UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE EDUCAÇÃO Regina de ... · que, mesmo sendo criança, já...

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE EDUCAÇÃO Regina de Jesus Chicarelle O lugar da fala da criança na ação docente em instituições de educação infantil São Paulo 2010

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  • UNIVERSIDADE DE SO PAULO

    FACULDADE DE EDUCAO

    Regina de Jesus Chicarelle

    O lugar da fala da criana na ao docente em instituies de educao infantil

    So Paulo

    2010

  • REGINA DE JESUS CHICARELLE

    O lugar da fala da criana na ao docente em instituies de educao infantil

    Tese apresentada Faculdade de Educao da

    Universidade de So Paulo para obteno do

    ttulo de Doutora em Educao

    rea de concentrao: Psicologia e Educao

    Orientadora: Prof. Dr. Marieta Lcia Machado

    Nicolau

    So Paulo

    2010

  • Autorizo a reproduo e divulgao total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio

    convencional ou eletrnico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

    Dados Internacionais de Catalogao-na-Publicao (CIP)

    Chicarelle, Regina de Jesus

    C532l O lugar da fala da criana na ao docente em

    instituies de educao infantil.- Maring,2010.

    223 f. : il.

    Orientadora : Prof. Dr. Marieta Lcia Machado Nicolau

    Tese(Doutorado em Educao) - Universidade de So Paulo,

    Faculdade de Educao, rea de concentrao: Psicologia e

    Educao, 2010.

    1. O lugar da fala. 2. Ao docente. 3. Educao

    infantil. I. Universidade de So Paulo. Faculdade de

    Educao. rea de concentrao: Psicologia e Educao. II.

    Ttulo.

    CDD 21.ed.370

  • CHICARELLE, Regina de Jesus

    O lugar da fala da criana na ao docente em instituies de educao infantil

    Tese apresentada Faculdade de Educao da

    Universidade de So Paulo para obteno do

    ttulo de Doutora em Educao

    rea de concentrao: Psicologia e Educao

    Aprovado em:

    Banca Examinadora

    Prof. Dr. ______________________________ Instituio: ____________________________

    Julgamento: ___________________________ Assinatura: ____________________________

    Prof. Dr. ______________________________ Instituio: ____________________________

    Julgamento: ___________________________ Assinatura: ____________________________

    Prof. Dr. ______________________________ Instituio: ____________________________

    Julgamento: ___________________________ Assinatura: ____________________________

    Prof. Dr. ______________________________ Instituio: ____________________________

    Julgamento: ___________________________ Assinatura: ____________________________

    Prof. Dr. ______________________________ Instituio: ____________________________

    Julgamento: ___________________________ Assinatura: ____________________________

  • Dedico esta produo

    Ao Guilherme, que em sua pouca idade, porm na grandeza de ser criana, se faz uma fonte

    de inspirao.

    Ao Carlos, meu amado, como tributo em sua memria.

  • AGRADECIMENTOS

    Marieta Lcia Machado Nicolau, pela orientao competente, permeada de acolhimento e

    amizade. Sua postura profissional instigou-me a conhecer e trilhar outros caminhos e olhar

    uma situao de outras perspectivas;

    s professoras Dra Maria Adlia Ferreira Mauro e Dr

    a Elisabeth Ramos da Silva pelas

    valiosas contribuies no exame de qualificao, as quais fizeram com que eu prosseguisse

    com mais clareza e objetividade cientfica;

    Aos meus pais, Maria e Domingos, pela simplicidade e sabedoria em viver e aos meus irmos,

    Luzia, Aparecido, Paulo, Aparecida Antonio e Daniel, que, de forma muito diferente e

    especial, me ajudaram neste processo de formao e nos momentos difceis. Com

    particularidade Cidinha e L, as quais representam um alento em minha vida e me fazem

    crer que a fora que nos une localiza-se muito mais do que laos sanguneos;

    s cunhadas, cunhados, sobrinhos e sobrinhas, pelas alegrias que me proporcionaram e por

    terem estado sempre presentes durante esta investigao;

    s amigas especiais, urea, Maria Anglica, Silvia, Tnia, Teresinha, Maria Paula, Maria de

    Jesus e Marta, pelo apoio nos tempos complicados e de dor. Pelas preciosas contribuies

    intelectuais, pelo carinho e pela amizade nestes anos que se passaram.

    s colegas de doutorado e de orientao, Ana Teresa, Shelly e Beatriz, que se transformaram

    em verdadeiras amigas no decorrer deste percurso.

    Aos professores do Departamento de Teoria e Prtica da Educao da UEM, especialmente

    aos da rea de Prtica de Ensino, por terem assumido minhas atividades, permitindo a

    realizao do doutorado com dedicao exclusiva;

    Universidade Estadual de Maring, pela oportunidade concedida de afastamento das

    atividades docentes para que me dedicasse a esta formao;

  • Universidade de So Paulo e ao Programa de Ps-Graduao/FE, pela formao que obtive.

    Secretaria de Educao do Municpio pesquisado, pela autorizao e efetivao desta pesquisa;

    s equipes pedaggicas das trs instituies municipais de educao infantil pesquisadas,

    pela abertura, pelo consentimento e pelas contribuies, para a concretizao da coleta de

    dados desta pesquisa;

    s professoras e atendentes de creches, bem como s crianas do Pr I das trs turmas

    pesquisadas, pela permisso para serem sujeitos desta investigao;

    Irani e Patrcia (PEC), pelas inmeras ajudas na viabilizao de materiais e mensagens

    realizadas com muita gentileza, empenho e alegria;

    Fundao Araucria, que contribuiu com apoio financeiro a algumas viagens durante o curso.

  • Um caminho percorrido, a percorrer, a conhecer...

    Atualmente, avalio-me como uma profissional envolvida em um contnuo processo de

    construo e reconstruo de conhecimentos prticos e tericos. Busco, por meio da pesquisa

    e do trabalho docente, em conjunto com meus pares, solucionar problemas e responder a

    questes na rea da educao. Considero, como princpios bsicos, aqueles cuja fora mais

    ntima movimentam minha vida a cada dia, como mulher, me, viva, filha, irm, amiga e

    profissional da educao: a persistncia e a esperana.

    Se pudesse voltar no tempo, resgataria uma poca, quando cursava a quarta srie, em

    que, mesmo sendo criana, j alfabetizava minha irmzinha, a qual iria entrar na primeira

    srie no ano seguinte. Eu a alfabetizava brincando de escolinha, pois no havia pr-escola

    pblica naquela cidade. Desde ento, a nica certeza que tinha de que um dia seria

    professora de verdade! Adorava aquele faz-de-conta, que, para mim, significava tudo o que

    entendia de seriedade. Acho que, de certo modo, com todas as dificuldades econmicas,

    sociais e culturais, fui trilhando esse caminho sonhado desde a infncia.

    Se pudesse voltar no tempo mais um pouquinho, resgataria meus sete anos, quando,

    muitas vezes, acompanhava meus irmos mais velhos escola, assistia s aulas sentadas no

    cho, no assoalho, pois no havia carteiras sobrando. Prestava ateno em tudo e tentava fazer

    por imitao algumas coisas que os alunos faziam, que a professora solicitava. Eu era

    ouvinte, no estava matriculada. A escola rural era composta de apenas uma sala de aula,

    um vasto campo, gramado e estava perdida em meio a uma paisagem de vegetao. Ficava

    prxima a uma estradinha rural, com uma rea de mata nativa de um lado e, do outro, uma

    imensa plantao agrcola e pastos repletos de gados. Na sala de aula, a professora trabalhava

    com alunos desde a primeira at a quarta srie. Havia uma fila de alunos para cada srie. Eu

    me sentava no cho

    Em meados daquele ano, meus pais venderam sua propriedade rural e fomos todos

    morar na cidade. Na escola rural, no havia vagas para eu iniciar a primeira srie. Quando

    chegamos cidade, havia vaga, mas como eu no estava estudando, no estava matriculada

    em srie alguma. Tive, ento, que aguardar o trmino daquele ano. Somente com oito anos

    que fui matriculada na primeira srie.

    Com treze anos, obtive a autorizao do juiz da vara da infncia para estudar no

    perodo da noite, para que pudesse trabalhar durante o dia. Assim, todos os anos se seguiram

    com trabalho o dia todo e estudo noite. Ao chegar ao Ensino Mdio, no tive dvida quanto

  • opo de curso: Magistrio, curso que sempre almejei. Contudo, naquela cidade, o

    Magistrio s funcionava no perodo da manh, fato que me deixava em total desespero,

    porque precisava trabalhar e fazer o curso, simultaneamente. Aps permanecer dois anos sem

    estudar, dei um jeito de sair da cidade para que pudesse realizar o curso com o qual me

    identificava, j pensando tambm na faculdade, que tambm no existia naquela cidade. Foi

    nesse perodo que fui morar em So Paulo.

    J estabelecida em So Paulo, comecei um trabalho como educadora infantil em

    uma obra social conveniada com a Prefeitura de So Paulo (Assistncia Social) e vinculada

    Pastoral do Menor. Essa obra desenvolvia um servio pedaggico e de assistncia social com

    crianas que moravam especificamente nos cortios da regio prxima ao centro de So

    Paulo. Enquanto era Educadora nessa Instituio, cursava o Magistrio. As experincias

    foram extremamente valiosas e incontveis.

    No decorrer dos anos, iniciei o curso de Pedagogia e comecei a trabalhar com crianas

    de Educao Infantil em uma escola particular, cujos princpios educacionais eram baseados

    na Pedagogia Waldorf. Foi uma experincia muito especial e que contribuiu para meu

    desenvolvimento profissional. No permaneci trabalhando por muito tempo nessa escola, pois

    muitos pontos em seus fundamentos educacionais eram incoerentes com aqueles nos quais eu

    acreditava. Enquanto trabalhava na referida escola, fui chamada para assumir o cargo de

    professora do Ensino Fundamental, na Rede Municipal de So Paulo.

    Realizar o curso de Pedagogia significou para mim a realizao de um sonho de uma

    vida inteira. Por isso, estudei com muita alegria, entusiasmo e nunca pensei que estava sendo

    difcil ou sacrificante. Tive professores muito competentes, srios e comprometidos com a

    formao do Pedagogo. Aproveitei ao mximo, em todos os sentidos, os conhecimentos que o

    curso me proporcionava. Por aproveitar, da melhor forma, todas as oportunidades e, de certa

    forma, busc-las, fiz por dois anos consecutivos a Iniciao Cientfica, com bolsa de estudos

    oferecida pela Universidade. Nessa fase, tinha o pensamento direcionado para a formao dos

    futuros profissionais da educao. Assim, minha inteno era me preparar para atuar no

    ensino superior.

