produção já não se verifica na aldeia.
Concluindo esta primeira abordagem, nenhuma das seis culturas, que outrora
empregavam a população da aldeia, são cultivados em grande escala e não mais são
utilizados para os fins a que outrora lhes pertencia. A escassez de mão-de-obra jovem,
capaz de suportar o intenso trabalho do campo e a pouca exploração de novas
oportunidades de negócio, são apontadas como as principais razões para este
acontecimento.
Não existindo dados relativos às indústrias agrárias actuais da povoação, torna-
se árdua a tarefa de calcular os lucros e a quantidade de produção efectuada. Contudo,
pela nossa experiência e contacto com a população, conseguimos entender que alguns
aldeões continuam a utilizar os campos de cultivo para semear alimentos de subsistência
do dia-a-dia, mas têm apenas o intuito de sustentar as suas necessidades, sem
preocupação na venda dos excedentes de alimentos.
Figura 45 – Á esquerda, o exemplo de um tropeço feito em cortiça. À direita, o
exemplo de um cocho também desenvolvido em cortiça.
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Os animais, fonte invariável de alimentos e outros produtos, fazem também eles,
parte da matéria-prima da aldeia e também da região, apesar de que, com o passar dos
anos, e naturalmente com o êxodo que ainda se faz sentir, a criação de gado tenha
diminuído. Contudo, a criação de galinhas, porcos, vacas, coelhos, ovelhas e cabras
apesar de em pequena escala, é ainda hoje assegurada. Assim, para além dos proveitos
alimentícios, outras zonas dos animais são aproveitadas, sendo nelas que agora nos
concentramos.
É do conhecimento geral que, extraída das ovelhas, a lã representa uma
percentagem significativa da indústria têxtil. A proximidade com a região da Serra da
Estrela torna o comércio e a exploração desta matéria muito difícil de se verificar em
Monsanto e arredores. Nas lojas de comércio turístico por exemplo, são vendidas lãs e
vestuário vindos precisamente da produção da Serra da Estrela, não deixando espaço
para a inserção de novos produtos.
Por sua vez, a pele de cabra, pelas suas qualidades elásticas e resistentes, é
utilizada para o fabrico de um instrumento musical, típico do conselho de Idanha-a-
Nova, denominado adufe Figura 46. Este objecto, cuja morfologia quadrangular mede
cerca de X cm de comprimento é produzido com um esqueleto de madeira e depois
coberto por pele esticada. No interior, são colocadas sementes para imitir som quando
tocado. A sua produção é certificada por apenas um habitante, residente no conselho de
Idanha-a-Nova, que produz entre tamanhos normais e mais diminutos, com o intuito de
serem vendidos nas lojas turísticas da região. Por quase todas as suas freguesias existem
ranchos e grupos folclóricos, compostos somente por mulheres que os fazem tocar. Não
sendo excepção, o grupo de Adufeiras de Monsanto é de todos, aquele com mais
visibilidade, nacional e internacional.
Figura 46 - Exemplo do instrumento musical Adufe.
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Entramos por último na terceira parte deste subcapítulo. Hoje, a aldeia detém
mais uma matéria-prima de onde extrai algum lucro e visibilidade. A matéria em
questão não é tangível mas representa um trunfo em aldeias mais desassossegadas pelo
abandono dos seus habitantes. Como já tivemos oportunidade de referir, o turismo é,
nos dias que atravessamos, um meio para recuperar a cultura que aos poucos é
deslembrada. Naturalmente, o facto de estar associada à categoria de Aldeia Histórica,
reforça ainda mais a ideia de importância. Mas se tivermos em conta aquilo que outrora
fora produzido e aquilo que hoje, nas circunstâncias já descritas, nos é apresentado,
parece-nos que estamos perante o declínio iminente de todo o pensamento de design
aqui constituído.
Neste âmbito vários são os objectos que, dentro de um parecer rural, campesino
e distante, continuam a ser vendidos em Monsanto. Muitos destes produtos não são no
entanto, produzidos na aldeia como referimos anteriormente, existindo a necessidade de
serem importados para a mesma, o que faz acrescentar custos de transporte e fabrico
desnecessários. Vejamos agora os produtos que fazem parte deste contexto.
As rodilhas, peças circulares feitas com retalhos de pano, foram durante muitos
anos, auxiliares no transporte de alguidares de roupa e cântaros de água. As rodilhas
eram colocadas entre a cabeça e a as peças a transportar, de forma a amortizar o peso
dos objectos a transportar. Hoje em dia-a-dia estas peças são incomuns na utilização
para que foram destinadas, contudo são ainda elaboradas por lojas de artesanato e
vendidas como peças de decoração. As variações que foram por nós observadas
registam-se como auxiliares na decoração da mesa como por exemplo marcadores de
lugares e bases para quentes. A sua confecção é feita primeiro com um enchimento de
tecido em forma de donut. Assim que a primeira fase estiver construída, prossegue-se à
envolvente com tecidos dos mais variados padrões. O preço varia consoante o seu
tamanho e podemos encontrar peças de 5cm a 10cm de diâmetro por 2 euros a 5 euros,
respectivamente. A sua confecção demora cerca de duas horas e é praticado por
senhoras que vendem posteriormente às lojas de artesanato locais.
A par do que acontece com as rodilhas, também as rendas são um objecto
praticado por quase todas as regiões portuguesas. A ideia de uma senhora idosa a
baloiçar uma cadeira com agulhas e fios envoltos nas mãos, é na realidade, uma
verdadeira fotografia do que podemos caracterizar sobre este produto em Monsanto.
Com esta técnica são produzidos naprons e panos de mesa, sem outro tipo de utilização.
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88
Apesar de, no nosso parecer, originarem trabalhos complexos e de grande valor, não
estão adequados à realidade comercial dos dias correntes.
As marafonas, bonecas típicas da região, são caracterizadas por não lhes
pertencer qualquer expressão facial. A ausência de olhos e boca está relacionada com
tradições relativas aos cultos da fertilidade. São, de todos os objectos enumerados do
ramo turístico, aqueles que são mais típicos e de maior essência tanto na sua produção
como comercialização. Construídas sob a base de uma cruz de pau, à ,marafona é-lhe
colocada um lenço envolto no que se entende por cabeça e é-lhe posteriormente
colocado, um vestido. São produzidas por habitantes que, nos seus tempos livres se
dedicam à sua costura. A comercialização fica a cabo das mesmas, que optam por
vender nas ruas da aldeia, ou às lojas de artesanato. O preço por unidade varia entre 3
euros e 6 euros, consoante o tamanho da boneca.
Figura 47 – Exemplo de uma rodilha com 13 cm de diâmetro.
Figura 48 - Marafonas desenvolvidas por habitantes de Monsanto.
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Também os postais e souvenirs a simular as casas na pedra de Monsanto, fazem
parte dos produtos turísticos vendidos nas lojas de artesanato locais. Estes produtos,
apesar de nada sabermos sobre a sua produção ou origem, são um óptimo veículo de
transporte para o conhecimento das riquezas da aldeia. No entanto apresentam, a nosso
ver, falhas de comunicação e de contemporaneidade relativamente às intenções dos
turistas, não apresentado, por exemplo, o contexto histórico de Monsanto.
Hoje, estes objectos são produzidos para venda ao público visitante, contudo
pouco é o lucro ganho do seu comércio (elevado custos dos transportes, ausência de
matéria-prima), isto porque apesar de ser uma aldeia visitada durante o ano, existem
factores que abstêm os consumidores de adquirir os produtos. Que factores são estes?
Em conversa com alguns dos turistas visitantes da aldeia, tentámos apurar quais
as suas opiniões em torno desta problemática. As respostas que obtivemos foram muito
satisfatórias já que nos indicaram perspicazmente os seus problemas. A falta de
explicação sobre a história e produção de qualquer dos produtos é o ponto mais
importante para esclarecermos a falta de compra por parte dos consumidores. A
ausência de informação reflecte-se na insensibilidade que os consumidores constroem
em torno dos produtos vendidos nas lojas de artesanato. Os produtos são
desinteressantes quanto à sua própria morfologia, assemelhando-se sempre com
souveniers de outros pontos turísticos nacionais e internacionais.
Este argumento levou-nos a questionar o porquê destes objectos não terem
acompanhado a evolução dos tempos. Se o contexto é diferente porque não evoluíram
no mesmo caminho? Como poderemos potenciar o passado com vista num pensamento
actual?
Terminada a análise dos objectos, é com desprazer que afirmamos, que as
indústrias presentes na década 50 e 60 são hoje inexistentes ou permanecem com
dificuldades face à pouca optimização das suas potencialidades. Quase todos os
produtos, outrora produzidos, deixaram, por força das circunstâncias, de o ser.
Aceitamos estes acontecimentos como parte da evolução e deixamos o nosso contributo
ao fazer-lhes referência. No entanto urge manter viva a sua história. A aldeia é uma
povoação muito rica relativamente ao saber fazer e às matérias existentes. Contudo, e
face ao actual contexto social que vive, muitos dos conhecimentos desaparecem com
quem sempre os soube fazer e a parca existência de pessoas em idade activa agrava
ainda mais a situação. Partimos o seguinte subcapítulo com uma questão: De que forma
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90
pode então o Design enquanto disciplina detentora de ferramentas contribuir para
repensar o actual sistema de venda e produção de Monsanto?
4.3. Habitabilidade do Espaço
No presente subcapítulo pretendemos discutir as condições existentes e mapear
as necessidades dos diferentes utilizadores da aldeia com turistas, aldeões, familiares e
pessoas que nunca a tenham visitado. Por estarmos a referir um ambiente complexo, a
importância de entender cada um dos intervenientes torna-se imperativa. É por isso
importante entender quem utiliza a aldeia e de que forma dela usufrui.
4.3.1. Serviços Existentes
Para um melhor entendimento e análise das necessidades dos diversos
utilizadores previamente identificados, foram analisados serviços existentes
relativamente a seis áreas que agora enumeramos: 01-Alimentação; 02-Turismo; 03-
Transportes; 04-Educação; e por último 05-Cultura. Pretendemos com esta disposição
facilitar o entendimento mais eficaz da povoação e entender qual o panorama actual de
oferta de condições de vida.
01- Alimentação
Comecemos por analisar a Alimentação dentro da qual, inventariámos os três
grupos de possibilidades do segmento Horeca45
, Mercearias e Autocaravanas
abastecedoras.
Na Vila, em Monsanto, objecto do nosso estudo, os habitantes dispõem de três
cafetarias, das quais, apesar de não servirem refeições podem usufruir de bebidas
rápidas, jogos de sorte e mais importante, convívio.
A população tem seis opções de aquisição de mantimentos. Durante os meses de
menor movimento, e nos quais se verifica o maior isolamento por parte dos habitantes
(Setembro a Outubro e Janeiro a Junho), a alimentação do povoado depende dos
produtos hortícolas produzidos individualmente. Persiste também o conceito de troca de
géneros, o que possibilita a interacção dos habitantes e a subsistência que é assegurada
45
Hotéis, Restaurantes e Cafetarias.
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por todos. Para habitantes e familiares, os cafés são lugares de grande importância. Por
outro lado, os turistas procuram restaurantes com refeições típicas, onde podem apreciar
a gastronomia da região. Tendo em conta que a maioria dos habitantes detém parcelas
de cultivo próprios, a mercearia outrora existente deixou de ser necessária, ficando a
operar apenas uma, cujos produtos vendidos são quase sempre as farinhas, açúcar,
detergentes e congelados.
02 – Turismo
O Turismo representa para a aldeia, uma das fontes de rendimento mais
importantes, favorecendo lojas de artesanato, restaurantes e casas de repouso. Como
anteriormente foram analisados os serviços relativamente a alimentação, iremos
considerar apenas pousadas, lojas de artesanato e eventuais espaços turísticos.
A oferta de Cultura na aldeia não faz jus à capacidade histórica e à
potencialidade da mesma. Assim, resta-nos enumerar as feiras medievais concretizadas
anualmente e as lojas de artesanato que satisfazem o consumo turístico.
A ausência de um Museu ou de outros movimentos culturais permanentes
reflecte-se não só na economia local, que não tem forma de sustentar os custos das suas
vivências como também na vertente Cultural. Na nossa perspectiva a introdução
eventual de um Museu poderia contribuir largamente para a economia e divulgação
local sendo um sistema perfeitamente enquadrado nos dias de hoje e que poderia
angariar fundos para recuperar uma economia baseada na venda de artesanato
paralisado no tempo.
