UNIVERSIDADE DE SXO PAULO - Universidade Federal do Rio ... · BRASIL ANOS 60/70 Autora: Maria...
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UNIVERSIDADE DE SXO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
Cw- iVJ
IX *>ül v.
ARTES PLÁSTICAS» PARTICIPAÇÃO E DISTINÇÃO
BRASIL ANOS 60/70
Autora: Maria Amélia Bulhões Garcia
S3o Paulo, 1990
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
ARTES PLÁSTICAS» PARTICIPAÇÃO E DISTINÇÃO
BRASIL ANOS 60/70
Autora: Maria Amélia Bulhões Garcia
Orientador: Prof. Dr. Carlos Roberto Nogueira
Tese de Doutorado apresentada ao curso de Pós- Grasduação em História Social da Universidade
de São Paulo, para obtenção do Título de Doutor.
São Paulo, 1990
III
Dedicatória
A Néstor Garcia Canclini que me auxilou a
chegar até aqui e a todos a quem este
trabalho possa ser útil em uma caminhada
que é de muitos.
AGRADECIMENTOS
Foram muitas as descobertas ao longo desta trajetória.
Como agradecer a todos se a grande descoberta foi a de quanto
* coletivo qualquer tipo de trabalho. Alguns estão aqui
referenciados, talvez outros tenham sido omitidos. Não deveria
agradecer a todos os estudados? Que fazer? Agradecimentos
oficiais e afetivos aqui estãos
- Ao Departamento de História da UFRGS, pela liberação
dos encargos docentes, mas antes de mais nada pelos
desafios colocados.
Ao CNPq e FUNARTE pelo apoio à pesquisa possibilitando
a sua realização.
À CAPES pela bolsa que custeou meus estudos e pela
viagem ao México, fonte de inesgotáveis conhecimentos.
- À PROPESP, pelo apoio permanente.
Ao Prof. Dr. Carlos Guilherme Mota, que acreditou neste
projeto quando ele era ainda uma semente.
V
- Ao Prof. Dr. Carlos Roberto Nogueira, um orientador
amigo-
- À Rosana e Meg, companheiras na pesquisa e nos
questionamentos.
- À Blanca e Mônica, as amigas de todos os momentos-
- À Loiva, por seu estímulo e exemplo.
- À M. L. Bueno Coelho de Paula, pelas valiosas
informações.
- Ao Avancini pela leitura atenta.
- À Dione, pela amizade de sempre e a revisão ciudadosa.
- À Helena e Pancho, pela infraestrutura tão necessária.
- À Graça, pela orientação e questionamento permanentes e
principalmente pelo apoio em todos os momentos.
- Ao Irineu por partilhar dúvidas, por sucitar que eu
tentasse compreender a "falsa magia", pelo apoio e por
tantas coisas mais.
- Ao Thiago e Thiana por quem desejo construir um mundo
VI
melhor, por compreenderem minhas ausências.
- Aos meus pais, na origem de tudo.
— Aos amigos a quem deixei de dar atenção e a tudo que
abandonei para me dedicar a esta tarefa que agora
ParBce tão pouco, mas que foi tanto, durante longo
tempo.
SUMÁRIO
LISTA DE ABREVIATURAS 09
resumo 10
abstract,
INTRODUÇÃO 01
1 - CONSIDERAÇÕES SOBRE O SISTEMA DAS ARTES PLÁSTICAS 11
1.1 - Sistema das Artes Plásticas, conceito e ori-
gens ,
1.2 - As contribições de Pierre Bourdieu e Howard
S.Becker 24
1.3 — Uma proposta de abordagem do sistema das
artes plásticas
AS PRÁTICAS ARTÍSTICAS NO BRASIL NOS ANOS 60/70 51
2.1 - Tendência das práticas artísticas no Brasil.... 51
2.2 - Os Anos 60: Tempo de Projetos Democratizan-
2.3 Os Anos 70: O Estado Autoritário e a Indústria
Cul tura 1 82
0 SISTEMA DAS ARTES PLÁSTICAS NO BRASIL 94
O SISTEMA DAS ARTES PLÁSTICAS NA CRISE DO DESENVOL-
VI MENTI SMO POPULISTA 120
VIII
A consolidação da Modernização; primeira metade
da década de 60
- Disputas Sociais e Mobilizações no Sistema das
Artes Plásticas
As Vanguardas: disputas estéticas e disputas
poli ticas
5 - SISTEMA DAS ARTES PLÁSTICAS NO ESTADO AUTORITÁRIO
5-1 - Atuação do Estado: Repressão e Censura/Apoio
e Estímulo
5-2 - Fortalecimento das instâncias de difusão e
supremacia do mercado empresarial
5.3 - Avanços Democráticos e Estratégias de Sub-
versão
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
lista de anexos
ABREVIATURAS UTILIZADAS
MAM/SP= Museu de Arte Moderna de São Paulo.
MAC/USP= Museu de Arte contemporânea - Universidade de
São Paulo.
MAM/RJ= Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.
MAP= Museu de Arte de São Paulo.
MNBA/RJ= Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro.
FUNARTE= Fundação Nacional da Arte.
CPCs= Centro Popular de Cultura.
DIP= Departamento de Imprensa e Propaganda.
MCP/RECIFE= Movimento de Cultura Popular.
FAAP= Fundação Armando Alvares Penteado.
SESC= Serviço Social do Comércio.
RESUMO
O objetivo do presente trabalho é compreender o papel
social das artes plásticas, no Brasil, nas décadas de 60 e 70.
Para tal foi ultilizado o conceito- chave Sistema das Artes
Plásticas, a partir das contribuições de Pierre Bourdieu e
Howard Becker. Abordou-se este sistema como o conjunto de
indivíduos e instituições que, interagindo, produzem eventos e
objetos por eles mesmos considerados artísticos e estabelecem
os critérios e valores da arte para toda uma sociedade.
Evidencia-se com este conceito, o caráter coletivo destas
atividades, suas relações com o meio em que se encontram e sua
função de distinção social.
Partindo destas considerações teóricas, foram analisadas
a configuração e a dinâmica do Sistema das Artes Plásticas no
Pr<3sil, nos anos 60 e 70. Esta análise restringiu—se aos pólos
hegemônicos Rio de Janeiro e São Paulo, tratando, nos anos 60
ha atuação do Sistema das Artes Plásticas naquele período de
lutas democráticas e, nos anos 70, do papel deste sistema na
consolidação da hegemonia dos grupos sociais no poder.
Enfatizou-se
e5trutura própria.
que o sistema, ainda que tendo uma
responde a demandas oriundas dos processos
XI
históricos om que está inserido. tranformando—se neste
«"nov irnen to,
ABSTRACT
The main objective of the present paper is to understand
the social role of plastic arts in Brazil during the 1960s and
the 19705. With this intention, the key concept Sistema das
Artes Plásticas (The Plastic Arts System) has been used,
taking as a basis the contributions of Pierre Bourdieu and
Howard Becker. This system has been approached as the complex
^hole of individuais and instituions, which - as they interact
produce events and objects, regarded as artistic by
themselves, and also establish the criteria and values of art
for a whole society. This concept clearly shows the collective
aspect of these activities, their relations with the
environment where they are, and their function of social
tfistmc ion.
Taking these theoretical considerations as a basis, the
configuration and the dynamics of the plastic arts system in
Brazil tn the 19íj0s and the 1970s have been analysed. This
^nalysis has been restricted to the leading poles Rio de
Janeiro and São Paulo, dealing with the action of the plastic
ãrt5 system in the i960s, period of democratic struggles, and
with the role of this system in the consolidation of the
leadership of the social groups in power in the i970s.
XIII
The present paper emphasizes that even though the system
has its own private structure it responde to demands which are
originated from the historical processes in which it is
inserted, this way changing into the movement itself.
INTRODUÇÃO
"Para que Ias reflex iones estéticas no se
extravien en el subjetivismo y el irracionalis-
fnof debem ter em cuenta que el valor de Ias
obras se producem en un campo complexo que
incluye el artista f los intermediários y el
publico, que Ias relaciones entre ei los estan
condicionadas por la historia social
Néstor Garcia Canclini
O objetivo do presente trabalho é compreender o papel
social das artes plásticas, no Brasil, nas décadas de 60 e 70.
A maior parte dos estudos sobre artes plásticas centra
sua análise na figura do artista, considerado como
responsável individualmente pelas características e
repercussão social de seu trabalho.
Parte-se aqui, ao contrário da idéia de que o trabalho
artístico não é um fenômeno puramente individual, que se possa
isolar do conjunto da sociedade. Para compreender as artes
plásticas é preciso ir além do artista, investigando
indivíduos e instituições que com ele interagem: críticos.
02
marchands, museus, galerias, revistas de arte, etc.. Este
conjunto de indivíduos e instituições, por sua vez, não agem
de forma autônoma; obras e eventos artísticos, bem como sua
difusão, estão intimamnte relacionados com as relações
econômicas, sociais, políticas e culturais do meio em que se
encontram, isto ô, com o processo histórico do qual participam
de maneira específica e na qual se transformam.
Para compreender as artes plásticas no Brasil hoje, como
Uma prática coletiva, inserida socialmente, e fruto de um
Processo histórico, é indispensável voltar às décadas de 60 e
70, nas quais, profundas modificações se realizaram no pais.
Estas duas décadas foram de fundamental importância para a
história brasileira contemporânea, pois nelas o pais avançou
seu processo de modernização, integrando, sob a hegemonia
do capital monopolista, os diversos setores da produção. A
Modernização oferecida pela expansão das indústrias de bens de
Consumo duráveis atingiu principalmente as grandes disputas
Sociais. Neste período ocorreram alterações na posição do
Erasil dentro da ordem capitalista internacional e
transformações profundas na estrutura sócio-econômica e
dolítica.
Já a partir de 1955 o pais sofrerá uma série de
transformações em sua estrutura produtiva, sendo estabelecidos
C*5 pressupostos do modelo de desenvolvimento que permanece até
Cs nossos dias. No início dos anos 60, o processo de
03
industrialização era já um dado irreversível na formação
social brasileira. As formas de exploração da força de
trabalho tornaram-se progressivamente incompatíveis com a
Política de integração dos trabalhadores desenvolvida pelos
governos populistas. O golpe de 64 redimensionou a atuação do
Estado no sentido de uma política econômica voltada para o
ostabelecimento das condições institucionais capazes de
garantir a aceleração da acumulação do capital nesta nova
etapa monopolista de seu processo. Assim, nos anos 60 se
evidenciaram, pela radicalização dos conflitos sociais, as
implicações políticas existentes em todas as áreas culturais,
sendo possível constatar a atuação de alguns setores das artes
Piásticas nas lutas pela democratização no país. Os anos 70,
Por seu turno, presenciaram a consolidação da modernização do
Psís, através de um regime político autoritário, durante o
gual expandiu-se a indústria cultural e as artes plásticas,
mantendo o tradicional elitismo, passaram a ocupar.
Progressivamente, maior espaço no cenário cultural, servindo à
legitimação do modelo de desenvolvimento implantado no pais.
No processo histórico acima delineado, registra-se o fato
0,6 que as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo tornaram-se
Pólos das transformações ocorridas no período, concentrando
apitai, trabalho e mercado e, em função disto, o
desenvolvimento cultural. Nestas duas cidades se localizavam
lmportantes espaços culturais, entre os quais a maioria das
instituições do setor das artes plásticas, como por exemplo a
04
Bienal Internacional de São Paulo e o Salão Nacional de Arte
Moderna. Estavam também aí os mais atuantes museus de arte
(MAM, MAC) que, além de serem responsáveis pela conservação de
produtos artísticos, interferiam na dinamização do setor. A
importância destas duas cidades é demonstrada ainda pelo fato
de que praticamente todas as publicações importantes sobre
artes plásticas neste período (livros e periódicos) foram aí
editadas. A circulação das publicações documenta a circulação
do produto. Foi para este eixo que imigrou grande número de
artistas e críticos, oriundos das mais diversas regiões do
país. Focos de efervescência, estas duas cidades foram o
cenário das principais transformações por que passou o país
nestas duas décadas.
«Justifica—se, assim, a escolha destas duas capitais como
espaço de observação da presente pesquisa.
Não se pode esquecer, no entanto, que ao longo da década
de 70 emergiram, no setor das artes plásticas, produções
regionais de grande significado, fazendo frente à hegemonia
destas duas capitais. São exemplo destas produções regionais o
grupo do Mato Grosso (com Aline Figueiredo e Humberto
Espíndola), o grupo do Rio Grande do Sul (Nervo ótico), o
núcleo da Paraíba (com Raul Córdula), Siron Franco e em Goiás
e as produções de Minas Gerais e Paraná ativadas por salões de
repercussão nacional. A amplitude e o significado cultural
destas produções, principalmente por representarem uma reação
05
à hegemonia do Rio de Janeiro e São Paulo, merecem um eetudo
mais aprofundado. Fica aqui uma sugestão para futuros
pesquisadores, uma vez que dentro da proposta de análise do
presente trabalho, o privilegiamento dos pólos Rio e São Paulo
se impõe.
Para compreender o papel social das artes plásticas, no
Brasil, nestas duas décadas, é preciso determinar com clareza
sua especificidade. Assim considera-se para os objetivos do
presente trabalho, como artes plásticas, o conjunto de
indivíduos e instituições que se articulam em torno da
produção e difusão de objetos e acontecimentos plásticos.
Para análise das relações que se estabelecem neste
conjunto de indivíduos e instituições, adotou-se o conceito
Sistema das /Qrtes Plásticas, que permite a apreensão da
global idade e do dinamismo destas relações. Vários autores
utilizam este conceito (inclusive em textos da época), mas o
fazem de maneira geral, sem preocupação em defini-lo. Usam-no
como um termo que evidencia determinada realidade explícita e
consensuaImen te aceita: a existência de um conjunto de
relações. A idéia de que existe um sistema das artes
plásticas, assim como existe um sistema social ou político,
está, no entanto, distante do uso que se pretende com este
marco conceituai. O presente trabalho partiu, portanto, ao
nível teórico, de uma discussão e definição do conceito
Sistema das Artes Plásticas, apresentados no primeiro
06
Capí tulo .
A adoção deste conceito permitiu uma visão sincrônica do
Conjunto de variáveis que interferem na produção e difusão das
artes plásticas e do papel destas artes nos processos sociais
econômicos e políticos- Permitiu, ainda, uma visão diacrônica
^ interferência desta prática social nos processos históricos
e de sua transformação nesta atuação-
Partindo, portanto, da consideração das artes plásticas
^mo um sistema inserido no processo histórico, buscou-se com
0 Presente trabalho responder, em relação ao período em
e^tudo, as seguintes questões:
- Como se estrutura o Sistema das Artes Plásticas? Quais
seus componentes e articulações?
- Considerando a importância do Estado neste período,
Çual suas relações com o Sistema das Artes Plásticas?
Tendo em vista a existência de redefinições, neste
Período, das relações do Brasil a nível internacional, como
o Sistema das Artes Plásticas nestas redefinições?
- Como o Sistema das Artes Plásticas participa das
Questões populares e democráticas dos anos 60?
07
- Como o Sistema das Artes Plásticas se articula ao
modelo econômico e político consolidado nos anos 70?
- Qual o principal papel desempenhado pelo Sistema das
A^tes Plásticas ao longo de todo o período estudado?
As respostas a estas questões exigiram o levantamento de
informações em diferentes fontes. Considerou-se como
documentos básicos as matérias sobre artes plásticas
Publicadas em jornais e revistas de grande circulação e também
e(I> publicações especializadas. Outras fontes de pesquisa foram
05 relatórios de instituições e os catálogos de exposições,
decursos da história oral também foram utilizados, através de
ontrevistas, sempre tendo o cuidado de considerá-los como
r®sultados de posturas atuais e não da época do estudo. Como
fontes secundárias, utilizou-se os poucos livros e artigos
Publicados sobre as artes plásticas no período de nosso
estudo. Seu número limitado permitiu uma revisão exaustiva e
completa.
Os artigos em revistas e jornais de grande circulação
^tingiam o grande público, divulgando uma imagem de sistema
Pas artes plásticas, motivo pelo qual considermaos um canal
iviiegiado de informações. Mostrou-se tão útil na
iclentificação dos eventos em destaque, quanto no levantamento
dQs valores e da imagem que se divulgava das artes plásticas,
análise destas matérias permitiu detectar algumas das
08
transformações por que passou o sistema ao longo do período de
estudo, ao ser feita de forma seqüenciada. Trabalhou-se com as
revistas: Manchete, Vis^o, O Cruzeirof Senhor, Veja e Isto E.
Em termos de jornais utilizou-se O Globo, Jornal do Brasil 9
Estado de São Paulo e Folha de São Paulo,
Da mesma forma que as publicações anteriores, artigos em
revistas e jornais de cultura ajudavam a traçar um perfil dos
eventos mais significativos e destacados- Por outro lado, eles
evidenciaram também o debate intelectual existente no período.
Utilizou-se, neste sentido, as revistas Vozes, Civilização
Brasileira, Cultura/MEC e Módulo, e os jornais Pasquim,
Opinião e Versas -
Revistas específicas de artes revestiram—se de
fundamental importância para este estudo, pois expunham as
diferentes correntes artísticas existentes. Em linhas gerais
estas publicações davam também informações gráficas.
Praticamente todas as revistas de artes editadas no período
foram revisadas: GAM, artes: Mirante das Artes, Vida das
Artes, Malasartes e Vogue Arte~ Infelizmente, apareceram
ocasionalmente e tiveram vida curta, tendo sido peças-chave
no jogo do poder dentro do sistema das artes plásticas. Elas
permitiram observar os mecanismos que garantiam as posições
hegemônicas, desde o favorecimento na divulgação de
determinado tipo de produto ou acontecimnto até o uso da
crítica na imposição de determinadas correntes.
09
Considerando-se os relatórios de instituições como
decisivos no conhecimento interno do poder e força das
instituições. Neles pode-se levantar todos os eventos
promovidos pela instituição individualmente, tendo-se assim
uma idéia ampla de sua atuação. Estes relatórios permitiram
também identificar redes de relações entre indivíduos e
instituições, e o tipo de vinculação com o Estado. Analisou-se
relatórios das seguintes instituições: MAM/RJ, MAM/SP, MASP,
MAC/USP, Pinacoteca Municipal de São Paulo, MPJBA/RJ, FUNARTE,
F. BIENAL. Catálogos de Exposição forneceram o discurso da
crítica de arte, a ordem de valores que movimentava o sistema
e também as relações entre artistas, críticos e instituições.
Utilizou-se catálogos de exposições coletivas e também de
Bienais e Salões. Nestes últimos buscou-se maiores dados sobre
estes eventos, cuja evolução foi importante no período em
estudo.
Realizaram-se, ainda, diversas entrevistas com críticos,
artistas, marchands, colecionadores e diretores de
instituições, buscando obter informações para melhor
:ompreensão do período e preenchimento de possíveis lacunas
jeixadas pela pesquisa documental.
Levou-se em conta que, sobre este tema e período, a
listória oral pode constituir-se numa contribuição
significativa.
10
Ordenou-se a exposição dos resultados em cinco capítulos.
No primeiro capitulo, foi discutido o conceito de sistema das
Artes Plást icas, a partir das contribuições de Pierre Bourdieu
e Howard Becker. No segundo capítulo se indicou o processo
histórico em desenvolvimento no Brasil nos anos 60 e 70,
observando como diferentes setores artísticos se comportaram,
ho maneira geral, frente aos conflitos sociais que ocorriam.
No terceiro capitulo analisou-se o Sistema das Artes Plásticas
no Brasil, com suas especificidades em relação às demais
Práticas artísticas. No capítulo quarto foi analisado o
Sistema das Artes Plásticas, na década de 60, no que diz
respeito à consolidação da modernização e às disputas sociais
e estéticas. Por último tratou-se do Sistema das Artes
S^sticas nos anos 70, considerando a ação do Estado
autoritário, o fortalecimento das instâncias de difusão e
supremacia do mercado empresarial e as estratégias de
Questionamento desta realidade.
Com esta estrutura de análise, procura-se evidenciar as
âr^iculações entre o Sistema das Artes Plásticas e a realidade
^cio-política e econômica que o País viveu nestas duas
^Cadas fundamentais da história brasileira.
1 - CONSIDERAÇÕES SOBRE O SISTEMA DAS ARTES PLÁSTICAS
"O indivíduo não é apenas aquilo que ele
próprio crê nem o que o mundo crê; é também
algo mais: é parte de uma conexão em que ele
desempenha um papel objetivow supra-individualf
do qual não dá conta necessariamente".
Karel KosiK
1.1 - Sistema das Artes Plásticas, conceito e origens
A análise do Sistema das Artes Plásticas, no Brasil, nos
anos 60 e 70, torna-se viável hoje, em função do desenvolvi-
mento alcançado pelos estudos históricos e sociológicos que,
nas últimas décadas, tém abordado as artes plásticas de forma
mais integrada ao meio social, superando os enfoques
idealistas com que foi tratado este tema até bem recentemente.
Na historiografia da arte, soberana por longo tempo, em
geral, a arte é tratada de maneira idealizada, como produto de
12
uma genialidade individual venerada pelo público1. No mais das
vezes, as análises se voltam para os elementos formais e
signicos das obras e sua classificação estilística, sendo
mínimas as contextualizações. Esta história das artes
manteve—se tradicionalmente dedicada a identificar e consagrar
os artistas e obras clássicas, incorporando, progressivamente
como tais as manifestações contemporâneas já absorvidas pelo
público especializado. A sociologia tradicional da arte2, por
sua vez, se ateve mais a demonstrar a congruência entre formas
de organização social e estilos ou temas artísticos do que a
analisar a inserção social da produção plástica. Sem
considerar a produção e circulação da obra de arte no meio
social, de forma a percebê-las em sua dinâmica, esta
sociologia da arte trabalhou predominantemente com os
resultados (as obras) e não com os processos. Mais
A/esta historiografia se enquadram: Upjohn, Everard. História Mundial da Arte. São Paulo, Difel, s.d.; Bazim, Germain. História da Arte. São Paulo, Difusão Européia do Livro, s.d.; Leicht, Herrmann. História Universal da Arte.Rio de Janeiro, Melhoramentos, s.d.; Colombier, Pierre. História da Arte. Porto (Portugal),Tavares Martins, 1958; Rafols, J.V. História Universal dei Arte. Barcelona, Ramon Sopena, 1970; Ribeiro, Flexa. História Crítica da Arte. Rio de Janeiro, Fundo de Cultura, 1965; Cavalcanti, Carlos. História das Artes. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1968, 2 v.; Grombrich, E.H. História da Arte. Rio de Janeiro, Zahar, 1978.
2 Fischer, Ernest - A necessidade da arte - Rio de Janeiro, Zahar, 1973., Nico Hadjnicolaus. Hauser, Arnold - História Social da Literatura e da Arte. São Paulo, Mestre Jov. 1972, vols - I e II. Francastel, PIERRE - Peiture et Societó Pariz, Danoel Gauttier, 1977. Bastide, Roger - Arte e Sociedade. São Paulo - Editora Nacional/EDUSP - 1971. Hadjnicolaus, Nicos - História da Arte e Movimentos Sociais, São Paulo, Martins Fontes s/d.
1 3
3 recentemente, no entanto, importantes estudos introduziram em
relação às artes plásticas, novas abordagens mais amplas e
científicas apresentando dois traços básicos comuns:
progressivo abandono da perspectiva de análise que prioriza o
caráter individual das atividades plásticas e a crítica aos
aspectos elitistas da produção, circulação e consumo da obra
de arte.
Uma série de tendências, no que diz respeito à prática da
produção plástica, contribuíram para a formação desta nova
abordagem social das artes plásticas. Dentre estas tendências,
se destaca, em primeiro lugar, a generalização do processo de
mercantilização dos objetos e eventos artísticos. Como
afirma Orlando Suarez " Ia consciência de su importância
(do artista) no es más que Ia expressión de su valor de
cottización. Y algo muy importante, con ei cambio dei status
dei artista: de protegidos de un mecenas al de productor de
uma mercancia — como es usual en el sistema capitalista — Ias
obras de arte, como todos los bienes, son mercanciasr por lo
cual su valor de cambio prevalece sobre su valor de uso. El
êxito en el mercado hace de los artistas, con talento
9
Bourdieu, Pierre — La distincion — critique sociale du jugement. Paris, liinuit, 1979. Becker, Haward - Les Mondes de'L'Art - Paris, Flamorion. 1988. Canclini, Néstor Garcia — La produccion simbólica. México Siglo XXI, 1979. Lauer, Mirko - La crítica do Artesanato. São Paulo, Nobel, 1983. Durand, José Carlos - Artesf Privilégios e Distinções — São Paulo, Perspectiva 1989. Suarez, Orlando Suarez - La jaula invisible. Habana, Ciências Sociales 1986.
14
reconacida, grandes sefíores"*.
A mercantilização atinge todo espaço das artes plásticas,
desde a produção das obras em si até sua circulação em
revistas e livros, também mercadorias. As atividades
artísticas ficam assim diretamente decorrentes da sociedade de
consumo, resultando paradoxalmente tanto mais alienada de sua
realxdade social quanto mais proclama sua autonomia e
liberdade expressiva.
A absorção das artes plásticas dentro da sociedade de
consumo e sua sujeição às leis de oferta e demanda conduzem de
certa forma a uma segunda tendência que é a complexidade
crescente dos mecanismos de legitimação destas práticas e dos
seus produtores - os artistas. Todo um marketing de
comercialização tem sido realizado por galerias e marchands,
nacionais e internacionais, a fim de que o mercado consiga
articular harmoniosamente quadros e esculturas com hapenings e
body art (estes últimos comercializados sob forma de fotos,
filmes, vídeos...). Absorvidas pelas relações capitalistas, as
artes plásticas tornaram-se progressivamente mercadorias de
luxo em um circuito muito particular. No âmago de uma
comercialização intensa, um fato se manifesta em relação à
legitimação desta produção: o reconhecimento de um objeto ou
evento como artístico e sua inserção no circuito comercial com
várias etapas nesta legitimação, dificultando a definição
4 SUAREZ, Orlando Suarez. La jaula invisible. Habana Ciências Sociales, 1986. p. 40.
15
consensual daquilo que é ou não é arte. Somente o diálogo
constante entre artistas, críticos e outros participantes do
ambiente artístico tem conseguido ratificar regularmente
critérios de julgamento e sua aplicação. A qualidade e valor
das obras são, assim, definidos através das estruturas
institucionais dentro das quais se insere a produção,
distribuição e consumo da arte. Observa-se, ainda, uma
complexidade crescente nos mecanismos para obtenção de
consenso no processo de legitimação da obra de arte. A partir
desta dificuldade, se fortalece a posição enunciada por Mareei
Duchamp9 de que o critério para definição do valor artístico
é a própria qualidade de artista reconhecida em determinado
produtor. A crítica fica sujeita a encontrar formas de abarcar
sob a designação "artes plásticas" objetos tão dispares quanto
um quadro a óleo pintado por Salvador Dali e uma lata de
cerveja assinada por Andy Warhol. Com isto, se evidencia que
não há valores ou critérios de legitimação permanentes e
universalmente reconhecidos, estabelecendo—se os mesmos a
partir de um sistema de relações entre indivíduos e
instituições.
Outra tendência que se destaca, no que se refere à
prática da produção plástica, é a ênfase na afirmação do
caráter não político das artes plásticas. Esta despolitização,
que procura se apresentar como estrutural e essencial á arte
5 Esta postura de Mareei Duchamp está expressa em suas ações, sendo referidos pelos mais diversos autores que analisam seu trabalho.
16
^ na verdade, bastante circunstancial. Confirma esta
afirmação a lembrança de como eram politizadas as práticas
artísticas em geral na década de 60, e, dentro deste processo,
também as artes plásticas. A abordagem, hoje predominante, que
privilegia como mais legítimas as manifestações da "arte pela
arte", coloca a necessidade de revisão do papel poli tico desta
aparente despolitização. Para isto, é preciso considerar por
um lado, as desilusões com respeito às possibilidades
revolucionárias da arte no pós-68 e, por outro, o encobrimento
da função política de "distinção das elites" que a arte tem
cumprido. A afirmação da despolitização tornou-se, assim, uma
forma de ocultação do papel político das práticas artísticas
nas lutas pelo domínio simbólico dentro da sociedade.
Estes três fatores - mercanti1ização da obra de arte,
complexidade dos critérios de valor artístico e afirmação do
caráter despolitizado da arte - articulados entre si,
concorrem para que se venha construindo, nos últimos anos, uma
nova concepção da história social da arte. Concepção que não
aborda o artista individual e seu papel social ou obras em
suas tendências e estilos ou tampouco grupos sociais como
mentores de determinadas práticas plásticas, mas aborda o
sistema de relações que é responsável pelas atividades de
produção, circulação e consumo artísticos. A história social
da arte passa, assim, a ter como objeto específico de estudo
este conjunto de relações dentro de uma determinada sociedade
em um momento específico. 0 trabalho de Nestor Garcia
17
Canclini, (La produccion Simbólica) e o de J. Carlos Durand
(Arte privilégio e distinção) se encontram dentro desta nova
concepção, na qual também se enauadra o presente estudo.
Este novo objeto de estudo coloca a problemática da
adoção de um conceito chave para sua apreensão. Utilizar os
conceitos "campo artístico" ou "Mundos da arte" é remeter—se
diretamente às concepções de Pierre Bourdieu e Howard Becker
respectivamente. Na busca de um conceito novo, encontra-se um
mais antigo e já do senso comum: O "Sistema das artes plásti-
cas". Ele é utilizado por vários autores que não se preocupam
em defini-lo, Mirko Lauer, porém, o faz com as seguintes
palavras: "Soma de mecanismos sócio-intelectuaisr através dos
quais um grupo humano determina quais traços particulares e
concretos de um objeto ou de um processo participam
efetivamente de uma existência artística" (Lauer, 19 , p.
155)".
Pode-se ainda especificar e aprofundar melhor este
conceito, incorporando nele as contribuições dos estudos de
Pierre Bourdieu e Howard Becker. Seu enunciado será então:
- Conjunto de indivíduos e instituições responsáveis pela
produção, difusão e consumo de objetos e eventos por eles
mesmos rotulados como artísticos e responsáveis também pela
definição dos padrões e limites da "arte" de toda uma
sociedade, ao longo de um período histórico.
" Lauer, Mirko. Crítica do Artesanatoj São Paulo, Nobel, 1983.
18
Assim enunciado, este conceito apresenta um caráter
dinâmico e totalizante. Dinâmico, porque concebe seu objeto
como um conjunto em movimento; totalizante, pois o vê como
resultado de um conjunto de articulações internas e externas à
obra de arte.
Cumpre lembrar que a "arte" , assim, é um segmento
específico de todas as práticas plásticas, que em uma socieda-
de se realizam. Uma parte destas práticas administradas e
controladas pelo sistema das artes plásticas constituem,
portanto, as "artes plásticas" reconhecidas como tal em um
determinado espaço e tempo. Não se pode esquecer que existe
todo um amplo conjunto de produções plásticas que estão à
margem destas manifestações denominadas artísticas. A
incorporação ou não de elementos destas práticas marginais ao
conjunto administrado pelo sistema das artes varia amplamente
ao sabor de determinantes internas ao sistema, mas também de
7 demandas impostas pela evolução da própria sociedade .
Deve—se observar ainda que a existência deste sistema de
relações especí fico da "arte" não é um fenômeno permanente na
história da humanidade. Suas origens podem ser localizadas na
Europa Renascentista, no bojo de um processo histórico-cultu-
ral, em que o desenvolvimento da sociedade propiciou um
aprofundamento da separação entre trabalho manual e trabalho
7 A discussão filosófica sobre a categoria "arte" não é tema do presente estudo; demandaria um aprofundamento que não é exigido pelo enfoque escolhido. Não se discute aqui os aspectos de criação ou qualidades desta criação, mas sim a maneira como se dÀ sua legitimação social e reconhecimento. No caso do presente estudo, o conceito "arte" está em íntima relação com o sistema que o legitima como tal.
19
intelectual, com evidente supremacia do segundo sobre o
primeiro. A figura do "artista" sobrepôs-se gradativamente à
figura do artesão, dentro da mencionada supremacia do trabalho
intelectual sobre o manual. Os pintores medievais, artesãos
anônimos que podiam tanto pintar afrescos como decorar arcas,
foram sendo suplantados pelo "artista", pintor de renome com
um status que o colocava dentro das Cortes em posições
privilegiadas. Esta mudança processou-se através da
constituição do que se pode denominar "sistema das artes", na
medida em que, para legitimação da produção de determinados
"artistas" e definição das diferenças entre "arte" e
"artesanato", estabeleceu-se um circuito de relações que
envolvia artistas, mecenas e filósofos humanistas. A categoria
"arte" surgiu, assim, definida por um conjunto de relações,
defendendo valores dos setores sociais com os quais se
identificava naquele momento: nobreza e burguesia. A "arte" se
estabeleceu, então, a partir de uma ruptura com as demais
atividades plásticas (tecelagem, cerâmica, joalheria, etc.)
que podem ser classificadas, portanto, como suas ancestrais.
Esta ruptura operou-se progressivamente e foi correlata à
constituição do sistema das artes plásticas, dotado de regras
próprias, onde se exige uma competência específica para as
atividades, separando o profissional do leigo e o sagrado do
profano e referendando a distinção social das elites.
É preciso destacar, portanto, que o sistema das artes
plásticas surgiu também como um sistema de dominação, na medi-
20
da em que seus integrantes impuseram ao conjunto da sociedade
padrões que eram de uma minoria. No caso do mundo colonial,
ocorreu também uma imposição sobre os povos colonizados dos
padrões plásticos de seus colonizadores. Ao apresentar os seus
critérios particulares como definidores dos produtos e
práticas a serem considerados "artísticos" e dando a estes um
status superior aos demais considerados "artesanato" ou
"artes menores", o "sistema das artes" impôs uma
hierarquização que legitimava seu poder e a superioridade de
seus integrantes. A ordem resultante da interação daqueles que
têm acesso ao sistema das artes passou a impôr uma dominação
simbólica sobre os demais, excluídos desta participação.
Marginalizava-se, assim, a elaboração simbólica dos extratos
sociais não integrados do sistema, estabelecendo-se mecanismos
de distinção que legitimavam a dominação social pré-existente,
da qual o sistema era também resultante. Esta distinção passou
a funcionar, desde então, como estratégia de poder político
dentro da sociedade: uma estratégia que se torna mais
eficiente, na medida em que é mais mascarada, aparecendo como
legi tima.
Esta forma de poder mascara-se através da crença na magia
do criador e na individualidade autônoma das produções; crença
na sabedoria despolitizada dos cri ticos e na devoção abnegada
dos consumidores. O que faz com que o sistema funcione é a
crença coletiva nos valores por ele estabelecidos. O que cria
a magia e o valor "artístico" dos objetos é a trama de todos
21
os agentes que participam do sistema das artes plásticas e sua
crença nas tradições e na estrutura já estabelecida deste
^stema. O valor da obra de arte se estabelece nesta trama e
nela se constrói também o próprio conceito de "arte". Valor de
objeto e valor da própria arte estão intimamente ligados,
Senclo maior o poder do sistema das artes e o valor de seus
Produtos na medida em que a trama que o legitima encontra-se
mais oculta, tanto aos que nele estão envolvidos quanto aos
PPe dele estão excluídos. A magia do sistema das artes é
garantida pela convicção em seu valor principalmente por parte
baqueies que nele atuam. A força do sistema das artes está
^Qada a sua própria estruturação; suas instituições, ao peso
de sua história. A institucionalização mantém e renova os
rituais, estabelecendo discriminações e hierarquizações dentro
do variado universo das atividades plásticas.
A história deste sistema de relações é fundamental para
a Ponipreensão de seu funcionamento atual, pois estabelece as
POssibiiicjade5 e os limites do pensar e do realizar no
Campo das arte5 plásticas. A autonomia relativa da arte é,
pQrtanto, o resultado desta elaboração que o sistema das artes
COm° um todo faz das demandas e pressões externas. Este
Si5tema, com o peso da tradição de suas instituições,
estabelece o substrato que mantém a aura da "arte". As
definiç(5es de critérios e valores, bem como os mecanismos para
estas definições, se estabelecem a partir da história deste
Sistema que reforça a crença em sua sacralidade.
22
Em sua evolução, no entanto, este sistema tem apresentado
uma série de alterações que correspondem, em última análise,
d adaptações em sua dinâmica interna face às grandes
mudanças por que passou o capitalismo em sua evolução mundial.
^ sistema acadêmico do século XIX foi um ápice neste
processo. Articulado e justificado por um corpo filosófico
(estética), ele pode impor, sem reservas, todo um conjunto de
normas e padrões, onde "o belo" constituia o valor básico8.
Com a evolução da sociedade de consumo e a ampliação do
"público", o sistema tendeu a se abrir, incorporando produções
que representavam valores mais instáveis e visões
diversificadas da arte enquanto processo simbólico. O
modernismo das duas primeiras décadas do século XX introduziu
profundas alterações, não somente nas concepções estéticas,
como nas formas de circulação e consumo dos bens artísticos.
Na década de 60, pode-se observar novas transformações; este
momento, a própria arte, enquanto categoria filosófica e
social, foi questionada. No entanto, todos estes
questionamentos não conseguiram anular o sistema, enquanto
instrumento de distinção. Ao sistema acadêmico do sec. XIX,
novas instituições foram agregadas (museus e galerias...),
outras desapareceram (academias de Belas Artes), outras se
modernizaram (salões) e o sistema permaneceu, articulado em
sua função primordial: distinção social das elites. A
0 ^r^s^e^er 1 in: "El pensàmi&nto renascentista y Ias artes"- Madrid, Taurus, 1986 realiza um estudo bastante aprofundado da evolução do sistema filosófico que se estabelece paralelamente à evolução das práticas artísticas no mundo moderno, servindo de ponto de partida para o presente estudo.
23
Par"ticipaçâo no sistema das artes, como forma de distinção
social * deve ser observada não só em termos de produção como
também de consumo. O interesse por esta distinção é um
elemento fundamental na determinação do caráter elitista das
artes plásticas. Este elitismo interessa a diferentes setores
de classes dominantes na sociedade, porque lhes justifica o
Poder através do reconhecimento de sua suposta superioridade,
Pcie sg expressa simbolicamente na participação. como
Produtores e/ou consumidores em um círculo artístico restrito,
que exige uma formação e informação que não estão ao alcance
de todos os indivíduos. Neste círculo restrito, as classes
dominantes se distinguem e as classes subalternas reconhecem
como legítima a superioridade das primeiras. O consumo de
odras dg ar^e tornou-se um símbolo de distribuição, uma marca
d® Poder, de hierarquia social, de bom gosto, de formação
Altura! erudita enfim de capital cultural que por sua vez é
Poder. Segundo Orlando Suarez "Hay dia. Ias famílias de la
ul-íçargtjia financiera no sólo son coleccionistas como a Ias
ar>teriores. el coleccionismo Ias coloca en una jerarquia
Sociai cfe élite - sino porque de esa manera crean una imagem
P^Izcas de su classe, como la classe salvaguardadora de los
Piores espirituales de Ia humanidade, simbolizados en el
arte"0.
^ distinção social funciona portanto também como fórmula
de loqitimação de poder das classes dominantes. A dominação
Qp cit. p. 42.
24
simbólica que se estabelece através do sistema das artes
plásticas é específica ao capitalismo, com ele surgindo e a
ele servindo. Assim, o conceito "sistema das artes pláticas" e
a realidade por ele explicada devem ser pensados como
historicamente datados, negando, portanto orientações que
pretendem considerar a "arte" como um fenômeno universal e
permanen te.
Esta afirmação não deve levar a interpretações a respeito
da capacidade humana criativa nem das necessidades de realiza-
ção plástica do ser humano, estas sim realidades permanentes
ao longo da história da humanidade e presentes na sociedade
contemporânea independente de condição social. O fenômeno da
criação plástica enquanto realização humano é universal e
Permanente como o próprio homem. A apropriação pelas elites,
has mais eficientes e adequadas produções plásticas, sob a
designaçã o de "arte". este sim é um processo recente na
história da humanidade e se realiza, na sociedade contemporâ-
nea. dentro de um conjunto de relações denominado Sistema das
Artes Plásticas.
*•* ~ As contribuições de Pierre Bourdieu e Howard 8. Becker
Para discutir melhor o conceito "sistema das artes" e a
realidade que ele abarca, podem ser utilizadas as
contribuições de Pierre Bourdieu e Howard Becker. Estes dois
autores analisam o mesmo objeto - as relações dos conjuntos
26
que envolvem tanto as etapas de produção como de circulação e
consumo. Desta forma, desmistifica o trabalho artístico como
uma unidade, fruto da atividade individual do artista e
enfatiza a importância daqueles que chama genericamente de
Pessoal de apoio. Com isto, coloca no horizonte da pesquisa,
permanentemente, a busca dos atores sociais envolvidos nos
Processos artísticos, redimensionando sua caracterização
tradicionalmente individualizada. Superando a visão
mistificadora do artista como gênio individual e único, Howard
Becker percebe e destaca as redes de cooperação que
Possibilitam a existência de determinados objetos e eventos,
befn como sua legitimidade artística em determinada sociedade.
Este tipo de encaminhamento aporta muitas contribuições, pois,
e,ir* seu trabalho de levantamento e análise dos mundos da
arte11, ele apresenta uma grande quantidade de referências
concretas ao funcionamento das cadeias de cooperação no âmbito
das artes plásticas.
Esta forma de encarar o objeto privilegia a cooperação
como elemento integrador das relações e desarticula o todo, na
mGdicia em que cada mundo pode ser tratado isoladamente. No
er>tanto, a idéia de que se possa dividir todos os processos
PUg em uma sociedade se denominam "arte" em mundos, conforme
as cadeias de coordenação que envolvam (fotografia, design,
cerâmica, arte oficial...) se afasta da concepção globalizante
Pue o conceito "sistema das artes plásticas" propõe.
11~~ ^ " ~ B®cker, Howard Les Mondes de L'art, Flamarion, Paris 1988.
27
Pierre Bourdieu apresenta uma abordagem diferenciada do
mesmo fenômeno, trabalhando com um conceito mais amplo e
generalizado, que define nas seguintes palavras: "Chamo de
campo um espaço de jogo, um campo de relações objetivas entre
indivíduos ou instituições que competem por um mesmo obje-
2 to' ■ Ele aplica o conceito "campo" na análise de vários se-
tores da atividade social, quais sejam: o campo religioso,
Político, cultural... Dentro do campo cultural, Bourdieu fala
do campo de produção erudita ou campo artístico. Ê importante
destacar que Pierre Bourdieu não descreve o funcionamento dos
campos, mas busca descobrir e evidenciar as estruturas
invisíveis, responsáveis por este funcionamento, levantando
seus princípios básicos de existência. Segundo Pierre
Bourdieu, "Os campos se apresentam à apreensão sincrônica como
espaços estruturados de posições (ou postas) cujas
Propriedades dependem das posições nestes espaços, podendo ser
<3na2iSt3das independentemente das características de seus
ocupantes em parte determinados por elas"13. Assim, o campo
uma estrutura que pode ser analisada independentemente das
características dos indivíduos nela atuantes e que até mesmo
interfere sobre eles, sendo, portanto, fundamental o estudo do
campo e não dos indivíduos, como tradicionalmente se faz em
artes plásticas. O estudo destas posições, destes postos e dos
Princípios de funcionamento desta estrutura apresenta uma
^tica desmascaradora e dessacralizante.
—
Bourdieu, Pierre. Questões de Sociologia. Rio de Janeiro. Marco Zero, 1983 p. 55.
13 Bourdieu, Pierre. op. cit. p. 155.
28
As observações de Bourdieu sobre as regras e princl pios
de funcionamento dos campos permitem afirmar que para ele os
elementos estruturadores do campo artístico são a luta pelo
poder e a crença no universo mágico da arte. Para ele não há
nenhum sistema que não funcione, pelo menos em parte, devido à
crenças, sejam elas quais forem. O universo da arte é para
ele, no mundo contemporâneo, o universo da crença. O autor
chega mesmo a afirmar que a sociologia da cultura é a
sociologia da religião de nossa época. A eficácia do trabalho
de Bourdieu está em desvendar as crenças que sustentam os
mecanismos que fundam o mundo social e, dentro deste, o campo
artí stico.
Cabe apontar, aqui, a grande diferença de sua posição em
relação a Howard S' Becker, uma vez que, para Bourdieu, o
elemento fundador do mundo social é a luta pelo poder e não a
cooperação. Para Pirre Bourdieu, em cada campo se encontra uma
luta entre o novo que está forçando sua entrada e promovendo,
para tal, alterações tanto na distribuição de posições, quanto
nas Próprias regras de atribuições destas posições, e aqueles
clUe, mais antigos no sistema estabelecido, nele são dominantes
e tentam defender suas posições, seu monopólio, excluindo as
Possibi1 idades de entrada do novo e de estabelecimento de
concorrência. Bourdieu apresenta, assim, como principia de
e>,istência de qualquer campo (do campo artístico também) as
es^ra*:^<3iâs de conservação desenvolvidas pelos dominantes para
Psrmanecer e as estratégias de subversão tentadas por aqueles
29
que, pretendendo entrar no jogo, querem a alteração das regras
a seu favor. O elemento básico de toda relação na sociedade
capitalista á, portanto, a dominação e a luta pelo poder, é a
sua forma de dinamismo. Neste sentido, Bourdieu opõe—se
frontalmente a Howard Becker, que destaca a cooperação como
elemento fundador dos diferentes mundos da arte e forma
de manutenção dos mesmos.
Considerando os mundos da arte como elementos
norteadores das atividades "artísticas", Howard S'Becker
analisa as condições de sua existência aplicando sua teoria da
rotulação (criada a partir do estudo dos comportamentos
marginais) aos mundos artísticos. O ponto central desta teoria
ê a constatação de que a rotulação dos desvios se organiza a
partir da criação de regras por um determinado grupo. O
desviante ê aquele a quem um rótulo foi aplicado, baseado em
um conjunto de regras e comportamentos, aceitos pelo grupo e
pelo próprio desviante. Em termos de arte, "artista" é aquele
a quem este rótulo foi aplicado com sucesso (rotulação aceita
socialmente) e "comportamento artístico" em uma sociedade, é
aquele rotulado como tal, a partir de um corpo de convenções.
