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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE ENFERMAGEM ÉRICA GOMES PEREIRA C ONTRIBUIÇÃO DA E NFERMAGEM PARA A C ONSTITUIÇÃO DA S AÚDE C OLETIVA São Paulo 2016

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UNIVERSIDADE DE SO PAULO ESCOLA DE ENFERMAGEM

RICA GOMES PEREIRA

CONTRIBUIO DA ENFERMAGEM PARA A CONSTITUIO DA SADE COLETIVA

So Paulo 2016

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RICA GOMES PEREIRA

CONTRIBUIO DA ENFERMAGEM PARA A CONSTITUIO DA SADE COLETIVA

Verso corrigida da Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Enfermagem/PPGE da Escola de Enfermagem da Universidade de So Paulo/EEUSP para obteno do ttulo de Doutor em Cincias

rea de concentrao: Cuidado em Sade

Orientadora: Prof Dr Maria Rita Bertolozzi

VERSO CORRIGIDA A verso original encontra-se disponvel na Biblioteca da Escola de Enfermagem da Universidade de

So Paulo e na Biblioteca Digital de Teses e Dissertaes da Universidade de So Paulo

SO PAULO 2016

AUTORIZO A REPRODUO E DIVULGAO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.

Assinatura: ______________________________________________________

Data: ___/___/____

Catalogao na Publicao (CIP) Biblioteca Wanda de Aguiar Horta

Escola de Enfermagem da Universidade de So Paulo

Pereira, rica Gomes Contribuio da enfermagem para a constituio da sade coletiva. / rica Gomes Pereira. So Paulo, 2016.

255 p.

Tese (Doutorado) Escola de Enfermagem da Universidade de So Paulo.

Orientadora: Profa. Dra. Maria Rita Bertolozzi rea de concentrao: Cuidado em Sade

1. Enfermagem. 2. Ps-graduao. 3. Sade pblica - pesquisa.

4.Produo cientfica. 5. Doutorado. I. Ttulo.

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NOME: RICA GOMES PEREIRA

TTULO: CONTRIBUIO DA ENFERMAGEM PARA A CONSTITUIO DA SADE COLETIVA

Verso corrigida da Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Enfermagem/PPGE da Escola de Enfermagem da Universidade de So Paulo/EEUSP para obteno do ttulo de Doutora em Cincias

Aprovado em: 28/03/2016

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. ___________________________ Instituio: _______________________ Julgamento: ________________________ Assinatura: ________________________

Prof. Dr. ___________________________ Instituio: _______________________ Julgamento: ________________________ Assinatura: ________________________

Prof. Dr. ___________________________ Instituio: _______________________ Julgamento: ________________________ Assinatura: ________________________

Prof. Dr. ___________________________ Instituio: _______________________ Julgamento: ________________________ Assinatura: ________________________

Prof. Dr. ___________________________ Instituio: _______________________ Julgamento: ________________________ Assinatura: ________________________

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DEDICATRIA

Aos agentes e sujeitos dos processos educativos

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AGRADECIMENTOS

Professora Doutora Maria Rita Bertolozzi, orientadora desta pesquisa, que com grande sagacidade apoiou o aprimoramento das minhas habilidades cientficas e me mostrou por suas

aes o quanto valoroso buscarmos a paz e a densidade na produo e divulgao dos conhecimentos cientficos.

s Professoras Doutoras Maria Amlia de Campos Oliveira e Cinira Magali Fortuna pelas preciosas contribuies no exame de qualificao.

chefia da Prof Dr Renata F. Takahashi e s demais colegas do Departamento de Enfermagem em Sade Coletiva, especialmente s Professoras Doutoras Suely I. Ciosak e

Anna Luiza de F.P.L. Gryschek, da Escola de Enfermagem da Universidade de So Paulo (EEUSP) pelo apoio e estmulo ao aprendizado da subrea acadmica Enfermagem em Sade

Coletiva.

Aos demais colegas da EEUSP, estudantes de graduao, ps-graduao, trabalhadores da rede de servios de sade (especialmente enf Lily, Yara, Leide, Sara, Marisa,

Carolina, Ana Carolina, Adriana, Gisele, Reneide e Paula) e s populaes das reas adscritas pelo estmulo reflexo acerca do aprimoramento do sistema de sade brasileiro.

Ao Coletivo Unindo Foras na USP e Associao Nacional de Ps-Graduandos, especialmente ao Phillipe Pessoa, que pela sua liderana na defesa dos direitos dos estudantes de ps-graduao me possibilitou participar um pouquinho do processo

empolgante que atuar politicamente em prol de um mundo com cada vez mais igualdade de condies.

Aos integrantes do Grupo de Pesquisa Vulnerabilidades, Necessidades e Adeso em Sade Coletiva, especialmente s queridas Rosngela (R), Kuiteria (Kitty), Mariana

(Mari) e Giovanna (Giii), pelo estmulo reflexo acerca da contribuio da Enfermagem ao campo da Sade Coletiva.

Amanda (Amandinha), bolsista de Iniciao Cientfica do CNPq, pelo apoio na busca e classificao dos documentos que constituram o material emprico deste estudo.

Ao Leonardo, Eric, Filipe, Eduardo, Maria, Atena, Mara e Aline pelo incentivo ao equilbrio no enfrentamento das dificuldades dirias e desenvolvimento da harmonia para o

avano da Paz Mundial.

Karen (Mimi), Elo (Elozinha), Vnia (Vaniiii), Geisa (Geisoca), Alessandra (Moniii), Claudia Takamatsu (Claudinha), Mrcia Cunha (Marcinha) e Marcelle Bianco (M)

pelo acolhimento, incentivo, apoio e amizade.

Aos meus pais, Jairo e Balbina, minha irm Elen e seu esposo Nano, pelo apoio e estmulo irrestrito apesar das minhas ausncias durante o curso de Doutorado.

E, s pessoas que, direta ou indiretamente, contriburam para a realizao deste trabalho.

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Pereira G. Contribuio da Enfermagem para a constituio da Sade Coletiva [tese]. So Paulo: Escola de Enfermagem, Universidade de So Paulo; 2016.

RESUMO

Introduo: A Sade Coletiva articula mltiplas disciplinas, incluindo as Cincias Sociais, no intuito de proporcionar maior poder explicativo ao processo sade-doena. Apesar da institucionalizao da Enfermagem evidenciar profcua experincia na formao de doutores e de sua importante participao na produo do conhecimento, alm da atuao no processo de produo dos servios de sade, ainda persistem lacunas no percurso reflexivo referente apropriao da complexidade epistemolgica do campo da Sade Coletiva. Objetivos: Analisar a contribuio da produo acadmica no mbito do Doutorado em Enfermagem dos Programas de Ps-Graduao Senso Estrito em Enfermagem para a constituio do campo da Sade Coletiva. Material e mtodos: Trata-se de pesquisa documental, com base na hermenutica dialtica. A amostra foi composta por 87 teses de Doutorado de 15 programas de ps-graduao, no perodo 2011-2012. Aps leitura compreensiva, o material emprico foi decomposto em temas que constituem o corpus dos objetos de estudo. A anlise hermenutica tambm compreendeu a identificao do marco terico-referencial, sujeitos que constituram as populaes de estudo e locais de ocorrncia. Resultados: Os oito temas encontrados foram: Prticas em sade (26,4%), Avaliao das polticas e servios de sade (16,1%), Tecnologias em sade (13,8%), Sentidos e representaes vividos pelos usurios (12,6%), Informao em sade (10,3%), Violncia em sade (8,1%), Sade, ambiente e trabalho (8,1%), e Formao em sade (4,6%). Os trs primeiros temas concentraram 56,3% dos estudos. As prticas em sade tiveram como foco o cotidiano do enfermeiro associado ou no prtica de outros profissionais de sade. O tema Avaliao das polticas e servios de sade refere-se produo de estudos sobre acesso das pessoas aos servios de sade em associao operacionalizao das redes de ateno e polticas de controle da tuberculose, DST/Aids, entre outras. O tema Tecnologias em sade refere-se, substantivamente, ao desenvolvimento de manuais ou instrumentos para interveno individual ou coletiva em espaos institucionais especficos, orientados a aprimorar principalmente as prticas sade da mulher e DST/Aids. Concluses: Os temas encontrados contribuem majoritariamente na explicitao e na compreenso das aes de cuidado desenvolvidas no micro espao das relaes interpessoais do enfermeiro com os usurios e outros profissionais da sade em prol do direito universal sade e em consonncia ao projeto poltico do SUS. A predominncia da Estratgia Sade da Famlia como local de pesquisa confirma a iniciativa do governo federal em promover a reorganizao das prticas na ateno primria em sade. Ademais, a potncia analtica dos estudos pode auxiliar a subrea acadmica Enfermagem em Sade Coletiva na elaborao de pesquisas com novos objetos e inovaes terico-metodolgicas em correspondncia s necessidades e problemas de sade da populao brasileira.

Palavras-Chave: Enfermagem; Educao de ps-graduao; Sade Coletiva; Agenda de

Pesquisa em Sade; Teses.

Pereira G. Nursing cooperation to constitution of the Collective Health [thesis] Sao Paulo (SP): Nursing School, University of Sao Paulo; 2016.

ABSTRACT

Introduction: Collective Health articulates multiple subjects, including social Sciences to provide a more comprehensive understanding on the health-disease process. Although Nursing institutionalization presents a profitable experience in doctoral formation and an important participation in production of knowledge, beyond his performance in the process of health services production, gaps still persist in the reflexive course to the epistemological complexity appropriation in the field of Collective Health. Objectives: To analyze the contribution of the academic production from Doctorate in Nursing to the Collective Health field. Material and methods: It is a documental research, based on dialectical hermeneutics. The sample was composed of 87 Doctoral thesis of 15 graduate programs, from 2011 to 2012. After a comprehensive reading, the empirical data was decomposed in themes that constitute the corpus of the study objects. The hermeneutics analysis also comprised the identification of theoretical-reference, subjects that constituted the population of study and places where studies were developed. Results: We found eight themes: Health practices (26.4%), Evaluation of politics and services in health (16.1%), Technologies in health (13.8%), Senses and representations experienced by the users (12.6%), Information in health (10.3%), Violence in health (8.1%), Health, environment and work (8.1%), and Training in health (10.3%). The first three themes focused 56.3% of the studies. The health practices had as focus the nursings everyday associated or not to the practice of other health professionals. The Evaluation of politics and services in health theme refers to studies about the people access to health services in association to the network attention in health and tuberculosis, STD/Aids control policies, among others. The Technologies in health theme refers, substantively, to the development of manuals or tools to individual or collective intervention in specific institutional spaces, mainly oriented to improve the practices in womans health and STD/Aids. Conclusions: The themes mostly contribute to elucidate and to understand care actions in the micro space of interpersonal nursing relationships with patients and other health professionals, in order to benefit the universal right to health and in accordance to the SUS Unified Health System in Brazil. The predominance in Familys Health Strategies as a research place confirm the federal government initiative to promote the reorganization of practices in primary health care. Moreover, the analytic strength of the studies can help the academic subarea of Nursing in Collective Health on the formulation of researches with new objects and theorical-methodological innovations in correspondence to the health needs and of the Brazilian population.

