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UNIVERSIDADE BANDEIRANTE DE SÃO PAULO PAULO SERGIO PEREIRA DA SILVA A FORMAÇÃO DE PROFESSORES(AS) NA ESCOLA NORMAL RURAL DE JUAZEIRO DO NORTE/CE SOB UMA PERSPECTIVA ETNOMATEMÁTICA SÃO PAULO 2011

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UNIVERSIDADE BANDEIRANTE DE SÃO PAULO PAULO SERGIO PEREIRA DA SILVA

A FORMAÇÃO DE PROFESSORES(AS) NA ESCOLA NORMAL RURAL DE JUAZEIRO DO NORTE/CE SOB UMA PERSPECTIVA

ETNOMATEMÁTICA

SÃO PAULO 2011

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PAULO SERGIO PEREIRA DA SILVA UNIVERSIDADE BANDEIRANTE DE SÃO PAULO

A FORMAÇÃO DE PROFESSORES(AS) NA ESCOLA NORMAL RURAL DE JUAZEIRO DO NORTE/CE SOB UMA PERSPECTIVA

ETNOMATEMÁTICA

Tese apresentada à Banca Examinadora da Universidade Bandeirante de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de DOUTOR em Educação Matemática, sob a orientação do Prof. Dr. Ubiratan D`Ambrosio.

SÃO PAULO 2011

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J582f Silva, Paulo Sergio Pereira da A formação de Professores(as) na Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte/CE sob uma Perspectiva Etnomatemátca/ Paulo Sergio Pereira da Silva – São Paulo: [s.n.], 2011. f. 222;Il.; 30cm. Tese de Doutorado – Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática, Universidade Bandeirante de São Paulo, Curso de Educação Matemática. Orientador: Prof. Dr. Ubiratan D’Ambrosio.

1. Escola Normal Rural 2. Formação de Professores 3. Educação Matemática 4. Etnomatemática 5. Narrativas I. Título.

CDD: 372.7

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“Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda”.

Paulo Freire.

Dedicatória

A meus queridos pais, Zé Bonzão e Inês (em memória), pelo amor, pelo exemplo, pelos ensinamentos, pela dedicação e pela transmissão de valores e respeito à vida. Mas principalmente pelas muitas privações e dificuldades por que passaram para proporcionar uma vida digna e melhores oportunidades a seus filhos.

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AGRADECIMENTOS

Esta tese é resultado da generosidade, da amizade e apoio de muitas pessoas.

Uma lista muito grande, que, de certa forma, desmentia a sensação de “travessia do deserto” que ocorreu durante o doutorado. Foi um período de expectativas, certezas, incertezas, medos, descobertas, mudanças e uma série de outras coisas mais que tornaram este doutorado bem mais do que um doutorado. Mas, uma das melhores coisas do final desta travessia é olhar para trás e ver que nunca estive só. Sempre houve alguém ao meu lado, torcendo, ajudando, colaborando, sendo solidário.

A todos esses que estiveram de alguma forma do meu lado, o mais sincero

obrigado. Devo muito a cada um de vocês, que foram importantes e fundamentais para esta conquista.

Vou citar, a partir de agora, aqueles que estiveram presente nesta travessia.

Meus mais sinceros agradecimentos: Primeiramente, ao meu pai e à minha mãe, Zé Bonzão e Inês (em memória). A

eles devo não só a vida e todo o amor que sempre me deram, mas a primeira trilha que me levou ao desenvolvimento desta pesquisa (uma inspiração).

Sou muito grato ao amigo Jorge Rodrigues, pelo apoio concreto e incondicional

(“- Obrigado Jorge!”). E igualmente aos meus manos e manas de Juazeiro do Norte (Maria, Ivo, Nair, Pedro, Francisco, Ivan, Cícera, Manoel, Antonio, Ivanir, Iranildo e Luís).

Às professoras Francismá Nepomuceno Monteiro (Mazinha), Raimunda Paiva

Teixeira - dona Mundinha (em memória), Gecelina Vieira, Vicentina Tavares Noca Lima -Tena. À Maria Assunção Gonçalves, cuja generosidade parece não ter fim (e toda a sua ajuda preciosa). Ao professor Jorge Torresan, que com o seu tempo preenchido fez a revisão deste trabalho.

Um abraço sagrado as minhas grandes professoras da Escola de Ensino

Fundamental José de Araújo: Rosa Soares Simão, Josefa Lins (dona Pituta), Valdelice Araújo Pereira, Sebastiana Araújo Pereira, Lourdes Pereira de Souza (Lourdes Bau).

Um muito obrigado aos meus amigos e amigas do GEPEm – FE/USP, em

especial à professora Maria do Carmo Domite por ter podido compartilhar de sua sabedoria.

Quanto à UNIBAN, a turma é grande e por eles eu tenho um grande afeto.

Minha admiração e gratidão aos professores e professoras: Alexsandro Jaques Ribeiro, Angélica da Fontoura Garcia Silva, Aparecida Rodrigues Silva Duarte, Janete Bolite Frant, Maria Elisabette B. B. Prado, Marlene Alves Dias, Nielce Meneguelo da Costa, Ruy César Pietropaolo, Siobhan Victoria Healy (Lulu Healy), Tânia Maria Mendonça Campos, Vera Helena Giusti de Souza, Verônica Yumi Kataoka.

Um abraço muito forte nos amigos e colegas da Pós (“Valeu a pena, eh, eh!):

Claudio Manso, Eder, Edite, Eline Dias, Fabiane Guimarães, Gloria Ramos, Ilydio Sá,

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Léo Akio, Marcelo Dias, Miguel, Raquel Canova, Paulo Jorge, Raimundo Brandão, Sirlene Neves, Walter, Wilson Barbosa.

Aos professores e às professoras integrantes da banca do exame de qualificação:

Ubiratan D`Ambrosio, Antonio Vicente Marafioti Garnica, Maria do Carmo dos Santos Domite, Maria Elisabette Brisola Brito Prado e Angélica da Fontoura Garcia Silva – que dedicaram parcelas de seus dias já profissionalmente excessivos, para realmente examinar e propor reparos e sugestões às muitas páginas que compõem este estudo.

Enfim, quero agradecer ao meu orientador o professor Ubiratan D`Ambrosio,

cuja amizade é uma das melhores coisas que levo dessa aventura e quero manifestar aqui não só minha amizade como minha admiração e reconhecimento por tudo que ele fez por mim e me ajudou nesses últimos três anos. Quero expressar do mesmo modo o fato de que uma boa ciência se faz também com homens que se disponham a serem mestres (e generosos com os discípulos). Sei que você não gosta muito dessas coisas, professor Ubiratan, mas me considero teu discípulo (eu aprendi muito. Por isso, muito obrigado).

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ÍNDICE DE FIGURAS

Figura 1: Foto do mapa do Brasil...................................................................................37

Figura 2: Foto do mapa do Estado do Ceará..................................................................37

Figura 3: Foto de Juazeiro do Norte – Posição no mapa do Ceará................................38

Figura 4: Foto da Estátua do Padre Cícero na Colina do Horto.....................................39

Figura 5: Foto da 1ª edição do Jornal O REBATE - 18/07/1909....................................41

Figura 6: Foto de Floro Bartolomeu e Padre Cícero......................................................45

Figura 7: Foto da fachada do Orfanato Jesus e Maria José............................................51

Figura 8: Foto da fachada da Escola Normal Rural de Juazeiro (acesso pela Av. (Doutor Floro)..................................................................................................................63

Figura 9: Foto da Colação de Grau da Primeira Turma de Professoras Ruralistas da Escola Normal de Juazeiro do Norte...............................................................................71

Figura 10: Foto de Amália Xavier de Oliveira (1904-1984)..........................................84

Figura 11: Foto que mostra o desfile de 7 de setembro dos alunos da Escola Normal Rural de Juazeiro............................................................................................................95

Figura 12: Foto das alunas da Escola Normal Rural em dois momentos: 1) em aula de campo e 2) em recreação, oportunidade em que aproveitam para exercitar a música.............................................................................................................................95 Figura 13: Foto ilustrativa da capa e contracapa do caderno de memórias das alunas do 2º ano complementar da Escola Normal de Juazeiro de 1938..................................142 Figura 14: Problemas envolvendo quantidade, grandeza e moeda..............................144 Figura 15: Problemas envolvendo quantidade, grandeza e moeda e cálculo com números decimais..........................................................................................................145 Figura 16: Problemas envolvendo quantidade, grandeza, moeda e cálculo com números decimais..........................................................................................................146 Figura 17: Problemas envolvendo quantidade, grandeza, moeda e cálculo de expressões numéricas com números decimais...............................................................147 Figura 18: Problemas envolvendo quantidade, grandeza, moeda, cálculo de expressões numéricas com números decimais e expressões algébricas........................148 Figura 19: Exercícios algébricos..................................................................................149

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Figura 20: Exercícios envolvendo soma de polinômios...............................................149 Figura 21: Exercícios envolvendo subtração de polinômios........................................150 Figura 22: Exercícios envolvendo multiplicação de polinômio por monômio e operação com frações....................................................................................................152 Figura 23: Exercícios sobre números complexos.........................................................153 Figura 24: Foto da carteira escolar da aluna Assumpção Gonçalves com os nomes das disciplinas e suas respectivas notas referentes ao exame do meio do ano..............156 Figura 25: Foto ilustrativa da capa e contracapa do caderno de memórias das alunas do 2º ano complementar da Escola Normal de Juazeiro de 1938..................................162 Figura 26: Foto do prefácio do caderno de memórias das alunas do 2º ano complementar da Escola Normal de Juazeiro de 1938..................................................163

Figura 27: Foto ilustrativa da capa e contracapa do caderno “Uma Fazenda Modelo – Tese das Professorandas – 1938” (segunda turma de professoras ruralistas)................190

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ÍNDICE DE QUADROS

Quadro 1: Matrículas de alunos (1935-1939)..................................................................67 Quadro 2: Formandos da década de 1930.......................................................................73 Quadro 3: Matrículas de alunos (1940-1949)..................................................................73 Quadro 4: Formandos da década de 1940.......................................................................74 Quadro 5: Matrículas de alunos (1950 -1959).................................................................75 Quadro 6: Formandos da década de 1950.......................................................................77 Quadro 7: Matrículas de alunos (1960 -1969).................................................................78 Quadro 8: Formandos da década de 1960.......................................................................79 Quadro 9: Matrículas de alunos (1970-1973)..................................................................80 Quadro 10: Formandos da década de 1970.....................................................................81 Quadro 11: Relação nominal dos diretores da Instituição (1934 - 1976).....................84 Quadro 12: Disciplinas ministradas no Curso Normal Rural........................................101 Quadro 13: Disciplinas ministradas no Curso Complementar.......................................101 Quadro 14: Programa do 1º ano Normal .......................................................................128 Quadro 15: Programa do 2º ano Normal........................................................................129 Quadro 16: Programa do 1º ano Complementar............................................................129 Quadro 17: Programa do 2º ano Complementar............................................................130

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABE - Associação Brasileira de Educação CCBNB - Centro Cultural Banco do Nordeste do Brasil CEMS - Centro Educacional Professor Moreira de Sousa CENP - Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas CENTEC - Centro de Ensino Tecnológico do Ceará CFN - Companhia Ferroviária do Nordeste CPMED – Cadastro Nacional de Estabelecimento de Saúde CRE/CE - Coordenadoria da Receita Estadual ENRJN – Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte EUA – Estados Unidos da América FALS - Faculdade Leão Sampaio FAP - Faculdade Paraíso FJN - Faculdade Juazeiro do Norte FMJ - Faculdade de Medicina de Juazeiro do Norte IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDH - Índice de Desenvolvimento Humano IFCE - Instituto Federal do Ceará NCTM - Conselho Nacional de Professores de Matemática PIB - Produto Interno Bruto PIRC - Penitenciária Industrial Regional do Cariri PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PRC - Partido Republicano Conservador PSF - Postos de Saúde da Família SAEB - Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica SEPLAD - Secretaria do Estado do Planejamento e Administração SEPLAG - Secretaria Municipal de Planejamento e Gestão SMASP - Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Serviços Públicos SESC - Serviço Social do Comércio TELECEARÁ - Telecomunicações do Ceará TER - Tribunal Regional Eleitoral UFC - Universidade Federal do Ceará UNIMARCO - Universidade São Marcos URCA - Universidade Regional do Cariri

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SUMÁRIO

RESUMO........................................................................................................................13

ABSTRACT...................................................................................................................14

UM COMEÇO...............................................................................................................15

INTRODUÇÃO.............................................................................................................23

I. JUAZEIRO DO NORTE: UMA CONTEXTUALIZAÇÃO EM CURSO...........37

1.1 Contexto geográfico..................................................................................................37

1.2 Contexto histórico......................................................................................................40

1.3 Contexto cultural.......................................................................................................47

1.4 Contexto educacional................................................................................................49

1.5 História das instituições escolares em Juazeiro do Norte..........................................50

1.6 Qual a contribuição do Padre Cícero para a educação escolar em Juazeiro?...........53

1.7 Padre Cícero e a Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte ...................................58

II. A PRIMEIRA ESCOLA NORMAL RURAL DO BRASIL: O PROCESSO DE INPLANTAÇÃO..................................................................................................... 62

2.1 A implantação da Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte..................................62

2.2 A Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte: seus pioneiros..................................66

2.3 O perfil discente do curso.........................................................................................67

2.4 Direção da Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte............................................83

2.4.1 Amália Xavier de Oliveira: cronologia comentada...............................................84

2.5 Corpo docente..........................................................................................................88

2.6 Concepções de formação do professor para a zona rural nos anos trinta..................91

2.7 As festividades como elemento de formação: eventos e datas comemorativas.......93

2.7.1 Os eventos..............................................................................................................94

2.7.2 Datas Comemorativas.............................................................................................96

III. O CURSO NORMAL RURAL EM JUAZEIRO: A ORGANIZAÇÃO CURRICULAR PARA FORMAÇÃO DE PROFESSORAS.........................100

3.1 Organização curricular para formação docente.......................................................100

3.2 A ênfase em conteúdos não propedêuticos das Escolas Normais Rurais................107

3.3 O pensamento ruralista, as práticas cotidianas e as bases pedagógicas da primeira Escola Normal Rural do Brasil...............................................................108

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3.3.1 O discurso ruralista produzido pela Normal Rural...............................................114

3.3.2 Práticas pedagógicas no cotidiano da primeira Escola Normal Rural do Brasil.....................................................................................................................119 3.4 Instituições Escolares: mediadoras do aprendizado rural........................................123

3.4.1 Técnica de Ensino: valorização das práticas agrícolas.........................................125

3.5 O Programa de Matemática adotado na primeira Escola Normal Rural do Brasil.128 IV. UMA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA NA ESCOLA NORMALRURAL DE JUAZEIRO DO NORTE.............................................142

4.1 A estrutura dos conteúdos e a análise dos exercícios do caderno...........................143

4.2 Uma tentativa de análise..........................................................................................154

V. AS NARRATIVAS DO PONTO DE VISTA DA ETNOMATEMÁTICA:

MEMÓRIAS, REFLEXÕES, SIGNIFICADOS E VALORES CULTURAIS.159

5.1 A narrativa como maneira de pesquisar o conhecimento........................................160

5.2 Caderno de Memórias: algumas narrativas.............................................................162

5.3 Narrativas pessoais: algumas reflexões...................................................................181

5.4 O Programa Etnomatemática...................................................................................185

5.5 As narrativas sob um ponto de vista etnomatemático.............................................189

CONSIDERAÇÕES E CONCLUSÕES ...................................................................200

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................209

ANEXOS......................................................................................................................217

I - Trecho do Regimento da Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte......................217

II – Fotos........................................................................................................................220

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RESUMO SILVA, PAULO SERGIO PEREIRA DA. “A FORMAÇÃO DE PROFESSORES (AS) NA ESCOLA NORMAL RURAL DE JUAZEIRO DO NORTE/CE SOB UMA PERSPECTIVA ETNOMATEMÁTICA”. Tese de doutoramento. Orientador: Prof. Dr. Ubiratan D`Ambrosio. Doutorado em Educação Matemática. Universidade Bandeirante de São Paulo, São Paulo, 2011. O presente trabalho busca investigar a formação de professores(as) da Escola Normal

Rural de Juazeiro do Norte sob uma perspectiva etnomatemática. Trata-se de uma

pesquisa teórica de cunho histórico-etnográfico. O objeto de estudo desta pesquisa é

composto pelos artigos do jornal escolar “O Lavrador” e pelos cadernos escolares de ex-

alunos(as), que de forma marcante contribuem para as conclusões a que chegamos. Na

prática social, também consideramos as variações econômicas, como o ruralismo, os

interesses políticos, as ideias escolanovistas e as mudanças culturais. Somadas a estas

fontes estão ainda alguns depoimentos orais de sujeitos ligados à vida e à memória da

Instituição em estudo. O desenvolvimento do estudo que propomos se deu a partir da

realidade da lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional da época. Também

apresentamos um panorama sobre a cidade de Juazeiro, onde apontamos de que forma o

Padre Cícero colaborou com a educação escolar daquele município. Procuramos ainda

compreender o processo histórico de implantação da ENRJN, mediante um resgate de

memória institucional e da história local. A organização curricular para formação

docente da ENRJN estabelecia um Curso Normal Rural. Por isso, analisamos os

conteúdos da matemática ensinados e as relações dos conhecimentos matemáticos

aplicados às práticas dos(as) futuros(as) professores(as). Era a observação sobre o

ensino da matemática escolar e os elementos da matemática presentes nas atividades

realizadas no dia-a-dia da ENRJN. Analisamos também o Programa Etnomatemática,

que busca a geração, transmissão e socialização do conhecimento matemático,

discutindo a matemática em diferentes contextos culturais. Por fim, debatemos as

narrativas produzidas dentro daquele contexto escolar. A pesquisa aponta convergências

com o referencial teórico, reforçando colocações encontradas na teoria de Paulo Freire,

em leituras sobre Educação Matemática e Etnomatemática, visto que, de forma geral,

ambos têm como foco o oprimido, e instiga outros caminhos a serem explorados.

Palavras-chave: Escola Normal Rural; Formação de Professores; Educação

Matemática; Etnomatemática; Narrativas.

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ABSTRACT

SILVA, PAULO SERGIO PEREIRA DA. TRAINING OF TEACHERS AT “ESCOLA NORMAL RURAL DE JUAZEIRO DO NORTE”, STATE OF CEARÁ, BRAZIL, ON AN ETHNOMATHEMATIC APROACH. Doctor’s thesis, advised by the Ph. D. Professor Ubiratan D'Ambrosio, Ph.D. in Mathematics Education. Universidade Bandeirante de São Paulo, São Paulo, SP, 2011.

The present thesis brings an investigation on the training of teachers at “Escola Normal

Rural de Juazeiro do Norte” over an ethnomathematic approach. It is a historical-

ethnographic research, focused on the analysis the articles of the school newspaper

named “O Lavrador” and of the school notebooks of some ex-students, which had an

important contribution to reach the conclusions we present by here. On the social

perspective, the economical variations, as the rural situation, the political interests, the

New School tendencies and the cultural. Some oral declarations of important

individuals directly related to the memory of that Institution were also investigated. The

development of this research was based on the topics presented on the Brazilian

Document named “Diretrizes e Bases da Educação Nacional” from that time. We even

present a brief view about Juazeiro do Norte, where we show the importance of the local

character “Padre Cícero”, who has contributed with the education of that city. We also

tried to understand the historical process of deployment of ENRJN by rescuing its

institutional memory and the history of the city of Juazeiro do Norte. The curriculum of

the teacher’s training at ENRJN proposed a “Normal” Rural Course. That is the reason

why we decided to analyze the mathematics content that had been taught so far and also

the relationships between the acquired mathematical knowledge, applied to the practices

of the future teachers. It was the observation on the teaching of school mathematics and

the mathematic elements noticed on several daily activities at ENRJN. The school

program Ethnomathematics was also analyzed, as it seeks for the generation,

transmission and socialization of the mathematics knowledge, discussing this science in

several different cultural contexts. Finally, we discussed on the narratives produced

within that school context. So, the research pointed out some convergences with the

theoretical references, some Paulo Freire’s theories and on some Mathematics

Education and on Ethnomathematics readings, as all those texts focus on the oppressed

being, and it also instigates some other new discussions within this same field.

Key words: Escola Normal Rural; training of teachers; Mathematics Education;

Ethnomathematics; narratives.

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UM COMEÇO

Os meus primeiros tempos: do curso Primário ao Ensino Médio

“...Tudo vale a pena se a alma não é pequena”.

Fernando Pessoa.

A primeira vez que sentei numa carteira escolar foi aos seis anos de idade em

1975, no Grupo Escolar “José de Araújo”, localizado na Vila São Gonçalo, zona rural

do município de Juazeiro do Norte/CE, onde nasci e morei até os 18 anos de idade.

Nessa escola, cursei a alfabetização, a primeira e a segunda séries. Recordo muito bem

da minha primeira professora, que por sinal é a minha irmã Maria, muito carinhosa e

calma com os seus alunos. Sempre tive contato com as letras e os números, mesmo

antes de frequentar a escola, pois, como citado acima, minha irmã Maria era professora

e em casa ela preparava aula, corrigia deveres escolares dos seus alunos; eu ficava ali

observando e, ao mesmo tempo, fingia ler também; quando não passava o lápis

contornando as letras como se estivesse escrevendo.

Foi um momento muito importante para mim. Lá estava eu indo para o meu

primeiro dia de aula, feliz e orgulhoso com um único caderno, um lápis com borracha e

uma pasta de plástico azul chamada de colecionador. Que felicidade eu senti no meu

primeiro dia de aula! Chegando à escola, lá entrei na fila à espera da professora, quando

ela apareceu meu coração bateu forte, pois minha irmã, a partir daquele dia, seria a

minha professora. Entramos na sala, uma sala linda, cheia de cartazes onde estavam

escritas as vogais A, E, I, O, U e também os primeiros números de 0 até 9; um ambiente

acolhedor. Lembro-me que, durante muito tempo, a alfabetização foi entendida como

mera sistematização de B+A=BA, isto é, como a aquisição de um código fundado na

relação entre fonemas e grafemas.

As lembranças ainda estão bem vivas em minha memória. A escola tinha apenas

duas salas de aula, no período matutino, uma sala era para a classe de alfabetização e a

outra para primeira série; no período da tarde, uma era para alfabetização e outra para

segunda série, em que crianças das mais variadas idades se juntavam movidas por

interesses diversos. O corpo docente era composto por professoras que tinham apenas a

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quarta série, as professoras eram dedicadas e se esforçavam para nos transmitir os

conhecimentos que haviam adquirido.

As primeiras atividades que eu realizava eram aqueles treinos de coordenação

motora. Se a professora considerasse que estava “feio”, ela mandava apagar e fazer

novamente. E logo depois começamos a ler na cartilha1. Lembro-me que seguíamos à

risca a cartilha, folha por folha, somente seria promovido para a primeira série quem

conseguisse terminar a leitura da cartilha sem gaguejar. Eu achava interessante fazer as

leituras dos textos em voz alta para toda a classe. A professora zelava pela nossa

disciplina, pela higiene pessoal dos alunos e do ambiente. Ela fazia com que

memorizássemos as combinações (relação letra/fonema, famílias silábicas etc.). A

cartilha era prazerosa porque cada sílaba que eu aprendia a ler era algo recompensador,

era mais uma descoberta, para mim era muito significante.

Fui alfabetizado pelo método tradicional, em que o aluno cumpre o papel de

receptor das informações do mestre.

A crítica mais contundente e comum é de que os textos da cartilha constituíam

uma linguagem artificial, de tal forma que acabava por instituir uma verdadeira língua

escolar, cuja existência só se verificava no interior da escola.

Hoje entendo que, na época em que eu estudava em Juazeiro, essa era uma das

maneiras de ensinar, aprendíamos, tornávamo-nos capazes de redigir corretamente no

que se refere ao padrão ortográfico. A compreensão social da escrita era um fato real,

em face à assiduidade de atos significativos de escrita no universo da maioria das

crianças que frequentavam a escola. Naquela escola, a aprendizagem podia restringir-se

ao estudo do código de acordo com tal metodologia, que não constituía nenhum

absurdo, sendo perfeitamente suficiente e adequada naquela circunstância.

Na escola “José de Araújo”, tive excelentes professoras que deram continuidade

ao curso primário (1ª e 2ª séries); mas a minha primeira professora eu nunca esqueci,

creio que veio dela esta inclinação pelo magistério, empregando métodos diferentes,

mas dedicação e o afeto foram herdados dela.

Recordo que, na 1ª série, imaginei que tinha me livrado daquelas inúmeras

cópias, porém, com a professora desta série não foi muito diferente. Tinha que fazer

cópias de BA, BE, BI, BO e BU, ou seja, de todas as famílias silábicas. Em relação à

matemática, lembro-me ter aprendido a somar, subtrair, multiplicar e dividir, embora

1 Segundo o dicionário Houaiss, a palavra cartilha designa um pequeno caderno que contém as letras do alfabeto e os rudimentos para aprender a ler, a carta do ABC.

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com poucos números na chave. Como também aprendi os números romanos de um até

vinte e já tinha decorado boa parte da tabuada. A minha segunda professora foi, a

princípio, a senhora Josefa Lins (D. Pituta), uma das mais, se não a mais querida. Como

diz a voz popular: “quando a esmola é demais, o santo desconfia”, pois, no decorrer do

ano letivo, ela passou a ser diretora da escola. A professora que a substituiu foi a

senhora Rosa Soares Simão (D. Rosa), que seguiu o mesmo livro de “cabo a rabo” e

exigindo também a lição da tabuada.

Na 2ª série, lembro-me que deveríamos aprender a classificar as sílabas tônicas

das palavras; em relação à matemática, tínhamos que continuar o estudo da tabuada com

todas as operações além das contas (de somar, subtrair, multiplicar e dividir), os

números romanos até cinquenta, como também resolver “probleminhas” envolvendo as

quatro operações fundamentais. Nesta série, a minha professora foi, a princípio,

Valdelice Araújo (D. Licinha), era uma professora rígida, séria e qualquer coisa que os

alunos aprontassem, ela chamava a mãe ou o pai dos alunos na escola. Ela não gostava

que nós, alunos, ficássemos brigados. Por algum motivo que não lembro, ela foi

substituída pela Professora dona Sebastiana Araújo (dona Dazinha) que, por sinal, era

sua irmã e ambas são minhas primas.

Diante do exposto, podemos afirmar que, em uma sociedade constituída em

grande parte por analfabetos e marcada por reduzidas práticas de leituras e escritas, a

simples consciência fonológica que permitia aos sujeitos associar sons e letras para

produzir/interpretar palavras ou frases curtas, parecia ser suficiente para diferenciar o

alfabetizado do analfabeto.

Tempos difíceis foram os da minha infância, conforme eu relatei no início, nada

fugia ao controle do meu pai e, este era inflexível em suas decisões, sua filosofia de vida

era a de que os filhos deveriam estudar até aprender fazer o nome, escrever e ler um

bilhete e algumas contas de matemática. Consegui cursar no “José de Araújo” até a

segunda série. Mas, fiz outra vez a segunda série (sem constar meu nome no diário de

classe) porque não tinha a terceira série naquela escola e meus pais não deixaram

estudar na cidade. Então, eles diziam: “vai fazer outra vez a 2ª série para não esquecer o

que já aprendeu”.

Para dar continuidade ao primário, no ano seguinte, já adolescente, minha mãe

resolveu me matricular na Escola de Primeiro Grau “José Sabiá” do Sítio Sabiá a mais

ou menos sete ou 8 km de onde morávamos para cursar a 3ª e depois a 4ª série.

Estudava à tarde porque de manhã teria de ir para o roçado ajudar o meu pai.

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Naquela escola militarizada, o ensino também era tradicional, mas isso em nada

me influenciou; quanto aos colegas que iam desaparecendo do convívio escolar, eu os

classificava de duas formas: ou eram “preguiçosos” ou, na melhor das hipóteses,

precisavam ajudar seus pais na lavoura, embora eu também precisasse trabalhar de

manhã na roça e ir para a escola no período da tarde. Nesta etapa, iria com três irmãos

mais velhos entre outros colegas que saíam dali conosco. Durante o percurso da escola,

outros (meninos e meninas) se juntavam a nós.

Havia um rio o qual precisaríamos atravessar para chegarmos à escola, e na

época do inverno (tempo de chuvas) de fevereiro a abril, o rio ficava muito cheio e as

águas com correntezas muito fortes, como eu ainda não tinha habilidade de natação

suficiente para atravessá-lo, minha mãe pagava ao canoeiro, o senhor “Pedoca”, para

nos ajudar na travessia. Quando as águas do rio baixavam, eu e outros colegas já

dávamos conta de atravessar nadando.

Lembro-me que, algumas vezes, este percurso era feito de carroça (transporte de

duas rodas) puxada por uma mula, vale lembrar que a temperatura atingia em média

38°.

A minha professora da 3ª e 4ª séries foi dona Alzenir Vasques Callou. Uma

senhora que apresentava em torno dos 45 anos. Ela era outro “doce” de professora,

muito paciente com seus alunos. Eu tenho ótimas recordações dela. As atividades que

dava eram todas de um livro que tinha todas as disciplinas. Também seguia este livro de

cabo a rabo, porém escutava seus alunos, instigando seus conhecimentos. Esta

professora mantinha com seus educandos duas subcategorias em relação à afetividade,

segundo Tassoni (2000): a proximidade, pois ela ficava bem perto de seus alunos e os

incentivos, já que os encorajavam.

Enfim, concluímos a 4ª série. Da minha casa, eu e minha irmã Cícera, pois os

meus outros dois irmãos (Ivan e Antônio) entre outros colegas, desistiram dos estudos

na 3ª série. Terminada a 4ª série, escuto mais uma vez meus pais alegarem: “que não

tinha como eu ir para cidade, principalmente porque não tinham só eu para eles darem

estudo”, alegavam que “tinham outros meus irmãos e que não era justo enviar um e

deixar os outros sem estudar e que, mesmo assim, também não podiam bancar as

despesas”.

Minha mãe disse: “como na escola daqui (“ José de Araújo”) agora vai ter a 3ª

série, você vai estudar para não esquecer o que já prendeu”. Outra vez volto a estudar

naquela escola sem que o meu nome constasse no diário de classe da 3ª série.

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Neste mesmo ano, teve início uma turma de Educação Integrada (de 1ª a 4ª

série), que funcionava na casa paroquial da Capela de Nossa Senhora do Perpétuo

Socorro em frente a minha casa e daí fui também estudar no período da noite com a

professora Valdelice (Licinha, minha prima, que há anos atrás tinha sido minha

professora da 2ª série). Este curso foi oferecido por dois anos, e quem terminasse sairia

com o certificado da 4ª série. Essa turma era mista: tinha alunos e alunas de diferentes

idades (entre 14 e 50 anos) e com diferentes níveis de conhecimentos. Neste momento

lembro-me de alguns colegas, uns da minha idade e a maioria mais velha, entre eles

minha mãe. No ano seguinte, fomos estudar em uma sala do “José de Araújo”. Nesta

altura, eu já tinha completado 16 anos de idade.

Neste dia, a professora deu-nos uma boa notícia. Com suas palavras em bom tom

e com incentivo, ela disse que na cidade iria iniciar um curso supletivo, tanto do 1º

como do 2º graus e que era gratuito. E continuou: “Seria interessante que vocês dessem

continuidade aos estudos”.

O monstro da evasão escolar daquela época, para mim, era algo desconhecido,

parece-me que não havia um programa de gestão escolar e se, houvesse naquelas

escolas, este era desprezado, contudo para minha felicidade havia aquelas escolas e eu

as frequentava.

Às vezes eu me pego pensando, onde andarão muitas crianças daquelas escolas,

quantas conseguiram chegar a uma universidade, acredito que nunca ficarei sabendo,

contudo fico feliz com as crianças de hoje que contam com um Estatuto da Criança e do

Adolescente, com a LDB 9394/96, em cujo bojo, traz metas definidas para a educação.

Claro que ainda falta muito a ser feito, a escola ideal sonhada por Rubem Alves, Paulo

Freire e outros, está longe de ser alcançada, contudo acredito que estamos no caminho

certo.

Em busca do curso Ginasial: Seguindo a orientação da professora Licinha, eu e

alguns dos colegas fomos fazer a nossa inscrição; todos nós pegamos o 1º livro de

Ciências para estudar em casa, e resolvemos também fazer a primeira prova todos no

mesmo dia. Lembro-me que, numa certa sexta-feira, fomos fazer a prova (andamos a pé

15 km para ir e 15 km para voltar) e todos nós conseguimos tirar nota suficiente para

sermos aprovados. Voltamos animados e com o segundo livro de Ciências. Lembro-me

que só de Ciências eram 18 livros no total, de Matemática 22, de Português 20 e as

outras disciplinas tinham cada uma um considerável número, totalizando 102 livros.

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Para acelerar o curso, pedi para minha mãe pagar o curso de datilografia, ela,

então resolveu falar com o meu pai que aceitou depois de muita conversa, sendo assim,

eu tinha que ficar na casa de alguém na cidade. Fiquei na casa de um parente para fazer

o citado curso e aproveitei para acelerar o curso supletivo. Terminei em outubro de

1987. Tentei novamente convencê-los a deixar-me dar continuidade aos estudos, ou

seja, fazer o 2º grau.

A história se repetia no discurso deles: “que não tinha como eu continuar os

estudos, pois não tinha onde eu ficar na cidade, que não iria enviar-me para a casa de

parentes, e que o que eu sabia já estava bom demais”. A minha reflexão acerca desta

fase da minha vida é de que foi um tempo árduo e doloroso.

Em busca do Ensino Médio: Parti em 11 de dezembro de 1987 para São Paulo,

especificamente para a cidade de Mauá, localizada na região do ABC paulista, chegando

em 13 de dezembro. Lá, com o contato diário com o trabalho físico e certa dureza de

ambientes, em meio ao consumo de bebida por alguns dos meus companheiros, veio em

mim ainda mais o desejo de passar para outro universo e sonhar ver-me sentado no

banco de uma escola e continuar meus estudos que tanto desejei.

Decidi fazer minha matrícula na Escola Estadual Adelaide Escobar Bueno para

cursar o primeiro ano; depois na Escola Estadual Professora Maria Elena Colônia no

segundo ano colegial onde estudei por dois anos concluindo, assim, o Segundo Grau em

1992.

A trajetória acadêmica: da graduação ao pós-graduação

Em busca da formação superior: Revirando o meu baú de memórias e

refletindo como escolhi a profissão, recordo que, desde pequeno, por volta dos oito

anos, eu e alguns colegas conversávamos sobre a profissão que queríamos exercer

quando nos tornássemos adultos. Essas conversas se davam na hora do recreio do “José

de Araújo”. Na adolescência fui aquele aluno que estava sempre disposto a auxiliar os

amigos de sala, esclarecendo suas dúvidas principalmente de matemática antes das

avaliações, seja na escola ou na classe. A fala que frequentemente escutei destes amigos

foi: “Você serve para ser professor”, e não era somente o “jeito” que eles falavam que

eu tinha, diziam-me que eu possuía até “cara” de professor.

Aos 23 anos, decidi escutar as pessoas que me rodeavam e realizar um sonho

que surgiu desde pequeno. Então, fiz a inscrição para concorrer a uma vaga no Curso de

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Bacharelado e Licenciatura Plena em Matemática com Ênfase em Informática no Centro

Universitário São Camilo. De fato, consegui a vaga.

Percebi, no decorrer dos quatro anos letivos, que os/as professores/as do curso

não eram a favor do ensino tradicional, pois isto ficava evidente nos seus discursos. No

entanto, havia um conflito entre a fala e a prática destes.

Mas foi também nas aulas da citada disciplina que ouvi falar pela primeira vez

no Programa Etnomatemática. Confesso que fiquei curioso para entender melhor sobre a

dinâmica das várias dimensões da Etnomatemática. Lembro um pouco das palavras da

professora que eram mais ou menos assim: “a etnomatemática tem caráter

antropológico, com um indiscutível foco político, que é embebida na ética, é a

matemática praticada por grupos culturais, tais como comunidades urbanas e rurais,

grupo de trabalhadores, classes profissionais, criança de certa faixa etária, sociedades

indígenas, e tantos outros grupos que se identificam por objetivos e tradições comuns

aos grupos”. E continuou dizendo: “o professor Ubiratan D´Ambrosio é o mais

influente pesquisador desse Programa de Pesquisa”.

Concluí o curso de Matemática em dezembro de 1997, nas horas que cumpri

como estágio, observando as práticas de outros professores, tive a certeza de que era o

que queria exercer durante minha vida. Não foi o curso que me preparou, mas me fez

gostar mais da profissão. Ainda em dezembro de 1997, após dez anos, retorno a

Juazeiro para comemorar, junto aos meus familiares, o sonho realizado, pois eu fui o

primeiro filho daquela família e daquela vila a conseguir um diploma de curso superior.

Essa etapa constitui a concretização do sonho. Não via a hora de apresentar os dois

diplomas ao meu pai para lhe dizer que o prometido foi cumprido.

Mais uma vez volto à Universidade, para o curso de Pedagogia (o curso de

Complementação Pedagógica - com Habilitação em Administração Escolar) no Centro

Universitário Unisant`Anna.

Eu acreditei que era exatamente um curso como esse de que eu precisava

naquele momento. No meu ponto de vista, era necessário um enfrentamento do

contexto educacional, por meio de atitude questionadora e reflexiva, consciente que

podemos ocupar, sim, uma posição sobre o que se passa dentro da sala de aula e nos

responsabilizar pelo nosso próprio desenvolvimento profissional, pois como nos diz

Cortella (2001), “educar significa conduzir a um lugar diferente daquele em que se

está”.

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Aprendi muito, porém sei que sempre terei muito a aprender. Como disse Paulo

Freire: “....inacabado, sei que sou um ser condicionado, mas consciente do

inacabamento, sei que posso ir mais além dele” (1996, p. 53).

Dessa forma, sempre consciente da importância do meu papel de educador,

inserido em um contexto de formação permanente, procurei, em todos os instantes,

aperfeiçoar-me de modo eficaz para superar minhas dificuldades e indagações, bem

como trazer comigo benefícios, metodologias e estratégias que pudessem fortalecer o

processo de ensino e aprendizagem dos meus alunos em sala de aula.

Em busca da pós-graduação: Paralelamente à minha vida profissional,

ingressei no ano de 1999 na Faculdade Oswaldo Cruz para fazer o curso de Pós-

Graduação - Especialização em Educação Matemática, em ritmo de conclusão do curso

de Pedagogia e pretendendo dar continuidade à minha formação de educador

matemático. Assim, no curso de especialização em Educação Matemática, tive

oportunidade de suscitar algumas reflexões sobre a prática pedagógica dos professores

na área da Educação Matemática. Em 2002, iniciei o curso de Mestrado na

Universidade São Marcos/UNIMARCO.

A articulação e o envolvimento no meu processo de formação acentuaram a

percepção de que algumas das minhas próprias inquietações em relação ao ensino da

Matemática eram comuns a outros educadores. Portanto, a experiência com a formação

continuada e a sintonia com o meu processo de formação se tornaram marcantes por me

levarem ao desejo de refletir e investigar, por meio da pesquisa acadêmica, a formação

de professores e professoras normalistas ruralistas na Escola Normal Rural de Juazeiro

do Norte. Outro motivo de aproximação com o tema deste trabalho foi o interesse em

conhecer a história da profissão de professor no Ceará. Nesse sentido, a minha

graduação em Matemática e Pedagogia sempre me despertou o desejo de conhecer as

raízes da docência em suas variadas facetas, e o Ensino Normal Rural apresentou-se

como possibilidade fecunda para os primeiros passos em busca deste conhecimento.

Tenho veracidade que a vida ainda me reserva tempo para a insistência dos meus

ideais: conhecimento e sabedoria. É na Academia que os verei concretizados.

Que a espontaneidade, a emoção e a vontade de viver não se dispersem em um

mundo secreto nessa nova empreitada.

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INTRODUÇÃO

Este trabalho insere-se no campo de análise da História da Formação de

Professores e tem a Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte-Ce como objeto de

estudo. Este trabalho toma o período de 1934 a 1973 como demarcação temporal de

análise, por ser este referente ao funcionamento da citada Instituição, fundada em 1934

e o ano de 1973 apresenta-se como marco limite por se tratar do momento em que

ocorreram mudanças na estrutura curricular por força da reforma 5.692/71, em que se

formou a última turma de professoras especializadas para a zona rural. Não era uma

simples Escola Normal Rural. Vieram depois o curso Ginasial e Colegial.

Essa área de estudo surgiu a partir dos novos olhares que os historiadores da

educação colocaram sobre a história que têm como princípio reagir à especulação

filosófica que predominava no campo. Nesse sentido, novas áreas de estudo surgiram,

além da mencionada. O uso desses novos campos possibilitou a ampliação dos objetos

de pesquisa que antes eram esquecidos como, por exemplo, as práticas escolares, as

relações entre sujeito e a cultura escolar.

Esse novo olhar para a História surgiu a partir da Escola dos Annales, cujo

principal objetivo era superar os limites até então dados pela corrente positivista ao ser

aplicado ao campo social da ciência. Com isso, houve uma mudança na escolha dos

objetos da história e historiografia da educação, cuja principal característica ligada a

essa mudança seria a procura por outras fontes que poderiam explicar e justificar as

mudanças educacionais.

Ao incorporar a consideração da simultaneidade, que é a dominação da assimetria entre o passado e o futuro, a história tornou-se outra que a tradicional. Ela mudou os seus objetos, mudou os seus historiadores, mudou os seus objetivos, mudaram-se os seus problemas disciplinares. Apareceu o que antes parecia não existir, quando a história era dominada por uma representação do tempo histórico sucessiva e teleológica, um mundo histórico mais durável, mais estruturado, mais resistente às mudanças: as estruturas econômico-sociais-mentais. (REIS, 2000, p. 35)

É importante mencionar que as mudanças no campo da pesquisa histórico-

educacional não ocorreram por acaso. Segundo Gatti Junior (2002, p. 6), representou, a

partir de 1950, uma renovação teórica e metodológica no sentido de substituir e/ou

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superar as investigações que, até então, tinham um caráter que privilegiava na História

os aspectos políticos e econômicos em detrimento dos sociais e, de acordo com alguns

pesquisadores, eminentemente descritivo.

Com essas mudanças teóricas, houve impacto metodológico consistente, incidiu

um aumento considerável de novos instrumentos de análise que permitiu ao profissional

da história expandir sua área de atuação, procurando alianças com outras ciências e

novas abordagens metodológicas. Segundo Chartier (1990), isso permitiu ao historiador

pensar as desarmonias que surgem e apreciar o progresso das disciplinas, situando-as no

espaço social que é o seu e a considerar a história cultural que tem por “principal

objetivo identificar o modo como em distintos lugares e momentos uma determinada

realidade social é constituída, pensada, dada a ler” (p. 16)

Assim, nas últimas décadas, houve uma aproximação entre a História da

Educação e a Historiografia, acarretando mudança e renovação para a história da

educação que criou assim novas linhas de pesquisa tendo como foco central a realidade

da escola, o saber escolar, a incluir nesses saberes a formação de professores (as)

(BITTENCOURT, 2003). Desse modo situamos, para esse estudo, a formação de

professores (as) no campo da pesquisa histórica.

Nesse sentindo, enfatizamos a História da Formação de Professores(as), campo

recente da pesquisa historiográfica, mas de relevância para o estudo da história

educacional e da História Cultural que, entrelaçados, permitem, segundo Valente (2005,

p. 8), “compreender os elementos que participam da produção/elaboração/constituição

dos saberes escolares [...]”.

Diante desse fato, a leitura que se faz do papel da escola modifica-se: deixa de

ser vista com um espaço de reprodução de saberes e passa a ser espaço de produção de

saberes, a partir de suas próprias especificidades. Segundo Chervel (1990), esse fato é

percebido quando vemos que, na escola, o conhecimento científico não é apresentado

aos alunos tal como foi sistematizado na academia, mas é simplificado de modo a ser

compreendido no ambiente escolar, o que acaba por modificá-lo criando um novo saber.

Segundo Oliveira (1984, p. 17), o desenvolvimento cultural de Juazeiro em

1929 atingiu o 1º degrau na escada ascensional, chegando ao 4º ano primário. Era pouco

demais para uma cidade que crescia a olhos vistos em outros setores. Havia três

colégios particulares: 1º - o São Miguel, colégio masculino; 2º - o São Geraldo, colégio

misto e o 3º - o Professor Anchieta Gondim, também colégio misto. Precisava de mais

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alguma coisa. Recursos parcos não permitiam aos pais educarem seus filhos fora da

cidade.

A Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte (ENRJN), por vários anos, ocupou

o lugar de primeira Escola Normal Rural do Brasil; durante algum tempo, foi reduzida a

uma escola destinada a receber os alunos que terminassem as classes fundamentais nos

grupos escolares do Estado, e foi inaugurada oficialmente em sessão solene, no salão do

Orfanato citado acima. O ato inaugural foi presidido pelo Professor Moreira de Sousa,

que era o diretor da escola e em seu discurso ressaltou a importância do juazeirense

doutor Plácido Castelo, Juiz Municipal, criador do Instituto Educacional de Juazeiro.

Em seu discurso, o professor Moreira de Sousa ressalta que:

sem a cooperação inteligente desse Magistrado, não teria sido possível, em tão breve tempo, a concretização do meu ideal, como renovador da Escola Primária do Ceará: a instalação de uma Escola Normal onde se preparasse o professor capaz de mudar a feição sócio-econômica dos nossos sertões (OLIVEIRA, 1984, p.31).

Criada com o objetivo de preparar professoras para as zonas rurais, de educar os

jovens para o seu meio, integrando-os em sua própria comunidade, a Escola Normal

Rural iniciou uma nova fase da educação no estado do Ceará, desenvolvendo um

programa especial de ensino e de atividades educacionais, condizentes com as

necessidades sertanejas daquele estado, além dos conhecimentos literários e científicos,

constantes dos programas das demais escolas normais do país.

A ENRJN foi precursora dos métodos da escola moderna na região, pondo de

lado o puro verbalismo das escolas tradicionais, quase sempre desvinculadas da

realidade brasileira. Assim levava os seus alunos, desde o curso primário, ao campo da

cultura do estabelecimento de ensino, para as aulas práticas de jardinagem, horticultura,

pomicultura, criação de abelhas, de aves e de outros animais domésticos, além das aulas

de pequenas indústrias e trabalhos manuais, com base no princípio escolanovista de que

“se aprende a fazer fazendo”, e visando a tornar as futuras professoras ruralistas

portadoras de habilidades para o desempenho de sua missão. (OLIVEIRA, 1984, p. 19)

A escola de Juazeiro pode não ter atingido plenamente as suas elevadas metas,

dada a complexidade dos grandes problemas a solucionar, apesar da responsabilidade

dos seus fundadores e dirigentes que, na medida do possível, procuraram fazer de tudo

para a consecução dos seus objetivos. Irrefutável, porém, foi à influência benéfica que a

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escola exerceu em todos os aspectos da comunidade juazeirense, modificando a

mentalidade de então, renovando, alongando horizontes, desvendando perspectivas

promissoras para os jovens do município e para os outros, vindos dos pontos mais

distantes do interior cearense. Acredita-se que para todos que a ela acorreram e nela se

educaram, a ENRJN tornou-se um centro não só de promoção cultural como social e

econômico.

Em outros termos, pretendemos estudar as concepções acerca da formação de

professores normalistas ruralistas, iniciando com os contextos geográfico, cultural,

educacional do município onde a mesma foi instalada e abordaremos sobre a

contribuição do Padre Cícero Romão Batista para a educação escolar naquele

município. São reproduzidos os dados sobre a história e a formação de professores(as)

da primeira Escola Normal Rural do Brasil, especificamente, além de propor uma

reflexão crítica sobre a modalidade dessa formação como desenvolvimento prático e

também registrar uma história da Educação Matemática na já citada instituição numa

perspectiva etnomatemática.

Vê-se que a matemática está presente na vida cotidiana de todos os povos, dos

gregos aos negros americanos, passando pelos camponeses. No dia a dia, tais grupos

fazem uma matemática peculiar, ligada às suas necessidades reais, ao seu modo, com

linguagem própria e pouca formalidade. Na escola, entretanto, a matemática imposta a

todos é algo completamente estranho: trata dos mesmos temas, mas despreza a

informação que este aluno já carrega de sua vida diária, em nome do cumprimento de

um currículo que muitos consideram obsoleto e abstrato.

Tal situação é ainda mais grave quando se lembra que, no sistema educacional, a

matemática tem uma importância mundialmente reconhecida, sendo matéria obrigatória

universal – está incluída em todos os currículos, em todos os níveis de educação e em

todos os países do mundo. Ressalte-se que esta preponderância global e integral da

matemática dá-se inclusive sobre a própria língua pátria (que, obviamente, não tem

caráter de universalidade) e todas as demais disciplinas escolares. Mais ainda: além da

língua, não há nenhuma religião universal.

A matemática ministrada em sala de aula é a forma de pensamento mais estável

da história – de fato, perdura até nossos dias como manifestação cultural que se impôs,

incontestada, afastando todos os demais modos de quantificar, medir, ordenar, inferir.

Ademais, serve de base para o pensamento lógico e racional que passou a identificar a

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própria espécie. Estes aspectos, por si sós, já nos incitam à reflexão acerca de tais

características de um setor do conhecimento humano.

Argumenta-se acerca de como a aprendizagem da matemática está caracterizada

pelo “fazer” matemática (experimentar, interpretar, visualizar, induzir, conjeturar,

abstrair, generalizar e, enfim, demonstrar), pelo engajamento do educando em situações

que desafiem suas capacidades cognitivas. Em outros termos, se o conhecimento

matemático é construído a partir de muita investigação e exploração – sendo a

formalização simplesmente o coroamento deste trabalho, que culmina na escrita formal

e organizada dos resultados obtidos –, o processo de aprendizagem deveria ter a mesma

natureza deste, diferindo essencialmente quanto ao grau de conhecimento já adquirido.

A Escola Nova, como se sabe, opunha-se às práticas pedagógicas tidas como

tradicionais, visando a uma educação que pudesse integrar o indivíduo à sociedade e, ao

mesmo tempo, ampliar a todos o acesso à escola. A proposta de “modernização”, que

seria reforçada por estudos psicológicos contemporâneos (especialmente de Piaget),

viria a ser implantada na maior parte dos países e alteraria a fisionomia tradicional de

nossas escolas.

O escolanovismo brasileiro está ligado às concepções de John Dewey, que

acreditava ser a educação o único meio realmente efetivo para a construção de uma

sociedade democrática, que respeitasse as características individuais das pessoas,

inserindo-as em seu grupo social em vista de sua singularidade, mas não ignorando o

fato de que são também parte integrante e participativa de um todo. A função da

educação seria formar um cidadão livre e consciente que pudesse incorporar-se ao

grande Estado Nacional em que o Brasil estaria se transformando.

O movimento desenvolveu-se no Brasil no momento em que este passava por

importantes mudanças econômicas, políticas e sociais, decorrentes do processo de

urbanização e da expansão da cultura cafeeira – que trouxeram o progresso industrial e

econômico para o país, e, com ele, graves conflitos de ordem política e social,

acarretando, assim, uma transformação significativa na mentalidade intelectual

brasileira.

Como também é sabido, até o final dos anos 1920, a estrutura do ensino no país

não estava organizada em base nacional, de forma que cada Estado mantinha seus

respectivos sistemas, sem articulação entre eles. O ensino secundário caracterizava-se

por ser preparatório para o superior; este, privilegiado pelo sistema, formava os quadros

da elite governante.

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No que tange à matemática no nível secundário, as inovações se concentraram

nas orientações metodológicas, como as que incluíam o emprego de um método

heurístico e a junção das disciplinas aritmética, álgebra e geometria em apenas uma

designada apenas matemática. Até o ano de 1942, as várias modalidades ofertadas pelo

ensino técnico e pelo secundário (de caráter propedêutico) eram totalmente separadas:

não havia nenhuma possibilidade de passagem de uma a outra. Assim, o aluno tinha o

seu caminho educacional e profissional fixado a partir do primeiro ano do curso

imediatamente posterior ao primário, o que exigia uma tomada de decisão em idade

precoce. Isto, entretanto, mudou com as novas Leis Orgânicas protagonizadas pela

Reforma Capanema (1942-46), pelas quais o ensino secundário foi reorganizado.

Esta estrutura foi praticamente mantida quando, já na década de 60, entrou em

vigor a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (4.024/61). Já em 1971, foi

editada a Lei 5.692 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que trouxe nova

estruturação ao ensino de primeiro e segundo graus, este último com característica

notadamente profissionalizante.

Esta foi uma clara tendência da política educacional vigente nas décadas de 60 e

70: considerando o nível de desenvolvimento da industrialização na América Latina, o

ensino médio passou a priorizar a formação de especialistas capazes de dominar a

utilização de maquinarias ou de dirigir processos de produção. Esta disposição levou o

Brasil, na década de 70, a propor a profissionalização compulsória, estratégia que

também visava à diminuição da pressão da demanda sobre o ensino superior.

Cabe assinalar, ainda, que o estudo dos movimentos que abordamos interessa

não apenas aos profissionais da área da educação matemática, mas diz respeito a

aspectos mais amplos relativos à evolução dos currículos, como a crescente valorização

do ensino científico no conjunto do conhecimento escolar e o esforço mais geral de

modernização do ensino secundário, desenvolvido a partir dos anos 50, uma dinâmica

diferenciada de país para país, mas com traços comuns.

A abordagem por nós adotada considera os aspectos do movimento que o

identificam como um processo mais amplo, de âmbito mundial, de crescente

valorização do ensino das ciências naturais e da matemática no período que sucedeu a

Segunda Guerra Mundial, no qual o movimento da etnomatemática se insere, com as

suas especificidades relacionadas com a ação dos protagonistas e a realidade do Brasil.

O termo etnomatemática foi proposto por Ubiratan D'Ambrosio em 1975, para

descrever as práticas matemáticas de grupos culturais específicos (sistemas de símbolos

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e de medidas, organização espacial, técnicas de construção, métodos de cálculo,

atividades cognitivas, resolução de problemas e qualquer outra ação que possa ser

convertida em representações formais). Na origem, partiu de uma visão historiográfica

de culturas do passado, todas portadoras de uma maneira peculiar de analisar e

quantificar as quais seria arrogância desconsiderar em prol da “matemática oficial”.

A etnomatemática – programa de pesquisa que procura entender o saber-fazer

matemático ao longo da história da humanidade, contextualizado-a em diferentes grupos

de interesse: comunidades, povos e nações – hoje é considerada uma subárea da história

da matemática, tendo uma relação muito natural com a antropologia e as ciências da

cognição.

Os processos para o desenvolvimento desta pesquisa foram estudados e

analisados a partir e em conexão com a trajetória profissional, a realidade, o

profissionalismo docente, da mudança de concepção dos professores ruralistas perante

as leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional da época. Foram destacadas as

reformas nacionais da educação brasileira que influenciaram no processo de formação

docente no Ceará como em outros estados, principalmente a Lei Orgânica do Ensino

Primário e Normal de 1946, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 4.024/61,

a Reforma do Ensino de 1º e 2º graus (Lei 5.692/71) e a da identidade de grupos, da

percepção de professores (as) no ensino Normal Rural, da pedagogia freiriana e por

meio dos pressupostos etnomatemático.

Autores como FREIRE (1993), NOVÓA (2002), MOREIRA (1999) têm

apontado como sendo importante para a formação do professor estabelecer uma

discussão curricular que seja mediada pelos significados que o professor tem construído

sobre o ensino a partir de reflexão sobre sua prática:

Quando se considera que o currículo só se materializa no ensino, momento em que alunos e professores vivenciam experiências nas quais constroem e reconstroem conhecimentos e saberes, compreende-se a recorrente referência à prática e à formação docente nos estudos que tomam o currículo como objeto de suas atenções. A mesma articulação é visível no âmbito das políticas públicas, quando às reformas curriculares se atrelam sempre medidas que buscam afetar e modificar os diferentes momentos e processos na formação do professorado. (MOREIRA, 1999, p.82)

Essas considerações nos dão a entender que a construção de novos caminhos

deve-se fundamentar na trajetória escolar e profissional dos professores, buscando aí as

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raízes de suas limitações pedagógicas, eliminando o pressuposto de que sejam os únicos

responsáveis pelos problemas no ensino da Matemática.