0 fato, então, de ser artista depende muito mais de como as
demais pessoas reagem a esta rotulação do que a uma qualidade
intrínseca ao indivíduo rotulado. Assim como um comportamento
pode ser uma infração de regras em um contexto e não em outro
também um mesmo abjeto ou evento pode ser artístico em um
contexto e não em outro. Pode haver uma infração, quando
30
determinado ato é cometido por um indivíduo e não quando come-
tido por outro, um ato pode ser astístico, quando produzido
Por alguém e não quando produzido por outro. Generalizando no
nivel da arte, em resumo, se poderia dizer que determinada
ação é artística ou não, em parte, pela natureza do ato, mas
ero parte por aquilo que as pessoas pensam em relação a ela.
Assim, a arte não é uma qualidade que existe no próprio
comportamento, mas resulta da interação entre a pessoa que
comete o ato e aqueles que respondem a ele. Considerando-se a
teoria do desvio, pode-se afirmar que as convenções definem a
Poa1 idade artística e a condição de artista. Nos mundos da
arte, segundo Howard Becker, são portanto, as convenções que
determinam as possibilidades e os limites na produção,
circulação e consumo dos objetos e eventos considerados
artísticos. 0 autor não deixa, porém, de considerar a
transgressão destas regras nos processos de mudança e,
-lnc lusive, a possibilidade de serem criadas novas regras
(transgredindo, portanto, as existentes) e articuladas em
torno delas um conjunto de colaboradores: dá-se, assim a
Ç^nese de um novo mundo.
A imposição de regras, conforme Howard Becker corresponde
Poterminados valores vigentes para um grupo social.
r*ta-se, portanto, de uma questão de poder. Quando em uma
c:iedade existem vários mundos em disputa, a imposição de
e9ras vai corresponder à força poli tica e econômica que cada
31
um destes grupos possa ter14. A diferença na capacidade de
"fazer regras e aplicá-las expressa, essencialmente, diferentes
Qcaus de forças. Agueles grupos cujas posições sociais lhes
conferem armas e poder, são mais capazes de impor suas regras.
Ele afirma, ainda, que as regras criadas e mantidas pela
r°tulação não são universalmente aceitas; em vez disso, elas
constituem objeto de conflito e discordância, sendo parte dos
Processos políticos da sociedade.
Pierre Bourdieu, por sua vez, ao tratar da questão do
Poder, afirma: "é preciso que haja objetos de disputa e
Pessoas prontas para disputar o joçor dotadas de habitus' que
Apliquem no conhecimento e no reconhecimento das leis
inanentes do jogo, dos objetos de disputa etc..."**. Nesta
^irmação, além da idéia de disputa dentro do sistema, aparece
0 conceito "habitus" que é, de certa forma, fundamental à
compreensão de seu pensamento. Este conceito permite observar
05 comportamentos sociais não como imposições, uma vez que
^âbitus" é uma interiorização de regras sociais, estabelecen—
c'0 uroa orquestração da sociedade sem regente. Trata-se de uma
manifestação individual inconsciente das regras sociais
lntrojetadas. Isto se dá devido ao fato de que as mesmas são
aclquiridas desde a mais tenra idade, envolvendo, além da
fQrmação escolar. a formação familiar. As condições de
14 — — Howard Becker não aborda a questão do poder político e econômico em seu livro "Les mondes de Lart", onde trata especificamente a questão artística a não ser em relação âos poderes dentro dos próprios mundos (dos críticos), por exemplo. Mas se refere, embora de forma superficial, a esta
Pciestão no livro "Uma Teoria da ação coletiva", Rio de 15 Janeiro, Zahar, 1977.
0d- Clt. p.89.
32
existência dos indivíduos fazem com que ele absorva
normas e valores. Pode-se entender, assim, porque não há
necessidade, muitas vezes, de determinações evidentes, já que
elas são passadas de forma subliminar. Os indivíduos
Participantes de um campo artístico (quer como produtores,
difusores ou consumidores) trazem "habitus" decorrentes de sua
condição social, que lhes possibilitam o acesso ao campo e,
inclusive, determinam as posições que poderão ter dentro
deste. como o "habitus" é uma condição interna do indivíduo,
9^® se forma já no seio de sua família e prossegue através de
seus estudos escolares e outras experiências de vida, ele
está na base de toda diferenciação social; não é, portanto,
adquirido intencionalmente. A teoria do "habitus" possibilita
a constituição de uma ciência das práticas sociais em que se
escapa a alternativas de tipo finalista e mecanicista. Esta
teoria permite a compreensão das práticas humanas como
resultado de um funcionamento social regido por condições não
evidenciadas imediatamente.
Para Bourdieu, o "habitus" atua como forma de
1ncorp0ração capital, uma vez que o indivíduo recebe, por
SUâ Posição familiar, não só o capital econômico, sob forma de
recursas materiais, como também o capital social, na forma de
Um circulo de relações e o capital cultural, sob suas duas
emasj incorporado e objetivado. O capital cultural
lnCorporado é todo o conjunto de conhecimentos, informações e
iores que lhe permite, por exemplo, participar tanto como
33
produtor, quanto como consumidor artístico. Este capital
incorporado está embutido nas disposições inconscientes dos
indivíduos em relação às artes plásticas. O capital cultural
objetivado, por sua vez, se manifesta sob a forma de
propriedade de objetos, como livros, quadros, revistas e
também diplomas.
Assim para Pierre Bourdieu, na sociedade capitalista,
existem trés diferenciadas categorias de capitais: o capital
econômico, o social e o cultural. A propriedade destes
diferentes capitais é fundamental na luta pelo poder político.
As diferentes frações da classe dominante detém diferentes
Proporções de diferentes espécies de capital. A propriedade
de cada tipo específico de capital vai determinar uma
disposição particular em relação ao sistema das artes
Plásticas.
Considerando o capital econômico, suficiente e
^rretamente estudado por diferentes autores, principalmente
0s clássicos do materialismo histórico, Bourdieu dirige sua
atenção, com mais ênfase, aos espaços ainda a descoberto que
são o capital social e cultural. Em sua teoria, no entanto, a
importância do capital econômico como determinante dentro do
mundo capitalista não é descuidada, ao mesmo tempo em que
apresenta a possibilidade de conversão destes capitais entre
O capital econômico se converte em capital social que, por
sua vez, pode se converter em capital cultural e este ainda
34
pode se tornar também capital econômico. Aplicada ao sistema
das artes plásticas, esta teoria pode evidenciar o espaço de
c:irculação como a "bolsa de valores" destas conversões. Em uma
mostra inaugural, por exemplo, o capital cultural do artista
se converte em capital social (notas em jornais,
entrevistas...) e o capital econômico do comprador em capital
cultural (a obra adquirida). Além destas, muitas outras
conversões podem ser realizadas na circulação das obras e
acontecimentos artísticos.
A afirmação de Bourdieu de que a propriedade de
^^ferentes tipos de capital, bem como de diferentes proporções
destes capitais, estabelece um acesso hierarquizado aos
esquemas de pensamento da sociedade, pode ser relacionada com
a classificação que Howard Becker faz dos tipos básicos de
Pcodutores (artistas). Os quatro tipos de artistas por ele
enunciados correspondem a quatro possíveis origens sociais e
Poemas de relacionamento com o sistema das artes. A primeira
tipologia é formada pelos profissionais integrados, aqueles
due seguem corretamente as convenções já estabelecidas em
fiação ao fazer artístico, permanecendo restritos aos limites
c®0 seu público potencial e às situações consideradas
re5peitáveis. A segunda tipologia é a dos franco atiradores ou
marginais, aqueles que, transgredindo as convenções artísticas
^dentes, enfrentam sérias dificuldades para verem seu
tcabalho realizado e difundido. Estes, em geral, são ligados
âc> sistema das artes estabelecido (cursaram escola de artes ou
35
ateliers, freqüentam museus e galeria ...) foram treinados
nele e continuam de certa forma voltados para ele. Estes
artistas ou aspirantes não recusam todas as convenções, mas se
concentram na mudança de algumas destas. Seus trabalhos
inovadores, muitas vezes, acabam incorporados promovendo a
modernização das convensões. A terceira tipologia engloba os
artistas ingênuos ou naifs; estes, em geral, nunca tiveram
celações com o sistema das artes, (não fazem escola de arte
nem freqüentam o circuito artístico) sua habilidade foi obtida
P0r" outros meios (formação técnica ou autodidata
experimentalista) e são absorvidos pelo sistema a partir da
0rigina1 idade e expressividade de sua produção. O último tipo
^ o dos artistas populares; aqueles inseridos dentro de uma
Pcodução mais coletiva, despreocupados de sua condição
artística, seus trabalhos são considerados, pelo sistema, como
artesanato, sendo menos valorizados que os anteriores.
Nas duas primeiras tipologias, têm-se indivíduos com
Vasto capital cultural que lhes facilita, de certa forma, sua
integração no sistema, sendo que os marginais ou franco
Viradores, em geral, necessitam de um capital cultural
excedente que lhes permita questionar as normas
e5tabelecidas. Jã os dois tipos seguintes, (ingênuo ou naifs e
Populares) possuem um capital cultural mínimo, o suficiente
Pára a execução de seu trabalho, mas insuficiente para a
^-ntegraçâo no sistema das artes.
Dal, se conclui que esta abordagem pode explicar as
36
condições individuais a partir de suas origens sociais.
Torna-se, porém, necessário ir além, analisar as estruturas do
sistema das artes plásticas paralelamente às condições
individuais. Essas estruturas constituem uma ordem
institucional derivada da própria história das lutas travadas
para a sua permanência ou transformação. São heranças do
Passado que impõem aos indivíduos que têm acesso ao campo, à
movimentação e à luta dentro das condições dadas naquele
momento, ê preciso, portanto, conhecer a história do sistema,
e> para tal, abordar sua estrutura e funcionamento como
resultado e parte da história social em que está se
desenvolvendo, pois o sistema das artes faz parte dos
Processos de legitimação que se estabelecem dentro da
sociedade permanentemente.
Howard Becker, contribui para esta linha de análise com
seus estudos sobre os processos de formação dos diversos
mundos da arte; observa como a história do sistema é
utilizada na legitimação de novos mundos "... um mundo da arte
adata uma história tendente a demonstrar que, desde o seu
*-ní cio, ele produziu obras de valor e que uma evoluçõío lógica
induziu á sua filosofia atual que o coloca sem contestação
nnma posição de grande arte. Não esqueçamos que nos primeiras
Pompas de qualquer mundo da arte, uma multidão de pioneiros
^^^balhando a escala local realizaram obras extremamente
diversas. Os historiadores podem fazer uma triagem dentro do
d*-1® resta desta enorme acumulação para escrever uma história
37
que sustente a posição atuai do mundo da arte,/1<5-
Nesta afirmação, Howard Becker procura mostrar o peso da
história da arte sobre a evolução de um determinado mundo da
arte- No entanto, para compreender o sistema das artes como
uma globalidade, em que diversas tendências ou agrupamentos
participam de forma interligada na dinâmica de cooperação e,
fundamentalmente, de luta, é preciso pensar que esta história
não ê apenas de um mundo específico- Existe uma história da
arte já consagrada, na qual qualquer grupo para se legitimar
precisa se inserir e encontrar sua fundamentação. Se não
observarmos o processo histórico mais amplo, (história da
sociedade em que esta produção se insere) caimos na
tradicional história da arte que se presta a apresentar a
produção contemporânea como fruto da evolução de todas as
práticas artísticas da história da humanidade. Numa seleção
arbitrária, são escolhidas aquelas obras que podem servir de
ponto de apoio para a construção da identidade desta ou
daquela produção contemporânea- Neste processo de construir
uma história legitimadora, são deixadas de lado diversas
práticas plásticas, que poderão no entanto, ser incorporadas
nesta história, à medida em que as novas tendências artísticas
assim exigirem. Um exemplo típico é o trabalho de Jeronimus
Bosch, ao qual não era dada grande importância no período
acadêmico, e que foi retomado e revalorizado dentro do
movimento surrealista. Os integrantes do sistema das artes
ic> Becker, Howard S'. Les mondes de i art. p. 343.
38
plásticas lançam mão, portanto, como afirma Howard Becker, de
algumas obras que, produzidas ao longo da história da
humanidade, podem servir para a legitimação de sua produção
atual. É preciso lembrar que, paralelamente a todas estas
obras que se encontram tradicionalmente nos livros de história
das artes, houve uma ampla produção plástica que ficou
esquecida ou relegada na triagem feita pelos historiadores da
arte. O fato de serem ou não retomados tem mais a ver com o
papel que podem cumprir em relação ao sistema das artes em um
novo momento do que com seus méritos em seu tempo.
No que diz respeito às mudanças no sistema das artes,
ambos os autores, aqui considerados, percebem as estruturas
responsáveis pela "arte" não como uma determinação estática e
permanente, mas como resultado de constantes renovações.
Porém, a mudança é compreendida de forma diferenciada por
Pierre Bourdieu e Howard Becker.
Howard Becker destaca como elemento básico de seus mundos
arte a cooperação, e, mesmo reconhecendo em determinado
momento, a existência de vários mundos, trabalha com o
surgimento e desaparecimento de diferentes mundos isoladamen-
te. Rara ele, estas cadeias de cooperação (mundos) podem
surgir e desaparecer ao longo de um determinado tempo, segundo
«s circunstâncias de sua evolução e do desenvolvimento da
sociedade. Em seu livro, ele relata alguns casos, com o
objetivo específico de comprovar esta possibilidade, mas a
39
forma como ele compreende a mudança é insuficiente- Ele afirma
e busca comprovar com inúmeros exemplos, que a mudança é a
regra e a permanência da exceção, resultando daí apenas uma
troca de nomes. A mudança passa a ser a permanência, tão
contínua como fora até então considerada a permanência. Falta
a Howard Becker uma visão mais ampla, que permita perceber o
que desaparece e o que surge dentro de um mesmo processo
articuladamente e dentro do contexto social no qual este
processo está intimamente inserido. Quando analisa o percurso
do surgimento e desaparecimento de determinado mundo da arte,
Howard Becker trata este percurso isoladamente de todos os
demais percursos de outros mundos que lhe são contemporâneos.
Assim, ele enfatiza o trabalho coletivo em cada mundo da arte,
não tendo como preocupação o papel deste mundo dentro da
sociedade global em que está inserido. Sua orientação
metodológica é centralmente voltada para a mudança em cada
mundo, independentemente das relações deste mundo com outros
mundos e com a sociedade em geral, o que lhe impede de
explicar coerentemente os processos de mudança que ele observa
ocorrerem permanentemente no mundo das artes.
Pierre Bourdieu pelo contrário, apesar de abordar
diferentes campos, concebe um único campo das artes eruditas,
em um determinado momento; as disputas para ele não se dão
©ntre os campos, dentro do campo. Ele aponta a existência de
0bjetos de disputa e pessoas dispostas a disputar o jogo como
Principio básico de existência de um campo específico. De
40
certa forma, ele coloca como antagônicos os campos de produção
para produtores (arte erudita) e o campo de produção para
consumidores (indústria cultural). A este respeito, ele não
considera duas questões que são fundamentais em termos de
Brasil: o papel da arte popular e as interligações entre arte
erudita e cultura de massa.
Para Pierre Bourdieu a luta, ccmo base de toda relação
social, é o elemento que permite a atualização de cada campo.
Neste sentido, considera em sua análise as condições dadas: os
"habitus" dos indivíduos atuantes e a estrutura do campo,
resultado de sua história específica. A luta pela
transformação que promovem aqueles que querem se introduzir no
campo é o motor de renovação deste. A oposição entre o novo e
o consagrado, muda constantemente os conteúdos e objetos de
disputa, permanecendo o princípio de existência do campo. No
caso das artes plásticas este princípio é a distinção. A
mudança é, portanto, resultado da luta pelo monopólio da
distinção. E,a estrutura do campo á o resultado do conjunto de
forças dos agentes engajados nesta luta, ao mesmo tempo em que
é sempre ponto de partida para os comportamentos destinados a
transformá-la, estando assim, sempre em jogo.
Assim, a idéia de Howard Becker de que diferentes mundos
da arte, cada um deles constituído por uma cadeia de
cooperação, coexistem em um determinado período de tempo em
uma mesma sociedade, se completa com o princípio de luta por
41
hegemonia apontado por Pierre Bourdieu. Pode—se afirmar que
determinados grupos lutam por ser dominantes, hierarquizando
subalternamente os demais e, inclusive, muitas vezes, o
surgimento de uma nova cadeia de relações pode impulsionar o
desaparecimento de outra. Neste sentido, as lutas não são
individuais, mas de grupos (mundos ou cadeias de relações),
disputando a hegemonia de posições e controle das atribuições.
É preciso retomar esta questão observando que a luta,
encaminhada dentro dos limites colocados pelo próprio sistema,
garante sua renovação e conseqüente permanência. Podem
ocorrer mudanças que ultrapassem os limites suportados pelo
sistema, desarticulando—o. Este foi, por exemplo, o caso da
passagem do academicismo para o modernismo. No entanto, esta
luta não colocou em questão os elementos da própria dominação
cu1tura1.
Apesar das diferenças de abordagens, uma idéia básica
comum se evidencia nos estudos de Howard S' Becker e Pierre
Bourdieu: existe um conjunto de indivíduos e instituições em
interação na produção de bens culturais "artísticos"; esta
interação deve ser o objeto da História Social da Arte, e não
simplesmente das obras artísticas ou de outros elementos nela
integrados. A ênfase no sistema de relações ê um elemento
determinante no pensamento destes autores. No presente
trabalho, esta abordagem privilegia o sistema de relações
responsável pelas artes plásticas.
42
1.3 Uida pr*opo&tA d® abordagem do sistema das artes plásticas
Analisar as artes plásticas em determinado contexto,
utilizando o conceito de sistema das artes plásticas, exige
que se leve em consideração os limites do conceito, enquanto
metáfora das redes concretas de relações que constituem a
realidade estudada. No entanto, este conceito pode auxiliar a
compreensão do real, ao colocar em evidência suas estruturas
não aparentes. Não se pode, porém, descuidar de que o conceito
"sistema das artes plásticas" é somente um instrumento
teórico, sendo o objeto por ele abordado muito mais complexo e
contraditório.
Ao abordar as artes plásticas no Brasil, nos anos 60 e
70, deve-se considerá-las dentro de uma realidade
Internacional, buscando captar sua dinâmica e articulações, já
que o sistema das artes plásticas no Brasil está intimamente
re1 acionado com este sistema em outras nações.
Deve-se lembrar também que este sistema é uma estrutura
dinâmica que, como elemento de distinção das elites, se formou
e evoluiu dentro de um complexo mais amplo. Surgindo com o
desenvolvimento da burguesia, o sistema das artes plásticas
evoluiu ao longo da consolidação do capitalismo,
estruturando-se definitivamente no século XIX, quando esta
classe assumiu o nível internacional, o poder político. As
m'-«danças que se estabeleceram, portanto, no sistema das artes
43
Plásticas tem estreita relação com as mudanças da própria
sociedade. No mundo moderno e contemporâneo (ocidental), o que
se tem são mudanças parciais, que constituíram, pouco a pouco,
formas de renovação. Nesta situação, o novo passou a ser, na
sociedade de consumo, a garantia de permanência e da
continuidade da estrutura social capitalista. Esta
continuidade interessa aos grupos dominantes, que assim
garantem seus privilégios, também através da renovação
constante dos signos de distinção, entre eles o sistema das
artes plásticas. Isto determina a necessidade de constante
renovação do sistema evitando a apropriação dos códigos pelo
grosso da população o que determinaria sua dessacralização e
Perda de status. A renovação permanente responde portanto às
exiqências da sociedade de consumo em seu constante atualizar—
~se mas também às necessidades de renovação para manter—se
fora do consumo generalizado.
Este processo, porém, não é uma farsa premeditada como
Poderia parecer. Ele se realiza a partir de um referencial dos
integrantes do sistema das artes plásticas, que agem segundo
seus "habitus", decorrentes das suas posições sociais e também
das posições que detêm na estrutura do sistema. 0 processo de
construção de uma história da arte legitimadora, é todo ele
Permeado pela introjeção que os integrantes do sistema fazem
de seu papel. Eles acreditam que realmente a arte moderna
resulta de uma evolução histórica da humanidade, sentindo-se
herdeiros e continuadores desta produção especializada.
44
A classe dominante, em seus diversos segmentos, conside-
rã-se a detentora de todos os bens produzidos pela humanidade
em sua evolução, e, assim também, herdeira legítima desta
herança artística. A fração institucionalizada das práticas
Plásticas tem, portanto, sua existência determinada e
garantida pelo sistema das artes do qual participam
fundamentalmente indivíduos das classes dominantes ou a esta
servindo.
Este sistema tem uma estrutura que é resultado da
história de suas lutas internas, sendo também princípio e
condição das novas lutas que se estabelecerem. Pode-se
compreender o funcionamento deste sistema como resultado dos
habitus" introjetados de seus participantes e das
Possibilidades destes dentro da evolução de uma estrutura pré—
ostabelecida, na qual poderão ocupar determinadas posições.
Este processo ocorre de acordo com um mecanismo pré-
estabelecido socialmente; os elementos que dele participam
oele se reconhecem, sem que se possa identificar um plano
oonsciente e previamente combinado ou planejado. Assim, os
integrantes do sistema das artes, mesmo articulados dominante-
mente em um mercado de arte, possuem uma representação muito
Particular de suas práticas. Consideram-nas irredutíveis ao
simpies estatuto de mercadoria, defendendo uma a singularidade
SuPerior da condição artística. Uma dupla condição que é
garantida por um sistema das artes plásticas organizado, e
^Paz de garantir a distinção deste círculo restrito de
45
©spec ia1istas.
o sistema das artes plásticas é formado, no caso
específico do presente trabalho, identifica-se com o seguinte
eonjunto de indivíduos e instituições em interação: artistas,
crlticos, marchands, professores de arte e administradores
atuando em instituições como museus, galerias, bienais,
salões, escolas de arte, e espaços específicos nos meios de
comunicação de massa.
Neste conjunto destaca-se a figura do artista que, no
mundo contemporâneo, expressa de certa forma a aspiração
generaliza da de sair do anonimato, a busca de
nclividual ização dentro da sociedade de massas. O fenômeno do
tista como "ser" original e único, que caracteriza tão
octemente nossa sociedade, é correlato à despersonalização e
mâssificação da maioria dos indivíduos. A individualidade
levada ao extremo sob a rotulação de "artista" é o contraponto
à Massificação que corresponde à maior parte da população. O
ârtista passou a ser aquele que torna algo "arte", dando-lhe
Uma esPécie de selo de autenticidade com uma assinatura.
Dentro do sistema, se definem os atributos e elegem as pessoas
Pazes de desempenhar as atividades especiais que se
classificam c orno "ar tísticas". Assim, dentro do sistema das
â f" es plásticas, se estabelece, de determinada maneira, os
^utos que correspondem aos artistas e os mecanismos que
PQssibi1itarão estas escolhas. 0 que é preciso ter claro é que
i 46
alguns atos marcarão pessoas como artistas dentro de um grupo
em um determinado momento; portanto, esta "rotulação" é certo
tipo de consenso e corresponde a valores sociais. Compreender
como se dá esta rotulação a nível das artes plásticas exige
j que se tome o conceito sistema das artes na sociedade i
capitalista contemporânea como referente a um "espaço da
arte", sujeito à demandas sociais políticas e econômicas, mas
dotado de uma história, de uma lógica e, principalmente, de
uma estrutura própria.
A estrutura responsável por esta rotulação-legitimação dá
especial relévo ao papel do crítico, como difusor de
determinadas correntes artísticas ou produções. Sua atuação
nos meios de comunicação especializados e de massa
(principalmente revistas e jornais) garante a realização desta
tarefa, além de lhes possibilitar estabelecer distinções entre
o que é e o que não é arte, para o grosso da população. A
■análise dos discursos estéticos publicados evidencia os
valores e os interesses defendidos e a adaptação que realizam
das teorias estéticas á realidade da produção artística. A
importância de sua atuação aumenta nos momentos de disputa
entre tendências estéticas diferenciadas dentro do sistema das
artes. No caso das disputas entre as vanguardas e as produções
Já consagradas o apoio de críticos e sua defesa em jornais e
revistas além da própria promoções de eventos (Como o caso dos
Domingos da Criação" de Frederico de Morais) foram decisivas
Para a disseminação dos movimentos.
Os administradores culturais (diretores de
museus,secretários culturais, membros de conselhos consultivos
etc..), em relação à legitimação, têm atuação paralela à do
crítico. Sua representatividade não está na ligação com os
meios de comunicação social, mas com as instituições que
administram. Seus poderes no sistema são proporcionais ao da
instituição a que estão ligados; no entanto, pelas suas
atuações, podem ter influências transformadoras nas
tuições que administram. Indivíduos ligados a
determinadas tendências, quando colocados em instituições
importantes do sistema, podem influenciar na legitimação
destas tendências.
Já os marchands são indivíduos ligados preponderantemente
ao mercado de arte, sendo muito mais administradores
econômicos do que culturais; no entanto, quando é fraca
atuação da crítica e das instituições especializadas, o
marchand também atua como administrador cultural, promovendo
eventos e difundindo movimentos e produtores. Sua ação
cultural, no entanto, sofre reflexos de interesses econômicos,
uma vez que as galerias são, antes de mais nada, empreendimen-
tos destinados ao lucro.
Quanto ás instituições, é importante verificar o peso de
Cada uma dentro da sociedade, considerando, inclusive, sua
história específica. Esta história determina as estruturas
internas das instituições e os limites de sua atuação. A
48
relação das instituições com os indivíduos (artistas,
críticos, marchands etc.) é fundamental, na medida em que é
Pela atuação destes que as instituições evoluem. Muitas vezes,
determinada instituição altera sua orientação pela ação de um
novo administrador, que representa novos interesses sociais.
Mas deve-se considerar que estas instituições são, antes de
mais nada, espaços de poder e, portanto, objetos de disputas
dentro do sistema.
Concluindo estas considerações, cabe indicar que a
existência de um sistema das artes plásticas torna-se eviden-
te, na medida em que se pode constatar a eficiência com que um
conjunto de indivíduos e instituições em interação "rotulam"
determinados objetos e eventos como artísticos e obtêm para
eles o reconhecimento consensual da sociedade em que estão
inseridos. É fundamental, portanto, identificar os mecanismos
responsáveis pela eficiência desta rotulação, bem como seu
significado social.
Para a compreensão de seu significado social deve-se
lembrar as palavras de Antonio Gramsci "Uma. das mais marcantes
características de todo grupo social que se desenvolve no
sentido do domínio é sua luta pela assimilação e pela
conquista ideológica' dos intelectuais tradicionais,
assimilação e conquista que são tão mais rápidas e eficazes
quanto mais o grupo em questão elaborar simultaneamente seus
49
i Próprios intelectuais orgânicos"1'7 .
; Nesta perspectiva, os integrantes de um sistema das artes
plástic as, como intelectuais têm suas ligações com os setores
sociais em luta pelo poder na sociedade. Portanto, a análise
do sistema das artes plásticas exige compreensão do papel dos
indivíduos nele integrados enquanto intelectuais dentro da
) sociedade e a compreensão deste sistema como instrumento de
dominação, simbólica, sendo, assim, objeto de disputa entre
j diferentes classes e segmentos de classe. A condição de
j intelectuais (com privilégios em relação aos produtores
^anuais, na sociedade contemporânea) de que desfrutam os
integrantes do sistema das artes plásticas é garantida por seu
capital cultural. Este capital que, ainda que subordinado ao
capital econômico no mundo capitalista, é, por si só, um
elemento de poder. As relações e disputas que se estabelecem
entre indivíduos portadores dominantemente de capitais
culturais, econômicos e sociais podem ser observadas no
funcionamento do sistema das artes plásticas.
Como o sistema tem uma estrutura já herdada, de momentos
históricos anteriores, com um corpo de indivíduos atuantes,
estes podem ser pensados como intelectuais tradicionais, e os
intelectuais em luta, para penetrar no sistema e modificá-lo,
podem ser considerados intelectuais orgânicos dos novos grupos
Gramsci, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1978, p.
50
sociais que buscam o poder político. A disputa pelo poder
dentro do sistema das artes plásticas pode ser tratada, assim,
como parte da estratégia de construção de hegemonia dos grupos
dominantes mas também dos que buscam ser dominantes em uma
sociedade. Os capitais de que dipSem aqueles que disputam
espaços no sistema das artes plásticas define suas posições e
possibilidades de atuação.
A problemática que se coloca ao presente trabalho é
comprovar, em nível da realidade empírica a existência do
sistema das artes plásticas. Identificar as lutas no seu
interior e a relação destas com o processo histórico porque
passa o pais nas décadas de 60 e 70.
2 - AS PRATICAS ARTÍSTICAS NO BRASIL NOS ANOS 60/70
"Existe u/na cultura brasileira porque existe
uma histórià aue se desenrola dentro dos
limites geográficos do país, sob condições
econômicas, políticas, administrativas e
culturais específicas. Ela tanto é produzida
pelo povo analfabeto como pelas camadas
alfabetizadas e pelas elites intelectuais, é um
produto ideologicamente confuso e
contraditório, marcado na maioria dos casos
pela alienarão cultural e política em que vivem
as grandes massas populares, e não só elas"
Ferreira Gullar
2.1 - Tendências das práticas artísticas no Brasil
Na realidade empírica, o sistema das artes plásticas,
mesmo apresentando especificidade, encontra-se integrado ao
conjunto das práticas artísticas. As práticas artísticas
constituem um universo particular das práticas simbólicas, no
qoal a ree1aboração e representação da realidade se faz
através do uso de um coniuntn rte sinnos oroanizados em uma
linguagem, pressupondo o conhecimento por parte do grupo de
produtores e consumidores de signos e códigos que lhe são
próprios. Práticas estas controladas socialmente por uma
52
elite, através de determinadas estruturas historicamente
articuladas. Em princípio, cada modalidade de prática
artística (teatro, cinema, música, literatura-..) constitui um
sistema específico, assim como as artes plásticas. No presente
estudo, não há possibilidade de abordar cada um destes
sistemas individualmente. Assim, o que se pretende neste
capítulo é destacar algumas considerações básicas, em relação
^s práticas artísticas no Brasil, em qeral, e analisar como ao
longo dos anos 60 e 70 se configurou o panorama das práticas
artísticas. Desta forma, tendo-se uma visão geral dos
diferentes setores artísticos. entre os quais constatam—se
tendências comuns, se poderá observar com maior clareza as
especifieidades do sistema das artes plásticas.
A primeira consideração em relação às práticas artísticas
à a constatação da existência de intelectuais que produzem
eventos e objetos. De uma maneira ou de outra, o "artístico"
(considerado aqui como categoria definida historicamente por
uma sociedade) é sempre resultado da administração da cultura
exercida por um grupo de intelectuais especializados. Os
intelectuais constituem, segundo Pierre Bourdieu, uma fração
dominada da classe dominante. Isto porque o capital que detêm
basicamente,o cultural e, na sociedade capitalista,o
capital econômico subordina os demais. No Brasil, a origem dos
intelectuais foi tradicionalmente de extratos da classe
dominante. No entanto, a evolução das possibilidades do
m©rcada de trabalho na área artística, através de três
53
alternativas: das instituições culturais dependentes de grupos
de elite; do mercado oferecido pela indústria cultural e do
serviço artístico público ou subvencionado pelo Estado,
favoreceu a formação de um contingente de profissionais das
artes, oriundos de diferentes classes sociais1.
Considerando que as práticas artísticas em sua evolução
contemporânea envolvem um staf considerável de especialistas
em funções articuladas e hierarquizadas, tende a se
estabelecer dentro do próprio setor artístico uma
diferenciação social. Esta diferenciação favorece a
representação de diferentes interesses de classe social nesse
fazer específico. Ainda que, na maioria das vezes, os
indivíduos originários dos extratos sociais mais pobres
encontrem no trabalho artístico um meio de ascensão social, em
momentos de avanço dos movimentos populares, estas origens,
muitas vezes, são retomadas, principalmente porque dentro do
Próprio ambiente mantêm-se as diferenças sociais e os
Privilégios das elites, o que gera contradições. Isto leva os
indivíduos a lutarem por seus interesses dentro do seu setor
Profissional, identificando-se com os interesses de
determinada classe. Assim, o papel ideológico que as práticas
Miceli Sérgio em Intelectuais e Classe Dirigente na Brasil. Rio de Jeneiro, Difel, 1979. Analisa a formação destas
alternativas de mercado de trabalho no período de 20 a 45 considerando os intelectuais em geral e não especificamente os das áreas artísticas. Suas conclusões sobre as
Possibilidades que se abrem nestas três direções apontam Para a expansão progressiva que vem até os dias atuais, com
variações somente quanto ao peso que cada uma destas Possibilidades terá de acordo com as variações econômicas e políticas da sociedade brasileira.
54
artísticas desempenham na sociedade depende primordialmente da
expectativa de classe dos indivíduos que participam na
produção e difusão dos produtos artísticos a partir dos
conflitos sociais do meio em que se encontram, nos quais os
setores populares lutam por maior participação. Na sociedade
brasileira, onde a maioria dos indivíduos está à margem de
quase todas as decisões políticas e onde suas chances de
acesso aos bens produzidos socialmente são mínimas, as
possibilidades de alteração, na dinâmica elitista de produção,
difusão e consumo das artes, também são bastante restritas. Ao
mesmo tempo, porém, as práticas artísticas têm intensa
penetração na população de baixo nível cultural, (música,
teatro, cinema são linguagens de fácil absorção que envolvem
audição, recursos visuais, mobilização espacial e outros
efeitos já bastante conhecidos das elites em termos de
manipulação social). Por isto, a indústria cultural no Brasil
incorpora, principalmente através da TV, a maioria das
Práticas artísticas, tornando a análise de Bourdieu, que
separa o campo cultural erudito do campo da cultura de massas,
bastante impróprio para a análise das questões culturais no
Pai s.
Ainda que possam ser identificadas práticas artísticas
mais eruditas (em geral as consideradas "verdadeiramente
artísticas"), mais herméticas, intelectualizadas e exigindo um
c:onjunto de conhecimentos para sua apropriação que não estão
ao alcance do grosso da população, muitas destas práticas das
55
elites são difundidas através dos meios de comunicação de
massa. Na cultura de massa, então, é possível encontrar, por
um lado, muito das artes de elite (o melhor do teatro
brasileiro está nas telenovelas, o melhor da música se
apresenta em shows para grandes públicos) e também, por outro
lado, muito da chamada arte popular (música sertaneja é
apresentada em programação de rádio e TV e o carnaval é o
grande show dos meios de comunicação de massa ao longo do més
de fevereiro).
É preciso considerar ainda, como faz Néstor Garcia
Canclini, que "o capitalismo, sobretudo o capitalismo
dependente... não precisa eliminar as culturas populares/ ao
contráriof ele inclusive se apropria delas Com a finalidade
de integrar as nnnulares ao desenvolvimento
capitalista... reorganizando-as num sistema unificado de
Produção simbál ica"2 .
As práticas artísticas evidenciam, por um lado, as
disputas entre os diferentes segmentos de classe dominante
Pelo controle das estruturas de produção, difusão e consumo
destas práticas; por outro, evidenciam a utilização, por parte
desta elites de elementos dos universos simbólicos populares.
Utilização que é feita descontextualizando e ressignificando
os elementos destes universos, reordenando-os em um sistema
simbólico abrangente de toda a sociedade. No caso brasileiro,
a indústria cultural é a maior responsável por este processo.
56
Uma boa parte destes universos populares, no entanto, ficam à
margem desta cooptação, uma vez que não se desenvolvem só sob
o domínio da burguesia, mas em muitos casos em oposição à
este.Mesmo que muitas práticas populares não cheguem atingir o
rol das práticas artísticas, elas permanecem vivas, ainda que
restritas aos pequenos grupos de seus produtores e
consumidores. Se não desaparecem, também não se expandem para
outros grupos, porque os setores subalternos não dispõem de
roeios de difusão que lhes permitam ampliar o consumo de seus
Produtos. Algumas destas práticas são muitas vezes apropriadas
por segmentos de elite e incorporadas às práticas artísticas.
^ criatividade e a espontaneidade destas atividades populares
s3o alguns dos motivos que estimulam esta apropriação, assim
como a necessidade da indústria cultural de permanente
renovação e seu interesse de penetração popular para domínio
ideológico.
As práticas artísticas desempenham, portanto, dois
importantes papéis em termos de lutas pelo poder dentro da
sociedade brasileira. Primeiro o de legitimarem a
superioridade das elites face à maioria da população. Segundo
o de servirem de instrumento para manipulações ideológicas que
visam manter as estruturas de dominação, quando incorporadas
Pela indústria cultural.
Canclini, Néstor Gárcia. (As Culturas Populares Capitalismo. São Paulo, Brasiliense, 1983, p. 13.
57
Segundo Antonio Gramsci, "Uma das mais marcantes caracte—
ri-sticas de todo grupo social que se desenvolve no sentido do
domínio é sua luta pela assimilação e pela conquista
ideológica' dos intelectuais tradicionaisr assimilação e
conquista que são tão mais rápidas e eficazes quanto mais o
grupo em questão elaborar simultâneamente seus próprios
intelectuais orgânicos"3.
Esta afirmação que se estende aos intelectuais em geral,
pode ser observada de maneira mais especifica em relação
aos intelectuais dos setores artísticos. Estes, articulados
através de uma linguagem de seu uso comum, aparentemente à
fnargem das disputas sociais e políticas, também se incorporam
na construção das novas hegemonias. Pensar nestes
Participantes das atividades artísticas como intelectuais
tradicionais, é uma primeira possibilidade de descobrir como
elaboram os novos intelectuais orgânicos, referidas por
Gramsci. Como as práticas artísticas, para sua realização
(produção e difusão), contam com uma estrutura já herdada, que
Se transforma para responder às demandas externas, os
individuos atuantes nesta estrutura pré existente podem ser
considerados intelectuais tradicionais (ou profissionais
integrados como observa Howard Becker). Eles respondem às
e>:igéncias das classes dominantes, anteriormente hegemônicas,
apresentando como fórmulas de sua linguagem os valores aceitos
~
Gramsci, Antonio. Os Intelectuais e a Organização da Cultura. Rio de Janeiro,Civi1ização Brasileira, 1978,p.9.
e aprovados em momentos anteriores. A disputa de poder dentro
destas estruturas podem, portanto, ser pensados como ação de
intelectuais orgânicos dos novos grupos em ascensão,
penetrando nas práticas artísticas e modificando suas formas
de produção, difusão e os valores nelas implícitos. Isto
porque o próprio campo das práticas artísticas é um
instrumento de dominação simbólica. Ê um espaço de disputas
sociais não só por posiçSes dentro dele, mas por influência da
sua ação dentro da sociedade. Estes dois níveis de disputa
torna complexo os processos de legitimação que são, no fundo,
os objetos destas disputas. Legitimação das competências em
termos de representação simbólica que referenda o poder
Político de classes sociais. Estas disputas que aparentemente
poderiam ser analisada como estratégias de subversão e
estratégias de conservação referidas a indivíduos, na verdade,
são manifestações sociais embutidas em ações particularizadas.
Fazem parte das estratégias de hegemonia dos grupos sociais
dominantes na sociedade e daqueles que buscam construir uma
nova hegemonia.
Um dos aspectos que mais se destaca no campo das artes é
o empenho em ocultar ou pelo menos negar as disputas sociais
nele envolvidas. Um dos maiores problemas para o pesquisador
social nesta área é superar as barreiras deste aparente
caráter supra-social das práticas artísticas. No Brasil, um
dos raros momentos em que se apresenta bastante evidente esta
Problemática são nos anos 60, quando ações como a do CPC, dos
59
grupos Arena e Oficina, da música de protesto, inauguram uma
nova forma de pensar e atuar na área artística, que leva em
consideração sua ação na luta de classes. Por isto, o presente
trabalho elegeu este período como um momento privilegiado para
o estudo desta problemática.
A segunda consideração básica a fazer para a compreensão
das práticas artísticas no Brasil e a identificação da
condição do país como região periférica em que a elite,
responsável pela administração deste conjunto específico de
práticas simbólicas, é um segmento, não hegemônico, da
burguesia internacional. A compreensão das práticas artísticas
no Brasil passa, portanto, pela consideração do caráter
internacional dependente de sua classe dominante.
Nesse sentido, cumpre lembrar que o próprio conceito
"arte" surgiu no bojo da evolução do mundo moderno, na
transição do feudalismo para o capitalismo, dentro de um
processo de expansão de que o Brasil participou na condição de
colonizado. O sistema das artes das elites européias, no mundo
moderno, se organizou paralelamente, e em íntima relação, com
a construção das identidades nacionais. As classes dominantes
utilizaram as artes literárias, músicais, plásticas, etc., nas
suas formações nacionalistas. Foram estes Estados Nacionais
que empreenderam a expansão colonial, realizando seu
bomínio nesta expansão também através de seus sistemas
artlsticos. Além da dominação econômica imposta ao mundo
60
colonial, os colonizadores impuseram sua identidade artística,
como forma de dominação simbólica.
A estética barroca (tendo nela inseridos elementos do
pensamento e da estética renascentista), foi a primeira forma
de hegemonia artística internacional no mundo moderno. A
igreja e o estado, juntas, realizaram um trabalho de violência
simbólica em relação a todos os povos colonizados, impondo
seus valores e padrões. Este foi um dos recursos utilizados na
ordenação do mundo, segundo a ótica das classes dominantes
européias, imposta a partir da expansão colonialista. No
entanto, se por um lado, houve uma imposição de auto-negação
das práticas locais e tradicionais, por outro se desenvolveu
uma reação subterrânea que pode ser observada nos inúmeros
sincretismos da cultura latino americana.
No caso do Brasil, a obra do Aleijadinho evidencia um
pouco deste sincretismo, também presente de forma bem mais
forte na santeria popular.
Nos países periféricos, a arte foi introduzida, portanto,
como um instrumento de dominação, uma imposição dos
colonizadores sobre os colonizados. Esta situação sofre
alterações ao longo do processo histórico em que, de
colonizados, estes países passam a estados nacionais.
Observa-se, no entanto, uma continuada ordem internacional em
que se estabelecem cadeias de dependência, sempre com
61
profundas repercussões nas práticas artísticas. Isto porque os
diversos circuitos artísticos são controlados por elites
*oc:ais, associadas à burguesia internacional.
O capitalismo em sua fase atual, monopolista, não mais se
restringe a um ou outro país, mas caracteriza-se por uma
articulação internacional. Nesta, estão inseridos todos os
Países do mundo capitalista, alguns como pólos hegemônicos e
outros, como o Brasil, em condições de periféricos. A partir
desta ordenação econômica, as práticas artísticas também se
encontram sob influência estética dos grandes centros
internacionais. No entanto, certa absorção de elementos
simbólicos das regiões periféricas nestes modelos
internacionais, se faz necessária, como forma de renovação e
como meio para melhor atuar, permitindo a articulação com os
segmentos regionais, gerando a legitimação desta ordem
internacional, na qual estão engajados os setores dominantes
locais.
A terceira consideração básica para o estudo das artes no
Brasil refere—se à atuação do Estado. Para compreender melhor
0 Papel do Estado no Brasil, podemos recorrer a Alain Rouquier
Poe afirma:
"Podemos, desta forma, precisar determinadas
particularidades do desenvolvimento do Estado
da América Latina... O Estado é primeiramente,
pode ri amos inclusive dizer, desde o período
colonial em que ainda não se havia formado o
62
Estada, a lugar das transações, das negociações
entre as grupos de proprietárias locais e as
burguesias estrangeiras. Nesse sentido, podemos
afirmar, paradoxalmente, que o Estado das
sociedades dependentes é um Estado
relativamente independente dos interesses
setoriais internos... o Estado, além de outras
funções, procura em todos os casos, mas em
graus e modos diversas, harmonizar os
interesses divergentes das várias classes
privilegiadas. Nestes países é raro - ou pelo
menos mais raro que em outros lugares - que o
Estado seja o instrumento de uma fração das
classes dominantes. E sua margem de manobras é
relativamente ampla... O equilíbrio dinâmico
entre as burguesias internas e externas no seio
do Estado continua não apenas conflitante mas
eminentemente precário... o aparelho do Estado
é o único em condições de arbitrar, ou seja, de
assumir a direção da soeiedade e de proceder ás
modif icações que nenhuma força social pode
assegurar
Em decorrência desta condição, o Estado, no Brasil, tem
atuado em relação às práticas artísticas, como em relação a
0,-itras práticas, como árbitro de interesses divergentes dos
^ánios segmentos de classe em disputa.
0 aparelho de Estado, através de seus segmentos
especia 1izados na área artística, arbitra as mais diversas
disputas, com uma autoridade que nenhum grupo social pode
Rouquier Alain - O Estado Militar na América Latina. São Paulo, Alfa - Omega 1984, p.51-2.
63
deter isoladamente. Com relativa independência dos interesses
setoriais internos, tem uma interferência permanente em
relação às práticas artísticas, apoiando ou reprimindo esta ou
aquela tendência de acordo com os interesses dos grupos mais
"fortemente representados no poder. Na medida em que detém as
condições de arbítrio em nível econômico e social, exerce esta
função também na área artística. O que explica a existência de
várias instituições públicas destinadas ao gerenciamento e
apoio às práticas artísticas, em interrelação, e muitas vezes
se sobrepondo em sua atuação, como é o caso das secretarias de
cultura estadual e municipal, ministérios de cultura e
conselho cultural do Itamaraty. Além disto, várias
instituições artísticas, embora gerenciadas como sociedades
Particulares, contam basicamente com o apoio estatal para sua
sobrevivência. É, portanto, a função de harmonizar interesses
divergentes das várias elites que concorre para que a ação do
Estado no que diz respeito às práticas artísticas tenha muitas
vezes um caráter oscilante aparentemente contraditório.
A verdade é que o Estado tem desempenhado
tradicionalmente no país o papel de mecenas, inaugurado com a
vinda da família real portuguesa e a criação da Academia Real
c,e Belas Arte. Este mecenato favoreceu a manutenção de
Pcáticas artísticas de consumo restrito e a conservação de
objetos e monumentos que testemunham um passado heróico de sua
e^i-te. O Estado assumiu ainda o compromisso de manter viva a
memória nacional (documentos que preservam glórias e poder),
64
utilizando-a na construção de uma identidade. Desempenha assim
a tarefa de unificador simbólico (idéia de nação) que os
diversos segmentos de classe dominante não conseguem realizar
isoladamente, mas que é fundamental em termos de controle
Popular na sociedade contemporânea.
