UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE EDUCAÇÃO Regina de ... · que, mesmo sendo criança, já...
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UNIVERSIDADE DE SO PAULO
FACULDADE DE EDUCAO
Regina de Jesus Chicarelle
O lugar da fala da criana na ao docente em instituies de educao infantil
So Paulo
2010
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REGINA DE JESUS CHICARELLE
O lugar da fala da criana na ao docente em instituies de educao infantil
Tese apresentada Faculdade de Educao da
Universidade de So Paulo para obteno do
ttulo de Doutora em Educao
rea de concentrao: Psicologia e Educao
Orientadora: Prof. Dr. Marieta Lcia Machado
Nicolau
So Paulo
2010
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Autorizo a reproduo e divulgao total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio
convencional ou eletrnico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.
Dados Internacionais de Catalogao-na-Publicao (CIP)
Chicarelle, Regina de Jesus
C532l O lugar da fala da criana na ao docente em
instituies de educao infantil.- Maring,2010.
223 f. : il.
Orientadora : Prof. Dr. Marieta Lcia Machado Nicolau
Tese(Doutorado em Educao) - Universidade de So Paulo,
Faculdade de Educao, rea de concentrao: Psicologia e
Educao, 2010.
1. O lugar da fala. 2. Ao docente. 3. Educao
infantil. I. Universidade de So Paulo. Faculdade de
Educao. rea de concentrao: Psicologia e Educao. II.
Ttulo.
CDD 21.ed.370
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CHICARELLE, Regina de Jesus
O lugar da fala da criana na ao docente em instituies de educao infantil
Tese apresentada Faculdade de Educao da
Universidade de So Paulo para obteno do
ttulo de Doutora em Educao
rea de concentrao: Psicologia e Educao
Aprovado em:
Banca Examinadora
Prof. Dr. ______________________________ Instituio: ____________________________
Julgamento: ___________________________ Assinatura: ____________________________
Prof. Dr. ______________________________ Instituio: ____________________________
Julgamento: ___________________________ Assinatura: ____________________________
Prof. Dr. ______________________________ Instituio: ____________________________
Julgamento: ___________________________ Assinatura: ____________________________
Prof. Dr. ______________________________ Instituio: ____________________________
Julgamento: ___________________________ Assinatura: ____________________________
Prof. Dr. ______________________________ Instituio: ____________________________
Julgamento: ___________________________ Assinatura: ____________________________
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Dedico esta produo
Ao Guilherme, que em sua pouca idade, porm na grandeza de ser criana, se faz uma fonte
de inspirao.
Ao Carlos, meu amado, como tributo em sua memria.
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AGRADECIMENTOS
Marieta Lcia Machado Nicolau, pela orientao competente, permeada de acolhimento e
amizade. Sua postura profissional instigou-me a conhecer e trilhar outros caminhos e olhar
uma situao de outras perspectivas;
s professoras Dra Maria Adlia Ferreira Mauro e Dr
a Elisabeth Ramos da Silva pelas
valiosas contribuies no exame de qualificao, as quais fizeram com que eu prosseguisse
com mais clareza e objetividade cientfica;
Aos meus pais, Maria e Domingos, pela simplicidade e sabedoria em viver e aos meus irmos,
Luzia, Aparecido, Paulo, Aparecida Antonio e Daniel, que, de forma muito diferente e
especial, me ajudaram neste processo de formao e nos momentos difceis. Com
particularidade Cidinha e L, as quais representam um alento em minha vida e me fazem
crer que a fora que nos une localiza-se muito mais do que laos sanguneos;
s cunhadas, cunhados, sobrinhos e sobrinhas, pelas alegrias que me proporcionaram e por
terem estado sempre presentes durante esta investigao;
s amigas especiais, urea, Maria Anglica, Silvia, Tnia, Teresinha, Maria Paula, Maria de
Jesus e Marta, pelo apoio nos tempos complicados e de dor. Pelas preciosas contribuies
intelectuais, pelo carinho e pela amizade nestes anos que se passaram.
s colegas de doutorado e de orientao, Ana Teresa, Shelly e Beatriz, que se transformaram
em verdadeiras amigas no decorrer deste percurso.
Aos professores do Departamento de Teoria e Prtica da Educao da UEM, especialmente
aos da rea de Prtica de Ensino, por terem assumido minhas atividades, permitindo a
realizao do doutorado com dedicao exclusiva;
Universidade Estadual de Maring, pela oportunidade concedida de afastamento das
atividades docentes para que me dedicasse a esta formao;
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Universidade de So Paulo e ao Programa de Ps-Graduao/FE, pela formao que obtive.
Secretaria de Educao do Municpio pesquisado, pela autorizao e efetivao desta pesquisa;
s equipes pedaggicas das trs instituies municipais de educao infantil pesquisadas,
pela abertura, pelo consentimento e pelas contribuies, para a concretizao da coleta de
dados desta pesquisa;
s professoras e atendentes de creches, bem como s crianas do Pr I das trs turmas
pesquisadas, pela permisso para serem sujeitos desta investigao;
Irani e Patrcia (PEC), pelas inmeras ajudas na viabilizao de materiais e mensagens
realizadas com muita gentileza, empenho e alegria;
Fundao Araucria, que contribuiu com apoio financeiro a algumas viagens durante o curso.
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Um caminho percorrido, a percorrer, a conhecer...
Atualmente, avalio-me como uma profissional envolvida em um contnuo processo de
construo e reconstruo de conhecimentos prticos e tericos. Busco, por meio da pesquisa
e do trabalho docente, em conjunto com meus pares, solucionar problemas e responder a
questes na rea da educao. Considero, como princpios bsicos, aqueles cuja fora mais
ntima movimentam minha vida a cada dia, como mulher, me, viva, filha, irm, amiga e
profissional da educao: a persistncia e a esperana.
Se pudesse voltar no tempo, resgataria uma poca, quando cursava a quarta srie, em
que, mesmo sendo criana, j alfabetizava minha irmzinha, a qual iria entrar na primeira
srie no ano seguinte. Eu a alfabetizava brincando de escolinha, pois no havia pr-escola
pblica naquela cidade. Desde ento, a nica certeza que tinha de que um dia seria
professora de verdade! Adorava aquele faz-de-conta, que, para mim, significava tudo o que
entendia de seriedade. Acho que, de certo modo, com todas as dificuldades econmicas,
sociais e culturais, fui trilhando esse caminho sonhado desde a infncia.
Se pudesse voltar no tempo mais um pouquinho, resgataria meus sete anos, quando,
muitas vezes, acompanhava meus irmos mais velhos escola, assistia s aulas sentadas no
cho, no assoalho, pois no havia carteiras sobrando. Prestava ateno em tudo e tentava fazer
por imitao algumas coisas que os alunos faziam, que a professora solicitava. Eu era
ouvinte, no estava matriculada. A escola rural era composta de apenas uma sala de aula,
um vasto campo, gramado e estava perdida em meio a uma paisagem de vegetao. Ficava
prxima a uma estradinha rural, com uma rea de mata nativa de um lado e, do outro, uma
imensa plantao agrcola e pastos repletos de gados. Na sala de aula, a professora trabalhava
com alunos desde a primeira at a quarta srie. Havia uma fila de alunos para cada srie. Eu
me sentava no cho
Em meados daquele ano, meus pais venderam sua propriedade rural e fomos todos
morar na cidade. Na escola rural, no havia vagas para eu iniciar a primeira srie. Quando
chegamos cidade, havia vaga, mas como eu no estava estudando, no estava matriculada
em srie alguma. Tive, ento, que aguardar o trmino daquele ano. Somente com oito anos
que fui matriculada na primeira srie.
Com treze anos, obtive a autorizao do juiz da vara da infncia para estudar no
perodo da noite, para que pudesse trabalhar durante o dia. Assim, todos os anos se seguiram
com trabalho o dia todo e estudo noite. Ao chegar ao Ensino Mdio, no tive dvida quanto
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opo de curso: Magistrio, curso que sempre almejei. Contudo, naquela cidade, o
Magistrio s funcionava no perodo da manh, fato que me deixava em total desespero,
porque precisava trabalhar e fazer o curso, simultaneamente. Aps permanecer dois anos sem
estudar, dei um jeito de sair da cidade para que pudesse realizar o curso com o qual me
identificava, j pensando tambm na faculdade, que tambm no existia naquela cidade. Foi
nesse perodo que fui morar em So Paulo.
J estabelecida em So Paulo, comecei um trabalho como educadora infantil em
uma obra social conveniada com a Prefeitura de So Paulo (Assistncia Social) e vinculada
Pastoral do Menor. Essa obra desenvolvia um servio pedaggico e de assistncia social com
crianas que moravam especificamente nos cortios da regio prxima ao centro de So
Paulo. Enquanto era Educadora nessa Instituio, cursava o Magistrio. As experincias
foram extremamente valiosas e incontveis.
No decorrer dos anos, iniciei o curso de Pedagogia e comecei a trabalhar com crianas
de Educao Infantil em uma escola particular, cujos princpios educacionais eram baseados
na Pedagogia Waldorf. Foi uma experincia muito especial e que contribuiu para meu
desenvolvimento profissional. No permaneci trabalhando por muito tempo nessa escola, pois
muitos pontos em seus fundamentos educacionais eram incoerentes com aqueles nos quais eu
acreditava. Enquanto trabalhava na referida escola, fui chamada para assumir o cargo de
professora do Ensino Fundamental, na Rede Municipal de So Paulo.
Realizar o curso de Pedagogia significou para mim a realizao de um sonho de uma
vida inteira. Por isso, estudei com muita alegria, entusiasmo e nunca pensei que estava sendo
difcil ou sacrificante. Tive professores muito competentes, srios e comprometidos com a
formao do Pedagogo. Aproveitei ao mximo, em todos os sentidos, os conhecimentos que o
curso me proporcionava. Por aproveitar, da melhor forma, todas as oportunidades e, de certa
forma, busc-las, fiz por dois anos consecutivos a Iniciao Cientfica, com bolsa de estudos
oferecida pela Universidade. Nessa fase, tinha o pensamento direcionado para a formao dos
futuros profissionais da educao. Assim, minha inteno era me preparar para atuar no
ensino superior.