Keywords: Nursing; Education, Graduate; Public Health; Health Research Agenda;

Academic Dissertations.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 3.5.5.1 - Sntese percorrida por cada etapa da coleta de dados do presente estudo. .......................................................................................................... 64

Figura 4.2.1 - Mapa mental dos temas das teses em Enfermagem afins Sade Coletiva, 2011-2012. .................................................................................... 83

Figura 4.2.1.1 - Mapa mental do tema As prticas em sade ................................................. 85

Figura 4.2.2.1 - Mapa mental do tema A avaliao das polticas e servios de sade ........... 91

Figura 4.2.3.1 - Mapa mental do tema As tecnologias em sade ........................................... 96

Figura 4.2.4.1 - Mapa mental do tema Os sentidos e representaes vividos pelos usurios ....................................................................................................... 101

Figura 4.2.5.1 Mapa mental do tema A informao em sade ............................................ 106

Figura 4.2.6.1 - Mapa mental do tema A violncia e sade ................................................. 111

Figura 4.2.7.1 - Mapa mental do tema Sade, ambiente e trabalho ..................................... 116

Figura 4.2.8.1 - Mapa mental do tema A formao em sade.............................................. 121

LISTA DE TABELAS

Tabela 3.4.1 - Linhas de pesquisa vinculadas aos cursos de Doutorado em Enfermagem e linhas selecionadas na amostra referente ao perodo 2011-2012..................................................................................................... 58

Tabela 3.4.2 - Disciplinas vinculadas aos PPG em Enfermagem, oferecidas aos alunos dos cursos de Doutorado em Enfermagem e as que foram selecionadas na amostra do perodo 2011-2012. .......................................... 59

Tabela 3.4.3 - Teses vinculadas aos cursos de Doutorado em Enfermagem e as teses selecionadas na amostra do perodo 2011-2012. ................................. 60

Tabela 4.1.1 - Programas de Ps-Graduao em Enfermagem com teses afins Sade Coletiva segundo regio de publicao, instituio de ensino superior e perodo de incio do curso, 2011-2012. ....................................... 74

Tabela 4.1.2 - Temas das disciplinas afins Sade Coletiva oferecidas aos alunos de cursos de Doutorado em Enfermagem, nos Programas de Ps-Graduao em Enfermagem, 2011-2012. ..................................................... 80

Tabela 4.2.1.2 - Teses em Enfermagem afins Sade Coletiva classificadas no tema As prticas em sade quanto a distribuio do marco terico-conceitual, 2011-2012. ................................................................................. 86

Tabela 4.2.1.3 - Teses em Enfermagem afins Sade Coletiva classificadas no tema As prticas em sade quanto a distribuio dos instrumentos/meios de coleta e tcnicas de anlise, 2011-2012. .................................................. 87

Tabela 4.2.1.4 - Teses em Enfermagem afins Sade Coletiva classificadas no tema As prticas em sade quanto a distribuio dos sujeitos e local de estudo, 2011-2012. ....................................................................................... 88

Tabela 4.2.1.5 - Teses em Enfermagem afins Sade Coletiva classificadas no tema As prticas em sade quanto procedncia do estudo, 2011-2012. ............ 89

Tabela 4.2.2.2 - Teses em Enfermagem afins Sade Coletiva classificadas no tema A avaliao das polticas e servios de sade quanto a distribuio do marco terico-conceitual, 2011-2012. ..................................................... 92

Tabela 4.1.2.3 - Teses em Enfermagem afins Sade Coletiva classificadas no tema A avaliao das polticas e servios de sade quanto a distribuio dos instrumentos/meios de coleta e tcnicas de anlise, 2011-2012. ........... 93

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Tabela 4.1.2.4 - Teses em Enfermagem afins Sade Coletiva classificadas no tema A avaliao das polticas e servios de sade quanto a distribuio dos sujeitos e local de estudo, 2011-2012. ................................................... 94

Tabela 4.1.2.5 - Teses em Enfermagem afins Sade Coletiva classificadas no tema A avaliao das polticas e servios de sade quanto procedncia do estudo, 2011-2012.................................................................................... 95

Tabela 4.2.3.2 - Teses em Enfermagem afins Sade Coletiva classificadas no tema As tecnologias em sade quanto a distribuio do marco terico-conceitual, 2011-2012................................................................................... 97

Tabela 4.2.3.3 - Teses em Enfermagem afins Sade Coletiva classificadas no tema As tecnologias em sade quanto a distribuio dos instrumentos/meios de coleta e tcnicas de anlise, 2011-2012. .................. 98

Tabela 4.2.3.4 - Teses em Enfermagem afins Sade Coletiva classificadas no tema As tecnologias em sade quanto a distribuio dos sujeitos e local do estudo/fonte de dados, 2011-2012. ............................................................... 99

Tabela 4.2.3.5 - Teses em Enfermagem afins Sade Coletiva classificadas no tema As tecnologias em sade quanto procedncia do estudo, 2011-2012. ........................................................................................................... 100

Tabela 4.2.4.2 - Teses em Enfermagem afins Sade Coletiva classificadas no tema Os sentidos e representaes vividos pelos usurios quanto a distribuio do marco terico-conceitual, 2011-2012. ............................... 102

Tabela 4.2.4.3 - Teses em Enfermagem afins Sade Coletiva classificadas no tema Os sentidos e representaes vividos pelos usurios quanto a distribuio dos instrumentos/meios de coleta e tcnicas de anlise, 2011-2012. .................................................................................................. 103

Tabela 4.2.4.4 - Teses em Enfermagem afins Sade Coletiva classificadas no tema Os sentidos e representaes vividos pelos usurios quanto a distribuio dos sujeitos e local de estudo, 2011-2012. .............................. 104

Tabela 4.2.4.5 - Teses em Enfermagem afins Sade Coletiva classificadas no tema Os sentidos e representaes vividos pelos usurios quanto procedncia do estudo, 2011-2012. ............................................................ 105

Tabela 4.2.5.2 - Teses em Enfermagem afins Sade Coletiva classificadas no tema A informao em sade quanto a distribuio do marco terico-conceitual, 2011-2012................................................................................. 107

Tabela 4.2.5.3 - Teses em Enfermagem afins Sade Coletiva classificadas no tema A informao em sade quanto a distribuio dos instrumentos/meios de coleta e tcnicas de anlise, 2011-2012. ............... 108

Tabela 4.2.5.4 - Teses em Enfermagem afins Sade Coletiva classificadas no tema A informao em sade quanto a distribuio dos sujeitos e local de estudo, 2011-2012. ..................................................................................... 109

Tabela 4.2.5.5 - Teses em Enfermagem afins Sade Coletiva classificadas no tema A informao em sade quanto procedncia do estudo, 2011-2012. ...... 110

Tabela 4.2.6.2 - Teses em Enfermagem afins Sade Coletiva classificadas no tema Aviolncia e sade quanto a distribuio do marco terico-conceitual, 2011-2012. ............................................................................... 112

Tabela 4.2.6.3 - Teses em Enfermagem afins Sade Coletiva classificadas no tema A violncia e sade quanto a distribuio dos instrumentos/meios de coleta e tcnicas de anlise, 2011-2012. .................................................... 113

Tabela 4.2.6.4 - Teses em Enfermagem afins Sade Coletiva classificadas no tema A violncia e sade quanto a distribuio dos sujeitos e local de estudo, 2011-2012. ..................................................................................... 114

Tabela 4.2.6.5 - Teses em Enfermagem afins Sade Coletiva classificadas no tema A violncia e sade quanto procedncia do estudo, 2011-2012. ............. 115

Tabela 4.2.7.2 - Teses em Enfermagem afins Sade Coletiva classificadas no tema Sade, ambiente e trabalho quanto a distribuio do marco terico-conceitual, 2011-2012. ............................................................................... 117

Tabela 4.2.7.3 - Teses em Enfermagem afins Sade Coletiva classificadas no tema Sade, ambiente e trabalho quanto a distribuio dos instrumentos e tcnicas de anlise, 2011-2012. .................................................................. 118

Tabela 4.2.7.4 - Teses em Enfermagem afins Sade Coletiva classificadas no tema Sade, ambiente e trabalho quanto a distribuio dos sujeitos e local de estudo, 2011-2012. ................................................................................ 119

Tabela 4.2.7.5 - Teses em Enfermagem afins Sade Coletiva classificadas no tema Sade, ambiente e trabalho quanto procedncia do estudo, 2011-2012 ............................................................................................................ 120

Tabela 4.2.8.2 - Teses em Enfermagem afins Sade Coletiva classificadas no tema A formao em sade quanto a distribuio do marco terico-conceitual, 2011-2012. ............................................................................... 122

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Tabela 4.2.8.3 - Teses em Enfermagem afins Sade Coletiva classificadas no tema A formao em sade quanto a distribuio dos instrumentos/meios de coleta e tcnicas de anlise, 2011-2012. ................................................ 122

Tabela 4.2.8.4 - Teses em Enfermagem afins Sade Coletiva classificadas no tema A formao em sade quanto a distribuio dos sujeitos e local de estudo, 2011-2012....................................................................................... 123

Tabela 4.2.8.5 - Teses em Enfermagem afins Sade Coletiva classificadas no tema A formao em sade quanto procedncia do estudo, 2011-2012. .......... 124

LISTA DE QUADROS

Quadro 1.3 Produo cientfica sobre a educao de ps-graduao senso estrito em Enfermagem e a subrea Enfermagem em Sade Coletiva no perodo 1983-2013, segundo tipo de estudo. .................................................................. 32

Quadro 3.3 - Programas de Ps-Graduao em Enfermagem credenciados pela CAPES com cursos de doutorado no perodo 2011-2012. ............................................. 56