    A Especializao surgiu como consequncia das atividades de Iniciao Cientfica, de

    modo a aprofundar o aprendizado do fazer cientfico. Essa mesma necessidade permaneceu no

    Mestrado, por meio da busca do aprimoramento docente e da aprendizagem relacionada a

    pesquisas na rea educacional. Com a concluso do Mestrado, iniciei o trabalho como

    professora em duas universidades particulares de So Paulo.

  • Em 2002, fui convocada, por meio de um concurso pblico, para atuar na rea de

    Prtica de Ensino, no curso de Pedagogia da Universidade Estadual de Maring.

    Cursar o Doutorado significa, sobretudo, no me distanciar da realidade educativa,

    tanto da Educao Bsica, especialmente da Educao Infantil, como da formao, no Ensino

    Superior, dos futuros Pedagogos que iro atuar na realidade, enfoque da Prtica de ensino.

    Penso que o Curso de doutoramento surgiu como decorrncia dos estudos e dos trabalhos

    como docente na rea educacional, mas, acima de tudo, responde a uma necessidade de

    continuidade na formao, que, nesse momento, encontra-se muito mais direcionada ao

    aprimoramento cientfico.

  • RESUMO

    CHICARELLE, R. J. O lugar da fala da criana na ao docente em instituies de

    educao infantil. 2010. 223 f. Tese (Doutorado)Faculdade de Educao, Universidade de

    So Paulo, So Paulo, 2010.

    O objetivo geral da presente pesquisa compreender e identificar o lugar que ocupa a fala da

    criana na ao docente realizada em instituies de educao infantil. Os objetivos

    especficos so: 1) evidenciar a importncia atribuda fala da criana na ao docente; 2)

    avaliar os fatores que dificultam ou favorecem a apropriao, o desenvolvimento e a

    ocorrncia da fala da criana em seu ambiente escolar; 3) analisar as influncias da ao

    docente no desenvolvimento e alargamento do lugar da fala da criana em seu ambiente

    educativo. Buscou-se a fundamentao acerca da fala nos argumentos e pressupostos das

    teorias psicolgicas de Vigotski, Piaget e Wallon. So abordados alguns estudiosos

    divulgadores dessas teorias, bem como alguns interlocutores atuais de cada uma delas. Nessas

    trs perspectivas tericas, o ser humano visto como um ser ativo, em processo de construo

    de si mesmo e de seu meio. Buscou-se, tambm, aprofundar estudos a respeito de questes

    concernentes conceituao e contextualizao de criana e infncia, educao infantil,

    polticas pblicas e legislao, formao e ao docente, bem como questes relativas ao

    atendimento s necessidades especficas da criana da educao infantil. Trata-se de uma

    pesquisa de campo, que se concretiza sob enfoque qualitativo. Para tanto, procedeu-se

    observao dos sujeitos, consulta dos documentos e coleta de informaes concedidas

    pelos profissionais de trs instituies municipais de educao infantil do norte do Paran. Os

    sujeitos da pesquisa foram crianas de quatro anos e suas respectivas professoras e atendentes

    de creche. Definiu-se um critrio de anlise para as situaes observadas, divididas em dois

    grandes agrupamentos: no primeiro, esto as situaes em que se demonstrou a no

    intencionalidade docente de promover a participao da criana por meio da fala; no segundo,

    esto as situaes em que se demonstrou a intencionalidade docente em promover a

    participao da criana, envolvendo-a por meio da fala nas atividades realizadas. Nas

    situaes do primeiro agrupamento, constatou-se uma prtica pedaggica dissociada das

    atividades que compem as dimenses das funes da educao infantil e, consequentemente,

    da ao docente da educao infantil de cuidar e educar. No segundo agrupamento, foi

    necessrio delimitar os dados em duas grandes categorias: a fala e a participao. Assim, a

    partir dos dados, foram obtidos, para cada categoria, diferentes tipos de fala, bem como tipos

  • de participao, tanto da criana como da docente, o que resultou em diferentes tipos de fala e

    de participao da criana e da docente. Constatou-se que a participao e a fala da docente

    possuem ao decisiva na fala e participao da criana. Evidenciou-se precariedade na

    qualidade das conversas, ausncia de conversas, autoritarismo da docente com as crianas,

    ausncia da proposio de liberdade e de oportunidades, restringindo-se, cada vez mais, um

    possvel lugar da fala da criana. De modo geral, os dados demonstraram a inexistncia da

    relao da criana com o adulto, de forma a contribuir para o desenvolvimento e alargamento

    do lugar de sua fala. Finalmente, constatou-se que, em trs situaes, a docente, de forma

    muito simples, envolveu as crianas em diferentes conversas, em um mundo imaginrio,

    proposto nas diferentes brincadeiras. Esse tipo de ao representou pistas importantes ao

    docente na educao infantil, apontadas como preponderantes no alargamento do lugar da fala

    da criana, desencadeando o seu desenvolvimento integral.

    Palavras-chave: O lugar da fala. Ao docente. Educao infantil.

  • ABSTRACT

    CHICARELLE, R. J. The place of children's discourse in teaching activities in

    kindergartens. 2010. 223 f. Tese (Doutorado)Faculdade de Educao, Universidade de So

    Paulo, So Paulo, 2010.

    Current research aims at understanding and identifying the place that childrens discourse

    occupies in teaching activities in children educational institutions. Specific aims comprise 1)

    the importance given to childrens discourse in teaching activities; 2) the evaluation of factors

    that impair or favor the appropriation, development and occurrence of childrens discourse

    within the school environment; 3) the influences of teaching activities in the development and

    the broadening of the place of child discourse in an educational environment. Arguments and

    presuppositions of Vygotskys, Piagets and Wallons psychological theories were the bases

    for investigation on discourse, coupled to those formulated by other developers and by current

    interlocutors of the above theories. Within the context of the three theoretical perspectives,

    human beings are perceived as active beings in the process of building themselves and their

    environment. Issues on the concept and context of children and childhood, child education,

    public policies and legislations, teacher formation and activities, attendance to the specific

    needs of the child in children education were deepened. Actually it is a field research under a

    qualitative focus. Subjects observation, consultation of documents and information ceded by

    professionals of three municipal institutions for child education in the northern region of the

    state of Paran, Brazil, were employed. The subjects were four-year-old children and their

    teachers and attendants in a kindergarten. A criterion for the analysis of situations in two big

    groupings was prepared: first, situations which show teachers non-intentionality to promote

    childrens participation through discourse; second, situations which show teachers

    intentionality in promoting and involving childrens participation through discourse in

    suggested activities. In situations of the first grouping a dissociated pedagogical practice

    exists with regard to activities in which the dimensions of child educations functions and

    teaching activities of caring and educating in child education are composed. The restriction of

    data in two big categories was required in the second grouping: speech and participation.

    Different types of childrens and teachers discourse and participation were obtained for each

    category, with different types of childrens and teachers discourse and participation. Results

    show that the teachers participation and discourse have a decisive effect on childrens

  • discourse and participation. Quality of discourse was poor, coupled to lack of conversation

    and to the teachers authoritarianism with the children, without any suggestion of freedom and

    opportunity. These facts restrict more and more a possible space for childrens discourse. Data

    showed the lack of relationship between the child and the adult that would contribute towards

    the development and broadening of a space for discourse. There were three situations in

    which the teacher engaged the children, in a rather simple way, within three conversations,

    involving an imaginary world, in three different games. They are actually important ways in

    teaching activities in children's education and may be characterized as actions capable of

    favoring discourse space broadening, giving opportunity to childrens speech and triggering

    their integrated development.

    Keywords: The place of discourse. Teaching activities. Children's education.

  • LISTA DE QUADROS

    Quadro 1 Sujeitos crianas organizados por instituio e gnero Pr I ............... 103

    Quadro 2 Sujeitos docentes das trs turmas de Pr I pesquisadas, com seus

    respectivos cargos, instituies e turnos ................................................. 103

    Quadro 3 Cargos, formao e carga horria dos profissionais da Educao

    Infantil da Instituio A .......................................................................... 104

    Quadro 4 Cargos, formao e carga horria dos profissionais da Educao

    Infantil da Instituio B .......................................................................... 105

    Quadro 5 Cargos, formao e carga horria dos profissionais da Educao

    Infantil da Instituio C .......................................................................... 105

    Quadro 6 Turmas, contedos e desdobramentos do trabalho realizado na

    educao infantil ..................................................................................... 110

    Quadro 7 Turmas e funcionrios da Instituio A .................................................. 112

    Quadro 8 Turmas e funcionrios da Instituio B .................................................. 113

    Quadro 9 Turmas e funcionrios da Instituio C .................................................. 114

    Quadro 10 Data, instituio e durao da observao; turno; profissional e

    situao/atividade do 1 agrupamento; profissional e situao/atividade

    do 2 agrupamento .................................................................................. 119

    Quadro 11 Siglas para identificao dos sujeitos ..................................................... 130

    Quadro 12 Identificao dos sujeitos, data da observao e atividades

    desenvolvidas ......................................................................................... 131

    Quadro 13 Categorias, aplicao das categorias aos sujeitos, tipos de fala e de

    participao da criana e da docente, identificao das situaes e

    sujeitos correspondentes ......................................................................... 134

    Quadro 14 Categorias, tipos de fala e de participao da criana e da docente, e

    identificao das situaes e dos sujeitos correspondentes .................... 136

  • SUMRIO

    1 INTRODUO ............................................................................................... 17

    2 ALGUNS PRESSUPOSTOS PSICOLGICOS DA INFNCIA E SUAS

    CONTRIBUIES PARA A COMPREENSO DO LUGAR DA FALA

    DA CRIANA NA AO DOCENTE ........................................................ 22

    2.1 PRESSUPOSTOS VIGOTSKIANOS .............................................................. 22

    2.1.1 A interao ....................................................................................................... 24

    2.1.2 A mediao, os signos e os instrumentos ....................................................... 25

    2.1.3 A linguagem e o pensamento .......................................................................... 26

    2.2 PRESSUPOSTOS PIAGETIANOS ................................................................. 39

    2.2.1 A interao, a construo e o conhecimento ................................................. 40

    2.2.2 A ao ............................................................................................................... 44