Relativamente a hotelaria, a ausência de espaços que alberguem os visitantes não
corresponde ao fluxo turístico, muito elevado nos meses de Abril, Junho, Julho e
Agosto. O aumento da oferta poderia permitir o aumento de receitas e gerar mais valor.
Muitas são as famílias que se deslocam em viatura própria durante os fins-de-
semana e que, não tendo a intenção de ficar hospedados, usufruem da visita ao castelo e
das lojas de artesanato disponíveis. Também é importante salientar que as deslocações
são feitas em datas específicas:
- No Natal, visitas maioritariamente feitas por familiares;
- Na Páscoa, o volume de visitas pode dividir-se por familiares e turistas;
- Julho e Agosto, por ocasião das férias escolares e portanto maioritariamente
deslocações feitas por familiares;
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- Festas e romarias como por exemplo a 3 de Maio, na Festa da Nossa Senhora
do Castelo e no segundo fim-de-semana de Setembro, na festa da Nossa Senhora da
Azenha. São ambas, as mais importantes datas para a visita à aldeia e portanto com
maior índice de visitantes.
03 - Transportes
Naturalmente, a viatura própria representa o maior meio de deslocações. É de
salientar a possibilidade de aquisição de um passe +65 gratuito para habitantes do
concelho de Idanha-a-Nova, com idade igual ou superior a 65 anos e que permite a
deslocação de autocarro entre as diversas freguesias e a capital de distrito, Castelo
Branco. A utilização efectivada pelos passageiros objectiva-se maioritariamente para
aquisição de bens de primeira necessidade não existentes no comércio local.
Socialmente, a possibilidade de usufruir de autocarros todos os dias da semana, permite
a conexão de todas as freguesias da região, de forma a combater o isolamento e a
solidão das povoações.
05 – Educação
No que diz respeito a serviços educacionais, não se verificam na área da aldeia,
qualquer Escola, Infantário ou ATL activos para usufruto de crianças e adolescentes,
factor que nos parece aceitável tendo em conta o actual paradigma da região. Apesar de
existirem, como nos indicam os últimos Censos realizados, habitantes menores de 18
anos e por isso, com ensino escolar obrigatório, não se justifica a manutenção de
serviços escolares. O edifício escolar existente e que objectivava o ensino em Monsanto
é hoje propriedade da Guarda Nacional Republicana e onde desempenham as
respectivas funções. Assim, a inscrição de todas as crianças e adolescentes é efectuada
na escola pertencente ao concelho respectivo que dista 20 Km, em Idanha-a-Nova.
Os erros mais significativos destacam-se na área do Turismo pois sendo a aldeia
particularmente direccionada para este campo, a oferta existente, apresenta alguns
lapsos relativamente à comunicação e incentivo ao comércio.
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4.3.2. A Visão dos Intervenientes
Quando nos empenhamos na realização de um projecto, fazemo-lo pelas nossas
motivações, anseios e experiências. O mesmo é aplicável ao trabalho de investigação,
que ao longo destas linhas é preparado e desenvolvido em torno da urgência de
promover a aldeia e ajudar a população que a constitui. Não poderíamos por isso, retirar
conclusões sem primeiro interagirmos e estimularmos as pessoas abordadas a participar
num projecto que lhes pertence e com as quais temos o dever de partilhar.
Com esta premissa em vista, foram, para o efeito, realizados três métodos de
intervenção: a observação que pressupôs o distanciamento físico mas atento ao
ambiente em volta; inquéritos, nos quais a interacção física foi primordial; e por fim o
Brainstorming, que foi desenvolvido num grupo de designers.
Método 1: Observação
Procedimento:
A observação e abordagem das pessoas seguiram duas metodologias, que nos
permitiram retirar algumas conclusões no âmbito da vivência da terra.
Comecemos por descrever e apresentar as conclusões da primeira metodologia
que foi colocada em prática nos dias 29 e 30 de Março de 2013. Durante a Semana
Santa, semana que antecede o domingo de Páscoa, muitos são os turistas que se
deslocam à aldeia para experienciarem os festejos tradicionais da época. Também os
familiares dos habitantes fazem parte deste retrato o que faz desta altura do ano, uma
das mais movimentadas.
As primeiras observações recaíram sobre turistas. Estes foram observados com a
ausência de mapas da aldeia ou qualquer outro folheto de informação sobre a mesma, a
não ser livros com informação geral sobre Portugal e cuja informação sobre Monsanto é
moderada.
Apesar de existir a possibilidade de aquisição de auriculares com a descrição em
vários idiomas dos pontos icónicos da aldeia, poucos são aqueles que os adquirem.
Deduzimos que a falta de informação da sua existência esteja na origem deste factor.
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A interacção de nativos com turistas é feita de forma muito interessante. Alguns
dos habitantes aproveitam as suas visitas para a troco de algumas moedas fazerem
visitas guiadas ou venderem objectos típicos.
Resultados:
Método 2: Inquérito
Procedimento:
Foram inquiridas doze pessoas, seleccionadas de forma aleatória e que se
dispuseram a participar. Contam-se entre elas, dois turistas, três crianças, familiares de
habitantes e oito habitantes.
Interacção entre turistas e habitantes é
próxima apesar das barreiras
linguísticas.
Pré-disposição para ajudar e oferecer.
Interacção entre crianças, jovens e
adultos muito desenvolvida e praticada
nas ruas.
Sanitários públicos disponíveis.
Muitos pontos de interesse.
Aspectos
positivos
+
Comunicação visual fraca
Pouca informação turística.
As entradas em lojas de artesanato são
feitas muito rapidamente e com pouca
aquisição.
Pouca oferta de dormida. Os turistas
não permanecem na aldeia.
Aspectos
negativos
-
Aspectos positivos e negativos - Aldeia de Monsanto
Figura 49 - Análise dos objectos positivos e negativos que partiram da observação.
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Uma das dificuldades que julgámos encontrar foi estimular as pessoas abordadas
a falar sobre as suas motivações, anseios e experiências, mas mais importante, entender
que problemas existiam sem que nós ainda nos tivéssemos debruçado. Contra as nossas
expectativas, a população manifestou-se de forma muito positiva e das quais retirámos
importantes feedbacks.
Resultados:
Figura 50 - Gráfico dos Problema, Necessidades e Preocupações segundo as opiniões da
população.
Método 3: The Perfect Brainstorm
Introduzido no livro The Art of Innovation por Tom Kelly, sócio na empresa
IDEO, the perfect brainstorm ou a tempestade de ideias perfeita, é um método
comumente utilizado nas empresas para tirar partido das experiências, pareceres e ideias
pessoais, num contexto de grupo. O objectivo é criar o maior número de ideias
4% 4%
8%
21%
25%
38%
Problemas, Necessidades e Preocupações
Alimentação
Educação
Saúde
Emprego
Mobilidade e comunicação
Bem-estar
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96
relacionadas com determinado tema e expô-las, de forma a possibilitar a geração de
mais ideias e debate em torno das mesmas.
Procedimento:
O Método 3 – The Perfect Brainstorm surgiu com o intuito de encontrar o maior
conjunto de Pesadelos e Sonhos protagonizados por todos os intervenientes da aldeia.
Para tal, solicitámos a ajuda de um grupo de designers que aceitaram, no espaço de três
a quatro horas, ouvir os dados relativos aos aspectos culturais, sociais e históricos da
aldeia, bem como os resultados das entrevistas e conclusões praticadas até à data.
A acção decorreu em dois momentos. Primeiro, dedicámo-nos, em conjunto, a
enumerar os pesadelos, entenda-se angústias, vividos por habitantes, familiares dos
habitantes, turistas e comerciantes de Monsanto em Anexo (Pag.146). Na segunda fase,
o mesmo grupo enumerou os sonhos, entenda-se soluções e vontades, de cada um dos
grupos de intervenientes (Anexo Pag. 147).
Resultados:
Os resultados demonstraram ser significativos e foram de encontro ao que
pretendíamos: obter o maior número de respostas que suscitam o desenvolvimento de
Monsanto. As soluções encontradas tiveram, por isso, um interesse muito elevado já que
foram apresentadas visões cumpridoras dos interesses de cada um dos intervenientes
nunca esquecendo o contexto em que está inserido.
Concluiu-se que as falhas relativas ao campo da saúde, educação e alimentação,
são, apesar de necessárias restaurações, secundárias, visto que, respectivamente, estão
disponíveis serviços de saúde três vezes por semana, existem poucas crianças para
frequentar a escola e a alimentação é gerada pelos próprios ou transportada de forma
ambulante. Notou-se por outro lado, um verdadeiro interesse em conhecer a aldeia e as
autenticidades da mesma, através de: experiências radicais, como escalada e rapel;
construção de uma quinta pedagógica com visitas escolares; workshops gastronómicos;
entre outros. Salientam-se no entanto as ideias relativas à produção e exportação local,
como por exemplo o fabrico de, marafonas e introdução de tecnologia sonora;
distribuição das mesmas bonecas por canais de venda do grupo Sonae; divulgação da
terra através da venda e promoção gráfica da mesma em máquinas expostas no metro de
Lisboa. É por isso do nosso grande interesse explorar a produção de novos produtos que
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97
se baseiem na história e cultura locais, mas que se adaptem às novas necessidades da
população.
Método 4: Análise SWOT
Como introduzimos anteriormente a análise SWOT deve fazer parte de qualquer
pesquisa, para melhor interpretação e exposição das características do que se pretende
estudar. Apresentamos, na virtude deste trabalho, a análise SWOT relativa à aldeia de
Monsanto.
3.4. Iniciativas de dinamização do concelho de Idanha-a-Nova
Turismo rural.
Desenvolvimento de um Museu com
vista a explorar as características
da aldeia.
Inserção da população na produção.
Reconstrução de antigas
lagariças e moinhos.
Difícil acesso à Vila (paisagem escarpada).
Ausência de farmácia e primeiros
socorros.
Escassa mão-de-obra.
População muito envelhecida
Património e aldeia Histórica.
Inserida no Geoparque Naturtejo.
Paisagem e contacto com a Natureza.
Conhecimento das técnicas e tradições.
Falta de empregos.
Diminuição da população activa.
Perda das profissões tradicionais
-Latoeiros
-Ferreiros
-Curtidores
Ameaças Oportunidades
Fraquezas Forças
Análise SWOT – Aldeia de Monsanto
Figura 51 - Análise Swot da Aldeia de Monsanto.
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98
O terceiro e último grupo de Estudos de Caso do trabalho de investigação, terá
como objectivo primário conhecer algumas das iniciativas que contribuem para a
promoção e desenvolvimento do concelho de Idanha-a-Nova. Serão portanto
introduzidos ao leitor, cinco projectos distintos: a revista Adufe; a Incubadora de
Empresas de Idanha-a-Nova; o Eco-festival Salva-a-Terra; e por último, o Museu Rural
do Século XXI.
Revista Adufe
Comecemos por analisar a revista Adufe, editada anualmente em formato físico
e digital, e que representa o interesse da Câmara Municipal de Idanha-a-Nova em
informar e registar, todos os eventos culturais e históricos das suas freguesias. Com
elevada qualidade gráfica e visual, a Adufe é nada mais que uma ponte entre todos
aqueles que se interessam e mantêm uma relação de proximidade com o concelho.
A imagem transmitida refere a tentativa de atribuir uma identidade menos
depreciativa do mundo rural. Destacam-se por isso artigos realizados em parceria com o
Politécnico de Castelo Branco, que despertam o interesse de qualquer leitor. Podemos
também salientar artigos com os presidentes das juntas de freguesia patentes no
Figura 52 - Imagem de três edições da revista Adufe.
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99
concelho, os quais dão a conhecer os seus projectos para combater problemas como a
desertificação e a crise económica.
A Adufe tem cultivado ao longo dos anos, mais precisamente desde 2004, data
da sua primeira edição, o interesse pelo mundo rural, informando os seus leitores das
histórias das povoações bem como dos respectivos eventos culturais.
Incubadora de Empresas de Idanha-a-Nova
Face ao crescente número de desempregados no país, o aumento da taxa de
emigração e particularmente a preocupação da despovoação do interior do país, surge,
com uma mensagem fortemente vocacionada para jovens que detenham a emigração
como alternativa, a Incubadoras de Empresas de Idanha-a-Nova. Leia-se no poster de
divulgação, “Em Idanha há lugar para ti – não emigres, migra!” como uma interpretação
do empreendedorismo para pontos ainda pouco industrializados, onde urge repovoar e
criar novos postos de trabalho, bem como novas formas de repensar as oportunidades da
região.