De modo geral, os objetivos que impulsionaram este trabalho podem ser assim

delineados:

• levantar e analisar os programas de matemática da Escola Normal

Rural de Juazeiro do Norte;

• discutir a importância da Escola Normal Rural no município de

Juazeiro;

• contribuir com o debate sobre a formação dos professores

ruralistas numa perspectiva etnomatemática;

• contribuir para a compreensão da disseminação dessa

modalidade de formação no Brasil.

A pesquisa em questão se justifica pela busca da opção teórico-metodológica das

pesquisas em etnomatemática, fundamentadas na experiência etnográfica, na percepção

do “outro grupo”, do ângulo de sua lógica, procurando compreendê-las na sua própria

racionalidade e termos. Esta pesquisa justifica-se também pela importância de

fundamentar o ensino de matemática em face da formação de professores(as)

normalistas ruralistas e de identificar “o que de diferente” ofereciam os espaços

agrícolas que se tinham à disposição na época investigada, além de discutir o que estas

diferenças trouxeram de significativo para o processo de ensino-aprendizagem da

matemática da modalidade de formação em questão e para o desenvolvimento cognitivo

do indivíduo.

Em geral, no âmbito da pesquisa em etnomatemática, o pesquisador vive um

processo de estranhamento e tensão visto que as relações quantitativo-espaciais

percebidas no grupo investigado – desde que não mais exclusivamente centradas nas

explicações do grupo da sociedade do investigador − mostram-se muitas vezes, para

ele/ela, desarticuladas e, em geral, um processo de ressignificação. E a análise das

mesmas pede a criação de categorias que envolvem articulações entre a matemática e

outras áreas do conhecimento como a história, os mitos, a economia, entre outros. Na

verdade, tais relações pedem articulações numa dimensão não disciplinar do

conhecimento, mas sim transdisciplinar. Citando D`Ambrosio (1997):

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Ao reconhecer que várias disciplinas e métodos intervêm no fazer científico e que o conhecimento e comportamento resultam de uma dinâmica de encontros, o Programa Etnomatemática pode ser visto como um dos mais significativos exemplos do enfoque transdisciplinar e transcultural do conhecimento, que repousa sobre o resultado da dinâmica do encontro de culturas (p. 9-10).

Em termos de aprendizagem-ensino, por sua vez, poderíamos dizer que a

etnomatemática sugere ao professor e à professora fazer emergir modos de raciocinar,

medir, contar, tirar conclusões dos educandos, assim como procurar entender como a

cultura se desenvolve e potencializa as questões de aprendizagem. Na verdade, quando a

preocupação de um estudo etnomatemático é a pedagogia da matemática, a atenção tem

estado em torno de legitimar os saberes dos educandos nascidos de experiências

construídas em seus próprios meios e estudar possibilidades de como lidar com as

aprendizagens de fora da escola e da escola.

Do considerado, posso dizer que as perguntas centrais desta pesquisa podem ser

assim delineadas: É possível compreender a disponibilidade da interação entre

Educação Matemática e cultura na formação do professor da Escola Normal Rural

de Juazeiro do Norte? De que modo e em que condições o trabalho escolar na Escola

Normal de Juazeiro do Norte está aberto para discutir o saber-fazer dos homens e

mulheres da zona rural?

No que tange às considerações teórico-metodológicas adotadas, a discussão

entre Matemática e informação, operada na perspectiva de uma educação crítica,

pressupõe um olhar sobre as pessoas, sobre os conteúdos e sobre as sociedades.

Identificamos pistas nos pressupostos da Etnomatemática que podem responder aos

desafios impostos por essa caminhada.

Para Freire (1993), apenas o homem, enquanto ser inconcluso, é capaz de

superar as “situações limites” na sua relação com mundo. O homem inconcluso,

portanto histórico, está inserido em uma “unidade de época” − um conjunto de ideias,

concepções, esperanças, dúvidas, interação dialética com os contrários em busca da

plenitude – que fornece temas a serem trabalhados numa prática pedagógica alternativa

à prática bancária. Os temas geradores não se encontram senão nas relações homem-

mundo, nas quais os homens se posicionam contraditoriamente: uns realizando tarefas a

favor da manutenção, outros das mudanças. (p.86-94). Na mesma perspectiva de Freire,

a partir de 1970, aflora no âmbito da educação, a abordagem etnomatemática proposta

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por D`Ambrosio, cujo espectro de investigação contempla desde as pesquisas “sobre o

saber e o fazer matemáticos” à luz da diversidade cultural até a proposição de práticas

pedagógicas alternativas à educação tradicional.

Na construção de uma sociedade alternativa – equânime, sem arrogância, sem

fanatismo, com respeito às diferenças individuais – a professora ruralista e a

Matemática não são meros coadjuvantes no processo. Tomando-os em sua dimensão

política, ganha relevos a matemática como instrumento imprescindível para intervir nos

problemas de governo, socioeconômicos, ecológicos e culturais, e o educador enquanto

sujeito que incorpora essa dimensão aos conteúdos e metodologias (D`AMBROSIO,

2000b).

Nessa direção, o encontro com a etnomatemática envolveu-me de forma

especial, tanto pelo fato de possibilitar a ampliação das reflexões acerca do

conhecimento matemático sob a ótica histórico-social, quanto pelo reconhecimento do

potencial em levar em conta a cultura no processo de aprendizagem.

Os desafios impostos por essa sociedade se estendem às concepções curriculares.

Suas demandas não encontram respostas plenas na alfabetização e na contagem. O

caráter propedêutico da Educação Matemática já não responde aos desafios impostos

pela sociedade da informação. Aqui, “os números, as figuras e os sinais” devem ser

vistos como “instrumentos comunicativos”, considerando-se a diversidade cultural dos

ambientes e sob uma perspectiva crítica (D`AMBROSIO, 2003, p.313).

Nesse sentido, por considerar relevante o posicionamento da Etnomatemática, a

presente investigação teve como um dos focos de interesse questões relativas à prática

escolar que envolveu aspectos culturais da vida dos estudantes considerada como uma

possibilidade no ensino de matemática na ENRJN.

Entendendo aqui o conceito de cultura conforme sugere D`Ambrosio como

sendo “o conjunto de conhecimentos compartilhados e comportamentos

compatibilizados” (2000a, p.147) por um determinado grupo, cujos indivíduos usam as

mesmas explicações e os mesmos instrumentos materiais e intelectuais cotidianamente.

O processo de investigação envolveu levantamento documental oficial e privado

e valeu-se de biografias e autobiografias (que adquirem o caráter de documento e fonte

de pesquisa histórica com a função de alimentar e ampliar permanentemente a área de

pesquisa) bem como do acervo catalogado pelos pesquisadores, professores, estudantes

e público em geral e depoimentos de ex-alunas e de ex-professoras. Quanto à natureza

da investigação, foi valorizada a abordagem histórico-etnográfica, estrutural e crítica,

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precedida de uma ampla revisão bibliográfica sobre o tema que nos propomos a

investigar.

A leitura dos documentos foi feita à luz do contexto histórico de sua produção,

principalmente em termos da conjuntura político-econômica nacional, dos debates

pedagógicos em voga e da política educacional em implementação. Este estudo situa-se

num contexto que inclui uma descrição breve da realidade educacional – em particular,

do ensino normal rural – e dos debates pedagógicos produzidos no período.

Deste modo, a pesquisa possui cunho qualitativo, na perspectiva da

Etnomatemática, com a qual foi feita análise documental de fontes escritas. Antonio V.

M. Garnica, em seu artigo intitulado Pesquisa Qualitativa e Educação (Matemática): de

regulações, regulamentos, tempos e depoimentos, de 2001, apresenta as características

essenciais de uma investigação qualitativa, fundamentando-se em André e Lüdke

(1986), as quais tiveram como referência Bodgan e Biklen (1991, p. 11-13), texto

original de 1982):

(i) ter o ambiente natural como sua fonte direta de dados e o pesquisador como seu principal instrumento; (ii) coletar dados predominantemente descritivos; (iii) ter maior atenção ao processo que com o produto; (iv) o processo de análise tende a ser indutivo, sendo que os pesquisadores não se preocupam em buscar evidencias que comprovem hipóteses definidas antes do inicio dos estudos. As abstrações formam-se ou se consolidam, basicamente, a partir da inspeção dos dados num processo de baixo para cima.

Isso consente ao pesquisador maior liberdade de movimentos dentro da realidade

que se propõe a analisar. Sobre a pesquisa com documentos, cabe ressaltar que esta

abrange não apenas escritos. Nesse tipo de abordagem, deve-se considerar qualquer tipo

de elemento que possa conter informações sobre um fato ou uma época.

Nesse sentido, foi adotada uma metodologia baseada na pesquisa histórica para o

desenvolvimento da presente investigação, pois esta considera as influências

sócioeconômicas, políticas e históricas e os saberes nos cadernos em questão. Isso

poderá levar o pesquisador e estudiosos do tema a refletir mais profundamente sobre as

mudanças históricas ocorridas na formação de professores(as) e no ensino de

Matemática.

Por se tratar de um instrumento importante para a formação de professores

normalistas ruralistas, a análise da história da referida escola mostra-se significativa

principalmente para se compreender a história da ENRJN ao ensino de matemática na

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formação das professoras da primeira Escola Normal Rural do Brasil. Diante disso, o

desafio de realizar o doutorado em Educação Matemática na área de Historiografia

propocionou o repensar do papel do professor-pesquisador, que deve contribuir

sobremaneira para entender, sob uma perspectiva histórica, a dinâmica da formação de

professoras, que é, sem dúvida, um instrumento que marca a História da formação de

professores ruralistas no Brasil.

Nessa perspectiva, os conhecimentos teórico-metodológicos vindos da História

da Educação serão de grande valia para as análises propostas nesta pesquisa.

[...] A evolução do sistema educacional, a expansão do ensino e os rumos que esta tomou só podem ser compreendidos a partir da realidade concreta criada pela nossa herança cultural, evolução econômica e estruturação do poder político. Cada fase da história do ensino brasileiro vai refletir a interligação desses fatores. (ROMANELLI, 2003, p. 19)

Desse modo, a análise dos dois cadernos de ex-alunas, embora seja da mesma

época, ganha destaque científico, pois poderá contribuir como pesquisa historiográfica

que valoriza o tratamento teórico-metodológico dado aos cadernos escolares.

Visando a atingir nossos objetivos, apresentamos esta pesquisa em cinco

capítulos, estruturada como segue:

O arcabouço do capítulo I, num primeiro momento, serve à contextualização de

um panorama sobre a cidade de Juazeiro do Norte-CE, que é o objeto espacial deste

estudo. Os dados que serão fornecidos ao leitor como os contextos geográfico, histórico,

cultural, educacional entre outros, da cidade de Juazeiro do Norte são oficiais,

atualizados no período de 2004-2010 e foram contextualizados com base nos gráficos

fornecidos pelo governo do estado do Ceará SEPLAD (Secretaria do Estado do

Planejamento e Administração), Prefeitura de Juazeiro do Norte e IBGE (Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística). Num segundo momento, ocupa-se, de forma

breve, a fazer um panorama da educação em Juazeiro do Norte, como também a fazer

um relato sobre a contribuição do Padre Cícero para educação no citado município.

No segundo capítulo, o olhar se voltará para apresentação de uma história da

primeira Escola Normal Rural no Brasil, no período de 1934 a 1973 e o seu processo de

implantação. No caso, este capítulo serve à contextualização do nosso objeto de

pesquisa. Trataremos de um estudo realizado no sul do Ceará, mais especificamente da

região do Cariri, espaço marcado por muitas lutas políticas e lugar de destaque na

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economia do Estado. Esta instituição foi criada pelo Decreto-lei nº 1.128, em 10 de

janeiro de 1934 e instalada no dia 13 de junho do mesmo ano, destacando-se na

historiografia educacional como o primeiro estabelecimento de ensino voltado para a

formação docente especializada para as escolas rurais no Brasil.

No terceiro capítulo, focalizamos o Curso Normal Rural e a organização

curricular para formação de professoras ruralistas apresentando-as como objetos de

preocupações educacionais em relação aos mesmos. Consideramos que, a partir deste

capítulo, a investigação toma como documentos, que consideramos importantes na

trajetória da ENRJN, quais sejam: o jornal “O Lavrador” (1934-1974) e os “Anais da

Semana Ruralista (1935)”. Utilizamos também fontes documentais obtidas na escola

(atas, impressos estudantis, livros de registros, depoimentos de ex-alunas, ex-

professoras dentre outros).

É abordada, no Capítulo IV, uma história da Educação Matemática na ENRJN.

Procuramos chamar a atenção da atual e futura geração de professores(as) sobre o

porquê de se conhecer a história recente do ensino da matemática. Tomamos como

referência o caderno de Matemática (1934) de uma aluna do Curso Normal Rural,

dentre outros documentos, que buscam sustentar empiricamente a escrita de uma

história da Educação Matemática na ENRJN.

Termina-se a pesquisa no Capítulo V, onde transcrevemos algumas das histórias

escritas em dois cadernos escrito pelas alunas, futuras professoras da ENRJN, do 2º ano

Complementar de 1938 e do 2º ano do Curso Normal Rural de 1938 respectivamente.

Cadernos esses intitulados: “Um Pouco da Nossa Vida Escolar” e “Uma Fazenda

Modelo - Tese das Professorandas da turma de 1938”. Abordamos teórico-

metodologicamente a narrativa como um modo de refletir, relatar e representar a

experiência, que produz sentido ao que somos, fazemos, pensamos, sentimos e dizemos.

Discutimos a narrativa como modo especial de interpretar e compreender a experiência

humana, levando em consideração a perspectiva e interpretação de seus participantes de

um ponto de vista etnomatemático. Assim, também achamos por bem apresentar uma

discussão da Etnomatemática, uma vertente que, tendo origem no Brasil a partir das

elaborações teóricas de Ubiratan D`Ambrosio, difundiu-se não somente na América

Latina, como também em outros países do mundo.

De modo geral, pretendemos apresentar, neste capítulo, as transcrições de texto

elaborados por alunas que nos parecem reveladoras do potencial das narrativas de um

ponto de vista etnomatemático no contexto escolar, possibilitando, de um lado, que a

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professora obtenha informações importantes sobre a compreensão das alunas e, de

outro, que as alunas exercitem o seu poder de expressão de ideias essenciais para a

construção do conhecimento.

Espera-se, com esta pesquisa, oferecer subsídios para a comunidade acadêmica

que se preocupa com as questões da história da formação de professor, bem como

contribuir para ampliar o debate sobre os movimentos de renovação no ensino da

matemática no Brasil e para o fortalecimento de uma visão consistente, realista e crítica

sobre as possibilidades abertas no contexto escolar. Apesar da consciência das falhas e

limitações aqui existentes, devidas em grande parte à complexidade do tema, esperamos

que ele pudesse, ao menos, suscitar novas questões, novas pesquisas.

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CAPÍTULO I

JUAZEIRO DO NORTE: UMA CONTEXTUALIZAÇÃO EM CURSO

Procuramos dar um panorama sobre a cidade de Juazeiro do Norte-CE,

considerada como objeto espacial deste estudo. Os dados que são fornecidos ao leitor,

como os contextos geográfico, histórico, cultural e educacional referentes à citada

cidade, são oficiais, atualizados no período de 2004-2010 e foram contextualizados com

base nos gráficos fornecidos pelo governo do estado do Ceará SEPLAD (Secretaria do

Estado do Planejamento e Administração), Prefeitura de Juazeiro do Norte e IBGE

(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Na sequência, pretendemos, de forma

breve, fazer um resumo histórico das instituições escolares em Juazeiro, como também

nos propomos a descrever de que forma o Padre Cícero colaborou na construção do

processo educacional de Juazeiro do Norte.

1.1 Contexto geográfico

Juazeiro do Norte localiza-se na região nordeste do país, especificamente no sul do

Estado do Ceará (Vale do Cariri) a 560 quilômetros da capital Fortaleza.

Figura 1 - Foto do mapa do Brasil. Fonte:<http://www.brasil-turismo.com/geografia.htm> - (Acesso: 13/02/2010).

Figura 2 – Foto do mapa do Estado do Ceará

Fonte:<http://www.brasilrepublica.com/ceara.htm> - ( Acesso: 13/02/2010).

DISTRITO FEDERAL

CEARÁ

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Figura 3 - Juazeiro do Norte – Posição no mapa do Ceará.

Fonte:<http://www.brasil-turismo.com/geografia.htm> - (Acesso: 13/02/2010).

Sua população é de 244.701 habitantes (censo de 2010). Do total de habitantes

verificado no censo, 233.451 é constituído por uma população urbana, e 11.250 por

rural2. Fora da cidade, existem três aglomerados humanos importantes: Distrito

Marrocos (Vila São Gonçalo), onde morou durante 18 anos este pesquisador, Distrito

Padre Cícero (antiga Palmeirinha) e Vila Três Marias.

Vale ainda ressaltar que a cidade de Juazeiro do Norte tem cadastrado em suas

duas zonas eleitorais 157.244 eleitores (67,22% da população total). A maioria dos

eleitores, ou seja, 51,34% dos eleitores, pertence à população feminina: 80.729

mulheres e 75.975 homens e 540 não informados. Segundo o censo, havia, nesse total

de eleitores, 11,8% analfabetos, lê e escreve 76,9%, 93,4% com Ensino Fundamental,

82,3% com Ensino Médio completo, e apenas 29,6% com curso superior completo e

37,7% incompleto3. É importante ressaltar, com relação a essa configuração educacional

da cidade de Juazeiro do Norte, que, no perfil cultural da população, a educação não se

encontra como prioridade, mesmo sendo comemorado seu centenário e ainda se

encontre amarrada a seu processo de colonização, baseado na exploração de recursos

naturais em agricultura.

Sua área geográfica é de 248, 558 km² a uma altitude média de 350 metros. A

agricultura, a pecuária e o comércio são sua base econômica. Como já dito

anteriormente, a cidade de Juazeiro do Norte está situada a 560 km da cidade de

Fortaleza, capital do Ceará, justamente quando se sai pela BR 116. Tendo como limites:

ao norte, com Caririaçú; ao sul, com Barbalha; a leste, com Missão Velha e a oeste, com

Crato. As suas coordenadas geográficas: Latitude: 7°13’; Longitude: 39°19’. A altitude

de Juazeiro do Norte está a 377 m em relação ao nível do mar. O ponto mais elevado é a

2 Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. 3 Fonte: Tribunal Regional Eleitoral – TRE.

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Serra do Horto, onde foi erguido o Monumento do Padre Cícero, com 22 m de altura

(14 m de estátua e 8 m de pedestal), o terceiro do mundo em altura. A estátua foi obra

do escultor pernambucano Armando Lacerda e foi inaugurada em lº de novembro de

1969, pelo então Prefeito Mauro Sampaio.

O clima é temperado, com médias de temperaturas entre 22-35 graus. De junho a

agosto, faz um pouco de frio. A época chuvosa, conhecida como inverno, geralmente

vai de janeiro a abril. O município é banhado pelo Rio Salgadinho, que nasce na vizinha

cidade de Crato.

Quando se começa a coletar o material para elaborar um trabalho como o

presente, não se pode evitar definir a extensão e os limites da região escolhida. Em

nosso caso, o problema é que a palavra Cariri e a designação Cariri cearense não são

totalmente isentos de equívocos, porque se entende pelo nome Cariri várias regiões de

extensão diferente, as quais, segundo dados fornecidos pela Secretaria Municipal de

Planejamento e Gestão (SEPLAG) de Juazeiro, são:

1) O triângulo urbano de Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha e os municípios vizinhos

de Missão Velha e Jardim. Numa conceituação mais ampla do Cariri, esta região é

chamada o Cariri Central;

2) O centro e a parte oriental do sul cearense com os municípios de Abaiara, Altaneira,

Aurora, Barbalha, Barro, Brejo Santo, Caririaçu, Crato, Farias Brito, Grangeiro, Jardim,

Jati, Juazeiro do Norte, Mauriti, Milagres, Missão Velha, Nova Olinda, Penaforte,

Porteiras, Santana do Cariri e Várzea Alegre. Esta zona é igual ao Cariri definido pelo

IBGE. No caso deste modelo, os municípios de Altaneira, Farias Brito, Nova Olinda e

Figura 4 Foto da Estátua do Padre Cícero na colina do Horto. Fonte:<http://www.mundi.com.br/Wiki-Juazeiro-do-Norte-2711686.html> (Acesso:10/03/2010).

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Santana do Cariri formam o Cariri Ocidental, os municípios de 1) o Cariri Central e os

outros o Cariri Oriental;

3) Do ponto de vista do desenvolvimento regional, foram criadas várias regiões de

planejamento chamadas Cariri. A versão menor é igual ao conceito do IBGE, enquanto

a maior engloba todo o sul cearense (de Campos Sales, no oeste, a Mauriti, no leste);

4) Muitos regionalistas, nativistas e políticos locais veem no Cariri não só todo o sul

cearense, mas também alguns municípios ao norte dele, que fazem parte do Centro do

Ceará e dos Sertões dos Inhamuns;

5) Ideias regionalistas também são responsáveis pela extensão do conceito da região

para além dos limites estaduais. As intensas relações históricas, econômicas e culturais

com Pernambuco deixam muitas pessoas falar de um Cariri Cearense e um Cariri

Pernambucano, como se a Chapada do Araripe representasse o centro geográfico da

região, a qual engloba os municípios ao redor da Chapada;

6) E, finalmente, há uma região também chamada de Cariri no Sertão da Paraíba,. Para

evitar equívocos, antigamente, esta região também era chamada de Cariris Velhos,

enquanto a região do mesmo nome, no Ceará, recebeu o nome de Cariris Novos. Velhos

e novos, neste caso, referem-se às sequências históricas na colonização do Sertão.

Grande parte da população não se preocupa com as extensões do Cariri no sul do

Ceará, mantendo uma ideia vaga dos limites da região, enquanto parte dos brasileiros

pensa, no caso do Cariri, em primeiro lugar na cidade de Juazeiro do Norte e na figura

do Padre Cícero. Do ponto de vista geográfico, no entanto, o conceito do IBGE

predomina nas publicações científicas.

1.2 Contexto histórico

A origem do município deu-se por conta do lançamento da pedra fundamental de

uma capela em honra de Nossa Senhora das Dores, em 15 de setembro de 1827, no local

denominado Fazenda Tabuleiro Grande (município de Crato), de propriedade do

Brigadeiro Leandro Bezerra Monteiro, marca o início da história do lugar que é hoje a

cidade de Juazeiro do Norte.

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Conta-se que três frondosos juazeiros existentes em frente à capela, à margem da

antiga estrada Missão Velha - Crato, passaram a ser pousada obrigatória de viajantes e

tropeiros, que viviam em andanças pelos sertões. Com o tempo, começaram a surgir as

primeiras moradias e pontos de negócios, tendo início o povoamento. A fundação da

cidade, porém, deve-se ao Padre Cícero. A etimologia, o topônimo Juazeiro deve-se a

uma conhecida árvore, muito comum no Nordeste, que resiste à seca mais inclemente,

permanecendo sempre viçosa, chamada cientificamente Ziziphus juazeiro. A palavra é

híbrida, tupi-portuguesa: juá ou iu-á (fruto de espinho) + o sufixo eiro (OLIVERIA,

1974, p. 67).

Quanto à emancipação política, em 1907, o povoado de Juazeiro já havia

alcançado um considerável nível de desenvolvimento, mas continuava pertencente ao

município de Crato. Isto começou a incomodar os juazeirenses, surgindo daí o desejo de

independência. Um movimento emancipalista iniciado por eminentes cidadãos locais,

entre os quais José André de Figueiredo, Joaquim Bezerra de Menezes, Francisco Nery

da Costa Morato, Cincinato Silva, Manoel Vitorino da Silva e João Bezerra de Menezes

recebeu mais tarde a adesão do Padre Cícero, do médico baiano Floro Bartolomeu da

Costa, do Padre Joaquim de Alencar Peixoto e do Professor José Teles Marrocos,

culminando com a vitória em 22 de julho de 1911, quando foi assinada a Lei nº 1028,

que elevou o povoado à categoria de Vila e sede do Município.

Um forte aliado do movimento de independência de Juazeiro foi o jornal “O

Rebate”, o pioneiro da imprensa juazeirense, fundado pelo Padre Joaquim Marques de

Alencar Peixoto, em 18 de julho de 1909.

Figura 5 – Foto da 1ª edição do Jornal “O REBATE”–19/07/1909. Fonte:<http://www.mundi.com.br/Wiki-Juazeiro-do-Norte-2711686.html> (Acesso:10/03/2010).

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A edição inicial do “O Rebate”, primeiro diário da aldeia, saía da tipografia

naquele dia ostentando o retrato do Padre Cícero na primeira página.4 Sob a direção

editorial do Padre Joaquim de Alencar Peixoto, um padre não conformista do Crato,

inimigo ferrenho do Coronel Antonio Luís e que fora para Juazeiro em 1907, o

lançamento de “O Rebate” traduziu os anseios dos comerciantes de Juazeiro pela

autonomia municipal.

No dia 4 de outubro de 1911, a Vila de Juazeiro foi inaugurada oficialmente e o

Padre Cícero foi empossado como seu primeiro Prefeito, ou Intendente, como se

chamava naquela época. No dia 23 de julho de 1914, por meio da Lei nº 1178, a Vila de

Juazeiro foi elevada à categoria de cidade. Esta data, porém, não é comemorada.

Prevalece a data de criação do município.

A população de Juazeiro do Norte é bastante heterogênea. Há praticamente

pessoas de todos os Estados nordestinos, muitos dos quais romeiros que foram atraídos

pela fama do Padre Cícero. A população nativa representa hoje menos da metade do

total. Uma característica marcante é o fato de muita gente, naquele município, ter o

nome de Cícero ou Cícera, em homenagem ao Padre Cícero, o fundador da cidade.

Outra característica marcante da população é vestir luto (roupa preta) todo dia 20,

devido à promessa feita ao Padre Cícero, que morreu no dia 20 de julho de 1934. Padre

Cícero sempre recomendou à população que “orasse e trabalhasse” para que, em

Juazeiro, “cada oficina se tornasse num lar e cada lar uma oficina” (SÁ BARRETO,

1984, p.1).

Quanto aos aspectos econômicos (comércio e indústria), segundo dados do

IBGE (2006), Juazeiro do Norte ocupa 13.678 hectares para plantar seus principais

produtos agrícolas, produzindo 2.088 toneladas de alimentos. Merece destaque a cana-

de-açúcar com 767 toneladas, o milho (em grão) com 600 toneladas, e o arroz com 380

toneladas.5 Quanto ao efetivo pecuário, ainda segundo o IBGE, a cidade de Juazeiro do

Norte possuía, no ano de 2006, um rebanho bovino de 9.224 cabeças, um rebanho suíno

com outras tantas 2.931 cabeças, caprinos 1.559 cabeças e eqüinos com 355 cabeças.6

Considerando a produção agrícola e a pecuária, podemos afirmar que existe uma

parcela consideravelmente pobre da população, não temos dados para dizer com

4 O Rebate (Juazeiro), 18 de julho de 1909. O seu último número, o 104º, apareceu em 3 de setembro de 1911. 5 Fonte: Produção Agrícola Municipal – 2008, Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. 6 Fonte: Produção Agrícola Municipal – 2008, Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.

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exatidão a quantidade, mas essas pessoas que se encontram nessa linha de pobreza, não

vivem na inanição. Esse tipo de problema ainda não atinge a cidade de Juazeiro.

Os principais indicadores econômicos do município são: PIB7: R$ 1.165.066

(IBGE/2010), PIB per capita: R$ 4.812,00 (IBGE/2010), IDH8: 0 697 (PNUD9/2010),

Agropecuária: 0,52 %, Indústria: 16,62 %, Serviços: 82,87 % e Receita Orçamentária

(2010): R$ 155.768.384,54.

O parque industrial é representado por indústrias de plástico, couro, bebidas,

refrigerantes, alumínio, alimentos, confecções, móveis, jóias, laticínio, calçadistas, entre

outras. O setor industrial continua à espera de novas indústrias, mas o forte de Juazeiro

do Norte são as pequenas empresas, as chamadas empresas de “fundo de quintal”, e de

pequenos comerciantes que formam a conhecida economia informal.

Quanto ao turismo, Juazeiro é uma cidade com muitos atrativos turísticos, sendo,

por isso, visitada por romeiros e turistas do Brasil e do Exterior, numa média anual de

um milhão de visitantes.

Naturalmente o ramo que se destaca é o do turismo religioso, porém há um plano

integrado de turismo com a inclusão de eventos culturais como, por exemplo, o

Congresso de Educação do Cariri10, evento de repercussão regional e que atrai centenas

de educadores para a cidade.

Juazeiro do Norte é conhecida nacionalmente como “A Terra do Padre Cícero”.

É um dos maiores centros de romarias e religiosidade popular do Brasil. É a segunda

cidade mais importante do Ceará e uma das principais cidades da região Nordeste,

exercendo influência sobre todo o Cariri cearense e algumas cidades do Piauí,

Pernambuco e Paraíba. A lembrança do Padre Cícero está presente em todo o

município, desde escolas, estabelecimentos comerciais, ruas, praças e museus. Todos os

anos, milhões de romeiros vão a Juazeiro orar ao Padre Cícero e à Nossa Senhora das

Dores (padroeira do município).

De acordo com a voz popular, durante uma missa em 6 de março de 1889, Padre

Cícero ministrava a comunhão aos fiéis, quando ministrou o sacramento à beata Maria

de Araújo a hóstia se transformou em sangue, que ficou conhecido como “suposto

milagre” da hóstia. O fato teria se repetido diversas vezes durante cerca de dois anos. A

população logo atribuiu ser um milagre. Padre Cícero, cauteloso, pediu à diocese que

7 Produto Interno Bruto. 8 Índice de Desenvolvimento Humano. 9 Fonte: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) (2010). 10<http://www.congressojuazeiro.com.br> - (Acesso: 18/04/2010).

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enviasse uma comissão para investigar o fenômeno e pediu aos fiéis que não

comentassem a respeito do mesmo, porém este pedido foi em vão, a notícia logo se

espalhou por toda a região do Nordeste e com uma rapidez extraordinária chegou ao sul

do país. A comissão enviada era formada pelo doutor Marcos Rodrigues Madeira

(médico do Rio de Janeiro), doutor Ildefonso Correia Lima (médico e professor da

Faculdade do Rio de Janeiro), Joaquim Secundo Chaves (farmacêutico), e diversos

padres da região.

Segundo Della Cava (1985):

Após longos estudos, inclusive podendo testemunhar o fenômeno da transformação por diversas vezes, a comissão concluiu que o “fato da ordem dos observados não podem ser explicados pelo jogo natural dos agentes naturais, sendo forçoso aceitar a intervenção de um agente inteligente oculto que represente a causa, o qual, no caso em questão, acredito em ser Deus” (trecho de carta escrita pelo doutor Ildefonso Correia Lima e reconhecida a letra em firma pelo cartório do Crato). Apesar da comissão provar que não existe explicação para o fenômeno, o bispo Dom Joaquim declarou que o fenômeno era uma farsa, mandou enclausurar a beata Maria de Araújo em um convento e suspendeu as ordens sacerdotais de Padre Cícero. (p. 45)

Ressaltamos que tudo começou em 1912, quando o então presidente da

República, Hermes da Fonseca, depôs o governador Antônio Pinto Nogueira Accioli e

nomeou o coronel Franco Rabelo como interventor do Ceará. Houve eleição apenas

para vice-governador e Padre Cícero foi o escolhido. Della Cava (1985), afirma que:

Depois de assumir o posto, Franco Rabelo rompe com o Partido Republicano Conservador (PRC) e passa a perseguir Padre Cícero, chegando a destituí-lo da prefeitura de Juazeiro e a mandar um batalhão da Polícia estadual prender o padre. Então, o médico e deputado Floro Bartolomeu (braço direito do padre) e Aureliano Pereira, reúnem seus jagunços e os romeiros da cidade para proteger Padre Cícero. Em apenas uma semana, os romeiros cavaram um valado de quinze quilômetros de extensão cercando toda a cidade e ergueram uma muralha de pedra na colina do Horto, a fortificação recebeu o nome de “Círculo da Mãe de Deus”. O batalhão ao ver que seria impossível romper o círculo, recuou e pediu reforços. (p. 193)

Continua o autor,

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46

... um contingente muito maior foi enviado a Juazeiro, levando consigo um canhão para derrubar a muralha que protegia a cidade, porém, o canhão falhou e os romeiros armados apenas com algumas espingardas, facas, foices e muita fé venceram os invasores. O canhão foi tomado e está exposto até hoje no “Memorial Padre Cícero”. Floro Bartolomeu consegue então o apoio do Presidente Hermes da Fonseca e do Senador Pinheiro Machado, e parte para Fortaleza com o intuito de derrubar o governador. No caminho, os romeiros tomam o poder de Crato, Barbalha, Estação Afonso Pena (próxima a Iguatu), Messejana, Maracanaú e Maranguape, fechando todas as entradas da capital, enquanto uma esquadrilha da Marinha de Guerra capitaneada pelo Cruzador Barroso impõe um bloqueio marítimo à cidade. Franco Rabelo é deposto e eleições são convocadas onde Benjamim Liberato Barroso é eleito governador e Padre Cícero mais uma vez eleito vice. Vitoriosos, os romeiros retornam a Juazeiro desarmados e desocupam as cidades tomadas durante a sedição. (p. 194-195)

Em 1925, a coluna Prestes percorria o interior do Brasil. O governo federal

montava diversos grupos armados para combater o bando. Na região, o encarregado de

organizar a milícia foi o médico Floro Bartolomeu, que criou o chamado “Batalhão

Patriótico”.

Em relação à importância do Padre Cícero para a cidade de Juazeiro do Norte

Barros (1998), nos afirma que:

O Padre Cícero foi o padrinho de milhares de sertanejos, “meu padrinho” para milhões de nordestinos. Antes de tudo ele foi o sertanejo que viveu os códigos de sua cultura, encarnou o protótipo, o modelo do padrinho protetor, reivindicando até a interferência divina para sê-lo. (p. 173)

Figura 6

Foto de Floro Bartolomeu e Padre Cícero. Fonte: <http://www.mundi.com.br/Wiki-Juazeiro-do-Norte-2711686.html> (Acesso: 29/04/2010).

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47

Ainda de acordo com a autora:

...Padre Cícero é o maior benfeitor de Juazeiro e a figura mais importante de sua história. Foi ele quem trouxe para Juazeiro a Ordem dos Salesianos; doou os terrenos para construção do primeiro campo de futebol e do aeroporto; construiu as capelas do Socorro, de São Vicente, de São Miguel e a Igreja de Nossa Senhora das Dores; incentivou a fundação do primeiro jornal local (O Rebate); fundou a Associação dos Empregados do Comércio e o Apostolado da Oração; realizou a primeira exposição da arte juazeirense no Rio de Janeiro; incentivou e dinamizou o artesanato artístico e utilitário, como fonte de renda; incentivou a instalação do ramo de ourivesaria; estimulou a expansão da agricultura, introduzindo o plantio de novas culturas; contribuiu para instalação de muitas escolas, inclusive a famosa Escola Normal Rural e o Orfanato Jesus Maria José; socorreu a população durante as secas e epidemias, prestando-lhe toda assistência e, finalmente, projetou Juazeiro no cenário político nacional, transformando o pequeno lugarejo na maior e mais importante cidade do interior cearense. Os bens que recebeu por doação, durante sua quase secular existência, foram doados à Igreja, sendo os Salesianos seus maiores herdeiros. Ao morrer, no dia 20 de julho de 1934, aos 90 anos, seus inimigos gratuitos apregoaram que, morto o ídolo, a cidade que ele fundou e a devoção à sua pessoa acabaria logo. Enganaram-se. A cidade prosperou e a devoção aumentou. “Até hoje, todo ano, religiosamente, no Dia de Finados, uma grande multidão de romeiros, vinda dos mais distantes lugares do Nordeste, chega a Juazeiro para uma visita ao seu túmulo, na Capela do Socorro” (ibidem, p.174).

Por meio do nosso estudo, é fácil perceber que o Padre Cícero é uma das figuras

mais biografadas do Brasil. Existem muitos livros sobre ele, sem falar nos artigos que

são publicados frequentemente na imprensa. Ultimamente, sua vida vem sendo estudada

por cientistas sociais do Brasil e do Exterior. Não foi canonizado pela Igreja, porém é

tido como santo por sua imensa legião de fiéis espalhados pelo Brasil. O binômio

oração e trabalho era o seu lema. E Juazeiro é o seu grande e incontestável milagre. Em

março de 2001, em eleição promovida pelo Sistema Verdes Mares de Televisão, Padre

Cícero foi escolhido “O CEARENSE DO SÉCULO”.

De fato, tratava-se de um homem que dispunha de instrução e saber invulgares:

abordava com igual facilidade a política e a história brasileira; tinha conhecimentos

profundos de história universal, ciências naturais, especialmente quanto à agricultura.

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48

1.3 Contexto cultural

O Cariri cearense costuma ser visto como um tipo de oásis no Sertão, tanto do

ponto de vista ecológico quanto climático e hidrográfico. Mas também por critérios

culturais geralmente é classificado como uma região especial, diferente do ambiente

cultural sertanejo. Fala-se muito das peculiaridades culturais da região, enquanto se

constrói, ao mesmo tempo, uma imagem da sociedade caririense que pouco difere do

quadro de outras partes do Nordeste, como se as estruturas sociais do meio urbano e, em

particular, do meio rural fossem as mesmas em todas as regiões: uma sociedade

“comum” do interior nordestino, mas com patrimônio cultural e histórico especial,

particularmente no folclore.

Com base em nossas leituras mais apuradas, pode-se concluir que o passado

caririense é relativamente bem conhecido e que o Cariri é uma região muito religiosa,

onde o catolicismo popular e a veneração do Padre Cícero dominam a vida social e as

manifestações culturais. Os resultados temáticos da pesquisa bibliográfica são, antes de

tudo, um indício de preferências temáticas dos autores, sendo que o fenômeno do

Juazeiro representa alguma coisa tão especial e fascinante que serve de símbolo

emblemático da região. Afinal, a maior cidade da região existiria sem o Padre Cícero e

o “milagre”?

A história da região parece ser uma história política e administrativa oficial,

enquanto as histórias econômica, social e cultural são pouco ou mal estudadas, como se

elas quase não existissem. Pode-se ler pouca coisa sobre o que aconteceu com os donos

originários da região, os índios, sobre a formação social da população regional ou sobre

atividades econômicas tradicionais fora da produção canavieira e açucareira. Pelo

menos, quanto aos índios, sabe-se um pouco mais do que sobre a população de origem

africana, como se nunca tivesse havido qualquer escravidão africana no Cariri e como se

não existissem afro-brasileiros na região.

Durante essa pesquisa, foi possível perceber que a história apresentada é apenas

a história de famílias de grandes proprietários, muitas vezes, sendo as intenções dos

autores, em primeiro lugar, ou elogiar a própria família ou adular a(s) família(s) de

amigos. A história do Cariri, por exemplo, é mais do que a história da família Bezerra

de Menezes, para só citar um dos nomes preferidos da historiografia convencional

caririense. Uma história viva do Cariri ainda está para vir e, por enquanto, a monografia

“Milagre em Joaseiro” de Ralph Della Cava sobre o Juazeiro do Padre Cícero destaca-se

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49

por sua qualidade indiscutível em comparação com outros trabalhos, pois nesse estudo

sobre os extraordinários acontecimentos verificados em Juazeiro e suas decorrências

refletem a capacidade do autor para aplicar à História conceitos de outras ciências

sociais.

Na região, existem vários grupos folclóricos de reisado, maneiro-pau e malhação

de Judas, entre outros. A literatura de cordel e a xilografia também são bastante

difundidas, especialmente em função da Academia de Cordelistas de Juazeiro do Norte.

Na música, o forró se sobressai como ritmo predominante. O repente é muito popular,

especialmente em época de romaria, ocasião em que os violeiros saem pelas ruas

fazendo versos e desafios de rimas. As escolas públicas de Juazeiro mantêm a tradição

das fanfarras, que desfilam pelas ruas da cidade nas comemorações da independência do

Brasil. Outra tradição mantida é a da rabeca, instrumento arcaico semelhante ao violino,

havendo inclusive uma orquestra de rabecas em Juazeiro. O teatro se desenvolveu

bastante a partir do final dos anos 90. Até então, não existia nenhum teatro, hoje são

três. Além disso, os grupos teatrais proliferam.

A religiosidade popular é marcante. Milhões de romeiros se dirigem a Juazeiro

para orar e para pagar promessas. Para se ter uma ideia da importância da religião para o

município, todos os museus da cidade são de cunho religioso e existem, ainda, várias

casas de milagres (locais onde os fiéis depositam peças representativas de milagres que

acreditam ter alcançado). Na colina do Horto, ponto mais alto de Juazeiro encontra-se a

estátua do Padre Cícero, conforme descrito anteriormente. Ainda no Horto, está o

Museu Vivo do Padre Cícero, misto de museu e casa de milagres, apresenta esculturas

em cera de personalidades do município e peças depositadas por romeiros como

representação de milagres.

Entre os principais pontos culturais do município, encontra-se, além das igrejas,

o Centro Cultural Banco do Nordeste que possui teatro, centro de exposições e

biblioteca com apresentações teatrais e musicais, além de exposições de artes plásticas,

fotos e peças artesanais. O artesanato é bem representado pelo “ Centro de Cultura

Popular Mestre Noza”, que abriga um vasto acervo de peças artesanais. Atualmente é

um Ponto de Cultura e onde funciona a Associação dos Artesãos de Juazeiro do Norte,

que conta com 130 artesãos em atividade. Está localizado no prédio da antiga cadeia

pública, abriga artesãos do município e promove exposição permanente de suas obras,

tendo inclusive significante participação na economia de Juazeiro.

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50

O Memorial Padre Cícero recria a história de Juazeiro reunindo fotos,

documentos e objetos históricos. No Memorial, estão os panos usados para enxugar o

sangue derramado no suposto milagre da hóstia e o canhão tomado na Sedição de

Juazeiro. Localizado na casa onde o sacerdote viveu, o museu reúne seus objetos

pessoais. O teatro Marquise Branca foi inaugurado em 2001, instalado em um dos

prédios mais antigos de Juazeiro que estava abandonado há anos.

1.4 Contexto educacional

Na área educacional, funcionam muitas escolas de primeiro e segundo graus e

alguns cursos universitários, inclusive na área tecnológica. Existe uma faculdade de

Medicina. Está localizada em Juazeiro do Norte a primeira Escola Normal Rural do

Brasil (o Centro Educacional Professor Moreira de Sousa), inaugurado em 13 de junho

de 1934, a qual detalharemos a sua história mais adiante por ser nosso principal espaço

de pesquisa educacional inserido neste trabalho.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010), em se

tratando do ensino, matrícula e rede escolar no ano de 2010, Juazeiro do Norte tem a

seguinte configuração: 45.487 matrículas no ensino fundamental (sendo 6.070 nas

escolas públicas estaduais, 30.815 nas escolas públicas municipais e 8.602 nas escolas

privadas); no ensino médio 11.274 matrículas (sendo 9.905 nas escolas públicas

estadual, 225 nas escolas públicas federais e 9.729 nas escolas privadas); no ensino pré-

escolar 9.729 matrículas (sendo 5.423 nas escolas públicas municipal, 4.306 nas escolas

privadas) e no ensino superior 6.487 matrículas (sendo 933 nas escolas públicas federal,

750 nas escolas públicas estaduais e 4.804 nas escolas privadas).

A rede escolar tem a seguinte configuração: 149 escolas de ensino fundamental

(12 escolas públicas estadual, 66 escolas públicas municipais e 71 escolas privadas); nas

Fortaleza 20 escolas de ensino médio (11 escolas públicas estadual, uma escola pública

federal e oito escolas privadas); 125 escolas de ensino pré-escolar (49 escolas públicas

municipal, 76 escolas privadas) e nove escolas de ensino superior (duas escolas públicas

federal, duas escolas estaduais e seis escolas privadas).

O triângulo Crajubar (denominação dada a conurbação formada por Crato,

Juazeiro do Norte e Barbalha) representa um crescente polo universitário da região

Nordeste. As instituições de ensino superior com centros em Juazeiro são: Universidade

Federal do Ceará (UFC), Universidade Regional do Cariri (URCA), Instituto Federal

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do Ceará (IFCE), Centro de Ensino Tecnológico do Ceará (CENTEC), Faculdade de

Medicina de Juazeiro do Norte (FMJ), Faculdade Leão Sampaio (FALS), Faculdade

Paraíso (FAP), Faculdade Juazeiro do Norte (FJN).

Nossa intenção, neste item, foi mostrar o potencial educacional de uma região e

que merece destaque no resgate da história da educação do Juazeiro. A realidade

investigada tem nos mostrado que a região do Cariri vem ganhando, ao longo da sua

história, diversas instituições educacionais.

1.5 História das instituições escolares em Juazeiro do Norte

Anterior à chegada do Padre Cícero e da sua vontade em construir escolas para

os pobres, Oliveira (1974) registra que a primeira escola régia, naquele município, data

de 1865:

Com a construção da capela de Nossa Senhora das Dores na fazenda “Tabuleiro Grande”, seu primeiro capelão, Padre Pedro Ribeiro de Carvalho, iniciou o trabalho sócio-educativo do pequeno povoado. Reuniu alguns meninos de sua família e os filhos dos escravos, para alfabetizar e ensinar a doutrina cristã. Mas a primeira escola régia foi instalada aqui pelo 3º capelão, Padre Antônio Almeida. (p. 273)

Com a ida do referido capelão com o grupo de voluntários para a Guerra do

Paraguai, assumiu a regência da escola o professor Pedro Correia de Macedo e depois

Simeão Correia de Macedo, irmão de Pedro.

Em meados de 1880, foi criada a segunda escola, dirigida pela professora D.

Naninha ou Ana Joaquina de São José. Ainda no mesmo ano, duas professoras foram

preparadas para assumir o cargo nas cadeiras existentes: foram elas D. Generosa

Landim e D. Carolina Sobreira Lobo. Uma década depois, são localizadas quatro

escolas particulares, conforme registrou Souza (1994):

[...] Na década de 1890 o Padre Cícero localizou quatro escolas particulares. Duas masculinas: regidas por Guilherme Ramos de Maria e Mestre Miguel; duas femininas regidas por Izabel Montezuma da Luz e Maria Cristina de Jesus Cristo. (p. 26)

A primeira escola pública foi construída em 1912 e uma segunda, em 1914. O

Orfanato Jesus Maria José, instituição de caridade fundada pelo Padre Cícero em 8 de

abril de 1916, até hoje, decorridos quase cem anos de sua inauguração, continua

prestando serviço de assistência social à comunidade carente. Sob a direção das irmãs

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da Congregação das filhas de Santa Tereza, a instituição oferece um trabalho

socioeducativo disponibilizando oficina de teatro, curso de informática, atividades

esportivas, jogos, artes, para mais de cem jovens na faixa de 7 a 18 anos, nos turnos da

manhã e tarde. Graças a um convênio firmado com a prefeitura Municipal, o Orfanato

oferece um serviço de creche com atendimento para 200 crianças. O Orfanato é um

local muito visitado pelos romeiros, pois sabem que o empreendimento foi fundado pelo

Padre Cícero, por quem têm profunda admiração.

Em 1916, doutor Floro Bartolomeu instalou algumas escolas municipais. Mais

ou menos em 1920, talvez, mais duas escolas públicas11.

Em 1908, o professor e jornalista José Joaquim Teles Marrocos, ao mudar sua

residência do Crato para Juazeiro, em função do apoio ao Padre Cícero e da amizade

com o mesmo, funda um Colégio São José e uma Escola de Música. Nessa escola, o

professor Marrocos ia além do ensinar a ler e escrever. Lá era ensinado: Gramática

Portuguesa, Aritmética, rudimentos de Francês e Latim. Na década de 1920, Oliveira

assinala a chegada de duas escolas estaduais. Diz a autora:

Na segunda década do século atual, foram instaladas em Juazeiro duas escolas estaduais, ambas regidas por professoras diplomadas – a) D. Maria Luiza Furtado que se casara com o Juazeirense Nazário Furtado Landim; b) D. Josefa de Alcântara leite, conhecido por Dedé Leite, moça de Missão Velha, que em Juazeiro, casou-se com um filho do primeiro matrimônio do Sr. Nazário Landim, o Sr. Francisco Alencar, alto comerciante na cidade (ibidem, p. 278).

Ainda de acordo com a autora,

11 Fonte: OLIVEIRA, A. X. de. História da Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte. Fortaleza: Secretaria de Cultura e Desporto, 1984.

Figura 7 Foto da fachada do Orfanato Jesus Maria José, instituição de caridade fundada pelo Padre Cícero em 8 de abril de 1916. Fonte:<http://www.juaonline.com.br>. Edição 190 - 15/mar/2009. (Acesso:10/03/2010).

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Na realidade, D. Maria Gonçalves, a primeira professora de Juazeiro formada na Escola Normal de Fortaleza. Mais tarde com a morte da professora D. Maria Luiza e o afastamento de D. Déde Leite, assumem suas cadeiras as professoras Raimunda Lemos e Adelaide Sousa Melo. D. Raimunda fundou uma escola com o nome de “Colégio Santa Filomena e D. Adelaide Sousa Melo o Colégio Salete” (ibidem, p.278).

Fazendo referência à beata Cotinha, continua Oliveira: “a dedicação à educação

da Beata Cotinha, como era conhecida a professora Maria Cristina de Jesus Castro,

diplomada pela Escola Normal do Rio Grande do Norte e que veio para Juazeiro do

Norte atraída pelos milagres” (ibidem, p. 279).

Conta também que, em 1899, sua escola que era particular, com a emancipação

de Juazeiro tornou-se escola municipal. E faz referência à escola noturna para doméstica

que a mesma mantinha. Nos anos de 1912 e 1913, o professor Salustiano criou a escola

de nome “Escolas Funcionais”, que também se dedicava às artes. Della Cava (1985),

afirma que a maioria das escolas particulares eram mantidas pelo Padre Cícero:

Em 1923, no entanto, Juazeiro, já podia orgulhar-se de suas quatro escolas primárias, financiadas pelo estado e pelo município, e de um grande número de escolas particulares [...] Ainda em 1916, fundou, pessoalmente, um dos primeiros orfanatos do interior, o Orfanato Jesus, Maria e José. [...] Em 1932, coube ao patriarca doar terras que lhe pertenciam para que o governo criasse o primeiro colégio de formação de professores rurais, instalado, finalmente, em 1934 com o nome de Escola Normal Rural, a primeira no gênero a funcionar no Nordeste Brasileiro. (p. 262)

Conta Della Cava (1985, p. 263) que as escolas secundárias só não avançaram

em função do domínio das escolas do clero cratense. Assim, Souza (1994) resume a

educação de Juazeiro:

Em 1912, uma escola pública Professora Maria Luiza Furtado Landim. Em 1916, Dr. Floro Bartolomeu instalou algumas escolas municipais [...] Em 1920, o município criava mais duas escolas públicas [...] Em 1922, o Professor Lourenço Filho, chamado de São Paulo pelo Presidente Justiniano de Serpa, para Diretor de instrução no Ceará, iniciou a reforma do curso Normal [...]. Em 1927, as cinco cadeiras isoladas existentes na cidade foram agrupadas e a direção entregue à professora Maria Gonçalves

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[...] construíram o primeiro Grupo Escolar onde os alunos faziam até o terceiro ano primário. Em 1928, [...] Amália Xavier de Oliveira que não conseguindo uma cadeira pública para lecionar, abriu uma escola particular que mais tarde daria origem ao Colégio Santa Teresinha, hoje Ginásio Monsenhor Macêdo. O ano de 1929 [...], surgiram naquele ano mais três escolas particulares: o São Miguel, Colégio masculino sob a direção do professor Dr. Manoel Pereira Diniz, o São Geraldo, Colégio misto sob a direção do professor proprietário Edmundo Milfont e o Colégio particular do professor Anchieta Gondim [...]. Em 1933, coube ao Pe. Cícero grande parcela na criação do patrimônio do Instituto Educacional de Juazeiro do Norte para que se criasse a primeira Escola Normal Rural do Brasil [...] em 1934 e Colégio São João Bosco em 1942. (p. 26-28)

1.6 Qual a contribuição do Padre Cícero para a educação escolar em Juazeiro?

A citação abaixo nos dá indicio do empenho do Padre Cícero em fortalecer a

educação no Juazeiro:

“Deixo a maior parte dos meus bens para a benemérita e santa Congregação dos Salesianos, a fim de que ela funde aqui no Joaseiro os seus colégios de educação para crianças de ambos os sexos”. (Trecho do testamento do Padre Cícero Romão Batista). (WALKER, 2009, p. 123)

Esse registro do autor nos levou a perceber que o legado maior do Padre Cícero

foi a busca constante de deixar para Juazeiro instituições que pudessem cuidar da

educação dos pobres. Padre Cícero lutou pela vinda da Ordem dos Salesianos para

Juazeiro durante toda sua vida, pois conhecia o trabalho que estes desenvolviam,

principalmente na educação profissional dos jovens.

Ao construir a mencionada pesquisa, percebemos a presença marcante do Padre

Cícero Romão Batista na construção da educação escolar no Município de Juazeiro do

Norte, identificando-o como protagonista do processo educacional da região.

No entanto, o que constatamos foi que, devido aos processos religiosos e

políticos vividos pelo Padre e a formação de Juazeiro de Norte, acrescenta-se, ainda, as

inúmeras pesquisas advindas do interesse da sociedade em compreender o universo

místico e político que se desenvolveu nesta cidade. Inevitavelmente, fica notório que

para recuperar a história do município, seja no aspecto político, religioso, cultural ou

educacional, faz-se necessário, recorrer à história do Padre Cícero.

Ao fazermos este trabalho, detectamos uma ausência de pesquisas sistemáticas

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sobre esta temática. No caso especifico de Juazeiro e do Padre Cícero, existe uma vasta

literatura, porém esta, em sua maioria, discute objetivos alheios aos nossos. Segundo

Della Cava (1985, p.17), esta bibliografia tem refletido os conflitos políticos e religiosos

que se desenvolveram ao longo da história da região. Neste sentido, propomo-nos a

descrever de que forma o Padre Cícero colaborou na construção do processo

educacional de Juazeiro, por meio da análise da literatura existente.

Queiroz (2003), em sua tese de doutorado intitulada “Em cada rosário, em cada

quintal uma oficina: o tradicional e o novo no ensino tecnológico do Cariri”, reavivando

a história do Município de Juazeiro, retoma a chegada de Padre Cícero. Para isso, cita

Padre Antônio Vieira:

Assim escreve Padre Antonio Vieira sobre o surgimento da cidade de Juazeiro do Norte: Mas o Vale Caririense se vai estendendo, na largueza das suas várzeas iridentes, para estreitar-se aos poucos quilômetros de distância, apertando-se entre um outeiro elevado e sobranceiro, atualmente chamado Horto, e uma lombada de terras vermelhas, arenosas, pedregosas, de vegetação acanhada e rasteira, que os antepassados com muita propriedade chamavam de Tabuleiro Grande, em contraste com as terras ferazes Ribeirinha do Rio Salgadinho. (p. 9)

Foi neste cenário que o Padre Pedro Ribeiro Monteiro levantou sua casa e a vila

com o nome Joaseiro. Em 1827, lança a pedra fundamental da Capela de Nossa Senhora

das Dores e, em 1835, passou a ser denominado de povoado de Joaseiro. O Padre

Cícero Romão Batista, vindo do Crato, assumiu a capela do povoado em 1872.

Residindo no povoado de Joaseiro, como era chamado inicialmente, Padre Cícero

começou a enfrentar dificuldades como pároco.