    2.2.3 A linguagem ..................................................................................................... 48

    2.2.4 As relaes ....................................................................................................... 54

    2.3 PRESSUPOSTOS WALLONIANOS .............................................................. 58

    2.3.1 A interao ....................................................................................................... 59

    2.3.2 A pessoa ........................................................................................................... 61

    3 A CRIANA E O LUGAR DE SUA FALA NA SOCIEDADE

    BRASILEIRA CONTEMPORNEA ........................................................... 70

    3.1 A INFNCIA: PRESSUPOSTOS HISTRICOS ........................................... 70

    3.2 O ATENDIMENTO CRIANA EM INSTITUIES EDUCACIONAIS

    BRASILEIRAS ................................................................................................. 73

    3.3 A FORMAO E A AO DO PROFISSIONAL DA EDUCAO

    INFANTIL ........................................................................................................ 87

    4 PARA IDENTIFICAR O LUGAR DA FALA DA CRIANA NA AO

    DOCENTE: PRESSUPOSTOS METODOLGICOS ............................... 95

    4.1 PROCEDIMENTOS TICOS .......................................................................... 95

    4.2 PRINCPIOS INVESTIGATIVOS E SEU DELINEAMENTO ...................... 96

    4.3 OS SUJEITOS DESTA PESQUISA: A CRIANA E A DOCENTE ............. 101

    4.4 OS CENTROS MUNICIPAIS DE EDUCAO INFANTIL: AS

    INSTITUIES LOCAIS DE COLETA DE DADOS .................................... 107

  • 4.4.1 O Centro Municipal de Educao Infantil Instituio A ......................... 112

    4.4.2 O Centro Municipal de Educao Infantil Instituio B ......................... 113

    4.4.3 O Centro Municipal de Educao Infantil Instituio C ......................... 114

    4.4.4 Descrio da sala do Pr I Instituio A .................................................... 114

    4.4.5 Descrio da sala do Pr I Instituio B .................................................... 115

    4.4.6 Descrio da sala do Pr I Instituio C .................................................... 115

    4.5 CRITRIOS PARA A ORGANIZAO, DESCRIO E ANLISE DOS

    DADOS ............................................................................................................. 116

    4.5.1 Descrio e anlise das situaes do primeiro agrupamento ...................... 121

    4.5.1.1 A higienizao: uso do sanitrio, lavao das mos, o despertar do sono e a

    arrumao pessoal, a escovao dos dentes e o projeto sobre higiene bucal ......... 121

    5.5.1.2 As refeies: caf, almoo, lanche e jantar ....................................................... 123

    4.5.1.3 O recreio das crianas e o intervalo das docentes ............................................. 126

    4.5.1.4 O sono ............................................................................................................... 127

    4.5.1.5 A chegada das crianas instituio e a espera pela docente; a espera pelos

    pais e a sada das crianas da instituio .......................................................... 128

    4.5.2 Descrio e anlise das situaes do segundo agrupamento ....................... 130

    5 EM BUSCA DAS EVIDNCIAS QUE REVELAM O LUGAR DA

    FALA DA CRIANA NA AO DOCENTE ............................................. 134

    5.1 A FALA ............................................................................................................ 136

    5.1.1 A fala da criana ............................................................................................. 136

    5.1.1.1 Tipo de fala da criana: choros, brigas, todos falando ao mesmo tempo, em

    tom alto, fazendo muito barulho ....................................................................... 137

    5.1.1.2 Tipo de fala da criana: conversas entre as crianas, em brincadeiras nas

    quais expressaram os prprios desejos, necessidades, sentimentos,

    pensamentos, produes e conquistas; muitas interaes, com todas as

    crianas participando da atividade, falando, cantando e se movimentando

    com alegria, satisfao e interesse .................................................................... 141

    5.1.1.3 Tipo de fala da criana: poucas palavras ou frases curtas e fragmentadas,

    para responder s exigncias ou indagaes da docente, quando solicitado .... 145

    5.1.2 A fala da docente ............................................................................................. 148

    5.1.2.1 Tipo de fala da docente: fala com uma tonalidade de voz alta e estridente;

    nervosismo; severidade; rigidez na imposio de regras, autoritarismo e

    comando, perda de controle da orientao da turma ......................................... 148

  • 5.1.2.2 Tipo de fala da docente: poucas palavras, gestos corporais e faciais; ouviu a

    fala da criana somente para negar ou permitir algo a ela; ouviu algumas

    crianas, mas no respondeu nada; no conversou com as crianas ................. 152

    5.2 A PARTICIPAO ......................................................................................... 156

    5.2.1 A participao da criana .............................................................................. 156

    5.2.1.1 Tipo de participao da criana: ajuda mtua entre as crianas; brincar

    juntos; tranquilidade e concentrao na realizao da atividade; alegria,

    satisfao e interesse das crianas pela atividade ............................................. 156

    5.2.1.2 Tipo de participao da criana: desobedincia, indisciplina; insatisfao,

    desinteresse, agitao; ficar calado ou isolado ................................................. 159

    5.2.1.3 Tipo de participao da criana: ausncia de orientaes da docente para a

    realizao da atividade; organizao prpria das crianas ............................... 165

    5.2.2 A participao da docente .............................................................................. 166

    5.2.2.1 Tipo de participao da docente: tomou conhecimento das falas e dos

    assuntos das crianas somente quando perguntou e a criana respondeu em

    voz alta; ouviu a fala das crianas com aflio, s para cumprir a formalidade

    da atividade ....................................................................................................... 166

    5.2.2.2 Tipo de participao da docente: organizao das atividades e intervenes

    docentes que facilitaram a participao das crianas; expresso de afeto,

    amizade, confiana, segurana e ateno com a criana; satisfao com o

    trabalho ............................................................................................................. 173

    5.2.2.3 Tipo de participao da docente: desateno s falas das crianas; atividades

    propostas no exigiram preparao, planejamento, esforo nem dedicao da

    docente; ausncia de iniciativa; aspereza; insegurana nas decises e aes;

    cansao; desnimo; desinteresse com relao s atividades realizadas;

    descontinuidade e fragmentao dos contedos desenvolvidos nas atividades;

    ausncia de experincias prticas dos contedos expostos pelas falas dos

    docentes ............................................................................................................ 175

    5.2.2.4 Tipo de participao da docente: cuidou das crianas, observando-as de

    longe, com a inteno de que elas no se machucassem ou brigassem ............ 184

    6 CONSIDERAES FINAIS E POSSVEIS ENCAMINHAMENTOS .... 188

    REFERNCIAS .............................................................................................. 212

  • 17

    1 INTRODUO

    A linguagem em ambiente escolar uma questo que sempre foi objeto de reflexo em

    minha atuao como professora de Educao Infantil e Ensino Fundamental. O interesse por

    essa temtica se intensificou a partir do momento em que comecei a lecionar no ensino

    superior, na Disciplina de Prtica de Ensino em Educao Infantil, no Curso de Pedagogia da

    Universidade Estadual de Maring, em virtude do contato dirio com a prtica dos professores

    dos Centros de Educao Infantil, no acompanhamento de acadmicos estagirios.

    Em minhas atividades como docente-orientador, cotidianamente me deparava com

    situaes em que as crianas apresentavam grande dificuldade relacionada fala, j que essa

    linguagem uma das mais utilizadas pela criana pequena.

    Esses fatos levaram-me a refletir sobre possveis agentes desencadeadores dessas

    dificuldades das crianas. Foi ento que comecei a me perguntar: as crianas tm

    oportunidade de falar, de expressar seus sentimentos, suas ideias, seus desejos, suas

    necessidades, suas produes, suas conquistas e seu pensamento no ambiente escolar de

    serem ouvidas? As crianas tm espao para falar e serem ouvidas? So incentivadas a se

    expressar? O que elas falam tem valor diante da docente e das outras crianas? Por outro lado,

    era comum observar as crianas muito falantes entre si. Nesses casos, vinham-me as seguintes

    questes: o que elas esto dizendo? As professoras sabem o assunto das conversas dos

    pequenos? Por que lano essas questes? Geralmente, quando as crianas estavam

    conversando, as professoras buscavam cont-las com frases, tais como: faa silncio! Comam

    quietos! Agora no hora de falar; hora de fazer a atividade! Compondo esse quadro, as

    profissionais, na maioria das vezes, mantinham-se distantes das crianas, conversando com

    outros adultos ou, simplesmente, olhando as crianas distncia. Esses fatores parecem-me

    at mesmo ser um empecilho para que as profissionais acompanhem as expresses infantis

    com acuidade.

    Tais questes desencadearam a necessidade de refletir acerca da interveno

    pedaggica dos profissionais que atuam diretamente com a criana de educao infantil, no

    sentido de que esta investigao, alm de evidenciar a referida problemtica, possa,

    principalmente, contribuir, como subsdio terico-prtico, para o trabalho pedaggico com os

    futuros profissionais em formao no nvel superior, bem como com aqueles que j atuam

    nesse nvel de ensino.

  • 18

    necessrio, todavia, considerar que o termo linguagem amplo e pode ser discutido

    por diversas reas, contendo, portanto, diferentes enfoques. Do mesmo modo, diversas reas

    do conhecimento, muitas vezes, denominam linguagem para se referirem linguagem

    matemtica, artstica, da dana, dentre outras. Mesmo na rea da psicologia, a linguagem

    humana tambm compreendida sob diferentes aspectos: linguagem oral, gestual, corporal e

    escrita. Nesta pesquisa, a temtica geral linguagem delimitada, contemplando,

    especificamente, a fala, a expresso oral da criana da faixa etria da educao infantil.

    Nesse contexto, de fundamental importncia buscar responder a essas instigantes

    questes. Para tanto, estabelecido como objetivo geral da presente pesquisa: compreender

    e identificar o lugar que ocupa a fala da criana na ao docente realizada em

    instituies de educao infantil. Como objetivos especficos, so destacados os seguintes:

    1) Evidenciar a importncia atribuda fala da criana na ao docente; 2) Avaliar os

    fatores que dificultam ou favorecem a apropriao, o desenvolvimento e a ocorrncia da

    fala da criana em seu ambiente escolar; 3) Analisar as influncias da ao docente no

    desenvolvimento e alargamento do lugar da fala da criana em seu ambiente educativo.

