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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA CAMPUS I – DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO CURSO DE PEDAGOGIA SAMIRA CONCEIÇÃO DE LIMA BRINCANDO COM O CORPO Salvador 2010

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA CAMPUS I – DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO

CURSO DE PEDAGOGIA

SAMIRA CONCEIÇÃO DE LIMA

BRINCANDO COM O CORPO

Salvador

2010

SAMIRA CONCEIÇÃO DE LIMA

BRINCANDO COM O CORPO

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção da graduação em Pedagogia do Departamento de Educação da Universidade do Estado da Bahia, sob orientação da Profª. Teresinha Zélia Queiroz Oliveira.

SALVADOR 2010

SAMIRA CONCEIÇÃO DE LIMA

BRINCANDO COM O CORPO

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção da graduação em Pedagogia do Departamento de Educação da Universidade do Estado da Bahia, sob orientação da Profª. Teresinha Zélia Queiroz Oliveira.

Salvador,_____de_____________de 20____.

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Dedico este trabalho as pessoas que fazem a minha vida valer a pena. A minha melhor amiga e mãe Elisabete, as minhas irmãs Sueane e Verônica e a meu irmão Waldir Junior. Dedico também a meu pai Waldir, que apesar de não estar mais presente, sei que sempre estará do meu lado, torcendo pela vitória da nossa família.

AGRADECIMENTOS

Agradeço ao poderoso Deus e a Nossa Senhora por todas as oportunidades que me concederam nessa caminhada. À minha família por todo o apoio e compreensão que me dedicam. Agradeço a minha amiga Núbia, pelo apoio, escuta e compreensão, por acreditar em mim e estar do meu lado em todos os momentos. Às amigas Lidiana, Caroline, Gabriela, Tatiane e Rosana, por cada momento que dividiram comigo durante o nosso período na UNEB. Ao meu amor Gabriel, pelo carinho e compreensão. E à minha orientadora, Profª Teresinha, pela atenção, paciência e por acreditar em mim. Agradeço a orientação e a contribuição para o meu crescimento profissional e pessoal.

“Descobrir o verdadeiro sentido das coisas... É querer saber de mais.” O teatro mágico.

RESUMO

Este trabalho estuda a importância das brincadeiras e da expressão corporal para o desenvolvimento biopsicossocial das crianças das séries iniciais do ensino fundamental. Baseada no pressuposto de que uma educação que valoriza a formação global da criança, enquanto sujeito repleto de particularidades e subjetividades poderá contribuir de forma significativa para o desenvolvimento satisfatório dos sujeitos aprendentes. Apresenta uma proposta pedagógica que valoriza a utilização de atividades lúdicas que envolvem as expressões e o movimento corporal, como facilitadores do processo de aprendizagem e desenvolvimento social, psíquico e motor das crianças. Para o levantamento dos dados, utilizou-se a pesquisa bibliográfica com uma abordagem qualitativa na busca de uma melhor compreensão e organização dos dados. Os resultados encontrados demonstram que a educação do corpo através das brincadeiras e expressões corporais contribui de maneira significativa para o desenvolvimento da criança, e que a práxis pedagógica dos professores das séries iniciais deve estar focada na formação plena dos discentes.

Palavras-chave: Brincadeiras. Expressão corporal. Psicomotricidade. Desenvolvimento infantil.

Ludicidade.

ABSTRACT

This report studies the value of games and body expression to the biopsychosocial development of children at the initial grades of basic education. Based on the premise that education enriches global shaping of the children, when full of features and subjectivities will be able to contribute in a relevant fashion to the satisfactory development of the subject learners. It presents a pedagogical proposal that enriches the use of playful activities that involves the expressions and body movement, as facilitators to the learning process and social, psychic and motor development of the children. In order to collect data, it was resorted bibliographic research with a qualitative approach in search of a better understanding and organization of the data. The results found prove that the education of the body through games and body expression contributes in a very significant fashion to the development of the children, and that the pedagogical praxis of the basic education teachers must focus on the full training of the students. Key Words: Games. Body Expression. Psychomotor. Juvenile development. Playfulness.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................................ 10

2 O BRINCAR ........................................ ........................................................................................ 13

2.1 brincar e o desenvolvimento social...................................................................................... 19

2.2 Brincar e o desenvolvimento cognitivo ................................................................................ 22

2.3 Brincar e o Movimento ......................................................................................................... 24

3 A EXPRESSÃO CORPORAL COMO POSSIBILIDADE PEDAGÓGIC A................................. 26

3.1 A expressão corporal e as brincadeiras............................................................................... 37

3.2 A expressão corporal na dança como facilitadora das atividades pedagógicas................. 39

4 A PSICOMOTRICIDADE COMO INSTRUMENTO FACILITADOR D A APRENDIZAGEM...... 43

4.1 Psicomotricidade: Um breve levantamento histórico........................................................... 43

4.2 Psicomotricidade: Conceitos e desenvolvimento. ............................................................... 45

4.3 Psicomotricidade no ambiente escolar. ............................................................................... 49

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................. ........................................................................... 54

REFERÊNCIAS.............................................................................................................................. 56

10

1 INTRODUÇÃO

A utilização de recursos lúdicos no ambiente educacional foi um tema bastante

debatido durante a minha graduação no curso de Pedagogia da Universidade do

Estado da Bahia. Todavia, durante os estágios e observações nas escolas de ensino

fundamental, foi possível observar que as atividades desenvolvidas em sua maioria

apresentam-se descontextualizas, sem vínculos com as necessidades dos alunos, e

que a ludicidade é pouco explorada na sala de aula. As brincadeiras que exigem o

movimento e a expressão corporal acontecem em sua maioria no período do recreio

ou são realizadas pelos professores de educação física, quase nunca são

exploradas dentro da sala de aula pelos demais professores.

Sabendo que a educação infantil não se restringe ao ato de alfabetizar e que a

escola não é somente um local para apreender conteúdos, os estudos que valorizam

a expressão corporal através da ludicidade, sobretudo no que se refere às

brincadeiras como recurso lúdico, apresentam uma proposta de trabalho que pode

auxiliar educadores dos anos iniciais no processo de formação e desenvolvimento

dos seus alunos.

Vale ressaltar que a ludicidade vinculada à expressão corporal poderá ajudar

principalmente as crianças que apresentam problemas de comunicação, de

aprendizagem, crianças que possuem dificuldades de relacionamento com os

colegas e professores, e também com dificuldades em seguir regras dentro e fora do

âmbito escolar.

Tendo em vista que a ação do corpo atrelada ao processo educativo pode trazer

benefícios para o desenvolvimento psicomotor dos discentes, o professor que busca

desenvolver em sala de aula atividades que envolvam essas ações, poderá estar

contribuindo de maneira significativa para o desenvolvimento das crianças e

conseqüentemente viabilizando a melhoria da aprendizagem dos alunos. Acredita-se

que o trabalho com brincadeiras que envolvem a ação do corpo, nos anos iniciais do

ensino fundamental é importante para o desenvolvimento da percepção das

possibilidades e limitações do corpo, além do alívio de tensões e ansiedades através

da socialização do aluno com mundo que o cerca.

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Os jogos e brincadeiras como essenciais instrumentos de lazer, fazem parte da

rotina das crianças dentro e fora do ambiente escolar em horários recreativos. O

professor por sua vez pode ir mais além e utilizar as brincadeiras e jogos como

recurso pedagógico, visando à melhoria das relações sociais e intelectuais dos

discentes, além de contribuir para o desenvolvimento das faculdades psíquicas,

intelectuais e físicas dos educandos. Acredita-se que a ludicidade atrelada à ação

corporal pode ser também um instrumento importante para o desenvolvimento

dessas faculdades nos discentes.

Este trabalho tem o objetivo de analisar a relação entre a ludicidade e a expressão

corporal como mediadores do desenvolvimento biopsicossocial da criança,

identificando suas contribuições para o processo educacional dos alunos nas séries

iniciais do ensino fundamental, e propor que essas brincadeiras sejam utilizadas

como recurso lúdico, mediador do desenvolvimento social, psíquico e motor dos

alunos e consequentemente, como facilitador do processo educacional.

Desse modo, apreender de que forma as brincadeiras corporais contribuem para o

desenvolvimento psicomotor das crianças, poderá trazer grandes benefícios para o

trabalho dos educadores, pois a ludicidade atrelada a expressão do corpo utilizada

dentro do processo educacional pode contribuir para o desenvolvimento dos alunos

nas séries iniciais, possibilitando que os mesmos possam agir na sociedade como

cidadãos que valorizam as relações sociais e as atitudes de respeito à subjetividade

e singularidade dos outros.

Este trabalho caracteriza-se como uma pesquisa bibliográfica, de abordagem

qualitativa, a partir das contribuições de importantes teóricos tais como Kishimoto

(1998), Winnicott (1975), Vygotsky (1994), Piaget (1978), Wallon (1998), Ossona

(1988), Fonseca (1995, 2008 e 2010), Coll, Marchesi e Palacios (2004) dentre

outros.

Dialogando com os teóricos das áreas de expressão corporal, desenvolvimento

psicomotor e ludicidade, buscou-se compreender a relação entre eles, e identificar

quais as suas contribuições para o desenvolvimento biopsicossocial da criança dos

anos iniciais do ensino fundamental.

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Esta pesquisa está fundamentada no pressuposto de que as brincadeiras que

envolvem a ação do corpo podem contribuir de forma significativa para o

desenvolvimento das faculdades psíquicas, sociais, afetivas e físicas desses alunos,

e no aprofundamento das questões relacionadas a brincadeiras que envolvem a

ação do corpo, baseada na hipótese de que as brincadeiras corporais podem ajudar

no desenvolvimento biopsicossocial das crianças em idade escolar.

O trabalho foi estruturado em quatro capítulos. No primeiro procurou-se conceituar o

brincar e as brincadeiras infantis, relacionando o brincar e o desenvolvimento social

e cognitivo, identificando quais são as suas contribuições para o desenvolvimento

psicomotor da criança; No capítulo seguinte, apresenta-se a expressão corporal

como facilitador do desenvolvimento da criança, a partir de uma proposta educativa

que valoriza a expressão corporal através das brincadeiras e da dança; No terceiro

capítulo, apresenta-se o conceito de psicomotricidade, e como ela pode ser

estimulada pelos docentes, através das possibilidades educativas citadas nos

capítulos anteriores. Por último, nas considerações finais, apresenta-se uma

proposta para futuros trabalhos educacionais na perspectiva de uma educação

plena, que utilize as brincadeiras e a expressão corporal como instrumentos

mediadores do desenvolvimento biopsicossocial da criança, indicando uma proposta

pedagógica que utiliza a relação entre psicomotricidade e ludicidade para uma

aprendizagem significativa.

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2 O BRINCAR

“Será possível ensinar as pessoas como construir um lar se nunca tivessem brincado de pais e mães? Penso que não”. (Winnicott)

Esse capítulo apresenta o conceito de brincar sob a luz de alguns teóricos como

Kishimoto (1998), Winnicott (1975), Vygotsky (1994), Galvão (1995), Piaget (1978),

Wallon (1998), Almeida (2008), Bee (1996) entre outros, e apresenta um breve

levantamento de como o brincar foi utilizado em diferentes épocas e como essas

brincadeiras foram inseridas no contexto educacional, logo em seguida apresentar-

se-á a importância do brincar para o desenvolvimento social e cognitivo das

crianças, buscando identificar suas contribuições para o desenvolvimento do

movimento corporal dos alunos das séries iniciais do ensino fundamental.

De acordo com Kishimoto (1998), o jogo era visto como recreação. Desde o início da

civilização humana, ele aparece como relaxamento nas atividades que exigiam

esforços físicos, intelectual e escolar. Na idade média, era considerado “não sério”,

porque era associado ao jogo de azar, bastante praticado na época. Já no

Renascimento, período chamado de compulsão lúdica, a brincadeira era vista como

uma conduta livre que favorecia o desenvolvimento da inteligência e que poderia

facilitar o estudo. No Renascimento se constituiu uma nova concepção de infância,

em que a criança “é vista como ser que imita e brinca, dotada de espontaneidade e

liberdade” (KISHIMOTO,1998, p.63)

Após o Renascimento, as brincadeiras passaram a ser utilizadas como instrumentos

de aprendizagem de conteúdos escolares, contrapondo-se aos processos

educacionais vigentes (como por exemplo, o uso da palmatória) e dessa maneira os

educadores deveriam ensinar os conteúdos escolares de forma lúdica, favorecendo

o desenvolvimento da criatividade, do imaginário e da espontaneidade das crianças.

Na antiga Grécia, já se reconhecia a importância do brincar na ação educativa, por

exemplo.

Platão, em as leis (1948), destaca a importância do ”aprender brincando”, em oposição à utilização da violência e da repressão. Aristóteles analisa a recreação como descanso do espírito, na Ética a Nicomano (1983) e na Política (1996) (Apud KISHIMOTO, 1998, p.61).