Diante da seca de 1889 que assolou o Vale do Cariri, a consolação divina

apresentava-se como alternativa para assegurar a fé em dias melhores. Foi então que,

num desses dias que a Beata Maria de Araújo12, durante as celebrações das sextas-feiras

do mês, ao receber a comunhão, cai por terra e a hóstia que estava em sua boca

transforma-se em sangue. Esse acontecimento levou as pessoas a atribuírem tal fato

como um milagre concedido pelo Padre, um anúncio de Deus.

A Igreja Católica, tendo ciência do acontecimento, buscou impedir a divulgação

e a crença na transformação da hóstia em sangue. Diante da insistência do Padre Cícero 12 Chamada de Beata por fazer parte do grupo das devotas e seguidoras do Padre Cícero. De acordo com Della Cava, o Padre recrutava mulheres solteiras para formar uma irmandade (1976, p.43).

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de não negar o ocorrido publicamente, levou a Igreja do Ceará a pedir em Roma a

cassação dos seus direitos de celebrante. Em 1894, a Congregação do Santo Ofício

condenou os milagres e Padre Cícero foi, em seguida, suspenso da ordem. Essa

suspensão causou indignação à população. Della Cava (1985) descreve:

A maior parte das elites do Cariri continuou a defender, politicamente o Padre apesar do depoimento confidencial de alguns preeminentes figuras locais denunciando a farsa dos milagres. Mons. Alexandrino informou que, em agosto de 1892, a esmagadora maioria de seus paroquianos estava “profundamente indignada” com a suspensão do Padre Cícero. (p. 85)

Assim, Padre Cícero foi entregue a sua própria sorte e permaneceu em Juazeiro

morando de forma humilde, não deixando de receber todos que vinham pedir sua

benção e seus conselhos.

No período de 1908 a 1910, foram registrados movimentos de autonomia

municipal. Em 1908, o movimento de autonomia ganha força com a chegada do médico

baiano Floro Bartolomeu da Costa, que, na ocasião, vinha com a intenção de encontrar

ouro nas terras de Coxá localizadas entre Missão Velha e Juazeiro. Nesse período, Floro

Bartolomeu conquistou sua confiança ao empenhar-se com a aquisição da terra para o

Padre Cícero.

Em 22 de julho de 1911, a Assembléia Estadual do Ceará votou a Lei nº 1.028

dando autonomia municipal à Juazeiro. Com a autonomia, a disputa pela prefeitura do

município foi grande, pois recebia influências do poder estadual. Nesse momento, o

Padre decidiu assumir a prefeitura para que pudesse administrar bem os conflitos.

Dessa forma, o patriarca assume o papel do político. Durante seu período de

administração, Padre Cícero, além de administrar sua vida sacerdotal, teve que enfrentar

sérios conflitos políticos como a “Revolução de 1913 – 1914”.

Sentindo-se ameaçado, o Governador Franco Rabelo enviou tropas para o Vale

do Cariri a partir de informação de que Juazeiro não mais apoiava seu Governo, em

função de “Panfletos sediosos” e da viagem de Floro Bartolomeu para o Rio de Janeiro,

onde se encontrava o ex-governador Accioly. O enfrentamento foi dos maiores e, na

ocasião, Padre Cícero teve o apoio mais uma vez do seu povo. Della Cava (1985)

afirma:

Nos dias que se seguiram, as tropas rabelistas cercaram Joaseiro: alastrou-se a fome; os populares possuíam poucas armas e ainda

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menor quantidade de munição. O Cel. Antonio Luís, do Crato, que fugira com a família para Joaseiro, montou uma fábrica provisória de munições na praça da liberdade. Mas continuava a falta de alimentos. Foram esses os dois fatores que obrigaram Floro Bartolomeu a transformar a “Nova Jerusalém, fazendo-a passar de uma cidade na defensiva para uma cidade na ofensiva”. (p.231)

A situação de fome e sofrimento que se instalou, levou Padre Cícero a apoiar a

ofensiva:

Após um mês de combates defensivos e somente quando o Crato foi inundado de reforços enviados por Fortaleza, passou Joaseiro a contra-atacar; aí, então, o patriarca concordou com a ofensiva “defensiva”. Em 24 de janeiro de 1914, Crato caiu; três dias depois a vez de Barbalha (ibidem, p.232).

Ao sair vitorioso desse embate, Juazeiro passa a ser o reduto político mais

importante do Nordeste brasileiro daquele período. Entre 1916 e 1921, Padre Cícero foi

reintegrado pela Igreja. Nesse período, o responsável por esse ato foi Dom Quintino,

que o fez de forma parcial. Porém, em 1921, Padre Cícero novamente foi suspenso de

suas ações.

Dom Quintino também tentou acabar com as Romarias de Juazeiro, na intenção

de diminuir o poder e a atenção ao Padre Cícero e acabar sua principal fonte de renda.

Como saldo de toda essa história de resistência, Padre Cícero conseguiu render

muitas propriedades, terrenos, casas, gados e outros. Toda essa riqueza acumulada, no

momento da sua morte, foi transferida, a sua maioria, para a Ordem dos Salesianos em

troca da construção de escolas e igrejas como já citado anteriormente.

Segundo Teixeira (2004, p. 143), “quando professor primário, no começo de sua

vida profissional, Padre Cícero batia energicamente de palmatória nos meninos

faltosos; quando se instalou em Juazeiro em 11 de abril de 1872, ia pessoalmente

fechar, com indignação antros de bebidas, jogos, prostituição e dança”.

Oliveira (1974), afirma que:

Ele dava assistência às escolas, fazendo-se presente cada vez que era convidado para solucionar os casos de disciplina. Costumava chegar de surpresa e quando para corrigir os insubordinados precisava usar a palmatória, não se fazia de rogado, usava mesmo e os pais ainda agradeciam servindo-se do fato para lembrar aos filhos a palmatória de “seu Padre” como um bom remédio para conseguirem que os filhos obedecessem. Os professores por sua vez também ameaçavam

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os indisciplinados de mandar chamar “seu Padre” para uma visitazinha à escola e isso era suficiente para acalmar a turma dos turbulentos. (p. 53)

Continua a autora,

Zelava diariamente pela melhoria dos costumes inculcando, em todos, o respeito ao próximo. No seu zelo apostolar, saía muitas vezes à noite pelas imediações do arruado para ver o que estava fazendo as ovelhas que naquele dia não haviam visto o pastor. Às vezes, lhe chegava a notícia de que estava havendo um samba em lugar mais afastado. Para lá se dirigia. Para dissolver a festa era bastante alguém mais esperto ao avistar o padre, gritasse para os outros: “Lá vem o seu padre”. Corriam todos saindo em primeiro lugar os tocadores. ...Eram poucos habitantes, mas o padre cuidou de mandar preparar, ensinar diversos ofícios: pedreiros, carpinas, ferreiros, funileiros, marceneiros (ibidem, p. 60).

Walker (2009), em seu livro “Padre Cícero: A Sabedoria do Conselheiro do

Sertão” relata vários depoimentos de pessoas ilustres de Juazeiro em relação à

contribuição de Padre Cícero para educação, neste trabalho decidimos escolher apenas

alguns dentre os depoimentos por estarem relacionados ao propósito do nosso trabalho.

Amália Xavier de Oliveira, educadora e escritora: “O que foi possível fazer o

Padre Cícero fez: fundou algumas escolas particulares, gratificando, do próprio bolso,

alguns professores quando as mensalidades recebidas não cobriam suas despesas com

a manutenção. Em 1896, por iniciativa do Padre Cícero, foi instalada a escola

feminina, sob a regência da Professora Isabel Montezuma da Luz. O Orfanato Jesus

Maria José, iniciado nesta cidade em 1916, teve como fundador o Padre Cícero,

coadjuvado por Joana Tertuliana de Jesus. O fim desta instituição que ainda hoje existe

funcionando com as mesmas finalidades, foi amparar as crianças do sexo feminino,

pobres e órfãos, dando-lhes uma educação adequada capaz de lhes garantir viver

honestamente, quando pela idade ou outras circunstâncias tiverem que deixar a tutela

da entidade de sua formação. A Associação dos Empregados do Comércio de Juazeiro,

fundada no dia 3 de julho de 1926 sob os auspícios do Padre Cícero, desde a sua

fundação teve como objetivo principal a instrução primária dos sócios e de seus

dependentes”. (p.135)

Azarias Sobreira, sacerdote e escritor: “o Padre Cícero viveu sempre

idealizando a felicidade e, portanto, a alfabetização de sua gente, na maior escala

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possível. Apenas se fixou em Juazeiro, embora ali já funcionasse uma escola, andou

dando aulas particulares a um ou outro rapazito que lhe pareceram com alguma

aptidão e gosto para aprender”. (p.135)

Fernandes Távora, médico, político e escritor: “Padre Cícero sempre amou a

instrução e desejou vê-la difundida em sua cidade, como poderão dar testemunho

diversos moços que, a expensas dele, se educaram desde a escola primária até os

cursos superiores. Se não atendeu ao esforçado e digno Diretor da Instrução Pública

do Ceará, terá sido por causa estranha à sua vontade”. (p.136)

Neri Feitosa, sacerdote e escritor: “Padre Cícero fez as duas coisas: instruiu e

educou seu povo. Quanto à instrução, o Padre Cícero fez de Juazeiro um modelo”

(p.136).

Antônio Teixeira Junior, jornalista: “Padre Cícero preocupou-se com escolas

a ponto de no seu testamento legar todos os seus bens aos Salesianos, com a condição

de esses religiosos construírem um colégio”. (p.136)

1.7 Padre Cícero e a Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte No que diz respeito ao Padre Cícero e a Escola Normal Rural, dona Assunção

Gonçalves deu o seguinte depoimento:

“Padre Cícero foi um grande incentivador da educação em Juazeiro do Norte. E disso eu sou testemunha presencial. Ainda permanece em minha memória o dia em que uma comissão formada por Amália Xavier de Oliveira, Elias Rodrigues Sobral, Maria Menezes e eu estivemos na casa dele para pedir seu apoio para a fundação da Escola Normal Rural. Quando Amália lhe explicou que a escola seria destinada à formação de professoras rurais e usaria uma metodologia de ensino inovadora, ele, já muito velhinho (poucos dias depois morreria) fez questão de ressaltar a importância da nossa Escola Normal Rural dizendo que ela “era justamente a escola que Juazeiro precisava”. Quando pedimos para ele colaborar, comprando ações daquele ousado empreendimento educacional, não se fez de rogado, comprou e pagou na hora duas ações no valor de 500 mil reais cada, mas pediu que as ações ficassem nos nomes de suas pupilas Generosa Alencar e Antônia Vieira. Padre Cícero ainda teve o prazer de ver inaugurada a Escola Normal Rural que ele ajudou a fundar”.

Em 1932, coube ao patriarca doar terras que lhe pertenciam para que se criasse o

primeiro colégio de formação de professores(as) rurais, instalado, finalmente, em 1934

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com o nome de Escola Normal Rural, a primeira no gênero a funcionar no Nordeste

Brasileiro. Souza (1994, p. 26), ao escrever sobre a Escola Normal de Juazeiro,

citando-a como uma experiência pioneira, divide a trajetória do ensino no município em

dois períodos históricos, no qual a Escola Normal teria sido o marco divisor. Quanto à

influência do padre Cícero, ele diz:

Foi ele, não só um incentivador da escola, mas também passou a ser um assíduo colaborador do primeiro mestre juazeirense. Com o passar do tempo surgiram dezenas de outras escolas, sob sua inspiração, orientação e com o decidido apoio moral e, muitas vezes, também financeiro. Justiça se faça ao venerado sacerdote, um dos maiores incentivadores da educação da mocidade caririense. Se mais não fez nesse campo, deveu-se ao fato de que seus esforços foram bloqueados por fatores vários, alheios à sua vontade (ibidem, p. 26).

É importante fazer agora algumas reflexões sobre a educação no município de

Juazeiro do Norte. Em Oliveira (1974) podemos encontrar uma avaliação. Diz a autora:

[...] que mais poderia ter feito; dependendo politicamente de uma cidade que também controlava a vida religiosa da terra, ele, sacerdote sem uso de ordens sacras? Só poderia fazer o que realmente, fez: ensinou a trabalhar e a rezar. (p. 282)

Padre Cícero esteve presente em todas as obras educacionais até a sua morte,

podendo assistir a criação da Escola Normal Rural, em 1934.

De acordo com os autores estudados, sua intenção era dar uma formação ao seu

povo. Uma educação profissional, para que pudessem ocupar-se e sustentar-se, talvez

considerada muito pouco, mas para aquela época, realizada com muito sacrifício. Seu

sonho era ter escolas profissionalizantes, por isso a doação das suas terras para a Ordem

dos Salesianos. Porém seu sonho não ocorreu. Oliveira (1974) avalia o ocorrido:

Muito mais poderia ter feito aquele sacerdote se desde que resolveu deixar aos Salesianos o de que dispunha para beneficiar a juventude, tivesse contado com o apoio que lhe deu o senhor bispo D. Francisco, na obra do Orfanato (ibidem, p. 287).

Durante as décadas seguintes, esperou-se muito as obras da Ordem dos

Salesianos para a formação do povo do “Joaseiro do Padre Cícero”. A incursão pela

história nos permitiu concluir, como parte da nossa pesquisa, que o Padre Cícero como

homem político-religioso que fora, suas posturas e princípios foram fundamentados em

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uma concepção e valores vividos em uma determinada época, exigindo do mesmo como

líder político e religioso, respostas concretas às necessidades de um povo.

Assim pode-se explicar a defesa pela educação para os pobres expressa pelos

mais variados autores, ainda que não possamos deixar de revelar afirmações contrárias.

Como é o caso de Lourenço Filho quando da sua visita como Diretor de Instrução

Pública do Ceará, na cidade de Joazeiro, em 1922. De acordo com o referido educador,

as atitudes do Padre Cícero, naquele período, como Prefeito da cidade, nunca fora um

defensor da educação:

Que o Padre Cícero Romão Baptista nunca se interessou pela instrucção, e mais – que a tem embaraçado algumas vezes – pode o autor deste modesto livro afirmá-lo com o seu testemunho pessoal. Em 1922, sob a presidência do saudoso Dr. Justiniano Serpa, iniciou o Governo do Ceará um sério movimento em prol do ensino primário. Como medida preliminar, levantou a Directoria de Instrucção Publica, com o auxilio das municipalidades, o “Cadastro Escolar”, serviço que reunia os dados de recenseamento das crianças de 6 a 12 annos, sua localisação, offerecimentos de casas para escolas, pensão e professores, indicação dos Paes dos alumnos sob programas horários e férias, etc. Todas as municipalidades participavam do movimento com notável enthusiasmo. Em todos os municípios se fez o serviço do Cadastro, e, num grande numero delles o serviço foi quase perfeito. No Joaseiro, porém, foi impossível leva-lo a cabo. O Padre Cícero Romão como Prefeito Municipal, não só se desinteressou da questão: prohibiu que ali se fizessem as indagações necessárias! Considerando as informações de seus auxiliares exaggeradas ou tendenciosas, o autor deste livro que occupava em commissão o cargo de director de ensino foi entender-se pessoalmente com o Prefeito de Joaseiro. Nada pôde conseguir. Não conseguiu também, como era de seu desejo, estabelecer para a localidade um grupo escolar e futuramente um aprendizado profissional. As repetidas objeções do director do ensino o padre respondia sempre que as suas escolas existentes não tinham sua matrícula completa, e que, portanto, seria inútil crear mais escolas. Entretanto, lugares muito menores, mais afastados de estradas de ferro, possuem desde 1923 grupos escolares e escolas reunidas funccionando regularmente (LOURENÇO FILHO, 1926, p. 188-189).

A escrita de Lourenço Filho nos revela resistências próprias de sujeitos que não

puderam esquecer os conflitos vividos, como o da Sedição de Juazeiro em 1913.

Todos esses registros levam-nos a buscar a história da educação de Juazeiro do

Norte. Não buscando uma verdade, como Oliveira (1974) registra, mas resgatando a

história de instituições que contribuíram para a formação do povo de Juazeiro ao longo

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de sua construção histórica. Resgatando elementos para uma educação escolar atual sem

perder de vistas seu passado, seus protagonistas e seu legado como município

responsável pelo crescimento de uma região.

Desse modo, compreendemos que a trajetória pessoal do Padre Cícero foi de

grande relevância para a história educacional, uma vez que, sua vida política e religiosa

possibilitou-lhe contribuir não só para a história, no marco educacional, como também

político, religioso e cultural.

Para entendermos a crítica, a contribuição e o desenvolvimento da educação

escolar, fez-se necessário reconhecer o cenário político vivido naquela época e nas

anteriores. A escrita de Lourenço Filho revela-nos resistências próprias de sujeitos que

não puderam esquecer os conflitos vividos, como o da Sedição de Juazeiro em 1913.

Assim, nosso estudo mostra que toda esta história de resistência, devoção e

fanatismo na cidade de Juazeiro do Norte, no Sul do Cariri, ao ser estudada pelos

pesquisadores, não pode deixar de levar em conta a complexidade das atitudes e das

políticas locais e nacionais vividas, sobretudo no que diz respeito à educação escolar.

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CAPÍTULO II

A PRIMEIRA ESCOLA NORMAL RURAL DO BRASIL: O PROCESSO DE IMPLANTAÇÃO

No presente capítulo apresentamos uma história da primeira Escola Normal

Rural no Brasil, no período de 1934 a 1973, situada no município de Juazeiro do Norte

– Ceará, representando o pioneirismo dessa modalidade escolar no Brasil. Para o

desenvolvimento deste capítulo, fundamentamo-nos essencialmente na análise das

fontes documentais que consideramos importantes na trajetória dessa Instituição quais

sejam: o jornal “O Lavrador” (1934-1974) e os “Anais da Semana Ruralista (1935)”,

livro de portaria, livro de registro de nomeações da ENRJN, pertencentes ao arquivo da

citada escola, atas, impressos estudantis, depoimentos de ex-alunas e professoras, entre

outros.

Elegemos como método a pesquisa documental, procedimento rico em

possibilidades para a reconstrução da história. Uma questão recorrente é a dificuldade

de acesso aos documentos, causada pela falta de conservação e organização da maioria

dos acervos públicos. Este questionamento baseia-se na ideia de que é sempre possível

fazer um elo entre os acontecimentos do passado e os fatos de hoje.

Como afirma Aranha (1996, p. 17), pensar o passado não deve ser visto como

exercício de saudosismo, mera curiosidade ou erudição. O passado não está morto,

porque nele se fundam as raízes do presente. Desse modo, entendemos que a pesquisa

documental é uma face da história que deve ser compreendida em um contexto mais

amplo.

2.1 A implantação da Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte

De acordo com Castelo (1951), no Brasil dos fins do século XIX e início do

século XX, investir na formação do professor era essencial para a efetivação do

“progresso social”, pois sua ação estava voltada para a formação de hábitos, costumes,

valores e conhecimentos do cidadão, de modo a inseri-lo no universo do trabalho

tornando-o, dessa forma, dócil e útil à sociedade. Nessa perspectiva, era o professor

visto como o elemento reformador da sociedade, o lapidário das almas infantis, o guia

seguro, o missionário cívico e patriota.

Segundo Oliveira (1984), esta instituição foi criada pelo Decreto-lei nº 1.128,

em 10 de janeiro de 1934 e instalada no dia 13 de junho do mesmo ano, destacando-se

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na historiografia educacional como o primeiro estabelecimento de ensino voltado para a

formação docente especializada para as escolas rurais no Brasil. Em março de 1934,

realiza-se o Exame de Admissão num salão do Orfanato Jesus, Maria e José, cedido

pelas irmãs de Santa Tereza, suas dirigentes, conforme citado no capítulo anterior. Ali a

escola teria de funcionar até que fossem terminados os trabalhos de adaptação do prédio

que o Instituto se comprometera dar à Escola.

Ademais, ainda de acordo com a autora, os trabalhos foram confiados ao

engenheiro Vicente Xavier de Oliveira, o qual foi contratado como professor de

matemática da instituição no ano de 1935. No dia 17 de março do corrente ano,

acontece a primeira aula no então Curso Complementar que, naquela época, precedia o

Curso Normal e se constituía de dois anos. Foram matriculados 18 alunos no 1° ano. O

2º ano recebeu três alunos transferidos de outros colégios. Anexo ao Curso

Complementar, funcionaram também quatro classes primárias.

Procuramos compreender o processo histórico de implantação da ENRJN no sul

do estado, mediante um resgate de memória institucional e da história local, inserida no

contexto nacional, entendendo que as instituições escolares são construídas

historicamente e devem ser estudadas no devir das lutas econômicas, políticas e sociais.

O ponto de partida é o entendimento de que optar por uma abordagem da

história que leva em considerações as especificidades locais e regionais não significa

apenas pôr em evidência as semelhanças dos objetos estudados, mas, ao contrário,

significa resgatar e demonstrar as suas diferenças e multiplicidades. Não se trata de

mera descrição das políticas ou das instituições educacionais de uma região específica,

busca-se destacar sua singularidade e especificidade e estabelecer as possíveis relações

existentes entre esses objetos “específicos” e a totalidade histórica educacional, que é

analisada no âmbito da produção literária especializada. Portanto, não se pretende

abordar o particular desvinculado do contexto geral. Como afirma Alves (2001):

Figura 8 Foto da fachada da Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte. Note-se: o acesso pela Avenida Dr. Floro. Fonte:<http://www.mundi.com.br/Wiki-Juazeiro-do-Norte-2711686.html>- (Acesso:10/03/2010).

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Segundo o referencial teórico adotado, os termos regionais e nacionais são expressões, em escalas diferentes, do singular. O universal corresponde ao movimento dado pelas leis da totalidade, isto é, da sociedade capitalista, e o singular cinge-se ao locus em que esse movimento se realiza: uma região, uma instituição educacional, a obra teórica e/ou prática de um educador etc. Portanto, universal e singular são indissociáveis e os objetos de pesquisa só são suficientemente captados quando revelam essa indissociabilidade. Nesse sentido, as expressões nacionais e regionais não se opõem ao universal. São isto sim, forma por meio das quais o universal se realiza. Como são formas sempre peculiares, em decorrência dos condicionamentos econômicos e culturais de cada região ou nação, são, por isso, expressões singulares de realizações do universal. (p. 164)

Neste sentido, a memória envolve todo um processo de luta de classe na disputa

pelo controle do que deve ser lembrado ou esquecido. Implica, portanto, um embate que

se expressa no uso de mecanismos de controle de um grupo sobre outro. Desse embate

resultam, por exemplo, as escolhas dos documentos a serem preservados, dos fatos que

merecem ser estudados e das datas que devem ser comemoradas, entre outros aspectos.

Outro elemento constitutivo da memória é o espaço de referência, ela se organiza

conforme as referências espaciais dos grupos, ou seja, o hábitat social.

Nos termos de Howbsbawn (1998):

Todo ser humano tem consciência do passado (definido como o período imediatamente anterior aos eventos registrados na memória de um indivíduo) em virtude de viver com pessoas mais velhas. Provavelmente todas as sociedades que interessam ao historiador tenham um passado, pois mesmo as colônias mais inovadoras são povoadas por pessoas oriundas de alguma sociedade que já conta com uma longa história. Ser membro de uma comunidade humana é situar-se em relação ao passado (ou da comunidade) ainda que apenas para rejeitá-lo. O passado é, portanto, uma dimensão permanente da consciência humana. O problema para os historiadores é analisar a natureza desse “sentido do passado” na sociedade e localizar suas mudanças e transformações. (p. 22)

Assim sendo, verifica-se que a educação em Juazeiro do Norte, na primeira

metade do século XX, seguindo a tendência nacional, foi influenciada pelo ideário

liberal. Trata-se de uma ideologia que emerge com o surgimento de uma nova sociedade

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no final da Idade Média, para justificar as exigências de uma nova ordem social. De

acordo com Xavier (1990):

A doutrina liberal, instrumento de luta da burguesia contra o Antigo Regime funda-se nos princípios da individualidade, da liberdade, da propriedade, e da democracia. Opunha à ordem “iníqua” que convertia, fundada na desigualdade “herdada”, a ordem capitalista, que espreitando as desigualdades “naturais”, se consubstancia numa nova sociedade hierarquizada, porém justa para tanto “aberta”. (p. 60-61)

Os princípios liberais permearam as lutas políticas da América Latina, tanto os

movimentos pela independência, quanto o posterior processo de formação das

repúblicas latino-americanas, abraçaram esta concepção política e econômica, adotando

as bandeiras de liberdade de ensino, gratuidade, obrigatoriedade e laicidade no campo

educacional. No Brasil, o ambiente liberal e reformista circulou por todo o país no

decorrer das décadas de 1910 a 1940. As ideias de progresso e modernização foram

incorporadas não só ao discurso dos intelectuais e políticos, assim como foram

materializadas na maioria das reformas iniciadas nas jurisdições estaduais da República

brasileira (XAVIER, 1990, p. 195). O município de Juazeiro apesar de estar fora do

círculo capitalista de modernização econômica – que implicava um processo de

crescente industrialização e urbanização – suas elites dominantes influenciadas pelo

clima reinante da capital Fortaleza e dos grandes centros urbanos do país, também

procurou desencadear condições de infraestrutura (ferrovias, pontes, aeroporto, entre

outros), buscando alavancar o seu desenvolvimento.

Com o passar das primeiras décadas da República, mais especificamente durante

o período getulista, advoga-se que o país precisa preparar mão de obra que permita

garantir o desenvolvimento econômico e social do país, tanto na cidade, quanto no

campo. Esse contexto econômico se torna propício à implantação dos princípios do

Ruralismo Pedagógico, cujas ideias foram fortemente disseminadas na década de 1920.

Nesse sentido, o fio condutor que orienta o estudo sobre a ENRJN é a concepção

que as modificações ocorridas na vida econômica da sociedade local, bem como sua

relação com as articulações políticas regional e nacional, interferem nas propostas

educacionais elaboradas pelo governo e somente encontram receptividade na população

quando a educação escolar se torna necessária para que ela possa inserir-se na vida

produtiva assalariada. Compreendemos os trinta e nove anos (1934 -1973) de

funcionamento desta Escola, como uma marcha, em que o conflito de interesses

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econômicos, políticos e sociais, regiam cada fase do ensino rural juazeirense, por trás

dos brados entusiasmados que erguiam a bandeira da defesa dos princípios ruralistas.

Segundo Calazans (1993), este movimento defendia uma educação voltada para

a formação de um indivíduo com consciência nacionalista e cívica; tem a valorização do

trabalho do homem do campo como um elemento fundamental para alcançar o

progresso do país; enfatiza a vocação histórica que o Brasil herdou para ser uma nação

alicerçada no meio rural, mesmo quando trata de sua modernização econômica. É esta

ideologia que vai dar sustentação à emergência de estabelecimentos de ensino normais

rurais no país.

2.2 A Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte: seus pioneiros

Baseado no livro de registros, a ENRJN nasceu do idealismo de dois grandes

cearenses: Moreira de Sousa e Plácido Aderaldo Castelo que tinham como auxiliar a

professora Amália Xavier de Oliveira. Procuramos situar aqui o local com uma

temporalidade marcada por situações próprias da sua realidade.

Até 1973, 66 turmas se sucederam entregando ao Brasil 1.18213 professores(as)

normalistas ruralistas. Não era uma simples Escola Normal Rural. Vieram depois o

curso Ginasial e Colegial. Em 1972, passou a chamar-se “Centro Educacional Professor

Joaquim Moreira de Sousa”. Por força da Reforma, em 1973 deu a última turma de

professoras especializadas para a Zona Rural. É realizada a colação de grau da primeira

turma de professoras do Curso Normal Pedagógico Comum em 1974.

Em 09 de dezembro de 1933, o Juiz de Juazeiro do Norte doutor Plácido

Aderaldo Castelo reúne, na Sala das Audiências do juizado municipal, o Conselho

Escolar da cidade, pessoas gradas da sociedade local, para apresentar o plano da

fundação de uma sociedade que pudesse encampar a Escola Normal Rural que o

Governo do Estado estava querendo fundar no Ceará. No dia 13 do mesmo mês, realiza-

se a 2ª reunião, presidida pelo mesmo doutor Plácido na mesma sala para discutir os

estatutos da Sociedade fundada com um capital de 30:000$000. Valor nominal das

ações: 500$00. Na mesma reunião, foi aclamada a diretoria, que ficou assim constituída:

Presidente: Dr. Plácido Aderaldo Castelo; Secretário: Dr. Jacinto Botelho; Tesoureira:

Professora Amália Xavier de Oliveira.

13 Dentre o número de professores(as) formados(as), apenas cinco eram do sexo masculino, representando 0,42%. Nesse sentido, resolvemos neste trabalho adotar a formação docente no gênero feminino, ou seja, professora.

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Em 10 de janeiro de 1934, o Governador do Ceará cria o Decreto 1.218

fundando uma Escola Normal Rural no Estado. Não sendo possível, no momento arcar

com as despesas, apela para uma instituição particular que, em convênio com o Estado,

responsabiliza-se pelo órgão criador.

O Diário Oficial do Estado publica o Decreto em 11 de janeiro, cujos

considerandos foram aceitos pelo Instituto Educacional de Juazeiro. A manutenção da

Escola seria feita pelo Instituto em convênio com o Estado, a quem competia o

pagamento das cadeiras fundamentais e mais o fornecimento de todo material agrário

necessário à prática agrícola das normalistas.

O Instituto Educacional de Juazeiro envia ao Governo do Estado o requerimento

e encampação da Escola em 13 de janeiro, tendo obtido informação favorável do então

diretor da Instituição, doutor Joaquim Moreira de Sousa. Foi designado o inspetor

regional para examinar o caso e aceitar o projeto em nome do Governo. Era então

inspetor regional em Crato, o padre Rodolfo Ferreira Cunha que emite parecer favorável

em 26 de fevereiro.

No dia 04 de setembro do mesmo ano, a ENRJN, muda-se do prédio, onde fora

instalada e inaugurada (Orfanato, Jesus, Maria e José) para o prédio adquirido e adotado

pelos acionistas da sociedade que a encampou. Na Normal Rural era depositada a

esperança de uma melhoria rápida da instrução pública de Juazeiro e do Estado.

2.3 O perfil discente do curso

De acordo com Oliveira (1984), no interior do projeto de formação docente em

cena, uma das questões que surge é a definição do perfil da população escolar. Para

ingressarem no Curso Normal Rural, era necessário que os candidatos fizessem antes

dois anos complementares, ou seja, entre o ginásio e o curso normal rural. É curioso

observar nos quadros de matrículas de alunos que o número de estudantes matriculados

era, em sua maioria, do sexo feminino.

Quadro 1: Matrículas de alunos (1935-1939)

Fonte: Livro de Matrículas de alunos da ENRJN.

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A professora Francismá Nepomuceno Monteiro, ex-aluna da Normal Rural, em

depoimento concedido a este pesquisador, afirma que: “nessa época, o destino das

moças era a Escola Normal Rural, pois nenhuma mulher tinha direito de ser médica,

engenheira ou advogada. Os pais decidiam e pronto: minha filha vai ser professora”.

Para Castelo (1951), o curso de formação de professores é mais frequentado por

mulheres porque os rapazes ou “consideram mais brilhantes as carreiras abertas ao

ensino superior, ou porque reputem menos compensadores os resultados materiais que

o nobre sacerdócio do magistério oferece”(p.74).

Por meio dos quadros comparativos, podemos verificar a discrepância entre o

número de alunas e o de alunos matriculados no Curso Normal Rural. A diferença vai

acentuando-se com os anos, a ponto de haver a matrícula de somente um aluno do sexo

masculino na década de 1950.

É evidente que o magistério primário abriu um espaço para que as mulheres

ingressassem no mercado de trabalho experimentando um pouco de liberdade, apesar

dos baixos vencimentos. Entretanto, a lotação das recém-professoras não era algo muito

fácil, pois, além de preferirem lecionar nas regiões urbanas, por ser a zona rural de

difícil acesso e, muitas vezes, de grande perigo, dependiam também da indicação dos

grupos políticos conforme afirma o governador do Estado:

O que faz mal ao ensino público [...] é o contágio da politicagem, fazendo do professor público de um partido, o galopim eleitoral, que escreve a ata e é o agente da cabala eleitoral. O que faz mal ao ensino é essa intromissão malsã do patronato nos concursos para provimento dos lugares do magistério14.

Tais situações foram vivenciadas por dona Gecelina Vieira e por dona Francismá

Nepomuceno Monteiro, ou professora Mazinha, como é conhecida. A primeira, formada

em 1945, foi nomeada somente em 1948. Segundo afirma em seu depoimento:

“Foi por meio da interferência do coronel Adauto Bezerra, porque seu pai era da política do partido adversário, que estava por baixo [Nesse tempo] a educação dependia dos partidos políticos e quem sofria eram os professores, que viviam nos sabores dos humores. Formei-me em 1945, recebi meu diploma em 25 de novembro de 1945, mas não fui nomeada logo. Quem conseguiu minha nomeação foi o coronel Adauto Bezerra que tinha conseguido se reeleger como deputado estadual. Um dia,

14 CEARÁ, mensagem..., 1939.

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usualmente, na rua, sabendo que eu queria lecionar, me ofereceu um lugar na Escola Modelo, anexo a Escola Normal Rural. Graças à sua influência fui nomeada professora primária do Estado. Algumas colegas foram nomeadas, logo após a formatura. Algumas delas foram trabalhar no Sul. Lecionei lá até me aposentar”. Trabalhei também na secretaria de educação do município como supervisora de ensino durante 27 anos. Trabalho esse que por muito tempo foi paralelo ao magistério em sala de aula.

A professora Francismá Nepomuceno Monteiro, egressa da turma de 1962, ao se

formar encontrou as vagas das escolas da região central da cidade já ocupadas, restando-

lhe, apenas lecionar nos locais mais distantes da zona central de Juazeiro. Em seu

depoimento acentua que:

Em 1962, me formei, ansiosa para ser professora. Pensei em trabalhar em Juazeiro. Infelizmente, não deu certo, tinha poucas vagas e estavam ocupadas, ainda mais para quem vinha da 25ª ou 26ª turma de formandas. Mas graças a Deus iniciei a lecionar no ano de 1964, confesso que para eu conseguir o meu contrato, houve influência de um político aqui de Juazeiro a quem devo muito.

E, assim, dona Mazinha começou a lecionar na Escola Maria Amélia Bezerra,

mais tarde fez o curso de História Natural e o curso de aperfeiçoamento para lecionar

Matemática, foi diretora da escola Virgílio Távora e da Escola José Bezerra de

Menezes.

No livro de matrícula da ENRJN, consta que, em 15 de fevereiro de 1935,

iniciam-se as aulas da turma do 1º ano Normal Rural com cinco alunas, as quais

permaneceram juntas durante todo o ano letivo. Veja a relação nominal a seguir:

I - Uma aluna que já havia feito o 2º Ano Complementar na escola: Maria Moreira, de

Juazeiro;

II – 2ª, uma aluna transferida do Colégio Santa Tereza de Crato, onde havia feito os dois

complementares: Maria Ceci Borges, de Caririaçu;

III – 3ª 4ª e 5ª aluna que gozaram do privilégio do Estado que criou um decreto

admitindo no primeiro Ano Normal Rural, portadores de certificado de Concurso para

professores de 4ª Entrância. Foram elas: Heloisa Coelho de Alencar – de Barbalha;

Maria Martins Camelo – de Missão Velha; Dacilde Cruz – de Santana do Cariri.

No dia 21 de julho de 1935, chega a Juazeiro a ilustre caravana que vem

organizar a Semana Ruralista a realizar-se na ENRJN, promovida pela Sociedade dos

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Amigos de Alberto Torres e patrocinada pela Diretoria de Instrução Pública do Ceará e

pelo Ministério da Agricultura. Do dia 22 a 28 do corrente mês, então foi realizada a

“Primeira Semana Ruralista” na ENRJN com o objetivo de difundir a supremacia da

vida no campo.

Durante o evento, houve exibições de trabalhos, palestras, apresentações dos

trabalhos dos alunos do Curso Normal e Rural e do Curso Complementar e mesas

redondas. A intenção dessa iniciativa foi permitir debates e exposições sobre os temas

pautados à vida do homem do campo.

O Instituto Educacional de Juazeiro, sociedade que encampou a ENRJN oficial

do Estado, reúne-se para eleger a 2ª Diretoria do mesmo Instituto. É eleita presidente a

tesoureira da Sociedade, professora Amália Xavier de Oliveira, que passa a ocupar o

cargo de Diretora da Escola. Em 06 de fevereiro de 1936, o governador do Estado,

doutor Francisco Menezes Pimentel, cria o “Grupo Escolar Modelo”, anexo à Escola

Normal Rural. A lei nº de 30, de dezembro de 1936, cria 50 escolas elementares e 50 de

primeiras letras:

“Artigo 3º da Lei – Ficam criadas quatro escolas profissionais rurais de 1º grau que serão localizadas em quatro zonas do Estado a critério do Departamento Geral de Educação; Artigo 6º - O ensino nas escolas profissionais rurais será ministrado de preferência, por professoras diplomadas pela Escola Normal Rural ou Estabelecimentos a ela equiparados”.

Nessa lei, são enfatizadas as ações do Governo em prol da instrução pública do

Estado, assim como a preferência por professores primários diplomados pela Normal

Rural. O evento realizou-se no salão nobre da escola e foi presidido pelo doutor Plácido

Castelo, diretor da escola e no ato, representando o governador do Estado, doutor

Francisco Menezes Pimentel. Na Semana Ruralista de 1935, o palestrante, médico e

veterinário, doutor Carlos Furtado Lobo inicia sua fala da seguinte maneira:

Falar em Juazeiro é evocar essa figura notável e saudosa do velho Patriarca Padre Cícero Romão Batista, o virtuoso e humilde sacerdote, cujo nome pronuncio com veneração e respeito e cujo valor empolgou durante mais de meio século a vida política e administrativa de nossa terra (Anais da Semana Ruralista de Juazeiro, 1936, p. 61).

Um dos indicativos para a predominância da elite juazeirense à frente do projeto

de encampação da ENRJN foi o sentimento de pertença por essa escola criada em parte

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pela disposição de contribuição financeira efetiva para conseguir o prédio e aparelhá-lo

com o necessário para o seu funcionamento, já que o Governo inicialmente não

subsidiou este projeto.

Por ocasião da colação de grau da 1ª turma de professoras, a escola recebeu a

visita do professor Sud Menucci, que é considerado o “pai do ruralismo” no Brasil. Ele

pretendia assistir à colação de grau da 1ª turma de professoras rurais do Brasil. Não lhe

sendo possível, impedido por fatos de sua ocupação profissional, resolveu visitar o

estabelecimento e o fez chegando a Juazeiro no dia 4 de dezembro de 1937.

No dia 5, foi homenageado na escola numa sessão do Clube Agrícola para

empossar a nova diretoria. Presidiu a sessão e depois de empossados os membros da

diretoria, o professor Sud dirigiu a palavra aos presentes. Em seu discurso disse: “que

não lhe tendo sido possível chegar no dia 28 de novembro para assistir a colação de

grau da primeira turma de Ruralistas, fazia questão de que ficasse registrado o

discurso que escreveu em São Paulo para pronunciar na formatura das primeiras

professoras Ruralistas. Falou do valor estupendo do ruralismo que há de transformar

radicalmente o campo da educação”. E afirmou ainda que: “a formatura da 1ª turma

de professoras da Escola Normal Rural de Juazeiro constitui o marco inicial” (Folheto

do discurso do professor Sud Menucci publicado pela ENRJN).

Numa sessão comemorativa, o professor Sud Menucci, ao Centro posa para foto com as formandas. Da esquerda para a direita: Maria Martins Camelo, Heloisa Coelho de Alencar, Maria Ceci Borges, Dacilde Cruz e Maria Moreira.

De acordo com a crônica do estabelecimento, as cinco professoras foram

contratadas como “substitutas efetivas” pelo Instituto Educacional, Sociedade

Mantenedora da Escola Normal Rural, para lecionar nas séries iniciais do curso

primário. Os dois recortes abaixo são partes da ata da colação de grau da primeira

Figura 9 Foto da Colação de Grau da Primeira Turma de Professoras Ruralistas da Escola Normal de Juazeiro do Norte/CE (1937) – (Fonte: <http://www.juaonline.com.br> – edição 195– 10/05/2009. (Acesso:07/06/2010).

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turma de formandas da Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte, datada em 28 de

novembro de 1937. Neste primeiro recorte, é apresentado, na parte superior da ata de

colação, a data e o número da página (2) do livro de ata.

Fonte: Livro de ata de colação de grau - Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte.

O segundo recorte é parte da ata da colação de grau o qual se refere aos nomes

das cinco formandas e de suas respectivas médias.

Fonte: Livro de ata de colação de grau - Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte.

Segundo o livro de registro da escola, em 25 de fevereiro de 1939, a diretora da

ENRJN, dona Amália, baixou uma Portaria, designando cinco turmas, uma para cada

classe do Secundário e Complementar, para se responsabilizar pelo serviço do Campo

Agrícola da Escola: cada turma tem um chefe e um subchefe responsável direto pelos

trabalhos do material agrário. Na primeira década de funcionamento, 45 novos

professores primários foram formados por essa instituição, sendo dois (dois)15

professores do sexo masculino e 43 do sexo feminino, conforme o quadro dois a seguir:

15 Este número representa 4,44% dos professores formados pela ENRJN na década de 1930.

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Quadro 2: Formandos da década de 1930

Fonte: Livro de exames finais e Livro de ata de colação de grau da ENRJN.

O quadro 3 mostra-nos o número de alunos matriculados durante a década de

1940. Podemos verificar que foram matriculados 806 alunos, dentre eles apenas quatro

eram do sexo masculino, representando assim, aproximadamente 0,5% dos

matriculados.

Quadro 3: Matrículas de alunos (1940-1949)

Fonte: Livro de matrículas da ENRJN.

De acordo com o caderno de registros da instituição, em 24 de março de 1944, a

ENRJN tomou parte nas comemorações do Centenário do Padre Cícero. Nesta data, a

escola demonstrou sua amizade ao fundador de Juazeiro e acionista do Instituto

Educacional fazendo aposição do seu retrato no salão nobre da escola. Tornou-se

marcante, na História da Instituição, o “I Congresso de Ensino Rural”, que foi realizado

em 29 de novembro de 1944. Conforme Oliveira (1984, p. 160), foi apoiado pelos

órgãos de educação e da agricultura. Momento tido como espaço propício para

fortalecer o espírito ruralista das alunas e professores(as), pois era possível ampliar e

aprofundar os conhecimentos sobre o ensino rural por meio de palestras e aulas práticas.

O registro da presença de autoridades políticas e ilustres convidados dava “pompa” a

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estes eventos que contava com a colaboração de vários técnicos das áreas de agronomia,

higiene rural, estatística e administração.

Este acontecimento proporcionou o contato com várias palestras sobre os

assuntos do campo que entusiasmaram alunas e professores(as), despertando-lhes o

desejo de crescimento prático e teórico da educação rural. No dia 08 de abril de 1948,

estiveram os doutores Raimundo Lucena e Waldir de Oliveira Nunes na ENRJN para

organização do programa da “3ª Semana Ruralista do Brasil, 2ª da Escola Normal Rural

de Juazeiro”. Houve exposições de trabalhos, palestras, filmes e mesas redondas. Foram

expostos também animais da “Fazenda Modelo” e frutas colhidas do pomar da fazenda.

De acordo com os registros encontrados no arquivo da escola, a terceira semana

ruralista foi muito concorrida pelos agricultores e criadores da região. As aulas de

campo sempre contaram com grande número de participantes.

Na segunda década de funcionamento da ENRJN, foram formados 246 novos

professores primários, assim como na década anterior (1930), apenas 216 professores

formados eram do sexo masculino e 244 do sexo feminino, conforme podemos observar

no quadro 4 a seguir:

Quadro 4: Formandos da década de 1940

Fonte: Livro de exames finais e Livro de ata de colação de grau da ENRJN.

O quadro 5 mostra-nos o número de alunos matriculados durante a década de

1950. Podemos verificar que foram matriculados 525 alunos, dentre eles, apenas um era

do sexo masculino, representando assim, aproximadamente 0,2% dos matriculados. É

16 Este número representa 0,81% dos professores formados pela ENRJN na década de 1940.

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possível constatar que houve uma diminuição de 281 alunos matriculados em relação à

década anterior, representando uma queda de 34,86% nas matrículas efetuadas.

Quadro 5: Matrículas de alunos (1950 -1959)

Fonte: Livro de matrícula da ENRJN.

Oliveira (1984) acentua que, em 1954, a Normal Rural funcionou em regime de

experiência com a reforma do Curso Complementar que precedia o Curso Técnico

Rural. Esta reforma foi uma consequência do abalo econômico-financeiro que a escola

sofreu com a diminuição de alunos que, não desejando fazer o Curso Normal,

transferiram-se, após o primário, para outros Colégios de curso ginasial. Estas

transferências diminuíram o número de matrículas sensivelmente.

Ainda a autora, a então diretora, a professora Amália Xavier de Oliveira,

sentindo a necessidade de uma Reforma, apresentou o plano ao diretor do Ensino Rural,

doutor Hugo Catunda, pedindo aprovação do currículo que seria o seguinte:

Após o curso primário, quatro anos secundário de orientação ruralista e dois Técnicos Rurais profissionalizantes. Não houve prejuízos para o aluno porque o currículo beneficiava os estudantes: em vez de apenas cinco anos de estudos – 2 complementares e três Normais Rurais seriam: seis anos; quatro secundários e dois Normais Rurais (ibidem. p. 231).

Segundo Oliveira (1984, p.243), após um ano de experiência da reforma que a

diretora, Amália Xavier de Oliveira, achou por bem fazer para atender melhor às

exigências do plano educacional, a ENRJN passou a funcionar com quatro anos

secundários nos moldes do Curso Ginasial e dois Técnicos Rurais. Daí, então, a diretora

encaminhou à Secretaria de Educação um relatório dando o resultado da experiência,

salientando as bases do plano da reforma que logrou resultado satisfatório e foi

aprovado pela Direção do Ensino Rural.

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Em 1956, a instituição passa a funcionar com o Curso Ginasial antecedendo o

Curso Normal Rural. A escola recebe ofício do Ministério de Educação concedendo

autorização para funcionamento do Curso Ginasial conforme portaria 320 publicada no

Diário Oficial de 16 de janeiro de 1956.

Realizada a colação de grau da 21ª turma de professoras normalistas ruralistas

em 22 de novembro 1957, sendo 17 professoras no total, encontramos uma nota no livro

de Atas de Colação de Grau da ENRJN, a qual resolvemos transcrevê-la:

“As néo-professoras da turma deste ano, num gesto de gratidão filial para com a professora Amália Xavier, diretora da escola, escolheram o dia 22 de novembro para receberem o seu diploma, com o fim de comemorar o 30º aniversário da formatura da Mestra de todos, Amália Xavier de Oliveira. Naquele longínquo 22 de novembro de 1927, Amália Xavier de Oliveira recebia no Colégio das Dorotéias de Fortaleza, com a alma e o coração em festas, o seu diploma de professora e jurava solenemente trabalhar para a glória de Deus e grandeza da Pátria. Circulando o escudo que representa a homenagem, estão colocados os retratos das diplomadas e dos homenageados. Acima do escudo, lemos a seguinte frase: ´O passado se liga ao presente pela difusão do saber: Amália Xavier de Oliveira se projeta no futuro pelo sentimento de gratidão de que se tornou credora`̀ ”.

O Diário Oficial de 10 de fevereiro de 1958 publica a Lei de encampação da

ENRJN pelo Governador do Estado Paulo Sarasate. A referida Lei recebeu o número

4.021 de 31 de janeiro de 1958. A solenidade aconteceu no dia 02 de março do mesmo

ano às 13 horas, conforme o programa que havia sido divulgado. Encontramos algumas

palavras pronunciadas pela Presidente da Sociedade que concretizaram este ato no livro

de registros da escola:

“Entregamos, hoje, ao Governador do Estado uma escola com 24 anos de existência, que já diplomou 465 professores e viu passar pelos sues bancos escolares cerca de 10.000 alunos. Não temos aqui somente corações agradecidos; temos almas genuflexas que beijam as mãos dadivosas de quem, neste momento, recebe e entrega ao Juazeiro um estabelecimento que vai beneficiar os menos favorecidos da fortuna, que ansiosamente aguardavam a realização da promessa que nos fez o governador do Estado. Vejo hoje realizado o maior sonho da minha vida de mestra militando em Juazeiro desde 1928. Cabelos brancos, denunciando o caso da vida, organismo esgotado por 30 anos de magistério, só uma coisa pedi a Deus

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que me concedesse: ver a Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte entregue ao Governo do Estado, para funcionar como estabelecimento oficial, encampado pelo Estado, formando os professores rurais que se dedicam ao magistério, preparando o homem do campo, no campo, pelo campo e para o campo”.

O Decreto número 3707 regulamenta a Lei número 4025, pela qual a ENRJN

voltou a funcionar com três anos normais, agora precedidos do Curso Ginasial. Em

relação ao currículo, todas as matérias do Normal Pedagógico Comum e a s matérias

especializadas estariam presentes: Educação Econômica, Agricultura e Indústrias

Rurais, Prática Agrícola e Pequenas Indústrias. O Diário Oficial número 7533 publica o

seguinte: Pelo Decreto-lei número 3707, de 12 de Agosto de 1959, regulamenta a Lei

número 4025, de 14 de fevereiro de 1958, no seu artigo 5º, diz o seguinte:

“O 2º ciclo das Escolas Normais Rurais terá a mesma constituição do Curso de Formação de Professores Primários, estabelecidos pelo Decreto-Lei Federal número 8530, de 02 de janeiro de 1946 (Lei Orgânica do Ensino Normal) com acréscimo das cadeiras de Agricultura e Indústrias Rurais, Práticas Agrícolas e Pequenas Indústrias, previstas na Lei número 4025, de 14 de fevereiro de 1958”.

Na terceira década de funcionamento da ENRJN, 216 novos professores

primários foram formados, assim como na década anterior (1940), apenas 117 professor

era do sexo masculino e 215 do sexo feminino, conforme podemos observar no quadro

6:

Quadro 6: Formandos da década de 1950

Fonte: Livro de exames finais e Livro de ata de colação de grau da ENRJN.

17 Este número representa 0,46% dos professores formados pela ENRJN na década de 1950.

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No que se refere à década de 1960, o quadro 7 mostra-nos que foram

matriculadas apenas meninas, 1263 alunas, totalizando assim 100% dos matriculados. É

possível observar que houve 738 matrículas a mais em relação à década anterior,

representado um aumento percentual de 140,57%. Esse percentual é muito significante,

porém não encontramos nenhum vestígio que pudesse explicar o fato. Podemos

observar, também, que, entre os anos de 1964 e 1969, o aumento das matrículas foi

crescente, ou seja, não houve interrupção. Diante disso, perguntamo-nos: Por que houve

um aumento tão significante no número de matrículas nesse período? E por que não

houve matrícula de alunos do sexo masculino? Não era atrativo para os meninos ser

professor primário? Alguma mudança nas leis educacionais vigentes na época?

Quadro 7: Matrículas de alunos - (1960 -1969)

Fonte: Livro de matrícula da ENRJN.

O Diário Oficial de 12 de dezembro de 1962, publica a Lei número 8157 que

cria o curso Colegial, anexo à ENRJN. Em 02 de abril de 1964, em sessão solene,

instala-se o Curso Colegial, criado pela lei acima citada. A aula inaugural foi proferida

pelo Diretor da Faculdade de Filosofia do Crato, Dr. José Newton. Estiveram presentes

todo o corpo docente da Escola Normal Rural, alunos do 3º ano Normal, 4ª série

ginasial e os já matriculados no Curso Colegial.

Conforme o livro de ata de reunião de planejamentos da ENRJN, no dia 28 de

fevereiro, a Diretora da escola, dona Amália, reúne o corpo docente para apresentar o

plano de trabalho para o ano de 1965. Foram organizados diversos “departamentos”,

cada um entregue a um coordenador com as seguintes atribuições:

- reunir seu “departamento” sempre que necessário;

- receber e entregar os planos de curso na secretaria no tempo marcado.

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O departamento de Ciências Matemáticas (Aritmética, Estatística e Desenho

Geométrico) ficou sob a coordenação da professora Joaquina Gonçalves de Santana (D.

Quininha). Em 08 de maio, houve uma reunião de planejamento com objetivo de

discutir a Reforma determinada pelos Conselhos Federal e Estadual, que suprimiram do

currículo diversas disciplinas. Então, era necessário estudar como acomodar os diversos

professores existentes na escola.

O departamento de Ensino apresentou à direção da escola uma lista de matérias

optativas. O conselho da ENRJN escolheu Educação Rural e Administração Escolar. A

Justificativa era que a ENRJN não poderia perder sua finalidade precípua: “Preparar os

professores das zonas rurais”. É esta a principal cláusula exigida pelo Instituto

Educacional de Juazeiro do Norte, ao fazer a doação do Estabelecimento ao Governo do

Estado.

Nesta década, das 1263 matrículas efetuadas (quadro 7), foram formadas pela

ENRJN, 347 novas professoras primárias, conforme podemos observar o quadro 8:

Quadro 8: Formandos da década de 1960

Fonte: Livro de exames finais e Livro de ata de colação de grau da ENRJN.

Na última década (1970 – 1973) de funcionamento da Instituição, assim, como

na década anterior, o quadro 9 mostra-nos matriculas apenas de meninas. Verifica-se,

portanto, que foram matriculadas 1137 alunas. Vale salientar que este último período de

funcionamento equivale apenas a quatro anos.

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Quadro 9: Matrículas de alunos (1970 -1973)

Fonte: Livro de matricula da ENRJN.

Segundo Oliveira (1984, p. 368), a instalação do “Jardim de Infância da Escola

Normal Rural” e “Parque Infantil Vizina Amália” acontece no dia 24 de março de 1970,

destinado a atender os filhos dos professores e servidores da escola.

A mudança da legislação de 1971, com a Lei 5692/71, o curso colegial passou a

ofertar educação profissionalizante: Técnico em Mecânica e o Curso Normal

Pedagógico extinguindo o Curso Normal Rural. Atualmente, o que existe da Escola

Normal Rural é o seu prédio, onde funciona a Escola de Ensino Médio Professor

“Joaquim Moreira de Sousa”.

Após atravessar momentos de glória e de notabilidade social, em 28 de abril de

1972, é inaugurado um novo prédio localizado na Rua do Cruzeiro, ampliando assim a

Escola Normal Rural que passa a se chamar “Centro Educacional Professor Joaquim

Moreira de Sousa”, por força da Lei nº 5.692/71. De acordo com Souza (1994), neste

contexto de renovação da educação brasileira, entendia-se serem dispensáveis os

saberes específicos da professora ruralista versus a aceitação do novo modelo

educacional.

Sofrendo as consequências das transformações operadas em todo o país, a escola Normal Rural para se transformar em Centro Educacional com o advento dos cursos: Ginasial, Colegial e Pedagógico, seu currículo voltado para o homem do campo cederia lugar para uma proposta imposta pelos grandes centros urbanos em total desrespeito às necessidades e anseios do homem interiorano. Desapareceu sem que uma voz sequer, bradasse em sua defesa. A Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte deixou de existir não se levando em conta o muito que ela realizou em benefício do Cariri.

Como podemos observar, esta citação apresenta-nos certo tom de revolta pelas

mudanças realizadas de forma impositiva e indica o silêncio das “vozes” que não

lutaram pela permanência do modelo pedagógico ruralista.

Nesta década, das 1137 matrículas efetuadas (quadro 9), 328 novas professoras

primárias foram formadas pela ENRJN, como podemos observar no quadro 10:

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Quadro 10: Formandos da década de 1970

Fonte: Livro de exames finais e Livro de ata de colação de grau da ENRJN.

Conforme o livro de atas de colação de grau da Instituição, em 08 de dezembro

de 1973, colou grau a última turma do extinto Curso Normal Rural com oitenta e sete

professorandas por força da Lei 5.692/71. Encerrou-se, assim, uma das fases mais

importantes da ENRJN. Foram trinta e nove anos de atividades que tinham como

preocupação primeira a formação de professoras para lecionar nas primeiras letras e

acima de tudo, com a formação do homem do campo.