A dinâmica do serviço de incubação apresenta-se de forma simples e de fácil
candidatura. Uma vez proposto, o projecto é apresentado e avaliado ao longo de sete
estágios, com o objectivo de apresentar os vários patamares da construção da marca. A
página oficial oferece o contacto com as várias empresas sediadas e ajuda na
organização burocrática que deve ser apresentada para a validação do projecto.
Ao abrigo do Centro Municipal Cultura e Desenvolvimento de Idanha-a-Nova
existe também a oportunidade de concorrer a acções de formação em áreas como
agricultura, marketing e gestão.
Eco-Festival Salva-a-Terra
A par de muitos outras reuniões festivas portuguesas e internacionais, como é o
exemplo do festival de Castro Marim e Andanças, também Idanha-a-Nova é palco de
iniciativas com vista na celebração da Natureza e das heranças patrimoniais. O sol e o
clima convidativo da região promovem a sintonia entre Homem e Natureza e assim
sendo, não é ao acaso, que num período espaçado de dois anos, são desenvolvidos os
festivais Boom Festival e Salva-a-Terra46
.
46
SALVATERRA – Eco-Festival [Consultado em 15 de Junho de 2013] Disponível em
http://salvaterra.pt/.
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100
Apesar de ambos se manifestarem através da ideologia da Terra e de, tal como
nos festivais do mesmo género investigarem novas formas de estar, escolhemos para o
efeito de caso de estudo o segundo festival enunciado, já que o envolvimento com a
comunidade local sobressai.
Salvaterra do Extremo, freguesia do conselho de Idanha-a-Nova e fronteira com
Espanha, confere o seu nome a um fim-de-semana a cada dois anos, para populares e
visitantes experimentarem técnicas artesanais, música alternativa e o convívio com o
ambiente circundante. O importante reconhecimento de terras escondidas, dando-lhes
oportunidade de demonstrar as suas valências tem sido uma mais-valia para a economia
local, que recebe os visitantes.
Museu Rural do Século XXI
Por último, e por ser a iniciativa mais recente, iremos analisar o Museu Rural do
Século XXI, que apesar de ter decorrido em duas fases, exposição e conferências,
iremos analisar apenas a primeira, por impossibilidade da nossa parte em ter participado
na última, a qual tomou lugar em Idanha-a-Nova.
O projecto Museu Rural do Século XXI consiste na apresentação, como o nome
indica, do mundo rural, que reflecte claramente a particularidade do interior do país
pretendendo a sua aproximação dos grandes centros urbanos, como é o caso da cidade
de Lisboa. O MUDE (Museu do Design e da Moda) hospedou de 6 de Maio de 2013 a 1
de Setembro de 2013, a exposição cujo intuito foi o de alertar os visitantes para a
problemática do despovoamento e descapitalização dos espaços rurais. O projecto
surgiu de um trabalho de investigação realizado por Cristina Rodrigues, Curadora e
Directora de Arte, que proporcionou um total de oito instalações, esculturas e outros
géneros de expressão artística, concretizadas por artistas residentes e convidados e
através das quais exprimem a sua visão do mundo rural.
Na nossa perspectiva, os seus principais contributos e mais-valias reflectem-se
no acto de desmistificar e permitir a discussão do tema da ruralidade portuguesa. A
criação de pontes comunicacionais, entre grandes centros urbanos e meios rurais é uma
aposta que cada vez mais deverá ser introduzida, já que as dimensões geográficas do
país e as condições ao seu acesso, assim o permitem. A introdução de polos e rotas de
interesse público reflectir-se-á naturalmente sobre os principais visitantes e locais
visitados.
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101
Não podemos no entanto de deixar por referenciar duas conjunturas que, do
ponto de vista económico e social, nos parecem incongruentes. A primeira prende-se
com o pouco envolvimento da população neste projecto e com a qual não é descrito
qualquer entendimento das suas vontades. A segunda análise diz respeito à forma como
a problemática da desertificação é encarada, não sendo apresentadas soluções reais do
que poderão vir a ser, no futuro, as regiões não industrializadas.
Ao longo do actual subcapítulo, observámos exemplos de dinamização na área
de estudo da investigação em curso. Os projectos dados estabelecem entre si uma
sinergia que em grande parte se deve ao esforço da Câmara Municipal de Idanha-a-
Nova que, contra todas as adversidades, estimula a criação de relações entre o maior
número de identidades e indivíduos das mais vastas áreas, para levar a cabo o bem da
comunidade envolvida.
É interessante constatar que todos os projectos fomentam, de uma forma ou de
outra, a propagação da palavra “terra” e dos ideais ecológicos. A preocupação de
destacar o mundo rural como positivo é muito satisfatória. Aderir a redes sociais,
introduzir conferências e festivais são sem dúvida os primeiros passos a tomar para
demolir a situação de isolamento em que se encontram determinadas povoações. Assim,
todos os casos foram imprescindíveis para melhor entendimento da vontade dos
envolvidos.
Figura 53 - Fotografia da exposição Museu Rural do Século XXI.
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102
4.5. Conclusões – Oportunidades de Intervenção
Como verificámos ao longo do capítulo, Monsanto da Beira enfrenta hoje o
desgaste de uma população envelhecida, um flagelo comum a grande parte dos países
europeus. Sendo o objectivo primordial deste trabalho encontrar oportunidades de
intervenção para uma aldeia portuguesa, realizou-se para a concretização do objectivo,
uma pesquisa de ordem teórica e prática e na qual pudemos interpretar as fraquezas e as
mais-valias do local.
Concluímos que a falta de emprego origina mais desertificação e que apesar de
se vislumbrar alguma homogeneidade nas condições de vida, a falta de indústrias,
hotéis, pousadas, entre outros geradores de emprego, afasta a escolha de fixação de
novos indivíduos. Mesmo com condições ambientais prodigiosas, poucos são os que
arriscam a manter a sua vida dependente deste lugar.
As conclusões retiradas do inquérito apontam para a urgência de melhorar no
sentido da comunicação da história da aldeia e poder usufruir do seu estilo de vida. Os
habitantes, habituados ao isolamento, lamentam não poder manter os filhos por perto e
admitem que a falta de capital contribui largamente para esse efeito. Não será de
estranhar que o desejo comum seja portanto o de enriquecer.
Relativamente aos turistas, e tal como verificámos anteriormente, estão
satisfeitos com a envolvente e com o curso natural que o povo tomou, referem que
apenas a falta de informação histórica e a pouca oferta nesse sentido prejudica o
entendimento de tão complexo ambiente. Admitem também que mesmo não existindo a
componente histórica, tal não os coíbe de comprar, contudo, com moderação. Apontam
a falta de informação na concepção dos produtos e a morfologia dos mesmos, como
factores principais.
O nosso contributo prende-se por isso com o exercício de sistematizar o
processo de produção, venda e comunicação, algo que na nossa perspectiva e de acordo
com os casos de estudos enunciados no 3º Capitulo são manifestamente fulcrais para o
bom funcionamento do negócio. Trazer uma perspectiva actual de mercado, mantendo
as perspectivas históricas e culturais do local em estudo é o maior trunfo de que
dispomos. Sendo um local com testemunho históricos de importância compreende-se
que uma aposta válida seria desenvolver a comunicação histórica dos seus objectos, já
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103
que a existente não satisfaz totalmente os seus visitantes. Por isso, o turismo, fonte
primária de receitas, manifesta-se uma excelente oportunidade de intervenção.
Pelas razões acima referidas, iremos apresentar no capítulo seguinte, um modelo
prático do que na nossa perspectiva poderá contribuir para a satisfação das necessidades
de quem usufrui da aldeia. O nosso contributo e aquilo que nos propomos desenvolver,
irá unificar-se pelas três seguintes vertentes:
4.6. Reflexão sobre o desaparecimento
Sempre chegamos ao sítio aonde nos esperam.
José Saramago in epígrafe de A Viagem do Elefante
Ao contrário do que tem sido habitual nos últimos capítulos, o presente não
terminará com uma conclusão mas sim com uma reflexão sobre um futuro investimento
em locais em vias de extinção.
A nossa observação perante livros, revistas, filmes e documentários, sofreu,
desde o início deste trabalho de investigação, muitas alterações. Com o avançar do
tempo, na procura de aprofundar a teoria e procurar aplicá-la em situações práticas,
surgiram-nos situações peculiares, em que por vezes nos confrontávamos com as nossas
próprias conclusões e ideais. Tomámos por isso a liberdade de introduzir um
subcapítulo que visa abordar o nosso papel na sociedade e como devemos encarar um
assunto que para os demais, pode já estar esquecido.
Este capítulo despontou precisamente por termos revisitado imagens e
documentos relativos aos povos indígenas dos continentes Sul e Norte Americanos.
Assim, surgiu-nos à lembrança, que o desaparecimento destes povos aconteceu muito
recentemente. Existem ainda povos indígenas no Brasil por exemplo e aquilo que ocorre
perguntar é: estarão também eles prestes a desaparecer? No Brasil, a deflorestação da
Amazónia, na virtude do desenvolvimento de uma barragem e empreendimentos
turísticos, tem acelerado este processo. Que impacto terão estas acções na vida terrestre?
Será este processo evolutivo uma mais-valia a curto e a longo prazo para todos os seus
intervenientes? Trabalhadores, habitantes e a população do restante planeta?
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104
Aceitamos e compreendemos que os povos romanos, gauleses, mouros e árabes
tenham sofrido um fim, depois de centenas de anos a conquistar e repovoar territórios.
Contudo, não deixam de nos impressionar os factos relacionados com o
desaparecimento do povo indígena mencionado. A fotografia que Roland W. Reedus
imortalizou para a revista National Geographic e que retrata uma mulher da tribo de
ojibw, já extinta, em tudo se entreliga com o que aqui discutimos. Associamos esta
extinção ao exemplo das tribos ainda habitantes da Amazónia e ao desflorestar da
floresta, apelidada de “Pulmão do Mundo”. De certa forma, também a relacionamos
com a foto da Figura 56 à direita e que retrata uma juventude extinta da aldeia de
Monsanto. Nas mãos da jovem, encontra-se o Galo de Prata, símbolo da Aldeia Mais
Portuguesa de Portugal e das tradições portuguesas. Mas não só. Como antevimos no
subcapítulo A Importância da Aldeia no Estado Novo na página X, o Galo de Prata
simboliza também a pobreza e as condições precárias de trabalho dos camponeses
portugueses.
Figura 54 - À esquerda, fotografia de uma mulher indígena da tribo ojibwa, hoje desaparecida. A imagem
foi capturada em 1907 por Roland W. Reed, no Minnesota, Estados Unidos América; À direita, rapariga
monsantina fotografada por autor desconhecido e que representa a vitória do Galo de Prata, em 1938.
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105
Não deixa de nos sensibilizar a comparação entre as duas imagens. Talvez por
sabermos que fisicamente, as fotografias distam apenas três décadas e do presente ano,
apenas um século, receamos que talvez nos próximos cem anos sejamos nós, enquanto
sociedade detentora de costumes e formas de estar, a desaparecer. A ideia de fim,
associada sempre a guerras perdidas e generais capturados deixa-nos vulneráveis e
pensativos relativamente ao trabalho de investigação que desenvolvemos. Agora,
associamos o fim a más condições de trabalho, desrespeito do ambiente envolvente e de
tudo o que nos rodeia. Será que estamos perante o fim de um ciclo e perdida a batalha
contra a desertificação do interior de Portugal? Deveremos aceitar o decréscimo da
valorização dada a espaços portugueses remotos, cujo valor da mão-de-obra é
insuficiente? Que direcção tomar quando os dados que recolhemos indicam claramente
a dificuldade que a população tem em competir com o mercado actual? Para florescer
uma nova Era, cujo território e bens sejam novamente usufruídos, o vinculo com a
história, as pessoas e os objectos deverá deixar de existir para dar lugar a novos ideais?
Em Novembro de 2013 a revista National Geographic fez uma Edição Especial,
precisamente onde apresenta ao leitor as 12 aldeias47
compostas pela Rede de Aldeias
Históricas Portuguesas. Nesta Edição, explora-se cada aldeia através de fotografias e
ilustrações dos espaços, com particular incidência na história e lendas de cada uma.
Existe, no entanto, uma expectativa em torno destas aldeias, diferente dos artigos
e reportagens que estamos habituados a observar. Casos de empreendedorismo e de
novos habitantes são explorados e apresentados; surgem novos espaços, espelho da
envolvência do século XXI, mas sempre com essências culturais ancestrais muito
presentes; promovem-se novos estilos de vida.