    Para alcanar esses objetivos, apresentados na seo 2 deste estudo, buscou-se a

    fundamentao acerca da fala, nos argumentos e pressupostos nas teorias psicolgicas de

    Vigotski1, Piaget e Wallon, nas quis o ser humano visto como um ser ativo, em processo de

    construo de si mesmo e de seu meio. So abordados alguns estudiosos colaboradores,

    contemporneos aos referidos autores dessas teorias, bem como alguns interlocutores atuais

    de cada uma delas.

    Buscou-se, tambm, na seo 3 desta pesquisa, apresentar os estudos a respeito de

    questes concernentes conceituao e contextualizao de criana e infncia, educao

    infantil, polticas pblicas e legislao, formao e ao docente, bem como questes relativas

    ao atendimento s necessidades especficas da criana da educao infantil.

    Na seo 4 desta pesquisa, apresenta-se o delineamento metodolgico. Procurou-se em

    por meio da descrio e anlise dos dados dar coerncia ao referencial terico anteriormente

    anunciado. Isso pelo fato de tratar-se de uma pesquisa de campo, a qual se concretiza sob

    enfoque qualitativo, como destacam Ldke e Andr (1996), por ressaltar os dados subjetivos

    relacionados aos significados presentes no processo de apropriao de conhecimento. Com

    propsitos de interpretao, anlise e identificao da situao prtica em que os sujeitos se

    1 Grafa-se, nesta investigao, Vigostski quando for escrito fora dos parnteses, de acordo com o discutido e

    combinado no Congresso Internacional Histrico-Cultural, realizado em Campinas em 2000, e quando for

    escrito dentro dos parnteses, ser grafado conforme o texto ou a citao em que o nome estiver inserido.

  • 19

    encontram, no que tange ao lugar da fala infantil e ao docente, utilizou-se, como mtodo

    de coleta de dados, a observao. Conforme sustenta Trivins (1987), tal mtodo revela-se

    fundamental em estudos de carter qualitativo. Nas observaes, buscou-se focar as situaes

    que compem a ao docente, bem como aquelas vivenciadas pela criana em seu ambiente

    educacional.

    Foram bases para a coleta de dados as aes educativas, as relaes construdas e

    realizadas com a criana, especificamente enfatizando-se aquelas direcionadas fala da

    criana. Embora diferentes profissionais estivessem presentes em alguns momentos das

    observaes, nem todos se constituram em sujeitos desta investigao. Sendo assim, os

    sujeitos desta pesquisa so crianas de quatro anos e suas respectivas professoras e atendentes

    de creche. Duarte (2002) ressalta que, no caso das investigaes de carter qualitativo, os

    sujeitos tm uma importncia imprescindvel, na medida em que intervm decididamente em

    todo o processo de pesquisa. Nesse sentido, Bogdan e Biklen (1994) destacam que, na

    concepo qualitativa, um dos principais aspectos o fato de despender grande valorizao

    dos sujeitos como atores sociais.

    A pesquisa envolveu trs turmas da referida faixa etria da educao infantil, uma de

    cada centro de educao infantil (CMEI) de uma cidade do norte do Paran. Assim, os trs

    centros de educao infantil constituram os locais de coleta de dados. Foram utilizadas

    tambm as informaes concedidas pelos profissionais das instituies para a construo da

    caracterizao dos sujeitos e dos locais de coleta de dados. A consulta aos documentos, como

    o Regimento Escolar, a Proposta Curricular da referida rede e os Planejamentos: o geral da

    rede, os das unidades educacionais e os especficos das trs turmas observadas, os quais foram

    igualmente importantes para compor os dados e analis-los.

    As observaes foram realizadas, principalmente, por meio do recurso da filmagem

    dos sujeitos inseridos em suas atividades de rotina, em situaes dirias e habituais, nas

    instituies de educao infantil. Buscou-se registrar os diferentes momentos, as atividades,

    as situaes vivenciadas pelos sujeitos nas instituies de educao infantil, tais como: a)

    assembleias, relatos do cotidiano realizados pela criana, encenao do contar e ouvir

    histrias, msicas cantadas; b) Desenho, escrita, pintura, modelagem; c) Brincar livre e

    dirigido; d) Higienizao (banho, escovao de dentes, lavao das mos) e troca de roupas;

    e) Chegada das crianas instituio ou sua sada; f) Refeio (caf da manh, almoo, lanche

    da tarde, jantar); g) Sono, descanso.

    Diante dos dados, percebeu-se que, em alguns tipos de situao, havia a

    intencionalidade por parte da docente de envolver a criana em sua participao oral, mas em

  • 20

    outros tipos de situao no havia tal intencionalidade. Frente a esse fator, o qual representa

    um dado inicial da pesquisa, foi necessrio seguir um primeiro critrio de organizao dos

    dados. Esse critrio se concretizou na separao das situaes observadas em dois grandes

    agrupamentos.

    No primeiro agrupamento, esto presentes as situaes que demonstraram a no

    intencionalidade docente de promover a participao da criana por meio da fala nas

    atividades realizadas. Essas situaes ficaram aglutinadas assim: a higienizao (uso do

    sanitrio, lavao das mos, o despertar do sono e a arrumao pessoal, a escovao dos

    dentes e o projeto sobre higiene bucal); as refeies (caf, almoo, lanche e jantar); o recreio

    das crianas e intervalo das professoras; o sono; a chegada das crianas instituio e a

    espera pela docente; a espera pelos pais e a sada das crianas da instituio. Na distino das

    atividades do primeiro agrupamento, observou-se que no houve intencionalidade docente

    direcionada promoo da participao da criana por meio da fala. Os momentos em que as

    crianas falavam eram sempre interrompidos pela coero, pelo comando, pelo prprio

    barulho que no permitia que um escutasse o outro. As docentes no tiveram a inteno de

    promover a fala da criana, de ouvir a criana e no sabiam o que as crianas diziam nas

    conversas entre si. Nas situaes do primeiro agrupamento, houve a constatao de uma

    prtica dissociada, com relao s atividades que compem as dimenses do cuidar e do

    educar, prprias das funes da educao infantil e da ao docente da educao infantil. Isso

    pde ser visto em relao tanto ao profissional que desenvolvia tais atividades e no modo

    como ele as desenvolvia, quanto durao, ao tempo que essas atividades ocupavam na rotina

    dos sujeitos.

    Nas situaes que compuseram o segundo agrupamento, as quais demonstraram a

    inteno por parte da docente de promover a participao da criana, envolvendo-a por meio

    da fala nas atividades realizadas, os sujeitos realizavam atividades, tais como: assembleias,

    relatos do cotidiano realizados pela criana, encenao, o contar e ouvir histrias, msicas

    cantadas; desenho, escrita, pintura, modelagem; brincar livre e dirigido.

    Para a anlise dos dados na seo 5 desta pesquisa, especificamente das situaes

    provenientes do segundo agrupamento, fez-se necessrio a elaborao de categorias que

    traduzissem os possveis resultados. Os processos de anlise e interpretao dos dados, de

    acordo com Bogdan e Biklen (1994), representam uma etapa fecunda e requerem criatividade

    do investigador, para o estabelecimento de conexes entre as ideias, em resposta ao problema

    proposto. Diante dos referidos dados, fez-se necessrio delimit-los em duas grandes

    categorias: a fala e a participao. Assim, a partir dos dados, foram obtidos, para cada

  • 21

    categoria, diferentes tipos de fala, bem como tipos de participao, tanto da criana como da

    docente. Para a anlise dos dados do segundo agrupamento de situaes, essas duas categorias

    foram utilizadas relativamente aos dois tipos de sujeito, quais sejam, a criana e a docente.

    Tais categorias ficaram assim organizadas: a fala da criana e a fala da docente; a

    participao da criana e a participao da docente. Quando os dados do referido

    agrupamento foram aplicados a essas categorias, desencadearam-se tipos de fala e de

    participao da criana e da docente.

    Por fim, na seo 6 desta pesquisa, tm-se as consideraes finais e possveis

    encaminhamentos. Esto presentes as possveis respostas ao problema investigativo proposto,

    bem como so apontados possveis rumos ou, at mesmo, lacunas as quais esta pesquisa no

    pde preencher.

  • 22

    2 ALGUNS PRESSUPOSTOS PSICOLGICOS DA INFNCIA E SUAS

    CONTRIBUIES PARA A COMPREENSO DO LUGAR DA FALA DA

    CRIANA NA AO DOCENTE

    Os pressupostos psicolgicos da infncia a serem estudados a seguir representam

    alguns elementos importantes das contribuies das proposies de Vigotski, Piaget e Wallon,

    bem como as discusses de estudiosos dessas teorias. Cada abordagem traz posicionamento

    prprio e apresenta diferentes enfoques, que so atribudos a cada conceito elaborado; no

    entanto, justamente essa distinta forma de analisar e compreender um dado, um fato, um

    acontecimento que propicia subsdios de fundamentao a esta investigao. Mediante as

    contribuies dessas trs ideias psicolgicas da infncia, permitem-se a compreenso acerca

    do desenvolvimento da criana que se relaciona sua linguagem, especificamente fala. Cada

    teoria traz tambm aporte para a discusso da ao docente com a criana de educao

    infantil.

    2.1 PRESSUPOSTOS VIGOTSKIANOS

    Lev Semenovitch Vygotsky nasceu em 1896 em Orsha, conforme destacam, Veer e

    Valsiner (1996), em uma pequena cidade da ento Unio Sovitica. Sua famlia, de origem

    judaica, possua boa formao educacional, profissional, bem como recursos financeiros.

    Esses fatores possibilitaram-lhe uma formao consistente desde sua infncia. Aos 18 anos,

    embora tenha feito sua matrcula no curso de medicina, desistiu e optou pelo curso de direito.

    Concomitantemente a esse curso, os autores anteriormente citados pontuam que Vigotski

    estudou Literatura e Histria na Universidade Popular de Shanyavskii. Aos 28 anos, casou-se

    com Rosa Smekhova, com quem teve duas filhas.