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LISTA DE SIGLAS

UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro USP - Universidade de So Paulo CAPES - Coordenao e Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior MEC - Ministrio da Educao PNPG - Plano Nacional de Ps-Graduao PPG - Programa de Ps-Graduao CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico LILACS - Literatura Latino-Americana de Cincias da Sade BDENF - Base de Dados em Enfermagem SCIELO - Scientific Electronic Library Online DeCs - Descritores em Cincias da Sade SUS - Sistema nico da Sade PG - Ps-Graduao HND - Histria Natural da Doena HNDNP - Histria Natural da Doena e Nveis de Preveno ABRASCO - Associao Brasileira de Ps-Graduao em Sade Coletiva SUDS - Sistema Unificado e Descentralizado de Sade SUS - Sistema nico de Sade OPAS - Organizao Panamericana de Sade ABEn - Associao Brasileira de Enfermagem UFBA - Universidade Federal da Bahia UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFPB - Universidade Federal da Paraba UFC - Universidade Federal do Cear UNB - Universidade de Braslia UFG - Universidade Federal de Gois UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFPEL - Universidade Federal de Pelotas FURG - Universidade Federal do Rio Grande UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina UEM - Universidade Estadual de Maring UFPR - Universidade Federal do Paran UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais UNIRIO - Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro UERJ - Universidade Estadual do Rio de Janeiro UNICAMP - Universidade de Campinas UNIFESP - Universidade Federal de So Paulo USP/RP - Universidade de So Paulo/Ribeiro Preto M - Mestrado Acadmico D - Doutorado Acadmico PIBIC - Programa Institucional de Bolsas de Iniciao Cientfica CNS - Conselho Nacional de Sade USP/EE - Universidade de So Paulo/Escola de Enfermagem UBS - Unidade Bsica de Sade ESF - Estratgia Sade da Famlia UPA - Unidade de Pronto Atendimento SAMU - Servio de Atendimento Mdico de Urgncia ID - Identificador nico APS - Ateno Primria em Sade

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SUMRIO

1 INTRODUO............................................................................................................... 23 1.1 PROBLEMATIZAO DO OBJETO DE ESTUDO ........................................................................... 23 1.2 A ENFERMAGEM E A SADE COLETIVA NA PS-GRADUAO BRASILEIRA .................... 24 1.3 A EDUCAO DE PS-GRADUAO SENSO ESTRITO EM ENFERMAGEM E A

SUBREA ENFERMAGEM EM SADE COLETIVA: REVISO BIBLIOGRFICA .................... 29

2 OBJETIVOS .................................................................................................................... 37 2.1 OBJETIVO GERAL ............................................................................................................................ 37 2.2 OBJETIVOS ESPECFICOS ............................................................................................................... 37

3 MATERIAL E MTODOS............................................................................................. 41 3.1 CONSIDERAES TERICAS......................................................................................................... 41

3.1.1 A constituio do campo de conhecimento em Sade Coletiva ..................................................... 41 3.1.2 A contribuio da Enfermagem em Sade Coletiva na produo do campo de conhecimento da

Enfermagem ................................................................................................................................ 49 3.2 TIPO DE PESQUISA .......................................................................................................................... 52

3.2.1 Pesquisa documental ................................................................................................................... 53 3.3 LOCAL E MATERIAL DO ESTUDO................................................................................................. 54 3.4 AMOSTRA ......................................................................................................................................... 57 3.5 ETAPAS DA COLETA DE DADOS ................................................................................................... 61

3.5.1 Primeira etapa ............................................................................................................................. 61 3.5.2 Segunda etapa ............................................................................................................................. 61 3.5.3 Terceira etapa ............................................................................................................................. 62 3.5.4 Quarta etapa ............................................................................................................................... 63 3.5.5 Quinta etapa ................................................................................................................................ 63

3.6 CATEGORIZAO E ANLISE DOS DADOS ................................................................................ 65 3.7 ASPECTOS TICOS .......................................................................................................................... 69

4 RESULTADOS ............................................................................................................... 73 4.1 OS PROGRAMAS DE PS-GRADUAO SENSO ESTRITO EM ENFERMAGEM COM

TESES AFINS SADE COLETIVA NO PERODO 2011-2012 ..................................................... 73 4.2 AS TESES EM ENFERMAGEM AFINS SADE COLETIVA NO PERODO 2011-2012 ............. 82

4.2.1 As prticas em sade ................................................................................................................... 84 4.2.2 A avaliao das polticas e servios de sade .............................................................................. 89 4.2.3 As tecnologias em sade .............................................................................................................. 95 4.2.4 Os sentidos e representaes vividos pelos usurios ..................................................................... 100 4.2.5 A informao em sade.............................................................................................................. 105

4.2.6 A violncia e sade .................................................................................................................... 110 4.2.7 Sade, ambiente e trabalho ........................................................................................................... 115 4.2.8 A formao em sade ................................................................................................................. 120

5 DISCUSSO ................................................................................................................. 127 5.1 OS PROGRAMAS DE PS-GRADUAO SENSO ESTRITO EM ENFERMAGEM NO

PERODO 2011-2012 COM TESES AFINS SADE COLETIVA ................................................ 127 5.2 A PRODUO EM ENFERMAGEM ORIENTADA SADE COLETIVA? ................................ 141

5.2.1 As prticas em sade ................................................................................................................. 142 5.2.2 A avaliao das polticas e servios de sade ............................................................................ 149 5.2.3 As tecnologias em sade ............................................................................................................ 152 5.2.4 Os sentidos e representaes vividos pelos usurios .................................................................. 156 5.2.5 A informao em sade .............................................................................................................. 160 5.2.6 A violncia e sade .................................................................................................................... 164 5.2.7 Sade, ambiente e trabalho ........................................................................................................ 167 5.2.8 A formao em sade ................................................................................................................. 170 5.2.9 Apontamentos sobre aspectos terico-metodolgicos da produo em Enfermagem analisada .. 172

6 CONCLUSES ............................................................................................................. 177 6.1 IMPLICAES PARA A PRTICA E A PESQUISA ...................................................................... 178 6.2 SUGESTES PARA TRABALHOS FUTUROS ............................................................................... 179

7 BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................... 183

APNDICE ............................................................................................................................ 207

ANEXOS ................................................................................................................................ 253

21

introduo

Introduo 23

23

1 INTRODUO

1.1 PROBLEMATIZAO DO OBJETO DE ESTUDO

O presente estudo buscou analisar os objetos de investigao das teses de Doutorado

em Enfermagem no Brasil, que tinham alguma afinidade com a rea da Sade Coletiva e

relacionar com a prtica cientfica desenvolvida nos cursos de Doutorado em Enfermagem no

intuito de contribuir institucionalizao da subrea acadmica Enfermagem em Sade

Coletiva.

A Sade Coletiva constituiu-se, no Brasil, durante a dcada de 1970, a partir da

articulao entre as Cincias Sociais e outras disciplinas afins rea da sade (Donnangelo,

1984; Paim, Almeida Filho, 2000; Paim, 2006). Enquanto campo de saber e de prticas

desenvolveu-se, essencialmente, a partir da crtica ao modelo mdico hegemnico, aos

movimentos ideolgicos referentes Higiene, Medicina Preventiva, Medicina Comunitria,

Medicina da Famlia e Sade Pblica institucionalizada (Donnangelo, 1984; Paim, Almeida

Filho, 2000; Paim, 2006).

Tambm impulsionou sua constituio, as limitaes explicativas para a interpretao

dos intensos processos de desigualdades sociais e de sade, substantivamente presentes no

mbito da Amrica Latina, que vivia o exerccio de processos ditatoriais, com todas as suas

decorrentes injustias sociais e repercusso sobre os processos sade-doena (Nunes, 2000).

Assim, as discusses salientavam que as causas das doenas deviam ser investigadas nos

processos de produo e reproduo social e, nessa perspectiva, buscava-se a formao de

profissionais de sade para alm da tcnica e da dimenso biolgica (Nunes, 2000).

Desde ento, a Sade Coletiva vem apresentando amplo desenvolvimento como

campo de produo de conhecimento, na formao de pesquisadores e na atuao de

profissionais na formulao, operacionalizao e avaliao de polticas pblicas de sade

(Barata, Santos, 2013), alm das inovaes na organizao do trabalho no contexto dos

servios de sade.

24 Introduo

1.2 A ENFERMAGEM E A SADE COLETIVA NA PS-GRADUAO BRASILEIRA

Uma aproximao com a produo da Enfermagem permite identificar que a subrea

Enfermagem em Sade Coletiva tem procurado, de acordo com achados de Carvalho et al.

(2012), refletir sobre o significado social de sua prtica na sociedade brasileira, como se d a

interao dos diferentes sujeitos que compem a equipe de enfermagem no trabalho em sade

e a articulao entre os diferentes perfis de sade-doena da populao com os processos de

produo e de reproduo social.

Os pesquisadores da subrea Enfermagem em Sade Coletiva, ao examinarem

inicialmente sua prtica social, enquanto trabalho, na perspectiva marxista, analisaram o

cuidado de enfermagem (Nakame, 1987; Almeida, Rocha, 1997), reconhecendo os elementos

essenciais do processo de trabalho do enfermeiro e dos demais trabalhadores que compem a

fora de trabalho na Enfermagem (Castellanos, 1989; Egry, 1996; Almeida, Rocha, 1997;

entre outros).

Vale ressaltar que a Enfermagem brasileira teve seu primeiro curso de ps-graduao

senso estrito, de mestrado acadmico, na Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, em

1972, e o de doutorado, em 1981, a partir de um convnio entre a Escola de Enfermagem e a

Escola de Enfermagem de Ribeiro Preto, ambas unidades da Universidade de So Paulo -

USP (Augusto, 1990; Collet, Schneider, Correa, 2000).

Tais fatos devem-se ao amadurecimento da rea e ao contexto de expanso da

educao superior brasileira, intensificada durante o regime militar, por meio da Reforma

Universitria de 1968 (Lei n 5.540/68), que foi voltada especialmente para as instituies

federais, reiterando a incorporao de um modelo para a organizao do ensino superior

brasileiro (Martins, 2000).

poca, a expanso dos cursos de graduao exigiu, consequentemente, a ampliao

do corpo docente e, deste modo, a Reforma Universitria promoveu a institucionalizao da

ps-graduao em dois nveis mestrado e doutorado, com o objetivo de formar professores

qualificados e estimular o desenvolvimento de pesquisas para o desenvolvimento do Pas (Lei

n 5.540/68).