Em relação ao número de discentes matriculados na ENRJN, foi possível

verificar, de modo geral, que passaram pela instituição um total de 4032 alunos(as), que

se matricularam no Curso Normal Rural no período de 1934-1973. Observamos que,

dentre o número de alunos matriculados (4032), 70,68% desistiram, ou seja, 2850 e

desses 29,32%, ou seja, 1182 alunos se formaram.

De acordo com o depoimento de Assunção Gonçalves (ex-aluna e ex-professora

da ENRJN):

“(...) Vários podem ser os motivos da evasão ocorrida nesse período, por exemplo: a faixa etária, as condições econômicas, pois muitas moças apresentavam dificuldades financeiras, o local de origem de muitas, principalmente do interior do estado e poucas de outros estados, ou mesmo por causa do casamento, muitas normalistas desistiam de concluir o curso”.

Esta reflexão, por meio do exame da cronologia da ENRJN, leva-nos a

considerar que o ideal de “fixação do homem no meio rural” apresenta um discurso

carregado de intenções. Decerto, a saída do homem do campo para a cidade devia

desagradar a muitos donos de terra que necessitavam de mão de obra para a manutenção

de seus latifúndios. Uma escola normal, especializada para o meio rural, significava

qualificação dos trabalhadores na agricultura e pecuária e, no entanto, mais ganhos e

lucros para os latifundiários.

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Contudo, esse “progresso agropecuário” não serviu para levantar questões mais

amplas, como defendia a Educação de Base. Pois, para solucionar os problemas do meio

rural não são necessárias apenas mudanças na educação e sim, em todos os outros

aspectos sociais do país, principalmente os de caráter econômico e político, afetos no

caso, por exemplo, ao problema da desigual partilha e posse de terras.

Em sintonia com os princípios do “Movimento do Ruralismo Pedagógico”, a

criação de uma escola normal rural tinha como objetivo valorizar a figura do agricultor,

oferecendo-lhe a oportunidade de usufruir de uma instrução que o preparasse para lidar

com a terra. Nesse sentido, segundo Castelo (1951, p. 4), o agricultor não estaria à

mercê das condições climáticas, pois este aprenderia novos métodos para o cuidado da

terra mesmo no tempo da seca.

Ademais, é preciso destacar que o público que aflui para esta escola é

proveniente das famílias abastadas, não vinculadas diretamente à lida com a terra. Na

maior parte, eram filhas de donos de terra, comerciantes e profissionais autônomos com

condições econômicas favoráveis. Uma elite que encontrava nesta escola de formação

docente uma oportunidade de bem educar suas filhas. Esta é uma crítica que não pode

ser desconsiderada, quando se pensa no destino dado por essas professoras formadas

naquela Escola Normal Rural à profissão, ao lado da questão do acesso à educação ali

presente, por outros segmentos da população, o que nos permite indagar por que teria

sido tão pouco democrática esta experiência de formação do professorado rural em

Juazeiro do Norte.

A década de 1970 marca o fim de uma era, a “Era Normal Rural”. Sabemos que

este declínio não pertence somente a essa década, pois esta fase foi sendo delineada em

momentos anteriores em que o modelo ruralista aos poucos ia sendo substituído pelo

normal pedagógico. Alguns estudiosos que escrevem sobre a trajetória da ENRJN,

destacam a força da “lei” como um dos indicativos para o final da fase ruralista. O

historiador José Boaventura de Souza relata, em seu livro “Escola Normal Rural de

Juazeiro do Norte: uma experiência pioneira”, sobre a passagem dos sessenta anos da

Instituição, explana sobre este acontecimento de teor legislativo.

A Lei 5.692/71 sem respeitar particularidades, mesmo dentro do seu espírito, passou como avalanche por cima de tudo. Esta lei visava à realização individual, a profissionalização e a cidadania dos jovens. Esta finalidade já se concretizava pela Escola Normal Rural. Mesmo assim, por causa da letra da lei, ela

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acabou com a escola transformando-a em Normal Pedagógico (SOUZA, 1994, p. 70).

Está presente a expressão de insatisfação às mudanças realizadas nesta citação. A

metáfora da “avalanche” consegue revelar a proporção e a intensidade deste fato para o

modelo educacional vigente.

O livro de registro de Amália Xavier de Oliveira, no dia oito de março de 1972,

traz a convocação das professoras para a adaptação de um novo momento em suas

carreiras profissionais.

Início do “Curso Pedagógico Comum”, começando com o primeiro ano normal. O professorado é convocado para assistir a Aula Inaugural, que será proferida pelo Mons. Montenegro, Diretor do Colégio Diocesano do Crato. Ficou iniciado o Curso Normal Pedagógico, atendendo à Reforma do Ensino, que extinguiu o Curso Normal Rural, na Escola Oficial do Estado, curso que foi a razão de ser do estabelecimento (OLIVEIRA, 1984, p. 386).

A autora destaca que foi excluída da Instituição a sua essência, sua

particularidade e o seu vigor ruralista. Atender a esta Reforma de Ensino implicou em

várias mudanças até mesmo no nome dessa escola formadora de professoras em agosto

de 1972.

O Diário Oficial do Estado publica o Decreto 9.904, de 7 de agosto de 1972, pelo qual a Escola Normal Rural e o Colégio Estadual passam a denominar-se Centro Educacional Prof. Moreira de Sousa. Este ato do Governo teve vigência a partir de 28 de abril de 1972 (ibidem, p. 391).

A nova designação “Centro Educacional Joaquim Moreira de Sousa” faz alusão

a um dos idealizadores do ruralismo pedagógico. A bibliografia em que se apoia este

estudo, está presente o discurso que defende e justifica as ações deste homem, sempre

proclamado como “grande homem”.

2.4 Direção da Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte

No que diz respeito ao corpo administrativo, conforme o livro de registro de

nomeação e portarias da ENRJN os diretores eram nomeados por meio de decreto.

Durante o seu período de funcionamento, a ENRJN teve os seguintes diretores:

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Quadro 11: Relação nominal dos diretores da Instituição (1934 - 1976)

Fonte: Arquivo da ENRJN.

Ressalta-se que uma diretora, nesse período, destacou-se por mais tempo na

direção, ou seja, dona Amália Xavier de Oliveira, a qual foi nomeada diretora da escola

pelo governador Francisco de Menezes Pimentel, cumprindo disposições do convênio

existente entre o governo e o Instituto Educacional. Na primeira vez em que assumiu a

direção da Escola Normal Rural, ficou de 1937 – 1959, quando foi sucedida pelo padre

Cícero Fernandes Coutinho, que permaneceu à frente da escola apenas por um período

de dois anos (1960-1961). E depois por Dion Saraiva que ficou por um ano (1962).

Dona Amália retoma a direção da escola em 1963 e permaneceu até o final de 1976.

Destacamos o tempo (35 anos) de permanência da professora Amália Xavier de

Oliveira frente à ENRJN, porque, sob sua responsabilidade, estava nas mãos,

principalmente, dos docentes, não só dos que lecionavam naquela escola, como também

no Grupo Escolar Modelo, como anexo da ENRJN, onde as normalistas colocavam em

prática os conhecimentos teóricos recebidos na citada escola. Nesse período, a

Educação do Ceará era influenciada pelos políticos, ou seja, eles controlavam as

eleições, nomeações e demissões dos funcionários, pois deviam pertencer a seus

respectivos partidos. A seguir faremos uma cronologia comentada sobre a Amália X. de

Oliveira destacando a sua atuação permanente frente à citada Instituição.

2.4.1 Amália Xavier de Oliveira: cronologia comentada

Figura 10 Foto - Amália Xavier de Oliveira (1904 -1984). Fonte:<http://www.juaonline.com.br>-Edição 46 - 19/MAR/2006 - (Acesso: 18/06/2010).

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Amália Xavier de Oliveira, cearense de Juazeiro do Norte, nascida em 05 de

abril de 1904, conclui o curso de professora em 22 de novembro de 1927, colando grau

em sessão solene na cidade de Fortaleza e retorna a Juazeiro definitivamente em 25 de

novembro de 1927. Em 1928, funda o Externato Santa Terezinha, com o Curso primário

Misto, num prédio localizado na Av. Dr. Fluxo, esquina com a Rua Padre Cícero. Em

06 de janeiro de 1929, é nomeada professora da 4ª série do Grupo Escolar de Juazeiro18,

o primeiro estabelecimento de ensino público daquela cidade, hoje com a denominação

de Escola de Ensino Fundamental Padre Cícero.

É nomeada Diretora do Grupo Escolar de Juazeiro do Norte em 19 de fevereiro

de 1932. Em 03 de março de 1933, recebe uma bolsa de estudos e viaja para o Rio de

Janeiro, onde faz os cursos de especialização em Conhecimentos Gerais, Especialização

em Canto Orfeônico e Recreação, Jogos e Brinquedos na Escola Primária, no Instituto

de Educação. Em 13 de junho de 1934, ao ser instalada e inaugurada oficialmente em

Juazeiro do Norte a primeira Escola Normal Rural do Brasil, tendo como Diretor o Dr.

Plácido Aderaldo Castelo e Amália Xavier de Oliveira como sua auxiliar, exercendo as

funções de professora de Canto Orfeônico, Educação Física, Orientadora Pedagógica e

ainda a função de Tesoureira. Neste mesmo ano, por ocasião da VI Conferência

Nacional de Educação, realiza no pátio interno da Escola Normal Rural uma

demonstração de canto orfeônico com 600 crianças. Amália Xavier de Oliveira funda o

Pensionato Santa Terezinha em 08 de maio de 1935, que funcionava como internato

para abrigar as moças das cidades vizinhas que vinham estudar em Juazeiro do Norte.

Em 02 de fevereiro de 1936, ela publica o texto de sua conferência intitulada “Juazeiro,

seus aspectos variados e sua Escola Normal Rural” no Jornal do Comércio do Rio de

Janeiro. Em 02 de junho do mesmo ano, é criado o Grupo Rural Modelo, como anexo

da citada escola, tendo como diretora a professora Amália Xavier de Oliveira e com 33

anos, em 11 de janeiro de 1937, é nomeada oficialmente Diretora da Escola Normal

Rural quando assumiu a responsabilidade de organizar e dirigir a única Escola Normal

Rural do estado do Ceará e a primeira do Brasil, na qual muitas esperanças estavam

18 Em 1934, com ajuda do Interventor Felipe Moreira Lima, José Geraldo da Cruz construiu o primeiro Grupo Escolar no município. Batizou-o de Padre Cícero. O prédio com 12 salas, dispunha de aparelhos sanitários e banheiros, pois ele como farmacêutico tinha preocupação básica com a saúde do povo. A construção do prédio que era uma dos mais modernos na época custou a importância de 105.000$000 (cento e cinco contos de réis). Foi a única obra preservada na Praça São Vicente quando a construção do Memorial Padre Cícero, pelo então prefeito Manoela Silviano Sobrinho (Fonte: Livro de José Geraldo da Cruz – O boticário de Juazeiro s/d).

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depositadas. Ainda em 06 de fevereiro do corrente ano, é nomeada professora de

Metodologia e Psicologia Educacional da Escola Normal Rural de Juazeiro.

Funda o Curso de Economia Doméstica, agregado ao Externato Santa Terezinha,

para atender às moças que desejavam especialização nos afazeres domésticos no dia 15

de maio de 1943. Este curso funcionou até 1947. Em 02 de março de 1948, funda o

Ginásio Santa Terezinha, destinado a estudantes do sexo feminino, com cursos

doméstico e primário, que funcionou nas instalações do Externato Santa Terezinha.

No dia 01 de abril de 1950, afasta-se da direção da citada escola por seis meses

fazer uma viagem à Europa, em peregrinação do Ano Santo. Regressa no dia 02 de

outubro do mesmo ano, sendo recebida festivamente na Escola Normal Rural. Em 23

de março de 1953, tendo em vista o acúmulo de trabalho por conta das funções de

professora e diretora, pede dispensa das cadeiras de Psicologia Educacional e

Metodologia. No dia 20 de fevereiro de 1957, devido a problemas de saúde, vende às

Missionárias de Jesus Crucificado o Ginásio Santa Terezinha, cujo nome foi mudado

para Colégio Monsenhor Macedo. Em 02 de março de 1958, faz a abertura da Sessão

Solene de encampação pelo Estado, da Escola Normal Rural, na presença do

Governador do Ceará.

Em 03 de fevereiro de 1960 acontece o inesperado: é publicado o ato de 30

dezembro de 1959 no Diário Oficial do Estado, oficializando o afastamento da

professora Amália Xavier de Oliveira da diretoria da Instituição, após vinte e quatro

anos ininterruptos, ficando à disposição para prestação de serviços técnicos de

especialização rural. Silva (2009), em sua dissertação de mestrado considera que o

motivo do afastamento não é explicado e permanece como incógnita e isso se confirma

ao lermos o Diário Oficial do Estado.

“O Diário Oficial de 03 de fevereiro de 1960 publica, em sua 2ª página, reservada á secretaria de Educação, na seção Governo do Estado, ato de 30 de dezembro de 1959, o afastamento da Diretora da Escola Normal Rural, Amália Xavier de Oliveira e nomeando para o mesmo cargo o Pe. Cícero Fernandes Coutinho. Oficialmente não constou o motivo da decisão tomada pelo Governo do Estado, afastando a primeira Diretora da Escola, nomeada pelo Governo do Estado em fevereiro de 1937. Transcrevemos aqui o que consta no mesmo D.O.: - Secretaria de Educação e Saúde” (OLIVEIRA, 1984, p. 293).

Qual a repercussão desta ocorrência na instituição entre as alunas e professores?

Como decorreram os anos de funcionamento da Instituição sem a presença de dona

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Amália? Quais as causas que levariam ao desligamento da professora que, desde o

começo da ideia da fundação da Instituição, foi sempre tão dedicada ao

engrandecimento deste estabelecimento de ensino? Como decorreram os anos de

funcionamento da Instituição sem a presença de dona Amália? Estas perguntas

instigam- nos a procurar respostas que possam nos ajudar a entender o método de gestão

da Instituição.

Depois de três anos, três meses e dezenove dias longe da função de diretora,

dona Amália Xavier reassume em sessão solene no Auditório da ENRJN no dia 19 de

abril de 1963, com a presidência do deputado Adauto Bezerra de Menezes. O ato do seu

retorno foi assinado pelo então governador Virgilio Távora. Vê-se que injunções

políticas afastaram-na da direção da Normal Rural.

Certamente muitos outros olhares e discursos poderiam ser identificados se

fossemos a outras fontes, sabendo que, nesse caso, poderíamos recorrer à oralidade, já

que não há outras fontes, pois não foram encontrados autores que abordem sobre esse

assunto.

Em 14 de julho de 1969, publica o livro “O Padre Cícero que eu conheci”.

Em 18 de dezembro de 1971, Amália X. de Oliveira apresenta ao Secretário de

Educação do Estado uma exposição circunstanciada da Normal Rural desde a sua

fundação, sob o título “Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte: Testemunha no

Passado, Desafio no Presente”. Em abril de 1972, é inaugurado o novo prédio da Escola

que passou a ser denominado “Centro Educacional Joaquim Moreira de Sousa”. O

referido nome foi dado em homenagem ao Dr. Joaquim Moreira de Sousa, um dos

idealizadores da Escola Normal Rural.

No dia 07 de dezembro de 1973, Amália X. de Oliveira preside a solenidade de

formatura da última turma de professoras da Escola Normal Rural, que foi extinta por

força da Lei nº 5.692/71. Ainda neste ano, publica o opúsculo “Dados que marcam a

vida de Padre Cícero Romão Batista”. Em 16 de fevereiro de 1974, assume a direção do

Centro Educacional Professor Moreira de Sousa.

Em 23 de novembro de 1976, publica o opúsculo “Conheça o Cariri”. E em 31

de dezembro do corrente ano, pede seu afastamento da direção do “Centro Educacional

Professor Joaquim Moreira de Sousa”.

Em 21 de julho de 1977, dona Amália fica à disposição do Gabinete do

Secretário de Educação do Estado, através da portaria nº 147. Falece no dia 05 de

dezembro de 1984, no Hospital Pronto Socorro de Juazeiro do Norte, vítima de infecção

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generalizada. O desempenho desta mulher aqui destacada, por ser demais intensa na

administração da Instituição, desde sua criação, como ela mesma nos relata:

...Durante esta longa etapa lhe dei minha insignificante assistência: 1934 e 1935 como membro da Diretoria do Instituto, no cargo de tesouraria, com a responsabilidade pedagógica: 1936, Diretora porque eleita presidente substituindo o Dr. Plácido Castelo, fundador e 1º Presidente. No mesmo ano de 1936, fui transferida da Diretoria do Grupo Escolar para o Grupo Rural Modelo, anexo à Escola Normal Rural. Em 1937 fui nomeada Diretora da Escola pelo Governador Francisco de Menezes Pimentel, cumprindo disposições do convênio existente entre o Governo e o Instituto Educacional, cargo que exerci até 31 de dezembro de 1976, quando pedi afastamento (OLIVEIRA, 1984, p. 18).

A respeito desta fixidez Silva (2009) comenta que a influência de dona Amália

Xavier também era presente na escolha dos conteúdos do jornal “O Lavrador” que tem

como cerne os assuntos ligados à vida do agricultor e os principais acontecimentos da

instituição, apresentando vários artigos escritos pelos próprios alunos, como a coluna

específica com redações. Os temas abordados giravam em torno da formação de

professoras, com temas sobre pensamento pedagógico, palestras sobre higienismo,

registro das aulas de campo, relatório das excursões, práticas religiosas, datas

comemorativas, educação doméstica, arte-culinária, corte e costura, correspondência de

autoridades políticas e educacionais, referências com elogios à diretora da escola, dona

Amália Xavier e organismos como, por exemplo, o Clube Agrícola.

Como é conhecido da trajetória da ENRJN, dona Amália Xavier esteve presente

desde sua criação até seu fechamento. Num trabalho que têm como tema essa Instituição

dificilmente não se cita o nome dessa gestora.

2.5 Corpo docente

Segundo Sousa (1950), quando a ENRJN foi inaugurada na década de 1930,

nem todos os professores eram de Juazeiro, então vieram professores de outras regiões

que quase na sua totalidade, lecionavam sem qualquer formação pedagógica, nomeados

pelo Governo.

Como citado anteriormente, o governador do Estado, doutor Francisco de

Menezes Pimentel, nomeia a professora Amália Xavier de Oliveira, diretora da ENRJN.

A referida professora já exercia este cargo conforme os Estatutos do Instituto

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Educacional, Sociedade que encampou a Escola e que na última eleição (02 de fevereiro

de 1936) havia votado na mesma professora para Presidente da Sociedade.

Baseado no Relatório das Atividades do Instituto Educacional de Juazeiro do

Norte (1960, p. 8) referente ao biênio (1958-1959), foram nomeados também, pelo

Governo do Estado, os professores das cadeiras fundamentais da ENRJN conforme

convênio entre Governo do Estado e o Instituto Educacional:

1) Amália Xavier de Oliveira - cadeira: Psicologia Educacional e metodologia.

2) Dr. Mario Malzone – cadeira: Educação sanitária.

3) Dr. Manoel Belém – cadeira: Agricultura e Indústrias Rurais.

4) Padre Cícero Fernandes Coutinho – cadeira: Educação Econômica.

Em depoimento, Maria Assunção Gonçalves que estudou na Escola Normal

Rural afirma: “(...) Os professores eram de primeira. Eles eram muito rigorosos.

Exigiam disciplina e aplicação. (...) A Escola Normal Rural de Juazeiro era modelo,

não deixava a desejar. Eram aplicados mais também existiam outros que estavam ali

só, porque tinham influência política”.

Assunção Gonçalves confere aos seus antigos professores as bases da educação e

sobressalta a competência e rigorosidade.

De acordo com Oliveira (1984), por não terem formação acadêmica específica,

os professores mudavam de cadeira conforme lhes era conveniente. No entanto, a busca

por professores normalistas para assumir a função pode ser percebida no relatório:

Tem-se procurado substituir os professores leigos por normalistas, e êsses objetivos se vai conseguindo, plenamente, exceção feita de algumas escolas normais, cujo afastamento dos grandes centros de população, torna difícil o seu preenchimento por normalistas, o que não obstante, se fará pouco a pouco, aproveitando-se, para tanto, cada oportunidade que se oferecer19.

Todavia, para que essa instituição desempenhasse bem o papel a ela confiado,

tornou-se necessário, além de selecionar bem os discentes, futuros professores primários

investir no quadro docente e na direção da Escola.

Baseados nos quadros de matrículas de alunos, podemos afirmar que a sala de

aula da ENRJN era preenchida quase que exclusivamente por mulheres, durante todo o

seu período de funcionamento (1934-1973). Nesse sentido, Oliveira (1984) acentua que

19 CEARÁ, Relatório ..., 1960, p. 16.

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o tratamento as normalistas era bastante tradicional fazendo com que elas não pudessem

trabalhar, nem ser independentes, o magistério fazia com que experimentassem um

pouco de liberdade, mesmo que vigiadas pelo marido ou pelos pais, além de possibilitar

que ingressassem no mercado de trabalho.

A aparência física ou pessoal de um professor era fundamental, dentro e fora de

sala de aula. Isso pode ser verificado no depoimento de Assunção Gonçalves:

...Nosso salário era de aproximadamente cento e sessenta mil réis por mês. As professoras andavam bem vestidas: iam à aula de sapato alto, vestido de seda [...] Anos depois, vi professora, dando aulas de chinelo de borracha, com o declínio de nosso padrão orçamentário.

A interferência política causava instabilidade aos professores nas escolas

públicas, pois muitos eram demitidos quando um determinado partido vencia as

eleições, no caso de integrarem outro partido. Assim, existia a “preocupação constante

com os rumos da política estadual, já que, quando mudava o partido da situação,

ocorriam remoções, afastamentos e perda de cargos” (SOUSA, 1950, p.19). Os

professores deveriam aceitar e se conformar com a situação sem reclamar, como ressalta

Assunção Gonçalves em seu depoimento:

“... Há muitos anos atrás, a vida do professor era bem difícil. Não se podia reclamar de nada, caso reclamasse na maioria das vezes seria transferida para uma escola mais distante, não havia greve, quem não estivesse satisfeito que caísse fora. (...) Porém, havia dedicação e respeito pela própria profissão, assim como pelas pessoas de fora”.

Com base nesse depoimento, percebe-se que dificuldades era o que não faltavam

para o exercício da docência, tendo em vista que a primeira delas era a própria

nomeação, pois quem pretendia lecionar na cidade havia poucos grupos escolares

mantidos pelo Estado, e as vagas geralmente eram preenchidas pelas professoras que

tinham apadrinhamento político. Para quem pretendia lecionar nos grupos escolares da

zona rural, faltava transporte público.

No que diz respeito à conduta do professor, as instituições de formação docente

são responsáveis em parte pela constituição do comportamento de seus futuros

profissionais. Nesse aspecto a imprensa escolar, também funciona como parâmetro de

orientação pedagógica [...] essa imprensa como dispositivo de orientação – intelectual e

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moral – do magistério, ou seja, de formação contínua de professores (BASTOS, 2002,

p. 151).

Cada professorando ao ingressar numa escola para iniciar sua formação, entra

com conhecimento acumulado de sua história de vida que aos poucos vai sendo

moldado pelas normas de sua instituição. Segundo Vidal (2002):

Mesmo reconhecendo que as Escolas Normais tenham se constituído como lócus especifico de formação escolarizada de docentes, não devemos esquecer que os professores, ao ingressar na escola como profissionais, são alvos de processo de socialização que redimensionam o saber que eles receberam ao longo de sua escolarização nos cursos de formação de professores. (p. 206)

Esse processo de socialização no caso da ENRJN passa de maneira determinante

pelas experiências vinculadas ao campo. Os educandos precisavam ter o mínimo de

adequação ao mundo agrícola para atenderem ao currículo proposto pela escola. Enfim,

a escola deve vincular-se efetivamente ao meio social, saindo de seu isolamento.

As escolas normais, em geral frequentadas por “moças de família”, ofereciam

instruções de “bom” comportamento em sociedade, o propósito era educar de forma que

as mulheres fossem recatadas visando em parte um futuro casamento.

2.6 Concepções de formação do professor para a zona rural nos anos trinta

A construção da concepção de professor primário rural foi largamente

apresentada por Sud Mennucci em seu livro “A crise brasileira de educação”, publicado

em 1930. A obra tinha como foco a necessidade de criar “uma consciência agrícola

contra o sentimento urbanista dominante”(MENNUCI, 1934, p.118), o que seria

possível especialmente pela criação de uma “escola nova” organizada sob a forma de

internato instalado em zona de campo, valorizando a educação rural para enfrentar o

“flagelo urbanista”.

No Brasil, a crise da educação decorria das difíceis e desvalorizadas condições

do trabalho agrícola e da transposição de soluções educacionais de países desenvolvidos

que não tinham a característica agrícola como o Brasil.

Para o autor, a crise da educação brasileira era constituída, dentre outros

motivos, pela antipatia ao trabalho agrícola relacionado à escravidão e pelas diretrizes

urbanistas da legislação, fatores estes que repercutiam no sistema educativo fazendo

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com que as escolas se voltassem para a vida na cidade. É como se a zona rural não

existisse, pois prevalecia a cidade na organização de serviços públicos e coletivos.

Portanto, eram dois os alvos a combater para conter o êxodo dos campos.

Primeiro destruir o preconceito contra o trabalho rural e, segundo, preparar para que

esse trabalho fosse “eficiente e rendoso pelos métodos que exige a luta comercial”

(ibidem, p. 201).

O professor rural devia ser entusiasta e conhecedor das lides agrícolas,

incentivador, conhecedor e impulsionador da vida no campo. Na zona rural, o ensino

das disciplinas acadêmicas formais era o menos expressivo, pois mais valeria para o

professor rural a sua atuação social.

A Escola Normal não estava aberta a esta contextualização e leitura de seu papel

social, nem sensibilizada em sua proposta curricular para questões econômicas e do

mercado de trabalho local e regional. A instalação de um novo tipo de Escola Normal

com outro perfil era urgente para a formação do professor para a zona rural com perfil

diferenciado.

Usualmente a Escola Normal formava o professorado urbano, o qual não

percebia a necessidade do trabalho agrícola e não tinha condições de atuar

positivamente no meio rural. Assim, a Escola Normal Rural deveria seguir uma

proposta diferenciada contemplando três indispensáveis conhecimentos: agricultura,

enfermagem e higiene, e os relacionados à inovação e incentivo do progresso no meio

rural, além de alfabetizar o homem do campo.

Mennucci estava profundamente comprometido com a reabilitação da zona rural

por meio da revitalização de suas escolas de primeiras letras que seriam assumidas por

um professor de perfil próprio cuja ação se desenrolaria na sala de aula, mas

especialmente na liderança da comunidade. Era o ambiente rural e suas necessidades

que condicionavam a formação do professor e as exigências que ele deveria enfrentar.

O que diferenciava a Escola Normal da Escola Normal Rural era a abrangência

do trabalho pedagógico desta última, não apenas circunscrito a ensinar a ler e escrever, à

sala de aula, mas um trabalho de constituição social, de formação do cidadão e do

ambiente rural, das zonas de campo e litorâneas, atento às diferenciações regionais.

Esta nova instituição, a “escola primária rural” estava para ser construída pelo

“novo professor”, aquele que acreditasse na vida rural e não apenas se envolvesse com o

ensinar a ler e escrever, que repetisse rotinas adotadas usualmente em escolas urbanas.

Nela o professor rural deveria abordar a situação dos alunos e as condições das

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comunidades, modificá-las e tratá-las. Nesta proposta, havia um certo messianismo no

trabalho do professor rural, mas, por outro lado, pode-se identificar aí, um alargamento

da pedagogia que se estendia para a vida da comunidade. Os resultados educativos que

o professor rural deveria alcançar eram a alfabetização, a formação higiênica, o amor e

capacidade de realização das atividades rurais.

Mennucci chamou a atenção para o quanto o professor de zonas rurais deveria

permanecer atento às situações concretas de trabalho, uma vez que estas eram diferentes

na zona rural e na zona urbana. Destacou também o professor deveria ter conhecimento

do conteúdo do trabalho rural para bem intervir nas situações rurais, para modificar a

mentalidade do homem do campo. Isso implicou num alargamento do currículo de

formação do professor, especificando-o e impregnando-o de conteúdos relacionados à

vida rural. As Escolas Normais Rurais deveriam, acima de tudo, ter área para o ensino

agrícola, nesse sentido reiterava Mennucci (1934): “se as nossas normais existentes têm

seu grupo ou escola-modelo para campo de experiência e de treino de futuros mestres,

uma normal rural deve ter anexo o seu aprendizado agrícola”. (p. 150)

Médicos e agrônomos deveriam ser selecionados para lecionar as disciplinas de

agricultura e higiene nas Escolas Normais Rurais, autoditadas em processos

pedagógicos, tornar-se-iam “hábeis professores”.

2.7 As festividades como elemento de formação: eventos e datas comemorativas

Neste tópico, discorreremos sobre alguns elementos formativos da Normal Rural

de Juazeiro. Os momentos de solenidade por ocasião das datas importantes da

Instituição tornam-se mais do que espaços de festa, por permitirem socializar as lutas,

os ideais, as conquistas e tentar reunir todos em torno de um mesmo acontecimento.

A história da preparação das normalistas no Juazeiro e a consequente

profissionalização estão imersas em um conjunto de ideias sobre a educação e suas

possibilidades. Tais ideias expressas nas leis justificadas nos relatórios dos inspetores e,

principalmente nos dos professores, possibilitaram a compreensão mais aproximada das

reais condições escolares da época à qual se reportam, uma vez que era o professor

quem estava diretamente vinculado às questões que perpassavam sua prática cotidiana.

Os documentos constituem-se ainda como ferramenta básica para as discussões e

reflexões sobre essa instituição na qual recaíam as esperanças de melhoria do nível de

ensino e de aprimoramento da educação em Juazeiro. Nesse conjunto de documental,

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consideram-se, além das leis e dos relatórios, as propostas de reformas da Escola

Normal e algumas obras escritas por aqueles que pensaram a formação do professor e

propuseram as políticas públicas.

As leis, relatórios e livros de registros, depoimentos e o jornal escolar dentre

outros documentos aqui considerados, representam “vestígios” que possibilitam

perceber as concepções sobre educação e o modo como deveriam ser preparados os

docentes, bem como a função que lhes era atribuída pelo Estado. Constituem-se ainda,

em um conjunto de ideias e ações determinadas e aceitas oficialmente, como passíveis

de aplicação em determinado momento e em determinada realidade. Dentre o conjunto

de ações, estão inseridos os eventos e as datas comemorativas.

2.7.1 Os eventos

A invenção de um estabelecimento que sempre traz a tarefa da realização de

grandes episódios, muitas vezes é para dar popularidade à escola. Assim, sucede por

meio da efetivação da “Cruzada Nacional da Educação”, em 1934, escrita no jornal “O

Lavrador” de número 1 de 14 de junho de 1934.

Juazeiro hospeda, com justificado desvanecimento, a ilustre embaixada da Cruzada Nacional da Educação, constituída pelos distintos acadêmicos Justino Vilela, Renato Neves, Garibalde Brasil, da Universidade do Rio de Janeiro. Comunicada pelo sadio entusiasmo que à alma sonhadora das moças vem despertando a redentora campanha pela educação do nosso povo, a embaixada acadêmica penetrando os sertões longínquos do nordeste, semeia a fecundidade do nosso entusiasmo e do nosso patriotismo. (...)

A cidade de Juazeiro, orgulhosa, abraça a campanha redentora daquela Cruzada,

recebendo sublimes visitantes do Rio de Janeiro. Para este primeiro ano de

funcionamento da Instituição, este evento torna-se causa de coragem e amor à Pátria.

A seguir, as fotos fazem parte do acervo da professora Assunção Gonçalves e

retrata momentos históricos da ENRJN.

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Como já citado anteriormente, outro evento marcante é a “Semana Ruralista de

Juazeiro”, que é fruto da iniciativa da Sociedade dos Amigos de Alberto Torres,

associação empenhada com a tarefa de disseminar a supremacia da vida no campo. Esta

semana foi instalada no dia 22 de junho de 1935 e sua passagem foi registrada por meio

da publicação de anais em 1938.

Ainda, com o mesmo fervor ruralista é ressaltada a formatura das professorandas

de 1964 no Auditório da Instituição, elevando ao número de professoras formadas para

Figura 12 Esta foto mostra alunas da Escola Normal Rural em dois momentos: 1) em aula de campo e 2) em recreação, oportunidade em que aproveitavam para exercitar a música

Figura 11 A foto, ao lado, mostra dois momentos de um desfile de 7 de setembro dos alunos da Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte. No momento da foto, os alunos desfilavam na Rua Padre Cícero ao lado da Praça Padre Cícero. No pelotão feminino mostrado na parte de cima da foto, as alunas trajavam a tradicional farda: saia vinho e blusa branca.

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601. O jornal escolar exalta este evento: “Ao registrar este acontecimento, ´O

Lavrador´ presta culto as neo-professoras e lhes deseja as melhores conquistas, árdua

missão de educar o homem do campo”. Em mais um sinal de apoio à turma composta de

vinte e três formandas, tem seus nomes estampados na capa em forma de homenagem.

Como bem aponta Silva (2009), o jornal “O Lavrador” apresenta, em seu

número 124 datado em 13 de maio de 1965, a manchete a excursão no “Campo de

Experimentação Agrícola”, realizada no dia 30 de abril em uma instituição da Icasa20,

em associação com a SUDENE21 e com o Ministério de Agricultura. O relato é

segurado: “Esta excursão, tão proveitosa para nós, que amanhã estaremos fazendo as

vezes daqueles agrônomos, ficará entre as mais belas páginas, que nos informam neste

sentido”. As viagens, assim como nas primeiras décadas de funcionamento da

Instituição eram colocadas como recurso pedagógico, sendo todas direcionadas com

objetivos da devida supervisão dos professores responsáveis pela atividade.

2.7.2 Datas Comemorativas

Segundo Oliveira (1984), as datas comemorativas são festejadas para estimular

os discentes a internalizarem ainda mais os fatos como importantes para sua formação.

A referência ao dia da árvore não se resumia apenas ao dia 21 de setembro, pois

a ENRJN celebrava uma semana inteira dedicada à árvore com atividades envolvendo

os educandos e os professores, como indica o jornal escolar 27 de setembro de 1937.

Como a Escola Normal Rural de Juazeiro comemorou a Semana da Árvore – A escola Normal Rural de Joazeiro, visando comemorar solenemente a Semana da Árvore, resolveu organizar p seguinte programa: Dia 20 – Palestra sobre a árvore, realizada pelas alunas da Escola Normal Rural, nos grupos escolares e nas diversas escolas do município. Dia 21 – Desfile dos alunos de todas as escolas e concentração na Praça Almirante Alexandrino, onde falarão os alunos José Sebastião da Paixão, sobre a importância da árvore e Venusia Cabral, sobre a data. Dia 22 - Visita dos alunos da Escola Normal Rural ao Bosque Luis Queiroz, onde falarão as alunas Maria Rodrigues sobre a necessidade de se plantarem árvores, e Luci Landim recitará uma poesia à árvore. Dia 23 – Sessão do Clube Agrícola Alberto Torres, na Escola Normal Rural. Dia 24 - Fundação de clubes agrícolas nas diversas escolas do município. Dia 25 – Assembléia Geral de todas as instituições escolares

20 Empresa do ramo de algodão instalada em Juazeiro do Norte-Ce. 21 Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste.

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existentes na Escola Normal Rural. Dia 26 – Festival, chá e quermesse, das 13 às 18 horas.

A comemoração do dia da árvore adquire significado especial dentro de uma

escola que tem a agricultura, uma de suas ideias principais, como meio indispensável

para o progresso no país.

A árvore deve ser modelo de solidez para as normalistas que enfrentam um

processo de mudança, em que o ruralismo passa a ser sua fortaleza. No mês de

setembro, é reconhecida a absoluta importância da árvore na vida da sociedade por

proporcionar inúmeros melhoramentos e vantagens. Ressaltamos que uma

particularidade das datas comemorativas da ENRJN são os momentos dedicados a

temas ligados à vida do campo, ressaltando as ideias da Instituição de que a aluna viva

no campo e para o campo. Entretanto, nesta década, a partir de 1934, a ENRJN surge

como mais uma opção para educação dos filhos da elite juazeirense que desejam formar

suas filhas.

Assim como Silva (2009), considero que o destaque da década de 1950 será a

encampação da Instituição, por representar a vitória de uma luta antiga, pois, desde a

fundação desse estabelecimento de ensino, esperava-se a contribuição do subsídio do

Estado para promover as melhorias necessárias na estrutura física e nas condições

profissionais. Outras datas de grande ênfase religiosa ocupam destaque com cinco

registros nos jornais da década de 1950. Daí fica evidente que:

“a religião vigente na Instituição é católica, um dos pontos é o culto à Maria, Mãe de Jesus, demonstrado em coroações e orações no início e final de maio. Seguimos com o registro do “Relatório das Sessões e Empreendimentos” realizados pelo Clube Agrícola Alberto Torres, número 46, durante o ano de 1964, quais sejam: a comemoração do dia da abolição da escravatura, do dia da árvore com a plantação de mudas e relatório de excursões”.(ibidem, p. 76)

A autora nos lembra que o número 134, de 28 de outubro de 1970, inicia

apresentando o artigo da aluna Maria Soledade Félix Lima, do segundo ano normal

rural, que convoca toda a juventude, fazendo alusão ao dia 11 de agosto, o dia do

estudante.

Mensagem aos Estudantes – Vivemos a era da tecnologia, das comunicações das grandes descobertas, da superioridade da máquina e em que, a educação é a principal meta dos grandes

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líderes. [...] 11 de agosto – Dia do estudante. Aqui vai a mensagem de uma estudante confiante em si, em seus colegas, enfim nessa juventude de mentalidade sadia que estuda em prol de si, do seu semelhante da sua pátria. Que estuda com amor em busca da verdade, do caminho para a vida em linhas cristãs. Precisamos dar aos jovens estudantes a valorização e o apoio necessário. (ibidem, p. 86-87)

Para Silva (2009, p. 89), é possível observar que esta mensagem para juventude

estudantil está em consonância com as mudanças tecnológicas que regem os novos

tempos. O estudante é chamado a estar ciente dessas mudanças, confiarem em cada vez

mais em seu potencial e sem esquecer-se de seguir os preceitos cristãos. Segundo a

autora, outro ponto salientado, neste mês de outubro, é a comemoração do dia do

professor. Esta data é pauta para o jornal desde as suas primeiras divulgações. E a vida

destas professoras era carregada de ensinamento de grandes educadoras, não muito

diferente do restante do Estado e do país, a figura de Lourenço Filho é exaltada. O

trabalho enviado como contribuição à Semana de Estudos Pedagógicos, em 13 de

outubro de 1970, com o título “Lourenço Filho: Pioneiro da Escola Nova”, neste escrito,

a figura de grande professor é reforçada.

No entanto, Silva (2009) nos indica que em conformidade com as outras décadas

de publicação dos jornais, o número 137, em 13 de junho de 1971, traz, em sua

manchete “Meu cartão de parabéns”, menção aos trinta e sete anos de funcionamento da

Instituição. O professor Elias Rodrigues Sobral escreve sobre a importância da história

do professorado ruralista em seu artigo, com o foco de dona Amália Xavier, que é

exaltada com a seguinte legenda: “Professora Amália Xavier de Oliveira – Mola mestra

da Escola Normal Rural”.

[...] Este desenvolvimento extraordinário de que a ESCOLA NORMAL RURAL DE JUAZEIRO DO NORTE foi detentora, deve-se unicamente à sua atual diretora PROFESSORA AMÁLIA XAVIER DE OLIVEIRA. Ao pronunciar o seu nome com toda reverência que os seus méritos exigem, sentimos o calor das suas virtudes cívicas e o valor extraordinário da sua alma eleita para elevados fins. [...] No entanto, no meio de tantas glórias de tantas venturas, cabe-nos reconhecer que tudo isto, foi obra da grande artífice do bem, daquela que ainda hoje, se encontra à frente dos destinos deste grande barco, a educadora AMÁLIA XAVIER DE OLIVEIRA, aquém neste dia, transmito, de publico, o meu muito obrigado, pelo muito que ela fez e está fazendo, por um Juazeiro civilizado, culto e próspero. (ibidem, p. 90)

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100

Dona Amália Xavier é venerada pelo seu desempenho à frente da Instituição, e

neste escrito, nenhum outro nome é citado. Será mesmo que todos os merecimentos são

unicamente de dona Amália? Por que não lembrar os sócios cooperadores na criação da

Instituição, os educadores que ofertaram suas vidas em anos de trabalho e o corpo

administrativo que deu assistência a dona Amália em inúmeros trabalhos? Esse

questionamento é pertinente à medida que essa investigação trata de verificar a sua

existência como acontecimento político e averiguar sobre outros protagonismos mais

ocultos que cooperaram com a Instituição e os documentos aqui examinados. Longe de

visar o reforço a essa “divinização” das personalidades ditas como principais na vida da

Instituição. Outra inquietação crescente eram as práticas agrícolas, que ganham força

nas páginas do jornal, também olhadas como apropriadas para a educação do corpo

discente. Os tópicos, que antes tomavam várias colunas do jornal escolar, agora são

diminuídos.

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101

CAPÍTULO III

O CURSO NORMAL RURAL EM JUAZEIRO: A ORGANIZAÇÃO CURRICULAR PARA FORMAÇÃO DE PROFESSORAS

O Curso Normal Rural e a organização curricular para formação de professoras

ruralistas são apresentados como objetos de preocupações educacionais em relação aos

mesmos. Consideramos que uma primeira etapa deste esforço consistiu na realização de

um intenso trabalho de campo in loco, ou seja, no município de Juazeiro do Norte,

contexto onde se encontra fixada a primeira Escola Normal Rural do Brasil. A ENRJN

tinha como objetivo formar homens e mulheres com currículos específicos. Preocupada

com a formação específica de professoras ruralistas buscando a modernização

pedagógica no estado, o programa da ENRJN foi estruturado em três anos (CASTELO,

1951, p. 17). Oliveira (1984) afirma:

Às normalistas era preconizado o grande valor da instrução e da educação da primária. Por isso, a Escola Normal Rural de Juazeiro organizou o seu currículo visando instrumentalizar o futuro professor com conhecimentos de base científica, moral e metodológica, a fim de formar cidadãos aptos para atuarem no mundo moderno de acordo com sua cultura e realidade. (p. 45)

A nosso ver, essas foram às condições sociais, econômicas e culturais que

originou a ENRJN. Quanto ao seu conteúdo escolar, procurou-se determinar o que era

fundamental à formação comum da intelectualidade e, por isso, logo em primeiro plano,

a aquisição das técnicas básicas de ler e escrever, associadas à necessidade do cálculo

elementar, isto é, da aritmética.

3.1 Organização curricular para formação docente

O currículo, que entrara em vigor no ano de 1935, estabelecia um Curso Normal

Rural a ser ministrado conforme o quadro (12) que segue. A admissão era antecedida de

dois anos em um curso intermediário (o Curso Complementar) quadro (13) nos três anos

de estudos pedagógicos. De acordo com o Regulamento da ENRJN, o currículo dos

futuros docentes ruralistas do Ceará estava estruturado em: Curso Complementar

(objetivava a preparação das normalistas para admissão nesta instituição de formação

docente) dois anos e Curso Normal Rural (habilitava as professoras ruralistas) três anos.

A distribuição das disciplinas em três anos era feita conforme mostra o quadro a seguir:

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Quadro 12. Disciplinas ministradas no Curso Normal Rural

Fonte: Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte-CE.

O Curso Complementar, ainda segundo o Regulamento da escola, era

constituído pelas disciplinas relacionadas no quadro abaixo e distribuídas nos dois anos:

Quadro 13: Disciplinas ministradas no Curso Complementar

Fonte: Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte-CE.

A partir do currículo da ENRJN, verificamos que o Curso Complementar

oferecia duas disciplinas vinculadas às práticas agrícolas, demonstrando que a candidata

ao Curso Normal Rural de Juazeiro era preparada para o meio rural desde o início de

sua formação. Além da indicação do aprendizado realizado por meio da prática, existia

a predominância de disciplinas de cunho teóricas, e até mesmo aula de francês, o que

nos sugere que existia a previsão de um grau de erudição elevado e a mediação dos

padrões culturais predominantes do período no Ceará.

No que diz respeito ao Curso Normal Rural, notamos que o 1º e 2º ano dão

ênfase à formação teórica, pois apenas a disciplina de Desenho e Trabalhos manuais

explicitam a efetivação prática de atividades das alunas nessa instituição de formação

docente. Em contrapartida, o 3º ano é composto de disciplinas direcionadas para a vida

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103

no campo da professora ruralista, tais como: noção de sanitarismo, psicologia da

educação, conhecimentos a respeito da agricultura e da economia.

A organização curricular da escola seguiu o modelo da Escola Normal da capital

cearense. No que se refere à prática pedagógica, pode-se dizer que o professor

esforçava-se para ministrar suas aulas com o conhecimento que tinha e preencher todos

os documentos exigidos. O depoimento de Assunção Gonçalves, que foi aluna da

ENRJN e anos depois lecionou na instituição, acentua:

[...] Precisava organizar aqueles pontos quilométricos que éramos obrigados a dar aos alunos, desenhar mapas, explicá-los porque, naquele tempo, até as partes do mundo eram ensinadas no 4º ano primário. Dávamos muita teoria, os alunos eram obrigados a resolver uma quantidade enorme de problemas, mas aprendiam de fato.

O tradicionalismo era habitual nessa época e na memorização um recurso

importante para confirmar a aprendizagem do aluno.

As práticas educativas da escola estavam constituídas para serem realizadas nos

turnos da manhã e da tarde, sendo que no segundo turno do dia eram realizadas ações

nomeadas de práticas, isto é, para cada aula teórica no período da manhã eram

vivenciadas aulas de “prática no campo ou atividades nas chamadas pequenas

indústrias, artes e educação doméstica com cursos de Desenho, Corte e Costura e Arte

Culinária”. (SOUZA, 1994, p. 35)

Ainda o autor, os estudantes deveriam, ao final do curso, apresentar trabalho

concernente às atividades ditas práticas. As referidas atividades eram fundamentadas

nos relatórios realizados pelas quais os estudantes ficavam responsáveis no local que

nomeavam de “fazenda” (ibidem, 36)

Por meio das análises realizadas no jornal “O Lavrador”, publicado pela escola

no período investigado (1934 a 1974), encontramos descrições de atividades que se

caracterizavam por realizar ações fora do ambiente físico da instituição, em locais com

características do meio rural. Destacamos como atividades reconhecidas e descritas nos

documentos como “atividades de prática ruralista”, como a criação e as ações realizadas

no Clube Agrícola Alberto Torres, as pesquisas e atividades que subsidiavam a escrita

do jornal “O Lavrador”, o Pelotão de Saúde Dr. Manuel Belém de Figueiredo e o Grupo

Rural Modelo.

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104

A proposta de uma instituição de formação de docentes para o meio rural nasceu

consorciada aos ideais da “ruralização do ensino”, pensamento propagado na primeira

metade do século XX por pensadores sociais como Sílvio Romero, Alberto Torres, o

sanitarista Belizário Pena e Sud Mennucci (FILHO, 2001). Houve, no início da década

de 1930, um forte debate sobre o assunto no cenário nacional. No Ceará, esta discussão

se desenrolou associada ao trato com a seca e a fome. Nesse cenário, a ENRJN

constituiu-se como uma necessidade: formar professores que estivessem preparados

para educar os homens do campo.

O Regulamento do curso por meio do Decreto nº. 1.269, de 17 de maio de 1934,

apresenta as diretrizes e regras de funcionamento norteador do trabalho pedagógico, é

composto de 12 capítulos, a maioria voltada para definições de aspectos administrativos

burocráticos (Cap. II, IV, VII, VIII, IX, X, XI e XII). O pensamento pedagógico,

norteador da proposta de formação de professores nesta instituição, pode ser percebido

de forma mais explícita em quatro capítulos (I, III, V, VI) que abordam orientações

práticas para os professores.

A orientação metodológica destaca que o “ensino deve ser feito, tanto quanto

possível, tendo-se em vista o interesse dos educandos e da sociedade a que vão servir”

(Capítulo III, Art. 20). Para tanto, indica a adoção dos “métodos ativos22”, processo em

que o mestre assume tarefa significativa lançando mão dos meios que facultam a

pedagogia nova.

Do ponto de vista dos fins da educação, a Escola Nova entende que a escola

deve ser órgão de reforçamento e coordenação de toda a ação educativa da comunidade:

a educação é a socialização da criança. Do ponto de vista político, pretende a escola

única e a sua paz. Do ponto de vista filosófico, admite, mais geralmente, as bases do

neovitalismo, que as do mecanicismo empírico. Diante desses pontos de vista, e para a

consecução de tais fins, propõe novos meios de aplicação cientifica (LOURENÇO

FILHO apud GADOTTI, 1996).

Sendo assim, o destacado educador Lourenço Filho, no trecho acima, explicitava

o cerne do escolanovismo. Entende-se, portanto, que o movimento pretendia alterar

práticas e saberes escolares.

Vê-se, por meio dos documentos escritos, que sobre a concretização do método

ativo no cotidiano dessa instituição ressalta a preocupação em articular, de modo

22 Princípios da Escola Nova.

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105

prático, os conteúdos com a realidade social dos educandos, em particular aqueles

relacionados com o meio rural.

Esperava-se que as normalistas conhecessem labores, assim como soubessem

orientar os filhos dos lavradores, fomentando uma nova mentalidade em relação à

agricultura. Além destes saberes ligados à prática, os conhecimentos profissionais e

pedagógicos também eram valorizados, como nos indica a leitura feita no caderno de

Psicologia (1938) que pertence à Assunção Gonçalves. Ela, ao tratar sobre fatores

ligados a aprendizagem da moça, que antes de se formar, casava-se, ia encontrar ali, na

ENRJN, uma verdadeira escola de “fazer fazendo”. Nesse caderno, o primeiro ponto

tem como tema Educação, Fatores da Educação e Ação Educativa, enfatizando os

aspectos biológicos, sociais e morais como bases teóricas fundamentais para o bom

êxito educacional.

A importância do binômio inclinação-ambiência social ou interesse-sociedade,

em toda e qualquer aprendizagem que, em última análise, não é senão processo de

relações humanas, implicava na transmissão de experiência já possivelmente adquirida

pelo grupo social ou pela humanidade, cujo grande destaque pedagógico residiu na

aplicação da psicologia à educação, no emprego da língua materna para o aprendizado

das línguas clássicas e na utilização do método ativo no ensino.

Sobre o estudo da psicologia experimental, deveria ser discutido como a criança

vê, experimenta e faz. Precisava elaborar seu próprio conhecimento, o que pressupunha

uma nova dinâmica, deslocada do ensino para aprendizagem. Segundo Vidal (2000),

A psicologia experimental dava suporte à cientificidade da pedagogia e produzia no discurso da escolarização de massas populares o efeito da individuação da criança: ao recurso aos testes e à constituição das classes homogêneas pretendia assegurar a centralidade da criança no processo educativo e garantir o respeito à sua individualidade. A regulação das práticas escolares realizava-se pela contabilidade de ritmos e produção de gestos eficientes. Os materiais da escola recebiam outra importância porque imprescindíveis à construção experimental do conhecimento pelo estudante. Os métodos buscavam na atividade sua validação. (p. 498)

Há consonância do fragmento acima com um trecho do caderno de Assunção

Gonçalves, ao nos acentuar que “os materiais revelavam à vista e aos demais sentidos

(tato, audição, paladar e olfato) o objeto a ser conhecido, quando não fosse possível

realizar excursões para tudo poder ver no próprio local”.

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106

Nota-se que, na época, havia uma valorização do estudo das faculdades mentais

e morais do homem, não apenas do ponto de vista pedagógico, mas também do

psicológico, entendendo psicologia como conhecimento filosófico da natureza humana e

de suas faculdades.

Salientamos que os assuntos de caráter teórico, relacionados à metodologia de

ensino, também são alvo de atenção do Regulamento da Escola. Este é o caso, por

exemplo, da escolha dos métodos de ensino, aspecto registrado no Capítulo III:

Art. 23 O professor de metodologia dará aulas modelo duas vezes por semana, em frente das normalistas. Parágrafo único: Uma vez, ao menos, na semana, haverá exercícios didáticos, no Curso Primário e se processarão de acordo com as modernas técnicas de ensino (centros de interesse, projetos, tarefas, etc.). c) da organização de relatórios, feitos em colaboração pelos alunos, sobre trabalho nas classes, desenvolvimento de projeto e centros de interesse, e excursões23.

Nesse sentido, podemos dizer que há relação entre a posposta metodológica das

aulas modelo com as práticas escolanovistas, ao citar as técnicas de ensino

características do pensamento pedagógico da Escola Nova (centros de interesse e os

projetos) e a participação ativa dos alunos na elaboração de relatórios.

Podemos destacar como ponto de aproximação, dentro da ENRJN com os

Centros de Interesse, “a promoção anual de que reuniam os alunos em torno de um

mesmo interesse” (O LAVRADOR, 1938, p. 06). Em outubro e novembro de 1938, um

dos concursos teve como tema “criação”, e a turma do 3º ano primário ficou

responsável por cuidar de pássaros. Cada estudante recebeu da professora uma tarefa,

quais sejam: limpar os viveiros, dar comida e água às aves. E, por fim, assim como nos

Centros de Interesse, era necessário expressar o aprendizado, que, neste caso foi

concretizado por meio de relatórios sobre a classificação dos pássaros existentes no

viveiro. Outros exemplos que nos lembram esta técnica de ensino são as instituições

escolares como o Clube Agrícola, a Liga da Amabilidade e Grêmio Literário Padre José

de Anchieta, onde os associados envolvidos com o mesmo objeto de interesse

trabalhavam com o intuito de fortalecer as bases do ruralismo, o amor aos estudos e aos

colegas. E também, por meio de palestras, discursos, relatórios e atividades práticas,

23 Regulamento da Escola Normal Rural, 1934.

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107

demonstravam a manifestação do que foi apreendido por meio dos trabalhos feitos em

conjunto.

O outro método ativo citado no Regulamento da ENRJN é o sistema de Projetos

concebido por John Dewey (1859-1952), expressivo pedagogo americano e idealizado

com o objetivo de conduzir a educação para o caráter utilitarista e pragmático. Assim,

era valorizado o modelo utilitarista da educação dentro do contexto do meio rural e dos

interesses da sociedade, por meio do empenho da pesquisa de cada discente.

Estes desejos de inovação na formação de professoras exigiam nova postura e

atitude dos aspirantes ao magistério, pois, com a Escola Nova, eram “proibidos os

abusos de palmatória e os desagradáveis castigos” (O LAVRADOR, 1934, p. 08).

Será em consonância com o novo modelo de mestre proposto pelo movimento

de renovação da educação, que o Regulamento da ENRJN estabelece que “aos

professores compete: levar os alunos a aquisição de processos ativistas, fazendo-os

trabalhar, com interesse [...]” (Capítulo VI, Art. 54).

Dessa forma, podemos afirmar que a função docente deve ser a de conduzir seu

alunado para atividades voltadas para a prática. Tais atividades, dentro da escola, eram

valorizadas e aplicadas aos alunos com o intuito de ensinar assuntos pertinentes à vida

do campo e de acordo com a realidade das normalistas.

Porém, os idealizadores da ENRJN entendiam que a educação tinha por fim a

formação do indivíduo participante do processo produtivo e da organização política do

país, educando-o e preparando-o para a vida por meio de um ensino prático que partisse

do universo conhecido por ele para o desconhecido.

Nessa perspectiva, a preparação para a vida centrava-se numa proposta

metodológica que concebia o desenvolvimento a partir da experiência sensorial, sendo

essa metodologia a principal preocupação na formação da futura professora.