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Segundo Kishimoto (1998) Froebel, filósofo do período romântico, conhecido como

“psicólogo da infância”, foi o primeiro a colocar os jogos e brincadeiras como parte

essencial do trabalho pedagógico, para ele.

A brincadeira é a atividade espiritual mais pura do homem, neste estagio e ao mesmo tempo, típico da vida humana enquanto um todo da vida natural interna no homem e de todas as coisas. Ela dá alegria, liberdade, contentamento, descanso externo e interno, paz com o mundo... A criança que brinca sempre, com determinação auto – ativa, perseverando, esquecendo sua fadiga física, pode certamente torna-se um homem determinado, capaz de auto-sacrificio para a promoção do seu bem e de outros... Como sempre indicamos, o brincar em qualquer tempo não é trivial, é altamente sério e de profunda significação. (Froebel, 1912c, p.55 apud KISHIMOTO, 1998, p. 68).

Segundo Bettelheim (1988), através das brincadeiras das crianças era possível

perceber como elas entendiam o mundo. Para ele, brincar é uma atividade que deve

ser respeitada, pois nela as crianças apreendem o funcionamento de uma vida em

sociedade.

Wallon, em A evolução psicológica da criança (1998), ressalta que as atividades

lúdicas são próprias das crianças e que fazem parte da sua evolução. Piaget em seu

livro A formação do símbolo na criança: Imitação, jogo e sonho, imagem e

representação (1978), ressalta que o jogo é importante para o desenvolvimento da

inteligência da criança.

De acordo com Almeida (2008) as atividades lúdicas desenvolvem algumas

características nas crianças que contribuem para o trabalho do educador como:

trabalhar a ansiedade; rever limites; reduzir a descrença na autocapacidade; diminuir

a dependência e possibilitar a autonomia; aprimorar as coordenações motoras;

melhorar o controle segmentar; desenvolver percepção de ritmo; aumentar a

atenção e a concentração/ ampliar o raciocínio lógico; desenvolver a criatividade e

Perceber a socialização e a coletividade.

Outros educadores da atualidade se preocuparam com a importância do brincar para

o desenvolvimento infantil, como citaram Cordazzo e Vieira, em seu artigo

“Caracterização de brincadeiras de criança em idade escolar”:

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Para Kishimoto (1999), as características que podem definir o brincar resumem-se em uma situação que: gera prazer; é espontânea e tem a prioridade das crianças; é controlada internamente pelos jogadores e tem uma flexibilidade para ensaiar novas combinações de idéias e de comportamentos. Alves (2001) afirma que o brincar é qualquer desafio que é aceito pelo simples prazer do desafio, ou seja, confirma a teoria de que o brincar não possui um objetivo próprio e tem um fim em si mesmo. Nos relatos sobre o brincar infantil, Vygotsky (1991) afirma que este é como que uma situação imaginária criada pela criança e onde ela pode, no mundo da fantasia, satisfazer desejos até então impossíveis para a sua realidade (CORDAZZO; VIEIRA, 2008, p. 365).

Para Vygotsky (1994), a brincadeira se constitui em objeto de realização de desejos,

a criança utiliza o brinquedo para satisfazer desejos que não podem ser satisfeitos

de imediato, “para resolver essa tensão, a criança em idade escolar envolve-se num

mundo ilusório, onde os desejos não realizáveis podem ser realizados, e esse

mundo é o que chamamos de brinquedo” (Vygotsky, 1994, p.106). Assim o brincar

da criança cria uma situação imaginária que pode ser considerada um meio para

desenvolver o pensamento abstrato.

Como a criança está em desenvolvimento, a brincadeira é um processo ativo

utilizado por ela na exploração do meio com o objetivo de descobrir a si mesma,

apreender a realidade, vivenciar o lúdico e tornar-se capaz de ser e interagir com o

ambiente em que vive. É uma atividade que está inserida no processo de

equilibração do seu desenvolvimento.

“È a brincadeira que é universal e que é própria da saúde: O brincar facilita o crescimento e, portanto, a saúde; o brincar conduz aos relacionamentos grupais; o brincar pode ser uma forma de comunicação na psicoterapia; finalmente, a psicanálise foi desenvolvida como forma altamente especializada do brincar, a serviço da comunicação consigo mesmo e com os outros” (WINNICOTT, 1975, p. 63).

A brincadeira expressa o simbolismo. Durante o ato de brincar a criança revela

através da expressão corporal seus anseios, necessidades e até possíveis traumas.

Segundo Winnicott (1975), a brincadeira de interpretação pode ser comparada a

uma sessão psicoterapeutica, pois nela as crianças muitas vezes, expressam as

situações vividas no seu cotidiano e demonstram suas inquietações, pressões e

outras situações vivenciadas nos ambientes que elas estão inseridas. Para Winnicott

(1975, p.74), “o brincar é por si mesmo uma terapia”.

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Então, através das brincadeiras infantis pode-se perceber que a criança sempre

tenta adaptar à realidade, experiências vividas e observadas, no seu espaço de

construção. Além de fortalecer o imaginário, o brincar contribui para que a criança se

comporte de forma mais autêntica que a habitual. Nas brincadeiras as crianças

imitam os adultos ou crianças mais velhas representando papeis idealizados.

Na infância a criança vivência diversas experiências de conhecimento e

apropriações dos objetos que as cercam além de está sendo inserida em um

contexto social que difere do ambiente familiar (as escolas e creches). Nessa fase

do desenvolvimento infantil, a criança utiliza de recursos lúdicos para se apropriar da

realidade de maneira que possa transformá-la e adaptá-la de acordo com seus

interesses.

De acordo com Kishimoto (2001), no que se refere à transformação e apropriação da

realidade através do brincar.

O brinquedo coloca a criança na presença de reproduções: tudo o que existe no cotidiano, a natureza e as construções humanas. Pode-se dizer que um dos objetivos do brinquedo é dar a criança um substituto dos objetos reais, para que possa manipulá-los. (KISHIMOTO, 2001, P.18).

Desse modo, a brincadeira e o brinquedo são para a criança o objeto de

representação da sua realidade, através do olhar e do imaginário infantil. Brincando,

as crianças fixam na memória os hábitos e costumes do ambiente em que vivem

muito mais do que se simplesmente observassem indiferentes. E é nesse momento,

em que a criança tenta se adaptar a condição de ser “um outro”, manipulando

fenômenos externos para o seu mundo, que o individuo se desenvolve através das

suas interações com o meio, conforme afirma Winnicott (1975).

Para Kishimoto (2001), a atividade de brincar começa no âmbito familiar. Brincar é

uma linguagem infantil para se comunicar com o outro. É uma atividade que assume

de forma privilegiada o papel da construção e constituição do sujeito. É no brincar

que a criança interioriza o mundo que a cerca, e na troca com outros sujeitos se

constitui como pessoa, através da assimilação da realidade. Portanto, brinquedos e

brincadeiras, têm dupla função, a de consolidar os esquemas já formados e

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proporcionar prazer e equilíbrio emocional infantil, porque o ato de brincar estrutura

o mundo psíquico da criança.

Na concepção da psicanálise, o brincar revela como a criança é, e como ela pensa.

Freud ratifica que o brinquedo e o brincar, “são representantes psíquicos dos

processos interiores da criança” (Freud, apud MRECH, 1999).

O uso da atividade lúdica como uma das formas de revelar os conflitos interiores das crianças foi, sem duvida, uma das maiores descobertas da psicanálise. É brincando que a criança revela seus conflitos. De uma forma muito parecida como os adultos revelariam falando. (MRECH, 1999, p. 111)

Nesse contexto o professor das séries iniciais poderá buscar relações entre as

brincadeiras infantis, o desenvolvimento social, psicológico e cognitivo da criança, de

modo que essa relação possa favorecer o desenvolvimento pleno do seu aluno. As

brincadeiras também favorecem uma situação de aprendizagem, que ocorre em

ambiente descontraído, em que a criança arrisca algumas situações que muitas

vezes seriam evitadas por medo de punições e possíveis erros. Essa tentativa que

vai fazer com que eles apreendam novos conhecimentos e experiências.

È importante citar também que o lúdico estimula o pensamento criativo, e a

capacidade criadora da criança, pois “a imaginação é o brinquedo em ação”

(Vygotsky, 1994, p.123). O pensamento lúdico criativo estimula também a

capacidade que o ser humano tem em se adaptar a novas situações, transformando

aquilo que lhe foi oferecido em objeto do seu desejo, dando utilidades e

transformando os objetos e situações de acordo com suas necessidades.

No brinquedo, o pensamento esta separado dos objetos e a ação surge das idéias e não das coisas: Um pedaço de madeira torna-se um boneco e um cabo de vassoura torna-se um cavalo (VYGOTSKY, 1994, p.128).

Observando a ação acima citada, pode-se concluir que a capacidade de criação e

adaptação das crianças possui grande riqueza, capacidade essa que não pode

deixar de ser estimulada, pois vai servir como base para transformar sua realidade

em diversas situações ao longo da sua vida.

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Segundo Winnicot (1982), as crianças aprendem a observar com atenção tudo o

que acontece no meio ao qual ela está inserida, e em seguida reflete essas

observações nas suas brincadeiras, ratificando o pressuposto que elas aprendem

com o contexto vivido, sendo assim no futuro as crianças estarão prontas para

assumir os papéis que representaram na infância.

As brincadeiras auxiliam na capacidade do ser humano em se adaptar às novas

situações. “O brincar contribui para a o processo de solução de problemas” (Bruner

apud KISHIMOTO, 1998, p. 144). Além disso, conforme Kishimoto (1998, p. 27), “A

cultura lúdica como toda cultura é o produto da interação social”, ou seja, como é

produto da interação de um determinado grupo, ela também está repleta de

conceitos pré estabelecidos e visões estereotipadas sobre determinado assunto, já

que “convenções sociais, preconceitos e formas de socialização acompanham as

brincadeiras de todos os tempos” (KISHIMOTO, 1998, p. 147), como por exemplo,

as questões que se referem ao gênero.

È importante notar que as diferenças de gênero influenciam na interpretação que a

criança faz do objeto lúdico, “meninos e meninas não farão as mesmas experiências

e as interações (com os brinquedos que ganham p.ex.) não serão as mesmas”

(KISHIMOTO, 1998, p.28). Porém, essas interpretações não são absolutamente

determinantes no papel social que essa criança ira exercer no futuro. Um menino

que nunca brincou com bonecas, pode ser um pai afetuoso com seus filhos e uma

menina que nunca brincou de ser policial, por exemplo, pode vir a exercer essa

profissão no futuro sem apresentar maiores dificuldades. Pois as atitudes futuras vão

depender da interpretação e das adaptações que a criança faz do brinquedo e da

brincadeira. Pois nada garante que se uma criança brinca de ser professor que ele

vai ser professor no futuro, ou se ele brinca de cozinheiro que ele vai ser cozinheiro.

As crianças observam as situações do seu cotidiano e reproduzem nas brincadeiras,

mais poderão existir novas possibilidades que só serão apresentadas nas fases

seguintes do desenvolvimento do indivíduo. Assim como para o adulto, as

experiências vividas desenvolvem a personalidade, para a criança são as

brincadeiras que vão desenvolver esse papel, a brincadeira é a prova da capacidade

criadora da criança que estrutura sua personalidade através da relação entre o

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lúdico e suas vivências. As atividades lúdicas possibilitam o desenvolvimento

integral da criança, já que através destas atividades a criança se desenvolve

afetivamente, convive socialmente e opera mentalmente. (SANTOS, 1998, p. 20)

Por isso os pais e professores, devem estimular e propiciar para as crianças

situações de interações sociais, pois nesses ambientes as crianças são convidadas

a experimentar o novo que a troca de experiências em grupo possibilita. Para

Winnicott (1982) è muito importante que os adultos estimulem a capacidade de

brincar das crianças, por que:

Se uma criança estiver brincando, haverá lugar para um sintoma ou dois, e se ela gostar de brincar, tanto sozinha como na companhia de outras crianças, não há qualquer problema grave à vista. Se nessa brincadeira for empregada uma fértil imaginação e se, também, o prazer que houver nelas depender de uma exata percepção da realidade externa, então a mãe poderá sentir-se bastante feliz. (WINNICOT, 1982, p. 147)

Suas brincadeiras comprovam que essas crianças são capazes de conviver em

grupo e expressar seus anseios e certezas.

2.1 BRINCAR E O DESENVOLVIMENTO SOCIAL.

A criança começa a se desenvolver no mundo lúdico, nas brincadeiras entre mamãe

e seu bebê, fase em que a criança começa aprender a brincar, segundo (Brougere in

KISHIMOTO, 1998) a criança inicia esse processo com um papel que pode ser

comparado ao do brinquedo e que só depois passa a desempenhar um papel ativo

na brincadeira. Com o passar do tempo a atividade lúdica vai se aprimorando e a

criança passa a brincar de formas diferentes, sozinhas e com outras pessoas em

novos e diferentes contextos.