Em torno de tudo pode surgir uma oportunidade de negócio. Diogo Castiço e
Miguel Gigante são dois exemplos destacados pela National Geographic para
fundamentar esta mesma ideia. O primeiro construiu em Monsanto uma loja local no
qual explora comércio tradicional de várias zonas da Beira, como por exemplo a Serra
da Estrela. Contudo, foi o desenvolvimento de uma empresa de passeios equestres por
Monsanto, que o levou a fixar-se verdadeiramente na aldeia. A procura é elevada e é um
negócio próspero. O segundo, ao abrigo da marca das Aldeias Históricas, desenvolveu
uma colecção de vestuário intitulado Vestir a História, com base nas matérias e saberes
locais. Também este projecto tem sido apreciado, tendo em conta que é comercializado
47
Almeida, Belmonte, Castelo Mendo, Castelo Novo, Castelo Rodrigo, Idanha-a-Velha, Linhares, Marialva, Monsanto, Piódão, Sortelha e Trancoso.
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em diversos pontos do país e do estrangeiro. Tendo isto em conta deixamos como ponto
de partida para o próximo capítulo, prático, uma citação que no nosso parecer, acaba por
sustentar o que até agora temos vindo a analisar: “Como vai ser equacionado o saber
artesanal nos paradigmas propostos para o século XXI? Continuando a revisitar
formas artesanais, novas formas terão de aparecer integradas nas políticas de uma
produção sustentável.”48
Mais se acrescenta que as formas aqui descritas podem tomar proporções
infindáveis assim como os seus campos de acção e cabe-nos a nós relatar e registar parte
da nossa história bem como tudo que de melhor se construiu, para que no futuro nos
sirva de auxílio na concepção de novos valores. Tudo faremos para que a direcção do
nosso trabalho vá de encontro aos costumes, ideais e necessidades do povo de
Monsanto, respeitando os aspectos culturais, sociais, económicos e ambientais. Afinal,
estes são valores que os designers deverão ter sempre em conta, e se assim não for, este
trabalho não poderá enquadrar-se no tema que defende.
48
Instituto do Emprego e Formação Profissional – Artes da Casa: ambientes
singulares; Feira Internacional de Lisboa. Portugal, 2011. Página 84.
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5. PROJECTO PRÁTICO – REPENSAR OS OBJECTOS E A COMUNICAÇÃO
TURÍSTICA DA ALDEIA
O projecto prático, o qual damos agora início, representa para nós, um importante e
necessário passo para o esclarecimento e validação de todo processo de pesquisa e
análise dos capítulos teóricos anteriores. Pretendemos por isso, clarificar o caminho, as
ideias e processos utilizados para nos aproximarmos da conclusão do presente trabalho
de investigação.
As conclusões que dirigimos no capítulo 4 remetem para a insuficiência de produtos
de carácter contemporâneo e que reflictam as necessidades ou o ambiente vivido pelos
seus visitantes, principais consumidores das matérias alusivas ao local. Soubemos desde
o começo deste trabalho, que a delineação de todos os factores, nos iria conduzir a uma
abordagem verdadeira, com espaço para a existência de inovação e sem constranger os
seus intervenientes. É por isso do nosso interesse, apresentar o modelo de negócio
viável e com o intuito de permitir a aldeia participar na comercialização dos seus
produtos e da sua história.
Os livros Monsanto – História e Arqueologia e Monsanto – Etnografia e
Linguagem, foram para este trabalho, uma inspiração. A eles devemos as minuciosas
palavras que descreveram a história de Monsanto, bem como o estilo de vida, palavras,
indústrias e tradições vividas pelos seus habitantes. Através dos mesmos, tivemos
acesso à sabedoria e cultura do local, tão importantes para o desenvolvimento deste ou
de qualquer outro trabalho de investigação que vise a sua acção neste espaço.
5.1. A Marca
A marca que desenvolvemos ao longo da dissertação, pretende materializar a
história, os contos e as técnicas que perfazem a aldeia. Dirigimo-nos por isso para a
construção de uma marca que nasce precisamente com o intuito de reformular a
comunicação da aldeia, promovendo as suas técnicas, saberes e história. Verificámos
que a percentagem de reformados e pensionistas é substancialmente elevada mas que
mantêm a sua actividade nos campos agrícolas, no fabrico de produtos alimentícios para
comércio, ou outros produtos cujo intuito seja a de retirar dividendos. Com este
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108
pensamento em vista, propomos a concepção de novos produtos, sem no entanto
substituir os já existentes. A filosofia da marca recai precisamente na utilização de mão-
de-obra local para a produção dos objectos.
Em virtude destes mesmos parâmetros criámos a marca Laja – Das Pedras Nascem
Coisas. Assim, com os produtos que iremos apresentar ao abrigo desta marca,
pretendemos explorar e destacar:
O conceito de Partilha, inerente na população de Monsanto.
Utilização da população como mão-de-obra útil e eficaz.
Utilizar a História de Monsanto como inspiração para o desenvolvimento de
novos produtos.
Explorar novas técnicas cuja implementação seja inerente às características
da aldeia.
Criar objectos que possam ser comercializados em outros pontos do país sem
associação directa à aldeia, permitindo a divulgação da boa produção.
A pensar nestas premissas, dispusemo-nos a pensar e concretizar os objectos que
materializem estes mesmos pensamentos.
Figura 55 – Imagens de inspiração de diferentes marcas e logos.
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109
O logo da marca apresenta-se da seguinte forma:
5.2. Produtos
Na escolha dos produtos que perfizessem a colecção inicial da marca tivemos como
premissas as qualidades da aldeia e da sua população, bem como toda a sua envolvente
histórica. O objectivo traçou-se também em torno de novas técnicas que explorem
dinâmicas mais actuais como por exemplo as impressões de embalagens e folhetos
informativos ou a utilização de muflas no caso de produtos cerâmicos.
As propostas que sucedem advêm precisamente das conclusões retiradas ao
longo dos capítulos anteriores. A ausência de uma marca unificadora dos pontos fortes
da aldeia e a ausência de produção e exportação, motivaram-nos a desenvolver a
totalidade deste projecto prático. Quando visitamos espaços como cidades, vilas,
aldeias, museus ou exposições, tentamos imortalizar o que vemos, para um dia mais
tarde recordar ou para que, quem não fez parte da viagem, tenha oportunidade de ver
aquilo que vivemos. Seja através de fotografias que captamos, através dos alimentamos
que provamos, da areia, pedras ou plantas que trazemos para nós ou para os nossos
amigos e familiares, o nosso objectivo recai sobre preservar o que observámos,
cheirámos e sentimos. As representações do local são por isso importantes fórmulas,
que no seu todo, aproximam as pessoas em torno de um espaço que mesmo não tendo
conhecido, são empáticas para com elas.
Figura 56- Logo da marca Laja, em positivo e negativo.
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Postais
Quando pensamos em viajar, quase simultaneamente, em postais ou souvenirs
portáteis que pelo seu preço são nas lojas, os objectos com maior prevalência. Como
tivemos oportunidade de esclarecer no subcapítulo Design e a Aldeia – Heranças
Ancestrais e Contemporâneas, a tipologia dos postais é dos produtos com mais índice
de vendas. Contudo apresentam problemas gráficos e de informação que os tornam
pouco apelativos ao público. Acreditamos que, sendo o postal um veículo indiscutível
para a promoção de um território ou ideia, à marca Laja não poderia deixar de pertencer
esta tipologia de produto.
No sentido de melhorar a percepção do público relativamente a este tipo de
produtos, concebemos uma Colecção de Postais intitulada de Os Símbolos de Monsanto,
na qual a interacção com o utilizador é mais incentivada. A colecção apresenta oito
postais, cada um com um símbolo distinto e identificável através da capa dos mesmos:
Casa na Pedra; Marafona; Rebanho; Castelo; Pedras; Capela de S. Pedro de Vir-a-
Corça; Galo de Prata; Árvores. A particularidade dos mesmos apresenta-se na vertente
tridimensional e através da informação sobre o conteúdo.
Figura 57 – Imagens de inspiração para o desenvolvimento dos postais.
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111
Observemos então as imagens desta colecção:
Figura 58 - Colecção de postais Os símbolos de Monsanto (exterior).
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112
Figura 59 - Colecção de postais Os símbolos de Monsanto (interior).
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113
A impressão inicial dos mesmos, e por inexistência de materiais que permitem a
sua conformação, será desenvolvida em Lisboa e posteriormente direccionada para
Monsanto, onde os postais serão finalizados. A longo prazo será do nosso intuito
adquirir material de impressão e possibilitar que os postais sejam fabricados na aldeia.
Tigelas
Reflexo das profundas crenças religiosas que fizeram e fazem parte da
população portuguesa, existe ainda um culto muito acentuado no que diz respeito à
alimentação e à partilha da mesma com os outros. Portugal é, apesar de ao longo dos
anos a percentagem de população tenha diminuído, um país católico e por isso, com
profundo sentido de partilha com o próximo. De Norte a Sul do país, o culto da mesa é,
ainda hoje, um importante exemplo da cultura portuguesa e desse mesmo conceito. As
festas natalícias e pascoais, por exemplo, são, em muitas casas, feitas em torno da mesa
e da alimentação. São preparados comeres e doçarias tradicionais que são partilhados
com familiares, amigos e vizinhos. O dia São Martinho, celebrado a 11 de Novembro,
mais não é que a partilha da capa do santo com um mendigo, que nada tinha para se
abrigar. A celebração deste dia recai sobre o costume da confecção de castanhas e da
sua partilha com os demais. Poderíamos examinar cada região portuguesa e encontrar,
mesmo nos sítios mais recônditos, exemplos desta cultura tão genuína.
Debrucemo-nos então sobre Monsanto, objecto do nosso estudo. Conta a
história, que no topo do monte, onde se situa o castelo, vivera em tempos uma fidalga
que, destroçada com a pobreza de alguns aldeões e com a impossibilidade dos mesmos
se alimentarem, arquitectou um plano que visava distribuir alimentos a quem deles mais
precisava. Assim, fora das muralhas, dirigia-se próximo da capela de S. Miguel, onde
existe uma laje com pequenos sulcos escavados Figura 60. Aí, distribuía sopas e caldos
aos mais desfavorecidos. As doze “tigelinhas” como são carinhosamente denominadas,
mais não são que referencias na pedra daquilo que era utilizado como base para a
moagem dos cereais.
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114
Apesar de sabermos que não é mais que uma história, apreciamo-la por tanto
transmitir sobre a cultura da população. Servimo-nos por isso desta introdução para
apresentarmos o produto que, com base nesta história, serviu como base de inspiração.
Para a concretização deste produto foram percorridos vários estágios com o
objectivo de retirar a textura caracterizante da base dos sulcos e finalizar uma peça para
apresentação do protótipo para a presente dissertação.
Fase 1 – Decalque para extracção de um exemplar:
Para concretizarmos a primeira fase do processo de fabrico das tigelas,
deslocámo-nos ao local e depois da limpeza dos sulcos, procedemos ao decalque de
plasticina. Ao retirarmos o material, as texturas ficaram impregnadas na superfície
exterior, tal como desejávamos.
Figura 60 - Imagem dos sulcos que pretendemos retirar a textura.
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115
Fase 2- Fazer o molde em gesso
Para efectuarmos um molde que pudesse ser usado e reutilizado para a
concretização de mais que uma peça, optámos por utilizar o gesso, que pelas suas
qualidades, nos pareceu a melhor solução. A Figura 68 ilustra a concretização desta
mesma fase.
Figura 61 - Protótipo em plasticina.
Figura 62 - Molde em gesso.
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116
Fase 3 – Decalque do Grés
Tendo em conta que o nosso objectivo é o de concretizar uma taça cuja
superfície exterior contenha a área rugosa dos sulcos, o desenvolvimento do molde em
gesso torna-se por isso, suficiente. Assim, a terceira fase deste processo foi colocar o
grés, uma pasta argilosa semelhante ao barro, na abertura do molde de gesso, à
semelhança do que aconteceu na primeira fase, com o decalque da plasticina
directamente na superfície que queríamos. Depois de retirada a peça, a secagem
necessária aconteceu de forma gradual e ao ar.
Fase 4 – Cozedura
Qualquer pasta cerâmica necessita de ser cozida em muflas próprias para o
efeito. Existe em Idanha-a-Nova um atelier de artes decorativas que permite o aluguer
desta ferramenta e assim, posteriormente à concretização das peças frescas é possível
fazer a deslocação ao mesmo atelier e usufruir do material. Tendo em conta que ainda
são necessárias as finalizações da peça (vidrado e cozedura do mesmo), este é um
serviço muito útil e de curto alcance para uma primeira abordagem à construção das
tigelas.