Notadamente, podemos perceber que, se a prática era um componente forte e

essencial da formação da professora, muito auxiliando na pertença à carreira docente,

então as questões relacionadas ao trato, valorização, desenvolvimento de tarefas e

compromissos com o mundo rural deveriam ser contempladas em tais espaços de

prática se o objetivo fosse formar a professora para as zonas rurais.

De acordo com Regulamento da Instituição, no que diz respeito aos conteúdos, a

agricultura e agrimensura figuravam no currículo, pois Geometria, Desenho Linear,

Ciências Naturais, Mineralogia e Geologia, ou outros conteúdos para serem transpostos

do nível de conhecimentos científicos para conhecimentos escolarizados, precisavam ser

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108

contextualizados, organizados em relação à realidade concreta e não apenas em forma

de conhecimentos sistemáticos e abstratos.

Por isso, a menção à agricultura, agrimensura e elementos do mundo rural que

não eram saberes de formação profissional da professora, não entravam nos currículos

como saberes técnicos necessários à renovação de funções vinculadas ao mundo rural,

nem como um saber a ensinar em escolas primárias, mas como exemplos concretos e de

aplicação de outras disciplinas.

3.2 A ênfase em conteúdos não propedêuticos das Escolas Normais Rurais

No contexto dos anos trinta do Séc. XX, em que a escola era vista como

fomentadora de melhores condições socioeconômicas da população pela ênfase em sua

dimensão instrumental e destaque a suas possibilidades de articuladora das condições

locais e regionais, instala-se a Escola Normal Rural.

O 8º Congresso Brasileiro de Educação, realizado em Goiânia, em 1942, referia-

se elogiosamente à primeira Escola Normal Rural do país criada em 1934 na cidade de

Juazeiro do Norte, inscrevendo, em seus anais, um “voto de aplauso à citada escola, no

estado do Ceará, realização pioneira que veio, por um ato concreto, salientar o aspecto

ruralista, na formação do professorado primário” (Associação Brasileira de Educação,

1944, p. 43).

Com um currículo que abre espaço para os conhecimentos relacionados ao setor

primário de atividades econômicas, a ENRJN supera a fase, na qual agricultura,

agrimensura e outros temas nitidamente do mundo rural figuravam de forma quase

invisível e sem função instrumental, apenas para tornar mais concretos os conteúdos de

disciplinas propedêuticas.

Por outro lado, a ENRJN marca não apenas esta alteração na proposta de

formação de professoras pela inclusão de disciplinas de Indústrias Rurais, Zootecnia,

Agricultura e outras, mas também por se caracterizar como um curso desenvolvido para

uma clientela masculina. Isso decorre das novas funções a que a escola rural deveria

atender e ao perfil de liderança comunitária e de modernização agrícola exigido na

atuação da professora rural.

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109

3.3 O pensamento ruralista, as práticas cotidianas e as bases pedagógicas da primeira Escola Normal Rural do Brasil

As meditações sistematizadas, neste tópico, enfatizam as coisas do cotidiano

como fontes que admitem compreender as relações humanas no tempo e no espaço que

queremos historiar. De modo mais específico, nosso interesse recai sobre as práticas

ruralistas vivenciadas no dia a dia da ENRJN. O tema examinado busca constituir

relações que auxiliem a constituição das tramas que possibilitarão a compreensão das

práticas ruralistas vivenciadas no cotidiano da ENRJN, mediante a narração do que se

entendia por ruralismo pedagógico na época da fundação da escola.

Nesse sentido, após traçarmos o cenário dos trinta e nove anos de funcionamento

da ENRJN, apresentando os marcos cronológicos mais significantes de sua trajetória,

faremos o exercício de procurar compreender as bases pedagógicas da Instituição,

focalizando o pensamento ruralista e o apoio às diretrizes da Escola Nova.

Podemos enfatizar os seguintes rudimentos de Ruralismo em consonância com

as diretrizes do escolanovismo:

- Proporcionar preparação adequada ao futuro lavrador para que o mesmo possa

extrair da terra suas riquezas da forma mais apropriada;

- Combater o êxodo rural e o urbanismo, e todas as más consequências que eles

podem proporcionar para o crescimento do país;

- Estimular as novas gerações para o amor e a devoção ao trabalho no campo,

preparando o futuro de forma favorável para o progresso da agricultura brasileira.

Já assinalamos, anteriormente, que será nas primeiras décadas do século XX que

os ideais do Ruralismo ganham importância no Brasil. O binômio campo e cidade é

instituído por alguns teóricos, sendo o primeiro, lugar da tranquilidade e segurança

econômica e o segundo torna-se espaço para instabilidade e retrocesso em relação às

atividades agrárias.

As secas ainda castigavam o Estado, em várias localidades rurais, favorecendo o

afastamento do homem do campo em busca de melhorias nos grandes centros. As

transformações econômicas, culturais, educacionais foram muitas e assim os atrativos

da capital cresciam, em face da suposta melhoria da qualidade de vida oferecida.

Evidentemente, essas variações não alcançavam toda a população, pois se fazia

necessário ter boa condição financeira para gozar destas “novidades”.

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110

No Cariri, a região em que se localiza a Instituição em estudo, também estava

acontecendo algumas modificações, pois, segundo Della Cava (1985) “durante a

década de 1920-1930, o Cariri foi cenário de inúmeras mudanças econômicas e

melhorias. Ao espalhar-se o sistema de trabalho assalariado em todo o nordeste”. (p.

219)

Diante disso, as propostas feitas pelo Ruralismo eram baseadas em pilares

econômicos em sua maioria. À primeira vista, o ruralismo funciona como a “mão

estendida ao agricultor”, a “salvação para o homem do campo”, porém muitos outros

fatores estão envolvidos na gestação deste pensamento.

Sonia Regina de Mendonça, no seu livro “O Ruralismo Brasileiro (1888-1931)”,

afirma que se torna difícil criar um “rótulo” para definir Ruralismo pela sua amplitude

em significados e representações. Para Mendonça (1997):

...o rótulo “ruralismo” revela-se insuficiente como noção considerada, apenas, como ideologia reflexa diante dos processos de urbanização e industrialização do período. Bem mais que isso, ela assumiu o estatuto de movimento político, condicionado pelo teor liberal excludente do sistema de dominação então vigente, consistindo numa das dimensões da luta intraclasse dominante, pela inscrição de seus mais distintos interesses na ossatura material do Estado. Fruto de campanha institucionalmente articulada por intermédio de vasta rede de agências e agentes empenhados na diversificação da agricultura, o ruralismo teria nas associações de classe uma de suas vias de estruturação (p. 177).

A discussão sobre o conceito do Ruralismo admite o caráter político de forma

veemente que impera nos interesses das “classes dominantes ruralistas”. Ao discorrer

sobre a “educação agrícola”, Sonia Regina Mendonça adverte que era depositada, neste

ensino, a esperança de recuperação do homem do campo. No entanto, não era debatida a

relação entre educação e democratização, pois havia interesse apenas pela

instrumentalização agrícola dos discentes. Em conformidade com esta afirmativa,

observamos que a ENRJN apresenta evidências de certo elitismo, sendo as suas alunas,

em sua maioria, pertencentes às famílias ricas da sociedade de juazeirense que

conseguiam custear as despesas com a Instituição. Os princípios ruralistas têm conexão

intrínseca com os fundamentos pedagógicos da ENRJN. Porém, que orientações

didáticas poderiam auxiliar na concretização do pensamento ruralista? O que precisaria

ser priorizado: a teoria ou a prática?

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111

Em resposta a estes questionamentos, Silva (2009), afirma que “a leitura dos

“Anais da Semana Ruralista de Juazeiro de 1935” nos leva a compreensão de alguns

indicadores educacionais da Instituição”. Nesse sentido, a autora nos diz que seria a

orientação didática que a instituição devia receber e o que era difundida aos docentes.

Ou seja, a didática, deveria atender aos interesses da escola, permitindo o

desenvolvimento de estratégias na resolução dos problemas da sociedade em que ela

estava inserida. Outro ponto é a crítica feita contra a supervalorização da

“intelectualização” dos métodos adotados, que “visa mais o preparo intelectual do que o

preparo do homem econômico”. No caso da ENRJN, é exigido o contato das alunas

com as noções de atividades agrícolas, como nos aponta Joaquim Alves em palestra

proferida na Semana Ruralista de 1935: “ter a sua técnica, correspondente aos

problemas agrológicos que tem de ser apresentadas às crianças como centro das

futuras atividades sociais”. (Anais da Semana Ruralista de Juazeiro, 1935, p. 15-20).

Em sua palestra, Joaquim Alves destaca a importância de Alberto Torres, por

ocasião da inauguração do seu medalhão de bronze em uma das salas da ENRJN, no dia

22 de julho de 1935. Segundo o orador, todos os ruralistas devem ser gratos pela riqueza

deixada por este grande brasileiro: “a homenagem que se presta, neste momento, a

Alberto Torres24, é das mais justas e das mais sinceras...” (ibidem, p. 111).

Para Silva (2009, p. 35), Alberto Torres inspirou toda a geração de 1930 por ser

grande entusiasta dos ideais republicanos do ruralismo. Em sua obra “O Problema

Nacional Brasileiro”, editada em 1914, ele expressa a sua opinião de que o Brasil tem

“evidente destino rural” (TORRES, 1982).

Prossegue a autora,

...a intenção de revigorar a mentalidade sertaneja se fazia presente, com ênfase nas mudanças que careciam alcançar até as comunidades mais distantes, espalhando as novas técnicas para o meio rural. Outra importante agremiação da Instituição, que recebeu o nome de Alberto Torres, é o clube agrícola”.(ibidem, p. 35).

Ficam reveladas, por meio do Ruralismo, as ideias para defender a permanência

do homem no campo; pois estão atreladas a um conjunto de métodos que garantem a

implementação deste pensamento por meio da educação. Todavia, o pensamento

pedagógico que encaminhou a prática educativa da ENRJN teve como importante

24 Alberto Torres era o patrono do Clube Agrícola da Escola Normal Rural de Juazeiro.

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112

artefato o escolanovismo. Daí a necessidade de entender a proposta de formação das

professoras ruralistas e dos processos utilizados para a ascensão do aprendizado.

Pesquisar o pensamento pedagógico “dominante” neste período no campo

educacional, em especial aquela que marca a concepção e a proposta de formação da

ENRJN, surge como empreitada necessária para a compreensão do papel desta escola.

Uma primeira etapa de aproximação ao estudo do pensamento pedagógico

norteador da proposta de formação de professoras da ENRJN foi por meio da análise do

Regulamento da Escola Normal Rural do Estado, que presume em seu Capítulo III, Art.

21 e 22:

Art. 21 – Nos diferentes labores escolares devem predominar os temas de interesses e ocupações dominantes da região. Art. 22 – os professores estimularão os alunos a consultar a biblioteca, a pesquisar nos laboratórios, a experimentar nos gabinetes, a visitar os museus e trabalhar no campo de cultura, cuidando, também, do aviário, apiário e da criação do “bicho de seda”, quando houver (Anais da Semana Ruralista, 1938, p. 154).

Neste fragmento, observa-se nitidamente uma das mais importantes

características do ideário escolanovista, que é situar o discente no centro do processo de

aprendizagem, para que ele possa descobrir o seu potencial por meio da prática e

experiência, no aprender a aprender. O grifo destaca o método de ensino que deve ser

adotado pelas normalistas ruralistas. Faz-se necessário entender o significado dos

métodos ativos na perspectiva da Escola Nova:

... a educação deve estar baseada em princípios científicos e valer-se de métodos ativos a fim de superar tanto um empirismo grosseiro como as tendências intelectuais, através da pesquisa, da descoberta e verificação. Assim, o aluno ganha meios mais ativos a fim de realizar a própria personalidade dentro do meio social em que vive. Estes princípios, entretanto, só darão resultado se o aspecto científico e metodológico vier solidário com o aspecto social (CURY, 1998, p. 83).

A adoção de princípios científicos baseia-se na crença das inovações que a

ciência inseria na sociedade principalmente no século XIX, com a Revolução Industrial

e o advento das máquinas no método produtivo. Contudo, se os conteúdos apreendidos

pelos discentes não fossem direcionados para a elevação do progresso da vida social, o

processo educativo seria acatado um insucesso pelos escolanovistas.

O “otimismo pedagógico” daquele período e a esperança de revigorar a

educação, provenientes do pensamento da Escola Nova então reinantes, formaram

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113

ambiente fértil para propagação de mudanças. Para Nagle (2001, p. 309), podemos

dividir a introdução do escolanovismo no Brasil em quatro etapas:

1) 1889 a 1900 – Fundação das primeiras escolas novas;

2) 1900 a 1907 – Momento de formulação das ideias da Escola Nova em

sua teoria e prática, com ênfase para o pragmatismo de John Dewey;

3) 1907 a 1918 – Período de manutenção, criação e publicação dos métodos

ativos;

4) 1918 em diante – A Escola Nova é difundida de forma oficial e tem seus

fundamentos consolidados em reformas e experiências escolares.

Cabe destacar que o momento de iniciação das ideias escolanovistas no Brasil

foi assinalado por intensas batalhas ideológicas entre Católicos e defensores da Escola

Nova (SCHWARTZMAN, 2000, p. 70), haja vista que a Igreja Católica sempre deteve

a hegemonia da educação ao longo de sua trajetória escolar. Todavia, ficou ameaçada

pelo pensamento da Escola Nova que defendia o ensino gratuito, público, universal e

laico. “O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932)”, escrito por Fernando de

Azevedo e assinado por outros educadores que defendiam uma renovação educacional,

gerou grande divisão. Vejamos um fragmento deste documento que destaca essa

disputa:

A laicidade, que colloca o ambiente escolar acima de crenças e disputa religiosas, alheio a todo o dogmatismo sectário, subtráe o educando, respeitando-lhe a integridade da personalidade em formação, à pressão perturbadora da escola quando utilizada como instrumento de seitas e doutrinas (AZEVEDO, 1932, p. 63).

Este trecho do documento demonstra a vontade dos educadores que apontavam à

renovação da educação brasileira, pela adoção do ensino laico, como meio ativo para

resguardar as alunas do monopólio da Igreja Católica, até então imperante nas escolas.

Esta orientação pedagógica originaria a reação dos católicos que, para

Schwartzman (2000, p. 76), modificaria as ofensivas à Escola Nova em caráter pessoal e

violento a seu principal representante, Fernando de Azevedo. O escolanovismo passa a

ser visto como uma intimidação à prática, por recusar a religião predominante do país e,

consequentemente, a moral do povo.

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Para Cury (1998, p. 68), a vontade de mudar a educação está, naquela ocasião,

em harmonia com a ordem mundial, pois, de modo geral, as novas configurações de

políticas, as novas formas de vida em sociedade, o desenvolvimento das ciências

biológicas e psicológicas e o progresso científico-tecnológico determinaram uma nova

mentalidade educacional.

A educação careceria estar organizada para adequar-se a uma sociedade em

constante transformação. Com este pensamento, o teórico John Dewey − nome mais

significativo da Escola Nova − adquire popularidade no Brasil. O norte-americano John

Dewey (1859 – 1952) foi psicólogo e educador, criou sua teoria embasada no

pragmatismo que valoriza a prática e o experimento. Por isso, para ele, conseguir uma

educação com bom êxito é conservar uma tríplice união entre vida-experiência-

aprendizagem. A presença do pensamento de Dewey no Brasil deve-se, em parte, ao

desempenho de Anísio Teixeira, um dos signatários do “Manifesto dos Pioneiros da

Educação Nova”, que concordara com as ideias de Dewey, quando matriculado na

Universidade de Columbia, em 1928, na cidade de Nova Iorque.

A partir desta alusão, entendemos que não só a ENRJN, mas vários estados

brasileiros, de forma mais vasta, incluindo o Ceará, por meio da chamada reforma

Lourenço Filho, “aderiram” ao movimento de renovação no ensino. Segundo este

educador, a proposta da Escola Nova demandava os seguintes princípios em relação a

sua organização geral:

- Apoia-se na pedagogia prática;

- Focaliza a relevância do regime de internato;

- Localização no campo (meio natural da criança);

- Agrupamento dos alunos em casas separadas, fazendo-os sentir-se em

ambiente familiar;

- Adoção da coeducação dos sexos;

- Adoção de trabalhos manuais obrigatórios para todos os alunos;

- Enfatiza a marcenaria, jardinagem e criação de pequenos animais como os

mais importantes trabalhos manuais;

- Destina tempo para trabalhos livres;

- Garante a importância da cultura do corpo e propõe a prática ginástica

natural, jogos e desportos;

- Defesa da prática de excursões.

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115

Estes princípios nos assinalam para um molde de educação diferenciado,

sobretudo quando confrontados aos padrões tradicionais vigentes. Após apresentarmos a

importância da experiência nas atividades pedagógicas da Escola Nova, e, sucintamente,

a sua introdução no Brasil, faremos uma exibição sobre a proposta de formação da

ENRJN e seu atrelamento com o escolanovismo por meio de seu currículo.

Para iniciar, uma transformação expressiva no desempenho do professor é

destacada. Na escola tradicional, o professor era visto como possuidor de todo o saber e

o educando deveria ser submisso e temente à sua autoridade. O método de ensino era

organizado por meio da transferência de conteúdos que estavam “acabados” como

dogmas inquestionáveis. Em contrapartida, a Escola Nova com a sua pedagogia

centrada no educando, auxiliava um novo exemplo de educador.

O novo papel do educador será o de simples agente fornecedor dos meios para que a criança se desenvolva por si. Nada de constrangê-la ou de tentar enquadrá-la a partir de situações antecipadamente programadas do ponto de vista do adulto. O que importa é que a criança se desenvolva por meio da própria experiência. É preciso, portanto, que ela experimente. Logo, o papel do novo educador e da nova escola é agir sobre o meio em que a criança se desenvolve naturalmente, nunca sobre a própria criança (NAGLE, 2001, p. 321).

O fragmento transcrito confirma a centralidade da experiência no processo de

formação do estudante. Ao educador, cabe garantir meios que permitem sua livre

ampliação, que deve acontecer em relação com o ambiente. É esse exemplo de educação

que, pelo menos no nível do discurso, orienta a proposta de formação de professoras

ruralistas da ENRJN.

3.3.1 O discurso ruralista produzido pela Normal Rural

Um dos personagens que marcaram os relatos dos primeiros anos de

funcionamento da ENRJN é o doutor Plácido Aderaldo Castelo, na época Juiz

Municipal de Juazeiro do Norte. Personagem reconhecido como destaque entre os que

são nomeados como fundadores do primeiro estabelecimento educacional para

formação de professores no meio rural no Brasil (FILHO, 2001; SOUSA, 1961;

OLIVEIRA, 1984; SOUZA, 1994). Ao escrever o livro no qual relata o surgimento da

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escola, o doutor Castelo (1951), como era usualmente chamado, retrata a contribuição

que a escola prestaria na solução de questões referente ao meio rural:

... a progressiva adaptação e fixação do homem ao meio, capacitando-o, por uma instrução adequada, acorde com suas necessidades, em consonância com os imperativos mesológicos, étnicos e sociais do nordeste, a ser um fator positivo na produção e desenvolvimento econômico (CASTELO, 1951, p. 8).

Escola destinada a contribuir com o desenvolvimento da área rural por meio da

ação educativa do “homem do campo”, este era o entendimento predominante na época

sobre o ruralismo pedagógico, o que ficou conhecido como Movimento Ruralista da

década de 1930, que estava em consonância com as propostas nacionalistas do primeiro

período do governo getulista. Os discursos de valorização do desenvolvimento do meio

rural estavam impregnados de termos como vocação histórica. Havia a intencionalidade

de empreender uma política de valorização do crescimento e do desenvolvimento das

práticas econômicas no meio rural, associadas à necessidade de diminuição do fluxo

migratório que começava a causar problemas nos meios urbanos.

Quando investigamos as práticas ruralistas no Cariri cearense, devemos

considerar que as ações de fixação e desenvolvimento do homem no campo estão

associadas ao movimento migratório ocasionado pelo que se costuma denominar de

“polígono da seca”. O semiárido está caracterizado por períodos de estiagem que

ocasionam, entre outras coisas, o deslocamento de populações para o meio urbano,

causando conflitos sociais que marcaram, e ainda estão presentes, no cotidiano da

história dos cearenses.

Durante os períodos de seca, a região do Cariri tornou-se um refúgio por se tratar

de um espaço que sofria, com menos intensidade, os efeitos das estiagens, mas passava

a ser palco de conflitos sociais, devido ao acúmulo de flagelados que procuravam

refúgio com condições mínimas de sobrevivência. As práticas ruralistas no Ceará

estavam associadas ao trato com seca, fome, doenças, crimes, morte e estratégias de

sobrevivência. Conforme afirma Neves (2004):

Na década de 1930 as ações estatais se voltavam para a “solução hidráulica” e a “fixação do homem no campo”. Com a construção de obras que armazenassem água e mão-de-obra dos flagelados, o poder público enfrentava as conseqüências da seca buscando instituir os modelos de higienização, disciplina e

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urbanidade, tidos como modelos de civilização. No ano de 1933 os “campos de concentração” – estratégia que havia sido utilizada anteriormente no “combate a seca” – foram novamente organizados na cidade do Crato, que atraia não somente trabalhadores de todo o Sul do Estado, como também de Estados vizinhos – chegaram a ter quase “60000 habitantes (p. 91).

Consorciado a todos estes episódios, não podemos deixar de mencionar as

práticas religiosas que marcaram as relações de poder e resistência da população em

busca constante de salvação física e espiritual.

Figurando no cenário descrito, a ENRJN constituiu-se como uma necessidade de

formar professoras que estivessem preparadas para educar os homens do campo, uma

verdadeira cruzada ruralista. O termo cruzada remete aos movimentos de libertação e

salvação empreendidos pela igreja católica. A escola surgiu da intenção de (...) habituar

o educando a viver, autênticamente, o trabalho discente e a conviver, adquirindo usos

sadios, no sentido físico e no intelectual (SOUSA, 1961, p. 169), conjuntamente com

mais um sonho do Padre Cícero Romão Batista: ter uma escola de formação de

professoras na cidade de Juazeiro do Norte. Como relata Amália Xavier (1984), a escola

representava uma redenção. A iniciativa untava necessidade, sonho e vontade de educar

em uma ação verdadeiramente cruzadista e libertadora. É nessa direção que também

sinaliza o Dr. Plácido ao justificar a necessidade da ENRJN:

Para modificarmos essa mentalidade, herança da época da escravidão, precisamos realizar campanhas como a que empreendeu e levou a efeito a Sociedade dos Amigos de Alberto Torres, afim de que governo e governados despertem e numa cooperação eficiente promovam a transformação do ensino escolar normal, habilitando pioneiros para a nova cruzada de reabilitação do Brasil (CASTELO, 1951, p.6).

O autor, acima citado, descreve a necessidade de criação de uma escola que

estivesse associada ao Movimento Ruralista e aos problemas que marcavam a vida

cotidiana no Ceará da primeira metade do século XX. Suas palavras relatam uma ação

cruzadista que ocorreria com a união de todos os que conviviam com as agruras da vida

no campo em um Estado assolado periodicamente pelas consequências que as políticas

públicas de “combate à seca” geravam. A representação das relações de poder que se

estabeleciam entre trabalhadores rurais e donos da terra era descrita como desigual.

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118

Diante disso, indagamos: Será que essas relações poderiam ser mediadas e resolvidas

pela educação de ambas as partes?

A ENRJN se constituiu nas tramas cotidianas marcadas pelos conflitos

estabelecidos e vinculados à existência dos latifúndios, às políticas públicas de

“combate à seca”, às relações de apadrinhamento geradas pelo modelo oligárquico, às

práticas religiosas presentes e marcantes na região do Cariri e, também, pela

necessidade de formar professores ruralistas. É o que deixa entrever Oliveira (1984) ao

situar o cenário em que se sucedeu a criação desta instituição:

A redenção estava perto: Carneiro de Mendonça na Interventoria do Ceará; Moreira de Sousa, na direção do Ensino; Lourenço Filho na Direção do Instituto de Educação no rio; Anízio Teixeira na Direção do Ensino no Rio; Gustavo Capanema no Ministério de Educação; Leoni Kasefi, coordenando cursos de aperfeiçoamento no Instituto de Educação, no Rio, pondo à disposição do Ceará 10 bolsas de Estudo para professores; Moreira de Sousa, enviando 10 professoras para o Curso de Aperfeiçoamento; Sud Menucci, em São Paulo, estudando as bases dos métodos de ensino pregados por Alberto Torres. Conclusão desse movimento renovador: A Educação que convém ao Brasil é a Educação Rural, pois o Brasil é uma imensa zona rural. A conclusão foi arrojada. Os estudiosos puseram-se em campo, e concluíram: Vamos escolher a Escola para o meio a que destina: Zona Rural – Escola Rural; isto é, Escola que ensine ao homem do campo a “viver no campo, do campo, pelo campo e para o campo”. Tem que ser diferente; estudemos suas bases e vamos pôr em prática. A escola precisa ensinar a viver. O homem para viver não precisa somente aprender a ler, escrever e contar. A Escola que convém é aquela que dá ao homem os maiôs para viver em seu ambiente, melhorando-o, desenvolvendo-o, orientando suas condições de vida. Enfim é a Escola de acordo com a região a que deve servir. Esta era a Escola sonhada por Moreira de Sousa para o Ceará, realizada por Plácido Castelo no Juazeiro (p. 17-18).

Por meio dos discursos proferidos pelos personagens que marcaram os primeiros

anos da Escola de Juazeiro, constatamos que as descrições de cunho redentor, heroico e

missionário estavam presentes nos documentos que descrevem o cotidiano das práticas

ruralistas da escola. Não podemos deixar de considerar que discursos apologéticos são

característicos dos que participaram de ações ditas “fundadoras” e que eram vistas como

favorecimento às populações menos abastardas.

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No seu discurso, a professora Amália X. de Oliveira destaca que a “Escola

precisa ensinar a viver”, frase que denota o aspecto “missionário” da escola e de seus

fundadores. Será que os trabalhadores rurais não sabiam viver como deveriam? O que

podemos considerar como verdadeiramente viver? O viver do discurso de Amália

Xavier demonstra uma forma particular de se comportar, de trabalhar, de relacionar-se

com o meio e utilizar tecnologias apropriadas para conviver de forma produtiva. Não

encontramos no discurso proferido o questionar das condições de ausência das referidas

tecnologias ou mesmo de produção e trabalho adequados.

As pessoas reconhecidas na literatura local como sujeitos da constituição das

ideias e das ações fundadoras da escola caracterizavam-se como ocupantes de cargos

públicos de destaque local e nacional. Estes personagens são geralmente apresentados

como “principais”, tendendo-se a obscurecer o papel de tantos outros participantes desta

trama que, via de regra, são identificados como beneficiados da ação redentora e

heroica.

O discurso do Ruralismo torna-se imprescindível para a criação da Instituição,

pois a ideia de que o Brasil é um país essencialmente agrícola é difundida como pilar da

educação no meio rural. Conforme foi explicado anteriormente neste estudo, as ideias

do ruralismo ligado à educação entram em efervescência em 1920, conforme nos

aponta a citação: “A verdade é que a Ruralização do Ensino, na década de 1920,

constitui mais uma ideologia em desenvolvimento”. (NAGLE, 2001, p. 304)

Com a finalidade da propagação dos ideais ruralistas, a fundação e manutenção

de uma Escola Normal Rural vinha ao encontro dessa necessidade. Daí, a “Constituição

do Estado do Ceará” de 1947, assegura:

Título VI – DA FAMÍLIA, DA EDUCAÇÃO E DA CULTURA – Capítulo II – DA EDUCAÇÃO E DA CULTURA - Art. 154 – As escolas típicas rurais que forem instaladas em prédios construídos mediante auxílio financeiro da União serão preenchidas, de preferência, por professoras diplomadas em Escolas Normais Rurais.

As professoras ruralistas tinham prestígio e prioridade nas escolas no meio rural,

pois se acreditava que as mesmas fossem mais preparadas para ocupar a função devido a

sua formação especializada.

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Mas, do que tornar o Brasil a sede do ruralismo era preciso fortalecer a cidade

sede e pioneira, para tanto, era necessária a compreensão de que o Ruralismo cearense

deveria permanecer em marcha.

Contudo, o discurso ruralista produzido pela ENRJN não era apenas cheio de

esperança e otimismo, pois, apesar das conquistas almejadas, ainda existiam muitas

falhas na sua execução, como nos indica mais uma vez o professor Elias Rodrigues no

jornal escolar de número 105 de 13 de junho de 1954:

[...] O crédito rural, não chega para os modestos agricultores. São apenas usufruídos pelos afortunados da sorte. [...] O Ruralismo brasileiro tende desaparecer, se os dirigentes do País, não se voltarem para este marco de iniciação, onde todos os educadores, que brasileiros ou estrangeiros, fixam suas esperanças e colocam o futuro da educação rural, nos métodos e nas suas atividades práticas e de vasto tirocínio. [...] analisamos com a sinceridade do nosso idealismo e chegamos à conclusão de que não fomos compreendidos pelos poderes públicos que nos governam e eu, o pouco que fizemos, custou lágrimas, decepções, e porque não dizer, abnegação e desprendimento. [...]

Vê-se, pois, que o mesmo professor que incentiva os educandos para lutarem

pelo fortalecimento do Ruralismo, também consegue compreender suas deficiências.

Temos ainda a denúncia de que o crédito agrícola chega àqueles que não precisam, em

detrimentos dos agricultores mais desprovidos. O professor assinala a problemática

primordial da falta de apoio político gerando até mesmo desânimo e prevendo o fim do

Ruralismo.

3.3.2 Práticas pedagógicas no cotidiano da primeira Escola Normal Rural do Brasil

Mesmo apresentada não somente como necessidade para a melhoria da vida no

campo, mas como sendo iniciativa governamental, demonstrando o que aparentemente

seria compromisso com um modelo de “desenvolvimento”, a ENRJN não inicia suas

atividades subsidiadas integramente pelo erário público. Surge por meio da concessão

governamental e da iniciativa de uma associação privada criada especificamente para

este fim, tendo como articulador/fundador, o doutor Plácido Aderaldo Castelo que

descreve assim este movimento:

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Em 9 de Dezembro de 1933 na sala das Audiências do Juízo Municipal, reuniu-se o Conselho Escolar, sob nossa presidência. Explicamos a finalidade da sessão: constituir uma sociedade de finalidades educacionais e encampar a Escola Normal Rural, conforme o esboço do decreto já publicado. Todos os presentes concordaram com a idéia. Na sessão seguinte, 13 do mesmo mês, eram lidos, discutidos e aprovados os Estatutos e subscrita às cotas necessárias para a constituição do Capital: trinta contos de reis. Registrados os Estatutos e observadas às formalidades legais, ficou sendo denominada a nova sociedade – Instituto Educacional, estabelecendo o artigo 10, VIII, que a diretoria ficava autorizada – “a assinar contratos com o governo por intermédio do diretor para tal designado, no sentido de ser encampada pela sociedade, a Escola Normal Rural, do Estado, nos moldes do esboço do decreto publicado na imprensa com as alterações julgadas necessárias pelos contratantes”. Tal designação recaiu na pessoa da professora Amália Xavier de Oliveira, que se achava comissionada pelo governo, e tesoureira do Instituto. Os esforços no sentido da constituição da saciedade foram apreciáveis (CASTELO, 1951, p. 9).

Este caráter jurídico híbrido da ENRJN foi justificado com o argumento de que o

Governo do Ceará não tinha como arcar com as despesas da escola, sendo acordado que

a instituição funcionaria através dessa parceria, como é possível depreender do relato de

Oliveira (1984):

O Diário Oficial do Estado publicou decretos cujos considerados foram aceitos pelo Instituto Educacional de Juazeiro. A manutenção da Escola seria feita pelo Instituto em convênio com o Estado, a quem competia o pagamento das cadeiras fundamentais e mais o fornecimento de todo material agrário necessário à prática agrícola dos alunos (p. 23).

No entanto, vale destacar que quando a Escola iniciasse suas atividades, havia a

previsão de que os instrumentos pedagógicos seriam disponibilizados pelo poder

público. Os instrumentos didáticos relacionados para serem utilizados como recursos

durante as aulas faziam parte do cotidiano das escolas que adotavam o Ensino Intuitivo.

A atividade pedagógica direcionada para o meio rural é componente

indispensável que integra fortemente o discurso da ENRJN, por visar proporcionar aos

futuras professoras um comportamento que entusiasme as novas gerações de lavradores.

Neste sentido, o Regulamento da Instituição em seu Capítulo I afirma:

d) Despertar, por meio do professor, nos futuros plantadores e criadores, e, ainda, nos atuais, a consciência do valor de sua

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classe que, organizada e liberta de toda influência dominadora estranha, deve colaborar, ao lado das demais, no engrandecimento e o governo do país (Anais da Semana Ruralista de Juazeiro, 1935, p. 150).

O incentivo para que ocorra a conscientização dos agricultores de sua

importância para o engrandecimento do Brasil é notável nesta orientação oficial dada

aos educandos. Mas, como promover a libertação dos pequenos proprietários de terra

que, não muito diferente de todos do Ceará, eram dominados pelo poder dos coronéis?

Seria a Escola Normal o local adequado para fomentar essas mudanças econômicas? Se

as normalistas dessa instituição de ensino, na maioria, pertencentes às famílias mais

abastadas, era mesmo de interesse delas colaborar para o fortalecimento do agricultor?

Essas indagações nos fazem avançar para olhar o discurso ruralista além das ideias pré-

estabelecidas pelos seus idealizadores e problematizar sobre outras compreensões sobre

o assunto.

Para desenvolver a consciência agrícola exigida pela Instituição era necessário

colocar os educandos em contato com a realidade campesina. No entanto, foram

utilizadas campanhas com o propósito de estimular as atividades agrícolas, como a

“Campanha da Pequena Horta”, registrada na edição 102 do jornal de abril de 1953.

Impõe-se como um dever a difusão e propagação dos valores produzidos pela

terra. Essa campanha também funciona como estratégia para aproximar escola e família,

já que as pequenas hortas deviam ser cultivadas na residência das normalistas.

Conforme foi abordado no capítulo anterior, vimos que uma das disciplinas obrigatórias

no Ensino Normal Rural era Práticas Rurais. Registradas em relatórios, estas aulas eram

habitualmente publicadas no jornal escolar.

Silva (2009) aponta que na década de 1950, são três relatórios de aulas práticas

bastantes esclarecedores para a compreensão da dinâmica de funcionamento da Escola.

O número 103, de 13 de junho de 1953, traz o texto de Aldenir Jerônimo de Almeida

(série não identificada), narrando sua experiência. De acordo com a aluna, a aula

acontece numa manhã chuvosa em companhia do professor Elias Rodrigues que

explicou os efeitos da erosão na terra, e demonstrou na prática como se realiza o

combate aos insetos. Este momento de exercício do conhecimento ia além da prática,

pois produzia reflexões para a formação das futuras professoras.

Terminada a aula, voltamos para a classe com o espírito alegre, por termos recebido conhecimentos que nos iluminarão na nossa

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vida futura. Como pioneiras que somos do Ruralismo Nacional, encontramos nas aulas do campo o manancial para enriquecer a nossa inteligência, aprimorar o nosso caráter e formar nossa personalidade de professora normal.

Portanto, argumenta, ainda que segundo este relato, as aulas de campo assumiam

a importância de formar a personalidade “ruralista” das alunas. No entanto, até que

ponto podemos questionar se esta personalidade não era forjada por não pertencerem às

normalistas de fato àquele mundo rural? Ainda de forma detalhada, o número 104 do

jornal do dia 1 de maio de 1954, por meio do “Relatório do Clube Agrícola”, tinha

maior noção de todas as atividades agrícolas realizadas em 1953. É descrito que no

pomar foram plantadas várias árvores frutíferas, quais sejam: 15 laranjeiras enxertadas,

24 parreiras, três bananeiras, quatro coqueiros-anões e 20 mamoeiros. Também na horta

foram cultivadas diversas culturas, como 20 canteiros de alface, 12 canteiros de coentro,

26 canteiros de repolho, 10 canteiros de cenoura, três canteiros de ervilha, 90 pés de

berinjela, 150 pés de pimentão, 214 pés de tomate, 104 pés de quiabo, 53 pés de taioba.

E estas plantações geravam algum retorno financeiro, segundo foi informado: Receita

de Cr$ 4.830,00; despesas de Cr$ 3.971,00 e o saldo foi de Cr$ 859,00.

De maneira similar, segundo autora, o terceiro texto apresenta o relato da aluna

da primeira aula de “Atividades Rurais”. A estudante do segundo ano normal Ivone

Silva é detalhista ao escrever sobre sua experiência no número 106 do dia 1 de maio de

1955:

... Fomos ao almoxarifado para trocarmos de roupa vestimos as jardineiras, calçamos os tamancos e colocamos na cabeça o chapeuzinho de palha com o nosso nome gravado, em letras bem legíveis. Ali mesmo foi dividida a classe em duas turmas. A primeira se destinaria a tomaria conta do asseio dos galinheiros. Executada a tarefa designada pela professora, iríamos buscar os aguadores para regar as pequeninas plantas, que trazem tantas riquezas aos nossos organismos.

A troca de roupas para as atividades no campo caracterizavam os(as) alunos(as)

de pequenos(as) campesinos(as). As tarefas de tomar conta de pocilgas e limpar

galinheiros não devia agradar a todos, por detalhes como a sujeira do espaço e o mau

cheiro do local. Será que estas atividades faziam parte do dia-a-dia das moças de

famílias remediadas?

Baseado nestes relatos percebe-se que a ENRJN procurava formar a consciência

de suas alunas para produzirem o discurso ruralista por meio da prática. Uma indagação

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124

que fazemos com insistência, após a leitura desses escritos, é se estas atividades

executadas pelas normalistas realmente conseguiam constituir as características próprias

da personalidade campesina. Nesse contexto, o Ruralismo Pedagógico era

compreendido como o expoente de uma nova ordem econômica baseada nas riquezas do

campo. Estar em relação com o campo era uma “obrigação” que se cominava para

aqueles que “bem” interpretavam a importância do Ruralismo.

3.4 As Instituições Escolares e o aprendizado agrícola

As Instituições Escolares divulgadas no Regulamento da ENRJN aparecem

como subsídio para as atividades cotidianas da Instituição, por possibilitar a sua ação

pedagógica para sociedade, como podemos ver em seu Capítulo XI, denominado

“ Instituições Escolares”, ressalta a importância destas instituições:

Art. 75 – A Escola Normal Rural deve possuir, desde o início, instituições auxiliares da educação, com o fim de desenvolver e aperfeiçoar o aprendizado especial dos alunos, despertando nestes, além do interesse pelas atividades do campo, sentido social da colaboração, e estender a toda a comunidade da região o sei raio de ação educativa. Art. 76 – As instituições precípuas a serem criadas e mantidas, são: a biblioteca, o museu, o clube agrícola, a caixa escolar, o clube de cultura física, o orfeônico, a cooperativa e o pelotão da saúde.

Dentre as oito instituições escolares recomendadas, podemos destacar como

mais marcante as seguintes ações na ENRJN: Liga da Amabilidade, Clube Agrícola,

Pelotão da Saúde, Canto Orfeônico e Imprensa Escolar.

Estas iniciativas, destacadas como “instituições auxiliares da educação”, embora

surjam com a justificativa de “desenvolver e aperfeiçoar o aprendizado especial dos

alunos” propiciam a difusão dos ideais cívicos e patrióticos tão necessários à formação

social da época (BRASIL. MEC. INEP, 1940, p.32).

Passemos a apresentar, então, um resumo da função das principais instituições

de destaque da ENRJN. A “Imprensa Escolar” é a primeira instituição criada na

Instituição que publica o jornal “O Lavrador” desde o dia da sua fundação. Os jornais

irão ajudar na publicação dos princípios ruralistas em toda a comunidade juazeirense

por meio de seus escritos.

A “Liga da Amabilidade”, segundo nos indica o jornal “O Lavrador”, de número

1, datado de 14 de junho de 1934, terá como emprego gerar a “União entre os colegas,

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125

procurando fazer desaparecer quaisquer ressentimentos existentes ou que por ventura

possam surgir”.

O “Pelotão da Saúde” 25 tem como objetivo o higienismo que faz alusão a uma

postura diante dos problemas de saúde coletiva. Para tanto, são executadas várias

exposições sobre a higiene bucal, das mãos, das roupas, da casa. A exibição sobre

higiene das mãos, no jornal número 3, de 21 de setembro de 1934, nos explica o seu

conteúdo: “Considero a higiene das mãos uma das bases principaes não só da nossa

saúde, como da elegância, e mui especialmente da elegância feminina”.

Segundo Marques (2006, p. 71), “a higiene fazia parte dos currículos escolares

desde a instauração da República, quando de um ensino humanista passou-se para o

enciclopédico, com a entrada das ciências”.

A prática do “Canto Orfeônico” na ENRJN seguia uma orientação de nível

nacional. Silva (2009, p. 53), afirma que “o pioneiro e divulgador da importância da

música para o canto dos hinos patrióticos, folclóricos, educação dos sentimentos

cívicos e para a constituição da nacionalidade foi Heitor Villa-Lobos”. Apoiando esta

atividade, segundo Schwartzman (2000, p. 110), o Decreto-lei de novembro de 1942 (nº

4.993) “cria o conservatório nacional de Canto Orfeônico, com o objetivo de formar

candidatos ao magistério desse tipo de Canto”.

O aprendizado por meio do “Canto Orfeônico”, como bem aponta Silva (2009,

p. 53), adquire um sentido respeitável no período getulista, pois, por meio do canto no

dia-a-dia dos educandos, eram internalizados o patriotismo e o nacionalismo,

informações que compunham a educação na era Vargas. Dessa forma, a repetição dos

cantos beneficiava a formação cívica, patriótica nos padrões do autoritarismo do Estado

Novo, além de proporcionar um componente de educação estética.

O “Clube Agrícola” é o receptáculo dos rudimentos da agricultura, onde são

executadas as exposições e atividades práticas. No jornal “O Lavrador”, por meio das

atas das sessões dos encontros desse clube, expõe-se o funcionamento desta instituição

escolar. Existia até um hino específico para o Clube Agrícola, criado por dona Amália

Xavier, que estimula a juventude ruralista para as tarefas no campo.

Hino do Clube Agrícola da Escola Normal Rural: I – Mocidade avante/Eia a trabalhar para nossa Pátria/Que a enxada e o arado/hão de salvar. (Côro) Rumo ao campo é brado/Que se faz

25 Os Pelotões de Saúde foram criados no Brasil por Carlos Sá. Os primeiros pelotões funcionaram no Rio de Janeiro, de onde se difundiram para outros estados (MARQUES, 2006, p. 73).

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ouvir; Plantemos, ceifamos e depois, rindo esperemos o Bom porvir/ II – Nossa Escola é templo/onde aprendemos/que o Brasil é nosso/Por ele e para ele só vivemos/ III – Cearense avante/não esmorecer que o ruralista/No campo e pelo campo há de vencer/ IV – O suor do rosto/há de ajudar a molhar a terra/Enquanto Deus a chuva não mandar/ V – Dos céus chovam bênçãos/em nossos celeiros/Deus nos mande a chuva/e nada há de faltar aos brasileiros (OLIVEIRA, 1984, p. 99).

3.4.1 Técnicas de ensino como valorização das práticas agrícolas

O exame dos conteúdos executados pela ENRJN nos aproxima de modo

expressivo do entendimento da proposta de formação das professoras desta escola, pois

serão estes conteúdos aguçados para distinguirmos o perfil arquitetado para os futuros

docentes. A leitura do jornal escolar nos consentiu identificar temas relativos à vida do

homem no campo, enfatizando o cultivo das plantações, a criação de animais e o

reflorestamento.

Nesse sentido podemos afirmar que a orientação propagada para que a ENRJN

priorize a valorização do interesse dos alunos da sociedade na formação de seus

docentes. Assim, os métodos ativos são instrumentos que visam à estimulação do

processo de ensino-aprendizagem. A técnica de ensino da ENRJN era voltada à prática e

ao experimento. O currículo da ENRJN trazia a disciplina de prática agrícola em sua

proposta de formação de professoras. Esta prática era observada pelos visitantes desta

Instituição de ensino. Silva (2009) nos indica que,

[...]os visitantes do Estado de João Pessoa puderam presenciar de perto as demonstrações das práticas agrícolas realizadas com diversos tipos de plantações. Pode-se perceber ainda que as atividades nos campos agrícolas eram acompanhadas por um mentor que conduzia as ações das normalistas, demonstrando que mesmo as atividades práticas eram vivenciadas com seriedade e com apoio teórico.(p.56)

A autora afirma que “outro registro feito pelo “Diário Notícias” do Rio de

Janeiro, datado de 22 de novembro de 1938, relata a formatura da segunda turma de

normalista da ENRJN, dando destaque para o pioneirismo da organização diferenciada

que se destaca nacionalmente de todas as outras escolas normais” (ibidem, p. 56).

Conforme nos indica o jornal de número 37 de dezembro de 1938.

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“Realizou-se hontem na Escola Normal Rural de Joaseiro, neste Estado, a entrega de diplomas da segunda turma de professores ruralistas, preparados nessa escola, que é a única, no Brasil, pela extrutura, organisação e finalidade... A Escola Normal Rural de Joaseiro, tem organização própria, diferenciadas de todas as outras escolas formadoras de mestres no paiz... Em derredor do prédio, existe amplo terreno, cultivado pelos próprios alunos, onde se pratica a agricultura racional e onde se criam diversas espécies de animaes domésticos. Em departamentos próprios faz-se aprendizado de pequenas industrias ruraes e caseiras e exercita-se o corpo discente em educação sanitária...”

Diante disso e em acordo com a autora é possível notar que um dos pontos

diferenciados da ENRJN é a estrutura e a localização do prédio em amplo terreno, que

consentia aos estudantes aprenderem por meio de atividades com as plantações, criações

de animais, a manutenção de pequenas indústrias e a educação sanitária. Estas

atividades, como relata o fragmento acima transcrito, tornavam esta Instituição fora dos

padrões da época, da proposta de formação de docentes do país.

Algumas indagações podem ser alçadas em relação à real participação das

normalistas nas práticas agrícolas, pois, como foi dito anteriormente, a clientela desta

Instituição era composta por moças de famílias consideradas ricas em sua maioria. O

registro do relatório, no exemplar de “O Lavrador” de número 9 de 15 de novembro de

1935, traz uma ocasião de prática agrícola, realizada durante a Semana Ruralista de

1935, pode nos dar pistas para explicar este assunto.

Descrição do plantio do bosque Luiz de Queiroz – Ao romper di dia 26 de julho, linda e esplendida manhã de verão, efetuou-se o plantio do bosque Luiz de Queiroz, situado à Praça da Matriz dessa cidade... Em seguida fez-se a distribuição das plantas a todos os que estavam presentes. A mim coube uma mangueirinha. Em terreno adredemente preparado plantamos o nosso bosque, que será um privilégio e uma indelével recordação da Semana Ruralista.

Esta perspectiva de análise, o modo de examinar essas questões de cunho de

“atividades práticas” registrados no recorte do jornal escolar indica-nos que a

participação nas atividades, como no plantio do “Bosque Luiz Queiroz”, era

desempenhada por “todos”. Nesta exibição organizada pela aluna Maria Martins

Camelo, do 1º ano normal rural, é anotado que os sujeitos presentes ganharam uma

planta, e a própria autora do documento ficou encarregada de plantar uma

“mangueirinha” no terreno que estava aprontada para esta atividade.

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De acordo com Silva (2009), “o termo “terreno adredemente preparado”

revela-nos que a terra utilizada para o plantio já estava de antemão pronta antes da

chegada das alunas (p. 55-56). Isto nos faz refletir sobre quem realmente organizava os

terrenos para as aulas de prática agrícola, já que as moças de famílias ricas que

frequentavam a Instituição não estavam acostumadas em seu dia-a-dia com aquele tipo

de tarefas. Outro utensílio metodológico de ensino adotado é a “excursão”, que assim

como as práticas agrícolas tendiam dirigir a aluna ao cerne do conhecimento por meio

do incentivo da participação ativa da mesma. Esta prática era considerada como auxílio

para o aprendizado dos futuros educadores.

Desse modo, de acordo com Silva (2009), as excursões tinham como intenção

aproximar as alunas de ambientes onde pudessem ser observadas na prática experiências

que pudesse enriquecer o seu aprendizado. As atividades realizadas pelas alunas que, ao

fazerem visitas em outros espaços fora da escola, procuravam observar os

acontecimentos próprios da vida no campo como à prática de produção da rapadura e

praticavam as suas habilidades e conhecimentos com tarefas como a extinção de

formigueiros. Além de possibilitar às estudantes a oportunidade de acompanhar na

prática os conhecimentos regulados ao campo e conhecer o pensamento escolanovista,

ainda pode favorecer outros melhoramentos desde a sua preparação até sua culminância:

Assim, por exemplo, os alunos que desenvolvem um projeto de excursão ao campo a fim de colecionar objetos naturais, preparam mentalmente a excursão, levam-na a efeito, observam a natureza, examinam e classificam suas coleções, discutem, escrevem, em resumo, trabalham e “aprendem com o corpo e com o espírito”. (AGUAYO, 1970, p. 62)

Esta menção confirma a importância das excursões, que apresenta o campo

como ambiente favorável para o aprendizado, onde as normalistas podiam nutrir “o

corpo e o espírito” de conhecimento.

Segundo Schwartman (2000, p.128), o ministro da educação Gustavo Capanema

era favorável a uma educação diferenciada para os homens e mulheres, tanto que, em

1939, sugeriu um Estatuto que difundia estas ideias.

...Devem ser os homens educados de modo a que se tornem plenamente aptos para a responsabilidade de chefes de família. Às mulheres será dada uma educação que as torne afeiçoadas ao casamento, desejosas da maternidade, competentes para a criação dos filhos e capazes da administração da casa (Estatuto da Família – Art. 13).

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Prossegue o autor (p. 127), este Estatuto sofreu muitas críticas e não foi

promulgado. Embora não tenha a aprovação do Estatuto da Família, as ideias de educar

a mulher para o lar e a família continuaram estáveis dentro do Governo Getulista.

3.5 O Programa de Matemática adotado na primeira Escola Normal Rural do

Brasil

Segundo o manual que contém os programas do Curso Normal Rural referente à

aritmética, álgebra e geometria, todos os pontos do programa devem ser praticados e

baseados, especificamente, nos cálculos agrícolas, domésticos e comerciais. Pois os

educandos tinham que aprender fazendo.

Entretanto, a maneira pela qual sumariamos o currículo da ENRJN que o Estado

implantou, pode não dar idéia exata das preocupações metodológicas com que se

determinava o conteúdo das atividades docentes e discentes. Para isso, achamos

interessante transcrever o programa das séries que eram ministradas os conteúdos

matemáticos, conforme então era prescrito. Nos quadros que seguem, mostraremos os

pontos e os respectivos conteúdos matemáticos a serem desenvolvidos:

Quadro 14: Programa do 1º ano Normal

Fonte: Escola Normal Rural de Juazeiro – Programas (pp. 25 - 29).

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Quadro 15: Programa do 2º ano Normal

Fonte: Escola Normal Rural de Juazeiro – Programas (pp.16- 21).

Quadro 16: Programa do 1º ano Complementar

Fonte: Escola Normal Rural de Juazeiro – Programas (pp. 40-45).

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Quadro 17: Programa do 2º ano Complementar Ponto Desenho

1º Esboço de figuras, observando-se as linhas sinuosas e mistas 2º Esquemas de várias atitudes determinadas por ângulos 3º Linhas relativas, paralelas, convergentes, divergentes 4º As figuras: observações das cores e das formas 5º As dimensões. Perspectivas

Fonte: Escola Normal Rural de Juazeiro – Programas (p.38).

Diante do programa de Matemática adotado pela ENRJN e aqui transcrito,

surgiram alguns questionamentos: Será que todos os pontos do programa eram

ministrados/discutidos em sala de aula? Seriam aplicados todos os conteúdos nos

cálculos agrícolas, domésticos e comerciais como determinava o manual dos

Programas? O “aprender fazendo” não era mais recomendação do que prática?

Quanto ao currículo propriamente, a escola se ampliava: três anos do Curso

Normal Rural (sendo que, no primeiro e segundo ano, havia o ensino de aritmética,

álgebra e desenho) e dois anos de Curso Complementar que o antecedia (sendo que no

primeiro ano também havia o ensino de aritmética, álgebra e geometria e no primeiro

ano apenas desenho). O conteúdo programático desse currículo começava pelo ensino

de leitura e da escrita de problemas matemáticos e do cálculo como centro principal das

atividades docentes e discentes dos dois primeiros anos do Curso Normal, admitindo-se

que, ao fim do primeiro ano, o discente já fosse capaz de elaborar problemas, de formar

sentenças, escrevendo-os corretamente, e de fazer as quatro operações aritméticas, um

pouco mais complexas.

No segundo ano, desenvolvimento de composições escritas de situações-

problemas se tornavam frequentes, surgiam os problemas sobre as quatro operações,

começava-se o estudo de frações ordinárias e decimais e chegava até o sistema métrico,

ao passo que o aluno se iniciava na interpretação e compreensão desde que contivesse

histórias da matemática de sentido completo.

E assim, consequentemente, ampliavam-se os conhecimentos dos sistemas de

medidas e do cálculo fracionário, complicavam-se os problemas propostos aos alunos e

se introduziam os complicados carroções ou polinômios aritméticos; já então, as

composições escritas procuravam fugir ao estilo descritivo, para terem aspecto narrativo

e imaginativo chegando-se à elaboração de problemas matemáticos mais complexos,

conforme problemas encontrados no caderno de matemática do segundo ano normal da

ex-aluna Assunção Gonçalves.

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Os cálculos de aritmética começavam pela regra de três simples e composta e ia

até o cálculo de juros, o de ligas e misturas e o de lucros e perdas em sociedades

mercantis; faziam-se reproduções e elaborações de problemas envolvendo esses

conteúdos. A modelagem e o desenho seriam utilizados em instrumentos de expressão,

no ensino das várias disciplinas. As noções geométricas deveriam ser induzidas e

deduzidas nas realizações de problemas, pelos trabalhos de campo, cartonagem,

modelagem.

No curso Complementar, as alunas eram iniciadas em álgebra e em geometria. O

desenho de modelos (vasos, copos, moringas, xícaras, flores, ramos etc.), de linhas de

corpos geométricos, de mapas e plantas, ocupava pequena fração dos horários semanais,

bem como os trabalhos manuais recorte, montagem em cartolina, Mosaicos de

quadrados ou triângulos de papel colorido, sob modelos, palestras com os alunos sobre

os jardins, hortas, pomar, modelagem em barro e areia, trabalhos de agulhas etc.).

Segundo Castelo (1951, p. 78), as chamadas “palestras com os alunos” tinham

por fim levá-los a observar e a elaborar o pensamento. Até onde isso era conseguido,

não se pode bem precisar. Continua Castelo,

“... o ensino deveria ser dado pelo método intuitivo, recorrendo-se á observação direta da natureza, na escola ou em excursões, e ás projeções fixas e cinematográficas. Os livros só poderiam ser utilizados como meio de consulta e referência, a fim de o estudante fixar, completar e sistematizar, sob orientação do mestre, os seus conhecimentos...” (ibidem, p. 80).

Raimunda Paiva Teixeira, conhecida como dona Mundinha Paiva (ex-aluna e ex-

professora de português da ENRJN), em depoimento nos afirma:

“... Tenho, porém, lembrança bem viva de meus anos de escola rural, de 1938 a 1940 que muitas vezes, as ditas palestras eram sumariamente substituídas por um sistema de perguntas e respostas que o professor propunha oralmente aos alunos, repetindo-as fazendo os alunos repetirem, até que tudo estivesse bem aninhado na cabeça. Por fim, depois de alguns meses, nós, já habituados ao sistema, nos tornávamos capazes da palestras formal, dirigida pelo professor, de modo que se reduziam as repetições e simplificava o processo inicial de propor as perguntas e respostas”.

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Nesse sentido, os métodos eram tudo, porque os métodos seriam principalmente

a obediência às leis e princípios. Sendo assim, o método em si é quase nada; o que vale

e importa é o modo ativo de sua aplicação.