Introduo 25

25

Assim, na dcada de 1970, a regio Sudeste teve seus primeiros enfermeiros doutores

em outras reas do conhecimento que no a Enfermagem (Rodrigues et al., 2008; Erdmann et

al., 2011). Segundo os mesmos autores, predominavam pesquisas em enfermagem que

adotavam metodologias apoiadas no enfoque funcional para a apreenso dos fenmenos

biolgicos/sociais e que acabavam, certamente, tendo impacto na assistncia e no ensino de

enfermagem. Entretanto, historicamente, apoiavam o desenvolvimento de pesquisas mdicas e

no da sua rea especfica de conhecimento (Augusto, 1990; Cianciarullo, Salzano, 1991).

Nessa poca, as publicaes apresentam-se essencialmente descritivas, com relatos de

prtica, opinies pessoais, traduo de artigos norte-americanos e com o emprstimo de

conhecimentos de outras disciplinas que acabam por fundamentar a prtica da enfermagem,

mas com contedos terico-metodolgicos considerados fragmentados por muitos estudiosos

da rea (Collet, Schneider, Correa, 2000).

A paulatina expanso dos cursos de mestrado e doutorado brasileiros, em

Enfermagem, na regio Sudeste (4 mestrados e 3 doutorados), Sul (1 mestrado) e Nordeste (2

mestrados) permitiu, na dcada de 1980, o redimensionamento das concepes que

embasavam o trabalho dos pesquisadores em Enfermagem, principalmente a partir da

participao dos enfermeiros no movimento da Reforma Sanitria (Tonolli, Carvalho, 2002).

Em 1987, constituiu-se, institucionalmente, o primeiro Departamento de Enfermagem

em Sade Coletiva no mbito universitrio brasileiro, na Escola de Enfermagem da

Universidade de So Paulo, sob a gide da Sade Coletiva e que trouxe, alm de outros

desafios, a necessidade da qualificao dos enfermeiros neste campo do saber, assim como

responder s demandas nacionais, requeridas por fora do movimento da Reforma Sanitria

que, pouco mais tarde, traduzir-se-iam na Constituio de 1988 (Egry, 1996).

Por sua vez, a CAPES (Coordenao e Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior)

que uma instncia do Ministrio da Educao (MEC), iniciou suas atividades em 1951 e, na

dcada de 1970, desenvolveu sua prtica avaliativa no sistema de desempenho da educao de

ps-graduao senso estrito, separadamente, em nvel de mestrado e doutorado (Martins,

2002; Cabral Neto, Castro, 2012; Barreto, Domingues, 2012). Os Planos Nacionais de Ps-

Graduao, executados pela CAPES, ao longo do tempo, constituram-se em marcos para a

construo, consolidao e institucionalizao do sistema brasileiro de educao de ps-

graduao senso estrito (Martins, 2002).

26 Introduo

A elaborao dos cinco Planos Nacionais de Ps-Graduao (PNPG), conforme pode

ser verificado na sntese abaixo, orienta e norteia as atividades deste segmento do ensino

superior brasileiro (Cabral Neto, Castro, 2012):

a) I PNPG (1975-1979) tinha como prioridade, a capacitao de docentes para as

instituies de educao superior, minimizando as lacunas do quadro docente das

instituies deste nvel, ao considerar que, antes, isso era feito essencialmente no

exterior. A concesso de bolsas de estudo aos professores universitrios

possibilitou a institucionalizao da ps-graduao no sistema universitrio e o

incio do enfrentamento dos desequilbrios entre as diversas reas do conhecimento

nas vrias regies do Pas;

b) II PNPG (1982-1985) tratava da regulao e da avaliao deste nvel de ensino, a

partir do princpio da eficincia e da confiabilidade dos sistemas de informao e

avaliao de desempenho dos programas de ps-graduao. Iniciou-se a

problematizao do aprimoramento do setor produtivo nacional, por meio do

desdobramento do conhecimento sobre cincia e tecnologia;

c) III PNPG (1986-1989) trouxe como contribuio, a institucionalizao da

pesquisa como segmento pblico promovido por meio da prtica universitria

pblica e como elemento indissocivel da ps-graduao, articulada ao

desenvolvimento da cincia e tecnologia, a partir da operacionalizao de uma

identidade nacional slida no mbito da pesquisa brasileira;

d) IV PNPG (2005-2010) incorporou o princpio de que o sistema educacional

estratgico no desenvolvimento social, econmico e cultural da sociedade

brasileira. Aponta que a ps-graduao tem a tarefa de produzir profissionais aptos

para atuar em diferentes setores da sociedade e contribuir no processo de

modernizao do Pas, destacando a importncia da rea acadmica com o setor

produtivo e estimulando o aumento do nmero de ps-graduandos;

e) V PNPG (2011-2020) evidencia, na induo estratgica delineada no Plano

anterior: o favorecimento da integrao do ensino de ps-graduao com o setor

empresarial e a sociedade, a partir da expanso do SNPG; a qualidade, a quebra da

endogenia e das assimetrias dos cursos de ps-graduao senso estrito em relao

necessidade de conhecimento nos diversos contextos e setores da sociedade

Introduo 27

27

brasileira; prope a criao de uma agenda nacional de pesquisa associada

produo da ps-graduao; aponta o aperfeioamento da avaliao e o

estreitamento das parcerias entre universidades, Estado e empresas; a adoo da

inter e da multidisciplinaridade como importantes eixos de pesquisa; o apoio

formao de formadores na educao bsica e no ensino mdio.

Assim, a partir do que foi dito acima, se pode observar que (Brasil, 2010, p.27):

a poltica de ps-graduao no Brasil objetivou, inicialmente, capacitar os docentes das universidades, depois se preocupou com o desempenho do sistema de ps-graduao e, finalmente, voltou-se para o desenvolvimento da pesquisa na universidade, j pensando agora na pesquisa cientfica e tecnolgica e no atendimento das prioridades nacionais [preocupando-se] com os desequilbrios regionais e com a flexibilizao do modelo de ps-graduao.

O V PNPG, em outras palavras, tem como uma de suas prioridades, no perodo 2011-

2020, a expanso dos cursos, por meio da criao e induo de uma agenda nacional de

pesquisa, voltada para um conjunto de problemas de interesse da sociedade cuja soluo

[depende] do conhecimento, recobrindo diferentes segmentos da cincia e da tecnologia, bem

como parcerias entre rgos pblicos e setores privados (Brasil, 2010, p.20).

Por sua vez, em mbito internacional, tem sido observado que o propsito dos cursos

de doutorado e mestrado para a formao de novos pesquisadores para a produo de

conhecimento cientfico e/ou formao de recursos humanos para alm da academia, tem sido

tema recorrente nas discusses governamentais, por meio dos rgos reguladores e das

instituies acadmicas e de financiamento das pesquisas (Pezzi, Steil, 2009). Tais estudos e

discusses apontam a expanso da ps-graduao senso estrito e a preocupao com o

aumento da demanda, associada garantia da manuteno da qualidade dos cursos, dos alunos

e egressos (Pezzi, Steil, 2009; Nagata et al., 2012; Arimoto et al. 2012).

Nesse sentido, as pesquisas que tomam como objeto a Sade Coletiva na educao

superior tm procurado compreender a participao da Enfermagem e de outras prticas

sociais (Medicina, Odontologia, entre outras) no ensino de graduao, articulando os modelos

de ensino s polticas pblicas e s prticas dos servios de sade, em consonncia aos

princpios do Sistema nico da Sade/SUS (Campos, Nunes 1976; Galleguillos 2001;

Galleguillos, Oliveira 2001; Soares et al. 2003; Campos, Elias 2008; Almeida 2009; Campos

28 Introduo

2009; Campos, Elias, Cordoni Jnior, 2009; Leonello, Miranda Neto, Oliveira, 2011;

Almeida, Soares, 2011; Almeida Filho, 2013).

Contudo, quando as pesquisas tratam de investigar o objeto da Sade Coletiva na

educao superior de ps-graduao senso estrito, h predomnio dos estudos da rea Sade

Coletiva que institucionalizada em 1993 pela CAPES (Nunes, Costa, 1997; Minayo, Costa,

1998; Canesqui, 1998; Nunes, Nascimento, Barros, 2010; Viacava, 2010; Minayo, 2010;

Nunes, et al., 2010; Barata, Santos, 2010; Nunes, Ferreto, Barros, 2010; Nunes, Nascimento,

Barros, 2010; Nunes, 2011; Crrea, 2012; Crrea, Ribeiro, 2013).

Na presente pesquisa, o foco so as teses em Enfermagem oriundas dos Programas de

Ps-Graduao (PPG) em Enfermagem com contedo afim Sade Coletiva. Isto porque, ao

contrrio dos cursos de mestrado, bacharelado e/ou licenciatura em Enfermagem, que se

encontram em uma posio intermediria mais prxima do mercado de trabalho e da

formao de graduao, os doutores ocupam posio privilegiada em relao ao

desenvolvimento de pesquisas inovadoras, formando formadores que podem promover o

amadurecimento cientfico quali-quantitativo da Enfermagem.

Assim, o pressuposto do presente estudo que, apesar da institucionalizao da rea de conhecimento da Enfermagem ter volume e experincia na formao de doutores e sua

prtica cientfica ser importante no processo de produo dos servios de sade, ainda

persistem lacunas no percurso reflexivo de apropriao da complexidade do campo da Sade

Coletiva. Deste modo, espera-se que a problematizao da rea da Enfermagem afim Sade

Coletiva obtida durante a formao na educao superior de ps-graduao senso estrito,

possa contribuir no modo como tal subrea institucionalizada no tocante s questes que

desafiam o conhecimento e os caminhos percorridos para busc-lo.

Ademais, importante o desenvolvimento de estudos nacionais que enfoquem a

institucionalizao da subrea Enfermagem em Sade Coletiva, a partir de pesquisas com os

atores sociais (pesquisadores, professores, alunos, formuladores de poltica e usurios das

pesquisas) envolvidos na prtica cientfica de produo das teses, dissertaes, publicaes

cientficas, grupos de pesquisa, disciplinas, eventos cientficos, entre outros e que possam

oferecer acesso aos assuntos que so mais tratados.

A Enfermagem tinha dificuldade em identificar os estudos dos pesquisadores nas

subreas Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico/CNPq

Introduo 29

29

enfermagem mdico-cirrgica, enfermagem obsttrica, enfermagem psiquitrica, enfermagem

em doenas contagiosas, enfermagem em sade pblica a partir das linhas de pesquisa que

aglutinam estudos cientficos e/ou tecnolgicos produzidos no interior da rea (Mendes et al.,

2003, p.492). Deste modo, na tentativa de reconhecer parcela da especificidade da

Enfermagem afim Sade Coletiva, a presente autora se deparou h alguns anos com os

seguintes questionamentos:

Qual a diversidade temtica das teses afins Sade Coletiva que so produzidas

nos cursos brasileiros de Doutorado em Enfermagem?