A Especializao surgiu como consequncia das atividades de Iniciao Cientfica, de
modo a aprofundar o aprendizado do fazer cientfico. Essa mesma necessidade permaneceu no
Mestrado, por meio da busca do aprimoramento docente e da aprendizagem relacionada a
pesquisas na rea educacional. Com a concluso do Mestrado, iniciei o trabalho como
professora em duas universidades particulares de So Paulo.
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Em 2002, fui convocada, por meio de um concurso pblico, para atuar na rea de
Prtica de Ensino, no curso de Pedagogia da Universidade Estadual de Maring.
Cursar o Doutorado significa, sobretudo, no me distanciar da realidade educativa,
tanto da Educao Bsica, especialmente da Educao Infantil, como da formao, no Ensino
Superior, dos futuros Pedagogos que iro atuar na realidade, enfoque da Prtica de ensino.
Penso que o Curso de doutoramento surgiu como decorrncia dos estudos e dos trabalhos
como docente na rea educacional, mas, acima de tudo, responde a uma necessidade de
continuidade na formao, que, nesse momento, encontra-se muito mais direcionada ao
aprimoramento cientfico.
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RESUMO
CHICARELLE, R. J. O lugar da fala da criana na ao docente em instituies de
educao infantil. 2010. 223 f. Tese (Doutorado)Faculdade de Educao, Universidade de
So Paulo, So Paulo, 2010.
O objetivo geral da presente pesquisa compreender e identificar o lugar que ocupa a fala da
criana na ao docente realizada em instituies de educao infantil. Os objetivos
especficos so: 1) evidenciar a importncia atribuda fala da criana na ao docente; 2)
avaliar os fatores que dificultam ou favorecem a apropriao, o desenvolvimento e a
ocorrncia da fala da criana em seu ambiente escolar; 3) analisar as influncias da ao
docente no desenvolvimento e alargamento do lugar da fala da criana em seu ambiente
educativo. Buscou-se a fundamentao acerca da fala nos argumentos e pressupostos das
teorias psicolgicas de Vigotski, Piaget e Wallon. So abordados alguns estudiosos
divulgadores dessas teorias, bem como alguns interlocutores atuais de cada uma delas. Nessas
trs perspectivas tericas, o ser humano visto como um ser ativo, em processo de construo
de si mesmo e de seu meio. Buscou-se, tambm, aprofundar estudos a respeito de questes
concernentes conceituao e contextualizao de criana e infncia, educao infantil,
polticas pblicas e legislao, formao e ao docente, bem como questes relativas ao
atendimento s necessidades especficas da criana da educao infantil. Trata-se de uma
pesquisa de campo, que se concretiza sob enfoque qualitativo. Para tanto, procedeu-se
observao dos sujeitos, consulta dos documentos e coleta de informaes concedidas
pelos profissionais de trs instituies municipais de educao infantil do norte do Paran. Os
sujeitos da pesquisa foram crianas de quatro anos e suas respectivas professoras e atendentes
de creche. Definiu-se um critrio de anlise para as situaes observadas, divididas em dois
grandes agrupamentos: no primeiro, esto as situaes em que se demonstrou a no
intencionalidade docente de promover a participao da criana por meio da fala; no segundo,
esto as situaes em que se demonstrou a intencionalidade docente em promover a
participao da criana, envolvendo-a por meio da fala nas atividades realizadas. Nas
situaes do primeiro agrupamento, constatou-se uma prtica pedaggica dissociada das
atividades que compem as dimenses das funes da educao infantil e, consequentemente,
da ao docente da educao infantil de cuidar e educar. No segundo agrupamento, foi
necessrio delimitar os dados em duas grandes categorias: a fala e a participao. Assim, a
partir dos dados, foram obtidos, para cada categoria, diferentes tipos de fala, bem como tipos
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de participao, tanto da criana como da docente, o que resultou em diferentes tipos de fala e
de participao da criana e da docente. Constatou-se que a participao e a fala da docente
possuem ao decisiva na fala e participao da criana. Evidenciou-se precariedade na
qualidade das conversas, ausncia de conversas, autoritarismo da docente com as crianas,
ausncia da proposio de liberdade e de oportunidades, restringindo-se, cada vez mais, um
possvel lugar da fala da criana. De modo geral, os dados demonstraram a inexistncia da
relao da criana com o adulto, de forma a contribuir para o desenvolvimento e alargamento
do lugar de sua fala. Finalmente, constatou-se que, em trs situaes, a docente, de forma
muito simples, envolveu as crianas em diferentes conversas, em um mundo imaginrio,
proposto nas diferentes brincadeiras. Esse tipo de ao representou pistas importantes ao
docente na educao infantil, apontadas como preponderantes no alargamento do lugar da fala
da criana, desencadeando o seu desenvolvimento integral.
Palavras-chave: O lugar da fala. Ao docente. Educao infantil.
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ABSTRACT
CHICARELLE, R. J. The place of children's discourse in teaching activities in
kindergartens. 2010. 223 f. Tese (Doutorado)Faculdade de Educao, Universidade de So
Paulo, So Paulo, 2010.
Current research aims at understanding and identifying the place that childrens discourse
occupies in teaching activities in children educational institutions. Specific aims comprise 1)
the importance given to childrens discourse in teaching activities; 2) the evaluation of factors
that impair or favor the appropriation, development and occurrence of childrens discourse
within the school environment; 3) the influences of teaching activities in the development and
the broadening of the place of child discourse in an educational environment. Arguments and
presuppositions of Vygotskys, Piagets and Wallons psychological theories were the bases
for investigation on discourse, coupled to those formulated by other developers and by current
interlocutors of the above theories. Within the context of the three theoretical perspectives,
human beings are perceived as active beings in the process of building themselves and their
environment. Issues on the concept and context of children and childhood, child education,
public policies and legislations, teacher formation and activities, attendance to the specific
needs of the child in children education were deepened. Actually it is a field research under a
qualitative focus. Subjects observation, consultation of documents and information ceded by
professionals of three municipal institutions for child education in the northern region of the
state of Paran, Brazil, were employed. The subjects were four-year-old children and their
teachers and attendants in a kindergarten. A criterion for the analysis of situations in two big
groupings was prepared: first, situations which show teachers non-intentionality to promote
childrens participation through discourse; second, situations which show teachers
intentionality in promoting and involving childrens participation through discourse in
suggested activities. In situations of the first grouping a dissociated pedagogical practice
exists with regard to activities in which the dimensions of child educations functions and
teaching activities of caring and educating in child education are composed. The restriction of
data in two big categories was required in the second grouping: speech and participation.
Different types of childrens and teachers discourse and participation were obtained for each
category, with different types of childrens and teachers discourse and participation. Results
show that the teachers participation and discourse have a decisive effect on childrens
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discourse and participation. Quality of discourse was poor, coupled to lack of conversation
and to the teachers authoritarianism with the children, without any suggestion of freedom and
opportunity. These facts restrict more and more a possible space for childrens discourse. Data
showed the lack of relationship between the child and the adult that would contribute towards
the development and broadening of a space for discourse. There were three situations in
which the teacher engaged the children, in a rather simple way, within three conversations,
involving an imaginary world, in three different games. They are actually important ways in
teaching activities in children's education and may be characterized as actions capable of
favoring discourse space broadening, giving opportunity to childrens speech and triggering
their integrated development.
Keywords: The place of discourse. Teaching activities. Children's education.