    Desde 1917, quando concluiu suas atividades acadmicas, Vigotski teve muitas

    realizaes intelectuais e profissionais, lecionando e ministrando cursos em Gomel. Em 1924,

    foi morar em Moscou, onde Lecionou literatura, esttica e histria da arte, instalou um

    laboratrio de Psicologia e fundou uma editora de revista literria. Vygotsky teve

    reconhecimento devido ao seu vasto conhecimento em diversas reas, por suas anlises e

    http://200.201.11.31:8000/cgi-bin/gw_46_7/chameleon?search=SCAN&function=INITREQ&SourceScreen=COPVOLSCR&sessionid=2010101408464327133&skin=bce&conf=.%2fchameleon.conf&lng=pt&itemu1=1003&u1=1003&t1=Veer,%20Ren%c3%a9%20van%20der,%201952-&elementcount=3&pos=1&prevpos=1&rootsearch=1&beginsrch=1http://pt.wikipedia.org/wiki/Literaturahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria

  • 23

    crticas literrias, por sua capacidade de inovar e, mesmo lutando contra a tuberculose, seu

    trabalho foi de ampla e profunda riqueza intelectual.

    Em sua poca, como afirma Rego (1995), destacou-se pela velocidade em produzir

    para alm de 200 trabalhos cientficos e pelas anlises feitas, oferecendo explicaes

    provenientes do campo histrico e psicolgico das obras de arte. Foi participante ativo na

    revoluo russa, de forma intelectual, por meio de suas produes e pela disseminao de suas

    ideias, em busca de uma sociedade em que houvesse justia e que fosse extinta a explorao

    humana. Aps a revoluo, Vigotski dedicou-se a estudos no campo da psicologia,

    especialmente os voltados ao desenvolvimento das funes mentais, s influncias da cultura

    na cognio, linguagem, dentre outros. Retomou os estudos na rea da Medicina e atuou

    intensamente no grupo de pesquisa sobre neuropsicologia, contando, dentre seus membros,

    com Alexander Luria e Alexei Nikolaievich Leontiev, os quais posteriormente deram

    continuidade aos seus estudos.

    Rego (1995) acrescenta que Vigotski atuou na rea da defectologia, termo atribudo

    a rea que estuda as deficincias mentais e sensoriais. Ele investigou diversas causas,

    direcionando estudos s atividades do sistema nervoso, bem como a assuntos relacionados

    neurocincia. Foram inmeras as contribuies do autor no Instituto de Deficincias de

    Moscou. Foi o instituidor da escola sovitica de psicologia histrico-cultural. A influncia

    das ideias de Engels e de Marx, o fato de ter vivido perodos polticos difceis e distintos,

    desde o regime de czares russos, depois a vivncia da revoluo comunista at a poltica e

    ditatria stalinista foram fatores que, de alguma forma, influenciaram a produo vigotskiana.

    Conforme Rego (1995), embora Vigotski estivesse de acordo com o conceito da

    influncia humana, com relao cultura, expressava aos polticos do regime stalinista a

    capacidade humana de transformar seu meio, gerando, assim, diferentes e novas formas de ser

    e de agir. Com o acesso de Stalin ao poder, no ano de 1924, a produo intelectual do autor se

    restringiu, e, em 1936, toda a sua obra foi censurada, sendo que grande parte dela foi

    destruda por causa da ditadura stalinista. Essa proibio deu-se pelo fato de vincularem

    Vigotski a uma ameaa idealista ao regime ditatorial, o que foi motivado pelas crticas que o

    autor teceu teoria de Pavlov, com relao s potencialidades de condicionamento do meio.

    O tempo de represso e censura durou 20 anos. Como afirma a autora anteriormente citada, a

    tuberculose, resultou em sua morte prematura, em junho de 1934, antes mesmo de completar

    38 anos, no auge de sua vida e de sua produo cientfica.

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Tuberculosehttp://pt.wikipedia.org/wiki/Neuropsicologiahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Alexei_Leontievhttp://pt.wikipedia.org/wiki/URSShttp://pt.wikipedia.org/wiki/Ivan_Petrovich_Pavlov

  • 24

    2.1.1 A interao

    Vigotski representante da produo cientfica sovitica. Psiclogo, estudioso de

    muitas reas, dedicou-se ao estudo do desenvolvimento humano. Buscou, na teoria marxista,

    princpios metodolgicos para suas pesquisas acerca dos processos psicolgicos e, pautando-

    se nesses princpios, Luria (2001, p. 25), um dos colaboradores de Vigotski, afirma que

    [...] as origens das formas superiores de comportamento consciente deveriam

    ser achadas nas relaes sociais que o indivduo mantm com o mundo

    exterior. Mas o homem no apenas um produto de seu ambiente, tambm

    um agente ativo no processo de criao deste meio.

    O desenvolvimento visto por (1994; 2001) como o resultado das interaes mtuas

    com o meio social e cultural em que se vive. O processo de aprendizagem, dessa forma,

    direciona o desenvolvimento das funes psicolgicas superiores: o pensamento, a memria, a

    percepo, a imaginao, dentre outras, as quais esto em movimento.

    Veer e Valsiner (1996) apoiados nas ideias de Vigotski destacam sobre as diferenas

    importantes entre animais e seres humanos, fundamentadas justamente no que tange cultura.

    Os animais dependem da herana e da determinao gentica; os seres humanos, ao contrrio,

    podem transmitir o que foi produzido na cultura, dominando-a, pois os traos

    especificamente humanos [...] so adquiridos no domnio da cultura, por meio da interao

    social com os outros (VEER; VALSINER, 1996, p. 213). Dessa forma, apesar de no serem

    desconsiderados os fatores biolgicos, estes no so determinantes do desenvolvimento do

    sujeito. A base gentica do comportamento est nos processos psicolgicos elementares. J os

    processos psicolgicos superiores (tambm chamados funes psicolgicas superiores) so

    especificamente humanos e se desenvolvem com base na interao social.

    Ao rejeitar as concepes inatistas e ambientalistas, ou at mesmo uma sobreposio

    dessas teorias sobre aprendizado e desenvolvimento, Vigotski (1994) enfatiza que o

    aprendizado tem incio antes da idade escolar, por meio da mediao social, dos signos e

    instrumentos, da linguagem, dos objetos e das pessoas que esto presentes no meio social e

    cultural, os quais contribuem para o desenvolvimento do sujeito.

    Assim, Vigotski (1994, p. 74) apresenta tambm o conceito de internalizao, que se

    trata da [...] reconstruo interna de uma operao externa. Para ilustrar o conceito de

    internalizao, menciona a ao de um beb que tenta pegar algo, mas no consegue. Esse

  • 25

    gesto, ento, torna-se para a outra pessoa (no caso, um adulto) um gesto de apontar. Vigotski

    (2001, p. 114) postulou, portanto, que

    [...] o desenvolvimento das funes psicolgicas superiores na criana,

    dessas funes especificamente humanas, formadas no decurso da histria

    do gnero humano, um processo absolutamente nico. Podemos formular a

    lei fundamental deste desenvolvimento do seguinte modo: todas as funes

    psicointelectuais superiores aparecem duas vezes no decurso do

    desenvolvimento da criana: a primeira vez nas atividades coletivas, nas

    atividades sociais, como propriedades internas do pensamento da criana, ou

    seja, como funes interpsquicas: a segunda, nas atividades individuais,

    como propriedades internas do pensamento da criana, ou seja, como

    funes intrapsquicas.

    E, s mais tarde, segundo o mesmo autor, a criana, com a repetio dessa mencionada

    experincia, ir associar o seu movimento de tentar pegar com o gesto de apontar. nesse

    movimento que se d a internalizao: algo que era externo criana torna-se interno,

    permitindo-lhe compreender sua realidade e interagir com o outro.

    2.1.2 A mediao, os signos e os instrumentos

    Os signos e instrumentos auxiliam na mediao do homem com o mundo: O signo

    age como instrumento da atividade psicolgica de maneira anloga ao papel de um

    instrumento no trabalho (VIGOTSKI, 1994, p. 70). A maior ligao entre signo e

    instrumento est na funo mediadora que ambos exercem. Percebe-se que signos e

    instrumentos so os grandes responsveis pela mediao entre homem e meio. Por meio da

    interao, da atuao do outro sujeito (que pode ser pais, professores, irmos, amigos da

    criana), da convivncia, das trocas de experincias, a criana internaliza gradativamente, ou

    seja, elabora internamente o que est externo a ela, constituindo, assim, as funes

    psicolgicas superiores. Portanto, na dimenso psicolgica, signos e instrumentos podem ser

    includos na mesma categoria. A diferena fundamental est na maneira pela qual eles

    [...] direcionam o comportamento humano. A funo do instrumento servir

    como um condutor da influncia humana sobre o objeto da atividade; ele

    orientado externamente; deve necessariamente levar a mudanas nos objetos.

    Constitui um meio pelo qual a atividade humana dirigida para o controle e

    domnio da natureza. O signo, por outro lado, no modifica em nada o objeto

    da operao psicolgica. Constitui um meio da atividade interna dirigido

  • 26

    para o controle do prprio indivduo; o signo orientado internamente

    (VIGOTSKI, 1994, p. 72-73).

    A relao entre o ser humano e o mundo ocorre de forma mediada, isto , no direta,

    podendo se realizar por meio de instrumentos e signos. Por meio de ferramentas e

    instrumentos, o homem se relaciona com o mundo, visto que os mesmos so responsveis

    pela intermediao, pela mediao da ao concreta do homem no mundo. De acordo com

    Vigotski (1994), os signos representam outro tipo de mediao, que se faz de forma semitica

    ou simblica, internamente. Eles se encarregam de mediar a relao entre o sujeito e o objeto

    de conhecimento, no campo psicolgico. H tipos de signo que se apresentam de forma

    concreta, como, por exemplo, os sinais de trnsito. Os usurios que compartilham aquele

    sistema de sinais compreendem e se apropriam daquelas informaes para que o trnsito flua

    de forma ajustada.

    Existe tambm outro tipo de signo, completamente simblico, internalizado no sistema

    psicolgico: so os mediadores semiticos ou simblicos. Aqui, apresenta-se uma

    caracterstica peculiar do ser humano, que a representao. O indivduo passa pela

    apropriao de um sistema simblico, como, por exemplo, uma cadeira. Ocorre uma relao

    no mediada, uma relao fsica, entretanto esta envia ao indivduo o conceito, a ideia de

    cadeira. Essa uma caracterstica humana que possibilita ao homem passar por dimenses do

    campo simblico, permitindo-lhe lembrar de fatos passados sem que esses fatos estejam

    presentes, ou mesmo os que vo acontecer, de modo a antecipar, fazer projees. A maior

    parte das atividades humanas constitui-se de relaes mediadas, no havendo a necessidade de

    cada membro passar pelas mesmas experincias pela qual outra pessoa j passou na histria

    da humanidade. Os signos so construdos culturalmente e, nessa relao mediadora, o sujeito

    desenvolve a capacidade de representao simblica, sendo a linguagem o fator principal para

    que isso ocorra.