Acreditamos que o currículo previsto era excessivo para uma escola de apenas

três anos. Daí a organização dos programas escolares se constitui uma das tarefas mais

complexas e mais difíceis de uma administração escolar. Por um lado, o programa

escolar deve ser o intermediário entre a escola e a sociedade. Sendo a escola a agência

de educação por meio do qual a sociedade prepara os seus novos membros para a

participação plena em sua vida, ela, a escola, deve, por meio do programa escolar,

refletir a sociedade.

Sousa (1950 p. 120) afirma que “o programa escolar deve, não somente

adaptar-se ao meio social, mas refleti-lo na escola. Esse primeiro problema de um

programa escolar verdadeiramente ajustado às condições da sociedade”. Entendemos,

então, que o programa escolar deve, não somente adaptar-se ao meio social, mas refleti-

lo na escola.

Ter-se-á uma visão geral do que era o complexo currículo escolar normal de

então. E ele era realizável, desde que os métodos intuitivos fossem aplicados, ou, em

linguagem que partisse do já conhecido, do mais próximo, simples e fácil, para o não

conhecido ainda, para o mais distante, complexo e difícil. Ocupando, geralmente, o

ensino de aritmética os primeiros 90 minutos do dia escolar.

O exame dos programas que a ENRJN adotava, assumia então aspecto cíclico,

não no conjunto e na interrelação dos conteúdos escolares, mas dentro de cada um deles.

No sistema cíclico, que tem por base partir do já conhecido para o que deve ser

conhecido, o ensino de uma matéria escolar feito de tal forma que, em grau

imediatamente posterior, os alunos recorram ao ensinado no grau antecedente, mas com

maior extensão e, assim, em períodos sucessivos, sempre ensejando o alargamento e o

aprofundamento do aprendido nos graus anteriores. Tal processo de organização

curricular parece ter caráter enciclopédico do ensino, com base no princípio de

desenvolvimento de todas as potencialidades do indivíduo (evita-se, então, falar em

faculdades psíquicas, com receio de contágio dos velhos princípios aristotélicos

tomísticos) e, também, com base no princípio de que o indivíduo deve aprender a bem

situar-se em face da vida natural, da vida civil e cultural. Tal enciclopedismo, bem

documentado nos exemplos que transcrevemos, obrigava a abranger um número

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excessivo de conteúdos, dos quais era preciso dar noções aos educandos nos dois graus

de ensino.

Não obstante, porém, esse caráter cíclico e enciclopedista do currículo, a ENRJN

dava maior ênfase ao ensino da linguagem escrita e falada e da Matemática, que ao das

demais matérias. Segundo o que consta no Manual dos Programas26 (1944, p. 46) da

ENRJN, os presentes programas receberam as assinaturas somente de uma comissão de

professores da citada escola nomeados pelo Governo do Estado. Em relação ao

programa de Matemática, a responsável foi à professora Elza de Figueiredo Alencar.

Procura-se dar à matéria caráter instrumental, no sentido em que nos vimos

manifestando além de associá-la às demais atividades escolares. Nestas condições, os

objetivos do ensino da Matemática na ENRJN são definidos nos seguintes termos:

“O objetivo geral do ensino de Matemática no Curso Normal Rural é dotar o educando de um instrumento para resolver e aplicar, da melhor maneira, as situações da vida relacionadas com as questões de quantidade e de número (aritmética), expressões (álgebra) e de forma, extensão e posição (geometria). São objetivos específicos: 1) proporcionar ao educando conhecimentos de números e suas combinações, das formas dos corpos e das propriedades principais relativas a linhas, superfícies e volumes, das medidas de uso comum e das aplicações gerais da aritmética, álgebra e geometria como instrumentos de solução dos problemas diários da vida; 2) habituar à análise desses problemas; 3) formar, por meio do estudo da matéria, certos hábitos fundamentais para vivência do homem no campo; 4) familiarizar o estudante com a vida e as instituições econômicas da sociedade – comércio (compra e venda), sociedades por ações, bancos, salários, etc.”(ibidem, p. 48).

Na questão dos problemas a serem resolvidos na ENRJN, a comissão parece

fugir ao formalismo clássico dos problemas estereotipados, no qual o educando é

treinado no manejo de certos mecanismos, muitas vezes, com pouca compreensão das

relações matemáticas envolvidas.

No que diz respeito aos limites da responsabilidade do professor – sua

interpretação do currículo, afirmando essa “pouca eficiência” – talvez, estejamos a

incriminar os professores, o que, até certo ponto, há sua razão de ser. Via de regra, o que

percebemos, por parte deles, é a repetição do já feito e certa resistência à mudança. Mas 26 Escola Normal Rural de Juazeiro. PROGRAMAS – Tipografia Minerva – Assis Bezerra & Cia. Fortaleza – CE: 1944.

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terá o professor sido preparado para outro tipo de escola ou outro tipo de atividade

docente? Não o cremos, porque, ao longo do desenvolvimento da nossa pesquisa,

acabamos conhecendo o mecanismo curricular de algumas escolas normais. Em geral,

elas habituavam os candidatos ao magistério primário, a uma vida de rotina e de

atividades mentais passivas. Embora, na ENRJN, a experimentação/prática e teoria

estavam geralmente presentes nas atividades estudantis. Como afirma Raimunda em seu

depoimento:

“... Na medida do possível, nós enquanto alunas da Normal Rural faríamos aplicação prática do que era ministrado em sala de aula, especificamente quando tratava da disciplina de Ciências e Matemática, assim como tínhamos que escrever sobre as atividades realizadas na “Fazenda Modelo”, que era o nosso campo de experimentação...”.

Raimunda enuncia outro exemplo da Matemática aplicada à construção de

canteiros para plantação de coentro assim como no estudo do solo na aula de Ciências.

“... O professor Vicente Xavier, que dava aula de Matemática, era engenheiro de formação. Ele, ao ministrar a aula sobre área na sala de aula e sabatinar os alunos sobre os problemas que havia passado para nós, dizia que íamos para o campo de experimentação fazer a construção dos canteiros para plantação de coentro e que iríamos aplicar os nossos conhecimentos sobre o conceito de área. Chegando à fazenda, que ficava do outro lado da rua da escola, fomos escolher o local, fazer as medições com a trena; os canteiros tinham forma de um retângulo, levantamos as medidas e fizemos os cálculos daquela área para saber quantas covas de coentro era possível plantar. O professor era rigoroso e chamava a nossa atenção se o cálculo ficasse errado. Os objetivos dessas aulas era para termos o contato com algo que ele dizia que era a matéria prima para ensinar as crianças de comunidades rurais, ao mesmo tempo em que cavamos a terra do canteiro ele explicava sobre o solo”.

É possível perceber no depoimento acima a oportunidade dada aos alunos de

experimentar e verificar na prática os assuntos discutidos na sala de aula de matemática.

Ao nos depararmos com este momento pedagógico, surgem questões como: Será que

eram dadas oportunidades as alunas para aplicarem os assuntos estudados nas aulas de

matemática no contexto agrícola? Será que os professores davam sentido e importância

àquilo que as alunas buscavam compreender e dá compreensão? Acreditamos, todavia,

que esse professor provavelmente entendeu e soube aproveitar o espaço que a escola

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oferecia para que os alunos pudessem relacionar o conteúdo ensinado em sala de aula

com a sua aplicação prática.

Diante do exposto, acreditamos que o currículo deve ser concebido em termos de

uma sucessão de experiências e iniciativas que têm semelhança com a vida real para o

educando (não apenas para o professor) e, portanto, é impossível formular um esquema

de assimilação prévia e completa. Para ser verdadeiramente funcional para o educando,

o processo de assimilação dever ser o próprio educando. No que diz respeito aos

programas, Sousa (1950) afirma que,

Não se pode negar que é necessário que o professor disponha, em cada estágio de seu trabalho docente, um resumo das atitudes gerais, das mais finas apreciações, dos conceitos importantes, dos sentidos ou idéias e das generalizações que devem resultar como parte significativa da instrução que ministra (p. 87).

Entendemos, então, que as soluções de momento não as excluem, o que, aliás, é

desejável, pois o professor deve estar preparado para sempre ter de encontrar situações e

problemas imprevisíveis. Continua Sousa (1950),

Na adaptação do currículo geral às condições locais da escola, certamente hão de surgir experiências necessárias, embora suplementares que, até certo ponto, podem ser planejadas previamente, mas que, talvez, só o possam à medida que se dispuser de material e meios adequados, o que em grande parte depende da diligência e capacidade do professor. Por outro lado, a parte do currículo que representa situações quotidianas de vida ou interesse de que surjam necessidades especificas e imediatas as dos educandos não podem ser prevista e, portanto, planejada; deverá ser realizada – e só assim o pode ser conforme a ocasião, dia a dia (ibidem, p. 88).

Desse modo, podemos dizer que o currículo e os programas não podem ser

construídos com minúcias e com rigor de fins e meios. Determinados por especialistas

competentes, mediante processos experimentais, quando ainda no papel, são um roteiro

e um plano de trabalho, cuja vitalização compete ao professor. Das considerações

acima, conclui-se que o currículo escolar não pode ser algo fixo e imutável, mas em

contínua revisão, mediante estudos seguidos e correlacionados do assunto.

Voltando, porém, à ENRJN e ao que prescrevia o programa de Matemática,

1944, vejamos como se referia à questão dos problemas aritméticos.

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“As condições dos problemas devem ser propostos de acordo com ocupações e interesses da classe, especificamente as práticas agrícolas de modo que os alunos, sentindo a necessidade de resolvê-los, se apliquem à solução, movidos por verdadeiros interesses. Assim as contas que o aluno faz para casa, no mercado, na feira, nas lojas, no armazém; os trabalhos escolares, movimento de cooperativas, jogos, esportes, excursões; a saúde da criança e de pessoas da família, as condições de saúde da comunidade, incluindo serviços da Saúde Pública, despesas com receitas, dietas, remédios, etc., fatos diversos que a criança presencia – tudo isto constitui assunto para problemas” (ibidem, p. 51).

Em seguida, são indicadas as quatro qualidades características de um problema

proposto aos alunos:

a) ser da vida real;

b) representar situações familiares para o aluno, isto é, que ele possa apreciar a

compreender no âmbito de suas observações e conhecimentos;

c) ser variado em relação aos outros, isto é, conter matéria diferente, no todo ou

em parte, dos outros problemas resolvidos;

d) ser simples e claramente enunciado, isto, é, sem obscuridade de linguagem

ou complexidade de termos técnicos (ibidem, p. 52).

Também na questão dos métodos, o programa de Matemática, elaborado pela

ENRJN, se mostra liberal, não pretendendo a demarcação de uma única e retilínea e

imutável. Daí, a riqueza de sugestões que oferece a multiplicidade de recursos que põe

ao alcance do professor etc., sem fixar regras minuciosas, passos formais definidos e

sucessão rígida de pontos. Tudo dependerá do ambiente escolar, dos estudantes, das

oportunidades que se ofereçam, das possibilidades do professor. Diante do exposto,

Raimunda Paiva lembra em depoimento:

“... quando era aluna na Escola Normal Rural, as aulas de Matemática tinham conotação diversificada, o aluno poderia criar/elaborar problemas diversificados como forma de treinamento para resolver e apresentar ao professor para que o mesmo pudesse verificar e orientar quanto à linguagem destinada a um determinado enfoque, sendo que o enfoque maior era voltado à linguagem do agricultor.”.

E continua,

“... tínhamos que elaborar resolver e apresentar os problemas em forma de seminários, éramos sabatinadas pelo professor com

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intuito de fazer alterações para que a linguagem ficasse mais fácil, caso fôssemos lecionar numa classe do primário, pois era para isso que estávamos nos preparando...”.

Vicentina Tavares Noca Lima, conhecida como professora Tena (ex-aluna

formada na última turma de professoras que se formou em 08/12/1973) na ENRJN e

também atuou como professora naquele estabelecimento nos afirma em depoimento

que:

“... A educação foi uma das profissões que segui porque sentia que era minha vocação. Há! Tive duas professoras de matemática na escola dona Quniniha a bam-bam em matemática e também dona Letícia Amaral que em matemática ela era forte... A Escola Normal Rural de Juazeiro foi à primeira do Brasil. Além do primário ela oferecia o curso profissionalizante. Quando você terminava tinha direito ao diploma de professora para dar aula até a 6ª série do ginásio. Quando eu terminei o normal em 1973 fui procurar um emprego e consegui. E foi já ganhando o dinheirinho com o meu diploma normalista que eu paguei minha faculdade de História. No período que fiz a faculdade eu já lecionava.

Vicentina continua falando como era a metodologia de ensino das aulas de

matemática e como era realizado o estágio:

“... nas aulas de matemática a metodologia de ensino era aquela do quadro-negro escrevendo com giz, ali a professora passava passo a passo, repetia várias vezes, sabatinando várias vezes as alunas para ver quem não estava entendendo e eu era muita encabulada, mas ela insistia várias vezes perguntando: Tena, me diga como foi que eu consegui esse número aqui? E eu dizia valha-me! Mais eu tinha que responder porque dona Quininha era demais, era disciplinada, ela amava o que fazia, ela não enrolava, ela me passava um amor pela educação , um amor pela profissão que ela tinha que eu me espelhava nela e eu dizia que queria ser uma professora igual à dona Quininha. A gente aprendia com o método que ela ensinava. O estágio era feito na escola modelo, anexa à escola normal por um período de seis meses. Na escola-modelo, funcionava o jardim I, II, e III tinha o primário (1º, 2º, 3º e 4º ano) e depois a admissão (5ª série); depois ia para 6ª série que já era o começo do ginásio. No estágio vinha: Observação (dois meses) – observava-se os alunos, como o professor agia e os métodos de ensino. Participação (dois meses) – ajudávamos a professora nas atividades do colégio, ficávamos sempre de duas na sala para estagiar. Os outros dois meses eram de regência. Ali só a professoranda e o aluno, pronto! Era para reger a sala e mostrar que tinha vocação. Até o estágio era rigoroso. A professora

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desses alunos ficava a nos observar porque ela ia dar nota como professora. Ela era quem ia dizer à Antelvia, que era a professora de didática, a nota que cada professoranda tinha.

Vicentina também comenta sobre o momento em que as alunas iam ao campo,

ou seja, iam à “Fazenda Modelo” realizar as atividades práticas:

“... na ‘Fazenda-Modelo’ existia todo tipo de frutas, todos os tipos e verduras da época. Tinha todo tipo de batata, tanto a inglesa como a doce, mamão, cebola verde, branca, roxa, melão, abacaxi. Na Normal Rural, nós aprendemos a plantar todo tipo de plantas, a tratar, cuidar e colher. Tinha chiqueiros de porco e de galinha. Tinha o curral das vacas e nós tirávamos leite de manhãzinha. A professora Zuleica Soares ensinava essas técnicas para nós...”.

E continua,

“... Olhe! Havia discussão em sala de aula do que nós aprendíamos nas aulas de matemática para que a gente pudesse estabelecer relações com o que era ensinado... Tudo tinha matemática, dona Zuleide explicava para gente sobre a contagem do tempo, porque era importante para a produção de cada tipo de alimento, verdura, então tudo aí já entrava a matemática, as horas de aguar, o tempo do sol, quando plantava não podia ser na hora do sol quente, tinha que cobrir com folha de coqueiro, hoje tipo estufa que os índios fazem, abafávamos com as palmas do coqueiro das palmeiras e tinha determinado tempo para não levar nem muito sol e nem muita água. Tinha a medida da quantidade da água (um aguador cheio). Se não desse para carregar o balde cheio d’água levasse de duas vezes. Em Matemática: as medidas dos canteiros, a quantidade de sementes a ser plantada, quanto tempo para fazer a colheita, quantidade da água, a altura das palhas para fazer a estufa, quantas mudas de plantas compunha um cento, meio cento, estudo das proporções. Na construção dos canteiros, discutíamos alguns conceitos de geometria. Você ver, hoje em dia, é que eu digo: por isso que eu aprendi matemática porque eu aprendi fazendo...”. Como por exemplo: se o balde fosse pesado, levamos com água pela metade. Era obrigado saber disso porque nós tínhamos que transmitir também para as crianças porque íamos ensiná-las, precisaríamos passar essa cultura para as crianças, ainda hoje a gente ver como a matemática está no campo. Em tudo isso a matemática entrava. Entrava todas as matérias no campo. Em Ciências: quando vai chover, quando está relampejando e por quê? quando estava ventando muito, estudávamos os tipos de solos, o tempo seco/úmido. Em Português: entravam as palavras, como por exemplo, numa região, uma fruta poderia ser chamada de tangerina em outra era chamada de mexerica, tínhamos que fazer redação e relatórios. Em Geografia, estudamos a direção do vento...

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Diante dos depoimentos, é natural perceber que havia uma preocupação por

parte do professor para que as alunas pudessem exercitar o que fariam na prática de aula

de Matemática enquanto futuras professoras. Ressaltamos também que a organização

das atividades curriculares e sua programação devem ser locais, próprias de cada

realidade, se esta quiser integrar no seu ambiente social.

Todavia, podemos dizer que esta instituição foi organizada em sua estrutura

administrativa e curricular visando à formação de professoras primárias responsáveis

pela educação da criança. Aos mestres, cabia formar a moral, os hábitos e transmitir

conhecimentos necessários para a inserção do futuro cidadão na sociedade moderna.

Para isso, buscaram instrumentalizar as normalistas/ruralistas por meio de

conhecimentos teóricos e práticos.

Os documentos analisados demonstraram uma preocupação em oferecer aos

futuros professoras primárias um ensino enciclopédico, veiculador de informação

científica, um ensino moral e cívico e pertinente ao ideário republicano, desenvolvendo-

os intelectual e moralmente.

De acordo com Oliveira (1984, p. 123), todo esse conjunto de conhecimentos e

atitudes era transmitido por meio do método ativo e que esse processo não se efetivou

plenamente devido à falta de recursos financeiros para aquisição de materiais

pedagógicos e, também, pela falta de docentes habilitados no conhecimento didático-

metodológico, dificultando a divulgação do ensino.

Mesmo com todas as dificuldades, pode-se afirmar ser indiscutível a relevância

dessa instituição para a educação do estado do Ceará, sendo a mesma responsável por

habilitar profissionais para a carreira do magistério primário rural com um referencial

científico e pedagógico se não acentuado pela república, mas, com certeza, pela

associação com o curso Normal Pedagógico Comum que marcou sua trajetória final.

A história da preparação das professoras no Juazeiro e a consequente

profissionalização estão imersas em um conjunto de ideias sobre a educação e suas

possibilidades. Tais ideias expressas nas leis justificadas nos relatórios dos inspetores e

principalmente nos dos professores que possibilitaram a compreensão mais aproximada

das reais condições escolares da época à qual se reportam, uma vez que era o professor

quem estava diretamente vinculado às questões que perpassavam sua prática cotidiana.

Os documentos constituem-se ainda como ferramenta básica para as discussões e

reflexões sobre essa instituição na qual recaíam as esperanças de melhoria do nível de

ensino e de aprimoramento da educação em Juazeiro. Nesse conjunto de documental,

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141

consideram-se, além das leis e dos relatórios, as propostas de reformas da Escola

Normal e algumas obras escritas por aqueles que pensaram a formação do docente e

propuseram as políticas públicas.

As fontes documentais não são aqui tomadas como única possibilidade de

conhecimento da história, mas sim como marco inicial de nossa reflexão sobre a

formação das professoras.

As leis, relatórios e demais documentos aqui considerados representam

“vestígios” que possibilitam perceber as concepções sobre educação e o modo como

deveriam ser preparadas as professoras, bem como a função que lhes era atribuída pelo

Estado. Constituem-se ainda em um conjunto de ideias e ações determinadas e aceitas

oficialmente como passíveis de aplicação em determinado momento e em determinada

realidade.

Os documentos aqui escolhidos para a constituição da nossa pesquisa –

fragmentos do jornal “o Lavrador” e depoimentos das ex-normalistas - embora não

retratem por si a história da formação das professoras na ENRJN, respondem, quando

estudados, a questões do tipo: Como foi organizado o curso? Por que há necessidade de

fundar uma Escola Normal Rural? Qual a função que se esperava da professora? Na

verdade, as respostas a essas perguntas somente vão sendo construídas quando as leis,

os relatórios e demais documentos são estudados considerando-se o contexto no qual

foram produzidos.

As evidências emergentes da nossa leitura mais apurada desses documentos nos

levaram a percepção/constituição de que a formação das professoras da Normal Rural

girava em torno de dois eixos temáticos: um deles de ordem político, no sentido de

coletividade, busca do bem comum; o outro de ordem referente ao caminho tomado para

o ensino da matemática – as aplicações dos conteúdos matemáticos no contexto do

campo.

Vale ressaltar, também, que fragmentos de informações extraídas das obras de

referências e de notícias de jornais, especificamente o jornal “O Lavrador”, fornecem-

nos pistas para a compreensão da trajetória da ENRJN e possibilitaram o

entrecruzamento de informações e o acesso aos discursos produzidos acerca da

formação de professoras ruralistas. Por sua vez, facilitaram a visualização dos

movimentos iniciais de construção/constituição de representações sobre a necessidade

de destinação de espaço específico para a formação de docentes. Freire sugeria que o

aprendizado fosse constituído a partir dos signos que o educando já continha. Dessa

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maneira, é possível fortalecer a identidade local e valorizar o conhecimento do

cotidiano.

A leitura dos documentos tem sinalizado a proximidade do pensamento

escolanovista e do ruralismo pedagógico como suporte teórico do fazer educativo da

ENRJN. O exame das fontes utilizadas mostra que a regulação do magistério, no

período, não fomentou o reconhecimento do professor como alguém com capacidade

técnica e política, frente aos desafios do ofício. Normatizar a profissão professor, no que

parece ter sido pródigo o período em estudo, não foi suficiente para lhe assegurar este

estatuto.

Olhar o passado é indispensável ao refutamento de políticas de reforço de

aceleração do processo de formação docente e à intensificação do trabalho, na

contemporaneidade. São marcas históricas que tendem a se manter, embora matizadas

com novas roupagens. As análises revelam as práticas constitutivas da profissão

professor em Juazeiro e nos dão pistas de uma escola de formação de professoras

ruralistas que se constituiu como espaço de exercício de práticas no meio rural.

Naturalmente, os formadores deste grupo de professoras deveriam estar

inclinados a preparar esta formação para uma interface pela vida rural, atuando como

facilitadores de noções e práticas modernas de agricultura, saneamento, higiene,

pecuária nas comunidades interioranas. Por isso, a sua formação deveria ocorrer em

escolas especialmente criadas com esse fim, as Escolas Normais Rurais, nas quais

seriam ministrados conteúdos relacionados às lides agrícolas, manejo de máquinas, de

adubos, ao tratamento de picadas de insetos e cobras, capacitando os futuros docentes a

levar para as comunidades métodos modernos de tratamento da terra e dos animais e

instruções vinculadas a conhecimentos que tivessem aplicação prática na vida rural,

sertaneja ou litorânea. Sem um preparo especial, as professoras rurais provavelmente

não identificavam e não conseguiam encaminhar alternativas que buscassem solucionar

possíveis problemas daquele contexto, passando apenas a cuidar da leitura, da escrita e

das atividades com números.

Dados os limites do presente trabalho e a sua finalidade principal, não coube

aqui um exame total de todos os programas elaborados. Pudemos então ler com atenção

o relativo ao ensino de Matemática, por estar especificamente associado ao nosso objeto

de pesquisa.

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CAPITULO IV

UMA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA NA ESCOLA NORMAL RURAL DE JUAZEIRO DO NORTE

Pretendemos destacar a importância de chamar a atenção da atual e futura

geração de professoras sobre o porquê de se conhecer a história recente do ensino da

matemática. Isto se justifica porque muitas características do ensino, praticado em

décadas passadas, ainda estão presentes como marcas didáticas nos conhecimentos,

concepções, crenças e práticas das professoras; nos conteúdos e na organização dos

livros didáticos atuais; nos programas curriculares e – por que não? – no ambiente

familiar dos estudantes. Abordaremos o caderno de Matemática (1934) de uma aluna do

Curso Normal Rural, que nos dar indício à escrita de uma história da Educação

Matemática na ENRJN.

No decorrer do capítulo, descrevemos a estrutura dos conteúdos do citado

caderno. Em seguida, discutimos as atividades em relação aos conteúdos da álgebra

(problemas algébricos, exercícios algébricos e números complexos). E por fim, fizemos

algumas considerações para complementações. Vale ressaltar que não tivemos a

pretensão de extrapolar nossos resultados para além do universo de pesquisa, uma vez

que consideramos nossa amostra (o caderno) pequena.

As páginas que seguem mostram exercícios propostos em sala de aula,

problemas estes, realizados no caderno de Matemática de Assunção Gonçalves (ex-

aluna da escola já mencionada anteriormente) no ano de 1934. O caderno está dividido

Figura 13 Foto ilustrativa da capa do caderno de Matemática da aluna Assunção Gonçalves (Acervo de Assunção Gonçalves).

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em três tipos de atividades: problemas, exercícios algébricos e exercícios sobre números

complexos.

O caderno de atividades apresenta algumas noções de matemática elementar,

provavelmente, aquelas que haveriam de se utilizar no ensino normal rural sendo em sua

grande maioria, apenas os rudimentos da aritmética.

Nota-se, em todos os tópicos, nos quais há maior ênfase em resolução de

problemas, o emprego de instrumentos relacionados à aplicação de capitais. Assim o

aprendizado inicia-se com o desenvolvimento de exercícios aplicados, executando seu

desenvolvimento diante do seu cotidiano.

Observamos, pois, como a aluna procedeu, quando resolveu os problemas,

fazendo uso dos instrumentos papel e lápis. Não há definições explicitas das operações

envolvidas no caderno – partiu a aluna para o desenvolvimento que consideramos bem

detalhados, demonstrando assim passo a passo como devem ser feitas respectivamente

tais operações e soluções. Por fim, ela menciona a abreviação dos resultados.

4.1 A estrutura dos conteúdos e a análise dos exercícios do caderno

O caderno é composto de três tipos de atividades estruturadas em forma de

exercícios e problemas. Tais atividades nos dão, de algum modo, uma ideia do retrato

dessa organização curricular apresentada. Foram introduzidos passo a passo os

conteúdos da álgebra e da aritmética, sendo que as primeiras páginas do caderno são

dedicadas aos exercícios que envolvem problemas e desenvolvimento de expressões

numéricas sem apresentação de ilustrações.

Em relação aos aspectos físicos e gerais do caderno, acrescentamos que os

conteúdos são apresentados em folhas brancas, sem nenhuma figura, o texto é escrito

pela aluna. Os exercícios que compõem o caderno estão todos resolvidos e corrigidos. O

conteúdo é apresentado somente por meio de exercícios, sem nenhuma definição ou

alguma orientação quanto aos passos para o reconhecimento ou resolução de alguma

atividade. A compreensão do conteúdo é cobrada por meio apenas dos exercícios.

Quanto aos problemas, esses, em sua totalidade, podem ser caracterizados como

problemas-padrão que, segundo Dante (2003), têm por objetivo fixar as operações

fundamentais corretamente, sem nenhuma estratégia de resolução, geralmente todos os

dados se encontram no enunciado, por isso, não apresentam grandes desafios para as

alunas.

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145

Os exercícios, por sua vez, podem ser classificados em exercícios de

reconhecimento, treino e fixação – servem para reconhecer ou apontar diretamente uma

propriedade estudada – ou de algoritmo que envolve uma ou mais operações. A

linguagem é técnica e objetiva, ela não privilegia a reflexão crítica ou a criatividade,

nem exige a participação direta do estudante. Em sua maioria, os exercícios exibem no

corpo do texto “calcular”, “efetuar”, “escrever”, palavras de ordem direta que exigem

um resultado certo e conciso. Tal fato mostra que o foco do caderno encontra-se no

conteúdo em Saber Fazer.

Esse fato é percebido também na estrutura do texto que exibe os conteúdos com

resolução passo a passo e pela quantidade de exercícios repetitivos que aparecem no

caderno. Essas são características que percebemos no decorrer de todo o caderno, como

veremos ainda neste capítulo.

Percebemos que, nos exercícios, a linguagem é objetiva, portanto, seria

necessário que o professor estivesse a par da teoria envolvendo essa tendência de ensino

e que inserisse em seu planejamento outras atividades com diferentes tipos de

problemas e a criatividade para explorar a proposta da ENRJN.

Na sequência, apresentamos uma análise de cada atividade separadamente,

destacando alguns pontos que nos chamaram a atenção.

Figura 14 - Problemas envolvendo quantidade, grandeza e moeda.

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Os problemas que compõem o caderno são apresentados como exercícios que

podem ser definidos como “problemas-padrão”. Apesar de não constarem muitos,

percebe-se que são problemas de aplicação. Talvez por isso não tenham sido colocados

em foco no caderno. Alguns professores chegam a considerar a resolução de problemas

como a principal razão para aprender e ensinar matemática, porque acreditam que é um

dos meios, que se inicia a criança no modo de pensar matemático e nas aplicações da

matemática elementar.

Figura 15 - Problemas envolvendo quantidade, grandeza e moeda e cálculo com números

decimais.

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Figura 16 - Problemas envolvendo quantidade, grandeza, moeda e cálculo com

números decimais.

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Figura 17 - Problemas envolvendo quantidade, grandeza, moeda e cálculo de expressões

numéricas com números decimais.

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No tocante aos problemas II e III, que são essencialmente para resolver

expressões numéricas, não têm nenhuma relação com o problema I que trata das rendas

anuais de uma pessoa, no período dado em mil-réis27.

Figura 18 - Problemas envolvendo quantidade, grandeza, moeda, cálculo de

expressões numéricas com números decimais e expressões algébricas.

27 No Brasil, o mil-réis foi adotado em 1833, mas em 1942 passou a se chamar cruzeiro. Fonte: <http://antonioluizcosta.sites.uol.com.br/moeda_brasil.htm#milreis> Acesso: 10 de dez. 2010.

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Observamos que os problemas II e III, que são simplesmente para calcular

expressões numérica e algébrica respectivamente, não têm qualquer tipo relacionamento

com o problema I que trata da renda e gasto num determinado período de uma

costureira, em cruzeiros. O conteúdo expressão algébrica é apresentado no problema III.

Os problemas são poucos diluídos em algumas unidades (nas que contêm operações), os

problemas são do tipo “padrão”, mas o problema I pode ser considerado como de

aplicação por mostrar alguma relação com o cotidiano. Vale salientar que todos os

problemas envolvem situações que demandam leitura e interpretação. Esse tipo de

atividade é importante, pois faz com que o professor aborde a Língua Portuguesa e

verifique a compreensão do aluno.

Figura 19 - Exercícios algébricos.

Tanto no primeiro como no segundo exercício, destacaram-se as propriedades da

soma e subtração. Esses tipos de exercícios têm como característica as técnicas

operatórias para os cálculos envolvendo generalidades, o reconhecimento e a

memorização. A partir daí, os exercícios abordam a álgebra como ferramenta para

generalização dos números e suas propriedades. Para isso, os monômios e polinômios

com suas operações, no caso a adição, a subtração, a multiplicação e como

particularidade a potenciação, com expoente até oito, trabalhados nos exercícios.

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No geral, os exercícios são apresentados de forma extremamente técnica,

tomando como base para a compreensão de todos os outros exercícios a utilização “do

fazer passo a passo”. Do ponto de vista do ensino dito tradicional (tecnicista), fica claro

que o objetivo desse tipo de exercício é fazer com que o educando adquira a habilidade

em operar com os cálculos algébricos por meio do treinamento e memorização.

Figura 20 - Exercícios envolvendo soma de polinômios.

Neste caso, são abordadas as relações e a operação que o envolve, no caso: a

adição de polinômios. Assim como os casos anteriores, não é mencionada nenhuma

definição.

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Figura 21 - Exercícios envolvendo subtração de polinômios.

Neste caso, são abordadas as relações e a operação que os envolve: a subtração

de polinômios. Nestes exercícios, estão envolvidas questões que buscam fazer com que

a aluna saiba utilizar os sinais operatórios, no caso: dos parênteses e o “jogo de sinais”.

Como nos casos anteriores, também não menciona nenhuma definição.

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Figura 22 - Exercícios envolvendo multiplicação de polinômio por monômio e operação com

frações.

Nas operações, destacaram-se as propriedades de soma e multiplicação de forma

numérica no segundo exercício e algébrica no primeiro e terceiro exercícios.

Aprofunda-se o tema, quando fica caracterizado que é necessário relembrar as técnicas

operatórias dos cálculos para determinação do mmc (mínimo múltiplo comum).

Ressaltamos que, como no caso anterior, o polinômio é separado do monômio

por meio de parênteses. Esse tipo de exercício não apresenta nenhuma contextualização.

O método de resolução é mostrado por meio dos exercícios que envolvem os princípios

da igualdade: aditivo e multiplicativo. Assim, como nos casos anteriores, os exercícios

são repetitivos e reforçam a memorização. De todos os tipos de exercícios apresentados

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no caderno, o maior número está relacionado a cálculo algébrico. Envolvem

reconhecimento como, por exemplo, por meio do enunciado “somar os seguintes

polinômios”, “subtrair os seguintes polinômios”. Percebemos cálculos extensos que

não condizem com a realidade, como foi possível verificar especificamente nos

exercícios que envolvem expressões algébricas. Não foram utilizadas, nesse momento,

situações problemas, todas as atividades são de reconhecimento ou algoritmo.

A seguir será ilustrado um caso particular de exercício encontrado no caderno,

ou seja, exercícios sobre números complexos.

Figura 23 - Exercícios sobre números complexos.

Nota-se que: o primeiro exercício trata da redução de tempo; o segundo da

transformação de tempo e o terceiro, assim como o primeiro da redução de tempo,

embora em períodos diferentes, estão envolvidas as quatro operações fundamentais

(soma subtração, multiplicação e divisão).

A abordagem desse conteúdo apresenta apenas uma atividade composta de três

exercícios, ao contrário das atividades que abordam a álgebra. Os exercícios podem ser

classificados como os de algoritmo, pois a aluna tem necessidade de efetuar uma ou

mais operações para resolvê-lo. Neste caso, nota-se também que não foi apresentada

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nenhuma definição. Nos dias atuais, vale salientar que o conteúdo da matemática

escolar28, que trata dos números complexos, tem outra nomenclatura.

Em geral, o caderno apresenta as técnicas de operações algébricas, no entanto,

no que diz respeito aos números complexos, são apresentadas situações problemas que,

diferentemente dos outros conteúdos abordados nas outras atividades, “obrigam” os

educandos a compreenderem o assunto em questão para que possam na medida do

possível buscar estratégias diferentes para resolução.

4.2 Uma tentativa de análise

O modelo curricular adotado distribui as matemáticas pelos dois primeiros anos

do Curso Normal Rural, conforme vimos no capítulo anterior. Assim, a aritmética e a

álgebra eram ensinadas nos (1º e 2º) anos e a geometria no 1º ano complementar.

Notamos que, no início, a aluna apresenta o título da atividade, seguido do tipo

de exercícios e, no final, assina, data, coloca o nome da escola e o nome da cidade.

Os exercícios, que tratam de números complexos, apresentam-se sob a forma de

redução e transformação, especificamente da grandeza de medida tempo. Os que

envolvem problemas e números complexos, eram considerados, naquela época, questões

práticas e os que tratam de operações (soma, subtração, multiplicação e divisão de

polinômios por binômios) eram consideradas de questões teóricas29.

Ao lado das questões, pode ser observada a assinatura do professor que corrigiu

a atividade, assim como a nota por ele atribuída, ou seja, o julgamento. Em síntese,

verificamos ma preocupação por parte do professor em preparar os exercícios,

procurando, primeiramente, familiarizar a aluna, por meio de noções intuitivas e de

exemplos concretos, obtendo sobre as proposições empregadas um conhecimento tácito,

advindo da utilização de instrumentos algébricos. Também não há demonstrações de

propriedades matemáticas. É notável que o professor procurava discutir a utilização da

base de conhecimentos intuitivos previamente adquiridos no caderno de exercícios.

Contudo, pelo que parece, o professor propunha para o ensino uma metodologia

atenta à parte psicológica da aluna, chamando a atenção para um ensino propedêutico,

28 Matemática escolar, como bem indica o nome, é entendida neste trabalho como aquela matemática produzida no espaço escolar. 29 As questões teóricas eram encaradas pelos professores da época como exercícios que envolvessem demonstrações, formais ou não, e a escrita da teoria. As demais questões eram vistas como práticas. Nas questões práticas de aritmética, por exemplo, eram formulados problemas com juros, expressões etc. Em álgebra, os exercícios práticos constituíam-se na resolução de problemas, soma e subtração de monômios e polinômios etc.

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com ênfase no aspecto intuitivo. Isso deveria estar voltado à apresentação de

concepções de forma viva e concreta, fazendo com que correspondessem a necessidades

reais, afastando-se do abstrato, do formalístico, do sistematizado.

Os conteúdos são introduzidos por meio de problemas, como no caso do

conteúdo de potenciação. O caderno também apresenta princípios da modelagem,

aspecto marcante quando os exercícios tratam do conteúdo de números decimais (fig.

18) e de frações (fig. 22). Em relação aos exercícios intitulados de “problemas”,

observamos que os mesmos buscam mostrar a aluna questões que fazem parte do seu

dia a dia.

Esta perspectiva de análise, o modo de examinar as atividades de Matemática

que o caderno traz é possível notar que a orientação dada a solução de problemas se

assemelha de algum modo, as etapas contempladas nas teorizações de Polya (1995) que

seguem:

1) Compreender o problema onde o aluno deve considerar as partes principais do problema e deseja resolvê-lo; 2) Estabelecer um plano, traçar estratégias de resolução. O principal é a concepção das ideias, podendo estas surgir gradualmente, a partir das indagações e sugestões; 3) Executar o plano, executar a estratégia que chegue à resposta correta, mas, para isso, é preciso conhecimentos anteriores, de bons hábitos e de concentração no objetivo e paciência; 4) Retrospecto, examina-se o que foi feito e verifica se há outros caminhos, melhorando a resolução, e também aperfeiçoando e aprofundando a capacidade de resolver problemas (p. 4-10).

Mesmo não sendo de modo formal, o caderno apresenta os problemas destacando:

a) Número desconhecido: ao questionar a aluna sobre o valor desconhecido, além de trabalhar as operações de soma e multiplicação, remete-o à primeira fase da resolução de problemas, no caso, a compreensão;

b) Condição do problema: ao questionar sobre as condições, percebe-se tentativas de levar o aluno a ver como o problema pode ser resolvido a partir dele – estabelecimento do plano;

c) Cálculo: seria a fase de execução do plano; d) Resposta: apesar de não ser específico, é por meio da resposta que

deve ser retomado o problema.

A Resolução de Problemas é um dos caminhos tomados para análise e, no

entanto, uma das metodologias visualizada no caderno. Essa tendência é importante,

pois auxilia na formação crítica dos estudantes. Nela, os exercícios explicitavam uma

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preocupação de certa forma em diversificar, na medida do possível, os problemas e

contextualizá-los nas atividades a serem desenvolvidas pelas alunas, o que lhes permite,

se trabalhadas adequadamente, enfrentar situações novas, escolares ou não. Essa

proposta não foi explorada nos exercícios de álgebra, pois as atividades se limitaram a

exercícios de técnicas e/ou algoritmo. Ou seja, o conteúdo algébrico foi apresentado em

separado. O caderno tem como foco central a atividade algébrica e enfatiza a técnica e a

memorização. Esse fato é característica da pedagogia tecnicista que visava à

racionalidade do ensino.

A atitude etnomatemática está de algum modo presente no caderno analisado -

pode ser observado nos exercícios - nas diferentes formas de apresentar os conteúdos

de modo contextualizado. Segundo D`Ambrosio, nesta perspectiva o importante a ser

desenvolvido passará necessariamente por questões socioculturais. No entanto, a

diversidade cultural, presente no país, não foi considerada na apresentação dos mesmos.

A modelagem matemática, no entanto, foi aplicada no conteúdo que tratou das

operações envolvendo frações e números decimais, mas com material já pronto, sem

explorar a manipulação e a criatividade.

A seguir, a figura refere-se à carteira escolar da aluna Assunção Gonçalves, na

qual constam as disciplinas e suas respectivas notas do exame do meio do ano (s/d)

obtidas pela referida aluna.

A média anual era o resultado de todas as notas obtidas durante o período letivo.

Seria aprovada a aluna que ficasse com média mínima igual a 6,0 (seis). Como

justificativa das médias a serem atribuídas a cada disciplina, vide o anexo transcrito do

regimento da Instituição, especificamente no que se refere ao regimento das aulas, dos

exames escritos e das promoções. Esta transcrição tem o intuito de mostrar a forma de

Figura 24 Foto da carteira escolar da aluna Assumpção Gonçalves (Acervo de Assunção Gonçalves).

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158

como era determinada a nota das atividades realizadas pelos estudantes, onde

observamos por meio das atividades do caderno que alcançavam até no máximo o grau

doze.

Retomando a discussão em relação ao caderno, podemos dizer que o mesmo foi

uma importante fonte para o desenvolvimento deste capítulo, em particular para a

análise proposta nesta investigação, pois está presente em todas as etapas da

escolarização e também porque em suas linhas são traduzidos valores e conflitos de uma

determinada época e que são repassados pela prática escolar.

Em suma, esta experiência evidencia diversas potencialidades educacionais,

nomeadamente:

- Criar uma interface natural entre o mundo dos números e o da álgebra;

- Proporcionar ambientes de trabalho em que a utilização da álgebra surja como

um procedimento normal, e não como uma exigência arbitrária na resolução de

problemas significativos.

Estas potencialidades são consequências naturais de diversos fatores

relacionados com as vivências dos estudantes. Não devemos esquecer que é mais fácil

aprender/compreender quando não se considera tudo hostil – simbologia, raciocínio

abstrato, cálculo mental, morosidade.

Deste modo, o professor terá de ser capaz de adaptar às especificidades da sala

de aula, os seus resultados e os significados que os estudantes devem construir. E,

finalmente, temos a transposição da linguagem do caderno para o formalismo algébrico

que, num momento oportuno, bem planejado, com objetivos bem definidos, deve

apoiar-se em tarefas criteriosamente selecionadas, de modo a poder promover o espírito

crítico dos educandos e desenvolver a sua autoconfiança na resolução de atividades

significativas ao contexto.

Vale salientar que estudar álgebra não significa apenas manipular símbolos e

equações, seu ensino deve ser baseado em construção de noções algébricas pela

observação de regularidades em tabelas, gráficos e situações do cotidiano dos

estudantes. Os dados desse estudo permitem averiguar que o uso das tarefas como

resolução de problemas investigado neste capítulo, pode favorecer a construção dessas

noções. No entanto, ainda são necessárias investigações que utilizem uma quantidade

maior de material (cadernos, no nosso caso) e uma maior variedade de exercícios e

situações-problema.

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159

Considerando-se que as sessões de resolução de problemas, na escola, envolvem

conteúdos matemáticos normalmente, faz-se ainda importante levar em conta os

aspectos afetivos que determinam a relação particular de cada aluna com a matemática.

Enfim, o indivíduo precisa abandonar um modo interpretativo familiar que teve

seu interesse e seu sucesso, mas que se revela falso ou inadaptado do domínio das novas

situações que se lhe apresentam. Necessita considerar informações que incomodam ou

confundem, ou seja, que geram desequilíbrio nas concepções já existentes, e submeter

os seus conhecimentos anteriores à revisão a fim de modificá-los, em função da

aquisição de novas concepções.

Ressaltamos que o citado caderno não deve ser estudado isoladamente, mas

dentro do contexto histórico no qual foi produzido, pois a sua história se desenvolve de

acordo com a história social daquele grupo de alunas, por isso juntamente com outras

fontes – escritas – revelam os valores e as práticas sociais, políticas e culturais de um

dado momento histórico.

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CAPÍTULO V

AS NARRATIVAS DO PONTO DE VISTA DA ETNOMATEMÁTICA: MEMÓRIAS, REFLEXÕES, SIGNIFICADOS E VALORES CULTURAIS

Neste capítulo, o que nos propomos a tratar diz respeito às histórias narradas em

dois cadernos escritos pelas alunas futuras professoras da ENRJN, do segundo ano

Complementar de 1938 − “Um Pouco da Nossa Vida Escolar” (fig. 31) e do caderno do

segundo ano do Curso Normal rural intitulado “Uma fazenda Modelo – Tese das

professorandas da turma de 1938” (fig.34). Resumidamente, queremos dizer que este

último representa um trabalho final do ano de estudo em questão (uma forma de

trabalho de conclusão).

Os cadernos aqui apresentados fazem parte do acervo particular da ex-aluna

Assunção Gonçalves, o qual este pesquisador teve acesso quando em pesquisa de campo

em 10 de abril de 2010. Para o desenvolvimento deste capítulo, utilizaremos como

principais fontes os cadernos citados acima por acreditarmos que estes possam ajudar a

entender os fatos sob o do ponto de vista da etnomatemática que as alunas puderam

escrever. Nesse sentido, concordo com Knijnik (2004, p. 258), que com propriedade

afirma:

“Nesse sentido é que dizemos que a etnomatemática procura contar, ensinar, lidar com a história não oficial do presente e do passado. Ao dar visibilidade a este presente e a este passado, a etnomatemátca vai entender a matemática como uma produção cultural, entendida não como consenso, não como supremacia do que se tornou legítimo por ser superior do ponto de vista epistemológico”.

As dimensões políticas e sociais também ganham uma função principal nesta

perspectiva. Como afirma Knijnik (2004), “a Etnomatemática encontra sua expressão

mais relevante quando expõe seu engajamento social, quando não trata questões

culturais como elementos exóticos e desenraizados, descomprometidos da luta

política”(ibidem, p. 258). Obviamente este capítulo não se esgota nestas poucas páginas

que seguem. Há sempre mais a ser dito, já que entendemos o ser humano como

inacabado. Sendo assim, nossa compreensão é a de que o ambiente escolar se constitui

de novos e inesperados inacabamentos, que, por sua vez, abrem perspectivas para

investigações e reflexões sobre este universo vivo e complexo no qual estamos

mergulhados em nosso dia a dia.

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Ocorre que todos os textos analisados têm como base a narrativa breve e

memorialística. Começando sempre do presente, quando o narrador-protagonista relata

sobre sua escola, espaços ou pessoas que o fazem lembrar-se de seu passado. Então a

narrativa se desenvolve toda no passado a partir da memória do narrador, colocando

sempre em questão se a narrativa é verossímil.

Por meio da história, podemos detectar forma de apoio e entraves para que certo

desenvolvimento aconteça olhar pontos decisivos e os focos de interesse durante o

percurso, e a análise dos mesmos tem uma série de desdobramentos que se revelam

férteis para a instauração de práticas de formação. A expectativa é a de que a insistência

em alguns momentos possa ser justificada pela efetiva relevância das narrativas, a ser

conferida pelo leitor, ao final.

De forma breve, no desenrolar deste capítulo, falaremos da Etnomatemática

como programa de pesquisa e, em seguida, apresentaremos as transcrições de textos

elaborados por alunas que compõem o segundo caderno por nos parecer revelador de

potencial numa perspectiva da etnomatemática no contexto escolar, possibilitando, de

um lado, que o professor obtenha informações importantes sobre a compreensão das

alunas e, de outro, que as alunas exercitem o seu poder de expressão de ideias essenciais

para a construção do conhecimento.

5.1 A narrativa como maneira de pesquisar o conhecimento

Abordaremos neste tópico teórico-metodológico, a narrativa como um modo de

refletir, relatar e representar a experiência, produzindo sentido ao que somos, fazemos,

pensamos, sentimos e dizemos.

Enfatizamos aqui, a narrativa como maneira de dar significado à experiência,

que nos aponta a assegurar que, na condição de seres humanos, deciframos e contamos

nossas vidas e conhecimentos segundo nossos valores e crenças, os quais, por sua vez,

alteram de acordo com o período e o ambiente que ocupamos na sociedade. As

narrativas que descrevemos são os caminhos pelos quais arriscamos fisgar e revelar o

enredamento e as múltiplas semelhanças que cruzam nossos conhecimentos.

Ressaltamos, neste momento, que a interação e a comunicação se promovem

nesses espaços de aprendizagem por meio do diálogo e permeadas por narrativas. A

narrativa, neste contexto, coloca em foco o contar sobre o modo de viver em busca de

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explicitar ou clarificar ideias e conceitos que tenham acontecido na mesma época em

“espaços de significados e interação” com alguns aspectos e representações comuns.

Deste modo, vale destacar que, nas relações de ensino e aprendizagem, a

construção do conhecimento acontece nesses “espaços de significação”, respaldada e

amparada por uma intervenção tutorial planejada pelo professor ou espontânea no caso

de trabalhos em grupo ou pares de estudantes.

Por meio das histórias transcritas neste capítulo, acreditamos que é possível

perceber que as experiências em sala de aula, assim como em espaço de investigação,

podem delinear a potencialidade da narrativa para o ensino e aprendizagem em distintas

áreas do conhecimento, inclusive da Matemática no que diz respeito aos conteúdos

ensinados em sala de aula procurando instituir relações expressivas com o meio fora do

espaço escolar.

Vê-se, assim, que nada mais natural do que adotar a narrativa para tentar dar

sentido a uma experiência educativa ou uma prática social. As salas de aula podem ser

vistas como uma prática social complexa em que professores alunos e, por vezes,

pesquisadores está tentando compreender e construir significados. É assim que alguns

professores de matemática exploram, em sala de aula, experiências de contar e narrar ao

outro, pois estas, além de formativas, podem, também, ajudar na aquisição significativa

do conhecimento matemático.

Procuramos, neste capítulo, enfatizar as análises narrativas, por se aproximar

mais do nosso objeto de investigação, pois, neste tipo de investigação, o narrador provê

tanto a situação como a explicação, consentindo ao pesquisador uma captação mais

orgânica e histórica do procedimento de vir a ser e de desenvolver-se professor.

Destacamos também as análises narrativas, por visarem compreender o

processo de formação e desenvolvimento profissional de professores e futuros

professores, esses últimos autores das histórias aqui transcritas, e, para isso,

promoveram experiências formativas pelas quais eram os protagonistas durante o

período de formação. Notadamente, esse tipo de análises narrativas é entendido como

um “procedimento ativo de conviver e descrever narrativas, e reviver e recontar

histórias, não exclusivamente aquelas dos partícipes, mas, também as dos

investigadores”. Machado (2002), afirma que “O fato é que precisamos escolher o que

consideramos valioso, rememorá-lo, memorizá-lo, comemorá-lo. Este é o sentido de

todas as comemorações: consolidar valores, mantendo vivo na memória aquilo que se

valoriza”.(p. 36)

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5.2 Cadernos de Memórias: algumas narrativas

Figura 25 – Foto ilustrativa da capa e contracapa do caderno de memórias (Acervo de Assunção Gonçalves).

O caderno tipo brochura foi intitulado: “Um Pouco da Nossa Vida Escolar”, está

composto por 27 histórias/textos totalizando 42 páginas. Os textos foram escritos pelas

alunas futuras professoras normalistas ruralistas vinculadas de modo direto, sistemático

e constante ao grupo que no ano de 1938 cursavam o 2º ano Complementar da ENRJN.

Neste capítulo, os textos transcritos aparecem escritos em forma de narrativas que

apresentam a concepção de temas variados em sua individualidade, em vários de seus

aspectos.

O caderno está organizado conforme os títulos dos textos que transcrevemos

neste capítulo, enumerados em algarismos arábicos, indicam posturas referente a cada

tema abordado de maneira a evidenciar ideias que, embora não indicam posturas

teóricas, mas interrogações, afirmações perseguidas e procedimentos adotados que, de

certa forma, traduzem a realidade vivida por aquele grupo de alunas em processo de

formação inicial para exercerem a função de professores normalistas ruralistas.

Diante disso, por meio das narrativas, as autoras procuraram expressar diferentes

aspectos da realidade escolar daquele grupo, tal como ela é concebida, realizada e

entendida por elas.

Do nosso ponto de vista, o caderno é relevante para nossa pesquisa porque nos

traz, de certa forma, um memorial que nos permite analisar e estabelecer possíveis

relações com a história de vida estudantil e profissional contada por aquele grupo de

estudantes. É possível perceber, então, os aspectos sociais e históricos presentes na

construção dessa caminhada estudantil, de modo a pontuar convergências de assuntos

relevantes e pertinentes a um pensar sistemático e reflexivo que transcende ambas e

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circunscreve-se em uma área própria à Educação. São elas: concepção de Educação; de

realidade e de conhecimento; de realidade dos objetos/ambientes; valores e postura

didático-pedagógicas do trabalho docente.

Nas palavras de Machado, “Nossos projetos nos sustentam, sendo sustentados,

por sua vez, por uma arquitetura de valores socialmente acordados. Projetos e valores

são os protagonistas do processo educacional”. (MACHADO, 2002, p. 39)

Consideramos que algumas das narrativas, na sua maioria contida no segundo

caderno, refletem relações com a educação, inclusive com a matemática: formação de

professores, currículo, estratégias e recursos de ensino de matemática, dificuldades de

aprendizagem, a produção de textos que caracterizamos como narrativas numa

perspectiva etnomatemática que abordaremos ainda neste capítulo.

Vale salientar que, mais recentemente, abordagens sócio-histórico-

antropológicas têm gerado pesquisas que discutem temas como a

construção/representação/utilização de conhecimentos matemáticos por diferentes

grupos sociais, as representações sociais de matemática, as habilidades matemáticas

necessárias para ler e interpretar as informações matemáticas nos contextos sociais

(numeracia, ou numeramento), o papel formador da matemática na sociedade

globalizada.

Selecionamos, aqui, do primeiro caderno, onze desses textos para ilustração,

sendo que o prefácio do caderno está digitalizado e é apresentado como forma de uma

“introdução” sucinta a respeito do que ali é retratado, de modo a apresentar-se de forma

linear, há articulação entre cada história contada às quais resolvemos chamá-las de

narrativas.

Figura 26– Foto do prefácio do caderno de memórias. (Acervo de Assunção Gonçalves).

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1) “A ESCOLA” - Rocilda Pimentel Um indivisível prazer, uma sensação, me envolve,

dizendo ao leitor amigo e condescendente, algo do sagrado e luminoso templo, - a nossa Escola Normal Rural, onde absorvo o néctar sacrossanto da instrução.

Qual fonte milagrosa de água cristalina, que ciciante e bem fasefa, torna a aridez em frescura, a penúria em riqueza, indo despojar-se no magestoso, pujante e infinito mar, é a Escola Normal Rural – centro de luz, solo fecundo do bem, que nos atila o espírito, tornando puras as nossas ideias, fazendo-nos olvidar as reais tendências, os maus instintos, para nos conduzir, ao firmamento da bonança, da liberdade e do saber! O modelo de educação era rígido. Até nas reuniões de pais e mestres os pais não se preocupavam muito com o aprendizado, pois parecia confiar nos professores e também porque encontravam uma vez por outra nas ruas da cidade.

É ainda, a terra da promissão do amor e da benevolência; é a glorificação da virtude, o sol brilhante dos jovens, mesmo daqueles que ignoram a sua sublime e minifica utilidade, deixando-a esquecida, sem ansiedade de tê-la em contato, embora conhecidíssima já esteja, através dos jornais e nos corações magnânimos dos que oram pelo seu maravilhoso progresso.

Quando o Brasil, reconhecê-la útil e indispensável, e quando não mais existir analfabetos, neste portentoso e opulento país da América do Sul, triunfantes, cantaremos o hino da reitoria. Ela possui como meios de socialização variam instituições, salientando-se em progresso e em atividades, o “Clube Agrícola Alberto Torres”, a liga da amabilidade, o “Grêmio Padre José de Anchieta”, e como parte integrante, o fértil e alcatifado campo, de flores e verduras, em simétricos canteiros, ornamentado de várias plantas indispensáveis á humanidade, como o algodão, a mandioca, a mamoeira, a cana de assucar, etc.

No término da Avenida Dr. Floro, um sítio ameno e fértil, está situado o seu grande e confortável prédio.