O produto que agora apresentamos é resultado deste processo e representa assim,
toda a história que a ele quisemos focar.
Figura 63 - Protótipo em argila da tigela 1, resultante dos processos
enunciados.
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117
Figura 65 - Protótipo em argila da tigela 2, resultante dos processos enunciados.
Figura 64 - Protótipo da tigela 1 e proposta de embalagem.
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118
Inspiração nas Marafonas
Associadas ao culto da fecundidade, são produzidas em Monsanto e também nas
localidades ao seu redor (por exemplo Penha Garcia), bonecas típicas intituladas de
Marafonas ou Maias. Não se sabe com exactidão, a origem das mesmas, contudo são
produtos muito interiorizados na população. As Marafonas são caracterizadas por vários
aspectos morfológicos como a ausência de representação de boca, nariz e olhos, a sua
estrutura interior feita com dois paus de madeira dispostos em cruz, o qual é
parcialmente coberto por um vestido. A história que circunda as Marafonas é, como já
referido, associado ao culto da fecundidade. Diz a população, que na noite de núpcias o
casal deverá colocar a boneca na parte inferior da cama o que trará prosperidade ao
casal.
O circuito de produção e distribuição destas bonecas está já muito intrínseco na
comunidade. Sem nenhuma empresa associada à sua produção, são as senhoras de
Monsanto que se dedicam a encontrar os materiais e a coser as Marafonas. A sua
comercialização toma duas vertentes. A primeira cinge-se às lojas turísticas da aldeia
que compram directamente às produtoras. A segunda é praticada nas ruas, de forma
ambulante pelas mesmas. Não faz parte do nosso intuito terminar com este circuito e
com a exploração das mesmas senhoras sobre um negócio que elas próprias
desenvolveram. Decidimos portanto não intervir directamente no produto o que desta
forma lhes permitirá praticar o que desde sempre fizeram.
Tendo em conta que os brinquedos existentes não são fabricados na aldeia, é
portanto urgente adquirir este espaço no mercado. O constrangimento que no então se
denotou, é a empatia que o aldeão deverá ter com o produto.
Baseámo-nos portanto na base da marafona, uma cruz de pau, na construção do
próximo produto.
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119
A Maia, é um brinquedo em forma de boneca que desenvolve as capacidades
motoras e criativas da criança. Cada embalagem contém uma boneca de pano e um
vestido de tecido plastificado para permitir à criança, desenhar e fazer a decoração do
seu próprio vestido.
Figura 66 - Imagens de Inspiração para o desenvolvimento da boneca Maia.
Figura 67 - Proposta de embalagem para o produto Maia.
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120
Rodilhas
Como observado no subcapítulo Design e a Aldeia – Heranças Ancestrais e
Contemporâneas a aldeia, sofrendo influência dos povos que a antecederam e conforme
as necessidades de sobrevivência ao longo dos anos, desenvolveu objectos e rituais
auxiliares às tarefas diárias. Como consequência do transporte de mantimentos e muitas
vezes na ausência de carros de bois e outros meios de deslocação, as cestas usadas pelas
senhoras para transporte de roupas ou alimentos, eram colocados e transportados à
cabeça. À semelhança do que acontece noutras povoações de Norte a Sul do país, as
rodilhas auxiliavam esta árdua mas necessária tarefa, colocando-se entre a cabeça e o
objecto a transportar, como ilustra a Figura 71. Para além deste uso utilitário, as peças
feitas de pano e trapos velhos, reflectiam o bom gosto de cada senhora. Hoje, e com a
necessidade quase extinta de serem utilizadas para fins de transporte, as rodilhas são um
objecto decorativo e vendidas como tal em casas tradicionais. Sendo um objecto cuja
execução é ainda praticada por senhoras de Monsanto, acreditamos que a utilização do
Figura 68 - À esquerda, o protótipo sem intervenção. À direita, o exemplo de um desenho,
aleatório, ilustrativo da versatilidade da boneca.
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121
objecto pode ser introduzida noutras morfologias sem comprometer a história, a técnica
e a produção das mesmas.
Dedicámo-nos por isso a reinventar o seu uso. Neste âmbito, muitos eram os
caminhos que poderíamos seguir para desenvolver novos produtos.
A rodilha, tendo em conta a versatilidade da sua estrutura, foi determinante nas
suas componentes de produto. Decidimos por isso introduzir a sua técnica e morfologia
num outro produto desta colecção inicial, sem utilizar no entanto outros tipos de
material a não ser os têxteis. Dado que uma das nossas inspirações para a concepção
destes produtos é o convívio presente nos valores desta aldeia, desenvolvemos uma
rodilha de maiores proporções. O propósito é recriar um objecto da tipologia assento
que permita a sua utilização por todas as faixas etárias e que represente ao mesmo
tempo a filosofia da técnica dos objectos originais.
Figura 71: Imagem de inspiração para o desenvolvimento do assento Rodilha.
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Figura 70 - Protótipo do assento Rodilha e proposta de embalagem.
Figura 69 - Ilustração da proporção Utilizador/Rodilha.
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123
5.3.Business Model Canvas
Como parte do nosso objectivo, ansiamos materializar os produtos e não tornar
este projecto solitário e limitar este documento a uma vertente somente académica.
Abordámos por isso, um dos modelos utilizados para visualizar no seu todo a
constituição das vertentes compostas de um negócio. O Business Model Canvas,
apresentado na figura 72, é constituído por nove parâmetros: 1- Parcerias-chave; 2-
Actividades-chave; 3-Propostas de valor; 4- Recursos-chave; 5- Relações com os
clientes; 6- Canais; 7- Segmentos de clientes; 8- Estrutura de custos; 9- Fluxos de
Rendimento. Todos os parâmetros devem ser entendidos como um, sendo que nenhum é
prioritário ou toma maior importância que os restantes.
Nos próximos parágrafos, apresentaremos ao leitor o modelo em questão,
preenchido segundo as necessidades da marca Laja, que completámos com a ajuda do
livro Criar Modelos de Negócio, de Alexander Osterwalder e Yves Pigneur.49
49
OSTERWALDER, Alexander e PIGNEUR, Yves – Criar Modelos de Negócio. Portugal: D.Quixote,
2010.
Figura 71 - Business Model Canvas.
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124
1. Propostas de Valor
Que valor geramos para o cliente?
Que necessidades dos clientes estamos a satisfazer?
Existem diferentes aspectos intrínsecos na nossa marca que acrescentam valor ao
negócio. Vejamos:
- Novidade
- Acessibilidade
- Diferenciação morfológica dos produtos
- Preocupação social
Com o primeiro tópico queremos justificar a ausência de uma marca que una e
represente verdadeiramente a história e os habitantes da aldeia. Assim, representamos o
factor “novidade” e a exploração de novas técnicas e produtos, que são um trunfo no
mercado local e noutros pontos de venda. A acessibilidade, através de espaço virtual e
venda em lojas descentradas da aldeia (Lisboa por exemplo), permite a oferta a clientes
que antes não tinham acesso aos produtos e serviço. A diferenciação morfológica dos
produtos advém das conclusões retiradas ao longo da observação de turistas e da oferta
actual existente nas lojas locais. O desenvolvimento de produtos com características e
técnicas distintas das demais permite-nos explorar novos produtos e gerar novos
clientes. Por fim, a preocupação social que faz parte da nossa marca, também é uma
proposta de valor para o cliente, isto porque, quem adquirir os produtos denota
sensibilidade para com a integração de mão-de-obra local e para com a visibilidade dos
produtos portugueses.
2. Actividades-Chave
Que Actividades-Chave são exigidas pela nossa Proposta de Valor?
-Desenvolvimento e concepção: Os produtos desenvolvidos no âmbito desta
marca obedecem a uma pesquisa e conceitos adjacentes à mesma. Pressupõe-se, no
futuro, que esta actividade de pesquisa e desenvolvimento, possa encontrar novos
produtos e serviços, que permitam continuar a valorizar a marca e as suas ideologias.
-Produção: A produção local é a actividade-chave que se distingue das restantes
marcas e produtos apresentadas até agora na aldeia. A valorização deste tópico prende-
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125
se com a sensibilização para o produto português que é desenvolvido e produzido em
Portugal.
-Plataforma/rede: Para a promoção da marca e daquilo que esta representa,
aliámos a plataforma online e a oportunidade que o universo virtual oferece na
exposição de ideias. Assim, a última das actividades-chave que faz parte deste modelo
de negócio, apresenta-se em forma de site, na qual é possível obter informações e
produtos sobre a marca em questão.
- Comercial/venda:
3. Recursos-chave
De que Recursos-chave é que as nossas Propostas de Valor necessitam?
- Equipa de gestão (interna)
- Equipa de desenvolvimento produtos (interna)
- Mão-de-obra (produção dos produtos) (externa)
- Equipamentos produção (esternos/internos)
- Equipa de gestão online (externa)
4. Parceiros- Chave
Quem são os nossos Parceiros-chave? Fornecedores-chave?
Que Recursos-Chave estamos a adquirir aos nossos parceiros? Que
Actividades-Chave é que os parceiros levam a cabo?
-Habitantes da aldeia
- Fornecedores (serviços/matéria prima)
-Lojas Parceiras:
-Monsabores
-Os Templários
-Taberna Lusitana
-Vida Portuguesa
-Junta de Freguesia e Câmara Municipal.
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126
5. Segmentos de clientes
Para quem estamos a criar valor?
Quem são os nossos clientes mais importantes?
Detemos dois tipos de segmento de clientes distintos:
-Turistas
-Nacional (Adultos e Crianças)
-Internacional (Adultos e Crianças)
-Pessoas interessadas em produtos que movimentem uma comunidade
-Interessados na perpetuação dos valores tradicionais
-Interessados no carácter técnico do produto
Naturalmente que, como indicámos, cada um dos segmentos serão divididos, mas
desta vez com necessidades muito semelhantes. Por exemplo o segmento de turistas
repartir-se-á em nacional e internacional, adultos e crianças, enquanto o segundo grupo
poderá segmentar-se em interessados na perpetuação dos valores tradicionais ou
interessados no caracter técnico do produto. Em ambos os casos os canais de
distribuição e as propostas de valor, terão particularidades diferentes.
6.Canais
Através de que Canais é que os nossos Segmentos de Clientes são contactados?
Quais são os mais eficientes do ponto de vista dos custos?
Para o entendimento deste parâmetro tivemos em conta cinco fases do canal de
distribuição:
-Consciência: A promoção e a consciência que queremos aumentar para que os
nossos clientes adquirem os produtos, serão concretizadas de forma directa através da
plataforma online, ou de forma indirecta, através das lojas de parceiros.
-Avaliação: A avaliação dos produtos será semelhante ao primeiro tópico, com
particular incidência à plataforma online, tendo em conta que será através da mesma que
surgirá a informação completa sobre os mesmos.
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-Aquisição: Os clientes poderão adquirir os produtos de forma directa, através das
vendas na Internet na plataforma online da marca, ou de forma indirecta, também pela
Internet, através de outros sites (Exemplo do ETSY), ou de lojas físicas de parceiros.
-Entrega: As propostas de valor, patentes nos produtos físicos e na plataforma
online, podem ser entregues através das compra dos mesmos nas lojas de parceiros,
através das consulta de informações no próprio site, e, caso se obtenham os produtos
através da venda na Internet, serão entregues pela transportadora dos CTT (Correios de
Portugal).
-Pós-Venda: Se o apoio pretendido for necessário para esclarecer dúvidas físicas, o
cliente deverá dirigir-se ao espaço onde adquiriu o produto. Caso tenha adquirido na
plataforma online da marca, nós disponibilizaremos o apoio necessário através do
correio electrónico.
7. Relações com os clientes
Que tipo de relação é que cada um dos nossos Segmentos de Clientes espera que
estabeleçamos e mantenhamos contacto?
A relação que pretendemos estabelecer com os nossos clientes será feita de duas
formas:
-Assistência Pessoal através de correio electrónico para todos aqueles que
adquirirem produtos na plataforma online, ou para quem detenha dúvidas sobre os
produtos e conceito da marca.
-Serviços Automatizados, dos quais incluímos possibilidade do cliente criar perfis
online e assim partilhar informações, mensagens e notícias, com quem efectuar o
registo. Também pretendemos incluir os descontos em compras com valor superior a
determinado preço.
8. Estrutura de Custos
Quais são os custos mais importantes inerentes ao nosso modelo de negócio?