    2.1.3 A linguagem e o pensamento

    A linguagem, na concepo vigotskiana, tem um significado relacionado

    comunicao humana pressupe a oralidade, o discurso, os gestos, as expresses faciais e a

    escrita, que so formas de representao simblica. Ela est relacionada estreitamente

    assimilao dos conhecimentos e do aprendizado, apropriados pelo homem. Por esse motivo,

  • 27

    ela se torna foco principal das investigaes de Vigotski (2001), o qual busca compreender o

    desenvolvimento da linguagem, do pensamento e das funes psicolgicas superiores. O

    desenvolvimento da linguagem, para Vigotski (2000a), extremamente importante, por se

    tratar de uma das funes relacionadas organizao e ao desenvolvimento do pensamento.

    Por isso, o autor inicia suas investigaes direcionadas justamente aos aspectos referentes ao

    desenvolvimento da conduta infantil.

    De acordo com Luria e Yodovich (1985), ao longo da histria da psicologia, a

    linguagem ocupou um papel irrelevante. At mesmo estudiosos como Torndike e Watson

    viam a linguagem apenas como um item na formao de hbitos motores. E investigadores

    como K. Bhler e Ch. Bhler compreendiam como espirituais e inatas as atividades

    nervosas superiores da criana, que amadureceria em um processo gradual, de acordo com a

    importncia de tais atividades. Entretanto, autores da psicologia sovitica criticam e rejeitam

    essas duas concepes, acrescentando algo importante para a educao, pois

    A primeira destas teorias, ao considerar o desenvolvimento complexo como

    uma simples combinao de hbitos, reduz o ensino e a educao a uma

    simples exercitao. A segunda, ao considerar a maturao das capacidades

    mentais como um processo contnuo, espontneo, no s escamoteia o

    problema da explicao do desenvolvimento mental, como tambm relega a

    um plano secundrio as influncias educativas, a consider-las quando

    muito, como um meio para acelerar ou retardar a maturao natural cuja

    direo j est predeterminada (LURIA; YODOVICH, 1985, p. 9).

    Ao rejeitar essas concepes, a psicologia sovitica tece trs proposies referentes ao

    desenvolvimento da atividade mental. A primeira, com base na psicologia materialista,

    postula que os processos mentais tm concentrao [...] em formas reais de inter-relao

    entre o organismo e o meio (LURIA; YODOVICH, 1985, p. 10). Entretanto, os referidos

    [...] sistemas no devem ser considerados como propriedades inatas da vida mental, mas sim

    ser compreendidos como resultados de certas formas de atividade reflexa, sujeita, a todo

    momento, anlise concreta (LURIA; YODOVICH, 1985, p. 9). A segunda proposio diz

    respeito ao papel do desenvolvimento na formao dos processos cognitivos, sendo o mesmo

    compreendido a partir da teoria dos reflexos. A terceira trata do estudo da atividade mental

    infantil, compreendendo-a como decorrncia da vida social e reafirmando que a origem dos

    processos mentais no se encontra na alma, e sim nas [...] formas mais complexas de vida

    social do homem e na comunicao da criana com as pessoas que a rodeiam [...] (LURIA;

    YODOVICH, 1985, p. 14).

  • 28

    De um lado, como sustenta a teoria dos reflexos, a linguagem se baseia em reaes

    inatas, em reflexos hereditrios, incondicionais, como o grito do beb. Tal reao vocal a

    base na qual se edifica a linguagem oral do adulto. Contudo, seria um tanto difcil enumerar

    as reaes inatas que compem o grito. Por isso, luz de novos estudos, Vigotski (2000a)

    destaca que as reaes vocais do recm-nascido no so um reflexo incondicionado nico,

    mas talvez uma srie deles vinculados entre si. Ele ressalta que Ch. Bhler foi a primeira a

    estudar e registrar minuciosamente o desenvolvimento da linguagem. Para ela, devido ao

    aparecimento da reao vocal, ocorrem as reaes denominadas contato social, as quais se

    estabelecem com a ajuda da linguagem.

    Em princpio, as reaes condicionadas no aparecem como respostas isoladas, mas

    como um sinal; depois se diferenciam, apresentando-se os sinais com maior frequencia e, ao

    final, a reao se forma somente com um determinado estmulo. Sendo assim, a reao

    generalizada, que, no caso, a reao vocal, no se desenvolve isoladamente; ela faz parte de

    um grupo de reaes. Observa-se sempre um grupo de movimentos, entre os quais o

    desenvolvimento vocal s uma parte ou um elemento. Destaca-se, cada vez mais, a reao

    vocal diferenciada, que comea, precisamente, a adquirir significado central. Desaparece uma

    srie de movimentos, permanecendo a mmica unida reao vocal.

    A funo vocal do beb tem base fisiolgica. A primeira funo o movimento

    expressivo, que Vigotski (2000a) considera uma reao incondicionada, instintiva, a qual

    revela os estados emocionais do organismo, como, por exemplo, quando o beb se assusta, ele

    grita, como consequencia de um reflexo, uma reao incondicionada. Enfim, o movimento

    expressivo uma reao emocional. A segunda funo a de contato social, a qual aparece j

    quando a reao vocal se converte em reflexos condicionados. A partir do primeiro ms de

    vida, surge o reflexo vocal educado, condicionado como resposta reao vocal das

    pessoas ao redor do beb. A voz da criana se converte em um instrumento que substitui a

    linguagem em suas formas mais elementares. Portanto, em sua pr-histria, ao longo do

    primeiro ano de vida da criana, a linguagem est inteiramente baseada no sistema de reaes

    incondicionadas, instintivas e emocionais e, por meio da diferenciao, ocorre a reao

    vocal condicionada independente. Por decorrncia disso, modifica-se a prpria funo da

    reao.

    Mas as reaes vocais da criana no so a linguagem; esse ponto ressaltado por

    Vigotski (2000a) como o mais difcil para o entendimento do desenvolvimento da linguagem

    infantil, pois h diferenas, tanto do ponto de vista fisiolgico como do psicolgico, a respeito

    de um mesmo processo. O referido autor concluiu em suas investigaes que a reao vocal

  • 29

    da criana se desenvolve, em princpio, de forma totalmente independente do pensamento.

    Segundo ele, no h como atribuir criana de um ano e meio a conscincia da linguagem ou

    do pensamento formado. Isso porque, inicialmente, a linguagem no se relaciona com o

    desenvolvimento do pensamento infantil e dos processos intelectuais da criana. Esse

    argumento do autor se sustenta em pesquisas com crianas idiotas e crianas mentalmente

    atrasadas, concluindo-se que essas crianas passam pelas mesmas etapas de

    desenvolvimento. Vigotski (2000a) cita L. Einger, o qual observou reaes vocais em uma

    criana que nasceu descerebrada, constituindo mais um argumento para a explicao da

    disparidade inicial de caminhos da linguagem e do pensamento. De acordo com essas

    investigaes, no s a linguagem se desenvolve, inicialmente, de modo independente do

    pensamento, mas a recproca tambm verdadeira: o pensamento comea a se desenvolver

    independentemente da linguagem.

    Vigotski (2000a) destaca as investigaes de Stern, o qual foi o primeiro a formular

    uma teoria sobre as peculiaridades do desenvolvimento do pensamento e da linguagem

    infantil. Sua teoria assegura que, entre um ano e meio e dois anos, o pensamento e a

    linguagem se encontram em uma fase de grande mudana e seguem um novo curso. O autor,

    com base nas investigaes de Stern, enfatiza trs sintomas no desenvolvimento da

    linguagem: saltos ou incremento no vocabulrio; etapa das perguntas; mudana radical no

    vocabulrio infantil. O mesmo autor observa que, no terceiro sintoma, localiza-se o limite

    entre as etapas do desenvolvimento psquico da criana, permitindo-nos perceber a virada

    no seu desenvolvimento. Como constata Vigotski (2000a), Stern supunha que, na esfera do

    desenvolvimento do pensamento infantil, ocorre algo distinto de um simples reflexo

    condicionado e a criana faz, conscientemente, a ligao das relaes existentes entre signos e

    significados. Essa interpretao parte da semelhana fenotpica externa dos objetos, mas tal

    semelhana no significa que tais objetos sejam realmente idnticos.

    Vigotski (2000a) contesta essa ideia, afirmando que espantoso que uma criana de

    um ano e meio a dois, quando seu pensamento se encontra em uma fase extremamente

    primitiva, seja capaz de um ato de tamanha exigncia intelectual, como compreender a relao

    entre signo e significado. Novas investigaes do referido autor permitem compreender que a

    criana no descobre o significado das palavras no referido perodo de mudanas, como

    sustenta Stern. A criana apenas procura compreender a estrutura externa do significado da

    palavra, assimilando que a cada objeto corresponde uma palavra.

    Na histria humana (filognese), a linguagem se desenvolve pelo mesmo caminho. A

    linguagem oral e as palavras no so inventadas nem so consequencia de um pacto entre os

  • 30

    homens para a denominao do objeto, mas percorrem psicologicamente toda a linha do

    desenvolvimento do reflexo condicionado. Nesse sentido, a linguagem (a fala) passa por trs

    momentos em seu desenvolvimento, como pontua Vigotski (2000a): primeiro, h um

    complexo de som; segundo, o significado; e terceiro, a unio da palavra com uma imagem

    determinada. O desenvolvimento linguagem humana, especificamente no caso desse estudo, a

    fala da criana, resultado de condies externas, da histria humana, proveniente de relaes

    e aes sociais e imagens que representam o mundo.

    Assim, para que um determinado estmulo se transforme em signo psicolgico, deve

    possuir certas propriedades psicolgicas. Converte-se em signo e em smbolo, quando a

    criana compreende uma mesma estrutura com todos os elementos que com ela se relacionam.

    Mediante a compreenso das palavras, a criana se apropria da sua imagem externa,

    incorporando cada palavra concreta a partir das pessoas que fazem parte de sua convivncia.

    O autor demonstra que difcil falar em descobertas, visto que o que ocorre apenas uma

    assimilao externa entre a palavra e o objeto, no acontecendo ainda uma relao interna do

    signo.