No entanto, é preciso lembrar que os intelectuais
atuantes nos aparelhos culturais do Estado, por suas condições
de existência, muitas vezes se identificam com os setores
Populares. Isto possibilita que ocasionalmente se evidenciem
atuações identificadas com os interesses e as demandas dos
segmentos silenciados da sociedade. As possibilidades de
atuação destes intelectuais, valorizando as práticas
simbólicas populares e atendendo às exigências de
democratização da participação na produção e consumo de bens
culturais, estão também sujeitas ao espaço aberto pelas
disputas dos segmentos das elites entre si.
Nos momentos em que diferentes grupos das elites disputam
mais acirradamente o controle dos aparelhos do Estado, se
torna mais evidente a emergência dos segmentos populares. Nas
brechas que se abrem no elitismo cultural, pode se detectar a
evoluçâo dos grupos subalternos em busca de maior participa-
rão. Exemplos disto foram vários movimentos culturais dos anos
60.
Nas últimas décadas, na área cultural e estatal, segundo
65
Sérgio Miceli, duas tendências bem definidas têm dividido as
opiniões e ações dos órgãos públicos: a concorrente
Patrimonial e a executiva. A primeira está voltada à
conservação de monumentos históricos, ou seja, à conservação e
restauração de prédios ou conjuntos arquitetônicos. A segunda
apoia a difusão de produções artísticas, executando projetos
voltados principalmente ao fomento de práticas menos aceitas
pelo mercado, mais elitistas ou de altos custos e pouca
rentabilidade.
Sobre as disputas entre estas duas tendências da ação
estatal na área cultural Miceli assim se refere:
"Os sucessivos remanejamentas dos órgãos de
cúpula do MEC, incumbidos de direcionar a
intervenção na área culturalf expressam não
apenas os conflitos de interesses entre as
vertentes patrimonial' e executiva't mas
também prenunciam a progressiva diferenciação
organizacional, política e doutrinária da
vertente cultural em seu conjuntof quer no
âmbito do próprio MEC, quer ao nível dos
governos estaduais e municipais ou da •5
iniciativa privada" .
Podem ser melhor compreendidas estas divergências se
observadas as colocações de Alain Rouquier sobre as relações
das classes dominantes com o Estado na América Latina e
Miceli Sérgio. Estado e Cultura no Brasil. São Paulo, Difel. 1984, p. 59.
66
retomadas as observações iniciais deste texto sobre a condição
de classes dos intelectuais.
A progressiva diferenciação da vertente cultural, em seu
conjunto, corresponde, ainda, à importância gue as práticas
•artísticas (pensadas dentro de um quadro da cultura) passaram
a ter para o Estado a partir da expansão da indústria
cultural; processo que no Brasil se desenvolve a partir de
, evidenciando as íntifnas ligações do Estado com os meios
de comunicação de massas, mas que apresenta preocupações
organizadas de intervenção estatal a partir da década de 70.
Em diversos momentos da cultura Brasileira, a atuação do
Estado em relação às práticas artísticas foi basicamente de
controle, o qual era exercido tanto por meio da repressão e da
censura como do apoio e subvenção. O uso destes meios variava
de acordo com o caráter mais ou menos autoritário que o Estado
tinha em determinado momento. Repressão e censura, por
exemplo, tiveram importante vigência no Estado Novo e no
PerlotjQ de 68 a 73. A censura pode se realizar diretamente com
ócgãos como o DIP e a Censura Federal ou, pode ser mais
subliminar, como através de controle do papel para a imprensa
e controle da publicidade estatal para determinados veículos
c'e comunicação não identificados com as políticas do poder
estabelecido.
Os incentivos podem também ser diretos ao produtor ou
67
indiretos, através de instituições que os repassam. Encontram-
~se dentro do aparelho de Estado, portanto, uma série de
órgãos e instituições responsáveis pela administração das
Práticas artísticas, pertencentes, inclusive, a diferentes
instâncias da administração federal estatal ou municipal. O
apoio material e institucional que cada tipo de prática recebe
da administração estatal é proporcional ao poder poli tico e
social de setores das elites ligados a cada tipo específico de
Produto artístico, junto a cada instância estatal. E a
sobreposição de atividades da esfera estatal, muitas vezes,
corresponde a tratativas, visando atender a interesses
conflitantes dos diferentes setores de classe dominante ou
também à gerências diversificadas em nível municipal, estadual
Qu federa1.
Howard BecRer*5 ao tratar das relações do Estado com a
arte, fixa sua atenção em dois tipos de modelos de atuação,
segundo os quais o Estado pode encaminhar sua política
cultural. Um, mais centralizado, favorecendo as produções
qualificadas e atualizadas dos grandes centros identificados
com os modelos internacionais avançados. Esta é a política
cultural que Howard Becker denomina de "política de
democratização", em que o Estado atua no sentido de estender
0 consumo destas produções a maior parte da população. Esta
difusão de bens artísticos, no entanto, pode ser falsamente
o Becker, Howard. op. cit.
68
democrática, uma vez que, quando a população pode
assimilá-las, a elite já não mais os qualifica como arte,
passando às novas produções mais atualizadas. Além disso, os
elementos necessários à fruição deste tipo de arte
internacionalizada, são muito mais complexos do que aqueles
que o Estado pode dispor para distribuição à população em
geral, principalmente em países como o Brasil. O discurso de
elevar o padrão cultural da produção oculta a verdadeira
atuação do estado: proteger produções vanguardistas de difícil
aceitação do público, sustentando verdadeiros laboratórios
experimentais, que poderão posteriormente ser absorvidos pelo
mercado. A segunda opção do Estado, segundo Howard Becker, é a
descentralização, apoiando pólos regionais, dentro de uma
Política que ele denomina "democracia cultural". Q Estado se
volta, neste caso, às manifestações menos elitistas, mais
tradicionais ou populares, fortalecendo pólos regionais e
valorizando os elementos locais. Não há uma preocupação do
Estado com a formação artística do público e, as produções
aPoiadas muitas vezes são de cunho conservador e retrógrado.
Esta política pode dar lugar a obscurantismos, na medida em
que enfatiza espontaneísmos e desinformações.
É importante observar que, no Brasil, o Estado apresenta
0s dois modelos de atuação, variando a ênfase em um ou em
outro, de acordo com condições conjunturais. Isto pode ser
expliçado pelas observações anteriores sobre o papel do Estado
na coordenação dos interesses das elites locais. A explicação
69
Para cada uma destas orientações precisa ser buscada nas
correlações de força dos grupos sociais nelas engajados, em
determinado momento. O que não se pode deixar de perceber como
tendência dominante é que as artes, no Brasil, estão
tradicionalmente sujeitas à ação administradora do Estado.
Principalmente certo tipo de produção das elites (música
erudita, teatro experimental, artes de vanguarda em geral),
que, sendo no mais das vezes de alto custo de produção e com
Uín público muito restrito de consumidores, não tem condições
de sobrevivência dentro da livre iniciativa. O Estado
subvenciona estas produções, designadas como "verdadeira
ârte11, reforçando uma imagem supraclassista destas práticas
artísticas e da atuação estatal.
A quarta consideração a ser feita refere—se à situação
das culturas populares. Como já foi destacado (a partir das
considerações de Néstor Garcia Canclini), no capitalismo,
principalmente no dependente, as culturas populares não
Precisam ser eliminadas. Pelo contrário, podem ser e devem ser
incorporadas. No caso do Brasil, o Estado também cumpre um
importante papel nesta apropriação das culturas populares,
administrando—as conforme os interesses das classes
dominantes. Nesta tarefa de descontextualização e
ressignificação das culturas populares, a FUNARTE,
(Fundação Nacional de Arte, 1973—1990) órgão federal,
r^sponsável pela administração das práticas artísticas, tem em
sua estrutura o Instituto Nacional de Folclore. Através dele,
70
o Estado controla, apoia e divulga produções populares como
festas, artesanato, rituais... com vistas principalmente ao
turismo. Estas produções, assim administradas, se prestam a
manter uma economia informal subordinada à hegemonia do
capital, e é utilizada também para criar uma ilusão de
Participação cultural dos segmentos populares que responde aos
interesses do Estado na manutenção de uma imagem democrática7.
A incorporação de elementos dos universos das práticas
artísticas subalternas também se dá através da indústria
cultural, que possibilita o retorno destes elementos a estes
setores, através dos meios de comunicação de massa. Este
reordenamento da cultura brasileira que se realiza através da
cádio e da televisão deve ser analisado paralelamente as
mobi1izações artísticas dos anos 60, a fim de que se possa
Perceber as potencialidades das práticas artísticas nos
Processos da luta de classes, dentro de momentos mais
democráticos e dentro de períodos autoritários. Carlos Eduardo
Lins da Silva aponta alguns estudos que estão sendo
desenvolvidos neste sentido9.
Concluindo, pode-se dizer que se constatam quatro
tendências dominantes nas práticas artísticas no Brasil no
~
Uma análise profunda e completa destas manifestações do
universo das práticas artísticas populares no México pode ser encontrada ems Culturas populares no Capitalismo, de
8 Néstor Gárcia Canclini. Carlos Eduardo Lins da Silva - Ind-ústria e Cultura Brasileiras pela utilização do conceito de Hegemonia Cultural. Iní - Encontros com a Civilização Brasileira, n. 23, Rio de Janeiro, 1980.
71
período em eetudo.
A primeira refere-se à posição ambígua dos artistas: como
intelectuais, podem ser considerados setor dominado da classe
dominante, mas as condições concretas de existência de muitos
deles ou sua origem social se aproximam bastante das classes
subalternas. Daí decorre a possível instabilidade social da
sua atuação, ora identificada com as elites, ora com os
setores populares.
A segunda diz respeito à situação periférica do país no
panorama internacional, que determina aos integrantes dos
setores artísticos seguirem as tendências dominantes no âmbito
internacional. Isto, no entanto, não impede que haja a
integração de elementos locais, que dinamizam estas produções
e facilitam sua absorção pelo público em geral.
A terceira tendência refere-se à dependência dos setores
artísticos em relação ao Estado, que, apresentando-se como
supra classista, apoia a arte de elite e também as
manifestações simbólicas populares. Em sua ação cultural, o
Estado subvenciona aquelas produções que correspondem aos seus
padrões e censura as que lhe são mais subversivas. Censura e
âpoio constituem as duas faces da mesma moeda.
Por último, evidencia-se, como uma tendência, a relação
complexa entre as práticas artísticas controladas pelas elites
íerudita e de massas) e as práticas artísticas dos setores
72
subalternos. Apesar de manterem certa identidade própria e
autonomia, elas se absorvem umas às outras num movimento de
disputa permanente, ainda que dissimulada e com evidente
predomínio da força econômica e política das elites.
2.2 - Os Anos 60i Tampo da Projatos Democratizantas
"Uma das tarefas cruciais para os modernistas
dos anos 60 era enfrentar o mundo da via
expressa; outro era mostrar que este mSo
constituía o único mundo moderno possível...
Logo eles iriam encontrar esse algo mais na
vida cotidiana da rua... sua mensagem era de
que muito do significado que os homens e as
mulheres modernos buscam desesperados encontra-
va-se, de fato, surpreendendo próximo de suas
casasf perto da superfície e nas imediações de
suas vidass estava ali, bastando que soubésse— o
-mos procurar .
As palavras de Marshall Berman ilustram bem o clima desta
década de crise e questionamento. Q modelo de desenvolvimento
americano que se expandira pós-2- guerra, baseado no
consumismo e na via expressa, a que alude o autor, entrara em
crise. Trata-se, principalmente, de uma época de avanços
populares, no mundo inteiro, de crescimento do movimento
operário na Europa, de explosão dos movimentos estudantis e
lutas nacionalistas e democratizantes na América Latina e
Asia.
Berman, Marshall. Tudo que é sólido se desmancha no ar. São Paulo, Companhia das Letras, 1986, p 297.
73
Integrado neste panorama internacional, o Brasil sofreu
uma série de transformações em sua estrutura sõcio-econômica e
política, sendo estabelecidos os pressupostos do modelo de
desenvolvimento que permanece até os nossos dias. A partir de
1956, o processo de industrialização constituía, jâ, um dado
irreversível na formação social brasileira. A exploração da
força de trabalho tornava-se progressivamente incompatível com
3 política de integração da classe operária desenvolvida pelos
governos populistas.
Segundo Gctavio lanni, "d& fatoT nos anos 61 a 64 o povo
brasileira defronta— sef de modo cada vez mais premente, com a
necessidade de adotar uma opção drástica. For um lado, o
modelo getuliano esgotava um ciclo de realização... Impunha-se
uma decisão corajosaf no sentido de aprofundar rupturas
estruturais indispensáveis á construção dos alvos inerentes a
sua lógica... Por outro lado, no bojo do próprio modelo
Çetuliano ou muito preso a este, constituiu-se o modelo
socialista... De outro ladof ainda, no interior do modelo
getulista constituíra-se o modelo internacionalista... Esse
quadro de possibilidades e dilemas — particularmente nos anos
1961 - 1964 torna-se real quando encarada no plano dos
acontecimentos políticos"*0 .
to lanni Octávio. - Colapso do populismo no Brasil. Rio de
Janeiro, Civilização Brasileira, 1986, p. 129.
74
Num curto espaço de tempo, (1955-60) haviam ocorrido
modificações na estrutura industrial com o encadeamento das
relações intersetoriais. A modernização oferecida pela
expansão das indústrias de bens de consumo duráveis atingira
principalmente os grandes centros. Rio de Janeiro e São Paulo,
onde se desenvolveram também as mais importantes disputas
sociais. As disputas sociais tinham como princípio básico a
adoção de um dos modelos de desenvolvimento a que Octávio
lanni se refere.
Cabe destacar, no Brasil, neste período, a ampliação
numérica da pequena burguesia, no bojo do processo de
industrialização que se delineia mais claramente a partir do
governo JK. Este segmento de classe que está ligado aos
setores de serviço e à pequena indústria, fundamentalmente
urbano, tem acesso, através da ampliação da rede de ensino
Público gratuito, a uma ilustração que lhe abre novas
Possibilidades como produtor e público de uma produção
arfcistica própria.
Retomando as observações sobre a condição dos
intelectuais, pode-se verificar que, no bojo destas alterações
sociais, formou-se um quadro de intelectuais, originário desta
classe média e responsável por uma série de manifestações
artísticas comprometidas com a deselitização. Neste sentido,
no Brasil, os anos 60, segundo também a dinâmica internacional
*0c:^lizada por Marschal Bermam, foram uma exceção dentro da
75
tradição de pouca participação popular nas práticas
artísticas. Neste período, as artes tomam novo impulso; o
cinema novo, a bossa nova, o neoconcretismo são alguns dos
movimentos resultantes desta expansão da vida urbana e da
Participação social mais diversificada. A identificação das
atividades criadoras com as realidades locais favoreceu toda
uma ampla e diversificada produção artística. Este fenômeno se
localizava principalmente no Rio de Janeiro que era já um
centro cultural importante dentro do país, inclusive devido a
sua condição de sede do governo federal. Condição que não
perdeu mesmo com a mudança da capital para Brasília. São
Paulo, pela expansão de seu parque industrial e setor
"financeiro, assumiu progressivamente a posição de sediar,
junto com o Rio de Janeiro, os principais eventos artísticos
d° país. Os pólos de concentração de renda, no modelo
monopolista que se implantava, eram também o palco das grandes
transformações artísticas no país.
O aumento do poder aquisitivo dos setores médios
cepercutiu também em um fenômeno importante, em termos de
arte, que foi o crescimento de público consumidor. Um setor da
classe média urbana passou a ter oportunidade, através da
ampliação das redes escolares e também de outras oportunidades
de formação e informação, de acesso a uma produção artística
que estivera até bem pouco tempo restrita aos setores de
elite. Este é um fenômeno que surgiu no Brasil nos anos 60 e
^"e, sem dúvida, concorreu para o desenvolvimento vertiginoso
76
da indústria cultural nos anos 70.
As repercussões deste quadro no setor artístico fazem-se
sentirem um período de intensa fermentação, principalmente nos
setores que atingem o grande público. Ato teatro, por exemplo,
1960 foi o primeiro ano em que os originais brasileiros
despertaram maior interesse que os estrangeiros, tanto junto d
crítica, como junto ao grande públicoDestacar-se, neste
sentido, a colaboração do Teatro de Arena em São Paulo,
inaugurando um ciclo de autores locais. E mais ainda, de suas
eboliçSes internas, em 61, se ordenaram 3 importantes e
decisivos movimentos na área teatral: o próprio Arena que
seguiu atuando sob a coordenação de Augusto Booal e
Gianfrancesco Guarnieri, na linha de teatro de ação; o Centro
de Cultura Popular da União Nacional de Estudantes (UNE) sob a
orientação de Oduvaldo Viana Filho (Vianinha), voltado para
oma participação política; o Teatro Nacional de Comédia,
ligado ao Ministério de Educação e Cultura com participação
decisiva de José Renato. As dissidências internas do Arena
Propiciaram ampliações e diversificações das ações teatrais o
Pue contribuiu, em última análise, para o crescimento desta
prática neste momento.
Os Centros de Cultura Popular (CPCs da UNE) tiveram, de
61 a 64, uma intensa interferência no panorama cultural, tanto
na área teatral como musical e mesmo cinematográfica.
Estiveram na sua direção Carlos Estevam Martins, Vianinha e
77
Ferreira Gullar. Num curto período de tempo, realizaram uma
obra intensa e de importante conseqüência no quadro
intelectual das esquerdas brasileiras em nível de cultura. Os
CPCs inauguraram um novo padrão de atuação dos intelectuais,
introduzindo novos debates e novas formulações teóricas que
são essenciais para o estudo da ação das esquerdas no campo
ãrtístico no Brasil. Para identificar a matriz ideológica que
se formou dentro dos CPCs, deve-se observar, antes de mais
nada, a consciência, por parte da maioria de seus integrantes,
sobre a luta política que se travava no seio da sociedade
brasileira neste momento. A identificação desta luta como luta
de classes e a busca de participação na mesma, alinhando—se
com os setores populares, foi o móvel de toda a atuação dos
CPCs. Quando se proporem a participar desta luta como um
Centro de Cultura, seus integrantes já estavam estabelecendo
novas bases de pensar e agir no campo cultural. Traziam, como
roarco, o compromisso dos intelectuais de esquerda, de atuarem,
no seio da sociedade civil, como profissionais da arte,
compromissados com as propostas de transformação social.
Na arte cinematográfica a atuação dos CPCs foi decisiva;
por seu patrocínio, produziu-se, em 1961, o filme "Cinco
Vezes Favela", reunindo Joaquim Pedro, Roberto Farias, Carlos
Diegues, Leon Hisrzman. Esta película, composta de Cinco
episódios, seguia as influências do realismo italiano e do
"Nouveau realisme" Francês. Documentando a realidade das
favelas cariocas, introduziu novos objetos, novos atores
78
sociais e novos métodos de trabalho cinematográfico.
Explorando esta nova tendência, também foi deste ano, o filme
"Barravento" de Glauber Rocha. Em 63/64, Nelson Pereira dos
Santos realizou uma das mais importantes produções do cinema
brasileiro: "Vidas Secas". Ainda em 62, Anselmo Duarte
conseguiu obter a palma de Cannes para seu filme "O Pagador de
Promessas"; era a consagração do novo cinema brasileiro.
A efervescência desta época, em termos musicais também,
se fez sentir; o lançamento, em 1959, de "Chega de Saudade" de
João Gilberto, marcou o início da Bossa Nova. Numa mescla de
samba e jazz, a Bossa Nova, mais intimista, abriu novas
possibilidades de consumo musical ao vivo. Utilizando pouco
instrumental (um piano ou violão e a própria voz), muitos
shows e apresentações em boates e clubes foram realizadas,
atendendo às demandas dos novos consumidores de extratos
sociais médios urbanos. Na música, os CPCs marcaram presença,
com a atuação marcante de Carlos Lyra e Edu Lobo. Um de
seus trabalhos significativos foi a publicação dos "Violões de
Rua", resgatando um rico potencial da música popular. Rodas de
samba e violão foram espaço de contato de uma juventude
ânsiosa por debater a realidade com que se deparavam e que os
wobi1i zava.
Uma ligação intensa entre os jovens intelectuais da época
Podia ser observada no Zicartola, restaurante de Zica, mulher
d© Cartola, onde se reuniam: Cartola, Zé Keti, Geraldo Neves,
79
Paulinho da Viola, João do Vale, Arnaldo Jabor, Leon Hirszman,
Paulo Sarraceni e outros. Ali se encontrava o pessoal da
música, do cinema novo, do teatro de rua. Uma preocupação os
unia: tornar seus trabalhos mais populares e atuantes
politicamente. Esta movimentação cultural politizada
expressava a crise de valores que se instalara no bojo da
crise política, analisada por Octávio lanni. Jovens buscavam
novos caminhos, apresentando novas propostas, cuja tônica era
uma modernidade, mais popular e nacional. Nesta conjuntura, as
artes plásticas, mais elitistas e de pouco alcance em nível
de público, não alcançaram repercussão, ficaram um pouco
alheias ao modelo de atuação do intelectual-artista difundido.
Pela ação dos Centros de Cultura Popular.
A partir de 64, os grupos que assumiram o poder
redimensionaram a atuação do Estado, dirigindo uma política
econômica voltada para o estabelecimento das condições
institucionais capazes de garantir a aceleração da acumulação
do capital nesta nova etapa monopolista internacionalizante.
Estabeleceram a central idade dos setores industriais e
financeiros na economia, determinando profundas alterações no
Perfil da sociedade brasileira, atingindo também a área
artística. Estas transformações internas ocorreram no marco
das alterações na posição do Brasil na divisão internacional
do trabalho, tratou-se de um processo de grandes mudanças que
não se realizou sem lutas. No desenrolar destas lutas,
definiram—se novas hegemonias de setores de classe dominantes
80
dentro da sociedade. É necessário compreender a ação dos
intelectuais do setor artístico dentro deste processo. Entre
65 e 69 ocorreram através das práticas artísticas uma série
de denúncias e tentativas de mobilização da sociedade civil
para o questionamento do regime político que se implantava. O
golpe de 64 e seu progressivo autoritarismo desencadeou uma
reação intensa no setor artístico do país, principalmente nos
seus segmentos identificados com projetos de democratização,
gue tentaram desempenhar o papel de foco de resistência ao
modelo autoritário do governo militar.
O ano de 1965 teve como marco a montagem pelo grupo
Opinião em co-produção com o Arena, do show "Liberdade
Liberdade", uma colagem de textos e músicas que iam desde
Jesus Cristo a Brecht passando por Unamuno e Aristóteles,
organizada por Millor Fernandes e Flávio Rangel. Bastante
mobi1izador, este espetáculo teve seu texto editado pela
Civilização Brasileira e o disco lançado em 66. Na mesma linha
de atuação foi montado o show Opinião (1965), com músicas e
depoimentos pessoais de Nara Leão, Zé Keti e João do Vale. No
rastro do show Opinião foi inaugurada a exposição Opinião 65,
com artistas plásticos brasileiros e franceses. Esta mostra
foi muito significativa em termos de novos posicionamentos;
rompendo com a abstração até então dominante, apontava para
uma produção mais compromissada em termos políticos e sociais.
Dentre as inúmeras mobilizações de produtores artísticos
81
identificados com as forças democráticas que ocorreram neste
período, pode-se destacar, em 68, a devolução conjunta do
prêmio "Saci", entregue pelo Jornal do Estado de São Paulo, em
represália a um editorial publicado por este periódico
que apoiava a censura.
Dando continuidade à linha de espetáculos mais
questionadores e mobi1iradores tem-se "Arena conta Zumbi" e
"Arena conta Tiradentes". O musical "Roda Viva" pode ser
considerado o fecho desta linha de produções, tendo os atores
e mesmo o público sido agredidos por grupos de combate aos
comunistas. Chico Buarque de Holanda, que se havia engajado em
uma produção mais crítica, sofreu, com este trabalho, uma
série de ações depredadores dos setores de estrema direita. A
música, aliás, vinha se evidenciando como altamente politizada
e questionadora. Desde que Geraldo Vandró explodira nas
paradas de sucesso com "Disparada", a chamada música de
protesto conquistara cada vez maior público. Disputando espaço
com o "ié lé lé", espécie de moda Beatle Nacional, a música de
protesto se firmou nos festivais Record, Tupy, destinados ao
Público universitário. Estes festivais eram,
contraditóriamente, ao mesmo tempo, show room para as
gravadoras e espaços de participação política para os músicos.
Foi no III Festival de Música Popular Brasileira da TV Record
(Í967) que se lançou a semente da tropicália, com as músicas
Alegria, Alegria" e "Domingo no Parque" de Caetano Veloso e
Gilberto Gil. Estas músicas não se apresentavam como parte de
82
nenhum movimento articulado, mas destacavam do que vinha sendo
feito em termos da moderna música popular brasileira onde a
nota dominante era a carga de participação político-social. O
movimento tropicalista pode ser compreendido dentro deste
momento em que a repressão e a censura vão progressivamente
fechando os espaços para as produções mais politizadas. A
geléia geral que a Tropicália propõe, responde aos conflitos
desta juventude. O AI 5, em 13 de dezembro de 68, limitou
violentamente as possibilidades de ação política no nível
das práticas artísticas. O vazio cultural que se estabeleceu
então foi ocupado pela indústria cultural que já se vinha
implantando maciçamente no país após o golpe de 64, através da
aliança do grande capital internacional com o capital
nacional. Muitos artistas, daquela época, saíram do país em
exílio voluntário ou forçado; perseguições e censura
dificultavam ou impediam a ação dos que ficaram no país.
2.3 - os Anos 70s O Estado Autoritário e a Indústria Cultural
"Q que ocorreu na década de 70 foi quer
justamente quando os gigantescos motores do
crescimento e da expansão estancaram e o
tráfego quase parou, as sociedades modernas
perderam abruptamente sua capacidade de banir
para longe o passado... eles tiveram que chegar
a um acordo com o mundo que tinham e trabalhar - Z/11
a partir dai
Berman, Marshall. Op. cit. p. 315.
83
Novamente as palavras de Berman ilustram a década. Os
anos 70, em nível mundial, representaram o estabelecimento das
possibilidades de grandes mudanças e o avanço do
neoliberalismo conservador. O capitalismo superou, através de
posições conservadoras, as crises da década anterior. A
América Latina, viveu uma época de golpes militares. No
Brasil, esta era já se inaugurara em 64, e se estabelecera
definiticamente em 69.
Fortemente instalada no poder, a burguesia nacional,
aliada à burguesia internacional procurou durante os anos 70
legitimar o seu domínio, através de um processo de moderniza-
ção que incluiu a introdução de novos modelos de consumo,
difundidos por uma indústria cultural em franca expansão. Esta
indústria cultural, compreendida como a articulação dos
diversos meios de comunicação social em um sistema integrado
roonopolístico, começou a ser implantada no Brasil sob
controle desta burguesia, a partir da segunda metade dos anos
e se consolidou ao longo dos anos 70. Os processos
industriais de formação da opinião pública substituíram os
processos artesanais, até então predominantemente utilizados.
Implicavam em uma monopolização altamente articulada ao grande
capital internacional. "A primeira empresa de comunicação nos
woldes de um oiigopóliaf os Pidrios Associadosf desenvolveu-se
«t par de uma concentração vertical (ocorref por exemplof
quando um proprietário, além de um jornal f possui também uma
emissora de rádio ou um canal de televisãof isto éf concentra
84
em suas mãosr mídias diferentes) ou uma concentração
horizontal (vários canais de televisãor ou vários jornais.)"12 ,
A articulação mais definitiva de indústria cultural no país se
deu a partir da atuação do Estado, depois do golpe de 64,
quando se instaurou a segunda fase da TV brasileira. O acordo
Globo-Time Life Brodcasting Stations (1965) é o exemplo mais
ilustrativo desta associação de interesses, que modifica o
panorama cultural no Brasil.
O desenvolvimento de toda uma ampla produção destinada à
indústria cultural, seja para a TV, gravadoras, rádios,
editoras, etc., introduziu para o setor artístico nova
problemática. Se inaugurou, por exemplo, uma nova relação com
0 público, mais massificada, rompendo com a tradição bastante
intimista das práticas artísticas no Brasil. Tradição esta que
tinha muito mais a ver com o restrito número do público
consumidor do que com intenção dos produtores e difusores.
Esta relação colocava novas opções e alternativas que
■alteravam profundamente a própria essência dos objetos
artísticos, suas configurações. Se alteram também os processos
artesanais de produção e difusão, se incorporaram toda uma
série de equipamentos e métodos de trabalho mais atualizadas e
compatíveis com as exigências do grande público. Formas
industrializadas, divisão de trabalho, instrumentos
sofisticados e tecnologia especializada, na maioria das vezes
12 Caparei li, Sérgio. Televisão e Capitalismo no Brasil. Porto Alegre, LPM, 1982, p. 30.
85
importantes, passaram a dominar o panorama artístico. A
indústria cultural absorveu a maioria das produções, deixando
às atividades marginais, um espaço de circulação muito
restrito.
A indústria cultural, por outro lado, incorporou grande
Parte das produções artísticas disponíveis na sociedade e
criou outras destinadas ao seu consumo próprio, como foi o
caso da telenovela. As novelas absorveram nomes importantes e
até mesmo dos mais politizados da dramaturgia, como foi o caso
de Gianfrancesco Guarnieri e José Wilker, o primeiro oriundo
do Arena e o segundo do MCP de Recife. 0 próprio Vianinha, um
dos criadores do CPC da UNE, a partir de 73, escreve para a
Rede Globo a divertida série "A Grande Família", muito bem
aceita na época. Escreveu, ainda, alguns casos especiais,
baseados em clássicos, como Medéia, Dama das Camélias e
Mirando!ina. Muitos músicos populares também passaram a
integrar os shows da TV, como foi o caso de Milton Nascimento,
Rita Lee, Luiz Gonzaga, todos eles abrangendo um largo
espectro de tendências musicais. Alguns viam isto, na época,
como um recuo nas posições críticas dos artistas; a verdade,
aPorém, é que de alguma forma esta atuação contribuiu para que
a TV brasileira atingisse, em sua programação, níveis de
gualidade em sua maioria invejáveis dentro do panorama
internacional. Isto, com todas as críticas que possam ser
*eitas, e com todos os limites impostos, de certa forma
atingiu o universo simbólico de um número de brasileiros que o
86
teatro e os shows, em escala artesanal, dos anos 60 não haviam
sequer imaginado.
£ interessante observar que, no Brasil, diferentemente do
caso francês, analisado por Pierre Bourdieu, não se encontra
um campo erudito tão separado e antagônico ao campo da
indústria cultural. Isto porque já, na sua origem muitos
artistas atuaram nos dois campos como atores, escritores ou
mesmo produtores plásticos, tornando muitas vezes, o limite
entre estes dois campos difuso e ambíguo. Este fenômeno pode
ser decorrente da fragilidade do próprio campo artístico no
Brasil, que esteve sempre mais ligado a modelos externos, sem
que se desenvolvesse uma relação estreita com as condições
locais13. A elite brasileira, bastante restrita em termos
numéricos, também mantém—se mais ligada aos movimentos
internacionais do que á realidade que a cerca. De certa
forma, a indústria cultural veio oferecer um substrato comum
ás classes médias urbanas e às elites. A arte erudita, para
ser reconhecida a sua distinção, servindo às legitimações das
elites, precisa fomentar este relacionamento ambíguo com a
indústria cultural, uma vez que é aquela que atinge o grande
público e serve de sustentação ideológica ao poder
estabelecido. Assim, ópera e balet clássico foram apresentados
na TV, sem dispertar interesse do grande público, mas
13 Uma análise intepretativa desta relação do campo erudito com a indústria cultural no Brasil pode ser encontrada em Grtiz, Renato, na obra A Maderna Tradiç&a Brasileira. São Paulo, Brasiliense, 1988.
87
referendando o gosto das camadas intelectualizadas.
Ocorre com a intelectualidade mais vinculada a processos
de democratização uma problemática que Renato Ortiz analisa
com muita precisão o eixo do debete permanece ainda a
queBtdío do nacional f sendo que a ela se agrega agoraf no final
dos anos 60, uma nova dimensão: a luta contra o autoritarismo.
£ bem possível que este dado específico da vida política
brasileira tenha em parte contribuído para que os intelectuais
não percebessem com clareza a consolidação de mercado que se
realizava sob seus pés**. Na sua opinião, a questão específica
da luta contra o Estado autoritário "desviou" a atenção dos
intelectuais do fenômeno dominante no campo culturais a
consolidação de um mercado de bens culturais- Consolidação
esta que ocorreu no Brasil nos anos 70, atingindo praticamente
todas as práticas artísticas e estabelecendo profundas
modificações na maneira como elas vinham se desenvolvendo até
então. A profissionalização foi uma das transformações mais
determinantes, isto porque na sociedade brasileira a atividade
artística teve quase sempre um caráter um tanto quanto amador,
inclusive pelo número restrito de público consumidor• Os
artistas, em geral, desempenhavam, paralelamente á arte,
outras atividades de onde provinha sua subsistência.
Nesta década se solidificou o papel do empresário
14 Ortiz, Renato. A Moderna Tradição Brasileira. São Paulo,
Brasiliense, 1988. p. 13-
88
artístico, verdadeiro executivo da cultura, cuja ação
possibilitou a edição de livros, revistas e mesmo gravuras, a
apresentação de grandes shows com cantores da música popular,
a produção de discos e filmes. A própria TV, por seu turno,
assumiu os artistas de forma profissional, obrigando atores,
diretores e autores a jornadas exaustivas e sistemáticas. O
trabalho de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni da
Rede Globo, é um exemplo deste tipo de empresário das práticas
artísticas que, neste momento, influenciou decisivamente o
panorama cultural.
Ocorreu assim a profissionalização do que Howard Becker
denomina "pessoal de apoio", estruturando—se as cadeias de
atividades que caracterizam as ações artísticas na sociedade
de consumo. Em termos de música e teatro, por exemplo,
aparecem as empresas de produção de espetáculos, estruturadas
de maneira a fazer, destas artes, atividades lucrativas. Todo
um sistema de editoração passa a coordenar o setor da
literatura, definindo inclusive os rumos da produção. Todas
estas empresas, estruturadas nos mais modernos métodos
administrativos, criam novas condições de difusão das artes,
caracterizadas pelos estreitos laços com os meios de
comunicação de massas.
O número de editoras criadas na década de 70 é
surpreendente e assustador. A Editora Abril Cultural foi o
maior exemplo de grande potencial empresarial no ramo, lançan-
89
do revistas destinadas ao grande público (Revista Veja) e
também as mais sofisticadas, como Artes nos Séculos e
Enciclopédia. Ela introduziu os fascículos, como uma nova
maneira de leitura especializada.
O número e o porte das gravadoras também introduzem,
nesta década, novos padrões de qualidade na indústria
fonográfica, resultado das alianças com o grande capital
internacional que introduz uma aparelhagem importada,
sofisticada. Músicos populares são integrados neste sistema
ideológico/industrial. Em 1971, por exemplo, Chico Buarque de
Holanda lança o disco "Construção" assumindo, por um lado, sua
participação na indústria cultural e, por outro, o compromisso
em manter sua posição crítica e suas bandeiras de luta. A
integração de muitos nomes da década de 60 com estrelas dos
anos 70, como Chico Buarque, Gil, Caetano, Betânia e outros,
se deu paralelamente ao lançamento de muitos discos produzidos
nos EUA. Também foram lançados cantores com falsos nomes,
cantando e compondo em inglês, como, por exemplo, Christian. A
Indústria fonográfica alimentou-se também do rock brasileiro
de Raul Seixas, Mutantes e Fagner. Esta variedade de produtos
expressava a realidade do mercado de um país com grandes
diferenças culturais, regionais e sociais.
O outro lado desta expansão da indústria cultural foi a
atuação da censura sobre as produções culturais, principal-
mente aquelas dedicadas ao grande público. A censura, nesta
90
década, foi o maior inimigo da produção artística, pelo menos
de uma produção mais crítica e politizada. Em 72, por exemplo,
em apenas quatro meses, 170 músicas foram proibidas.
Espetáculos como Calabar (música de Chico Buarque) foi
censurado depois de meses de preparo e ensaios, às vésperas de
sua entrada em cartaz. Isto, quando não ocorria a censura
depois do produto ser apresentado ao público, como foi o caso
dos exemplares do Pasquim apreendidos já nas bancas. A censura
atuava tão intensamente e de maneira tão arbitrária, proibindo
autores clássicos como Sófocles, que os produtores artísticos
desenvolveram verdadeiras paranóias e a censura prévia (auto—
—censura) funcionava com virulência talvez maior que a censura
oficial.
Nesta década ainda, jornais, rádios, revistas e redes de
televisão tornam-se elementos fundamentais na difusão das
práticas artísticas. Com isto, não se quer dizer que
desapareceram ou diminuíram de significado os espaços
tradicionais de cada arte (a galeria, o teatro, o cinema ...).
0 que ocorreu foi que a própria programação destas passou a
ser divulgada pelos meios de comunicação de massa, estabele—
cendo-se uma série de dependências. Foram os meios de
comunicação de massa que permitiram às artes eruditas,
produções específicas da elite, chegar ao reconhecimento do
grande público (ainda que não o seu consumo) cumprindo seu
papel de elemento de distinção. Distinção que procuram
alcançar também os setores médios urbanos, beneficiados com o
91
modelo concentrador de renda, através de uma participação,
mesmo que às vezes periférica, no consumo artístico.
Estabeleceu-se, assim, dentro das práticas artísticas, uma
série de produções diferenciadas, destinadas a atender a estes
vários públicos, de diversas origens sociais. Esta
proliferação de diferentes tendências ao mesmo tempo,
estabeleceu dificuldades na classificação e valorização das
práticas artísticas, exigindo instâncias de legitimação
antagônicas ou mesmo superpostas. Alguns exemplos podem ser
observados na especialização que as rádios desenvolveram em
relação a tipos particulares de músicas, ou também nos cinemas
de arte que proliferam em oposição aos circuitos mais
comerciais.
A sociedade de consumo, interferiu na área cultural
também com a constante imposição de renovação na produção; o
novo passou a ser o valor básico. Numa sociedade como a
brasileira, em que estruturas arcaicas convivem ao lado de
grandes metrópoles e regiões de moderna industrialização, as
práticas artísticas evidenciavam esta contradição. O novo,
constantemente perseguido, convive com o tradicional. Não
possuindo o lastro de uma arte de elite reconhecida, como por
exemplo o renascimento ou o barroco na Europa, a elite
brasileira tem que apresentar o novo, absorvido do âmbito
internacional, como valor máximo. A questão do nacional
permanece não resolvida, reaparecendo ocasionalmente nas
produções regionais e sendo utilizada, por vezes, como forma
92
também de legitimação do Estado. O Estado autoritário, que se
implantou pós 64, precisou de elementos para sua legitimação
ideológica. As práticas artísticas sofreram assim influências
das oscilações das políticas culturais, estatais, que
expressaram as variações das frações que controlavam o Estado.
Entender esta variação de valores artísticos exige que se
entenda os conflitos das frações sociais no interior do
Estado. Os setores empresariais, grandes proprietários e altos
executivos de empresas estatais ou internacionais associadas
às nacionais, foram, justamente com os setores financeiros e
agro—exportadores, os grandes beneficiários do novo modelo-
Seus interesses, no entanto, não eram homogêneos; coube ao
Estado harmonizá-los, inclusive no campo dos valores e
interesses artí sticos.
Cumpre ainda destacar, nesta década, integrando este
quadro da produção artística, o papel da chamada produção
alternativa. Surgindo como reação ao fechamento político, esta
geração de artistas encontrou na arte postal, nos jornais
nanicos, em produções comunitárias, um espaço mais autônomo de
atuação. G primeiro jornal "nanico" foi lançado em 1969, O
Pasquim; a ele seguiram, l/ersus. Beijo, Flor do Mal e muitos
outros. O Pasquim foi de todos estes, o único a ter tiragens
nacionais e uma vida mais duradoura. A arte postal teve sua
primeira mostra em Fortaleza (1970); daí para frente, muitas
outras atividades se seguiram, com a atuação de Pedro Lyra e
muitos outros poetas. O grupo Nuvem Cigana cumpriu um
93
importante papel na organização e divulgação destes poetas. O
teatro também esteve presente na produção alternativa, com
grupos que formaram verdadeiras comunidades, atuando na linha
de teatro de invenção: dentre estes, destacou-se tfsdrúbal
Trouxe o Trombone. Esta efervescência dos alternativos
correspondeu também a uma tendência internacional que
expressava o avanço do conservadorismo, limitando a
participação social dos artistas, resultando produção
hermética e restrita a um público iniciado. No entanto, a
criatividade aí desenvolvida, alimentou uma geração e apontou
novos valores que, se destacando, «foram absorvidos pelos
circuitos mais tradicionais na década seguinte. Foi o caso de
Wally Salomão, Cildo Meireles, e outros, num processo que
abrangeu diferentes práticas artísticas a partir da segunda
metade da década de 70. O grande limite que se colocou para
este tipo de produção alternativa foi o fortalecimento das
instâncias de difusão em todos os setores artísticos. Assim,
quando não foram absorvidos pelos sistemas de difusão
instituídos que realmente podiam alcançar o público, se
mantiveram à margem de uma atuação social mais ampla.
3-0 SISTEMA DAS ARTES PLÁSTICAS NO BRASIL
"A sociedade sempre paga a si mesma com a falsa
moeda de seu sonho~ O que quer dizer que neste
jogo é preciso fazer o jogo: os que iludem são
iludidos e iludem muito melhor quanto mais
iludidos forem; ele são muito mais
mistificadores quando são mais mistifiçados.
Para jogar este jogo, é preciso acreditar na
ideologia da criação".
Pierre Bourdieu
No capítulo anterior foram abordados aspectos relativos
às artes no Brasil, nas décadas de 60 e 70, com objetivo de
identificar de forma geral, o panorama em que se inserem as
artes plásticas, sem, no entanto, aprofundar a análise desta
produção, o que será realizado detalhadamente nos capítulos
quatro e cinco- Antes, porém, de passar à análise das artes
plásticas no referido período, faz-se necessário tratar,
dentro de uma perspectiva histórica, de algumas questões
chaves: a articulação do sistema das artes plásticas no Brasil
em nível internacional, sua lógica de distinção social, suas
relações com o Estado e suas articulações com a questão
popular -
95
Primeiramente, deve-ee observar que, no Brasil, o sistema
das artes plásticas foi implantado em 1816, com a chegada da
missão Francesa e a criação da Academia Real de Belas Artes.
Até então, toda a atividade de artes plásticas estivera
restrita aos trabalhos religiosos, sem construir um sistema
com um mínimo de autonomia. A criação da Academia Real de
Belas Artes, com um corpo de profissionais especializados,
determinando padrões de produção e consumo, implementou gran-
des mudanças no panorama da produção artísticas. O sistema das
artes plásticas que se estabeleceu neste momento, foi bastante
duradouro, chegando mesmo a se realizar, regularmente, um
Salão Nacional de Belas Artes, patrocinado pelo governo
federal, até 1977.
A primeira grande alteração neste sistema se deu com a
introdução do modernismo, pioneiramente em 1922, e com uma
penetração lenta e progressiva, apesar de fortes oposições,
até o final da década de 40. Com o modernismo, se implantou
uma nova orientação no sistema das artes plásticas. A corrente
moderna utilizou algumas das instituições tradicionais do
sistema acadêmico, como por exemplo a Escola Nacional de Belas
Artes e o Salão Nacional de Belas Artes, alterando as
composições de força dentro deles, o que possibilitou a
aceitação de novos padrões e a imposição de novas formas de
atuação. A corrente moderna promoveu também a criação de novas
instituições, como os Museus de Arte Moderna de São Paulo
(1948), voltado á defesa do projeto modernista. No entanto, as
96
inovações do modernismo foram muito mais no sentindo de
modernizar as velhas instituções do que no de criar novas1-
A segunda reatua1ização significativa do sistema ocorreu
no início da década de 50, com a criação da Bienal
Internacional de São Paulo- Precursora em seu tempo, a Bienal
deu início a uma série de modernizações que se foram
implantando progressivamente ao longo das década de 50 e 60- O
sentido maior desta reatualização foi a articulação com as
tendências abstracionistas predominantes nos EUA pós 45- Isto,
no entanto, não ocorreu sem disputas, uma vez que o modernismo
dos anos 40 apresentava uma proposta básica, voltada para as
questões nacionais populares (embora em termos formais
utilizasse os modelos do cubismo e expressionismo europeus),
enquanto a modernização deflagrada pela Bienal era de cunho
mais internacionalista em termos de linguagem, com predomínio
da abstração- A importância da Bienal Internacional de São
Paulo pode ser constatada nas palavras de Marta Traba-
"Pesde 1951, a Bienal de São Paulo, convocada a
nível internacional, converteu-se na mais forte
competidora da Bienal de Veneza. Por um lado,
os artistas locais sentiram-se fortemente
estimulados} por outro, viram—se obrigados a
entrar na estética da destruição- A
1 Amplos dados sobre estas mudanças podem ser encontrados em Maria Amélia Bulhões Garcia- O significado da atuação social dos artistas plásticos Gswaldo Teixera e Cândido Portinari durante o Estado Novo- Dissertação de Mestrado PUC/RS. 1983-
97
Bienalf além disso, forçou um estilo destinado
a chamar a atenção dentro de conjuntos
quilométricos, determinado pelo terror ao
desaparecimento físico, e as premiações, como
ocorreu também na Bienal de Veneza, começaram a
manejar-se entre pequenos cendculos, obrigações
contraídas de antemão, composições,
concil iações. Final/nente, a Bienal foi o
primeiro e principal veículo de
internacionalização da arte no continente, jã
que determinou a extinção das identidades e
deslocou os valores artísticos da expressão até 2
a compulsão" .