As teses em Enfermagem afins Sade Coletiva aproximam-se de quais subreas

da Sade Coletiva?

Em sntese, como apontado anteriormente, a educao de ps-graduao senso estrito

pode ser um importante espao de estudo na reflexo sobre a formao e atuao necessrias

consolidao do sistema brasileiro pblico de sade. Neste sentido, para identificar como a

Enfermagem tem produzido pesquisas relacionadas ao tema, faz-se necessria uma reviso

bibliogrfica nacional.

1.3 A EDUCAO DE PS-GRADUAO SENSO ESTRITO EM ENFERMAGEM E A SUBREA ENFERMAGEM EM SADE COLETIVA: REVISO BIBLIOGRFICA

Para identificar como a educao de ps-graduao senso estrito brasileira em

Enfermagem tem se apropriado da Sade Coletiva e divulgado sua produo cientfica,

realizou-se reviso bibliogrfica nacional. Tal reviso orienta a problematizao do objeto de

estudo da presente pesquisa.

A produo nacional sobre educao de ps-graduao senso estrito em Enfermagem e

a Sade Coletiva foi investigada nos seguintes locais de busca:

a) banco de dados da Literatura Latino-Americana de Cincias da Sade LILACS

b) Base de Dados em Enfermagem BDENF

30 Introduo

c) Scientific Electronic Library Online SCIELO

d) Biblioteca Eletrnica de teses e dissertaes da USP Teses USP

Foram utilizados os seguintes Descritores em Cincias da Sade (DeCs), indexadores

de assunto, palavras, tipo e pas de publicao: educao de ps-graduao em enfermagem;

educao em enfermagem de ps-graduao; educao superior; enfermagem; pesquisa em

enfermagem; Brasil; avaliao educacional; sade coletiva; sade pblica; pesquisa em

educao de enfermagem e currculo. Alm disso, foram utilizados os operadores booleanos

and, or e and not com as palavras latu-sensu, lato-sensu, lato, latu, mestrado, profissional,

editorial e especializao.

O ano de 1981 constituiu-se no marco temporal inicial para localizar, na produo

cientfica brasileira, os relatos de caso e/ou as pesquisas porque, neste mesmo ano, iniciou-se

o primeiro curso de doutorado brasileiro e latino-americano em Enfermagem, no Programa

Interunidades de Doutoramento em Enfermagem entre a Escola de Enfermagem e a Escola de

Enfermagem de Ribeiro Preto da Universidade de So Paulo.

Para tanto, optou-se por sistematizar o problema de pesquisa a partir da estratgia

PICo (Santos, Pimenta, Nobre, 2011; Biruel, 2013), sendo P para sujeitos professores,

alunos ou egressos ps-graduandos, I para fenmeno de interesse - a experincia obtida na

estrutura acadmica dos PPG senso estrito em Enfermagem e Co para contexto

enfermagem em sade coletiva.

Assim, definiu-se a seguinte pergunta norteadora: Qual a percepo de

professores, alunos ou egressos ps-graduandos sobre a experincia obtida na estrutura

acadmica dos PPG senso estrito em Enfermagem na subrea Enfermagem em Sade Coletiva?

Uma anlise exploratria constatou que os estudos sobre a educao brasileira de ps-

graduao senso estrito em Enfermagem vm sendo realizados, no Brasil a partir de 1983,

representando, em 2013, perodo em que se definiu a restrio da reviso bibliogrfica, 30

anos de reflexo a respeito do tema. Assim sendo, optou-se pelos seguintes marcadores

temporais analticos da produo bibliogrfica sobre a educao brasileira de ps-graduao

senso estrito em Enfermagem:

Introduo 31

31

a) 1988 ano de promulgao da VII Constituio Federal Brasileira que

proporcionou a criao do SUS e, consequentemente, a universalizao do direito

sade (artigos 196 a 200) e educao bsica (artigos 205 a 214);

b) 1996 ano de aprovao da Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (Lei 9394 de 20/12/1996), que promoveu a abertura governamental do setor de

educao superior ao mercado e intenso processo de expanso, mercantilizao e

privatizao, especialmente, do ensino de graduao;

c) 2006 ano de aprovao das reformas institucionais pactuadas no conjunto dos compromissos sanitrios das trs esferas de gesto (Unio, Estados e Municpios),

a partir da definio de metas e prioridades (Pacto pela Sade), com base nos

princpios do SUS e enfatizando as necessidades de sade da populao

(Portaria/GM n 399 de 22/02/2006).

Deste modo, foram includas nesta reviso:

Teses, dissertaes e artigos de peridicos com resumo e/ou texto integral

disponvel;

Documentos cientficos sobre a educao de ps-graduao senso estrito -

mestrado ou doutorado acadmico brasileiro em enfermagem, publicados no

Brasil, produzidos por alunos, professores e/ou egressos;

Os critrios de excluso consistiram em:

Editoriais e apresentaes em evento cientfico;

Documentos cientficos sobre o mestrado profissional ou cursos senso lato, tais

como especializao e residncia em enfermagem, produzidos por alunos,

professores e/ou egressos;

Produo bibliogrfica sem resumo disponvel.

Foram identificados 852 trabalhos que aparentavam demonstrar a realidade brasileira

na educao de ps-graduao senso estrito em Enfermagem. Assim, foi realizada leitura

exaustiva dos ttulos, resumos e, quando necessrio, recorreu-se ao contedo integral, para

explicitar suas caractersticas especficas.

32 Introduo

A sequncia das estratgias mencionadas acima determinou a excluso de 846 ttulos

que se distanciavam do tema de interesse da pesquisa e/ou eram repeties e, assim, foram

selecionados seis trabalhos. Tais materiais foram subdivididos por tipo de estudo (relatos de

caso, reviso da literatura, estudos com casustica ou ensaios tericos), conforme o Quadro

1.3 a seguir.

Quadro 1.3 Produo cientfica sobre a educao de ps-graduao senso estrito em

Enfermagem e a subrea Enfermagem em Sade Coletiva no perodo 1983-

2013, segundo tipo de estudo.

Tipo Temas Autores

Estudo emprico com casustica

Perfil scio-demogrfico de mestrandos e doutorandos em Enfermagem da EE/USP e o conceito de processo sade-doena

Lima JV, Jorge MSB. O significado do fenmeno sade-doena para os alunos de ps-graduao. Rev. Baiana Enferm. 1995;8(1/2):124-38.

Reviso da literatura Enfermagem na sade pblica

Almeida MCP, Silva EM, Villa TCS, Assis MMA, Kemura MLR. O conhecimento produzido no programa de mestrado de enfermagem em sade pblica da Escola de Enfermagem de Ribeiro Preto/USP e suas relaes com as prticas de sade. Rev. Latinoam. Enferm. 2000;8(5):91-96.

Reviso da literatura Enfermagem em sade coletiva

Egry EY, Fonseca RMGS, Bertolozzi MR, Oliveira MAC, Takahashi RF. Construindo o conhecimento em sade coletiva: uma anlise das teses e dissertaes produzidas. Rev. Esc. Enferm. 2005;39(esp):544-52.

Reviso da literatura Sade do trabalhador

Duran ECM. Produo do conhecimento em enfermagem em sade do trabalhador no Brasil: anlise do impacto dos resultados na formao de recursos humanos [tese]. Ribeiro Preto; Escola de Enfermagem de Ribeiro Preto, Universidade de So Paulo; 2006.

Reviso da literatura Sade da criana na ateno primria

Novaczik AB, Dias NS, Gava MAM. Ateno sade da criana na rede bsica: anlise de dissertaes e teses de enfermagem. Revi. Eletrnica Enferm. 2008;10(4):21-25.

Reviso da literatura Sade do trabalhador

Castro MR, Farias SNP. A produo cientfica sobre riscos ocupacionais a que esto expostos os trabalhadores de enfermagem. Esc. Anna Nery Rev. Enferm. 2008;12(2):364-69.

Verifica-se, pela primeira vez, aps sete anos de constituio do SUS, a produo de

um estudo com casustica local acerca da percepo de alunos de PG senso estrito em

Enfermagem, na Escola de Enfermagem/Universidade de So Paulo, sobre o conceito de

processo sade-doena, que um dos tpicos estruturantes do campo da Sade Coletiva

(Lima, Jorge, 1995).

Introduo 33

33

Aponta-se que, na sequncia, foram publicados mais trs trabalhos, produzidos na

mesma universidade, isto , na Universidade de So Paulo, que revisaram a contribuio

temtica das teses e dissertaes em enfermagem sobre a enfermagem em sade pblica

(Almeida et al., 2000), enfermagem em sade coletiva (Egry et al., 2005) e sade do

trabalhador (Duran, 2006).

Houve duas revises de teses e dissertaes em Enfermagem acerca da sade da

criana na ateno primria (Novaczik, Dias, Gava, 2008) e sade do trabalhador (Castro,

Farias, 2008), temas que integram o campo da Sade Coletiva.

Tal reviso, por fim, possibilita afirmar que no foi identificado nenhum estudo com

casustica regional ou nacional sobre a produo acadmica afim ao campo da Sade

Coletiva, no mbito do Doutorado em Enfermagem, o que constituiu um dos motivos do

presente estudo. Justifica-se, portanto, o presente estudo que tem por finalidade contribuir

para a construo do conhecimento da Enfermagem e, consequentemente, para o

aprimoramento das prticas em Enfermagem em Sade Coletiva.

35

objetivos

Objetivos 37

37

2 OBJETIVOS

2.1 OBJETIVO GERAL

Analisar a contribuio da produo acadmica das Teses de Doutorado em

Enfermagem dos Programas de Ps-Graduao Senso Estrito em Enfermagem no

perodo 2011-2012, para a constituio do campo da Sade Coletiva.

2.2 OBJETIVOS ESPECFICOS

Caracterizar os Programas de Ps-Graduao Senso Estrito em Enfermagem com

contedos afins Sade Coletiva;

Caracterizar as Teses de Doutorado com contedos afins Sade Coletiva em

relao ao tema de estudo e mtodos;

Verificar a convergncia de tais produes com as prioridades de pesquisa em

sade no Brasil, na rea da Sade Coletiva;

Identificar a contribuio dessa produo com contedos afins Sade Coletiva na

institucionalizao da subrea acadmica Enfermagem em Sade Coletiva.