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LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Sujeitos crianas organizados por instituio e gnero Pr I ............... 103
Quadro 2 Sujeitos docentes das trs turmas de Pr I pesquisadas, com seus
respectivos cargos, instituies e turnos ................................................. 103
Quadro 3 Cargos, formao e carga horria dos profissionais da Educao
Infantil da Instituio A .......................................................................... 104
Quadro 4 Cargos, formao e carga horria dos profissionais da Educao
Infantil da Instituio B .......................................................................... 105
Quadro 5 Cargos, formao e carga horria dos profissionais da Educao
Infantil da Instituio C .......................................................................... 105
Quadro 6 Turmas, contedos e desdobramentos do trabalho realizado na
educao infantil ..................................................................................... 110
Quadro 7 Turmas e funcionrios da Instituio A .................................................. 112
Quadro 8 Turmas e funcionrios da Instituio B .................................................. 113
Quadro 9 Turmas e funcionrios da Instituio C .................................................. 114
Quadro 10 Data, instituio e durao da observao; turno; profissional e
situao/atividade do 1 agrupamento; profissional e situao/atividade
do 2 agrupamento .................................................................................. 119
Quadro 11 Siglas para identificao dos sujeitos ..................................................... 130
Quadro 12 Identificao dos sujeitos, data da observao e atividades
desenvolvidas ......................................................................................... 131
Quadro 13 Categorias, aplicao das categorias aos sujeitos, tipos de fala e de
participao da criana e da docente, identificao das situaes e
sujeitos correspondentes ......................................................................... 134
Quadro 14 Categorias, tipos de fala e de participao da criana e da docente, e
identificao das situaes e dos sujeitos correspondentes .................... 136
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SUMRIO
1 INTRODUO ............................................................................................... 17
2 ALGUNS PRESSUPOSTOS PSICOLGICOS DA INFNCIA E SUAS
CONTRIBUIES PARA A COMPREENSO DO LUGAR DA FALA
DA CRIANA NA AO DOCENTE ........................................................ 22
2.1 PRESSUPOSTOS VIGOTSKIANOS .............................................................. 22
2.1.1 A interao ....................................................................................................... 24
2.1.2 A mediao, os signos e os instrumentos ....................................................... 25
2.1.3 A linguagem e o pensamento .......................................................................... 26
2.2 PRESSUPOSTOS PIAGETIANOS ................................................................. 39
2.2.1 A interao, a construo e o conhecimento ................................................. 40
2.2.2 A ao ............................................................................................................... 44
2.2.3 A linguagem ..................................................................................................... 48
2.2.4 As relaes ....................................................................................................... 54
2.3 PRESSUPOSTOS WALLONIANOS .............................................................. 58
2.3.1 A interao ....................................................................................................... 59
2.3.2 A pessoa ........................................................................................................... 61
3 A CRIANA E O LUGAR DE SUA FALA NA SOCIEDADE
BRASILEIRA CONTEMPORNEA ........................................................... 70
3.1 A INFNCIA: PRESSUPOSTOS HISTRICOS ........................................... 70
3.2 O ATENDIMENTO CRIANA EM INSTITUIES EDUCACIONAIS
BRASILEIRAS ................................................................................................. 73
3.3 A FORMAO E A AO DO PROFISSIONAL DA EDUCAO
INFANTIL ........................................................................................................ 87
4 PARA IDENTIFICAR O LUGAR DA FALA DA CRIANA NA AO
DOCENTE: PRESSUPOSTOS METODOLGICOS ............................... 95
4.1 PROCEDIMENTOS TICOS .......................................................................... 95
4.2 PRINCPIOS INVESTIGATIVOS E SEU DELINEAMENTO ...................... 96
4.3 OS SUJEITOS DESTA PESQUISA: A CRIANA E A DOCENTE ............. 101
4.4 OS CENTROS MUNICIPAIS DE EDUCAO INFANTIL: AS
INSTITUIES LOCAIS DE COLETA DE DADOS .................................... 107
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4.4.1 O Centro Municipal de Educao Infantil Instituio A ......................... 112
4.4.2 O Centro Municipal de Educao Infantil Instituio B ......................... 113
4.4.3 O Centro Municipal de Educao Infantil Instituio C ......................... 114
4.4.4 Descrio da sala do Pr I Instituio A .................................................... 114
4.4.5 Descrio da sala do Pr I Instituio B .................................................... 115
4.4.6 Descrio da sala do Pr I Instituio C .................................................... 115
4.5 CRITRIOS PARA A ORGANIZAO, DESCRIO E ANLISE DOS
DADOS ............................................................................................................. 116
4.5.1 Descrio e anlise das situaes do primeiro agrupamento ...................... 121
4.5.1.1 A higienizao: uso do sanitrio, lavao das mos, o despertar do sono e a
arrumao pessoal, a escovao dos dentes e o projeto sobre higiene bucal ......... 121
5.5.1.2 As refeies: caf, almoo, lanche e jantar ....................................................... 123
4.5.1.3 O recreio das crianas e o intervalo das docentes ............................................. 126
4.5.1.4 O sono ............................................................................................................... 127
4.5.1.5 A chegada das crianas instituio e a espera pela docente; a espera pelos
pais e a sada das crianas da instituio .......................................................... 128
4.5.2 Descrio e anlise das situaes do segundo agrupamento ....................... 130
5 EM BUSCA DAS EVIDNCIAS QUE REVELAM O LUGAR DA
FALA DA CRIANA NA AO DOCENTE ............................................. 134
5.1 A FALA ............................................................................................................ 136
5.1.1 A fala da criana ............................................................................................. 136
5.1.1.1 Tipo de fala da criana: choros, brigas, todos falando ao mesmo tempo, em
tom alto, fazendo muito barulho ....................................................................... 137
5.1.1.2 Tipo de fala da criana: conversas entre as crianas, em brincadeiras nas
quais expressaram os prprios desejos, necessidades, sentimentos,
pensamentos, produes e conquistas; muitas interaes, com todas as
crianas participando da atividade, falando, cantando e se movimentando
com alegria, satisfao e interesse .................................................................... 141
5.1.1.3 Tipo de fala da criana: poucas palavras ou frases curtas e fragmentadas,
para responder s exigncias ou indagaes da docente, quando solicitado .... 145
5.1.2 A fala da docente ............................................................................................. 148
5.1.2.1 Tipo de fala da docente: fala com uma tonalidade de voz alta e estridente;
nervosismo; severidade; rigidez na imposio de regras, autoritarismo e
comando, perda de controle da orientao da turma ......................................... 148
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5.1.2.2 Tipo de fala da docente: poucas palavras, gestos corporais e faciais; ouviu a
fala da criana somente para negar ou permitir algo a ela; ouviu algumas
crianas, mas no respondeu nada; no conversou com as crianas ................. 152
5.2 A PARTICIPAO ......................................................................................... 156
5.2.1 A participao da criana .............................................................................. 156
5.2.1.1 Tipo de participao da criana: ajuda mtua entre as crianas; brincar
juntos; tranquilidade e concentrao na realizao da atividade; alegria,
satisfao e interesse das crianas pela atividade ............................................. 156
5.2.1.2 Tipo de participao da criana: desobedincia, indisciplina; insatisfao,
desinteresse, agitao; ficar calado ou isolado ................................................. 159
5.2.1.3 Tipo de participao da criana: ausncia de orientaes da docente para a
realizao da atividade; organizao prpria das crianas ............................... 165
5.2.2 A participao da docente .............................................................................. 166
5.2.2.1 Tipo de participao da docente: tomou conhecimento das falas e dos
assuntos das crianas somente quando perguntou e a criana respondeu em
voz alta; ouviu a fala das crianas com aflio, s para cumprir a formalidade
da atividade ....................................................................................................... 166
5.2.2.2 Tipo de participao da docente: organizao das atividades e intervenes
docentes que facilitaram a participao das crianas; expresso de afeto,
amizade, confiana, segurana e ateno com a criana; satisfao com o
trabalho ............................................................................................................. 173
5.2.2.3 Tipo de participao da docente: desateno s falas das crianas; atividades
propostas no exigiram preparao, planejamento, esforo nem dedicao da
docente; ausncia de iniciativa; aspereza; insegurana nas decises e aes;
cansao; desnimo; desinteresse com relao s atividades realizadas;
descontinuidade e fragmentao dos contedos desenvolvidos nas atividades;
ausncia de experincias prticas dos contedos expostos pelas falas dos
docentes ............................................................................................................ 175
5.2.2.4 Tipo de participao da docente: cuidou das crianas, observando-as de
longe, com a inteno de que elas no se machucassem ou brigassem ............ 184
6 CONSIDERAES FINAIS E POSSVEIS ENCAMINHAMENTOS .... 188
REFERNCIAS .............................................................................................. 212
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17
1 INTRODUO
A linguagem em ambiente escolar uma questo que sempre foi objeto de reflexo em
minha atuao como professora de Educao Infantil e Ensino Fundamental. O interesse por
essa temtica se intensificou a partir do momento em que comecei a lecionar no ensino
superior, na Disciplina de Prtica de Ensino em Educao Infantil, no Curso de Pedagogia da
Universidade Estadual de Maring, em virtude do contato dirio com a prtica dos professores
dos Centros de Educao Infantil, no acompanhamento de acadmicos estagirios.
Em minhas atividades como docente-orientador, cotidianamente me deparava com
situaes em que as crianas apresentavam grande dificuldade relacionada fala, j que essa
linguagem uma das mais utilizadas pela criana pequena.
Esses fatos levaram-me a refletir sobre possveis agentes desencadeadores dessas
dificuldades das crianas. Foi ento que comecei a me perguntar: as crianas tm
oportunidade de falar, de expressar seus sentimentos, suas ideias, seus desejos, suas
necessidades, suas produes, suas conquistas e seu pensamento no ambiente escolar de
serem ouvidas? As crianas tm espao para falar e serem ouvidas? So incentivadas a se
expressar? O que elas falam tem valor diante da docente e das outras crianas? Por outro lado,
era comum observar as crianas muito falantes entre si. Nesses casos, vinham-me as seguintes
questes: o que elas esto dizendo? As professoras sabem o assunto das conversas dos
pequenos? Por que lano essas questes? Geralmente, quando as crianas estavam
conversando, as professoras buscavam cont-las com frases, tais como: faa silncio! Comam
quietos! Agora no hora de falar; hora de fazer a atividade! Compondo esse quadro, as
profissionais, na maioria das vezes, mantinham-se distantes das crianas, conversando com
outros adultos ou, simplesmente, olhando as crianas distncia. Esses fatores parecem-me
at mesmo ser um empecilho para que as profissionais acompanhem as expresses infantis
com acuidade.
Tais questes desencadearam a necessidade de refletir acerca da interveno
pedaggica dos profissionais que atuam diretamente com a criana de educao infantil, no
sentido de que esta investigao, alm de evidenciar a referida problemtica, possa,
principalmente, contribuir, como subsdio terico-prtico, para o trabalho pedaggico com os
futuros profissionais em formao no nvel superior, bem como com aqueles que j atuam
nesse nvel de ensino.
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18
necessrio, todavia, considerar que o termo linguagem amplo e pode ser discutido
por diversas reas, contendo, portanto, diferentes enfoques. Do mesmo modo, diversas reas
do conhecimento, muitas vezes, denominam linguagem para se referirem linguagem
matemtica, artstica, da dana, dentre outras. Mesmo na rea da psicologia, a linguagem
humana tambm compreendida sob diferentes aspectos: linguagem oral, gestual, corporal e
escrita. Nesta pesquisa, a temtica geral linguagem delimitada, contemplando,
especificamente, a fala, a expresso oral da criana da faixa etria da educao infantil.
Nesse contexto, de fundamental importncia buscar responder a essas instigantes
questes. Para tanto, estabelecido como objetivo geral da presente pesquisa: compreender
e identificar o lugar que ocupa a fala da criana na ao docente realizada em
instituies de educao infantil. Como objetivos especficos, so destacados os seguintes:
1) Evidenciar a importncia atribuda fala da criana na ao docente; 2) Avaliar os
fatores que dificultam ou favorecem a apropriao, o desenvolvimento e a ocorrncia da
fala da criana em seu ambiente escolar; 3) Analisar as influncias da ao docente no
desenvolvimento e alargamento do lugar da fala da criana em seu ambiente educativo.
Para alcanar esses objetivos, apresentados na seo 2 deste estudo, buscou-se a
fundamentao acerca da fala, nos argumentos e pressupostos nas teorias psicolgicas de
Vigotski1, Piaget e Wallon, nas quis o ser humano visto como um ser ativo, em processo de
construo de si mesmo e de seu meio. So abordados alguns estudiosos colaboradores,
contemporneos aos referidos autores dessas teorias, bem como alguns interlocutores atuais
de cada uma delas.