Como resultado desta penetração de tendências
internacionais, via Bienal, e outros mecanismos, como
revistas, livros e mesmo exposições internacionais, pode-se
observar que no início da década de 60, a maior parte da
produção na área das artes plásticas brasileiras era
"totalmente abstrata, abstrata com certas formas ou figurativa
tímida". Esta observação que Marta Traba faz a respeito das
artes plásticas 1atino—americanas em geral se aplica com
3 adequação à produção brasileira -
Pode—se perceber, nas mudanças dos anos 60 e 70, uma
progressiva articulação com o sistema das artes
norte-americano. A integração da América Latina, sob
2 TRABA, Marta. - Duas décadas vulneráveis nas artes plásticas Latino-Americanas 1950/1970. Rio de Janeiro, Paz e Terra. 1977. p. 131. 3 0p. cit., p. 57.
98
a hegemonia dos EUA em termos políticos, que caracterizou o
pós segunda guerra, teve também nas artes plásticas um ponto
de apoio. Assim, o sistema das artes brasileiro, que sempre
foi sub sistema de um sistema mais amplo, internacional
(primeiramente com um pólo hegemônico em Paris), foi se
ordenando, a partir da década de 50, como uma extensão
4 bastante articulada do sistema norte-americano .
O texto de Ronald Brito sobre uma exposição realizada no
MAM/RJ em 1973 revela bem a visão colonizadora da plástica
norte-americana. As alterações que se estabeleceram na
produção artística por suas ligações com as diretrizes
norte—americanas, e também as alterações do sistema das artes,
no sentido de incorporar e se adequar a estas novas produções,
no entanto, se fizeram, sem rupturas profundas que
desestruturassem o sistema ou que construíssem outro
totalmente independente do anterior. Assim, o que se pode
perceber é uma modernização conservadora, que, aliás, é o
modelo geral dos projetos de modernização, das elites no pais.
Modernização que possibilitou ao sistema das artes acompanhar
4 O processo de integração, em termos das artes plásticas da América Latina ao EUA, foi muito bem estudado por Orlando Suarez, op. cit. "La jaula invisible" 1986.
5 Opinião 20 de junho de 1973 n- 137, p- 23. "A colonização pelas coros" Ronaldo Brito com uma grande maioria de artistas norte-maricanos ou ali radicados e um ou outro europeu, ela se apresenta de modo causai, como uma visão universal da questão da cor na arte contemporanéa. A própria colocação ampla do tema - "A cor como linguagem" — implica essa universalidade. Trata—se evidentemente de uma exposição nacionalista... pretende estabelecer um "fato": a predominância da arte americana no panorama mundial nos últimos 25 anos".
99
o desenvolvimento do capitalismo internacional, mas com o
conservadorismo suficiente para garantir a permanência dos
privilégios tradicionais.
Este conservadorismo tem suas origens no caráter elitista
do sistema das artes plásticas e em sua tradicional
articulação com os setores de classe dominante no poder-Isto
porque o Estado Brasileiro teve tradicionalmente, em relação
às artes plásticas um papel de mecenas. Um mecenato que se
dava inicialmente de maneira direta, como no caso de Portinari
durante o Estado Novo- Ao longo dos anos 60 e 70, a atuação
do Estado passou a ser gerido por um conjunto de instâncias
especializadas, podendo ser caracterizada como
progressivamente ampliada e estruturada.
Existiam, já no início dos anos 60, algumas participações
tradicionais do Estado nos artes plásticas, como a do
Ministério das Relações Exteriores. O Itamarati era
responsável pela seleção e envio das representações
brasileiras nas Bienais de Veneza, Paris ou Tóquio, e também
pela realização de outras grandes exposições de divulgação do
Brasil no exterior. Para organizar estes envios, não havia
dentro do Ministério uma estrutura especializada. O Conselho
de Cultura convidava, em geral, um crítico ou diretor de
instituições, de reconhecidos méritos dentro do sistema,para
fazer a seleção através de indicações. Pode-se dizer,
portanto, que o Itamarati não pensava dentro do Sistema como
100
um elemento legitimador em si, mas que referendava com a
escolha do crítico as legitimações já estabelecidas- E, estas
escolhas envolviam todos aspectos de relações de amizade
(capital social) com bem se evidencia nas declarações de
Rietro Maria Bardi ao jornal artes: "Parque o Sr - aceitou o
convite da Itamarati para fazer parte da comissão que escolheu
a delegação brasileira á Bienal de Veneza7 P* M. - Bardi em
atenção ao pedida de um amigo o qual não jogarei no fogo, Mas
depois me retirei da comissão quando resolveram, com um estalo
excluir o Agnaldo da nossa representação"*5.
Havia, por outro lado, auxílio através de verbas des-
tinadas a instituições atuantes na área das artes plásticas,
como por exemplo o tradicional apoio das instâncias
governamentais, nos níveis federal, estadual e municipal à
Bienal Internacional de São Paulo- Também o Estado sustentava
os museus públicos, como o Museu Nacional de Belas Artes do
Rio de Janeiro e o Museu de Arte Contemporânea da Universidade
de São Paulo; o primeiro ligado ao governo federal e o segundo
ao governo do Estado de São Paulo- O Estado apoiava ainda
instituições particulares, que praticamente viviam às suas
expensas ou, pelo menos, contava com este apoio para sua
sobrevivência. Era o caso do Museu de Arte Moderna do Rio de
Janeiro e do Museu de Arte de São Paulo- Ambos receberam, por
doação do estado, os terrenos onde construiram suas novas
sedes, e verbas para estas construções-
** Artes: São Paulo março/abril, 1966 ano 1 n- 5, p. 8, "Bardi, o veneziano"-
101
Além destas despesas com instituições, o Estado apoiava
diretamente os artistas com o tradicional prêmio de viagem ao
estrangeiro do Salão Nacional de Belas Artes. Outros salões
foram ainda criados, principalmente na segunda metade dos anos
60, com verbas estatais para sua organização ou premiação.
Estas vinham diretamente de órgãos governamentais, ou de
empresas estatais. Algumas importantes contribuições foram
para os Salões Jovem Arte Contemporânea do MAC/USP, para o
Salão Municipal de Campinas, para o Panorama de Arte
Brasileira do MAM/SP, além do já tradicional apoio financeiro
à Bienal Internacional de São Paulo. Exemplos típicos de
empresas estatais que apoiaram as artes plásticas foram a
Caixa Econômica Federal e o Banco da Bahia. O Ministério dos
Transportes subvencionou ainda neste período, o Salão dos
Transportes. O Estado desempenha em relação às artes
plásticas, este tipo de ação mediadora, integrando-se ao
sistema através das instituições que mantinha ou apoiava.
Por outro lado o Estado desempenhou ainda um importante
papel no estabelecimento de limites para o questionamento e a
mobilização dentro do sistema das artes através do exercício
da censura. Este mecanismo foi muito mais decisivo entre
1969-73 momento máis intenso de repressão no país. Até então a
censura, que atuava em relação às artes plásticas, era
incipiente, mesmo porque neste setor artístico,
tradicionalmente ligado às elites, eram pouco evidentes
avanços que exigissem uma atuação censurante do Estado. Os
102
limites se impunham pelo próprio sistema. As disputas sociais
que mobilizavam o sistema das artes, diziam respeito à
disputas de poder entre setores de classe dominante e à
tentativas de ampliação de participação no consumo de bens
culturais de setores médios, sem praticamente nenhuma
vinculação com setores populares em geral. Assim, as lutas por
democratização do sistema (como ocorreram ao longo dos anos
60) encontraram resistências internas, no prórpio sistema das
artes plásticas, e externas, decorrentes das condições de
participação social no país.
Entre as diversas práticas artísticas, as artes plásticas
são as que mais nitidamente têm preservado o distanciamento em
relação ao grande público e à distinção entre arte erudita e
arte popular. Uma primeira tentativa de ruptura com estes
comportamentos anunciou—se dentro do Modernismo. Neste movimen
to, o que ocorreu foi, preponderantemente, a absorção, por
parte da arte erudita, de elementos de uma tradição plástica
popular. Isto pode ser constatado na forma como temas e signos
do imaginário popular aparecem nos trabalhos dos artistas
modernistas sob uma roupagem que os dilui no interior de um
tratamento formal, fortemente embasado nas correntes
estilísticas da modernidade européia.
A questão do popular
plásticas nos anos 60; neste
propostas de participação.
reaparece novamente nas artes
momento, com o novo enfoque das
Não se pode dizer que estas
103
propostas sejam de participação efetivamente popular, mas elas
trazem à tona, ao buscar uma abertura maior do sistema, a
problemática do popular ou, pelo menos, se integram a um
quadro de mobilização de setores sociais mais amplos. Esta
participação que se fomenta nas artes plásticas, basicamente
na segunda metade dos anos 60, se dá em dois níveis. O
primeiro, na participação do espectador na obra, que tem seus
marcos iniciais com os trabalhos de Lygia Clark e Hélio
Oiticica ainda no neoconcretismo. Os "Bichos" de Lygia, por
exemplo eram figuras bastante geometrizadas, realizadas em
chapas metálicas com dobradiças que possibilitavam ao
espectador alterar suas formas através da manipulação. Outro
tipo de trabalho que se incrementou, foram os ambientes em que
o espectador penetrava e assim fazia, de certa forma, parte da
própria obra, cuja existência só se realizava com a sua
participação. Um exemplo disto foram os "Penetráveis" de Hélio
Oiticica. A idéia de que o artista não completa o trabalho,
lança o de que o espectador é que o realiza, como afirma Lygia
Clark: "Oual éf então o papel do artista? Dar ao participante
o objeto que .em si mesmo não tem importânciaf e só virá. a ter
na medida em que o participante agir. £ como o ovo que só
7 revela sua substância quando o abrimos" 1965 Lygia Clark .
Num segundo nível, aparece ainda, a questão da
participação agora no sentido de ampliação desta a segmentos
7 Clark, Lygia. - Arte Brasileira Contenporânea -RJ, FUNARTE - 1979, p. 27.
sociais, tradicionalmente alheios ao sistema das artes. Isto
se deu através de mostras realizadas em espaços não
"consagrados'1 como feiras e espaços outros da cidade
(passarelas e avenidas), ou ainda, o "Supermercado de artes"
que Jacson Ribeiro inaugurou, na Zona norte da cidade do Rio
de Janeiro, fora dos espaços tradicionais e elitistas. Também
nesta linha, se colocaram as gravuras produzidas em
quantidades e variedades pelo Atelier do MAli/RJ, com a
intenção básica de ampliar o consumo de bens culturais, por
parte de setores sociais, para os quais o preço das obras
únicas cons titulam forte restrição ao consumo. "Premiada em
exposições nacionais e internacionaisf aclamadaf analisada e
ds icut ida como o gênero mais representativo da arte
brasileira, a gravura atingiu, nos anos óOf a um apogeu jamais
alcançado por nenhuma outra manifestação artística em nosso
pa is .
No entanto, estes projetos esboçados, nos anos 60,
rapidamente foram estancados e o que se pode perceber, ao
longo dos anos 70, é a retomada do caráter elitista,
distintivo e emblemático que o sistema das artes plásticas
propicia. Isto se se manifesta mesmo na vanguarda com sua
linguagem hermética e circuitos restritos. O que, no entanto,
não significa a inexistência de reações e lutas contra o
elitismo do sistema da arte. Estas podem ser detectadas em
0 Vida das Artes ano 1 n- 2 julho 72. Geraldo Edson de Andrade - "Gravura brasileira existe a crise?", p. 23.
105
muitos experimentos da chamada produção marginal que se
dissemina ao longo dos anos 70, quase que paralelamente ao
desenvolvimento do sistema das artes, ao qual fazem oposição.
Esta produção marginal, utiliza novos meios como a fotocópia
ou videoP, mas muitas vezes acabavam incorporados ao sistema
que questionavam. Pode-se também identificar, como luta contra
o elitismo, as tentativas de romper com a hegemonia dos
centros nacionais, mais integrados com as linguagens
intenacionais, através de regionalismos que se sustentam sobre
uma criatividade e uma tradição popular local. Nestes casos,
estão os trabalhos de Humberto Espíndola e seu grupo no Mato
Grosso, que teve, em Aline Figueiredo, um suporte teórico e
crítico muito importante. Também nesta linha estão as atuações
de Siron Franco, em Goiás, e do grupo da Paraíba. No entanto,
a questão do popular permanece não resolvida nas artes
plásticas brasileiras ao longo do período em estudo. Ao mesmo
tempo em que, em outras áreas das práticas artísticas como o
cinema, a música, o teatro, se diluiam progressivamente a
distinção entre o popular do erudito, através da integração
aos meios de comunicação massivos, as artes plásticas
preservam seu elitismo e restrito espaço de atuação.
O caráter eminentemente individual das formas de
trabalho nas artes plásticas tem preservado a idéia do artista
^ A este respeito consultar PECININI, Daysi — Arte Novos Meios Multimeios. São Paulo, FAAP, 1985.
106
como criador único, afastando-o de uma participação social
mais ampla- Isto dilui a força de suas tentativas de
intervenção junto a setores mais diversificados da sociedade.
Se, comparada com outras práticas artísticas, como o teatro ou
mesmo a música, as artes plásticas são as que têm mantido mais
permanentemente as formas de trabalho individualizado, o
sistema das artes plásticas reforça a figura única e especial
do "artista" como um dos elementos básicos de sua dinâmica-
Isto pode ser constatado pela maneira como o nome dos
artistas se destaca dentro de todas as atividades do sistema.
Através dos catálagos consultados e das referências a
exposições em jornais e revistas, pode—se afirmar a total
preponderância de mostras individuais sobre coletivas. Com as
raras exceções do período natalino, quando então proliferam as
coletivas e as mostras de acervo, de caráter comercial
bastante evidente. O mesmo se verifica nos livros de artes
plásticas. Em sua grande maioria se dedicam a artistas
individuais, com textos laudativos e farto material visual,
uma espécie de folhetos publicitários; assim também, são os
catálogos de exposições. Os livros mais amplos incluem
diversos artistas, mas mantém a mesma orientação. "A razõ.o
disto é simples: quase sempre é o próprio mercado o responsá-
vel pelas poucas iniciativas teóricas que ocorrem na arte
brasileira. Praticamente desligada das outas áreas culturaisr
a arte gira em torno do mercado e sua produçáo textual está em
geral comprometida com funções mercadológicas imediatas"10 m
10 Brito, Ronaldo. "Análise do Circuito", Halasarte n- 1 Setembro/outubro/ novembro, 75, Rio de Janeiro.
107
O nome do artista e seu trabalho ilustrativo formam a maior
parte de nossa história da arte- Para sustentar estas
afirmações, pode-se apontar alguns pequenos extratos destas
publicações:
"O esforço de GREGORIO é impressionante, EI&
trabalhou dezenas de gravuras e desenhos numa
procura de imagens e de colocar em discussão o
verdadeiro objeto das artes visuais. Os
trabalhos sucedem—se e o jovem apresenta como
idéias e respostas aos problemas de nossa ópoca
apenas o seu trabalho, Na verdade ele age como
um verdadeiro artista* fala pouco e pinta
muito", Jaccob Klintawtz, 1978.
"Mestre inconfundível da gravura e do desenho,
senhor de cavalheiros e armaduras, animais e
diabos, representante brasileiro da nobre
linhagem do fantástico, MARCELO GRASSMANN tem
conservado sou relato a sua presença entre nós
comparecendo publicamente com desenhos e
gravuras que se encontram sempre entre o que de
melhor se produz no Brasil" Jacob Klintowtz,
1978".
"M3o resta dúvida, contudo, de que Krajcberg é
um grande artista. E, como tal consegue aliar
de maneira indissolúvel o propósito de seu
trabalho aos meios que o sustentem, t/tiliza-se
11 Klintowtz, Jacob — Versus* iO anos de críticas de arte. São Paulo, Spade, 1978-
Os nomes dos artistas vêm grifados no original. Neste texto se evidencia com bastante clareza o funcionamento do sistema das artes plásticas, o papel do crítico e dos salões bem como a hegemonia do Rio de Janeiro-
108
dos elementos naturais c/a mesma forma como o
poeta das palavras* E da mesma maneira como na
poesia, traz á luz expressões já e>;istentes,
porém não percebidas. Serve como mensageiro de
uma linguagem cifrada que lhe ditam o mar sobre
a areia, o vento sobre as árvores, os troncos
dentro da terra, revelando uma natureza apenas
pressentida dentro dos cânones estéticos aos
quais estamos habituados" Sheila Leirner, 1977.
"Felizmente, é verdade que desde o início a
crítica brasileira soube ver com atenção
a desenvoltura e a liberdade com que Maia se
movia em seus estreito campo de escolha. Seu
primeiro exegeta foi, provavelmente Clarival
Vailadares, que o 'descobriu' num salão de Belo
Horizonte, premiou-o e o convidou para expor
individualmente na Galeria Goeldi, no Rio, em
19á4" Olivio Tavares de Araújo, Visão da Terra.
"Há uma sadia afobação nessa nova fase de
Antonio Henrique do Amaral. Ele mistura tudo:
formas objetivas da fase anterior com as formas
criadas ao sabor da improvisação atual, o
espaço real de antes com o espaço imaginário de
agora, recursos da linguagem imitativas
(sombras, sugestões de volumes) com as cores
abstratas nascidas da fantasia" Ferraira Gullar
197712.
Aparece, neste último texto, uma outra tendência
42 Pontual, Roberto. - Vistes da Terra. Rio de Janeiro, Jornal do Brasil, 1977.
109
específica das artes plásticas: a mitificação do "artista
livre". Enquanto nas demais artes, devido às formas de
trabalho mais coletivas, relações mais estreitas com a
indústria cultural e maior dependência do grande público para
sua sobrevivência, o artista se dá conta,mais faci1mente,de
suas condições de dependência da realidade social e do caráter
coletivo de suas atividades. Nas artes plásticas, isto não
ocorre, o artista é iludido pela própria ilusão que cria da
genialidade individual de seu trabalho, único e pessoal, como
tendo um valor em si, não percebendo os vínculos sociais que
determinam este valor, o que facilita a manipulação da
produção por parte dos difusores.
Destinada, por suas próprias condições de produção e
consumo (produção de um artista para um número restrito de
espectadores, a um número reduzido de indivíduos), as artes
plásticas têm se prestado com bastante eficiência a servir de
elemento de distinção das elites. Utilizada para demonstrações
de status, têm estado fechadas em ricas e luxuosas
residências, nas sedes de grandes empresas e em salas de
chefias da administração estatal. Mesmo quando em museus
abertos ao público, as obras de arte têm um número reduzido de
espectadores. O grande público não tem formação nem estímulos
publicitários pra este tipo de consumo cultural. A Bienal de
São Paulo, que usufrui de largos espaços nos meios de
comunicação de massa, é ainda, o espaço de difusão das artes
plásticas que conta com maior fluxo de público. Símbolo de bom
no
gosto e requinte, as artes plásticas contam com pouco espaço
para questionamentos. Ou, pelo contrário, muito espaço interno
da obra (o que reforça o mito do artista livre), mas um
restrito alcance social neste questionamento, que não atinge o
grande público. Alguns exemplos de obras com intensa carga
crítica podem ser encontrados dentro do sistema das artes
plásticas. Elas foram expostas, figuram em catálogos e livros,
mas sua ação social fica restrita e o próprio elitismo do
sistema e de seus meios de difusão. Como afirma Ronaldo Brito
"E fácil compreender quef a prioridade, o circuito não tem
nada contra nenhum trabalho - na medida em que pode inclusive
recupera-lo. Recuperar um trabalho é precisamente vender e
estabilizar uma leitura "recuparada" de em princípio, o
circuito está pronto a abrigar toda e qualquer obra que julgue
não afetar a sua condição de sistema autônomo e inatacável .
Nos chamados centros adiantados, ele vive em busca de novas
experiências - o nosso, como vimos, está preso ainda aos
velhos esquemas - que servem para mante-lo como espetáculo
atraente, mas basicamente luta pela mesma coisa: a
indevassab11 idade o caráter quase iniciático de que se reveste
o aprendizado da leitura de arte, a distinção e a segurança
13 social advindos da sua freqüência
Articulado a seu circuito restrito, o caráter de emblema
de distinção das artes plásticas é constantemente reforçado.
Isto pode ser observado, por exemplo, no fato de que o MASP,
19 Malasartes. n- 1 setembtro/outubro/novembro 1975, Rio de Janeiro. "Análise do Circuito", Ronaldo Brito.
111
Museu de Arte de São Paulo, contou com a presença da Rainha da
Inglaterra na cerimônia de sua inauguração (Foto anexa), o que
foi amplamente divulgado ao grande público através dos meios
de comunicação de massa. Esta tendência a utilizar as artes
plásticas como um símbolo de hierarquia distinção social e é
reforçado nas revistas especializadas como se pode ver nos
seguintes: anúncio publicitário.
"Quem presenteia com arte é visto com bons
olhas, d Rainha Elizabetb veio ao Brasil e
levou um quadro de Graubem. Quando o Príncipe
Herdeiro do Japcío esteve aquif o presente do
governo brasileiro foi uma tela de Mercier.
Pno passado o professor Marcelo Caetano nos
visitou~ Ganhou um quadro primitivo de Rosina
Becker do Vale. Você entra numa casa, olha logo
as paredes. Q gosto da arte ê a marca do homem
do século XX"14-
Com um papel social básico - o da distinção - o sistema
das artes plásticas tem procurado manter, da forma mais rígida
possível, os limites da "arte". Neste tipo de prática
artística, muito mais do que nas demais, se discriminam as
produções "não artísticas". Isto se faz basicamente por
exclusão; assim, tudo que não é integrado ao sistema das artes
plásticas não é "arte". Por isto a importância, para os que
desejam ser artista, de entrar no sistema, através de
mecanismos mais variados que o próprio sistema oferece e que
14 GAM n- 24 Rio de Janeiro, 1970, reclame publicitário, p. 8.
112
se ampliam na segunda metade do século XX- Enquanto, no
sistema acadêmico, a academia era a entrada exclusiva, agora
se apresentam inúmeras entradas: (premiação em um salão
importante, uma exposição individual em galeria de destaque ou
mesmo a citação por um crítico em uma coluna ou artigo). Todos
estes caminhos se cruzam. Pode-se notar, por exemplo, na
pesquisa, que um salão, com um júri consagrado, tem também
artistas reconhecidos. Um salão, com júri desconhecido,
apresenta artistas igualmente desconhecidos. O círculo se
fecha em nomes e espaços consagrados. É preciso participar
deles para ser rotulado, e, entrando no sistema é preciso
obedecer as regras da "distinção". O depoimento de um artista
ilustra este tipo de pressão.
"Em junho de 1978 fiz uma individual na
Entreartes, de São Paulo. Era uma galeria
pequenaf praticamente desconhecida„ Sempre
aparece alguém para dizer: Você precisa se
cuidar. Afinal já foz uma individual no MAM,
não vá baixar o ni vel
Tudo o mais que ocorre à margem deste conjunto de
indivíduos e instituições, passará ao largo da história da
arte brasileira, e, assim estão hierarquizados suba ternamen-
te. Evidencia—se na pesquisa, um número restrito de nomes no
(artistas, críticos, marchands.- -) no sistema das artes
15 Streva, Sônia. "A valorização de Pi". Arte Hoje - janeiro, 1979, ano 2, n- 19, Rio de Janeiro, p. 59.
1 1 3
plásticas que se repetem constantemente ao largo de um
período. Para penetrar no sistema uma nova tendência
(geralmente sinalizada do exterior) tem que travar uma
ferrenha disputa que envolve produtores, critícos, diretores
de instituições e marchands. Dividido entre tendências
consagradas e novas propostas que buscam legitimação, o
sistema das artes plásticas tornou-se, por excelência, um
espaço de bens culturais de luxo, destinados a um público
restrito e selecionado. Ter acesso a este circuito é garantia
de status social e oportunidades de negócios lucrativos. Isto
porque as obras de arte constituem também formas de inversão
de capital que se desempenham bastante bem, mesmo em momentos
de crises econômicas e inflação. As vantagens do mercado de
arte são defendidas em matérias publicadas em jornais e
revistas; um bom exemplo é o artigo "A valorização de Di":
"Para demos ntrar o processa de valori- zação de uma obra de artef tomamos como exemplo alguns trabalhos signifi- ca ti vos de um pin- tor como Di e f em especialf o quadro Depôsição reaIi zado na década de 3Q, época extremamente criativa do artista
COTAÇÕES DE DEPOSIÇÃO
Ano/Preço (em Cr$) valorização
1965 1963 3007.
30.000 10.000
1976 1965 13337.
400.000 30.000
1978 1976 carioca
701.000 400.000
1978 1963 7.0007
701.000 10.000
114
C :OTAǻES DE C 3RTNs
1964 1978(1) 3.1047.
10.000 310.400
(1) Até novembro Obs. - As ORTNs foram criadas em 1964. Só foi tomado por base o índice de valorização, deixando-se de compu- tar os juros e sua capitalização.
Sobre a problemática do mercado de arte e o controle da
produção afirma Néstor Garcia Canclini
"(...) ei mercado cultural f a la vez que
permittió algunos artistas vivir de su trabajo
y estabeleció un âmbito especial para juzgarlo,
sométio Ias obras a la homogeneidade de los
precios y a la determinaciones estéticas de los
compradores. El mismo processo soeio-económico
que possibilitó el individualismo, acabó
borrdndo Io, ai sujetatarlo ai intercâmbio
comercial~ La experimentación individual deja
de ser experimentac ión y deja de ser individual
cuando la de Nueva York se parece a la de Roma,
a Ia de São Pablo, a Ia de Tokio. No sólo los
rasgos personales desaparecem, sino tambióm Ias
diferencias entre naciones, que permitiam
distinguir en los siglos passados una escuela
flamenca de otra francesa o italiana (...)
junto com su expansión econômica, el
imperialismo norteamericano impuso un modelo
cinematográfico, plástico, televisivo, gradas
al monopolio de Ia produción y de la
115
distribuición"1** -
Tentando superar esta contradição, várias propostas foram
implementadas. As vanguardas, por exemplo, com sua ação
integradora (happenings e ambientes), tendem a ampliar seu
espaço de atuação, utilizando recursos de linguagem mais
contemporâneos. Ao abandonarem os suportes tradicionais, como
as telas e materiais nobres, barateando a produção, buscam
democratizá-la, facilitando, assim, a emergência de novos
valores, sem a mediação do mercado tradicional. A produção de
obras em série, (gravuras e múltiplos) entregues diretamente
ao público pelo produtor, foi outra forma procurada como
alternativa para baratear o produto e ampliar seu alcance
social. Além das alterações na produção, também foram tentadas
reações ao circuito tradicional das galerias e museus,
utilizando, por exemplo, feiras e exposições em lugares
públicos. Estas tentativas, bastante restritas em seus
efeitos, tendem a ser absorvidos pela expansão de um mercado
de arte que se institucionalizou no Brasil na década de 70,
sob a hegemonia de marchands do tipo empresarial, com grande
capital. Este mercado tipicamente capitalista de arte
acrescenta ao valor das obras por ele comercializadas um valor
de prestígio social. Neste processo, o artista se afasta cada
vez mais do público, e cresce o poder dos meios de difusão
intermediando esta relação. O poder destes difusores e suas
^ Canclini, N. Garcia. in: Suarez, Orlando - La jaula Invisible, 1986, op. cit. p. 49.
116
possibilidades de controle da produção não ocorreu unicamente
no Brasil, Marta Traba analisa os aspectos nefastos de sua
atuação em termos de América Latina:
", , , Por outro 1 ctdof ndio seio os artistas
norte-americanos ^ ou seus crí t icos f nem sepuer
suas galerias ou seí.ts museus que têm pretendido
subj uga r-nos r mas os manipuladores de cultura
que necessitam de elementos dóceis e correntes
sucessoras para que nada interfira na absorção
do artista como dissidente, A homoçeneização da
arte latino—americana nas duas últimas
décadas (50 e óO) não éf nem sequerf uma
homenagem ao grande espírito inventivo de
muitos artistas do norte/ é tristemente^ um
solicito cerrar fileiras em torno dos _ . ,,17
manipuladores da cultura
Sua posição, no entanto, não esclarece quem são estes
"manipuladores da cultura" e oculta a atuação de artistas,
críticos, museus e galerias norte—americanas em relação ao
sistema das artes latino—americanas, o papel político e
econômico desta atuação- No entanto, ela deixa bem clara a
homogeneização que estes "manipuladores", que se pode
identificar com os difusores, controlam e estimulam. O que não
se pode deixar de enfatizar é o papel que este circuito de
difusão (revistas de arte, museus, galerias, críticos--.)
passou a ter, ao controlar de forma preponderante a produção
circulação e o consumo de artes plásticas no Brasil- Sobre a
atuação do museu, por exmplo, fala Walter Zanini - "o próprio
17 Traba, Marta, op- cit-, p- 20-
1 1 7
sentindo processual que marca importantes tendências das artes
do presentef de similaridades evidentes com a pesquisa
cientifica, induz a instituição museológica a um corportamento
revolucionário, Não sendo mais apenas o órgão á espera dos
fatos, O museu deve envolver—se no próprio ato criador — sem
porém assumir atitudes protetoras. Oferecendo ao artista uma
série de recursos — espaço, instrumental adequado, assim como
uma atmosfera cmlltipla de relacionamentos - colegas, críticos
pesquisadores e o próprio çnlbl ico - er de sua parte,
usufruindo da presença ativa de todo este elemento humano, o
NAC ganhará uma nova dimensão de interesses,
descaracter izando-se como exclusivo centro receptor e de
administração contemplativa f inserindo—se portanto, no
4 0 contexto mais vivo da transformação da arte7
As artes plásticas, com seus métodos tradicionais,
bastante artesanais, pouco se atualizaram em comparação com o
avanço das midias que servem à música, ao cinema ou a TV, por
exemplo. Pode-se dizer mesmo, que conservando seus métodos
individuais e artesanais, as artes plásticas têm dificuldade
de atingir o grande público. Enquanto um espetáculo de teatro
pode alcançar em uma temporada mais de 10 mil pessoas, uma
exposição de arte poderá no mesmo espaço de tempo, ser vista
por, no máximo, 100 pessoas. Nesta linha de análise, Jacob
10 "MAC - Um museu preocupado com a vanguarda visual Alberto Beuttenmüller, Cultura Brasileira, ano 5, n- 20, janeiro/ março 1976, p. 82.
118
1P Klintonitz escreveu um livro, analisando a pouca penetração
da Bienal Internacional de São Paulo, como vimos, o evento de
maior público em termos de artes plásticas. No entanto, este
tipo de limite não é o suficiente para determinar o
desaparecimento da Bienal nem do sistema das artes plásticas
ao qual se integra. Pois, como já foi colocada, a Idgica dos
sistemas das artes pldsticas é a distinção social. Atingir o
grande público se opõe a esta lógica e a sua função social
de legitimação da dominação.
Uma série de experiências com potencial de difusão, não
se consolidaram, como por exemplo os vídeos de artistas
realizados por Olivio Tavares de Araújo, as gravuras da empre-
sa Compass, as atividades da galeria Global, que contaram com
ampla cobertura dos meios de comunicação de massa. Estes
exemplos, entre outros, indicam a dificuldade do sistema de se
ampliar. Pode-se afirmar que o próprio sistema preserva seus
limites e público restrito. Assim, mesmo constantemente
criticado por esta tendência, o sistema a preserva, ela é a
garantia de distinção que, como afirma Pierre Bourdieu, "é a
iei implícita do campo". Um emblema de classe deixa de ter
sentido de atuar como tal e perde seu poder, quando é colocado
ao acesso da maioria. Assim se passa na nossa sociedade com
as artes plásticas. 0 sistema das artes plásticas é o
mecanismo que garante para as artes plásticas a permanência
desta condição emblemática.
i p Jacob Klintonitz. 50 segundos de televisão valem naus que dois meses de Bienal de São Paulo. Isto é Bom ou é Ruim?
119
Concluindo, pode-se observar que as artes plásticas, no
Brasil, têm se mantido bastante refratárias às análises de
cunho sociológico, no que não se diferenciam tanto do panorama
internacional. São mínimos e muito recentes os estudos nesta
direção. As duas contribuições mais importantes são "Art& Para
Que7" de Aracy Amaral e "Arte Privilégio e Distinção'120 de
José Carlos Durand. De maneira geral, no entanto, as artes
plásticas têm sido vistas pelos sociólogos como pouco
importantes do ponto de vista de sua participação social,
sendo deixada de lado. As publicações nesta área, como já foi
observado, seguem a orientação centrada na figura do artista,
principalmente na produção contemporânea, este enfoque é
dominante. Os estudos sobre as artes plásticas expressam,
assim, com lindas encadernações, inúmeras ilustrações e alto
custo, o elitismo que as caracterizam. Não se analisa o seu
papel social, o que contribui também para manter intacta sua
função ideológica: distinção social do seu circuito restrito
de especialistas e amadores. O presente trabalho aborta uma
contribuição no questionamento deste papel, identificando as
condições históricas que sustentam esta distinção nas décadas
de 60 e 70 e analisando como o sistema das artes plásticas
atua neste período e como se transforma a partir desta
atuação.
20 Estas duas obras, de maneiras diferenciadas, apontam para as problemáticas sócias inseridas nas artes plásticas. Aracy Amaral procura destacar projetos de participação e crítica social por parte dos artistas plásticos. J. C. Durand aponta o elitismo e a distinção social presente no circuito das artes plásticas.
4—0 SISTEMA DAS ARTES PLÁSTICAS NA CRISE DO DESENVOLVI-
MENTISMO POPULISTA
"Em certos períodos históricos o tempo
cronológico parece menor dadâ a rapidez e pro-
fundidade com que as transformações econômicas
e políticas ocorrem. Esta observação é válida
para a década dos anos 60f iniciada sob um
governo populista e tendo seu término em pleno
período presidencial de um dos governos
militares mais repressivos que a memória
brasileira registra".
Maria Moraes
4.1 — A consolidação da Modernização; primeira metade da
década de 60
Em termos gerais.no Brasil, pode-se considerar a década
de 60, nas artes plásticas, como um período de consolidação da
modernização internariolizante que se processou desde o
início dos anos 50. Esta modernização expressa a incorporação
do sistema das artes plásticas, orientado basicamente pela
lógica de distinção social, ao projeto desenvolvimentista, no
qual, segmentos da elite brasileira se empenharam. Este
121
projeto visava a superação da etapa de substituição de
importações e a integração da economia brasileira a uma etapa
mais avançada do capitalismo: a monopolista. Neste processo, a
burguesia brasileira atua, como esclareceu Jacob Gorender ,
através de seu princípio básico de classe: a aceitação
seletiva do capital estrangeiro.
As artes plásticas, como parte deste projeto,
incorporaram—se aos movimentos internacionais, de ponta, no
momento, o abstracionismo. A presença da abstração no panorama
das artes plásticas brasileiras, no início dos anos 6o se
evidencia no artigo publicado pela revista Visão "Veneza*
abstrac ionismo foi. o denominador comum" • No panorama deste
movimento, no Brasil, duas tendências se destacaram: o
concretismo e o neoconcretismo. Os artistas identificados com
a primeira tendência, sediados basicamente em São Paulo, em
torno das figuras de Waldemar Cordeiro, Décio Pignatari e dos
irmãos Campos, se identificavam com o projeto
desenvolvimentista, sendo dele expressão e reforço. Voltados
para os avanços da tecnologia, acreditavam na modernização
internacionalizante como solução dos problemas do país. Muito
atentos à implementação de medidas industrializantes e
racionais, apoiavam o desenvolvimento do Design como forma
1 Gorender, Jacob. ^ burguesia brasileira. São Paulo,
Brasi1iense, 1985.
2 Vis<??o. v.16 n- 26 24/06. São Paulo, 1960, p. 73. No referido artigo são relacionados os representantes brasileiros: Manabu Mabe (recebeu um prêmio da Fiat) Danilo Di Prete Loio Pérsio, Tereza Nicolau, Antonio Bandeira, Aluisio Magalhães e Mário Cravo.
122
mais adequada de solução plástica para a sociedade do futuro.
Os artistas identificados com o neoconcretismo, sediados no
Rio de Janeiro, em torno de Ferreira Gullar, Hélio Oiticica e
Lygya Clark, tinham uma posição mais crítica em relação às
vantagens da modernização da industrialização e das
tecnologias de ponta. Partiram das propostas concretistas, mas
tentaram romper com sua rigidez de postulados e racionalização
através de uma atitude poética e participativa. A importância
destes movimentos, ainda no início da década de 60, pode ser
observada através das grandes mostras retrospectivas da arte
concreta e neoconcreta que se realizaram no Museu de Arte
Moderna do Rio de Janeiro em 1960 e 1961 respectivamente, e a
exposição neoconcreta apresentada no Museu de Arte Moderna do
Rio de Janeiro e no Museu de Arte Moderna de São Paulo em
1961. Ainda em 1963, a corrente concretista, ligada ao design,
■foi reforçada com a criação do Departamento de Desenho
Industrial na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e da
Escola Superior de Desenho Industrial instituída pelo governo
do estado da Guanabara. Em relação à FAU(São Paulo) deve-se
destacar: "A marca "faunana" apareceu em quase tudo que foi
feito em São Paulo no contexto dos anos 60. Aliás, a formação
da artista plástico via Escola de Arquitetura é uma constante
do período"3. Cavalcanti, Portinari, Anita, com alguns
primitivos destacados (Chico da Silva, Heitor dos Prazeres) e
total dominância, entre os mais novos, do abstracionismo,
3 Catálogo "Volta a Figuração: anos 60" museu Lazar Segai. São Paulo, Maio/jul. 1979.
124
criada em 51. "A Bienal de São Paulo colocou o Brasil no
ca lendário das grandes manifestações artísticas
internacionais. Muitos valores nacionais começam desde então a
ser reconhecido fora de nossas fronteiras" - À ela, no
entanto, articularam várias outras instituições criadas nestas
duas décadas, formando uma rede integrada na promoção das
tendências mais avançadas do panorama internacional. Este foi
o caso, por exemplo, do Museu de Arte do Rio de Janeiro,
criado em 48 e que tradicionamente expunha as mostras de maior
destaque da Bienal. G público carioca podia, assim, entrar em
contato com os movimentos que se introduziam no pais através
das Bienais. O MAM se destacou também na valorização dos
artistas modernos brasileiros, tornando—os mais conhecidos e
vendáveis. A revista Manchete comenta sua atuação na
reportagem "MAM: cor, forma e dinheiro"'*. A importância do MAM
no panorama das artes plásticas no Rio de Janeiro foi enorme,
principalmente no sentido de apoiar as propostas de renovação.
Na lista de eventos de "vanguarda" (anexo) pode-se ver que a
maioria deles foi ali sediado
Museu de Arte Moderna de São Paulo, criado também em 48
se integrou na modernização abstracionista, tendo, no início
da década de 60, como diretor, Mário Pedrosa, crítico de arte
carioca, tradicionalmente ligado ao concretismo e
neoconcretismo. O Museu de Arte de São Paulo foi fechado em
5 GAM - Editorial, n- 1, Rio de Janeiro, 1966. " Manchete, n2 427, 25/06, 1961, Rio de Janeiro, Bloch, p. 52
a 60.
125
63, quando seu acervo foi entregue para a criação do Museu de
Arte Contemporânea da USP, num acordo realizado por Ciccilo
Matarazzo para receber o espaço da Bienal no Ibirapuera. Por
um empenho dos antigos associados, ele foi reaberto em 69,
passando a ter, na década de 70, uma destacada atuação. O
Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo,
criado em 63, com o acervo do antigo MAM de São Paulo, recebeu
também as premiações e realizou aquisições nas Bienais. Seu
acervo, em relação âs tendências mais atuais, desde a
abstração, é o mais importante do país. Em sua direção esteve,
desde a fundação, Walter Zanini, sobrinho do pintor Mário
Zanini e irmão do cri tico de arte, responsável por uma coluna
da Folha de São Paulo, Ivo Zanini. Sob sua dinâmica direção, o
MAC destacou-se no panorama nacional e influiu decisivamente
na sustentação de tendências mais experimentais e de difícil
aceitação de mercado.
0 Museu de Arte de São Paulo, apoiado por Assis
Chateaubriand, e por toda a estrutura dos Diários Associados,
contou com a importante atuação de Pietro Maria Bardi. Com um
acervo, comprado na Europa do pós-guerra, com o predomínio da
arte clássica, ele passou a ter uma importância mais destacada
depois de 68, quando se instalou em sua sede atual, em terreno
doado pela Prefeitura. Também o MAM do Rio de Janeiro
inaugurou em 1967 a sua nova sede, (construção em que utilizou
verba do Fundo Monetário Internacional) com a presença do
presidente Gen. Costa e Silva.
126
O que pode-se constatar é que dentre as diversas
instituições que constituem o corpo modernizante internaciona—
lista do sistema das Artes Plásticas, a maioria delas foi
criada na década de 50 e 60, ou, pelo menos, nestas duas
décadas consolidaram seu espaço e seu papel dentro dele. Foram
elas as responsáveis pela difusão e legitimação das novas
tendências, articulando-se entre si, o que era necessário para
fortalecer suas atuações inovadoras. Estreitas ligações e,
algumas vezes, concorrência entre si, caracterizou o
desempenho destas instituições. Também a ação do estado foi
determinante nesta modernização. Estas diversas instituições,
apesar de serem aparentemente privadas (sociedades civis sem
fins lucrativos) todas elas contavam com verbas públicas para
o seu funcionamento. Esta foi a forma como o mecenato estatal
das artes plásticas permaneceu, embora, agora, de forma
encoberta. O gerenciamento particular, inclusive muitas vezes
(conduzido com mão de ferro por alguns indivíduos, como por
exemplo Ciccilo Matarazzo na Bienal, Assis Chateasubriand, no
MASP e Terezinha Muniz Sodré no MAM), se realizava sobre
verbas públicas, que eram injetadas pelo Estado para, a
construção e manutenção dos prédios, a formação de acervos e
realização de eventos. Das instituições criadas e fortalecidas
neste período, somente o MAC/USP é realmente estatal,
pertencendo ao governo do estado de São Paulo e, mais
especificamente, à Universidade de São Paulo. Neste caso, a
ação estatal é mediatizada por uma instituição cultural, a
127
Universidade. Esta forma de funcionamento e organização
evidencia a busca de autonomia que as artes plásticas
promovem, ao mesmo tempo em que, devido as restrições do meio
local, precisam contar com o apoio estatal, mas sem, no
entanto, reconhecê-lo ou evidenciá-lo. As relações do Estado
com as artes plásticas fica assim mediatizada pelo fato destas
instituições serem privadas, o que oportuniza o controle por
determinados segmentos da burguesia. Trata-se,
fundamentalmente, de um gerenciamento particular de verbas
públicas. Esta relação íntima do Estado com as artes plásticas
aparece, no entanto, na presença permanente de autoridades
públicas, como presidentes, em inaugurações de eventos, como
exposições, salões ou Bienais. Jânio Quadros, governador de
São Paulo, aparece como figura constante de mostras artísticas
assim como outros governadores, ministros etc.. E, a
inauguração da Bienal Internacional de São Paulo contou,
permanentemente com a presença do presidente da república, e
outras importantes autoridades. Se, por um lado, estas
presenças podem evidenciar a importância e o destaque destes
eventos dentro do panorama cultural, por outro, o Estado
legitima sua posição suprac1assista de defensor da cultura e
da civilização em seus mais destacados valores.
Quanto ao público, pode—se considerar a década de 60, no
Brasil, no que refere—se ás artes plásticas, como um período
voltado para ampliação do número de pessoas que tinham acesso
à produção plástica. Instituições culturais (principalmente os
128
museus e galerias) se articularam, na tentativa de implementar
participação dos setores médios urbanos, até então
inexistente. O sistema das artes plásticas seguiu, assim, a
orientação democratizante do período, tanto em nível nacional
como internacional. A ampliação do público consumidor,
correspondeu ao crescimento numérico dos setores médios
urbanos e de seu poder aquisitivo, dentro do processo de
industrialização que se implementara a partir de 1955. O
ingresso do Brasil no rol dos países de acumulação monopolista
deflagrou, num primeiro momento, certa concentração de
capitais nos pólos dominantes deste processo: Rio de Janeiro e
São Paulo. As galerias de arte em moldes empresariais fizeram
parte deste impulso modernizador, deflagrado pelo grande
capital, tanto em forma de legitimação como em termos de
possibilidade de investimentos lucrativos.
Ressalta-se que, no início da década de 60, a inflação,
presente ao longo do processo de industrialização, acentuou-se
com bastante intensidade, o que favoreceu o mercado de artes
plásticas. O valor crescente e a sua invariabi1 idade nos
períodos de inflação faziam deste tipo de investimento uma
atração para os capitais disponíveis, não aplicados, no
período de crise política em investimentos produtivos. A
dinamização do mercado de arte esta ainda ligada ao
surgimento, no início da década, de um novo tipo de
empreendimento que foi bastante decisivo nos rumos do sistema
das artes plásticas: a galeria de arte com padrão empresarial.
129
O surgimento deste tipo da galeria, com marchand
especializado, impulsionando a realização de vernissagens,
como um evento cultural e social, se implementou a partir do
Rio de Janeiro no início dos anos 60. Três galerias,
trabalhando com o lançamento de artistas e também com aqueles
já consagrados, se rivalizavam em termos de legitimação das
produções plásticas: Bonino, Relevo e Petite Galerie, no Rio
de Janeiro.
A galeria Bonino criada em 1960, no Rio de Janeiro,
trouxe a experiência de um marchand argentino. Segundo
afirmação de Giovana Bonino "A gente tinha, todo um Know how do
Buenos /3ires, o mercado aqui era muito fraco9 quase inexisten-
te. Havia algumas galerias, mas nenhuma se dedicava exclusiva-
mente a isso"7. Sua primeira exposição foi com um grupo de
artistas argentinos e brasileiros. Muito bem recebida pela
crítica, esta mostra contou com uma apresentação de Mario
Pedrosa no catálogo. Ele destaca o mérito da iniciativa
empresarial dos Bonino para as artes plásticas locais.
"£ com real oportunidade que se inaugura f agora
nessa quer ida cidade do Rio de Jane iro * que mal
acaba de ser despida das insígnias de Capital
do Brasilf uma galeria de arte como esta. Q
fato mesmo da inauguração é outro indício de
que a nossa velha Capitalf se jd não detém o
cetro poli ticof tão cedo não perderá o cetro
cultural e social do pais... Se a tentativa do
7 Entrevista de Giovana Bonino a autora em 22/julho/88, Rio de Janeiro
130
Sr, Bonina tiver êxito, tanto melhor: outras no
gênero seguir-se-ão. E que seus resultados não
são apenas de ordem material para os donos da
galeriaf mas, esperemos, tragam também /7>eIt>oria
para a situação geral dos artistas, ajudando—os
a transformar o meio em que tão precariamente
vivemr submissos que são aos caprichtos de um
paternalismo já antiquado por parte de alguns
poucos ricaços ou de outros tantos burocratas
do Estado... Esperemos pois, que a Saieria
Bonino venha trazer sua contribuição para este
desideratum, a profissionalização da vida 0
artística do Rio" .