Quais são os Recursos-Chave mais caros?
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128
Salários
Equipa de gestão
Equipa de desenvolvimento produtos
Pagamento a fornecedores
Mão-de-obra (produção dos produtos) (externa)
Equipa de gestão online (externa)
Aluguer de equipamentos
Equipamentos produção (esternos/internos)
Comissões de venda
Lojas parceira online e físicas
Rendas
Escritórios
Consumíveis
Telecomunicações, luz, etc.
9. Fluxos de Rendimentos
Por que valor estão os nossos clientes realmente dispostos a pagar?
Como estão a pagar?
- Produtos (desde 1 a 65€)
Finalizamos o subcapítulo sobre o Business Model Canvas com a apresentação
da Tabela da Estrutura de Custos e Fluxos de Rendimentos, exposta na Figura 67. A
tabela tem em conta os custos inerentes, estimados a cada produto, o tempo de produção
e o lucro que advém da sua venda.
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1
Postais
2
Rodilha
3
Tigelas
4
Maia
Material
Necessário (p/ peça) Imp. – 0,2 €
Esf. x 2 = 5,30
€
Enchim. = 2 €
Tecido = 4,95 €
Embalag.- 0,2 €
Argila - 0,25 €
Mufla – 0,35 €
Vid. Muf. -0,35€
Emb. – 0,5 €
Tecido – 1,70 €
Emb. – 0,7 €
Tempo Construção 10 minutos 3 horas 10 minutos
(Decalque da peça) 1 hora
Preço Trab. (p/ peça) 0,30 € 15 € 0,30 € 2,5 €
Preço Real 0,20€ + 0,30€
= 0,5 €
12,25 € + 15 €
= 27,25€
1,10 € + 0,90 €
= 2 €
2,40 € + 3 €
= 5,40 €
Preço de Venda 1,20 € 65,00 € Nº1 – 7 €
Nº3 – 10 € 12, 00 €
Margem 0,70 € 27,75 € Nº1 – 5 €
Nº3 – 7 € 6,60 €
Proposta de Valor da Marca
Apresentados os protótipos e o Business Model Canvas daquilo que pressupõe
serem os produtos base que traduzem os ideais da marca proposta, finalizamos o
capítulo com a proposta de valor deste negócio bem como as nossas perspectivas a curto
e a longo prazo para o mesmo.
Na ausência de uma marca com produtos culturais diferenciados, relembramos
que esta é uma marca direccionada para turistas e consumidores interessados na
perpetuação e identidade de espaços culturalmente ricos. Com vista a oferecer a
aquisição de produtos relacionados com o espaço de vista e com o interesse de manter a
sua casa com peças únicas e com carga cultural elevada, surge a marca Laja – Das
Pedras Nascem Coisas. A marca é a personificação daquilo que turistas e outros
consumidores procuram: “Perpetuar a experiência de Monsanto em casa”. Esta
perspectiva valoriza o consumidor, que ao adquirir um produto da marca, irá obter,
Tabela da Estrutura de Custos e Fluxos de Rendimentos
Figura 72 – Tabela da Estrutura de Custos e Fluxos de Rendimentos.
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130
fisicamente, o usufruto de peças únicas para a casa, para as crianças ou para oferecer,
com uma história sempre adjacente.
Desta forma, o consumidor, ao comprar qualquer um destes produtos, tem
acesso à qualidade técnica e morfológica dos mesmos, bem como à sua cultura. Isto
engloba também a forma como são produzidos, ou seja, através da mão-de-obra local.
Queremos com isto que o consumidor final se sinta satisfeito porque adquiriu
um produto com boa qualidade, que trará originalidade à sua casa e à sua forma de estar,
bem como que adquira uma consciência da contribuição para o desenvolvimento de uma
comunidade.
A missão da marca pode traduzir-se nos seguintes tópicos:
- Perpetuar a experiência de Monsanto em casa.
- Gerar valor e diferenciação das marcas de artesanato.
- Recuperar postos de trabalho e habitantes.
Perante os aspectos expostos, a nossa estratégia para alcançar os objectivos são:
- Oferecer um grupo variado de produtos aos consumidores;
- Investir na dinamização de Monsanto através da exposição
cultural do mesmo.
Finalizamos este último subcapítulo com a perspectiva de que os dois primeiros
anos deste projecto sejam de descoberta e de aperfeiçoamento nas formas de produção,
bem como introduzir os produtos nas lojas parceiras. Tendo isto em conta é da nossa
vontade que, de hoje a cinco anos, a empresa tenha a possibilidade de manter, na sua
rede de produção, o número de trabalhadores superior a cinco e alargar o número de
produtos em venda.
O objectivo último será dar a Monsanto e aos seus habitantes o reconhecimento
que merecem.
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131
5.4. A Visão do Design
Existe mais design para além da forma. O design é uma disciplina complexa por
trabalhar, na sua essência, com as pessoas. E as pessoas são complexas. Não existe
ninguém igual porque as suas vontades, gostos e necessidades são diferentes.
O modo como se procura entender os utilizadores, as oportunidades coerentes
para os satisfazer, são, a maior valorização que podemos denominar como fazendo parte
das motivações de qualquer designer. Esta satisfação que mencionamos, deve no
entanto obedecer à coerência social, ambiental e económica em que a população e o
indivíduo se inserem.
Existe no entanto um outro factor, o sensorial, que não podemos descurar e, no
nosso caso específico, ao debatermos o espaço rural, este factor manifestou-se em todos
os momentos. No catálogo Artes da Casa, referente à exposição que tomou lugar na
Feira Internacional de Lisboa em 2011, Paulo Parra, identifica o valor dos objectos do
universo e cultura portuguesa através do factor sensorial: “Uma cadeira com o cheiro
do buinho, uma superfície com o tacto da cortiça ou um contentor em barro que
conserva o sabor da água” são, na perspectiva do autor “experiências sensoriais que
usualmente só conseguimos em contacto directo com a natureza e que estes artefactos
incorporam de um modo singular.”50
.
E que aspectos procuram os turistas quando destacados das suas cidades para
visitar aldeias históricas como Monsanto? Precisamente o contacto com a Natureza,
através das sensações, dos materiais e das circunstâncias em que os artefactos foram e
são produzidos. Estes aspectos foram aqueles que nos impulsionaram a querer partilhar
mais sobre a realidade desta aldeia, inserida na Rede de Aldeias Histórica Portuguesa.
Como já tivemos oportunidade de explicar, as aldeias rurais portuguesas, têm
sofrido ao longo dos anos uma gravosa desertificação populacional, originada por
procura de melhores de condições de vida em grandes centros populacionais, onde o
acesso à saúde, trabalho e educação é mais afirmativa. É, no entanto, uma realidade que
tem vindo a sofrer alterações, ainda que pouco visíveis. A procura dos anos 70 do
seculo XX é diferente da procura do agora século XXI. As populações estão cada vez
50
Instituto do Emprego e Formação Profissional – Artes da Casa: ambientes singulares; Feira
Internacional de Lisboa. Portugal, 2011. Pag.84.
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132
menos sozinhas e menos isoladas, existem interesses relacionados com a preservação
dos saberes e costumes tradicionais, bem como a preocupação da geração de emprego
por parte das autarquias.
Ainda que precoce, podemos começar a mencionar alterações nos paradigmas
rurais. Vejamos que nas duas últimas décadas surgiu a Rede de Aldeias Históricas
Portuguesas, com o intuito de “tirar partido das oportunidades de turismo cultural, das
necessidades comuns e da criação de uma marca reconhecível”. Os percursos naturais
que estas terras detêm, são incalculáveis. Os circuitos pedestres têm sido ao longo dos
anos fomentados pelas Juntas de Freguesia e outras empresas que, cientes da
importância estratégica que representam, apostam cada vez mais num turismo
descentralizado e único. Esta procura por espaços em pleno contacto com a Natureza e
com capítulos históricos, tem vindo a estimular, como já referimos, o palco turístico de
Monsanto, que se tem tomado nos últimos anos, cada vez mais procurado através de
verdadeiras peregrinações por parte de turistas de todo o mundo. Convenhamos que o
grande veículo impulsionador para o despertar deste interesse é a internet que possibilita
o circular da informação. Através desta ferramenta, facilmente encontramos espaços
para visitar, tornando a tarefa de planeamento da visita, mais fácil.
Com todos estes factores a sofrer modificações, o interesse por modos de vida
alternativos é por isso cada vez mais afirmativo, até porque quem efectiva esta mudança
não perde as condições de vida como acontecia nos anos 60 e 70 do século XX.
Portugal é, de modo geral, um espaço cada vez mais uniforme nos serviços facultados,
respeitando no entanto a riqueza dos tantos locais existentes.
É nesse sentido que desejamos que os nossos produtos, bem como o nosso
serviço online, sejam produzidos, e perpetuem a experiência de quem visita Monsanto.
Os nossos postais não são somente uma fotografia mas sim um passaporte para a
impressionante paisagem de Monsanto, para os seus costumes e para a comunidade
rural habitante; as nossas cerâmicas não são apenas recipientes mas sim um pedaço de
Monsanto impregnado na sua textura da qual adquirem a virtude do acto da partilha, a
história de lendas ancestrais e o trabalho dos habitantes; a nossa rodilha não é apenas
mais um assento mas sim a complexidade de padrões tradicionais, o aproveitamento dos
tecidos e o bom gosto da população, estimulado por séculos de existência; a Maia não é
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133
apenas mais uma boneca, mas sim o reavivar do imaginário dos brinquedos, únicos e
feitos consoante a imaginação de cada um.
Todos os produtos são preocupados com aspectos culturais imperecíveis e que
fazem a diferença no acto da compra. O turista adquire Monsanto na sua essência e
transporta a aldeia sabendo da importância que representou e representa para a cultura
do país. Esta é a nossa visão sobre o que o nosso modelo de negócio deve conter e por
conseguinte, o que pode constar como exemplo de Design Rural.
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134
6. CONCLUSÕES
Procurámos esclarecer ao longo das páginas que perfazem esta dissertação, que
o Design, enquanto disciplina solucionadora inerente a todos nós, actua em numerosas
áreas. A tarefa não demonstrou ser fácil, contudo, e na retrospectiva de todo o processo,
terminamos este trabalho de investigação com o sentimento de dever cumprido e de
contribuição para a teorização do Design na promoção de territórios rurais.
Dado o nosso interesse em abordar as particularidades do mundo rural e a
ausência de informações relevantes sobre a actuação do Design no mesmo, partiu do
nosso objectivo primordial focar os aspectos inerentes ao que denominámos Design
Rural. Ao longo da dissertação foram observadas parcelas teóricas que sustentam a
importância do design em qualquer momento de um projecto, bem como a prática dos
conceitos e metodologias apreendidas ao longo do trabalho. Os próximos parágrafos
têm por isso a missão de concluir e sistematizar os conceitos delineados, na perspectiva
de uniformizar as nossas ideias.
Concluiu-se, primeiro, que o pensamento de Design, aquilo que nos leva a
solucionar os problemas levantados ao longo do nosso quotidiano, está presente no
individuo desde os primórdios da sua existência. Nesta qualidade surgiram ao longo dos
séculos, materiais denominados de Artefactos que justificam esta mesma premissa e que
pelas suas qualidades nos permitem entender os contextos sociais em que outros povos
viveram. Na virtude deste trabalho, apresentou-se também o conceito de Artesanato,
importante para o nosso tema de debate. Este conceito apresenta algumas dificuldades
na sua própria valorização, isto porque está conotado com objectos e produtos de índole
turística e cuja mão-de-obra não se renova relativamente às novas exigência do
mercado. Tendo esta percepção em conta, é importante encontrar auxiliares que ajudem
a agilizar este processo de renovação as indústria e produtos. Assim, apresentámos o
Modelo da Cultura do Design introduzido por Guy Debord, onde explica que para
qualquer produto ou serviço que tenha em vista a implementação no mercado actual,
deverá ser fundamentado através de cinco componentes interligadas: Representação;
Identidade; Produção; Consumo; Regulação.