São vastos e pedagógicos os seus pavilhões e salões de ensino. As disciplinas são ministradas por capacidades intelectuais, em parte, isto é, o ensino primário, pelos frutos que ela produziu, como Heloisa Coelho, Maria Moreira, Ceci Borges, Maria Martins e Dacilde Cruz, que, incontestavelmente vêm em catequese brilhante, aumentar nas criancinhas o amor desde já demonstrado por seus trabalhos, em prol da civilização, da instrução e da agricultura!

II ano Complementar. Escola Normal Rural de Joazeiro, 10 de maio de 1938.

Esta narrativa indica-nos, em primeiro lugar, o envolvimento do narrador

protagonista com o ambiente escolar em que está situada a cena que a aluna recorda. Em

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seguida, o ambiente é exaltado como um infinito espaço para o desenvolvimento do

progresso, como meio de socialização e a valorização das instituições escolares que

faziam parte da Instituição. Defendemos aqui o ponto de vista, segundo o qual o

modelo rígido de educação esteve presente naquela escola. Nas reuniões de pais e

mestres, não havia, segundo a narrativa acima, a preocupação com aprendizagem dos

filhos. Dado que a comunidade era pequena, frequentemente os pais interpelavam as

educadoras quando as encontravam para saberem do comportamento dos filhos.

Assim, como um espaço adequado, as capacidades intelectuais e ainda são

destacadas as primeiras professoras formadas na ENRJN como primeiros frutos. De

forma resumida, nesta narrativa, podemos dizer que tudo parece digno de fé:

2) “NOSSA CLASSE” - Joelma Soares de Sá Entre as diversas classes da Escola, (modéstia à parte) salienta-se a nossa, não por ser a mais adiantada, mas não por ser uma das mais bem organizadas. Fica situada ao centro da escola. Pela manhã, em fila após cantarmos o hino nacional ao entrarmos neste ambiente, sentimo-nos satisfeitos diante do asseio e da comodidade. É uma sala muito fresca e agradável, comportando muito bem os alunos.

As suas carteiras num total de 15 são muito alinhadas ficando em cada uma, um grupo de três. Temos muito cuidado em não sujá-las, porque o asseio é muito útil, e é uma prova de boa educação. É intitulada sala “Carneiro de Mendonça”, em homenagem ao digno ex-interventor do Ceará. Além das carteiras tem ainda uma banca para os professores, onde todos os dias depositamos um lindo jarro de flores, colhidas no jardim da nossa Escola. Através de uma janela que dá para o lado do poente, erguem-se esbeltas palmeiras onde bandos de passarinhos vêm gorjear despertando no coração de cada, uma saudade profunda. Em nossa classe tudo nos oferece certa alegria.

Quando entra um professor, recebemo-lo com o máximo prazer em acolhermos os seus ensinamentos cheias da mais viva atenção e respeito, saudamos com cântico em seguida fazíamos oração, isso se repetia todos os dias não só na nossa classe mais em toda a escola durante o ano todo. Alunos há, que consideram como um sacrifício frequentar diariamente a sua classe para receber as aulas. Na nossa classe como na escola em geral também tinha carência de outros equipamentos.

Nós, pelo contrário, sentimos prazer ao ouvir a sineta, que nos anuncia a entrada àquele recanto bendito, no qual recebemos dos nossos mestres, importantes explicações que nos indicam a maneira mais fácil de seguirmos sem vacilar, a estrada (tão trabalhosa e cheia de difíceis obstáculos) da vida. No mês de maio cantávamos e rezávamos mais ainda... No final do

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período das aulas, cantávamos e rezávamos para poder ir embora. As professoras conseguiam aplicar técnicas de ensino que atendia mais de um aluno ao mesmo tempo quando surgiam dúvidas. Nossa sala de aula é um universo que por meio de diferentes passos iremos em busca do saber...

II ano Complementar. Escola Normal Rural de Joazeiro, 10 de maio de 1938.

Ao adentrar no universo da sala de aula, o prazer foi visto por meio desta

narrativa. A descrição daquele ambiente escolar foi feita de forma precisa: uma janela, o

número de carteiras, o número de alunos que ocupavam as carteiras, a banca para os

professores, um jarro de flores. A incorporação dos rituais que compunha aquela sala de

aula perpassava por todas as outras salas da instituição. Os “cânticos” de entrada, de

saída, a reza no início das aulas todos os dias de aula, as repetidas vezes que se fazia

fila, as novenas do mês de maio.

Embora a escola fosse desprovida de outros equipamentos, conforme narra

aluna, em vários aspectos o ambiente de estudo proporcionou a abertura de “mundo

novo” aos alunos, em que os rituais, já descritos acima, tinham significação própria. Na

dinâmica do processo de ensino, as professoras conseguiam desenvolver atividades com

um grande número de alunos ao mesmo tempo.

De modo geral, a narrativa demonstra uma estreita relação entre as atitudes, o

espírito de um grupo e o aspecto da classe em que estudam, assim, como o respeito

pelos professores por reconhecerem, nas atitudes deles, a importância para seguirem a

caminhada.

3) “MINHAS COLEGAS” - Maria Zuli Moraes São vinte e quatro, todas de uma delicadeza incomparável para mim. Todavia há sempre uma pessoa a quem a gente se dedica mais em agradá-la, isto quer seja no lar, quer na Escola. Passo agora a descrever esta que mais admiro. A começar pelos seus olhos, que são grandes, de um castanho escuro, demonstrando simplicidade e admirável inteligência, tez morena, estatura regular, cabelos pretos e estirados.

É possuidora de grande senso humorístico e em cada frase que diz há sempre um sorriso a distribuir as colegas e especialmente a mim que às vezes fico a rir sozinha. A minha esquerda senta-se uma ótima colega que me faz rir a todo instante com os sues gestos e palavras de muito “it”.

Na carteira vizinha, do lado esquerdo ficam três coleguinhas todas muito estudiosas. Loura, inteligente e tão falante que parece discursar quando dando lição, é uma das três. A outra que lhe fica a direita, é a nossa chorona. Seus olhos não têm mais lágrimas. A 3ª é uma colega admirável; morando

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muito longe da Escola é, contudo, assídua. Suas pernas já estão finíssimas de tanto caminharem assim como a sua mente já se acha um pouco fraca de tanto estudar, porém como recompensa de seus esforços obtém sempre o primeiro lugar na classe.

Com pose de artista compenetrada da sua arte vive sempre aquela colega que na sua eterna modéstia nos diz todos os dias este beabá: “hoje eu não sei o ponto”, e na hora da lição, quase que não respira, diz o ponto de “fio a pavio”, e depois, 1230. A minha colega... é muito nervosa e nas aulas de português com especialidade. A professora manda-a analisar algumas frases... porém quando pega do livro é capaz de cair, treme sem controle e a mestra penalizada diz: basta.

Na primeira fila, na carteira ao centro, senta-se uma trinca do “amor”. Todas bastante fortes, porém uma, mais que as outras. Tem cabelos grandes e cacheadas; possue tez morena.

Muito semelhante a anterior é a seguinte por serem primas legitimas. A outra, que é um “varapal” foi apelidada de “chique-chique”, vive constantemente pintada e tem olhos esverdeados. Estuda demais, porém não há jeito de tirar além de 6 numa prova escrita. Seus olhos são grandes e sombreados de compridos cílios, cabelos pretos de ligeira ondulação emoldura-lhe o rosto redondo. É um pedaço de colega esta que descrevo: Em cada gesto dos seus, nota-se uma simplicidade admirável, é muito delicada e de gênio mesmo agradável, isto é, para mim. Lá, mais atraz, ficam outros colegas entre as quais saliento aqui uma que acho muito original. De óculos, muito gorda, um pouco idosa motivo porque é muito respeitada e vive lá no seu silêncio perfeito.

Vizinho a esta, senta-se outro coleguinha que não sei porque nunca dá uma lição oral por mais que o professor se esforce em interrogá-la. Não responde cousa nenhuma, apenas diz “não sei...”. Morena, muito melancólica... é aquela outra coleguinha. Sobram ainda oito colegas que agora aprecio em salada. A começar pela mais impossível: é uma lourinha vermelha como um “peru baiano” muito cheia de brincadeiras, “estudiosa” como nunca vi, não gosta nada de brincar... Ao lado desta senta-se outra também da mesma “laia” apesar de ser um pouco mais estudiosa. A seguir, vem a minha colega... muito gorda, parece que vive aérea, não se incomoda com cousa alguma, para ela tudo está muito bem. É um verdadeiro “jarro de barro” esta colega que ora descrevo; seus cabelos ondulados, muito “não me toque”. No seu físico, noto um que de “senhora do mundo”.

Nos confins da classe senta-se uma colega muito sem vida que afinal não sei como descrevê-la, apenas digo que é uma colega, porque faz parte das 24. Uma que não sei porque deixei por último, é a colega da minha simpatia: - apesar de não ter estreitas relações comigo, quero-a bastante. É uma morena forte

30 O número 12 refere-se à nota máxima atribuída numa prova/atividade, conforme o Regulamento da ENRJN.

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de cabelos um pouco crespos. Há em nossa classe o único varão; porém, deixo para descrevê-lo, a colega que me sucederá.

Esta narrativa distingue-se das duas anteriores; para começar a aluna fala da

quantidade de colegas e das características das mesmas, em que todos os personagens

que a compõem têm algumas qualidades guardadas em suas memórias que, de certa

forma, em algum momento da narrativa, são reveladas. Passa a descrever as

características de outras colegas que mais admira, como também se refere à nota 12

atribuída a uma suposta atividade realizada por uma das colegas, a qual considera muito

estudiosa e finaliza afirmando da estreita relação com uma delas. Esta cena desenrola-

se toda na classe. Contudo, a aluna em sua narrativa, fala de suas colegas daquela época,

recorda os lugares que ocupavam nos bancos da sala de aula e evoca vários fatos da vida

escolar que ocorreram com aquela turma, naquele ano, o sucesso desses ou daqueles, as

esquisitices e as travessuras de outros, tais partes do curso, tais explicações que

impressionam ou interessam os alunos.

Nesse sentido, nossas lembranças emergem em nosso contato com os outros ou

originam-se de situações sociais (mesmo que estejamos sós). Lembramos e esquecemos

como membros de grupos conforme os lugares que neles ocupamos ou deixamos de

ocupar. Assim, Halbwachs (2006) relaciona a memória à participação em um grupo

social (real ou imaginário), em uma comunidade afetiva, de forma que, quando nos

lembramos, deslocamo-nos de um grupo a outro, em pensamento. Acerca desse caráter

social, podemos pensar o quanto a memória do individuo depende das palavras dos

outros, das histórias lidas e contadas, das obras de arte, que são sociais não só em

termos do contexto em que estão inseridas, mas por serem produções históricas. A

memória, para Halbwachs, depende da linguagem, dos significados constituídos

socialmente. Para este estudioso, é possível dizer que essas características da memória

humana só são possíveis pela linguagem, porque esta permite o contato com objetos do

mundo, mesmo quando eles estão ausentes, e duplica o mundo perceptível, criando um

mundo de imagens interiores. Se a memória do animal é dependente da orientação no

meio ambiente e dos motivos biológicos, o homem, em/por processos discursivos, é

capaz de organizar o material a ser lembrado, de ampliar o volume de informações

conservadas, de voltar-se arbitrariamente para o passado.

4) “A DIRETORA” - Francisca Pereira

A nossa Diretora, é a personificação de todas as qualidades que podem ornar a qualquer alma de escol. É ela que

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sendo Diretora deste estabelecimento, desde o primeiro ano, vem com o seu porte altaneiro e enérgico, conquistando a simpatia dos seus colegas e aprofundando cada vez mais a amizade de seus alunos. Ela juntamente com os professores sempre nos orientava a respeito do papel/responsabilidade do professor.

Consagrando-se maternalmente aos filhos alheios, preparando as novas gerações para os caprichos misteriosos do destino, vem heroicamente cumprindo os ditames da Providência Divina. Silenciosamente exerce uma inquebrantável autoridade, impondo rigorosa disciplina ao seu rebanho em via de formação. Porque não haverás de bendizer ao Céu, os grandes benefícios que nos tem prestado nossa querida Diretora? Qual de nós não guarda na memória a figura desta fada protetora, já beatificada pelo trabalho e santificada pela paciência? “É preciso que todos nós a amemos com amor verdadeiro e dedicado, para de alguma maneira merecermos as dádivas que nos prodigaliza”, dizia Ela. Severa e maternal, é ela a formadora dos caracteres que aqui chegam em embrião. Não raro é a verdadeira mãe carinhosa dos seus discípulos e sua afetuosa conselheira.

A mocidade que como ave implume foi protegida e agasalhada por tão nobre coração, sente-se orgulhosa ao voltar para os seus lares, seus torrões, onde ao lado dos seus entes queridos, vão lançar sementes de frutos por ela antes plantadas. Generosamente vive a cada instante ministrando ensinamentos por meio de suas atividades de ensino que fosse a qualquer lugar do espaço escolar, inclusive na hora do recreio quando nos alertava quanto à importância da relação com os colegas de outras classes que serviria para a vida que aguarda mais tarde fora deste recinto, quando tivermos que fazer campanha a ignorância, ao desenvolvimento do mau.

Querida Diretora, com a simplicidade do meu coração, teço-lhe aqui singela grinalda da minha gratidão e amizade.

II ano Complementar. Escola Normal Rural do Joazeiro, 26 de julho de 1938.

Podemos perceber que esta narrativa é coerente com o tipo de prática e

mentalidade educacional que era estabelecida na época – o chamado, a missão, a

redenção etc. Isso nos faz ter como muito plausível que as narrativas estejam bem

próximas do tipo de pregação feita por dona Amália Xavier.

Além disso, há o fato de ser uma narrativa direta de uma aluna que esteve

próxima à dona Amália e conheceu sua prática educacional. O que torna suas memórias

um testemunho confiável de alguém que viu e resolve contar sobre essa prática

educacional de dona Amália a partir da condição de ser sua aluna. O que é de

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fundamental importância, dado que foram seus alunos que sustentaram sua liderança

carismática e sua condição de educadora de um grupo.

Outro ponto importante que pode ser resgatado deste testemunho por meio da

narrativa é que ela, de forma indireta, termina por mostrar que os alunos foram

fundamentais para a construção e confirmação da liderança de dona Amália e atestação

de sua missão educacional. Porém, se considerarmos que o carisma é regularmente e

qualitativamente individualizado, ou seja, o líder tem de demonstrar seu valor e ter a

qualificação pessoal que o habilite a ser líder de um dado grupo, podemos entender que

era no vasto sistema de proteção professor-aluno criado em torno dela, e em momentos

e discursos como aqueles em que a diretora se apresentava – conscientemente ou não –

como uma condição de guia educacional, que ela mais se qualificava como líder

educacional.

5) “MESTRES” - Maria de Lourdes Vital Falando em mestres, jamais poderia deixar de externar fielmente, a dedicação que voto a estes abnegados entes, que se entregam de alma e coração, ao serviço da pátria, despertando no espírito da petisada brasileira um vivo interesse pela ciência, pelo trabalho, pelo que é grande e belo, guiando-a no envio e desconhecido caminho da vida. Os ensinamentos deles recebidos são verdadeiros faróis que conduzem a um futuro brilhante. Guiada por eles, a criançada de hoje tornar-se-á o orgulho desse Brasil, imenso e belo. Na hora de escrever da lousa não podia conversar com as colegas do lado... Era total silêncio... Para perguntar alguma coisa tinha que pedir permissão. Por isso os colegas ficam com medo. Aos que desobedecesse vinha os bolos com a palmatória. Dentro dos demais mestres do meu curso – o IIº ano Complementar – sobressai para mim, a minha mestra de português, por ser esta possuidora de sentimentos nobres, uma alma generosa, um coração magnânimo e uma imagem angelical. Dela recebemos o melhor do seu esforço e boa vontade, o seu carinho e o seu desvelo. A sua preocupação como a de todos aqueles que marejam neste templo sagrado que é a minha Escola, é a boa formação do nosso espírito e o desenvolvimento das nossas faculdades intelectuais e morais, pois eu havia aprendido a lição. São verdadeiros apóstolos do bem, luzes de brilho inconfundível verdadeiras almas de escol. Mestres queridos, mesmo na humildade destas palavras como de sua autoridade, no colorido desmaiado dos meus dizeres, lêde a boa vontade, o amor, a gratidão e a sinceridade do 2º ano complementar de 1938.

2º ano Complementar. Escola Normal Rural do Joazeiro, 2 de agosto de 1938.

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Esta passava por uma sensação de proximidade entre o aluno e o a professora. É

o que a aluna procura mostrar, na narrativa, ao usar o termo “minha mestra” e ao prestar

conta de que havia “aprendido a lição”. Em segundo, porque expressa o reconhecimento

de que há uma autoridade e ascendência da narrativa é um caso exemplar e bem

ilustrativo do como se processava este tipo de educação e legítima que a professora de

português exercia sobre seus alunos. Primeiro, ao mostrar como tal domínio parte da

professora em relação aos seus alunos, como vemos nos temas: “interesse pela ciência”

e “guiando-o no envio do caminho desconhecido”.

A aluna expressa claramente a sua fé de que a professora teria algo de

extraordinário, algum poder que o destacaria de outras pessoas. Nesse sentido, a aluna

parecia não ter nenhuma dúvida de que a professora faria os “verdadeiros

ensinamentos” para conduzirem a um futuro promissor. Contudo, a obediência fazia

parte da aula.

A metodologia empregada pela professora para alguns inspirava medo. O

modelo rígido de educação esteve presente nas aulas, quando não eram admitidas

perguntas a não ser com permissão. O rigoroso processo de ensino naquele tempo

deixou marcas capazes de se manterem muito vivas na lembrança da palmatória e do

argumento.

6) “RECREIOS” - Rosa Martins Camelo. Para o aluno, um dos momentos mais desejado é o recreio.

Ainda mesmo que ele esteja em uma aula muito proveitosa, não o esquece e aguarda-o com ansiedade. Muitas vezes quando não trazemos as lições bem sabidas, passa o relógio a ser objetivo da nossa curiosidade. Ficamos esperando de ouvidos atentos as dez badaladas do relógio anunciando a todos o recreio, único meio de nos livrar de uma nota baixa. Não é somente, porém neste caso que o recreio nos é agradável. Não, ele é sempre desejado por ser o momento de refazermos nossas energias para de modo abraçar-nos os livros, nossos companheiros inseparáveis e também é bom para os professores que podem até recrear. Os recreios da minha escola primam pela variedade de brinquedos. Temos além de um ótimo pavilhão, o campo, que na sua exuberância, atesta a eficiência do ensino ministrado neste verdadeiro Templo de Instrução. Penso no recreio como um momento de integração para o processo de aprendizagem.

É bem interessante apreciar-se as diversas maneiras que cada aluna escolhe para passar o seu recreio. Umas, passam-no brincando numa alegria incomparável, outras, as sentimentais, ficam apreciando as flores como se estivessem a confiar-lhes as suas magnas simples magoas de estudantes. Eu, porém, prefiro

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observar tudo que no recreio se passa, abrigada à sombra de um simpático caramanchão, embora da minha solitude possa parecer excêntrica ou esquisita.

Nesta narrativa, as ideias colocadas pela a aluna são expostas em prática, no

sentido de mostrar um caminho, pois entende que “o recreio escolar é um espaço de

tempo, que, apesar de ser curto, não deve passar desapercebido no contexto escolar [...]

e que precisa ser pensado como um momento integrante do processo educativo”.

O recreio escolar é colocado como parte do período educacional da escola, este

momento de “trégua” entre professor e aluno que acontece no contexto escolar. A aluna

acha importante também o recreio porque os discentes podem se distrair, recriando o

recreio e assim refazer as energias. Na narrativa, os olhares voltaram-se principalmente

para a rotina do recreio, às atividades que os alunos realizavam e à relação delas com o

espaço físico e materiais disponíveis.

Dentro deste espaço destinado a recrear, algumas questões podem ser

levantadas. Qual era o valor atribuído pela Normal Rural ao recreio escolar? Seria o

recreio utilizado para alertar a possibilidade de utilizar o recreio, rico pelas suas relações

sociais, como espaço de educação para a cidadania?

Além da importância do brincar, podemos salientar a necessidade de a escola

proporcionar uma educação que vá além dos tradicionais conteúdos de cada uma das

disciplinas, destacando-se a formação ética dos alunos. Neste sentido, o recreio

apresenta um amplo campo de oportunidades para o desenvolvimento de valores

morais. A aluna procurou relatar no decorrer da narrativa, que cada observação se

situava em um local diferente do pátio da escola, porém sem perder de vista o que

acontecia nos demais.

Parece-nos que as observações descritas pela aluna, na narrativa, foram

norteadas pelos seguintes aspectos: a rotina do recreio, as atividades com as quais os

alunos se ocupavam e a relação do espaço físico e do material com o tipo de atividade

que era desenvolvido. Sendo assim, podemos dizer que o recreio escolar pode ser

considerado um tempo e espaço de relacionamentos sociais que, por seu caráter

informal, facilita a brincadeira e o jogo, seja por meio da cooperação, do conhecimento,

aceitação de regras entre outros.

Resumidamente, a aluna narra sobre um momento que tinha como um dos

intuitos o divertimento por meio da recreação, como também outros diferentes

acontecimentos naquele espaço da escola. Esta narrativa apresenta uma sucessão de

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eventos, de interesse humano e tudo na unidade de um mesmo espaço/tempo. Naquele

momento, o recreio observado pelas alunas trazia em si a memória coletiva. Uma

memória que estava ali, portanto, presente entre aqueles estudantes, que igualmente os

ligava uns aos outros, e estes ao recreio, à Normal Rural (a memória coletiva como

veículo de pertencimento). Sendo assim, o recreio da escola era tanto um espaço

socializador quanto um momento da memória que possibilitava àqueles estudantes se

sentirem parte da Normal Rural.

7) “AS FESTAS ESCOLARES” - Alaíde Bezerra

Tendo sido você aluna dedicada da Escola e uma das mais interessadas pelo seu progresso tomei um pouco do meu tempo para relembrar com você os acontecimentos daquele, feliz tempo em que juntas vivíamos sob o pátio sagrado deste educandário. Lembra-se dos nossos bons recreios? Quanto comentário!... Quanta brincadeira interessante! Pois bem, eles continuam felizes e animados, porém, eu enxergo sempre a lacuna deixada pela minha boa colega. A vida escolar aqui, cada dia é mais intensa e mais proveitosa. Proveitosa sob todos os pontos de vista, porém socialmente, falando, ela tem atingido a um elevadíssimo grau.

Para atestá-lo bastam as nossas festas escolares que retratam muito bem no ambiente da escola, as festas realizadas nos recreios sociais com a diferença de que os nossos mestres nos ensinaram a nos portarmos mais delicadamente o que dá um aspecto mais fino as nossas deliciosas reuniões.

Festejamos aqui todas as datas cívicas de maior destaque promovendo seções, onde se falam sobre elas salientando os vultos e os fatos mais importantes, neste ou naquele acontecimento. O mês de Maria festejamo-lo sob a direção de nossa professora D. Neli Sobreira que como interpretida Virgem nos convida a praticar atos de virtude para melhorar obsequiarmos àquela boa Mãe. Assim tantas outras festas que realizamos na mais pura e bela união e espontaneidade. É pena que esteja você tão longe e que não possa como nós outros saborear estas horas de tanta importância para nossa vida de mestras futuras.

Sempre que me sobrar alguns minutos far-lhei-ei algumas linhas, para que você reviva o seu tempo feliz de escola ruralista e experimente a satisfação de ver através das minhas cartas e com os olhos da amizade, quão animador é o nosso progresso e qual o lugar que nos reserva o provir. Sua Alaíde.

2º ano Complementar.

Escola Normal Rural do Joazeiro, 27 de agosto de 1938.

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No caso especifico desta narrativa, estava, portanto, inscrita uma memória da

ENRJN, da diretora (dona Amália), dos professores e dos alunos. O uso do termo

memória aqui é proposital e preciso. Estamos pensando em Halbwachs e sua distinção

entre memória coletiva e história. Segundo este autor, enquanto a história se coloca fora

dos grupos e acima deles, a memória coletiva “é uma corrente de pensamento contínuo,

de uma continuidade que nada tem de artificial, já que retém do passado somente aquilo

que ainda está vivo ou capaz de viver na consciência do grupo que a mantém”. Posto

que a “toda memória coletiva tem por suporte um grupo limitado no espaço e no tempo

(HALBWACHS, 2006, p. 102).

8) “O CAMPO”- João Batista dos Santos O campo de nossa Escola é jardim e ao mesmo tempo roçado. Acha-se ocupado por diversas plantas, umas utilizadas na alimentação como: feijão, milho, mandioca, cana de assucar, macaxeira etc., outras nas indústrias como sejam: algodão, amoreira, gira-sol, etc.. Lembrando que tanto para a plantação como para a colheita segue-se um determinado tempo.

Junto ao prédio está o jardim muito bem gramado, ficando num canteiro a cartografia do Ceará, noutro cinco estrelas, representando aquelas estrelas vivas, as primeiras professoras normalistas, noutro ainda lemos E. N. R. significando Escola Normal Rural. Ao centro está um grande aquário e muitas roseiras que o rodeiam. Fazíamos atividades diversas e melhor, aplicávamos em parte os conhecimentos escolares das diferentes áreas.

Seguem os canteiros de alface, coentro, couve-flor, tomate, batata doce, etc. Todo este trabalho é feito pelos alunos, pois temos horas de trabalho no campo.

Todo curso primário de nossa Escola também gosta de prestar a sua contribuição ao nosso trabalho. Estão sempre a arrancar aquelas hervas daninhas protegendo enfim a vegetação, demonstrando com isso o espírito de ruralismo que as cinco professoras que saíram desta Escola já conseguiram criar naquelas crianças que já sabem ter amor e zelar pela conservação do nosso campo de experimentação.

Em sua narrativa, o aluno fala do campo como espaço de experimentação, pois a

ENRJN possuía um campo chamado “Fazenda” que auxiliava na prática de trabalhos

agrícolas. Naquele espaço também eram realizados eventos de difusão e treinamentos.

Desde a sua fundação em 1934, a ENRJN, desenvolveu atividades de produtos

fitossanitários; inseticidas, fungicidas, acaricidas, herbicidas, microbianos e produtos

naturais, principalmente nas culturas dos citros, tomate, café e hortaliças. Eram

realizados também estudos do solo e eficácia de produtos ali cultivados (em culturas

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como: milho, algodão, feijão, mandioca e outros). Estudos de impacto ambiental de

inseticidas e agentes biológicos eram conduzidos também.

Uma área utilizada pelos professores e alunos era para complementação dos

estudos escolares depois de obtidos os registros por meio de relatórios. Incluíam no rol

de atividades de campo, os estudos sobre plantio, colheitas entre outros visando à

composição e expressão de organismos.

Realizavam-se ensaios para estudos de resíduos em campo. Assim como estudos

sobre o impacto de organismos sobre insetos alvo, em culturas como: milho e algodão.

Eram são avaliados os efeitos do milho e/ou algodão sobre a população de insetos que

não são considerados pragas destas culturas. Trabalhos com culturas anuais e semi-

perenes, como cana-de-açúcar, milho, mamão, cebola, algodão, tomate, etc., eram

conduzidos pelos professores de acordo com as estações do ano. Outras atividades

desenvolvidas pelos alunos com a orientação dos professores eram sobre o impacto de

produtos fitossanitários, em condições de campo, organismos não alvos, incluindo-se

insetos/ácaros/aranhas benéficos de ocorrência natural, em campos de algodão, soja,

milho, hortaliças, café, cana de açúcar e outros cultivos.

Nesse sentido, é possível verificar que na experimentação prévia a interferência,

introdução e manipulação das condições ambientais ou quaisquer outros fatores pelo

grupo envolvido, em função das finalidades das atividades. Este tipo de forma de

aquisição de conhecimentos se dava por meio de experiências ou ações de

experimentação por parte do grupo. Esta era utilizada fundamentalmente e integrada às

áreas das ciências exatas como: física, química, matemática, práticas agrícolas etc.

Também era comumente utilizada nas ciências biológicas.

Há um momento na narrativa em que observamos a manifestação do pensamento

matemático, com a necessidade de instrumentos intelectuais para planejar o plantio e

organizar a colheita. Deste modo, observamos também a presença de uma

etnomatemática empregada no tocante à presença de conhecimentos relativos ao tempo,

tanto na relação com o espaço como nos movimentos.

9) “UMA AULA” - Stelita Magalhães As poucas horas que passo numa aula considero-as maiores da minha vida. Quantos conhecimentos úteis e vários vêm alimentar o meu cérebro sequioso de ciência, sequioso de verdade! Quantas explicações sãs e alentáveis elevam o meu espírito numa aula de religião! A minha escola considero um templo onde recebo a hóstia sacrossanta da educação moral e

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espiritual. É o livro, o breviário de minha existência. Mesmo sem material didático adequado não sei como se dava o processo de ensino-aprendizagem, na maioria das vezes tinha que decorar a lição, que fosse na escola ou em casa no convívio da família, lendo várias vezes em voz alta para minha ouvir. Muitas vezes ouvia das professoras: vocês se saíram bem nesta atividade. Acho que havia alguma intervenção divina... No convívio alegre de minhas colegas, embalada nas mesmas esperanças, vivo satisfeita e feliz como o pássaro no vergel.

Uma aula para o aluno é como o sol para as plantas; porque aquela desenvolve a inteligência, assim como este faz florescer com exuberância o vegetal. Quando deixamos a escola após uma aula, levamos para casa o espírito reconfortado, avançamos mais um passo no caminho da verdade!

A aluna narra suas experiências enquanto aluna da ENRJN. Ela relata sobre o

quanto acha importante o tempo que passa numa aula, assim como a importância do

aluno comparando-o com a importância do sol para as plantas. Considera a escola um

templo onde recebe “ingredientes” para educação moral e espiritual e, a cada aula que

termina, leva consigo um passo em direção ao conhecimento.

No decorrer da narrativa, a aluna indagava como o processo de ensino-

aprendizagem acontecia. Ela se lembra de uma possível intervenção divina nesse

momento. A orientação escolar dada em casa pelos pais era uma projeção da escola, o

método de aprendizagem, designado pela aluna como “decoreba”, estava presente nos

momentos de estudo.

10) “EXAMES” - Maria Doracir Costa Exames! Nesta época sentimos os nossos corações palpitantes de alegria e esperamos ansiosos a coroação dos nossos esforços. Leitura de questionários... Decorar quase sempre. Toca o sino... Inicia o controle do tempo... em forma e silenciosas entramos na classe, sentamos e qualquer movimento/ação era controlado. Antes de iniciar as provas o Fiscal faz as devidas recomendações e é então que começam os temores, os receios. Veêm-se alunos passando aflitos as contas de um terço implorando com piedade o auxílio do céu. Finalmente o professor passa as questões e os que sabem desenvolvem-nas com alegria enquanto os que passaram o ano na vadiagem, esperam, como se merecessem, a proteção de Deus ou dos colegas.

Mas quando não o conseguem ficam no dizer vulgar “no ora veja” e o resultado é a “bomba” – maior pesadelo do estudante. Contrariamente, porém, sucede ao aluno aplicado e estudioso (aquele que decorou o questionário) que soube aproveitar o tempo e recompensar o esforço, às vezes

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desmedido, dos seus pais e que não só pensam em decorar aprendem... Aprender não é copiar ou decorar...

O exame é, pois para um triunfo e gloria, para outro, derrota e tristeza. Por isso, é que quando se vão as turmas de alunas às bancas de exames, pairam nos semblantes de todos, nuvens de incertezas, nuvens de desânimos, nuvem de esperança... Momento que afasta o aluno do professor há não ser quando o professor chamando à atenção/grita se nós nos mechamos...

As representações que a aluna possui acerca dos exames escolares estão contidas

no seu discurso por meio desta narrativa. Para Foucault (1972, p.42), os discursos,

embora compostos por signos linguísticos, não se reduzem a eles: são como “práticas”

que constroem os objetos sobre os quais se fala. Assim, discurso pode ser definido

como uma enunciação individual gerada na interação social, ao mesmo tempo em que

vem a ser uma produção social em que o linguístico e o social se inter-relacionam e se

determinam pelas condições e contextos de produção.

À análise do discurso cabe, pois, explicitar a estrutura discursiva das

representações sociais, buscando as unidades de conteúdo nucleares e seus respectivos

significados e relações naquilo que foi dito pelos sujeitos.

Nesta narrativa, podemos perceber, por exemplo, como mostra o controle

exercido da escola sobre os alunos pelos profissionais que detêm autoridade, com o fim

de sujeitá-los. Utiliza-se do detalhamento e do esquadrinhamento do tempo, do espaço e

dos movimentos dos indivíduos. Aparecem estratégias de disciplinação por meio da

ocupação do espaço como: o enfileiramento, a imobilidade, a posição ocupada do

primeiro ao último lugar das carteiras, as filas, a demarcação do quadro negro para

efeito de exercício da avaliação, e outras que seguem o princípio do quadriculamento

inspirado na cela dos conventos e na vida dos quartéis, conforme esclarece Foucault

(1994, p.138). Vem a ser um conjunto de práticas que tem os mesmos propósitos:

separar os indivíduos, torná-los solitários, impedir a ociosidade, para melhor controlá-

los e dominá-los.

O controle do tempo e das ações que se desenrolam num determinado lapso de

tempo também é relatado pelo sujeito desta narrativa e se configura como técnica de

disciplinação. Por meio da estipulação de um horário e de ordens para serem cumpridas

naqueles espaços de tempo, o indivíduo se mantém ocupado utilmente e obtém-se maior

eficácia e rapidez dos seus atos. As normas temporais objetivam “acelerar o processo

de aprendizagem e ensinar a rapidez como uma virtude” (FOUCAULT, 1994, p.140).

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As revelações mais deprimentes da narrativa, do ponto de vista humano, ficam

por conta da reação do professor diante do erro e do baixo rendimento do aluno, e da

inobservância de regras ou afastamento delas. Uma parte considerável da narrativa faz

alusões às críticas destrutivas, ofensas morais, punições, ameaças, gritos, perseguição,

todas praticadas em nome do exame.

O exame escolar fazia parte do cotidiano escolar de tal sorte que o ensino se

desenvolvia sob sua pressão e controle. Ao se observar a prática atual da avaliação

escolar, constata-se a polarização das atenções dos alunos, professores, pais e

administradores do ensino em torno da realização de provas/exames como objetivo

primeiro da vida escolar.

Em todos os episódios negativos, relatados na narrativa, as implicações mais

sérias acerca das provas, do ponto de vista da aluna, são provocadas pelo uso de

questionários previamente respondidos para serem memorizados e reproduzidos no

papel de prova; pelo emprego de um instrumento para a atribuição da nota; pelo poder

dessa nota decidir a sua aprovação/reprovação.

Os modos de perceber e conceber a realidade articulados pela técnica de

avaliação passam a fazer parte do repertório operativo do aluno com a única finalidade

de obter a aprovação escolar. Por serem processos estranhos à sua estrutura de

pensamento, tornam-se elementos impeditivos da aprendizagem efetiva e contribuintes

para a formação alienante do aluno. Espera-se que o aluno tenha uma relação passiva

com o saber e uma atitude acrítica e neutra perante os fatos. Portanto, é possível afirmar

que o contexto do exame escolar é caracterizadamente alienante, no qual se manifesta a

hierarquização dos saberes e dos métodos de ensino pretendida, assim como se

manifesta a natureza da relação com o saber e da atitude esperada do aluno perante os

fatos. Os episódios negativos relatados pela aluna apontam repercussões do ponto de

vista pessoal e escolar. A análise evidenciou o rebaixamento da autoestima como um

reflexo importante, visto que vem a ser um dos elementos que indispõem o aluno para o

estudo, para a aprendizagem e o afasta do relacionamento com as pessoas, por vezes, do

convívio com os colegas, causando sérios malefícios para a sua vida futura e produtiva.

A narração dos episódios negativos é marcada por uma cadência dura em que

predomina o compasso sobre a harmonia, e pelo uso de expressões que deixam entrever

que, para a aluna, se trata de algo absurdo, inacreditável, impossível de acontecer. Mas,

como esse algo realmente aconteceu, a aluna registra a sua indignação, marcando o

discurso pela distinção entre o que julga ser ruim e o que julga ser “ainda pior”.

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A aluna direciona, também, a sua indignação contra a prática de avaliação que a

disciplina para dominar e o priva do exercício do pensamento. Para sobreviver

escolarmente, a aluna entra no esquema, submete-se. Porém, o processo de sujeição é

vitorioso apenas na aparência: junto com o sentimento de indignação, surge o

inconformismo − a postura de quem “não está conforme alguma coisa”, que não aderiu a

“essa coisa” nem a interiorizou.

Nesse sentido, a prática da avaliação escolar classificatória e opressora está no

centro das experiências negativas dos alunos, faz supor a existência de uma relação

assimétrica de forças. O conformismo às regras do jogo da avaliação por parte do aluno

− o elemento mais fraco na cena pedagógica − constitui-se num processo para superar

uma situação problemática, um modo de fazer valer os seus direitos de estudante. O

acerto entre as partes é embalado pelo movimento de aproximação e distanciamento, de

aceitação e de repúdio que, contraditoriamente, marca as histórias de vida escolar sobre

a avaliação.

As repercussões apontadas pela aluna para as situações positivas de exames são

extremamente desejáveis. Juntamente com a motivação para estudar e o estímulo para

avançar no conhecimento, a aluna faz descobertas fundamentais: ela descobre que

aprender não é decorar, que o importante é estudar e produzir conhecimento e não a

obtenção da nota; ela constata que, pela mediação dessas experiências positivas de

avaliação, ocorreu a aprendizagem: ela descobre que aprendeu porque não copiou

modelos, dialogou com o conhecimento, interagiu com o professor.

Em se tratando dos episódios positivos relatados sobre o exame escolar, a

respectiva narração apresenta uma linguagem fluente cujo pensamento não se encerra

abruptamente com o ponto final; ao contrário, deixa em aberto a argumentação como se

permitisse acréscimos.

No que diz respeito ao caráter, historicamente o exame escolar vem assumindo

no ensino de modelo simultâneo, predominante na sociedade capitalista, justifica-se

pelas inter-relações entre a aprendizagem e o exame, no sentido da decisiva

interferência desta sobre o processo de conhecimento do aluno. Assim, o exame escolar

exerce o papel (e poder) de mediação da produção do conhecimento: atua como

elemento facilitador, ou como elemento bloqueador, conforme a trama de interesse a

que serve.

A narrativa sobre exame escolar, elaborada pela aluna e transcrita aqui, mostra

que a tecnologia secular de poder está ainda viva em algumas escolas e cursos nos dias

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atuais. De um lado, a normalização de sua conduta; de outro, a normalização de seu

processo de conhecimento. Em ambas as situações, há redução das suas possibilidades

de produção de saberes e de conhecimento.

Os resultados desta análise vêm se juntar a resultados de outras pesquisas

realizadas sobre avaliação escolar que, embora utilizassem outras técnicas de coleta de

dados e de análise, mostram iguais dimensões da problemática estudada no tocante à

ênfase nos aspectos negativos do processo avaliatório, à ausência de estímulos à

aprendizagem, à fragilidade dos procedimentos para a apreensão da manifestação da

aprendizagem do aluno e expressão dos respectivos resultados, entre outras.

11) “QUAL A MINHA MAIOR ASPIRAÇÃO”- Lucia Vanda Roiz Veloso. Por mais humilde que seja uma pessoa, acalenta sempre um ideal qualquer. E todas, mesmo que não cheguem a realizá-lo, trabalham às vezes a vida inteira, na esperança de consegui-lo. Como todos, também tenho minha aspiração. E que prazer não sentiria se chegasse a realizá-la!... Quais os meus projetos para o futuro? É o meu ideal chegar um dia a ser professora e eu sempre rogo a Deus que me dê forças para transpor todos os obstáculos e conseguir o que mais aspiro. É uma missão árdua, porém, dignificadora. Espalhar a luz maravilhosa da instrução, tirar das trevas os ignorantes, pode ser um pouco difícil, mas, depois de realizada essa digna missão, ter-se-á a recompensa, com a satisfação de ter concorrido para o engrandecimento da Pátria e de algum modo agrado a Deus. Sei que é difícil, até mesmo chego a perguntar: Porque das pessoas pregarem uma teoria e fazerem outra?

Faltam ainda três anos para realizar a minha aspiração. Mas depois quero continuar me aperfeiçoando. Contudo, não desanimo. Continuo estudando com afinco, confiando em Deus que há de fazer com que eu seja convertida em realidade do meu ardente desejo, possuindo um diploma de professora e a exemplo dos meus mestres, trabalhar para o engajamento da Pátria cultivando no espírito dos seus filhos, a semente grandiosa do saber para que, quem sabe, encantar os quatro cantos do universo...

As expectativas de cada um dos alunos da escola são elaboradas a partir de certo

número de modelos culturais e de experiências. Daí que não haja concordância na

construção de uma tipologia das funções da educação. Cada uma das propostas tem por

base um determinado contexto econômico, político e social.

A aspiração de que, por meio da razão, as pessoas enxerguem

na escola um meio de ascensão social: quanto maior o tempo de vida escolar,

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melhor será a recompensa para o futuro pessoal assim como profissional. Aspiração fixa

pela ascensão social. Quem consegue maior influência na classe, desejo de aparecer, de

compreensão do significado da escola e das matérias para sua vida e para um futuro

promissor.

De algum modo o desejo de um futuro promissor se revela na narrativa da aluna

Lucia Vanda Roiz Veloso, seja calçando um caminho para o que é mais conhecido que é

o de ser professora, seja o de garantir o sustento por meio de um trabalho e de um

salário, seja o de viver para servir à pátria.

Ao recorrermos às memórias descritas no citado caderno, especificamente a da

ex-aluna Francisca Pereira, é possível verificar a presença de várias pregações da

diretora, que, por sinal, obtemos boas pistas sobre o papel do educador que lhe era

imputado. Sendo aqui importante ressaltar que a prática e desempenho educacional dos

professores contribuíam para isto.

Quanto à forma como era alimentada essa imagem de orientador à semelhança

de educador, a narrativa nos dá algumas pistas. Uma é a prática docente que ela chama

de “atividade de ensino”, que veio a se tornar uma das principais narrativas do caderno,

e que correspondia ao momento em que, quase sempre, os alunos se aglomeravam no

pátio da escola para brincar com outros colegas, fazendo assim uma interação

interclasse e escutar o que os outros tinham a dizer. E era ali, naquele instante (no

recreio), que alguns professores também exerciam o seu papel de orientador/educador.

E, acompanhando o esforço de rememoração da aluna, ou seja, alguém que viu, escutou,

presenciou aquelas práticas na condição de aluno; portanto, membro daquele grupo que

dava sustentação à liderança do professor, somos levados a perceber que eram, em

momentos como aquele, que surgia a figura do professor como educador, aquele que, de

certa maneira, dava sustentação e guiava para novos rumos.

5.3 Narrativas pessoais: algumas reflexões

Por meio das narrativas acima, constatamos de que invariavelmente, o

relacionamento, o afeto, o valor com a ENRJN e os seus protagonistas (docentes e

discentes) eram estabelecidos em diferentes momentos em que a vida do aluno ocorria

uma retura (verificar a palavra: siginica tornar reta, lisa?) no fluxo mais singelo de seu

dia-a-dia escolar. Isto é, dentre os motivos que os levaram a escrever sobre estes

momentos, espaços e meios estava alguma ocorrência que almejava a harmonia

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cotidiana: o prazer, o envolvimento, a liberdade, a glorificação, da virtude, da

socialização, as alegrias, a recompensa, a disciplina, os sentimentos, as manifestações,

da moral, os sonhos, as metas, o ideal, as incertezas, a missão dentre outros.

As alunas depositavam nos professores a esperança de que seu poder mantinha

de alguma forma aquela harmonia ou de que os ajudassem nos momentos de

dificuldades. A força da liderança carismática dos professores e da diretora passava,

portanto, uma fé depositada neles, por seus alunos, de que fossem capazes de acionar

algum tipo de poder que lhes evitasse ou solucionasse os transtornos da vida e

direcionando para os melhores caminhos que deveriam trilhar.

Numa primeira leitura das narrativas, tivemos a impressão de singeleza e de

autenticidade. Percebemos a presença, dita, de certa satisfação das alunas de poder

expor seus desejos e aspirações. O desejo de estudar, colaborar com a pátria, ter seu

trabalho. Terminar o curso, receber o diploma tão aspirado – habitar: tais projetos

mostram-se como uma constante nas narrativas. Ou seja, “ir à luta” está muito presente

por meio do desejo de ajudá-los a “conseguirem seus objetivos”, de serem “felizes e

realizados”, “ter uma vida mais tranqüila possível”. Seus projetos não se mostram

inadequados ou fora de propósito, porém aparecem de forma fantasiosa. São projetos de

vida que envolvem escolhas que se assemelham, mas que se distinguem pela

intensidade, delicadeza, angústia ou tristeza. Analisamos estas narrativas e pudemos

sentir como uma aluna fala de si. Como uma pergunta feita a si própria (“Quais os meus

projetos para o futuro?”) ou como uma meta a ser alcançada (“Projeto para o futuro”).

Constatamos, em praticamente todas as narrativas, que as alunas comparavam a

escola como um templo sagrado. Uma aluna relata o porquê de terminar o curso

referindo-se ao alcançar novos objetivos (“Com a conclusão deste curso, vou buscar

uma posição na área educacional...”), ter sucesso profissional na área de educação, estar

mais ligado à área educacional (“A minha maior vontade é começar logo a trabalhar no

espaço escolar...”).

Ativemo-nos a este aspecto de nossas considerações sobre os projetos de futuro

dos(as) alunos(as), pois temos em mente um interessante artigo de Antônio Nóvoa “Diz-

me como Ensinas, Dir-te-ei quem és e Vice-versa”, em que ele faz referência à crise de

identidade dos professores. Tal situação dever-se-ia, dentre outros fatores, à “... uma

separação entre o eu pessoal e o eu profissional”. Esta separação teria favorecido e

intensificado “... o controle sobre os professores, favorecendo o seu processo de

proletarização”. O conceito de proletarização à que Nóvoa se refere é traduzido como

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“...actividade técnica de aplicação, com baixo perfil conceptual, organizativo e

científico...” (p. 31). Ora, neste contato que pudemos ter com as narrativas das alunas,

pudemos entrever preocupações que revelam o desejo de conquistarem melhor

qualificação e maior aprofundamento de seus conhecimentos. Queremos crer, então, que

a qualificação docente é fator importante para que a aluna deseje o mesmo para si.

Concordamos com o ponto de vista de Nóvoa quanto à cisão existente entre o eu

pessoal e o eu profissional entre professores. Tal fenômeno é de tal forma transparente

que, nas narrativas, uma aluna pergunta: “Por que das pessoas pregarem uma teoria e

fazerem outra?” Acreditamos que esta aluna busca como projeto compreender tal

comportamento, já que esperava de seu professores uma continuidade entre discurso e

ação, prática e teoria. O caderno em geral, como já foi dito no inicio deste capítulo, é

um esforço de rememoração que corresponde igualmente a um testemunho documental,

e uma leitura e interpretação de quem viu e ouviu in loco muitas coisas dos professores

na condição de aluna. E é nesta condição que os discentes fazem algumas colocações

muito reveladoras. Ali encontramos sugestões, orientações, aconselhamentos etc., que

são recuperados por sua memória e atribuídos ao professor. Trata-se, portanto, de um

documento privilegiado que testemunha como de certa forma funcionava a ENRJN e, de

outro lado, de como os professores assumiam sua liderança que transcendia seu papel de

professor. Trata-se, evidentemente, das palavras de alunas, de suas memórias e

interpretações sobre o que seu professor falou e não das memórias ou palavras diretas

do professor.

Devemos reconhecer que aquela Escola não era tão somente um lugar

educacional, mas também, um lugar da memória daquele grupo de estudantes cujo

ponto de ligação era a condição comum de serem e de se sentirem alunos e alunas

daquela Instituição. Portanto, dirigir-se a ENRJN, além de ser uma experiência

educacional, era também caminhar em direção à identidade, ao pertencimento coletivo.

A ENRJN dava um lugar no mundo aos seus alunos. Ali, reconheciam-se como parte de

algo que transcendia suas individualidades, além de buscar outras manifestações

culturais que possibilitasse um estar no mundo coletivo, ou, se preferirmos, um “não

estar sozinho no mundo”.

Segundo D`Ambrosio (2005), o que caracteriza o ser humano é a busca

permanente pela ”sobrevivência” e “transcendência”.

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Na espécie humana, a questão da sobrevivência é acompanhada pela transcendência: o “aqui e agora” é ampliado para “onde e quando”. A espécie humana transcende espaço e tempo para além do imediato e do sensível. O presente se prolonga para o passado e o futuro, e o sensível se amplia para o remoto. O ser humano age em função de sua capacidade sensorial, que responde ao material [artefatos], e de sua imaginação, muitas vezes chamada criatividade, responde ao abstrato [mentefatos] (p. 28).

Contudo, tudo o que fazia integrava a ENRJN em símbolo de pertencimento ao

grupo daquelas que eram alunas da Instituição. E depois, estes símbolos passavam a ser,

também, portadores de memória. A memória coletiva de um grupo de alunas podem

surgir intermediações nas relações essenciais do individuo com a natureza e com o(s)

outro(s). Pois o ser humano age para transcender sua própria existência e projetar a si

mesmo do passado e para o futuro por meio da consciência do saber/fazer.

Vale destacar que as narrativas dizem respeito a histórias que ocorreram num

determinado tempo (de vida estudantil) e lugar (na escola, ou na sala de aula), sendo o

aluno, o autor, o narrador e o protagonista principal da trama. As narrativas, portanto,

representam um modo de produzir significados a experiências passadas e presentes,

tendo em vista a possibilidade futura de novas experiências naquele momento histórico.

Sendo assim, os momentos destacados pelas normalistas, em suas narrativas,

mostraram-se ricos e catalisadores de insights que possibilitavam o desenvolvimento

estudantil e profissional das envolvidas. Elas trazem comentários, interpretações e

reflexões que contribuiriam para a ampliação da compreensão de aspectos envolvidos

na situação privilegiada pelo narrador e que dava condição para o próximo autor

continuar o “caderno” sem repetir as narrativas anteriormente escritas.

Foi importante observar que esse exercício levou a discussões/questionamentos

sobre a prática experienciada de cada uma e sobre os pressupostos que a orientavam,

tais como: concepções de ensino-aprendizagem, relação professor-aluno, concepções de

matemática, valores e finalidades relativas ao ensino da matemática, e de outras

disciplinas. Essas narrativas diferem-se de relatos de experiência por serem de natureza

reflexiva e problematizadora de vivências estudantis e de saberes experiências.

Desse modo, foi possível perceber que, nas narrativas do grupo de alunas da

ENRJN, é resgatado o real vivido da aluna e o transforma, melhor dizendo, amplia esse

real, respeitando a existência do outro.

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Inspirando-nos em ideais freireanos, podemos afirmar que a Etnomatemática

tem como prioridade oferecer condições para que o outro mostre o que conhece, seus

pré-conceitos, aquilo que ele “traz de sua casa”, para que o professor legitime, por um

processo dialógico, a relação entre esse saber informal e o saber sistematizado.

Entretanto, a narrativa, por seu caráter formativo, reflexivo e potencializador de

produção de sentido à experiência, passa a ter espaço relevante em diferentes contextos,

trazendo contribuições à constituição da identidade do sujeito da experiência.

Vale à pena lembrar que o ser educador é ter um compromisso com a sociedade

e com a educação, em desenvolver atividades diárias em sala de aula, destacando a

importância entre o processo de ensino aprendizagem. Todavia, os fatos narrados nos

mostram as realidades implícitas na memória dos narradores, que acreditamos ter

contribuído para sua formação tanto pessoal quanto profissional que partem dos

primórdios da relação com o mundo começando pela família, os primeiros passos da

vida escolar e irrompendo durante a toda trajetória estudantil e que enquanto ser em

construção procura aprimorar-se como ser humano e como futuros profissionais.

5.4 O Programa Etnomatemática

Por volta dos anos 70, alguns educadores e pesquisadores em Educação

Matemática estavam descontentes com a matemática apresentada pelo Movimento da

Matemática Moderna31, pois esta não levava em conta a matemática desenvolvida no

cotidiano.

Na ocasião, o movimento denominado Matemática Moderna levantava aspectos

formais e conceituais cujo âmbito de interesses seria mais restrito aos estudiosos da

matemática, e não àqueles que dela iriam fazer uso em sua prática cotidiana.

Esta abordagem intrinsecamente estruturalista não condizia, na visão dos

pesquisadores em Educação Matemática, com a necessidade de instrumentalizar os

conhecimentos para o dia-a-dia.

Eduardo Sebastiani Ferreira (1997), em seus estudos sobre a fundamentação

teórica, nos informa que Paulus Gerdes, na introdução de seu livro Estudos da

matemática, de 1989, também descreve o esforço dos pesquisadores na tentativa de

31 Matemática Moderna: movimento curricular que teve início nos Estados Unidos por volta das décadas de 60/70. Vários grupos se empenharam na elaboração e difusão da nova proposta curricular para contrapor ao currículo tradicional que era ensinado nas escolas de níveis elementar e secundário.

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conceituar este termo e acrescenta que D`Ambrosio levantou a necessidade de se chegar

a um consenso, na reunião do ISGEm em 1992:

Na falta de uma teoria e de uma definição precisa, D`Ambrosio propõe um programa etnomatemático; para ele, a Etnomatemática é um programa no sentido de Lakatos, isto é, como ele mesmo escreveu: “A metodologia do programa de pesquisa denominado Etnomatemática deve ser muito amplo. Ele focaliza a geração, organização intelectual e social, a institucionalização e a difusão dos conhecimentos – e é no difundir que entra a parte da educação. Estes quatro ramos correspondem ao que usualmente é estudado como cognição, epistemologia, história e sociologia do conhecimento, incluindo a educação”.

Ressaltamos, então, que, quando se fala em Etnomatemática, um nome logo

chega a nossa mente: Ubiratan D`Ambrosio. Foi por meio dele que a Etnomatemática

iniciou e se espalhou pelo mundo. É muito comum, quando se fala em Etnomatemática,

se pensar no estudo da Matemática nas diferentes culturas. Mas, não é simplesmente

isso.

Para compor a palavra etno-matema-tica, utilizei as raízes tica, matema e etno com a finalidade de enfatizar que há várias maneiras, técnicas, habilidade (ticas) de explicar, de entender, de lidar e de conviver com (matema) distintos contextos naturais e sócio-econômicos da realidade (etnos) (D`AMBROSIO, 2006, p. 47).

Deste modo, Ubiratan D`Ambrosio mostra-nos que, já em sua etimologia, o

termo etnomatemática é inteiramente adequado aos seus propósitos dentro do enfoque

metodológico e epistemológico de seus estudos.

Sendo assim, o termo Etnomatemática proposto por Ubiratan D`Ambrosio foi

para descrever as práticas matemáticas de grupos culturais, sejam eles uma sociedade,

uma comunidade, um grupo religioso ou uma classe profissional. Essas práticas são

sistemas de símbolos, organização espacial, técnicos em construção, métodos de

cálculos, sistemas de medidas, estratégias de dedução e de resolução de problemas e

qualquer outra ação que possa ser convertida em representações formais

(D`AMBROSIO, 2002).

E ainda diz que “a abordagem a distintas formas de conhecimento é a essência

do Programa Etnomatemática” (D`AMBROSIO, 2006, p.47). Ele coloca, ainda, que a

matemática formal seria uma das etnomatemáticas.

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Concordamos com as explanações de Monteiro (2006), a respeito da

etnomatemática que nos permite pensar no conhecimento como algo impregnado de

valores culturais e sociais não fragmentados, constituindo-se de elementos mais amplos

que os conteúdos específicos. Esse conhecimento recheado de vida é o que entendo por

etnomatemática.

