UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que:...

158
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL ANGELA TEIXEIRA ARTUR As Origens do “Presídio de Mulheres” do Estado de São Paulo. v. 1 SÃO PAULO 2011

Transcript of UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que:...

Page 1: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL

ANGELA TEIXEIRA ARTUR

As Origens do “Presídio de Mulheres” do Estado de São Paulo.

v. 1

SÃO PAULO

2011

Page 2: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS

HUMANAS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL

As Origens do “Presídio de Mulheres” do Estado de São Paulo.

Angela Teixeira Artur

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para a obtenção do Título de Mestre em História.

Orientadora: Profa. Dra. Elizabeth Cancelli

v. 1

São Paulo 2011

Page 3: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

Para tia Ana, a mais presente ausência.

Page 4: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

Agradecimentos

Ao longo desses três anos de pesquisa muitos momentos foram

marcantes. Alguns marcaram pelas dificuldades, pelas dúvidas, pelas

angústias e perdas irreparáveis. Outros momentos foram marcados por

avanços, por descobertas, por conquistas e satisfações. Em meio às

calmarias e turbulências, entre aulas, consultas às bibliotecas e arquivos,

discussões formais e informais, eventos e cafés, o que aprendi não foi

somente os meandros da atividade profissional, mas aprendi muito sobre as

formas de generosidade e também presenciei práticas, no mínimo,

sorrateiras.

Em momentos variados algumas pessoas estiveram presentes,

umas só de passagem outras prolongando sua estada. A todas tenho muito a

agradecer.

Agradeço às agências de fomento, CAPES e FAPESP, pela

concessão das bolsas que forneceram as condições para a realização da

pesquisa e garantiram a participação em eventos que enriqueceram muito o

trabalho.

Agradeço aos funcionários de todas as bibliotecas e arquivos que

visitei, sempre muito prestativos, pacientes e dispostos a me auxiliar na

busca por um material nem sempre muito acessível.

À Elizabeth Cancelli agradeço pela cuidadosa orientação e,

especialmente, pela confiança depositada em meu projeto de pesquisa e a

acolhida no programa de História Social da Universidade de São Paulo.

Aos colegas de orientação quero agradecer às conversas formais

e informais, sempre muito instigantes e que influenciaram decisivamente a

Page 5: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

redação da dissertação. Por isso, meu muito obrigado a: Júlio, Wanderson,

Luciana , Aruã , Alex e Sérgio.

Agradeço àqueles que, no entusiasmado mas não menos difícil

início da pesquisa, leram, criticaram e fizeram sugestões ao projeto de

pesquisa: André e Chico Barbosa, Ana Letícia, Silvana Zuse, Fernando

Salla, Êça Pereira e Patrícia Garcia.

À Patrícia quero agradecer em especial pela imensa ajuda,

durante primeiro ano de mestrado, com os trâmites burocráticos da

universidade e das agências de fomento.

À Êça, Silvana, Taís Renata, Cristiane Almeida e Liga das

Mocinhas Recatadas do Alto Pari o agradecimento é também pelos

entendimentos e desentendimentos, pelos ouvidos e pelas palavras, pelos

“fantasmas”, pelo “olhar do ciclope”, pela amizade e companheirismo sem

preço.

Agradeço àqueles que, sempre ao se depararem com textos e

informações a respeito do encarceramento de mulheres, lembravam-se de

mim e minha pesquisa me encaminhando pertinentes sugestões de leitura.

Obrigada à Priscila Xavier, Victor Buck e a todos que não foram citados,

mas sempre contribuíram para enriquecer o trabalho.

À Graciela Fonseca, agradeço o zelo com nossa recente e,

pretendo, crescente amizade e às apropriadas sugestões à redação final da

dissertação.

Ao Eduardo Góes e Viviane Morcelle eu agradeço especialmente

pelos cafés, sempre muito estimulantes menos pela cafeína e mais por

nossas inquietações teóricas e políticas desdobradas em longas discussões

deveras instigantes e reflexivas. Agradeço também pelos ouvidos, pelo

apoio nos momentos de angústia e de perdas, pelo incentivo a arriscar o

impensável, não me esquecendo dos impagáveis momentos de descontração

que, embora poucos, foram todos memoráveis.

Page 6: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

Um muito obrigada mais do que especial vai para Victor Buck

que sozinho mereceria uma sessão inteira de agradecimentos. O Vitinho

acompanhou desde o início da pesquisa todas as minhas conquistas e

tropeços, angústias e descobertas. Obrigada pela paciência com minhas

espontaneidades nem sempre muito agradáveis, pela ajuda com as notas de

rodapé, pelo seu computador quando o meu pifou, pelo super macarrão,

pelos aniversários, pelas conversas, pela companhia e, principalmente, pelas

moedinhas que te trouxeram ao 408! Vitinho, obrigada por tudo que

compartilhamos ao longo desses anos de amizade.

À minha família, agradeço as tentativas de compreender minha

constante ausência e o aconchego e amor com que sempre me receberam.

Aos meus pais, Antônio e Elina, agradeço o exemplo de honestidade e

respeito. Aos meus irmãos Anderson e Ricardo e à minha sobrinha

Andressa agradeço o carinho, os instantes de descanso e tranquilidade.

A todos o meu muito obrigada!

Page 7: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

“... com a barriga vazia

eu não consigo dormir.

E com o bucho mais cheio

comecei a pensar...”

Chico Science – Da lama ao caos

“Liberdade - essa palavra,

que o sonho humano alimenta:

que não há ninguém que explique,

e ninguém que não entenda!”

Cecília Meireles – Romanceiro da Inconfidência

Page 8: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

Resumo

Em 1942, entrou em vigor um novo Código Penal e com ele foi

estabelecida a primeira diretriz legislativa para a separação física de

homens e mulheres no interior do complexo prisional brasileiro. Tal código

determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres

cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

adequada de penitenciária ou prisão comum”. Atendendo à determinação do

Código, em 1942 foi inaugurado, nos terrenos da Penitenciária do Estado, o

“Presídio de Mulheres” sob os cuidados das freiras da Congregação do Bom

Pastor d’Angers. A criação do presídio foi precedida por um debate que se

estendeu pelos primeiros anos de seu estabelecimento e foi promovido por

autoridades penitenciárias, políticos, advogados e médicos.

Page 9: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

Abstract

The new Penal Code came into force in 1942, along with this, it

was established the first directive role to separate men and women in

brazilian prisons. The Code determinate, by Art. 29th, in its 2nd paragraph,

that: “Women have to serve their sentence at especial establishment, or, on

its absence, in appropriate section in the penitentiary or common prison”.

Answering for the Code determination, in 1942, it was inaugurated, on land

of State’s Penitentiary, the Women’s Prison (“Presídio de Mulheres”) in

the care of the nuns from the Congregação do Bom Pastor d’Angers. The

prison’s creation was preceded by a debate that was extended for the first

years of its establishment and was promoted by penitentiary authorities,

politicians, lawyers and doctors.

Page 10: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

Figuras

Figura 1..............................................................................................73

Figura 2..............................................................................................74

Figura 3..............................................................................................76

Figura 4..............................................................................................78

Figura 5..............................................................................................80

Figura 6..............................................................................................82

Figura 7..............................................................................................84

Figura 8..............................................................................................85

Figura 9..............................................................................................89

Page 11: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

Sumário

Agradecimentos....................................................................................................02

Resumo..................................................................................................................06

Abstract.................................................................................................................07

Figuras...................................................................................................................08

Introdução.............................................................................................................12

CAPÍTULO I

Panorama Bibliográfico.......................................................................................18

Práticas de encarceramento de mulheres..........................................................26

Grã-Bretanha........................................................................................................29

França....................................................................................................................31

Estados Unidos.....................................................................................................33

Quadro Geral........................................................................................................36

CAPÍTULO II

Características do “Presídio de Mulheres”........................................................39

Uma multidão de meia dúzia: discussão sobre uma demanda............................41

A Inauguração......................................................................................................50

Mulheres devidamente habilitadas: o quadro de funcionárias...........................56

Longe das más influências: a localização do “Presídio de Mulheres”................65

Ô lá em casa: arquitetura prisional.......................................................................72

Page 12: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

Panóptico...............................................................................................................75

Filadélfia................................................................................................................79

Auburn..................................................................................................................81

“Presídio de Mulheres”........................................................................................83

Lavando a roupa suja: o trabalho prisional.........................................................90

CAPÍTULO III

O encarceramento de mulheres no Brasil: reclamações de longa data............95

O Conselho Penitenciário do Distrito Federal................................................102

Ante-projeto de Código Penitenciário do Brasil.............................................117

Inspetoria Geral Penitenciária e o Selo Penitenciário....................................120

Cadastro Penitenciário e Estatística Criminal do Brasil...............................120

Enquanto isso em São Paulo.............................................................................124

CAPÍTULO IV

No contrapelo da necessidade...........................................................................126

Bibliografia ........................................................................................................138

Anexo I ...............................................................................................................149

Anexo II ..............................................................................................................150

Anexo III ............................................................................................................151

Page 13: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

12

Introdução

Ao longo do século XIX e primeira metade do XX diversos países

europeus e americanos, sob intensos debates, promoveram reformas em seus

sistemas penais. No Brasil, os três poderes não se abstiveram diante de tais

debates e reformas, e no que dizia respeito à adequação das penas aos

condenados, uma questão que aparecia esporadicamente no século XIX

ganhou força no seguinte: E as mulheres?

Embora, o encarceramento de mulheres em salas, celas, alas e seções

separadas dos homens fosse uma prática recorrente, até o ano de 1940, não

havia qualquer diretriz legal que exigisse ou regulamentasse nem essa prática,

nem uma instituição para tal fim específico. Assim, as mulheres presas eram

separadas ou não dos homens de acordo com os desígnios das autoridades

responsáveis no ato da prisão e de acordo com as condições materiais para tal.

A criação do “Presídio de Mulheres” em São Paulo foi precedida por

intenso debate. A proposta inicial dessa pesquisa era o mapeamento destes

debates, identificando os atores sociais envolvidos, a análise dos argumentos

utilizados para justificar a criação ou não de uma instituição prisional

específica para mulheres e a análise das propostas de funcionamento da

instituição. Uma vez realizado esse mapeamento, procedemos, como etapa

seguinte, relacionar esses dados com a produção legislativa (tais como

decretos, códigos, leis, emendas, etc.) instituída entre as décadas de 1930 e

1950.

Com a sistematização dessas informações, propunha-se identificar

qual seria a natureza dessa instituição e quais as suas funções no interior do

projeto de Estado.

O procedimento inicial consistiu no levantamento e na revisão da

literatura que serviu de suporte para a realização do trabalho proposto,

Page 14: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

13

buscando aprofundamento teórico, metodológico e temático. Tal levantamento

contemplou as bibliotecas da Escola Politécnica (POLI) Faculdade de

Arquitetura e Urbanismo (FAU), Faculdade de Direito do Largo São Francisco

(FD), da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP), da Faculdade de

Educação (FE), da Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas

(FFLCH), Faculdade de Medicina (FM) e do Instituto de Estudos Brasileiros

(IEB), todas da Universidade de São Paulo; a biblioteca do Instituto Brasileiro

de Ciências Criminais (IBCCRIM). Um segundo levantamento, buscando

localizar documentação produzida no interior da instituição prisional e a esta

referente, foi feito junto ao Arquivo Público do Estado de São Paulo (APESP)

e ao Arquivo Histórico da Cidade de São Paulo.

A diversidade das fontes exigiu, diferentes tratamentos de acordo

com a natureza de cada documento, identificando seu lugar de produção sócio-

econômico, político e cultural1. Duas grandes categorias foram adotadas para a

classificação das fontes documentais: a documentação normativa estatal,

composta por leis e decretos, atas de reuniões e assembléias, relatórios e

pareceres; e os debates públicos em forma de artigos e livros. Dois foram,

também, os enfoques adotados: um de caráter pontual, destacando o contexto

mais imediato e específico da documentação; e outro de caráter relacional,

mais amplo destacando os tipos de relações que se pode estabelecer entre os

diferentes documentos2.

No que diz respeito à documentação bibliográfica, o primeiro

procedimento foi a identificação interna do discurso operacionalizada em três

1“É em função deste lugar que se instauram os métodos, que se delineia uma topografia de

interesses, que os documentos e as questões, que lhes serão propostas, se organizam”.

CERTEAU, Michel de. A Escrita da História. Trad. Maria de Lourdes Menezes. Rio de

Janeiro: Forense Universitária, 1982, p. 67. 2“Um estudo particular será definido pela relação que mantém com outros (...) Cada

resultado individual se inscreve numa rede cujos elementos dependem estritamente uns dos

outros, e cuja combinação dinâmica forma a história num momento dado.” Cf. M. Certeau,

op. Cit., p. 72.

Page 15: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

14

níveis: a descrição, o argumento e os modos pelos quais a descrição e o

argumento se combinam internamente3.

No caso da documentação normativa estatal, as precauções tomadas

pelos historiadores são ainda maiores. No interior de pesquisas históricas, a

utilização de registros produzidos no aparelho de Estado está bastante

assegurada, mesmo que com limitações4. São vestígios fundamentais das

ações, interesses e conflitos que mobilizavam a elite política de uma

determinada época. Com efeito, neste caso, foi necessário um procedimento

que transcendesse os limites de uma análise de discurso, o que não significou

subtraí-la.

A existência de diferentes discursos e de um diálogo entre eles

compôs um acirrado debate. Apontando para relações que se caracterizaram

pela inexistência de passividade e aceitação das condições das próprias

relações. Tensões, conflitos e lutas sociais vão, em alguma medida, expressar,

de algum modo, contradições e divergências na leitura de uma dada realidade

social. Identificá-las foi, portanto, imprescindível. Todavia, aí não se encontra

a novidade no trabalho do historiador. Foi preciso, ainda, compreender tais

contradições e divergências localizando-as em seu contexto histórico,

ressaltando seus diferentes agentes e interesses e reconstruindo as diversas

relações produtoras deste conflito.

Neste sentido, na presente pesquisa não pretendemos “explicar” o

que “realmente” se passou, mas nos propusemos a identificar as diferentes

etapas do processo de produção e os efeitos sociais e políticos desse debate

3“Considerado um gênero, então, deve o discurso ser analisado em três níveis: no da

descrição (mimese dos „dados‟ encontrados no campo da investigação que está sendo

demarcado ou designado para a análise; no do argumento ou narrativa (diegese), que corre

paralelamente à matéria narrativa ou se entremeia com ela; e naquele em que se realiza a

combinação desses dois níveis anteriores (diataxe).” WHITE, Hayden. Trópicos do

Discurso. Ensaios sobre a crítica da cultura. Trad. Alípio Correia de Franca Neto. São Paulo:

Edusp, 2001, p. 17, 2. ed. 4 CERVO, Amado Luiz. “Fontes Parlamentares Brasileiras e os Estudos Históricos”. In:

Latin American Research Review, vol. 16, nº 2. 1981. pp 172-181.

Page 16: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

15

construído pelos distintos agentes sociais envolvidos no processo de criação e

estabelecimento do “Presídio de Mulheres”. Assim, o que pretendemos é

entender como os atos modificam os contextos nos

quais são efetuados, e como algumas dessas modificações

conduzem à criação e à difusão de novas linguagens e novos

contextos5.

Vencida esta primeira etapa de pontuação interna da

documentação, entramos na segunda etapa: estabelecer as relações entre os

discursos e as diferentes fontes. Este trabalho foi de confrontação crítica com

um contexto mais amplo, conferindo especial atenção às consonâncias e

dissonâncias. Realizando a busca de consistência interna, conferência cruzada

de detalhes entre as fontes e os efeitos produzidos por tais relações.

Vale, ainda, destacar a advertência feita por Le Goff: todo

documento é monumento, isto é, um instrumento de poder e produto de

determinadas relações de força6. Exigindo, portanto, igual desvelo no trato

com toda a documentação, independente de sua natureza. Tal consideração nos

reporta para a direção seguida pela pesquisa, na qual nos propusemos a

considerar as origens do “Presídio de Mulheres” como produtos e como

vetores de relações sociais:

De um lado, eles são o resultado de certas formas

específicas e historicamente determináveis de organização dos

homens em sociedade (e este nível de realidade está em grande

parte presente, como informação na própria materialidade do

artefato). De outro lado, eles canalizam e dão condições a que se

produzam e efetivem, em certas direções, as relações sociais.7

5 POCOCK, op cit., p. 74.

6 Jacques Le Goff - História e Memória. 4. ed. Campinas, SP: Unicamp, 1996. p. 545-548.

7MENESES, op cit., p. 113.

Page 17: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

16

Relevante ainda é não desconsiderar o fato que, tomar a categoria

mulheres como objeto de uma pesquisa histórica demandou certos cuidados:

“Uma história social das mulheres não pode deixar de

proceder, como etapa primordial, a uma cuidadosa análise

interpretativa da historicidade dos conceitos: trabalha com

processos não determinantes, secundários ou alternativos e, por

isso, com estruturas, conjunturas, eventos, temporalidades diversas,

que se entrecruzam no tempo. A coexistência de uma pluralidade

de tempos simultâneos abre uma vertente estratégica para o estudo

da experiência histórica das mulheres”8

Atentamos assim para a variabilidade histórica, destacada por

Michelle Perrot, do próprio termo “mulheres”9 E mais ainda, para a própria

diversidade de que é composto o termo: não se pode pensar em mulheres sem

uma definição mais precisa segundo condições sociais, econômicas, raciais,

religiosas, políticas e culturais10

. Em suma, ser mulher não corresponde a uma

categoria universal e a-histórica, é, também, socialmente construída e

transformada. Além disso, não pode ser definida e pesquisada isoladamente de

8DIAS, M. Odila L. da S. Teoria e método dos estudos feministas: perspectiva histórica e

hermenêutica do cotidiano. In: Uma questão de gênero. Porto Alegre, Rosa dos Tempos,

1992, p. 48. 9 “O fator decisivo foi, aqui e alhures, creio eu, o próprio movimento das mulheres (...) Dessa

maneira, a questão da diferença entre os sexos se torna, desde o início dos anos 70, o objeto

de reflexão e de intensos debates ou divisões entre as feministas essencialistas, sobretudo

aquelas próximas da psicanálise, da linguistica e de toda uma vertente de estudos

literários(...) as também ocorrem debates entre as feministas chamadas „diferencialistas‟,

vinculadas à idéia segundo a qual a diferença entre os sexos não um dado da natureza, mas

uma construção social.” PERROT, Michelle. Escrever uma História das Mulheres: relato de

uma experiência. In: Cadernos Pagu, nº 4, 1995, pp. 17. 10

“As mulheres não são passivas nem submissas. A miséria, a opressão, a dominação, por

reais que sejam, não bastam para contar a sua história. Elas estão presentes aqui e além. Elas

são diferentes. Elas se afirmam por outras palavras, outros gestos. Na cidade, na própria

fábrica, elas têm outras práticas cotidianas, formas concretas de resistência – à hierarquia, à

disciplina – que derrotam a racionalidade do poder, enxertadas sobre seu uso próprio do

tempo e do espaço. Elas traçam um caminho que é preciso reencontrar. Uma história outra.

Uma outra história.” PERROT, Michelle. “A mulher popular rebelde”. In: Os excluídos

da história: Operários, Mulheres e Prisioneiros. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1992. pp. 212.

Page 18: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

17

sua relação com a categoria, também, histórica “homens”, nem vice-versa11

,

mesmo no interior de um estudo sobre História das Mulheres”.12

11

Aliás, a idéia segundo a qual a diferença entre masculino e feminino não é um dado natural

imutável, mas uma construção histórica e cultural, convém particularmente ao procedimento

histórico.” PERROT, op. cit, 1995, p. 24. 12

“(...) as categorias diferenciais de sexo não implicam no reconhecimento de uma essência

masculina ou feminina, (...) mas, diferentemente apontam para a ordem cultural como

modeladora de mulheres e homens”. MORAES, Maria Lygia Quartim de. Usos e limites da

categoria gênero. Cadernos Pagu, 11, 1998, pp. 99-105.

Page 19: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

18

Capítulo – I

Panorama bibliográfico

As práticas de encarceramento humano e a manutenção de pessoas

por longos períodos no cárcere, além de seu isolamento, são formas de

punição conhecidas da sociedade ocidental desde, pelo menos, o século XVI.

No embasamento dessas práticas, uma série de preceitos religiosos alicerçados

no silêncio, no isolamento e na penitencia13

foram continuamente impostos

tanto aos homens quanto as mulheres infratoras. Os conventos católicos foram

as primeiras instituições nesses moldes nos idos de 1500, inspirando mais

tarde, no final do século XVIII e ao longo do século XIX,as reformas penais

de quase todo o Ocidente.

Nesse período, o que era considerado infração e as punições a estas

correspondentes foram profundamente repensadas. As punições corporais mais

comuns tais como mutilações, torturas, suplícios e execuções públicas, foram

desaparecendo paulatinamente até que, em fins do século XIX e princípios do

XX foram legalmente abolidas dos códigos penais europeus e americanos. Em

meio a esse movimento, a alternativa que obteve eco foi a debatida no discurso

religioso da regeneração por meio da penitência. A longa reflexão silenciosa,

garantida pelo isolamento do indivíduo do restante da sociedade, possibilitaria

intenso contato consigo mesmo, profícuo para tomar consciência dos atos e,

13

UNITED STATES BUREAU OF PRISONS – Handbook of Correctional Institution

Design and Construction. 1949.

Page 20: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

19

principalmente, do encontro com Deus, passos frequentes para o

arrependimento.

Baseados na organização dos conventos, foram construídos

pequenos recintos de modo a garantir o isolamento e a penitência. Eram os

primeiros projetos arquitetônicos que, baseados nas legislações penais

organizaram o espaço de punição que substituiria o sistema clássico na

imputação de castigos físicos.

Na análise sobre estas novas práticas de encarceramento humano,

várias obras se tornaram referências obrigatórias. Um dos mais influentes

trabalhos acadêmicos surgiu na segunda metade do século XX: Manicômios,

prisões e conventos14

, de Erving Goffman, publicado em 1961. A principal

contribuição dessa obra foi a identificação e a definição das instituições totais:

“local de residência e trabalho onde um grande número de indivíduos com

situação semelhante, separados da sociedade mais ampla por considerável

período de tempo, levam uma vida fechada e formalmente administrada”15

.

Nesse trabalho, o principal objetivo de Goffman era chegar a uma versão

sociológica da estrutura do “eu”. Para tanto, reconheceu que os campos de

vida recriados na prisão não anulam nem substituem os exteriores,

permanecendo estes como referências para os internados.

A partir de estudos sobre a história das penitenciárias, dos

orfanatos, dos asilos e das habitações populares, foi lançado, em 1971, o livro,

The Discovery of the Asylum16

, de David Rothman. Rothman se propôs a

explicar por que, durante o século XIX, nos Estados Unidos, houve um intenso

movimento voltado para a institucionalização de algumas categorias da

população. Ele defendeu a idéia de que as elites políticas e econômicas

temiam a crescente democratização da sociedade. Com isso, procuraram

difundir a idéia de que a institucionalização poderia tornar os cidadãos

14

GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo, Perspectiva, 1974. 15

Idem, p. 11. 16

ROTHMAN, David. The Discovery of the Asylum. Social Order and Disorder in the New

Republic. New York, Aldine de Gruyter, 2002. Revised Edition.

Page 21: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

20

produtivos, servindo de modelo para o resto da sociedade. Essa definição de

um modelo de cidadão produtivo teria gerado simultaneamente o modelo de

cidadão improdutivo que tornou a “descoberta do asilo” num acontecimento

progressista e ao mesmo tempo profundamente conservador. Para Rothman,

este conflito não resolvido teria sido a raiz do fracasso da institucionalização

reabilitadora no período pós-guerra civil. Em seus argumentos, o avanço da

democracia não corresponde ao aumento da liberdade dos indivíduos. Pelo

contrário, com o avanço da democracia o que se viu foi um simultâneo

aumento de instrumentos de controle social.

A obra Vigiar e punir17

de Michel Foucault, publicada em 1975, é

uma referência de peso. Assentado, principalmente, em documentação

institucional produzida no final do século XVIII e ao longo do século XIX,

Foucault faz uma análise dos mecanismos sociais que teriam motivado as

grandes mudanças que se produziram nos sistemas penais durante a era

moderna no ocidente. A obra também contribuiu para alteração de um certo

modo de pensar e fazer política ao apresentar uma nova definição das relações

de poder. Para Foucault, não seria necessário apropriar-se de algo para

dominá-lo ou submetê-lo, uma vez que o poder se exerce por meio de

estratégias sistematicamente renovadas18

. A obra de Foulcault é, sem dúvida,

uma das maiores referências no que diz respeito às práticas de encarceramento

e aplicação de punição na sociedade ocidental do século XIX.

A coletânea de artigos de Michelle Perrot, publicada no Brasil em

1988, sob o título de Os excluídos da História19

, trouxe à baila a discussão a

respeito das dimensões dos sujeitos da História. Além disso, registrou o

“silêncio dos arquivos e dos sótãos” sobre os transgressores da ordem

burguesa. Entre esses, Perrot deu destaque às mulheres, aos operários e aos

17

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Nascimento da prisão. 3ª ed. Tradução de Lígia M.

Ponde Vassalo. Petrópolis, vozes, 1984. 18

Idem, p. 26. 19

PERROT, Michelle. Os excluídos da história: Operários, mulheres e prisioneiros. Rio de

Janeiro, Paz e Terra, 1992.

Page 22: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

21

prisioneiros. Os excluídos da História contribuiu, sobretudo, ao trazer a

público as maiores dificuldades a serem enfrentadas para se pesquisar

determinados atores sociais, durante tanto tempo ignorados por parte

considerável da historiografia, o que os torna, por isso mesmo, objetos

riquíssimos de investigação histórica.

É também de Michelle Perrot o trabalho organizado em 1980,

L’impossible prison20

. Nesse livro, um grupo de historiadores franceses se

lançam ao debate com Michel Foucault a respeito de seu trabalho Vigiar e

punir. Os artigos consistem em estudos especializados sobre casos específicos

da França do século XIX. O mais interessante desse estudo, a meu ver,

consiste no argumento de que haveria um contraste nas continuidades

escondidas na transformação do castigo entre 1750 e 1850.

Inicialmente influenciada pelo trabalho de Foucault, Vigiar e punir,

Patrícia O‟Brien teve sua obra, The Promise of Punishment21

, publicada em

1982. Baseada nas prisões e nos sistemas punitivos da França no século XIX,

seu estudo começa com um panorama dos valores reformistas na Medicina, no

Direito e na Filantropia que teriam moldado a ascensão do sistema

penitenciário. O'Brien alega que os diferentes programas de reabilitação do

preso (como a liberdade condicional, a intensificação do rigor sobre os

reincidentes ou o estabelecimento dos patronatos) não significam o fracasso

da prisão, nem qualquer movimento incipiente de sentido humanitário, de

desinstitucionalização. Em vez disso, eles indicariam a enorme extensão das

medidas corretivas que avançavam para a vida egressa dos ora aprisionados.

Exercendo influência na vida daqueles que um dia foram encarcerados,

mesmo muito tempo depois de terem cumprido suas penas e serem libertos.

20

PERROT,Michelle. (org.) L’impossible prison. Recherches sur le system pénitentiaire au

XIX siècle reunites par Michelle Perrot. Débat avec Michel Foucault. Paris, Éditions du

Seuil, 1980. 21

O'BRIEN, Patricia. The Promise of Punishment. Prisons in Nineteenth-Century France.

Princeton, Princeton University Press, 1982.

Page 23: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

22

Sob a co-edição de Norval Morris e J. David Rothman, foi

publicada, em 1998, a coletânea The Oxford History of the Prison22

. Ela conta

com colaboradores que traçaram uma história das punições e dos

aprisionamentos desde a antiguidade até períodos recentes, apresentando as

transformações da ideologia e das práticas do encarceramento a partir de uma

abordagem mais ampla de mudança social e política. O livro é dividido em

duas partes, a primeira apresenta uma narrativa histórica mais pontual,

focando principalmente o sistema prisional dos Estados Unidos e Grã-

Bretanha a partir da década de 1780. Os capítulos da segunda parte analisam

mais detalhadamente uma série de temas, tais como a justiça local, a reforma

escolar e juvenil e a história da literatura sobre as práticas de aprisionamento.

No Brasil, a regulamentação estatal sobre as condições de

confinamento das mulheres foi bem posterior à dos homens. As prisões, sua

administração, suas condições de funcionamento, seu quadro de funcionários,

suas funções e seus aprisionados compuseram as linhas centrais de muitas

pesquisas que tentaram entender a regulamentação sobre as condições de

aprisionamento das mulheres no Brasil. Estes são temas já bastante presentes

em pesquisas acadêmicas na área do Direito e das ciências ligadas à saúde.

Discussões a respeito, por exemplo, da formação identitária das

presas e/ou do tratamento jurídico e social dispensado aos seus crimes estão

presentes há longa data nos estudos jurídicos, como aponta Ramidoff23

. As

condições sanitárias e o atendimento por parte do sistema carcerário às

questões de habitabilidade ligadas à higiene24

, os tipos de tratamento que

22

MORRIS, Norval & ROTHMAN, David (Edited by). The Oxford History of the Prison.

The Practice of Punishment in Western Society. New York – Oxford, Oxford University

Press, 1998. 23

RAMIDOFF, Mário Luiz. Mulheres Reclusas. In: Revista do Conselho Nacional de

Política Criminal e Penitenciária. Brasília, 1 (18) – jan./jul. 2005, p. 113-125. 24

LIMA, G. M. B. Mulheres Presidiárias: Sobreviventes de um mundo de sofrimento,

desassistência e privações. 2005. Dissertação (Mestrado de Enfermagem em Saúde Pública)

– Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa – PB.

Page 24: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

23

envolvem a saúde mental das presas25

e a disseminação de doenças

sexualmente transmissíveis26

são os temas que recebem maior atenção das

pesquisas ligadas, principalmente, à Enfermagem, à Medicina e à Psiquiatria27

.

Já nas Ciências Sociais e Humanas, não são muitos os trabalhos

dedicados à presença feminina nas instituições prisionais. Nos últimos vinte

anos, pesquisas sobre o cotidiano e o tratamento carcerário dispensado às

presas despertou o interesse de antropólogas. Cito, como exemplo, o trabalho

de Marina Albuquerque Silva em sua dissertação, defendida em 1992, Nos

Territórios da Desordem: as desordens femininas na ordem da delinqüência28

,

no qual, a partir de pesquisas de campo, realizadas nos anos de 1980 e 1981,

na Penitenciária Feminina da Capital de São Paulo, a autora se propõe a

localizar padrões culturais e as principais formas de representação da

criminalidade e da delinqüência feminina. Para isso, parte da observação direta

e da elaboração de diagnósticos. Ao discutir o que seria a desordem social e

qual o papel que ela ocupa, a autora acaba por identificar diferentes tipos de

desordens. Assim, ela propõe que exista um conjunto de desordens já

esperadas, ou em suas próprias palavras uma “ordem de desordens”. Entre

essas ordens já esperadas não constam as desordens femininas, consideradas

como “novas desordens”.

Outro exemplo na área das Ciências Sociais é o trabalho de

Rosemary de Oliveira, Mulheres que Matam: Universo imaginário do crime

no feminino29.

Aqui a autora destaca as significações e representações da

25

EVANGELISTA, Roberto. Representações da assistência psicológica e do psicólogo no

imaginário das sentenciadas da penitenciária feminina. São Paulo, Dissertação de Mestrado-

USP, 1993. 26

FERREIRA, Marizete Medeiros da Costa. Infecção pelos retrovírus HIV-1, HTLV-I e

HTLV-II na população feminina da Penitenciária do Estado de São Paulo : prevalência,

fatores de risco e conhecimento desse risco. São Paulo, tese de doutorado – USP, 1997. 27

LIMA, Márcia de. Mulher e prisão: um desafio à saúde pública. Rio de Janeiro, 2006.

Trabalho de evento nacional em CD-ROM. 28

SILVA, Marina Albuquerque. Nos Territórios da Desordem: as desordens femininas na

ordem da delinqüência. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – FFLCH/USP,

1992. 29

ALMEIDA, Rosemary de Oliveira. Mulheres que Matam: Universo imaginário do crime no

feminino. Relume Dumará, Rio de Janeiro, 2001.