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135
Analisados os conteúdos relativos ao Design de Produto, introduzimos as noções
que nos viriam a servir de base na construção do conceito relacionado ao tema de
trabalho. Para tal concluímos que a perspectiva da sociedade relativamente a espaços
urbanizados e campestres é, como não poderia deixar de ser, diferente. Contudo, é feita
uma desvalorização permanente das aldeias ou espaços que se encontrem com pouca
população e distantes dos centros urbanísticos. Isto acontece particularmente devido às
circunstâncias relativas às condições de vida efectuados num caso e noutro. No entanto
parte do dever do designer repensar e equilibrar ambos os espaços. Uma das formas que
concluímos ser de extrema utilidade prende-se com a produção local e um pensamento
global. Isto poderá dizer respeito a diversos sectores, contudo direccionamos para a
problemática da produção artesanal. Existem inúmeros produtores com dificuldades em
subsistir em áreas pouco desenvolvidas, onde o poder de comprar não é gerado e cuja
produção está estagnada. Esta forma de pensar, permite construir novas formas de
pensar, com influências globais e locais, um hibrido que deve ser potencializado. Para
que este pensamento não seja em vão, reunimos exemplos que partem deste mesmo
princípio e com focos de atenção na cultura local. Tendo em conta que cada local e
único e tem as suas características, é nelas que nos devemos centralizar.
A partir de todo o processo teórico fundamentado no segundo capitulo deste
trabalho, houve a necessidade de apresentar Estudos de Caso, os quais tiveram a
importância de estabelecer com o trabalho vigente, paralelismos actuais e verdadeiros,
dos quais retirámos importantes conclusões. Delineámos para o efeito os seguintes
grupos: Designer + Artesão; Plataforma On-line; Iniciativas de Dinamização; e Nichos
de Mercado. Do primeiro retirámos a as boas sinergias que se movem em torno da
promoção de um mercado ou localidade. Através da ligação entre artesãos e designers,
uns e outros reiteram as suas funções e contribuem para o crescimento de uma marca,
economicamente sustentável. Relativamente ao segundo grupo, sublinhamos as
dificuldades das plataformas on-line nacionais, que representam ainda um mercado
novo e em desenvolvimento. Desta forma, podemos afirmar que é uma aposta ainda
difícil de concretizar e que a fase de experimentalismo da mesma nos mercados
nacionais, ainda está a ser elaborada. O terceiro grupo, demonstrou ser uma perspectiva
positiva em particular para os espaços e empresas portuguesas, tendo em conta que
promove a cultura com uma visão global. O quarto e último grupo foi talvez aquele que,
a par do primeiro, demonstrou maior coesão nas suas acções e capacidades. Todos eles
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demonstraram ser conhecedores do seu público e sabem utilizar esse saber nos produtos
e na forma como o comunicam. A história dedicada a estabelecer com os seus
consumidores uma ponte viável e constante entre a valorização dos produtos e os
compradores, reflectem a hegemonia das marcas aqui apresentadas.
Por forma a tratar o conceito do Design Rural com o maior contacto real,
deliberámos que todas as noções transmitidas deveriam focar-se num projecto prático,
possível de apresentar os prós e contras encontrados. Assim, centralizámos as nossas
atenções na aldeia portuguesa Monsanto, objecto do nosso estudo.
Analisadas e debatidas as fundamentações teóricas provenientes de todos os
capítulos anteriores, surgiu-nos como exemplo o projecto Laja - Das Pedras Nascem
Coisas. A marca, criada para o efeito, abriga cinco produtos distintos e tem como
objectivo atribuir a produção dos mesmos, à população de Monsanto. Por fim, e com
vista sobre a implementação destes produtos na realidade da aldeia, não concluímos se
os mesmos salvaguardarão e proporcionarão, respectivamente, as técnicas e o
conhecimento populares, bem como a restauração da valorização do mercado local. A
implementação deste projecto requer amadurecimento e tempo para que todos os
intervenientes, consumidores, trabalhadores e vendedores, detenham sobre a marca, a
percepção que pretendemos. Assim, o passo de implementação será tomando
posteriormente à entrega da dissertação e naturalmente apresentada na defesa da mesma.
Pretendemos finalizar este documento com uma palavra sobre as incontáveis
possibilidades que este projecto poderia ter seguido. Estas possibilidades poderiam ter
surgido no âmbito da saúde, dos transportes ou até mesmo na educação. Tal não
invalida, mas sim motiva, a que mais designers tenham a sua oportunidade de
intervenção em espaços rurais, atendendo sempre às particularidades dos mesmos. É da
nossa vontade que a entrada das aldeias portuguesas no século XXI seja uma realidade
positiva e não uma utopia ou um fardo para os seus aldeões.
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7. ANEXOS
7.1. Entrevistas
Entrevista a Rita Cortes Valente, autora do blog A Carpinteira.
Via e-mail, 22 de Março de 2013.
1. Tipo de clientes – empresa ou individuais, destes a faixa etária.
Inicialmente comecei por ter clientes individuais: como o marketing feito era
apenas social (através da divulgação em blog e facebook) foi um efeito ‘polvo’ lento.
Comecei por conseguir comunicar apenas a amigos, depois aos amigos dos amigos e
com a presença nos media consegui abrir o leque de seguidores da página. Daí
começaram a vir trabalhos de pessoas que desconhecia completamente e que através de
trabalhos feitos anteriormente ganharam segurança para me entregar os seus projectos.
Com o aumento do portfolio, começaram a surgir convites para trabalhos para
proprietários de restaurantes e lojas, e destes vieram arquitectos e decoradores. Este
mercado do B2B é um dos mercados que penso que possa vir a ter bastante futuro e
onde que me quero focar.
A média de idades dos meus clientes vai dos 30 aos 50, principalmente no
intervalo 30-40. É uma geração cosmopolita, viajada e que aprecia o valor de uma peça
feita à mão e acima de tudo personalizada. E apenas nesta faixa já têm algum poder de
compra para poderem adquirir um produto que à partida não é competitivo em termos
de preço com nenhuma das superfícies tipo IKEA.
2. Meio de contacto – facebook, blog, telefone, e-mail.
Maioritariamente através de e-mail e facebook. Ou numa primeira abordagem,
no facebook que depois faço seguir para o e-mail. De seguida, vÊm os contactos via
telefone e em último o blog (por não ter nenhum link directo de contacto, mas
possivelmente a maioria dos contactos de e-mail e telefone têm origem nos dados
fornecidos no blog).
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3. Alterações na procura pelo Sr. Casimiro?
O trabalho do Sr. Casimiro sofreu poucas alterações, a maioria dos seus clientes
são os mesmos que antes (estofadores), uma vez que o produto dele nunca é acabado é
difícil ter clientes directos (dos cascos dos sofás, que precisam sempre do acabado de
outro profissional).
O que aconteceu foi que ganhou trabalhos ‘meus’, alguns que não podia fazer
sozinha, encomendava-lhe a ele. E muitos dos meus contactos me pedem às vezes obras
‘maiores’ que ele faz (como roupeiros e portas interiores) por saberem que eu conto
com este ‘apoio’.
4. Tipo trabalho mais procurado – originais, renovadas ou peças Sr Casimiro?
Inicialmente foram as peças renovadas, que eram a forma mais simples e menos
‘arriscada’ por assim dizer. Na verdade comecei a fazê-las para mim por ter peças
antigas que queria renovar e sem saber que isto seria um potencial futuro negocio. Foi
com a primeira encomenda de uma amiga de amiga que comecei a colocar a
possibilidade. Como neste intervalo a relação com o Sr. Casimiro corria bem e percebi
que ele não se importava que eu ‘ficasse’ por tempo indeterminado, comecei a fazer
experiências de peças originais que queria há muito concretizar e daí a começar a ter
encomendas de peças novas foi um passo. Neste momento é onde quero colocar mais
energia: por ser designer e esse ser um ponto a meu favor e pela eclosão de diversos
negócios semelhantes ao dos restauros/restylings. Continuo a fazer renovações sempre
que forem pedidas mas na verdade quero destacar-me mais pelas peças originais.
5. Contabilidade gerida por ambas as partes? Ou separação das
duas actividades (Carpinteira vs Sr. Casimiro)
A contabilidade é separada: na verdade somos dois mecanismos independentes,
que coabitam no mesmo espaço.
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6. Segmento de mercado em que se posiciona a empresa
O meu segmento de mercado não está ainda perfeitamente estudado... como não
tenho ainda tudo ‘oficializado’ há detalhes que ainda escapam, mas vou tentar fazer um
apanhado do que sei. No que entendo, é uma prestação de serviços: design de mobiliário
e construção do mesmo. Que podem funcionar interligados ou independentes. O foco
em termos de clientes é: clientes individuais (para habitação ou espaços comerciais,
donos de restaurantes, lojas, cafés, bares, etc) ou clientes empresariais: designers de
produto, arquitectos, decoradores, artistas plásticos. É um público informado, educado e
viajado muitas vezes. Que sabe o que se faz lá fora e está disposto a pagar um pouco
mais porque sabe que o valor acrescentado de ter uma peça à medida é maior. Encontra-
se na classe média-alta, que já pode dar-se a estes ‘pequenos’ luxos.
7. Quais foram (são) as maiores dificuldades? E facilidades?
Maiores dificuldades: inicialmente seria chegar aos clientes apenas através das
redes sociais. Actualmente, com maior volume de trabalho a maior dificuldade é dividir-
me entre todas as tarefas: relação com o cliente e follow up, fazer os orçamentos,
desenhar, arranjar os materiais, construir. Ainda assim já tenho ajuda de um rapaz uma
vez por semana (estudante de marcenaria da Fundação Ricardo Espírito Santo) e de vez
em quando é pouco! Tenho mesmo de dormir pouco para poder dar vazão a tudo, mas é
bom sinal.
Facilidades: ter a disponibilidade de uma pessoa como o Sr. Casimiro que me
abriu as portas do seu espaço de trabalho e me deixou usá-lo como se me pertencesse
também. Para além das instalações, foi mesmo a disponibilidade em explicar e ensinar
que fez com que este projecto se tornasse viável. Outra facilidade foi o facto de a
história se ter propagado sozinha, sem nunca ter tido necessidade de contactar media ou
press, tendo sido eles a vir ter comigo para divulgação do projecto.
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8. Se soubesse o que sabe hoje e voltasse atrás no tempo o que alteraria no seu
percurso? E o que manteria?
Nada, na verdade. Acho que tudo aconteceu no timing certo, tanto as vitórias
como as frustrações e não quero com isto ficar em ‘lugares-comuns’ mas a verdade é
mesmo esta, que tenho tido também a consciência de crescer sustentavelmente e não
megalomanamente e por isso cada passo tem sido natural e bem dado. Teria estudado na
mesma faculdade, teria viajado tanto como viajei, teria feito tudo igual. Manteria esta
noção de que todas as experiências de vida contribuem para um aumento de
sensibilidade e que mesmo numa viagem estamos a crescer e isso agora revê-se na
forma como construo o meu projecto e estabeleço as relações com os clientes, que
penso ser a raiz de todo este projecto. Se as pessoas não criarem empatia com o autor,
será muito difícil que estejam dispostas a dar mais valor pelas peças em questão, aqui a
parte humana é fundamental, tão importante como a parte estética ou funcional.
9. Perspectivas de futuro?
Investir em mais máquinas e num espaço de trabalho maior, para criar outras
valências. Conseguir ter uma pessoa a trabalhar sempre na oficina para que quando eu
tenho de sair para visitas ou materiais o trabalho não pare e para que possa dedicar mais
tempo a ‘espalhar’ a palavra e angariar novos clientes. Na verdade tenho razões para
acreditar que o futuro sorri, principalmente por ter começado o projecto numa fase
complicada da conjectura actual e ainda assim nunca me ter faltado trabalho nem
projectos.
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Entrevista ao Projecto TASA.
Via e-mail, 2 de Abril de 2013.
1. Como decorreu o trabalho com os artesãos? Eles aceitaram facilmente as
intervenções? Foram participativos? Em que fase participaram? De que forma
acham que mudou as vidas deles?
O trabalho decorreu com as vicissitudes habituais, mas, de uma forma geral os
artesãos foram / são muito colaborantes porque compreendem que a produção de novas
peças juntando a sua arte ao design abre todo um novo conjunto de contactos e
possibilidades de comercialização das peças. Obviamente que a equipa dos
2 designers da The-Home-Project tiveram um papel fundamental pela empatia que
criaram com os artesãos.
Os artesãos foram muito participativos e envolveram-se em todas as fases.
Desde logo na manifestação das suas preferências / interesses que por vezes induzem a
ideia da peça a produzir, depois no projecto e planeamento das peças, na execução e
melhoramento dos protótipos até se chegar à forma final da peça.