Em suas palavras, se evidenciam duas problemáticas
importantes na época: a disputa entre Rio e São Paulo pela
posição de cetro cultural do país e a contribuição do
trabalho, do "marchand1' para a profissionalização do meio
artístico. Ou seja, ele já percebe como este tipo de empreen-
dimento poderá interferir no sistema das artes plásticas, no
sentido da profissionalização de seus integrantes, A galeria
Bonino, teve importante atuação, estabelecendo inclusive
relações internacionais (tinha filiais em Buenos Aires e Nova
York) em nível de difusão e comercialização. Para evidenciar
as relações desta galeria dentro do sistema das artes
plásticas, basta observar que sempre expôs os nomes mais
destacados, premiados na Bienal de São Paulo ou no Salão
Nacional de Belas Artes. E, entre as exposições escolhidas
pelos críticos para destaque no Resumo JB, estiveram sempre
0
131
indicados pelo menos uma da Bonino, quando não várias (anexo).
Atuando com a mesma orientação modernizante e profissio-
nal , o marchand Franco Terranova estabeleceu, no Rio de
Janeiro, também em 1960, a Petite Galerie. Já em 1962,
inaugurou uma filial em São Paulo, dirigida por Raquel Babenco
que se introduzira no ramo, trabalhando com Pietro Maria
Bardi. Para ter-se idéia da atuação desta galeria, basta ver a
seguinte reportagem, notícias de arte do Jornal do Brasil, na
coluna assinada pelo crítico Harry Lauss na reportagem.
"Reabertura da Petite Galerie do Rio com uma
exposição de Guinard- A Galeria f agora sob a
responsabilidade de Sérgio Bernardesr com a
colaboração do Banco Sotto Maiorf elaborou um
plano de financiamento para a aquisição de
obras de artef com entrada de 20Z e em 6
prestações com juros de l'í ao més. Os
idealizadores do Sistema foram José Luís de
Magalhães Linsf diretor do Banco Nacional de MG
e sobrinho do novo Governador mineiro
(Magalhães Pinto); José Carvalhof diretor do
DMAE; e Franco Terra nova, responsável pelo
setor artístico.
Guarenta artistas já assinaram contrato de
financiamento com a Petite Galerie, entre eles:
Manabu Mabe, Milton Dacosta, Maria Leontina,
Mário Silésio, Rubem Vaientin, Loio Pérsio; o
Glauco Rodrigues, Bianco e outros .
9 Visão, n2 18, v. 17, 28/10. São Paulo, 1960. p. 102-103. "Crediário para obras de arte"
1 32
A atuação do marchand Jean Boghici responsável pela
Galeria Relevo (Rio de Janeiro) foi também de grande destaque,
principalmente por seu apoio aos jovens da "vanguarda
carioca". Foi ele um dos organizadores da mostra "Opinião 65",
realizada no MAM do Rio de Janeiro, que foi considerada um
marco nas artes plásticas neste período. Jean Boghici foi
também o responsável pela articulação dos artistas locais com
o grupo do nouveau realisme francês, promovendo inclusive a
vinda do crítico francês Pierre Restauny, o principal teórico
deste movimento, ao Brasil.
São Paulo, na década de 60, possuia um mercado de arte
menos ativo, apesar de, como já foi visto, ter sido criada lá,
uma filial da Petite Galerie. A atuação mais intensa neste
período inicial da década foi, em termos de leilões, nos quais
se destacava Giuseppe Baccaro como organizador. De sua
experiência com leilões, ele partiu para a inauguração de uma
galeria em 1962, a Selearte, em sociedade com Biagio Motta.
Pelo quadro anexo observa—se o surgimento de várias galerias
de arte em São Paulo, no início da década. Entre elas se
destacavam a Atrium sob a direção de Emi Bonfim, Ambiente
dirigida por Radha Abramo e a Seta onde atuava o marchand
Antônio Maluf.
Estas galerias apresentavam em comum o fato novo de
atuarem com investimentos pesados, adquirindo obras dos
artistas (não mais como meros intermediários), tendo um
133
projeto de trabalho com críticos, museus, salões, etc- e
voltadas ao estabelecimento de estreitas relações com o campo
cultural- Atuavam como instância de legitimação e não apenas
como revendedores; interferiam na construção e determinação
dos padrões de artes e na criação do valor da obra a partir de
sua circulação- □ trabalho destes marchands foi de certa forma
desbravador, criando um novo estilo de relações no sistema das
artes plásticas, mais moderno e correspondente às transforma-
ções que ocorriam na economia brasileira que se internaciona-
lizava rapidamente- É importante destacar o surgimento, no
sistema das artes no Brasil, da figura de marchand de
tableaux e sua atuação nas galerias que mais se destacam.
Pode-se observar que quase todos eles (Boninos, Francos
Terranova, Jeam Boghici, Giuseppe Baccaro, Pietro liaria
Bardi) são estrangeiros, o que nos permite duas considerações.
A primeira relaciona-se com o papel que desempenham em um
momento de internacionalização do sistema das artes quando
seus contatos, experiências e Know how são decisivos. A
segunda diz respeito ao capital cultural e social que possuem,
tanto por suas formações no exterior, em centros de maior
tradição cultural, quanto pelas relações sociais que aqui
estabelecem, em decorrência de que, no pós-guerra, muitos
estrangeiros para cá vieram, formando um certo núcleo cujas
ligações com as artes favorecia estas atividades. A
procedência estrangeira, principalmente italiana e francesa,
era um fator que contribuía à carreira do marchand-
134
Outro elemento a considerar no processo de modernização
do sistema das artes plásticas é a atuação dos meios de
comunicação social, principalmente os jornais, que neste
período tinham uma atuação importante, com colunas de arte e
publicando ainda, ocasionalmente, artigos de críticos de
destaque. Mantendo colunas quase que diárias, a maioria deles
possuía, pelo menos, um crítico especializado, responsável por
estas colunas. O Jornal do Brasil, por exemplo, tinha Harri
Laus; O Globo, Vera Pacheco Jordão; a Folha de São Paulo tinha
José Geraldo Vieira e Ivo Zanini. 0 Estado de São Paulo não
tinha colunista fixo mas apresentava artigos assinados por
críticos como Aracy Amaral e Geraldo Ferraz. Nas colunas dos
jornais, eram divulgados as mostras e, principalmente, as
Bienais e salões. Como havia críticos especializados, esta
coluna atuava também na formação do público, além de informar
sobre os eventos de destaque. Publicavam—se, ocasionalmente,
em todos os jornais, artigos de outros estudiosos, como Mário
Pedrosa, Aray Amaral, Geraldo Ferraz, Clarival Valadares10.
A ação dos meios de comunicação era dinâmica dentro do
sistema, ou seja, não se tratava meramente de uma veiculação
de um perfil do sistema para o público em geral, como fazem
hoje, através do "colunismo de arte". Havia uma atuante
crítica de arte que, de certa forma, era fundamental para a
10 Haviam ainda, na maioria dos jornais uma seção bastante regular denominada "Exposições". Elas funcionavam como roteiro das mostras abertas ao público da Folha de São Paulo foi extraído o anexo.
135
formação do público11- Alguns jornais promoviam inclusive
eventos importantes dentro do sistema das artes plásticas- O
Jornal do Brasil, por exemplo, era responsável, anualmente,
pelo Resumo JB, importante meio de sistematização do panorama
artístico, criado, em 63, por Harri Lauss colunista de artes
plásticas do jornal- Esta mostra era organizada, a partir de
indicações das melhores exposições do ano, por críticos de
reconhecidos méritos do sistema das artes plásticas. As
mostras que recebiam maior número de indicações eram
representadas, resumidamente, no MAM do Rio de Janeiro- O
Resumo JB apresentava, assim, um perfil da produção plástica e
também da crítica da época- Foram realizadas ao todo dez
mostras, de 63 a 7212. A Folha de São Paulo também tinha sua
premiação, que destacava anualmente artistas plásticos — o
prêmio Lerner criado em 1959- Ele vigorou até 62, quando
faleceu o industrial Isaias Lerner, seu financiador- A Folha
mantinha, ainda, uma galeria de arte nas suas dependências,
sob a direção de José Geraldo Vieira.
Em termos de revistas, na primeira metade da década não
havia no país nenhuma publicação especializada em artes
plásticas. As revistas de grande circulação como A Cigarra, O
11 Vários entrevistados, entre eles Carlos Zílio, Carlos Von Shimith, Aldemir Martins e também Aracy Amaral (na banca de qualificação), destacaram esta atuação dos meios comunicação mais comprometida e crítica, nos anos 60. A maioria, inclusive, lamentando as modificações que levaram as condições atuais.
12 (A lista de artistas selecionados nas 10 edições do Resumo
JB estão em anexo).
136
Cruzeiro, Visão e Senhor apresentavam, ocasionalmente, artigos
sobre artes plásticas. A revista Senhor tinha uma coluna
especial para artes plásticas, onde noticiava exposições,
salões, bienais, fazendo pequenos comentários informativos.
Centrava suas observações nos aspectos estilísticos e na
personalidade de artista. Esta coluna não era assinada. O
Cruzeiro e A Cigarra apresentavam reportagens fartamente
ilustrada, com temas da história das artes plásticas
internacionais ou reportagens sobre algum artista nacional de
destaque como Portinari ou Alejadinho. A revista Senhor era a
que mais se identificava com as tendências modernizadoras e
com a corrente abstracionista, nas vertentes concreta e
neoconcreta. Utilizava, inclusive, ilustrações e capa com
obras de artistas plásticos.
Os meios de comunicação de massa, neste momento, tinham
uma importante atuação dentro do sistema das artes, mas
bastante sujeita às orientações gerais dos críticos ou outros
especialistas. Os meios de comunicação acompanhavam as
modernizações do sistema e as divulgavam para o grande
público, apresentando uma idéia das artes plásticas como uma
importante manifestação cultural que acompanhava as grandes
mudanças por que passava a sociedade brasileira. Um exemplo é
o texto "Desenvolvimento muda a arte" no qual se afirma
Desenvolvimento econômico e filosófico determinaram novas
137
4 3 for/nas de expressão artística -
Ao abordar o sistema das Artes plásticas no Brasil, nos
anos 60, é preciso considerar o isolamento cultural das
diversas regiões deste extenso território, naquele momento em
que os sistemas de comunicação, via satélite, ainda não haviam
sido implantados. Este estudo, no entanto, ficará restrito às
cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo, que não constituíam
um eixo, mas dois pólos que disputavam hegemonia. No início
dos anos 60 constata-se uma predominância do Rio de Janeiro,
onde se encontravam mais estruturadas as relações entre os
indivíduos atuantes nas artes plásticas. Isto porque, apesar
da transferência da sede do governo para Brasília, a antiga
capital continuava sendo um centro de poder. O Rio preservava
importantes estruturas sob forma de instituição, reconhecidas
e aceitas como legítimas e legitimadoras, tais como, o Museu
Nacional de Belas Artes, Escola Nacional de Belas Artes e o
Salão Nacional de Belas Artes. Ao longo dos anos 60, o Rio de
Janeiro permaneceu hegemônico, perdendo sua influência
gradativãmente, de maneira que, na década seguinte, São Paulo
o suplantou, em termos de importância, dentro do sistema das
arte plásticas, assim como em outros aspectos14. Esta mudança
do centro de influência fez parte da própria evolução
13 Visão* v. 16, n- 1, 01/01. São Paulo, 1960. No texto há comentários sobre a Bienal na qual Manabu Mebe ganhou o prêmio de melhor pintor nacional e houve ainda uma premiação acentuada para os valores jovens.
14 Ver anexos: "Salões e "Instituições" neles evidendia-se claramente a hegemonia carioca no início dos anos 60 e o progressivo fortalecimento de São Paulo chegando este ao
138
final da década de 70 como hegemônico.
capitalista do país, em que São Paulo se impôs como pólo de
concentração de capitais no processo de transição para a etapa
capitalista monopolista em que redefiniram-se as relações
entre as diversas frações do capital e a própria inserção do
país no sistema capitalista internacional.
As transformações, que já vinham ocorrendo desde a
segunda metade da década de 50, no início de 60, acarretavam
crises econômicas às quais se somavam as lutas populares e
nacionais. O pacto populista se rompia, questionado pelos dois
pólos nele envolvidos: dominadores e dominados. Como observa
Caio Navarro de Toledo, "Para os que vêem nos conflitos e
antagonismos o sinal da desagregação socialf os de 'os tempos
de Goulart' só podem ser encarados como trágicos 'tempos de
caos e de anarquia' . Entre 1961 e 64, o poder político no
país estava em crise, acelerando—se as disputas sociais e as
mobilizações populares. A queda da taxa de lucro, decorrente
da quebra de ritmo do crescimento industrial, dava mostras de
fissuras no projeto desenvolvimentista. A luta política
sobredeterminava a crise econômica.
Neste quadro da realidade nacional, o sistema das artes
plásticas se manteve à margem das mobilizações que levaram ao
amplo movimento cultural-conscientizador que tomou forma
Caio Navarro de Toledo - O governo Goulart e o Golp^ de 64. São Paulo, Brasillense 1985 p, 9.
139
através de diversos grupos, como se evidencio no segundo
capítulo, relativo às práticas artísticas nos anos 60 e 70.
Neste momento dinâmico da história do país, enquanto vários
setores artísticos se engajavam nas disputas democratizantes,
as artes plásticas mantiveram posturas mais elitistas de
orientação internacionalista. Não se introduziram alterações
nos circuitos que indiquem tendências democratizantes.
Ocorreu, isto sim, algumas manifestações individualizadas como
as participações de Aldemir Martins (neste momento morando na
Itália) e Marcelo Grassmann que produziam gravuras para um
calendário produzido pelo Centro de Cultura Popular da União
Nacional de Estudantes. Estes artistas tinham já um renomado
destaque no sistema das artes plásticas e sua participação foi
importante para o sucesso das vendas. No entanto, isto não
chegou a caracterizar uma atuação do sistema das artes
plásticas, que permaneceu restrito a círculos elitistas, e sem
questionamentos internos. Haja visto que, no início dos anos
60, não se podia entrar no MAM sem convite, terno e gravata.
No vernissage de "Opinião 65", houve um incidente com Hélio
Oiticica, que levara para o Museu seus Parangolés e também o
pessoal da Escola de Samba Mangueira, da qual ele era
passista. "Foi a primeira vez que o povo entrou no museu.
Ninguém sabia se o Oiticica era gênio ou louco e, de repentef
eu o vi e fiquei maravilhado. Ele entrou pelo museu adentro
com o pessoal da Mangueira e fomos atrds. Quiseram
expulsd-los f ele respondeu com palavrões, gritando para todo
mundo ouvir; é isso mesmof crioio nõ.o entra no MAM, mas isto é
140
racismo- E foi ficando exaltado. Expulso, ele foi se
apresentar nos jardins, trazendo consigo a multidão que se
acotovelava entre os quadros"1 **.
Evidencia-se assim, o caráter elitista do sistema das
artes plásticas e as dificuldades que encontraram os
intelectuais comprometidos com projetos de democratização,
para atuarem dentro dele- Os momentos mais ricos e fecundos
das artes plásticas no Brasil estiveram ligados aos projetos
modernizadores dos setores dominantes: o modernismo, expressão
do projeto de substitução de importação e o neoconcretismo,
expressão do Projeto Monopolista. As elites brasileiras
encontravam nas artes plásticas um espaço inestimável para a
realização de sua representação simbólica. Embora utilizando,
ocasionalmente, recursos do imaginário popular, as artes
plásticas expressavam, com maior eficiência, o ideário das
elites, alcançando, nestes casos, maior desenvolvimento e,
conseqüentemente, representatividade no âmbito nacional e
internacional. As inovações não eram bem recebidas pelo
público e colecionadores como mostra o seguinte depoimento.
"Comentava-se outro dia numa roda de jovens o
sucesso financeiro de pintores a quem a crítica
especializada não parece atribuir qual á altura
do êxito alcançado. 'Ora acho fácil de
compreender' disse uma jovem pintora, pois a
pintura deles é agradável e neutra. Traz uma
sugestão de mistério e, além do mais,
1<5 Catálogo "Opinião 65". Galeria de Arte do BANERJ. Rio de Janeiro, ago. 1985.
141
corresponde bem ao estila que está em moda na
decoraçáo de interiores, Seus quadros nâto
interferem com o sofá nem brigam com os
cristais as pratas ou as opalinas * Sobretudo,
não exigem atenção, Assim se o pintor
quizer seguir uma linha mais audaciosaf se
abandonar as formas de arte contemporâneas já
aceitas pelo público, dificilmente encontrará
comprador, Os colecionadores são ainda muito
tímidos e não ousam jogar com o desconhecido, Q
artista que deseja inovar ou pesquisar tem que
garantir seu ganha pão através de um emprego
auxiliar, ou então enfrentar sérias
dificuldades,,,"i7 .
Retomando a questão apresentada no primeiro capítulo,
referente a orientação básica de distinção social que
fundamenta o sistema das artes plásticas, pode-se afirmar que
as elites, de maneira geral, olharam com desconfiança as
mobilizações democratizantes que se desenvolviam neste
momento. Delas não participavam, permanecendo as artes
plásticas alheios a estas radicalizações. O sistema respondia
assim aos interesses das elites em se manterem de fora e mesmo
em oposição a estes "tempo de Caos". O que se observa é, pelo
contrário, um fortalecimento do caráter distintivo das artes
plásticas, expresso no crescimento do mercado de artes
plásticas. Considerado como um investimento livre das
flutuações decorrentes das políticas econômicas, o mercado de
arte passou a representar a estabilidade dos investimentos. O
17 Realidade, n- 5, ed. abril. Rio de Janeiro, Ano I, ago. 66. "Esta é a arte de nosso tempo" Mario e Vera Pedrosa, p. 66.
142
artigo de capa da revista Visão "O nosso mercado de arte"
demonstra a vitalidade deste setor. Nele, artistas e marchands
concordam que no Rio e São Paulo há um mercado estável para a
obra de arte. Enfatizam a popularização da arte através do
lançamento de álbuns de gravuras e destacam a atuação das
galerias Bonino, Petite Galerie, Barcinsky, Mommatre e Relevo,
no Rio e Astréia e Seta em São Paulo18. Comparativamente à
década seguinte, este ainda era um período de fraco movimento
no mercado de arte; as exposições ainda não apresentavam a
variedade e profusão, os catálogos eram simples e nem sempre
contavam com a apresentação de cri ticos. Na verdade, o sistema
de instituições que se consolidava, ainda não se articulara
profundamente com o setor comercial; algumas mobilizações,
disputas e questionamentos ainda se estabeleceriam na segunda
metade da década de 60, antes que o processo de
mercanti1ização do sistema se estabelecesse como dominante.
4.2 — Disputas Sociais e Mobilizações no Sistema das Artes
Plásticas
O golpe de 1964 instaurou uma nova ordem política, "A
crescente radicalização política do movimento popular e dos
trabalhadores, pressionando o Executivo a romper os limites do
pacto populista, levou o conjunto das classes dominantes e
setores das classes médias - apoiados e estimulados por
18 Vis<3o, v. 23, n2 26, 06/12. São Paulo, p. 20 a 23, 1963. "O nosso mercado de arte".
143
agências governamentais norte-americanas e empresas
multinacionais - a condenar o governo Goulart, tf derrubada do
governo contou com a participação decisiva das forças armadasf
as guais - a partir de meados de abril do 19ó4 - impuseram ao
pais uma nova ordem político institucional com características
crescentemente militarifadas, tfs reformas exigidas polo
capitalismo brasileiro seriam agora implementadas, Repudiando
o nacional reformismo, as classes dominantes f através
do Estado burguês militarizado f optariam pela chamada
modernização conservadora f excluindo, assimf as classes
trabalhadoras e populares da cena política e pondo fim d
jip democracia populista .
As alterações que se estabeleciam na estrutura do sistema
produtivo do país, com a hegemonia dos setores modernos, sob o
ponto de vista da tecnologia e da orientação monopolista,
introduziram diversificações na estrutura social e
reorientaram novos ajustamentos entre os grupos sociais. O
novo modelo de desenvolvimento que se impôs pós 64, exigiu a
contenção das reivindicações das massas e a subordinação dos
grupos empresariais tradicionais à crescente monopolização da
indústria. Este processo atingiu os setores médios dos quais
eram oriundos uma grande fatia da intelectualidade brasileira,
principalmente os artistas. Desencadeava-se assim uma reação
bastante localizada (centros urbanos como Rio de Janeiro e São
Paulo) que se expressava na mobilização promovida pelos
ip TOLEDO, Caio Navarro. O Governo Goulart e o Golpe de 64.
São Paulo, Brasiliense, 1985, p. 120.
144
movimentos artísticos. O teatro de opinião, a música de
protesto, foram alguns dos exemplos destas realizações. Otilia
Arantes descreveu: "Pode-se dizer que de 65 a 69 até a
revanche da regimef boa parte dos artistas brasileiros
pretendiar ao fazer arte, estar fazenda política. Passada a
hesitação do primeiro momento - provocado pelo golpe militar e
pelos primeiros expurgos e prisões — os intelectuais e
artistas voltam a reclamar para si um papel de resistência ao
processo por que passava o pais
A mi 1itarização do aparelho de Estado, exigiu a abolição
dos partidos políticos e usurpações das prerrogativas
legislativas e judiciárias, dando origem a uma série de
reações dentro mesmo das classes dominantes. Este processo de
reação ao autoritarismo atingiu também os setores médios dos
quais era oriunda uma grande parcela da intelectualidade
brasileira. A intensa mobilização que se desencadeou nos
diversos setores artísticos já foi referenciada no capítulo
dois. O que se fará, aqui, é observar como isto se processou
no sistema das artes plásticas que, na segunda metade da
década de 60, não ficou mais alheio às mobilizações sociais,
mas entrou em importante processo de dinamização.
Sobre este período Frederico de Moraes comenta: "... Os
primeiros anos, após uma tentativa algo frustrada de uma arte
20 Arantes, Otilia. De "Opinão 65" a 18 Bienal - São Paulo, Novos Estados CEBRAP, n- 15, julho 86, p. 69-84.
145
voltada, para o diálogo com o povo - O Movimento de Cultura
Popular, o CFC - foram de indecisão e silêncio. O esforço para
falarf discutirf opinar e sugerir alternativas só tem início
em 1965 e 1966f com a realização das mostras denominadas
'Opinião' , no Rio, e 'Propostas' em São Paulo'
Em termos de artes plásticas, já o ano de 1964 foi
marcado por eventos que concorreramm para grande mobilização
que se desencadearia: a exposição Nova Figuração na Galeria
Relevo, no Rio de Janeiro e a vinda de Pierre Restany ao
Brasil- Pierre Restany era o criador teórico do movimento
Nouveau Realismó francês; sua vinda ao Brasil foi propícia à
penetração desta tendência no meio artístico- Neste sentido,
convergiam os interesses de Jean Boguichi e Pierre Restany: ao
primeiro interessava o aval europeu para os artistas com que
trabalhava e ao segundo, o reforço para o movimento que criara
e do qual era o principal teórico- Também a mostra "Nueva
Figuración'1 dos artistas argentinos Noé, Maccio, Leira, e De
la Vega, realizada em 63, na galeria Bonino, causou
repercussão, principalmente entre os jovens artistas,
insatisfeitos com os excessos decorativistas a que a abstração
estava levando a grande massa da produção local- Nesta
perspectiva foi realizada, no Museu de Arte Moderna do Rio de
Janeiro, a mostra "Opinião 65M. Organizada por Ceres Franco
(morando então em Paris) e Jean Boghici, marchand da galeria
Relevo- Esta exposição apresentou trabalhos de artistas
21 MORAES, Frederico. Catálogo "Arte Brasileira séc. XX Caminhos e Tendências" - Gal. Global, 1976.
146
Algumas de suas intenções se evidenciam no texto do catálogo,
em que se destaca a relação desta mostra com as últimas
tendências internacionais:
"Opinião 65 é uma exposição de ruptura, Ruptura
com uma arte do passado- O exemplo vitorioso da
'pop-art' americana e as realizações do novo—
-realismo europeu encontrarem eco no jovem
artista de vanguarda e encoraj aram-no a
contestar a famosa afirmação de Naurice Denis,
sobre a qual se baseou a pintura abstrata -
Se a vanguarda artística mundial derruba assim
os conceitos fixados durante tantos anos numa
estética comodaf é porque o artista hoje desem-
penhando um papel novo na sociedadey não aceita
o tributo de uma tradição plástica caduca- A
jovem pintura pretende ser independente,
polêmicaf inventiva, denunciadora, crítica,
social, moral- Ela se inspira tanto na natureza
urbana imediata como na própria vida com seu
culto diário de mitos-
De minhas vindas últimas ao Brasil constatei
que um número crescente de jovens artistas
brasileiros trabalha com o mesmo intusiasmo e
espirito de pesquisa que o jovem artista
europeu- Por essa razão resolvi reuni-los nesta
mostra que o museu de Arte moderna do Rio de
Janeiro tem a gentileza de acolher"22 '
A retomada da figuração dentro dos moldes mais contempo-
22 Ceres Franco. Apresentação Catálogo Opinião 65. MAM - Rio de Janeiro, 1965.
147
râneos das vanguardas européias e norte americanas (Nouveau
Realisme e pop art) encontrou espaço fértil, neste momento,
em que os setores jovens da intelectual idade,oriundos de
classes médias urbanas, estavam tendo oportunidades de acesso
aos bens culturais e aos meios de sua produção- Estes elemen-
tos, jovens, oriundos ou ligados aos movimentos democratizan—
tes do início da década, forçavam uma abertura no sistema das
artes plásticas. E o faziam, utilizando estratégias de
subversão,que envolviam o questionamento da produção
institucionalizada nas também formas de ocupação de institui-
ções legitimadoras dentro do sistema das artes plásticas.
"Todos os entrevistados pela equipe da galeria
de arte do BANERJ foram unânimes em situar a
importância do Museu de Arte Moderna do Rio,
como ponto de encontro da geração Opinião ó5...
Costumavam se encontrar â porta da escola de
Belas Artes: Dias, Gerchman, Adriano e
Magalhães; freqüentavam, como alunos, o ateliê
de gravuraf primeiro com Goeldi depois com Adir
Boteiho. Mas o fascínio residia mesmo no MAM -
até porque sua ocupação era parte da estratégia
doz grupo 'O que queríamos era forçar a barraf
abrir espaços em todos os lugares e exposições.
Éramos uns brigões insuportáveis para os
outros, imagino".
Conta Gerchman. E Dias confirmas
"Uma de nossas estratégias era participar em
bloco de todas as exposições. E assim fizemos
no Salão Esso de 1964 e no Salão Nacional, que
àquele tempo funcionava, tinha prestígio r
148
estava sempre cheio de gente, mas o pessoal
jovem ainda n<3o tinha acesso a ele. Quanto ao
MAM f era de extremo interesse ocupd — Io,
enehê-lo com a nossa produção, Afc5s queríamos
fazer muito barulho, mudar o comportamento do
No entanto, a maneira como estas mobilizações atingiram o
sistema das artes plásticas, permite retomar as colocações
iniciais deste trabalho sobre a forma como as influências
externas são filtradas pela estrutura do sistema. Toda
mobilização dos anos 61—64, popularizantes e altamente
politizados, não penetrou nas instâncias do sistema das "artes
plásticas", lias, os questionamentos colocados pelas vanguardas
internacionais do Nouveau Realisme Francês, e do pop
americano, estes sim, penetram,legitimados pelas instituições
do sistema. Opinião 65, por exemplo, foi uma exposição
organizada por marchands com conexões internacionais,no
Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, contando com
participação de artistas brasileiros e franceses. Ela foi o
marco de uma série de outras manifestações que também
estiveram referendadas pelos movimentos internacionais e por
instituições de reconhecido prestígio.
O ano de 1965 foi especialmente importante para estes
jovens, iniciando já em março com o primeiro Salão Esso de
Jovens Artistas, realizado no Museu de Arte Moderna do Rio.
Este salão abriu espaço específico para jovens (menos de 40
^Catálogo Opinião 65, Galeria do BANERJ, RJ, 1987.
149
anos) e foi organizado pelo chefe da Divisão de Artes Visuais
da União Panamericana, em colaboração com institutos de belas
artes públicos e privados dos países participantes. Ele foi
realizado em 18 países latinoamericanos e Gomes Sincre,
diretor desta divisão, tomou parte nos 18 júris nacionais. O
prêmio era de 700 dólares para pintura e escultura; os
ganhadores participariam de um Salão Esso de Artistas Jovens
latinoamericanos a ser realizado em Washington, concorrendo a
um prêmio de 1000 dólares. Os custos do evento estiveram a
cargo das Esso Standard Oil. No Brasil, os ganhadores foram:
Mauricio Salgueiro, Alberto Teixeira, Yukata Toyota e Nicolas
VIavianos. Este salão demonstrava o interesse das instituições
do sistema das artes plásticas na renovação da produção
plástica e na sua orientação dentro das tendências
internacionais e também o apoio que empresas multinacionais
davam a este tipo de atividade. Fica bem evidente, nas
palavras de Gomes Sincre, as relações do capital empresarial
com o sistema das artes plásticas e a legitimação social que
buscam.
"En todo esoT además f se habia destacado ei
hecho de que ia industria f ei capital privado,
en un mundo libre, intervenia en ei proceso de
aliento ai espiritu por médio de un acto de
innegable trancendencia cultural. A ese acto,
ia OEA contribuía, como afirmé antes, con la
experiência y con la fe de su División de Artes
Visual es"24-.
24 Sincre, Gomes. In: Orlando Soares. La jauia invisitoie, 1986. op. cit. p. 99-100.
150
A criação de revistas de arte foi também resultante dos
processos modernizantes por que passava a sociedade
brasileira. Publicações específicas de artes e, mais ainda,
dominantemente de artes plásticas ou totalmente dedicada às
artes plásticas, foram uma inovação introduzida neste período.
Elas foram palco e fizeram parte, de forma bastante intensa,
das mobilizações que ocorriam no sistema das artes.
Em 1965, no MASP, foi lançado o jornal, sob forma
tablóide - "artes": com cuidadosa impressão e diagramação
inovadora foi um empreendimento ousado- Seu Diretor Carlos Vom
Schimit era um jovem egresso do mercado publicitário que
percebeu a existência de um espaço neste momento para a
divulgação artística em um meio mais amplo. Sua intenção era
atingir um público o mais abrangente possível; a primeira
edição foi de 1500 exemplares, o preço era acessível em
relação ao poder aquisitivo da classe média e sua distribuição
era feita em bancas de jornais. Tinha nitidamente a intenção
de divulgar as tendências internacionais mais atualizadas.
Segundo palavras de seu editor:
"No início9 publicamos muitos artigos
foca 1izando o que se fazia no mundo* À modida
em que as artes cresciam no paísf o que
acontecia no mundo passava a interessar
menos-Como fonte de informações havia as
Bienais, Museus e secções de artes plásticas na
biblioteca municipalf dirigida por Maria
151
Eugenia Franco? com excelentes revistas
internacionais sempre atualizadas, Eu era um
assíduo freqüentador. Publicávamos traduções de
textos ou artigos elaborados a partir de
leituras, cobríamos os Bienais e expôs içr^es
importantes, estávamos sempre muito bem
informados e nossa intenção era colocar essas
informações ao alcance do público em geral,
Havia muito interesse por parte das pessoas
pelos temas artísticos e culturais, Hma
exposição? por exemplo? era um verdadeiro
evento cultural? sendo visitado por um número
grande de pessoas, Para isto concorria o fato
de que cada artista sd raramente expunha
(algumas vezes um espaço de três anos entre uma
e outra exposição) e? portanto? todos queriam
ver estas exposições e mesmo a Bienal era muito
mais freqüentada? ou pelo menos era freqüentada
por um público muito mais interessado e
participativo
Também foi editada, neste momento (1966), a primeira
revista especialmente dedicada às artes plásticas: "GAM
Galeria de Arte Moderna". Esta revista era, na época de seu
lançamento, uma coletânea de artigos sobre as artes plásticas
de alto nível, assinados pelos intelectuais mais destacados do
setor: Mário Pedrosa, Clarival Valadares, Geraldo Ferraz, ...
Apresentava artigos com temas variados, em linguagem erudita,
referenciando informações que exigiam do leitor certa bagagem
cultural. Não tinha muitas ilustrações, mas era bastante
trabalhadora em termos de diagramação, havendo ocasionalmente
23 Entrevista concedida por Carlos Von Schimith à Autora em nov. de 1987. São Paulo.
152
gravuras de artistas encartadas e a capa, em geral,
apresentava a reprodução de um trabalho artístico. Com
espírito empresarial em relação ao setor, utilizava
publicidade de grandes empresas (brancos, estatais e
multinacionais) e ainda de galerias e lojas de móveis e
decorações. Os artigos ilustrados com reproduções de obras,
passavam uma idéia confiável sobre artes plásticas; as
críticas eram justificadas e havia bastante informações.
Havia, além disso, secções dedicadas a informar o que estava
acontecendo (Bienais, salões, exposições, concursos, etc.) com
indicações de nomes locais, data, sem avaliação ou
posicionamentos críticos; estes ficavam restritos aos artigos
assinados. A revista deixava sempre transparecer a idéia das
artes plásticas como uma atividade dinâmica e modernizadora, e
da revista, com um empreendimento qualificado no setor.
Publicada no Rio de Janeiro, em seu editorial se apresenta
como uma resposta a expextativas do setor.
"GAM surge com a finalidade de servir de ponte
entre as artistas e o público. Uma meta que é
conseqüência mais de uma imposição que de uma
eleição. Porque resultado da necessidade de
eliminar o descompasso flagrante entre o
desenvolvimento artístico do pais e as
informações sobre ele disponíveis.
(...) Cresce com a proliferação das galeriasfo
mercado de arte e número de artistas
profissionais^ fenômeno que não se limita ao
Rio de Janeiro e São Paulo. E no entantof não
havia uma só revista de artes plásticas. Um
153
claro enorme a preencher, tarefas que n3o pode
ser exclusivas de GAM* Mas a satisfação da
aventura pioneira pertence—lhe integralmente-
GWM é isenta de preconceitos. G ecletismo de
seu quadro de colaboradores que não se
restringem aos críticos de arte que aparecem
neste prime iro número, atesta-o, Es tá aberta ao
debate dos problemas da arte contemporânea, com
a única preocupação de ajudar a esc 1 arecé-lo.
Nem sentira temor diante do novo, ainda que ás
vezes isso possa parecer arriscado.
Com este propósito, apresentara, nâío raro, ao
lado de artistas de mérito já indiscutível,
nomes desconhecidos e sujeitos a controvérsias,
£ sd"2<\
Como evidência desta dinamização e articulação de
tendências, no ano seguinte (67) foi lançada, em São Paulo, a
Revista "Mirante das Artes", dirigida por Pietro Maria Bardi-
Ela ilustra outra orientação que se delineava no sistema das
artes neste momento a articulação de diversas instituições-
Pietro Maria Bardi era Diretor do Museu de Arte de São Paulo,
dono da Galeria Mirante das Artes e também diretor da revista
de mesmo nome. Embora esta não fosse uma revista só de artes
plásticas, era dominantemente dedicada a este setor. Eram
apresentadas matérias sobre fotografia, design, moda,
arquitetura em pé de igualdade como arte moderna ou
tradicional. Havia, artigos assinados por nomes de destaque
2C* GAM. Galeria de Arte Moderna - Editorial, n~ 1 - 1966.
154
dos diferentes setores artísticos- Aracy Amaral, Mario Chamié,
Roberto Schwartz, Ulpiano Bezerra De Menezes- Havia também
secções não assinadas, que faziam alusões críticas e pequenas
ironias a pessoas e instituições do sistema das artes
plásticas, como esta por exemplo.
"Mas o fato mais brilhante foi a nomeação da
novo diretor da Pinacoteca do Pstado fcargo
políticof depois da administração do Espírito
que guiava conjuntamente ao Pr - Ruy r o Adhemar
de Todas as Paradas- Naturalmente oram do zonas
o dezenas os aspirantes fquem n&o entende de
arte quando o bilhete premiado dá emprego
público?) A escolha devo ria ser feita na
redação de "O ESTADO DE SÃO PAULO"z depois das
semi—finais ficaram finalistas dois nomesf do
Sr, Geraldo Ferrazf o valoroso crítico de arte
do £? Estado (que acompanha o movimento da arte
nacional a trinta e cinco anos como
profissionalf homem viajadof com suas idéias
mas com idéias, conhecimentos, curriculum,
livros publicados!, e o Sr. Del miro Gonçalves,
um redator do Suplemento Feminino do Grande
jornal- Todo mundo, na jogada aponta o Geraldo-
O Governador Sodré nomeou o Sr, Del miro, talvez
sabendo que naqueles dias, na revista "Visáo",
discursando sobre arte local, o convidado fazia
uma clamorosa confusão entre Anita Malfati e , «2 7
Tarsila do Amaral
Nesta revista era dado ênfase ao colecionismo, com
artigos sobre colecionadores, coleções e formas de colecionar.
27 Mirante das artes, n— 4, jul./ago. 1967, São Paulo: t/ma Cobertura Society no quadro da política palaciana das artes, p. 11.
155
O que evidencia preocupações com o mercado de arte. A busca da
originalidade da diagramação, utilizando inclusive desenhos de
Wesley Duke Lee especialmente criados para tal, muitas vezes
dificultava a leitura, pois não ficava claro o início e fim
dos textos. A publicidade era apresentada no início e no fim
da revista sem interferir muito no corpo central.
Estas três publicações, lançadas quase ao mesmo tempo,
(65, 66, 67) evidenciam um panorama dinâmico, dentro do qual a
divulgação das artes plásticas atingia níveis de eficiência e
profissionalismo. Seu público era constituído por elementos da
elite intelectual e econômica, identificados com a
modernização da sociedade e também das artes plásticas. Estas
revistas atuarem como estratégias de subversão, na medida em
que noticiavam as vanguardas ao lado da produção já consagrada
(como foi dito no editorial da GAM) concorrendo para a sua
legi timação.
Como as estratégia de subversão visavam basicamente abrir
espaços para a nova produção e os novos artistas nas
estruturas já estabelecidas, deve-se observar ainda neste
momento, o importante papel que os salões desempenharam na
consagração destas novas tendências. Tradicionalmente, o que
ocorria de mais importante em termos de salões, era o Salão
Nacional de Belas Artes. Remanescente do academicismo e
modernizado pelas pressões dos modernistas, na década de
trinta, este salão oferecia um cobiçado prêmio de viagem ao
156
exterior. Apesar de não ter mais a importância que tivera para
os modernistas, ainda era um evento fundamental, em termos de
legitimação, pois garantia a saída para o exterior. Este
prêmio representava possibilidade de atualização no circuito
internacional e reconhecimento local. Sediado no Rio de
Janeiro, promovido pelo governo federal, o salão envolvia na
sua maioria críticos e artistas cariocas ou lá radicados,
constutindo um fator determinante na manutenção da hegemonia
deste pólo. Além deste, havia ainda o Salão Paulista de Belas
Artes e a Bienal Internacional de São Paulo. Sendo esta última
realmente um evento fundamental na modernização que se
processava. Sua importância e destaque se evidencia no próprio
noticiário de arte, onde ocupava um espaço que não podia ser
alcançado nem de perto por nenhum outro evento do setor. A
importância destes dois salões e da Bienal, ainda no início da
década de 60, pode ser comprovada por sua constante citação em
catálogo de artistas da época e pelo fato de que aqueles que
eram premiados praticamente tinham garantidos, espaços para
exposições em galerias importantes.
No entanto, a partir da segunda metada da década de 60, é
surpreendente o número de novos salões que passam a ocupar os
noticiários e a serem citados em catálogos de artistas. O
quadro dos mais importantes salões (anexo) mostra sua
progressiva expansão com um período de concentração entre a
segunda metade da década de 60 e a primeira de 70. Pode-se
observar, ainda, é a constância de nomes dos jurados e a
157
ocorrência de premiações para os mesmos artistas (anexo) o que
reforça a idéia destes salões como espaço de consagração das
novas tendências e o papel do crítico na sua legitimação.
A atuação das vanguardas com as disputas em que se
empenhavam, ficaram, no entanto, de certa forma, periféricas
nas divulgações que se fazem das artes plásticas nos meios
voltados ao grande público. □ sistema permanecia realizando
exposição de abstracionistas, primitivos e modernistas, e as
mesmas instituições que, ocasionalmente sediavam os eventos
das vanguardas, sediavam também exposições mais tradicionais.
O momento comportava esta dualidade.
Marcando o reconhecimento das vanguardas brasileiras e
promovendo sua legitimação, alguns importantes eventos
internacionais contaram com a presença de representantes das
vanguardas brasileiras. Na Bienal de Tóquio em 67, na
representação brasileira foram Maurício Nogueira, Hélio
Giticica, Nelson Leiner e Rubens Guerchman e ainda, no mesmo
ano, na Bienal de Paris, estiveram presentes também Hélio
Oiticica e Rubens Guerchman, além de Avatar Moares e Regina
Vater. E, foram ainda premiados nas Bienais de Paris (65)
Antonio Dias e Roberto Magalhães e na de Tóquio (65) Wesley
Duke Lee.
As vanguardas receberam também apoios internos por parte
de críticos, entre os quais se destacam Frederico de Moraes,
1 58
Mário Pedrosa, Ferreira Gullar, Walter Zanini e outros. O
Salão Jovem Arte Contemporânea, promovido pelo Museu de Arte
Contemporânea da Universidade de São Paulo, era um dos espaços
onde as vanguardas encontravam abrigo. Também o Diário de
Notícias do Rio de Janeiro patrocinou o evento "Um més de arte
pública", realizado em 68 sob a coordenação de Frederico de
Moraes, crítico do jornal. Foi uma importante mobilização,
realizada no aterro do Flamengo da qual participaram Hélio
Oiticica, Rubens Guerchman, Vergara e muitos outros nomes da
vanguarda carioca. O quadro anexo apresenta vários eventos das
vanguardas evidenciando espaços institucionais e críticos que
as apoiavam.
4.3 - As Vanguardas: Disputas Estéticas e Disputas Políticas
A modernização artística, como parte do plano
desenvolvimentista, esteve voltada para a ampliação do
público, basicamente nos grandes centros urbanos (SP e RJ),
sob a bandeira da atualização com as vanguardas
internacionais. As artes plásticas eram colocadas como parte
do esforço modernizador em que o país, sob a direção de suas
elites, se empenhava desde a segunda metade da década de 50.
Elas se prestavam com eficiência a esta tarefa de referendar a
superioridade dos elite dirigente e de seu projeto político.
Na medida em que se acirram as disputas sociais, na década de
60, alguns setores artísticos se engajaram em projetos mais
democratizantes, forçando a penetração desta disputa no
159
interior do sistema das artes plásticas como estratégia
democ rati zante.
As instituições do sistema das artes plásticas foram
envolvidas pela mobilização decorrente das disputas que se
travavam na sociedade brasileira. O MAM do Rio de Janeiro, por
exemplo, sediou exposição "Opinião 65" e, no ano seguinte.
Opinião 66; a FAAP em São Paulo realizou a exposição Propostas
65 e a Biblioteca Municipal de São Paulo organizou, no ano
seguinte, a mostra Propostas 66, acompanhado de um seminário.
Ocorreu ainda, em 66, a i~ Bienal Nacional de Artes Plásticas
na Bahia, promoção do Governo do Estado e do Banco da Bahia.
Estas diferentes promoções apresentavam alguns traços em
comum. Primeiramente, uma disposição para renovação do sistema
a partir das vanguardas contemporâneas: Pop americano, optical
art e Nouveau Realisme. Em segundo lugar, uma idéia de que o
fazer artístico deveria estar integrado ao cotidiano,
envolvendo o espectador, saindo dos espaços da parede e do
pedestal. Com isso, se alargou a atuação no sistema; mais
espaços foram articulados (espaços públicos) e os espaços
tradicionais (museus) se alteraram para receber as novas
manifestações. Os Parangolés de Hélio Oiticica por exemplo,
foram apresentados no MAM/RJ, mas não ficaram presos nas
paredes e sim desfilaram pelo prédio no seu interior e
exterior. As exposições de objetos, alguns de grande porte e
complexas estruturas, exigiram alterações nas montagens e no
dimensionamento das exposições. As aspirações políticas não se
160
manifestavam, como até então, preponderantemente em nível de
conteúdo, mas também em alterações na dinâmica do sistema das
artes plásticas. Muitos destes questionamentos, inclusive,
tinham como objeto o próprio sistema e seu conceito básicos a
"arte". Nesta linha de ruptura e redimensionameto estiveram os
trabalhos de Lígia Clark "Caminhando" (64) e "A cara é o
corpo" (68), ou de Carlos Vergara "Berço Esplêndido" (69).
Todas estas obras exigiram, no mínimo, uma adaptção dos
espaços tradicionais de difusão do sistema das artes
plásticas, e mais ainda, um rendimensiomanto do conceito de
arte. O questionamento do sistema das artes plásticas
(incluindo o próprio conceito de arte) e a aspiração de
mobilizar a participação do público era comum a todos os
grupos de arte de vanguarda, neste momento.
Esta produção, portanto, podia se altamente
questionadora, mas se encontrava dentro dos limites do sistema
no circuito mais restrito da circulação de suas obras. Seu
alcance ficava limitado ao sistema das artes, passando por uma
legitimação que vinha do exterior, sendo, portanto, muitas
vezes, contraditória em relação as questões locais mais
especí f icas.
Três grandes contradições se destacam nesta produção de
vanguarda. A primeira é entre uma mobilização calcada ainda na
matriz populista, mais participativa e democratizante, e o
elitismo do sistema das artes plásticas ainda preservado. A
161
tendência a uma atuação mobilizadora de grandes contingentes
de classe média urbana que estavam sendo incorporados como
novo público consumidor e mesmo como produtor, repercutiu nas
artes plásticas. Fazendo eco às efervescências do teatro
Opinião, Oficina e Arena, ao cinema novo, à música de
protesto, as artes plásticas também se mobi1izavaram.