Page 25: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

24

violência e da criminalidade no cotidiano da mulher assassina da classe

popular, buscando identificar quem é essa infratora e que lugar ela ocupa no

cenário da criminalidade. Rosemary de Almeida relaciona a publicidade do

crime com a classe social da encarcerada. Descreve as inúmeras restrições

sofridas na tentativa de acessar os processos de crimes cometidos por

mulheres da classe média cearense. A obra é composta por estudos de caso a

partir de entrevistas e análise de prontuários, todos realizados no Presídio

Feminino Desembargadora Auri Moura Costa, na cidade de Fortaleza, Ceará,

entre 1997 e 1999, valendo-se de reportagens de jornais, processos criminais e

visitas ao presídio.

Bárbara Musumeci Soares e Iara Ilgenfritz, em parceria, lançaram

em 2002 o livro Prisioneiras: vida e violência atrás das grades30

. O livro está

dividido basicamente em três partes: inicialmente apresenta um conjunto de

descrições a respeito do cotidiano vivido e observado pelas pesquisadoras na

penitenciária Tavalera Bruce e no manicômio judiciário. Na sequência, fazem

um breve histórico sobre o aprisionamento de mulheres no estado do Rio de

Janeiro. Por fim, apresentam a análise de dados coletados nas entrevistas com

as presas. A obra é resultado de pesquisas realizadas no período em que as

autoras compunham um grupo de trabalho ligado à Secretaria de Estado de

Segurança Pública do Rio de Janeiro visando a elaboração de propostas para

uma nova política penitenciária.

Na área da Educação, o encarceramento de mulheres no Estado de

São Paulo a partir de 1950 foi o tema central da pesquisa Mulher

Encarcerada: trajetória entre a indignação e o sofrimento por atos de

humilhação e violência31

, de Hélio Roberto Braunstein. O autor faz um

30

SOARES, Bárbara M. & ILGENFRITZ, Iara. Prisioneiras: vida e violência atrás das

grades. Rio de Janeiro, Garamond, 2002. 31

BRAUNSTEIN, Hélio Roberto. Mulher Encarcerada: trajetória entre a indignação e o

sofrimento por atos de humilhação e violência. Dissertação de Mestrado, Faculdade de

Educação/USP, 2007.

Page 26: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

25

levantamento sobre a questão da mulher encarcerada no âmbito das políticas

públicas e a partir disso faz uma descrição dos procedimentos administrativos

e do tratamento de uma unidade prisional destinada ao encarceramento de

mulheres.

Fora do caminho traçado pelas obras resultantes de pesquisas

acadêmicas, há também o livro de Maria Werneck, Sala 4: Primeira Prisão

Política Feminina. Publicado, aproximadamente, em 1988, trata-se de um

livro de memórias onde são apresentados diversos relatos, hinos, letras de

músicas e manifestos de presos políticos na Casa de Detenção do Distrito

Federal durante a década de 1930. Werneck descreve o cotidiano prisional, a

movimentação de presas na cela, a comunicação com os presos políticos do

sexo masculino e com carcereiros. Nomeia suas companheiras de luta e de

cela e uma infinidade de situações ligadas ao cotidiano carcerário das presas

políticas após o golpe de 1930.

Ao contrário da literatura internacional, entretanto, pouca atenção

foi dispensada ao tema, no que diz respeito aos estudos do século XX. Foi

somente nos últimos vinte anos que a temática recebeu maior atenção dos

historiadores e, apesar de ser crescente, a produção ainda está em fase de

consolidação no que concerne à pesquisa histórica32

. Nesse sentido, ganha

destaque o levantamento histórico a respeito das prisões em São Paulo

produzido pelo sociólogo Fernando Salla, As Prisões em São Paulo, 1822-

194033

, que ao se utilizar de bem documentada cronologia das prisões, mapeou

a trajetória das instituições prisionais (Cadeia da Capital, Casa de Correção e

Penitenciária do Estado) e das práticas de encarceramento, bem como suas

bases legais e suas condições materiais.

32

MAIA, Clarissa Nunes; SÁ NETO, Flávio de; COSTA, Marcos & BRETAS, Marcos Luiz

(Orgs.) “A Prisão no Brasil”. In: História das Prisões no Brasil. Rio de Janeiro, Rocco,

2009. Volume I. 33

SALLA, Fernando. As prisões em São Paulo: 1822-1940. São Paulo, Annablume, 1999.

Page 27: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

26

Outro livro importante foi Os signos da opressão34

, de Regina Célia

Pedroso. A autora faz um levantamento dos mais diversos estabelecimentos

carcerários criados no Brasil durante o período de 1890 a 1940. Ela faz um

apanhado dos debates sobre questões como o trabalho penitenciário e a

superlotação carcerária, estabelecendo uma relação entre o modelo prisional e

os mecanismos de controle utilizados pelo Estado que reforçariam e

legitimariam a mentalidade da época. Conclui apontando a existência de um

descompasso entre a ideologia da “modernidade prisional” e a situação

“calamitosa” das prisões.

Na recente coletânea, História das Prisões no Brasil35

, organizada

em dois volumes e composta por diversos artigos produzidos, principalmente,

por pós-graduandos espalhados por diversas regiões do país, a diversidade

teórica e o aparato documental escolhido não constituem um conjunto de

reflexão homogênea, mas apontam diversos caminhos que podem ser

percorridos por essa nova área de pesquisa histórica que ora se constitui.

Alguns artigos trilham a história das instituições, analisando os discursos

administrativos e sua compreensão sobre o poder. Há também artigos que se

propõem a refletir sobre a história do cotidiano carcerário, nos mostrando que

a temática das prisões aparece como uma riqueza de possibilidades a ser

explorada pelos historiadores36

.

No que diz respeito á prisão de mulheres, os trabalhos são bastante

escassos. O primeiro levantamento histórico a respeito de uma prisão para

mulheres no Brasil foi a monografia de conclusão de curso em direito, Origens

34

PEDROSO, Regina Célia. Os signos da opressão. História e Violência nas Prisões. São

Paulo, Arquivo do Estado/Imprensa Oficial, 2003. 35

MAIA, Clarissa Nunes; SÁ NETO, Flávio de; COSTA, Marcos & BRETAS, Marcos Luiz

(Orgs.) História das Prisões no Brasil. Rio de Janeiro, Rocco, 2009, Volume I e II.

36 Outra obra que trata do assunto é o livro Carandiru, de Elizabeth Cancelli. Aqui a autora

faz uma análise da Penitenciária do Estado, tratada como um modelo de eficiência e higiene,

de acordo com as exigências do Código Penal de 1890. Cancelli aponta ainda o papel

exercido pelos médicos psiquiatras e pela criminologia sobre a aplicação das penas.

CANCELLI, Elizabeth. : a prisão, o psiquiatra e o preso. Brasília, UNB, 2005.

Page 28: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

27

da Prisão Feminina no Rio de Janeiro. O Período das Freiras (1942-1955), de

Elça Mendonça Lima37

. O texto baseia-se, sobretudo, na documentação

administrativa da Penitenciária de Mulheres da Capital Federal (Rio de

Janeiro) e no livro A questão sexual nas prisões de Lemos Brito. Nesse estudo,

a autora comparou o discurso das autoridades com o das freiras responsáveis

pela administração da penitenciária, identificando nesses discursos um acordo

quanto à definição da mulher como um “vazio de determinações”. A

implementação da prisão feminina foi apontada como uma “técnica de

aceitação da condição subordinada”38

. Assim, a autora acaba definindo a

criação do complexo penal feminino como uma via de mão única. O Estado –

tratado como uma entidade completamente desligada das relações humanas –

decide e as detentas – vítimas dessa técnica – aceitam.

Práticas de encarceramento de mulheres

Por volta de meados do século XIX, os regimes prisionais tanto

para homens quanto para mulheres eram geralmente organizados em duas

instâncias: as prisões locais, ou cadeias, e as penitenciárias estatais, ou

presídios. Os componentes básicos das prisões em ambos os níveis eram

bastante parecidos em alguns países europeus e nos Estados Unidos. Nas duas

instâncias havia celas, sessões de trabalho, capela, escola e enfermaria. Mas

em muitos outros aspectos eles diferiam acentuadamente. Deter um prisioneiro

por longo período de tempo certamente produz demandas diferenciadas no

complexo prisional. Também, quando nos referimos ao encarceramento de

mulheres, devemos levar em conta a separação entre a natureza desses dois

tipos de prisões. De um lado, temos a detenção de poucos dias. De outro lado,

37

LIMA, Elça Mendonça. Origens da prisão feminina no Rio de Janeiro: o período das

freiras (1942-1955). Rio de Janeiro, OAB, 1983. 38

Idem, p. 75.

Page 29: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

28

temos o longo encarceramento ocasionado muitas vezes por sentença. As

detenções correspondiam ao maior número de casos de encarceramento de

mulheres ao longo do século XIX e meados do XX. A maioria por

prostituição, alcoolismo, vadiagem e pequenas brigas.

O confinamento de mulheres em prisões (locais ou penitenciárias)

existia, desde, pelo menos, o século XVIII39

. Entretanto, este encarceramento

acontecia sob condições muito variadas, sem qualquer regulamentação até,

pelo menos, a década de 1820 na Europa. O encarceramento das mulheres era

praticado de acordo com os desígnios das autoridades responsáveis pela

detenção. Não havia obrigatoriedade legal de aprisionar as mulheres

separadamente dos homens, de modo que se a autoridade responsável pela

detenção não o fizesse, não responderia legalmente por isso.

Houve, ainda, durante todo o século XIX e início do XX, na

Europa e nos EUA, mais dois agravantes no que diz respeito às práticas de

encarceramento de mulheres. O primeiro era o espaço físico. As prisões de até

então não haviam sido projetadas levando-se em consideração a presença de

mulheres; que tipo diferenciado de detento que deveria ser guardada em

separado dos homens. Em muitos casos, delegados e chefes de polícia

intencionavam aprisionar separadamente os homens das mulheres, mas não

havia espaço físico para tal separação. As celas eram geralmente pequenas,

superlotadas, juntas umas das outras e misturavam pessoas dos mais variados

tipos e detidas pelos mais variados delitos40

. A separação proposta, durante o

século XIX, dizia respeito não somente à segregação entre homens e mulheres,

mas devia ser operada entre as próprias presas. Dever-se-ia, primeiramente,

separar as detidas ou que estivessem aguardando julgamento das já

39

ZEDNER, Lucia. “Wayward Sisters. The Prison for Women.” In: MORRIS, Norval &

ROTHMAN, David (Edited by). The Oxford History of the Prison. The Practice of

Punishment in Western Society. New York – Oxford, Oxford University Press, 1998, p. 295. 40

PERROT, Michelle. Os excluídos da história: Operários, mulheres e prisioneiros. Rio de

Janeiro, Paz e Terra, 1992, p. 235.

Page 30: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

29

sentenciadas, entre essas mais outras duas separações eram recomendadas, por

tipo de crime e idade.

O segundo agravante que diz respeito ao encarceramento de

mulheres era o quadro de funcionários. Composto por carcereiros das mais

variadas orientações éticas, esses quadros não recebiam qualquer treinamento

profissional específico para lidar com um público tão variado (sexo, idade,

variedade de sentenças, de crimes cometidos, condições de saúde). Assim, não

era incomum que as cadeias públicas fossem transformadas nos períodos

noturnos – e, por vezes, nos diurnos também – em verdadeiros prostíbulos41

.

Grã-Bretanha

Na Grã-Bretanha, a primeira referência legal ao encarceramento de

mulheres foi o Gaol Act proposto pelo Sir Robert Peel, em 1823. Esse ato

exigiu que as mulheres uma vez detidas fossem mantidas separadamente dos

homens. Outra exigência do Goal Act era a de que as presas fossem

supervisionadas somente por carcereiras do sexo feminino, proibindo que

qualquer homem fosse autorizado a frequentar ou sequer visitar a ala feminina

da prisão, a menos que estivesse acompanhado por uma funcionária do sexo

feminino42

.

Essa separação foi resultado de uma intensa campanha de mulheres

oriundas das camadas britânicas mais burguesas43. Ligadas a projetos de

caridade, essas burguesas dedicaram especial atenção à vida de mulheres em

situação de cárcere, atenção que se estendeu ao longo de todo o século XIX.

Uma das primeiras e mais influentes figuras na organização da vida prisional

das mulheres, tanto na Grã-Bretanha quanto nos Estados Unidos, foi Elizabeth

41

ZEDNER, 1998, p. 307. 42

ZEDNER, op. cit., p. 298. 43

ZEDNER, Lucia. Women, Crime and Custody in Victorian England. Oxford, Clarendon

Press, 1994.

Page 31: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

30

Fry44

. Ela era uma típica Quaker engajada com o trabalho religioso e

filantrópico e fez numerosas campanhas com vistas ao estabelecimento de uma

regulamentação mínima para as práticas de encarceramento de mulheres, além

de denunciar uma situação que considerava crítica: as promíscuas condições

dos regimes prisionais vigentes.

Combinando visitas missionárias com ampla publicidade, Fry

rapidamente ganhou visibilidade. Durante as décadas 1820 e 1830, fez viagens

promocionais pelas ilhas britânicas, conquistou várias adeptas e criou várias

associações de senhoras como, por exemplo: Ladies Association for the

Reformation of Female Prisioners in Newgate, criada em 1821; British Ladies

Society for the Reformation of Female Prisoners, criada em 181745

. Juntas,

essas associações empenharam considerável energia na conquista de melhores

acomodações, estabelecendo regimes especiais para as mulheres e programas

de tratamento moral.

Esse trabalho deu origem a uma forte tradição de reivindicações

por reformas prisionais impulsionadas por mulheres das classes médias nos

Estados Unidos. A maioria delas advinha do setor liberal, principalmente

Quakers ou Unitarians46

. E muitas estavam profundamente envolvidas numa

variedade de outras campanhas sociais, por exemplo, o pacifismo e anti-

escravismo. A empreitada foi bem sucedida, suas grandes campanhas

chamaram bastante a atenção para as condições de bem estar de mulheres

prisioneiras, garantiu que o estado das prisões femininas se tornasse um

assunto de importância e debates públicos.

Chamadas de “Ladies Visitors” eram conhecidas por agregarem

referências morais, tais como: inocência, pureza, modéstia, passividade e

altruísmo, o que as levou a serem consideradas como modelo de inspiração

para a regeneração das presas. No entanto, essas associações nem sempre eram

44

ROSE, June. Elizabeth Fry, a biography. London & Basingstoke: Macmillan, 1980. 45

ZEDNER, op. cit., 1994. 46

Tradução do dicionário Oxford: um membro de uma igreja cristã que não acredita na

Trindade e não tem educação formal.

Page 32: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

31

bem recebidas no interior das nas prisões. Muitas autoridades consideravam

sua intervenção amadorística e causadora de entraves ao cotidiano prisional47

.

Escrevendo anos mais tarde, Fry deplorava a contínua presença de

homens nas prisões femininas da França: “Os guardas! Essa é a praga das

prisões onde as mulheres são mantidas”48. Entre 1837 e 1838, em visita à

França, Fry descreveu seu choque diante da quantidade de internas que

engravidaram no interior da prisão e que sofriam todo tipo de exploração dos

guardas. Para a maior parte das autoridades penitenciárias, a segregação

estava circunscrita apenas à existência de quartos ou celas nas prisões

masculinas para as quais as mulheres poderiam ser encaminhadas. O consenso

era o de que a separação física dos sexos era o único meio possível de criar um

ambiente condutor de reforma.

França

No início do século XIX, na França, os reformadores das prisões

defendiam a indispensabilidade de garantir a proteção das mulheres, uma vez

que, nas condições de então, elas não estavam livres da exploração masculina

(tanto de outros prisioneiros quanto dos próprios guardas). Por um lado, a

justiça exigia que as mulheres fossem punidas por seus crimes; por outro lado,

o ideal do esclarecimento exigia que elas fossem tratadas diferentemente e

separadamente. Assim, por volta de 1820, a maioria das cadeias francesas já

providenciavam acomodações diurnas e noturnas separadas para homens e

mulheres49

.

Em 1863, iniciou-se a construção da primeira prisão para mulheres

na França. Em 1869, a obra estava concluída e no ano seguinte o presídio foi

inaugurado na cidade de Rennes com o nome de “Maison Centrale de Force

47

ZEDNER, op. cit., 1994, p. 299. 48

“The Guards! This is the plague of prisons where women are kept”. ROSE, op. cit., 1980. 49

O‟Brien, op. cit., p. 62.

Page 33: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

32

et de Correction”. A prisão foi projetada para abrigar entre 900 e 1000

mulheres, mas no ano de sua inauguração abrigou somente 23050

.

No que diz respeito ao quadro de funcionários, as prisões francesas,

bem como tantas outras, tiveram certa dificuldade no recrutamento de

mulheres que se adequassem às exigências do trabalho carcerário. Ao mesmo

tempo, a larga população de freiras católicas proporcionou um quadro de

pessoal prontamente disponível de mulheres cuja moral e fé religiosa atendiam

às expectativas reformadoras. Nesse sentido, ordens religiosas inteiras, como

as irmãs de Marie-Joseph, se dedicaram a compor os quadros de funcionários

das prisões para mulheres na França51

. Elas cumpriam o papel de modelos de

feminilidade e religiosidade que os administradores das prisões esperavam.

Entretanto, nem todos na França estavam de acordo com o trabalho

dessas ordens religiosas. Republicanos anticlericais objetaram o emprego das

freiras nas instituições dirigidas pelo Estado. Outros objetaram em graus mais

pragmáticos:

As irmãs consideram os interesses de sua comunidade

religiosa acima dos demais; elas escolhem as melhores súditas das

prisões centrais, aquelas que sejam capazes de facilmente

ganharem a vida.

As freiras assim se instrumentalizaram com grupos de trabalho

pesado de mulheres “administráveis” que estariam em condições de reproduzir

as próprias ordens religiosas.

50

http://pharouest.ac-rennes.fr/e352009U/lycee/tpe/ville/Prison/Prison.htm Consultado em:

21/11/2009. 51

ZEDNER, Lucia. “Wayward Sisters. The Prison for Women.” In: MORRIS, Norval &

ROTHMAN, David (Edited by). The Oxford History of the Prison. The Practice of

Punishment in Western Society. New York – Oxford, Oxford University Press, 1998.

Page 34: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

33

Estados Unidos

Nos Estados Unidos, uma lei aprovada em 1828 exigiu que todas as

prisões nacionais segregassem os prisioneiros das prisioneiras52

. A primeira

prisão nos moldes reformistas inaugurada em separado para as mulheres nos

Estados Unidos foi fundada em 1835. Localizada em Nova York, a Mount

Pleasant Female Prison, foi estabelecida tentando dar vazão à superlotação

existente nas prisões de Nova York. Ela permaneceu a única prisão para

mulheres no país até os anos de 1870. Contudo, a administração de Mount

Pleasant não era autônoma, estava oficialmente sob a responsabilidade dos

inspetores da prisão de Sing Sing53

.

No Estados Unidos, embora a legislação a exigisse, a segregação de

homens e mulheres significava somente a existência de alas distintas no

interior da mesma prisão, enquanto a França tinha estabelecido prisões

especificamente para mulheres já nos anos de 1820 e a Grã-Bretanha por volta

de 185054

.

Somente em 1874, foi fundada no estado de Indiana a Indiana

Reformatory Institution, a primeira prisão para mulheres completamente

independente em sua administração e fisicamente separada dos

estabelecimentos masculinos nos Estados Unidos. Além dessa, outras três

instituições desempenharam papel central no movimento reformista pelo

pioneirismo de suas técnicas e estruturas. Foram elas: Massachusetts

Reformatory Prison for Women, inaugurada em 1887; Western House of

52

Female Offenders: Special Needs And Southern State Challenges - A Special Series

Report Of The Southern Legislative Conference – 2000. Pg.11. 53

FREEDMAN, Estelle B. Their Sisters’ Keepers: Women‟s Prison Reform In America,

1830-1930. Ann Arbor, University of Michigan Press, 1981. 54

ZEDNER, op. cit., 1998, p. 316.

Page 35: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

34

Refuge, fundada em Albion e inaugurada em 1893; e Belford Hills

Reformatory, fundada em Nova York e inaugurada em 190755

.

O envolvimento das mulheres na reforma prisional começou com

as visitas de voluntárias à prisão – uma atividade que muitas vezes foi

considerada pelas autoridades prisionais como marginal. Nos últimos anos do

século XIX e início do XX, essas mulheres desempenharam um papel muito

mais central. Na fundação da American Prison Association, em 1870, por

exemplo, elas formaram um conjunto sólido, dedicado a intensificar o debate

sobre os métodos penais e sobre a execução da reforma penal56

.

Nessa e em outras organizações similares, mulheres filantropas

desenvolveram novas idéias sobre a proposta de prisões femininas e, com

efeito, sobre o próprio governo e seu regime político. Muitas propunham um

novo tipo de ”feminismo social”, argumentando que elas, como mulheres,

tinham virtudes femininas únicas que poderiam ser aplicadas de modo muito

frutífero no desenvolvimento de instituições mais aptas a responder às

necessidades especiais que seu sexo demandaria57

. As novas instituições

reformatórias para mulheres eram o resultado direto desses esforços, essas

instituições criadas nos modelos de reformatórios, ao invés de francas prisões,

eram efeitos das mudanças de concepções sobre as mulheres infratoras no

final do século XIX nos Estados Unidos.

Em alguns aspectos os vinte reformatórios fundados para mulheres

no período que foi de 1870 a 1935 ecoaram o etos e a organização das

primeiras prisões para mulheres estabelecidas na Grã-Bretanha por volta da

metade do século. Significativamente, muitas reformadoras americanas

influentes tinham visitado Mount Joy Female Convict Prison em Dublin e

estavam impressionadas com as possibilidades do tratamento diferenciado de

uma instituição separada, governada e dirigida inteiramente por mulheres.

55

FREEDMAN, op. cit., p. 1981. 56

RAFTER, Nicole Hahn. Partial Justice: Women, Prisons, and Social Control. New

Brunswick, Transaction Publishers, 1990. 57

ZEDNER, op. cit., 1998, p. 315.

Page 36: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

35

Portanto, as perspectivas de reformas dos estabelecimentos

prisionais americanos, em certos aspectos, diferiam das britânicas. Enquanto

as prisões para mulheres na Grã-Bretanha eram pesadamente restritas por sua

arquitetura local aproveitada das instalações projetadas para os presos do sexo

masculino, as reformadoras americanas passaram a investir também em

projetos arquitetônicos específicos cujas construções correspondessem aos

ideais que elas procuravam inculcar em suas internas e assegurar

institucionalmente.

A maioria desses novos estabelecimentos era fundada em áreas

rurais, frequentemente em vastos campos. O Massachusetts Reformatory

Prison for Women ocupava trinta acres, a House Refuge em Hudson, Nova

York, se estendia por quarenta acres e o Western House of Refuge foi

construído num campo de cem acres.

De muitas maneiras, a vida nesses reformatórios estava longe de

ser menos severa do que nas prisões masculinas da mesma época, e há ainda

um aspecto importante, o reformatório representava uma maior infração sobre

a liberdade das mulheres. Embora as práticas penais sobre as sentenciadas

variassem de estado para estado, a norma era uma sentença “indeterminada”

de três anos. “Indeterminada” porque as sentenças correspondiam legalmente

ao período de três anos, contudo a presa só era definitivamente libertada

quando se considerasse que esta tivesse atingido os objetivos da reforma,

gerando assim um número alto de mulheres que permaneciam muitos anos nas

prisões chegando a ficar por toda a vida.

Usava-se como justificativa para esse tipo de tratamento o

argumento de que as mulheres eram enviadas para os reformatórios não para

serem punidas na mesma proporção da seriedade de suas infrações, mas para

serem reformadas e recuperadas. Num processo que, como era sustentado,

exigia tempo. Cada vez mais, a pressão para deter as mulheres por tão longos

períodos vinha não somente dos reformadores, mas também do crescente

Movimento Eugênico, que pretendia atribuir “genética inferior” à estas

Page 37: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

36

mulheres removidas da circulação social, e que portanto deveriam permanecer

afastadas da sociedade pela maior quantidade de tempo possível.

Quadro Geral

Na Europa, o desenvolvimento da ciência médica, particularmente

a psiquiatria, foi a força impulsionadora da reforma penal. Essa

“medicalização” do desvio promoveu um novo modo de pensar. Como

explicaria o Dr. Eugene Dally, explicou:

Deve-se tratar criminosos como doentes, não levando

em consideração nem o ódio, nem a raiva, nem o espírito de

vingança e limitar-se a preservar a sociedade dos perigos que sua

presença traz” 58

Ao mesmo tempo, o aumento da influência do darwinismo social

focou atenção no potencial da mulher criminosa, elas poderiam produzir

futuras gerações de “crianças viciadas, neuróticas”, como o médico escocês,

Dr. Clouston, chegou a defender:

Quando ilegitimamente crianças nascem de tais

jovens mulheres, as chances estão enormemente a favor de se

tornarem ou imbecis, degeneradas ou criminosas.

A incapacidade genética foi tomada prioritariamente sobre a

punição como a proposta primária da custódia feminina.

O último quarto do século XIX foi um período de considerável

inovação para as prisões de mulheres no Ocidente. De modo geral, o impulso

para a reforma veio principalmente de um poderoso corpo de mulheres que,

58

“One must treat criminals as sick, having with regard to neither hate no ranger nor the

spirit of vengeance and limit oneself to preserving society from the dangers their presence

brings”. Zedner, 1998, apaud, Eugene Dally.

Page 38: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

37

muito influenciado pela existência de reformatórios já estabelecidos para

menores delinquentes, fizeram campanha para lançarem instituições similares

para mulheres adultas. Muitas dessas reformadoras tinham sido ativas na

salvaguarda de crianças e outras tinham ganhado experiência numa gama de

movimentos de reforma social, educacional e de bem-estar. Um princípio

central de suas filosofias era o de que as mulheres exigiam tratamento

separado, apropriado ao seu sexo.

Significativamente, nos Estados Unidos, e em parte da Europa

Ocidental, foram as políticas penais para mulheres que promoveram as

maiores inovações nesse período. Isso ocorreu por conta da menor escala de

aprisionamento de mulheres, o que permitiu flexibilidade para novas

experimentações. A emergente visão nos EUA das mulheres infratoras como

voluntariosas e o crescimento do reconhecimento na Europa das razões

médicas para a infração criminal entre mulheres, tendiam a aumentar as

questões sobre a utilidade da punição daquelas que poderiam não ser

totalmente responsáveis por seus crimes. Isso levou à remoção de muitas

mulheres das prisões de custódia. Elas seriam sentenciadas e levadas aos

novos reformatórios, cuja proposta ostensivamente não era punir, mas curar e

reabilitar.

Outro efeito existente dessa investida médica sobre as mulheres

infratoras era o fato de que se construía uma tentativa de controle sobre elas

através da imposição de pequenas sentenças em prisões locais, especializadas,

decorrentes de infrações insignificantes em prisões locais, por períodos

indeterminados nessas novas instituições especializadas. Essas mulheres

estavam sujeitas à detenção até que elas fossem consideradas reformadas ou

curadas. Aquelas que se mostraram recalcitrantes ou incuráveis, como no caso

de mulheres portadoras de deficiências mentais, estavam sujeitas a permanecer

confinadas indefinidamente.

Estas práticas de aprisionamento de mulheres seguiram o modelo

do “Regime de Estágio Progressivo” configurado para homens. Funcionava

Page 39: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

38

como uma série de estágios a serem alcançados no interior do regime

carcerário, por meio do qual as condenadas seriam deslocadas durante o

período de sua sentença dependendo de seu comportamento. Para os homens,

a característica central do Regime Progressivo era a existência do estágio dos

“trabalhos públicos”', no qual eles eram empregados em trabalho pesado em

pedreiras e na construção de obras públicas. Não havia trabalho comparável ou

considerado adaptável às mulheres, que pudesse ser aplicado em similaridade

ao dos “trabalhos públicos”.

A visão de Elizabeth Fry da prisão para mulheres era claramente

diferente daquela das prisões criadas para homens. Enquanto as propostas de

reforma da prisão masculina enfatizavam o tratamento uniforme, direção

formal e rígida adesão às regras, Fry advogava que as mulheres fossem

“carinhosamente tratadas” com gentileza e simpatia, assim elas seriam

alegremente submetidas às regras e cooperariam voluntariamente em sua

própria reforma.

Page 40: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

39

CAPÍTULO – II

Ao longo do século XIX e primeira metade do XX diversos países

do mundo, sob intensos debates, promoveram reformas em seus complexos

penais. Os três poderes (Judiciário, Legislativo e Executivo) do Estado

brasileiro não se abstiveram diante de tais debates e reformas, e no que diz

respeito à adequação das penas aos condenados, uma questão que aparecia

esporadicamente no século XIX ganhou força no século seguinte: E as

mulheres? Diversas questões eram discutidas: Suas infrações poderiam ser

consideradas como crime? Caso o fossem, quais os mecanismos de punição

deveriam recair sobre elas? Deveriam receber o mesmo tratamento jurídico e

penal aplicados aos homens? Por que?

No Brasil, as respostas só vieram em 1940, com o Código Penal

que decretava a separação física entre homens e mulheres no interior dos

estabelecimentos prisionais. Os códigos anteriores mencionavam castigos

corporais e especificavam quais crimes deveriam ser punidos e como. O

Código Criminal do Império, de 1840, por exemplo, determinava que as

mulheres não fossem julgadas quando grávidas, nem fossem enviadas às galés

e que o local de seu aprisionamento deveria ser análogo a seu sexo59

. No

Código Penal de 1890, os castigos corporais foram abolidos e não há qualquer

menção ao estabelecimento de um cárcere específico para mulheres60

.

59

Código Criminal do Império, 1830. “Título II: Das Penas - Capítulo I - Da Qualidade das

Penas, e da Maneira como se hão de impor e cumprir: [...] Art. 43. Na mulher prenhe não se

executará a pena de morte, nem mesmo Ela será julgada, em caso de a merecer, senão

quarenta dias depois do parto. [...] Art. 45. A pena de galés nunca será imposta: 1º As

mulheres, as quais quando tiverem cometido crimes, para que esteja estabelecida esta pena,

serão condenadas pelo mesmo tempo a prisão em lugar, e com serviço análogo ao seu sexo.” 60

Código Penal dos Estados Unidos do Brasil, decreto nº 847 de 11 de outubro de 1890.

Page 41: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

40

Em sete de dezembro de 1940, foi publicado no Diário Oficial da

União o Decreto-Lei n.º 2.848 que dispunha sobre as determinações de um

novo Código Penal brasileiro. Entre as novas normas de conduta social

impostas nesse novo código havia a regulamentação sobre o aprisionamento

de mulheres. Dizia o Código em seu parágrafo segundo do artigo vigésimo

nono: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou à falta,

em seção adequada de penitenciária ou prisão comum, ficando sujeitas a

trabalho interno”.61

No ano seguinte, 1941, sob o decreto-lei 3.689, foi

estabelecido o Código de Processo Penal destinado à regulamentação do

próprio processo penal, de modo a garantir a estrita aplicação da lei penal62

.

Por meio do artigo 766º desse código ficou determinado que “A internação das

mulheres será feita em estabelecimento próprio ou em seção especial”.63

Portanto, o Código Penal promulgado em 1940 e que passou a

vigorar a partir de primeiro de janeiro de 1942 regulamentou primeiramente

que as penas impostas às mulheres infratoras deveriam ser cumpridas em

estabelecimentos prisionais especiais, que tivessem a finalidade única de

encarcerar mulheres; em segundo lugar, estabeleceu que as presas estivessem

sujeitas ao trabalho. Diferentemente dos homens, não podiam realizar

trabalhos extramuros, uma vez que estavam “sujeitas a trabalho interno”.64

Assim, em julho de 1942, foi inaugurada em São Paulo a primeira instituição

prisional sob regulamentação e administração estatal, orientada pelo novo

61

Código Penal, Decreto-Lei n.º 2.848 de 07 de dezembro de 1940. 62

MEDEIROS, Flávio Meirelles. Direito Processual Penal. Necessidade e Importância. In:

Âmbito Jurídico, Rio Grande, 27, 31/03/2006 [Internet].Consultado em 22/06/2011.