Creio que a prática de trabalho conjunto, seja durante o projecto na elaboração
de peças que têm incorporado o trabalho de 2 artesãos (ex: candeeiros de cortiça e barro,
potes de barro com tampas de empreita saleiros - barro e madeira), seja nos encontros
regulares entre todos os artesãos na fase pós-projecto para se organizar a
comercialização e a continuidade / expansão dos resultados do projecto, criou laços
fortes entre os artesãos que se refletem em:
Interiorização da metodologia do projecto (ex: controle de qualidade, criação
conjunta de peças);
Rede de trabalho a funcionar por opção expressa dos artesãos - trocas de
informações, convites entre os artesãos para participação em feiras e outras iniciativas
de comercialização;
Divulgação das suas peças em jornais e revistas de grande circulação, com as
consequentes oportunidades de negócio subsequentes (ex: nacional: jornal Pública,
Revista Ideias Casa Cláudia, internacional - jornal semanário "DIE ZEIT" - com uma
tiragem de cerca de 500.000 exemplares, ou o Windermagazin, ou ainda pelas
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própria vistas ao www.projectotasa.com - no Brasil, o site está bem classificado no
ranking com uma estimativa de 1.285 visitantes por mês);
Novas oportunidades de negócio. O facto de ter artesãos de artes tão diversas
reunidos num mesmo grupo de trabalho, tem induzido solicitações de linhas de
peças completas para equipar pequenos hotéis, turismos rurais, etc
2. Como é possível adquirir as vossas peças?
Via o endereço de e-mail ou utilizando o nº de telefone que também é referido
no nosso site
3. Como planearam o armazenamento dos produtos?
A 1ª entidade que assumiu a gestão da rede TASA tinha instalações para
armazenar o stock inicial de peças para comercialização.
4. Na comercialização de uma peça, qual a percentagem de lucro que é atribuída
ao artesão e ao designer?
A CCDR Algarve contratou a The-Home-Project para trabalharem 1 ano com os
artesãos (Agosto de 2010 a Agosto de 2011). Da mesma forma contratou outra empresa
para fazer um filme de 1 hora que sistematiza todo o processo do TASA.
Assim sendo, os produtos finais do projecto são propriedade da CCDR, pelo que
não há percentagem de lucro para os designers. A CCDRAlgarve é uma entidade
pública que lançou e apoia o projecto no sentido da organização dos artesãos e de
maximizar a sua capacidade de produção de novas peças utilitárias, de expandir
mercados e criar mais valias para a atividade artesanal. Aliás, o objectivo principal do
projecto é "Afirmar o artesanato como uma profissão de futuro" trazendo jovens para a
atividade e provando que o mercado aceita as peças que forem sendo produzidas. Nos
termos de referência do projecto inicial estava expressa a obrigatoriedade de aceitação
das peças pelo mercado. Assim, os produtos finais do projecto foram aceites na medida
em que já havia encomendas e comercialização das peças.
Neste contexto, o preço das peças é acertado com os artesãos (e vai sendo
aferido pelo mercado) e a empresa gestora da rede TASA vende as peças com uma
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margem que serve para cobrir parte das despesas de comercialização e promover a
continuidade / expansão do projecto com a mesma metodologia que foi utilizada no 1º
ano de trabalho.
5. Em que segmento de mercado se posiciona a vossa empresa?
A empresa que actualmente gere a rede TASA é a ProactiveTur, Ecoturismo /
Turismo responsável e sustentável (Engº João Ministro em c/c) e a quem peço que
complemente a presente informação se assim o entender.
6. A situação económica que Portugal atravessa afectou de certa forma o vosso
trabalho?
Não temos noção disso, uma vez que toda a atividade já se desenvolveu em
contexto de crise.
7. Quais foram as maiores dificuldades encontradas?
A operacionalização da rede após projecto que implicou (e implica) uma
trabalho próximo com os participantes da rede TASA e ir consensualizando caminhos e
soluções a nível do compromisso dos artesãos e dos gestores da rede, das opções de
comercialização, etc
E as facilidades?
A grande aceitação das peças pelo mercado nacional e internacional, quer a nível
de comerciantes, quer de clientes directos. O envolvimento e propostas de diversas
entidades públicas e privadas para a divulgação e comercialização de peças (ex: CTT,
Direção Regional de Cultura do Algarve, Turismo do Algarve, Autarquias, etc)
8. Durante as visitas de estudo que se proporcionaram à aldeia, como foi a
interacção entre crianças e idosos? Correspondeu aos vossos objectivos? As
crianças manifestaram interesse e curiosidade em aprender?
Não aplicável no que respeita a visitas de estudo. No entanto houve 34 jovens
envolvidos no projecto, quer na conceção e execução de materiais e canais de
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divulgação (sites), quer em workshops para aprenderem as artes dos artesãos, quer
mesmo na realização de 2 estágios de designers que acompanharam grande parte do
processo.
9. Se voltassem atrás no tempo e, sabendo o que sabem hoje, o que alterariam no
vosso percurso durante o projecto? E o que teriam mantido?
A alterar: O tempo do projecto deveria ter sido mais longo (pelo menos 2
anos) de forma a permitir a consolidação dos resultados, trabalhar mais a história de
cada produto (apesar do precioso contributo que foi dado por 4 centros de investigação
regional / municipal) a ser incluída na etiquetagem, as próprias etiquetas, as
embalagens, etc
A manter: a metodologia do projecto, nomeadamente a conceção de peças
exclusivamente utilitárias criadas a partir de solicitações do mercado, o envolvimento
permanente dos artesãos em todas as fase do processo de conceção e execução das
peças, o rigoroso controle de qualidade e a confirmação da aceitação do mercado para
selecionar as peças produzidas.
10. Quais são as perspectivas para o futuro?
A consolidação do trabalho, a criação de novas peças e a expansão da rede
TASA a outros artesãos de artes diversas das que já estão incluídas na rede. A inclusão
do artesanato como uma componente forte do turismo das áreas de baixa densidade do
Algarve. A internacionalização do projecto.
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1864 1878 1890 1900 1911 1920 1930 1940
Portugal 4.286.995 4.598.384 4.660.095 5.423.132 5.960.056 6.032.991 6.825.883 7.722.152
Castelo Branco 159.505 173.983 205.211 216.608 241.184 239.167 65.573 299.670
Idanha-a-Nova 16.346 18.024 20.412 22.725 26.853 26.112 27.952 32.873
Monsanto 1.746 1.853 2.057 2.574 2.888 2.704 3.014 3.689
1950 1960 1970 1981 1991 2001 2011
Portugal 8.519.240 8.889.392 8.663.252 9.833.014 9.867.147 10.356.117 10.562.178
Castelo Branco 321.577 316.539 255.753 234.230 -- 208.063 196.264
Idanha-a-Nova 33.439 30.418 20.580 -- 13.630 11.659 9.716
Monsanto 3.846 3.541 2.420 -- 1.143 1.160 829
Perspectiva demográfica de Portugal, Castelo Branco, Idanha-a-Nova e Monsanto.
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Resultados Métodos 3: The Perfect Brainstorming (pesadelos)
Visão dos Habitantes:
• Lugar muito afastado de metrópole
• Inveja
• Falta cuidado com o espaço
• Solidão
• Falta de programas colectivos
• Falta de transmissão do conhecimento
• Nobody cares about their stories
(they will die with them)
• Trabalho - recursos da terra
• No transport
• Alone in the house
• Não há farmácia
• Não há escolas activas
• Lack of jobs
• Saudades da familia
• Sem acesso há saúde todos os dias
• No experience “Bored”
• Não há dinheiro / pouco giro monetário
• Mais horários de autocarro
• Falta natalidade
• Zonas difícil acesso / difícil mobilidade
• Falta tecnologia
• Sem atracção (preocupações com jovens)
Visão dos Familiares:
• Restaurantes caros
• Time to traveling 5 hours (from Lisbon by bus)
• Transporte muito caro
• No beach
• No parking
• Sem sinal telemóvel
• Não ter actividades nem companhia
• Bored
• Não há privacidade / granies watching you
• Não ter Internet
• Bichos
• Saúde - Preocupação por estar longe
• Perda de interesse pela terra
• Sem programação motivadora
•Não conhecem as riquezas das terras onde
pertencem! Depois se vem isso optimizado e
tudo fashion na feira de Milão… já é o máximo!
• Poucos lugares para ir
• Falta meio de transporte para ir onde quiser
• Pessoas jovens
• Dinheiro gasto para chegar
• Falta cinema, teatro, coisas para fazer
Visão dos Turistas:
• Não há net nem Apps para turistas
• Não há guias turisticos
• Não há actividades rurais
• Pouco comércio
• Não tem ATM
• Falta de um museu
• Estar a chover
• Dificuldade na comunicação
• Stalking people (checking you)
• Não ter informações históricas
• Falta de lojas com produtos interessantes
• Castelo danificado /reabilitação
• Falta de festas /discotecas
• Não ter alojamento
• Falta de tabelas de indicação
• Perder-se
• Falta de farmácia
• Áreas de informação (posto turismo)
• Falta meios de mobilidade dentro da vila
• Sem sinal TM
• Não ter pão, água, sandes e sumos
• No places to buy real Monsanto souvenirs
Visão dos Comerciantes:
• Falta stock de produtos
• Falta de épocas altas de venda
• Falta Design (regional)
• Não ter compradores
• Não ter trocos
• Pouca variedade de produtos
• Falta clientes
• IVA / impostos/ legal stuff
• Difícil acesso para adquirir produtos
• Terem de esperar uma semana para voltar
• Deixar de produzir por acharem que não se
justifica
• Dificuldade na deslocação
• Falta de divulgação
• Falta de objectos regionais e de coisas da zona
• Few retail channels
• No connection with Lisbon “Lisbon Lovers”
• Roubo! Who? Kids?
• No production of Monsanto stuff
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Resultados Métodos 3: The Perfect Brainstorming (sonhos)
• Festas Temáticas
• Cooperativa produtos dos habitantes
• Loja em Lisboa com Monsanto produtos
• Mais habitantes
• Museu com os objectos históricos
• Skype house
• União dentro da comunidade
• Centro de emprego
• Jantares medievais dentro do castelo
• Protocolos com universidades de design
• Promover transmissão conhecimento
• Acesso para deficientes fisicos
• gardening workshops
• Museu da cenoura
• Workshop fotografia
• Movie -video
• Noite no castelo
• Feira das trocas
• School in nature trips for primary schools
• Protocolo com o museu de arte popular
• Escolas, cursos, workshops
• Centro de convivio e partilha de experiências
• Centro de saúde
• Rapel no castelo + Paintball
• Corrida de burros e taxi de burros
• Reality - show animais
• Esteticista e cabeleireiro
• Workshops de saúde e enfermagem
• Vinho regional para exportar
• Segwei / cadeiras de rodas electricas
• Inter-rail
• Exportar marafonas
• Medicina alternativa
• Parque ecologico, parceria EDP + Jobs
• Workshops for university students (art)
• Percursos bicicletas com guia
• Documentário para preservar e guardar a
história de Monsanto
• Delinear percursos pedestres
• Farmácias (mercadoria por encomenda)
• SPA com massagens
• Quinta pedagógica
• Quinta biológica
• Piscina /fonte pulvorizadora
• Novos artesãos
• Cinema
• Workshops gastronómicos
• Inventar um mito (Lisboa à noite)
• Festival Monsanto (musica, actividades,
corrida de burros)
• Pousada
• Comunidade de ensino de actividades e
produtos artesanais
• Festa do castelo medieval
• Medicina preventiva
• Borracharia
• Queijo nas refeições da TAP
• Geo-Box
• Cercisa - parceria
• Padrinhos dos animais
• Guias turisticos que incluem Monsanto
• Venda de experiencias
• Helicoptero que voa até Monsanto
• Q-cina / momang
• Postos de informação
• Feira das Trocas (ensino qualquer coisa em
troca de)
• Moda regional
• Festival musica pimba
• Pontos de venda / promoções nos aeroportos
• Open houses for Japan people
• Live for one week as Monsanto way
• Turismo rural
• Vending machine de água Monsanto no castelo
• Águas Monsanto - águas artesanais - vender
turismo
• Marafonas c/ caderno de informação
• Parcerias tecnologicas (marafonas Hi -tech)
• Exportar mais produtos regionais (adufeira,
bonecas, com outro “olhar”)
• USB Marafona
• Novos artigos em pele da cabra
• Canal online de história
• DIY Monsanto coisas
• LX FACTORY
• Vender tecnologia a marcas internacionais
• Livros ilustrados
• Canal de venda online
• Uma aventura em Monsanto
• Campanha pub Nike Running
• Reinventar a forma dos queijos / novas formas
• Canal de venda grande distribuição jumbo
• Vending machine com sandes e águas e
produtos
• Incentivos fiscais para jovens
• Cultura urbana - jovens
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