Os argumentos utilizados para defender minha justificativa vêm ao encontro

com as ideias trazidas pelos autores citados nesse capítulo, pois acreditamos na

Etnomatemática e sei que esta tem muito a nos “ensinar”, pois, é partindo de uma

realidade cultural de um grupo de pessoas, que buscaremos alternativas para oferecer

aos nossos alunos e alunas uma aprendizagem significativa voltada para a realidade

social e o que é principal, contemplando essas classes sociais que se encontram

marginalizadas por uma sociedade capitalista.

Segundo Kniknik (2006), na visão da Etnomatemática há um especial interesse

em dar visibilidade às histórias daqueles que têm sido sistematicamente marginalizadas

para não se constituírem nos setores hegemônicos da sociedade.

Por meio das narrativas aqui explicitadas, penso que algumas questões veem

clarear, a título de informar, uma questão que também não deixa de ser cultural. Para

D`Ambrosio (1990), isso nos leva ao que chamamos de etnomatemática e que

restabelece a Matemática como uma prática natural e espontânea(p. 31).

Domite (2006, p. 420) afirma que:

[...] em termos de aprendizagem-ensino, por sua vez, poderíamos dizer que a etnomatemática sugere ao professor e à professora fazer emergir modos de raciocinar, medir, contar, tirar conclusões dos educandos, assim como procurar entender como a cultura se desenvolve e potencializa as questões de aprendizagem. Na verdade, quando a preocupação de um estudo etnomatemático é a pedagogia da matemática a atenção tem estado em torno de legitimar os saberes dos educandos nascidos de experiências construídas em seus próprios meios e estudar possibilidades de como lidar com as aprendizagens de fora da escola e da escola.

Analisando as narrativas feitas pelas alunas no segundo caderno citado

anteriormente, pudemos perceber que os dados reais estavam sendo levantados para

fazerem comparações de um assunto não ligado diretamente à Matemática em si, porém

voltado para a vida, para o cotidiano como uma forma cultural. Tendo em vista estas

considerações, D`Ambrosio (2002, p.46) nos diz que “a proposta pedagógica da

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Etnomatemática é fazer da matemática algo vivo, lidando com situações reais no tempo

(agora) e no espaço (aqui)”.

É no meio cultural, nas brincadeiras, no dia-a-dia, no supermercado e em vários

outros locais que aprendemos a Matemática. Ela não é ensinada somente na “dita”

Matemática Escolar. “A resolução de problemas ocorre como consequência, daí adquire

significado e sua solução faz sentido” (D`AMBROSIO, 1990, p.31).

Contudo, após várias leituras e com trocas de informações, pudemos constatar a

importância das ideias trazidas por D`Ambrosio e outros autores, que tiveram um papel

fundamental para o processo e desenvolvimento dessa prática. Algumas dificuldades

durante a elaboração do planejamento houve, porém elas fizeram repensar algumas

questões que estavam fazendo parte do meu fazer pedagógico. A etnomatemática vem

nos mostrar um fazer pedagógico real, voltado e direcionado à cultura dessas pessoas

fragilizadas.

Este tipo de atividade faz sentido e, mais, veio complementar e sustentar os

conteúdos, que, de uma maneira ou outra, as professoras, devem cumprir e dar conta até

o final de um determinado ano letivo. Porém, os conteúdos que estão presentes nas

narrativas são apreendidos de uma maneira natural, partindo de um contexto cultural.

Acreditamos que essas ações teriam um enfoque especial, valorizando, assim,

essa bagagem que muitas vezes não é reconhecida pela sociedade capitalista. As

narrativas, aqui transcritas, eram importantes, por isso fizemos questão de executá-las.

Encontramos nelas uma vasta gama de realidade e cultura que nos cercam diariamente.

Basta termos consciência da importância de se trabalhar pensando em algo que

realmente terá validade para a vida real de nossos educandos.

Todavia, permito-me mergulhar nas ideias de Freire (1996) que diz como

professor, tanto lido com minha liberdade quanto com minha autoridade em exercício,

mas também diretamente com a liberdade dos educandos, que devo respeitar (...) Não

posso ensinar o que não sei. Mas, este, repito, não é saber de que apenas devo falar e

falar com palavras que o vento leva. É saber, pelo contrário, que devo viver

concretamente com os educandos.

Fica praticamente evidente a relação entre a Etnomatemática e a Educação para a

Paz, pois com a Etnomatemática busca-se a valorização do saber do educando e, além

disso, D`Ambrosio coloca que com a etnomatemática “não se pretende a

homogeneização da espécie, mas sim a convivência harmoniosa dos diferentes, por

meio de uma ética de respeito mútuo, solidariedade e cooperação” (2006, p. 42).

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Oliveira (2006) vai além, e diz que com a Etnomatemática é possível valorizar a

produção matemática de diferentes grupos étnicos. Nesse sentido podemos dizer que a

etnomatemática vai diretamente ao encontro das ideias de respeito à diversidade.

D`Ambrosio (2006) reafirma que o objetivo maior do Programa Etnomatemática

é que a matemática seja uma disciplina que preserve a diversidade e elimine a

desigualdade discriminatória e se possa construir novas formas de relações intraculturais

e interculturais.

Portanto, a Etnomatemática procura aproximar conceitos e conteúdos

matemáticos às experiências vivenciadas pelas populações identificadas em grupos

sociais, criando a possibilidade da utilização da Matemática (escolar/científica) como

um ferramenta cultural para seu próprio processo de ensino-aprendizagem, permitindo

considerar de forma efetiva a inclusão destes grupos na apropriação do conhecimento

sistematizado a partir de um processo de globalização.

5.5 As narrativas sob um ponto de vista etnomatemático

Retornando a história da ENRJN, podemos relembrar que, ali ao lado das

técnicas rudimentares de leitura, escrita e cálculo, ensinavam-se como plantar,

produtivamente, como criar, economicamente, como ser aliado de seu vizinho, pela

colaboração, e cidadão prestante da pátria, pelo trabalho. Uma escola de moral e de

civismo, dentro da concepção moderna de que educar era dar ao indivíduo possibilidade

de desenvolver-se integralmente, num espírito de colaboração, que o habilitasse a ser

útil ao grupo social de que fazia parte.

Isso é o que nos mostram os textos escritos e analisados por um grupo de alunas

da citada escola, os quais se encontram num caderno tipo brochura da ex-aluna

Assunção Gonçalves. O caderno é composto de 17 textos distribuídos em 182 páginas.

Os textos estão organizados em forma de narrativas, ambos estruturados por meio de

perguntas e repostas. Os conteúdos de matemática são precedidos da Matemática

necessária à sua compreensão.

Devemos frisar bem que a finalidade do caderno era fazer a descrição/narrativas

dos ambientes que compunham a fazenda. Surge então uma pergunta: As narrativas

visavam também atender a objetivos didático-pedagógicos?

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Figura 27 – Foto ilustrativa da capa e contracapa do caderno “Uma Fazenda Modelo – Tese das Professorandas – 1938”. (Acervo de Assunção Gonçalves).

Achamos por bem, fazer a transcrição de algumas perguntas e respostas

(trechos) de alguns dos textos. A escolha da transcrição de trechos (perguntas/respostas)

dos textos se deu por descrever as principais características de uma fazenda (lugar para

experimentação), achamos ter uma maior aproximação com o título do caderno e

também por apresentar de certa forma conotações etnomatemática.

Vejamos, inicialmente, como o aluno estruturou a matemática escolar presente

no primeiro texto “Uma fazenda modelo” – José Sebastião da Paixão. Como já

dissemos, o caderno é organizado sob a forma de perguntas e repostas; a primeira

pergunta do texto é entendida como uma pergunta curiosa:

“Que fazem aqueles homens, D. Zilda?” A resposta de D. Zilda foi: “Eles estão

limpando as plantações do roçado. Toda fazenda possue um ou mais de um roçado e os

moradores também possuem os seus. Num roçado se plantam mandioca, milho, feijão,

macacheira, araruta e muitas outras cousas. Todos os anos o fazendeiro manda

arrancar as mandiocas plantadas, carregá-las para a casa de farinha, reúne uma

porção de mulheres e manda raspar as raízes que os lucros trouxeram da roça. Depois

de raspadas, são raladas. A massa é então, espremida e coada ao forno para torrar e

fazer farinha”.

Nota-se que, apesar de ser mencionada a palavra lucro no texto não há nenhum

tipo de tratamento em relação à matemática elementar nela colocado.

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Depois da primeira pergunta, seguem outras 41 perguntas que se encaixam os

seguintes assuntos: comparação, ordenação, classificação, quantificação. Das cento e

oitenta e duas páginas que compõem o caderno, vê-se, portanto, que a ênfase maior é

dada à quantificação. Os textos escritos pelas alunas incluíam geralmente três passos:

explicação, exemplos de situações e aplicações em práticas agrícolas.

De certa forma, no nosso ponto de vista, o caderno trazia o que caracterizamos

de narrativas etnomatemáticas, em que basicamente trata de: quantificar, classificar e

ordenar, um exemplo do que dissemos sobre a forma didática e sobre o modo de

escrevê-lo. Segue então o primeiro texto:

P.2. Então é uma fábrica de farinha, d. Zilda? R. Não, disse d. Zilda, é uma casa de farinha. P.3. Como se faz um roçado, d. Zilda? R. Faz-se primeiro, preparando o terreno fazendo a derrubada, a queimada e, na época das chuvas, fazendo-se o plantio. Depois de nascidas as sementes, limpam-se as hervas más, arranca-se o mato e passados alguns meses, colhem-se os produtos. Do roçado é que nos vêm: o milho verde, o feijão verde, as batatas, o inhame, o cará. P.4. Que é aviário? R. É o lugar onde se criam aves, galinhas, perus, angolinhas. P.5. Que é barracho? R. É um pombo novo. P.6. Que é estrumeira? R. Casa sem paredes, só coberta de telhas ou de palhas. (pp.1-11)

Segundo texto: “Uma horta” – Isa de Souza Figueiredo

P.7. Que é uma horta? R. É um terreno assim (mostrou o chão cheio de pequenas hervas sem importância), plantado de hortaliças. Você pode fazer uma horta em qualquer terreno e de qualquer forma. Mas deve-se medir o espaço necessário para a quantidade de canteiros desejados e as sementeiras. P.8. Que é vitamina? R. Vitamina, são certas substâncias indispensáveis ao bom funcionamento do organismo, que se acham nas verduras, nos cereais, etc. P.9. Por que é que se cobrem os canteiros, quando se planta?

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R. Para evitar a penetração direta dos raios solares e também para facilitar a germinação, pela conservação da umidade. P.10. Nós não plantamos a alface no canteiro grande? Rua A alface não deve ser plantada em lugar definitivo. Semeia-se como nós fizemos e logo que ela atinja a altura de 5 cm mais ou menos, faz-se a repicagem, por meio de uma taboa toda furada simetricamente. Marcam-se em lugar provisório, os lugares onde serão colocadas as plantinhas que ali ficam até atingir o tempo de serem transplantadas para o ponto definitivo (pp.15-23).

Quarto texto: “O pombal” – Maria Germano

P.11. Que casinha é aquela? R. É um pombal dividido em pequenos compartimentos. P.12. Por que não conservamos sempre os pombos soltos? R. É que esses bichinhos são perigosos no tempo da sementeira, arrancam todas as sementes que plantamos. P.13. Para que se criam pombos? R. Para se obter lucros na criação desses animais. P.14. Estes pombos são só para enfeitar a fazenda? R. Se for assim, eu vou criar galinhas que dão dinheiro. P.15. Você está querendo ganhar dinheiro? R. Crie os pombos só para vender. P.16. Por quanto dar para vender um pombo? R. Por 700 reis. P.17. Pode vender hoje 20 casais? R. Não. Eu só tenho 23 casais e se eu vender 20 casais fico sem pombos. Se eu vender 20 casais, ficarei com apenas três casais e nuca mais pego em dinheiro como hoje. P.18. Quantos pombos cada casal desses produz em um ano? R. Cada casal de pombos produz em um ano 32 filhotes. P.19. E com quantos meses esses filhotes começam a produzir? R. Os filhotes com seis meses de idade começam a produzir e em pouco tempo, você tem outro tanto do que tem hoje. (pp.34-43)

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Quinto texto: “O roçado” – Doralice Soares

P.20. O que é “desbaste”? R. Quando o agricultor vai plantar o milho, bota em cada cova umas oito sementes; depois que elas nascem e atingem a altura de quatro a cinco palmos, ele arranca uns pés, deixando somente três em cada cova. P.21. Por que o agricultor arranca uns pés? R. Não é por maldade que ele faz isso, mas para proteger as plantas, porque ele só arranca as fracas que ia prejudicar as sadias. P.22. E as plantas também são doentes? R. Perfeitamente, e é por esse motivo que, quando vamos separar as espigas dos pés maiores, mais desenvolvidos e ainda escolhemos os grãos do meio da espiga, porque os da ponta sempre dão pés fracos e estéreis. P.23. O feijão só pode ser plantado junto com o milho? R. Não, como o feijão é uma planta que se desenvolve rapidamente, pode ser cultivado junto com qualquer outro que se desenvolva menos do que ele. P.24. E por que o agricultor não gosta de plantar separado? R. Porque quando plantado junto com qualquer outro mantimento, os tratos culturais são feitos ao mesmo tempo, diminuindo assim o trabalho do agricultor. P.25. Você sabe o é que gandú? R. É uma leguminosa arbustiva muito aproveitada na alimentação do homem e dos animais. È uma planta que vive de quatro a seis anos e durante este tempo produz muito bem. P.26. O que é “ouro branco”? R. É conhecido como algodão. É uma fortuna para o agricultor por dar bons lucros. A altura dele chega a atingir um ou 2 metros, mas tem um tipo de algodão que chega atingir até 6 metros de altura, por isso se torna necessário fazer a poda. Chama-se também “herbáceo”. (pp.44-54)

Sétimo texto: “A estrumeira” – Marcionilia Jácomo de Carvalho

P.27. Para que serve uma estrumeira numa fazenda? R. Serve para ajuntar os excrementos sólidos e líquidos dos animais, com as palhas que serviram de cama ao gado no estaleiro, os quais depois de

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curtidos, transformam-se em estrume rico de elementos nutritivos para as plantas. P.28. E como se faz uma estrumeira? R. Há dois tipos de estrumeiras: o tipo de plataforma, denominado estrumeira simples (pode ser executado por qualquer pessoa, com economia de trabalho e de despesa). Pode ser feita em local mais ou menos horizontal e que não esteja sujeito aos estragos da chuva ou enxurrada, mede-se uma área de 4 metros sobre 3 metros, faz-se uma calha ou rego encimentado com 23 centímetros de largura e outros tantos de profundidade, a distância de 1 metro do rego. O outro tipo é o tipo de cova, estrumeira de possa que exige uma despesa maior. (pp.68-75)

Décimo primeiro texto: “O aviário” – Maria Nelse Silva

P.29. Qual o tipo de terreno apropriado para se construir um aviário? R. Num terreno um pouco acidentado e que tenha declive. P.30. Como se faz o ninho da galinha? R. Se utilizar um caixote, coloque uma camada de terra misturada com cinzas no fundo, depois ponha palha bem fina e macia por cima, deixando um quarto do caixote vasio, para colocar os ovos e a galinha. P.31. Quantos dias levam para tirar os pintinhos? R. Geralmente levam 21 dias, mas pode tirar um dia ou dois antes ou depois disto. P.32. Com quanto tempo deve-se dar ração aos pintinhos após o nascimento? R. Só depois de 24 horas de nascidos. (pp.111-119)

Décimo terceiro texto: “A casa da fazendeira” – Zilda Figueiredo

P.33. O que é coalho? R. É uma substância que se acha no quarto ventrículo dos animais ruminantes, na idade que ainda se nutrem de leite. Esta substância tem a propriedade de fazer o leite coagular. P.34. Qual o processo para que a coagulação se efetive? R. Em pouco tempo, deve deitar-se um grama de coalho para cada litro de leite. Feita esta operação deixa-se repousar por 15 minutos. A massa deve ser fermentada com o auxílio da temperatura ambiente (pp.132-135).

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Décimo quarto texto: “O açude” – Maria Zuila Belém de Figueiredo

P.35. Quem é que faz os açudes? R. Os açudes são feitos pela inspetoria de obras contra as seca, e guardam milhões de metros cúbicos de água. P.36. Quanto se gasta na construção de um açude? R. Depende do comprimento da parede e do material empregado na construção. P.37. De que são feito os açudes? R. De pedra, concreto, cal e barro (pp.146-152)

Décimo sexto texto: “O curral” – Emir Landim

P.38. O que é um curral? R. É uma área de terra toda cercada de varas ou arames farpados. O curral é utilizado para colocar os animais. P.39. Para que sal no curral? R. O sal faz parte integrante da alimentação do gado, pois ele é reconhecido como ótimo purificador do sangue. P.40. Por que conheceste que aquela vaca estava com febre catarral? R. Quando um animal apresenta febre alta, de 41º- 42º com remitência repentina, andar vacilante, dorso curvado, vista turva, não há nada a contestar ao 2º ou 3º dia (pp.164-173).

Décimo sétimo texto: “Os moradores” – Recí Acioli Maia

P.41. O único roçado da fazenda é do fazendeiro? R. Há na fazenda o roçado do fazendeiro e os dos moradores. P.42. A terra da fazenda pertence a quem? R. Ao fazendeiro, porém os moradores, arrendam diversas tarefas de terra e com o lucro da produção do roçado eles pagam a renda ao fazendeiro e ainda guardam legumes para fazer outro roçado no próximo ano. (pp.177-181)

Diante do exposto, os recortes dos textos nos permitiram verificar que a escrita

remete-nos aos conteúdos de matemática elementar que não tem nenhum compromisso

com o que conhecemos hoje por “rigor matemático”. Os conteúdos matemáticos

inseridos nas narrativas são: multiplicação, divisões, fração, proporção, múltiplos,

quantidades, área/espaço, plano, dimensão, espessura, volume, medidas,

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sentido/direção, moeda, idade, temperatura (graus), distância, tempo, rendimentos,

lucros. Para D`Ambrosio (2006):

[...] estes conteúdos geralmente mesclados ou dificilmente distinguíveis de outras formas de conhecimento, hoje identificadas como Arte, Religião, Música, Técnicas, Ciências. Em todos os tempos e em todas as culturas, Matemática, Artes, Religião, Música, Técnicas, Ciências foram desenvolvidas com a finalidade de explicar, de conhecer, de aprender, de saber/fazer e de predizer (artes divinatórias) o futuro. Todas essas formas de conhecimento, que aparecem num primeiro estágio da história da humanidade e da vida de cada um de nós, são indistinguíveis, na verdade mescladas (p. 47).

No entanto, a ausência do rigor matemático está presente no desenvolvimento

da escrita das alunas. Poderíamos conjecturar que a atividade pedagógica, dentro da

narrativa da aula, consistia no caderno, de posse dos seus escritos, estar cotidianamente

ditando o curso para seus alunos, que assim cada um deles produzia a escrita do

caderno. Ao final dos textos, fica bem caracterizada que a escrita do caderno é feita

como se o aluno fizesse as perguntas e o professor elaborasse as respostas. Percebe-se

que cada texto tem suas particularidades.

Na discussão dos fundamentos da matemática que aparecem no

desenvolvimento dos textos, as autoras tomam os números abstratamente. Quando se

trata das frações, em alguns exemplos, os números são considerados a partir de

quantidades concretas.

Os textos elaborados pelas normalistas dão ênfase às quantidades. O caderno,

então, acaba sendo talvez um precursor dos debates nas aulas que tinha como principal

objetivo formar professoras para lecionar nas escolas da zona rural; não apenas a escola

do ler, escrever e contar, mas sim, a matemática que mais interessava à realidade das

famílias do campo.

Contudo, por meio das narrativas, percebe-se que era preciso também ensinar as

alunas os requisitos básicos da matemática fundamental, caso contrário o ensino dos

rudimentos matemáticos e suas aplicações tornar-se-iam impossíveis. Parece, então, que

é isso que justifica a inclusão dessa matemática fundamental no caderno dessas alunas

– professorandas.

De todo modo, o caderno, do ponto de vista da matemática escolar, inclui

conteúdos elementares da escola primária da época. Elementos básicos para ação das

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normalistas no seu cotidiano. Sempre que preciso, é explicada a utilidade prática dos

elementos que vão sendo aprendidos na sequência das perguntas e respostas. É o caso

do trecho do décimo quarto texto “O açude” descrito anteriormente.

Assim, o caderno escrito por esse grupo de normalistas contém ensinamentos

primários para o ensino da matemática, como também reúne conteúdos hoje ensinados

para o ensino fundamental e médio, embora, na época, não estão os conteúdos

matemáticos, organizados ainda como uma teoria escolar. Não estão postos os

conteúdos de forma sequencial de princípios, exemplos, generalizações e exercícios. Os

textos contêm informações dos procedimentos de como saber fazer, para proceder

dentro das atividades rurais.

Enfim, parece-nos que a prática para ministrar aulas e a utilização da experiência

pedagógica adquirida para a escrita de textos próprios para as alunas irão revelar-se a

gênese da produção matemática escolar. De fato, os textos mantêm um diálogo com as

aluna e não buscam demonstrar erudição, e assim tem um caráter didático. Contudo, a

matemática que mais interessava ao curso para professoras residia, sobretudo no que diz

respeito à Matemática elementar. No entanto, era preciso ensinar aos estudantes os

requisitos básicos da aritmética fundamental, caso contrário o ensino de rudimentos

matemáticos e suas aplicações tornar-se-iam impossíveis e sem sentido para o contexto

agrícola. É isso que justifica a inclusão da matemática fundamental que percebemos por

meio das narrativas numa perspectiva da etnomatemática, relacionadas ao contexto

ruralístico.

Considerando a cultura das alunas, suas maneiras de lidar com o conhecimento,

suas histórias e caminhos, sua opiniões, penso que a matemática pode receber um outro

ponto de vista. Ao invés de um conjunto de técnicas e fórmulas descontextualizadas, o

conhecimento matemático passa a se atrelar mais com a vida das aluas, com suas formas

de lidar com seu mundo social, auxiliando-as na concepção/entendimento e

problematização de casos concretos de sua vida.

Todavia, neste caso, as narrativas, do ponto de vista da Matemática escolar,

incluíram conteúdos elementares da escola indispensável à formação da professora

normalista ruralista. Elementos básicos para ação das alunas na sua prática como

professora. Não estão os conteúdos matemáticos, organizados ainda como uma teoria

escolar. Um traço distintivo nessas narrativas, no entanto, é que não há nenhuma

preocupação matemática com proposições, elementos que envolveriam demonstrações.

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A escrita por meio de perguntas e respostas permitia respostas diretas em que as

justificativas ficavam por conta do autor.

Pudemos perceber, por meio das narrativas, que não havia uma preocupação

com a Matemática a ser ensinada a partir de livros didáticos, ou seja, a Matemática a ser

ensinada é a dos conhecimentos necessários às práticas imediatas dos camponeses. São

as atividades práticas que deveriam realizar as alunas, as orientadoras da sequência e

organização das atividades. Não estão postos os conteúdos como uma sequência de

princípios, exemplos, generalização e exercícios. Os textos, que aqui chamamos de

narrativas, contêm informações de como saber fazer, como preceder dentro das

atividades agrícolas. Nesse sentido havia uma preocupação crescente com a didática das

matemáticas que iria evidenciar outro determinante na mudança de rumo da trajetória da

matemática escolar: a lógica do aprendizado na disposição dos conteúdos a serem

ensinados baseados nos princípios da escola nova.

Vale salientar que, nas narrativas feitas por aquelas normalistas que seriam

futuras professoras, foram utilizadas estratégias de desenvolvimento da capacidade de

reflexão, ou simplesmente, estratégias de formação que, segundo Alarcão (2003, p. 58),

são aquelas que,

[...] têm como objetivo tornar os professores mais competentes para analisarem as questões do seu quotidiano e para analisarem as questões do seu quotidiano e para sobre elas agirem, não quedando apenas pela resolução de problemas imediatos, mas situando-os num horizonte mais abrangente que perspectiva a sua função e da escola na sociedade em que vivemos.

Dentre as estratégias formativas destacadas por Alarcão (2003), as narrativas

vêm ocupando um lugar de destaque nas pesquisas sobre formação de professores.

Estas, quando utilizadas no grupo de trabalho coletivo, possibilitam que os professores

“partilhem as suas narrativas, contem as suas histórias, as abram à reconstrução,

desconstrução e significação, as ofereçam aos outros colegas que [...] as ouvem ou leem,

sobre elas questionam ou elaboram”. (ibidem, p. 54)

Cunha (1997, p. 2), ao se referir às narrativas como processos formativos, afirma

que:

ao esmo tempo que o sujeito organiza suas ideias para o relato – quer escrito, quer oral – ele reconstrói sua experiência de forma reflexiva e, portanto, acaba fazendo uma auto-análise que lhe cria novas bases de compreensão de sua própria prática. A narrativa provoca mudanças na forma como as pessoas compreendem a si próprias e aos outros.

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Diante do exposto, podemos afirmar que as estratégias de formação docente,

como a produção de narrativas escritas, nesse contexto se revelou propícia à reflexão da

futura professora ruralista que, no nosso caso, é o objeto de estudo desta investigação.

Para tanto, entendemos que é a educação de base que os luminares do mundo

querem estabelecer onde haja miséria e desconforto no seio das massas. Essa escola

primária rural, que se programava para o Brasil, visava muito mais e ensinar a ler e

escrever; dava sentido de vida às imensas massas humanas que viviam como marginais,

inteiramente indiferentes e alheias ao traçado de seus próprios destinos. Ela equipava

homens e mulheres a viver como verdadeiros cidadãos, não apenas instrumentos

inconscientes do próprio valor, para proveito de meia dúzia de aproveitadores.

Entretanto, capacitar o homem para viver bem é a melhor maneira de garantir a paz.

Nesse sentido, Guimarães (2005) coloca a Educação para a Paz como um clamor

universal, sendo um instrumento importante para a concretização de uma cultura de paz

e um caminho de potencialidades.

Puebla (1997) também considera a sala de aula como um dos espaços

fundamentais para transmissão de valores e afirma que, para que isto ocorra, é

necessário que tenhamos consciência da relevância de propor atividades diárias de sala

de aula, e que a sala de aula seja um espaço de vivência exemplar e habitual dos valores

que desejamos.

D`Ambrosio (2002, p.46) diz que, “naturalmente, em todas as culturas e em

todos os tempos, o conhecimento, que é gerado pela necessidade de uma resposta a

problemas e situações distintas, está subordinado a um contexto natural, social e

cultural”. O que normalmente costuma-se encontrar em diferentes bibliografias, quando

se trata de Educação para a Paz, são atividades diretamente relacionadas às áreas das

disciplinas humanas, como Português, História, Ensino Religioso, entre outras.

D`Ambrósio (2002) questiona o que a matemática tem a ver com a Educação

para a Paz e ele mesmo responde seu questionamento, dizendo que tem tudo a ver. Para

isso, primeiramente apresenta o Programa da Etnomatemática.

Enfim, devido a essas ideias, percebe-se que é por meio da Etnomatemática que

poderemos construir uma cultura de Educação para a Paz nas aulas de Matemática,

principalmente por meio de atividades que sejam do interesse dos alunos e que possam

fazê-los refletir.

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CONSIDERAÇÕES E CONCLUSÕES

O exercício que me propus a realizar nesta investigação foi envolvente e rico em

experiências para minha marcha acadêmica e pessoal. Entender o “fazer pedagógico” de

maneira múltipla, me permitiu a introdução num mundo de várias possibilidades de

aprendizado, revendo todo o contexto histórico da minha formação. De algum modo, o

estudo da Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte, tendo como documentos

norteadores livros de registros, ata de colação, livros de visitas, depoimentos de ex-

alunas e ex-professoras, cadernos escolares de ex-alunas, anais da semana ruralista de

1935 e o jornal escolar “ O Lavrador”, possibilitou uma investigação diferenciada com o

subsídio da imprensa escolar.

Os resultados apresentados nesta pesquisa mostram, de alguma forma, uma

escola de formação de professores ruralistas que se constituiu como espaço de exercício

de práticas no meio rural; uma instituição reconhecida como precursora, inovadora e

redentora. Tais fatos nos levou a considerar a escola como um espaço de valorização

das vivências e experiências cotidianas que reconhece o sujeito em seu espaço, em suas

raízes, sua cultura, seus conhecimentos, seus desejos, sonhos, conflitos e tudo o que é de

mais humano estava presente nas tentativas de formar, reformar e disciplinar gerações

que por lá passaram.

A formação das professoras desses estabelecimentos deveria ocorrer em escolas

especialmente criadas para esse fim. Assim as Escolas Normais Rurais, nas quais seriam

ministrados conhecimentos relacionados às lides agrícolas, à higiene da habitação, do

vestuário, da alimentação e do corpo, à educação moral e de cunho religioso, de

pecuária, avicultura e horticultura, capacitaram os futuros docentes a levar para as

comunidades métodos modernos de tratamento da terra e dos animais e uma instrução

vinculada a conhecimentos que tivessem aplicação prática na vida rural e sertaneja. Sem

um preparo especial, os professores rurais não identificavam e não conseguiam

encaminhar alternativas para os problemas do meio, passando a ser apenas “ensinantes

do ler, escrever e contar”.

Era de muito destaque o papel que a escola elementar deveria cumprir para

atender às condições das diferentes zonas (rural, de imigração, de alto sertão...),

constituindo-se em estabelecimentos de ensino com múltiplas finalidades: cívica,

sanitária, de emancipação espiritual de superstições e profissional conforme os recursos

econômicos do meio rural.

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Neste sentido, tendo-se em vista tudo o que foi apresentado e discutido neste

trabalho, podemos perceber que na Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte, apesar

da simplicidade de suas pessoas e dos poucos recursos financeiros e materiais, podemos

visualizar um contexto de ensino a partir de um importante tripé: política, matemática e

cultura. Em relação à política, vemos que havia a preocupação com o ensino voltado ao

bem comum, à coletividade com o objetivo de formar cidadãos para o trabalho praticado

na região e assim dar continuidade à movimentação sócio-econômica daquele contexto.

A matemática, nesta política voltada para o social, era trabalhada como

instrumento que permitia concretizar as idéias políticas por meio da união de teoria e

prática, transformação de regras abstratas em algo aplicável em atividades rotineiras,

tudo isto sem perder de vista o contexto cultural da região com seus usos e costumes.

Os registros analisados neste trabalho nos levam a buscar a história da educação

escolar de Juazeiro do Norte. Não buscando uma verdade, como Oliveira (1984)

registra, mas resgatando a história de instituições que contribuíram para a formação do

povo de Juazeiro ao longo de sua construção histórica, valorizando-se elementos para

uma educação escolar atual sem perder de vistas seu passado, seus protagonistas e seu

legado como município responsável pelo crescimento de uma região.

Como Freire (1996) argumentava, e em conformidade com o Regulamento da

Escola Normal Rural, a orientação metodológica não ficava restrita a um

acompanhamento contábil dos ganhos e perdas do processo produtivo, em uma

operação que trivializaria a perspectiva etnomatemática que este estudo buscou

construir e problematizar. A ENRJN ofertava como já foi citado, nítido preparo para o

mundo rural com forte embasamento pedagógico ruralista em consonância com a

proposta pedagógica da etnomatemática.

Vê-se, pois, que o espaço regional não é visto como um espaço social isolado,

mas parte de uma teia de relações de mobilidade espacial e cultural, material e

simbólica da atividade social que acabam por ligar todos os lugares e tempos do mundo.

Podemos concluir que a experiência permite a formação de um professor que busca

conhecer sua realidade local, suas relações com as outras realidades e a construção de

sua identidade de professor que conhece e vivencia a sua história.

Diante dessas considerações, houve possibilidade de pontuar as interlocuções

durante o desenvolvimento desta pesquisa, pois, assim, pode nos ajudar a compreender

a cultura de um grupo, expressando os usos da matemática.

Compreendemos que a trajetória pessoal do Padre Cícero foi significativa para a

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história educacional, uma vez que, sua vida política e religiosa possibilitou-lhe

contribuir, não só para a história, no marco educacional, como também político,

religioso e cultural. Tais fatos nos permitiram registrar que o legado maior do Padre

Cícero foram seus esforços na tentativa de criar em Juazeiro do Norte instituições de

educação para a cidade, dentre elas, destacando a criação das primeiras escolas, de ler e

escrever, na casa de professoras, os grupos escolares, as escolas isoladas e a grande obra

como também a ENRJN.

Em relação ao currículo adotado na ENRJN, podemos chegar a algumas

conclusões afirmando que os programas escolares são necessários ao ensino, como

garantia de conhecimentos indispensáveis que o educando deve receber. A organização

dos programas deveria ser estudada e objetiva, tendo em conta fatores de ordem social,

didática e psicológica, a cuja influência estava ligada a estrutura, a missão, o êxito da

escola. A organização dos programas escolares teria em mira, em primeiro plano, a

finalidade e a extensão do curso, adotando-se, tanto quanto possível, as conveniências

do meio, e flexibilizando-se, de conformidade com a época. Tudo indica que outra

possibilidade dos programas seria a de atender à vocação profissional do educando,

ajudando-o a tomar posição na luta pela vida, no seu interesse e no da coletividade.

Cumpre notar que, as reformas tentaram implementar, em nosso país, o ideário

escolanovista, o que as associa à tendência progressista e, de certa medida, a um

interesse em compreensão.

O movimento da Escola Nova propunha uma revisão dos conceitos defendidos

pela chamada escola tradicional, mas que já não davam conta de lidar, de maneira

integral, com as transformações constantes ocorridas no mundo. As considerações

referentes aos modelos tradicionais e o escolanovista, propostos por este trabalho,

fazem-nos pensar nas contribuições que cada proposta apresenta para conduzir o

educando para além da educação formal.

No entanto, mais do que um indivíduo “conformado” com suas condições

sociais, a sociedade deseja um cidadão consciente de seus direitos e deveres, disposto a

acioná-los a qualquer momento com vistas à melhoria de sua qualidade de vida. É, neste

momento de transformação cada vez mais rápido, que a Escola Nova dá sua maior

contribuição, propondo uma reformulação da maneira de ensinar: o conhecimento é

constituído, e não dado ou imposto.

De algum modo, a ideia da modernização como superação do ensino arcaico,

associada à superação do ineficaz pelo eficaz, encontrava um terreno fértil numa

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sociedade que acreditava na industrialização e no crescimento econômico como a via

para a conquista da independência e do bem-estar social.

Como se vê, os documentos analisados na nossa investigação apontam a

necessidade de tomar o local de trabalho e a prática como espaços formativos por

excelência. A profissão docente não pode ser analisada de forma fragmentada, pois,

para entender o ser professora, em qualquer época, é necessário um olhar sobre o

passado. A identidade docente é fruto de múltiplos determinantes que se entrecruzam,

em momentos históricos diferentes. Tais configurações são fundamentais para a

compreensão da docência na contemporaneidade.

Dessa maneira, cumpre notar que a instituição escolar em questão, com toda a

sua equipe, possuía uma grande tarefa: a de não deixar que o ambiente escolar fosse

meramente espectador dos problemas sociais. Assim, o pleno exercício da cidadania

inclui a prática do ato educativo e requer a participação ativa e compromissada dos

cidadãos.

Entretanto, os eventos da Instituição representam espaço para popularizar a

ENRJN na sociedade juazeirense e no campo educacional nacional. As datas

comemorativas eram festejadas para estimular as normalistas a internalizarem ainda

mais os fatos ditos como importantes para sua formação acentuando a cultura local.

Ressaltamos que uma peculiaridade das datas comemorativas da ENRJN são os

momentos dedicados a temas ligados à vida do campo, ressaltando as ideias da

Instituição de que a aluna viva no campo e para o mesmo.

Os depoimentos concedidos por ex-alunas e ex-professoras daquela instituição

foram muito significativos para o nosso aprendizado como pesquisador, pela riqueza em

detalhes de suas memórias e reconstruções nelas contidas sobre o cotidiano daquela

Instituição, nas cinco décadas estudadas.

A chance de entrar em contato com a fonte oral, acrescenta outros olhares

possíveis e questionamentos pertinentes nesta pesquisa. Destacamos que, apesar de

alguns estudiosos ainda permanecerem céticos em relação a esta fonte, devido ao caráter

seletivo da memória dos entrevistados, existe em todo registro humano, seja na forma

escrita ou oral, omissões e silêncios adormecidos.

Certamente, outros entrevistados poderiam ajudar a compor o quadro de

memórias da ENRJN, especialmente no que diz respeito à vivência com o jornal “O

Lavrador”. Porém, devido às alterações ocorridas no decorrer desta investigação, coube-

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nos, em função dos limites institucionais impostos para o tempo de sua realização,

limitar-se a somente quatro entrevistas.

A finalidade desta pesquisa foi conduzida de forma que ocorresse a análise dos

documentos já citados no desenvolvimento desta investigação no que diz respeito à

formação de professoras da ENRJN numa perspectiva etnomatemática e pelo

pensamento pedagógico com disseminação dos princípios da Escola Nova.

Escrever uma História da ENRJN possibilitou-nos uma reflexão de sua

trajetória, apoiando-nos nesta forma de registro acentuado para o entendimento de sua

trajetória e ensino com o forte apelo à fixação do homem no campo, sendo a educação a

forma de persuadir a sociedade.

A chance de entender as bases pedagógicas da Instituição, focalizando o

pensamento ruralista e o apoio dos princípios pedagógicos da Escola Nova, foram

importantes por nos encaminhar à formação das professoras normalistas ruralistas.

Deste modo, foi possível compreender a intrínseca amarração da proposta de formação

da ENRJN do ruralismo e as práticas do escolanovismo.

A nosso entender, o Ruralismo Pedagógico foi um projeto de educação que

visou à propagação dos ideais do campo. Assim, eram valorizadas pela instituição todas

as ferramentas utilizadas neste processo que pudessem culminar no desenvolvimento do

meio rural. Nesse contexto, o Ruralismo Pedagógico era compreendido como o

expoente de uma nova ordem econômica baseada nas riquezas do campo.

Na ausência, porém, de estudos mais sistemáticos e de um debate mais amplo

sobre a formação de professores na ENRJN, duas tendências se expressaram nos

discursos sobre ele, contribuindo para a construção de uma visão dessa experiência

deslocada no Brasil. A primeira referência apenas é um produto aparente do movimento

– ensino de matemática praticado nas escolas normais rurais do Ceará – em detrimento

da sua imagem como processo de ação e reflexão combinadas. A outra o trata como se

sua dinâmica, discurso e propostas fossem idênticas às desenvolvidas no resto do país.

O aprofundamento, nesse período (entre 1930-70), do debate sobre as questões

da educação em face da nova Lei de Diretrizes e Bases e o surgimento das “classes

experimentais” no secundário, delineavam um quadro de ampliação das expectativas e

das possibilidades de melhoria da qualidade desse ensino. O entusiasmo e engajamento

dos educadores eram alimentados pelo clima geral de debate em torno das vias para o

crescimento econômico do país e de modernização da sociedade brasileira, no qual a

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transformação do Brasil em nação soberana, desenvolvida e industrializada era vista

como possibilidade concreta, realizável num futuro não muito distante.

O reconhecimento da validade do convívio de diferentes tendências no campo da

pesquisa, dos esforços de renovação na área da Educação Matemática e a prioridade

dada às experiências, processos de divulgação maciça e implementação generalizada de

propostas de mudança estão ligados a essa aprendizagem realizada pelos educadores.

A articulação entre as ideias de “progresso” e “democratização” está no centro

desse debate. Nos anos 60, o progresso era concebido não apenas como neutro, mas

como fator decisivo de superação dos problemas sociais mais graves – a miséria, o

desemprego, o analfabetismo. Os valores implicados na ideia de progresso permanecem,

porém, pouco discutidos. A lógica da produção de conhecimento científico e

tecnológico e da interação entre esta e a produção material não tem sido tema de debate

entre os profissionais da área da Educação Matemática, a não ser pela valorização do

conhecimento não acadêmico ou da produção de conhecimento ligado à solução de

problemas e necessidades locais e nacionais.

De um modo geral, é preciso levar em conta que, se a apropriação do

conhecimento científico, socialmente produzido, é privada, e que este conhecimento não

é nem acessível de forma articulada aos especialistas que participam de sua produção, a

sua reapropriação, por parte da maioria da população – os trabalhadores –, não pode

ocorrer de modo individual nem ser resolvida no âmbito da escola.

Assim, acreditamos na importância de conhecer e compreender a Educação

Matemática na formação de professoras da ENRJN que, de certa forma, é explicitada

nas narrativas e de depoimentos de ex-alunas daquela Instituição durante vivências no

contexto e ações discentes no período de formação de professoras normalistas ruralistas

– dimensões de reflexão, da colaboração e da autonomia.

Desta forma, foi possível identificar nos registros sobre as lidas escolares, por

meio das narrativas, que havia um caminho possível para entender esse tipo de

perspectiva etnomatemática. Isso fica evidente no depoimento concedido pela ex-aluna

TENA a respeito da operacionalização dos processos de ensino e aprendizagem da

matemática. Ela enfatiza que o observar, o lidar e refletir sobre os saberes do ensino

tradicional são importantes para a consciência escolar referente à aprendizagem

matemática e às práticas agrícolas para o contexto daquela época.

Diante desse ponto de vista, as narrativas ajudam-nos a colocar ordem e

coerência à nossa experiência e a dar sentido aos acontecimentos de nossa vida. Já a

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história é a maneira como organizamos e revelamos para o outro aquilo que

reconhecemos em nossa memória. Assim, é importante a história de vida das alunas,

com a finalidade de conhecer as experiências pelas quais passam no ambiente escolar.

Cumpre assinalar que é possível interpretar o mundo por meio de narrativas,

como também podemos considerá-las como ferramenta cultural que possibilita a

interpretação e compreensão de qualquer aprendiz. Ou seja, é necessário ouvir o

aprendiz durante as aulas e/ou na sua produção textual, que possa ser lida, analisada e

discutida. Vê-se assim, que o exercício do pensamento matemático existe nas narrativas

transcritas e analisadas neste trabalho. Compreende-se, então, que é possível acreditar

que as narrativas escritas pelas normalistas da ENRJN possibilitaram o

desenvolvimento de uma profissionalidade interativa.

A leitura dos documentos produzidos pelas normalistas oportunizou relacionar a

cultura tradicional inerente ao grupo de formandas ao saber escolar a partir do

entrelaçamento de suas práticas agrícolas e o contexto da sala de aula, de acordo com as

possíveis condições e relações entre cultura escolar e matemática escolar na ENRJN.

Por meio dos depoimentos, foi possível identificar que, de certa forma, havia

preocupações por parte dos professores em demonstrar relações entre a matemática vista

na sala de aula e a matemática do dia a dia das normalistas, ou seja, a vivência

sociocultural dos alunos no que diz respeito aos conceitos matemáticos e que nos dá

indício do olhar da Educação Matemática.

Baseado no comentário: “o ensino da matemática pode ter uma importante

contribuição na reafirmação e, em numerosos casos, na restauração da dignidade

cultural das crianças” (D`AMBROSIO, 2005, p. 7), compreendemos que a matemática

passe a ser um elo entre os saberes silenciados e tantas culturas negadas. Pois,

[...] um dos mais importantes conceitos da Etnomatemática é o de considerar a associação existente entre a matemática e a formas culturais distintas. Assim, a Etnomatemática implica uma conceituação muito ampla do etno e da matemática. Muito mais do que simplesmente uma associação a etnias, etno se refere a grupos culturais identificáveis, como por exemplo, sociedades nacionais – tribais, grupos sindicais e profissionais, crianças de uma certa faixa etária etc. -, e inclui memória cultural, códigos, símbolos mitos e até maneiras especificas de raciocinar e inferir [...]. (D`AMBROSIO, 1990, p. 17)

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Foi nesse contexto que buscamos investigar na ENRJN como o ensino de

matemática era usado nas explicações e superação de obstáculos que surgiam na

formação docente relacionada ao dia a dia das ruralistas, estavam relacionados com a

matemática ensinada na sala de aula. Ou seja, as futuras professoras normalistas

ruralistas deveriam ajudar os alunos da zona rural a caminharem e a mergulharem

conscientemente dentro da cultura de sua própria comunidade, buscando a conexão

entre os conceitos matemáticos de seu cotidiano com os da matemática sistematizada e

que fossem utilizados quando realizassem suas atividades cotidianas. Dentre outros

objetivos, a professora normalista ruralista contribuiria para que os olhares dos alunos

se abrissem criticamente no intuito de valorizarem e se sentirem responsáveis em

proteger seus pertencimentos culturais, aprendendo, experimentando e construindo

conhecimentos e valores juntos na sala de aula e fora dela.

Foi possível constatar, nesta pesquisa, que os elementos matemáticos da cultura

do homem do campo prevaleceram na dinâmica de interação do trabalho do professor

formador junto ao futuro professor ruralista, utilizando-se alguns meios próprios para

fazer os cálculos, como os defendidos na perspectiva etnomatemática. Por conseguinte,

chegamos à conclusão de que é importante a inclusão do estudo de matemática levando

em consideração tal perspectiva. O conhecimento etnomatemático está envolvido nesse

trabalho e, assim, constatamos a troca de conhecimento entre o professor e o futuro

professor também por meio das experiências realizadas e que foi explicitado nos

depoimentos transcritos nesta investigação.

Por meio dos depoimentos em relação às atividades práticas, realizadas no

campo de experimentação, a chamada “fazenda modelo”, foi possível enxergar a

interdisciplinaridade dos conteúdos de diversas áreas do conhecimento (matemática,

ciência, português, geografia etc.) de forma consciente a prática, aplicada ao contexto.

E, desta forma, é possível dizer que, por meio de uma atividade prática do

trabalho do professor, é mais fácil perceber a ligação existente entre as disciplinas, o

que pode ajudar tanto ao professor quanto ao aluno a superarem seus limites nas aulas

de matemática. No entanto, constatamos que alguns cálculos matemáticos de

comprimento, área, volume, proporção e porcentagem eram realizadas pelas futura

professoras ruralistas, valendo-se de estimativas e outros métodos não formais, o que

dispensava o rigor da matemática acadêmica, pois o que mais importava era a aplicação

destes cálculos à prática cotidiana nos trabalhos das alunas.

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As propostas apresentadas pelos movimentos modernizadores para resolver o

problema do “descompasso” existente entre o contexto sociopolítico e econômico, os

últimos avanços científicos e, especialmente, os recentes progressos da matemática,

colocam-nos diante de importantes questionamentos: O professor da Escola Normal

Rural era preparado numa perspectiva ruralista para exercer seu trabalho? Qual seria a

formação matemática “adequada” ao contexto daquele momento histórico? Como o

professor promovia a adaptação da matemática escolar, as ideias ditas modernas da

Escola Nova em situações do contexto agrícola? Estas questões, e outras tantas que

podem surgir a partir deste trabalho, devem ser temas para outras pesquisas que

avancem a discussão aqui iniciada.

Aspectos sociais e culturais do Cariri ainda não foram estudados de uma maneira

satisfatória. Por exemplo, os trabalhos sobre o campesinato caririense são raros, embora

a cultura rural domine não só o meio rural, mas também partes do meio urbano.

A discussão sobre essas disponibilidades pode contribuir para o reconhecimento

da influência cultural, em particular, da cultura campesina, no processo ensino-

aprendizagem da matemática no contexto em questão.

Esperamos que a realização desta pesquisa contribua para a história da formação

de professor no que se refere à contextualização e interdisciplinaridade na escola,

auxiliando professores e alunos na busca pelo saber matemático consciente, criativo e

reflexivo, ou seja, uma educação que constrói cidadania. O presente trabalho também

pode impulsionar a continuação desta e de outras pesquisas, a fim de obter ainda mais

caminhos metodológicos que auxiliem a educação matemática, pois sabemos que há

conteúdo a ser explorado nesse campo para melhorar cada vez mais o ensino e a

aprendizagem desta ciência na prática educacional.

Após esta empreitada, fica a certeza de que muito ainda há por se desvendar da

história da educação juazeirense, pois muitas vozes ainda necessitam ressoar e tantas

outras histórias ainda carecem vir à luz.

Por fim, que esta pesquisa possa também servir como uma referência na

orientação e reflexão dos educadores que trabalham na formação de professores numa

perspectiva histórica.

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ANEXOS I) Trecho do Regimento da Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte

“Das aulas e seu regimento:

“Artigo 54 – O ensino dever ser dado, tanto quanto possível, pelo aprendizado ativo e individual do educando, e, além do fim de aplicação utilitária de cada cadeira ou aula, deve procurar desenvolver o espírito do aluno, dando-lhe iniciativa intelectual a faculdade crítica. O processo regular de ensino, em cada aula, deve ser o de argumentação e discussão em que os alunos colaborem com perguntas e respostas.

Artigo 55 – Os professores não poderão usar de apostilas, nem de qualquer processo que impliquem em ditar as lições.

Artigo 56 - Em cada matéria o aluno teria durante o ano duas médias semestrais de aplicação, de 0 a 12, resultantes das notas mestres que levariam em conta, para a sua avaliação (a frequência, o resultado das chamadas orais, dos exercícios escritos ou práticos e também o comportamento).

§ 1º - O professor não poderia dar notas sem que tenha arguido ou submetido o aluno a exercícios práticos ou escritos, conforme a natureza da matéria, louvando-se somente no comportamento e na frequência.

§ 2º – As notas aplicadas na Escola Normal Rural teriam a seguinte equivalência:

0 nula 1 pésssima 2 má 3 a 5 sofrível 6 a 7 regular

8 a 9 boa 10 a 12 ótima

§ 3º - As notas eram lançadas na caderneta, no dia da chamada oral ou do

exercício prático ou escrito. § 5º - Nenhum aluno poderá fazer a composição escrita semestral de que tratam

os artigos 56 e 70 sem ter a respectiva nota de aplicação. §6º - Em caso de omissão da nota de aplicação, se devido a culpa do professor,

será este privado dos seus vencimentos por oito dias e o diretor submeterá o aluno a uma sabatina escrita, indicando dois professores para uma comissão de julgamento, donde resultará a nota a ser aplicada”.

Dos exames escritos e das promoções:

“Artigo 66 – As composições escritas versarão unicamente sobre a parte do programa que tiver sido explicada durante o semestre, e sobre a qual se farão os devidos quesitos.

Artigo 67 – As composições escritas serão rigorosamente fiscalizadas por dois professores, que não poderão deixar a sala de exames nem atender a visitas.

§ 2° - Os professores, no momento das composições escritas, não deverão ocupar-se na leitura, correção ou julgamento das provas, mas unicamente na fiscalização da turma de exames.

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Artigo 68 – O aluno que, depois de sorteadas as questões, se retirar da sala, qualquer que seja o motivo alegado; o que tiver sido surpreendido na consulta de livros ou apontamentos; o que se tenha negado a entregar a prova; o que nada tiver escrito sobre as questões sorteadas ou o que tenha escrito sobre o assunto estranho ao escolhido terá nota 0 (zero).

Artigo 70 – É proibida, em absoluto, qualquer comunicação dos alunos entre si. O aluno que tiver alguma duvida ou precisar de qualquer esclarecimento, só poderá pedir ao professor, ouvido por toda a turma.

§ 1º - A infração destas disposições dará lugar à nota zero no exame, qualquer que seja o andamento da prova.

§ 2º - Os alunos não poderão escrever em papel estranho ao que lhes for distribuído, nem mesmo em borrão.

Artigo 73 – No julgamento das provas de qualquer matéria, entravam em conta os erros de linguagem.

Artigo 74 – Cada examinador lançava na prova a sua nota sobre o exame, de 0 a 12, tirando-se a média respectiva, e subscreveriam todos uma única nota se fossem concordes no julgamento.

Artigo 75 – A promoção dos alunos se faria pelo sistema de coeficientes, nos termos seguintes:

1º - as duas médias de aplicação dadas pelo professor, no primeiro e segundo semestre;

2º - as duas notas das composições semestrais; 3º - somadas essas quatro notas e dividida a soma por quatro, ter-se-á a media

anual de aplicação e exame para cada matéria, a qual seria multiplicada pelos coeficientes respectivos a saber:

4º - a promoção seria feita sempre que o aluno conseguisse 300 pontos, ou mais,

e a média dos exames semestrais de qualquer cadeira não fosse menor que 6, caso em que estaria reprovado.

5º - de 500 a 600 pontos, a nota é distinção; de 400 a 499, é plenamente; de 300 a 399, é simplesmente.

6º As medias de aplicações e as notas das composições escritas eram lavradas em livro especial de Atas, para cada matéria e aluno, em vista da apuração dos pontos.

§ único – No final, far-se-á a resenha dos promovidos, reprovados e eliminados; e, uma vez lavrado este termo, sob nenhum pretexto poderia ser alterado.

Artigo 76 - Se o aluno obtiver o mínimo de 300 pontos, mas estiver reprovado pelos exames, em uma ou duas matérias ou aulas, poderá prestar exames de 2ª época; no caso de ser reprovado em mais de duas, repetirá o ano por completo.

Artigo 77 – O aluno que, por qualquer motivo, deixar de fazer os exames escritos do 1º semestre não poderá prestar os do 2º nem também terá direito a inscrever-se para os de 2ª época.

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§ único – O aluno que faltar aos exames do 1º semestre, tendo plenamente justificado nessa ocasião o motivo de sua falta, poderá ser submetido aos mesmos dentro dos primeiros oito dias do 2º, se observadas as disposições do art. 56 e § 5º.

Artigo 78 – A inscrição para exames de 2ª época será aberta a 20 de janeiro e encerrada a 30, devendo ser requerida ao Diretor pelo candidato.

§ único – O eliminado não poderá fazer exames de 2ª época; o que, porém, deixar de comparecer aos exames do 2º semestre, por motivo de moléstia, comprovado dentro de 48 horas, do dia da falta, poderá ser submetido a esses exames. Artigo 79 – Os exames serão efetuados nos primeiros dias de fevereiro, devendo-se considerar prorrogado para os inscritos o prazo da matrícula até os dois dias imediatos ao do ultimo exame.

Artigo 80 – As bancas para 2ª época constarão de 2 professores da Escola, livremente designados pelo Diretor, respeitadas as disposições consignadas para os semestres.

Artigo 81 – O exame de cada uma das cadeiras constará de uma composição escrita e os dias “aulas” de arte, de uma prova prática, sendo o assunto sorteado na ocasião e versando sobre dois dos pontos de toda a matéria explicada no ano anterior. Será aprovado o aluno que tiver alcançado, para cada exame ou prova a média 6 (seis).

§ único – Não será seguido esse modo de julgamento no caso do art. 78, parágrafo único, em que se procederá como nos atos do ano letivo, levando em conta as médias de aplicação e as notas do 1º semestre, que se devem conservar como fatores para o julgamento”.

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II) FOTOS

Foto do Jornal “O LAVRADOR”- ano XX - 1954. Exposto na sala de Memória Amália

Xavier de Oliveira na Escola Normal (Foto tirada por este pesquisador quando em pesquisa de campo em 03 de setembro de 2010).

Foto da fachada da Escola de Ensino Fundamental Padre Cícero - antigo Grupo Escolar de Juazeiro (Fonte: <http://www.juaonline.com.br> - Edição 197 – 24/MAI/2009 – (Acesso:

14/06/2010).

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Foto das alunas da ENRJN em trabalhos de jardinagem (Acervo de Assunção

Gonçalves).

Foto da turma de alunas da ENRJN em excursão realizada a Fortaleza no ano de 1938

(Acervo de Assunção Gonçalves).

Foto – Turma 32º Aniversário da ENRJN – 8-12-1954. Exposto na sala de Memória Amália Xavier de Oliveira na ENRJN (Foto tirada por este pesquisador quando em

pesquisa de campo em 03 de setembro de 2010).

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Foto das fardas usadas diariamente durantes as aulas pelas normalistas (esquerda e centro) e pelos meninos a direita. Exposta na sala de Memória Amália Xavier de

Oliveira na ENRJN (Foto tirada por este pesquisador quando em pesquisa de campo em 03 de setembro de 2010).

Foto das fardas usadas pelas normalistas durantes as atividades nas aulas de práticas agrícolas na “Fazenda Modelo”. Exposta na sala de Memória Amália Xavier de Oliveira

na ENRJN (Foto tirada por este pesquisador quando em pesquisa de campo em 03 de setembro de 2010).