Disponível em: http://www.ambito-

juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1027 63

Código de Processo Penal, Decreto-Lei n.º 3.689 de 03 de outubro de 1941. 64

“O regime penitenciário não pode ser mitigado, sujeitando-se as reclusas à progressão do

art. 30 e à obrigação do trabalho, com a única e óbvia diferença de que este há de ser,

exclusivamente, interno (§2.º do art. 29) e susceptível de escolha pelas detentas, na

conformidade de suas aptidões e ocupações anteriores (parág. Único do art. 31)”. LIRA,

Roberto. Comentários ao Código Penal: Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940.

Vol. II. Arts. 28 a 74. Rio de Janeiro, Revista Forense, 1942.

Page 42: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

41

Código Penal, específica para mulheres, o “Presídio de Mulheres” instalado

nos terrenos da Penitenciária do Estado de São Paulo.

Com a exigência imposta pelo novo Código Penal de que as

mulheres cumprissem suas penas em estabelecimentos próprios, alguns

penitenciaristas se lançaram à discussão a respeito do tipo de estabelecimento

a ser criado, sua localização, a natureza dos trabalhos que seriam exercidos e

qual especialização deveria ter o quadro de funcionários a ser contratado para

tal instituição.

Uma multidão de meia-dúzia: discussão sobre uma demanda

Em doze de agosto de 1941, no Diário Oficial do Estado de São

Paulo foi publicado em sua seção primeira, na primeira página o Decreto-Lei

n.º 12.116 que dispunha sobre a criação do “Presídio de Mulheres” a ser

instalado nos terrenos da Penitenciária do Estado. No Parágrafo único do

Artigo 1.º desse decreto, define-se que: “somente serão recolhidas mulheres

definitivamente condenadas”.65

Esse artigo opera uma distinção de

fundamental importância. Ele distinguia presas de condenadas e determinava

quais dessas duas categorias seriam as recolhidas no “Presídio de Mulheres”.

A distinção dizia respeito à situação jurídica das mulheres encarceradas.

Enquanto algumas encontram-se detidas para mera averiguação, aguardando

julgamento ou cumprindo penas curtas, outras já haviam passado por processo,

65

Decreto-Lei n.º 12.116 de 11 de agosto de 1941.

Page 43: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

42

sido julgadas, consideradas culpadas e condenadas a longas penas66

. Por isso,

somente as presas já condenadas deveriam ser recolhidas nessa nova

instituição.

Esse novo instrumento de punição sobre as mulheres não

compreendia o restante da massa carcerária feminina cujas sentenças ainda

não constavam como passadas em julgado, de modo que sua situação cotidiana

e jurídica no interior do complexo prisional permaneceu inalterada.

No que diz respeito ao volume das condenações, o número de

mulheres que respondiam a processo sendo efetivamente condenadas era

reduzidíssimo. Com isso, uma mobilização estatal que envolvesse a

elaboração de legislação específica, a aplicação de recursos financeiros e a

busca por pessoal especializado, com vistas à criação de uma instituição

carcerária específica e exclusiva para mulheres, não se justificava apenas

numericamente.

No caso da Penitenciária Feminina do Distrito Federal, por

exemplo, apesar de os dados serem um pouco mais fartos não diferem muito

em seu conteúdo do “Presídio de Mulheres” de São Paulo. Lemos Brito67

, em

1943, ao defender a necessidade do trabalho penal entre as condenadas,

afirmava que:

66

Cancelli nos alerta para a diferença entre as meras detenções e os encarceramentos por

condenações: “Tecnicamente, no Brasil dos anos 20, 30 e 40, estavam registrados, como

ocupantes das prisões, apenas aqueles que efetivamente haviam sido condenados. O número

de pessoas encarceradas, por isso, era aparentemente pequeno. O Cadastro Penitenciário e

Estatístico do Brasil, por exemplo, informa que, em 1934, estavam cumprindo pena em todo

o país 6.212, dos 46.228.607 habitantes, o que correspondia a 0,000103 por cento da

população. Esses números, fornecidos pelo Conselho Penitenciário, por meio de sua

Inspetoria Geral não retratavam a realidade criminal do Brasil, uma vez que a polícia possuía

o poder de promover o encarceramento de pessoas sem condenação formal da Justiça,

expediente cada vez mais usado pelas autoridades policiais”. CANCELLI, Elizabeth –

“Repressão e controle prisional no Brasil: Prisões Comparadas”. In: História: Questões &

Debates. Curitiba, Editora UFPR, n. 42, p. 141-156, 2005. 67

José Gabriel de Lemos Brito foi professor, penitenciarista, membro do Conselho

Penitenciário do Distrito Federal de 1924 até 1939, quando foi nomeado presidente do

conselho por Getúlio Vargas, permanecendo no cargo até 1957. Foi também presidente da

Inspetoria Geral Penitenciária durante toda a década de 1940. Produziu uma extensa

bibliografia sobre criminalidade e sobre o complexo prisional brasileiro.

Page 44: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

43

Na organização de nossos estabelecimentos

penitenciários de mulheres, todavia, não se pode lançar uma larga

visada no que entenda com o trabalho, dado o diminuto número

delas. Na última visita feita a seu presídio na Capital Federal havia

trinta e cinco mulheres, mas entre estas diversas processadas.68

Algumas pesquisas corroboram as afirmações de Lemos Brito.

Célia Pedroso, por exemplo, em pesquisa sobre as organizações penitenciarias

brasileiras do início do século XX, afirma que “Com base nos relatórios

penitenciários sabemos que a porcentagem de mulheres no cárcere era muito

pequena, em torno de 3% se comparadas aos homens”.69

Ainda fazendo referência à Penitenciária Feminina do Distrito

Federal e valendo-se de levantamentos estatísticos do ingresso de condenadas

na penitenciária, Elça Mendonça, em seu trabalho monográfico, reitera que:

É interessante, neste sentido, apontar para um fato

estatístico notável acerca da detenção e prisão feminina na época.

O contingente de mulheres condenadas é em geral baixíssimo,

tanto em números absolutos como em números relativos, se

comparado ao contingente masculino na mesma situação. Como

vimos, não passa de 6% da população presa masculina em 1943

(...) O notável, além do diminuto número de mulheres condenadas,

é o altíssimo número de detenções feita na massa feminina, que

não é retido pelo aparelho prisional. Assim temos que: Para o ano

de 1944: ingressam na Penitenciária de Mulheres 176 internas; são

excluídas da Penitenciária de Mulheres 154 internas; foram

matriculadas como „sentenciadas‟ 11 internas.70

Quanto ao “Presídio de Mulheres” de São Paulo, os números são

ainda menores. No ano de sua inauguração, em 1942, o Presídio recebeu

68

BRITO, José Gabriel de Lemos. As Mulheres criminosas e seu tratamento penitenciário.

In: Estudos Penitenciários. São Paulo: Imprensa Oficial, 1943, p. 20. (Grifos nossos) 69

PEDROSO, op.cit. 1995, p.113. 70

LIMA, op.cit. 1983, p. 32-33.

Page 45: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

44

apenas sete sentenciadas. E, num prazo de dez anos, passaram por seus

corredores apenas 212 sentenciadas71

.

As condenações, cujas penas sobre as mulheres correspondiam a

longos anos de privação de liberdade, eram poucas, o que gerava uma reduzida

demanda sobre o presídio. A documentação do período (relatórios estatísticos

e relatórios dos conselhos penitenciários) não apresenta indícios de um

aumento considerável da criminalidade feminina ou do volume de

condenações. A quantidade de mulheres condenadas em cumprimento de pena

nas prisões do estado de São Paulo era de trinta e cinco presas entre os anos de

1925 e 192672

. Cerca de dezoito anos depois, em 1943, por exemplo, a

quantidade de condenadas em cumprimento de pena no estado era de vinte e

cinco mulheres73

. Esses dados mostram que não houve uma relação direta

entre os índices de criminalidade feminina ou o volume de condenações de

mulheres e a criação do “Presídio de Mulheres”. O estabelecimento dessa

instituição não teria sido motivado, portanto, por uma possível ameaça de

aumento de criminalidade.

Tais números dificilmente poderiam exercer, efetivamente, alguma

pressão sobre o legislativo no sentido de forçar a elaboração e aprovação de

leis e orçamentos com vistas à criação de uma nova instituição. Os

levantamentos feitos pelos conselhos penitenciários, tanto do Distrito Federal

quanto do Estado de São Paulo, entre 1924 e 1940, em nenhum momento

indicam grandes variações ou aumentos significativos dos índices de

criminalidade feminina ou do volume de condenações de mulheres – que

representassem, por isso, qualquer ameaça à ordem social vigente motivando o

estabelecimento de uma instituição repressora especializada. Uma mera

71

SILVA, Marina Albuquerque. Nos Territórios da Desordem: as desordens femininas na

ordem da delinqüência. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – FFLCH/USP,

1992, p. 06: “[...] recebendo 07 (sete) sentenciadas: 05(cinco) por homicídio, 01 (uma) por

aborto provocado por terceiros e 01(uma) por estelionato [...] de julho de 1942 a julho de

1952, passaram pelo “Presídio de Mulheres” 212 sentenciadas”. 72

ALMEIDA, Candido Mendes de. As mulheres criminosas no centro mais populoso do

Brasil. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro: Imprensa Oficial, mar. 1928. 73

Arquivos Penitenciários do Brasil. Ano VI, nºs 1 a 4. 1945, p. 518.

Page 46: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

45

possibilidade de promoção de desordem social provocada por um pretenso

aumento de criminalidade feminina não parecia estar, sequer, em pauta. Se a

criminalidade ou as condenações exerceram alguma influência na criação do

presídio, certamente, não foi por conta de sua quantidade.

No debate que se travou sobre a criação do “Presídio de Mulheres”

em São Paulo – promovido por médicos, advogados, políticos, professores e

penitenciaristas – a argumentação foi variada. Quando o tema em discussão

era a demanda quantitativa alguns discursos eram consonantes, outros além de

divergirem se contrapunham. Esse embate de argumentos e motivações

indicava a gama de interesses que entraram em jogo no momento do

estabelecimento da instituição.

Antes mesmo da aprovação do decreto, em 1940, o então presidente

do Conselho Penitenciário do Estado de São Paulo publicou na Revista Penal e

Penitenciária74

um artigo que causou polêmica entre os demais penitenciaristas

do estado. Com a pergunta “E as mulheres?” intitulando o artigo, Cândido

Mota75

defendia a criação de uma instituição penal específica para mulheres.

Defendia, sobretudo, que esta fosse instalada em local distante dos

estabelecimentos destinados aos presos do sexo masculino. Dentre as questões

levantadas por Cândido Mota, ele chegou a questionar veementemente as

alegações de que não haveria demanda para a construção de uma prisão

específica para mulheres e prometeu apresentar dados que comprovassem a

existência de um elevado número de mulheres criminosas encarceradas nas

prisões paulistas.

74

Foi criada em 1941 e teve poucos números publicados. A revista era vinculada à

administração da Penitenciária do Estado e seus artigos continham pouca divulgação de

caráter científico e grande número de discursos e textos de dirigentes da própria penitenciária

e do Conselho Penitenciário. 75

Candido Nanzianzeno Nogueira da Mota ocupou diversos cargos públicos. Foi senador do

estado de São Paulo, ocupando a vice-presidência da Câmara Alta paulista até 1930, quando

voltou a exercer o magistério como Professor Catedrático de Direito Penal da Faculdade de

Direito da Universidade de São Paulo. Após sua aposentadoria em 1934 passou a presidir o

Conselho Penitenciário do Estado de São Paulo até 1942, quando de seu falecimento. Foi

autor de São Paulo e a República e de diversos ensaios de Direito Penal.

Page 47: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

46

Há em nossa modelar organização repressiva, de que

o estabelecimento do Carandiru é exemplo vivo, uma lamentável

lacuna, que urge preencher.

Quero referir-me à falta de um presídio próprio para

as mulheres criminosas, cujo número não é tão pequeno como a

muitos se afigura e como espero demonstrar, dentro em pouco,

logo que tenha em mãos os dados estatísticos já requisitados.76

Contudo, Mota veio a falecer, em 1942, dois anos após a publicação

do artigo. Já os dados estatísticos aos quais se referiu nunca chegaram a ser

publicados.

Enquanto, de um lado, Cândido Mota afirmava que a inexistência

de uma instituição penitenciária específica para mulheres, no interior do maior

e mais equipado complexo penitenciário do país, corresponderia a um hiato

cujo complemento é de urgente solução. De outro lado, as palavras do, então,

conselheiro do Departamento Administrativo do Estado de São Paulo77

,

Marrey Junior78

, seguiam em sentido oposto.

Na sessão ordinária do departamento do dia dezoito de julho de

1941, Marrey Junior apresentou algumas propostas de emendas como

condição para aprovação do projeto. Após serem lidas as emendas, o projeto

76

MOTA, Cândido. E as mulheres? Revista Penal e Penitenciária, São Paulo, v.1, p. 95-

107, 1940. (Grifo nosso) 77

Com o golpe do Estado Novo, perpetrado pelo governo de Getúlio Vargas em 1937, o

Congresso Nacional foi fechado e as atividades do legislativo foram interrompidas. Para o

controle das atividades administrativas, o novo regime estabeleceu o Departamento

Administrativo do Serviço Público. Em São Paulo esse Departamento era composto por 14

conselheiros. Entre suas atividades estava fazer, em certa medida, as vezes do legislativo,

avaliando e legitimando as atividades do executivo (a Interventoria Federal, à época). O

DAESP não era um órgão propositor de leis, mas podia alterá-las, aprová-las ou barrá-las. 78

José Adriano Marrey Junior, nasceu, em 1885, em Minas Gerais e faleceu, em 1965, em

São Paulo. Era advogado e atuou em diversos cargos públicos. Em 1936 foi eleito o vereador

(pelo Partido Democrático que ajudou a fundar em 1926) mais votado da cidade de São

Paulo, afastando-se da vida pública um ano depois com o golpe de 1937. Voltou a ocupar

cargos públicos em 1941 a convite do interventor Fernando Costa. Foi um dos 14

conselheiros do Departamento Administrativo do Estado de São Paulo entre os anos de 1939

e 1945. Foi, também, Secretário Estadual de Justiça e de Viação e Obras Públicas e em 1947

foi novamente eleito o vereador mais votado da cidade.

Page 48: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

47

foi aprovado com todas as emendas propostas. No dia doze de agosto do

mesmo ano, foi publicado no Diário Oficial do Estado de São Paulo o decreto-

lei nº 12.116 que dispunha sobre a criação do “Presídio de Mulheres”.

Nessa mesma sessão, antes da aprovação do projeto, Marrey Junior

pediu a palavra para sua exposição de motivos, recurso pelo qual promovia a

defesa não só da aprovação do projeto como também justificava a inclusão das

emendas propostas. Nesse discurso, Marrey dizia que:

Reconhecia, entretanto, a diretoria [da Penitenciária

do Estado] que o assunto não era de urgência, podendo ceder lugar

a outros de maior relevância – uma vez que diminuto era, como

ainda o é, o número de sentenciadas recolhidas à Casa de Detenção

de São Paulo e às cadeias do interior; - dez, mais ou menos, no

interior e nove na Capital, onde, diga-se de passagem, se acham

bem localizadas, em cômodos apropriados, em condições de

higiene, com refeitório próprio, enfermaria, sala de trabalho, que o

governo passado construiu nos fundos da Casa de Detenção e onde,

portanto, não existe promiscuidade com os detentos homens.79

Marrey Junior alega que a diminuta quantidade de sentenciadas

recolhidas não justificava a criação de uma instituição, afirmava que as

condições de encarceramento das mulheres no estado de São Paulo eram

adequadas e negava a existência de promiscuidade. Mais ainda, reconhecia

que a demanda era pequena e utilizou-a para justificar a, até então, inação da

administração pública frente ao tema. Nessa fala Marrey desarticulou os

principais argumentos que justificariam a criação de um estabelecimento

prisional específico para mulheres, e o fez no interior de um discurso – no

caso a exposição de motivos – que propunha justamente a criação de tal

79

Marrey Junior, José Adriano. 98ª Sessão Ordinária, de 18 de julho de 1941, do

Departamento Administrativo. Publicado sob a forma de nota com o título: “Presídio de

Mulheres”. In: Arquivos da Polícia Civil de São Paulo. São Paulo, Vol. II – 2 sem, 1941, pp.

478-485.

Page 49: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

48

instituição. A indicação que Marrey nos dá é a de que a motivação efetiva para

a criação do “Presídio de Mulheres” não é nenhum dos elementos por ele

elencados (localização, separação física, salubridade do local, promiscuidade,

etc.).

Se as sentenciadas eram poucas, estavam bem acomodadas, não

havia promiscuidade com os detentos homens e havia outros assuntos de

maior relevância, por que mobilizar todo um aparato estatal (recursos

materiais, legais e humanos) para criar uma instituição cujos atributos, de

acordo com o conselheiro, já estavam devidamente presentes na Casa de

Detenção da Capital?

O que intriga na fala de Marrey é que ele está dizendo que a

instituição que ora se cria com sua contribuição e aprovação é dispensável.

Aquilo que era alegado como motivo para não criação do presídio (diminuto

número de sentenciadas) continuava existindo – “como ainda o é” – e não era

empecilho para a criação naquele momento. Marrey Junior ao dar andamento

ao projeto de lei está garantindo uma solução para algo que ele não

considerava como um problema – “o assunto não era de urgência”. Em outras

palavras, Marrey Junior, estava dizendo que a ação estatal frente ao problema

não está ligada diretamente ao fato de ser considerado um problema público.

No indicando que a criação do presídio não foi da ordem da necessidade

pública. Assim, a necessidade pública não seria o suficiente para garantir a

ação estatal.

Durante essa mesma seção o relator do projeto, o conselheiro Cirilo

Junior80

, pediu a palavra e declarou apoio sem nenhuma restrição à fala de

80

Carlos Cirilo Júnior nasceu no Paraná, em 1886, e faleceu em São Paulo, em 1965.

Formado em direito foi político, advogado e professor, lecionou disciplinas de Direito Civil,

Comercial e Criminal na Faculdade de Direito de São Paulo. Filiado ao Partido Republicano

Paulista, chegou a dirigir o Correio Paulistano. Elegeu-se deputado estadual, federal, teve

participação ativa no movimento constitucionalista paulista fazendo parte da Frente Única

Paulista, fez parte do conselho do DAESP e durante o governo Juscelino Kubitschek foi

Ministro da Justiça e Negócios Interiores. CODATO, Adriano. Elites e Instituições no

Brasil:Uma análise contextual do Estado Novo. Tese de doutoramento, IFCH-UNICAMP,

2008.

Page 50: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

49

Marrey.

Em nota para os Arquivos da Polícia Civil de São Paulo, o

professor Basileu Garcia81

comentou a aprovação do decreto que criou o

“Presídio de Mulheres”. Ele fez referência a Cândido Mota e considerou

necessária a criação do presídio, sem colocar em pauta qualquer

questionamento a respeito da quantidade de mulheres condenadas no interior

do complexo prisional:

No primeiro número da “Revista Penal e

Penitenciária”, editada pela nossa Penitenciária, o prof. Cândido

Mota, o ilustre mestre de Direito Penal, publicou um artigo em que

fazia sentir a necessidade a que ora se vai atender com a presente

iniciativa. Esse artigo tinha o sugestivo título de: “E as mulheres?”

e nele já indicava a necessidade de um presídio exclusivamente

feminino.82

Para Basileu Garcia, a criação de uma instituição exclusivamente

para mulheres condenadas era entendida como uma necessidade. Ele

acreditava que o presídio definido no decreto bastaria para atender a devida

execução de suas penas condenatórias.

A inauguração

Ao vigésimo terceiro dia do mês de julho do ano de 1942 foi

inaugurado o “Presídio de Mulheres” nos terrenos da Penitenciária do Estado

de São Paulo. Nessa ocasião, estiveram presentes diversas autoridades

políticas, penitenciárias e policiais, além de suas primeiras damas e jornalistas.

81

Jurista e professor de Direito Penal da Faculdade Direito do Largo São Francisco. 82

GARCIA, Basileu. Uma opinião valiosa sobre a creação do “Presídio de Mulheres”. In:

Arquivos da Polícia Civil de São Paulo, vol. II, 2 sem., 1941, p. 485.

Page 51: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

50

Entre eles estava o então presidente do Conselho Penitenciário do Estado de

São Paulo Flamínio Fávero83

. Em seu discurso por ocasião da inauguração

iniciava-o lembrando das palavras do ex-presidente do Conselho

Penitenciário:

Recebe hoje esplêndida resposta a pergunta que nosso

inolvidável e grande mestre Prof. Cândido Mota formulou, na

epígrafe do artigo publicado no primeiro fascículo da “Revista

Penal e Penitenciária”: - “E as mulheres?” - Elas, de agora por

diante irão ter, também, carinhosa lembrança na ação terapêutica

que o Estado ministra aos seus condenados.

As constantes referências à Cândido Mota demonstram o alcance de

suas palavras entres seus congêneres penitenciaristas. Com efeito, Mota não

poupou esforços para divulgar sua campanha em defesa de uma instituição

penitenciária para mulheres totalmente distinta e geograficamente distante das

prisões masculinas. Mesmo com intensa campanha (publicação de artigo,

elaboração de proposta, solicitação de intervenção do conselho do Distrito

Federal) o “Presídio de Mulheres” foi instalado no interior do complexo da

Penitenciária do Estado. A partir disso, algumas das referências à Cândido

Mota vinham carregadas de justificativas, sempre procurando responder às

suas colocações. Nesse sentido, a primeira parte do discurso de Flamínio

Fávero, durante a cerimônia de inauguração do Presídio foi todo organizado de

modo a responder os principais pontos defendidos por Mota e não

contemplados por essa nova instituição, começando pela questão numérica

83

Nascido em 1895 e falecido em 1982. Foi médico legista, diretor da Faculdade de Medicina

da Universidade de São Paulo e membro fundador da Sociedade de Medicina Legal e

Criminologia de S. Paulo, exercendo, na mesma instituição, o cargo de Secretário Geral de

1927 até 1936 e de 1937 até 1945 o cargo de Presidente. Com o falecimento de Cândido

Mota em 1942, assumiu também a presidência do Conselho Penitenciário do Estado de São

Paulo. FERLA, op.cit, 2005.

Page 52: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

51

A falha que desaparece, era notória, por certo, mas

justificável ante o número reduzido de detentas a ser submetidas ao

regime penitenciário. Para tão poucas, seria justo construir

complexo aparelhamento, como o do presídio masculino, afim

de oferecer solução condigna ao problema? Parece que não.

Outros imperativos estavam a exigir os recursos financeiros do

erário público; não poderia deixar de atendê-los a elevada visão do

esclarecido Governo.84

Se o reduzido número de detentas era justificativa para a ausência

de uma intervenção do aparelho de estado frente à questão do encarceramento

de mulheres e, como bem o disse Marrey Junior, “ainda o é”, o que justificaria

o então estabelecimento?

No embate político acerca da criação de uma instituição penal

especificamente para mulheres condenadas por crimes ou contravenções as

divergências foram constantes. No que diz respeito à ação de

institucionalização propriamente dita, não havia consenso quanto à urgência

de seu estabelecimento, nem quanto à quantidade de mulheres condenadas que

a instituição deveria ser capaz de abrigar e nem mesmo quanto à sua

localização.

Mas, houve um ponto em que, em algum momento de seus

posicionamentos, quase todos opinaram: a demanda quantitativa. De modo

muito diverso, mas presente em quase todas as falas, um grande volume de

mulheres presas para cumprimento de suas condenações já passadas em

julgado seria o principal argumento que justificaria a criação de um

estabelecimento penitenciário especifico para mulheres. Tanto para Marrey

Junior quanto para Cândido Mota a quantidade de mulheres condenadas seria

a justificativa por excelência para o estabelecimento de uma instituição

84

FÁVERO, Flamínio. Discurso. Revista Penal e Penitenciária. São Paulo, Ano III, v. III,

1º e 2º semestre, 1942, fascículo 1 e 2, pp. 323-328. Inauguração do Presídio de Mulheres,

1942. (Grifo nosso)

Page 53: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

52

específica. Para o primeiro era a pequena quantidade que justificava a inação,

durante décadas, por parte do legislativo frente à questão do encarceramento

de mulheres. Já Mota, por sua vez, alegava existirem mais mulheres presas do

que se acreditava, o que por si só justificava a criação de uma penitenciária

especializada.

Já Flamínio Fávero, mesmo concordando que o número de

condenadas era pequeno e que havia outros assuntos mais relevantes a serem

tratados pelo Estado, defendia que a instituição devia existir

independentemente do número de condenações. Entretanto, um grande volume

de mulheres presas cumprindo pena continuava sendo inexistente e mesmo

assim o “Presídio de Mulheres” foi criado. Esse tema era incansavelmente

repetido por aqueles que discutiram a institucionalização da punição sobre

mulheres. Ao se questionar se “Para tão poucas, seria justo construir

complexo aparelhamento, como o do presídio masculino, afim de oferecer

solução condigna ao problema?” e apresentar como resposta “Parece que

não”, o que Fávero estava dizendo era que a institucionalização da punição

sobre as mulheres independia de sua quantidade, que a prática da

institucionalização recaía sobre outras motivações.

Começa, aí, a aparecer outro tema: a exigência de um adequado

cumprimento das penas como finalidade da nova instituição. Entendido por

muitos como uma necessidade, as formas de execução das penas era recorrente

em diversas falas. Na seqüencia do discurso, Fávero afirmava que:

“Entretanto, poucas embora, as sentenciadas faziam jus a bom trato no

modo de execução das penas condenatórias”.85

Quando da aprovação pelo DAESP do decreto de criação do

“Presídio de Mulheres”, Basileu Garcia comentou de sua satisfação frente ao

projeto que ora seria executado. Ele afirmava que:

85

FÁVERO, Flamínio. Discurso. Revista Penal e Penitenciária. São Paulo, Ano III, v. III, 1

e 2 sem, 1942, fascículo 1 e 2, pp. 323-328. Inauguração do Presídio de Mulheres, 1942.

Page 54: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

53

A impressão que me desperta o projeto é a melhor

possível. A falta de um presídio para mulheres, organizado de

acordo com as normas que regem o nosso sistema penitenciário,

era extraordinariamente sensível, por várias razões. As mulheres

condenadas cumpriam e cumprem pena nas cadeias públicas. Ora,

as cadeias destinam-se ao aprisionamento provisório e não ao

cumprimento definitivo das penas. Não estão sujeitas aos métodos

racionais estabelecidos para a obtenção da plena eficácia da

medida penal.86

Basileu nos informa que, mesmo inexistindo um estabelecimento

penitenciário específico para mulheres, aquelas que eram condenadas a longas

penas cumpriam esses anos nos estabelecimentos criados para receber

provisoriamente os presos, o que impossibilitava a aplicação de um regime

penitenciário. O que ganhou destaque nesse discurso foi que o estabelecimento

de uma instituição penitenciária feminina não se limitasse a ser um espaço

físico onde se mantivessem encarceradas as mulheres infratoras. Garcia

defendia um presídio para mulheres que garantisse o “cumprimento definitivo

das penas” de modo que se pudesse chegar à “obtenção da plena eficácia da

medida penal”.

Nesse mesmo sentido, Famínio Fávero prossegue com seu discurso

e vai apontando quais seriam as motivações efetivas para a criação do

presídio. Ele foi buscar nas palavras de uma psiquiatra argentina argumentos

que legitimassem o que ora era inaugurado:

A Dra. Telma Reca, do Patronato de Reclusas e

Liberadas de Buenos Aires, em valioso trabalho publicado nos

“Anais da Sociedade Argentina de Criminologia”, realça

exatamente esses dois aspectos cruciantes do problema do cárcere

feminino visíveis por toda a parte. Salientando a dificuldade da

86

GARCIA, Baliseu. Uma Opinião valiosa sobre a creação do “Presídio de Mulheres”. In:

MARREY Junior, José Adriano. PRESÍDIO DE MULHERES. Arquivos da Polícia Civil de

São Paulo. São Paulo, v. II, 2 sem, 1941.

Page 55: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

54

tarefa, universalmente reconhecida, diz textualmente o seguinte:

“A exiguidade do número de mulheres delinquentes condenadas

encarece a construção e a manutenção de tais edifícios, e torna

mais difícil estabelecer neles programas racionais e completos de

educação e readaptação. Contudo, o problema existe, e é necessário

e urgente afrontar sua solução”.

O estabelecimento de uma instituição específica estruturada por um

espaço físico próprio eram consideradas realizações caras e de difícil

manutenção, porém correspondiam às condições mínimas necessárias para a

execução dos chamados “programas racionais e completos de educação e

readaptação”. A, até então, inexistência de estabelecimentos específicos

inviabilizava, portanto, a aplicação desses programas de regeneração. A

instalação do “Presídio de Mulheres” vinha para garantir não somente um

espaço físico que recolhesse as mulheres condenadas separadamente dos

homens. Ele vinha também para garantir a aplicação de mais um recurso

punitivo além da privação da liberdade, no caso, os programas racionais de

educação e readaptação social.

Nesse momento o interesse maior é pela execução dessas

condenações. Mais do que punir muitas ou poucas o que está em jogo é

garantir que efetivamente se puna, que se aplique aquilo que se entende como

pena para as mulheres.

O foco de tal institucionalização incidia sobre um grupo muito

específico, presente no interior do complexo prisional paulista. O “Presídio de

Mulheres” não era direcionado ao recolhimento de todas as mulheres

consideradas infratoras, ele abrigou somente as condenadas, as demais

permaneceriam espalhadas pelas cadeias públicas masculinas e delegacias do

estado.

Em suma, as discussões a respeito da institucionalização

penitenciária para mulheres, realizadas durante os anos imediatos ao

Page 56: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

55

estabelecimento do “Presídio de Mulheres” e promovidas por políticos e

penitenciaristas foram intensas. O interesse pela institucionalização era

comum. Já sua forma de execução, seu ônus econômico e seu retorno social

geravam várias divergências. Para uns a pequena quantidade de mulheres

condenadas inviabilizava o estabelecimento de diretrizes nacionais de regimes

penais sobre as condenadas, que onerariam os custos em tal empreendimento.

Para outros a quantidade era irrelevante, convinha executar de forma completa

e eficiente a pena à qual foram condenadas.

Em meio a esse embate de interesses, o presídio foi criado, entrou

em funcionamento em vinte e três de julho de 1942 e foi organizado a partir de

quatro de seus elementos principais: o corpo de funcionárias especializadas,

seu componente físico, o regime de execução penal e as mulheres condenadas.

Mulheres devidamente habilitadas: o quadro de funcionárias

Uma questão bastante discutida, quando o assunto era a instauração

de um estabelecimento penitenciário para mulheres, era: que tipo de

profissional reuniria as condições mínimas necessárias para lidar com

mulheres infratoras? O quadro de funcionários da instituição, especialmente

no que dizia respeito ao trato direto com as presas, foi alvo de constantes

discussões. Entretanto, poucas foram as divergências a respeito da contratação

dos funcionários que seriam responsáveis pelas atividades internas do presídio.

No artigo terceiro do decreto que dispôs sobre a criação do

“Presídio de Mulheres”, determinou-se que:

O pessoal necessário para o desempenho de todas as

funções e serviços internos da nova Seção, será constituído por

mulheres, devidamente habilitadas – e contratadas segundo as

necessidades – até o máximo de quinze (15).

§ 1.º - Será contratada igualmente uma professora de

Page 57: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

56

educação moral e cívica. 87

Este artigo dispunha especificamente sobre o conjunto de

servidores do “Presídio de Mulheres”. A determinação presente no artigo era a

de que, a condição primeira, para a realização dos serviços internos do

presídio, os trabalhos fossem executados por mulheres. A segunda condição

impunha que estas fossem “devidamente habilitadas”. Tais habilidades devidas

não foram descritas na letra do decreto, mas cabe destaque para essa

determinação, na qual independentemente de quais fossem as habilidades

devidas, os serviços deveriam ser desempenhados por mulheres. A condição

biológica era uma exigência anterior à condição profissional, à habilidade para

a realização de determinadas tarefas.