Para Brougere in KISHIMOTO (1998), as raízes das interações sócias estão na

interação precoce entre mãe e bebê. “A brincadeira fornece uma organização para a

iniciação de relações emocionais e assim propicia o desenvolvimento de contatos

sociais” (WINNICOTT, 1928, p.163).

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“O sujeito constrói-se nas suas interações com o meio” (GALVÃO, 1995, p. 11), a

visão interacionista fundamenta-se na questão de que a aprendizagem se

desenvolve em relação a um contexto sócio-cultural e histórico que é mediado pela

comunicação, ou seja, o desenvolvimento é um processo que se dá de fora para

dentro. “È bom lembrar que a escola, ao possibilitar uma vivencia social, diferente do

grupo familiar, desempenha um importante papel na formação da personalidade da

criança” (GALVÃO, 1995, p.101).

E nesse contexto o professor surge como o mediador do processo de aprendizagem,

que utiliza o recurso do brinquedo e da brincadeira para estabelecer um ambiente de

aprendizagem significativa, de modo que a construção do conhecimento possa

ocorrer através de situações lúdicas e prazerosas.

Segundo Vygotsky (1994), essa mediação acorre através da zona de

desenvolvimento proximal, que é definida como a distância entre o nível de

desenvolvimento real da criança, ou seja, a sua capacidade de resolver problemas

sozinhos, e o seu nível potencial, determinado pela capacidade de resolução de

problemas sob a orientação de sujeitos mais experientes.

Assim o brinquedo cria uma zona de desenvolvimento proximal na criança. No brinquedo, a criança sempre se comporta além do comportamento habitual de sua idade, além de seu comportamento diário, no brinquedo é como se ela fosse maior do que é na realidade (VYGOTSKY, 1994, p.134).

Favorecendo assim o desenvolvimento da aprendizagem, através da zona de

desenvolvimento proximal a criança passa a ter novas possibilidades de

aprendizagem. O brinquedo e as brincadeiras colocam a criança diante de situações

que vão exigir a capacidade de solucionar problemas e se adaptar diante de novas

situações.

E a partir do momento que elas entram em fase escolar que essa atividade pode ser

utilizada como recurso lúdico de estimulo intelectual e interação social, favorecendo

o maior desempenho da aprendizagem. A brincadeira na escola, durante os anos

iniciais do ensino fundamental, apresenta diferentes possibilidades educativas e de

construção do sujeito social e psicológico. Brincar para as crianças pode ter

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diferentes significados que vão variar de acordo com a cultura, experiências

pessoais e interesses de cada sujeito.

As brincadeiras mudam ao passar do tempo, pois cada etapa do desenvolvimento

infantil vai demandar uma necessidade específica. Por exemplo, percebe-se que as

crianças vão perdendo o interesse por certos brinquedos e brincadeiras, que

acabam sendo utilizadas pelas crianças de acordo com sua idade. Ou seja, em cada

fase do desenvolvimento infantil o professor deve estar preparado para utilizar a

brincadeira adequada no processo de facilitação do desenvolvimento. Além de que o

ambiente cultural que a criança está inserida também vai determinar os interesses

por determinados tipos de brincadeira, pois: “A vida social constitui a base do

desenvolvimento infantil, cabendo a escola a importante tarefa de oferecer

condições para a criança exprimir em suas atividades, a vida em comunidade”

(AMARAL, 1990, p. 80).

O educador pode utilizar o recurso lúdico de modo que as crianças experimentem

situações do real através da ação do lúdico. Por exemplo, em classe quando se

trabalha com o conteúdo curricular, sistema monetário, o professor pode adaptar o

ambiente de forma que os alunos vivenciem a experiência de estar em um mercado,

e então o docente poderá brincar com seus alunos de “comprar” para que eles

experimentem uma situação que faz parte do cotidiano dos adultos, como receber

troco e exercitar o cálculo mental, nas situações diárias.

Nessa e em outras situações com outros conteúdos curriculares o docente pode

utilizar atividades lúdicas com seus alunos, e construir um ambiente de

aprendizagem prazeroso, onde a relação de ensino-aprendizagem ocorre de

maneira significativa, favorecendo o desenvolvimento global dos discentes.

Mais além do espaço da sala de aula, quando se fala da relação entre conteúdos

curriculares e ludicidade as crianças necessitam de um ambiente estruturado para

brincar, ambiente esse que estimule a exploração e a experimentação de situações

e objetos novos. Já quando se trata das relações sociais, a brincadeira livre, sem a

intervenção do docente, nos ambientes de recreação também representam fator

fundamental para o desenvolvimento pleno dos alunos.

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2.2 BRINCAR E O DESENVOLVIMENTO COGNITIVO

Para Almeida (2008) os jogos cognitivos, facilitam o desenvolvimento do raciocínio

lógico. Eles exigem uma maior concentração e atenção e podem contribuir para o

aprendizado da resolução de problemas nas situações da vida cotidiana da criança.

Se você observar crianças pequenas em seus momentos não-estruturados, vê-las construindo torres com blocos, conversando com suas bonecas ou alimentando-as, fazendo “chá” com o conjunto de chá, dirigindo caminhões pelo chão, vestindo-se com roupas de adultos. Elas estão, numa palavra, brincando. Esta não é uma atividade trivial ou vazia; é disso que parece depender grande parte do desenvolvimento cognitivo. (BEE, 1996, p. 199)

Bee (1996) citando Rubim, Fein e Vanderbeg (1983), ratifica que as brincadeiras

mudam, de acordo com o desenvolvimento da criança, essas mudanças seguem

uma seqüência que se assemelham aos estágios do desenvolvimento cognitivo de

Piaget:

- O brincar sensório motor: A criança por volta dos 12 meses de idade passa a maior

parte do seu tempo explorando e manipulando objetos, fazendo uso de todos os

esquemas sensório – motores que lhe é possível. “Ela coloca coisas na boca,

sacode-as, movimenta-as pelo chão” (BEE, 1996, p. 199).

- O brincar construtivo: Depois dos 12 meses a criança utiliza os objetos para

construir coisas, nesse período os seus esquemas mentais, possibilitam que a

criança monte quebra-cabeça, utilize brinquedos de montar e encaixar para construir

torres, construir objetos com argila e massa de modelar.

- O brincar de faz - de- conta: “O primeiro sinal desse faz – de conta normalmente é

algo como a criança usar uma colher de brinquedo para “alimentar-se” ou um pente

de brinquedo para pentear seu cabelo”( BEE, 1996, p. 199). Nesse período entre os

15 e 21 meses de idade a criança utiliza os brinquedos, mesmo que no faz de conta

na sua finalidade, ela utiliza a xícara para fingir que está bebendo algo, ou o pente

para fingir que esta penteando o cabelo de sua boneca.

- O brincar de faz - de- conta substituído: Só entre os 2 e3 anos de idade que a

criança passa a utilizar os objetos para representar outros totalmente diferentes, por

23

exemplo: ela pode utilizar o pente como um telefone ou uma vassoura para fingir

que é um cavalo.

- Brincar sócio - dramático: Nesse momento por volta dos 2 ao 4 anos de idade a

maioria das crianças, já estão em fase escolar. Nesse período elas começam a

desempenhar papéis e assumir personagens nas suas brincadeiras.

Assim ao longo do seu desenvolvimento a criança, vai aprimorando suas

capacidades cognitivas e se desenvolvendo de acordo com suas possibilidades de

acordo com a sua faixa etária. O desenvolvimento cognitivo da criança consiste na

organização das informações que são adquiridas através da relação do sujeito com

o mundo externo. Para Piaget (1978) o conhecimento nas crianças era construído

progressivamente durante uma atividade de adaptação.

Crianças que brincam aprendem a decodificar o pensamento dos parceiros por meio da metacognição, o processo de substituição de significados, típico de processos simbólicos. È essa perspectiva que permite o desenvolvimento cognitivo. (KISHIMOTO, 1998, p.150)

De acordo com a citação de kishimoto, as brincadeiras são essenciais para o

desenvolvimento cognitivo da criança, visto que as brincadeiras proporcionam ao

sujeito situações que favorecem a relação dele com os objetos externos, assim

construindo um ambiente de assimilação e acomodação dos conhecimentos novos,

fator fundamental da apropriação do conhecimento.

Se o ato de inteligência culmina num equilíbrio entre a assimilação e a acomodação enquanto que a imitação prolonga a ultima por si mesma, pode-ser-a dizer, inversamente, que o jogo é essencialmente assimilação, ou assimilação predominando sobre acomodação. (PIAGET, 1978, p.115)

Baseado nessa afirmativa, pode-se concluir que as brincadeiras são importantes

para o desenvolvimento cognitivo da criança, já que elas estimulam a descoberta de

novas situações favorecendo o desenvolvimento da aprendizagem. Através de

novas estruturas mentais através de conexões cerebrais, onde as crianças

percebem o mundo se inserindo nele, compreendendo-o e transformando-o.

24

2.3 BRINCAR E O MOVIMENTO

Sabendo que nos primeiros meses de vida, antes de desenvolver a fala, as crianças

expressam suas emoções e necessidades através de gestos e expressões, e que ao

longo do tempo esses movimentos tendem a se aprimorar, se tornam mais

compreensíveis e a expressão corporal continua sendo utilizada durante toda a sua

vida, seria muito interessante se a expressão corporal fosse educada desde o

começo da formação escolar do indivíduo.

As crianças aprendem através de seus sentidos, de seus movimentos e de suas ações. Cada dia na vida de uma criança é um dia cheio de atividades e de novas situações de aprendizagem. A criança aprende vivendo, experimentando, fazendo descoberta, agindo. (Coscione, apud SIQUEIRA, 2007, p. 35).

Galvão (1995) cita Wallon quando diz que o movimento tem um papel fundamental

na afetividade e também na cognição. Pois antes de agir diretamente sobre o meio

físico, o movimento atua no meio humano, mobilizando as pessoas por meio de seu

teor expressivo. Podemos dizer que a primeira função do movimento no

desenvolvimento infantil é afetiva. Segundo Galvão (1995) a afetividade, o ato motor

e a inteligência são campos funcionais entre os quais se distribuem a atividade

infantil.

A criança utiliza gestos para completar seu pensamento, ou seja, expressa através

do corpo, aquilo que não consegue com palavras. “O gesto precede a palavra”

(GALVÃO, 1995, p.72). E por isso os educadores devem estar atentos para

transforma essa necessidade que as crianças têm em se expressar através do

movimento em situações pedagógicas, favoráveis à relação de ensino-

aprendizagem, pois a escola contraria ao movimento poderá trazer obstáculos para

a aprendizagem, dos seus alunos, já que.

O movimento (sobretudo em sua dimensão técnico- postural) mantêm uma relação estreita com a atividade intelectual. O papel do movimento como instrumento para a expressão do pensamento é mais evidente na criança pequena. Cujo funcionamento mental é projetivo (o ato mental projeta-se em atos motores), mas é presente também nas crianças mais velhas e mesmo no adulto (GALVÃO, 1995, p.110).

25

As linguagens e as formas de expressão dinamizam a forma dos indivíduos se

relacionarem com o mundo, tornando-se sujeitos de seu corpo e de seu ambiente.

Então, a valorização das atividades em grupo através das brincadeiras no ambiente

escolar, poderá contribuir de forma significativa para as relações sociais das

crianças nessa fase.

“(...) A criança precisa aprender cedo como encontrar por si mesma o centro de todos os seus poderes e membros, para agarrar e pegar com suas próprias mãos, andar com seus próprios pés, encontrar e observar com seus próprios olhos” (Froebel, 1912c, p.21 apud KISHIMOTO, 1998, p. 59).