39

material e mtodos

Material e Mtodos 41

41

3 MATERIAL E MTODOS

3.1 CONSIDERAES TERICAS

3.1.1 A constituio do campo de conhecimento em Sade Coletiva

A reflexo sobre a constituio da Sade Coletiva no pode ser apresentada por meio

de uma cronologia linear porque, ao longo do tempo, ocorreram momentos de maior e menor

inflexo que incidiram nos avanos da rea, conforme Nunes (2006).

A Sade Coletiva tem suas bases na Medicina Social e, para Nunes (2000; 2006), teve

incio por meio do estudo de Foucault (1979) acerca da polcia mdica na Alemanha, da

medicina urbana proposta pela Frana e da medicina da fora de trabalho na Inglaterra.

No comeo do sculo XVIII, a Alemanha desenvolveu saber pormenorizado sobre

populao e o desenvolvimento das doenas (Nunes, 2000). Assim, a expresso polcia

mdica surgiu com a inteno de agregar um conhecimento completo acerca da populao,

para controlar, por meio de legislao, todos os aspectos de sua vida, a servio da poltica

estatal (Nunes, 2000).

Na segunda metade do sculo XIX, autores alemes e franceses apontavam que as

cidades tornaram-se o centro nuclear dos problemas sociais e de sade (Nunes, 2000). A

doena passa, ento, a ser vista como um processo orgnico de etiologia multifatorial que tem,

nas condies materiais de vida, uma das causas mais relevantes e cujo tratamento deve ser

realizado individualmente, com base nas caractersticas fisiopatolgicas e psicolgicas dos

pacientes, agregando sempre a relao com os problemas sociais (Nunes, 2000; Arouca, 2003;

Nunes, 2006).

O advento da Bacteriologia possibilitou a ampliao das variaes explicativas do

fenmeno sade-doena e estudiosos ingleses salientaram a preocupao com o corpo, visto

como mquina de rgos que, quando em silncio, so saudveis, com o intuito de

42 Material e Mtodos

promover a manuteno da fora de trabalho e a operacionalizao de aes curativas para a

reparao de segmentos isolados dessa mquina humana (Nunes, 2000; Safatle, 2011).

J a Epidemiologia, tradicionalmente, por meio da Sade Pblica, tem contribudo ao

conhecimento e controle das doenas infectocontagiosas e desde a sua origem, possvel

estabelecer sua ligao com os problemas de sade dos trabalhadores (Facchini, 1993). A

Revoluo Industrial, por exemplo, foi um grande terreno para aprofundar a compreenso do

impacto do trabalho em sade (Facchini, 1993). Aps a II Guerra Mundial, com novas

tecnologias ocupando vrios setores da economia, com a reestruturao da produtividade e

polticas sociais voltadas um pouco mais para as reas de sade e educao, a Epidemiologia

passou a ser instrumento para o controle das doenas crnico-degenerativas na populao

(Facchini, 1993).

Assim, segundo Nunes (2006), alguns princpios bsicos vo compondo

paulatinamente o discurso da Sade Pblica: 1)a sade das pessoas de interesse da

sociedade e a sociedade tem obrigao de proteger e assegurar a sade dos seus membros;

2)as condies sociais e econmicas tm impacto crucial sobre a sade e a doena e devem

ser estudadas cientificamente; 3)as medidas para a proteo da sade so sociais e mdicas.

A explicao da enfermidade, fortemente assentada na Unicausalidade, que foi

reforada com o advento da Bacteriologia, foi superada pelo modelo explicativo da

multicausalidade, que se desenvolveu a partir de 1950 (Nunes, 2000). Tal modelo entende o

processo sade-doena como resultado de mltiplas determinaes, abarcando a anlise das

mltiplas causas das enfermidades (embora no seja uma teoria, utilizada na investigao

clnica, ao considerar todos os fatores de risco que podem desencadear uma doena) e o

modelo ecolgico para formular a histria natural das doenas (Nunes, 2000). Nessa proposta,

as causas so ordenadas em trs possveis fatores ou categorias: o agente, o hospedeiro e o

ambiente, inter-relacionados e em constante equilbrio (Nunes, 2000; Arouca, 2003).

Para Nunes (2000) e Arouca (2003), em sntese, os fatores variveis ou categorias

causais das doenas referem-se: 1) ao agente: caractersticas biolgicas, presena ou ausncia

de elementos que podem iniciar ou perpetuar um processo patolgico; 2) ao ambiente:

condies que afetam a vida e o desenvolvimento de um organismo, tais como, geografia,

clima, moradia, instabilidade familiar, recreao adequada, facilidades diagnsticas ou

qualquer fator social, econmico e biolgico que se ope sade fsica e mental do ser

Material e Mtodos 43

43

humano; 3) ao hospedeiro: idade, sexo, raa, hbitos, costumes, caractersticas como o

desenvolvimento da personalidade, reaes psicobiolgicas do ser humano, entre outras.

O modelo da Histria Natural da Doena (HND) o resultado de uma srie de

esforos conceituais na sistematizao e articulao dos conhecimentos cientficos sobre as

mltiplas dimenses envolvidas no processo de adoecimento (Ayres, 2009). Conforme o

mesmo autor, subsidia e atualiza a capacidade de identificar suas diversas etapas e

determinantes e indica pontos estratgicos para agir preventivamente. Os diferentes momentos

da histria natural de uma doena definiro, por sua vez, os nveis primrio, secundrio e

tercirio de preveno, facilitando que os pesquisadores, ao dirigir seus estudos, ou os

profissionais de sade, ao atenderem a populao, utilizem recursos tcnicos e cientficos de

forma racional e eficaz para a melhoria da sade de indivduos e populaes (Ayres, 2009).

Para Arouca (2003, p.170):

a Medicina Preventiva assume, dentro da Histria Natural das Doenas, duas dimenses de causalidade: a epidemiolgica enquanto determinao do aparecimento das doenas, e o critrio fisiopatolgico enquanto evoluo destas

No Brasil, o conceito de Leavell e Clark sobre a Histria Natural da Doena e Nveis

de Preveno (HND/NP) foi, inicialmente, apresentado na dcada de 1970, em eventos

cientficos organizados pela Organizao Panamericana da Sade/Organizao Mundial da

Sade (Nunes, 1978; Ayres, 2009). A ampla divulgao ocorreu a partir da publicao do

livro-texto de Leavell e Clark em portugus, com traduo de Maria Ceclia Donnangelo,

Moiss Goldbaum e Uraci Ramos, professores do Departamento de Medicina Preventiva da

Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo (Ayres, 2009).

Embora tenha sido amplamente utilizada a partir da dcada de 1960 e 1970, percebeu-

se, ao longo do tempo, que a abordagem dos complexos problemas de sade, como resultado

das crises econmicas, polticas e sociais, que ocorriam, sobretudo nos pases em

desenvolvimento, no final da dcada de 1960, no encontrava densidade explicativa no

modelo da Histria Natural da Doena (Nunes, 2000).

Ademais, o modelo da HND procede apenas anlise das causas aparentes das

doenas, na medida em que os fatores ou categorias possuem a mesma intensidade e a sade-

44 Material e Mtodos

doena da populao deixa de ser uma construo histrica para tornar-se um processo natural

a-histrico (Nunes, 2000). E, como acrescenta Arouca (2003), metamorfoseia-se em mito, j

que uma das funes do mito fazer desaparecer a histria de seu objeto.

Deste modo, segundo Arouca (2003, p.173):

as tcnicas (condutas) e os objetivos da Medicina, classificados em nveis de preveno, ganham uma dimenso a-histrica no espao da sua neutralidade, so cronolgicos no sentido de que possuem um desenvolvimento no tempo, mas no so histricos, pois lhes falta a historicidade.

Assim, desaparece a articulao histrica da medicina com a sociedade da qual

emergem os diferentes saberes, as taxonomias, as legitimaes e as geometrizaes desse

espao contraditrio da sade e da doena (Arouca, 2003, p. 174).

Tambm a esse respeito, Lessa (1996) afirma que a essncia humana determinada

historicamente pela reproduo social, porque so os homens que fazem sua prpria histria,

ainda que em circunstncias que no escolheram e, portanto, no h uma essncia humana a-

histrica que no possa ser subvertida pelos atos humanos.

Na tentativa de contribuir para a explicao da necessidade de superar o modelo

multifatorial, Mendes Gonalves (1992), ao aplicar a teoria marxista do trabalho no campo da

sade, chama a ateno que, durante a histria das sociedades ocidentais, os objetos dos

processos de trabalho em sade sempre foram representados por entidades. Assim, segundo

o mesmo autor, quando a medicina moderna se apresenta como prtica social, a partir do fim

do sculo XVIII, tendeu a buscar seus smbolos na Grcia Clssica. Ou seja, buscou na

simbologia da medicina hipocrtica, uma classificao, a partir da observao de alteraes

naturais que fazem o homem sofrer, chamando este processo de clnica (Mendes Gonalves,

1992).

Admitindo-se que a natureza pode apresentar-se em desequilbrio, tal fato determinou

ao trabalho mdico o reconhecimento deste desequilbrio a partir do diagnstico e o saber

sobre os processos orientados ao reequilbrio do prognstico (Mendes Gonalves, 1992).

Observa-se ao longo do tempo, que a estrutura hipocrtica que reconhecida na

medicina moderna, passou a legitimar o trabalho mdico e, por conseguinte, a centralizar o

Material e Mtodos 45

45

processo de produo dos servios de sade. O foco principal tornou-se a doena-entidade,

presente no indivduo, preenchendo hegemonicamente a literatura especializada e,

consequentemente, norteando as prticas de interveno em sade (Ayres, 1993; Pereira,

2005).

Assim, no final da dcada de 1960, muitos estudiosos latino-americanos, engajados

numa proposta que visava reorientar e superar os modelos explicativos de ordem funcionalista

existente estabeleceram uma crtica radical a tais modelos que, ao enfatizarem os aspectos

biolgicos individuais, descuidavam da causalidade social da doena (Nunes, 2000; Arouca,

2003). Conforme os mesmos autores, as discusses tinham como ponto em comum o fato que

as causas das doenas deviam ser buscadas no somente nos processos biolgicos ou nas

caractersticas da trade ecolgica, mas, nos processos sociais, basicamente na produo e

reproduo social.

Em resposta, Laurell e Noriega (1989), refletindo sobre o modelo mdico hegemnico,

propuseram a articulao entre o processo social e o processo sade-doena, que assume

caractersticas heterogneas, conforme o modo como cada grupo social se insere na produo

da vida material e se relaciona com os outros grupos sociais constitutivos da sociedade.