Dois anos antes das determinações do Decreto que criou o presídio,

Cândido Mota já apresentava a proposta de que se contratassem religiosas

católicas para a gestão do cárcere feminino. Para ele, o exemplo a ser seguido

era o da “Penitenciária de Mujeres” da Espanha e chegou a citar trechos do

regulamento dessa instituição propondo que se fizesse o mesmo em São Paulo:

E, para terminar, completando o meu ponto de vista,

basta transcrever algumas disposições do Regimento interno da

“Penitenciária de Mujeres” de Alcalá de Henares aprovado pela

Real Ordem de 31 de janeiro de 1882:

[...] Art. 5.º - São atribuições e deveres da [Madre]

Superiora:

1.º - Distribuir como creia ser mais conveniente o

serviço entre o pessoal das Filhas da Caridade designado à

Penitenciaria, tanto no que diz respeito à ordem das celas, dos

dormitórios, etc.88

87

SÃO PAULO. Decreto-lei nº 12.116, de 11 de agosto de 1941. Dispõe sobre criação do

“Presídio de Mulheres”. Diário Oficial do Estado de São Paulo, São Paulo, SP, 12 ago.

1941.Número 183, p. 1. 88

MOTA, Cândido. E as mulheres? Revista Penal e Penitenciária. São Paulo, 1 sem. 1940,

pp. 95-104, mar. 1940.

Page 58: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

57

Em primeiro de julho de 1941, quando o projeto de lei sobre a

criação do Presídio foi encaminhado ao DAESP, numa primeira avaliação

recebeu parecer favorável do relator Cirilo Junior. No texto desse projeto

constava o seguinte:

Artigo 3.º – O quadro do pessoal da nova Seção será

constituído de Irmãs da Congregação de Nossa Senhora de

Caridade do Bom Pastor, do Rio de Janeiro, ou outra Congregação,

a juízo do governo, e de um professor de educação moral e

cívica.89

Duas semanas depois, Marrey Junior, apesar do parecer favorável

emitido pelo colega Cirilo Junior, propôs uma série de emendas ao projeto.

Durante sessão do dia dezoito de julho, Marrey Junior expunha os motivos das

alterações propostas ao artigo terceiro explicando sua opção por manter no

texto do decreto essa indefinição quanto às habilitações do quadro de

funcionários a ser contratado para o presídio:

Assim, penso escapar à nossa competência a

designação das pessoas que devam constituir o quadro dos

empregados da Seção. Preferi deixar inteira liberdade de escolha ao

Exmo. Sr. Interventor Federal. Com isso, não quero manifestar

hostilidade à lembrança de ser o pessoal contratado recrutado na

Congregação religiosa indicada ou em outra qualquer. É certo que

o sr. Diretor da Penitenciária informa sobre os excelentes

resultados oriundos do trabalho especializado das Irmãs de Angers,

na França, como certo é que há da parte de alguns doutrinadores

um tanto de retraimento quanto a entrega da direção dos cárceres

89

CYRILLO JUNIOR, Carlos . Pareceres para o expediente da sessão de 2-7-1941. In: ATA

DA 87ª SESSÃO ORDINÁRIA DO DAESP, 01 jul. 1941, São Paulo. Diário Oficial do

Estado de São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1941, p. 10.

Page 59: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

58

de mulheres a Irmãs de Caridade ou Comissões de Damas, cuja boa

vontade, escreveu Ingenieros, não basta para instruir e educar as

detidas de maneira a poderem afrontar as contingências da luta pela

vida.90

Por fim, mesmo sem que houvesse uma determinação clara

constante no decreto, o trato direto com as presas no interior do Presídio não

ficou a cargo dos funcionários da Penitenciária do Estado, nem foi solicitado

aparato policial para tal, também não houve concurso público ou contratação

de carcereiros especializados por meio do Departamento Geral de Presídios do

Estado de São Paulo91

, como era de praxe. O trato direto com as presas e a

realização de todos os serviços internos ao Presídio ficou a cargo das freiras

católicas da Congregação de Nossa Senhora de Caridade do Bom Pastor de

Angers92

.

Inicialmente as freiras eram contratadas individualmente. As

primeiras freiras foram admitidas em dezenove de junho de 1942, perfazendo

90

MARREY JUNIOR, exposição de motivos. In: Arquivos da Polícia Civil de São Paulo.

1941, p. 481. 91

A Diretoria Geral da Penitenciária do Estado foi transformada em Departamento Geral de

Presídios do Estado em 1943, por meio do Decreto-Lei nº 13.298, de 07 de abril de 1943. O

Departamento estava subordinado à Secretaria de Justiça e Negócios Interiores e era

composto por todos os presídios do Estado: Penitenciária com o “Presídio de Mulheres”;

Seção de Taubaté e Instituto Correcional de Ilha Anchieta; a Casa de Detenção da Capital e

as Cadeias Públicas do Interior; Manicômio Judiciário. 92

Maria de Santa Eufrásia Pelletier nasceu a 31 de julho de 1796, na Ilha de Noirmoutier,

próxima à costa da Grã-Bretanha, fundou a Congregação na cidade de Angers na França em

1825. A congregação recolhia inicialmente mulheres penitentes e órfãs, oferecendo educação

religiosa moral e técnica. Vislumbrando o papel mundial do seu Instituto, a Fundadora

pretendia colocá-lo sob a proteção da Santa Sé e, para isto, ligá-lo diretamente a Roma, de

maneira que nenhum bispo pudesse fazer mudanças nas constituições. Apoiada no Bispo de

Angers, Madre Pelletier conseguiu que o Papa Gregório XVI desse à Congregação um

cardeal protetor. O progresso da Congregação foi muito rápido e a sua Obra se difundiu no

mundo todo. Os primeiros conventos fundados no continente sul americano foram já em

meados do século XIX no Chile, Uruguai e Argentina. A congregação se instalou no Brasil

somente na segunda metade do século XIX. instalando-se primeiramente no Rio de Janeiro

em 1891, depois na Bahia em 1892, São Paulo em 1897 e Juiz de Fora em 1902. Nos países

sul americanos a congregação já administrava desde o final do século XIX instituições

penitenciárias para mulheres e reformatórios para menores. Na Argentina, por exemplo,

administravam o cárcere feminino de Buenos Aires desde a década de 1880. Fonte: Padre

José Leite, S.J., Santos de Cada Dia, 3a ed., Ed A O – Braga.

Page 60: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

59

um total de oito contratações. A Irmã Maria Mathilde do Santíssimo

Sacramento Baptista de Oliveira foi admitida “para, a título precário, exercer

as funções de chefe junto a Secção destinada ao “Presídio de Mulheres”, da

Penitenciária do Estado, nos termos do decreto-lei n. 12.116, de 11 de agosto

de 1941, mediante os vencimentos mensais de Rs, 250$0”.93

Na mesma data foram contratadas as irmãs Maria Mathilde do

Santíssimo Sacramento Baptista de Oliveira, Maria Ursula de Jesus Simões

Braga, Maria de São Francisco de Reges dos Santos, Maria de São José

Buarque de Gusmão, Maria de São Luiz Gonzaga Abib, Maria de São

Boaventura Ferreira de Carvalho, Maria de Nossa Senhora do Pilar de

Almeida, Maria da Divina Luz Andrade Morato, todas elas “para, a título

precário, prestar serviços junto à Secção destinada ao “Presídio de Mulheres”,

de Penitenciária do Estado, nos termos do decreto-lei n. 12.116, de 11 de

agosto de 1941, mediante os vencimentos mensais de Rs...200$0”.94

No caso do “Presídio de Mulheres”, além das funcionárias

responsáveis pelos serviços internos ainda havia a determinação de

contratação, como consta do primeiro parágrafo do decreto95

, de uma

professora de educação moral e cívica. Pois bem, a professora foi contratada,

contudo, esta também era uma freira da mesma Congregação:

a Irmã Maria Antonieta de Jesus Rosa para, a título

precário, exercer, interinamente, o cargo de professora de educação

moral e cívica da Secção destinada ao “Presídio de Mulheres” da

Penitenciária do Estado, nos termos do decreto-lei n. 12.116, de 11

de agosto de 1941 mediante os vencimentos mensais de rs.

400$0...96

93

Publicado no Diário Oficial do Estado de São Paulo em 21 de junho de 1942. 94

Idem. 95

Artigo terceiro, parágrafo primeiro: “Será igualmente contratada uma professora de

educação moral e cívica”. Decreto-Lei nº 12.116, de 11 de agosto de 1941. 96

Publicado no DOESP de 08 de julho de 1942.

Page 61: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

60

Flamínio Fávero foi quem mais defendeu a contratação das freiras.

Durante a inauguração do Presídio, discursou longamente a respeito da

adequação dos trabalhos executados pela Congregação aos objetivos da

instauração do “Presídio de Mulheres”:

Por fim, o 3.º ponto básico no aparelhamento

penitenciário de mulheres é o pessoal idôneo para, em ambiente

propício, executar as idéias da verdadeira e talvez única finalidade

da pena. É o elemento preponderante. Esse pessoal, de ação

multiforme, forrar-se-á de dupla qualidade: técnica e moral.

Possuindo conhecimentos adequados para ensinar e educar, há de

fazê-lo num padrão ético inatacável. Sua estrutura constitucional,

precária. Mas a plasticidade maior ou menor da massa pode

receber forma suficiente para úteis realizações. Às vezes, basta a

paciência do artífice. Outras, a presença do modelo. Então, o

pessoal que vai pôr em campo a idéia regeneradora fará, ao mesmo

tempo de artífice e modelo, para ser completo. Eu diria, assim,

meditando bem no assunto, que, num presídio de mulheres, é

magna pars exatamente o pessoal que vai realizar o trabalho de

reconstrução dos caracteres fraquejantes, assim como num lar é

relevante a ação pertinaz dos pais.97

Elemento “preponderante”, nas palavras de Fávero, o corpo

funcional composto por freiras católicas deveria exercer maior influência

sobre a regeneração das condenadas cumprindo dois papéis simultaneamente:

aquele responsável por dar nova forma, moral e religiosa, às condenadas; e

servir como a própria medida daquilo que ora se moldava.

Cerca de um ano após a instauração do “Presídio de Mulheres”, em

São Paulo, e da Penitenciária Feminina da Capital, no Rio de Janeiro – ambas

sob a administração da Congregação de Nossa Senhora de Caridade do Bom

97

FÁVERO, op. cit, 1942.

Page 62: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

61

Pastor de Angers –, Lemos Brito explica porque recomendou98

a contratação

dos serviços da congregação:

Eis porque eu recomendo, e sugeri ao ministro

Francisco Campos a entrega do novo estabelecimento de Bangu à

orientação e direção interna das irmãs do Bom Pastor, porque elas,

com a sua imensa experiência, sabem melhor do que os homens e

do que as mulheres laicas como descobrir e encaminhar estas

tendências, aprimorar ou substituir por outras mais aconselháveis

as profissões anteriores, sem mudanças que seriam perigosas no

seu objetivo de nivelamento das sentenciadas.99

A longa experiência da Congregação foi sua carta de referência

junto aos penitenciaristas do período. A Congregação já era responsável pela

administração de estabelecimentos penitenciários e reformatórios para

mulheres infratoras e meninas órfãs desde o século XIX em países da América

do Sul como Argentina, Chile e Uruguai desde, pelo menos, a década de

1880100

.

Entre os anos de 1942 e 1946, o trabalho das freiras no interior do

presídio era orientado pela Congregação, contudo a admissão das mesmas foi

individual. O acordo formal entre as instituições – entre a Secretaria de Justiça

e Negócios do Interior do Estado de São Paulo e a Congregação de Nossa

Senhora de Caridade do Bom Pastor de Angers – firmado em contrato e

publicado no Diário Oficial do Estado só se realizou em meados de 1946:

Aos doze (12) dias do mês de junho de mil novecentos

e quarenta e seis, na Secretaria da Justiça e Negócios do Interior,

98

Mais adiante veremos como, pelo intermédio de Cândido Mendes, a referida Congregação

tornou-se uma opção à administração de instituições prisionais para mulheres no Brasil. 99

BRITO, op. cit., 1943. 100

CAIMARI, Lila M. Whose Criminal Are These. Church, State, and Patronatos and the

Rehabilitation of Female Convicts (Buenos Aires, 1890-1940). The Americas, 54:2. October

1997, 185-208.

Page 63: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

62

perante o exmo. sr. dr. Edgard Baptista Ferreira, Secretário do

Governo, designado para responder pelo expediente desta

Secretaria, e os srs. dr. Fabio Egydio de Oliveira Carvalho, Diretor

Geral da mesma Secretaria e dr. Antonio de Queiroz Filho, Diretor

Geral do Departamento de Presídios do Estado, compareceu a Irmã

Maria Matilde do Santíssimo Sacramento Batista de Oliveira,

representando a Congregação de Nossa Senhora de Caridade do

Bom Pastor de Angers, a fim de assinarem o presente contrato pelo

qual, em conformidade com as cláusulas adiante especificadas,

assume a obrigação de dirigir o Presídio de Mulheres, dependência

do Departamento de Presídios do Estado, situado em terrenos da

Penitenciária do Estado à Avenida Carandiru, nesta Capital.101

O contrato foi dividido em duas partes: na primeira parte constam

as atividades a serem exercidas pela Congregação no trato direto com as

presas, bem como suas obrigações para com o Departamento de Presídios do

Estado; na segunda parte do contrato constam as obrigações do Departamento

para com a Congregação e com o próprio presídio.

Dentre as obrigações das freiras estabelecidas pelo contrato estão:

2) – Para o fim constante da cláusula anterior, a

Congregação manterá no Presídio de Mulheres nove (9) Irmãs, no

mínimo, para desempenho das tarefas de administração, vigilância

das reclusas e execução do regime presidiário, bem como das

demais atribuições relacionadas com a ordem, disciplina e

finalidade daquele instituto penal102

101

Publicado no DOESP em 10 de julho de 1946. 102

Termo de contrato que assinam a Secretaria da Justiça e Negócios do Interior, pelo

Departamento de Presídios do Estado, e a Congregação de Nossa Senhora de Caridade do

Bom Pastor de Angers com o fim de estabelecer as condições segundo as quais esta

Congregação de Religiosas toma a seu cargo o Presídio de Mulheres, em 10 de julho de

1946.

Page 64: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

63

A instituição penitenciária que há pouco fora criada a partir de toda

uma mobilização de recursos – legais, humanos, financeiros, materiais –

estatais, com vistas a atender uma certa demanda de interesses foi

efetivamente entregue à administração das freiras católicas. O estabelecimento

da ordem e da disciplina no interior do presídio já não era mais da alçada do

Estado, que abriu mão, inclusive, de definir em contrato que tipo de ordem e

disciplina deveriam ser mantidas no interior da instituição.

E, até aqui, não há indícios de que tal prática não seja interessante

do ponto de vista político. Os agentes públicos vinculados às diferentes

instâncias que compunham o Estado – legislativo, executivo e judiciário – se

mostraram bastante satisfeitos com o currículo da Congregação e receptivos à

sua participação nesse braço mais executivo do judiciário (a administração

prisional).

Além disso, outras atividades eram esperadas da Congregação:

3) [...] d) – Trabalhar pelo progresso moral e instrução

doméstica das sentenciadas entregues aos seus cuidados;

[...] g) – Encarregar-se da administração interna,

ordem, asseio e economia do Presídio e dar a cada uma das

reclusas trabalho adequado, tendo em vista as conveniências de

idade, aptidão, educação e saúde das mesmas;

[...] i) – Organizar e manter em dia os assentamentos

do Presídio, comunicando à Diretoria Geral todas as ocorrências

verificadas no Reformatório;103

A instituição penitenciária pela qual as freiras eram responsáveis,

tinha entre suas atribuições a instrução doméstica. Ora, qual a relação de um

presídio com a “instrução doméstica”? A proposta de reeducação social aqui

presente é, de longe, distinta da proposta aplicada nas instituições prisionais

masculinas, mas nem por isso desvinculada do projeto de modernidade

103

Idem, grifos meus.

Page 65: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

64

nacional. A institucionalização da punição se fez justamente em meio a esse

processo de modernização não só do aparelhamento de Estado com também

das relações sociais. Nesse processo os papéis dos cidadãos passaram por uma

redefinição e a atuação religiosa e a punição sobre mulheres infratoras não

ficaram de fora, ocuparam lugares bem definidos.

Na segunda parte do contrato, as obrigações da Secretaria de

Justiça, começavam com:

4) – A Secretaria de Justiça e Negócios do Interior,

por sua vez, através do Departamento de Presídios do Estado, se

obriga a:

a) – Fornecer às religiosas da Congregação de Nossa

Senhora de Caridade do Bom Pastor de Angers, prédio para

residência das mesmas e adequado ao Reformatório;

[...] d) – Confiar, permanentemente, as chaves do

Presídio de Mulheres a irmã Superiora;

[...] h) – Manter o serviço de vigilância externa do

presídio;104

Nesse trecho do contrato fica patente que a ação do Departamento

de Presídios praticamente não adentra o “Presídio de Mulheres”, garantindo a

vigilância externa, confiando as chaves à irmã superiora e recebendo os

comunicados das ocorrências internas. O nome da instituição fazia jus às suas

características até mesmo no campo semântico, o “Presídio de Mulheres” é

destinado ao encarceramento de mulheres infratoras e todo o funcionamento e

tratamento penal administrado às presas é definido por outras mulheres.

Nesse sentido o Departamento de Presídios agia mais com um

mantenedor e regulador básico de uma instituição cuja existência era de seu

interesse, mas seu funcionamento poderia ser relegado à terceiros sem

qualquer prejuízo à esses interesses.

104

Ibidem.

Page 66: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

65

Longe das más influências: a localização do Presídio

O decreto que dispôs sobre a criação do “Presídio de Mulheres” foi

o nº 12.116 de onze de agosto de 1941. Em seu artigo primeiro, definia-se que

“É criada junto à Penitenciária do Estado e sujeita às leis e regulamentos em

vigor, no que lhe for aplicável, uma Seção destinada ao “Presídio de

Mulheres”, subordinada à administração daquele estabelecimento”. Em vinte e

três de julho de 1942, o presídio foi efetivamente inaugurado nos terrenos da

Penitenciária do Estado.

Entretanto, a decisão quanto à localização do presídio não foi

unânime. Anos antes da inauguração, o então presidente do Conselho

Penitenciário do Estado de São Paulo, Cândido Mota tinha fortes restrições

que a instalação do presídio naquele local se concretizasse.

Precisamos, entretanto, agir com a tradicional energia;

e, se tantas autoridades estrangeiras aqui vindas têm ficado

maravilhadas com a nossa Penitenciária, imagine-se como ficarão

quando essa obra tiver o seu complemento numa penitenciária

exclusivamente para mulheres, construída ou adaptada em bairro

diverso!105

Ao longo dos anos que antecederam o estabelecimento do “Presídio

de Mulheres”, Mota fez várias investidas contra o local escolhido para a

instalação do presídio. Além de publicar artigo, apresentou proposta

alternativa e, inclusive, solicitou apoio do presidente do Conselho

Penitenciário do Distrito Federal, Lemos Brito106

.

Para Mota, a separação entre homens e mulheres no interior do

complexo prisional deveria ser o mais completo possível. Não bastava que

105

MOTA, op. cit., 1940. 106

Logo a seguir.

Page 67: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

66

estivessem segregados no interior de um mesmo estabelecimento por meio da

criação de alas ou seções, a segregação tinha que ser garantida por meio de

uma ampla distância geográfica entre as instituições, de modo que fossem

localizadas bem longe umas das outras.

Mas, perguntar-me-ão, em bairro diverso porque?

Porque não aproveitar para isso uma parte do grande terreno que

circunda o atual presídio do Carandiru, e que já é do domínio do

Estado? [...] Pela simples razão, direi, de que isso importará a

criação duma penalidade não prevista em lei alguma, e que, mais

do que draconiana, será a renovação do suplício de Tântalo...

A penalidade e o suplício aos quais Cândido Mota se referiu

apareceram logo na sequência de seu texto quando fez menção a Charles

Lucas, citando uma passagem de sua obra Theorie de l’enprisonnement:

A observação e a experiência nos provaram que só a

idéia de um apartamento para os prisioneiros de outro sexo estar

junto da sua residência, e quase sob o mesmo teto, agia sobre as

imaginações e prejudicava a disciplina interna. É um estimulante a

mais para o espírito irrequieto do preso.107

A presença feminina imediata era dispensável para provocar

transtornos na seção masculina de um presídio. Segundo a tese de Lucas, com

a qual Mota concordava, bastava a mera idéia da presença feminina nos

arredores da prisão para provocar nos prisioneiros os descontroles da

indisciplina. Resumindo, é com a mente dos prisioneiros homens que ele

estava preocupado. A integridade física das prisioneiras sequer foi citada.

Além das comunicações com o exterior, o prisioneiro

pensa, sonha com as comunicações com o interior e com os meios

107

MOTA, op. cit., 1940.

Page 68: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

67

de conseguí-la. Não são somente as comunicações sexuais, mas as

visuais, as verbais ou as epistolares, o que a disciplina deve

prevenir; pois não se poderão imaginar todos os expedientes,

inventados pelo espírito dos presos, para burlar a vigilância,

sobretudo nas comunicações epistolares, tão difíceis de impedir.

Enfim, quando mesmo se conseguisse impedir todas as relações

internas, a coincidência das épocas da liberação provocaria sempre

a saída, entre os presos dos dois sexos, um comércio de

libertinagem, resultado inevitável do sistema de alojamentos

separados.108

Ele explica que sua preocupação é com os problemas que as

mulheres presas poderiam causar aos presos do sexo masculino. O que estava

sob a ameaça da presença feminina era a disciplina e a tranqüilidade dos

homens presos.

Este ser causador de transtornos deveria estar, assim, bem longe

dos homens disciplinados. Longe, inclusive de suas idéias. As mulheres são

entendidas como, praticamente, o próprio transtorno, uma vez que sua

presença se fazia dispensável para causar inquietações, bastando a mera idéia

de sua proximidade para estimular “expedientes, inventados pelo espírito dos

presos, para burlar a vigilância”

Empenhado em sua investida de manter os presos do sexo

masculino longe das presas do sexo feminino, Mota alegava que

Não faltam para isso lugares nas redondezas da nossa

Capital; e, com o dinheiro que, dizem, pretende o Governo gastar

num novo pavilhão junto à atual Penitenciária, poderá, com

vantagem, reformar uma velha chácara dos arredores, ou então,

após as adaptações necessárias e que pouco custarão – enviar essas

pobres flores emurchecidas, tristemente dispersas pelas cadeias de

nosso vasto território, não para um novo “Saint-Lazare” – a

horrível chaga social, no dizer de Maxime Du Camp -, mas para o

108

Idem.

Page 69: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

68

nosso “Paraíso”, todo reformado, para ver se ali se revigoram aos

doces encantos dos seus vastos jardins.109

Mota sabia que não faltavam condições – como terrenos e

dinheiro110

- para a instalação da instituição. Suas investidas não ficaram sem

resposta. Marrey Junior ao propor emendas ao projeto do presídio, mais uma

vez lembrava as palavras de Cândido Mota e concordava que mais

conveniente seria a instalação de um estabelecimento específico para mulheres

fora dos terrenos da penitenciária masculina.

É de louvar-se, pois, qualquer iniciativa tendente a dar

melhor agasalho à infeliz condenada – de forma a poder ser

preparada para realização do fim primacial da prisão, isto é, para

melhor vida em conseqüência de sua presuntiva regeneração.

Pondo-se de lado algum exagero na informação de que as

recolhidas às cadeias andem em promiscuidade com os demais

sentenciados – é apenas de lamentar-se que a Secção, de que se

cogita, tenha caráter precário, haja de ser instalada nos terrenos da

Penitenciária para homens, e que o Estado não possa ainda cuidar

de obviar tal inconveniente, criando estabelecimento próprio, como

o lembrou o professor Cândido Mota, presidente do Conselho

Penitenciário, em artigo subordinado ao título – E as mulheres?

com que se exibiu à publicidade a Revista Penal e Penitenciária,

sob a direção do Serviço de Biotipologia Criminal da Penitenciária

do Estado – estabelecimento afastado da Penitenciária, situado em

algum lugar das redondezas de São Paulo.111

109

Ibidem. 110

Desde, pelo menos, 1935 alguns deputados como Campus Vergal encaminhavam e

defendiam junto à câmara dos deputados projetos com orçamentos de criação de instituições

prisionais para mulheres. Esses projetos não chegaram a ser aprovados, mas a discussão já

acontecia no legislativo desde essa época. 111

MARREY JR, op. cit, 1941.

Page 70: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

69

Também, Basileu Garcia ao comentar a aprovação do decreto

lembrava das investidas Mota pela instauração de um estabelecimento

exclusivo para mulheres:

No primeiro número da “Revista Penal e

Penitenciária”, editada pela nossa Penitenciária, o prof. Cândido

Mota, o ilustre mestre de Direito Penal, publicou um artigo que

fazia sentir a necessidade a que ora se vai atender com a presente

iniciativa. Esse artigo tinha o sugestivo título de: “E as mulheres?”

e nele já indicava a necessidade um presídio exclusivamente

feminino.112

Mesmo com todo o esforço investido na campanha de instalação de

um presídio para mulheres geograficamente distante do presídio para homens,

o “Presídio Feminino” foi aberto nos terrenos da Penitenciaria do Estado, de

acordo com o parágrafo único do artigo primeiro do decreto-lei 12.116:

Parágrafo único – Na Seção de que trata este artigo –

instalada em imóvel situado nos terrenos da Penitenciária

especialmente adaptado – somente serão recolhidas mulheres

definitivamente condenadas.113

Dois anos após o falecimento de Cândido Mota e um ano após a

inauguração do “Presídio de Mulheres” tornou-se pública uma de suas

solicitações de auxílio externo. Em 1943, durante conferência realizada em

São Paulo, Lemos Brito, ora presidente do Conselho Penitenciário do Distrito

Federal, ao tratar a respeito do que costumou chamar “a questão sexual nas

prisões” revelou que

112

GARCIA, op. cit., 1941. 113

Decreto-Lei nº 12.116, de 11 de agosto de 1941.

Page 71: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

70

... o vosso saudoso e venerando companheiro e nosso

mestre professor Cândido Mota, que a propósito me escrevia, em

20 de agosto de 1941, uma bela carta, solicitando o meu apoio no

sentido de impedir que se levasse adiante a idéia de aproveitar-se o

antigo palacete residencial dos diretores da Penitenciária do

Carandiru para nele instalar as mulheres condenadas, submetendo-

as, pela primeira vez, a um regime racional educativo. Seria natural

que eu lhe oferecesse minha solidariedade. Mas de há muito tomei

por norma, neste assunto, não estorvar as soluções boas ou mesmo

regulares por pretender as ótimas ou perfeitas, de vez que a

experiência me ensinou a considerar o perigo que para a reforma

penitenciária no Brasil sempre representaram os adiamentos. [...]

Daí haver transigido por mais de uma vez com idéias minhas,

pessoais, afim de não ensanchar a possibilidade de novas

procrastinações da solução que todos vimos pleiteando desde os

bancos acadêmicos, sem encontrar eco na administração,

preocupada com outros assuntos e temente de empregar somas

vultosas em instalações para homicidas e ladrões, como é

comum dizer-se. 114

Entre os envolvidos no debate parece não ter havido discordâncias

frente a tese de que uma penitenciária para mulheres deveria ser implementada

em estabelecimento específico e em local distante das penitenciárias para

homens. Entretanto, Lemos Brito toca num ponto em que seus interlocutores

tocaram algumas vezes que era o desinteresse administrativo na liberação de

recursos para tais fins. Um dos argumentos mais repetidos na falas daqueles

que comentaram a criação do presídio foi justamente o baixo custo da

empreitada.

Cirilo Junior, em seu primeiro parecer sobre o projeto, durante a

exposição de motivos, já dizia que

114

BRITO, op. cit., 1943.

Page 72: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

71

A criação ora proposta, imposta pelo novo Código

Penal, acarreta apenas uma despesa mensal de 3:450$000 (três

contos, quatrocentos e cinquenta mil réis), compensada por

transferências de verbas para o orçamento geral da Penitenciária,

pois as sentenciadas nas cadeias do Interior, e que são transferidas

para o novo presídio, evidentemente são alimentadas e custeadas

pelo Estado.115

Basileu Garcia argumentava no mesmo sentido: “Por outro lado, a

vantagem da unidade de administração é duplamente apreciável. Em seu favor

milita, antes de mais nada, a razão econômica”.116

Da combinação dos fatores políticos com os econômicos – não pela

falta de recursos, mas pelo receio “de empregar somas vultosas em instalações

para homicidas e ladrões, como é comum dizer-se” – Lemos Brito concluiu

que

Admitamos que tal solução, pela vizinhança da

Penitenciária do estabelecimento feminino não seja recomendável.

Mas é preciso convir que a permanência das mulheres nas cadeias

públicas, de mistura com os mesmo homens e até com alienados,

constitui um crime. E entre o erro e o crime não me parece que

devamos vacilar. Se, pelo repúdio ao erro, ainda há quem prefira o

crime daquela promiscuidade, eu, mau grado meu ponto de vista já

expresso em vários escritos, ficarei com o erro da

convizinhança...117

Lemos Brito concordava que a separação integral seria o mais

adequado. Mas alegava que diante da momentânea impossibilidade da

construção de uma instituição “ideal” – em suas palavras – fica com aquilo

115

DAESP: Parecer nº 830, 02 de julho de 1941. 116

GARCIA, op. cit., 1941. 117

BRITO, op. cit., 1943.

Page 73: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

72

que é possível no momento. Recorre, inclusive, novamente à Concepción

Arenal:

“Eis aí está. É a separação material que se impõe, não

importando ao legislador a exigência de estabelecimentos que

distem quilômetros um do outro, ou, como pretendeu Arenal, que

nem sequer se levantem na mesma localidade. Tanto temia ela a

influência perniciosa e revolucionária do odor di femina nos

presídios de homens. Esse odor pecaminoso poderia ser

transmitido pelo vento...”118

Lemos Brito recorreu ainda ao Código Penal de 1940, que não

exigia a ampla distância geográfica, somente a separação física. Mesmo que

não estivessem sujeitas ao regime estabelecido pela pena, elas estavam longe

dos homens e isso era o que importava.

Ô lá em casa: arquitetura prisional

A privação da liberdade é o instrumento punitivo mais amplamente

difundido e aplicado pelas sociedades ocidentais sobre indivíduos condenados

por crimes ou contravenções. Contudo, a prática de tal privação, realizada por

meio do encarceramento, data de poucos séculos.

118

BRITO, op. cit., 1943.

Page 74: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

73

Figura 1: confinamento misto antes do regime penitenciário119

.

As prisões existentes tinham como função manter recolhidos

aqueles – homens ou mulheres, separados ou na mesma cela – que

aguardavam o julgamento ou a execução de suas penas, e as penas impostas

não costumavam ser a permanência por longos períodos na própria cadeia.

119

Fonte: UNITED STATES BUREAU OF PRISONS – Handbook of Correctional

Institution Design and Construction. 1949.

Page 75: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

74

Durante a era Moderna, por exemplo, as punições corporais eram as

penas mais recorrentes. As mutilações, as torturas, os suplícios e as execuções

(enforcamentos e esquartejamentos públicos) estavam entre os principais num

amplo rol de castigos físicos.

Figura 2: Castigos físicos públicos120

.

120

Fonte: Handbook of Correctional Institution, op. cit., 1949

Page 76: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

75

Uma outra punição bastante comum era o degredo, praticado,

principalmente, por países europeus. Era bastante freqüente o desterro de

pessoas condenadas para as áreas de colonização européia em além mar.

Brasil, Estados Unidos e, principalmente, Austrália foram colônias que

receberam grandes contingentes de condenados que supriam parte das

demandas por mão-de-obra121

.

Ao longo do século XVIII surgem algumas propostas européias de

reformas judiciárias. Essas propostas envolviam os crimes, as penas e um

projeto arquitetônico. O italiano Césare Beccaria, em seu livro “Dos delitos e

das penas”, publicado em 1764, fazia forte oposição aos códigos criminais

cujas penas eram os castigos corporais. Outro reformador famoso foi o inglês

John Howard que teve sua obra “O Estado das Prisões na Inglaterra e País de

Gales” publicada em 1776. Influenciado pela obra de Beccaria e por sua

própria experiência das condições das cadeias, se lançou em defesa de uma

reforma da legislação criminal inglesa. Howard chegou a conseguir do

parlamento inglês a aprovação de um ato para o estabelecimento de “casas

penitenciárias” baseadas num regime de confinamento celular e de trabalho

prisional.