E as brincadeiras que exigem a ação corporal favorecem para as crianças essa

mobilidade e percepção do seu corpo e do espaço onde está inserida, Segundo

Dohme (2003) a necessidade de movimento que a criança apresenta faz com que

ela aprecie muito esta atividade, que deve ser explorada de forma alegre,

descontraída, de maneira a estimular a participação de todos

Os jogos colaboram com o desenvolvimento de habilidades onde empregam a força: puxar, levantar, empurrar; a agilidade: correr, saltar, rastejar; a destreza: ativar, mirar esquivar. Como também habilidades físicas que exigem uma maior sensibilidade, como por exemplo, jogos onde as crianças necessitam se ocultar ou executar alguma atividade ligada a psicomotricidade fina, como: enfiar uma agulha, equilibrar um ovo etc. (DOHME, 2003, p.80)

As atividades que envolvem o movimento podem auxiliar no processo de

desenvolvimento psicomotor dos alunos. Nesse espaço, as crianças terão

possibilidades de interagir por meio de gestos e atos, dentro do ambiente educativo

através das brincadeiras, como propõe os parâmetros curriculares nacionais

Os conhecimentos sobre o corpo, seu processo de crescimento e desenvolvimento, que são construídos concomitantemente com o desenvolvimento de práticas corporais, ao mesmo tempo em que dão subsídios para o cultivo de bons hábitos de alimentação, higiene e atividade corporal e para o desenvolvimento das potencialidades corporais do indivíduo, permitem compreendê-los como direitos humanos fundamentais. (PCN de Ed. Física, 25)

Então, o professor deverá ajudar os alunos a utilizar todas as possibilidades que a

brincadeira oferece, e assim, desenvolver trabalhos que contribuem para o

desenvolvimento psicomotor dos dicentes, possibilitando aos alunos um ambiente de

aprendizagem que respeite e valorize suas necessidades.

26

3 A EXPRESSÃO CORPORAL COMO POSSIBILIDADE PEDAGÓGIC A

Este capítulo pretende levantar uma discussão sobre o conceito de expressão

corporal, e apresentar uma proposta educativa para os docentes das séries iniciais

do ensino fundamental, pretende-se compreender como a expressão corporal pode

ser utilizada nas escolas através das brincadeiras e da dança como estímulo das

capacidades motoras da criança. Sob a luz dos teóricos, Gonçalves (1998), Stokoe e

Harf (1987), Brikman (1989), Garaudy (1980), Ossona (1988), Dohme (2003) e

outros.

As crianças expressam suas emoções e necessidades através de gestos e

expressões corporais, antes de desenvolver a linguagem. Ao longo do tempo, esses

movimentos se aprimoram, e a expressão corporal continua sendo utilizada ao longo

da sua vida.

A expressão corporal é uma conduta espontânea preexistente, tanto no sentido ontogenético como filogenético; é uma linguagem através da qual o ser humano expressa sensações, emoções sentimentos e pensamentos com seu corpo, integrando-o, assim, as suas outras linguagens expressivas como a fala, o desenho e a escrita. (STOKOE; HARF, 1987. p. 15).

Gonçalves (1998) concorda com Fonseca (1982) , quando ressalta em Ler escrever

também com o corpo em movimento, o principio da ciência que diz que toda

ontogênese (desenvolvimento do individuo) repete a filogênese (desenvolvimento da

espécie). Por isso para entender um pouco sobre nosso desenvolvimento

precisamos compreender a origem da espécie humana. Gonçalves (1998), diz que.

Seguindo a ordem filogenética da humanidade, nós aprendemos primeiramente a nos movimentar, situar-nos no ambiente e explorá-lo. Em seguida começa-se a tomar consciência deste corpo que existe, seus limites e suas capacidades. (GONÇALVES, 1998, p. 49)

Comparando com a ordem ontogenética do desenvolvimento infantil, a criança,

primeiro começa a se movimentar explorando o ambiente e espaço com os olhos e

depois segurando os objetos e trazendo para perto dos olhos buscando uma melhor

observação. Logo depois, como no início da evolução da humanidade, a criança

começa a balbuciar alguns sons, que pouco a pouco vão sendo aprimorados dando

início ao processo da comunicação verbal. Vale ressaltar que antes da fala a criança

27

apenas se comunica através de gestos e expressões, que facilmente são percebidas

pela mãe e outras pessoas que são próximas.

Na sequência, a criança aprende a se equilibrar de pé, e dá início a uma nova

exploração do espaço, que ressalta Gonçalves (1998) como “necessidade vital de

movimento”, pois essas explorações vão propiciar ao indivíduo novas descobertas, e

aprimoramento da linguagem do corpo. Trazendo para a análise filogenética pode-se

observar que.

È possível que a liberação dos membros pela postura bípede tenha possibilitado que os objetos fossem trazidos para a frente dos olhos, e ao concentra-se neles, o ser humano tenha iniciado o processo de reflexão ( (Dennet apud GONÇALVES, 1998, p. 51).

De acordo com Gonçalves (1998), notamos que a reflexão nasce de um movimento,

processo que é realizado, pela maioria das crianças. Baseado nisso podemos

analisar o que Gonçalves (1998) explanou sobre a fala, e sem prejuízos adaptar

para a linguagem da expressão corporal.

No momento em que, através da fala, o ser humano estabelece um processo comunicativo, ele começa a reconhecer diferenças entre si e o outro. Esta diferença representa um salto qualitativo em sua cultura de mundo e de si próprio (GONÇALVES, 1998, p. 51).

Para Stokoe e Harf, (1987) a expressão corporal é uma forma de linguagem

imediata que enfatiza a idéia de ser humano, que expressa a si mesmo, com ele

mesmo, sem necessidade de recorrer a outros recursos para se comunicar, embora

sabemos que em alguns momentos desse processo o indivíduo pode recorrer a

outros recursos ( como a fala), fazendo assim um intercâmbio entre linguagens, de

acordo com Stokoe e Harf, (1987, p. 20)

“Não queremos dizer com isso que o corpo seja o meio mais importante da expressão, mas sim que é uma via a mais, que tem a vantagem de ser o único instrumento de expressão utilizado pelo homem desde que nasce”.

A expressão corporal envolve a percepção e a conscientização do eu, das posturas,

dos gestos, das atitudes nas ações do cotidiano para nossas necessidades de

comunicação e interação na sociedade.

28

A linguagem da expressão corporal permite que o ser humano se perceba, e através

dessa percepção de si, possa se expressar para os outros, ou seja, o indivíduo se

reconhece através da linguagem de seu corpo, e a partir daí, se comunica da

maneira que ele desejar.

È uma linguagem por meio da qual o individuo pode sentir-se, perceber-se, conhecer-se e manifestar-se. È um aprendizado em si mesmo: o que o individuo sente o que quer dizer e como que dizê-lo. (STOKOE; HARF, 1987 p. 17).

Como cada sujeito é único, com suas particularidades e subjetividades, assim

também a expressão corporal é única de cada ser, sendo manifestada de acordo

com a singularidade de cada indivíduo representada através de seus movimentos.

Para Brikman (1989) “A forma de mover-se e as atitudes posturais de cada indivíduo

expressam sempre sua personalidade, suas circunstâncias psicológicas, social e

cultural”.

Para ir ao encontro da linguagem do corpo é preciso desenvolver todas as possibilidades do movimento corporal, o que exige a descoberta do próprio corpo pela via da sua sensibilização, vivência e conscientização, ou seja, perceber os aspectos, físicos e psíquicos do corpo e suas inter-relações. (BRINKMAN, 1989, p. 13).

A liberdade de expressar a linguagem do corpo tem ação psicológica, com o fim de

melhorar o comportamento, o desenvolvimento físico, emocional e intelectual dos

indivíduos. Sobretudo no que se refere à construção da identidade, pois segundo

Stokoe e Harf (1987) desde o nascimento do bebê existe uma série de

transformações organizadas em estágios, que se desenvolvem com um ritmo

individual, de acordo com o contexto no qual o indivíduo está inserido e suas

motivações internas, e nesse desenvolvimento o sujeito adquire experiências que

contribui para a formação da sua identidade.

Cada ser humano tem sua subjetividade na maneira em que se relaciona com os

outros e com ele mesmo, cada indivíduo sorrir, se movimenta, anda e se comporta

de um jeito único.

A identidade não está marcada somente no espírito, esta marcada no corpo também. Ela aparece no gesto, na postura e na mímica que modelam o corpo e o rosto, fazendo de cada um, um ser singular. (HERMANT, 1988, p. 9)

29

Além de contribuir para a construção da subjetividade e da identidade do indivíduo,

as atividades que envolvem a Expressão Corporal exercitam a coordenação, o

desenvolvimento cognitivo, a sensibilidade auditiva, o tempo, a dimensão de espaço,

a harmonia, o ritmo e a flexibilidade dos alunos. Por isso em um espaço que valorize

e estimule a linguagem do corpo, as crianças terão possibilidades de interagir por

meio de gestos e atos, uma vez que a expressão corporal, manifesta os sentimentos

conscientes inconscientes através de gestos e movimentos.

A expressão corporal revela a alegria de se descobrir através da exploração do

próprio corpo, os sujeitos aprendem pelas experiências do corpo a agirem livremente

no espaço que vive. “È com seu corpo que vai se movimentar, conhecer e

relacionar-se com o mundo” (STOKOE; HARF, 1987, p. 32).

È importante esclarecer a diferença entra expressão corporal e movimento, segundo

Brikman (1989) a expressão corporal se confunde para muitos com o movimento

corporal. Um está ligado ao outro, contudo, não se pode dizer que são a mesma

coisa. No conceito de Brikman (1989) mostrado no livro A linguagem do movimento

corporal, a expressão corporal é a continuidade do movimento, limitado às

condições que o meio social impõe. Com a expressão daquilo que o corpo está

acostumado a ser e exercer, é possível libertar sensações, sentimentos, vontades as

quais o corpo oprime, devido a uma exigência social.

O ser humano em sociedade, ao longo dos tempos, veio desenvolvendo muitas

formas de linguagem, sendo a expressão corporal, uma das primeiras É comum

ouvir a seguinte frase, “o corpo fala”, e realmente o movimento corporal é uma forma

de comunicação exercida pela maioria das sociedades. Para Weil e Tompakow

(1995), desde os tempos antigos que a humanidade utiliza símbolos para expressar

sua linguagem, para os autores “A característica dominante do símbolo é fugir da

palavra ou frase, escrita por extenso” (WEIL; TOMPAKOW, 1995, p. 25). A

linguagem do corpo é repleta de simbolismo, como se o corpo falasse e se

expressasse através de gestos e posturas o que está pensando aquele indivíduo ou

até mesmo o estado emocional dele naquele momento.

30

Nosso corpo fala também por intermédio de nossas emoções, que, em sentido próprio, são “movimentos” de nosso organismo: trememos de medo, coramos de vergonha etc.; e essas reações físicas, pelas quais se exprime o que sentimos, traduzem, pela linguagem, o modo pelo qual concebemos e nos representamos esses fenômenos. (GUIRAUD, 2001, p. 5)

Para Hermant (1988), a criança recorre ao gesto para mobilizar uma espécie de

memória cinestésica, que lhe permite encontrar a palavra através de mecanismos

cerebrais, e assim essa memória que faz parte do psiquismo humano, permite que a

linguagem dos gestos antecipe de forma motora a linguagem verbal.

Este fenômeno é observado principalmente nas crianças: é comum observar nelas, quando procuram palavras para exprimir seu pensamento, certo tipo de expressão corporal que consiste em representar gestualmente o objeto ou a ação que tentam verbalizar, e isto mesmo quando ela não tem valor de comunicação. Estas constatações nos permitem formular que a configuração cinestésico – espacial do gesto parece poder, por antecipação motora, preparar o terreno para a expressão verbal. (HERMANT, 1988. p. 91-92)

A algumas ações gestuais que o corpo expressa, sem que uma palavra sequer fosse

pronunciada e, no entanto tudo é muito bem entendido, como o exemplo, dado no

livro Comunicação do Corpo, dos autores Rector e Trinta (1999, p. 9). Um juiz, em

um jogo de futebol, faz uso de partes articuladas do seu corpo, para comandar a

partida: ele utiliza o cartão exibido por sua mão mantendo o braço erguido, para

expulsar ou advertir um jogador; com os dois braços erguidos, apontando em

seguida para o centro do campo ele da indicação do termino da partida, e é

entendido pelos jogadores e pelo público expectador da partida.

Os códigos gestuais são também utilizados, por pessoas que apresentam

dificuldades na fala, essas pessoas buscam em expressões corporais e signos

gestuais formas de completar seu pensamento, que não pode ser expresso

verbalmente, porém, não podemos confundir a linguagem da expressão corporal

com a linguagem dos sinais utilizadas pelos sujeitos surdos.

Segundo Rector e Trinta (1999), a linguagem dos sinais utilizadas pelos surdos, é

estruturada em “um conjunto estabelecido de sinais convencionais executados com

os braços e, sobretudo, com as mão,” (RECTOR; TRINTA, 1999, p. 22), portanto se

a linguagem de sinais trata-se de um conjunto estabelecidos e estruturado de

movimentos, ela é mais um meio de comunicação do ser humano, e não pode ser

31

caracterizada como linguagem da expressão corporal. Uma vez que a expressão

corporal transmite aquilo que pensamos e sentimos através de gestos e expressões

que envolvem todo o corpo e muitas vezes são transmitidas de forma involuntária.

Para Rector e Trinta (1999, p. 6) “Mesmo sem a intenção deliberada de comunicar,

nosso corpo é uma mensagem, que anuncia e denuncia o que somos e pensamos”.