    Vigotski (2000a) constatou que a palavra tem uma ao decisiva para que ocorram

    novas configuraes de comunicao, as quais se originam quando ocorre a generalizao do

    objeto na relao direta. Luria e Yodovich (1985), reportando-se aos estudos de Vigotski,

    reafirmam que a linguagem influencia o desenvolvimento infantil desde os primeiros meses

    de vida. Na relao adulto-criana, ocorrem novas possibilidades a respeito das relaes com

    a realidade, as quais no seriam to profundas e complexas se partissem de experincias

    individuais. Expe-se aqui uma nova concepo do desenvolvimento cognitivo, a qual destaca

    a participao ativa do outro, com o outro, em experincias prticas e coletivas do uso e da

    influncia ativa da linguagem. Assim,

    Todo este processo da transmisso do saber e da formao de conceitos, que

    a maneira bsica com que o adulto influi na criana, constitui o processo

    central do desenvolvimento intelectual infantil. Se no se levar em conta, no

    processo educativo, esta conformao da atividade mental infantil, no ser

    possvel compreender, nem explicar, a causa de nenhum dos fatos da

    psicologia da criana (LURIA; YODOVICH, 1985, p. 11).

    Os estudos sobre os processos mentais da criana como resultado da

    intercomunicao desta com seu meio e a apropriao de experincias transmitidas pela

    linguagem tornam-se os principais alvos de estudo da psicologia sovitica. A relao da fala,

  • 31

    da comunicao, com o adulto tambm objetivo central da pesquisa de Luria e Yodovich

    (1985, p. 11). A palavra age como aquela que [...] d forma atividade mental,

    aperfeioando o reflexo da realidade e criando novas formas de ateno, de memria e de

    imaginao, de pensamento e de ao.

    Essa forma de compreender a ao da palavra do outro na organizao e no

    desenvolvimento dos processos mentais exemplificado pelos autores anteriormente

    mencionados com o aprendizado das primeiras palavras que a me diz ao seu filho. Ela, ao

    nomear o objeto percebido copo, acrescentando o seu papel, dizendo que o mesmo serve

    para beber, retira do objeto caractersticas como, por exemplo, seu peso, sua forma, sua cor,

    permitindo percepo ver tal objeto de maneira permanente e generalizada, como um copo

    qualquer, sem especificidades. Nesse sentido,

    [...] a palavra liga um complexo sistema de conexes no crtex cerebral da

    criana e se converte numa poderosssima ferramenta que introduz formas de

    anlise e sntese na percepo infantil que a criana seria incapaz de

    desenvolver por si mesma. [...] A palavra influi sobre a criana,

    enriquecendo e aprofundando imensamente a sua percepo direta e

    conformando a sua conscincia. [...] A palavra do adulto converte-se num

    regulador de sua conduta, elevando assim a organizao da atividade da

    criana a um nvel mais alto e qualitativamente novo. Esta subordinao das

    reaes palavra de um adulto o comeo de uma longa cadeia de formao

    de aspectos complexos da sua atividade consciente e voluntria (LURIA;

    YODOVICH, 1985, p. 12-13).

    Tal influncia da palavra (no sentido de conhecimento) nos processos mentais

    contribui para a reorganizao da percepo. Quando a criana diz verbalmente o que vai

    fazer ou est fazendo, uma maneira, de acordo com os autores, de localizar-se em meio aos

    objetos e s pessoas percebidos.

    Ao estabelecer verbalmente as complexas associaes e relaes existentes

    entre fenmenos percebidos, introduz modificaes essenciais na percepo

    das coisas que influem nela: comea a atuar de acordo com influncias

    elaboradas verbalmente ao reproduzir as associaes verbais reforadas

    pelas anteriores instrues do adulto, e as modifica em seguida, isolando

    verbalmente os objetivos imediatos e ltimos da sua conduta, indicando os

    meios para alcanar estes objetivos e subordinando-os a instrues

    formuladas verbalmente (LURIA; YODOVICH, 1985, p. 13).

    A respeito da regulao de conduta, Luria e Yodovich (1985, p. 13-14) citam os

    estudos de Pavlov, observando que a fala passa pelo

  • 32

    [...] meio de comunicao bsico, converte-se tambm num meio de anlise

    e sntese da realidade mais profunda e, o que fundamentalmente mais

    importante, no regulador mais elevado da conduta. [...] A percepo e a

    ateno, a memria e a imaginao, a conscincia e a ao deixam de ser

    consideradas como propriedades mentais simples, eternas e inatas e

    comeam a ser entendidas como o produto de formas sociais complexas dos

    processos mentais na criana, como complexos sistemas de funes que

    resultam do desenvolvimento da atividade infantil nos processos de

    intercmbio, como atos reflexivos complexos em cujo contedo se inclui a

    linguagem e que, segundo a terminologia de Pavlov, se efetuam com a

    ntima participao de dois sistemas de sinais: o primeiro, relativo aos

    estmulos percebidos diretamente e o segundo, com sistemas de elaborao

    verbal.

    Luria e Yodovich (1985) destacam as investigaes de G. L. Rosengardt acerca da

    importncia da palavra para a constituio da percepo e da memorizao at os dois anos de

    vida. Esse autor comprovou que a palavra vai aos poucos sendo utilizada por diferentes meios

    percebidos e a memria da criana, nessa faixa etria, assume novos aspectos, como resultado

    dessa estreita relao. Ao distinguir caractersticas fundamentais de um determinado objeto, a

    criana faz com que a palavra se torne estvel e generalizada, de modo que a percepo dos

    objetos libera novas formas ao desenvolvimento de uma memria coesa e discriminadora. Os

    autores tambm mencionam outras investigaes integrantes da psicologia sovitica, as quais

    reafirmam a atuao da linguagem na complexidade da conduta da criana.

    O desenvolvimento de formas ativas de memorizao, as primeiras formas

    da conduta volitiva da criana e, em especial, a diferenciao de motivos de

    conduta e a construo de aes conscientes complexas provaram estar

    ligados a essas complexas reorganizaes de atividade que aparecem no

    processo de generalizao e ter ainda estreita relao com o

    desenvolvimento da linguagem infantil. Os processos verbais capacitam a

    criana, atravs da generalizao, a formular objetivos e lhes proporcionam

    os meios necessrios para a sua consecuo, possibilitam-lhe a criao de

    um plano de brinquedo imaginativo, a cujo servio pe a aquisio de

    complexas formas de conduta, inacessveis em abordagem direta. A

    investigao da gnese das formas superiores de atividade psicolgica

    demonstrou, uma vez mais, sua complexa composio e o papel da fala na

    formao da conscincia infantil (LURIA; YODOVICH, 1985, p. 16).

    Os autores mencionados, tambm colocam em destaque a pesquisa de Ivanov,

    Smolensky e Krasnogorsky, que buscaram identificar a funo da palavra na conexo nervosa

    superior infantil. Esses pesquisadores apontaram que a palavra pode suprir um estmulo

    incondicionado ou condicionado, explicitando que, com o uso de instrues verbais, ocorrem

    novas formaes e abrem-se novas caractersticas de conexes temporais. Eles citam os

  • 33

    trabalhos de Lublinskaya a respeito da diferenciao com crianas na faixa etria de um ano e

    meio a dois, nos quais se demonstrou, a partir da existncia de dificuldades em tecer

    diferenas, que estas diminuram consideravelmente, ao se somar etiquetas verbais dos sinais

    diferenciadores, o que tornava a diferenciao mais estvel e generalizada (LURIA;

    YODOVICH, 1985, p. 17). A interao dos sistemas de sinais evidencia que a variedade de

    funes exercida pela linguagem possui participao direta na formao dos processos

    mentais. Alm disso, tais funes

    [...] reorganizam essencialmente o curso natural destes processos,

    modificando, por exemplo, a relao natural de fora dos estmulos.

    interessante destacar que a palavra produzida teve efeitos em crianas de

    quatro e cinco anos, nas condies experimentais habituais, enquanto que,

    nos casos de a palavra do instrutor reavivar conexes estveis antigas, se

    dava, muito antes, uma mudana nas relaes de fora dos estmulos. E mais

    interessante ainda o fato de a prpria linguagem da criana comear,

    gradualmente, a incluir-se na formao das conexes temporais e mudar, de

    maneira essencial, este processo. [...] com a interveno [...] a linguagem da

    criana comea a participar regulando movimentos e atos [...] tornando-se o

    fator mais importante no desenvolvimento da funo orientadora na criana

    e, com ela o da funo reguladora da fala, se situam exatamente entre quatro

    e quatro anos e meio de idade (LURIA; YODOVICH, 1985, p.18, 42-43).

    No processo de apropriao da linguagem, de formulao de conceitos e de seu

    desenvolvimento, a imitao ocupa um papel importante nos pressupostos vigotskianos.

    Vigotski (2000b, p. 328) observa que,

    [...] na velha psicologia e no senso comum, consolidou-se a opinio segundo

    a qual a imitao uma atividade puramente mecnica. Desse ponto de vista,

    costuma-se considerar que, quando a criana resolve o problema ajudada,

    essa soluo no ilustra o desenvolvimento do seu intelecto. Considera-se

    que se pode imitar qualquer coisa. O que eu posso fazer por imitao ainda

    no diz nada a respeito da minha prpria inteligncia e no pode caracterizar

    de maneira nenhuma o estado do seu desenvolvimento. Mas esta concepo

    totalmente falsa.

    Fernandes (2007) ao investigar especificamente a respeito da imitao, observa que,

    na histria do desenvolvimento humano e na educao tradicional, o conceito de imitao

    esteve relacionado ao mecnica de reproduo de padres. Ressalta que, apesar de haver

    uma relao dialtica entre imitao e a capacidade de criao, a imitao no deve ser

    adotada como um mtodo de ensino. Nesse sentido, a autora interpreta o conceito de imitao

    segundo o posicionamento vigotskiano, observando que, quando a criana realiza uma

  • 34

    atividade com ajuda do professor, verifica-se que ela necessita do auxlio do outro para

    aprender. Fernandes (2007) adverte que o professor precisa ensinar aquilo que a criana

    capaz de aprender, de modo que exera um papel ativo e interativo em seu meio social.

    Imitar, segundo Vigotski (2000a), envolve uma tarefa intelectual, pois [...] uma

    pessoa s consegue imitar aquilo que est no seu nvel de desenvolvimento (VIGOTSKI,

    1994, p. 104) e que produz a reconstruo dos contedos apropriados. Por outro lado, a

    imitao por tentativa e erro se refere a cpias mecnicas, configurando-se em treinos

    desprovidos das capacidades intelectuais. O autor acrescenta que a imitao uma das vias

    por meio da qual a criana se relaciona com a cultura historicamente construda.