- Panóptico

O também inglês Jeremy Bentham ganhou repercussão com sua

obra “Theory of Penaltys and Recompenses”, publicado já no século XIX, no

ano de 1819. Trabalhou em um plano para prisão circular com celas externas

que se tornou famoso na história sob o nome de Panóptico, ou “casa de

inspeção”, por causa da facilidade com a qual toda a instituição poderia ser

totalmente observada a partir de uma posição central em seu interior. Bentham

derivou a idéia do projeto de uma fábrica desenhada para facilitar a

supervisão. O projeto arquitetônico foi desenhado originalmente em 1791.

121

UNITED STATES BUREAU OF PRISONS – Handbook of Correctional Institution

Design and Construction. 1949.

Page 77: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

76

Figura 3: Planta do Panóptico122

.

122

Fonte: Handbook of Correctional Institution, op. cit, 1949.

Page 78: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

77

As instituições no modelo Panóptico não chegaram a ser

amplamente construídas na Inglaterra, embora a prisão de Millbank, cuja

construção foi inaugurada em 1812, tinha um desenho em que todas as celas

poderiam ser vistas de uma posição central no interior da instituição. Poucas

prisões panópticas, com algumas modificações do projeto original de

Bentham, foram erigidas na Europa no início do século XIX. A única prisão

circular construída nos EUA foi a primeira Penitenciária do Oeste da

Pensilvania, inaugurada em 1826. Ela tinha uma arquitetura bastante fiel à

Panoptica, mas as paredes das celas eram tão espessas e as próprias celas tão

escuras que inviabilizavam o projeto de Bentham de facilitar a inspeção a

partir de um ponto central.123

123

Idem.

Page 79: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

78

Figura 4: Vista interna de uma prisão Panóptica124

.

Os desdobramentos da arquitetura prisional no final do século

XVIII e início do século XIX não foram aleatórios. A elaboração dos projetos

era toda formulada de acordo com o regime prisional a ser executado naquele

estabelecimento. Absolutamente tudo – do tamanho das celas, das espessuras

das paredes, das funções das estruturas, da iluminação natural ou artificial, da

circulação, do lazer – era projetado para a execução da pena e devido

funcionamento do regime a ser estabelecido. Portanto, espaço também ele

próprio era um instrumento de punição e disciplina.

124

Idem.

Page 80: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

79

- Filadélfia

A idéia básica que norteou a concepção da penitenciária da

Filadélfia, na Pensilvânia, foi a do confinamento isolado de todos os presos.

As celas eram amplas e altas, sendo 11 pés 9 polegadas de comprimento, 7 pés

e 6 polegadas de largura e 16 metros de altura. Essa celas nunca abrigavam

mais do que um preso e o motivo de sua extensão era permitir que os detentos

tivessem espaço suficiente para se trabalhar. O trabalho era realizado dentro

das próprias celas sob silêncio diurno e noturno.

A idéia que orientava todo o sistema era o do completo isolamento

do preso, evitando assim o contato com os demais presos. Acreditava-se que a

associação entre os presos fosse corruptiva. O sistema ficou conhecido como

“sistema solitário”. Não havia a possibilidade de mudança do regime ao longo

do tempo de cumprimento da pena.

A penitenciária da Filadélfia, no Estado da Pensilvânia, foi

inaugurada em 1829. Possuía 250 celas, uma para cada preso.

Page 81: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

80

Figura 5: Planta de uma prisão modelo Filadélfia125

.

125

Idem.

Page 82: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

81

- Auburn

A penitenciária de Auburn, no Estado de Nova York, foi construída

em 1816 e passou por constantes reformas nos anos seguintes. A princípio as

celas eram duplas, abrigando simultaneamente dois presos. Anos depois as

celas passaram a ser individuais.

No sistema auburniano o isolamento era noturno e durante o dia o

trabalho poderia ser coletivo e realizado em silêncio. Em Auburn a chamada

regra do silêncio exigia que todos os prisioneiros evitassem qualquer conversa

com os demais presos, tanto durante o trabalho, quanto durante as refeições,

ou em qualquer outra ocasião. Auburn costumava ser chamado de "o sistema

silencioso" (the silent system), para distingui-lo do "sistema solitário" (the

solitary system) da Filadélfia.

O sistema auburniano alcançou maior difusão nos Estados Unidos

do que o filadélfio. Isso foi devido, em parte, ao fato de que o trabalho

coletivo permitia a instalação de indústria dentro das penitenciárias, o que o

tornou mais produtivo e rentável do que o trabalho realizado em células

individuais, oferecendo assim uma perspectiva econômica mais favorável do

que o plano de Filadélfia. Outro argumento utilizado para o sistema de Auburn

que este tipo de prisão (em blocos retangulares) era menos onerosa para a

construção do que o projeto Filadélfia (de asas radiais).

Page 83: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

82

Figura 6: Planta de uma prisão modelo Auburn126

.

126

Idem.

Page 84: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

83

“Presídio de Mulheres”

A arquitetura foi um dos elementos fundamentais para as reformas

prisionais. Os projetos penais e correcionais eram responsáveis por organizar e

delimitar o espaço de modo que este operacionalizasse a punição ao mesmo

tempo em que disciplinava o comportamento. O artefato material da prisão

correspondia, desse modo, ao produto e ao vetor da punição e da educação

carcerária.

No Brasil, desde, pelo menos, o século XVIII as Casas de Câmara e

Cadeia eram projetadas para cumprir simultaneamente duas funções. Uma

delas era abrigar as atividades legislativas e a outra era de funcionar como

prisão.127

Nos terrenos da moderna prisão modelo que era o Carandiru128

, foi

inaugurado o “Presídio de Mulheres”. Porém, o projeto arquitetônico original

daquela instituição correspondia a uma casa.

127

Falar um pouco mais e citar... 128

Explicar... cancelli

Page 85: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

84

Figura 7: Planta do projeto original da Penitenciária do Estado – SP129

.

129

Acervo da Biblioteca da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.

Page 86: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

85

Figura 8: Planta do “Presídio de Mulheres”130

.

130

PADOVANI, Natália Corazza. “Perpétuas espirais”: Falas do poder e do prazer sexual

em trinta anos (1977- 2009) na história da Penitenciária Feminina da Capital. Dissertação

(Mestrado) – IFCH – Unicamp, 2010.

Page 87: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

86

O lugar não estava em desacordo com as idéia pelas quais ele foi

criado e com as quais ele interagiria. É importante frisar que o edifício do

presídio não correspondia a um mero cenário onde o tratamento penitenciário

era aplicado. No que diz respeito à arquitetura prisional ela própria é um

instrumento de punição. Todo o planejamento desde a delimitação dos

espaços, as medidas das celas, sua altura, largura e cumprimento, espessura

das paredes, entrada de iluminação, os materiais dos quais foram feitas, etc.

tudo isso é projetado como parte da própria punição, é projetado para

condicionar as formas de os apenados se relacionarem no interior do presídio.

Esses espaços condicionam quando e como os encarcerados terão contato

entre si e com o mundo, com as noções de dia e noite, sol e chuva, com seus

visitantes, com os carcereiros e com a administração da instituição. A

arquitetura prisional é mais do que o cenário onde a punição ou a regeneração

acontece; o artefato material arquitetônico produz, influencia, reflete e

interage nas relações prisionais punindo, educando, disciplinando,

ressignificando relações e limitando movimentos. O tratamento penitenciário e

as próprias penas não podem prescindir de sua dimensão material: a

arquitetura do cárcere.

O local onde foi instalado o presídio era uma casa, até 1941 era a

residência dos diretores da Penitenciária do Estado. O prédio fora projetado

para servir de moradia e não como instrumento de punição. A esse respeito,

Flamínio Fávero fez longas considerações em seu discurso de inauguração da

instituição:

O presídio satisfaz plenamente às exigências

técnico-científicas dos fins a que se destina, e atende às razoáveis

restrições de despesas impostas pela situação. Ademais, começa a

funcionar quando a vigência do novo Estatuto Penal recomenda

revisão dos métodos de tratamento dos sentenciados.131

131

FÁVERO, op. cit., 1942. (Grifos nossos)

Page 88: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

87

Mesmo não sendo um edifício projetado para exercer uma função

penitenciária ele estaria em conformidade com sua função penitenciária. O

fato de a arquitetura do edifício corresponder a uma casa parece se encaixar

perfeitamente ao projeto de presídio que ora se inaugura.

Que o Presídio de Mulheres está à altura de seus

objetivos impõe-se concluir. De fato Hartvig Missen, citado por

Telma Reca, apresenta, em esquema, os seguintes pontos

fundamentais a nortearem o propósito de toda a pena restritiva da

liberdade: 1.º) As idéias que orientarão o tratamento dos presos;

2.º) O local onde essas idéias terão de agir; 3.º) Os funcionários

encarregados de aplicá-las.

No Direito Penal moderno, as idéias dominantes

visam, por certo, a reforma e a readaptação dos criminosos.

Revelados infensos ao meio em que se acham, pelo sintoma-delito,

merecem afastados do seu habitat, enquanto não se restabeleçam,

para, depois, voltarem, robustecidos, ao convívio social. A pena,

pois, é remédio para os criminosos passíveis de cura.132

No momento em que se realizava um trabalho de regeneração e

readaptação social utilizou-se uma casa para tal fim. As mulheres deveriam ser

readaptadas ao seu habitat e para isso foram enclausuradas numa casa. O que

Fávero estava dizendo é que a casa era habitat das mulheres e que é para lá

que elas devem ir [voltar] [re] adaptadas. O investimento público que ora se

fazia estava voltado à definição e manutenção de certo grupo de mulheres em

um devido lugar social. Para tal o Presídio objetivava certa ordem de

regeneração.

A readaptação das mulheres delinqüentes possui

aspectos diversos da dos homens.

132

Idem.

Page 89: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

88

Estes atuam em maior parte no meio coletivo, agindo

e reagindo em grande cenário. A medicação moral que mais os

beneficia é a que com maior presteza os pode aparelhar para essa

realidade inegável. É então, isolamento celular estritamente

necessário, em parcimônia rigorosa; depois, vida social abundante,

nos estágios subseqüentes da pena. E tudo, ao influxo de largos

sentimentos de humanidade, que revigoram e enrijecem propósitos.

As mulheres, mau grado o avanço contemporâneo dos

seus costumes, ainda tem vida social diversa da dos homens. Seu

meio habitual é o lar. Agem como donas de casa ou suas

colaboradoras, quando empregadas. Nessas condições, a

reconstituição moral das mulheres, segregadas pelo crime,

precisa ajeitá-las para a volta ao lar, do qual se hajam

afastado, ou que nunca tiveram ou jamais conheceram, -

múltiplas podem ter sido as vicissitudes dolorosas de sua triste

condição que o estudo da étio-patogenia do crime revela.

[...] O ambiente em que a personalidade das detentas

vai ser refeita, é a antiga residência dos diretores da Penitenciária.

Habitaram aqui duas respeitáveis famílias de nossa Sociedade,

modelos de harmonia, equilíbrio e benemerências. Não vinca, pois,

estas paredes, o estigma original de uma velha prisão, mas

recendem elas ainda ao doce perfume da felicidade, que aqui foi

vivida. É auspicioso estímulo, convireis, para o novo lar que ora

surge.133

133

Ibidem. (Grifos nossos)

Page 90: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

89

Figura 9: Vista do “Presídio de Mulheres”134

.

134

Arquivos da Polícia Civil de São Paulo. São Paulo, Vol. III – 1º sem, 1942.

Page 91: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

90

Lavando a roupa suja: o trabalho prisional

No que diz respeito à execução das penas condenatórias, o trabalho

prisional foi um dos principais instrumentos dentro do moderno projeto de

recuperação dos apenados135

. O Código Penal brasileiro de 1940 tratou do

assunto em dois parágrafos de seu artigo vigésimo nono:

§ 1.º. O sentenciado fica sujeito a trabalho, que deve

ser remunerado, e a isolamento durante o repouso noturno.

§ 2.º. As mulheres cumprem pena em estabelecimento

especial, ou, à falta, em secção adequada de penitenciária ou prisão

comum, ficando sujeitas a trabalho interno.136

No parágrafo segundo ficou então determinado que o trabalho

realizado pelas mulheres presas devesse ser executado no interior do

estabelecimento prisional. Tal determinação não foi esquecida durante a

produção do “Presídio de Mulheres”.

Artigo 5.º - Os métodos educativos e de trabalho

empregados na Seção serão os mesmos em vigor na Penitenciária,

com as atenuações e modificações que forem recomendáveis.

Serão de preferência estabelecidas oficinas de costura, lavanderia

e engomagem de roupas, não somente destinadas a servir o

estabelecimento como a particulares e a outras repartições

oficiais.137

Além do trabalho, outro ponto aparece no artigo: os métodos

educativos. Ambos aplicados com “atenuações e modificações”. Mas, se os

135

Breve revisão: Telma Reca, reforma penitenciária, iluministas. 136

Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Art. 29º do Código Penal. 137

Decreto-Lei nº 12.116, de 11 de agosto de 1941.

Page 92: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

91

métodos são os mesmos em vigor na Penitenciária, por que modificações e

atenuações seriam recomendáveis? Tais medidas estabelecem um regime

diferenciado. E mais, o que determina o tipo de trabalho a ser realizado é uma

mera “preferência”. O que significa que as habilidades específicas das presas

ou suas atividades profissionais e experiências pregressas nada influiriam, nem

seriam aproveitadas, na escolha e na atribuição do trabalho prisional no

“Presídio de Mulheres”.

Marrey Júnior explicou sua escolha por tais determinações inscritas

no artigo:

Ingenieros – em „Criminologia‟ – ensina que nesses

cárceres deve ser introduzido o critério aplicado nos reformatórios

– de maneira a que o trabalho imposto às detidas não importe em

exploração nem constitua simples passatempo. Às mulheres

condenadas devem ser ministradas profissões úteis e bem

remuneradas – afim de que, regressando à vida social, estejam

aptas a manter-se honestamente.138

Ele pretendia que o trabalho não fosse meramente exploratório,

destacando o dever da remuneração; propôs as atividades visando o futuro,

visando o momento de restituição da liberdade das presas de modo a

manterem-se sem a necessidade de recorrer a atividades delituosas para tal. E

dentre todas as atividades profissionais possíveis de serem exercidas ao longo

dos anos de 1940, a preferência era que essas egressas lavassem, passassem e

engomassem139

.

No longo discurso de Flamínio Fávero durante a cerimônia de

inauguração do Presídio, essas determinações foram reforçadas e justificadas.

138

MARREY JR, op. cit., 1941. 139

Marrey foi o autor do artigo, dentro do decreto, aprovados pelo DAESP.

Page 93: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

92

O trabalho a ser feito nesta casa de reforma é o

mesmo que a vida doméstica exige, apenas em maior escala,

porque também de grandes proporções é este lar.140

Mais do que a elaboração de uma nova ideologia do trabalho, os

esforços para punir e recuperar uma mulher agora se concentravam na

manutenção de uma antiga concepção dos papéis sociais. A atividade

dignificadora da mulher só poderia ocorrer por meio de sua manutenção

dentro e de acordo com o espaço doméstico.

O trabalho, um dos principais elementos impostos para consecução

da punição e da recuperação, estaria vinculado às propostas de por

as sentenciadas num ambiente em que o trabalho,

segundo moldes domésticos, possa educar e reeducar a

personalidade. As detentas se entregarão a atividades que

naturalmente irão desempenhar em seus lares. Adquirido o

conhecimento de sua responsabilidade na própria subsistência e na

de quem viva aos seus cuidados, estarão capacitadas para agir por

si mesmas quando em liberdade, condicional ou definitiva, e até

nos estágios preliminares da pena, em verdadeiros encargos de

colaboradoras ou até orientadoras de serviço. Esse ambiente de

ação será um lar ampliado, uma família em grandes proporções.141

A concepção de que a recuperação do indivíduo infrator se daria

por meio do trabalho foi repetida e reiterada constantemente na fala dos

penitenciaristas. Contudo, quando o trabalhador a ser recuperado era uma

trabalhadora, as atividades “profissionais” a serem desenvolvidas foram

deliberadamente restritas e limitadas às atividades domésticas. Dentro da

concepção em que o trabalho dignifica o homem, só o trabalho doméstico

140

FÁVERO, op. cit., 1942. 141

Idem. (Grifos nossos)

Page 94: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

93

dignificava a mulher. Se a atividade doméstica é compreendida como trabalho,

e como trabalho realizado especificamente por mulheres, as mulheres passam

a compor a classe trabalhadora no plano de modernização do Estado. E para

que ela cumpra esse papel de trabalhadora doméstica é necessário que ela

conheça e se mantenha dentro do lar. A mulher fora do lar e das atividades

domésticas passa a ser uma ameaça ao próprio projeto de Estado moderno.

Assim, pois, sua regeneração está imediatamente vinculada ao espaço de onde

nunca deveria ter saído. E mais, a punição adequada por seu abandono do

espaço doméstico é justamente seu retorno a ele.

A utilidade social do trabalho doméstico está na manutenção das

mulheres no lar. A possibilidade de uma atividade industrial exercida pelas

presas é deliberadamente rechaçada. A punição por meio do exercício da

lavagem de roupa é o principal exemplo nesse caso

Vale recordar que na Penitenciária de mulheres de

Bangu não instalamos lavanderia a vapor, atendendo a que as

mulheres ao deixarem o estabelecimento, não encontrarão, por

certo, lavanderia mecânica para seu uso, sendo desaconselhável,

portanto, desabituá-las no velho processo de lavar e passar a ferro,

profissão de que muitas mulheres honestas ganham hoje nas

capitais os meios de subsistência.142

Tentativa de garantir a manutenção das mulheres dentro dos lares,

impedir que estejam na rua ou que tenham tempo para outras atividades.

Impede o acesso a outras atividades, ao manuseio das máquinas.

Outra questão está relacionada a quem são essas mulheres, é a

primeira referência às suas origens sociais. Que mulheres são essas que ao

saírem da prisão prestarão serviços de lavagem e passagem de roupas? Lemos

Brito responde:

142

BRITO, op. cit., 1943.

Page 95: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

94

É de temer que as mulheres, em sua maioria pobres,

pois a nossa criminalidade feminina em geral vai buscar nas classes

inferiores os elementos de que se nutre, adquirindo hábitos e

aprendendo uma profissão incompatível com a sua condição

econômica e social, não mais tolere o meio humilde de onde saiu e

a ele não queira mais submeter-se, gerando-se desse repúdio outros

problemas igualmente sérios143

.

Marrey Jr já havia feito referência à necessidade de que o trabalho

exercido pelas presas fosse útil, Lemos Brito corrobora essa posição:

Vida após a liberdade:

O que não se deve menosprezar é o próprio destino

que a mulher terá quando recuperar a liberdade. Isto para mim é

muito importante.144

143

Idem. 144

Ibdem.

Page 96: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

95

CAPÍTULO III

O encarceramento de mulheres no Brasil: reclamações de longa data

No Brasil, durante todo o século XIX, da mesma forma que em

diversos países do mundo, as práticas estatais de encarceramento de mulheres

consideradas infratoras ocorriam sob as mais variadas condições. Os tipos de

abordagem a essas mulheres, bem como sua permanência e tratamento nas

instituições prisionais – fossem elas cadeias ou casas de correção – não eram

alvos de qualquer regulamentação legal.

Já em São Paulo existem registros desde, pelo menos, 1831, a

respeito da presença de mulheres em cárceres públicos.145

Esses registros

relatam não somente relatam a presença de mulheres nos cárceres, mas tratam

essa presença como um problema público que, como tal, deveria ser

solucionado.

Ainda no século XIX, em 1873, o diretor da Casa de Correção de

São Paulo, Manoel Dias de Toledo, em um de seus relatórios encaminhado ao

Presidente da Província, apontava para um dos problemas que iria se tornar

crônico e alvo de constantes críticas em relação àquele estabelecimento: as

mulheres encarceradas.

145

Em 1825, foi criada uma comissão tríplice composta por um membro da Igreja, um civil e

um militar, responsável por vistoriar a Cadeia Pública da Cidade de São Paulo. As visitas de

vistoria resultavam em relatórios ao presidente de Província. A respeito de um desses

relatórios a respeito do ano de 1831 Salla comentou que: “fazia duas sugestões específicas

em relação às mulheres presas: a primeira dizia respeito à ampliação do espaço a elas

destinado, de uma para duas salas, para que então se pudesse separar as condenadas das não-

condenadas. Em segundo lugar, dever-se-ia prover o necessário alimento e vestuário para

que elas não se prostituíssem. Com tal providência, além da instalação de uma segunda

grade, a conservação da moralidade poderia ser alcançada com a guarda das mulheres sendo

confiada a „pessoas probas e bem morigeradas‟.”

Page 97: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

96

à este inconveniente já por si tão contrario a decência,

acresce um outro de não menos importância – o de serem elas

confiadas a vigilância de guardas que, já por seu sexo, já por nem

sempre oferecerem garantias de honestidade, trazem a

administração em continuo sobressalto, e o que mais é, a

impossibilitam de promover nesta parte a regeneração que tem em

vista as instituições desta ordem.146

Por um lado, a situação carcerária das mulheres infratoras, durante

os primeiros anos do século XX no Brasil, não sofreu qualquer alteração.

Tanto os procedimentos no ato das detenções quanto as práticas ligadas à

manutenção de mulheres em instituições carcerárias públicas não foram alvo

de regulamentações por parte do poder legislativo nesse período.

Por outro lado, são nos primeiros anos do século XX que

jornalistas, juristas e penitenciaristas trouxeram a público seus relatos a

respeito das práticas de encarceramento de mulheres infratoras. Esses relatos

eram apresentados em tom de denúncia e eram uníssonos na cobrança por uma

solução àquilo que consideravam um problema. As denúncias diziam respeito

às condições de acomodação das detidas, que estariam presas em pequenas

celas, úmidas e sujas, destinadas aos condenados do sexo masculino, em

condições totalmente insalubres.

Por ocasião do Congresso Cientifico Latino Americano, reunido na

Capital Federal, em 1907, o Desembargador Souza Pitanga contava que

… sem leito quase todos, alguns seminus, foi o

espetáculo consternador que se me deparou em mais de uma visita

que tive ocasião de fazer a esse valhacouto de miséria, triste

monumento da nossa indiferença por esse importante ramo da

administração judiciária; e, ao fundo, em um só compartimento

desguarnecido de moveis e de quaisquer utensílios, a prisão das

146

Relatório ao presidente de província, 1873 in: SALLA, Fernando

Page 98: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

97

mulheres, porque é nesse lugar absolutamente impróprio, pela sua

própria organização regulamentar que elas cumprem as penas que

lhes são impostas.147

Outro exemplo é o relato do escritor Paulo Barreto, conhecido pelo

pseudônimo de João do Rio, chegou a descrever em 1908 o ambiente de

convívio das detentas nas cadeias do Rio de Janeiro e destacou as condições

físicas de seu encarceramento:

Há atualmente 58, divididas por três salas, uma das

quais é a enfermaria. A falta de lugares, a promiscuidade é ignóbil

nesses compartimentos transformados em cubículos. A maioria das

detentas, mulatas e negras, fufias da ultima classe, são reincidentes,

alcoólicas e desordeiras. Há caras vivas de mulatinhas com os

olhos libidinosos de macacos. (...) Essas mulheres estão na

Detenção por causas fúteis, causas que cometem diariamente até a

cólera final dos inspetores tolerantes ou a vingança de algum

soldadinho apaixonado148.

Mais numerosos, do que os artigos em tom de denúncia, eram os

relatórios queixosos produzidos pelas autoridades prisionais acerca da situação

carcerária das mulheres detidas. Uma comissão, do Ministério da Justiça,

responsável por vistoriar a Casa de Detenção do Distrito Federal, relatou que a

prisão das mulheres compunha-se de poucos quartos pequenos e úmidos,

localizados no quadro do estabelecimento destinado aos condenados do sexo

masculino. Dentre as críticas feitas, deu-se destaque ao comportamento das

detentas,

Consomem o tempo em tagarelices ou dormindo. (...)

147

Citado em: BASTOS, José Tavares. Unisexualidade do Regime Penitenciário.

Penitenciaria para Mulheres Criminosas. São Paulo, Duprat, 1915, p. 83. 148

BARRETO, Paulo. Alma encantadora das ruas. Rio de Janeiro: s.e, 1908, p. 255.

Page 99: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

98

Constitui-se assim, um numeroso grupo de verdadeiras

pensionistas que, longe de encarar a reclusão como um castigo ou

penalidade, a consideram, pelo contrário um ponto de ociosidade e

de repouso149

.

Nas décadas de 1910 e 1920, começavam a surgir as primeiras

propostas de regulamentação das práticas de encarceramento das mulheres

infratoras. Sob o título “Unisexualidade do Regime Penitenciário.

Penitenciária para Mulheres Criminosas”, José Tavares Bastos acusava o

Código Criminal do Império, de 1830, e o Código Penal, de 1890, de não

tratarem devidamente a mulher infratora.

A proposta de Bastos consistia em

… ressaltar a necessidade urgente da modificação da

lei penal na parte relativa a mulher e reclamar uma penitenciaria no

nosso país, só e exclusivamente para a detenção, durante a

expurgação da pena pela mulher criminosa.150

Bastos argumentava que: “O que pretendemos é que no direito

penal sejam tratados com desigualdade seres desiguais”151

e uma vez desiguais

os criminosos “Impõe-se, pois, como medida urgente a diferenciação do sexo

para a imputação da pena”152

. O que, por sua vez, teria impacto direto sobre o

regime das penas, de modo que

… deve o direito penal encará-lo sob modo diverso do

que considera o homem, dando-lhe penas diversas e exigindo a sua

reclusão em um sistema penitenciário inteiramente diferente do

adotado para o homem.153

149

SENA, Ernesto. Através do Cárcere. Rio de Janeiro, Editora Nacional, 1908, p. 21. 150

BASTOS, op. cit., 1915. 151

Idem, p. 29. 152

Ibidem, p. 27. 153

Ibidem, p.44-45.

Page 100: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

99

O então jurista e ex-promotor público encerra com um apelo ao

legislativo pela alteração da legislação penal no que se refere às mulheres;

com um apelo “às senhoras brasileiras, em especial para aquelas que se

dedicam ao estudo e à imprensa"154

por serem, segundo ele, possuidoras de

sincera filantropia, capazes de empreender uma “humanitária cruzada” na

criação de um estabelecimento modelo para mulheres criminosas; e, por fim,

conclui que

… para tal conseguirmos, quanto à mulher criminosa,

deve-se, e já, dela cuidar, dando-se-lhe penas especiais e

encerrando-se-a em penitenciarias exclusivas a seu sexo.155

Entre os anos de 1926 e 1927 foi feito, sob a coordenação de

Cândido Mendes, então presidente do Conselho Penitenciário do Distrito

Federal, um amplo levantamento a respeito da presença de mulheres

encarceradas nas prisões da região sudeste do Brasil. Esse levantamento

visava a obtenção de dados para que se desse início à realização de um

cadastro penitenciário. Diversos dados estatísticos como nacionalidade, tipo de

crime da condenação, tempo da pena e estado civil foram solicitados junto aos

governos e secretarias da justiça dos estados do Rio de Janeiro, São Paulo,

Espírito Santo e Minas Gerais. Os dados coletados foram compilados e

publicados na forma de folhetos avulsos a serem distribuídos nas instituições

públicas e no Diário Oficial da União em 1928.

Alguns anos após a publicação do texto de Bastos, as primeiras

propostas que surgiram do interior das instituições penais públicas estão

desvinculadas de qualquer exigência de alteração do código penal vigente. O

que foi posto em pauta foi a acomodação física das mulheres que cometeram

crimes, passaram por processo e sofreram condenação de restrição de 154

Ibidem, p. 105. 155

Ibidem, p. 110.

Page 101: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

100

liberdade. A primeira proposta era reunir todas as mulheres condenadas em

uma única Penitenciária Agrícola para mulheres, a ser instalada no Distrito

Federal, sob os auspícios de seus estados de origem:

Em trabalho especializado, já o Conselho

Penitenciado estudou a situação das mulheres criminosas,

comparando as condenadas no Distrito Federal e nos Estados, que

lhe ficam mais próximos, isto é, Estado do Rio, S. Paulo, Minas

Gerais e Espírito Santo, tendo chegado á apuração de existirem em

1927 apenas 39 mulheres condenadas por crime, todas elas

recolhidas a simples cadeias esparsas, parecendo possível a reunião

de todas em uma só Penitenciaria Agrícola para mulheres, com o

concurso dos Governos desses Estados.156

Um edifício no qual se pudesse estabelecer fisicamente uma

instituição prisional para mulheres era, sem dúvida, a reivindicação mais

recorrente. Uma outra proposta era a de resolver localmente a questão da

acomodação das presas promovendo a extensão, através da construção de

novas alas, das cadeias já existentes. Essa proposta de extensão não

contemplava propostas de execução de regime penal. Tratava somente da

criação de um espaço físico que abrigasse mulheres infratoras.

Assim, a reivindicação por uma solução física envolvia as mais

recorrentes críticas às práticas de encarceramento de mulheres no Brasil ao

longo de todo o século XIX e princípios do XX. Tais propostas de

acomodação física eram apresentadas na tentativa de dar cabo àquilo que era

considerado, unanimemente, como o maior problema do aprisionamento de

mulheres: a existência de todo tipo de promiscuidade no interior das celas.

156

Relatório do Conselho Penitenciário do Distrito Federal, elaborado por Cândido Mendes

de Almeida, sobre o ano de 1927, publicado no Diário Oficial da União em 16 de outubro de

1928.

Page 102: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

101

Souza Pitanga, por exemplo, reitera os relatos em tom de denúncia

e engrossava o grupo dos que exigiam solução para a situação de

promiscuidade existente no interior dos estabelecimentos prisionais:

No vão desse recinto quase oco, cerca de 70 mulheres

de diversas raças e hábitos diversos, criminosas cínicas,

vagabundas incorrigíveis e simples criaturas colhidas nas malhas

de um crime passional, em ominosa promiscuidade, entregue ao

ócio, sentadas quase todas no chão desse cárcere exaustivo e

monótono, umas andrajosas e desguelhadas a darem gargalhadas

estridulas; outras modestamente abotoadas em seus vestidos

pobres, silenciosas e envergonhadas, de sua desgraça; algumas,

muito poucas, a procurarem em ligeira costura um derivativo para

o espírito atribulado.157

A situação descrita por Pitanga era agravada pela inexistência de

diretrizes legislativas que obrigassem ou, sequer, recomendassem qualquer

separação. A promoção de uma segregação entre os presos no interior do

cárcere fosse pelo sexo do preso, pela idade, pelo tipo de delito ou pela

situação jurídica nunca foi uma prática óbvia, nem sempre fisicamente

possível nem regulamentada. Isso nos indica que as regras de funcionamento

dos presídios foram estabelecidas depois da criação desses, foram

estabelecidas com as instituições já em funcionamento. Mais ainda, isso

significa dizer que no ato do aprisionamento, a autoridade responsável pelo

cárcere não tinha nenhuma obrigatoriedade legal de promover qualquer

separação entre os presos – homens e/ou mulheres – no interior das celas. E

caso o pretendesse, nem sempre (na maioria dos casos, diga-se) havia as

condições materiais para isso. A inexistência de celas e a superlotação das

celas existentes já faziam parte do cotidiano prisional brasileiro desde há

muito tempo. Assim

157

Citado em: BASTOS, op. cit., p. 83-84.

Page 103: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

102

As mulheres, processadas e condenadas por crime,

jazem, na mais deletéria promiscuidade, em salas térreas nos

fundos da Casa de Detenção, por não terem para onde ir, apesar

dos, esforços do Patronato das Presas.158

O Conselho Penitenciário do Distrito Federal

Em seis de novembro de 1924 por determinação do Ministério da

Justiça e Negócios Interiores foi criado, sob o decreto-lei n.º 16.665, o

Conselho Penitenciário. Cada estado da união deveria ter um conselho

correspondente. Entre as atribuições dos Conselhos Penitenciários estavam:

1º. Verificar a conveniência da concessão do

livramento condicional e de indulto, afim de serem promovidas as

necessárias providências a requerimento do preso, representação do

diretor do estabelecimento penal, ou por iniciativa própria do

Conselho;

2º. Visitar, pelo menos uma vez por mês, os

estabelecimentos penais da zona da sua jurisdição, verificando a

boa execução do regime penitenciário legal e representando ao

Governo respectivo, sempre que entender conveniente qualquer

providência;

3º. Verificar a regularidade da execução das condições

impostas aos liberados e condicionais e aos egressos localizados

em colônias de trabalhadores livres ou em serviços externos,

providenciando como for conveniente;

4º. Apresentar anualmente o relatório dos trabalhos

efetuados.159

158

Relatório do Conselho Penitenciário do Distrito Federal, elaborado por Cândido Mendes

de Almeida, sobre os anos anteriores, publicado em 04 de abril de 1934. 159

Decreto nº 16.665 de 06 de novembro de 1924.