Buscou-se, tambm, na seo 3 desta pesquisa, apresentar os estudos a respeito de
questes concernentes conceituao e contextualizao de criana e infncia, educao
infantil, polticas pblicas e legislao, formao e ao docente, bem como questes relativas
ao atendimento s necessidades especficas da criana da educao infantil.
Na seo 4 desta pesquisa, apresenta-se o delineamento metodolgico. Procurou-se em
por meio da descrio e anlise dos dados dar coerncia ao referencial terico anteriormente
anunciado. Isso pelo fato de tratar-se de uma pesquisa de campo, a qual se concretiza sob
enfoque qualitativo, como destacam Ldke e Andr (1996), por ressaltar os dados subjetivos
relacionados aos significados presentes no processo de apropriao de conhecimento. Com
propsitos de interpretao, anlise e identificao da situao prtica em que os sujeitos se
1 Grafa-se, nesta investigao, Vigostski quando for escrito fora dos parnteses, de acordo com o discutido e
combinado no Congresso Internacional Histrico-Cultural, realizado em Campinas em 2000, e quando for
escrito dentro dos parnteses, ser grafado conforme o texto ou a citao em que o nome estiver inserido.
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19
encontram, no que tange ao lugar da fala infantil e ao docente, utilizou-se, como mtodo
de coleta de dados, a observao. Conforme sustenta Trivins (1987), tal mtodo revela-se
fundamental em estudos de carter qualitativo. Nas observaes, buscou-se focar as situaes
que compem a ao docente, bem como aquelas vivenciadas pela criana em seu ambiente
educacional.
Foram bases para a coleta de dados as aes educativas, as relaes construdas e
realizadas com a criana, especificamente enfatizando-se aquelas direcionadas fala da
criana. Embora diferentes profissionais estivessem presentes em alguns momentos das
observaes, nem todos se constituram em sujeitos desta investigao. Sendo assim, os
sujeitos desta pesquisa so crianas de quatro anos e suas respectivas professoras e atendentes
de creche. Duarte (2002) ressalta que, no caso das investigaes de carter qualitativo, os
sujeitos tm uma importncia imprescindvel, na medida em que intervm decididamente em
todo o processo de pesquisa. Nesse sentido, Bogdan e Biklen (1994) destacam que, na
concepo qualitativa, um dos principais aspectos o fato de despender grande valorizao
dos sujeitos como atores sociais.
A pesquisa envolveu trs turmas da referida faixa etria da educao infantil, uma de
cada centro de educao infantil (CMEI) de uma cidade do norte do Paran. Assim, os trs
centros de educao infantil constituram os locais de coleta de dados. Foram utilizadas
tambm as informaes concedidas pelos profissionais das instituies para a construo da
caracterizao dos sujeitos e dos locais de coleta de dados. A consulta aos documentos, como
o Regimento Escolar, a Proposta Curricular da referida rede e os Planejamentos: o geral da
rede, os das unidades educacionais e os especficos das trs turmas observadas, os quais foram
igualmente importantes para compor os dados e analis-los.
As observaes foram realizadas, principalmente, por meio do recurso da filmagem
dos sujeitos inseridos em suas atividades de rotina, em situaes dirias e habituais, nas
instituies de educao infantil. Buscou-se registrar os diferentes momentos, as atividades,
as situaes vivenciadas pelos sujeitos nas instituies de educao infantil, tais como: a)
assembleias, relatos do cotidiano realizados pela criana, encenao do contar e ouvir
histrias, msicas cantadas; b) Desenho, escrita, pintura, modelagem; c) Brincar livre e
dirigido; d) Higienizao (banho, escovao de dentes, lavao das mos) e troca de roupas;
e) Chegada das crianas instituio ou sua sada; f) Refeio (caf da manh, almoo, lanche
da tarde, jantar); g) Sono, descanso.
Diante dos dados, percebeu-se que, em alguns tipos de situao, havia a
intencionalidade por parte da docente de envolver a criana em sua participao oral, mas em
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outros tipos de situao no havia tal intencionalidade. Frente a esse fator, o qual representa
um dado inicial da pesquisa, foi necessrio seguir um primeiro critrio de organizao dos
dados. Esse critrio se concretizou na separao das situaes observadas em dois grandes
agrupamentos.
No primeiro agrupamento, esto presentes as situaes que demonstraram a no
intencionalidade docente de promover a participao da criana por meio da fala nas
atividades realizadas. Essas situaes ficaram aglutinadas assim: a higienizao (uso do
sanitrio, lavao das mos, o despertar do sono e a arrumao pessoal, a escovao dos
dentes e o projeto sobre higiene bucal); as refeies (caf, almoo, lanche e jantar); o recreio
das crianas e intervalo das professoras; o sono; a chegada das crianas instituio e a
espera pela docente; a espera pelos pais e a sada das crianas da instituio. Na distino das
atividades do primeiro agrupamento, observou-se que no houve intencionalidade docente
direcionada promoo da participao da criana por meio da fala. Os momentos em que as
crianas falavam eram sempre interrompidos pela coero, pelo comando, pelo prprio
barulho que no permitia que um escutasse o outro. As docentes no tiveram a inteno de
promover a fala da criana, de ouvir a criana e no sabiam o que as crianas diziam nas
conversas entre si. Nas situaes do primeiro agrupamento, houve a constatao de uma
prtica dissociada, com relao s atividades que compem as dimenses do cuidar e do
educar, prprias das funes da educao infantil e da ao docente da educao infantil. Isso
pde ser visto em relao tanto ao profissional que desenvolvia tais atividades e no modo
como ele as desenvolvia, quanto durao, ao tempo que essas atividades ocupavam na rotina
dos sujeitos.
Nas situaes que compuseram o segundo agrupamento, as quais demonstraram a
inteno por parte da docente de promover a participao da criana, envolvendo-a por meio
da fala nas atividades realizadas, os sujeitos realizavam atividades, tais como: assembleias,
relatos do cotidiano realizados pela criana, encenao, o contar e ouvir histrias, msicas
cantadas; desenho, escrita, pintura, modelagem; brincar livre e dirigido.
Para a anlise dos dados na seo 5 desta pesquisa, especificamente das situaes
provenientes do segundo agrupamento, fez-se necessrio a elaborao de categorias que
traduzissem os possveis resultados. Os processos de anlise e interpretao dos dados, de
acordo com Bogdan e Biklen (1994), representam uma etapa fecunda e requerem criatividade
do investigador, para o estabelecimento de conexes entre as ideias, em resposta ao problema
proposto. Diante dos referidos dados, fez-se necessrio delimit-los em duas grandes
categorias: a fala e a participao. Assim, a partir dos dados, foram obtidos, para cada
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21
categoria, diferentes tipos de fala, bem como tipos de participao, tanto da criana como da
docente. Para a anlise dos dados do segundo agrupamento de situaes, essas duas categorias
foram utilizadas relativamente aos dois tipos de sujeito, quais sejam, a criana e a docente.
Tais categorias ficaram assim organizadas: a fala da criana e a fala da docente; a
participao da criana e a participao da docente. Quando os dados do referido
agrupamento foram aplicados a essas categorias, desencadearam-se tipos de fala e de
participao da criana e da docente.
Por fim, na seo 6 desta pesquisa, tm-se as consideraes finais e possveis
encaminhamentos. Esto presentes as possveis respostas ao problema investigativo proposto,
bem como so apontados possveis rumos ou, at mesmo, lacunas as quais esta pesquisa no
pde preencher.
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2 ALGUNS PRESSUPOSTOS PSICOLGICOS DA INFNCIA E SUAS
CONTRIBUIES PARA A COMPREENSO DO LUGAR DA FALA DA
CRIANA NA AO DOCENTE
Os pressupostos psicolgicos da infncia a serem estudados a seguir representam
alguns elementos importantes das contribuies das proposies de Vigotski, Piaget e Wallon,
bem como as discusses de estudiosos dessas teorias. Cada abordagem traz posicionamento
prprio e apresenta diferentes enfoques, que so atribudos a cada conceito elaborado; no
entanto, justamente essa distinta forma de analisar e compreender um dado, um fato, um
acontecimento que propicia subsdios de fundamentao a esta investigao. Mediante as
contribuies dessas trs ideias psicolgicas da infncia, permitem-se a compreenso acerca
do desenvolvimento da criana que se relaciona sua linguagem, especificamente fala. Cada
teoria traz tambm aporte para a discusso da ao docente com a criana de educao
infantil.
2.1 PRESSUPOSTOS VIGOTSKIANOS
Lev Semenovitch Vygotsky nasceu em 1896 em Orsha, conforme destacam, Veer e
Valsiner (1996), em uma pequena cidade da ento Unio Sovitica. Sua famlia, de origem
judaica, possua boa formao educacional, profissional, bem como recursos financeiros.
Esses fatores possibilitaram-lhe uma formao consistente desde sua infncia. Aos 18 anos,
embora tenha feito sua matrcula no curso de medicina, desistiu e optou pelo curso de direito.
Concomitantemente a esse curso, os autores anteriormente citados pontuam que Vigotski
estudou Literatura e Histria na Universidade Popular de Shanyavskii. Aos 28 anos, casou-se
com Rosa Smekhova, com quem teve duas filhas.
Desde 1917, quando concluiu suas atividades acadmicas, Vigotski teve muitas
realizaes intelectuais e profissionais, lecionando e ministrando cursos em Gomel. Em 1924,
foi morar em Moscou, onde Lecionou literatura, esttica e histria da arte, instalou um
laboratrio de Psicologia e fundou uma editora de revista literria. Vygotsky teve
reconhecimento devido ao seu vasto conhecimento em diversas reas, por suas anlises e
http://200.201.11.31:8000/cgi-bin/gw_46_7/chameleon?search=SCAN&function=INITREQ&SourceScreen=COPVOLSCR&sessionid=2010101408464327133&skin=bce&conf=.%2fchameleon.conf&lng=pt&itemu1=1003&u1=1003&t1=Veer,%20Ren%c3%a9%20van%20der,%201952-&elementcount=3&pos=1&prevpos=1&rootsearch=1&beginsrch=1http://pt.wikipedia.org/wiki/Literaturahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria
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crticas literrias, por sua capacidade de inovar e, mesmo lutando contra a tuberculose, seu
trabalho foi de ampla e profunda riqueza intelectual.