Esta foi uma etapa importante da constituio do campo da Sade Coletiva, enquanto

campo de saber e mbito de prticas, desenvolvido, essencialmente, a partir da crtica ao

modelo mdico hegemnico, aos movimentos ideolgicos referentes Higiene, Medicina

Preventiva, Medicina Comunitria, Medicina da Famlia e sade pblica institucionalizada

(Paim, Almeida Filho, 2000; Paim, 2006; Nunes, 2015).

Para Arouca (2003), o desenvolvimento da medicina moderna foi se consolidando, ao

longo do tempo, sem a explicitao de um conceito unitrio de doena e buscando conceituar

cada doena em sua especificidade. Tal problematizao, segundo o mesmo autor, esteve

ausente da educao mdica at o aparecimento do discurso preventivista.

Por sua vez, Fonseca, Egry e Bertolozzi (2006), reiteram que as teorias interpretativas

do processo sade-doena refletem o desenvolvimento das foras produtivas da sociedade. E,

neste sentido, Breilh (1995), ao definir a instaurao de um novo horizonte para o

desenvolvimento de estudos que articulariam a doena em mbito social, afirma que a Sade

Pblica conceitua sade-doena de forma emprica, reduzindo-a ao plano fenomnico e

individualizado da causalidade etiolgica. Por outro lado, para o mesmo autor, a Sade

46 Material e Mtodos

Coletiva parte da determinao histrica do processo coletivo de produo dos processos de

sade-doena.

Desse modo, o carter social do processo sade-doena, defendido pela Medicina

Social, se manifesta, empiricamente, com mais clareza, na coletividade do que no indivduo

(Laurell, 1983). O reconhecimento do processo sade-doena no mbito do coletivo pretende

saber como o processo biolgico determina-se socialmente, readquirindo, ento, a unidade

entre a doena e a sade, dicotomizada no pensamento mdico clnico (Laurell, 1983).

Segundo Victora et al. (1990), o modelo da Determinao Social do Processo Sade-

Doena prope que o processo biopsicossocial coletivo, nas diferentes classes sociais,

mediado pelos processos de produo (formas de trabalhar) e reproduo social (formas de

consumir). Para os mesmos autores, em relao produo, a insero dos agentes sociai, em

processos de trabalho, determina no apenas sua prpria exposio aos riscos ocupacionais

especficos, como tambm seu acesso riqueza ali produzida, atravs de seus rendimentos.

Tais rendimentos, por sua vez, determinam nveis de consumo e, portanto, o acesso aos bens

materiais de vida que incluem, entre outros, alimentao, moradia e escolaridade. Neste

sentido, por meio da dialtica produo-consumo, possvel compreender os diferenciais de

sade entre os grupos e no interior de cada grupo social (Victora et al., 1990).

Assim, firma-se, no Brasil, na segunda metade da dcada de 1970, a construo

terico-conceitual de pesquisas sociais e epidemiolgicas sobre os determinantes econmicos

da doena e dos sistemas de sade, articulada discusso de propostas alternativas ao sistema

de sade ento vigente, a partir das contribuies de Arouca, Donnangelo, Luz, Machado,

entre outros (Nunes, 2006).

Ao lado disso, em 1979, um grupo de intelectuais da rea da sade criou a Associao

Brasileira de Ps-Graduao em Sade Coletiva/ABRASCO, que assumiu como posio

poltica e tcnica, a necessidade de reformulao do setor sade e a concepo da sade como

um direito do cidado e dever do Estado, culminando na utilizao frequente da expresso

Reforma Sanitria (Nunes, 2006; Paim, 2007).

Como a ABRASCO agregou contedos produzidos na medicina preventiva, medicina

social, planejamento em sade, pesquisas epidemiolgicas, polticas de sade e cincias

sociais em sade, o consenso sobre a definio do que Sade Coletiva tornou-se palco de

tenses epistemolgicas e de inflexes de natureza poltico-ideolgica (Nunes, 2006;

Material e Mtodos 47

47

Marsiglia, 2013). A problematizao dos termos coletivo, social e pblico, possibilitou,

paulatinamente, o entendimento de que a Sade Coletiva um campo estruturado e

estruturante de prticas e de conhecimentos tericos e polticos (Nunes, 2006).

Observa-se que tais debates, por fora do movimento da Reforma Sanitria e da

redemocratizao do Pas, culminaram, na segunda metade da dcada de 1980, na

promulgao da Constituio Federal e na criao do Sistema nico de Sade. Levcovitz

(1997) e Nunes (2006) apontam que o perodo 1980-1986 denominado de poltico-

ideolgico, porque disseminou as propostas de reforma e aglutinao da crtica, possibilitando

o incio do processo de reforma da sade pblica, por meio da VII e da VIII Conferncia

Nacional de Sade.

Entre 1987-1990, a Reforma Sanitria Brasileira deslocou a conduo poltica da

proposta para os gestores e parlamentares (Paim, 2007), ocorrendo a consolidao jurdico-

legal e social dos princpios e diretrizes da reforma setorial da sade, por meio da criao do

SUDS (Sistema Unificado e Descentralizado de Sade), e do SUS (Sistema nico de Sade),

includo este ltimo na Constituio Federal de 1988 e na promulgao das Leis Orgnicas da

Sade (8080 e 8142) em 1990 (Levcovitz, 1997).

J no perodo poltico-administrativo de 1991-1998 ocorreram definies de atividades

especficas do mbito governamental, com base nas discusses travadas na IX e X

Conferncia Nacional da Sade (Levcovitz 1997). Finalmente, de 1999-2000, a

complementao jurdico-legal de carter tcnico-operacional regulamentou a legislao

normativa para o financiamento do sistema de sade, a partir da organizao dos modelos de

gesto e da rede regionalizada de servios (Levcovitz 1997; Nunes, 2006).

Por tudo isso, como dito anteriormente, no h consenso na definio da rea de

conhecimento em Sade Coletiva, que marcada, como salientam Stotz (1997), Nunes (2006)

e Luz (2009), por ns epistemolgicos com caractersticas interdisciplinares que no

possibilitam uma teoria unificadora que explique o conjunto dos objetos de estudo, mas

rompe com o monoplio do discurso biolgico.

A produo de conhecimento e a formao de profissionais de sade derivados deste

processo esto, conforme Canesqui (2010, p.57): comprometidas com as condies de vida

da populao, com o direito sade, com a extenso e o aperfeioamento do Sistema nico

de Sade, uma vez implantado.

48 Material e Mtodos

Nesta direo, Nunes (2006, p.305) ressalta que a imagem para o entendimento da rea

Sade Coletiva um:

mosaico conjunto formado por partes separadas, mas que se aproximam quando a compreenso dos problemas ou a proposta de prticas se situam alm dos limites de cada campo disciplinar, exigindo arranjos interdisciplinares.

Para o mesmo autor, h trs espaos e formaes disciplinares estabelecidos como

parte do processo de constituio da rea: as cincias sociais e humanas em sade, a

epidemiologia e a poltica/planejamento/gesto em sade. A presena das cincias sociais e humanas em sade contribui para a compreenso dos processos de trabalho, consumo,

adoecimento e morte, alm do cuidado s pessoas doentes e das relaes profissionais no

cuidado em sade (Nunes, 2006).

A epidemiologia associada sociologia, geografia e outros conhecimentos, possibilitou o avano de sua relao com o planejamento em sade (Nunes, 2006). E,

finalmente, a poltica/planejamento/gesto em sade orienta a produo de conhecimentos que promovem a crtica ao amadurecimento da economia e ao carter poltico das aes

tcnico-operacionais em sade (Nunes, 2006).

Assim, a interseo das cincias sociais, epidemiologia, sade pblica, administrao,

planejamento e gesto dos servios de sade est subsidiada pela matemtica, cincias

biolgicas, medicina e cincias sociais e humanas, tais como antropologia, sociologia,

histria, direito, entre outras (Canesqui, 2010).

Portanto, na dcada de 1970,conforme aponta Marsiglia (2013, p.35),

[era] de fundamental importncia [...] a polissemia do termo coletivo, ora usado como sinnimo de populao por oposio ao indivduo, ora como sinnimo de social por oposio ao individual, ora como sinnimo de pblico por oposio ao privado, ora como epidemiolgico por oposio clnica.

Mas, a partir da dcada de 2000, segundo a mesma autora (Marsiglia, 2013, p.35):

Material e Mtodos 49

49

o desenvolvimento conceitual e a implantao das polticas de sade e das prticas no setor sade, [as] oposies [polissmicas] so muito menos ntidas. Em muitos trabalhos e abordagens busca-se, ao contrrio, estabelecer as relaes e as pontes entre o indivduo e a sociedade, o sujeito e o coletivo, a clnica e a epidemiologia, a objetividade e a subjetividade, at mesmo entre o pblico e o privado.

3.1.2 A contribuio da Enfermagem em Sade Coletiva na produo do campo de conhecimento da Enfermagem

As primeiras contribuies da Enfermagem que apresentam proximidade ao campo da

Sade Coletiva, na Amrica Latina, ocorreram no final da dcada de 1970. Num estudo

pioneiro para a prtica da Enfermagem, a enfermeira brasileira Olga Verderese, ex-aluna da

Escola de Enfermagem da USP, e o mdico e socilogo argentino Juan Csar Garcia, ambos

consultores da Organizao Panamericana da Sade/OPAS, caracterizaram como o prestgio

da profisso do enfermeiro relacionava-se estrutura de funcionamento da sociedade, na

vertente do materialismo histrico e dialtico, analisando os dados coletados em 58

faculdades de enfermagem (Verderese, 1979; Castro, 2008).

Assim, em continuidade, promoveram em 1977, um curso sobre Investigao em

Enfermagem, que tinha como eixo central, a reflexo sobre o significado social desta prtica

em sade (Almeida, Rocha, 1986).

A partir disso, organizou-se um grupo de trabalho constitudo pelos professores, Daisy

Leslie Steagall-Gomes, Mrcia Caron Ruffino, Graciette Borges da Silva, Juan Stuardo Yazlle

Rocha e Maria Ceclia Puntel de Almeida, da Universidade de So Paulo que, ao debater

sobre a prtica social da Enfermagem, produziram o trabalho Contribuio ao estudo da

prtica de enfermagem Brasil (Almeida et al., 1981). A reflexo sobre a prtica social da

Enfermagem permitiu, ento, que a rea fosse analisada para alm de uma profisso tcnica,

articulando-a s transformaes histricas do setor sade e situando-a na sociedade brasileira

enquanto trabalho (Mand, et al., 2011).