Page 104: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

103

Tão logo passou a vigorar o decreto, o Conselho Penitenciário do

Distrito Federal foi o primeiro a organizar seu corpo de conselheiros. O

conselho foi presidido por Cândido Mendes de Almeida160

desde sua

inauguração, em 1924, até seu falecimento em 1939. Após o falecimento de

Cândido Mendes, por meio de nomeação assinada por Getúlio Vargas, quem

assumiu a presidência foi José Gabriel de Lemos Brito, permanecendo no

cargo até 1957.

Os membros desse conselho foram todos nomeados em vinte e seis

de novembro de 1924, sendo eles: Cândido Mendes de Almeida, Raul Leitão

da Cunha, Melciades Mario de Sá Freire, José Gabriel de Lemos Brito e

Juliano Moreira.

Antes de presidir o Conselho Penitenciário, Candido Mendes já

presidia o Patronato Jurídico dos Condenados que foi criado em outubro de

1923. O patronato era composto por professores e estudantes do curso de

Direito da Universidade do Rio de Janeiro. Mendes também prestava

assistência jurídica ao Patronato das Presas, criado em 1921, sob os auspícios

do então Ministro da Justiça, Joaquim Ferreira Chaves. A presidência desse

patronato era exercido pela Condessa Candido Mendes de Almeida e sua

composição era a seguinte: tesoureira Julieta de Carvalho Leão Teixeira, pela

secretaria Maria Brazilina de Alencar Lima e pelo conselho composto das

senhoras Julieta Miranda Pompeu, Maria Henriquieta de Alencar Lima, Sylvia

Figueira de Mello, Stella de Faro, Regina San Juan Benevenuta James, Maria

Villela dos Santos, Hygina de Souza Leão e Ida Leão Teixeira.161

Anos antes da instituição do Conselho Penitenciário do Distrito

Federal, Candido Mendes participou de uma série de comissões responsáveis

160

Ingressou no Ministério Público, no Rio de Janeiro então capital federal. Ao deixar esta

função, decicou-se à advocacia. Lecionou Prática Forense na Faculdade de Ciências Sociais

do Rio de Janeiro e, mais tarde, na Faculdade de Direito da Universidade do Brasil. Junto

com seu irmão, o senador Fernando Mendes de Almeida foi diretor do Jornal do Brasil. 161

Relatório do Patronato das Presas, sobre os anos de 1924 a 1926, ao Conselho

Penitenciário do Distrito Federal.

Page 105: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

104

por visitar estabelecimentos prisionais no Brasil e no exterior. Em uma dessas

visitas às instituições penais da America do Sul, Candido Mendes foi conhecer

o Carcel de Murejes, em Buenos Aires, na Argentina, que era administrado

pelas religiosas da Congregação de Nossa Senhora de Caridade do Bom Pastor

de Angers, mais conhecidas a época pela designação de Irmãs do Bom Pastor.

Sobre sua visita, Mendes relatou que:

O edifício em que está instalado em Buenos Aires, a

rua S. Juan, é uma velha construção colonial, que foi um antigo

Colégio de Jesuítas, mas apesar da falta de condições próprias para

os eu destino atual, está de tal modo conservado pelas Irmãs do

Bom Pastor que merecem estas o mais franco elogio. Parte do

edifício está afeto ao recolhimento das meninas abandonadas,

secção completamente separada do departamento das presas.

Gerais são os encômios que a direção dessas religiosas têm

recebido, quer no Uruguai, quer na Republica Argentina, quer no

Chile. A minha observação pessoal e a dos cientistas que me

acompanhavam na visita a prisão de mulheres de Buenos Aires, foi

a melhor possível, e no dia da nossa inspeção encontrarmos cerca

de trezentas reclusas em perfeita ordem e tranqüilidade, dirigidas e

guardadas apenas por vinte e seis religiosas, que não tinham

nenhuma outra pessoa para auxiliá-las de portas a dentro, fazendo

todos os serviços, inclusive os de cozinha, lavanderia e higiene,

com a colaboração apenas das reclusas.162

Foram nessas visitas que Candido Mendes tomou conhecimento do

funcionamento interno dos cárceres administrados pelas freiras dessa

congregação. A presença de brasileiras entre as freiras que trabalhavam no

cárcere argentino animou Mendes a vislumbrar um estabelecimento nesses

moldes no Distrito Federal:

162

MENDES A., Cândido Mendes. Justiça e as Prisões no Uruguay e na República

Argentina. Rio de Janeiro, 1919.

Page 106: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

105

Devo deixar aqui registrado que na prisão de mulheres

de Buenos Aires tive ocasião de encontrar, entre as beneméritas

religiosas do Bom Pastor, duas brasileiras, as irmãs Maria Thereza

Pedreira Duprat e Maria de São João Evangelista Coelho de

Almeida, que ali ocuparam cargos de responsabilidade e que

prestaram valiosas informações...163

A partir de então, Cândido Mendes viabilizou e intermediou os

contatos entre o Patronato das Presas, o Ministério da Justiça e a Congregação

do Bom Pastor. Dois anos depois das referidas visitas, estiveram presentes na

solenidade de inauguração do Patronato das Presas três freiras, representantes

da Congregação, oferecendo assim os seus serviços:

A sua sessão de instalação na supra referida data de 22

de outubro de 1921, compareceram três ilustres patrícias as Sras.

Maria d‟Utra Vaz, superiora do Asilo do Bom Pastor do Rio de

Janeiro, Maria Horta Barbosa e Maria Fernandes Pinheiro, da

mesma benemérita Congregação, que perante o ministro da Justiça

Dr. Joaquim Ferreira Chaves, que presidiu a assembléia,

ofereceram ao Patronato das Presas a sua direta colaboração, de

modo que o Governo Federal poderia contar com dez senhoras

carcereiras especialistas, com grande tirocínio nas prisões de

mulheres, na Europa e na America do Sul, para, sem nenhum outro

pessoal de portas a dentro, cuidar da guarda e da regeneração das

mulheres criminosas, processadas e condenadas.164

O Patronato das Presas e o próprio Candido Mendes advogaram

publicamente a necessidade da instauração de um estabelecimento

penitenciário específico para mulheres no Distrito Federal – até então

163

Idem. 164

Relatório do Patronato das Presas, sobre os aos de 1924 a 1926, ao Conselho

Penitenciário do Distrito Federal.

Page 107: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

106

inexistente – e tentaram viabilizar que tal se desse nos moldes propostos pela

Congregação e por ela administrado:

A principal preocupação do Patronato das Presas tem

sido a criação de uma prisão especializada para mulheres

criminosas a exemplo do Carcel de Mujeres, existente no Uruguai,

República Argentina e outros países sul-americanos, que são

estabelecimentos modelares dirigidos pelas Religiosas da

Congregação do Bom Pastor, cuja sede metropolitana é em Angers,

França. [...] Estes algarismos[] são assaz eloqüentes para

convencer de que não seria difícil concentrar as mulheres

processadas e condenadas em um só estabelecimento sob a direção

de senhoras especialistas como o são as da Congregação do Bom

Pastor, o que só produziria resultados vantajosos para a

regeneração das criminosas e contraventoras e principalmente para

diminuir a reincidência e, portanto, para a efetiva Defesa Social.165

Para a execução desse projeto o Patronato das Presas apoiou-se

num dispositivo legal já existente desde janeiro de 1921 que já autorizava o

estabelecimento de uma penitenciária agrícola para mulheres:

Art. 3º : É o Governo autorizado:

[...] VI – A construir, dentro dos limites do Distrito

Federal uma penitenciaria agrícola para homens e outra separada

para mulheres, onde se ministre aos sentenciados nelas recolhidos,

ensino pratico de agricultura, sob um regime que se assemelhe

quanto possível, ao trabalho livre.

Parágrafo 1º - A Penitenciaria agrícola para mulheres

poderá ser entregue á direção de senhoras especialistas, e terá

acomodações próprias para, em secção distinta, receber as pessoas

do sexo feminino condenadas por crime ou contravenção,

refere-se ao baixo número de mulheres que cumpriam pena nas prisões do estado do rio de

janeiro. 165

Idem.

Page 108: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

107

processadas ou simplesmente detidas, ficando absolutamente

proibida a internação de pessoas desse sexo na Casa de Detenção e

na Colônia Correcional de Dois Rios.

Parágrafo 2º - Para esse fim, fica, outrossim,

autorizado a abrir os créditos necessários, não só para a construção

do estabelecimento, como para pagamento do pessoal

administrativo do seu regular funcionamento.166

O Patronato, por recomendações do Ministro da Justiça,

passou, então, a concentrar esforços na busca por locais onde se

pudesse construir a penitenciária e por garantir, junto ao legislativo, a

aprovação dos recursos necessários para as obras. Enquanto isso,

Cândido Mendes, com o apoio do senador Mendonça Martin,s

conseguiu que fosse aprovada a lei n.º 4.577 de cinco de setembro de

1922 que autorizava o executivo a realizar alterações, reformas e

construções nos estabelecimentos penitenciários sem que fosse

necessária a prévia autorização do legislativo.

Por conta das perturbações políticas ligadas às eleições

presidenciais e com a mudança de governo167

, a verba e a autorização

constante do orçamento público de 1921 não foram liberadas a tempo. O

Patronato chegou a oficiar junto ao Governo Federal solicitações de

manutenção da autorização a valer para o ano seguinte, mas os pedidos foram

arquivados.

Em 1924, já como Presidente do Conselho Penitenciário do Distrito

Federal, Candido Mendes apresentou ao então Ministro da Justiça e Negócios

Interiores, Affonso Penna Junior, a proposta encabeçada pelo Patronato das

Presas de construção da Penitenciária Agrícola para mulheres no próprio

Distrito Federal. Mendes argumentava que, diante do baixo número de

mulheres presas em cumprimento de penas não só no Distrito Federal como

166

Decreto-Lei de numeração parcialmente ilegível 4.212 ou 4.242. 167

Série de conflitos, falsas eleições, saída de Epitácio Pessoa assumindo Artur Bernardes,

mesmo assim as agitações continuavam.

Page 109: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

108

também nos estados vizinhos – São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo –

somado à inexistência de instituição especializada em quaisquer dos estados,

seria conveniente fundar no Distrito Federal uma instituição de amplitude

nacional, que recebesse as sentenciadas de outros estados mediante o apoio

financeiro proporcional à quantidade de reclusas. Apoiando a iniciativa de

Mendes, Affonso Penna recomendou que antes de qualquer coisa fossem

ouvidos os governadores dos estados vizinhos

o que foi feito, a pedido do Patronato, pelo seu

consultor jurídico o professor Candido Mendes, já então presidente

do Conselho Penitenciário, que conferenciou oficialmente com os

Srs. Drs. Carlos de Campos e Fernando de Mello Vianna,

presidentes dos Estados de São Paulo e Minas Gerais e com o Dr.

Geraldo Vianna, deputado pelo Estado do Espírito Santo, havendo

todos três prometido apoio e colaboração.168

Em vinte e sete de julho de 1927 foi publicado no Diário Oficial da

União, a pedido de Candido Mendes169

, o primeiro relatório das atividades do

Conselho Penitenciário do Distrito Federal encaminhado ao Ministério da

Justiça e Negócios Interiores. Nesse relatório estavam presentes as

transcrições de todos os pareceres emitidos pelos conselheiros a respeito dos

pedidos e processo de livramento condicional, avaliações e relatos sobre as

visitas feitas aos estabelecimentos prisionais do estado do Rio de Janeiro, bem

168

Relatório do Patronato das Presas, sobre os anos de 1924 a 1926, ao CPDF. 169

Todos os relatórios, do Conselho Penitenciário do Distrito Federal elaborados e assinados

durante o período de presidência de Cândido Mendes de Almeida enviados ao Ministério da

Justiça e Negócios Interiores, foram encaminhados com uma solicitação de publicação dos

mesmos no Diário Oficial da União. Entre os anos de 1924 e 1939, todos os relatórios

emitidos pelo Conselho foram integralmente publicados no Diário Oficial da União:

“Solicito se digne V. Ex. mandar publicar no Diário Oficial o relatório ora apresentado com

os seus anexos, providenciando para que seja aproveitada a composição e paginada, em

folheto para poder ser distribuído pelos Conselhos e pelos interessados, como elemento de

estudo dos importantes interesses da defesa social no Brasil e ainda como base da

justificação de reformas penais de indiscutível urgência”.

Page 110: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

109

como uma série de tabelas e dados estatísticos sobre os movimentos de

entrada, saída e permanência de presos nesses estabelecimentos.

Todo o relato de Cândido Mendes foi redigido em tom de denúncia

e indignação. Ao relatar sua visita à Colônia Correcional de Dois Rios, na Ilha

Grande, descrevia a instituição como

A esse pseudo estabelecimento penal faltam todos os

elementos para ser colônia agrícola, e para instituto correcional. É

uma antiga fazenda em terreno muito acidentado, cheio de pedras,

de difícil desbravação, não se prestando para nenhuma exploração

agrícola. Os edifícios, mal construídos e sem orientação técnica,

contêm apenas compartimentos semelhantes aos que servem de

xadrez nas delegacias de policia, nos quais vivem em comum os

presos.170

A situação do encarceramento de mulheres no estado não era

descrita de maneira muito diferente das instituições destinadas aos presos do

sexo masculino. Nesse caso, Mendes denunciava que

Para as mulheres sentenciadas não há nenhuma

instalação condigna, pelo que todos as mulheres quer processadas,

quer as definitivamente condenadas, quer as simplesmente detidas

sem processo, ficam em completa promiscuidade entre elas em

uma dependência da Casa de Detenção, composta de quatro salas

de um pavilhão térreo, uma das quais destinada á enfermaria. [...]

Penitenciaria para mulheres criminosas não existe. Todas as

mulheres condenadas por crimes ficam na Casa de Detenção até o

fim do tempo das suas sentenças. [...] As mulheres condenadas são

superintendidas por um homem, e dormem também reunidas em

edifício separado, mas da mesma natureza dos outros. Só se

ocupam em lavar roupa, tendo de atravessar os lugares em que

170

Relatório do CPDF, 1927, p. 11.

Page 111: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

110

andam os presos homens com grande prejuízo para a ordem e a

moralidade do presídio.171

Nesse relatório consta também uma série de levantamentos feitos a

respeito da movimentação, correspondente aos anos de 1925 e 1926, de

entrada, saída e permanência de mulheres tanto na Casa de Detenção quanto

na Colônia Correcional. De posse desses dados Mendes dizia que

Diminuto é relativamente o número de mulheres

condenadas por crime no Distrito Federal. Assim, havia em

dezembro de 1925 tão somente sete mulheres definitivamente

condenadas por crime, isto é, com as suas sentenças passadas em

julgado, sendo duas por furto, duas por homicídio, uma por

tentativa de morte, uma por moeda falsa e uma pelo crime de roubo

com homicídio. Uma dessas mulheres é menor de dezoito anos e a

única mulher criminosa sujeita á jurisdição do Juízo de Menores, o

que quer dizer que não deveria estar na Casa de Detenção e muito

menos em convívio com as outras presas.172

Após as queixas, Candido Mendes fez uma proposta de como

solucionar a situação e aproveita para fazer campanha em defesa da criação da

Penitenciária Agrícola para mulheres alegando que o diminuto número de

presas facilitara sua concentração em um único estabelecimento

No biênio de 1925-1926, o total geral de entradas das

mulheres presas por crime ou contravenções é tão somente de 246,

das quais só passaram 24 para 1926, e 28 para 1927: de onde se vê

que fácil seria com grande vantagem social a colocação da pequena

quantidade de mulheres condenadas em uma Penitenciária

Agrícola especializada.173

171

Relatório do CPDF, 1927, p 10 e 11. 172

Relatório do CPDF, 1927, p. 10. 173

Relatório do CPDF, 1927, p. 10.

Page 112: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

111

Candido Mendes fez diversas visitas, como Presidente do Conselho

Penitenciário, aos estabelecimentos prisionais que abrigavam mulheres não só

no estado do Rio de Janeiro, mas também nos estados vizinhos. Em 1925, em

nome do Conselho, ele enviou ofícios às secretarias de justiça dos estados de

São Paulo, Espírito Santo, Minas Gerais e Rio de Janeiro solicitando

informações a respeito da situação carcerária das mulheres presentes nos

estabelecimentos prisionais. Entre as informações solicitadas estavam a

quantidade de internas, de liberadas, os crimes cometidos, nacionalidade,

naturalidade, idade, cor, instrução, estado civil, profissão. Tal levantamento

fazia parte de um projeto de realização de um cadastro penitenciário nacional,

por meio do qual os serviços de administração penitenciária teriam acesso a

uma pormenorizada relação dos dados referentes a todas as pessoas

encarceradas, seus crimes, tempo de reclusão estipulado nas penas, origem,

profissão etc., em território nacional

A situação das mulheres condenadas em processos

crimes tem preocupado muito o conselho penitenciário que, em

suas visitas ás prisões verificou acharem-se elas abandonadas em

promiscuidade com as processadas na Casa de Detenção do

Distrito Federal, não havendo nenhum lugar para elas na Casa de

Correção, para onde não podem portanto ser requisitadas. O desejo

de iniciar o cadastro penitenciário determinou pesquisas junto dos

Governos e Justiça dos Estados do Rio de Janeiro, São Paulo,

Minas Gerais e Espírito Santo, produzindo o interessante resultado

de apurar-se a diminuta quantidade de mulheres criminosas com

sentença condenatória passada em julgado.174

Essa pesquisa sobre a presença feminina no interior das prisões dos

estados vizinhos ao Rio de Janeiro se estendeu dos anos de 1925 até 1927 e a

174

ALMEIDA, Cândido Mendes de. As mulheres criminosas no centro mais populoso do

Brasil. Rio de Janeiro, 1928, p. 03.

Page 113: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

112

partir dos dados coletados, Candido Mendes elaborou um artigo intitulado As

mulheres criminosas no centro mais populoso do Brasil. O artigo, a seu

pedido, foi publicado no Diário Oficial da União entre os informes do

Ministério da Justiça e foi também publicado na forma de folheto avulso.

Além da apresentação dos dados, Mendes aproveitou o texto para

reiterar seu apoio ao projeto da Penitenciária Agrícola, propor atividades a

serem realizadas pelas presas e a apresentá-la como uma vantagem social

É um campo novo de grande resultado econômico

que maior será si, junto à Penitenciaria Agrícola, for instituída uma

colônia de trabalho livre, parcelada em lotes, onde as mulheres

presas beneficiadas pelo livramento condicional: e onde

continuariam a produzir o mesmo que tivessem aprendido na

Penitenciaria, mas com a certeza de lucro, porque a proteção dos

órgãos penitenciários permitiria assegurá-lo pela assistência

industrial e pela regularidade da aquisição dos produtos,

inteligentemente distribuídos pela administração da Penitenciaria.

Com isso o êxito econômico seria completo, evitando ás egressas

os perigos dos desânimos, tão frequentes e deletérios aos que saem

das prisões e que se encontram em liberdade mas desprotegidos e

vítimas do desprestigio que deriva da situação de antigos

encarcerados.175

A defesa do projeto, encabeçada por Mendes, assentava sua

argumentação na situação prisional brasileira e no benefício público

econômico que, segundo ele, seria proporcionado pela solução do problema.

Ele reconhecia e até demonstrava surpresa diante do reduzido número de

mulheres encarceradas em cumprimento de pena na Capital Federal, contudo a

maior ou menor quantidade de mulheres presas não era motivo para criar ou

deixar de criar um estabelecimento específico para elas.

175

Idem, p. 04.

Page 114: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

113

Cândido Mendes baseava parte de sua argumentação naquilo que

ele entendia que provocaria a reação de seu interlocutor: êxito econômico.

Estamos diante de uma situação de negociação, Cândido Mendes queria ver

seu problema solucionado, portanto, apresentava vantagens disso. Não era a

toa que as vantagens apresentadas eram econômicas. Parte da proposta era

guiada pela lógica do investimento. Cândido parecia querer assegurar ao

Ministro que o investimento humano teria retorno econômico. No caso de

mulheres criminosas, o investimento humano, a proposta de regeneração não

se justificava por si só – mesmo ela sendo diversas vezes reiterada. A

regeneração das criminosas não se justificava desvinculada de lucro,

desvinculada de êxito econômico. A regeneração de criminosos só parecia ser

socialmente vantajosa se houvesse êxito econômico. Pessoas criminosas só

eram socialmente interessantes se produzissem êxito econômico.

A defesa incessante da Penitenciária Agrícola para mulheres por

parte de Cândido Mendes, longe de ser apenas mera filantropia, era acima de

tudo uma proposta de ampliação da ação do Estado sobre as condenadas. Dizia

que a “regeneração das criminosas exige cuidados meticulosos” e propunha

que a administração penitenciária garantisse a continuidade do trabalho

prisional mesmo após a presa ter alcançado a liberdade. O que colocaria as

presas sob a eterna “proteção dos órgãos penitenciários”, o que faria delas

eternas penitentes. A justificativa de Cândido Mendes era a de que mesmo

tendo cumprido sua pena, elas seriam vitimas e estariam desprotegidas ante de

sua condição de ex-presidiárias.

As mulheres condenadas não seriam, assim, criminosas, mas

infelizes. Uma prisão para mulheres não seria, portanto, um local de penitencia

e cumprimento de pena, mas um local de proteção de vítimas de sua própria

condição. Pior, no momento em que o Estado se coloca na condição de eterno

protetor dos condenados ele está criando os eternos condenados

Portanto, a tutela do Estado se justificaria por uma necessidade da

sociedade em defender-se da reincidência. Aqui ele estabelecia um outro

Page 115: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

114

problema social a ser solucionado: a reincidência. Para Cândido Mendes a

reincidência seria causada pela “vida despreocupada das cadeias”. A principal

proposta de solução para a regeneração das criminosas era, então, o

recolhimento das presas “a um estabelecimento penal conveniente”.

Um dado bastante relevante e, até então, ausente das discussões e

relatórios oficiais diz respeito ao tempo de encarceramento estipulado pelas

condenações. Candido Mendes atribuia a eficiência de sua proposta de

trabalho penal lucrativo ao tempo de execução da penas das presas que era

alto, chegava a somar trinta anos de prisão. Segundo Mendes as penas eram

longas por conta da gravidade dos crimes nos quais essas mulheres estavam

envolvidas

Releva ainda ponderar que, sendo em grande maioria

longas as penas a que foram condenadas as mulheres criminosas

em conseqüência da gravidade do crime cometido, evidente é a

vantagem da Penitenciaria Agrícola especializada, na qual

poderiam ser educadas, na prática de trabalhos rurais e agrícolas

próprios para as mulheres, como sejam a avicultura, a apicultura, a

sericicultura, a pequena lavoura e a jardinagem com os seus

consectários de floricultura e indústria de conservas.176

Segundo os dados desse mesmo estudo, no estado de Minas Gerais,

de um total de quinze condenadas presas, todas foram condenadas por

homicídio. Seis dessas quinze foram condenadas a mais de cinco anos de

prisão, outras seis foram condenadas a mais de dez anos de prisão e sobre uma

delas a pena imposta foi de trinta anos de prisão.177

Em junho de 1928, novo relatório das atividades do Conselho

Penitenciário do Distrito Federal foi encaminhado ao Ministério da Justiça e

Negócios Interiores. Nele, Mendes tornou suas críticas aos estabelecimentos

176

Idem. 177

Idem, p. 07.

Page 116: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

115

prisionais do estado ainda mais agudas, ao referir-se à Colônia Correcional

afirmou que “As condições dessa imprestável Colônia, impropriamente

denominada Correcional, são de inteira inaptidão para os propósitos de

reeducação agrícola para que foi instalada”178

No mesmo relatório, o presidente torna patente seu

descontentamento com o cumprimento das penas somente no que diz respeito

à restrição de liberdade. Mais do que uma instituição que apenas separe

mulheres de homens, independente se muitas ou poucas, ela teria que garantir

a realização do trabalho.

Durante o ano de 1927 terminaram o tempo das suas

condenações 398 homens e 14 mulheres, isto é, 407 condenados

que saíram da prisão sem terem cumprido a pena de prisão com

trabalho que os juízes e tribunais lhes haviam imposto nas

sentenças condenatórias.179

Nesse relatório constava seu incessante apoio às atividades do

Patronato das Presas que estaria prestes a conseguir um terreno para a

fundação da Penitenciária. O então ministro da Justiça, Augusto de Vianna do

Castelo, teria autorizado que o diretor geral da Saúde Publica, Clementino

Fraga, concedesse as plantas da Fazenda da Capela, na Estrada de Rio Grande,

em Jacarepaguá, ao presidente do Conselho Penitenciário. A fazenda teria sido

adquirida visando a instalação do Instituto de Lepra, mas, ao que parecia, não

reunia as condições para seu estabelecimento podendo vir a ser destinada a

outros fins. Interessado na fazenda o Patronato das Presas não tardou em

reunir seus membros, avaliar a área, elaborar o projeto e solicitar os recursos

para sua execução.

178

Relatório do CPDF, 1928, p. 98. 179

Idem, p. 96 – grifo nosso.

Page 117: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

116

Desenvolveu imediatamente a maior atividade o

Patronato das Presas; e dentro de poucos dias era a dita Fazenda

objeto de nova visita da presidente desse Patronato, acompanhada

do presidente do Conselho Penitenciário, e de varias colaboradoras,

as Sras. Maria Brasilina de Alencar Lima, Stella de Faro e algumas

carcereiras especialistas brasileiras, as Sras. Affonso Penna, Horta

Barbosa, Fernandes Pinheiro e outras, em companhia da Superiora

das Religiosas do Bom Pastor, que tanto se tem já distinguido nos

Cárceres de Mulheres Uruguai, Republica Argentina e Países da

costa Sul americana do Oceano Pacifico. 180

As constantes agitações políticas promovidas pelos intensos

embates políticos, econômicos e militares das décadas de 1920 e 1930

promoveram uma verdadeira dança das cadeiras no funcionalismo público181

.

Se o então diretor geral da Saúde Pública, nos idos de 1927, Clementino Fraga

havia concordado em ceder a Fazenda para a construção da Penitenciária, um

de seus sucessores nos idos de 1930, Belisário Penna, não foi nem um pouco

simpático à concessão do terreno para tais fins e se negou a ceder a área

alegando ainda ter planos de fundar ali um asilo para os filhos de portadores

de lepra182

. E foi por conta desse conflito de interesses entre o Ministério da

Justiça e a Secretaria de Saúde Pública que o projeto de uma Penitenciária

Agrícola para mulheres de âmbito nacional não teve prosseguimento.

No relatório de meados de 1930, Candido Mendes segue sua

descrição das atividades prisionais denunciando que “A Casa de Detenção,

sempre superlotada, recebe todos os presos remetidos por todas as autoridades

policiais e judiciárias sem nenhuma cogitação sobre se há ou não há lugar para

180

Ibidem, p. 98. 181

No interior das instituições prisionais não foi diferente, a massa carcerária sofreu ampla

movimentação nesse período: “No período de 1930-1931 sucederam-se três administração na

Casa de Detenção e duas na Casa de Correção e na Casa de Detenção e duas na Casa de

Correção e na Colônia Correcional de Dois Rios, e todos esses três estabelecimentos penais

sofreram as naturais perturbações conseqüentes dos movimentos revolucionários, sendo

atingida a própria disciplina interna.”(MENDES A., 1932, p. 10) 182

Relatório do CPDF, 1932, p. 10.

Page 118: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

117

os detentos, homens ou mulheres” e também que “As mulheres condenadas

continuam em compartimento separado na Casa de Detenção, mas em

promiscuidade com as processadas e as vagabundas e ébrias habituais

enviadas pela Polícia”.183

Antes e depois de assumir a presidência do Conselho Penitenciário

do Distrito Federal, Cândido Mendes estivera presente em visita a diversas

instituições que abrigavam mulheres infratoras em diversos estados e fora do

país. Foi responsável direto por estudos a respeito da situação carcerária das

mulheres no Brasil e apresentou propostas de regulamentação e de aplicação

de verbas na reforma penitenciária para mulheres. Depois de anos

reivindicando solução para os problemas apresentados, Mendes, em um de

seus últimos relatórios ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores, ainda

reclamava:

Parece incrível que apesar das constantes repetidas e

pertinazes reclamações do Conselho Penitenciário já lá vão nove

anos, não se conseguiu do Governo Federal providências efetivas

para que cesse tão deprimente documento do descaso dos Poderes

Públicos em assunto que tão diretamente entende com a defesa da

sociedade contra e crime.184

Ante-projeto de Código Penitenciário do Brasil

Aos trinta e um dias do mês de agosto de 1933 foi publicado no

Diário Oficial da União o Anteprojeto de Código Penitenciário do Brasil,

elaborado pela chamada décima quarta subcomissão legislativa composta pelo

médico e psiquiatra Heitor Pereira Carrilho, pelo jurista José Gabriel de

Lemos Brito e presidida pelo também jurista Cândido Mendes de Almeida. O

183

Relatório do CPDF, 1930, p. 79. 184

Relatório do CPDF, 1934, p. 04.

Page 119: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

118

anteprojeto resultou de uma série de 114 sessões realizadas no edifício da

Câmara dos Deputados no Rio de Janeiro e visava alcançar todos os atos de

execução penal criminal nas suas várias modalidades de penas detentivas,

penas pecuniárias e penas acessórias.

O anteprojeto possui oitocentos e cinqüenta e quatro artigos,

contemplando a regulamentação das colônias penais, das medidas de

segurança, da suspensão condicional, da soltura do condenado, do livramento

condicional, da extinção da pena, da reabilitação dos condenados, dos

recursos, do Museu Criminal e do Fundo Penitenciário.

O encarceramento de mulheres não foi esquecido pela comissão, o

quinto capítulo foi todo dedicado ao reformatório de mulheres e continha vinte

e cinco artigos a respeito do tratamento penal às mulheres, fossem elas já

condenadas ou meras reclusas.

Entre outras coisas, nas palavras de Cândido Mendes, o que

impressionou foi a clareza de objetivos descritos na exposição de motivos, tais

como:

A regulamentação de cada um desses

estabelecimentos penais, de preferência agrícolas, afim de evitar o

perigo de acumulo de proletariado industrial e o

congestionamento operário, atendeu ás mais modernas

exigências de defesa social, conforme decisões dos congressos

penitenciários, mas tendo sempre em consideração o propósito de

regenerar e de afeiçoar esses estabelecimentos às condições e

possibilidades brasileiras.185

A ação modernizadora sobre os estabelecimentos penais visava

também garantir que eles viabilizassem um escoamento de populações

indesejadas das cidades para o campo, não sem antes incutir neles a lógica do

185

Exposição de Motivos do Ante-projeto de Código Penitenciário do Brasil. Rio de Janeiro,

1933, p. 07. (Grifos nossos)

Page 120: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

119

trabalho como meio de regeneração social. Uma regeneração social que, uma

vez alcançada, não deveria ser usufruída no meio social urbano, mas rural.

Alguns dos objetivos da reforma penitenciária eram, portanto, tirar os

infratores das ruas em todos os sentidos. Primeiramente, por meio do

encarceramento durante o cumprimento de sua pena, aproveitando o tempo de

reclusão para habituá-lo à atividade agrícola. E, posteriormente, à sua

“regeneração”, induzindo-o a procurar ocupação no campo uma vez que

estaria habilitado para o trabalho agrícola.

Chegando ao legislativo, o anteprojeto ficou parado até 1935,

quando os deputados da bancada paraibana promoveram seu desarquivamento,

alçando-o à condição de Projeto de Lei, o que habilitaria sua entrada na pauta

de discussões186

. Em 1937, com a perpetração do golpe do Estado Novo e a

paralisação das atividades do legislativo o projeto não chegou a ser aprovado,

ele sequer discutido. O projeto foi completamente abandonado, até que em

julho de 1956, a discussão a respeito de uma possível regulamentação das

atividades carcerárias foi retomada. Por meio da portaria n.º 95M, o então

Ministro da Justiça, Nereu de Oliveira Ramos, designou uma nova comissão,

sob sua presidência, para elaborar um novo anteprojeto de Código

Penitenciário.187

No Brasil, o primeiro conjunto de leis visando

especificamente regulamentar as práticas carcerárias só foi aprovado em 1984.