Em sua poca, como afirma Rego (1995), destacou-se pela velocidade em produzir
para alm de 200 trabalhos cientficos e pelas anlises feitas, oferecendo explicaes
provenientes do campo histrico e psicolgico das obras de arte. Foi participante ativo na
revoluo russa, de forma intelectual, por meio de suas produes e pela disseminao de suas
ideias, em busca de uma sociedade em que houvesse justia e que fosse extinta a explorao
humana. Aps a revoluo, Vigotski dedicou-se a estudos no campo da psicologia,
especialmente os voltados ao desenvolvimento das funes mentais, s influncias da cultura
na cognio, linguagem, dentre outros. Retomou os estudos na rea da Medicina e atuou
intensamente no grupo de pesquisa sobre neuropsicologia, contando, dentre seus membros,
com Alexander Luria e Alexei Nikolaievich Leontiev, os quais posteriormente deram
continuidade aos seus estudos.
Rego (1995) acrescenta que Vigotski atuou na rea da defectologia, termo atribudo
a rea que estuda as deficincias mentais e sensoriais. Ele investigou diversas causas,
direcionando estudos s atividades do sistema nervoso, bem como a assuntos relacionados
neurocincia. Foram inmeras as contribuies do autor no Instituto de Deficincias de
Moscou. Foi o instituidor da escola sovitica de psicologia histrico-cultural. A influncia
das ideias de Engels e de Marx, o fato de ter vivido perodos polticos difceis e distintos,
desde o regime de czares russos, depois a vivncia da revoluo comunista at a poltica e
ditatria stalinista foram fatores que, de alguma forma, influenciaram a produo vigotskiana.
Conforme Rego (1995), embora Vigotski estivesse de acordo com o conceito da
influncia humana, com relao cultura, expressava aos polticos do regime stalinista a
capacidade humana de transformar seu meio, gerando, assim, diferentes e novas formas de ser
e de agir. Com o acesso de Stalin ao poder, no ano de 1924, a produo intelectual do autor se
restringiu, e, em 1936, toda a sua obra foi censurada, sendo que grande parte dela foi
destruda por causa da ditadura stalinista. Essa proibio deu-se pelo fato de vincularem
Vigotski a uma ameaa idealista ao regime ditatorial, o que foi motivado pelas crticas que o
autor teceu teoria de Pavlov, com relao s potencialidades de condicionamento do meio.
O tempo de represso e censura durou 20 anos. Como afirma a autora anteriormente citada, a
tuberculose, resultou em sua morte prematura, em junho de 1934, antes mesmo de completar
38 anos, no auge de sua vida e de sua produo cientfica.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Tuberculosehttp://pt.wikipedia.org/wiki/Neuropsicologiahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Alexei_Leontievhttp://pt.wikipedia.org/wiki/URSShttp://pt.wikipedia.org/wiki/Ivan_Petrovich_Pavlov
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2.1.1 A interao
Vigotski representante da produo cientfica sovitica. Psiclogo, estudioso de
muitas reas, dedicou-se ao estudo do desenvolvimento humano. Buscou, na teoria marxista,
princpios metodolgicos para suas pesquisas acerca dos processos psicolgicos e, pautando-
se nesses princpios, Luria (2001, p. 25), um dos colaboradores de Vigotski, afirma que
[...] as origens das formas superiores de comportamento consciente deveriam
ser achadas nas relaes sociais que o indivduo mantm com o mundo
exterior. Mas o homem no apenas um produto de seu ambiente, tambm
um agente ativo no processo de criao deste meio.
O desenvolvimento visto por (1994; 2001) como o resultado das interaes mtuas
com o meio social e cultural em que se vive. O processo de aprendizagem, dessa forma,
direciona o desenvolvimento das funes psicolgicas superiores: o pensamento, a memria, a
percepo, a imaginao, dentre outras, as quais esto em movimento.
Veer e Valsiner (1996) apoiados nas ideias de Vigotski destacam sobre as diferenas
importantes entre animais e seres humanos, fundamentadas justamente no que tange cultura.
Os animais dependem da herana e da determinao gentica; os seres humanos, ao contrrio,
podem transmitir o que foi produzido na cultura, dominando-a, pois os traos
especificamente humanos [...] so adquiridos no domnio da cultura, por meio da interao
social com os outros (VEER; VALSINER, 1996, p. 213). Dessa forma, apesar de no serem
desconsiderados os fatores biolgicos, estes no so determinantes do desenvolvimento do
sujeito. A base gentica do comportamento est nos processos psicolgicos elementares. J os
processos psicolgicos superiores (tambm chamados funes psicolgicas superiores) so
especificamente humanos e se desenvolvem com base na interao social.
Ao rejeitar as concepes inatistas e ambientalistas, ou at mesmo uma sobreposio
dessas teorias sobre aprendizado e desenvolvimento, Vigotski (1994) enfatiza que o
aprendizado tem incio antes da idade escolar, por meio da mediao social, dos signos e
instrumentos, da linguagem, dos objetos e das pessoas que esto presentes no meio social e
cultural, os quais contribuem para o desenvolvimento do sujeito.
Assim, Vigotski (1994, p. 74) apresenta tambm o conceito de internalizao, que se
trata da [...] reconstruo interna de uma operao externa. Para ilustrar o conceito de
internalizao, menciona a ao de um beb que tenta pegar algo, mas no consegue. Esse
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25
gesto, ento, torna-se para a outra pessoa (no caso, um adulto) um gesto de apontar. Vigotski
(2001, p. 114) postulou, portanto, que
[...] o desenvolvimento das funes psicolgicas superiores na criana,
dessas funes especificamente humanas, formadas no decurso da histria
do gnero humano, um processo absolutamente nico. Podemos formular a
lei fundamental deste desenvolvimento do seguinte modo: todas as funes
psicointelectuais superiores aparecem duas vezes no decurso do
desenvolvimento da criana: a primeira vez nas atividades coletivas, nas
atividades sociais, como propriedades internas do pensamento da criana, ou
seja, como funes interpsquicas: a segunda, nas atividades individuais,
como propriedades internas do pensamento da criana, ou seja, como
funes intrapsquicas.
E, s mais tarde, segundo o mesmo autor, a criana, com a repetio dessa mencionada
experincia, ir associar o seu movimento de tentar pegar com o gesto de apontar. nesse
movimento que se d a internalizao: algo que era externo criana torna-se interno,
permitindo-lhe compreender sua realidade e interagir com o outro.
2.1.2 A mediao, os signos e os instrumentos
Os signos e instrumentos auxiliam na mediao do homem com o mundo: O signo
age como instrumento da atividade psicolgica de maneira anloga ao papel de um
instrumento no trabalho (VIGOTSKI, 1994, p. 70). A maior ligao entre signo e
instrumento est na funo mediadora que ambos exercem. Percebe-se que signos e
instrumentos so os grandes responsveis pela mediao entre homem e meio. Por meio da
interao, da atuao do outro sujeito (que pode ser pais, professores, irmos, amigos da
criana), da convivncia, das trocas de experincias, a criana internaliza gradativamente, ou
seja, elabora internamente o que est externo a ela, constituindo, assim, as funes
psicolgicas superiores. Portanto, na dimenso psicolgica, signos e instrumentos podem ser
includos na mesma categoria. A diferena fundamental est na maneira pela qual eles
[...] direcionam o comportamento humano. A funo do instrumento servir
como um condutor da influncia humana sobre o objeto da atividade; ele
orientado externamente; deve necessariamente levar a mudanas nos objetos.
Constitui um meio pelo qual a atividade humana dirigida para o controle e
domnio da natureza. O signo, por outro lado, no modifica em nada o objeto
da operao psicolgica. Constitui um meio da atividade interna dirigido
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26
para o controle do prprio indivduo; o signo orientado internamente
(VIGOTSKI, 1994, p. 72-73).
A relao entre o ser humano e o mundo ocorre de forma mediada, isto , no direta,
podendo se realizar por meio de instrumentos e signos. Por meio de ferramentas e
instrumentos, o homem se relaciona com o mundo, visto que os mesmos so responsveis
pela intermediao, pela mediao da ao concreta do homem no mundo. De acordo com
Vigotski (1994), os signos representam outro tipo de mediao, que se faz de forma semitica
ou simblica, internamente. Eles se encarregam de mediar a relao entre o sujeito e o objeto
de conhecimento, no campo psicolgico. H tipos de signo que se apresentam de forma
concreta, como, por exemplo, os sinais de trnsito. Os usurios que compartilham aquele
sistema de sinais compreendem e se apropriam daquelas informaes para que o trnsito flua
de forma ajustada.
Existe tambm outro tipo de signo, completamente simblico, internalizado no sistema
psicolgico: so os mediadores semiticos ou simblicos. Aqui, apresenta-se uma
caracterstica peculiar do ser humano, que a representao. O indivduo passa pela
apropriao de um sistema simblico, como, por exemplo, uma cadeira. Ocorre uma relao
no mediada, uma relao fsica, entretanto esta envia ao indivduo o conceito, a ideia de
cadeira. Essa uma caracterstica humana que possibilita ao homem passar por dimenses do
campo simblico, permitindo-lhe lembrar de fatos passados sem que esses fatos estejam
presentes, ou mesmo os que vo acontecer, de modo a antecipar, fazer projees. A maior
parte das atividades humanas constitui-se de relaes mediadas, no havendo a necessidade de
cada membro passar pelas mesmas experincias pela qual outra pessoa j passou na histria
da humanidade. Os signos so construdos culturalmente e, nessa relao mediadora, o sujeito
desenvolve a capacidade de representao simblica, sendo a linguagem o fator principal para
que isso ocorra.