A constituição psicológica comum aos seres humanos restringe a escala de comportamentos comunicativos que as pessoas exibem. A voz embargada, a mão tremula, o sorriso nervoso e a transparência profusa são quase sempre simples respostas individuais a diversas tensões emocionais. (RECTOR; TRINTA, 1999, p. 10)

Vejamos um exemplo claro de comunicação da linguagem corporal, que podemos

perceber facilmente na vida cotidiana, que revela a situação emocional do indivíduo

de forma quase involuntária.

Alguém entra em nosso escritório e nós o observamos atentamente: os movimentos de seu corpo, a sua maneira de olhar, suas roupas e acessórios. Vemos que fuma, em longas tragadas; em certos movimentos, rói as unhas; pigarreia e uma vez sentado, mexe-se sem parar na cadeira. Dizemos então: “Fique a vontade; não há razão para ficar nervoso”. (RECTOR; TRINTA, 1999, p. 6)

Nessa citação fica bem claro, como percebemos, sem que uma só palavra tivesse

sido pronunciada, que tal sujeito em situação de desconforto. Todo o corpo fala

“falam as partes, falam o todo” (WEIL; TOMPAKOW, 1995, p. 121), a linguagem do

corpo é composta de variadas e harmônicas formas de expressão, como por

exemplo, um sorriso, um olhar, a forma como um indivíduo senta, cruza as pernas e

os braços, pega no cabelo, estufa o peito ou franze a sobrancelha.

Essas e outras expressões corporais são utilizadas espontaneamente pelo sujeito, e

refletem muito sobre sua personalidade, emoções e outros significados. Por isso é

importante que a expressão corporal seja valorizada na escola, principalmente nas

séries iniciais, fase em que a criança está descobrindo novas possibilidades de

relacionar-se com o mundo. Porém, não é comum perceber essa valorização da

linguagem do corpo na maioria das escolas de ensino fundamental I.

A prática e / ou vivencia de movimentos na educação física por parte das crianças é incluída por força da lei no ensino publico apenas a partir da 5º serie do ensino fundamental, com professor especializado. Até lá, os

32

estudantes ficarão por conta da “boa vontade” ou “esclarecimentos” de seus professores curriculares para realizar atividades que envolvam o corpo e o movimento. (GONÇALVES, 1998, 47)

Analisando essa citação notamos que para o sistema e as leis que regem a

educação brasileira, a educação do corpo só se faz necessária a partir do ensino

fundamental II. Fica claro o pensamento de que, antes dessa fase, a criança não

necessita de uma educação que valorize suas expressões corporais e o movimento.

Ora, se o movimento e a expressão corporal são inerentes ao ser humano, se essas

expressões e movimentos fazem parte da constituição do sujeito na esfera

biopsicossocial, as leis que regem a educação nacional, se apresentam de forma

equivocada, e se o objetivo educacional é a formação do cidadão pleno, as leis

precisam ser revisadas. Para que haja uma formação docente que conheça e

valorize as necessidades corporais dos alunos das séries iniciais do ensino

fundamental.

Segundo Stokoe e Harf (1987) a escola deve preparar o aluno para a vida e não se

preocupar apenas com a transmissão de conteúdos e informações. È preciso educar

para a formação do cidadão pleno, completo com suas expressões, percepções,

criatividades, relações interpessoais e outros.

O movimento significa vida. Um organismo que não apresenta nenhuma forma de movimento orgânico está morto ou próximo dela, Ao deixarmos o movimento corporal fora das estratégias de aprendizagem e desenvolvimento da escola, estamos mutilando a natureza filogenética das crianças que, feridas em sua ontogenia, tornar-se-ão futuros adultos mutilados (GONÇALVES, 1998, p. 55).

Todo conhecimento que é adquirido através da experiência do corpo com o mundo

exterior numa relação significativa entre homem – objeto acontece de forma

prazerosa, porque através desses contatos o indivíduo experimenta uma forma de

aprendizagem pautada nas relações interpessoais, relações essas que possibilitam

uma aprendizagem fundamentada nas experiências adquiridas diariamente através

das relações do sujeito com o ambiente em que vive. Assim: “È preciso pensar a

educação a partir dos nexos corporais entre seres humanos concretos, ou seja,

colocando em foco a corporeidade viva, na qual necessidades e desejos formam

uma unidade” (ASSMANN, 1998, p. 34).

33

“O ambiente pedagógico tem de ser lugar de fascinação e inventividade. Não inibir, mais propiciar aquela dose de alucinação consensual entusiástica requerida para que o processo de aprender aconteça como mixagem de todos os sentidos. Reviravolta dos sentidos - significados e potenciamento de todos os sentidos com os quais sensoriamos corporalmente o mundo. Porque aprendizagem é, antes de mais nada, um processo corporal. Todo conhecimento tem uma inscrição corporal. Que ela venha acompanhada de sensação de prazer não é, de modo algum, um aspecto secundário” (ASSMANN, 1998, p. 29).

Leonardo Boff, no prefácio do livro Reencantar a educação: Rumo à sociedade

aprendente (1998), ratificou que o ser humano não aprende só com o cérebro, ele

aprende com o corpo, através das suas relações. Aprender faz parte da vida, o ser

humano aprende em todas as etapas do seu processo evolucionário.

“A pedagogia escolar deve estar ciente, por um lado, de que não é a única instancia educativa, mas, pelo outro, não pode renunciar a ser aquela instancia educacional que tem o papel peculiar de criar conscientemente experiências de aprendizagem, reconhecíveis como tais pelos sujeitos envolvidos. Para adquirir essa consciência deve estar atenta, sobretudo, ao fato de que a corporeidade aprendente de seres vivos concretos é a sua referência básica de critérios” (ASSMANN, 1998, p. 26).

Assim, para viver e “sobreviver” em sociedade o ser humano tem que se adaptar as

novas situações, se adequar aos padrões que a sociedade exige, vivenciar novas

experiências a cada dia, e desse modo como ser aprendente numa sociedade

aprendente, adquirir conhecimento através da experiência pessoal para o seu

desenvolvimento. Pois “Conhecer é um processo biológico. Cada ser, principalmente

o vivo, para existir e para viver tem que se flexibilizar, se adaptar, se re-estrutura,

interagir, criar e coevoluir” (Boff apud ASSMANN, 1998, p. 12).

O professor e psicólogo norte americano Gardner, em seu livro As estruturas da

mente: A teoria das inteligências múltiplas (1994) destacou as diversas formas de

aprender que o ser humano possui. Ele descreveu as inteligências múltiplas como

uma nova teoria das “competências intelectuais humanas” divididas da seguinte

maneira: Inteligência Lingüística; Inteligência Musical; Inteligência Lógica -

matemática; Inteligência Espacial; Inteligência corporal - cinestésica e Inteligências

pessoais.

Gardner (1994) apresentou a idéia de que o ser humano não possui apenas uma

inteligência, mais sim múltiplas. Ele definiu a inteligência humana como “a

34

capacidade de resolver problemas ou de criar produtos que sejam valorizados

dentro de um ou mais cenários culturais” (GARDNER, 1994, p. x). Gardner (1994)

propõe que todos os educadores conheçam e estimulem essas inteligências de seus

alunos, em função de uma aprendizagem que respeite as variadas formas de

aprender que o ser humano possui.

Como o presente trabalho trata da expressão corporal como possibilidade

pedagógica, cabe aqui enfatizar a inteligência corporal – cinestésica, como peça

fundamental no desenvolvimento da mesma, uma vez que:

“Característica dessa inteligência é a capacidade de usar o próprio corpo de maneiras altamente diferenciadas e hábeis para propósitos expressivos assim como voltados a objetivos (...). Igualmente características é a capacidade de trabalhar habilmente com objetivos, tanto os que envolvem movimentos motores finos dos dedos e mãos quanto os que exploram movimentos motores grosseiro do corpo” (GARDNER, 1994, p. 161).

Desse modo, Gardner (1994), define como centro da inteligência corporal a

capacidade do ser humano de controlar os movimentos do corpo e a habilidade de

manusear os objetos com as mãos. Segundo Gardner (1994) enquanto Piaget

escreveu sobre as fases do desenvolvimento humano em especial, sobre o período

sensório – motor da criança estava esclarecendo a evolução inicial da inteligência

sensório - motora.

“Pode-se ver, na descrição de Piaget, como indivíduos progridem dos mais simples reflexos – como os envolvidos em sugar e olhar – até atos comportamentais que incidem crescente sob o controle da variação ambiental e intenções individuais. Pode-se verificar eventos anteriormente isolados ligados – como sugar e olhar ou olhar e esticar-se para atingir objetos familiares. Pode-se verificar atos separados combinados de maneiras novas para atingir novas metas – o ápice da permanência de objeto. Finalmente, quando a criança começa a operar sobre representações mentais como simbólicos, pode-se observar a mesma seqüência de atos e operações recapitulados numa arena menos publica.( Piaget apud GARDNER, 1994, p. 171-172).

Para Stokoe e Harf (1987), a introdução da expressão corporal na educação infantil,

serviria de complemento para outras disciplinas tradicionais objetivando o

desenvolvimento intelectual do aluno, sendo que o desenvolvimento intelectual é

favorecido através do desenvolvimento equilibrado de diferentes áreas da formação

do sujeito como a social, o cognitivo e o corporal.

35

A escola deve estimular e incentivar nela a soltura, a liberdade, a harmonia e a criatividade que trazem em potencial. E nesse aspecto que a expressão corporal poderia chegar a ser um auxiliar sumamente eficaz para os docentes em seu objetivo de chegar a um amadurecimento integral, tanto em si mesmo como em seus alunos. (STOKOE; HARF, 1987, p. 30).

Outro ponto também muito importante da expressão corporal para o trabalho

docente é a possibilidade que ela oferece ao professor de identificar algumas

situações em sala de aula através da expressão corporal de seus alunos. Então é

muito importante que o professor esteja habilitado para ler e interpretar a linguagem

corporal dos seus alunos, pois é fato que essas crianças vão expressar sua

linguagem corporal em sala de aula, seja como “espectador” de uma aula, ou seja,

como “protagonista” nas suas brincadeiras individuais ou em grupo.

Assim depois de observada a linguagem corporal dos seus alunos, o professor

poderá identificar algumas qualidades e necessidades dos seus dicentes e

desenvolver um trabalho que busque valorizar essas qualidades, por exemplo,

(atitudes de liderança), e suprir algumas necessidades, por exemplo, (timidez e

problemas de auto - estima). Com isso o professor do ensino fundamental deve está

preparado para perceber as necessidades dos alunos em se expressar através do

corpo na busca da relação significativa de ensino-aprendizagem.

No desenvolvimento do trabalho educacional, as atividades pedagógicas não podem

se apresentar de forma descontextualiza, sem vínculos com a realidade e as

necessidades dos discentes, fazendo com que a aprendizagem seja pouco

significativa.

Na apresentação do livro A expressão corporal na pré-escola (1987), Conceição

Castro ressalta que.

A capacidade que a criança tem de expressar-se corporalmente através de movimentos livres, sem estereótipos, não se discute. Porem, diante de um mundo de incertezas, exigente nos processos de educação, essa espontaneidade vai se perdendo em detrimento de questões morais e sociais, preconceitos religiosos e sexuais e, por fim, recebendo punições que entram em cena reprimindo o movimento. (Castro in STOKOE; HARF, 1987, P. 63)

36

Ela enfatiza também que a linguagem corporal é tão completa e complexa como a

fala. Porem diante das exigências da nossa sociedade a linguagem verbal é mais

estimulada e aprimorada, sendo assim conseqüentemente a linguagem corporal é

deixada de lado sendo expressa apenas por pequenos gestos.

A criança, (...), faz uso constante de formas não verbais de comunicação. Antes da aquisição da fala, o uso da palavra articulada, a comunicação se faz por intermédio do corpo, cujos movimentos traduzem necessidades fisiológicas, carências afetivas, sinais de reconhecimento etc. Porem, logo que começa a falar, é comum que os que a cercam passem a dar menor atenção a estas manifestações do corpo, como se elas não mais ocorressem. Isto é um equivoco. (RECTOR; TRINTA, 1999, p. 10)

A educação do sujeito segundo Stokoe e Harf (1987), não se procede de forma

plena uma vez que. “Consideramos como desenvolvimento total, integrado e

harmônico aquele no qual nenhuma área de conduta deixa de receber atenção em

detrimento de outras mais valorizadas”. (Stokoe; Harf, 1987, p. 29).

O professor que tenta regular a expressão corporal do aluno, ajustando-o a padrões

pré-definidos, ou aquele que reduz a atividade corporal a um mero lazer, sem

objetivar o desenvolvimento da aprendizagem, está partindo de um pressuposto

equivocado, já que o desenvolvimento da linguagem corporal permite a

manifestação da personalidade, do conhecimento de si e do outro, possibilitando

uma comunicação mais ampla e favorável ao desenvolvimento da criança.