Sob o título Lei de Execução Penal, foi promulgado em onze de julho a Lei nº

7.210.

186

ABI-ACKEL, Ibrahim. Exposição de motivos à Lei de Execução Penal de 1983 do

Ministro da Justiça Ibrahim Abi-Ackel ao Presidente da República João Figueiredo.

Brasília, Mensagem 242, de 1983 do Poder Executivo. 187

A comissão designada era composta por: Roberto Lyra com vice-presidente da comissão;

Professor Francisco Oscar Penteado Stevenson; o Doutor Rodrigo Ulisses de Carvalho; o

diretor do Manicômio Judiciário Heitor Carrilho; Doutor Justino Carneiro, Inspetor Geral

Penitenciário do Distrito Federal; Padre Fernando Bastos de Ávila S. J.; e Vitorio Caneppa,

Presidente Perpétuo da Associação Brasileira de Prisões.

Page 121: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

120

Inspetoria Geral Penitenciária e o Selo Penitenciário

Com vistas a arrecadação de recursos financeiros para a realização

de obras de construção e reformas nos estabelecimentos prisionais, Cândido

Mendes, com o apoio do, então, Ministro da Justiça, Francisco Antunes

Maciel, conseguiu a aprovação do projeto para implementação da cobrança do

Selo Penitenciário. O Selo corresponderia ao montante de dinheiro arrecadado

com a cobrança das multas penais; taxas penais de sentenças condenatórias;

taxa de dez por cento sobre a importância das fianças criminais; taxa de dez

por cento sobre a importância do pagamento de indenizações; taxa de cinco

mil réis sobre a emissão de licenças para o funcionamento de bares, botequins,

agências lotéricas e sobre a venda de armas, entre outras taxas.

Esses recursos deveriam ser administrados pela Inspetoria Geral

Penitenciária criada pelo mesmo decreto que criou o Selo.188

A Inspetoria

deveria ser constituída pelo Conselho Penitenciário do Distrito Federal e

governada pelo mesmo presidente, com todos os membros nomeados pelo

Ministro da Justiça e dedicados à viabilizar a execução das reformas penais no

país.189

Cadastro Penitenciário e Estatística Criminal do Brasil

O Cadastro Judiciário Penitenciário do Brasil foi elaborado pela

Inspetoria Geral Penitenciária e publicado em vinte e três de fevereiro de

1937. O cadastro não tinha força de lei, mas foi mais um dos instrumentos de

controle das informações, a respeito da situação jurídica dos apenados em

território nacional.

188

Decreto n.º 24.797 de 14 de julho de 1934. 189

Idem, p. 05.

Page 122: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

121

Objetivando a constituição de um banco de dados amplo, único,

preciso e acessível, a inspetoria solicitou, dos setores administrativos das

prisões dos diferentes estados, dados dos apenados tais como: nome, idade,

cor, nacionalidade, naturalidade, profissão, estado civil, instrução, crime

cometido, pena a que foi sentenciado, local onde o crime foi cometido, local

de cumprimento da pena.

Cumpre que a maioria dos estados enviou os dados solicitados,

alguns, muitas vezes, incompletos fosse por conta das solturas por suspensão

das penas ou livramento condicional, fugas ou mesmo por displicência no

fornecimento das informações por parte dos estabelecimentos carcerários. Os

dados adquiridos foram organizados em quadros cujas disposições eram

organizadas por estados, por crimes, por tribunais, dedicados às mulheres,

dedicados aos menores, por condenações, pelos locais de cumprimento das

penas.

Essa coletânea foi divulgada por meio de publicação no Diário

Oficial da União e da impressão de folhetos avulsos. Para o ano de 1934,

constam dessas estatísticas as informações de que

A comparação dos algarismos, relativos às mulheres

criminosas, indica que o seu maior número se encontra em

Pernambuco (15), seguindo-se o Distrito Federal (10), e o Rio

Grande do Sul (10), vindo depois Minas Gerais (9), Ceará (7) e

Maranhão (5). Somente três mulheres condenadas foram

encontradas em São Paulo, Paraíba do Norte e Santa Catarina.

Duas apenas na Bahia, no Espírito Santo e em Alagoas. Uma só no

Piauí, Rio Grande do Norte e Mato Grosso. Nenhuma mulher

condenada havia no Pará, no Paraná, em Sergipe, no Acre, em

Goiás e no Amazonas.190

190

Cadastro Penitenciário e Estatística Criminal do Brasil. Rio de Janeiro, 1937, p. 04.

Page 123: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

122

Vale lembrar que os números de mulheres presas em cumprimento

de suas condenações não correspondia ao total da massa carcerária feminina,

composta também por meras detidas, por aquelas que ainda aguardavam

julgamento ou liberação. E quanto à situação carcerária dessas mulheres,

constava que

Na própria Penitenciária de São Paulo, cuja

administração merece todos os louvores, não são internados todos

os condenados pelos tribunais criminais, continuando na

vetustíssima Casa de Detenção, a Cadeia da Luz, as mulheres e os

condenados aos quais faltem menos de dois anos de prisão para

terminar a pena.191

Em suma, não faltaram esforços por parte de Cândido Mendes e de

todo o Conselho Penitenciário na tentativa de ampliar a ação do Estado sobre

os estabelecimentos prisionais de todo o país por meio das propostas de

reformas físicas e legais. Desde sua nomeação como Presidente do Conselho

do Penitenciário, é notório o empenho de Cândido Mendes de buscar apoio em

dispositivos legais para tirar da alçada do legislativo as deliberações sobre os

assuntos penitenciários. Ele passou mais de quinze anos exigindo que se

cumprisse uma determinação legal de 1922 que autorizava o executivo a

realizar reformas nos estabelecimentos prisionais sem que se tivesse de esperar

as deliberações do legislativo, que tinham um tempo distinto do executivo.

Cândido Mendes de Almeida, que teve forte atuação durante toda a

década de 1920 e 1930 – exercendo muita pressão, mormente, sobre o

legislativo – no sentido de promover reformas no suporte legal que

regulamentava as prisões brasileiras192

, seguiu presidindo tanto o Conselho

191

Idem. 192

Tais reformas e seus objetivos foram debatidos em: - PEDROSO, Regina Célia. Os signos

da opressão. Condições Carcerárias e Reformas Prisionais no Brasil. 1890-1940.

Dissertação (Mestrado), São Paulo, 1995, FFLCH – USP. - HERSCHMANN, Michael M. &

PEREIRA, Carlos Alberto M. (Orgs.) A Invenção do Brasil Moderno: medicina, educação e

Page 124: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

123

Penitenciário do Distrito Federal quanto a Inspetoria Geral Penitenciária até

seu falecimento em 1939, quando, por meio de nomeação de Getúlio Vargas,

Lemos Brito herdou os cargos.

Em 1942, passou a vigorar o novo Código Penal, estabelecido por

meio do decreto-lei n.º 2.848 de sete de dezembro de 1940. Somente com ele

foram tomadas as primeiras medidas efetivas, por parte do Legislativo, em

direção à acomodação legal de mulheres que cometeram crimes193

. A primeira

diretriz legal no que diz respeito ao encarceramento feminino veio com o

Código Penal e o Código de Processo Penal, ambos de 1940, e a Lei das

Contravenções Penais, de 1941. Assim, no 2º parágrafo, do Art. 29º, do

Código Penal de 1940, estabeleceu-se que “As mulheres cumprem pena em

estabelecimento especial, ou, à falta, em secção adequada de penitenciária ou

prisão comum, ficando sujeitas a trabalho interno”. Cumprindo esta lei, com

efeito, somente duas prisões femininas foram criadas.194

Em São Paulo, em 11

de agosto de 1941, foi lançado o Decreto-Lei n.º 12.116 que dispõe sobre a

criação do “Presídio de Mulheres”. Inaugurado em 21 de abril de 1942,

permaneceu até 1973 sob a administração das freiras da Congregação do Bom

Pastor D‟Angers. E no Rio de Janeiro, pelo Decreto-Lei nº 3.971 de 24 de

dezembro de 1941, foi criada a Penitenciária Feminina da Capital Federal,

também administrada por freiras da mesma congregação até 1955.195

engenharia nos anos 20-30. Rio de Janeiro, Rocco, 1994.- FERLA, Luis Antonio Coelho.

Feios, sujos e malvados sob medida: do crime ao trabalho, a utopia médica do

biodeterminismo em São Paulo (1920-1945) . São Paulo, Tese de Doutorado, FFLCH-USP,

2005. - CUNHA, Maria Clementina Pereira. O espelho do mundo: Juquery, a história de um

asilo. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1986. 193

Segundo Lima: “Durante todo o período que antecede a criação da Penitenciária de

Mulheres do Distrito Federal, em 1942, e a de São Paulo em 1941, as mulheres sempre

foram recolhidas conjuntamente com os homens, nas delegacias de polícia ou prisões,

ficando, conforme as possibilidades destes estabelecimentos, em „alas‟, „compartimentos‟ ou

„pavilhões‟, ou em celas separadas, ou mesmo nas mesmas celas dos homens. Para todo esse

período nunca foi-lhes ministrado nenhum „tratamento‟ penitenciário especial.” 194

Ibid, 1983, p. 48 195

Duas autoras citam a existência, desde aproximadamente 1936, de um Reformatório para

Mulheres Criminosas na cidade de Porto Alegre. Contudo, nenhuma das autoras especifica se

tratava-se de um estabelecimento religioso, uma vez que era administrado por freiras

católicas, ou se se tratava de uma instituição estatal administrada pelas freiras como era o

Page 125: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

124

Enquanto isso em São Paulo

Em São Paulo, o cronista Sylvio Floreal, em suas andanças pela

cidade, fez uma série de visitas a diversos estabelecimentos da administração

pública196

. Ao visitar algumas das instituições prisionais da cidade comentou

sobre a ala para mulheres da Cadeia Pública, o Presídio Tiradentes a que

intitulou de “Inferno”:

Diversas encarceradas respondem por crime de

infanticídio, furto e assassinatos. E outras, quase todas pretas e

mulatas, por bebedeiras e arruaças. O barulho que essas mulheres

fazem mantém todo o enorme edifício em constante atoarda197

.

Campos Vergal, que na década de 1930 ocupava cargo legislativo

em São Paulo, não descreve o comportamento das sentenciadas como um

desejado desfrute de repouso ou de ociosidade. Ele atribui a ociosidade

carcerária ao tipo de regime sob o qual estavam submetidas. Regime esse

responsável, não por puni-las mas, por mutila-as da própria vida.

O pior é que vivem elas em completa ociosidade,

regime aviltante, que nenhuma sociedade civilizada pode tolerar, e

com o qual as infelizes encarceradas tudo perdem, inclusive a

saúde. Quando restituídas á vida civil, cumprida a pena, são

caso do “Presídio de Mulheres” ou da Penitenciária Feminina da Capital Federal. Ver:

MONTANO, Eliza Eliana Lisbôa. Mulheres delinqüentes: uma longa caminhada até a Casa

Rosa. Dissertação (Mestrado) – UFRGS – 2000. – WOLFF, Maria Palma. Mulheres e prisão:

a experiência do Observatório de Direitos Humanos da Penitenciária Feminina Madre

Pelletier. Porto Alegre, Editora Dom Quixote, 2007. 196

Essas visitas foram publicadas na forma de crônicas, compiladas sob o título Ronda da

meia-noite. Suas cônicas se destacam por apresentar sua circulação no submundo da cidade

de São Paulo. Floreal visitou bares, cabarés, restaurantes, feiras-livres, mas também

presídios, asilos, hospitais e hospícios, descrevendo o cotidiano dessas instituições. 197

Sylvio Floreal(1925). Ronda da meia-noite. São Paulo, Paz e Terra, 2003.

Page 126: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

125

verdadeiras mutiladas da vida, na sua acepção mais compreensiva,

sob o ponto de vista moral, intelectual e físico.198

Além do comportamento das detentas, do regime ao qual estavam

sujeitas e das condições de seu encarceramento, outra queixa que se fazia era a

respeito da inexistência de condições para a aplicação das próprias penas de

privação de liberdade.

As mulheres criminosas não têm para onde ir, porque

o diretor da Casa de Correção não as pode requisitar por não dispor

de acomodações em que possam cumprir as penas constantes das

suas sentenças. Ficam portanto na Casa de Detenção em comum

com as outras presas processadas por crime ou contravenção.199

Para tanto, ele propunha que:

É preciso que o honrado governo do Estado lance os

olhos sobre a situação angustiosa em que se encontram as mulheres

sentenciadas de S. Paulo e procure resolver tão importante

problema, providenciando sobre a construção de mais um pavilhão

na Penitenciaria ou na Cadeia Pública, extinguindo assim a mácula

existente, e dando cumprimento ás disposições do Código Penal.200

198

Campos Vergal – 52ª sessão ordinária da assembléia legislativa de são Paulo, 11 de

setembro de 1935. 199

Diário Oficial da União, p. 97 – 16.10.1928. 200

Campos Vergal, op. cit., 1935.

Page 127: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

126

Page 128: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

127

CAPÍTULO – IV

O “Presídio de Mulheres” foi criado sobre quatro pilares principais

– suas presas, seu quadro de funcionárias, sua arquitetura e o trabalho prisional

– que combinados compunham o regime de execução penal. Tal execução,

circunstanciada pelo regime estadonovista, carregava e estava carregada das

expectativas do que seria uma punição adequada às mulheres, qual o papel das

mulheres nessa sociedade que ora se constituía e quais as características dessa

mesma sociedade.

A institucionalização do modo de execução das penas esteve

carregada de valores, interesses, conflitos, acordos e concessões sociais e

políticos enquanto simultaneamente mobilizava esses mesmos componentes.

O “Presídio de Mulheres” agregava e movimentava tudo isso. A combinação

das quatro engrenagens – as presas, o quadro de funcionárias, a arquitetura

prisional e o trabalho prisional – que compuseram o “Presídio de Mulheres”

não era mera parte, nem reflexo, nem espelhava uma dada organização social.

O “Presídio de Mulheres” compôs e foi composto por um mundo e sua

compreensão, enquanto exercia as funções para as quais fora criado.

Ao contrário de países como os Estados Unidos – onde a execução

penal em todas as suas dimensões (suporte legal, instituição carcerária, corpo

de funcionários, natureza dos trabalhos carcerários, regimes de cumprimento

das penas) foram alvo de intensa disputa política entre grupos organizados de

mulheres201

e setores ligados à administração penitenciária – no Brasil, tanto a

criação de uma instituição penal para mulheres quanto a execução da pena

201

O que não significa necessariamente que fossem feministas.

Page 129: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

128

propriamente dita, foi alvo de grandes investidas figuras ligadas à

administração penitenciária. Embora existisse no Rio de Janeiro, o Patronato

das Presas gerido por mulheres não exercia pressão sobre o Legislativo no

sentido de garantir um suporte legal e a aprovação de orçamento. O pouco

alcance de suas propostas se limitava aos contatos de seu assessor jurídico,

Cândido Mendes, que em diversas ocasiões fez as vezes de porta-voz do

patronato.

Durante toda a primeira república não faltaram discussões e

projetos voltados para a regulamentação do encarceramento e da punição

sobre as mulheres. A maioria desses projetos encontrou na morosidade do

poder legislativo seu maior obstáculo. Fosse por certo influxo da inconstância

política do poder executivo central ou fosse por completo desinteresse das

bancadas legislativas pelo assunto, as tentativas de institucionalização do

cárcere feminino sequer adentravam a Câmara dos Deputados na condição

projeto de lei. Um dos exemplos mais pujantes dessa situação foi o Código

Penitenciário, que foi elaborado e encaminhado à Assembléia Legislativa em

1933 e permaneceu dois anos no mais completo ostracismo até que, em 1935,

passou finalmente por uma avaliação preliminar que o alçou à condição de

projeto de lei. Só então a proposta de código passaria a configurar no rol das

questões a serem discutidas e votadas pelos deputados. Nos dois anos

seguintes, o projeto não chegou a ser votado. Com a interrupção das atividades

legislativas a partir de 1937, o projeto ficou completamente esquecido e, por

fim, o projeto de Código Penitenciário da República jamais fora aprovado.

Cândido Mendes foi, talvez, quem mais investiu nas solicitações de

ampliação dos poderes do executivo para criação e reforma de instituições

prisionais. Mendes propunha a aprovação de dispositivos legais que

autorizassem a tomada de decisões do executivo sem a necessidade de prévia

aprovação legislativa.

Em São Paulo, por exemplo, a morosidade do Legislativo não foi

menor do que no Distrito Federal. Ao longo da década de 1930, deputados

Page 130: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

129

como Campos Vergal constantemente traziam a questão à baila, alcançando

pouco eco entre os colegas.

Não por coincidência, foi justamente no momento em que o poder

Executivo concentrou poderes, inclusive, legislativos, que a

institucionalização de uma série de práticas punitivas e repressivas aconteceu.

Longe de propor interpretações que corroborem o entendimento de que deve

ser assim para que o Estado se fortaleça garantindo seu alcance a todos os

setores sociais, ou de que teve que ser assim para o Estado alcançar

homogeneidade em sua ação, como está presente no alerta de Marilena Chauí

A diferença (e que é essencial, digamo-lo com ênfase),

entre este último e os intérpretes do período consiste no seguinte

aspecto: enquanto para os Integralistas o autoritarismo deve ser a

solução para os problemas do „Brasil real‟, para os intérpretes

liberais e marxistas o autoritarismo teve que ser a solução

encontrada pela classe dominante, impossibilitada de exercer por

conta própria a hegemonia.”202

O mapeamento do embate de idéias e projetos para a

institucionalização de uma prática já existente (afinal de contas o

encarceramento de mulheres já ocorria há mais de cem anos antes das

construção das prisões para mulheres no Brasil) contribui para a compreensão

das estratégias das quais certos grupos se valiam.

O maior destaque fica, portanto, à institucionalização propriamente

dita. A privação da liberdade já estava consolidada há décadas, mas agora

parecia não mais bastar como punição. Institucionalizar a punição sobre

mulheres infratoras era mais do que garantir a privação da liberdade, mas

assegurar que sua liberdade fosse privada de determinado modo. E está no

modo a característica fundamental dessa instituição.

202

CHAUÍ, Marilena. Ideologia e Mobilização Popular. São Paulo, Brasiliense, 1979.

(Grifos da autora)

Page 131: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

130

No “Presídio de Mulheres” de São Paulo, o aparato destinado a

garantir certo modo de se privar a liberdade e a forma pela qual se combinam

revelam concepções de liberdade e de quem as usufrui. Identificar, com algum

grau de objetividade, a partir de olhares masculinos, quem são essas mulheres

criminosas que tão poucas foram motivo de institucionalização, não é tarefa

das mais fáceis. Nesse sentido, a opção foi o olhar a partir da perspectiva da

política proposta por Foucault:

- “Temos em suma que admitir que esse poder se

exerce mais que se possui, que não é o „privilégio‟ adquirido ou

conservado da classe dominante, mas o efeito de conjunto de suas

posições estratégicas – efeito manifestado e às vezes reconduzido

pela posição dos que são dominados.”203

É justamente na tentativa de identificar essa recondução que o

modo de execução das penas para o qual o “Presídio de Mulheres” foi criado

que está voltada nossa atenção.

Com a promulgação do Código Penal em 1940, Roberto Lyra, um

de seus autores, publicou uma série de Comentários sobre o código. Nesses

comentários, ele apresentou um vasto panorama sobre diferentes regimes,

sistemas, estabelecimentos e legislações penais vigentes à época em várias

partes do mundo; apresentou, também, ampla exposição de motivos sobre a

escolha da letra de cada artigo do código ora promulgado. Explicando a

elaboração do parágrafo segundo do artigo vigésimo nono, “As mulheres

cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em seção adequada de

penitenciária ou prisão comum, ficando sujeitas a trabalho interno”, ele

defendia que:

Na falta de penitenciária para mulheres, que é o

estabelecimento especial previsto no § 2.º do art. 29, estas

203

FOUCAULT, op. cit., p. 26. (Grifos nossos)

Page 132: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

131

cumprem pena na penitenciária comum ou na prisão comum, em

seção adequada (não basta ser especial, é preciso ser adequada ao

sexo), separadas de todos os demais presos ou presas.

[...] O Código, com a separação das mulheres em

estabelecimento especial e adequado, e assegurando a

exclusividade do trabalho interno, não cedeu ao pressuposto da

inferioridade física ou intelectual. Não se distinguiram os sexos em

face das penas, que são de qualidades e quantidades idênticas para

homens e mulheres.

A civilização moderna orienta-se no sentido de

equiparar os direitos e os deveres dos dois sexos.204

A princípio parece, de fato, não haver diferenciação de tratamento

entre os sexos face às penas. Contudo, a sutileza das diferenciações mostra o

quão profundas e arraigadas são as desigualdades imprimidas a esses dois

grupos a ponto de se afirmar sua inexistência. Ora, como se adéqua uma

instituição a um sexo (nas palavras de Lyra) que deve ser equiparado ao outro?

Por que, então, o trabalho prisional de um deve ser realizado exclusivamente

no interior do presídio e do outro tem a possibilidade de ser realizado fora?

Um código penal, mais do que o resultado de uma política de um

governo específico, é um importante mecanismo por meio do qual a própria

estrutura estatal se orienta, envolvendo e regulamentando as próprias relações

sociais. Longe de limitar-se à dimensões culturais, religiosas, econômicas ou,

até mesmo científicas (como defenderiam alguns), certas diferenciações entre

grupos sociais ocorrem também no campo da apropriação de instrumentos

legislativos definidores de projetos nacionais. Longe da dicotomia “na prática

a teoria é outra”, longe de propor uma imposição “de cima para baixo” ou uma

relação entre “um opressor e um oprimido”, a proposta aqui é o exercício de

tentar compreender o que é que estavam fazendo quando fizeram isso.

Afinal de contas, como bem disse Pocock:

204

LYRA, op. cit., 1943. (grifo do autor)

Page 133: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

132

O discurso político obviamente é prático e animado

por necessidades do presente, mas não obstante está

constantemente envolvido em um esforço por descobrir quais são

as necessidades presentes da prática, e as mentes mais vigorosas

que o utilizam estão constantemente explorando a tensão entre

os usos linguísticos estabelecidos e a necessidade de usar as

palavras de novas maneiras.205

Gostemos ou não, um Código Penal que visava regulamentar as

relações sociais entre os cidadão brasileiros foi elaborado, aprovado e está em

vigor até hoje, correspondendo às expectativas de uns e insatisfação de outros,

promovendo tensões e questionamentos. A presente proposta não é estabelecer

uma medida da funcionalidade do Código Penal brasileiro, mas identificar as

motivações políticas presentes na promulgação do parágrafo segundo do artigo

vigésimo nono.

A operacionalização desse artigo foi garantida pela criação de

instituições orientadas pela letra do código. A instauração do “Presídio de

Mulheres” em São Paulo correspondia, com efeito, a essa demanda. A forma

pela qual as características desse presídio se combinavam assegurava a

peculiaridade do regime de execução das penas. A instalação física das

condenadas ocorreu num edifício originalmente projetado e utilizado como

uma casa; o trato direto cotidiano com as presas era função de freiras sem a

presença imediata de agentes penitenciários ou policiais; o trabalho prisional

era pré-estabelecido segundo moldes domésticos, independentemente da vida

profissional pregressa das presas.

Essas eram consideradas as condições adequadas à execução das

penas a serem aplicadas sobre as mulheres criminosas. Flamínio Fávero, por

exemplo, não se cansava de expor sua satisfação com o estabelecimento que

ora inaugurava,

205

POCOCK, op cit., p. 37. (Grifos nossos)

Page 134: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

133

Que o Presídio de Mulheres está à altura de seus

objetivos impõe-se concluir. De fato Hartvig Missen, citado por

Telma Reca, apresenta, em esquema, os seguintes pontos

fundamentais a nortearem o propósito de toda a pena restritiva da

liberdade: 1.º) As idéias que orientarão o tratamento dos presos;

2.º) O local onde essas idéias terão de agir; 3.º) Os funcionários

encarregados de aplicá-las.206

O regime prisional e sua aplicação foram alvos de variados

comentários. Ao contrário de Roberto Lyra, Marrey Júnior alegava claramente

acreditar na inferioridade feminina, elemento para ele justificador de um

regime penal atenuado para mulheres: “A fraqueza física e a superior

afetividade da mulher – palavras sempre as mesmas empregadas pelos

escritores – explicam as atenuações que lhes são concedidas no regime das

penas”207

. Nesse sentido, Marrey Jr. faz um alerta relevante: “A mulher não

está, pois, sujeita ao regime penitenciário estabelecido para o recluso ou

detento e assim os regulamentos da Penitenciária lhes são aplicáveis apenas

em especiais condições” 208

.

Mesmo com a promulgação do Código e a inauguração do Presídio,

a discussão sobre a diferenciação do tratamento carcerário se estendeu por

anos. Em 1943, em conferência realizada em São Paulo, Lemos Brito atribuía

a uma mulher a autoridade para falar do assunto:

O que nos preocupa saber é se a mulher sentenciada

deve ser submetida ao mesmo regime das prisões de homens ou se

devemos estabelecer um regime especial e atenuado para ela.

206

FÁVERO, op. cit., 1942. 207

Marrey Jr, José Adriano. 98ª Sessão Ordinária, de 18 de julho de 1941, do Departamento

Administrativo. Exposição de motivos. 208

Idem.

Page 135: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

134

Convém ouvir o que, a propósito, escreveu, com sua

dupla autoridade de mulher e de penitenciarista eminente, a

senhora Concepción Arenal. Nenhum homem foi tão positivo neste

assunto como a referida escritora.

“La mujer tiene los mismos resortes Morales, igual

inteligencia, siente, comprende y quiere como el hombre; por lo

que hemos oservado en las que viven en el mundo y en las

reclusas, si les puede aplicar todas, absolutamente todas las reglas

que sean buenas para corregir a los penados, y nos parece errónea

la opinión de que la mujer no puede soportar el islamiento y el

silencio, salvo en algunos casos, que son de la competencia del

médico.”

Os homens, entretanto, quando capazes de sua missão,

têm nos países cultos suavizado as penas em se tratando de

mulheres.209

Parece ser conveniente, por vezes, afirmar a igualdade moral e

cognitiva entre os sexos. Mas, parece menos conveniente garantir essa

igualdade por meio da execução penal. Neste sentido, temos, também, o

próprio Decreto-Lei nº 12.116 que dispõe sobre a criação do “Presídio de

Mulheres”. Dentre os vários exemplos podemos tomar o

Artigo 5º - Os métodos educativos e de trabalho

empregados na Secção serão os mesmos em vigor na Penitenciária,

com as atenuações e modificações que forem recomendáveis.

Serão de preferência estabelecidas oficinas de costura, lavanderia e

engomagem de roupas, não somente destinadas a servir o

estabelecimento como a particulares e a outras repartições

oficiais.210

209

Brito, p.15. 210

DECRETO-LEI Nº 12.116 – DE 11 DE AGOSTO DE 1941. Dispõe sobre a criação do

“Presídio de Mulheres”.

Page 136: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

135

Na primeira oração, declara-se que, em duas dimensões da vida –

educação e trabalho – das mulheres no “Presídio de Mulheres” os métodos

serão os mesmos empregados aos homens na Penitenciária do Estado.

Pressupondo, assim, um conjunto de condições cognitivas idênticas tanto para

a educação quanto para o trabalho entre os dois sexos. No entanto, na segunda

oração da mesma frase, os legisladores contrariam o que foi dito anteriormente

afirmando que “atenuações e modificações” seriam feitas a partir de

recomendações. E os tipos de trabalho a serem realizados pelas mulheres são

todos tradicionais do espaço doméstico.

O lugar social que a punição e a reeducação prisional moderna no

Brasil visava garantir às mulheres era o lar. O “Presídio de Mulheres” como

um todo estava voltado para isso desde sua suposta atenuação das penas, da

instalação física das condenadas em uma casa, do trato direto com as presas

ser função de freiras sem a presença imediata de agentes penitenciários ou

policiais, até do trabalho prisional ser precisamente o doméstico. Flamínio

Fávero foi categórico ao descrever os objetivos daquela instituição:

Eis, pois, o primeiro aspecto da questão na prática. A

readaptação das mulheres delinqüentes será feita sob a égide desta

idéia dominante e vital: conceder-lhes um lar comum de que o seu

próprio será, mais tarde, suave prolongamento.

E não pára por aí, a apropriação do aparelhamento estatal para

promover, impor e perpetuar desigualdades entre os sexos se estendeu também

sobre a possibilidade da conjugação sexual dos apenados. Lemos Brito, por

exemplo, advogava contra a possibilidade de as presas receberem visitas

íntimas independentemente das recomendações legais:

Indago dos competentes, já que falamos na questão da

contigüidade dos estabelecimentos de homens e de mulheres, se

um regime científico de execução das penas privativas da liberdade

Page 137: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

136

deve ser completado, tal qual preconizo para os homens, com a

facilitação das visitas conjugais, às mulheres. A mim se afigura que

a questão muda de aspecto quando se trata das mulheres, embora

do ponto de vista jurídico não faça o Código qualquer distinção

entre as regalias a serem dispensadas a estas e àqueles.211

O controle sobre as atividades das apenadas não se limitava ao

tempo de sua permanência na prisão, o tratamento prisional visava também

sua vida egressa e procurava determinar o tipo de atividade “profissional” que

seria exercido após a conquista da liberdade:

Vale recordar que na Penitenciária de mulheres de

Bangu não instalamos lavanderia a vapor, atendendo a que as

mulheres, ao deixarem o estabelecimento, não encontrarão, por

certo, lavanderia mecânica para seu uso, sendo desaconselhável,

portanto, desabituá-las no velho processo de lavar e passar a ferro,

profissão de que muitas mulheres honestas ganham hoje nas

capitais os meios de subsistência.212

É como se a única perspectiva na vida de uma mulher que um dia

passou pelo complexo prisional fosse a vida doméstica e seus afazeres, ou o

que faria da vida uma mulher pobre que não tivesse o hábito de lavar e passar?

Era ainda dentro da prisão que se buscava estabelecer os limites da vida livre

de uma egressa fora da prisão. Nesse sentido, Lemos Brito aponta quais

objetivos deveriam orientar a execução das penas sobre as mulheres:

Façamos das mulheres criminosas, daquelas

sentenciadas a quem a fatalidade arrastou a um mau desígnio,

mulheres aptas para a luta pela vida, de acordo com a sua

condição de mulheres e o meio a que devem um dia voltar,

211

LEMOS BRITO, op. cit., p. 18. (Grifos nossos). 212

LEMOS BRITO, op.cit., p. 22.

Page 138: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

137

reclassificadas. Ensinemos-lhes a trabalhar utilmente.

Disciplinemos-lhe a vontade.213

Em suma, a inexistência de uma instituição específica para as

sentenciadas inviabilizou durante décadas a execução plena das penas, que

consistiam em privação de liberdade aliadas à realização de trabalho. As

mulheres condenadas ficavam presas nas delegacias e casas de detenção de

todo o estado, estabelecimentos voltados para abrigar provisoriamente aqueles

que aguardavam julgamento. Antes da promulgação do Código Penal de 1940

e da posterior criação de estabelecimentos prisionais específicos, todo o

período da pena era cumprido nesses estabelecimentos sem que lhe fossem

aplicados os regimes prisionais aos quais foram condenadas.

O interesse estava na criação de um estabelecimento voltado não

para o abrigo de todas as mulheres, mas para um grupo específico da massa

carcerária feminina, no caso, somente para as já condenadas.

Independentemente da quantidade mulheres condenadas (como reiteradamente

foi afirmado que eram poucas) que deveriam cumprir pena, o que se procurava

garantir era que as penas fossem, efetivamente, aplicadas em sua

integralidade.

Diante desse conjunto de elementos, o “Presídio de Mulheres” não

seria apenas uma variante dos modelos institucionais masculinos, mas uma

instituição específica já na sua origem, cujas funções e a própria natureza

divergiria dos presídios da época. A institucionalização do encarceramento de

mulheres não partiu de um modelo masculino nem sequer variou de algum

deles. O “Presídio de Mulheres” foi todo projetado para punir e regenerar

aquela compreensão que se tinha do que era ser mulher, com regime e

legislação que reeducasse as mulheres condenadas aos papéis a elas destinadas

naquela definição de nação moderna. Com efeito, identificar as

especificidades dessa instituição passou pela etapa de fundamental

213

LEMOS BRITO, op.cit., p. 26.