2.1.3 A linguagem e o pensamento
A linguagem, na concepo vigotskiana, tem um significado relacionado
comunicao humana pressupe a oralidade, o discurso, os gestos, as expresses faciais e a
escrita, que so formas de representao simblica. Ela est relacionada estreitamente
assimilao dos conhecimentos e do aprendizado, apropriados pelo homem. Por esse motivo,
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27
ela se torna foco principal das investigaes de Vigotski (2001), o qual busca compreender o
desenvolvimento da linguagem, do pensamento e das funes psicolgicas superiores. O
desenvolvimento da linguagem, para Vigotski (2000a), extremamente importante, por se
tratar de uma das funes relacionadas organizao e ao desenvolvimento do pensamento.
Por isso, o autor inicia suas investigaes direcionadas justamente aos aspectos referentes ao
desenvolvimento da conduta infantil.
De acordo com Luria e Yodovich (1985), ao longo da histria da psicologia, a
linguagem ocupou um papel irrelevante. At mesmo estudiosos como Torndike e Watson
viam a linguagem apenas como um item na formao de hbitos motores. E investigadores
como K. Bhler e Ch. Bhler compreendiam como espirituais e inatas as atividades
nervosas superiores da criana, que amadureceria em um processo gradual, de acordo com a
importncia de tais atividades. Entretanto, autores da psicologia sovitica criticam e rejeitam
essas duas concepes, acrescentando algo importante para a educao, pois
A primeira destas teorias, ao considerar o desenvolvimento complexo como
uma simples combinao de hbitos, reduz o ensino e a educao a uma
simples exercitao. A segunda, ao considerar a maturao das capacidades
mentais como um processo contnuo, espontneo, no s escamoteia o
problema da explicao do desenvolvimento mental, como tambm relega a
um plano secundrio as influncias educativas, a consider-las quando
muito, como um meio para acelerar ou retardar a maturao natural cuja
direo j est predeterminada (LURIA; YODOVICH, 1985, p. 9).
Ao rejeitar essas concepes, a psicologia sovitica tece trs proposies referentes ao
desenvolvimento da atividade mental. A primeira, com base na psicologia materialista,
postula que os processos mentais tm concentrao [...] em formas reais de inter-relao
entre o organismo e o meio (LURIA; YODOVICH, 1985, p. 10). Entretanto, os referidos
[...] sistemas no devem ser considerados como propriedades inatas da vida mental, mas sim
ser compreendidos como resultados de certas formas de atividade reflexa, sujeita, a todo
momento, anlise concreta (LURIA; YODOVICH, 1985, p. 9). A segunda proposio diz
respeito ao papel do desenvolvimento na formao dos processos cognitivos, sendo o mesmo
compreendido a partir da teoria dos reflexos. A terceira trata do estudo da atividade mental
infantil, compreendendo-a como decorrncia da vida social e reafirmando que a origem dos
processos mentais no se encontra na alma, e sim nas [...] formas mais complexas de vida
social do homem e na comunicao da criana com as pessoas que a rodeiam [...] (LURIA;
YODOVICH, 1985, p. 14).
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28
De um lado, como sustenta a teoria dos reflexos, a linguagem se baseia em reaes
inatas, em reflexos hereditrios, incondicionais, como o grito do beb. Tal reao vocal a
base na qual se edifica a linguagem oral do adulto. Contudo, seria um tanto difcil enumerar
as reaes inatas que compem o grito. Por isso, luz de novos estudos, Vigotski (2000a)
destaca que as reaes vocais do recm-nascido no so um reflexo incondicionado nico,
mas talvez uma srie deles vinculados entre si. Ele ressalta que Ch. Bhler foi a primeira a
estudar e registrar minuciosamente o desenvolvimento da linguagem. Para ela, devido ao
aparecimento da reao vocal, ocorrem as reaes denominadas contato social, as quais se
estabelecem com a ajuda da linguagem.
Em princpio, as reaes condicionadas no aparecem como respostas isoladas, mas
como um sinal; depois se diferenciam, apresentando-se os sinais com maior frequencia e, ao
final, a reao se forma somente com um determinado estmulo. Sendo assim, a reao
generalizada, que, no caso, a reao vocal, no se desenvolve isoladamente; ela faz parte de
um grupo de reaes. Observa-se sempre um grupo de movimentos, entre os quais o
desenvolvimento vocal s uma parte ou um elemento. Destaca-se, cada vez mais, a reao
vocal diferenciada, que comea, precisamente, a adquirir significado central. Desaparece uma
srie de movimentos, permanecendo a mmica unida reao vocal.
A funo vocal do beb tem base fisiolgica. A primeira funo o movimento
expressivo, que Vigotski (2000a) considera uma reao incondicionada, instintiva, a qual
revela os estados emocionais do organismo, como, por exemplo, quando o beb se assusta, ele
grita, como consequencia de um reflexo, uma reao incondicionada. Enfim, o movimento
expressivo uma reao emocional. A segunda funo a de contato social, a qual aparece j
quando a reao vocal se converte em reflexos condicionados. A partir do primeiro ms de
vida, surge o reflexo vocal educado, condicionado como resposta reao vocal das
pessoas ao redor do beb. A voz da criana se converte em um instrumento que substitui a
linguagem em suas formas mais elementares. Portanto, em sua pr-histria, ao longo do
primeiro ano de vida da criana, a linguagem est inteiramente baseada no sistema de reaes
incondicionadas, instintivas e emocionais e, por meio da diferenciao, ocorre a reao
vocal condicionada independente. Por decorrncia disso, modifica-se a prpria funo da
reao.
Mas as reaes vocais da criana no so a linguagem; esse ponto ressaltado por
Vigotski (2000a) como o mais difcil para o entendimento do desenvolvimento da linguagem
infantil, pois h diferenas, tanto do ponto de vista fisiolgico como do psicolgico, a respeito
de um mesmo processo. O referido autor concluiu em suas investigaes que a reao vocal
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da criana se desenvolve, em princpio, de forma totalmente independente do pensamento.
Segundo ele, no h como atribuir criana de um ano e meio a conscincia da linguagem ou
do pensamento formado. Isso porque, inicialmente, a linguagem no se relaciona com o
desenvolvimento do pensamento infantil e dos processos intelectuais da criana. Esse
argumento do autor se sustenta em pesquisas com crianas idiotas e crianas mentalmente
atrasadas, concluindo-se que essas crianas passam pelas mesmas etapas de
desenvolvimento. Vigotski (2000a) cita L. Einger, o qual observou reaes vocais em uma
criana que nasceu descerebrada, constituindo mais um argumento para a explicao da
disparidade inicial de caminhos da linguagem e do pensamento. De acordo com essas
investigaes, no s a linguagem se desenvolve, inicialmente, de modo independente do
pensamento, mas a recproca tambm verdadeira: o pensamento comea a se desenvolver
independentemente da linguagem.
Vigotski (2000a) destaca as investigaes de Stern, o qual foi o primeiro a formular
uma teoria sobre as peculiaridades do desenvolvimento do pensamento e da linguagem
infantil. Sua teoria assegura que, entre um ano e meio e dois anos, o pensamento e a
linguagem se encontram em uma fase de grande mudana e seguem um novo curso. O autor,
com base nas investigaes de Stern, enfatiza trs sintomas no desenvolvimento da
linguagem: saltos ou incremento no vocabulrio; etapa das perguntas; mudana radical no
vocabulrio infantil. O mesmo autor observa que, no terceiro sintoma, localiza-se o limite
entre as etapas do desenvolvimento psquico da criana, permitindo-nos perceber a virada
no seu desenvolvimento. Como constata Vigotski (2000a), Stern supunha que, na esfera do
desenvolvimento do pensamento infantil, ocorre algo distinto de um simples reflexo
condicionado e a criana faz, conscientemente, a ligao das relaes existentes entre signos e
significados. Essa interpretao parte da semelhana fenotpica externa dos objetos, mas tal
semelhana no significa que tais objetos sejam realmente idnticos.
Vigotski (2000a) contesta essa ideia, afirmando que espantoso que uma criana de
um ano e meio a dois, quando seu pensamento se encontra em uma fase extremamente
primitiva, seja capaz de um ato de tamanha exigncia intelectual, como compreender a relao
entre signo e significado. Novas investigaes do referido autor permitem compreender que a
criana no descobre o significado das palavras no referido perodo de mudanas, como
sustenta Stern. A criana apenas procura compreender a estrutura externa do significado da
palavra, assimilando que a cada objeto corresponde uma palavra.
Na histria humana (filognese), a linguagem se desenvolve pelo mesmo caminho. A
linguagem oral e as palavras no so inventadas nem so consequencia de um pacto entre os
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30
homens para a denominao do objeto, mas percorrem psicologicamente toda a linha do
desenvolvimento do reflexo condicionado. Nesse sentido, a linguagem (a fala) passa por trs
momentos em seu desenvolvimento, como pontua Vigotski (2000a): primeiro, h um
complexo de som; segundo, o significado; e terceiro, a unio da palavra com uma imagem
determinada. O desenvolvimento linguagem humana, especificamente no caso desse estudo, a
fala da criana, resultado de condies externas, da histria humana, proveniente de relaes
e aes sociais e imagens que representam o mundo.
Assim, para que um determinado estmulo se transforme em signo psicolgico, deve
possuir certas propriedades psicolgicas. Converte-se em signo e em smbolo, quando a
criana compreende uma mesma estrutura com todos os elementos que com ela se relacionam.
Mediante a compreenso das palavras, a criana se apropria da sua imagem externa,
incorporando cada palavra concreta a partir das pessoas que fazem parte de sua convivncia.
O autor demonstra que difcil falar em descobertas, visto que o que ocorre apenas uma
assimilao externa entre a palavra e o objeto, no acontecendo ainda uma relao interna do
signo.