Sabendo que existem diversas formas de linguagem sendo uma delas a linguagem

corporal, possibilidade pedagógica, que pode ser trabalhada em sala de aula

objetivando o desenvolvimento de diferentes competências independentemente da

aptidão dos educandos, os diretores e coordenadores poderiam, investir na

capacitação do profissional de educação, para assim facilitar o trabalho dos

docentes com a linguagem do corpo, possibilitando o desenvolvimento de um

trabalho que valoriza uma manifestação artística que realmente integra o corpo e a

mente, pois “o importante é que o professor tenha a formação e a informação

adequada e o domínio dos recursos que possibilitem ao aluno enriquecer sua

linguagem do movimento”. (BRIKMAN, 1989, p. 82)

37

Na fase escolar, os indivíduos passam por transformações das habilidades motoras

e intelectuais. Nesse momento elas adquirem um controle mais consciente dos

músculos. Por isso o professor deverá ajudar os alunos a utilizar todas essas

possibilidades que a linguagem do corpo oferece para desenvolver trabalhos

criativos que visam à construção e valorização da identidade dos alunos,

possibilitando um ambiente de aprendizagem que contribuem para o processo de

intercâmbio entre linguagens, auto-conscientização, descoberta de novas

possibilidades de comunicação, que valorize suas necessidades e busque a

formação do cidadão pleno.

3.1 A EXPRESSÃO CORPORAL E AS BRINCADEIRAS

O trabalho com brincadeiras que envolvem a expressão corporal nas séries iniciais

do ensino fundamental é muito importante para o desenvolvimento dos alunos no

que se refere a percepção das possibilidades e limitações do próprio corpo e do

corpo do outro, do alívio das tensões e ansiedades, através da socialização e

comunicação do aluno com mundo que o cerca.

Brincar ajuda a criança no seu desenvolvimento físico, afetivo, intelectual e social, pois, através das atividades lúdicas, a criança forma conceitos, relaciona idéias, estabelece relações lógicas, desenvolve a expressão oral e corporal, reforça habilidades sociais, reduz a agressividade, integra-se na sociedade e constrói seu próprio conhecimento (SANTOS, 1998, p. 20)

A valorização dos trabalhos com a ação do corpo através das brincadeiras,

possibilita que os alunos aprendam a compreender o ponto de vista de si e do outro

e a expressar a sua criatividade de forma significativa dentro e fora do ambiente

escolar.

Para Bruner o jogo e as brincadeiras são muito importantes para a aprendizagem de comportamentos sociais e o uso de ferramentas. Ferramentas essas que são utilizadas de forma mais precisa ao passo que se desenvolve a capacidade sensório motora. (KISHIMOTO, 1998, p.141)

As atividades lúdicas que envolvem a linguagem do corpo trazem benefícios nos

aspectos emocionais, sociais, motores e intelectuais dos alunos. A partir dos

trabalhos que valorizam e utilizam à linguagem da expressão corporal sob o auxílio

da ludicidade, os alunos obtêm contribuições na formação de um senso crítico e

38

consciente além de potencializar os processos criativos e comunicativos

despertando valores culturais, simbólicos e artísticos, pois.

A educação em arte propicia o desenvolvimento do pensamento artístico e da percepção estética que caracterizam um modo próprio de ordenar e dar sentido a experiência humana: O aluno desenvolve sua sensibilidade, percepção e imaginação, tanto ao realizar formas artísticas quanto na ação de apreciar e conhecer formas produzidas por ele e pelos colegas, pela natureza e nas diferentes culturas. (PCN, Artes, P.19).

A brincadeira é a prova evidente da capacidade criadora infantil. Na brincadeira as

crianças se identificam e se ajustam a determinados papéis, e é nesse contexto que

começam também a construção das relações emocionais e o desenvolvimento de

contatos sociais. “È na brincadeira que a criança liga as idéias com a função

corporal”. (WINNICOTT, ano, p.164)

“Entendemos que na linguagem corporal o fundamental e dar autonomia, domínio próprio, capacidade de regular a tonicidade muscular; conseguir que o aluno processe através do jogo, do prazer, a atividade estética de tal modo que possa transferir essa situação de aprendizagem a vida cotidiana” (BRIKMAN,1989, p. 93)

Então o professor como mediador do processo de ensino-aprendizagem, pode

utilizar do recurso lúdico que é a brincadeira, para ajudar seus alunos no

desenvolvimento da linguagem do corpo, como por exemplo, as brincadeiras de

mímica, que o aluno precisa adivinhar o que o outro quer dizer sem utilizar palavras,

apenas gestos e expressões, ou brincadeiras de faz de conta, como ressaltou

Galvão (1995, p. 73) “No faz -de -conta é possível compreender com mais clareza a

origem corporal da representação”, onde o aluno se depara em uma situação que

exige a interpretação papéis e posturas que não estão acostumados a desenvolver.

As dificuldades da criança em permanecer parada e concentrada como a escola exige testemunham que a consolidação das disciplinas mentais é um processo lento e gradual, que depende não só de condições neurológicas, mas também esta estreitamente ligada a fatores de origem social, como desenvolvimento da linguagem e aquisição de conhecimento” (GALVÃO, 1995, p. 76)

Com essas e outras atividades o docente estará contribuído através da ludicidade

para o desenvolvimento da linguagem corporal dos seus alunos, favorecendo a

comunicação do aluno com ele mesmo e com os outros.

39

3.2 A EXPRESSÃO CORPORAL NA DANÇA COMO FACILITADORA DAS

ATIVIDADES PEDAGÓGICAS.

“Se eu pudesse dizer a você o que ela é, eu não a teria dançado” (Isadora Duncan)

Para Stokoe e Harf (1987), a expressão corporal integra-se ao conceito da dança,

uma vez que:

Entendemos por dança uma resposta corporal a determinadas motivações. Coçar-se também é uma resposta corporal, mas ninguém poderia dizer que coçar-se para eliminar uma incomoda sensação seja dança. Não obstante, aquele que se coça de forma organizada e rítmica, com um fim expressivo e comunicativo determinado, pode transformar o caráter meramente funcional de tal ato numa dança da coceira. (STOKOE; HARF, 1987, p. 16)

Isso quer dizer que, qualquer ação funcional pode se transformar em dança, uma

vez que esteja organizada em objetivos que permita “transmitir aos outros um

determinado estado de ânimo, um ritmo interno ou criar novos movimentos a partir

desse primário, de coçar-se”. (STOKOE; HARF, 1987, p. 16).

Para Dohme (2003) a grande necessidade de movimento que a criança apresenta

faz com que ela aprecie muito as atividades que envolvam a dança, por isso o

professor deve buscar se favorecer dessas atividades que poderão ser explorada de

forma alegre e descontraída.

Todas as criaturas jovens são incapazes de conservar em repouso os seus corpos e suas vozes, como precisam movimentar-se constantemente e fazer ruídos de alegria, precisam correr saltar, dançar e emitir toda espécie de sons. (Huizinga, 200: 178 apud DOHME, 2003, p. 59).

‘“A dança é a expressão corporal da poesia latente em todo ser humano” (STOKOE;

HARF, 1987, p. 17). Pois a dança é possível para todos, ela esta baseada no que é

inerente a todo o ser humano, como o corpo, os seus movimentos funcionais, e a

criatividade de cada sujeito.

A dança relaciona a capacidade motora e criativa do indivíduo, transformando-o

numa linguagem artística da expressão corporal. Já que a dança também é uma

forma de linguagem e como a linguagem é um mecanismo de comunicação do ser

40

humano, a dança através dos movimentos artísticos e expressivos sempre comunica

algo para quem o observa.

Os movimentos da dança podem ser usados como linguagem para expressar a

cultura de um povo, seus ideais comportamentos e anseios, pode também ser

utilizada para expressar sentimentos como amor, ódio, tristeza e também para

simbolizar as linguagens do cotidiano, aquela linguagem que usamos diariamente

em nossas relações intra e interpessoais, de forma tão natural que nem percebemos

a importância e a funcionalidade da linguagem corporal. “De todos os usos do corpo,

nenhum atingiu ápices maiores ou foi mais variavelmente desenvolvidos pelas

culturas do que a dança” (GARDNER, 1994, p. 173).

Para Garaudy (1980) a dança sempre foi, em todos os tempos, uma forma de

expressão através dos movimentos do corpo, organizados em sequências

significativas, que reflete seus sentimentos e situações do cotidiano.

A vida quotidiana pose ser expressa pela linguagem, mas não os acontecimentos que a transcendem. A dança exprime estas transcendências. O homem dança para falar sobre o que ele honra ou sobre o que o emociona. (GARAUDY, 1980, p. 27)

Para Ted Shawn um dos criadores da primeira escola de dança moderna

Denishawn. “A dança moderna deveria estar no centro da educação escolar e

universitária e que ela era a raiz viva e carnal de toda a cultura” (Ted Shawn apud

GARAUDY 1980, p. 73). Segundo Shawn, “Cem paginas talvez não possam dizer o

que um só gesto pode exprimir, porque, num simples movimento nosso ser total vem

à tona” (Ted Shawn apud GARAUDY, 1980, p. 81) apud Delsarte.

O objetivo das artes do movimento e da educação a partir do movimento não é o de habilitar a uma carreira bem sucedida na hierarquia social, ao triunfo numa partida desportiva ou a destruição eficaz de um concorrente, mas o de desenvolver o amor pela e a aptidão para a criatividade pala expressão corporal. (GARAUDY, 1980, p. 182)

No que se refere Guedes (2004), com relação ao teatro na educação infantil e que

podemos adaptar para o ensino da dança.

A finalidade do trabalho com o tetro na educação infantil não é fazer peças para a apresentação em publico, mas sim dar espaço a livre expressão. Os

41

jogos dramáticos são um excelente meio para a criança vivenciar o faz – de-conta, e a criação e a dramatização de historias que estimulam tanto a imaginação como o corpo (...) (GUEDES, 2004, p.113).

De acordo com Guedes (2004), é constante e comum que as escolas utilizem as

apresentações de dança e teatro nas confraternizações da escola em datas

comemorativas, entretanto, percebe-se que não há uma preparação previa com

atividades que envolvam a formação continua dessas atividades, como a expressão

corporal e a dança, que sem duvida será muito mais proveitoso para os professores

e alunos na preparação desse trabalho, se essas atividades forem estimuladas

diariamente nas escolas, as crianças vão se sentir mais seguras e espontâneas no

resultado dessas apresentações.

Para Ossona, autora do livro A Educação Pela Dança (1988), a dança é um veículo

vital de comunicação, que não deve ser deteriorada já que todos possuem impulso

para desenvolvê-la, impulso esse que a autora definiu como “irresistível”.

Porque ainda no estado natural mais primitivo, em lugar de economizar suas energias para encontrá-las mais intactas no momento da ação, necessária a seu sustento ou sua defesa, desperdiça-as em movimento fisicamente esgotante? (OSSONA, 1988, p. 19)

Para ela, dançar esta intrinsecamente relacionada a uma necessidade interior, que

mais se aproxima do meio espiritual do que do físico, então, a dança é a forma de

expressão corporal que possibilita que o ser humano expresse seus sentimentos de

forma harmônica e prazerosa, satisfazendo as necessidades do corpo de

movimentar-se e relacionar-se com o mundo externo ao mesmo tempo em que libera

as tensões na expressão dos sentimentos de forma artística, emocional e bela.

A expressão corporal é de fundamental importância para a dança, mas não pode

ser confundida com a dança.

Porque embora toda dança – mesmo que isso não se proponha – seja expressão corporal, nem toda expressão corporal é dança, ainda que o coreografo possa transformá-la em tal, ajustando – a aos esquemas iniludíveis da arte coreográfica. (OSSONA, 1988, p. 25)

42

Desse modo, fica claro que a dança é mais uma possibilidade de expressão da

linguagem corporal. Para demonstrar a força que a linguagem do movimento

representa para as relações humanas, Ossona (1988), apresenta uma situação que

perfeitamente representa a importância do movimento expressivo.

Se uma seqüência cinematográfica nos é mostrada uma fábrica com suas maquinas paradas, deduzimos que são horas de descanso, ou que se trata de um lamento pela morte de alguém ou de uma greve. As mesmas máquinas em atividade transmitem uma sensação de poder, de trabalho febril, algo voraz e desumanizada. A visão de um trem em movimento comunica-nos uma alegria como a de vencer distancias, o mesmo que as rodas de uma automóvel e a hélice de uma avião”. (OSSONA, 1988, p. 25)

Fazendo uma analogia entre o exemplo citado e a linguagem da expressão corporal

dos humanos, comunicadas através da dança, fica possível notar a importância vital

desses movimentos para o desenvolvimento dos indivíduos e de suas relações.