Mobilização que se evidenciava tanto nas novas temáticas, que
passavam a abordar aspectos do cotidiano das grandes cidades
(futebol, as massas em suas disputas por espaço, a violência
urbana, etc...) como nas tentativas de novos circuitos
(feiras, exposições em espaços públicos). Estas propostas, no
entanto, conf1ituavam com a tradição elitista das artes
plásticas e com seu papel de distinção e legitimação da
dominação, que não iniciara neste momento, mas fazia parte da
própria história deste sistema. Esta contradição ficou sem um
encaminhamento de superação; uma vez que, passada esta
conjuntura democrática, o Estado autoritário reforçou, através
dos setores dirigentes, o elitismo do sistema das artes
plásticas.
A segunda grande contradição deste momento foi entre o
nacionalismo, defendido pelos setores envolvidos no projeto
desenvolvimentista, e o internacionalismo, para onde se
orientava o panorama geral brasileiro em conseqüência da
penetração dos capitais estrangeiros, pós-55, e com o apoio do
Estado, pós-64. Em termos de artes plásticas, esta ambigüidade
também se manifestava. Havia um grande envolvimento com as
162
questões locais, com a identificação dos problemas da
realidade a qual o artista estava circunscrito, mas por outro
lado, os modelos que serviam a estes projetos eram modelos
importados das vanguardas internacionais- Na verdade,
travava—se de um confronto entre um ideal nacionalista, que
servira anteriormente à unidade das elites e também fora
utilizado pelos setores identificados com os projetos
democratizantes, e a realidade internacionalista, que o
desenvolvimento industrial impunha via seu capital, sua
tecnologia e seus modelos de consumo. Esta contradição se
expressava dentro das próprias obras, podendo ser observado no
trabalhos de Carlos Vergara "Os Carajás" (1968) ou "O Futebol
- Palmeiras x Flamengo" (196b) de Rubens Gerchman. Questões
bastante específicas e regionais é tratadas, nestas obras,
dentro de uma linguagem internacional (pop—art), vinculada à
sociedade de consumo, á problemática das grandes metrópoles e
à estética dos quadrinhos- Este tipo de contradição pode ser
identificada em muitos trabalhos da época, o que demonstra
sua introjeção no nível da produção artística.
A terceira contradição é que o conjunto de idéias
artístico—cu1turais que, nos anos 60 se disseminaram nos
países desenvolvidos, estavam ligados basicamente a nova
postura de vida, expressa fundamentalmente pelo movimento
underground. Expressavam, de certa maneira, uma reação ao tipo
de vida das sociedades desenvolvidas, reação ao consumismo e
ao mecanicismo das relações que se estabeleciam nestas
163
sociedades, principalmente nas grandes metrópoles. O movimento
underground inaugurou nova forma de vida que se fez acompanhar
também por novas idéias estéticas. Não se deve esquecer ainda,
que este movimento introduziu novas fórmulas também em relação
à produção, circulação e consumo dos produtos
artístico—cu1turais. Propondo um rompimento com as estruturas
rígidas das sociedades desenvolvidas, apostavam em fórmulas
artísticas mais participativas e personalizadas, em que a
separação entre produtor e público se dissolvesse e se
rompesse a sacralidade da arte. A análise da penetração destas
idéias no Brasil evidencia a contradição em que se viam
envolvidas as vanguardas artísticas locais. Pois, se
internacionalmente as vanguardas neste momento criticavam de
certa forma as conseqüências da "vida moderna", das sociedades
desenvolvidas, no Brasil esta "vida" estava sendo ainda
introduzida através de todo o processo de modernização já
analisada. Assim, contraditoriamente, estas vanguardas
expressavam, por um lado, esta aspiração de modernidade típica
da nossa sociedade subdesenvolvida, por outro, criticavam esta
modernidade através dos movimentos artísticos culturais com os
quais se atualizavam. Esta ambigüidade das vanguardas
brasileiras é colocada com muita pertinência por Otilia F.
Arantes: "Combinam contudo à violência predatória em relação
aos valores consagrados e à. consciência do subdesenvo 1 vimentof
um forte elan construtivo"29.
20 Otilia F. Arantes. Op. cit. p. 23.
164
O sistema das artes plásticas se mobilizou, a partir do
momento em que as disputas que envolviam segmentos das elites,
se expressaram também em estratégias de subversão no interior
do sistema das artes. As reações de setores das elites contra
o autoritarismo favoreceram a disseminação de tendências
estéticas mais democratizantes, o que respondeu também á
orientações internacionais. As estratégias de subversão se
articularam com as novas tendências que estavam atuando em
nível internacional, também de forma questionadora.
"Embora existisse o interesse pela linguagem,
fica sempre como núcleo de preocupações a marca
de posições poli ticas-participante, preocupação
esta que pode ser generalizada para quase toda zp
a arte jovem da década7
As mobilizações que se realizavam no sistema das artes
plásticas, nesta segunda metade da década de 60, envolviam
disputas estéticas relativas ao questionamento das tendências
abstracionistas e adesão aos movimentos internacionais da nova
figuração. Mas envolviam também demandas externas ao sistema
das artes plásticas que diziam respeito á denúncias do
autoritarismo que se implantava progressivamente e à
tentativas de mobilização da opinião pública. Isto porque o
projeto político-social, que o Estado militar impunha,
assegurava a supremacia da camada monopolista da burguesia,
2P Catálogo. Volta á figuração: a década de 60. Museu Lazar
Segai. São Paulo, maio/jul. 79.
165
causando insatisfação em outros setores das classes dominantes
e nos extratos médios- A contradição entre os objetivos
declarados pelo poder estabelecido, de reforçar a democracia e
estabelecer a legalidade e a necessidade crescente de suprimir
focos de reação, favoreceram a dissenção entre setores da
eli te -
A mostra "Opinião 65", que contou com as presenças dos
franceses Roy Adzak, Aiain Jacquet, do italiano Gianni
Bertir.i e do espanhol Juan Genovés e dos brasileiros Antonio
Dias, Ivan Freitas, Pedro Escosteguy, Aquino, Ivan Serpa,
Waldemar Cordeiro, Gastão Henrique, Vergara e Wesley Duke Lee,
foi um marco no processo de penetração das novas tendências
dentro do sistema das artes plásticas, neste momento,
concorreu para tal provavelmente a participação dos artistas
franceses, o que dava certo ar "internacional" ao evento- O
fato de ser sediado no MAM do Rio de Janeiro e ser organizado
por um marchand estrangeiro também colaborou na sua afirmação
e reconhecimento. Ainda neste mesmo ano, contando com alguns
dos artistas de "Opinião 65" realizou-se em São Paulo a mostra
"Proposta 65" a mostra Propostas 65- Esta exposição foi
apresentada na Fundação Armando Alvares Penteado, sendo
organizada por Waldemar Cordeiro com a ajuda de Ângelo de
Aquino na secção carioca lustra bem o posicionamento das novas
tendências, que neste momento constituiam estratégias de
subversão dentro do sistema, concorrendo para sua
transformação -
166
'VJ pintura nova se apropria dos progressos que
estas e outras tendências (a nova figuraçãor o
reaiismo fantásticof o neo—dadaismo e todas
mais em que a crítica oficial subdivide o
movimento únicof embora complexof de
hostilidade em relação as atuais condições de
existência.) efetuaram f aclarando porémr a
confusa trama dos movimentos concretosf pela
elaboração de um espaço capaz de refletir as
aparências e descobrir os fundamentos e as
razões que as geraram. Emprega os novos
elementos com a consciência de seus
significados e implicações,,. A pintura se
torna fundamentalmente aberta como forma de
pensamento^ evita o fechamentof a auto-sufi-
ciência e as configurações definitivas, inclue
opacidades e incertezas mas aceita a 30
responsabilidade de uma posição"
Um elemento que se destaca na atuação das vanguardas,
neste momento, ê o caráter grupai de suas movimentações e
estratégias de ação Isto é importante quando se considera as
disputas em curso e se retoma as colocações de Howard Becker
relativas à importância do trabalho coletivo na afirmação das
novas tendências.
"Em que medida Gerchmann, Magalhães,
Escosteguy, Vergara e Pias compem um grupo? E
Gerchmann que respondez
- Somos um grupo na medida que procuramos uma
comunicação mais direta com o público. Cada um
30 Catálogo "Propostas 65" Fundação Armando Alvares Penteado. São Paulo, dez. 1965, Sérgio Ferro Pintura Nova.
167
de nos procura modificar a real idadef através
da ação crítica * Não concordo quando dizem que
somos seguidosres da Pop—art ou do dadaí smo,
Acho que poderíamos classificar o nosso
trabalho de realismo crítico -
Havia também o grupo da Faculdade de Arquitetura da USP,
do qual faziam parte Sérgio Ferro, Ubirajara Ribeiro, Flávio
Império, Maurício Nogueira Lima e outros, Estes dois grupos
tinham comportamentos politizados, comprometidos com a
mobilização da sociedade civil e com as questões de
participação, resíduos ainda dos projetos democratizantes da
primeira metade da década. Também Wesley Duke Lee, atuando de
forma dinâmica e ousada, rapidamente teve em torno de si um
grupo de jovens. Com formação nos EUA e na Europa, ele
realizou, em 63, o que talvez tenha sido um dos primeiros um
happenings no João Sebastião Bar. Em 66, Wesley o grupo de
artistas ligados a ele: Nasser, Resende, Fajardo, Barros e
Leiner criaram a Rex Gallery lançaram ainda o jornal "Rex
Time" do qual foram publicados 5 números entre 66 e 67. A Rex
Gallery se pautou por uma atuação bastante irreverente, com
fortes influências Underground, sem preocupações relativas às
questões sociais e políticas locais. Como afirmava Weslwy Duke
Lee à imprensa, em junho de 1966, p. 81
"Fazemos parte de uma tendência experimental
que poderiamos dizer ser nascida nos Estados
Unidos... Q espírito de nossa galeria (e o
jornalf consequentementej... é mostrar essa
arte á medida que ela vai sendo processada
31 Realidade n- 5. Abril Cultural - ano I ago. 66 p. 66.
168
32. & desenvolvida ,
Promoveram dentro desta orientação, uma agitação do
circuito paulista que atingiu seu climax na exposição -
happening de encerramento em 67: "Rex Caputz". As obras foram
arrancadas das paredes e muitas destroçadas pelo público que
desejava levá-las de graça, como fora anunciado na divulgação.
Este tipo de atuação voltada à crítica do próprio sistema das
artes e de seus mecanismos e valores foi uma das linhas de
ação desenvolvidas neste momento. Bastante agressiva, ela
apresentou eventos que questionavam o sistema. Todos estes
grupos, cada um com suas formas, tentaram atuar coletivamente,
abrindo espaços, tanto em termos do sitema das artes, como em
termos das disputas sociais que se desenvolviam na sociedade
neste momento.
'V) preocupação com a modernidade, que es ti vera
presente nas teorizaç ões e trabalhos das
vanguardas dos anos 50f especialmente no
movimento da poesia concreta, seria de certa
forma retomada e redimensionada por alguns
setores da produção artística, A tentativa de
trabalhar novas linguagens dentro de projetos
que levassem em conta a intervenção política
marcaria a presença de novos interlocutores no
debate cultural"33 -
32 Arte em Revista n- i. São Paulo, Kairós, 1979. MRex Time". Depoimento.
33 Holanda Gonçalves - Cultura e Participação nos anos 60. São Paulo, Brasiliense, 1982, p. 26.
169
A "Declaração de princípios da Vanguarda", em Janeiro de
67, e a mostra "Nova Objetividade", representam por seu turno
coroamento de um processo de politização das vanguardas nas
artes plásticas. Encontra-se na Declaração de princípios:
"nosso projeto--* caminha no sentido de integrar a atividade
criadora na coletividade, opondo-se inequivocamente a todo
isolamento dúbio e misteriosof ao naturalismo ingênuo e às
insinuações de alienação cultural 7 . E, no catálogo da
exposição Nova Objetividade, encontra-se as seguintes
colocações: "(---) vontade construtiva geral (---)
participação do espectador (---) abordagem e tomada de
posições coletivas"3* - Ambos os documentos evidenciam a
preocupação com a problemática social e política e a ampliação
da participação do público, marcas do engajamento político
desta corrente da vanguarda. A consagração da nova
objetividade, como projeto artístico politizado nas artes
plásticas, representa, de certa forma, uma adesão aos projetos
mobi1izadores que neste momento envolviam grande parte da
intelectualidade brasileira. No entanto, é importante observar
que este não era o panorama total do sistema das artes
plásticas, mas constituía uma tendência dentro dele. Tendência
interessada em derrubar velhas hegemonias e impor uma nova
postura, resultado não só de interesses específicos no
sistema, mas também, de interesse de segmentos sociais em
34 "Princípios da Vanguarda" in: Daisy Peccinini. O objeto na arte: Brasil anos 60 p. e p.
33 Catálogo da exposição Nova Objetividade MAM - RJ - 1966.
170
luta, em diferentes instâncias da sociedade3**.
Os grupos que procuravam atuar, através de seu trabalho,
nas disputas sociais em andamento, tiveram, no entanto, uma
curta existência. O Estado autoritário fechou progressivamente
suas possibilidades da ação. Em 68, por exemplo, foi proibida
a colocação do cartaz "Seja Marginal" de Hélio Oiticica, uma
homenagem ao bandido Cara de Cavalo, na boite Sucata no Rio de
Janeiro. Logo em seguida, Hélio partiu para Londres, fugindo
às pressòes que estavam atingindo quase todos os integrantes
do movimento Tropicália. Em 69, foi fechado o Salão de
Brasília e, na Bienal Nacional da Bahia, obras foram
apreendidas. Esta atitude da censura surpreendeu alguns
setores, como se pode notar as palavras de Mário Barata.
"Como já tivemos oportunidade de publicar no
Jornal do Comércio, do Rio de Janeiro, a grande
mostra fora inaugurada com expressivo discursa
do Governador Luis Viana Filho, a '■espeito dos
valores de liberdade e criação da arte, A II
Bienal Nacional de Artes Plásticas prefigura—se
como um sucesso,,, £ um fato incompreensível, o
das posteriores apreensão de obras e longo
fechamento temporário da Bienal, noticiado nos 3 7
jornais da Bahia"
Vários artistas se afastaram do país a partir de 68,
30 Sobre a Nova Objetividade enquanto projeto estético/políti- co ver Daisy Pecinini de Alvarado. Tese de Doutorado ECA/USP. 1988.
37 Significação da Bienal da Bahia. Mário Barata. GAM Rio de Janeiro n— 18, 1969, p. 15.
1 71
como Antônio Dias, Hélio Oiticica, Rubens Guerchman, Lygia
Clark, Sérgio Ferro, Antonio Henrique Amaral, e outros, como
Pedro Escosteguy, abandonaram as práticas artísticas. No
entanto, por um curto lapso de tempo, 65 a 69, dentro do
sistema das artes plásticas disputaram espaços correntes
3 0 politizadas e comprometidas com mudanças sociais . Estas
ações, no entanto, influiram mais na renovação do sistema do
que na sua deselitização. A ação rígida da censura, a partir
de 69, restringiu muito as atuações mais politizadas e
questionadoras. E, o boom do mercado de arte, na década
seguinte consolidou este elitismo. Os anos de 69 e 75 é
bastante elucidativo sobre a diferenciação que se estabeleceu
dentro das vanguardas, fazendo com que a censura atuasse
internamente contra os setores mais radicais, seja em termos
políticos, seja em termos morais, e, ao mesmo tempo, fossem
apoiados outros trabalhos de vanguardas. Se o Estado, através
da censura, estendeu suas garras sobre as manifestações mais
politizadas e mobi1izadoras em termos sociais, por outro lado,
o sistema das artes plásticas utilizava a idéia de vanguarda,
misturando as tendências e diluindo-as no interior de uma
rotu 1ação internacionalizante. A homogeneização se processava,
ocultando as disputas sociais e colocando as vanguardas como
um movimento unitário. A edição especial da Revista de Cultura
Vozes "Debate Vanguarda Brasileira" é um exemplo da maneira
3P homogenizada com que foram tratadas as vanguardas
30 Sobre a diferenciação interna da vanguarda e a censura
sofrida pelos setores mais politizados foi ouvido o depoimento de Pedro Escosteguy. Porto Alegre, 19S7.
3I> Revista de Cultura Vozes, n- 1, fev. 1970.
172
Ao final da década de 60, fechou—se o ciclo de uma
vanguarda politizada no país, permanecendo uma outra, herdeira
da anterior, mas que atuou de forma distinta e com distintos
objetivos. Ela consolidou a modernização internacionalista do
sistema das artes e sua integração aos circuitos do grande
capital. Esta outra vanguarda, abandonando os princípios de
crítica social e de arte politicamente engajada, correspondeu
a uma nova conjuntura nacional e internacional, pois, afinal,
a década de 70 foi, como já se observou, uma década de retorno
à ordem.
3 - SISTEMA DAS ARTES PLÁSTICAS NO ESTADO AUTORITÁRIO
"Q ano de 196B constituiu um merco na história
da acumulação capitalista no Brasil- Iniciava-
se o milagre brasileiro quef sob o escudo de
um vigoroso autoritarismo militar, iria
proporcionar lucros faraônicos para os
monopólios nacionais e estrangeiros, A
desarticulação das forças populares e o
alijamento dos setores mais atrasados das
classes dominantes dos centros de poder,
deixava livre o caminho para consolidação dos
grandes grupos econômicos e dava lugar a um dos
períodos mais rendosos da acumulação
capitalista no país".
Guido Mantega-
3.1 - Atuação do Estado: Repressão e Censura/Apoio e Estimulo
A atuação do Estado sob controle da burguesia monopolista
teve, no Brasil, no período que se inicia com o ato
institucional n- 3, um forte caráter repressivo. Esta
repressão buscava conter todo o tipo de questionamento e
reação à implantação de seu projeto de acumulação capitalista.
Coube ao Estado a condução deste projeto, definindo formas de
regulamentação da economia, além de normas de atuação
poli ticas e regulação das relações sociais. 0 direcionamento
que o Estado deu a sua atuação, teve como sentido a
174
administração dos interesses dos grupos monopolistas no poder
e a construção de sua hegemonia.
Em termos de artes plásticas, neste período, tem-se como
traço marcante o do elitismo do sistema das artes plásticas,
já referido anteriormente. Se este elitismo foi, de certa
forma, abalado pelas estratégias de subversão que proliferaram
na segunda metade dos anos 60, o que se vai observar, no
início dos anos 70, é a sua retomada articulada à ação
repressiva, exercida pelo Estado. A repressão às artes
plásticas não pode ser comparada à que ocorria em relação a
outros tipos de produções artísticas, como o teatro, cuia
penetração social mais ampla exigia uma ação repressiva mais
intensa. No sistema das artes plásticas, no entanto, alguns
segmentos sofreram também esta repressão que teve o objetivo
de restabelecer limites e atuação para os elementos do próprio
sistema. O estabelecimento destes limites não se realizou
somente através da ação repressiva do Estado, mas através da
própria reestruturação do sistema, em moldes concentrador e
elitista que respondiam às demandas dos novos grupos de elite
no poder concentrador e elitista.
Muito pouco se encontra na literatura sobre artes
plásticas em relação à ação da censura na segunda metade dos
anos 60 e início de 701. A pesquisa em material da época e
1 Radha Abramo .Uma Arte Politizada- Retrato o Brasil,São Paulo, Políticas, v.l, fase. 43, p. 505-8. é o único texto com referências específicas à ação da censura em relação às artes plásticas, em outros estas aparecem ocasiona1men te.
175
entrevistas permite identificar duas diferentes orientações na
ação repressiva aos artistas, críticos e diretores de
instituições; a política e a moral.
É interessante observar que uma das primeiras atuações
repressivas registradas no sistema das artes plásticas após
64, é em relação à administração de instituições públicas.
Logo após o golpe, em maio de 64, o Diretor da Pinacoteca do
Estado de São Paulo, Túlio Magnaine, foi chamado a depor a uma
comissão encarregada de apurar questões ideológicas de
funcionários. Logo em seguida, foi aposentado compu1soriamente
e, em dezembro do mesmo ano, assumiu João Scantiburgo que
ficou na direção da instituição até 67. Caso semelhante
ocorreu no Rio de Janeiro, com José Roberto Teixeira Leite,
que em 64 foi afastado da direção do Museu Nacional de Belas
Artes, cargo que ocupava desde 61, (também por motivos
políticos), sendo substituído por Donato de Mello Júnior.
Evidencia-se, nestas ações, a importância que este tipo de
espaço detém no Sistema das Artes Plásticas e o significado
político de sua administração, que, em geral, não se
evidenc ia.
Quanto a pressões diretas aos artistas, estas ocorreram já
em 64, sendo, no entanto, dirigidas, em geral, às atividades
poli ticas dos artistas, em movimentos e grupos de reação e não
a sua ação artística. Pois, como já foi observado as artes
plásticas até 65 não apresentava mobilizações politizadas e
176
críticas. Djanira, por exemplo, presa logo nos primeiros dias
após o golpe, foi solta logo em seguida (este incidente nunca
foi bem esclarecido) e Di Cavalcanti, fugindo às perseguições,
se exilou em Paris na mesma época. No entanto, pressões e ação
da censura mais intensas e dirigidas diretamente à ação
exercida nas artes plásticas, somente ocorreram a partir de
69.
A ação repressiva generalizada pós 69 atingiu um grande
número de artistas plásticos, principalmente alguns setores
das vanguardas, como já foi observado no capítulo quatro.
Cláudio Tozzi e Sérgio Ferro foram presos, Sérgio Ferro saiu
do país como muitos outros já haviam feito, fugindo da
repressão e do vazio cultural que se estabelecera. Regina Boni
que costurava as roupas do pessoal da Tropicalia declara: "O
Drom&drario acabou em ó9. Tínhamos nos dispersado, Caetano e
Gil exilados em Londres Wally sumido. Cal no Rio, Hélio
Oiticica em Nova Yorkf Torquato morreuf Ednilson desapareceu,
2 Robcío e Pericles também se foram para longo" .
G esvaziamento do panorama cultural atingiu amplos setores.
"Durante os anos óOf a Caleria Relevo, no Rio,
Lançou alguns dos nomes mais expressivos das
artes plásticas brasileiras, Jean Bogbici, seu
proprietário, tornou-se então um dos marchands
mais conhecidos e respeitados do país, vivendo
o que hoje denomina o 'apogeu do mercado de
2 Tropicália 20 anos depois - SESC - São Paulo, 1987.
177
arte', Mas em 1969r com a emigração dos
artistas da nova figuraçãof a Relevo fechou
suas portas e Boghici seguiu os rumos do
exterior"3 ,
Também, em 1970, Raimundo Collares foi preso e espancado
sob a alegação de "vagabundagem" (não havia carteira
profissional para artista plástico); dois dias depois, ele
recebia um grande prêmio de pintura do Salão Nacional de Arte
Moderna.
Foram também presos em 73 Radha Abramo, crítica de arte,
e o artista francês, convidado da Bienal Internacional de São
Paulo, Fred Forest. A prisão ocorreu na Praça da Sé, durante a
realização da atividade "arte sociológica". Radha Abramo foi
presa novamente em 75, ocasião em que foi levada encapussada
para o D0I/C0DI de São Paulo4.
Mário Pedrosa, o grande crítico brasileiro, reconhecido
nacional e internacional. «lente, também teve que sair do País em
1970. Processado por difamar o Brasil no estrangeiro, com
denúncias de perseguições,exilou-se no Chile. No Brasil, Mário
Pedrosa ocupara diversos cargos de destaque dentro do sistema
das artes plásticas, como a direção artística da Bienal de São
Paulo, e a presidência da Associação Brasileira de Críticos
3 Arte Hoje n- 2 agosto 77 ano II, "A imagem das galerias em um encontro nacional", p. 52.
4 Radha Abramo in - Artistas x Críticos org. Alberto Beuttenmü1 ler.
de Arte. Ferreira Gullar, figura de destaque no movimento
neo-concreto, se afastou do país em 1970, por motivos
políticos, exilando-se na Argentina e depois em Paris.
As próprias obras plásticas foram objeto de censura, como
o trabalho de Gilberto Salvador premiado no Salão de Campinas
(68), uma boca gigantesca com bandeira americana que foi
destruída pelos órgãos de segurança. Ou os desenhos de Farnese
de Andrade, enviados para a Bienal Nacional da Bahia, (68)
apreendidos por serem considerados eróticos; o mesmo também
ocorreu com trabalhos da série "Ligas" de Wesley Duke Lee. Em
1970, a instalação realizada por Olney Krüse, no Paço das
Artes em São Paulo, foi destruída por ser considerada
subversiva. Também as obras enviadas por Pedro Escosteguy para
a Bienal da Bahia voltaram todas destroçadas, com sinais de
machado5.
O caso mais conhecido de ação repressiva nas artes
plásticas, ocorreu em 73, constituindo o único caso jurídico
de ação direta contra um trabalho plástico. O pintor mineiro
Lincoln Volpini apresentou, no Salão municipal de Belo
Horizonte, um trabalho, "Penhor da Igualdade", que foi aceito
e premiado. Posteriormente, foi preso e julgado por subversão
pelo uso inadequado de símbolos nacionais. Os jurados do
salão, alguns críticos de renome, como Frederico de Morais,
Estes foram alguns dos relatos que colhemos em entrevistas ou referências em publicações. Muitos mais ocorreram, ficando, no entanto, no esquecimento.
179
Caribê e Mário Cravo foram ouvidos no julgamento? que se
constituiu no primeiro e único do gênero.
Instituições do sitema das artes plásticas foram
igualmente alvo de ações repressivas. O Salão do Distrito
Federal, por exemplo, foi fechado por apresentar trabalhos
subversivos, o mesmo ocorrendo como a Bienal Nacional de
Bahia. Este tipo de repressão visava desestimular o apoio de
instituições ás produções mais críticas e politizadas. Nesta
linha foi também fechada a mostra da representação brasileira
para a Bienal Jovem de Paris, em 69, que estava sendo
apresentada no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Mário
Pedrosa, através da Asssociação Brasileira de Críticos de
Arte, reagiu com intensos protestos. A repercussão deste
fechamento foi grande, no âmbito internacional, dando ensejo
ao movimento de boicote à Bienal de São Paulo. A mostra da
Bienal, deste ano, teve seu alcance reduzido, tanto em nível
nacional como internacional, pela disposição dos artistas de
reagirem à censura que estavam sofrendo, por parte do Estado
autoritário. Aliás já em 65, Bruno Zevi reagira com eloqüente
discurso contra este tipo de ação repressiva que impedira a
apresentação de uma mostra de arte popular brasileira
organizada por Lina Bo Bardi sob os auspícios do governo da
Bahia e do Itamarati.
''São argumentos muito perigosos, subversivos,
porque de formas opostas referem-se ao interior
faminto do continente, d real idade do Pais e a
180
sua estrutura» Face aos 1 ema da real idader da
miséria e da cultura* generais e embaixadores
perdem a cabeçaf desafiam o ridículo ef por
fimr proibem insensatamente uma exposição"**.
Outro aspecto a destacar é a censura aos meios de
comunicação na divulgação das arbitrariedades promovidas.
Basta lembrar que quando foi proibido o envio da representação
brasileira de artes plásticas, para a Bienal de Paris, nada
saiu na imprensa da época. Em uma reportagem do Jornal do
Brasil7 há amplas referências aos setores de arquitetura e
design, sem nenhuma referência ao corte ocorrido na
representação de artes plásticas. Outro tipo de atitude
repressiva pode ser exemplificada pela demissão de Harry Lauss
do Jornal do Brasil, ocasionada por críticas realizadas à
Bienal de São Paulo em Í9670. A Bienal, de certa forma,
representava a oficialidade dentro do sistema das artes
plásticas; apesar de ser uma instituição particular, era
constitui!da por representações oficiais, ligadas ao Itamarati
e mantidas com polpudas verbas públicas. Neste caso, não há
uma atuação direta da censura do Estado, mas indireta, através
da direção do jornal.
Observa-se é que a maioria dos dados sobre censura e
repressão, ocorridas neste período no campo das artes
** Zevi, Bruno artigo publicado em 14 de março de 65 no L'Expresso de Roma e traduzido apresentado na Revista da Civilização Brasileira n- 2 maio de 65.
7 Jornal do Brasil - 10/12 - 69 MA Bienal de Paris". 8 Relato de Harry Lauss em "De Como Ser" - Porto Belo,
Lunardei li, 1978.
181
plásticas, devem ser buscadas em outras vias que não a da
imprensa oficial do período. A maior fonte são, realmente, os
depoimentos de pessoas atuantes na época. Mesmo assim, a idéia
da arte, acima das disputas políticas, impregna de tal forma o
sistema das artes, que faz com que, muitas vezes, os
indivíduos omitam em seus relatos, acontecimento em que
estiveram envolividos ou de que tiveram notícias, envolvendo
p pessoas bastante próximas .
O Estado atuou a partir de 69 de maneira dura, no sentido
de conter os avanços democráticos e populares dos anos 60,
eliminando qualquer tipo de foco de resistência. Em
conseqüência desta ação coercitiva, estabeleceu-se um vazio
cultural, assim observado por Frederico de Morais: "Como
conseqüência inevitávelf a partir de todos estes
acontecimentos de 69 passa a haver uma evasoío crescente de
artistas brasileirosf principalmente aqueles de vanguardaf que
saem do Brasil , provocando o que foi chamado de vazio ou fossa
cultural"t0. A atuação do Estado, no sentido de fazer ocupar
este vazio, deixado pelos artistas que saíram do país e por
^ De todas as entrevistas realizadas a única que comentou a ação da censura apontando fotos e pessoas envolvidas foi a de Gilberto Salvador. As demais referenciaram este tipo de ação sem citar fatos ou nomes específicos ou ainda passando ao largo deste tipo de comentário.
10 Morais, Frederico. In: "Ciclo de Debates Casa Grande". Rio de Janeiro, Inúbia, 1976. p. 112.
182
aqueles que se calaram, foi o fomento a uma nova produção-
Produção esta esvasiada de conteúdos políticos e restrita aos
limites impostos pela censura, predominantemente voltada para
questões de "segurança nacional e bons costumes"-
A censura como observa Renato Ortiz, possuia duas faces,
uma repressiva e outra discipl inadora - "a9 primeira * diz nõ.ar é
puramente negativa; a outra é mais complexa, afirma e
incentiva um determinado tipo de orientação"1 . Ao mesmo tempo
que agia repressivamente em relação ãqueles que ultrapassavam
os limites impostos, o rígido Estado autoritário atuava com
magnanimidade em relação àqueles que podia utilizar para
manter uma imagem do país de progresso e desenvolvimento-
Apoio e estímulo não faltaram para as artes plásticas no
período de maior repressão- De forma direta, este apoio se
efetuava através da dotação de verbas e da criação de
organismos para atuar no sistema das artes plásticas; de forma
indireta, o apoio se dava através da ajuda a instituições
particulares do sistema das artes que, por seu turno,
garantiam a manutenção dos limites desejados pelo Estado-
Neste caso, é importante observar que não havia antagonismo
entre Estado e instituições artísticas, uma vez que em ambas,
depois dos expurgos realizados, atuavam como dirigentes
individuos da classe dominante, ou com ela identificados- O
que ocasionalmente ocorreu foram diferenças e disputas entre
11 Renato Ortiz - A moderna tradição brasileira. São Paulo, Brasiliense, 1988- p- 14.
183
frações da classe dominante, manifestadas em relação ao apoio
a determinadas produções- Estas diferenças, no entanto, não
eram profundas ou incontornáveis. Por outro lado, o apoio e
estímulo oficial, principalmente através de verbas, constituiu
uma forma de dinamizar uma nova ordem social e legitimá-la.
Um dos mais tradicionais apoios estatais para as artes
plásticas foi a manutenção da Bienal de São Paulo,
transformada em fundação permaneceu, ao longo de toda a década
cie 70, sustentada por verbas públicos mantida em sua estrutura
funcional por dotações federais, estaduais e municipais. Jacob
Klitowtz analisa: "o custo de uma exposição programada pela
Bienal de São Paulof durante dois mesesf tem o seguinte custo:
2 aluguel de um prédio de 32.600m em pleno Ibirapuera, mais o
eus *~-0 de um imenso estacionamento em área de grande
circulação, mais manutenção parcial de esritórios diploma ticos
localizados no mundo inteiro (alguns meses por ano, mais verba
dotada (150 mil dólares) mais custo de dezenas de delegações
4 2 estrangeiras .
O Estado mantinha também apoios tradicionais, como
manutenção de museus públicos, dotações para museus
particulares e fundações, montagens de mostras no exterior
promovidos pelo Itamarati etc., como já foi visto no capítulo
anterior. Além disto, as empresas estatais tinham dentro de
12 Klitowtz, Jacob 30 minutos de televisão valem mais do que dois meses de Bienal. Isto é bom ou ruim. São Paulo, Sumus, 1981. p. 30.
184
seus custos a promoção de eventos de artes plásticas- Casos
típicos foi o salão da Eletrobrás em 71, subvencionado pela
empresa estatal Eletrobrás- Além de bancar eventos estas
empresas, muitas vezes ofereciam prêmios em dinheiro, como nos
casos da Bienal Internacional de São Paulo, do Panorama da
arte atual brasileira, (Caixa Econômica Federal) e Bienal
Nacional da Bahia (Banco da Bahia).
Outro custo do sistema das artes plásticas que o Estado o
assumiu, foi a criação da FUNARTE em 1973 e, dentro dela, do
INAP (Instituto Nacional de Artes Plásticas). Este órgão, além
de manter uma equipe permanente de funcionários, equipamentos
e prédios próprios, dispunha de verbas para distribuir em
eventos, instituições e projetos para as artes plásticas.
Muitos salões regionais foram realizados com verbas desta
fundação, além da transformação do velho Salão Nacional da
Arte Moderna no Salão Nacional, renovando assim o prestígio de
uma instituição em franca decadência. A problemática dos
Salões e a ação da FUNARTE neste setor ficam claras nas
palavras de Walmir Ayala:
"Num momento em que todos os salões de arte
convencionais estofo sondo quest ionados f
paulatinamente reformulados em salões temdticos
ou promoções autônomas sem o método da livre
concorrênciaf mas com a orientaçõo crítica do
enfoque e do convite adequadof é de se desejar
185
um novo Salão Nacional do Ar to Modo ma f com a
salutar abortura a todos os possíveis
cand idatos f com uma promoção quo atinja os
centros monos privilegiados pela informação o 13
subvenção artística'
A FUNARTE publicou vários livros de arte; entre eles,
destaca-se a coleção "Arte Brasileira Contemporânea"
(1973/79), que privilegiou basicamente as vanguardas: Barrio,
Waltércio Caldas, Wesley Duke Lee, Carlos Vergara, Rubens
Guerchman, Lígia Pape, Lygia Clark, Antônio Manoel, Antônio
Dias, Cildo Meireles e Ana Bela Geiger. Inauguraram-se ainda,
nas instalações da fundação, galerias de arte, que abriram
espaços para novos talentos e também realizaram retrospectivas
de nomes já consagrados como Djanira em 76 e Pancetti em 77.
Analisando a atuação específica da FUNARTE e, dentro
dela, do Instituto Nacional de Artes Plásticas, órgãos
federais responsáveis pelas artes plásticas, observar—se que
os dois padrões de atuação cultural do Estado, definidos por
Howard Becker, estão presentes. Por um lado, há uma orientação
para o interior do país, valorizando as produções locais menos
elitistas e, menos comprometidos com as vanguardas
internacionais. Exemplo disto é o apoio a uma série de salões
regionais de pequena envergadura, como os salões
universitários de diversos estados. Por outro lado, os órgãos
13 Salão Nacional de Arte Moderna 1976. Walmir Ayala. Cultura Brasília ano 6, n- 22, jul./set. 76. p. 104.
186
federais apoiavam também o Salão Global, promovido pela Rede
Globo, voltado para as manifestações mais vanguardistas e com
padrão mais elitista, evidenciados nos júris formados por
críticos e artistas de renome. O que ocorre é, portanto, uma
combinação destas duas orientações, evidenciando o tipo de
compromisso que o Estado tem com os diferentes setores da
classe dominante, articulando os mais modernos e os mais
atrasados setores da produção. Expressa também a prática de
modernização conservadora que o Estado teve tradicionalmente
em relação às práticas artísticas. A modernização apoiada pelo
Estado, expressava e legitimava o ingresso do Brasil na etapa
internacional monopolista do capitalismo, e o conservadorismo
era a forma pela qual se mantinha cs privilégios das elites e
as estruturas distintivas do sistema das artes. No próprio
texto do relatório de atividades do INAP (79), pode-se
encontrar explicitadas estas duas orientações, na definição de
seus objetivos: "... democratizar o acesso aos meios de
produção e consumo do artes plástica no Brasil... propiciar
meios de veiculaçcío de trabalhos representativos da vanguarda
brasileira no sentido de abrir mercados internacionais para
a obra de arte brasi leira//14 .
As vanguardas, tão faladas, apoiadas ou perseguidas,
devem ser tratadas com mais profundidade. Retomando o que já
foi visto no capítulo anterior, destaca—se, nos anos 60,
14 Relatório FUNARTE - INAP. 1978.
187
principalmente na segunda metade, uma vanguarda que propôs
intensa mobilização, envolvendo o espectador. Esta mobilização
tinha, na maioria das vezes, cunho claramente político com o
sentido de criticar as estruturas econômicas e políticas do
país como foi o caso dos trabalhos de Pedro Escosteguy, Carlos
Vergara e Rubens Guerchmann, Sérgio Ferro, Flavio Império e
outros. A partir de 68, e nos primeiros anos da década de 70,
esta preocupação desaparece reprimida pela censura.
A partir de 69, as vanguardas nas artes plásticas,
perseguindo a temática da participação que se originara no
momento democratizante e politizado da realidade nacional,
expunha uma liberdade criativa levada aos seus limites, que
contradizia as restrições impostas pelo regime político
implantado neste momento. Esta arte, proposta então, como
contra—cu1tura, experimentava intervenções as mais diversas.
No entanto, não propunha interferências e modificações, senão
em nível da própria obra. Ou seja, suas propostas de
transformações simbólicas, se limitavam ao espaço de distinção
mantido pelas artes plásticas.
Esta vanguarda atuava portanto no sentido de dinamizar o
sistema das artes plásticas (tradicionalmente sob o domínio
das elites) preenchendo o vazio cultural criado pelo Estado
autori tár10.
Enquanto a censura atuava severamente em diversos setores
188
da sociedade, curiosamente, as vanguardas das artes
plásticas apresentavam uma dinâmica atuação, de certa forma
confirmando a afirmação inicial sobre o elitismo do sistema
das artes plásticas e seu compromisso com a legitimação da
superioridade das elites- A vanguarda foi um espaço de
liberdade para setores das elites, dentro dos limites impostos
pelo Estado- E mais ainda, com uma linguagem hermética, era
uma arte para cuja apropriação se exigia uma série de
informações e uma formação que não estavam ao alcance da
maioria da população- Retornava, assim, o elitismo do sistema
das artes plásticas, questionado pelos projetos
democratizantes da década de 60- Projetos estes que envolveram
tentativas de democratização, através do enfraquecimento do
seu papel de distinção social.
O significado das vanguardas no autoritarismo, pode ser
observado, por exemplo, nestes dois depoimentos de artistas de
vanguarda:
"Devido a uma série de situações no setor artes
plásticas, no sentido do uso cada vez maior de
materiais considerados carosf para nossaf minha
realidadef num aspecto sóc io-econôm ico do
terceiro mundo (América Latina, inciusivej,
devido aos produtos industrializados nõo
estarem ao nossof meu alcance mas sob o poder
de uma elite que contestof pois a criação não
pode estar condicionadaf tem de ser Jivre... £
claro que a simples participação dos trabalhos
189
feitos com materiais precários nos circuitos
fechados da arte, provoca a contestação deste
sistema em função de sua realidade estética
atuai" Barrio - 1969, Rio de Janeiro.
"Manifesto:
Contra as categorias de arte
contra os salões
contra as premiações
contra os júris
contra a crítica de arte" Barrio - 1970, Rio de
Janeiro.
"Eu me lembro que em 1963-69-70, porque se
sabia que estávamos começando a tangenciar o
que interessava, já não trabalhávamos com
metáforas (representações) de situações.
Estava-se trabalhando com a situação mesmo,
real. Por outro lado, o tipo de trabalho que se
estava fazendo, tendia a volatizar-se, esta já
era outra característica. Era um trabalho que,
na verdade, não tinha mais aquele culto do
objeto, puramente as coisas existiam em função
do que poderiam provocar no corpo social. Era
exatamente o que se tinha na cabeçaz trabalhar
com a idéia de público. Naquele período
jogava-se tudo no trabalho e este visava
atingir um número grande e indefinido de
pessoas: esta coisa chamada público. Hoje em
dia corre—se inclusive o risco de fazer um
trabalho sabendo exatamente quem é que vai se
interessar por ele. A noção de público que é
uma noção ampla e generosa, foi substituída
(por deformação) pela noção de consumidor, que
190
é aquela fatia de público que teria o poder
aquisitivo" Cildo Meireles — 1970, Rio de
Janeiro.
Fica claro nestes depoimentos15 que toda a crítica que
esta arte desenvolvia, se dirigia ao sistema das artes em si
mesmo e não ao seu papel social. Eles se colocavam contra as
categorias de arte, contra os salões, as premiações, os júris,
a crítica de arte. Não abordavam as problemáticas da
sociedade, onde este sistema inseria e nem questionavam o seu
papel social ou a dominação simbólica por ele exercida. O que
se percebe são intenções de renovação das relações artísticas,
com fortes influências das correntes internacionais de arte
povera, body art e arte conceituai. O uso de materiais de
baixo custo, bastante válido dentro da realidade econômica e
social do país, não é relacionado com o nível mais amplo da
sociedade, mas unicamente com a atividade individual do
artista. A preocupação não era colocar os meios de produção e
consumo artísticos ao alcance de todos, rompendo com a lógica
de distinção do sistema das artes plásticas. Mas abrir espaço
para que novos indivíduos ingressarem no sistema, renovando-o
mas artistas, mantendo-se a idéia mágica da criação. Se todos
se tornassem artistas, desapareceria a lógica de distinção do
sistema, como afirmou Bourdieu:
15 O dois textos (Barrio e Cildo Meireles) são citados nos seus respectivos livros da Coleção "Arte Brasileira Contemporânea" FUNARTE, 1979.
"O que quer dizer que neste jogo é preciso
191
fazer o jogo: os que iludem s<3o iludidos e
iludem muito melhor quanto mais iludidos forem;
eles são muito mais mistifioadores quando são
mais mistificados, Para jogar este jogof é
preciso acreditar na ideologia da criaçrdo"1 -
Gutra questão importante presente nos discursos da
vanguarda, é a ênfase na liberdade individual. Isto fica
claramente colocado: "a criação não pode estar condicionada,.
tem que ser livre"* Que liberdade era esta, total, sem
condicionamentos, dentro de um país que vivia em um regime de
exceção? Na verdade, era uma grande contradição. A arte como
que negava a realidade política em que o artista vivia. Como
se o artista pudesse sair fora da realidade concreta do país,
através de seu trabalho. Aliás, era tônica deste momento de
repressão, sair fora da realidade; a arte e a droga cumpriam,
17 assim, papéis bastante semelhantes . □ empenho era sair fora
da realidade política em que o artista vivia. Como se o
artista pudesse sair fora da realidade sócio—econômica e
política através de uma supra realidade artística. Aparece,
aqui, bem evidente, a crença no poder mágico de tranformação
do trabalho artístico. Este era visto como um instrumento de
mudança do mundo cotidiano, com poderes que, na verdade, não
detinha um poder mágico de ação em um espaço de total
1<5 Pierre Bourdieu. Questões de Sociologia. 1983. Op. cit. 17 Quanto ao uso da droga e ao escapismo da época ver Luciano
Martins. Geração f)/5. Ensaios de opinião. Rio de Janeiro, VII, 1979.
192
liberdade de criação. Era reforçada assim, a mitica da arte,
ao acreditar-se que ela podia transformar sozinha uma
rea1 idade estabelecida.
Evidencia-se, assim, a ambigüidade do discurso e da ação
destas vanguardas, cujo compromisso com o novo era, na
verdade, um compromisso com a manutenção do status quo. E,
quando questionam o culto ao "objeto artístico", presa fácil
do mercado, propõem a sua substituição pelo culto da "ação
artística". Negavam o valor do objeto das obras e seu fetiche,
mas o substituiam pelo fetiche dos processos, mantendo todo um
corpo de crenças mágicas sobre a arte, principalmente
utilizando estas crenças para preservar o espaço de autonomia
e distinção da arte, dentro de um panorama cultural que se via
incorporado rapidamente á sociedade de massas. Esta oposição à
cultura de massa, que revela também o elitismo do sistema das
artes plásticas, é a responsável pela contraposição entre
público e consumidor que os artistas faziam, num momento em
que no Brasil se implantava uma sociedade de consumo. Alguns
artistas tentavam reagir e este processo de inserção das artes
plásticas, antagonizando o conceito de público com o de
consumidor, o que de certa forma era tentar fugir à inserção
desta problemática de consumo e desta cultura de massa que
estava em pleno estabelecimento, com a qual teriam de conviver
e, de certa maneira, seriam absorvidos.
193
O Estado era, neste momento, o mecenas que, sustentando o
trabalho experimental, possibilitava que este ficasse, de
certa forma, à margem da indústria cultural. Esta ação do
Estado, foi intensa na primeira metade da década de 70, sob a
forma de salões e premiações. Pelo gráfico anexo, observar—se
a concentração de salões na segunda metade de 60 e primeira de
70, e a proporção acentuada de salões oficiais neste período.
Esta foi, sem dúvida, uma das mais importantes formas de
mecenato estatal para as artes plásticas. Principalmente
porque os salões faziam a difusão das vanguardas, dinamizando
o sistema, sem que as galerias comerciais fossem obrigadas a
investir nesta produção de difícil colocação de mercado. Os
salões eram responsáveis pela modernização do sistema das
artes plásticas. Subvencionando—os, o Estado assumiu o ônus da
modernização artística, de forma semelhante a que ocorria em
setores da economia brasileira pós 64. Na economia, o Estado
arcava com a infraestrutura, para que a iniciativa privada
pudesse ter o retorno para seus investimentos. Assim, o
dinheiro público sustentava os investimentos de maior risco, o
que ocorria também nas artes plásticas.