Vigotski (2000a) constatou que a palavra tem uma ao decisiva para que ocorram
novas configuraes de comunicao, as quais se originam quando ocorre a generalizao do
objeto na relao direta. Luria e Yodovich (1985), reportando-se aos estudos de Vigotski,
reafirmam que a linguagem influencia o desenvolvimento infantil desde os primeiros meses
de vida. Na relao adulto-criana, ocorrem novas possibilidades a respeito das relaes com
a realidade, as quais no seriam to profundas e complexas se partissem de experincias
individuais. Expe-se aqui uma nova concepo do desenvolvimento cognitivo, a qual destaca
a participao ativa do outro, com o outro, em experincias prticas e coletivas do uso e da
influncia ativa da linguagem. Assim,
Todo este processo da transmisso do saber e da formao de conceitos, que
a maneira bsica com que o adulto influi na criana, constitui o processo
central do desenvolvimento intelectual infantil. Se no se levar em conta, no
processo educativo, esta conformao da atividade mental infantil, no ser
possvel compreender, nem explicar, a causa de nenhum dos fatos da
psicologia da criana (LURIA; YODOVICH, 1985, p. 11).
Os estudos sobre os processos mentais da criana como resultado da
intercomunicao desta com seu meio e a apropriao de experincias transmitidas pela
linguagem tornam-se os principais alvos de estudo da psicologia sovitica. A relao da fala,
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da comunicao, com o adulto tambm objetivo central da pesquisa de Luria e Yodovich
(1985, p. 11). A palavra age como aquela que [...] d forma atividade mental,
aperfeioando o reflexo da realidade e criando novas formas de ateno, de memria e de
imaginao, de pensamento e de ao.
Essa forma de compreender a ao da palavra do outro na organizao e no
desenvolvimento dos processos mentais exemplificado pelos autores anteriormente
mencionados com o aprendizado das primeiras palavras que a me diz ao seu filho. Ela, ao
nomear o objeto percebido copo, acrescentando o seu papel, dizendo que o mesmo serve
para beber, retira do objeto caractersticas como, por exemplo, seu peso, sua forma, sua cor,
permitindo percepo ver tal objeto de maneira permanente e generalizada, como um copo
qualquer, sem especificidades. Nesse sentido,
[...] a palavra liga um complexo sistema de conexes no crtex cerebral da
criana e se converte numa poderosssima ferramenta que introduz formas de
anlise e sntese na percepo infantil que a criana seria incapaz de
desenvolver por si mesma. [...] A palavra influi sobre a criana,
enriquecendo e aprofundando imensamente a sua percepo direta e
conformando a sua conscincia. [...] A palavra do adulto converte-se num
regulador de sua conduta, elevando assim a organizao da atividade da
criana a um nvel mais alto e qualitativamente novo. Esta subordinao das
reaes palavra de um adulto o comeo de uma longa cadeia de formao
de aspectos complexos da sua atividade consciente e voluntria (LURIA;
YODOVICH, 1985, p. 12-13).
Tal influncia da palavra (no sentido de conhecimento) nos processos mentais
contribui para a reorganizao da percepo. Quando a criana diz verbalmente o que vai
fazer ou est fazendo, uma maneira, de acordo com os autores, de localizar-se em meio aos
objetos e s pessoas percebidos.
Ao estabelecer verbalmente as complexas associaes e relaes existentes
entre fenmenos percebidos, introduz modificaes essenciais na percepo
das coisas que influem nela: comea a atuar de acordo com influncias
elaboradas verbalmente ao reproduzir as associaes verbais reforadas
pelas anteriores instrues do adulto, e as modifica em seguida, isolando
verbalmente os objetivos imediatos e ltimos da sua conduta, indicando os
meios para alcanar estes objetivos e subordinando-os a instrues
formuladas verbalmente (LURIA; YODOVICH, 1985, p. 13).
A respeito da regulao de conduta, Luria e Yodovich (1985, p. 13-14) citam os
estudos de Pavlov, observando que a fala passa pelo
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[...] meio de comunicao bsico, converte-se tambm num meio de anlise
e sntese da realidade mais profunda e, o que fundamentalmente mais
importante, no regulador mais elevado da conduta. [...] A percepo e a
ateno, a memria e a imaginao, a conscincia e a ao deixam de ser
consideradas como propriedades mentais simples, eternas e inatas e
comeam a ser entendidas como o produto de formas sociais complexas dos
processos mentais na criana, como complexos sistemas de funes que
resultam do desenvolvimento da atividade infantil nos processos de
intercmbio, como atos reflexivos complexos em cujo contedo se inclui a
linguagem e que, segundo a terminologia de Pavlov, se efetuam com a
ntima participao de dois sistemas de sinais: o primeiro, relativo aos
estmulos percebidos diretamente e o segundo, com sistemas de elaborao
verbal.
Luria e Yodovich (1985) destacam as investigaes de G. L. Rosengardt acerca da
importncia da palavra para a constituio da percepo e da memorizao at os dois anos de
vida. Esse autor comprovou que a palavra vai aos poucos sendo utilizada por diferentes meios
percebidos e a memria da criana, nessa faixa etria, assume novos aspectos, como resultado
dessa estreita relao. Ao distinguir caractersticas fundamentais de um determinado objeto, a
criana faz com que a palavra se torne estvel e generalizada, de modo que a percepo dos
objetos libera novas formas ao desenvolvimento de uma memria coesa e discriminadora. Os
autores tambm mencionam outras investigaes integrantes da psicologia sovitica, as quais
reafirmam a atuao da linguagem na complexidade da conduta da criana.
O desenvolvimento de formas ativas de memorizao, as primeiras formas
da conduta volitiva da criana e, em especial, a diferenciao de motivos de
conduta e a construo de aes conscientes complexas provaram estar
ligados a essas complexas reorganizaes de atividade que aparecem no
processo de generalizao e ter ainda estreita relao com o
desenvolvimento da linguagem infantil. Os processos verbais capacitam a
criana, atravs da generalizao, a formular objetivos e lhes proporcionam
os meios necessrios para a sua consecuo, possibilitam-lhe a criao de
um plano de brinquedo imaginativo, a cujo servio pe a aquisio de
complexas formas de conduta, inacessveis em abordagem direta. A
investigao da gnese das formas superiores de atividade psicolgica
demonstrou, uma vez mais, sua complexa composio e o papel da fala na
formao da conscincia infantil (LURIA; YODOVICH, 1985, p. 16).
Os autores mencionados, tambm colocam em destaque a pesquisa de Ivanov,
Smolensky e Krasnogorsky, que buscaram identificar a funo da palavra na conexo nervosa
superior infantil. Esses pesquisadores apontaram que a palavra pode suprir um estmulo
incondicionado ou condicionado, explicitando que, com o uso de instrues verbais, ocorrem
novas formaes e abrem-se novas caractersticas de conexes temporais. Eles citam os
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trabalhos de Lublinskaya a respeito da diferenciao com crianas na faixa etria de um ano e
meio a dois, nos quais se demonstrou, a partir da existncia de dificuldades em tecer
diferenas, que estas diminuram consideravelmente, ao se somar etiquetas verbais dos sinais
diferenciadores, o que tornava a diferenciao mais estvel e generalizada (LURIA;
YODOVICH, 1985, p. 17). A interao dos sistemas de sinais evidencia que a variedade de
funes exercida pela linguagem possui participao direta na formao dos processos
mentais. Alm disso, tais funes
[...] reorganizam essencialmente o curso natural destes processos,
modificando, por exemplo, a relao natural de fora dos estmulos.
interessante destacar que a palavra produzida teve efeitos em crianas de
quatro e cinco anos, nas condies experimentais habituais, enquanto que,
nos casos de a palavra do instrutor reavivar conexes estveis antigas, se
dava, muito antes, uma mudana nas relaes de fora dos estmulos. E mais
interessante ainda o fato de a prpria linguagem da criana comear,
gradualmente, a incluir-se na formao das conexes temporais e mudar, de
maneira essencial, este processo. [...] com a interveno [...] a linguagem da
criana comea a participar regulando movimentos e atos [...] tornando-se o
fator mais importante no desenvolvimento da funo orientadora na criana
e, com ela o da funo reguladora da fala, se situam exatamente entre quatro
e quatro anos e meio de idade (LURIA; YODOVICH, 1985, p.18, 42-43).
No processo de apropriao da linguagem, de formulao de conceitos e de seu
desenvolvimento, a imitao ocupa um papel importante nos pressupostos vigotskianos.
Vigotski (2000b, p. 328) observa que,
[...] na velha psicologia e no senso comum, consolidou-se a opinio segundo
a qual a imitao uma atividade puramente mecnica. Desse ponto de vista,
costuma-se considerar que, quando a criana resolve o problema ajudada,
essa soluo no ilustra o desenvolvimento do seu intelecto. Considera-se
que se pode imitar qualquer coisa. O que eu posso fazer por imitao ainda
no diz nada a respeito da minha prpria inteligncia e no pode caracterizar
de maneira nenhuma o estado do seu desenvolvimento. Mas esta concepo
totalmente falsa.
Fernandes (2007) ao investigar especificamente a respeito da imitao, observa que,
na histria do desenvolvimento humano e na educao tradicional, o conceito de imitao
esteve relacionado ao mecnica de reproduo de padres. Ressalta que, apesar de haver
uma relao dialtica entre imitao e a capacidade de criao, a imitao no deve ser
adotada como um mtodo de ensino. Nesse sentido, a autora interpreta o conceito de imitao
segundo o posicionamento vigotskiano, observando que, quando a criana realiza uma
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atividade com ajuda do professor, verifica-se que ela necessita do auxlio do outro para
aprender. Fernandes (2007) adverte que o professor precisa ensinar aquilo que a criana
capaz de aprender, de modo que exera um papel ativo e interativo em seu meio social.
Imitar, segundo Vigotski (2000a), envolve uma tarefa intelectual, pois [...] uma
pessoa s consegue imitar aquilo que est no seu nvel de desenvolvimento (VIGOTSKI,
1994, p. 104) e que produz a reconstruo dos contedos apropriados. Por outro lado, a
imitao por tentativa e erro se refere a cpias mecnicas, configurando-se em treinos
desprovidos das capacidades intelectuais. O autor acrescenta que a imitao uma das vias
por meio da qual a criana se relaciona com a cultura historicamente construda.