Ossona (1988) ressalta que a dança nos processos educacionais tem sido negada,

ou somente são apresentadas nas escolas próprias de dança, com o objetivo de

formar dançarinos e professores de dança.

Falta entre nós o professor que se situe num ponto intermediário, que parta da base de que toda criança é apenas uma possibilidade a ser explorada no terreno vocacional, e que a dança deve ser uma prazer e um enriquecimento, e é nosso dever oferecer essas possibilidades a maior quantidade de crianças, com a finalidade de que entesourem para sempre esse caudal, que cresça e amadureça com eles e forme parte das mais belas recordações da infância. (OSSONA, 1988, p. 155)

A dança deve ser encarada, dentro dos processos educacionais, como mais uma

possibilidade de expressão corporal, que pode ser reconhecida como “atividade

educativa, recreativa e criativa” (OSSONA, 1988, p. 155) benéfica para o

desenvolvimento da linguagem da expressão corporal das crianças.

43

4 A PSICOMOTRICIDADE COMO INSTRUMENTO FACILITADOR D A APRENDIZAGEM. Visto no capitulo anterior, a criança utiliza gestos, movimentos e expressões

corporais para se comunicar antes da aquisição da fala, ficando evidente a

relevância da motricidade no desenvolvimento da criança. O presente capítulo

pretende fazer um breve levantamento histórico sobre os estudos da

psicomotricidade, analisar seu conceito, desenvolvimento e qual o papel

desempenhado no processo de aprendizagem das crianças nas séries iniciais do

ensino fundamental, sob a luz dos seguintes teóricos: Fonseca (1995, 2008 e 2010),

Hermant (1988), Coll, Marchesi e Palacios (2004) e Almeida (2008).

4.1 PSICOMOTRICIDADE: UM BREVE LEVANTAMENTO HISTÓRI CO.

Descrever a gênese e a evolução do conceito de psicomotricidade em um breve

levantamento histórico é de certo modo estudar a significação do corpo humano ao

longo do desenvolvimento da sociedade humana.

Da civilização oriental a civilização ocidental, e dentro desta, desde a civilização grega, passando pela idade média, até aos nossos dias, a significação do corpo sofreu inúmeras transformações. Desde Aristóteles, passando pelo cristianismo, o corpo é de certo modo, negligenciado em função do espírito. Descartes, e toda a influência do seu pensamento na evolução cientifica, levou a considerar o corpo como objeto e fragmento do espaço visível separado do “sujeito conhecedor”. Só em pleno século XIX o corpo começa a ser estudado, em primeiro lugar, por neurologistas, por necessidade de compreensão das estruturas cerebrais, e posteriormente por psiquiatras, para clarificação de fatores psicológicos. (FONSECA, 1995, p. 9)

Nos primórdios do desenvolvimento da civilização humana, predominava uma

concepção, que desvalorizava a importância da educação do físico para contribuição

do desenvolvimento humano no qual o corpo era negligenciado em detrimento do

espírito.

Depois desse período, alguns autores passaram a compreender o corpo como

sistema de significações psicológicas. Dupré (1909) definiu o termo psicomotricidade

no campo psicopatológico e Henri Wallon foi provavelmente o pioneiro nos estudos

sobre a psicomotricidade no campo científico, de acordo com Fonseca (1995). Outro

teórico que em 1985 publicou Fonctions Psychomotrices et trobles do comporement,

44

uma das grandes obras sobre a psicomotricidade, foi o médico, psicólogo e

pedagogo Guilmain.

Wallon, ao longo da sua obra, esforçou-se por demonstrar a ação recíproca entre funções mentais e funções motoras (“habilidade manual”) tentando argumentar que a vida mental não resulta de relações unívocas ou de determinismos mecanicistas. Quando muito, para Wallon, a vida mental esta sujeita sim, mas ao determinismo dialético de ambas as funções. (FONSECA, 1995, p. 11)

Segundo Fonseca (1995), Wallon e Guilmain, iniciarão as discussões sobre

psicomotricidade, com o objetivo da reeducação psicomotora que mais tarde foram

conduzidas pelos teóricos Ajuriaguerra e Soubiram.

A psicomotricidade, a luz de Wallon e de Ajuriaguerra, concebe os determinantes biológicos e culturais do desenvolvimento da criança como dialéticos e não como redutíveis uns aos outros. Daí a sua importância para elaborar uma teoria psicológica que estabelece relações entre o comportamento e o desenvolvimento da criança e a maturação do seu sistema nervoso, pois só nessa medida, se podem construir estratégias educativas, terapêuticas rebilitativas adequadas as suas necessidades especificas. (FONSECA, 1995, p. 12)

Na década de 60, Wallon recebe o certificado de capacidade em reeducação da

psicomotricidade, para a ação científica de Wallon. Segundo Fonseca (1995), Wallon

se refere ao esquema corporal com uma construção que serve de base para o

desenvolvimento da personalidade do indivíduo e não mera constituição biológica.

Por volta dos anos 70, ainda sob a influência de Wallon, outros autores como Picq e

Vayer, Le Boulch, Lapierre e Auconturur, Defontaine e outros desenvolveram

trabalhos sobre psicomotricidade na esfera educacional.

Segundo Fonseca (1995), paralelamente aos estudos que se desenvolviam sob a

luz de Wallon, alguns autores americanos, sob a influência de Strauss, Weenes,

Hebb e Gissall, Bruner e Piaget, também estavam em meio aos debates baseados

na subjetividade do movimento psicomotor, no entanto esses estudos estavam

respaldados nas concepções perceptivas – motoras que eram baseadas em ações

experimentais.

Paralelamente, alguns autores soviéticos, Ozeretsky, Vygotsky, Bernstein,

Zaporoshets, Elkonin, Galperin e Luria, se destacaram na área da “psiconeurologia

45

do movimento” baseada na hipótese de que todo movimento e ações voluntarias não

eram desenvolvidas dentro do organismo, mais sim a partir do contexto social do

indivíduo. Como evidenciou Galvão, quando se referiu a importância do meio para o

desenvolvimento infantil: “O meio é o campo sobre o qual a criança aplica as

condutas de que dispõe ao mesmo tempo, é dele que retira os recursos para sua

ação” (GALVÃO, 1995, p.100).

O conceito de psicomotricidade tornou-se significativo, uma vez que revela a relação

entre psíquico e motor, através da relação do sujeito com o meio no qual ele esta

inserido.

4.2 PSICOMOTRICIDADE: CONCEITOS E DESENVOLVIMENTO.

A motricidade do ser humano e a capacidade de pensar e agir de acordo com seus

desejos desenvolvidos no intelecto é o que nos diferencia dos outros animais.

Assim, desse modo os outros animais possuem apenas a motricidade.

Do ato ao pensamento e do gesto a palavra, o ser humano dotado de novos processos psíquicos de informação entre o corpo e o cérebro adquiriu a postura bípede, libertou as mãos para fabricar ferramentas, emancipou a boca e a face para comunicar sentimentos e pensamentos com os seus semelhantes e finalmente, inventou o símbolo para fazer historia, transmitir cultura e produzir arte e ciência. (FONSECA, 2010, p. 8)

Para Fonseca (2010), é por meio da motricidade que podemos entrar em contato

com os objetos e a partir desse contato, podemos confeccionar ferramentas para

nosso uso, e também por meio dessa motricidade podemos expressar nossas

emoções e estados de espírito, pois nela se fundamenta as comunicações verbais e

não verbais, com nossos semelhantes.

Fonseca (2008) descreveu a psicomotricidade como:

O campo transdisciplinar que estuda e investiga as relações e as influências recíprocas e sistêmicas entre o psiquismo e a motricidade. O psiquismo nessa perspectiva é entendido como sendo constituído pelo conjunto do funcionamento mental, ou seja, integra as emoções, os afetos, os fantasmas, os medos, as projeções, as aspirações, as representações, as simbolizações, as conceitualizações, as idéias, as construções mentais,

46

etc., assim como a antecede as aquisições evolutivas ulteriores. (FONSECA, 2008, p.9)

Para Almeida (2008), a psicomotricidade é a organização dos movimentos a partir

das vivências do sujeito. Ele a define como:

A ciência que tem como objeto de estudo o homem por meio do seu corpo em movimento e em relação seu mundo interno e externo, bem como suas possibilidades de perceber, atuar, agir com o outro, com os objetos e consigo mesmo. Está relacionada ao processo de maturação onde o corpo é a origem das aquisições cognitivas, afetivas e orgânicas. (S. B. P.1999 apud ALMEIDA, 2008, p. 17).

De acordo com Hermant (1988) autor do livro Atualização em psicomotricidade: O

corpo e sua memória, para a criança desenvolver seu pensamento, seu equilíbrio

emocional, sua linguagem e suas funções motoras é necessário que haja uma série

de influências tanto internas como externas, que vão ser fundamentais para a

constituição do equilíbrio motor e psíquico do indivíduo. Essas influências ocorrem

em todo o período de formação biopsicossocial do sujeito que começa a partir dos

primeiros meses de gravidez, no período intra-uterino. Na fase intra-uterina a criança

movimenta-se de forma natural e através desses movimentos ela pode experimentar

sensações agradáveis ou modificar sensações que não lhe agrada, imersa no

caloroso liquido amniótico.

Segundo Palácios e Mora (2004), Wallon definiu o psiquismo humano como uma

conseqüência do cruzamento entre o inconsciente biológico e o inconsciente social.

Baseado nesse pressuposto, Palácios e Mora (2004) citam o desenvolvimento

psicomotor, como exemplo do cruzamento desses dois inconscientes. Pois tal

desenvolvimento depende de uma série de fenômenos biológicos para sua

estruturação, mas também depende das interações para sua estimulação.

A psicomotricidade está ligada as implicações psicológicas do movimento e da atividade corporal na relação entre o organismo e o meio em que ele se desenvolve. O mundo da psicomotricidade é, então, o das relações psiquismo – movimento e movimento – psiquismo. (COLL; MARCHESI; PALÁCIOS, 2004, p. 67)

Para Coll, Marchesi e Palácios (2004), o recém nascido já mostra uma grande

variedade de reflexos e movimentos que podem ser avaliados no teste de Apgar

47

(escala de avaliação neonatal que avalia o estado do bebê recém – nascido),

inclusive alguns reflexos que são considerados vitais para sobrevivência do bebê,

como o reflexo de sucção, que permite a alimentação do recém – nascido através do

leite materno, e outros que não têm função vital, mais é muito importante para o

desenvolvimento do indivíduo.

Com o passar do tempo alguns reflexos vão desaparecendo e outros vão se

aprimorando e se transformando em ações voluntárias, fundamentais para o

desenvolvimento psicomotor, por exemplo, segurar alguma coisa; e outras

continuarão como simples reflexos, por exemplo, o ato de fechar os lhos diante de

um estimulo visual.

A presença desses reflexos no neonato é um sinal de normalidade; o progressivo desaparecimento posterior, até os quatro meses, daqueles que não serão mantidos também é um sinal de normalidade evolutiva, que simplesmente indica que o córtex cerebral esta tomando para si o controle voluntario de ações e movimentos que antes eram controlados por partes inferiores do cérebro relacionados com os automatismos. (COLL; MARCHESI ;PALÁCIOS, 2004, p. 67)

A psicomotricidade relaciona as maturações cerebrais com alguns componentes

relacionais que ratifica a idéia de que as crianças se relacionam com objetos e

outras pessoas de forma construtiva. Coste (1979); Palácios e Mora (1990) apud

Coll, Marchesi e Palácios (2004, p.68) definem a psicomotricidade como “um nó que

prende psiquismo e movimento até confundi-los entre si em uma relação de

implicações e de expressões mútuas”.

O cerne da teoria do desenvolvimento psicomotor tem a finalidade de controlar o

próprio corpo e a partir disso, possibilitar que se tire dele todas as possibilidades de

ações e expressões possíveis. Para Coll, Marchesi e Palácios (2004) esse

movimento engloba dois componentes: externo e simbólico. O componente externo

compreende a ação desse sujeito no ambiente e o componente simbólico

compreende as representações do corpo e suas possibilidades de ação de maneira

expressiva.

Nos dois primeiros anos de vida do sujeito, o desenvolvimento psicomotor pode ser

observado nos pequenos gestos e movimentos da criança. Nas primeiras semanas

de vida os movimentos do bebê não são controlados, eles se desenvolvem quase

48

que de forma involuntária e só no final da primeira infância, por volta dos dois anos

idade, que a criança passa a apresentar significativo controle de seus movimentos.

Nesse momento ela já se mantém de pé podendo fazer movimentos complexos de

equilíbrio como o ato de correr.