Um pensamento claro, exposto sobre este papel do Estado,
foi o de Frederico de Morais.
"/9os museus cabe promover a arte mais
experimental, paralelamente à revisão dos
valores do passado. A promoção da vanguarda
caberáf em primeiro lugar ao museuf com apoio
194
da crítica, O mercado virá, em seguidaf museu e
mercado não devem se excluir mas se
complementar, Divididas as áreasf o sistema se
completa , E progride"19 ,
"Poderá viver a arte+ e mesmo o mercado de
artef sem a atividade de laboratório de 4 p
vanguarda f isto éf sem renovação de valores7
Suas queixas evidenciam uma cobrança em relação à atuação
do Estado como mecenas, sustentando um laboratório que
pesquisa a inovação para garantir a renovação do mercado- Esta
obra foi escrita em 75 e Frederico de Morais, como porta voz
das vanguardas, estava a exigir mais investimentos do Estado-
Isto porque as pressões do mercado empresarial de arte estavam
já suplantando a atuação do Estado e exigindo dos artistas
novos comportamentos, evidenciados na análise de Roberto
Pontual:
". ., a nossa arte mais aguerrida de agora tem
preferido retornar aos seus antigos espaços
fechadosf ainda que geralmente os modificando
para se adaptarem ao cara ter não ortodoxo das
apresentações, Esse fenômeno da reafirmação da
adequabil idade do interior dos museus e
galerias para a experimentação atual e de
recuperação da especificidade do artista, que
antes parecia encaminhar-se rumo ao anonimato
esta merecer uma análise mais detida, O que
10 Morais Frederico (O Globo 30/12/75 Artes Plásticas, 1975: Ano bom, ano decisivo.
ip Frederico de Morais. Artes Plást icas: a crise da hora
atual.Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1975, p. 117.
195
convém adiantar por enquanto é que ele talvez
derive de uma situação nova de relacionamento
da vanguarda com o mercadof a ponto de que a
negação deste -último por parte da primenria se
faça nos termos de um circuito prévio a que
todosr mais ou menos conscientemente, acabam se
sujeitando. Sujeição que, na verdade, deve ser 20
vista também como tática"
O que se destacar, como realmente específico ao longo dos
anos 70, foi a maneira articulada com que o apoio estatal se
estabeleceu. Várias instituições se conectavam em uma malha de
estímulo e controle das práticas plásticas, envolvendo um
grande número de "administradores da cultura". A figura do
intelectual, funcionário estatal, com intensa atuação no
sistema das artes plásticas, como Walter Zanini, Diretor do
Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo,
reponsável pela seleção de representações brasileiras em
diversas exposições no exterior. Diretor da Bienal
Internacional de São Paulo,é típico no segundo a metade dos
anos 60, e primeira metade dos anos 70. A extensão de sua
influência aparece no depoimento de Anna Bella:
"... começo a participar de exposições no
exterior através de convites que vinham para o
MAC, quando o Zanini dirigia o MAC. Este local,
quando o Zanini dirigia passou a ser um ponto
de contato com o exterior e com o exterior que
20 Pontual, Roberto. Jornal do Brasil, i/li/75. Rio de Janeiro.
196
compreende este trabalho no momento em que esta
sendo feita//21
O Estado, representado pelas instituições que sustentava
economicamente e pela ação de seus administradores,
desempenhava um papel fundamental na integração que estava se
consolidando, das instituições culturais com o setor
empresarial. A verdade é que o Estado autoritário processou o
desenvolvimento do capitalismo no Brasil não só em nível
econômico e social, mas também em nível das representações
simbólicas, estabelecendo uma relação mais orgânica entre os
intelectuais e os setores empresariais. Os interesses globais
dos empresários e do Estado, em relação ás artes plásticas,
eram os mesmos: legitimação das estruturas de poder e
afastamento das artes plásticas dos problemas econômicos,
sociais e políticos da maioria da população.
5.2 - Fortalecimento das instâncias de difusão e supremacia do
mercado empresarial
A década de 70, no nível das artes plásticas, pode ser
caracterizada como o período de consolidação do mercado de
arte empresarial no país. Este processo, no entanto, já se
desencadeara um pouco antes. O período de 68 a 73 é conhecido
21 Depoimento de Anna Bella Geiger a autora. 11 nov. 1987, Porto Alegre.
197
no Brasil pela denominação de "milagre brasileiro", se
caracterizando como um dos mais favoráveis para a acumulação
monopolista. Foi uma época das mais rendosas para o capital,
aceleraram-se as taxas de acumulação, a concentração da renda,
o incremento das exportações e principalmente ocorreu uma
rearticulação e concentração do sistema financeiro. Tudo isto
encaminhado através de uma atuação do Estado que favorecia a
acumulação de capital, extorquindo das massas trabalhadoras as
conquistas que haviam obtido no período populista.
"Enquanto as classes monos favorecidas da
populaçdio assistiam do mdos amarradas ao enco-
lhimento de sou poder aquisitivof os segmentos
mais elevados da classe média oram favorecidos
pela própria dinâmica da acumulação do capitalf
norteada pelos bons do consumo duráveis Na
verdade, a formação do um mercado consumidor
suficiente para as necessidades de acumulação
deveu—se em parto f ao aperfeiçoamento do
sistema financeiro nos anos óO o TO (quo corta —
monto ampliou a capacidade de endividamento de
toda a sociedade.) e, em parto à demanda automa-
ticamente gerada pela dinâmica do próprio
processo de acumulação, quo pagou maiores
salários â mão—do—obra qualifiçada, relativa—
monto escassa no país7
Neste quadro econômico se estabeleceu um novo padrão de
consumo, baseado nos bens duráveis (automóveis, eletrodomésti—
22 Mantega, Guido e Moraes, Maria. Acumulação Monopolista e Crises no Brasil. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979. p. 62.
198
cos), destinados também aos extratos médios da população,
beneficiados pela disputa de mão-de-obra mais especializadas,
empreendida pelos monopólios.
O mercado de arte apresenta algumas inovações que se
colocam como parte destas modificações que estavam se
implantando em nível econômico. □ impulso inicial do setor
empresarial nesta área, que se estabelecera na primeira metade
dos anos 60, se arrefecera. A ele, no entanto, foi dado nova
expansão a partir de 69, com uma série de leilões produzidos
por espaços especializados, entre os quais se destacaram a
Petite Galerie (RJ), a Bolsa de Arte (RJ), a Collectio (SP).
"... os l&ilõ&s não apenas tiveram seqüência
como ainda conseguiram uma projeção incomum
entre os colecionadores de São Paulo. O total
de obras arrematadas foi além das espectat ivas f
motivando até dúvidas/protestos de alguns
setores preocupados com a alta violenta dos
preços das obras. Os realizadores dos leilões,
no entantoem várias oportunidades procuram
demonstrar que nada mais estava acontecendo do
que a consecução do preço médio da obra e quef
isso sim, o mercado crescia em função do
interesse cada vez maior dos novos coleciona-
dores .
Verdade ou não, o certo é que em São Paulo
nunca houve tanta celeuma/aquisições em torno
de pinturas, desenhos, gravuras do que nos
últimos dois anos. Quanto aos preços justos,
irão predominar, mais tempo menos tempo, pois o
199
comprador de Arte estd aprendendo tudo sobre
cotações ^.
Estes leilões mtroduzem novas práticas na comercializa-
ção das obras de arte. Primeiro, porque eles são sustentados
prepoderantemente por obras de artistas brasileiros contempo-
râneos, o que não ocorria até então, quando os leilões tinham
como linha de trabalho, peças de antigüidades e artistas
acadêmicos europeus e brasileiros. Os leilões de novo tipo
eram realizados sob a orientação de marchands especializados,
sendo destacada a atuação de José Paulo Domingues, dono da
galeria de arte Collectio. Além da seleção das obras, na qual
utilizavam seu know how de mercado e seu conhecimento da
produção plástica brasileira, estes marchands eram também
responsáveis pelos esclarecimentos ao público durante o
pregão. Seus esclarecimentos funcionavam como forma de
orientação dos compradores, mas também para a formação de um
público específico. Cada peça levada ao pregão era descrita,
classificada; eram fornecidos dados técnicos sobre o artista e
a obra, que constituíam verdadeiras aulas de história da arte.
Estes leilões concorreram, portanto, para que, neste momento,
os setores sociais enriquecidos pelo processo de acumulação,
bem como os setores médios, enriquecidos pelas possibilidades
de absorção do mercado de trabalho de mão—de—obra mais
qualificada, pudessem adquirir um capital cultural e, assim,
23 Anuário das Artes. São Paulo, APCA, 1972, Ivo Zanini. p. 96.
200
tornarem-se público consumidor no mercado de arte local. G
papel desempenhado por estes leilões foi muito importante para
a estruturação do mercado de arte brasileiro. Eles eram
realizados em espaços sofisticados, na própria galeria, em
salões de hotéis ou outros locais de status; os convites eram
destinados a um público selecionado, as obras eram
relacionadas em catálogos sofisticados, com reprodução a cores
das obras mais importantes dos lotes e havia durante o leilão,
o oferecimento de coquetel. Estes eventos sociais distinguiam
aqueles que recebiam convites e dele participavam. Fazer
lances era fonte de distinção, principalmente porque os
destaques da noite eram, em geral, noticiados em crônicas
sociais. Esta distinção social foi importante para as relações
da nova elite, enriquecido com os lucros dos monopólios, que
se impunha economicamente e estava consumindo arte no Brasil.
Os novos extratos eram uma fatia importante do mercado
consumidor, mas não estiveram ausentes destes leilões os
setores das elites tradicionais. Nos leilões foi
comercializada a maior parte das obras do modernismo
brasileiro e também se abriu espaço para a produção mais
atualizada. A presença predominante de modernistas e abstratos
pode ser observada no anexo.
As peças de destaque, nestes leilões, eram obras da arte
brasileira, já histórica (anos 20, 30 e 40). Os leilões
promoveram uma grande valorização dos modernistas, uma vez que
201
estas aquisições eram consideradas como investimentos de altos
lucros. Sendo uma produção dotada e limitada (a maioria dos
artistas eram já falecidos), contava com o fator escassez, que
lhe garantia o valor. Esta retomada da arte "histórica"
expressava uma orientação do sistema das artes como meio de
legitimação das elites enriquecidas com o processo de
acumulação monopolista. Este acervo se prestava à acumulação
de um capital cultural adquirido pelas novas elites. A disputa
por estas obras históricas foi, de certa forma, a disputa por
participação em uma história cultural e artística por parte de
grupos econômicos ou de indivíduos enriquecidos neste período.
Paralelamente a sua colocação nos leilões, estas obras
históricas, neste período, foram objeto de grandes mostras
retrospectivas, como por exemplo as obras de Lasar Segai 1 no
Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro em 69.
Em conseqüência desta dinamização do mercado, a compra de
obras de arte começou a ser olhada fundamentalmente como um
investimento. Neste clima de especulação, a aquisição de um
óleo de Portinari era feita com o mesmo raciocínio despendido
nas aplicações imobiliárias. Os valores da arte passaram a ser
determinados pelo mercado, através de fortes e organizadas
empresas especializadas em exposições e leilões responsáveis
por vendas em grande escala. Grupos financeiros estiveram
ligados aos leilões, destacando-seo Banco Real e o Nacional.
202
Eles eram responsáveis pelo financiamento das obras- Farta
documentação ilustra o crescimento dos investimentos em artes
plásticas.
"Antes era o mercado de imóveisf depois o de
papéis- Agora é o de arte- Investir em arte
hojef é mais seguro do que aplicar em ações ou
em captaçõo imobiliária.»- aplique em artef
ganhe na certa//24-
No bojo desta especulação com a arte, além dos
modernistas históricos, foi comercializada uma leva de
modernistas de segundo escalão. Orlando Teruz foi um exemplo
típico- Seus quadros alcançaram cifras exorbitantes e, embora
tivesse uma imensa produção, não conseguia dar conta das
encomendas- Primitivistas também foram absorvidos neste
processo, em que eram oferecidas obras de arte para combinar
com a decoração das novas mansões que a especulação
imobiliária produzia, atendendo às exigências daqueles que se
enriqueciam com a concentração de capital promovida no país,
com o apoio do Estado autoritário- O grande número de leilões
neste período evidencia a dinâmica do mercado de arte.
O mercado de arte se implementava, ainda, com a criação
de novas galerias de arte, a Collectio aparece como
deflagadora de um novo processo. Sua breve trajetória (69-73)
24 Artes: São Paulo, 1971, ano VI n2 26 "Mercado de Arte" Carlos Von Schimidt.
203
inaugurou em São Paulo e, mesmo no país, uma forma de tratar a
obra de arte semelhante a que estava ocorrendo nos grandes
mercados internacionais — como investimento- Criada em fins de
69 por José Paulo Domingues, esta galeria foi responsável pelo
mais dinâmico empreendimento da área neste período. Na
Collectio trabalharam Raquel Arnould Babenco e Nonica
Filgueiras. Um dos eventos mais importantes promovidos foi a
mostra, acompanhada da publicação do livro "Arte Brasil Hoje -
50 anos depois", sob a coordenação de Roberto Pontual-
Destacando obras e artistas, desde a semana de 22 até 72, o
crítico de arte selecionou também o acervo que foi adquirido
pela galeria- A Collectio aproveitou o momento propício da
economia, (o "milagre brasileiro") com capitais disponíveis,
envolvendo, em transações de artes plásticas, o sistema
bancário e o mundo dos negócios- Por sua intervenção, foram
abertas linhas de financiamento para aquisições, e se
deslocaram para o mercado de arte boa parte do capital
especulativo que abandonara a bolsa de valores. A derrocada da
galeria, em 73, teve mais a ver com ações especulativas de seu
proprietário do que com a recessão do mercado de arte- Prova
disto é o crescente avanço do mercado que se consolidava na
segunda metade da década de 70 o que pode ser observado no
anexo-
Os segmentos enriquecidos do empresariado constituiam uma
importante fatia do mercado de arte, mas os segmentos médios.
204
mão-de-obra mais especializada, exigida pelos novos processos
produtivos (executivos e técnicos especializados), também
foram acréscimos para o público consumidor de artes plásticas.
Para estes segmentos de poder aquisitivo mais restrito, o
mercado ofereceu uma proposta específica: a obra múltipla.
Gravuras assinadas e numeradas, pequenas esculturas em bronze,
terracota ou resina, fizeram parte dos muitos objetos de arte
disseminados no mercado, ao longo da segunda metade da década
de 70. Ainda em 71, foi criada a galeria de Arte Aplicada, em
São Paulo, voltada basicamente à comercialização de "objetos"
absorvendo uma fatia especifica de consumidores. Também nesta
linha atuou as galerias "Múltipla" (73) e Skultura (75). Este
tipo de atuação setorizada evidencia o desenvolvimento e a
amplitude que o mercado de arte vai atingindo ao longo da
década de 70. Testemunha do impulso dado a este tipo de
produção é o seguinte reclame publicitário:
"Gravuras de todas as técnicas e tendências de
autores nacionais e internacionais,
especializada em programação de paredes de
escritóriosf hotéis, saguões e residências, 25
edições de gravuras para brinde"
No entanto, apesar desta produção mais ampla, a
circulação da obra de arte plástica manteve-se ainda bastante
restrita. A introdução do múltiplo, na verdade, ampliou o
23 Vogue Arte, maio 77, n- 2, p. 21, reclame publicitário.
205
número de compradores e as possibilidades de lucro dos
revendedores, sem criar uma real alteração do elitismo deste
circuito, cujo destaque é ainda a obra única e a assinatura do
artista. O valor da obra, de certa forma, não é estabelecido
pela concorrência de mercado e aceitação do público, mas pela
sua inserção no circuito de difusão que lhe legitima. Esta
condição do consumo das artes plásticas sujeita o comprador e
artistas, às ingerências dos difusores (marchands, críticos,
diretores de instituições), uma vez que não é a aceitação do
público que define o sucesso de determinadas obras, como
acontece, por exemplo, na literatura e no cinema.
A partir de 1973, articulada com a crise internacional do
petróleo, a economia brasileira apresentava as fissuras do seu
projeto autoritário e concentrador• Neste momento, já se
anunciava no país que o ciclo de acumulação ultrapassara o
ápice e iniciava seu declínio, estimulando o crescimento de
oposição. Diversos setores soeiais desfavorecidos pe1o mode1o
de desenvolvimento, implantado pelo Estado autoritário
monopolista e mobilizaram divergências no interior do bloco de
poder. A abertura democrática que se ensaiou nesse momento
foi, por um lado, resultado destas pressões sociais e, por
outro, de uma estratégia de conservação do poder por parte dos
grupos dominantes. Esta abertura teve como conseqüência um
certo reaquecimento da produção cultural. Além disto, um
processo interno do próprio mercado de arte exigiu mudanças na
206
produção plástica. PraticaíTiente todo o acervo dos "Históricos'1
havia sido comercializado (principalmente através dos leilões
de arte), estando nas mãos de colecionadores; o mercado
necessitava de novas produções e valores, novo material para
trabalhar. Aliaram-se, assim, os interesses do mercado de
arte, que abria espaço para as novas produções, à fermentação
democrátrica que estimulava a produção artístiva com acenos de
"abertura". Retornaram à cena vários artistas da década de 6U
e muitos novos se introduziram.
Carlos Vergara, que fizera sua última exposição
individual em 69, na Petite Galerie, retornou, em 73, com uma
exposição individual na Galeria Luiz Buarque de Holanda; neste
mesmo ano ele realizou também um painel para a sede do Jornal
do Brasil no Rio de Janeiro. Rubens Guerchman, que expusera no
Brasil, em 68, na Galeria Relevo, voltou a expor
individualmente em 73, na Galeria Ralph Camargo. Geraldo de
Barros, que fora ligado ao Grupo Rex retomou uma abstração que
lembrava a arte concreta. Pouco a pouco encontravam—se mais
fortes as expressões artísticas tradicionais (quadros,
esculturas e gravuras) que pareciam esgotadas. Processo este
no qual os artistas brasileiros também acompanham a tendência
internacional. Segundo Olney Krüse
"A Bienal de São Paula deste ano, deixou uma
lição para os artistas brasileiros. Depois de
Rafael Canogar, Folon provou que para ser
207
artista atual atuante (ou contestador) não é
necessário ser óbvio ou planfetário. Basta ser
sutil, criativo, ter um traço simples e suave,
cores delicadas, imaginação*■ Para analisarmos o
compromisso social, poli tico e cínico do homem,
não é preciso som, ruído, espalhafato
"vanguarda"- O recado pode estar (como esta}
num guache"2**.
No Brasil, o Estado, enfrentando a crise de seu modelo de
desenvolvimento, buscava encontrar um equilíbrio entre a
repressão seletiva e o restabelecimento de mecanismos de
representação, que atraíssem, para sua sustentação, grupos de
classe média e de elite até então afastados pelos excessos de
repressão ou por interesses específicos não atendidos. A
década de 60 havia sido caracterizada por uma orientação
participativa e politizada, em termos das artes plásticas,
isto é, pela preocupação temática e pela ampliação do acesso
às obras às camada mais amplas da população, os anos 70
apresentam, como tendência global, o aumento do volume e da
dimensão do mercado de arte, afastado, porém, de preocupações
democratizantes mais amplas e fortalecendo o elitismo típico
deste tipo de produção. 0 mercado se ampliava e se
especializava abrangendo diferentes produções destinadas a
diversos tipos de público, capazes de se tornarem
consumidores. Um levantamento dos nomes citados nas muitas
2<5 Anuário das artes. São Paulo, ARCA, 1973/4, Olney Krüse. p. 106.
208
publicações de artes desta década permite constatar esta
tendência à ampliação de diversificação da produção. Estas
publicações por seu turno fazem parte de dinâmica de
fortalecimento das instâncias de difusão que também
caracterizou este período. O grande n— destas e a qualidade do
material utilizado (fotos coloridas e papel brilhoso e
luxuosas encadernações) contrastam com o que se pode encontrar
na década anterior (anexo).
No impulso que tomou o mercado de arte, incorporando
novos artistas (na sua maioria jovens), foi fundamental a
criação da "Galeria Global" em São Paulo (1974). Ainda no ano
de 74, expuseram na galeria Milton Da Costa, Vanda Pimentel,
João Carlos Galvão, Guilherme Faria, Anna Maria Maiolino,
Paulo Roberto Leal, Flavio Shiró, Bruno Giorgi, Tomie Otake,
Edival Ramosa Hércules Barsotti e Júlio Pare. Atuando de
forma empresarial, responsabi1izado—se pelo convite—catálogo,
coquetel e todas as despesas de divulgação, para as quais
utilizavam os meios de comunicação de massa de que dispunham,
a galeria se colocava como intermediária, atuando na difusão.
Cumpria, assim, um papel básico nesta estruturação empresarial
do mercado dentro dos moldes internacionais monopolistas, onde
o controle dos meios de difusão garante aos intermediários um
poder enorme dentro do sistema das artes plásticas. Atuou como
Marchand, neste empreendimento, e como orientador artístico,
Franco Terranova (dono da Petite Galerie) e Rachel Babenco que
209
trabalhara na Collectio- Com larga experiência, eles deram à
galeria o perfil empresarial coerente com os novos tempos,
contando para isto com as possibilidades de infra—estrutura da
Rede Globo. Esta aliança com grandes grupos, ligados aos meios
de comunicação ou outros setores, como o capital financeiro,
se tornou uma tendência do mercado. A Galeria Global
trabalhava com nomes ja consagrados, mas seu grande papel foi
realmente abrir espaço para novos talentos, como produto que o
mercado absorvia, principalmente porque, como foi observado os
novos extratos sociais enriquecidos eram constituídos, em
grande parte, por jovens executivos com amplos contatos
internacionais, interessados em encontrar aqui uma produção
tão moderna e arrojada quanto a dos grandes centros.
As vanguardas, que fermentaram nos laboratórios,
sustentandos pelo Estado (salões. Museu de Arte Contemporânea
da USP, Espaço Experimental do MAM/RJ, etc.) foram a resposta
ao mercado em expansão. Para colocá-los em circulação, além da
Galeria Global, outros espaços foram criados. Luisa Strina
abriu sua galeria em São Paulo, em 74, trabalhando
exclusivamente com um grupo de artistas ela inaugurou um novo
estilo que se evidencia em um anúncio publicitário onde ela
aparece pessoalmente fazendo a seguinte afirmação:
"Eu repreento os artistas, /4Ian Shields,
Babinski, Baravelli, Edo Rocha, Fajardo,
Hamaguchi, José Rezende, Nelson Leirner,
209
trabalhara na Collectio. Com larga experiência, eles deram à
galeria o perfil empresarial coerente com os novos tempos,
contando para isto com as possibilidades de infra—estrutura da
Rede Globo. Esta aliança com grandes grupos, ligados aos meios
de comunicação ou outros setores, como o capital financeiro,
se tornou uma tendência do mercado. A Galeria Global
trabalhava com nomes ja consagrados, mas seu grande papel foi
realmente abrir espaço para novos talentos, como produto que o
mercado absorvia, principalmente porque, como foi observado os
novos extratos sociais enriquecidos eram constituídos, em
grande parte, por jovens executivos com amplos contatos
internacionais, interessados em encontrar aqui uma produção
tão moderna e arrojada quanto a dos grandes centros.
As vanguardas, que fermentaram nos laboratórios,
susten tandos pelo Estado (salões. Museu de Arte Contemporânea
da USP, Espaço Experimental do MAM/RJ, etc.) foram a resposta
ao mercado em expansão. Para colocá-los em circulação, além da
Galeria Global, outros espaços foram criados. Luisa Strina
abriu sua galeria em São Paulo, em 74, trabalhando
exclusivamente com um grupo de artistas ela inaugurou um novo
estilo que se evidencia em um anúncio publicitário onde ela
aparece pessoalmente fazendo a seguinte afirmação:
"Eu repreento os artistas, /4Ian Shlelcfs,
Babinski, Baravelli, Edo Rocha, Fajardo,
Hamaguchi, José Rezende, Nelson Leirner,
210
Waltércio Caldasf Wesle/ Duke Lee"27 -
Mesmo ampliando-se numérica e diversificadamente- o
mercado manteve—se restrito em comparação com o crescimento do
consumo em geral que ocorria no país; nele circulavam poucos
objetos, cujo valor estava em estreita relação com a
exclusividade. Por isso, as reproduções eram sempre em número
restrito,numeradas e assinadas, para garantir a permanência de
certa aura de distinção, imprescindível à manutenção do
próprio sistema.
"Todos também parecem céticos em relação ao
chamado processo de democratização da arte,
pelo menos a curto prazo. Guerchmanf talvez o
mais preocupado com esta questão, é o primeiro
a reconhecer que o 'destino da obra, depois que 2 8
faço, é incontroldvel"
O processo de difusão tornou—se mais importante dentro do
sistema das artes plásticas, fugindo praticamente das mãos do
artista. As instâncias de circulação passaram a ter crescente
importância. Por instâncias de circulação, entende-se o
conjunto de meios de comunicação e das instituições que
promovem circunstâncias capazes de fazer chegar ao consumidor
os objetos e eventos artísticos. É importante constatar que
estes canais de escoamento da produção, por seu turno, são
27 Vogue Arte, nov. 77, n2 2, p. 8. Anúncio publicitário. 20 Ronaldo Brito e Heliosa Buarque de Holanda. "Explosão de
mercado e crise de criação" Opinião n2 54, 19, nov. 73, p. 26.
21 1
também os meios de sua legitimação- Veiculado como "arte",
determinado objeto ou evento passava a ser consumido como tal;
assim, um dos principais papéis que as instâncias de
circulação assumiram foi o de legitimação, advindo, daí, seu
fortalecimento. O fortalecimento das instâncias de circulação
pressupõe o aumento do número destas e a sua diversificação,
mas se caracterizou principalmente pela importância que estas
adquiriram dentro do sistema das artes plásticas ao longo dos
anos 70.
□s meios de comunicação social; jornais e revistas foram
importantes canais de difusão, eles atuaram em dois níveis.
Primeiro, no sentido de divulgar para o grande público o que
estava ocorrendo dentro do sistema das artes, reforçando a
distinção deste circuito- Segundo, na difusão de idéias,
valores e correntes estéticas dentro do próprio sistema,
participando das disputas internas. No primeiro caso, atuavam,
por exemplo, os artigos e colunas de arte em jornais e
revistas dirigidos ao grande público; no segundo, os meios
especializados, como as revistas de arte. Ao longo dos anos 70
aprofundou-se a separação entre a divulgação interna ao
sistema aquela voltada ao grande público. Tendeu a se
disseminar, nos jornais e revistas de grande circulação, o
"colunismo de arte", diferente da crítica de arte que se
difundira nos anos 60. Ou seja, aumentou o número de
colunistas que relatavam eventos, documentando e divulgando o
212
que estava ocorrendo em termos de arte plástica, sem um
posicionamento crítico ou discussão de tendências- Na crítica
de arte, que se desenvolvera nos anos 60, estivera muito mais
evidente o posicionamento dos críticos, das colunas assinadas,
que traziam explicitamente as posições daqueles que eram por
elas responsáveis. O sumário de um exemplar da revista "Arte
Hoje" permite verificar também o enfoque homogeneizador com
que os mais diversos temas de arte e as mais antagônicas
tendências eram tratadas. "A rebelde primavera de Visconti",
"O Nepal" de Antônio Dias, "Barsotti,a cor em volume", "Andy
Warhol , indiferença dand1/" "A nobreza do móvel inglês"
"Pintando com fotos" "Arte como supérfluo" "Polêmica
2P concretista" "Os projetos do NAM" . A "neutralidade" do
colunista e a homogeneização das tendências foi uma orientação
mais genérica dos meios de comunicação na década de 70, e não
uma orientação específica em relação as artes plásticas.
Outra tendência dos anos 70 foi a redução dos espaços
diários dedicados ás artes plásticas e o aparecimento dos
cadernos especiais de cultura, como por exemplo o Caderno 2 ou
Caderno 8, ou Folhetim onde são tratados sob forma de
reportagem alguns eventos de mais destaque. Nos anos 70
observa-se um acentuado crescimento no espaço dedicado às
artes plásticas nos meios de comunicação de massa,
acrescendo-se a isto o aumento significativo de publicações
2Í> Sumário. Arte Hoje, out. 77, ano i, n— 4, p. 5.
213
periódicas destinadas ao grande público. A revista Realidade
aparecerera como grande novidade ainda em 65, mas na década de
60 ocorreram novas inovações, no setor editorial, com "Veja"
(1973) e "Isto É" (1975). Mas dinâmicas, estas revistas
apresentavam espaços específicos para divulgação de artes
plásticas. Inicialmente estas colunas não eram assinadas, mas
havia um crítico especializado respondendo por elas, como foi
o caso de Harry Lauss na "Veja". Posteriormente passaram a ser
assinadas por Glívio Tavares de Araújo (Veja) e Geraldo Edson
de Andrade (Isto É). Estes espaços eram de pouco destaque, no
corpo de revistas, em geral relatam eventos, com pequenos
comentários do crítico e ilustrados com fotos coloridas. No
entanto, mesmo não havendo uma crítica mais aprofundada, estes
comentários eram importantes para a divulgação, sendo bastante
disputados por galerias instituições e artistas, pois eles
garantiam, uma difusão nacional o que não ocorria com os
jornais. A importância dos espaços de arte nos meios de
comunicação de massa pode ser observada, ainda, pelo fato de
que a maioria dos críticos de destaque dentro do sistema,
desde a década de 60, tiveram, pelo menos por algum tempo,
atuação nos meios de comunicação. Neste caso estão: Roberto
Pontual (Jornal do Brasil) Frederico Morais (O Globo) Ivo
Zanini e José Geraldo Vieira (Folha de S. Paulo) Olivio T.
Araújo (Veja) Casimiro Xavier de Mendonça (Veja) Walmir Ayala
(Jornal do Brasil) Ronaldo Brito (Opinião) Antônio Bento
(Diário da Noite) Harry Lauss (Jornal do Brasil) Olney Krüse
(Jornal da Tarde).
214
Em termos de revistas específicas de arte., deve-se
destacar que, das revistas lançadas na década de 60,
praticamente a única a sobreviver, ao longo de 70, foi
"Artes", mesmo assim de forma irregular. Um novo surto
editiorial, no entanto, se desencadeou na segunda metade dos
anos 70, inaugurado com o lançamentos de "Malasartes" e "Vida
das Artes" (1975). A primeira era uma revista organizada e
dirigida por artistas plásticos e críticos: Vergara, Carlos
Zílio, Ciido Meireles, José Resende, Baravelli, Rubens
Guerchman, Waltércio Caldas, Bernardo Vilhena e Ronaldo Brito.
Lançada no Rio de Janeiro, ela contava com integrantes também
de São Paulo. Voltada basicamente para as artes plásticas,
veio ocupar um espaço importante, pois era bastante
aprofundada em seus artigos, atuando, assim, não só na
informação como na formação dos artistas e do pessoal de
apoio. Sua leitura exigia uma série de informações que a
colocava como destinada a produtores e especialistas.
Praticamente não tinha publicidade, destinava-se a veicular as
vanguardas; desapareceu após o terceiro número, não por
dificuldades de editoração, mas por divergência internas30.
Vida das Artes, lançado em 76, era uma revista com
orientação mais abrangente, com artigos e reportagens sobre
assuntos variados, privilegiando tendências diversas. Os
artigos eram assinados por críticos e estudiosos como Aracy
30 Conforme depoimento de Carlos Zílio à autora. 1987, Rio de
Janeiro.
215
Amaral, Frederico Morais, José Roberto Teixeira Leite e
outros. Apresentavam alguma publicidade, em geral ligada ao
setor (galerias, lojas de decoração ou distribuidores de
material de desenho...) seu papel era de qualidade e com farta
ilustração a cores. José Roberto Teicxeira Leite, crítico de
arte reconhcido dentro do sistema das artes, um de seus
editores, dando à revista uma orientaçãdo especializada,
voltada à formação e informação de produtores e consumidores.
Em 1977, foram lançadas Arte Vogue e Arte Hoje. A
primeira, sob a direção de Pietro Maria Bardi, tinha uma
orientação adequada ao jornalismo mais contemporâneo,
destinando-se a atender interesses diversos, e a estimular o
mercado. Era dinâmica em termos gráficos e de reportagens,
apresentando farta publicidade, articulada com as matérias de
arte. Pode ser considerada uma publicação de luxo, com fotos e
papel de excelente qualidade e diagramação profissional. Seus
artigos eram assinados: havia ainda secções diversas e uma
presença marcante de matérias relativas ao design e
arquitetura. Arte Hoje, cujo editor era Roberto Irineu
Marinho, abordava principalmente a arte histórica e
internacional, com pouca matéria sobre a arte brasileira do
momento. Os artigos eram mais de divulgação do que críticos,
e, em pequenas notas, eram apresentados ocasionalmente obras e
eventos da atualidade local, com comentários de aspectos
formais: regularmente, apresentava, ainda, um secção de
216
leilões. Era uma das únicas revistas de arte com organização
empresarial, mantendo repórteres e fotógrafos contratados e
inserindo a publicidade no texto.
Em termos gerais, estas publicações tinham uma estrutura
bem mais complexa e profissional do que as da década de 60.
Utilizavam meios mais sofisticados (papel de melhor qualidade,
ilustrações a cores, etc.) e apresentavam mais anúncios
pub 1 ic i tá.r ios e artigos de divulgação. Com exceção de
fia 1 asar te, pode—se dizer que se destinavam mais ã formação e
informação do público consumidor do que a dos produtores. No
entanto, as revistas da década de 70, semelhantemente às da
década anterior, tiveram vidas breves: Malasarte com os trés
números; Vida. das de 75 a 76; Arte Hoje, de 77 a 79 e
Vague Arte, de 77, Apesar de terem uma organização bem mais
empresarial e luxuosa que as de 60, não conseguiram permanecer
por longo tempo. Isto evidencia o resetrito mercado de artes
plásticas no país e o fato de que a circulação passava por
diversos meios. O museu e a galeria faziam a difusão de
maneira mais direta, indivíduo a indivíduo. Os compradores
procuravam mais o apoio de marchands e outros especialistas na
orientação de suas aquisições do que uma formação pessoal
através da leitura de publicações especializadas. O consumo
artístico se caracteriza assim como status social e não como a
consolidação de um capital cultural. Colunas de artes
plásticas, nos meios de comunicação voltados ao grande
público, somente se destinavam a apresentar socialmente uma
21 7
fachada destas relações, bastante restritas a uma elite de
in iciados.
Os museus, instituições responsáveis também pela difusão,
como já foi visto, e eram, sua maioria, públicos ou mantidos
com verbas públicas, o mesmo ocorrendo com salões e outras
grandes mostras. O Estado, como principal financiador, foi,
portanto, um dos mais importantes elementos de disfusão e
legitimação, embora não aparecesse claramente como tal. Os
adminisitradores, cuja escolha também levava em consideração
aspectos políticos além de técnicos, detinham um poder que
somente rivalizava com o dos marchands. E, mesmo neste caso,
não se rivalizavam, mas se articulavam, uma vez que a
legitimação dada pelas instituições era reconhecida e
manipulada comercialmente pelas galerias. Além disso muitas
vezes realizavam atividades conjuntas galerias e instituições
oficiais, como por exemplo a ,, I Mostra do Móvel e Objeto
Inusitado", promovida pela Galeria Arte Aplicada sob o
patrocínio da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo,
1978. Ou ainda apresentavam mostras paralelas aos grandes
eventos das instituições oficiais como a Bienal Internacional
de São Paulo.
A importância das instituições culturais (no caso das
artes plásticas a mais destacada é o museu) na difusão das
produções vanguardistas, com maior dificuldade para serem
colocados no mercado, aparece ao longo de toda a década de 70.
218
Em 75, por exemplo, foi criado o espaço experimental do MAM do
Rio de Janeiro, por influência de artistas da vanguarda, entre
os quais se destacava Cildo Meireles. Aracy Amaral, que
assumiu a dire ção da Pinacoteca Estadual de São Paulo em
1975, organizara em 1976, a Expo/Pro j eção, dest\riada a
artistas plásticos que estivessem pesquisando meios não
convencionais. E, durante sua gestão na Pinacoteca deu
especial destaque aos projetos de vanguarda. Walter Zanini, na
direção do MAC-USP, por seu turno, organizou o Salão Jovem
Arte Contemporânea e muitos outros eventos, favorecendo sempre
propostas experimentais e suas conexões internacionais.
Deve—se destacar que muitos destes jovens "descobertos"11 em
promoções de instituições culturais foram, posteriormente,
assimilados pelo circuito comercial. Muitos deles, inclusive,
aprsdentavam em galerias trabalhos mais adaptados ás condições
de exposição e comercialização, deixando para os espaços
"culturais", as experiências mais ousadas. Assim se
estabeleceu a articulação: no museu expõe às realizações
exóticas e ousadas, que davam notoriedade, e na galeria a
produção mais comercial, que oferecia um retorno econômico.
Este tipo de ação conjunta dos canais de difusão se
articularam ao longo dos anos 70, no Brasil, evidenciando, no
sistema das artes plásticas, a aliança entre Estado e a
acumulação privada de capital, presente da economia em geral.
Esta orientação, no entanto, descontentava alguns setores
como pode-se observar:
"Durante cerca de quinze anos a arte - ou a
atividade artística - passou por todo tipo de
219
exp&rim&ntos, Em quinze anos valeram todas as
reaiizaçõesf o registro do processo de procura
e a idéia, mesmo de procura, (, ) Neste período
em que todos os experimentos foram admitidos
se atribuiu mérito ao próprio fato de fazer o
experimentof o trabalho chamado tradicional da
arte - o desenhof a pintura, em todas as suas
infinitas variedades - continuouf porémf a
existir, SÓ não mereceram os prêmios de costume
e o apoio dos meios de comunicação - a cri ti ca
em geral r que preferiu gastar sua munição com os
artistas ligados ao que se convencionou chamar
de 1vangaurda', Muito poucosr ai iás Os
próximos tempos serão5 todo leva a crer* de
valorização dos aspectos esped ficos da
Nos currículos dos artistas na década de 70 aparecem, com
mais constância, atuações no exterior, não só em delegações
representativas do Estado, como também em exposições de
galerias. Tornou-se muito mais usual para os artistas
brasileiros, na segunda metade da década de 70, expor no
exterior, do que na década anterior. Isto foi também resultado
de maiores conexões do Brasil com outros países. Por seu
turno, o crescimento do mercado de arte brasileiro, impôs a
profissionalização dos artistas, exigindo permanente
atualização, da qual faziam parte um conjunto de influências
internacionais. Isto ocorreu tanto em seu trabalho
diretamente, quanto em seus valores e aspirações de vida,
31Klintow2, Jacob. Os Anos 7Q."0 fim das vanguardas quef na verdade, jamais existiram". Revista Isto E, n- 156, 19 dez.1979, p.74.
220
impregnados pela internacionalização da própria sociedade
brasileira neste período, e que se evidenciava também em seus
traba1hos-
Por outro lado, a introdução no mercado brasileiro de uma
série de editoras internacionais favoreceu a penetração de um
conjunto de informações que garantiam uma permanente
atualização dos produtores e dos demais especialistas atuantes
no sistema das artes plásticas. Livros e principalmente
revistas, com farta ilustração, passaram a fazer parte do
cotidiano dos membros do sistema das artes plásticas das
grandes cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro. Além disso,
na década de 70, articulou-se no país uma indústria cultural
nos moldes mais atualizados, calcada basicamente o sistema de
telecomunicações. Imagens produzidas internacionalmente, como
shows, exposições, espetáculos os mais diversos inundaram os
lares. 0 universo visual da elite brasileira se
internacionalizou. Neste sentido, as artes plásticas,
internacionalizadas, tornaram—se parte desta estrutura e não
uma importação artificial. A moderna sociedade de massas
rompeu com a tradicional oposição entre o nacional e o
estrangeiro, em nível de toda a cultura brasileira.
No entanto, o mercado de artes plásticas, apesar de
trabalhar basicamente sobre matrizes internacionais, era
ainda predominantemente local. Gs artistas brasileiros tinham
uma cotação no mercado nacional sem correspondência no mercado
221
internacional. E o comprador brasileiro adquiria
predominantemente artistas brasileiros. As empresas, mesmo as
multinacionais, quando operando no Brasil selecionavam para
seus imóveis obras de artistas do país. Isto que poderia
oarecer contraditório, no entanto, se explica pela função
social do sistema das artes plásticas - a distinção das
e1i tes.
Concorrendo para esta distinção os setores de difusão
acentuavam o elitismo do sistema e sua aura. Neste sentido,
vermssagens sofisticadas, contando com a presença de
destacadas figuras locais, quando noticiados nos meios de
comunicação destinados ao grande público, reforçavam a
distinção. O reconhecimento desta elite e de seus artistas,
pelos demais setores sociais, era mais importante do que a
aquisição de obras de artistas internacionais, desconhecidos
nos meios locais. Os artistas brasileiros poderiam ser melhor
aproveitados pelas instâncias de difusão, sua disponibilidade
favorecia o uso de sua obra e de sua imagem.
5.3 - Avanços Democráticos e Estratégias de Subversão
As contradições de um passado de subdesenvolvimento,
sociais e regionais, se acirravam pelo processo de crescimento
econômico concentrado que ocorria no país. Uma arte mais
politizada deveria dar conta desta problemática. Ocorre
porém, que, na década de 70, se enraizou, em conseqüência,
222
principalmente, de dura repressão e censura, nos meios
artísticos brasileiros, uma forte tendência aparentemente
"despolitizada". A arte pela arte, referendada como a
verdadeira e a mais autêntica expressão artística passou a
dominar o meio artístico principalmente nas artes plásticas.
"Será portanto num ambiente social marcado pela
supremacia do principia autoritário, pela
ausência de referências cri ticas, pelo
desrespeito aos direitos individuais e pelo
pensamento mágico que um jovem de lá ou 13 anos
fará em 68 sua entrada neste universo herdado
dos adultos e que ele percebe como repressivo,
confusa e dominado por uma longinpua e
onipotente gerontocracia marcial. Em síntese,
numa situação na qual prevalece uma 'cultura
autoritária' que, difusa mas penetrantemente,
limita e ao mesmo tempo desorganiza
comportamentos em três domínios fundamentais da
interação do indivíduo com o mundoz o da sua
liberdade, o da sua consciência crítica, o da
sua ação política. Será nestes três domínios
violados pelo autoritarismo que vão surgir
pautas especí ficas de comportamento que serão 3 2
vividas como uma 'contra-cultura'"
A verdade ê que frente aos avanços populares da década de 60,
as elites monopolistas se empenharam, na década seguinte, em
implementar produções artísticas menos voltadas para as
problemáticas sociais e políticas. Neste sentido, contribuiu
também a lógica mercadológica que foi implantada no setor
32 Martins, Luciano. Geração AI 5. Op. Cit. p. 92.
223
cultural (indústria cultural), lógica que despolitizava o
debate e o discurso, reconhecendo o consumo como a categoria
básica para medir o valor dos produtos culturais- Este
processo, que poderia ser denominado de despolitização, no
entanto, é mascarador, pois o sistema das artes plásticas
permanecia politizado, na medida em que servia á manutenção
das desigualdades estabelecidas-
Na segunda metade da década de 7o, o sistema das artes
plásticas se apresentava, progressivamente, controlado pelos
setores empresariais do grande capital- No entanto, novos
ventos democráticos começaram a soprar, decorrentes das
pressões sociais dos amplos setores prejudicados pelo modelo
concentrador pelas disputas dos setores dominantes frente ás
crises do poder autoritário-
"A extrema violência com que o Estado esmagou o
dosa fio armado lançou as bases para o período
de 'política formal' posterior a Í964- Este
período foi marcado pela remobil ização política
e pelas atividades oposicionistas cada vez mas
vigorosas de setores de elite que atuavam
através de organizações. . .
Neste quadra de mobilização de segmentos das elites
surgiram algumas propostas dentro do sistema das artes
plásticas que se caracterizam como questionamentos ao poder
33 Alves, Maria Helena . Estado e Oposição no Brasil. pós-64. Petrópolis, Vozes, 1985. p. 317.
224
estabelecido. A Bienal Latino Americana de São Paulo,
realizada em 73, bem como as duas Bienais Nacionais em 74 e
76, foram exemplos de atividades que evidenciaram as pressões
democratizar» tes e as demandas de distensão política que
estavam ocorrendo na sociedade brasileira. Ao voltar seus
interesses para pólos não hegemônicos, alguns setores, dentro
do sistema das artes plásticas, abriam questionamentos, ou
pelo menos evidenciavam formas diversificadas de pensar as
artes plásticas. Em termos de Brasil, as diversas regiões
periféricas, contavam com uma presença marcante de elementos
mais populares em suas produções plásticas, mesmo quando
produzidas pelos artistas das elites. Além disto, as produções
regionais apresentavam ainda rupturas e defasagens com as
linguagens internacionais de ponta, utilizadas nas produções
de São Paulo e Rio de Janeiro. Por este motivo, as Bienais
Nacionais, foram abertos espaços menos elitistas e
monopolizados dentro do sistema das artes plásticas em nível
nac iona1.
Quanto à Bienal Latino-Americana, evidencia-se uma nítida
intenção de deslocar o eixo do debate artístico para as
tradições mágicas destas culturas, retomando talvez o boom da
literatura latino-americana na década de 70. O próprio tema da
Bienal, "Mitos e Magia", indica preocupações com as tradições
regionais. O texto do catálogo ilustra suas orientações:
"Essa Bienal Lat ino-americana é nosso primeiro
225
momento de reflexãof primeiro obstáculo a ser
transposto para uma programação culturalf cada
vez mais atuantef atual e ativa* E para que
essa reflexão seja documentadaf discutida e
decisiva para um caminho autóctone será
necessária a presença e a ajuda de todos que
constituem este terceiro mundor tão desigual em
suas formas de manifestações artísticas e
cultural, tão semelhante diante de seus
problemas históricos e sociais. O debate está
aberto* Sejam bem-v indos" (Conselho de Arte e
Cul tura )34.