Page 139: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

138

importância de mapear e sistematizar o debate a respeito daquilo que teria sido

entendido como a necessidade de criação do “Presídio de Mulheres”. Tal

mapeamento teve sua relevância assentada também na possibilidade de nos

fornecer apontamentos seguros a respeito da natureza e das funções dessa

instituição. Afinal de contas, uma das maiores preocupações de Lemos Brito

era a de que “é preciso não dar à mulher que cumpre uma pena um trato que a

torne inadaptável mais tarde ao ambiente a que deve voltar”214

214

BRITO, op. cit., 1943.

Page 140: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

139

Bibliografia:

ADORNO, Sérgio. “Sistema penitenciário no Brasil: problemas e desafios.”

Revista USP, nº 9, 1991.

ALMEIDA, Rosemary de Oliveira. Mulheres que matam: universo imaginário

do crime no feminino. Rio de Janeiro: Relume Dumara, 2001.

ALVAREZ, Marcos César. Bacharéis, criminologistas e juristas: saber

jurídico e nova escola penal no Brasil (1889-1930). São Paulo: Tese

de Doutorado em Sociologia, FFLCH-USP, 1996.

AMORIM, Marina Alves. “Combates pela História”: a “guerra dos sexos”

na historiografia. In: Cadernos Pagu. N. 20, 2003, pp. 217-244.

BARRETO, Paulo. Alma encantadora das ruas. Rio de Janeiro: s.e, 1908, p.

255.

BECCARIA, C. Dos delitos e das penas. Rio de Janeiro, Editora Tecnoprint

Ltda [Ediouro], Coleção Universidade, 1986.

BESSE, Susan K. Restructuring patriarchy: the modernization of gender

inequality in Brazil: 1914-1940. Chapel Hill: University of North

Carolina Press, 1996.

BITTENCOURT, Adalzira. A mulher paulista na História. Rio de Janeiro,

Livros de Portugal, 1954.

BRAUNSTEIN, Hélio Roberto. Mulher Encarcerada: trajetória entre a

indignação e o sofrimento por atos de humilhação e violência.

Dissertação de Mestrado, Faculdade de Educação/USP, 2007.

CANCELLI, Elizabeth. O mundo da violência. A polícia da Era Vargas. 2. ed.

Brasília, Unb, 1992.

_______. Repressão e controle prisional no Brasil: Prisões Comparadas. In:

História: Questões e Debates. Curitiba, Editora UFPR, n. 42, p.

141-156, 2005.

_______. Cultura do crime e da lei. 1889-1930. Brasília, Humanidades, 2001.

Page 141: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

140

_______. Carandiru: a prisão, o psiquiatra e o preso. Brasília, UNB, 2005.

CAPELATO, M. H. R. Estado Novo: Novas Histórias. In: FREITAS, M. C.

(org.) Historiografia Brasileira em Perspectiva. São Paulo,

Contexto, 1998.

CARNEIRO, Augusto Accioly. Os penitenciários, a alma do condenado, o

regime celular. Rio de Janeiro, H. Velho, 1930.

CARONE, Edgar. O Estado Novo: 1937-1945. Rio de Janeiro, Bertrand

Brasil, 1988.

_______. Classes sociais e movimento operário (1930-1945). São Paulo,

Ática, 1990.

CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados. São Paulo, Companhia das

Letras, 1989.

_______. A Formação das almas: o imaginário da República no Brasil. São

Paulo, Cia das letras, 1990.

CASTAN, Nicole. Criminosa. In: DUBY, Georges & PERROT, Michelle

(orgs) História das Mulheres no Ocidente. Do Renascimento à

Idade Moderna. vol.3. Porto, Afrontamentos, 1991. p.96-137.

CASTRO, Sertório de. Política, és mulher! São Paulo, Paulo de Azevedo &

Cia, 1931.

CEDAW/ONU. Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de

Discriminação Contra as Mulheres (1979). Universidade de São

Paulo. Comissão de Direitos Humanos. Biblioteca Virtual de

Direitos Humanos. www.usp.br 2002.

CERTEAU, Michel de. A Escrita da História. Trad. Maria de Lourdes

Menezes. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1982.

CHALHOUB, Sidney. Trabalho, lar e botequim. O cotidiano dos

trabalhadores no Rio de Janeiro da Belle Époque. São Paulo,

Brasiliense, 1986.

Page 142: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

141

CUNHA, Maria Clementina. O espelho do mundo: Juquery, a história de um

asilo. São Paulo: Tese de Doutorado em História, FFLCH-USP,

1985.

_______. “Loucura, Gênero Feminino: As Mulheres no Juquery na São Paulo

do início do Século XX.” In: Revista Brasileira de História. São

Paulo, v. 9, n. 18, pp. 121-144, ago/set 1989.

DARMON, Pierre. Médicos e assassinos na Belle Époque: a medicalização

do crime. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1991.

DAVIS, Ângela & DENT, Gina. A prisão como fronteira: uma conversa sobre

gênero, globalizando a punição. Rev. Estudos Feministas [on-

line]. Jul/Dez. 2003, vol. 11, nº2. Disponível:

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-

026X2003000200011&Ing=pt&nrm=iso

DE DECCA, Edgar S. O silêncio dos vencidos. São Paulo, Brasiliense,

1992.DIAS, Maria Odila Leite da Silva. Novas subjetividades na

pesquisa histórica feminista: uma hermenêutica das diferenças. In:

Estudos Feministas, n. 2, pp. 373-382, 2º sem. 1994.

_______. Teoria e método dos estudos feministas: perspectiva histórica e

hermenêutica do cotidiano. In: Uma questão de Gênero. Porto

Alegre, Rosa dos Ventos, 1992.

DUARTE, Adriano. Cidadania e Exclusão (1937-1945). São Paulo:

Dissertação de Mestrado, FFLCH-USP, 1995.

EVANGELISTA, Roberto. Representações da assistência psicológica e do

psicólogo no imaginário das sentenciadas da penitenciária

feminina. São Paulo: Dissertação de Mestrado, 1993.

FAUSTO, Boris. Controle social e criminalidade em São Paulo: um apanhado

geral (1890-1924). In: PINHEIRO, Paulo S. (org.) Crime, Violência

e Poder. São Paulo, Brasiliense, 1983.

_______. Crime e Cotidiano. A criminalidade em São Paulo (1880-1924). 2.

ed. São Paulo, Edusp, 2001.

Page 143: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

142

FEMALE OFFENDERS: SPECIAL NEEDS AND SOUTHERN STATE

CHALLENGES - A SPECIAL SERIES REPORT OF THE

SOUTHERN LEGISLATIVE CONFERENCE – 2000.

FERLA, Luis Antonio Coelho. Feios, sujos e malvados sob medida do crime

ao trabalho, a utopia médica do biodeterminismo em São Paulo

(1920-1945). São Paulo, Tese de Doutorado, FFLCH-USP, 2005.

FISCHER, Rosa Maria. Poder e cultura em Organizações Penitenciárias. São

Paulo, Tese de Livre-docência, FEA-USP, 1989.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Nascimento da prisão. 3ª ed. Tradução

de Lígia M. Ponde Vassalo. Petrópolis, vozes, 1984.

FREEDMAN, Estelle B. Their sisters’ keepers: women‟s prison reform in

America, 1830-1930. Ann Arbor, University of Michigan Press,

1981.

GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo,

Perspectiva, 1974.

GOMES, Ângela de Castro. Estado Novo: Ideologia e Poder. Rio de Janeiro,

Zahar, 1982.

GONZALEZ, D. & PARANHOS, U. “O problema sexual nas prisões.” In:

Revista Penitenciária. São Paulo: vol. 1, 1940.

HERSCHMANN, Micael M. & PEREIRA, Carlos Alberto M. (Orgs.) A

Invenção do Brasil Moderno: medicina, educação e engenharia nos

anos 20-30. Rio de Janeiro, Rocco, 1994.

HIRATA, Helena & KERGOAT, Daniele. A Classe Operária tem Dois

Sexos. In: Revista de Estudos Feministas, nº1, 1994.

ISSA ASSALY, Alfredo. O trabalho penitenciário: aspectos econômicos e

sociais. São Paulo, Livraria Martins Editora, 1944.

LE GOFF, Jacques. História e Memória. 4. ed. Campinas, Unicamp, 1996.

_______ (org.) A História Nova. São Paulo, Martins Fontes, 2001.

LEMOS BRITO.Questão sexual nas prisões. Rio de Janeiro, Jacintho, 1943.

Page 144: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

143

_______.“As mulheres criminosas e seu tratamento carcerário.” In: Estudos

Penitenciários. São Paulo: 1943.

_______. “Evolución del sistema penitenciário brasileño en los últimos

veinticinco años.” In: Revista Penal y Penitenciaria. Buenos Aires:

1946, tomo XI.

_______. “A elaboração do Código Penitenciário.” In: Revista Forense. Belo

Horizonte: 1932, volume 58.

_______. “Conferência penitenciária brasileira.” In: Revista Forense. Rio de

Janeiro: 1941, volume 85.

_______. “Da necessidade dos institutos de preparação do pessoal

penitenciário.” In: Revista de Direito Penal. Rio de Janeiro: 1939,

volume 25.

_______. “A reforma penitenciária do Brasil.” Revista de Direito Penal, 3(1):

3-32.

LENHARO, Alcir. Sacralização da Política. Campinas, Papirus/Unicamp,

1986.

LIMA, Elça Mendonça. Origens da Prisão Feminina no Rio de Janeiro. O

Período das Freiras (1942-1955).

LIMA, G. M. B. Mulheres presidiárias: Sobreviventes de um mundo de

sofrimento, desassistência e privações. Dissertação (Mestrado de

Enfermagem em Saúde Pública) – Universidade Federal da Paraíba,

João Pessoa – PB – 2005.

LIMA, Roberto Moreira da Costa. “A Penitenciária de São Paulo”. Revista de

Direito Penal, 10 (1-2): 31-9, 1935.MARQUES, José Frederico.

“Evolução histórica do processo penal brasileiro.” Investigações, 7:

105-27, 1949.

MAIA, Clarissa Nunes; SÁ NETO, Flávio de; COSTA, Marcos & BRETAS,

Marcos Luiz (Orgs.) História das Prisões no Brasil. Rio de Janeiro,

Rocco, 2009, Volume I e II.

Page 145: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

144

MARREY JUNIOR. “Presídio de Mulheres.” In: Arquivos da Polícia Civil de

São Paulo. 1941, volume 2.

MARTINS, Dora. “A mulher no sistema carcerário.” Jornal Juízes para a

democracia. Ano 5, nº25, jul/set de 2001. Disponível:

www.mj.gov.br/depen;inst_textos-jornal5.htm.

MARTINS, Silvia Helena Zanirato. “Pobreza e criminalidade: a construção de

uma lógica.” Revista de História. nº132, 1995, pp. 119-130.

MATOS, Maria Izilda S. de. Estudos de Gênero: percursos e possibilidade na

historiografia contemporânea. In: Cadernos Pagu. Campinas, 11,

pp. 67-75, 1998.

MATOS, M. I. S. & ALVES, G. ““A nova mulher” educando as futuras mães.

São Paulo 1850-1900.” Caderno Espaço Feminino, v.15, nº 18,

Jan/Jun. 2006.

MATTOS, Selma Rinaldi. Ordenar, civilizar e instituir. p.1:

http://www.educaçãopublica.rj.gov.br/biblioteca/historia/hist07a.ht

m

MELLO, José de Moraes. “Alcoolismo e criminalidade.” Revista de

Criminologia e Medicina Legal, 2 (3-4): 74-7, 1928.

MELLO, Marcelo Pereira. A Casa de Detenção da Corte e o Perfil das

Mulheres Presas no Brasil Durante o Século XIX. In: Revista

Gênero, Niterói, v.2, n.1, p. 31-48, 2. sem. 2001.

MORAES, Evaristo de. “Primeiros adeptos e sympathisantes, no Brasil da

chamada „Escola Penal Positiva‟.” Archivo Judiciário – Publicação

Quinzenal do Jornal do Commercio, 51 (2): 19-20, suplemento, 20-

07-1939.

MORAES, Maria Lygia Quartim de. Usos e limites da categoria Gênero. In:

Cadernos Pagu. Campinas, 11, pp. 99-105, 1998.

MORAES MELLO, José de. “Penitenciária para mulheres.” Pandectas

Brasileiras. Rio de Janeiro: 1929, volume 6, parte 5, p.457.

MORRIS, Norval & ROTHMAN, David (Edited by). The Oxford History of

Page 146: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

145

the Prison. The Practice of Punishment in Western Society. New

York – Oxford, Oxford University Press, 1998.

MOTA, Candido. “E as mulheres?” In: Revista Penal e Penitenciária. São

Paulo: ano 1, volume 1, fasc. 1, 1940.

NOGUEIRA, J. C. Ataliba. “A Penitenciária de São Paulo, seu histórico e

desenvolvimento, no período de 1910 a 1940.” Revista Penal e

Penitenciária, 1(1): 17-25, 1940.

PEDROSO, Regina Célia. Os Signos da Opressão. Condições carcerárias e

Reformas Prisionais no Brasil. 1890-1940. Dissertação (Mestrado

em História Social) – São Paulo, FFLCH-USP, 1995.

O'BRIEN, Patricia. The Promise of Punishment. Prisons in Nineteenth-

Century France. Princeton, Princeton University Press, 1982.

PANDOLFI, Dulce. Repensando o Estado Novo. São Paulo, Editora FGV,

1999.

PEIXOTO, Michelle. Da Cidadania Homogênea ao Reconhecimento das

Diferenças no Sistema Prisional Feminino Paulista. In: II

Seminário Internacional – Educação Intelectual, Gênero e

Movimentos Sociais – Identidade, diferença, mediações: de 08 a 11

de abril de 2003. Disponível em:

http://www.rizoma.ufsc.br/pdfs/758-of7a-st4.pdf

PENITENCIÁRIA DO ESTADO. A reforma administrativa da Penitenciária

na intertoria do dr. Adhemar Pereira Barros – discursos,

publicações, portarias e decreto n.9396, de agosto de 1938. São

Paulo: Imprensa Oficial, 1939.

_______. “Penitenciária do Estado de São Paulo: histórico, localização e

disposição geral; regime penal; organização administrativa – 1941.”

Revista Penal e Penitenciária, 2(1-2): 437-509, 1942.

_______. “Discurso do prof. Flamínio Fávero, Presidente do Conselho

Penitenciário do Estado, na inauguração do Presídio de Mulheres

Page 147: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

146

da Penitenciária de São Paulo.” Revista Penal e Penitenciária, 3 (1-

2): 323-8, 1943.

PERROT, Michelle. Os excluídos da história. Operários, mulheres e

prisioneiros. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1992.

_______. Escrever uma história das mulheres: relato de uma experiência. In:

Cadernos Pagu, n. 4, 1995, pp. 9-28.

______. “Práticas da Memória Feminina.” In: Revista Brasileira de História.

São Paulo, v. 9, n. 18, pp. 09-18, ago/set 1989.

_______. (org.) L’impossible prison. Recherches sur le system pénitentiaire au

XIX siècle reunites par Michelle Perrot. Débat avec Michel

Foucault. Paris, Éditions du Seuil, 1980.

PINTO, Rute Bernardo. Mulheres no Sistema Penitenciário: Criminalidade,

Punição e Gênero. Marília, 2004. Dissertação – Ciências Sociais –

Unesp, campus de Marília.

PINHEIRO, Paulo Sérgio. Crime, violência e poder. São Paulo, Brasiliense,

1983.

RAFTER, Nicole Hahn. Partial Justice: Women, Prisons, and Social Control.

New Brunswick, Transaction Publishers, 1990.

RAGO, Margareth. “E se Nietzsche tivesse razão? A categoria do gênero no

pós-estruturalismo.” In: SCAVONE, Lucila (org.) Tecnologias

Reprodutivas: gênero e ciência. São Paulo: Editora da Unesp,

1996.

_______. “Descobrindo historicamente o gênero.” In: Cadernos Pagu.

Campinas, 11, pp. 89-98, 1998.

_______. “Modernizar para Conservar: Relações de Gênero em São Paulo nas

décadas iniciais do século vinte”. In: Cadernos Pagu, n. 11, 1998,

pp. 419-427.

_______. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar. Brasil 1890-1930.

Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1997.

Page 148: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

147

RAMIDOFF, Mário Luiz. Mulheres Reclusas. In: Revista do Conselho

Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Brasília, 1 (18) –

jan./jul. 2005, p. 113-125.

ROSE, June. Elizabeth Fry, a biography. London & Basingstoke: Macmillan,

1980.

ROTHMAN, David. The Discovery of the Asylum. Social Order and Disorder

in the New Republic. New York, Aldine de Gruyter, 2002. Revised

Edition.

SAFFIOTTI, Heleith I.B. A mulher na sociedade de classes. São Paulo,

Vozes, 1976.

_______.“Rearticulando gênero e classe social.” In: COSTA, A. de O. &

BRUSCHINI, C. (orgs.) Uma questão de gênero. Rio de Janeiro:

Rosa dos Tempos/FCC, 1992.

_______. O poder do Macho. São Paulo, Moderna, 1987.

SALLA, Fernando. As prisões em São Paulo: 1822-1940. São Paulo, 1999,

Annablume.

SCHWARCZ, Lília Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e

questão racial no Brasil (1870-1930). São Paulo, Companhia das

Letras, 1993.

SCOTT, Joan. História das Mulheres. In: BURKE, Peter (org.) A Escrita da

história: novas perspectivas. Trad. Magda Lopes. São Paulo,

UNESP, 1992 – 4ª Reimpressão.

SENA, Ernesto. Através do Cárcere. Rio de Janeiro, Editora Nacional, 1908,

p. 21.

SILVA, Glaydson José. Gênero em questão – apontamentos para uma

discussão teórica. Mneme - Revista Virtual de Humanidades, n. 10,

v. 5, abr./jun. 2004. Dossiê História Cultural. Disponível em :

http://www.seol.com.br/mneme

SILVA, Janaína C. S. da. Mulheres Infratoras. Formas de sobrevivência e

criminalidade: uma tentativa de vislumbrar as mulheres na cidade

Page 149: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

148

de São Paulo (1890-1920). Dissertação (Mestrado em História

Econômica), São Paulo, FFLCH-USP, 2004.

SILVA, Marina Albuquerque. Nos Territórios da Desordem: as desordens

femininas na ordem da delinqüência. Dissertação (Mestrado em

Antropologia Social) – FFLCH/USP, 1992.

Sylvio Floreal(1925). Ronda da meia-noite. São Paulo, Paz e Terra, 2003.

SOIHET, Rachel. Condição Feminina e Formas de Violência. Mulheres

pobres e ordem urbana. 1890-1920. Rio de Janeiro, Forense

Universitária, 1989.

_______. História das Mulheres. In: CARDOSO, C. F. & VAINFAS, R.

(orgs.) Domínios da História. Ensaios de Teoria e Metodologia.

Rio de Janeiro, Campus, 1997 – 15ª Reimpressão.

_______. História das mulheres e história de gênero. Um depoimento. In:

Cadernos Pagu. Campinas, 11, pp. 77-87, 1998.

_______.“Mulheres pobres e violência no Brasil urbano.” In: DEL PRIORI,

Mary L. História das Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto,

2001, pp. 362-400.

TILLY, Louise A. Gênero, história das mulheres e história social. In:

Cadernos Pagu. Vol. 3, 1994, pp. 29-62.

VARIKAS, Eleni. “Paria: Uma Metáfora da Exclusão das Mulheres.” In:

Revista Brasileira de História. São Paulo, v.9, n. 18, pp. 19-28,

ago/set 1989.

VELHO, Gilberto. “O estudo do comportamento desviante: a contribuição da

antropologia social.” In: Desvio e Divergência: Uma Crítica da

Patologia Social. Rio de Janeiro,

WEINSTEIN, Bárbara. “Inventando a “Mulher Paulista”: Política, rebelião e a

generificação das identidades regionais brasileiras.” In: Gênero.

Niterói, v. 5, n. 1, p. 71-95, 2. sem., 2004.

WHITE, Hayden. Trópicos do Discurso. Ensaios sobre a crítica da cultura.

Trad. Alípio Correia de Franca Neto. São Paulo, Edusp, 2001.

Page 150: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

149

ZEDNER, Lucia. “Wayward Sisters. The Prison for Women.” In: MORRIS,

Norval & ROTHMAN, David (Edited by). The Oxford History of

the Prison. The Practice of Punishment in Western Society. New

York – Oxford, Oxford University Press, 1998.

_______. Women, Crime and Custody in Victorian England. Oxford,

Clarendon Press, 1994.

Page 151: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

150

ANEXO I:

Modernas Instituições para Mulheres nos EUA.

Entre as melhores dessas instituições designadas para mulheres está o New

York State Reformatory for Women, aberta em Bedford Hills em 1901, no qual uma prisão

estatual para mulheres [State Prison for Women – como está em maiúscula, eu acho que

pode ser o nome da prisão] foi adicionada em 1933; o New Jersey State Reformatory em

Clinton, foi aberto em 1913; o Ohio State Reformatory for Women em Marysville, foi aberto

em 1916; a Kansas State Industrial Farma for Women em Lansing, foi aberta em 1917; a

Connecticut State Farm for Women em East Lyme, foi inaugurada em 1917, suplementada

por uma State Prison for Women, foi aberta em 1930; o Iowa State Women's Reformatory

em Rockwell City, foi aberto em 1918; o Minnesota State Reformatory for Women em

Shakopee, foi aberto em 1920; o Nebraska State Reformatory for Women em York, foi

aberto em 1920; a Pennsylvania State Industrial Home for Women at Muncy, foi aberta em

1920; a Wisconsin State Industrial Home for Women em Taycheedah, aberta em 1921, e

também suplementada por uma State Prison for Women, foi aberta em 1933; o Illinois State

Reformatory for Women em Dwight, foi aberto em 1930; e a California State Institution for

Women em Tehachapi, aberta em 1933. Dentre essas, as instituições de Connecticut, New

Jersey, Pennsylvania, Ohio, Kansas, Iowa, Minnesota, Nebraska e California são

cuidadosamente modernizadas na planta de construção e foram planejadas e edificadas de

acordo com o sistema casinha [? o termo é “cottage system”]. Quanto uma prisão para

mulheres é idealizada para o reformatório, existem duas práticas comuns: 1) uma

casinha[cottage] adicional ou casinhas[cottages] adicionais são construídas do tipo mais

seguro ou contendo quartos com alguma segurança especial; ou 2) uma construção com

características de prisão é adicionada às casinhas[cottages] do reformatório, como em East

Lyme. O primeiro procedimento é preferível e tem trabalhado bem onde quer que se tenha

tentado.

Page 152: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

151

ANEXO II:

Arquivos e Bibliotecas:

1. Biblioteca da Faculdade de Direito – USP

2. Biblioteca do Instituto de Estudos Brasileiros – USP:

3. Biblioteca Central da Escola Politécnica – USP

4. Biblioteca da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – USP:

5. Biblioteca da Faculdade de Educação – USP:

6. Biblioteca da Faculdade de Medicina – USP:

7. Biblioteca do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais

8. Bibliotecas da Escola de Administração Penitenciária (EAP) e da

Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) de São Paulo:

9. Arquivo Público do Estado de São Paulo (APESP)

10. Arquivo Histórico da Cidade de São Paulo

11. Arquivo Histórico Nacional.

12. Biblioteca da Academia de Polícia [Civil] de São Paulo.

13. Biblioteca da Unesp dos campi de Franca e Marília.

14. Biblioteca do IFICH da Unicamp.

Page 153: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

152

ANEXO III:

Fontes:

- BASTOS, José Tavares. Penitenciária para mulheres criminosas:

applicação desta these entre nós precedida do estudo da mulher ante o

direito penal. São Paulo, Duprat, 1915.

- CARNEIRO, Augusto Accioly. “Os penitenciários, a alma do condenado, o

regime celular.” Rio de Janeiro, H. Velho, 1930.

- CASTRO, Sertório de. Política, és mulher! São Paulo, Paulo de Azevedo &

Cia, 1931.

- ESPÍNOLA, Eduardo. “Novos rumos da criminologia.” In: Arquivos da

Polícia Civil de São Paulo. São Paulo, Vol. II – 2 sem. 1941, pp. 65-74.

_______. “Novos rumos do tratamento penitenciário.” In: Arquivos da Polícia

Civil de São Paulo. São Paulo, Vol. VI – pp. 293-298, 1943.

- FÁVERO, Flamínio. “O problema sexual nas Prisões.” In: Revista Penal e

Penitenciária. São Paulo, ano VIII, vol. VIII, fasc. 1-2, pp. 113-128, 1947.

_______. Discurso de Flamínio Fávero – Na inauguração do Presídio de

Mulheres. Revista Penal e Penitenciária. São Paulo, Ano III – vol. III- 1º e

2º semestres de 1942. Fasc, 1 e 2, pp. 323-328.

- GARCIA, Basileu. “Crime de abortamento seguido de morte da paciente.”

In: Revista Penal e Penitenciária. São Paulo, ano/ed. ?, pp.187-199.

- GARCIA, Basileu. “Regimes adequados ao cumprimento das penas de

reclusão e detenção – Estabelecimentos de prisão provisória.” In: Estudos

Penitenciários. São Paulo, pp. 45-59, 1943.

- ISOLDI, Francisco. “As criminosas da antiguidade e o eterno feminino.” In:

Arquivos da Polícia Civil de São Paulo. São Paulo, Vol. III – 1 sem. 1942,

pp. 179-193.

Page 154: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

153

- LEMOS BRTO, J. G. “As mulheres criminosas e seu tratamento

penitenciário.” In: Estudos Penitenciários. São Paulo, pp.7-26, 1943.

_______. “A questão sexual nas Prisões.” Rio de Janeiro, Livraria Jacintho,

1943.

- MARREY JÚNIOR. “Presídio de Mulheres.” In: Arquivos da Polícia Civil

de São Paulo. São Paulo, vol. 2, pp. 478-485, 1941.

_______. “Presídio de Mulheres”. In: Arquivos da Polícia Civil de São Paulo.

São Paulo, Vol. V, 1 sem. 1943, pp. 655.

- MELLO, José de Moraes. “Pennitenciaria para Mulheres.” In: Pandectas

Brasileiras. Rio de Janeiro: 1929, vol.6, parte 5, pp 457-460.

- MENDES, R. Teixeira. A preeminência social e moral da mulher. Rio de

Janeiro, Empreza Brasil Editora, 1920 (1908).

- MIRANDA, Humberto Sá de. “A Mulher na Etiologia do Crime.” In:

Archivos de Polícia e Identificação. São Paulo, Abril de 1936 – n. 1, pp. 5-

19.

- MOTA, Candido N. N. “E as mulheres?” In; Revista Penal e Penitenciária.

São Paulo, vol. 1, pp. 95-107, 1940.

- NOGUEIRA, Acácio. “A Penitenciária de São Paulo. Seu histórico e

desenvolvimento, no período de 1910 a 1940.” In: Revista Penal e

Penitenciária. São Paulo, 1(1): 17-25, 1940.

- Nota. “Presídio de Mulheres”. In: Arquivos da Polícia Civil de São Paulo.

São Paulo, Vol. III – 1 sem. 1942, pp. 554-556.

- Nota. “Presídio de Mulheres”. In: Arquivos Penitenciários do Brasil. Rio de

Janeiro, 1945, pp.518.

- Nota. “A Penitenciária de Mulheres. In: Arquivos Penitenciários do

Brasil. Rio de Janeiro, 1945, pp. 468-469.

- SOUSA, Henrique de. Discurso Henrique de Sousa - na inauguração do

Presídio de Mulheres. Revista Penal e Penitenciária. São Paulo, Ano III –

vol. III – 1º e 2º semestres de 1942 – Fasc. 1 e 2, pp. 335-38.

- VERGUEIRO CÉSAR, Abelardo. “Discurso do Sr. Dr. Abelardo Vergueiro

César - Secretario da Justiça.” In: Estudos Penitenciários. São Paulo, 1943.

Page 155: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

154

- WHITAKER, E. de Aguiar. “O crime e o criminoso à luz da psicologia e da

psiquiatria – estudo acerca de 50 delinqüentes – considerações sobre o

problema da delinqüência em São Paulo.” In: Arquivos de Polícia Civil de

São Paulo. São Paulo: 1942.

_______. (Resenha de Pacheco e Silva –A.C.) “O Manicômio Judiciário do

Estado de São Paulo. Histórico. Installação. Organização. Funcionamento.”

Officinas Graphicas do Hospital de Juquery, Juquery, 1935. In: Archivos

de Polícia e Identificação. São Paulo, vol. I, n. 2, 1937c.

Legislação:

- Decreto-Lei nº 12.116 – De 11 de Agosto de 1941. Dispõe sobre criação do

“Presídio de Mulheres”.

- Contrato de serviço entre o Departamento Geral de Presídios e a

Congregação do Bom Pastor D‟Angers de 10.07.1946.

- Código Penal – 1940. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940.

- Lei de Introdução do Código Penal – 1941. Decreto-Lei nº 3.914, de 9 de

dezembro de 1941.

- Lei das Contravenções Penais – 1941. Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro

de 1941.

- Código do Processo Penal – 1941. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de

1941.

Page 156: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

155

Diário Oficial do Estado de São Paulo:

- 12.09.1935

- 16.10.1935

- 23.01.1936

- 07.12.1938

- 07.08.1940

- 06.06.1941

- 17.06.1941

- 02.07.1941

- 03.07.1941

- 04.07.1941

- 19.07.1941

- 26.07.1941

- 31.07.1941

- 12.08.1941

- 07.11.1941

- 21.06.1942

- 08.07.1942

- 22.07.1942

- 09.08.1942

- 07.10.1943

- 04.04.1944

- 10.07.1946

Diário Oficial da União:

- 12.09.1922

- 08.11.1924

- 29.11.1924

- 30.11.1924

- 14.01.1925

- 27.07.1927

- 04.03.1928

- 16.10.1928

- 21.01.1930

- 20.06.1930

- 22.11.1932

- 25.11.1932

- 03.12.1932

- 15.12.1932

- 31.08.1933

- 21.02.1934

- 16.07.1934

- 04.04.1934

- 28.05.1934

- 20.11.1934

- 23.02.1937

- 18.11.1938

- 24.04.1939

- 23.04.1940

Page 157: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

156

- 30.07.1956

- Relatórios do Conselho Penitenciário do Distrito Federal ao Ministério da

Justiça e Negócios Interiores:

- Julho de 1927: referente às atividades dos anos de 1924, 1925 e 1926

- Outubro de 1928: referente às atividades do ano de 1927

- Março de 1928: “As mulheres no centro mais populoso do país”

- Janeiro de 1930: referente às atividades dos anos de 1928 e 1929

- Junho de 1930: referente às atividades dos anos de 1928 e 1929 (continuação do

relatório anterior)

- Novembro de 1932: referente às atividades dos anos de 1930 e 1931

- Dezembro de 1932: referente às atividades dos anos de 1930 e 1931 (continuação

do relatório anterior)

- Agosto de 1933: “Ante-Projeto de Código Penitenciário do Brasil”

- Fevereiro de 1934: referente às atividades dos anos de 1933 e 1934

- Abril de 1934: referente às atividades dos anos de 1933 e 1934 (continuação do

relatório anterior)

- Fevereiro de 1937: Cadastro Penitenciário

- Atas da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo:

- 52ª Sessão Ordinária, em 11 de setembro de 1935

- 81ª Sessão Ordinária, em 15 de outubro de 1935

- 68ª Sessão Ordinária, em 12 de maio de 1937

- Atas do Departamento Administrativo do Estado de São Paulo

- 75ª Sessão Ordinária, em 05 de junho de 1941

- Expediente da Presidência, em 16 de julho de 1941

- 87ª Sessão Ordinária, em 01 de julho de 1941

- 88ª Sessão Ordinária, em 02 de julho de 1941

- 89ª Sessão Ordinária, em 03 de julho de 1941

- 98ª Sessão Ordinária, em 18 de julho de 1941

Page 158: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ...determinava, pelo Art. 29º, em seu 2º parágrafo, que: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção

157

- 102ª Sessão Ordinária, em 25 de julho de 1941

- 104ª Sessão Ordinária, em 30 de julho de 1941