    O autor explica, assim, o intrincado sistema de conexes, no qual a imitao se

    constitui em um dos caminhos fundamentais rumo ao desenvolvimento dos processos

    psicolgicos superiores do ser humano:

    [...] La historia natural de los signos nos ensea que las formas culturales del

    comportamiento tienen races naturales en las formas naturales, que estn

    unidas a ellas por miles de conexiones y surgen a base de estas ltimas y de

    ninguna otra forma. All donde los investigadores vean hasta ahora bien un

    simple descubrimiento bien un simple proceso de formacin de hbitos, la

    investigacin real pone de manifiesto la existencia de un complejo proceso

    de desarrollo. [] Puedes parecer que al referirnos a la imitacin como una

    das vas fundamentales del desarrollo cultural del nio volvemos a los

    prejuicios que acabamos de mencionar. La imitacin, podra decirnos el

    partidario de la teora de los hbitos, no es otra cosa que la transferencia

    mecnica de una forma de conducta ya elaborada a otra, es justamente el

    proceso de formacin de hbito y lo conocemos muy bien por el desarrollo

    de los animales (VYGOTSKI, 2000c, p. 136).

    Sendo assim, o homem capaz de imitar, de reproduzir as aes, as experincias; ele

    tambm capaz de repensar essas aes, produzindo novas possibilidades de forma ativa.

    Enfim, a imitao no se reduz ao ato de reproduo, mas mediante o meio social e cultural,

    uma base eficaz para que se formem diferentes conexes, possibilitando as transformaes

    das vivncias e da realidade.

    Vigotski (2000a) conclui que, aproximadamente aos dois anos, o vocabulrio se

    amplia ativamente, de modo a dar incio, ento, fase das perguntas, o que contesta a

    suposio de Stern, a qual afirma que, no momento em que o pensamento e a linguagem se

    encontram, a criana descobre o significado da palavra. Vigotski (2000a) postula, portanto,

    que a linguagem oral da criana se desenvolve independentemente do seu pensamento, mas,

    em certo momento, ambos se encontram. Em um primeiro momento, a linguagem e o

  • 35

    pensamento se desenvolvem por caminhos diferenciados. Nesse primeiro momento, a

    linguagem permeada pela sua primeira funo, que a de comunicao, a qual ocorre

    tambm com os animais. Vigotski (2000a) cita as investigaes de Khler e outros

    psiclogos, realizadas com macacos e crianas na mesma situao. Estava disposio uma

    vara, a qual os macacos poderiam usar para alcanar uma fruta. As mesmas respostas foram

    obtidas com crianas de nove meses e com os macacos. Os pesquisadores concluram que, em

    crianas dessa idade, so produzidas reaes extremamente simples, independentemente de

    sua linguagem.

    Vigotski destaca ainda que, para K. Bhler, o qual tambm realizou experincias com

    crianas e macacos, a idade de nove a doze meses considerada a idade do chimpanz, na

    qual se manifesta na criana o emprego inicial das ferramentas, fato igualmente observado no

    chimpanz. Verificou-se a existncia do que se nomeou primrdios do pensamento ou

    inteligncia prtica. Os chimpanzs so capazes de solucionar problemas concretos em seu

    ambiente, todavia sua forma de resolv-los relaciona-se quilo que eles podem perceber

    naquele determinado momento, isto , atuam sobre o ambiente por meio de uma inteligncia

    prtica. Esse tipo de inteligncia assim nomeado, pelo fato de o animal no utilizar nenhum

    artifcio simblico em sua ao, rumo soluo do problema. No caso, quando o chimpanz

    tenta alcanar a fruta, ele usa a vara porque a encontra em seu campo visual, sendo incapaz de

    imaginar algo alm do prprio corpo, se no estiver vendo algum objeto que o auxilie na

    soluo do problema. Isso ocorre tambm com a criana pequena, capaz, por exemplo, de

    subir em uma cadeira para alcanar um brinquedo que no consegue alcanar apenas com o

    seu corpo, ou seja, ela soluciona os problemas e usa instrumentos em um nvel concreto,

    contudo sem mediao simblica.

    A linguagem um dos instrumentos bsicos criados e vivenciados pelo homem.

    Reconhecendo esse dado, Vigotski (2001) menciona especificamente duas funes bsicas da

    linguagem. A primeira a comunicao:

    A linguagem origina-se em primeiro lugar como meio de comunicao entre

    a criana e as pessoas que a rodeiam. S depois, convertida em linguagem

    interna, transforma-se em funo mental interna, que fornece os meios

    fundamentais ao pensamento da criana (VIGOTSKI, 2001, p. 114).

    O mesmo autor observa que justamente a necessidade de se comunicar e de

    solucionar problemas que fez com que o homem desenvolvesse a linguagem. Exemplifica

    essa primeira funo da linguagem com o beb que chora. Embora ele ainda no faa uso

  • 36

    apropriado da linguagem, mesmo de uma forma rudimentar, est se comunicando com os

    membros de sua espcie. Vigotski (2001) postula que a segunda funo da linguagem, a qual

    denomina pensamento generalizante, surge mais tarde no desenvolvimento infantil. Trata-se

    do momento em que a linguagem une-se com o pensamento, em uma relao estreita e forte.

    Quando a criana capaz de nomear objetos, animais, pessoas e plantas, ela realiza um ato de

    classificao dos objetos, agrupando-os em uma mesma categoria que os distingue uns dos

    outros. Isso representa uma transposio qualitativa na relao humana com o mundo, porque

    se evidencia a capacidade de abstrao, generalizao e classificao, devido a um aparato

    composto de signos e instrumentos relacionados, dispostos e compartilhados pelos membros

    sociais do grupo: a linguagem.

    Em suas investigaes, Vigotski (2000a) sustenta que, nos momentos de

    enfrentamento de problemas e dificuldades, a criana de quatro a cinco anos de idade emite

    uma fala no dirigida ao seu interlocutor; assim, ela pronuncia os fatos, as aes, como se os

    estivesse reproduzindo verbalmente. Conforme demonstrou o autor, quando a criana atua

    dessa forma, verifica-se a ao explcita da linguagem como mediadora na conduta, por meio

    do movimento de relaes verbais, capazes de auxiliar na resoluo de um problema

    complicado. Assim, inicialmente, a criana fala em voz alta para si mesma e, aos poucos, essa

    fala vai se atenuando, transformando-se em sussurro at se tornar uma fala interna.

    A comunicao realizada inicialmente entre as pessoas, aos poucos, vai sendo

    internalizada e se torna, para a criana, um instrumento do pensamento. Dessa forma, a

    criana fala para si mesma, fazendo uso de um discurso interior, em que se concretiza o falar

    para si mesma. Corrobora-se, assim, a ideia defendida por Vigotski (2000a) de que a

    linguagem um instrumento do pensamento e a criana faz uso desse instrumento como base,

    na tentativa de superar uma dificuldade ou solucionar um determinado problema. Trata-se da

    linguagem em sua funo de comunicao, de interao social, de sua efetivao por meio dos

    gestos corporais, faciais e dos sons. Enfim, o referido autor, postula que o pensamento infantil

    parece se desenvolver por um caminho e a linguagem por outro na idade inicial. Contudo, em

    uma dada ocasio, esses caminhos se interligam, fazendo com que a linguagem se

    intelectualize, ao unir-se ao pensamento. Por sua vez, o pensamento se verbaliza, ao unir-se

    linguagem. A internalizao da linguagem desencadeia, desse modo, a organizao e o

    desenvolvimento do pensamento da criana.

    O significado de uma palavra o resultado da relao estreita entre pensamento e

    linguagem. O significado de cada palavra refere-se a uma generalizao ou a um conceito;

    portanto, a ao de generalizar, de atribuir um significado, consiste em uma ao do

  • 37

    pensamento. Para Vigotski, a linguagem peculiar espcie humana e fundamental para o

    desenvolvimento das funes psicolgicas superiores. Entretanto, o autor ressalta que ela no

    nasce com o sujeito, nem mesmo sua formao acabada, uma vez que vai se elaborando aos

    poucos. O mesmo autor postula que o desenvolvimento psicolgico ocorre em nvel da

    filognese, da ontognese, da sociognese e da micrognese2.

    Assim, no momento em que os caminhos da linguagem e os do pensamento se

    encontram, eles se unem, se relacionam e, da por diante, pensamento e linguagem seguem

    juntos por um novo caminho, representando um importante elemento do funcionamento

    psicolgico humano. Quando isso ocorre, a criana passa a ser capaz de transitar por um

    sistema simblico. Ela se torna capaz de imaginar, criar, inventar, passar por fatos passados

    ou atuais, fazendo uso de recursos verbais e de direcionar sua fala s pessoas presentes ou

    ausentes, em seu espao ou campo perceptual. Essa capacidade consiste na segunda funo

    inicial da linguagem, que o que Vigotski chamou de pensamento generalizante, ou seja, uma

    inteligncia, um pensamento de carter simblico. Dessa forma, a relao entre o pensamento

    e a linguagem contnua, evidenciando uma estreita e complexa afinidade, a qual permite que

    o pensamento se concretize por meio das palavras.

    Como a criana nasce em um meio falante, a linguagem oral algo que lhe externo.

    Mas, aos poucos, ela se apropria da linguagem, em um movimento que parte do externo para

    o interno. Vigotski denomina a forma inicial do uso da linguagem de fala socializada, que se

    trata da fala da criana com os outros que a rodeiam, consistindo em uma fala externa

    criana, com a funo da linguagem, que a de comunicao. Na relao da criana com o

    outro, passa a existir a linguagem interior, que o ponto mais elevado no desenvolvimento da

    linguagem. Ocorre a apropriao de um aparato simblico, na esfera psicolgica, interna, no

    sendo mais necessria que a criana fale alto. Nesse momento, o pensamento percebido

    mentalmente nas palavras, nos conceitos. Dessa maneira, a oralidade permite o trnsito com o

    plano simblico, no campo psicolgico.

    Vigotski (1994), em seus experimentos, comprovou o significado decisivo da

    linguagem na formao dos processos mentais, ao investigar etapas bsicas do

    desenvolvimento desses processos complexos, por meio da organizao da linguagem.

    Concluiu tambm que o desenvolvimento mental humano tem origem na comunicao verbal

    entre a criana e o adulto e que a palavra contribui para a organizao