Durante a primeira infância, motricidade e psiquismo estão entrelaçados, confundidos: são dois aspectos indissolúveis do funcionamento de uma mesma organização. (...) Na segunda infância (3-4 a 7-8), as aquisições motoras, neuromotoras e perceptivo-motoras efetuam-se num ritmo rápido: tomada de consciência do próprio corpo, afirmação da dominância lateral, orientação com relação a si mesmo, adaptação ao mundo exterior (...). (Vayer e Picq e Vayer, 1977 apud STOKOE E HARF, 1987, p.126)

Stokoe e Harf (1987) destacaram alguns aspectos da psicomotricidade infantil:

Tônus (muscular), esquema corporal (conhecimento do corpo), espaço (orientação,

organização e adaptação), ritmo (adaptação do corpo aos ritmos), Modalidade de

inteligência (relação entre a capacidade intelectual e atividades sensório-motoras),

que vão se aprimorando ao longo do desenvolvimento da criança.

Para Coll, Marchesi e Palácios (2004), o processo de desenvolvimento da

psicomotricidade da criança, fica claro na observação da diferenciação entre a

psicomotricidade fina, pequenos músculos da mão e a psicomotricidade grossa,

grandes músculos do corpo, processos que relacionam a coordenação de grupos

musculares que envolvem o mecanismo de locomoção, equilíbrio, controle postural e

de pequenos músculos.

Como foi visto, entre os dois e os seis anos de idade a criança alcança significativas

conquistas na sua capacidade motora no que se refere a realização de ações que

até então parecem muito complexas para serem realizadas. Esses avanços podem

ocorrer na motricidade grossa e na motricidade fina, que podemos observar no

quadro que Coll, Marchesi e Palácios (2004, p. 13), apresentaram no livro

Desenvolvimento psicológico e educação: Psicologia Evolutiva.

49

4.3 PSICOMOTRICIDADE NO AMBIENTE ESCOLAR.

Para Almeida (2008), muitas escolas deixam a educação psicomotora em segundo

plano, e por esse motivo deixam de estimular as características psicomotoras das

crianças no tempo certo, como a coordenação motora, às percepções temporais e

espaciais, a lateralidade etc.. Desse modo, o professor poda seus alunos para o

aprimoramento das relações deles com eles mesmos e com os outros.

Para Lapierre e Auconturier (1988) o movimento é a expressão verdadeira da

criança.

È através do jogo com os objetos e numa dialética permanente entre o eu e o mundo que a criança descobre seu corpo que é meio de ação, intermediário e obrigatório entre ela e o mundo. (LAPIERRE; AUCONTURIER, 1988, p. 39).

50

A educação psicomotora é fundamental, sobretudo na compreensão de que a

educação não deve ocorrer de forma fragmentada, mais sim de forma que valorize o

ser humano completo formado de corpo e mente.

A educação psicomotora trata de obter a consciência do próprio corpo, o domínio do equilíbrio, o controle e mais tarde, a eficácia das diversas coordenações globais e segmentares, o controle da inibição voluntaria e da respiração, a organização do esquema corporal e a orientação no espaço; uma correta estruturação espaço-temporal e as melhores possibilidades de adaptação ao mundo exterior. (Vayer e Picq e Vayer, 1977apud STOKOE E HARF, 1987, p.129)

O trabalho com psicomotricidade dentro das escolas, pode contribuir para o

desenvolvimento global da criança. Portanto é importante que os professores

estejam cientes do seu papel nesse processo de desenvolvimento, e que estejam

preparados para executar um trabalho que valorize a educação psicomotora. Para

Almeida (2008, p. 19), “Um bom trabalho de psicomotricidade na escola básica

precisa de uma junção de fatores: concepção, comportamento, compromisso,

materiais e espaço”.

Esses fatores se referem a uma estruturação sistemática do trabalho docente, com

foco nos resultados significativos na educação psicomotora dos discentes. Trabalho

esse que valorize o planejamento, uma vez que sem planejamento o trabalho acaba

enfrentado uma série de contratempos, que o direcionam para outros caminhos e

conseqüentemente a perca do foco inicial. Por isso o docente que visa desenvolver

um trabalho com psicomotricidade deve ter objetivos claros, e muito bem definidos.

Esse professor tem que assumir uma postura de observador/mediador, pois são as

atividades do cotidiano que serão adaptadas para a aplicação de atividades

psicomotoras, uma vez que “O observador chama a atenção provoca a intervenção

e continua a observação” (ALMEIDA, 2008, p. 21).

A observação psicomotora, em certa medida, quebra regras das observações neurológicas e psicológicas clássicas, uma vez que se centra numa interação intencional e recíproca entre o observador (mediador) e o observado (criança), aqui entendido como um ser humano único, holístico, sistêmico e evolutivo, capaz de modificabilidade e de adaptabilidade. (FONSECA, 1995, p. 04)

51

Para Fonseca (1995), a observação psicomotora visa detectar, a partir do corpo e

dos seus movimentos, significações psiconeurológicas que constituem a

materialização do intelecto, que é muito importante para o desenvolvimento da

inteligência e indissociável de uma motricidade cada vez mais organizada.

Na observação psicomotora, o observador envolve-se numa mediação intensa, criativa e mesmo lúdica, encorajando e reforçando a criança a evidenciar o seu potencial como processo e não como produto de comportamento. (FONSECA, 1995, p. 04)

O professor também precisa ter um compromisso com o trabalho que esta

executando, buscando sempre apresentar materiais que irão facilitar as relações das

crianças com o ambiente externo, e também possibilitando às crianças a descoberta

de novos espaços de aprendizagem fora da sala de aula e do ambiente escolar.

Para que o processo educativo seja mais próximo da realidade e das necessidades

dos discentes, e os estímulos mais notáveis e a educação psicomotora possam

ocorrer de forma mais concreta:

Os ambientes psicomotores educativos são aqueles em que se busca explorar cada ação acontecida ali. Toda e qualquer relação humana tem de ser considerada porque a criança esta em pleno momento de construção de referências para ela e para o mundo. (ALMEIDA, 2008, p. 24)

Nos anos iniciais do ensino fundamental a criança encontra-se preparada para

participar dessas atividades, uma vez que nesse período do desenvolvimento

humano a criança executa atividades motoras que possibilitem uma maior

integração com os objetos e com os espaços apresentados pelos docentes.

(...) O ambiente educativo é aquele que vai proporcionar toda uma exploração por parte da criança. È neste ambiente educativo em que a criança poderá se expressar sem amarras. È neste ambiente educativo em que a criança poderá viver uma porção de faz- de - contas que lhe serão importantes fontes de percepções. È neste ambiente educativo em que uma criança poderá experimentar, testar, errar e concluir. (ALMEIDA, 2008, p. 25)

De acordo com Le Boulch (1982) apud Fonseca (2008, p. 26), que:

Afirma que a educação psicomotora concerne uma formação de base indispensável a toda a criança que seja normal ou com problemas. Ela ainda responde, segundo ele, por uma dupla finalidade: assegurar o desenvolvimento funcional tendo em conta possibilidades da criança e ajuda

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sua afetividade a expandir-se e a equilibrar-se por meio do intercâmbio com o ambiente humano.

Na faixa etária em que as crianças geralmente estão no ensino fundamental a

psicomotricidade se desenvolve, nos aspectos relacionados a extensão, controle,

refinamento do seu corpo e movimentos. È nesse período que ocorre

transformações psicomotoras muito importantes e significativas nos aspectos

simbólicos e externos. As crianças que estão nos anos iniciais do ensino

fundamental, apresentam um maior controle psicomotor. Pois nessa fase as crianças

aprendem a adaptar seu tônus muscular de acordo com as exigências dos objetos

que elas se relacionam.

Ao longo do crescimento da criança, ocorrem significativas mudanças no seu

cérebro, essas mudanças vão ser fundamentais no desenvolvimento da

psicomotricidade. Nesse período, nota-se uma mudança no desenvolvimento

psicomotor que é muito importante, essa mudança é o progresso da independência

e da coordenação motora.

A independência é a capacidade para controlar separadamente cada segmento motor; assim, conseguir fazer um movimento relativamente complexo com uma mão sem mover a outra. (...) A coordenação supõe um progresso aparentemente oposto. Padrões motores originalmente independentes se encadeiam e se associam, formando movimentos compostos muito mais complexos do que os originais (...). Subir e descer escadas apoiando uma mão no corrimão e segurando com a outra um copo de água, abotoar a camisa enquanto se verifica se estamos ou não penteados, pular corda prestando mais atenção na musica que se conta do que na execução dos pulos são exemplos de coordenação de atividades e de sua crescente automatização. (COLL; MARCHESI; PALÁCIOS, 2004, p. 131)

De acordo com Coll, Marchesi e Palácios (2004), essas atividades motoras são

muito importantes para a criança, sobretudo no seu desempenho escolar, uma vez

que o controle da independência possibilita que ela tenha maior controle no ato de

segurar o lápis e apoiar a mão no papel; e a coordenação motora que possibilita a

criança uma maior concentração no ato de escrever, uma vez que ela passa a se

concentrar mais no que se escreve e não em como se escreve, fazendo com que ela

tenha domínio satisfatório da linguagem escrita.

53

Portanto, a educação psicomotora corresponde não apenas ao controle de funções

e desenvolvimentos corporais, mais sim, em uma possibilidade de favorecer o

desenvolvimento global da criança em fase escolar.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo desse trabalho foi analisar a relação entre as brincadeiras e a expressão

corporal como mediadores do desenvolvimento biopsicossocial da criança dos anos

iniciais do ensino fundamental, e apresentar uma proposta para a contribuição do

desenvolvimento educacional desses alunos.

A um novo no brincar, nos brinquedos e nos jogos infantis que precisa ser resgatado pelos educadores e pelos pesquisadores infantis. Um novo que sempre existiu. Um novo que pertence ao registro do real, mas que, por nossas construções de linguagem, sempre tentamos apreender a nossa moda, perdendo, muitas vezes irremediavelmente, a criança, o brincar e o brinquedo. (MRECH, 1999, p.115)

Como foi explanado nesse trabalho, baseado na proposta dos teóricos analisados,

ficou evidente que a brincadeira infantil contribui de maneira significativa para a

formação do sujeito. A brincadeira é a primeira forma que a criança em

desenvolvimento encontra para se comunicar com o mundo de forma simbólica. Na

brincadeira de faz- de -conta e de imitação a criança expressa suas emoções,

tensões, anseios, sentimentos, utilizando a linguagem verbal e a não verbal.

Essa linguagem não verbal chamamos de expressão corporal, que se refere a

linguagem do corpo. È através da expressão corporal que o indivíduo se comunica

desde o início da sua vida, uma vez que os bebês antes de dominar a fala, utilizam a

linguagem do corpo para expressar seus desejos e se comunicar com os outros. A

linguagem da expressão corporal continua sendo utilizada durante toda a vida do

indivíduo, porém de forma mais sutil, e espontânea, revelando sua personalidade,

emoções e outros sentimentos. Assim, as brincadeiras que envolvem a ação e a

expressão corporal contribuem para o desenvolvimento psicomotor da criança,

exercitando suas percepções do cotidiano através das atividades naturais ou

induzidas.

Ao longo dessa pesquisa foi revelada a idéia de que o desenvolvimento infantil se

constitui a partir da relação entre as interações do indivíduo com o meio no qual está

inserido e a sua subjetividade.

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Conclui-se também que o desenvolvimento da expressão corporal, enquanto

exercício da linguagem através das brincadeiras em grupo favorece o

aprimoramento das relações sociais evidenciando que, as brincadeiras corporais,

são fundamentais para a prática educativa e o desenvolvimento psicomotor da

criança em fase escolar

Para que este desenvolvimento tome concepção mais lúdica que aqui estamos propondo, é a brincadeira infantil, é a expressão corporal, é o movimento que fazem com que a criança chegue até o seu pleno vigor de uma forma muito mais prazerosa (...) (ALMEIDA, 2008 p. 24-25)

O desenvolvimento educacional, sob a luz da psicomotricidade contribui para a

formação do sujeito consciente das suas possibilidades e limites, e também das

possibilidades e limites dos outros. Permite também que a criança através do seu

corpo se relacione com os objetos e com as pessoas, de forma significativa

agregando conhecimentos e experiências, estabelecendo uma relação entre o ato

psíquico e o ato motor dando-lhe significado.

È preciso que se perceba a necessidade de uma educação que entende a

ludicidade como facilitadora da aprendizagem, a linguagem da expressão corporal,

como forma de comunicação tão importante como as outras linguagens e o

desenvolvimento psicomotor que entrelaça o psiquismo e o ato motor do ser

humano, para a partir desse movimento possibilitar que o indivíduo se relacione com

o mundo externo e interno de maneira completa e significativa.

Faz-se necessário, que os educadores repensem os modelos teóricos e sua práxis

em sala de aula objetivando a formação do cidadão pleno, conhecedor de si e dos

outros, prontos para uma vida em sociedade, através de uma prática educativa que

valorize o ser humano completo, em todas as suas particularidades e necessidades.

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