O autor explica, assim, o intrincado sistema de conexes, no qual a imitao se
constitui em um dos caminhos fundamentais rumo ao desenvolvimento dos processos
psicolgicos superiores do ser humano:
[...] La historia natural de los signos nos ensea que las formas culturales del
comportamiento tienen races naturales en las formas naturales, que estn
unidas a ellas por miles de conexiones y surgen a base de estas ltimas y de
ninguna otra forma. All donde los investigadores vean hasta ahora bien un
simple descubrimiento bien un simple proceso de formacin de hbitos, la
investigacin real pone de manifiesto la existencia de un complejo proceso
de desarrollo. [] Puedes parecer que al referirnos a la imitacin como una
das vas fundamentales del desarrollo cultural del nio volvemos a los
prejuicios que acabamos de mencionar. La imitacin, podra decirnos el
partidario de la teora de los hbitos, no es otra cosa que la transferencia
mecnica de una forma de conducta ya elaborada a otra, es justamente el
proceso de formacin de hbito y lo conocemos muy bien por el desarrollo
de los animales (VYGOTSKI, 2000c, p. 136).
Sendo assim, o homem capaz de imitar, de reproduzir as aes, as experincias; ele
tambm capaz de repensar essas aes, produzindo novas possibilidades de forma ativa.
Enfim, a imitao no se reduz ao ato de reproduo, mas mediante o meio social e cultural,
uma base eficaz para que se formem diferentes conexes, possibilitando as transformaes
das vivncias e da realidade.
Vigotski (2000a) conclui que, aproximadamente aos dois anos, o vocabulrio se
amplia ativamente, de modo a dar incio, ento, fase das perguntas, o que contesta a
suposio de Stern, a qual afirma que, no momento em que o pensamento e a linguagem se
encontram, a criana descobre o significado da palavra. Vigotski (2000a) postula, portanto,
que a linguagem oral da criana se desenvolve independentemente do seu pensamento, mas,
em certo momento, ambos se encontram. Em um primeiro momento, a linguagem e o
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pensamento se desenvolvem por caminhos diferenciados. Nesse primeiro momento, a
linguagem permeada pela sua primeira funo, que a de comunicao, a qual ocorre
tambm com os animais. Vigotski (2000a) cita as investigaes de Khler e outros
psiclogos, realizadas com macacos e crianas na mesma situao. Estava disposio uma
vara, a qual os macacos poderiam usar para alcanar uma fruta. As mesmas respostas foram
obtidas com crianas de nove meses e com os macacos. Os pesquisadores concluram que, em
crianas dessa idade, so produzidas reaes extremamente simples, independentemente de
sua linguagem.
Vigotski destaca ainda que, para K. Bhler, o qual tambm realizou experincias com
crianas e macacos, a idade de nove a doze meses considerada a idade do chimpanz, na
qual se manifesta na criana o emprego inicial das ferramentas, fato igualmente observado no
chimpanz. Verificou-se a existncia do que se nomeou primrdios do pensamento ou
inteligncia prtica. Os chimpanzs so capazes de solucionar problemas concretos em seu
ambiente, todavia sua forma de resolv-los relaciona-se quilo que eles podem perceber
naquele determinado momento, isto , atuam sobre o ambiente por meio de uma inteligncia
prtica. Esse tipo de inteligncia assim nomeado, pelo fato de o animal no utilizar nenhum
artifcio simblico em sua ao, rumo soluo do problema. No caso, quando o chimpanz
tenta alcanar a fruta, ele usa a vara porque a encontra em seu campo visual, sendo incapaz de
imaginar algo alm do prprio corpo, se no estiver vendo algum objeto que o auxilie na
soluo do problema. Isso ocorre tambm com a criana pequena, capaz, por exemplo, de
subir em uma cadeira para alcanar um brinquedo que no consegue alcanar apenas com o
seu corpo, ou seja, ela soluciona os problemas e usa instrumentos em um nvel concreto,
contudo sem mediao simblica.
A linguagem um dos instrumentos bsicos criados e vivenciados pelo homem.
Reconhecendo esse dado, Vigotski (2001) menciona especificamente duas funes bsicas da
linguagem. A primeira a comunicao:
A linguagem origina-se em primeiro lugar como meio de comunicao entre
a criana e as pessoas que a rodeiam. S depois, convertida em linguagem
interna, transforma-se em funo mental interna, que fornece os meios
fundamentais ao pensamento da criana (VIGOTSKI, 2001, p. 114).
O mesmo autor observa que justamente a necessidade de se comunicar e de
solucionar problemas que fez com que o homem desenvolvesse a linguagem. Exemplifica
essa primeira funo da linguagem com o beb que chora. Embora ele ainda no faa uso
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apropriado da linguagem, mesmo de uma forma rudimentar, est se comunicando com os
membros de sua espcie. Vigotski (2001) postula que a segunda funo da linguagem, a qual
denomina pensamento generalizante, surge mais tarde no desenvolvimento infantil. Trata-se
do momento em que a linguagem une-se com o pensamento, em uma relao estreita e forte.
Quando a criana capaz de nomear objetos, animais, pessoas e plantas, ela realiza um ato de
classificao dos objetos, agrupando-os em uma mesma categoria que os distingue uns dos
outros. Isso representa uma transposio qualitativa na relao humana com o mundo, porque
se evidencia a capacidade de abstrao, generalizao e classificao, devido a um aparato
composto de signos e instrumentos relacionados, dispostos e compartilhados pelos membros
sociais do grupo: a linguagem.
Em suas investigaes, Vigotski (2000a) sustenta que, nos momentos de
enfrentamento de problemas e dificuldades, a criana de quatro a cinco anos de idade emite
uma fala no dirigida ao seu interlocutor; assim, ela pronuncia os fatos, as aes, como se os
estivesse reproduzindo verbalmente. Conforme demonstrou o autor, quando a criana atua
dessa forma, verifica-se a ao explcita da linguagem como mediadora na conduta, por meio
do movimento de relaes verbais, capazes de auxiliar na resoluo de um problema
complicado. Assim, inicialmente, a criana fala em voz alta para si mesma e, aos poucos, essa
fala vai se atenuando, transformando-se em sussurro at se tornar uma fala interna.
A comunicao realizada inicialmente entre as pessoas, aos poucos, vai sendo
internalizada e se torna, para a criana, um instrumento do pensamento. Dessa forma, a
criana fala para si mesma, fazendo uso de um discurso interior, em que se concretiza o falar
para si mesma. Corrobora-se, assim, a ideia defendida por Vigotski (2000a) de que a
linguagem um instrumento do pensamento e a criana faz uso desse instrumento como base,
na tentativa de superar uma dificuldade ou solucionar um determinado problema. Trata-se da
linguagem em sua funo de comunicao, de interao social, de sua efetivao por meio dos
gestos corporais, faciais e dos sons. Enfim, o referido autor, postula que o pensamento infantil
parece se desenvolver por um caminho e a linguagem por outro na idade inicial. Contudo, em
uma dada ocasio, esses caminhos se interligam, fazendo com que a linguagem se
intelectualize, ao unir-se ao pensamento. Por sua vez, o pensamento se verbaliza, ao unir-se
linguagem. A internalizao da linguagem desencadeia, desse modo, a organizao e o
desenvolvimento do pensamento da criana.
O significado de uma palavra o resultado da relao estreita entre pensamento e
linguagem. O significado de cada palavra refere-se a uma generalizao ou a um conceito;
portanto, a ao de generalizar, de atribuir um significado, consiste em uma ao do
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pensamento. Para Vigotski, a linguagem peculiar espcie humana e fundamental para o
desenvolvimento das funes psicolgicas superiores. Entretanto, o autor ressalta que ela no
nasce com o sujeito, nem mesmo sua formao acabada, uma vez que vai se elaborando aos
poucos. O mesmo autor postula que o desenvolvimento psicolgico ocorre em nvel da
filognese, da ontognese, da sociognese e da micrognese2.
Assim, no momento em que os caminhos da linguagem e os do pensamento se
encontram, eles se unem, se relacionam e, da por diante, pensamento e linguagem seguem
juntos por um novo caminho, representando um importante elemento do funcionamento
psicolgico humano. Quando isso ocorre, a criana passa a ser capaz de transitar por um
sistema simblico. Ela se torna capaz de imaginar, criar, inventar, passar por fatos passados
ou atuais, fazendo uso de recursos verbais e de direcionar sua fala s pessoas presentes ou
ausentes, em seu espao ou campo perceptual. Essa capacidade consiste na segunda funo
inicial da linguagem, que o que Vigotski chamou de pensamento generalizante, ou seja, uma
inteligncia, um pensamento de carter simblico. Dessa forma, a relao entre o pensamento
e a linguagem contnua, evidenciando uma estreita e complexa afinidade, a qual permite que
o pensamento se concretize por meio das palavras.
Como a criana nasce em um meio falante, a linguagem oral algo que lhe externo.
Mas, aos poucos, ela se apropria da linguagem, em um movimento que parte do externo para
o interno. Vigotski denomina a forma inicial do uso da linguagem de fala socializada, que se
trata da fala da criana com os outros que a rodeiam, consistindo em uma fala externa
criana, com a funo da linguagem, que a de comunicao. Na relao da criana com o
outro, passa a existir a linguagem interior, que o ponto mais elevado no desenvolvimento da
linguagem. Ocorre a apropriao de um aparato simblico, na esfera psicolgica, interna, no
sendo mais necessria que a criana fale alto. Nesse momento, o pensamento percebido
mentalmente nas palavras, nos conceitos. Dessa maneira, a oralidade permite o trnsito com o
plano simblico, no campo psicolgico.
Vigotski (1994), em seus experimentos, comprovou o significado decisivo da
linguagem na formao dos processos mentais, ao investigar etapas bsicas do
desenvolvimento desses processos complexos, por meio da organizao da linguagem.
Concluiu tambm que o desenvolvimento mental humano tem origem na comunicao verbal
entre a criana e o adulto e que a palavra contribui para a organizao