Neste momento, voltar-se para o interior do Brasil ou
mesmo para a América Latina era uma estratégia de subversão,
no sentido de romper com as hegemonias internacionalizantes
estabelecidas. Neste sentido, também a mostra promovida por
Roberto Pontual "Visões de Terra", em 1977, acompanhada de um
Catálogo-livre, insere-se nesta orientação. Ela trata de obras
de 12 artistas plásticos dos quais somente um, Antônio
Henrique Amaral, é paulista, os demais são de diversas regiões
do país, como por exemplo Francisco Brennand no Recife,
Humberto Espíndola em Cuiabá e Rubem Valentim em Salvador. A
produção plástica apresentada na exposição é basicamente
regional, no sentido de temáticas e materiais. E, sobre o
trabalho de Antônio Henrique do Amaral, escrevia Ferreira
Gullar, que retornara do exílio. É bom lembrar que esta mostra
e publicação foram realizadas sobre os auspícios do Jornal do
34 Texto do Catálogo "Mitos e Magias" da I Bienal Latino-ame- ricana de São Paulo, 1978.
226
Brasil, o que evidencia que estas estratégias de subverão
contam também com apoio de alguns setores das elites.
A emergência dos pólos regionais neste período foi outro
indicador desta tendência questionadora em relação ao domínio
detido por São Paulo e Rio de Janeiro, dentro do sistema das
artes plásticas no Brasil e sua orientação internaciona1izan-
te. Humberto Espíndola e Aline Figueiredo, atuando junto ao
Museu de Arte e Cultura Popular da Universidade Federal do
Mato Grosso, a partir de 74, estabeleceram, por exemplo, uma
dinâmica dessa produção, em nível local, que merece destaque.
Também o grupo "Nervo ótico", no RS, teve, nesta segunda
metade da década de 70, uma atuação destacada, introduzindo
propostas reflexivas, qu®? não tendo uma intenção
regiona1izante, tinha a preocupação com o cotidiano e o meio
circundante do artista. Nesta linha de olhar também atuou o
Núcleo de Arte Contemporânea da Paraíba, sob a coordenação de
Raul Córdula, desenvolvendo trabalhos de pesquisas e
experimentação ligados a Uuniversidade Federal da Paraíba e
com apoio da FUNARTE, eles publicaram o "Almanac", uma espécie
de relatório ilustrado de suas atividades.
Como já foi dito na introdução, esse tipo de
efervescência regional na década de 70 mereceria um estudo
aprofundado que o presente trabalho não possibilita. De
qualquer maneira, cabe salientar que a maioria destas
227
produções regionais se mantinha como núcleos um pouco
isolados, mesmo em relação ao resto da produção de sua região,
ainda que considerados como reações à hegemonia do centro do
país eles não quetionam o sistema das artes plásticas em seu
elitismo e em seu papel de distinção social. Atuaram mais como
elementos de dinamização e atualização contemporâneas das
produções regionais.
Um tipo de atuação que se evidencia como reação ao
crescimento do poder das instâncias de difusão e ao controle
do mercado sobre os produtores que caracterizam a segunda
metade dos anos 70, é a criação da Cooperativa de Artistas
Plásticos de São Paulo35. A idéia deste tipo de organização
surgiu em decorrência do êxito da mostra dos Artistas
Plásticos na campanha de Fernando Henrique Cardoso ao Senado.
Dando continuidade ao trabalho em conjunto, para benefício da
35 Boletin n- 182. Pinacoteca do Estado, julho 1979. "S&gundo os estudos dos artistas participantes do grupof a Coope ra t i va de ve rá: !, Promover eventos culturaisf com participação total ou
parcial de seus associadosr a partir do planejamento básico aprovado em assembléia,
2, Participar de eventos ou exposições organizados por outras áreas, instituições, etc.
J. Desenvolver atividades didáticas através de cursosr
conferências, e publicações. 4. Promover intercâmbio cultural com grupos de artistas e
instituições de outros Estados e países. 5. Conseguir melhores condições de qualidade e preço na
contratação de serviços de terceiros. 6. Ampliar o mercado de trabalho de seus associados, de
acordo com suas qualificações e potencial operativo. 7. Fornecer assessoria jurídica e seus associados. 8. Adquirir todo o material necessário para a produção de
trabalho de seus associados. 9. Fornecer aos associados os serviços de outras
cooperat ivas".
228
classe, realizaram a exposição "Papéis e Cia", em dezembro de
78, no Paço das Artes. Esta estratégia de atuação
"independente" dos produtores contou com uma atitude de
represália por parte de alguns marchands que no dia da
inauguração anunciaram uma liquidação de gravuras em suas
galerias. A Cooperativa realizou ainda, no ano seguinte, na
Pinacoteca do Estado, a mostra intitulada "Desenho como
Instrumento".
A exposição "Matrizes e Filiais", realizada no SESC São
Paulo, em dez de 79, com a participação de Flavio Motta,
Flávio Império, Cláudio Tozzi e Renina Katz, se apresentava
ainda como uma proposta de deselitização dentro do sistema.
Esta mostra, coletiva, de trabalhos em litografia e serigrafia
em papel e pano, desenhos e objetos, projetos de painéis e
cartazes de rua, se unia pela possibilidade de convivência das
pessoas com a obra de arte. Durante a exposição foram
impressos, ao vivo, litografias vendidas no local a preço de
custo. Com a intenção evidente de aproximar o público do
artista e dos processos de trabalho, a inauguração contou com
a participação de Paulo Boca de Cantor. Estas palavras, de
Flavio Império, no catálogo, reforçam a intenção
partic ipativa:
"Re-versos
re-inv&nções
re lembranças das festas da praça Gen Osório do
Jpanema quandof nos anos 60f Flavio Motta era o
229
porta-estandarte' dos artistas plásticos
sonhadores e de suas bandeiras ma ra vi 1 hosas //3<5.
A década de 70 se encerra, por um lado com a consolidação
do poder das instâncias de difusão e da separação entre o
artista e o público, pelo elitismo do sistema; por outro lado,
com a consciência desta situação por parte de alguns
participantes e de tentativas para a sua superação.
37 "O círculo se fechour e nós ficamos presos dentro dele"
mas a reação é a marca do ser humano e as tentativas de
rompê-lo se sucederão.
3<5 Catálogo "Matrizes e Filiais". Flávio Império, dez. 79. 37
Bourdieu, Pierre. Questões de Sociologia, 1983. p. 172.
CONCLUSÕES
Ao longo deste trabalho foi oossível analisar a estrutura
do Sistema das Artes Plásticas no Brasil, no período em
estudo, através da identificação de indivíduos e instituições
que o constituem- Quanto às instituições, tem—se os museus,
as escolas de arte, as galerias e os espaços específicos nos
meios de comunicação social. Dentro destas instituições,
indivíduos desempenham funções que determinam sua posição
dentro do sistema. Este conjunto de funções constitue um
espaço comum em que os indivíduos interatuam. Artistas como
Carlos Fajardo ou Fayga Gstrower e outros são professores de
arte em Universidades e outros cursos públicos ou privados e
atuam também como produtores. Por outro lado, tém sua obra
comentada por críticos como Olívio Tavares, Frederico de
Morais ou Aracy Amaral que, por sua vez, desempenham, além das
atividades cri ticas, a docência sobre teoria e história da
arte e atuam também como administradores, na direção de museus
e instituições de ensino. A atividade do marchand, que é
basicamente a comercialização, também pode se estender à
administração, como ocorre com Jean Boghici em relação à
importante mostra "Opinião 65" ou à direção da galeria
Collectio, que promoveu a publicação do 1ivro-catá 1ogo "Arte
231
Brasil* 50 anos depois"*
Como pode-se observar, os indivíduos que atuam no
Sistema das Artes Plásticas, o fazem dentro das instituições
que compõem o sistema. Observa-se ainda que os mesmos
indivíduos realizam várias atividades, o que restringe
bastante as possibilidades de participação de outros
indivíduos no sistema.
As instituições interagem e alternam seus papéis. O Museu
de Arte Moderna do Rio de Janeiro, por exemplo, além da
atividade específica, de sediar mostras, manteve, durante
longo período,cursos de gravura em atelier próprio, além de
outros cursos, inclusive sob a coordenação do crítico
Frederico de Morais. Museus, como o MAM de São Paulo, foram
responsáveis pela produção de eventos como o Panorama da Arte
Atual Brasileira, premiando artistas numa espécie de seleção
nacional dos melhores em cada área (pintura, desenho, gravura
e escultura) anualmente. Estes museus, públicos ou privados,
indistintamente, se articulavam e interagiam com o circuito
comercial de galerias. Uma mesma mostra, como a do grupo de
artistas argentinos da Nova Figuração, foi exposta no MAM do
Rio de Janeiro e na Galeria Bonino. O Museu de Arte de São
Paulo promoveu, conjuntamente com a galeria Arte Aplicada, a
exposição do Móvel e Objeto Inusitado.
Cabe, portanto, apontar o fato de que as instituições por
232
^eu turno, se articulam em uma rede de relações interagindo e
alternando seus papéis.
Pode-se, assim, afirmar que a estrutura do sistema das
artes plásticas é responsável pela produção circulação e
consumo de objetos e eventos plásticos, garantindo-os com sua
legitimidade e se fortalecendo com o sucesso destas
realizações. Em torno desta estrutura, se articula tudo que
pode ou aspira ser considerado arte dentro da sociedade. Os
indivíduos nela inseridos são responsáveis por um processo de
legitimação (a rotularão a que se refere Howard Becker).
Participar deste sistema de relações significa poder rotular
como "arte" determinadas produções e como a "artistas"
determinadas pessoas.
O Sistema das Artes Plásticas é apresentado à população
em geral através dos meios de comunicação de massa. Pode-se
perceber que a existência deste sistema se complementa, à
medida que se fortalece a indústria cultural no país, com a
atuação dos meios de comunicação social. Um espaço específico
de divulgação das artes plásticas dentro dos meios de
comunicação de massa dá a seu responsável uma posição
garantida dentro do sistema das artes. Assim, por exemplo,
vários periodistas, jornalistas que se especializavam no tema,
como Olívio Tavares,Glney Cruse, ou Harry Lauss, se integravam
ao sistema das artes e passavam a dispor dentro dele um poder
de rotulação que foi proporcional ao poder de penetração dos
233
periódicos em que atuavam. Os meios de comunica— ção, como um
todo, não faziam parte do sistema das artes, mas este sistema
deteve espaços dentro dos meios de comunicação, os quais se
tornaram, assim, segmentos dos sistemas das artes, como, por
exemplo, as colunas de arte em jornais e revistas de grande
circulação e destinadas ao grande público. A importância
destes meios de comunicação de massa estava ligado ao fato de
que eles divulgavam uma imagem do sistema das artes ao grande
público, reforçando o elitismo e o signo de distinção deste
sistema. As matérias sobre artes plásticas ocupavam um espaço
dentro das páginas de cultura, o que já as colocava no espaço
mágico a que se refere Pierre Bourdieu. Em geral, utilizavam
uma quantidade de adjetivos superior á utilizada em outras
matérias. Referenciavam a presença de personalidades nos
eventos e as cifras astronômicas que as peças alcançavam. Além
disto, estas matérias estabeleciam sempre uma relação da arte
com a distinção e sofisticação de gosto, utilizada inclusive
como chamada em anúncios publicitários.
À primeira constatação básica sobre a estrutura complexa
e articulada do sistema das artes plásticas e de sua lógica de
distinção social, podem ser acrescentadas algumas conclusões
relativas a sua inserção no processo histórico por que o
Brasil passava ao longo destes 20 anos a que o estudo se
ateve: .
A primeira metade dos anos 60 foi um período de crescente
234
mobilização popular que ativava uma dinâmica cultural,
bastante politizada e voltada para os interesses das classes
trabalhadoras. Alguns setores da intelectualidade brasileira,
neste momento, inauguraram um novo modelo de atuação artística
comprometendo seu fazer com as lutas sociais que estavamse
desenvolvendo. Algumas práticas artísticas, como o teatro, a
música e o cinema, tenderam a se democratizar, alterando sua
produção e suas formas de difusão. Neste momento, as artes
pláticas mantiveram-se praticamente à margem destas
mobilizações. 0 sistema seguia o seu curso de atualização
internacionalizante, com predomínio das tendências
abstracionistas, que vinham se impondo desde a década de 50.
Estas tendências alcançaram seu ponto máximo no início dos
anos 60, com o concretismo e neoconcretismo. As renovações se
desenvolveram sem maiores alterações na estrutura do sistema,
e, principalmente, sem que as disputas sociais, que
conflituavam a sociedade, os atingissem. Pelo contrário, as
artes plásticas foram apresentadas como sincnimo de
estabilidade e valor garantido. Neste período, o mercado de
arte apresentou um crescimento significativo, com a criação
de galerias empresariais, demonstrando que a crise que
envolvia alguns setores da sociedade brasileira não o atingia.
Pode-se observar, em matérias publicadas em jornais e
revistas, que as artes plásticas eram vistas como um
investimento seguro e em ascensão, portanto digno de
confiança, um espaço para as elites depositarem seus ganhos e
auferirem, um status significativo. Módulos publicitários
235
destacavam o nível e a classe da arte brasileira e seu
internacionalismo. A arte era vista também como um signo da
modernidade que as elites implantavam desde a década de 50,
com o fortalecimento de um parque industrial de bens de
consumo duráveis.
Desenvo1vimentismo e modernidade artística foram signos
dos novos tempos que estas elites propunham-se construir. Na
crise deste modelo (61—64), os questionamentos sociais náo
atingiram as artes plásticas, cujo público, restrito e
sofisticado, permaneceu identificado com o projeto de
modernização que os setorese médios questionavam no sentido de
sua democratização. As artes plásticas mantiveram, neste
momento de crise, seu espaço permanente dentro dos meios de
comunicação social-, nestes não se percebe questionamentos mais
profundos ou grandes antagonismos; pelo contrário, uma arte
mais tradicional, figurativa, de inspiração modernista, seguia
ao lado da abstração que se dividia em duas vertentes: uma
mais informal e intimista e outra mais geométrica e racional.
Eram tendências estilísticas diferenciadas, que, inclusive,
se identificavam com projetos e visão de mundo conflitantes,
mas que se harmonizavam na manutenção da lógica de distinção
do sistema das artes plásticas.
A partir de 64 esta harmonia no Sistema das Artes
Plásticas, foi rompida por demandas externas que introduziram
mudanças no sistema. Neste estudo, evidencia-se que as
236
mudanças foram resultado de estratégias de subversão,
empreendidas por setores sociais insatisfeitos com o projeto
que os setores dirigentes das elites implantavam através do
Estado autoritário. Uma nova dinâmica se estabeleceu dentro
da sociedade brasileira: o modelo político e social implantado
após o golpe gerou resistências dos setores sociais
discordantes e disputas entre os diferentes segmentos de
classe dominante. Setores insatisfeitos com o modelo que se
estava implementando, principalmente com seu caráter
autoritário, tentavam reagir de diversas maneiras. Neste
momento, em que a mobilização cultural estava diretamente
influenciada por setores de classe média urbana e mesmo por
setores descontentes da classe dominante no Sistema das Artes
Plásticas se disseminou uma série de estratégias de subversão
que visavam alterar este sistema, favorecendo a maior
participação do público nos processos de produção, circulação
e consumo destes bens culturais. Esta orientação buscou
desestabi1izar o sistema das artes em sua função de distinção
social (seguindo um padrão generalizado na cultura brasileira
neste momento), com o objetivo básico de mobilização da
sociedade civil, numa tentativa de questionar e mesmo frear os
avanços do autoritarismo.
Preocupados em encontrar formas de atuação, seguimentos
do Sistema das Artes Plásticas questionaram o elitismo, usando
como referencial as vanguardas internacionais mais críticas,
como o Pop e a Nova Figuração. Com uma produção bastante
237
politizada, por exemplo, atuou o grupo Nova Objetiv idador que
incluía artistas iniciantes, como Antônio Dias, Rubens
Guerschmam, Pedro Escosteguy e outros, já consagrados, como
Hélio Oiticica e mesmo críticos de renome como Mário Pedrosa.
As estratégias de subversão internas ao sistema responderam às
demandas da sociedade, sendo também ações políticas. Esta
segunda metade da década de 60 foi, portanto, um momento
fértil, em termos de mudanças, dentro da estrutura do Sistema
das Artes Plásticas, nele se implementaram experiências
formais e sígnicas que foram retomadas posteriormente.
A fermentação que se pode observar de 64 a 69, dentro da
cultura brasileira, introduziu alterações no Sistema
das Artes Plásticas. 0 papel que os salões, por exemplo,
passaram a desempenhar foi muito importante. Diferenciando-se do
tradicional salão acadêmico e modernista, cuja função maior
era legitimar artistas e difundir um estilo de vida,
surgiram então, uma variedade e quantidade de salões
financiados com verbas públicas ou privadas, cujo traço comum
foi o caráter democratizante. Neles pode vir à tona uma
produção mais questionadora, abrindo—se possibilidades de
apresentação de obras que, por suas características de
execução, não teriam possibilidades de serem exibidas em
museus ou galerias. Os Salões foram espécies de Feiras de
exposições daquilo que de mais novo e ousado se pensava e
executava em artes plásticas. Era uma nova dinâmica, atraindo
um público maior e mais diversificado.
238
À partir de 69, na medida em que o Estado autoritário se
aprofundou,através do Ato Institucional n- 5, sustou—se o
processo mohilizador de resistência que se desenvolvia dentro
do panorama artístico- Nos momentos mais fechados do
autoritarismo, alguns segmentos do Sistema das Artes Plásticas
se viram fortalecidos, com forte apoio estatal, através da
criação de salões, como os dos Transportes e o da Eletrobrás,
ou mesmo, pela transferência e concentração de renda, abrindo
novas possibilidades de consumo de bens de luxo. Investir em
artes plásticas, como fonte de legitimação e de status
econômico, se tornou um padrão das novas elites. No novo
modelo econômico, sob a pressão de rígida censura, o mercado
de artes plásticas pode alcançar um desenvolvimento
significativo. Assim, à ampliação de público proposta ao longo
dos anos 60, sucedeu um mercado consumidor restrito e
elitizante. Na primeira metade da década de 70, o Sistema das
Artes Plásticas retomou seu elitismo com o apoio seguro e
permanente do Estado, servindo ao mesmo tempo á consolidação
da hegemonia dos segmentos de classe dominante que assumiram o
poder através do Estado autoritário.
□ Sistema das Artes Plásticas, como legitimador da
distinção, de determinados grupos sociais reforçou a separação
entre "arte" e "não arte", utilizando estratégias de
conservação que foram desde a desarticulação de iniciativas
democratizantes como feiras e outras propostas do mesmo
gênero, até a implementação e favorecimento de processos de
239
exoerimentação intelectualizados e herméticos de difícil
apropriação pelo público. O controle do Estado, em relação aos
limites políticos que as práticas artísticas podiam
desempenhar, ofereceu ao sistema um reforço externo de
repressão e censura. 0 sistema, assim, não aparecia como
repressor ou limitador, mas antes como um espaço de liberdade.
Neste período (69 a 73 mais especificamente) o Estado que
deteve o controle do que podia ser dito ou feito em termos
gerais na sociedade brasileira, e, assim também, nas artes
plásticas.
Foi, portanto, no período que se estendeu entre 69 e 75,
que o sistema das artes plásticas no Brasil consolidou a forma
elitista e aparentemente despo1itizada que seguiu
posteriormente. E o fez com o apoio do Estado autoritário;
censura e financiamento foram as estratégias utilizadas. Este
papel do Estado, no entanto, foi bastante encoberto e
paralelamente, o sistema das artes plásticas procurou passar
uma imagem de descompromisso e autonomia, irreal em um país
como o Brasil, em que o mercado de bens culturais de luxo
era restrito ou irrisório, se comparado a países
desenvolvidos. Mesmo na etapa seguinte, quando os setores
empresariais responsáveis pela comercialização, tenderam a
assumir o controle do sistema, retirando das mãos do estado um
maior compromisso com a manutenção destas práticas artísticas,
na medida em que elas obtinham uma estabilidade de mercado, o
Estado permaneceu ainda como um grande cliente desta
240
comercialização.
À partir de 1975, o sistema das artes plásticas
evidenciava já uma estrutura compatível com o avanço das
relações capitalistas monopolistas dominantes no país. A
empresa privada, através de seus segmentos especializados
(marchand) assumia o comando do sistema, estimulando a
progressiva setorização da produção e comercialização.
Galerias se especializaram em gravuras, outras em objetos ou
arte conceituai e, outras ainda, em uma produção mais
acadêmica e conservadora. 0 setor da comercialização tendeu
a absorver e controlar a difusão e a produção, articu1ando-se
de forma setorizada, por tendências, como o sistema
internacional. Não ocorria mais a simples absorção de modelos
e estilos, mas um entrosamento estrutural, na medida em gue os
mesmos procedimentos de produção, consumo e difusão
internacionais foram utilizados dentro do sistema local. O
espaço de despolitização se fez, então, não mais por uma
censura direta, mas pela prõpria ideologia de uma arte pura,
ideologia da arte autônoma, oairando acima das condições de
produção.
G setor empresarial, consolidado, a partir da segunda
metade da década de 70, atuou basicamente nos setores de
comercialização e difusão, favorecendo a troca entre os
capitais cultural, econômico e social. Nesta troca, as
empresas de comercialização participavam também na
241
constituição do valor simbólico que acrescentavam à obra,
através de suas relaçóes com a estrutura do sistema das artes
plásticas, estabelecendo legitimidade dos produtos e processos
artísticos. O setor empresarial teve forte participação
quando, por exemplo, organizou a mostra "Art& Brasileira
Hojez 5O anos depoiseditando um catá1ago-1ivro. O prestígio
que determinadas empresas obtiveram com sua atuação, as
legitimava como rotuladoras. Expor um artista, com a
apresentação de um crítico (muitas vezes por ela contratado),
divulgar o evento nos meios de comunicação e referendá-lo com
sua tradição acrescentavam à obra um valor simbólico que se
constituía também em valor de mercado.
A análise da atuação de Sistemas das Artes Plásticas nas
décadas de 60 e 70 nos permite algumas considerações gerais. A
primeira delas é a de que, no Brasil, neste período o Estado
ampliou progressivamente sua ação junto ao Sistema das Artes
Plásticas, cumprindo três tarefas básicas: estancar as
propostas democratizantes e participativas que se formularam
na segunda metade dos anos 60; de forma indireta, através do
processo de concentração de renda, favorecer o fortalecimento
do mercado das artes; instaurar, por meio de várias formas de
apoio, o laboratório experimental de uma arte formalista e
conceituai que este mercado absorveu.
□bserva-se assim que o Estado interferiu decisivamente,
de forma direta ou indireta, na adequação do Sistema das Artes
242
Plásticas à lógica de mercado, garantindo, assim, a
manutenção do elitismo que por sua vez, era útil à legitimação
de um regime político autoritário, portanto também elitista.
A segunda consideração geral é de que, durante o período
em estudo, o Sistema das Artes Plásticas, assumiu
progressivamente um tendência internacionalizante no contexto
do processo global da economia brasileira. A
internacionalização do Sistema das Artes Plásticas se deu em
função de dois fatos principais: a expansão da indústria
cultural que atingiu amplas camadas da população, divulgando e
inundando seu cotidiano de padrões culturais, internacionais e
a identificação das elites brasileiras com os valores das
elites internacionais com que se aliaram. Na produção local, o
Sistema das Artes Plásticas incorporou modelos e padrões
estéticos dos pólos hegemônicos a nível internacional,
seguindo suas correntes estilísticas. Além disso, ampliou—se
os intercâmbios entre as instituições locais e suas congêneres
in ternac ionais.
Finalmente, cabe apontar uma consideração geral
fundamental para a compreensão do Sistema das Artes Plásticas,
neste período: apesar das tentativas da modificações
democratizant.es em determinado momento, este sistema manteve
sempre um papel elitista no conjunto das práticas artísticas
no pais, servindo à distinção daqueles grupos restritos que a
ele podiam ter acesso.
243
Se, no entanto, o Sistema das Artes Plásticas, mantendo
sua especificidade, está relacionado como meio social em que
se encontra, dele recebendo, como se viu, influências
fundamentais, considera—se que a manutenção do elitismo ou
democratização deste sistema dependerão, em grande parte, do
próprio curso seguido pela história brasileira.
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10- SALÃO DE ARTE CONTEMPORÂNEA. ARTE NO BRASIL.
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SALÃO GLOBAL DE INVERNO — "0 Gesto Criador" — Belo Horizonte,
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7 ARTISTAS DO VÍDEO. MAC/USP. São Paulo, maio 1977.
19 PINTORES - Aores. Jacob Klintowitz. São Paulo MASP/SP
Agos.set.1978.
MATRIZES, FILIAIS E COMPANHIAS - Partic. Flá.vio Motta, Flávio
Império, Cláudio Tozzi, Renina Katz - São Paulo,
SESC, dez.1979.
JÚLIO F^ACELLO e sua obra editorial. Apres. José Mindin.
MASP/SP, 1979.
NOVOS CAMINHOS DA ARTE FANTÁSTICA, apres. Lourdes Cedsran -
São F'aulo, Paço das Artes, 1979.
HOMENAGEM A MARIO PEDROSO - Galeria Jean Boghici.
Rio de Janeiro, abr.jun.1980.
ESPAÇO NO. — Eventos e Artistas atuantes — 1979—1982. Espaço
N.O. Porto Alegre, agosto de 1982.
NEOCONCRETISMO - 1959—1961. Apres. Frederico Morais. Ciclo de
exposições sobre Arte no Rio de Janeiro - Galeria de Arte
BANERJ/RJ - set.1984, MAC/USP, São Paulo.
261
25 ANOS GALERIA IBEU - Apres- liarc Berkowitz - Galeria de Arte
do Inbstituto Brasileiro - Estados Unidos - Rio de Janeiro,
out.1985.
1960-1985 - GALERIA B0NIN0 EXPOSIÇÃO COMEMORATIVA. Apres.
Mario Pedrosa Jayme Maurício, Frederico Morais, Maria S.
Brito, Ladi Biezus - Rio de Janeiro, Galeria Bonino, maio de
1985.
DEPOIMENTOS DE UMA GERAÇAO - 1969-1970 - Ciclo de exposições
sobre Arte no Rio de Janeiro - Galeria Arte BANERJ„ julho
de 1986.
"OPINIÃO 65" - Ciclo de Exposições sobre arte no Rio de
Janerio - Galeria de Arte, BANERJ - Rio de Janeiro, 1986.
WALDEMAR CORDEIRO: Uma aventura da razão. Apres. Aracy Amaral.
MAC/USP, São Paulo, ago. set.1986.
LVGIA CLARKE E HÉLIO OITICICA - Sala especial do 9? Salão
Nacional de Artes Plásticas Rio de Janeiro. Paço Imperial,
nov.dez.86. MAC/USP, São Paulo, nov.dez.1987.
NOVA FIGURAÇÃO - Rio/Buenos Aires. Apres. Paulo Herkonhoff,
MAM/Rio de Janeiro, dez. 1987.
BIENAL INTERNACIONAL DE SAO PAULO - Fundação Bienal de São Paulo, São Paulo, 1961, 1963, 1965, 1969, 1970, 1971, 1973,
1975,1979,
BIENAL NACIONAL - Fundação Bienal de São Paulo, São Paulo,
1964-1966.
BIENAL LATINO AMERICANA DE SAO PAULO - Fundação Bienal de São
Paulo - São Paulo, 1978.
262
PANORAMA DA ARTE ATAUL BRASILEIRA - MAM - São
Paulo, 1969,1970, 1971, 1972, 1973,1974, 1975, 1976, 1977,
1978, 1979, 1980.
BIENAL INTERNACIONAL DE VENEZA - Veneza, Itália, 1960-1964.
263
- Entrevistas Realizadas
Carlos Zillio - 06 nov. 1987, Rio de Janeiro.
Vera Chaves Barcelos - 23 set. 1987, Porto Aleqre
Gilberto Salvador - 02 dez. 1987, São Paulo.
Arma Bella Geiger - 11 out. 1987, Porto Alegre.
Roberto floriconi - 05 nov. 1987, Rio de Janeiro.
Aldemir Martins - 10 nov. 1987, São Paulo.
Carlos Von Schimt - julho 1987, São Paulo.
Frederico Morais - 26 jul. 1988, Rio de Janeiro.
Carlos Fajardo - 11 nov. 1987, São Paulo.
Giovana Bonino - 22 jul. 1988, Rio de Janeiro.
Renato Rosa - agosto 1987, Porto Alegre.
Yokata Toyota - 12 out. 1987, São Paulo.
Pedro Escosteguy - dezembro 1987, Porto Alegre.
Arquivos Consultados
Museu de Arte Contemporânea - USP, São Paulo.
Museu de Arte Moderna - São Paulo.
Museu de Arte Moderna - Rio de Janeiro.
Museu de Arte de São Paulo - São Paulo.
Museu Nacional de Belas Artes — Rio de Janeiro.
Museu de Arte Brasileira - FAAP. São Paulo (não dispõe de
material para consulta).
Museu Lazar Segai - São Paulo.
Fundação Bienal de São Paulo - São Pauloa.
Pinacoteca Estadual de São Paulo - São Paulo.
LISTA DE ANEXOS
ANEXO 1 - INSTITUIÇÕES
ANEXO 2 - SALÕES
> • LJ i_l
'PAA
ANEXO ■j» — RESUMO JB - década de 60 - MAM - Jornal
do Brasil - Rio de Janeiro
i ■ jc_ OO
267
ANEXO 4 - Livros de Artes Plásticas Publicados,
no Brasil nas décadas de 60 e 70 269
ANEXO 5 - Atuações das vanguardas 1965-1975 .--271
ANEXO 6 - Lista de Artigos Citados em Catálogo
de Leilões (1975) 274
ANEXO 7 - Relação das Galerias
m X~ / *T
275
ANEXO 8 - Lista de Galerias com Exposições, apre-
sentadas pela Folha de São Paulo - se-
ção "Exposições" 277
ANEXO 9 - Júris do Salão Nacional de Arte Moderna .
» JC- / /
...281
ANEXO 10 - - Juri Jovem Arte Contemporânea/MAC-USP . 283
Mdurlcxo Rober to
RJ - Fede tec^ do Es E - RJ - F «iu Art-&<i —
8 79 Edson j flotta
6 77 Maria Maj ar£ Gastei o Branco
Maria Luiza
Carragom
Carlos Junqueira Avres
Heloísa Aleixo Custosa
Pedro Pereira Filho
Wolfang Pteiffer
Alfredo Gomes Aracy
Amaral Clóvis
Graciano Walter
Wey
Roberto Parreira
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01 LL 01 CD ^ 01 O UJ 01 « U I - UJ c
if&i
267
ANEXO 3
RESUMO JB - década de 60 - MAM - Jornal do Brasil
Rio de Janeiro
Obs: As exposições marcadas com asterisco foram realiza-
das na Galeria Bonino.
63. Volpi
Dj anira
Iberê Camargo
Milton Dacosta
Frans Kracjberg
* Antonio Bandeira
Manabu Mabe
Bruno Giorgi
M. Grassmann
* Fayga Ostrover
64. Maria Leontina
Flávio Shiró
* Emeric Mercier
Ivan Freitas
Lygia Clark
Darei Valença
Augusto Rodrigues
Isabel Pons
Newton Cavalcanti
65. Di Cavalcanti
Tomie OtaKe
Yolanda Mohalyi
Gastão Manuel Henrique
Benjamm Silva
Frank Scaeffer
Maurí cio Sa1gueiro
Antonio Dias
Ivan Serpa
Roberto Magalhães
Maciel Babinski
66. Abrâo Palatinik
Ivan Serpa
Rubens Guerchman
* Raimundo de Oliveira
Franz Krackjberg
Sérgio Camargo
Farnese de Andrade
Arthur L. Pizza
Ana Letycia
67. * Iberé Camargo
João Amaglia
Carlos Scliar
268
Geza Hei ler Gastão M. Henrique
Dora Basilio Farnese de Andrade
Fayga Ostrower
68. Ana Bella Geiger M. Bonomi
Antonio Dias Mario Cravo Jr.
Carlos Vergara Roberto Magalhães
Milton Dacosta % Aldemir Martins
* Rubem Valentim
* Arthur L. Pizza 70. Tarcila do Amaral
Marcelo Grassmann * Emanuel Araújo
Newton Cavalcanti Ascanio MMM
Vilma Martins Humberto Espindola
* Sônia Ebling Toyota
Rubens Guerchman Vanda Pimentel
Dileni Campos Vicente Rego Monteiro
Ubi Bava
69- * lone Saldanha Antonio Maia
Ivan Freitas * Abelardo Zaluar
% Ivan Serpa * Amélia Toledo
Sanson Flexor * Raimundo Colores
Ana Letycia Carlos Vergara
Fayga Ostrower Tomie Otake
Franz Krajcberg Tomoshige Kosuno
José Lima
Darcilio Lima
Darei Valença
Fornese de Andrade
Lygia Clark
* Hélio Eichbauer
269
ANEXO 4
Livros de Artes Plásticas publicados, no Brasil nas
décadas de 60 e 70.
Década de 60
- AYALA. Walmir. A Criação Plástica em Questão. Petrópolis,
Vozes, 1970.
- BARDI, Pietro M- Profile of the new Brazi1ian art. São
Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Kosmos, 1970.
Ministério de
e de Informa-
- PONTUAL, Roberto. Dicionário de Artes Plásticas no Brasi1.
Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1969.
Obs: Estas publicações tém poucas ilustrações e em branco
e preto, o papel utilizado é tipo sulfite e a
encadernação é brochura, com exceção do "Profile of
the new Brazilian art" que apresenta já o padrão das
publicações da década seguinte.
Década do 70
- CAVALCANTI, Carlos (org. ) . Dic ionário de Artistas Plásticos.
MEC/Instituto Nacional do Livro, Brasília, 1973.
Quem e Quem nas letras
Relações Exteriores -
ções. Rio de Janeiro,
e nas artes no Brasi1.
Departamento Cultural
1966.
270
- PONTUAL, Roberto. Arte/Brasi1/Hoie - 50, anos depois. SSo
Paulo, Collectio, 1973. (Livro—Catálogo).
~ - Arte Brasileira Contemporânea. Assis Chateaubriand, Rio
de Janeiro, Jornal do Brasil, 1976.
~ (orq.). Visões da Terra. Rio de Janeiro, Jornal do
Brasil, 1977. (Livro—Catálogo).
- AYALA, Walmir. O Brasi1 e seus Artistas. Brasília, MEC,
1979.
- KLINTOWITZ, Jacob. Versus: 10 anos de critica de arte. São
Paulo, Spade, 197S.
- FUNARTE - COL. Arte Brasileira Contemporânea. Rio de
Janeiro, 1978/79.
- LEITE, José Roberto Teixeira e MANOEL, Pedro. Arte no
Brasi1. São Paulo, Abril, 1979.
Obs: Estas publicações são fartamente ilustradas (algumas
delas basicamente com fotos coloridas) papel tipo
couchete encadernações com capa dura, aparência
sofisticada em termos de capa e diagramação.
Obs: estes livros eram aqueles organizados a
citação de nomes de artistas plásticos
neos.
partir da
contemporâ-
271
ANEXO 5
ATUAÇÕES DAS VANGUARDAS 65-75
65 - "Opinião 65" - MAM Rio de Janeiro- Org Ceres Franco e
Jean Boguichi - "Propostas 65" - FAAP- São Paulo. Org
Wa1demar Cordeiro.
66 - "Pare" - Galeria G4 Rio de Janeiro- Grupo ligado a
Antonio Dias.
- Inauguração galeria Rex. São Paulo. Grupo ligado a
Wesey Duke Lee
- "Opinião 66" - MAM- Rio de Janeiro.
- "Propostas 66" Biblioteca Municipal. São Paulo.
- "Vanguarda brasileira" UFMG. Belo Horizonte. Org. Fre-
derico Morais.
- "Do corpo a Terra" Hidrominas. Belo Horizonte. Org.
Frederico Morais.
- "Agnus Dei" Petite Galerie. Rio de Janeiro.
67 - Declaração de Princípios da vanguarda Brasileira- Org-
Pedro Escosteguy.
- "Nova Objetividade" MAM. Rio de Janeiro-
- "6 pintores da Nova Objetividade" galeria IBEU- São
272
Paulo.
- "Rex Caputz" - Rex Galerie. Sâo Paulo.
- "Salão das Caixas" - Petite Galerie. Rio de Janeiro.
Org. Franco Terranova.
- "Bandeiras e Estandartes" Galeria Atrium. São Paulo.
68 - "Domingo das Bandeiras" - Rio de Janeiro.
- "I Feira de Arte" XX AIAP. Secção Guanabara. Rio de
J anei ro.
- Criação da Unidade experimental do MAM. Rio de Janeiro.
- Cildo Meireles Luiz Alphonsus, Frederico Morais.
- "O artista Brasileiro e a Iconografia de massas". MAM.
Rio de Janeiro. F Morais.
- "Arte no Aterro". Parque do Flamengo. Rio de Janeiro,
ürg. Frederico Morais.
69- "Supermercado de Artes". Rio de Janeiro. Org. Jaksom
Ribeiro.
- "Salão da Bússola. Sala quente. MAM Rio de Janeiro.
70 a 74 - Grupo Escola Brasil - São Paulo. Nasser, Fajardo,
Resende, Baraveli.
71 - "Domingos de criação" MAM. Rio de Janeiro. Org. Frederico
Morais.
— "Arteônica" — FAAP. São Paulo. Org. Maldemar Cordeiro.
273
72 - "Acontecimentos" - MAC/USP. São Paulo. Org. Walter Za—
nini .
73 - "Significado, natureza e função da obra de arte". IBEU,
Rio de Janeiro. Org. Frederico Morais.
- "Expo-projeção" - GRIFFE. São Paulo. Org. Aracy Amaral.
74 - "Prospectiva 74" - MAC/USP. São Paulo. Org. Walter Zani-
75 - Criação do Espaço Experimental do MAM. Rio de Janeiro.
Org. Cildo Meireles.
- "I Exposição Internacional de Arte Postal" - Recife. Org.
Paulo Brusky.
274
ANEXO 6
Lista de Artistas Citados em Catálogos de Leilões (1975)
Gbs.. foram relacionados somente aqueles que aparecem pelo
menos em 3 dos 5 catálogos analisados.
9J. lectio Idemir Martins ^nelli * Snadei + ^ b i n s k i ^ndeira % ^ico da Silva □ i Cavalcanti # ^ Costa ^ávio Carvalho ^mide ^assman llignard # ^ilherme Faria ^Qres • Leontina * ^mael Nery • ^ávio Araújo
iosola ^ncetti # ^nacchi + ^rtmari # ^imundo 'iveira a ^bolo # ^gaud ^sila +
^ 1 d i
Uirapuru Aldemir lanei 1i Bonadei Babinsk i Bandeira Chico Silva
Di Cavalcanti Da Costa F. Carvalho Gomide olassman Guignard G. Faria
M. Leontina I. Nery O. Araújo Odriosola Pancetti Penacchi Portinari
R. Oliveira Rebolo Sigaud Tarsila Tuneu Vol pi Viscon ti Zanini
Goe1d i
Da Praça Aldemir
Bonadei
Bandeira
Da Costa
G1assman Guignard
Ingres
I . Nery O. Araújo Odriosola Pancetti Penacchi Portinari
R- Oliveira
Sigaud Tarsi1 a
Visconti Zanini R. Monteiro Carybe Pizza Goeldi
Bolsa de Arte Aldemir lanei 1i
Di Cavalcanti Da Costa F. Carvalho Gomide G1assman Guignard
I . Nerv
Pancetti
Portinari
R. Oliveira Rebolo
Tarsila
Vol pi Visconti Zanini R. Monteiro Carybe
Arte em Leilão Aldemir Martins
Bonadei Babinski
Chico da Silva Di Cavalcanti Da Costa F. Carvalho Gomide G1assman
O. Araújo
Pancetti
Portinari
R. Oliveira Rebolo
Tarsila
Vol pi
Carybe Pizza
Abstratos
Modernistas
^rimi tivos
275
ANEXO 7
Relação das Galerias. São Paulo, Data de Inauguração
DATA GALERIA
1957 OCA
1959 ANDRÉ
1959 ASTREIA
1964 AZULÃO
1966 COSME E VELHO
1966 MIRANTE DAS ARTES
1966 COSEME VELHO
1967 A GALERIA
1968 AUGOSTO AUGUSTA
1968 PORTAL
1969 OPUS
1969 DOCUMENTA
1971 EUCATEXPO
1971 ARTE APLICADA
1971 ESPADE
1973 MÚLTIPLA DAS ARTES
1973 RENATO M. GOUVEIA
1973 SARUTAIA
1973 VANGUARDA
1973 ACADEMUS
277
ANEXO 8
LISTA DE GALERIAS COM EXPOSIÇÕES, APRESENTADAS
PELA FOLHA DE SXQ PAULO - SEÇXO "EXPOSIÇÕES"
Dezembro 61
- Galeria de Arte da Folha - De Cont, Regina Silveira, An
Kenda1.
- MAM - VI Bienal de São PaLilo.
- Casa do Artista Plástico - R. Nestor Pestano 115.
- Esmeia Coarcci e Anésia Teles.
- Gal. São Luiz - Av. São Luiz 130
* Antonio Bandeira.
- Gal. Vila Rica - R. Barão do Itapetininga 275
* - Pintura nacional (vários)
- Gal. Ambiente - Martins Fontes 205
* — Fernando Odriozola
- Gal. Astréia - Praça Ramos de Azevedo 209
* - Douglas Marques de Sá
- Gal. Sistino - Augusto 1791
* - Heitor dos Prazeres
- Clubinho - Bento Farias s/n
- Marcelo Gross mom e Mario Truber
- Gal. I tá
278
— Acervo
- Gal. Prestes Maia
- exposição de solidariedade com exilados políticos de
Port. e Esp.
- ACM
— Cerâmica de Rancho Laterno-
- Petite Galerie - Paulista 1731
# - Mario Cravo
- Gal. Studio Toya. Augusta 464
# - Acervo
- Loja do Livro Italiano — Baro Itapetining 140
# - Arte Grafica Chinesa
- Museu Arte Brasileira - FAAP - Alagoas 903
- Arte infantil
Legenda:
* Centro
<& Jardins
279
LISTA DE GALERIAS COM EXPOSIÇÕES, APRESENTADAS
PELA FOLHA DE SÃO PAULO - SEÇÃO "EXPOSIÇÕES"
Dezembro 7b
- Gal. Espade - Planpono 929
^ — Yolanda iiotta e Steval Forte
- Gal. Chelsea - Augusto 1931
# - Sanson Flexor
- Gal. Global - Hadok Lobo 1397
# - Nelson Leirner
- Gal. Sarabataiá - Al. Franca 63
# - Domingos Ugo Face
- Biblioteca Mário de Andrade
- Livro Israelense
- Gal. Quarto crescente. Palmeiras 73
- Philip Hallawell
- Gal. Guimar - Hadok Lobo 356
- João Porisi Filho
- MASP
- Shoko Suzuki
- Gal. Astréia - Padre João Manoel 1253.
- Gravuras nacionais e estrangeiras.
- Gal. Paulo Prado - Eng. Alcides Barbosa 47
- Carlos Magno
280
- Gal . Pátio - Av - Angélica 2016
- Aldemir Martins
~ MAC
- Acervo
- Gal. Contorno — Hadok Lobo 1544
# - Agislous
- Gabinete de Artes Gráficas - Hadok Lobo 1568
- Júlio Plazzo
- Gal. Domus - Padre Manoel 861
- Renzo Gori
- Gal. Dofan ~ Itambé 4
- Exposição conjunta
- Gal. Prequeté - (Embu)
- Joel Camara
- Museu Lazar Segai - Faria Lima 1760
- MAM
- Panorama da Arte Atual Brasileira
- Gal. Bonfigliolli — Augusto 2995
- Odeto Guersoni
- Gal. Cangás - Augusto 1600
# - Tão Siguldo
- Gal. Modular - (Perdizes)
- Maurício Nogueira Lima
ANEXO 9
JÚRIS DO PALCO NACIONAL DA ARTE MODERNA
60 - Lorival Tomé Machado, Milton Dacosta, Marco Pedrosa.
61 - Geraldo Ferraz, Carlos Cavalcanti, Rubem Bustamonte Sá.,
62 - Yolanda Mohalyi, Fayga Ostrower, Antonio Bento.
63 — Ernani Vasconcelos, Joaquim Tenreiro, Edson Mota.
64 - Flavio de Aquino, Carlos Magno, Sigoud.
65 - Carlos Cavalcanti, Rubem Bustamonte Sá, De Figueiredo.
66 - Abelardo Zaluar, darei Valenço, Quirino Campoflorito.
67 - Walter Zanini, Aloisio Carvão, Antonio Bento-
69 - Marcelo Grassmann, Antonio Bento, Walmir Ayala-
71 - Carmem Portinho, Aloisio Carvão, Waldyr Mattos-
72 - Aluisio magalhães, darei valenço, Carmem Portinho.
282
74 - Walmyr Ayala, Alfredo Vitter, darei Valenço.
75 - Onofre Penteado, Roberto Marinho de Azevedo.
— ^ Nacional de APL. Cl^rido Geada, Edy carollo,
Walmir Ayala, Fernando Bolonha, Reis Júnior, Wolfang
Pfeiffer - indicados para FUNARTE. 1979 - Sala Nacional
de Arte Plástica - Walmyr Ayala, Clérido Geada, Vicente
de Pérsia, Geraldo Edson de Andrade, Carmem Portinho,
Quirino Campofiorito, José Cândido de Carvalho.
283
ANEXO 10
JURI JOVEM ARTE CONTEMPORÃNEA/MAC-USP
67 Seleção - José Geraldo Vieira, Caciporé Torres (eleito)
Walter Zanini. Premiação - Ryszard, Stanislawski, Eduardo
Wilde (diretor Museu Amsterdan, Walter Zanini.
68 - Maria Eugênia Franco, Nelson Leirner, Walter Zanini.
69 - Wolfang Pfeiffer, Nelson Leiner, Walter Zanini.
- Liseta Levy, Dova Ludis, Walter Zanini.
71 — Walter Zanini, Theon Sapadanius, Frederico Nasser, Anésia
Pacheco Chaves, José Geraldo Vieira.
7^ — Eliminou o juri e não concedeu prêmios. Houve uma escolha
final dos trabalhos ou de sua documentação que se
destinou à coleção do museu.