Os estudos subseqentes: Educao e ideologia da enfermagem no Brasil (Germano

1983), Introduo anlise das transformaes da prtica de enfermagem no Brasil no

perodo 1920-1978 (Silva et al., 1984), Enfermagem profissional: anlise crtica (Silva 1986),

O saber de enfermagem e sua dimenso prtica (Almeida, Rocha, 1986), proporcionaram

micro-anlises sobre a participao da Enfermagem na formao social capitalista,

50 Material e Mtodos

especialmente a sua constituio e evoluo histrica no Brasil, delineando a compreenso

desta prtica em sua dimenso histrica e social (Almeida, Mishima, Peduzzi, 1999; Pereira,

2005).

A incorporao da reflexo sobre cincia, tcnica e organizao da ateno sade,

nas pesquisas em Enfermagem, proporcionou o desenvolvimento de estudos sobre o trabalho

processual da enfermagem, que articulado por elementos interligados entre si e aos

contextos concretos da vida material objeto de trabalho, meios/instrumentos e finalidades

sociais (Pereira et al, 2007; Mand et al., 2011).

Peduzzi (2001), ao sintetizar as abordagens heterogneas sobre o trabalho da

Enfermagem, aponta que existem duas correntes distintas: uma que percebe o processo de

trabalho da enfermagem como referido ao processo de produo em sade, tendo a

enfermagem, portanto, o mesmo objeto das outras prticas sociais em sade e a utilizao de

instrumentos especficos da enfermagem; e, outra, que considera a especificidade de todos os

elementos que compem o processo de trabalho da enfermagem, tendo, portanto, objeto,

instrumentos e finalidade prpria.

Almeida e Rocha (1997), em pesquisa sobre as caractersticas da Enfermagem, a partir

do referencial da categoria trabalho, referem que a anlise dos processos de trabalho da

Enfermagem permite a apreenso das contradies e das dinmicas da prtica como parte do

conjunto de estratgias de mudana da realidade.

Deste modo, diversas pesquisas sobre trabalho em sade e enfermagem foram

incorporando, ao longo do tempo, conceitos articulados ao de trabalho e processo de trabalho,

tais como diviso social e tcnica do trabalho, fora de trabalho, trabalho produtivo e no

produtivo, prxis, trabalho vivo e morto, subsuno formal e real, entre outros (Mand et al.,

2011).

Por outro lado, Queiroz e Egry (1988, p.26), em estudo de carter inovador, sobre a

assistncia de enfermagem em sade coletiva, fundamentada no materialismo histrico e

dialtico, apontam que o processo sade-doena determinado socialmente, e requer

abordagem em trs dimenses:

dimenso estrutural, formada pelos processos de desenvolvimento da capacidade produtiva e de relaes sociais; a dimenso particular, formada pelos processos de

Material e Mtodos 51

51

reproduo social e a dimenso singular, formada pelos indivduos e suas famlias.

Tais autores salientam que a assistncia de enfermagem em sade coletiva possibilita a

superao da viso de que o saber tcnico soberano. As trs dimenses e seus contedos

temticos percorrem todo o processo de assistncia de enfermagem, tendo, deste modo,

objetivos de curto prazo, propostos em um encontro, como tambm horizontes e/ou objetivos

de mdio e longo prazos, propostos para serem atingidos no decorrer de um conjunto

sistematizado e planejado de encontros entre o trabalhador de sade e os usurios, famlias

e/ou grupos sociais assistidos no sistema de sade (Queiroz e Egry, 1988).

Nessa mesma direo, Queiroz e Salum (1996, 2000) salientam que o coletivo, em sua

dupla face corpo individual e coletivo no o objeto especfico da Enfermagem, mas ,

por excelncia, o objeto do processo de produo dos servios de sade.

Para os mesmos autores, o processo de produo dos servios de sade agrega os

distintos processos de trabalho da rea de conhecimento da Enfermagem assistncia,

gerncia, ensino e pesquisa. Nessa perspectiva, a prtica social da Enfermagem um dos

instrumentos da engrenagem que sustenta o processo de produo dos servios de sade

(Queiroz, Salum, 1996, 2000).

Por sua vez, Almeida, Mishima e Peduzzi (1999), em pesquisa sobre o uso das

categorias trabalho e processo de trabalho em sade na enfermagem, apontam suas

contribuies no ensino da ps-graduao brasileira em Enfermagem, durante o perodo 1983-

1997.

Para Mand et al.(2011) e Carvalho et al. (2012), a interpretao social do trabalho da

Enfermagem, na dcada de 1980, utiliza explicaes globalizantes das macro-teorias e, na

dcada de 1990, d lugar ao resgate da dialtica objetividade-subjetividade, a partir de

categorias analticas que agregam outras abordagens tericas. Assim, na dcada de 1990 h

ampliao das investigaes sobre as percepes e/ou interaes dos sujeitos com o trabalho

e, consequentemente, ocorre aproximao com outros referenciais tericos para a

compreenso da enfermagem como uma das distintas prticas sociais em sade (Mand et al.,

2011; Carvalho et al., 2012).

52 Material e Mtodos

A utilizao de outros referenciais analticos proporcionou investigaes sobre a

dinamicidade das relaes sociais cotidianas e favoreceu a compreenso do nvel local dos

servios por meio da relao entre os trabalhadores e a populao usuria do sistema de sade

(Carvalho et al., 2012).

Segundo o mesmo autor, a articulao dos aspectos dinmicos e relacionais do

trabalho em sade, para alm da dimenso estrutural, requereu a adoo de outros intelectuais

como Agnes Heller, Theodor Adorno, Jrgen Habermas, Gaston Bachelard e Georges

Canguilhem, entre outros, nas pesquisas do campo de conhecimento da Sade Coletiva. E, na

Enfermagem em Sade Coletiva, autoras como Emiko Yoshikawa Egry, Rosa Maria Godoy

Serpa da Fonseca, Silvana Mishima, Marina Peduzzi, Maria Josefina Leuba Salum e Vilma

Machado de Queiroz, entre outras, demarcaram novas perspectivas epistemolgicas nos

estudos sobre o trabalho da enfermagem na dcada de 2000 (Carvalho et al., 2012).

A articulao da teoria social do trabalho em Marx com outras correntes tericas tm

proporcionado a ampliao dos estudos em sade e de enfermagem, alm do reconhecimento

dos limites tericos da teoria do processo de trabalho em sade e em enfermagem, na anlise

da concepo do processo sade-doena e das prticas em sade (Carvalho et al.,2012; Ayres,

2015). Tambm tem, principalmente, ampliado o debate sobre o cuidado, que um processo

marcado pela participao de sujeitos heterogneos na interao social (Carvalho et al.,2012).

Assim, pode-se afirmar que a subrea acadmica Enfermagem em Sade Coletiva tem

contribudo com diversos estudos sobre o significado social da prtica da Enfermagem.

Ademais, corroborando com Carvalho et al.(2012) tem problematizado a interao dos

distintos sujeitos que compem a equipe de enfermagem no trabalho em sade e a articulao

entre os diferentes perfis de sade-doena da populao com os processos de produo e de

reproduo social.

3.2 TIPO DE PESQUISA

Trata-se de pesquisa documental, transversal, de natureza quanti-qualitativa, que

analisou as teses afins Sade Coletiva a partir dos PPG em Enfermagem no Brasil por meio

das informaes disponveis no site da CAPES, Associao Brasileira de Enfermagem/ABEn

Material e Mtodos 53

53

e repositrios institucionais online dos Programas de Ps-graduao Senso Estrito com curso

de Doutorado em Enfermagem.

3.2.1 Pesquisa documental

Os documentos podem ser analisados de forma quantitativa, por exemplo, estatsticas

sobre casamentos realizados em certo perodo e regio, analisados de acordo com a mdia das

idades para casar, ou, podem ser comparados ao nmero de casamentos entre migrantes e no

migrantes (Flick, 2009).

Entretanto, segundo o mesmo autor, os documentos tambm podem ser analisados

qualitativamente e, partindo do exemplo acima, pode ser problematizada a seguinte pergunta:

como construda a histria de vida de uma pessoa nos registros oficiais? Deste modo, a

pesquisa documental independente, ou seja, aquela que agrega apenas documentos, que so

objetos de registro, no material emprico, conta com informaes sobre a realidade em estudo

que j est documentada neste tipo de dado (Flick, 2009).

Assim, conforme Turato, na metodologia qualitativa (2005, p.510):

o interesse do pesquisador volta-se para a busca do significado das coisas, porque este tem um papel organizador nos seres humanos. O que as coisas (fenmenos, manifestaes, ocorrncias, fatos eventos, vivncias, ideias, sentimentos, assuntos) representam, d molde vida das pessoas.

Por isso, segundo Minayo (2012, p.626):

a reflexo supe a presena e o acompanhamento do pesquisador em cada passo do trabalho, num movimento ao mesmo tempo somativo e de superao da fase anterior. A implicao do investigador [...] tem o sentido de tornar possvel a objetivao de um tipo de conhecimento que tem como matria prima opinies, crenas, valores, representaes, relaes e aes humanas e sociais sob a perspectiva dos atores em intersubjetividade. Desta forma, a anlise qualitativa de um objeto de investigao concretiza a possibilidade de construo de conhecimento e possui todos os requisitos e instrumentos para ser considerada e valorizada como um construto cientfico.

54 Material e Mtodos

Deste modo, quando so analisados documentos por meio da metodologia qualitativa,

conforme Ribeiro (2013, p.258):

o discurso passa da fala escrita [e] ocorre algo mais do que uma mera fixao textual. Na verdade, o texto se torna autnomo, tanto em relao s condies psicolgicas do autor (e sua inteno), quanto tambm em relao s condies sociolgicas de sua produo.

Ademais, segundo o mesmo autor, o distanciamento provocado pelo discurso, na

linguagem escrita, possibilita acessar um estgio mais denso da realidade [uma vez que] o

distanciamento de si necessrio para poder se conhecer [..] [pois] cada texto traz em si uma

proposta de mundo que me faz compreender-me diante dela (Ribeiro, 2013, p.264).

Assumir, na presente pesquisa, a metodologia qualitativa e o marco terico-conceitual

da hermenuticadialtica para a interpretao do material emprico implica, conforme

Minayo (2002), no respeito pelo que expresso na linguagem, a compreenso de como a

realidade vislumbrada pelos sujeitos e na problematizao acerca da realidade cont